BTW - Wica Tradicional Britânica (2ª edição)

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Ostara, 2011 . Ano 1 . Edição nº 2 . gratuita


“*Retirar o véu noturno e abrir as portas do dia significa penetrar no santuário da iniciação, da revelação e do êxtase. É a hora mágica do “cantar do galo”, esta ave iniciática que traduz o despertar da consciência interior.” Sherazade Suas histórias fabulosas ao rei Shariar

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Equipe BTW Editora Chefe:

Lorenna Escobar

HPS 2*- Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR Coven Caldeirão de Cerridwen

Projeto Gráfico:

Artemis Absinto

Dedicada da Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR

Colaboradores:

Ana Marques

Dedicada da Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR

Arida Diana

HPS 3*- Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR Coven Vassoura Sagrada

Artemis Absinto

Dedicada da Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR

Baco Liber

HP 3*- Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR Coven Vassoura Sagrada

Calliope Berkanna Iniciada 1*- Tradição Gardneriana, linha Olwen BR - Coven Vassoura Sagrada

Brutus Lobão

HP 2*- Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR Coven Caldeirão de Cerridwen

Lorenna Escobar

HPS 2*- Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR Coven Caldeirão de Cerridwen

Simone Abraços

Iniciada 1*- Tradição Gardneriana, linha Olwen BR - Coven Caldeirão de Cerridwen

Mario Martinez

HP 3*- Tradição Gardneriana, linha Olwen - BR Coven Caldeirão de Cerridwen

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EDITORIAL por Lorenna Escobar É muito boa a sensação de mais um trabalho concluído, a segunda edição da revista aconteceu graças ao trabalho de todos que se uniram e cederam um pouquinho do próprio conhecimento. Este trabalho foi mais uma etapa de aprendizado e reconhecimento de novas possibilidades. Depois da 1ª edição podemos avaliar a receptividade do material que foi, inclusive, considerado um exemplo de informação séria. Permeando um novo horizonte no cenário pagão, sendo bem vista também em outros países, a revista foi capaz de incentivar o aprendizado e atender ao objetivo proposto: mostrar o possível sobre o conhecimento oculto da BTW e desvencilhar o nome Wica de tantas informações incoerentes. Foi um trabalho inicialmente ousado, pois nada tínhamos feito de semelhante anteriormente, ao menos não nessa vida. A revista é um canal que serve de auxílio ao pensamento e um elo capaz de contribuir com reflexões saudáveis que levam ao conhecimento, um mecanismo capaz de abrir as portas ao crescimento espiritual e intelectual. Agradeço especialmente a uma amiga que sempre esteve disposta a me ajudar, às vezes socorrer, a tudo que pedi. Foi ela quem criou a Logo da Revista, e esta possibilitou, também, a fertilidade de nossos pensamentos para produção deste belo material. Querida Mirela Lino obrigado pela disposição e amizade. Agradeço também aos colunistas pela prontidão em atender com os artigos, especialmente ao Mario pela ajuda na revisão dos textos e a Artemis pela diagramação, produção e criação das imagens. Tenho certeza que o ideal é manter a qualidade dos roteiros e assuntos para que a revista esteja mais interessante a cada página virada e que possamos ansiar ainda mais pelas próximas edições assim como ansiamos pelas próximas estações.

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Com carinho à C.E.


índice Ostara Comportamento Pagão - parte II Encontro com Monique Wilson Poder Mental na Bruxaria Gardneriana Wica e seus Dogmas Entrevista com Philip Heselton Os Instrumentos do Ofício Beltane

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Ocultismo: 39

- Poções, Misturas de Poder - Ervas Históricas e Sagradas da Bruxaria - Psicologia, Religião e Ciência - A Encruzilhada - O Enamorado

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CARTA DO LEITOR Não podia perder a oportunidade de parabenizar a todos os envolvidos na concepção da revista BTW, afinal é um ótimo material para os que estão buscando um conhecimento confiável e tradicional, espero que cada edição nos surpreenda mais que a anterior. Mal posso esperar pela próxima edição. att, André Barcellos

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OSTARA por Brutus Lobão Ostara traz junto com a primavera a confiança na vida e no florescimento, a beleza e o contentamento, a alegria e a festa dos dias quentes de volta. O Deus de Chifres agora é um jovem vigoroso e corteja os encantos da Deusa Donzela, assim a esperança de toda a fertilidade retorna ao mundo e é prenunciado aqui em Ostara, a preparação para Beltane, o grande momento da união e fecundação que virá no próximo Sabá. No cáp VIII de The Meaning of The Witchcraft, Gardner cita Wagner com a informação de que Ostara era um antigo nome para a Deusa pagã da Primavera.

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O Equinócio de Primavera é o equilíbrio entre a escuridão e a luz, que se seguirá com o avanço da luz, na sequência do ano crescente. Neste momento da Roda do Ano a luz e o calor estão prontos para superar as trevas e o frio, e aquilo que foi semeado, brotado e cuidado, floresce então, espalhando os aromas sugestivos para o romance, e alegrando a visão de variadas e convidativas cores de flores. Neste momento a vida corteja a beleza, manifestando sedução que conduzirá a natureza até o futuro momento de Beltane, quando a natureza se acasalará, mostrando amor e união.


Este momento de primavera é muito propício ao encanto que os enamorados demonstram explicitamente, às paixões que arrastam as razões até a fogueira do amor, às visões de paraíso aqui mesmo na terra, como comentavam os Bascos sobre os Sabás das Bruxas(The Meaning of WitchCraft, Gardner, Cap. XII). A chegada da primavera é muito associada com ícones mascarados e misteriosos, escondidas nas florestas e nas folhagens, espreitando por trás do tenro verde, como Jack in the Green. Os sons das folhagens e do vento entre as plantas, carac-

terizam a assobiante canção do despertar da natureza. Para o Wica Tradicional, este é um momento de amadurecimento das energias fecundativas, e preparar de todo o romance que vivem os Deuses. Cores, aromas, flores, beleza e jovialidade transmitem a energia do momento e a contemplação dos Mistérios Sagrados pelos Iniciados desvelam o início dos Ritos mais festivos e alegres dos Deuses.

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‘Nós, como o restante dos povos pagãos do ocidente possuímos algo que nos distingue dos demais... ’

O Comportamento Pagão A Estrutura Basal Parte II

por Baco Líber Por quê?... Porque ante as várias faces e comportamentos pagãos, nós nos distinguimos? Elaboramo-nos socialmente com o passar das eras a algo significativamente ímpar? Nossas ligações culturais, mesclas entre as sociedades vigentes das épocas nas quais, celtas, gregos, romanos, ciganos e etruscos se encontraram, podem dar explicação à esta característica essencial da bruxaria Gardneriana?! Não sei dizer ao certo, mas, dou aqui a oportunidade de declinarem junto à mim para a continuidade e pesquisa sobre este empasse, mais um pequeno ensaio sobre o nossa própria distinção pagã.

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‘Ao final de 1939, numa bela casa de uma professora de canto, região de New Forest, Inglaterra, um trabalhador aposentado da alfandega inglesa, ex-trabalhador das fazendas de chá no Ceilão, foi iniciado em um estranho culto...’

A premissa ante este fato é a da curiosidade natural, assim como a estranheza que, pelo levantamento deste pequeno contexto, rapidamente nos atemos, perguntando-nos: ‘Mas, o que, para nós, a somatória destes fatos tão distantes, tem para explicar algo remetente a este enunciado?’ Inicialmente vamos estabelecer quais foram seus motivos, àqueles que levaram Gerald Brosseau Gardner ao rito introdutório no seio de uma antiga congregação, e, em adendo, a especificidade deste ter adentrado na própria bruxaria em sua essência mais tradicional.


“Apesar das muitas revelações sobre a Arte através dos anos, que naturalmente envolveram a quebra dos juramentos feitos na iniciação, os Mistérios ainda mantém uma força e um poder que permanecem imaculados. Eu me lembro muito bem de minha própria iniciação na Arte dos Sábios. Era difícil para mim imaginar que essa estranha e nova experiência estava acontecendo comigo. Minha mente foi subitamente confrontada com alguma coisa fora do comum - alguma coisa que parecia ser muito antiga, muito real e quase totalmente espiritual. E além dessas impressões, havia um sentido de continuação ecoando no processo natural da vida humana. A etapa dos Degraus, que se seguiram no curso do tempo, era igualmente inspiradora e nada ofuscou o que Gerald chamava de ‘sentido de maravilha inicial’. Além da iniciação, os rituais são destinados a elevar a consciência para níveis mais espirituais de modo que os participantes estejam aptos a contatar vibrações mais altas. Rituais também intensificam e energizam os Centros de Poder do corpo, e assim ajudam no desenvolvimento e harmonização dessas forças nos níveis comuns da vida. Bem realizados, rituais são de longe o melhor método para harmonizar a mente e contatar o Mundo Espiritual. Obviamente que esses resultados dependem totalmente dos oficiantes conhecerem os ritos e procedimentos, além de terem sido Iniciados e apresentados aos Poderosos.” Patrícia Crowther

Rebuscando fatos passados, soerguemos alicerces que sustentarão este texto. O primeiro destes é o que chamo de ‘regime em comunidade’, tribo, e, ou Clã. Devido ao fato dos pagãos, em especificidade os Wica, se manterem sob um regime grupal, salientaremos muitos dos pontos que devidamente poderemos recorrer para aludir a uma distinção genuína presente neste tema. Assim, se distinguirmos atitudes e práticas recorrentes à sua formação inicial, como uma comunidade herdeira de práticas agrícola-caçadoras, como iniciei na primeira parte deste ensaio, lançaremos pressupostos que nos levarão irremediavelmente à fonte deste, ou, a este ‘comportamento’ singular. Há eras aqueles pertencentes à Antiga religião caminhavam sob a face da terra. Chamados de os Ancestrais, ou “aqueles que vieram antes de nós”, os antigos bruxos observaram a expressão das energias divinas sob a natureza e seus ciclos. Estes aprenderam a sentir essas marés em seu interior, e com isso acessaram o poder da criação e o conhecimento da magia. Em algum ponto do passado, grupos de bruxos, mantiveram em seus sistemas ritualísticos a maior experiência por eles já vivida, o contato com a Grande Deusa Mãe. Nesse momento eles souberam que Ela, havia colocado sobre eles a sua mão, fato esse que mudaria para sempre a realidade de seus conhecimentos mágicos. A cada reunião o grupo a invocará para vir inspira-los. Porém sob o vinho consagrado dos rituais, alguma mudança sutil se anunciara. A sabedoria interior transbordava do caldeirão da inspiração, esse era o conhecimento adquirido após o ato simbólico da união sexual entre a faca e o cálice na cerimônia de consagração do vinho. Cada pessoa que tomava daquela taça sentia a mudança dentro si, mesmo que cada um a sentisse de forma individual, o conhecimento comum

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era partilhado por todos, e, assim também a mudança se fazia, percorrendo todo o grupo como uma a mítica Ouroboros, a serpente que morde a própria cauda, simbolizando a eternidade. Nenhum mistério da fé acontecia, talvez uma pergunta sem resposta?... Porém algo era comum a todos os contatos dessa natureza, a conscientização e a sensação de ter sido tocado por algum poder absoluto e infinito. Mesmo havendo a sensação de amor e compaixão fluindo por esse contato, persistia a aura de distância fria, remota e atemporal da Deusa. Para os antigos, Ela era a essência do princípio e do fim, sentí-la em sua forma completa era algo quase inalcançável. O êxtase deste encontro poderia sim ser sentido, porém somente através de certos processos, e, em questão de segundos, como uma pálida expressão da completude perfeita.

Clã de Bruxos... Num primeiro ponto, sua estrutura basal é formada por membros, adeptos iniciados e anciões que sustentam uma pirâmide arcaica, àquela que é erguida pelo tempo e entendimento do Bruxo diante de sua arte misteriosa e tradicional, assim como seus graus e degraus de elevação. A partir disto, elevemo-nos a compreensão de que a mesma, se dirigindo às alturas, cria irrevogavelmente uma ‘ponte’ que estabelece acesso entre o plano mais concreto e o plano etéreo, ou mais sutil, logo, em direção à suas divindades. É aqui Após século de invocações e petições, que a união e a relação de irmandade se essa energia que envolvia e que era emafirmam, gerando um corpo cioso pela denada dos rituais nos culto às divindades, voção e partilha. Contudo, diferente das cresceu, em resposta daquele contato demais instâncias religiosas, este potencial perpetuado por séculos a fio. A procura grupal é compartilhado entre indivíduos por essa força inexplicável deu origem a organicamente intelectuais, vários seguidores, que por sua vez, culturalmente entendidos e os uniu em prol do mesmo objetivo, gerando grupos e formando então iniciados e anciões individualmente capacitados. Assim, mesmo diante de os chamados clãs. Ao persistir no que sustentam uma um grupo coeso observado encontro com as divindades maiores, a energia e o conhecimento pirâmide arcaica em uma Congregação, cada adepto se manterá mesmo que vários destes seguidores (agora que investido do pensamembros de um clã) cederam para mento e devoção comum, distanciado do que a concretização deste objetivo se firmedo punitivo, e da satisfação de fachamasse, os uniu e os manteve, somando esda que assola àquele de mente ordinária, sas energias para encontrar o que tanto tão percebida pela presença marcante do procuravam. Para os antigos essa trilha se ego indomado, e, que por consequência é tornou densa e sólida, dando origem à ria forma inicial da chamada ‘massa’. Assim, tuais e elementos místicos nos quais se era o determinante aqui, ou esta ‘eloquência’ possível acessar estas energias. presente nos adeptos, conhecidos e qualiDiante deste entendimento, coloquemoficados como ‘pessoas apropriadas’, levam -nos a identificar a estrutura de um antigo diante do comum, do conhecido e ordiná-

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rio, sua própria insatisfação. Que por sua vez, os conduz até a senda oculta, logo aos antigos mistérios. Martinez em seus textos e estudos cita que: “A diferença entre mente religiosa e a mente ordinária, é que a mente comum está sempre seguindo ideias, sempre compelida pela promessa de recompensa, sempre com medo da punição, sempre empenhada na fuga e em busca do caminho fácil. Trata-se de um materialismo aliado à religiosidade, porque na verdade o que as pessoas buscam é conforto, satisfação, riqueza, prazer. E querem encontra-los na religião. Assim, a religião dessa gente é aquela da Deusa que traz a iniciação, independente de qualquer esforço; é aquela da Deusa que me chama gratuitamente, mesmo que eu não faça nada para melhorar meu interior. Uma enganação criada pela busca de conforto, pela agonia de sair desesperadamente da insatisfação. Mas é a insatisfação o elemento motivador da religiosidade, e se a descartamos, continuaremos os mesmos, os mesmos seres humanos lastimáveis que sempre fomos.”

Assim ele complementa, dizendo que: “A idéia é a de ajustamento, de conformismo, o mesmo que a Igreja Católica tem impingido durante séculos. Nossa estrutura psicológica, implantada em nossa mente, é a de nos ajustarmos aos padrões, nem que seja aos padrões “religiosos”, porém ao nos conformarmos com isso, estaremos irremediavelmente perdidos. No ajustamento encontramos satisfação, segurança, no ajustamento não há medo, não nos sentimos sós, mas desse modo nos tornamos mecânicos, mortos, seres de segunda mão. Levar uma vida religiosa implica estar só. Estar só quer dizer estar livre do medo e de todas as influências produzidas pelos padrões e pelas idéias. Porque estar só e estar em simplicidade e vice-versa. Quem está só sabe o que significa a felicidade, porque o conforto, a segurança e o prazer não dependem de nenhum fator externo, de nenhuma idéia. Espero que estejam compreendendo isto, porque sem tal compreensão nenhuma vida verdadeiramente religiosa pode ser vivida.” A distinção nos atinge pelo que nos separa, por um limite. Aqui a religiosidade e o empenho nesta como uma senda de elevação, assim como um caminho de entendimento próprio, exemplifica esta separação, pois ela deve ser entendida e vivenciada com veracidade, assim, a entrega a esta vivência não pode ser feita de forma torpe, mas, em completude. Face a esta distinção, entendemos que o Wica leva consigo uma consideração maior do que a simplicidade que o circunda, devido ao fato deste acreditar em algo especial que à tudo referencia, a Magia. A Magia tornou-se então um ponto chave para a compreensão desses mistérios. Os conhecimentos foram passados e man-

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Uma pequena nota sobre a Iniciação Em consciência, sabemos que as escolhas nos remetem a uma renuncia, e que, diante desta, algumas vezes não podemos voltar atrás para reconstruir um caminho que já não possui volta. Na Wica, existe um ritual que demarca esta premissa, conhecido como ‘Iniciação’. Como uma Religião de cunho misterioso, a Wica, tende a apontar ao adepto o foco de que toda a descoberta do verdadeiro significado da vida só poderá ser alcançada aos olhos afoitos de seus pupilos se os mesmos puderem tatear além deste limite pré-estabelecido. Assim a iniciação demarca a entrada, através da morte simbólica do candidato ao espaço sagrado, o Círculo, para unificar-se ao corpo de sacerdotes e bruxos de seu Clã.

tidos sob a forma oral, (como todos os povos antigos assim o faziam). Apenas alguns detinham as perícias e talentos que se encaixavam nos parâmetros sacerdotais, sendo esses escolhidos para levar consigo o conhecimento agora secreto de acesso a essas energias. Sob as juras e provas, as Iniciações para adentrar nas tradições misteriosas surgiram, admitindo apenas aqueles que possuíam tais qualidades necessárias para tornarem-se portadores dessa sabedoria secreta.

“Toda iniciação, em qualquer religião ou fraternidade genuína, é uma morte e renascimento simbólico, conscientemente assumidos. No rito Wican, esse processo é simbolizado pelo amarrar e pelo vendar os olhos, a ameaça, a ordália aceita, a remoção final das amarras e da venda, e a unção para uma nova vida. O iniciador(a) deve manter claro este significado em sua mente e se concentrar neste, e o próprio ritual deverá imprimir o mesmo significado na mente do postulante.” (Janet e Stewart Farrar – ‘La Biblia de las Brujas’)

Como bem conhecido em todas as ordens ocultas que utilia iniciação Com o decorrer dos tempos, zam o marco iniciatório como os iniciados, criaram vida-após- demarca a entrada, condição inicial para se adentrar -vida elos mágicos de grande ao culto e, por conseguinte ao força, mantidos sob as palavras através da morte corpo sacerdotal, oficiando no honrosas de seus juramentos. mesmo, a Wica não se difere destes. Para nós Iniciação remonta à reOs Clãs se fortificaram mantendo-se encarnação, pois diante desta, nos reenunidos para a criação de novas linhagens contramos para prosseguir com as juras místicas de bruxos geradas a partir de suas pretéritas. egrégoras.

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‘Em séculos mais primitivos, o imaginário da morte-e-ressurreição era sem dúvida muito mais vívido e explícito, e provavelmente encenado amplamente sem palavras. Patrícia Crowther, a renomada bruxa de Sheffield, conta em seu livro Sangue de Bruxa (vide Bibliografia) como ela teve uma sugestão disto durante sua iniciação por Gerald Gardner. O ritual era o normal Gardneriano, basicamente o mesmo que nós apresentamos nesta Seção, porém antes do Juramento, Gardner se ajoelhou ao lado dela e meditou por um momento. A própria Patrícia, amarrada e aguardando, subitamente entrou em transe (que depois ela descobriu ter durado uns quarenta minutos) e parece ter experimentado uma recordação de encarnação. Ela se encontrou sendo levada, amarrada e despida, numa procissão de tochas para dentro de uma caverna por um grupo de mulheres despidas. Elas se retiraram, deixando-a aterrorizada numa total escuridão cheia de morcegos. Gradualmente ela venceu seu medo e ficou calma, e no devido tempo as mulheres voltaram. Elas permaneceram em fileira com as suas pernas afastadas, e ordenaram a ela que se contorcesse amarrada como estava através do túnel de pernas no formato de vagina, enquanto as mulheres se agitavam, gritavam e berravam tal como em trabalho de parto. Quando ela atravessou, foi puxada pelos seus pés e suas amarras foram cortadas. A líder, olhando para ela, ‘ofereceu-me seus seios para simbolizar que ela me amamentaria e protegeria como faria com seus próprios filhos. O corte de minhas amarras simbolizava o corte do cordão umbilical’. Ela teve que beijar os seios oferecidos, e então ela foi aspergida com água e contou que ela havia renascido dentro do sacerdócio dos Mistérios da Lua.’ (Janet e Stewart Farrar – ‘La Biblia de las Brujas’)

Ante ao passar dos fatos e consumações... O Tempo transformou os anos em séculos... Então um Velho ‘renegado’ Mago Inglês de sangue cigano, mesclou algumas das formas mais poderosas de mágicas rituais, com a intenção de garantir a perpetuação desta mesma linhagem, que há séculos se mantinha viva. Sua vontade foi materializada na forma de Nove Coventículos, ‘Os covens familiares de George Pickingill’, únicos, por suas condutas mágicas que eram regidas por Sacerdotisas, vistas como esposas do Deus, o Senhor Cornudo da Bruxaria. Com a criação e a manutenção dos Covens, alguns destes se mantiveram por mais de meio século em atividade constante. George já havia falecido, contudo, estes continuaram o seu trabalho. Em um dos locais escolhidos para fundação dos “nove covens”, Gerald Gardner foi iniciado na congregação da Velha Dorothy Clutterbuck. Sendo agora um praticante ‘hereditário’, herdeiro de uma prática milenar, este deveria manter-se em absoluto silêncio, reconhecendo isto como uma das bases dogmáticas adotados pelos Clãs. Isso é pertinente por vermos que Pickingill concedeu a autoridade na Arte e seus rituais

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de família para os líderes dos Nove. Esses mesmos líderes, foram pessoalmente iniciados por ele, sendo assim, cada um desses Covens podia desse modo orgulhar-se de uma inquebrantável e contínua tradição de 8(oito) séculos.

somos e o que nos tornamos internamente. Uma árvore mostra em seus frutos e flores aquilo que ela ‘rumina’ em seu interior, assim como as ovelhas que ao se alimentarem não demonstram o que comem, mas, o que se tornaram internamente através de sua lã e leite.

Gerald Gardner através de seu tempo como um Sacerdote OficianA Iniciação deve despertar, aflote (agora já separado de seu rar, florescer, esta é sua função, Coven de origem), incitou o energias internas este é o seu legado, ela elucida retorno do Culto à Grande a anunciação que a primavera da e externas Mãe e seu consorte Chifrudo alma estabelece. Ela é trazida com se igualam (com base na liderança dos o final de Imbolc, e, fixada com covens de Pickingill). Iniciano Equinócio Primaveril, onde as do cerca (por este não ser energias internas e externas se um número confirmado) de 7(sete) muigualam, prenunciando equilíbrio físico e lheres. Estas por sua vez desenvolveram espiritual. Ambos com o passar da Roda cada qual a sua própria Congregação que levam consigo a diferenciação da consciênse perpetuou com os anos, ou, as linhagens cia pelo estabelecer das duas polaridades da agora chamada Wica Gardneriana. existentes em ambos os lados: dentro e fora. Assim, Litha anuncia os poderes do Aqui retornamos ao ponto de partida. Sol, o físico é contemplado em uma esObservamos acontecimentos no percurso da história que desembocaram no fato consumado à cima. Mas, as razões para que este comportamento fosse construído e deveras projetado para se tornar um chamariz que conduziria uma pessoa à particularidade de apropriada para a antiga arte dos sábios, talvez, pode ser concluída através das palavras pilares desta religião: amor e confiança. Contudo, para que estas virtudes possam existir em um adepto, ele deve antes que qualquer ponto vislumbrar a profundidade sem limites em si mesmo, ou, o vazio, pois os primeiros sinais da sabedoria se fazem no silêncio de um ato. A meditação e suas elevações da consciência nos tornam capazes de obter entendimentos ímpares, mas, apenas a ligação profunda desta consciência com nosso interior é capaz de nos fazer compreender o verdadeiro sentido de tudo isto. Mudanças prenunciam atitudes, o interno trespassa ao externo, aludindo em nossos atos o que

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sência sensível, o Chifrudo como Senhor da Terra se faz ‘completo’, atinge seu clímax, que inexoravelmente inicia seu declínio. Aqui lentamente a polaridade interna e obscura, misteriosa por si só inicia sua elevação. Mabon esclarece o sentido da introspecção, e, dedilha a sensibilidade para entendermos este aprofundamento em nós mesmos. O interno, o polar negativo feminino, estabelece o ‘sono’, o contato com o inconsciente, demonstrado no externo como Inverno. O inverno agride o corpo para que o mesmo observe a si próprio, e com isto gere forças para renascer. O renascimento é criado pela vontade de mudança, pelo desejo de ser, de existir. Tal é despertado pela polaridade masculina, a ação. Na balança entre ambas, este desejo é somado como o próprio movimento da Roda, pois é através dele que alcançamos um fim e, é através desta Magia que galgamos àquilo que não compreendemos, mas, buscamos. O Mistério nos guia pela curiosidade, pelo desejo da compreensão daquilo que somos daquilo que queremos. Investir para nós sábios, ou Wicans, representa deixar de ser o que sempre fomos o que sempre desejamos. Pois o vazio prenuncia o cheio, e, este vazio é a entrega completa para que algo incompreensível pode se anunciar. O mistério presente em nosso interior é aflorado e se conecta com o Divino. Essa conexão é o Eros, a atração. E pela atração é estabelecida a maior magia do cosmo o Amor.

‘Os primeiros sinais da sabedoria se fazem no silêncio de um ato. A meditação e suas elevações da consciência nos tornam capazes de obter entendimentos ímpares, mas, apenas a ligação profunda desta consciência com nosso interior é capaz de nos fazer compreender o verdadeiro sentido de tudo isto. ’

Amor é doação, é incompreensão, intensão e desprendimento. É o refazer, o criar e o destruir. Ele estabelece o retorno dos mortos pela lembrança e sua encarnação pelo desejo do sensível. Ele é a Magia primordial que unifica a tudo e que só pode ser percebida através do silêncio.

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ENCONTRO COM MONIQUE WILSON por Mario Martinez Muitas pessoas me pediram para escrever algumas linhas sobre Monique Wilson. Conheci Lady Olwen no início de 1968, após uma prolongada e muito ruim crise espiritual. Tal crise pode até parecer estranha aos jovens hoje em dia, voltados para as festas, baladas, drogas e vídeo-game, mas eu sempre fui muito diferente dos adolescentes da minha idade. Aos 14 anos eu já estava engajado numa procura por respostas quase obsessiva. Minha família havia se mudado de Port Said, em Suez no Egito, para viver em Newcastle, Inglaterra. Meu avô vivia lá e com a guerra dos seis dias, tivemos que deixar o Egito. No final de 1967 já estávamos vivendo em Newcastle, e eu continua-

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va empenhado na minha busca, quando fui apresentado em Londres a um conhecido de meu avô, um escocês chamado Scotty, ou pelo menos era assim que todos o chamavam. Naquele tempo, eu não tinha idéia do que esse encontro representaria em minha vida, mas o que aconteceria nos nove meses seguintes a mudaria para sempre. Naquele dia chuvoso e frio de outubro de 1967, ficou acertado que na primeira oportunidade nós faríamos uma pequena viagem até Liverpool e então tomaríamos um barco, cruzando o Mar da Irlanda até Douglas, uma pequena cidade numa ilha pequena também, conhecida como Isle of Man.


Isso aconteceu 44 anos atrás. Minhas memórias a respeito desse encontro são turvas, longínquas, desconexas; mas o que retenho até hoje na mente é que esse encontro me transformou. Até hoje posso lembrar o cheiro do salão, e tenho muitas lembranças da exposição do que foi um dia o “Museum of Witchcraft and Magic”.

A viagem ficou para o início de fevereiro, o frio ainda castigava muito, mas estava começando a ceder lentamente. A ilha é belíssima, e quem tiver a oportunidade de conhecê-la deve fazê-lo no verão. De Douglas alugamos um taxi até Castletown, havia um ônibus, mas ficamos com receio de nos perdermos. O encontro havia sido marcado para o meio-dia em uns prédios que, de cara, me causaram uma impressão muito estranha. Todos de pedra, aliás, como todas as casas da ilha, com janelas brancas com losangos vermelhos pintados, mas havia ao fundo as ruínas de um antigo moinho, que em contraste com o céu cinzento me davam calafrios.

Muitas pessoas me pedem relatos sobre Lady Olwen, e até Aidan Kelly mostrou-se interessado em conhecer alguma história que eu tenha presenciado. Lembro-me de um episódio ocorrido comigo. Foi após o Solstício de Verão de 1968, quando ela me levou até a torre do moinho e me disse que eu deveria limpar todo o local. Havia restos de uma enorme fogueira, com fuligem, cinzas e pedaços de madeira queimados, além de pedras, folhas e lixo. Eu olhei para toda aquela sujeira e disse alto, mas para mim mesmo, em português: “Droga, eu sabia! Agora vou ter que fazer o serviço sujo e limpar essa imundície toda!” Na mesma hora ela me respondeu em português, com um forte sotaque de Macau: “Pois de agora em diante, você será o limpador do Moinho toda semana!”

No complexo existia um pequeno restaurante e nos reunimos ali, porque havia um grande fogão que aquecia o recinto e aproveitamos para fazer uma refeição. Scotty nos apresentou a uma mulher morena, de olhos muito vibrantes e vivos, e que falava um inglês com um sotaque diferente, que não consegui determinar. Ela era agradável, falante, espevitada e ágil, passava de um assunto para outro com rapidez e tinha um senso de humor crítico que me agradou.

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Aquilo foi um choque. Descobri, da pior maneira possível, que Monique Wilson não só falava português fluentemente, mas outras 11 línguas, entre elas o espanhol, inglês, francês, alemão, chinês, vietnamita e até mandarim. Aquela mulher pequena tinha, além de inteligência, uma vasta cultura.

Monique passar a usar o título de “Witch Queen”.

Outro fato que presenciei e que me deixou muito triste na época, foi quando em 1969 um jornal britânico sensacionalista, com predileção por assuntos relacionados a escândalos sexuais, publicou uma matéria odiosa sobre a filha omissão de todos dos Wilson, Yvette.

Uma das coisas que me entristeceu e ainda aborrece O tablóide afirmava que a vibastante até hoje, foi o fato de os outros membros zinhança fazia rumores de que da Arte que após a morte de Gerald a menina tinha sido abusada e Gardner todos os demais forçada a participar de rituais de líderes da Arte na Inglaterra Bruxaria. Como resultado, a filha de Moterem virado as costas para Monique nique ficou sob custódia da justiça até 18 Wilson. Lembro-me de que naquela época anos. Esse foi o mesmo tablóide envolvido os comentários eram sobre os ciúmes de em escutas ilegais de telefones da família várias HPS, já que Monique tinha herdado britânica, e definitivamente fechados em quase todo o espólio de Gardner, que julho deste ano, depois de novas denúncias incluía o chalé dele em Malew Street, de grampo telefônico. Entretanto, o que Castletown, os prédios do Museu e a mais me chocou na época, foi a omissão quantia de 21,688 Libras, uma verdadeira de todos os outros membros da Arte na fortuna para a época. A desculpa dada para Inglaterra, que não fizeram coisa alguma essa atitude hostil, foi a de que HPS como para ajudar os Wilson com esse problema. Eleanor Bone e Patrícia Crowther estarem Na verdade, a maioria dos outros elders particularmente aborrecidas com o fato de

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estavam se unindo contra os Wilson, e tenho certeza de que toda essa hostilidade se devia a ciúmes dos demais, porque os Wilson haviam herdado todo o espólio de Gerald Gardner.

Os Wilson se mudaram de Perth para a Ilha de Man

Eu sempre vi isso com pesar, porque na verdade ninguém estava disposto a abandonar seus afazeres diários e se mudar para a Ilha de Man para tomar conta do Museu de Bruxaria. Os únicos que se interessaram foram os Wilson. Da mesma forma, não vejo lógica alguma em não querer assumir aquele compromisso para depois atacar os que arregaçaram as mangas e assumiram essa tarefa. Os Wilson se mudaram de Perth na Escócia para a Ilha de Man, e se não fossem eles, não sei o que teria acontecido com todo o acervo do Museu e com a casa de Gardner em Malew Street. Entretanto, depois que a situação dos Wilson ficou insustentável, e eles tiveram que vender o acervo para os Ripley da Organização “Believe it or not”, os mesmos elders que não moveram uma palha para ajudar, começaram a atacar os Wilson novamente, desta vez por terem vendido tudo em 1973. Pelo que pude perceber na época, a Alta Sacerdotisa de Gardner que mais fomentou essa intriga foi Patrícia Cro-

wther, que até hoje afirma ser a “herdeira espiritual de Gardner”, já que ela nunca perdoou Monique por ter se tornado a herdeira de todos os seus bens.

Se esses elders considerassem mesmo a coleção de artefatos de Gardner, além de seus cadernos de notas e outros documentos importantes como uma “herança nacional da Inglaterra”, então por que não ajudaram e permitiram que os Wilson ficassem quebrados e fossem obrigados a vender tudo? Uma das coisas que eu me lembro muito bem daquela época, era quando o inverno começava a se aproximar, e os Wilson ficavam muito preocupados com a vedação dos telhados, e isso custava caro. ‘Apesar de tudo, Iniciados de Monique e Scotty estão espalhados pela Europa e Américas, sua Linha da Arte continua a crescer e se fortalecer, e é isso que é importante para todos nós, seus descendentes.’

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A Arte Mágica possui seus métodos secretos, transmitidos apenas a Iniciados, para desenvolver amplamente todas as capacidades do ser, sendo aplicado em serviço aos Deuses Antigos. O poder mental das bruxas já foi comentado por Gerald B. Gardner em WitchCraft Today, cáp. I, como sendo um poder da vontade treinada usado no lançar de seus Cones de Poder, e:

PODER MENTAL na Bruxaria Gardneriana por Brutus Lobão

“...que suas vontades unidas podem projetar isto como um raio de força, ou que elas podem usar isso de outras formas para ganhar clarividência, ou mesmo para liberar o corpo astral.” (GARDNER, WitchCraft Today, Cáp. I)

No cáp. XIII, Recapitulation, Subitem O que é o Poder das Bruxas?, temos Gardner explicando: “A resposta fácil é Mente sobre Matéria.” Pode parecer longínquo da realidade comum materialista, para pessoas não treinadas num Coven Tradicional, considerar a idéia de Mente sobre Matéria.

No imaginário popular as bruxas um poder da são associadas com poderes mentais como: controlar telecinetica- vontade treinada mente o movimento de corpos inanimados, cavalgar os ventos em sua vassoura, ou uma montaria, lançar Acontece que as pessoas não instruídas, feitiços, bençãos e maldições, induzir trane não purificadas pelos Mistérios Antigos, ses hipnóticos controlando seres vivos, e possuem, e se apegam, a seus traumas, iguma variedade de outros “poderes” mennorâncias e autonegligências, como uma tais e mágicos que se projeta no infinito de personalidade emergente, e essa carapatantas definições para descrevê-los. ça personalizada é exatamente tudo que alguém não é. Toda a capacidade mental A verdade está além das limitações pesdas pessoas não instruídas foi orientado e soais e cada um que a busca precisa suhipertrofiado ao longo da vida apenas para perar os limites para se por diante dessas suprir as necessidades da representação, manifestações da vida e da morte repreos remorsos pelas negligências, e a marsentadas apenas nos folclores e lendas estirização dos traumas. Por esse motivo é quecidas para a humanidade, mas ainda asimprovável(salvo exceções) que uma pessim enigmáticas para a mente comum, não soa que não tenha sido treinada adequadadesenvolvida. mente num Coven Tradicional e tenha sido

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purificada pelos Mistérios tenha condições e capacidades prévias para desenvolver Poderes Mentais. É necessário um trabalho muito árduo para que a mente esteja em condições de ser libertada de suas limitações e possa erguer as asas em direção aos Deuses. Neste momento muitas pessoas estão se anunciando como sacerdotes e iniciadores, e isso nos leva a pensar: Nas mãos de que sacerdotes iniciadores as pessoas estão pondo suas vidas?

Portanto, sabemos que muitas pessoas estão por aí, em busca de desenvolver seus poderes mentais, seguindo grupos que lhes oferecem facilidades, e baixos requisitos de qualidade e dedicação, e peço que pensem (usem o poder mental!): Esse sacerdote genérico está preparado para lidar com minha vida? (Pensem bem na resposta, da qual depende literalmente a vida de cada aspirante.) O treinamento e instrução árduos dos Antigos não pode ser substituído, por invenções genéricas.

QUADRO: THE CRYSTAL BALL JOHN WILLIAM WATERHOUSE (1849-1917)

O Treinamento num Coven de Wica Tradicional é muito rígido, e por isso mesmo poucos se dedicam o suficiente para merecer esse aprendizado, mas o sacerdócio dedicado dos Deuses Antigos é instruído em conhecimentos maravilhosos, que guiam o aprendiz pelos caminhos da Wica Tradicional. Não há segurança no caminho Iniciatório, no entanto ser guiado no caminho da Wica Tradicional é um privilégio. Que pessoa arriscaria sua vida nas mãos de pretensos sacerdotes que não receberam um treinamento rígido Tradicional que o preparasse para lidar com a vida e a alma de um aprendiz? Parece até que as pessoas não dão valor à própria vida! Como dariam valor a outras vidas que nem conhecem?

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WICA E SEUS DOGMAS por Calliope Berkanna “(...) viver os Mistérios da Antiga Religião é o mesmo que adentrar a sua compreensão não de modo intelectual, mas através de uma profunda experiência interior.” (MARTINEZ, Mario. Wicca Gardneriana. Ed. Gaia, 2005, p. 25)

Todo Dogma é uma crença, mas nem toda crença é um Dogma. O Dogma poderia ser descrito como uma crença incapaz de ser justificada adequadamente, ao mesmo tempo em que se tem uma forte adesão, emocional ou pessoal, a ela. A priori, seria uma análise da realidade, uma representação cognitiva desta, susceptível de possuir um valor verdadeiro para um indivíduo ou grupo, social ou religioso, direcionando-os a um aprimoramento e desenvolvimento contínuo. Dessa forma, Dogmas não deveriam ser inflexíveis, irracionais. Porém seu significado mais utilizado atualmente é o de

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ser uma crença de caráter religioso ou ideológico, imposta aos adeptos, que devem acreditar respeitar e não questionar aquilo que é tido como verdade incontestável. Dogmas são encontrados em muitas religiões monoteístas (como o cristianismo, islamismo e o judaísmo), onde são considerados verdades indubitáveis, princípios básicos, pilares fundamentais, que devem ser respeitados por todos, de modo que seu questionamento ou possível revisão por uma pessoa não é aceita nessa religião. É uma crença que se distingue da opinião teológica pessoal. Nesse contexto, podemos considerar como Dogmatismo não apenas o conjunto formado por essas “verdades absolutas”, mas também como uma tendência natural a crer que o mundo é do jeito que aprendemos, sem dúvidas a serem confrontadas ou conhecimentos a serem problematizados. Há espaço para o fundamentalismo religioso aqui, uma vez


que esses Dogmas são passados de forma autoritária e sentenciosa, anulando assim a capacidade do indivíduo de questionar tudo aquilo que não tenha lógica ou sentido. Dogmas também são encontrados em religiões pagãs, ou seja, práticas religiosas que possuem crenças distintas daquelas conhecidas como monoteístas, ou de base judaico-cristã. Algumas delas são Tradições que praticam o Ofício da Bruxaria, por vezes hereditário, passado de forma oral e protegido por juramentos. Assim são as Tradições Misteriosas, em que cada novo buscado é levado a vivenciar os mistérios por eles mesmos, sem influência externa imposta. O buscador é incentivado a compreender suas vivências não apenas com o intelecto - pois o intelecto apenas é capaz de entender, não de saber, e entender não é suficiente - mas compreender com todo o seu ser, com a sua alma, para então sabê-las. Neste ponto, não há como sustentar o significado de Dogma como algo imposto, visto que dentro das Tradições Misteriosas o Dogma passa a ser algo que não pode apenar ser aceito sem questionamento, mas sim vivido e sabido. A bruxaria em si não é uma religião, logo poderia se questionar a necessidade de Dogmas para ela se sustentar. Porém os Dogmas continuam sendo os pilares de uma doutrina religiosa sejam eles aceitos sem questionamentos por aqueles que necessitam ser guiados como ovelhas, sejam eles compreendidos por aqueles que iniciam sua busca em uma Tradição. Logo, praticantes de bruxaria podem ou não pertencer a alguma religião, mas ao se decidirem por seguir alguma doutrina, precisarão de uma forma ou de outra conhecer os Dogmas da mesma. Então surge a pergunta: Existem Dogmas para os Wica?

“Nos últimos anos, muitas pessoas têm afirmado que a Wica é uma religião livre e destituída de princípios e dogmas. Na realidade, como religião iniciática e de Mistérios, encontramos nela grande profundidade, quando temos oportunidade de viver as iniciações tradicionais.” (MARTINEZ, Mario. ‘Wicca Gardneriana’. ED. Ed. Gaia, 2005, p. 25)

Wica é uma religião de Mistérios, e como toda religião de Mistérios, é fundamentada na percepção individual, na vivência pessoal do Iniciado. Logo, como em toda doutrina religiosa iniciática, o Dogma continua sendo uma verdade fundamental e indiscutível da doutrina, com a diferença que, na Wica, ele é vivenciado pelo Iniciado. Nada é imposto de forma autoritária e sentenciosa. Não há como um Mestre impor ao Iniciado a sua vivência religiosa, uma vez que ela é parte da percepção individual e não pode ser explicada pela razão, não pode ser colocada em palavras, ela deve ser sentida, vivida e sabida pelo Iniciado, como dito antes. Este deverá ser capaz de viver a Arte por si mesmo, sem aceitar cegamente

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o conhecimento tradicional que lhe é transmitido.

do no decorrer do seu caminho na Arte, um Dedicado percebe os Dogmas de maneira distinta de um Iniciado, assim como a vivência de um Iniciado de 1* se distingue da de um Alto Sacerdote de 3*.

Sendo uma Tradição Iniciática e Misteriosa, a Wica permite que o buscador possa se tornar um Dedicado após determinado período de estudos e práticas, a fim de exConclui-se que a Wica possui Dogmas, perimentar alguns aspectos da religião, admas não é uma religião dogmática. Há uma quirindo noções das suas práticas e da sua diferença que só pode ser percebida com ética. O Dedicado é incentivado pelo Mesa vivência destes Mistérios, sua compretre a evoluir a partir da vivência ensão espiritual e, assim, prodo que lhe é permitido conhecer, funda, dentro da consciência através da experimentação do Os Mistérios passam do Iniciado. Sendo uma vivênmaterial que lhe é apresentado. a fazer parte da cia, não há argumento, não há Um Dedicado se torna um Inicianada nem ninguém que poderá percepção do após fazer juramentos apenas mudar ou apagar isso. Aqui o individual conhecidos pelos membros da Dogma deixa de ser algo que Tradição. A partir desse momensimplesmente foi empurrado, to ele se torna parte da Tradição e seu imposto, e passa a ser uma certeza, vientendimento sobre suas vivências se movenciada e compreendida profundamendificará a medida que galgar os degraus na te. Essa é a diferença fundamental entre Wica Tradicional, ascendendo graus e poo dogmatismo judaico-cristão e o dogma dendo tornar-se Alto Sacerdote. Os Miswicano. Enquanto o primeiro representa térios passam a fazer parte da percepção a atitude presunçosa de impor a seus seindividual, da vivência pessoal do Iniciado. guidores verdades não vividas, o segundo Como a compreensão dos Dogmas está nada mais é que o conjunto dos Dogmas intimamente ligada à compreensão dos da Tradição. Mistérios, que são apresentados ao Inicia“Tudo dentro da Wica deve ser compreendido, nada deve ser aceito. E qual a melhor forma de compreender algo além de experienciando?” M. Martinez (HP 3* do Coven Caldeirão de Cerridwen – RJ)

“Sendo a Wica uma religião iniciática, o indivíduo é conduzido a descobrir a si próprio e seu papel neste caminho, incitando uma profunda comunhão com seus ciclos internos e externos, sua psique, e a jornada de sua alma, ou a sua transformação espiritual.” Arida e Baco (Altos Sacerdotes do Coven da Vassoura Sagrada - MG)

Como ainda mantém a característica de algo que não pode ser dito ou explicado,

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essas verdades fundamentais podem ser chamadas de Dogmas. Alguns autores chamarão de Paradigmas, outros de Mistérios. Importante é que são experimentados, vividos, e não impostos. Vivenciados de tal maneira que essa experiência se torna parte da sabedoria, não de algum conhecimento alheio e emprestado, esse sim podendo ser chamado de Dogmatismo no sentido pejorativo da palavra.

queiram) se libertar. Mas não é a falta de Dogmas que libertará, e sim a quebra do Ego. Estes ‘wiccanos’ excluem os Dogmas da Estrutura da Tradição apenas para satisfazer a necessidades pessoais e egoístas. Na verdade, não excluem apenas os Dogmas, mas acabam por excluir diversos aspectos importantes da Teologia, da Estrutura ou do que mais for conveniente para adaptar a religião às suas necessidades individuais.

“A natureza é a essência sob a qual estão fundamentadas as crenças de nossa religião, por isso o ato de observá-la, vivenciá-la e por último unir-se a ela, é parte integral e vital dos dogmas Wicanos.”

“Todas as mudanças dos dogmas e diretrizes básicas da Wica, seus mistérios e conhecimentos, foram apagados ou modificados para satisfazer necessidades, gostos e políticas pessoais, transformando assim a wicca em duas distintas religiões a Antiga Wica e a Neo-Wicca.”,

Arida e Baco (Altos Sacerdotes do Coven da Vassoura Sagrada - MG)

Atualmente vemos “bruxos” ecléticos, que se autodenominam ‘wiccanos’, fazerem um mau uso da palavra Dogma, utilizando o seu significado judaico-cristão cheio de imposições e autoritarismos, em que o dogma “prende”, nega a liberdade ao indivíduo, o impede de encontrar “a sua verdade” - um ranço do qual estes “bruxos” ainda não conseguiram (e talvez nem

Arida e Baco (Altos Sacerdotes do Coven da Vassoura Sagrada - MG)

Agora mesmo afirmei que não é a exclusão dos Dogmas que liberta, mas a transcêndencia do Ego. Sendo a Wica uma religião de transcendência, transcender o Ego é um aspecto muito importante. Só através da superação do Ego é possível se unir aos Deuses. Não é a Arte que deve se adaptar

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QUADRO: AN INCANTATION JOHN BRITISH DIXON DEPOIS DE JOHN HAMILTON MORTIMER (1773)

às necessidades do Ego, mas o contrário. Você não é o seu Ego, apesar de pensar que sim. Ele é uma máscara, uma fachada, um rótulo, são valores alheios que acreditamos como nossos, o orgulho, o individualismo, uma personagem interpretada para se viver em sociedade. Superar o Ego significa abrir mão de valores sociais e psicológicos aos quais tanto nos apegamos, aos quais damos tanto valor por acreditar que eles são reais, que eles são o nosso verdadeiro Eu. Precisamos nos despojar desse lixo acumulado durante anos, pois este acúmulo cria uma carapaça sustentada por pseudo-verdades, impedindo o nosso crescimento, nosso aprendizado. Essa fachada é incapaz de acompanhar a evolução do indivíduo e, sem nada sólido que lhe alicerce, uma hora cairá por terra. Então, nus, ignorantes, tolos, imorais, perdidos, podemos nos sentir tentados a usar a antiga máscara novamente. Mas como disse Einstein uma vez “a mente que se abre a uma nova idéia jamais volta ao seu tamanho original”, - não há como esconder-se atrás de algo que foi destruído, que não serve mais. E isso é só o começo. É necessário despertar das ilusões criadas pelo Ego.

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Na Carga da Deusa, encontrada em diversas versões públicas, podemos ler uma promessa: “Eu dou inimagináveis alegrias na Terra, certeza, não fé, enquanto em vida.” Certeza, pois o Iniciado não recebe e repete indiscriminadamente os Mistérios, ele os vive, formando certezas e não uma fé cega. Assim, não há liberdade limada, não há lugar para imposições arbitrárias.

Este é um assunto vasto e penso ser mais interessante neste momento tratar de um pequeno resumo de cada dogma e, em seguida, esmiuçarmos um por um, na medida do que se pode falar publicamente. O Mestre é o guia nesse despertar, mas Mesmo tendo sido publicado nos últimos nada pode fazer sem que o discípulo conanos muito material de Wica, ela continua fie. É necessário confiança para haver sendo uma religião baseada na abertura, entrega. Ocorrendo total entrega, o Mestre poderá Eu dou inimagináveis tradição oral, passada de mestre para discípulo e resguardada por então destruir o Ego e conduzir o discípulo para a unidade. alegrias na Terra, juramentos, ou seja, Hermética. seguindo fundamentos Pois não há como se relacionar certeza, não fé, Continua e dogmas tradicionais, mas não com os Deuses, mas se unir a enquanto em vida de um fundamentalismo ortodoEles, e essa união só é possível xo. É na prática que se dá o cresna ausência do Ego. Um Iniciacimento na Arte, pois ela é uma Fé Prática. do não compreende intelectualmente os Da mesma forma o são seus princípios e Deuses, tampouco permite que sua crença crenças, bem como a certeza da vivência no Casal Divino se baseie em experiências espiritual, que só pode ser compreendida alheias distantes de sua vivência. Um Iniciadentro de um coven tradicional e de treido vivencia profundamente seu encontro namento adequado. Então, entre os Dogcom o Divino, através de entrega, de unirmas estão estes listados abaixo. -se aos Mistérios.


O Deus e a Deusa A Wica é uma religião duoteísta centrada no culto de duas Divindades: a Deusa da Lua e das Estrelas e o seu Consorte, o Deus de Chifres. Ela, é a Mãe e a Criadora de todas as coisas, é a representação máxima da Feminilidade, o Divino Feminino, o Ventre Sagrado, a Força Passiva da Criação. Ele é a representação da Virilidade e da Fertilidade, a Força Ativa da Criação, o Divino Masculino, é o Senhor da Morte e do Submundo, o Deus Cornífero das Florestas e dos animais selvagens. Eles são Deuses Supremos, Cósmicos e Primais. São Amantes, Polaridades Divinas que se complementam em igualitária importância. São Imanentes e Transcendentes. Possuem nomes e formas específicas para serem invocados, sendo estes secretos e conhecidos apenas pelos Altos Sacerdotes como senhas para acessá-los. Magia A verdadeira magia não é superstição nem magia popular, tal como os poderes atribuídos às ervas e aos encantamentos

naturais. É compreender princípios energéticos de atração, geração e direcionamento de poder. Compreender como empregar esse poder gerado para manifestação de desejos ou necessidades. Compreender que é possível solicitar auxílio a um espírito ou deidade. Compreender que a Natureza possui fluxos ocultos – as marés energéticas -, seu funcionamento e como utilizá-los para provocar mudanças de acordo com a vontade pessoal. Frequentemente a magia requer a utilização de instrumentos preparados e estados de consciência estabelecidos. Lei Tríplice Tudo no Universo é energia e essa energia está em constante movimento (tudo é vibração). Uma ação ou um desejo é uma forma de energia vibrante e que de acordo com o Princípio de Ação e Reação (causa e efeito) toda energia gerada vai e retorna a sua fonte de origem. Em outras palavras, tudo o que desejarmos voltará para nós triplicado e nessa mesma vida. O grande problema com esse dogma, é que é preciso ser um Iniciado para compreendê-lo, já que ele está intimamente ligado aos Mistérios Ancestrais. Rituais Além de ser o culto dos bruxos, são como “pontes de comunicação”. São meios que nos conectam aos Deuses. É através do ritual que nós conseguimos nos ligar às forças da Natureza /marés energéticas /fluxos sazonais /períodos de poder (Sabás e Esbás). São também o que nos permite acessar outras dimensões ou estados de consciência alterados para contato com nossas deidades e/ou espíritos ancestrais. O aproveitamento destes fluxos e períodos de poder provoca mudanças significativas em tudo o que nos cerca e em nosso próprio interior.

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Poder Pessoal

Summerland

É o que chamamos de o “Poder” das Bruxas. Poder é energia e cada ser humano possui áreas específicas que emanam e absorvem energia, que chamamos de Centros de Poder. Os Centros de Poder trabalhados costumam ser: básico, sexual, umbilical, plexo solar, cardíaco, laríngeo (garganta), frontal e coronário (alto da cabeça). Isso diz respeito ao desenvolvimento iniciático. O Poder basicamente vem de nós mesmos, da Terra e dos Deuses. Através da habilidade de projetar e gerar poder é que conseguimos trabalhar a magia dentro dos rituais.

É um Dogma muito antigo não apenas na Wica, mas o conceito é compartilhado por diversas religiões. Este é o local no qual as almas repousam e se renovam antes de renascerem no mundo físico. Entre os celtas, esse mundo era normalmente conhecido como Tir nan Og, a Terra da Juventude Eterna. Ele é aludido no conhecido verso dos Wica ‘O Chamado da Deusa’, ou a ‘Carga da Deusa’. Lá, as almas dos bruxos residem por algum tempo, encontrando-se com os Ancestrais que morreram antes deles, bem como com os Deuses, para em seguida renascerem no seio do clã.

O Superior é como o Inferior

Reencarnação

Assim como é em cima, é embaixo... O mundo físico é um reflexo de uma dimensão não física superior (um mundo superior), ou seja, o que está abaixo é igual ao que está acima, e o que está acima é igual ao que está abaixo. Tudo o que existe no mundo físico já foi uma forma de energia em um Plano superior - essa forma de energia sutil fica mais densa à medida que penetra no plano físico.

A Reencarnação é a certeza que, após a morte, nós nasceremos novamente no seio de nossa família, ou mesmo de nosso clã, para amarmos novamente. A vida é eterna e cíclica, tudo que hoje vive, um dia voltará a viver. Os celtas acreditavam na reencarnação muito antes da invasão romana, por isso eram guerreiros tão vorazes, enfrentando algumas vezes nus o exército romano nas batalhas de invasão, pois pos-


suíam a certeza que renasceriam outra vez em sua família ou clã. Este dogma na Wica é uma matéria de fé inquestionável. Um Wica que não acredita na reencarnação, não é um Wica, já que vivenciou a morte e o renascimento em sua elevação de 2* (segundo grau). Partindo-se do significado de Dogma para os Wica, podemos concluir que existem outros Dogmas além dos elucidados aqui como principais. Conhecer os Dogmas significa conhecer os Mistérios, o que pode ser complexo, uma vez que estes não são apenas conceitos desconhecidos e sem explicação lógica, mas sim o conjunto de saberes e práticas da Antiga Religião que são experimentados pelos Iniciados. Podem-se estudar os Mistérios através de livros, apostilas e textos na internet, mas não compreender verdadeiramente, pois para isso é necessário vivenciá-los, o que só é possível através de treinamento ade-

quado dentro de um Coven Tradicional e sob orientação de um Alto Sacerdote e uma Alta Sacerdotisa. Na continuação, trataremos da Lei Tríplice com maior aprofundamento, pois muitas vezes esse Dogma é confundido com a Lei do Karma, que não se aplica à Wica. “Estes são apenas alguns dos antigos dogmas da Wica. Existem muitos outros. Entretanto, para que sejam compreendidos corretamente, necessitam de todo um aprendizado e de toda uma vivência prática. Estão relacionados aos antigos Mistérios da Arte, não no sentido de que são segredos a serem guardados a sete chaves, mas no sentido de que para serem compreendidos necessitam ser vividos dentro do processo iniciático.” (MARTINEZ, Mario. Wicca Gardneriana. Ed. Gaia, 2005, p. 29)

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Isso integrava os dois principais temas na minha vida, a dimensão psíquica e a paisagem. Eu terminei me graduando em Geografia na Universidade. Eu li "Witchcraft Today" de Gerald Gardner por volta de 1959. O livro falou ao mais profundo do meu ser, não tanto pelo que ele disse, mas pelo que ele não disse, se você pode entender isto! Ele mudou minha vida. Eu lia tudo o que podia, o que não era muito naqueles dias, e nunca esperei ser capaz de encontrar realmente bruxos vivos de verdade! Na verdade, isso foi muitos anos antes de encontrá-los.

Philip Heselton Philip Heselton é um iniciado Gardneriano e escritor sobre temas como Wica, Mistérios da Terra e Paganismo. Ele escreveu dois livros sobre as origens da Wica Gardneriana: Wiccan Roots - Gerald Gardner and the Modern Witchcraft Revival, e Gerald Gardner and the Cauldron of Inspiration. Nesta entrevista exclusiva para BTW, ele fala ... com Mario Martinez. M.Martinez: Qual foi a sua primeira experiência com espiritualidade na sua vida e como ela influenciou você em direção à Arte ? P.Heselton: Desde os meus anos de infância eu sempre queria sair de mim mesmo, para a floresta e lugares afastados nos campos, longe das pessoas. E foi lá que eu inventei minha própria religião, que ei depois percebi ser essencialmente Paganismo. Isso continuou com o meu interesse nos mistérios da terra e nossa relação com a paisagem.

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M.M: Você pode me dizer alguma coisa sobre a sua experiência na Arte Gardneriana? Você ainda pratica dentro de um coven? P.H: Embora eu tenha lido "Witchcraft Today" muito antes em 1959, não foi até 2002 que ei fui iniciado em um coven, que de fato possuía raízes tanto Gardnerianas quanto Alexandrinas. Eu ainda estou nesse coven. Na época em que eu fui iniciado, eu já havia escrito dois livros sobre a história Gardneriana, "Wiccan Roots" (publicado em 2000) e "Gerald Gardner and the Cauldron of Inspiration" (publicado em 2003).

-Payne e sua equipe organizassem um "Day for Gerald". Lá estavam aqueles que haviam estudado a vida e os trabalhos de Gerald, tais como o Professor Ronald Hutton e eu, juntos com os que tinham conhecido e trabalhado com Gerald, como Fred Lamond, Lois Bourne e Zach Cox. Infelizmente eu não estava me sentindo bem (não, eu não tinha bebido na noite anterior!), assim eu perdi a maioria das palestras da tarde. Eu estou particularmente triste por ter perdido a contribuição de Lois. M.M: Qual foi a importância da Conferência para a Comunidade Wicana no Reino Unido e para o resto do mundo? P.H: Ela provavelmente enfatizou a extensão de tudo o que está acontecendo hoje no vasto movimento Pagão tem suas origens no que Gerald Gardner fez e escreveu.

“Eu queria saber o que realmente acontecera”

M.M: Fale-me sobre a "Charge of the Goddess Conference - A Day for Gerald Gardner" no ano passado. Quem estava lá e como foi o contato com outros membros da Arte ? P.H: Isso foi muito bom que, após o sucesso de "Day for Doreen" em 2009, John Belham-

M.M: Eu adorei seus livros. O que ocasionou seu interesse em investigar as raízes da Arte Gardneriana?

P.H: Eu nunca gostei de História como uma matéria escolar, mas de algum modo eu estava fascinado em como a Arte moderna se originou. O que nós parecíamos encontrar era algum tipo de mitologia ou uma versão "plástica" da história. Eu queria saber o que realmente acontecera. Eu fui inspirado pela "Busca por Old Dorothy" de Doreen Valiente, dada como um apêndice do "The Witches Way" dos Farrar, e eu resolvi levar isso mais longe. Com a ajuda de um grande número de pessoas, incluíndo Michael Howard, editor de "The Cauldron", o Professor Ronald Hutton, Graham King do Museum of Witchcraft em Boscastle, e numerosos historiadores locais e arquivistas, eu


gradualmente reuni pedaços de algumas histórias, embora isso ainda não tenha terminado para mim. M.M: O que você poderia dizer sobre a amizade entre Gardner e Crowley com vistas às citações de Crowley nas primeiras versões do BoS e que foram cortadas nas versões posteriores? Havia algum significado nessas mudanças, como a construção que os Wicas daquele tempo estavam escolhendo para a religião, livrando seus textos de ligações com supostos magos negros, como Crowley era conhecido ? P.H: Gerald Gardner e Aleister Crowley, em sua breve amizade de maio a junho de 1947, queriam alguma coisa um do outro que, basicamente, o outro não pôde dar. Crowley esperava que Gardner pudesse reviver a moribunda O.T.O. (Odro Templi Orientis), e tentou ajudá-lo como ele podia. Contudo, Gardner não estava preparado para se envolver no trabalho, então ficou doente e quando ele se recuperou, Crowley havia morrido e o interesse de Gardner fracassou. De sua parte, Gardner queria respeito e recebeu de Crowley um documento impressionante, a tão chamada "Carta", mas ela nunca foi realmente usada, pois Gardner afastou-se para outras coisas logo após a morte de Crowley. Com vistas ao material de Crowley no Livro das Sombras, ele foi posto lá ou por Gardner ou por alguém antes dele, porque muito dele é realmente

bom e um material instigante que parece apropriado em um ritual. Doreen Valiente retirou muito dele quando estava reescrevendo o Livro das Sombras para ela mesma, mas algum ainda permanece, possivelmente porque ela não o reconheceu pelo que ele era. M.M: Que passagem da vida de Gerald gardner mais impressionou você?

“os poderosos rituais que eles realizaram em New Forest”

P.H: Eu suponho que foi na época de sua iniciação no "culto das bruxas", como ele o chamava, no verão de 1939, quando ele foi conhecer os membros do grupo sem saber exatamente o que ele era, até que ele estava a meio caminho na sua iniciação (não que nós façamos isso desse modo hoje em dia!). E, é claro, os poderosos rituais que eles realizaram em New Forest em 1940 para tentar parar a ameaçadora invasão da Inglaterra. M.M: Você já mencionou que você está trabalhando em um novo projeto de um livro sobre uma biografia de Gerald Gardner. Você poderia me dar alguns detalhes sobre o projeto? Quando o livro será publicado? P.H: Sim, ele é só a segunda biografia de Gerald a aparecer, a primeira sendo "Gerald Gardner Witch" por J.L.Bracelin em 1960, mais de 50 anos atrás. Esta é muito mais detalhada e maior, chegando a ter mais de 200.000 palavras. Ela será publicada em dois volumes e será entitulada "Witchfather", mas eu ainda não

“Gardner não estava preparado para se envolver no trabalho,”

estou certo da data da publicação. Com certeza eu deixarei todos saberem quando ela aparecerá! Alguém poderia empreender o grande trabalho de tradução para o Português? M.M: Como você vê o futuro da Arte Gardneriana?

P.H: Bem, eu realmente não sei! Ela certamente irá sobreviver por muito tempo. Para sobreviver ela tem que ser flexível. Certamente que em nosso próprio coven há uma ênfase no desenvolvimento pessoal tanto quanto no trabalho mágico. Será fascinante ver o que acontecerá! M.M: Algum pensamento final que você gostaria de compartilhar com os leitores brasileiros da revista BTW? P.H: Bem, Gerald Gardner falava fluentemente o português, tendo vivido muitos anos de sua juventude na Ilha da Madeira, então é apropriado que exista um interesse por ele e seu trabalho tanto em Portugal quanto no Brasil. Estou certo de que ele teria visto isso com prazer! M.M: Caro Philip, muito obrigado novamente por dispor do seu tempo para falar para a revista BTW. Boa sorte e muito sucesso com seu novo livro sobre a biografia de Gardner.

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OS INSTRUMENTOS DO OFÍCIO Notas sobre os instrumentos e o Museu de Bruxaria de Castletown

por Artemis Absinto e Lorenna Escobar Ao falarmos dos instrumentos do ofício, como ferramentas religiosas, devemos ter em mente que os mesmos nasceram de contextos históricos e culturais vividos pelo ser humano através dos tempos, da evolução da sociedade e da evolução do culto às divindades. Desde os tempos mais remotos que o ser humano utiliza ferramentas para desempenhar suas atividades; O que inicialmente era uma adaptação de materiais encontrados na natureza, que devido ao seu formato ou disponibilidade,

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eram utilizados tanto para caça como para modificar o ambiente ao seu redor. Com o passar do tempo, a utilização dos instrumentos se desenvolveu com tal complexidade e poder que levou a capacidade de interferir em planos superiores e de permitir, através do contato com outros planos, modificar o ambiente o nosso redor de maneira muito mais profunda e complexa, apelando para os sentidos e saindo da superficialidade da alteração material. Acreditamos que os primitivos seres humanos tinham uma imensa capacidade de observação da natureza, do seu redor e dos eventos astrológicos que ocorriam com frequência. Podemos estar sendo ousadas em nossas observações, principalmente por não ter graduação em história


ou arqueologia, mas essa capacidade de observação os possibilitou aprender o uso das ferramentas e a relacioná-las podendo carregar com simbolismos necessários, que talvez possa daí ter-se originado a utilização de alguns instrumentos como ferramentas para o trabalho religioso. O que viria a nascer como fruto da observação, possibilitou a essas ferramentas adquirir seus significados, usos próprios e se tornassem extensão de corpo e poder de um bruxo. Temos que ser bem claros ao lembrar que a maior parte do poder das ferramentas advém da capacidade do bruxo em alimentá-las. A energia levantada pelo bruxo é uma das formas mais naturais de magia. E os instrumentos, relacionados aos símbolos, facilitam e direcionam o poder levantado pelo bruxo ou mesmo mantido pelo círculo. É importante ter em mente esses pontos, pois os mesmos só reforçam a importância do Bruxo estar devidamente preparado dentro dos conhecimentos fornecidos pela tradição através da iniciação. Conforme Gardner demonstra: “Há três ferramentas de trabalho que são essenciais e nada pode ser feito sem elas; ou seja, algo para cortar e apunhalar, algo com que bater e algo para amarrar. Há cinco outras, cada uma das quais com seu uso especial e apenas necessárias quando um tipo particular de trabalho é realizado. Para uma iniciação, as oito devem estar presentes e o iniciado aprende a usar e segurar uma de cada vez. [...]” (GARDNER, Gerald Brosseau. ‘A Bruxaria Hoje’. Ed. Madras, pg111)

Instrumentos são em geral utensílios utilizados para desenvolver alguma tarefa, seja física, intelectual ou mesmo espiritual nas operações mágicas. Cada instrumento deve ser devidamente consagrado para que seja considerado do Ofício sagrado

em serviço aos Deuses e seu uso geralmente deve se restringir apenas para esse propósito. As literaturas então nos mostram que esses artefatos não precisam necessariamente possuir de fantástica ornamentação ou de ser de grande importância material. Os instrumentos podem ser confeccionados com materiais simples, e o que realmente vai importar ao Wica é que ele funcione. Se o instrumento estiver conectado com o bruxo de alguma forma seria formidável, assim o poder pode ser transmitido com mais naturalidade, já que existe uma maior afinidade. Todo instrumento do ofício deve ser real, caso contrário as energias trabalhadas pelo Bruxo podem ser facilmente dis-

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Nos tempos de perseguição, principalmente em tempos da “Santa” Inquisição, as bruxas eram orientadas a não manter instrumentos suspeitos em casa e, caso tivessem, que os mesmos fossem facilmente ocultados para que não recaísse sobre elas nenhuma suspeita ou indicasse qualquer ligação com a magia e feitiçaria. O medo da perseguição foi responsável por muitas das características ocultistas da religião, que para manter seus mistérios e ritos a salvo, de certa forma, a parte significante dos instrumentos e dos ritos só é repassada oralmente dentro do coven, da mesma forma que uma mãe ensina ao filho os segredos culinários da família e que a mesma não deve divulgá-los a mais ninguém. “[...] O mesmo com as ferramentas de trabalho. Que elas sejam como coisas comuns que qualquer um tenha em casa. Que os pentáculos sejam de cera para que possam ser derretidos ou quebrados rapidamente. Não possua espada, a não ser que seu posto permita que você tenha uma. Não possua nomes ou signos sobre nada, escreva os nomes e signos com tinta antes de os consagrar e lave-os imediatamente depois. [...]” (GARDNER, Gerald Brosseau. ‘A Bruxaria Hoje’. Ed. Madras, pg53)

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sipadas perdendo todo o potencial mágico que neste poderia se instalar. Para melhor visualizar este exemplo, seria o mesmo que entrar numa guerra munida de uma espada ornamental, de certa forma ‘simbólica’, onde a lâmina não causasse ferimento algum já que não possui fio, e em poucos segundos a pessoa seria destruída. O mesmo acontece quando se entra no círculo, pois é um trabalho realizado com energias superiores, com seres superiores, e assim, deve-se estar devidamente ‘equipado’ caso queira que estes seres o respeitem como bruxo.

O Museu de Bruxaria Cecil Hugh Williamson foi um dos personagens fundamentais na formação e acumulação de um novo dia dos Wicas, devido às grandes contribuições de artefatos e instrumentos, relacionados ao meio pagão, catalogados em seu Museu. Ele foi o fundador do Centro de Pesquisa Witchcraft durante a guerra, e o Museu de bruxaria em Castletown na Ilha de Man. Após a revogação das leis de feitiçaria em 1951, Williamson decidiu voltar para a Inglaterra e em 1952, vendeu os edifícios do museu de Castletown a Gerald Gardner. Gardner foi um grande Sacerdote, iniciado nas Artes Mágicas da Bruxaria Tradicional, um Wica. Ele era um senhor muito viajado e erudito, devido ao seu interesse natural por objetos e instrumentos peculiares, ele começou uma coleção pessoal de itens relacionados à magia e feitiçaria que por fim vieram a complementar a coleção do museu: armas, manuscritos, livros de magia, amuletos, talismãs, entre outros.


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“A política do Museu é mostrar o que as pessoas acreditavam no passado, e ainda acreditam, sobre magia e bruxaria, e o que eles fizeram, e ainda fazem, como resultado dessas suas convicções. O museu contém uma coleção sem paralelo de material autêntico doado por bruxas que ainda vivem ou faleceram recentemente. Mostra-se como a bruxaria, em vez de estar extinta, ou ser um fato meramente lendário, é ainda uma religião viva, possuidora de tradições de grande interesse para os estudiosos, antropólogos e estudantes de religião comparativa e do folclore. A Bruxaria é atualmente o que resta das mais velhas tradições religiosas da Europa Ocidental, algumas das quais parecem ter vindo da Idade de Pedra.”

Este quarto (ilustração acima) mostra um ambiente com os seus instrumentos mágicos prontos para serem usados, com o círculo, o altar, etc.

Gerald Gardner

É possível, através dos itens expostos no Museu, observarmos alguns instrumentos usados pelos Bruxos, Wicas, Magos e Ocultistas. Segundo as notas escritas por Gerald Gardner, no livro “The Story of The Famous Witches Mill at Castletown, Isle of Man”, descreve a coleção de objetos usados pelas bruxas, que estavam em meio aos artefatos do museu. Esta coleção consistia em utensílios para fabricação de curas herbárias e encantamentos, uma vara ritual e outras coisas escondidas dentro de uma escrivaninha.

Havia também, no museu, grande número de objetos que peculiar que pertenceram a uma bruxa falecida em 1951, esses objetos foram doado pelos seus parentes, e que eram instrumentos que haviam sido usados na família durante gerações, dentre ele havia uma espada ritual que com ela celebravam anualmente a cerimônia do Solstício de Verão em Stonehenge. Em uma das muitas seções continham também vários artigos emprestados ao Museu por uma fraternidade mágica, inclusive um cálice usado para celebrarem uma espécie de Missa para propósitos mágicos. Após a morte de Gerald Gardner, a titularidade do museu foi transferida para o casal Wilson, porém, no início dos anos 1970, o museu foi fechado e depois de muitos anos quando suas dependências já estavam deteriorando aos poucos, o museu foi então vendido e nele desenvolvido um condomínio de alto padrão em 1999.

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BELTANE QUADRO: SATAN WATCHING THE CARESSES OF ADAM AND EVE WILLIAM BLAKE

Curiosamente, era o mais temido dos sabás pela Igreja devido à conotação sexual. A Liberdade Sexual encontrada e relatada por vários historiadores e seus ritos, foi condenada em orgias carnais sem sentido, assim como a copulação com o próprio Diabo. É claro, que Bruxas de vários lugares se reuniam e dançavam nuas ao redor das fogueiras, e era comum entre os pagãos o sexo sem o pudor condenado pela Igreja. O Sexo é a expressão mais viva da divindade em nós. Com ele podemos criar outro ser.

O Grande Sabá das Bruxas

por Arida Diana “….Todos os atos de amor e prazer são os meus rituais...” (Versão publica da ‘Carga da Deusa’)

A palavra anglicizada Beltane, segundo Janet e Stewart Farrar, corresponde a moderna palavra gaélico-irlandesa Bealtaine, que significa mês de maio, e a palavra gaélico-escocesa Bealtuin, que significa dia de maio. Mas segundo vários autores, o contexto da palavra possui o significado de ‘o fogo de Bel’, ou ‘o brilho de Bel’. Bel na mitologia celta era o deus do Fogo, e em suas origens também associamos a Beli, Balar, Balor e Baal, este último tem como significado Senhor. Existe também relação com o Deus Cernunnos, Apolo, Lugh e com Herne.

Nesta data, duas grandes fogueiras eram acessas pelos druidas em cada colina saBeltane, Roodmas, Noite de Walpurgrada, e o gado era conduzido entre elas gis, e tradicionalmente, May Eve, Véspera para assegurar a fertilidade e a saúde, a de Maio ocorre em 30 de abril ou 1º de purificação e a proteção. Robert Graves, maio no hemisfério norte, e por volta de em ‘The White Goddess’, cita “que o fogo era 31 de outubro, e 1º de novembro no heacesso em atrito com uma prancha de carmisfério sul. Trata-se de um Grande Sabá, valho, e tinha propriedades miraculosas, mas senão um dos mais esperados e comemoque originalmente culminava no sacrifício de rados pelos Wica. Atualmente, é comum um homem que representava o Deus do Carque vários covens se reúnam nesta data. O valho”. Os Farrar ainda mencionam “as virmotivo de tanta exaltação é porque nesgens vestais que jogavam bonecos de junco no te sabá comemora-se o sexo, a vida e a rio Tibre, como sacrifícios humafertilidade da vida, e se resume nos simbólicos. O antigo Rei Divino este sabá em Fertilidade e Fogo. Beltane e Samhain dividem o ano em comemora o sexo, morria na Véspera de Maio, sacrificado, e seu sangue era aspergido duas partes representadas pelo a vida e a nos campos e bebido junto a cerSexo/Vida e Morte, Crescimenveja e ao vinho”. Seu sucessor asto e Decrepitude. fertilidade

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sumia então o reinado, sendo substituído as festas de Maio, trazendo abundância e da mesma maneira ao passar os sete anos. a vida. Embora o sacrifício humano não aconteça, Os festejos eram também conhecidas além de ilegal também não é necessário, como jogos de Maio. O prinos wicanos comemoram o ritucipal ícone dos Jogos de Maio al em meio as fogueiras erigidas autores associaram era o Maypole, ou Mastro de para a purificação e a fertilidade. Robin ao conhecido Maio. Ele representava o falo A festa de May Eve compreereto, símbolo da vida de forJack, o Homem Verde, ende aspectos de caráter sexual ma simbólica, e suas fitas repree encontramos o casamento de sentavam o poder da criação, o Robin Hood e Maid Marian, como Rei e sêmen, jorrando para os desejos e ansiedaRainha de Maio. Acredita-se que a história des dos dançarinos. Ele era adornado pela de Robin Hood difundida em toda a Euroguirlanda representando a mulher sobre o pa, possa ser uma referência a um grupo de homem, no ato sexual. bruxaria. Embora não se pode provar que “A força do Maypole foi condenada em ele tenha existido, o próprio nome Robin 1644, mas eles puderam retornar em era comum na época e muitas bruxas o 1661, com a Restauração” relataram durante a perseguição dizendo que o diabo tinha o nome de Robin. (Janet e Stewart Farrar, ‘Oito Sabás para as Bruxas’).

Hood é uma variação do deus escandinavo Hod, ou Woden, Senhor do vento. Gardner (‘Bruxaria Hoje’. Pg. 67) e Murray (‘O Deus das Feiticeiras’. Pg. 35) relatam que Robin, assim como Marian, formavam uma congregação de 13 pessoas e se reuniam em florestas. Alguns autores associaram Robin ao conhecido Jack, o Homem Verde, um deus da natureza, adornado de folhas verdes e flores que aparecia entre

Outra curiosidade eram as caçadas de Maio, onde as mulheres corriam atrás daquele que seria iniciado ou seria o seu pretendente. Elas batiam nele e o detinham sob sua direção. Na mesma data, ocorria a caçada da lebre (um animal da Lua) e, como dizem os Farrar, “gozam de uma excelente reputação de sensualidade e fecundidade”. Na verdade, a caçada é uma busca pela parceria complementar, pela sexualidade, mantendo o sexo, complementação dos opostos, mesmo que de forma ritualística, como tema de todo o festival. “Beltane é o clímax primaveril, a vida em abundância. Essa é expressa através do sexo entre os antônimos. Mantida sob a caçada nos bosques de primavera, ambos Senhor e Senhora, em seus aspectos juvenis, movimentam as poderosas energias que são responsáveis por tal abundância no cosmos. Neste ilustre momento onde a lança se une ao Graal, tudo é gerado.” (‘Notas sobre Elevações e os Sabás’ - HP Baco)

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QUADRO: VENUS VERTICORDIA DANTE GABRIEL ROSSETTI

os participantes, e a festa íntima comemorada pelo casal que representa as divindades. O êxtase, a cópula, a luxúria, o frenesi, são importantes mecanismos de contato com as divindades da Wica, embora exista todo um contexto em que esta liberdade seja orientada. Dentro do Ritual, o chamado Grande Rito, representa o ápice da força gerada, a união dos opostos, e a compreensão deste maravilhoso Mistério é ensinado aos iniciados como parte de um treinamento mais avançado num trabalho de parceria.

Em May Eve, o Deus se junta a Deusa, através do sexo, para gerar a maior força existente: a vida. É neste momento que enfatizamos a importância das polaridades. A união das polaridades permite o encerramento do mundo em um ser só, uma síntese que pode conter o todo. “Para elas e eles o sexo é sagrado – uma manifestação daquela polaridade essencial que penetra e ativa o universo todo, do macrocosmo ao microcosmo, e sem a qual universo seria inerte e estático, em outras palavras, não existiria. O casal que representa o Grande Rito está oferecendo a si mesmo, com reverência e alegria, como expressões dos aspectos de Deus e Deusa da Fonte Suprema. Como é acima, é abaixo. Eles estão fazendo de si próprios, no máximo de suas capacidades, canais para aquela polaridade em todos os níveis, do físico ao espiritual. Esta é a razão de chamar-se o Grande Rito.” (FARRAR, Stewart & Janet, ‘Oito Sabás para as Bruxas’, pg. 47)

Quando os Altos Sacerdotes representam as divindades durante o ritual da Véspera de Maio, eles não só são a representação da força maior, mas são o casal perfeito. O ponto de relação com o ritual se baseia na festa comemorada por todos

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Doreen Valiente relata que: “A relação sexual é realmente muito antiga, provavelmente tão antiga quanto a própria humanidade. Obviamente, é o próprio oposto da promiscuidade. Relação sexual com propósitos rituais deve ser com um parceiro cuidadosamente selecionado, na hora certa e no lugar certo... É amor e exclusivamente amor que pode transmitir ao sexo a centelha da Magia.” (‘Natural Magic’, pg.110)

E para Mario Martinez: “(...) é através do casamento sagrado e do êxtase ritual que a unidade de consciência e espírito pode ser alcançada.” (notas avulsas)

Para os Wica, Beltane se resume em alegria, em contentamento interior, em fertilidade, em juventude, êxtase espiritual, iluminação e amor. O sexo ritual, ou associações, como rodar um mastro, andar em meio as fogueiras, cavalgar em vassouras, ou fazer amor no campo, representam o mito da vida, cujos Mistérios são a verdadeira ponte ao sagrado. Aos nossos iniciados o Grande Rito é a real consumação de todo o nosso trabalho por amor. E a ligação verdadeira entre nós e as divindades.


OCULTISMO

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Poções, Misturas de Poder por Baco Líber “Diante de uma instância de tensão e medo, ela adicionou ao chá uma ‘maçã’ de mandrágora, e, tão pequena era esta, que, ao degustar a terna bebida, o pobre rapaz caiu em profundo sono.” (Contos noturnos ‘Unguento Sabbat ‘- Baco Liber)

sórdido e sempre logrado à manipulação de um feito por um feitiço ‘fisicamente líquido’. Seus disfarces a levaram sem qualquer desconfiança às vítimas mais protegidas contra um inimigo em potencial, mas, que diante deste sorrateiro sortilégio, o fracasso, acabou se tornando uma constante eventualidade para àquele que o bebesse. Ao estarmos intrinsecamente ligados a vida como um todo, elaborando festejos sacros em observância às mudanças dos ciclos sazonais, e, por consequência às plantas, nós aprendemos seu ofício, e, alguns dos nossos, adquiririam dons. O ofício que era reservado em princípio às mulheres do Clã, como detentoras daquilo que deve ser mantido, ao plantio, e, ao entendimento da cura e da própria criação da agricultura como a conhecemos, fora um papel legado as mesmas, pois os homens em uma sociedade caçador-coletora abstinham-se em primazia às caças e pescas.

QUADRO: DEPART POUR LE SABAT DAVID TENIERS (1750 - 1780)

Sabemos que durante o percurso da história nem todas as bebidas poderiam ser, de fato, inocentes drinques de desfrute. Por nossas mãos muitos já sucumbiram ao amargar de maldições, ao deleite do amor, ou, ao sono profundo após um doce gole de uma bebida refrescante. A história e a estória, em suas invenções, corroboraram para nomear-nos como detentores de legítimos poderes, forças tais, que, poderiam por uma gota de certa bebida, fazer tombar o mais forte dos homens de um vilarejo. Pois, sinceramente, não serei eu quem dirá o contrário. As Poções e as bebidas mágicas se entrelaçam em nossas memórias, como algo

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A Wica, como bem sabemos, religa suas bases formadoras sobre a própria natureza, como antes fora dito, estabelecendo um contato ímpar com as ervas e por consequência com seus usos e estudos propriamente ditos. O conhecimento delas por anciões de nossos antigos Clãs se fez até certo ponto necessário, devido ao profundo entendimento de que muitos dos mistérios internos vivenciados por nossos iniciados se relacionavam a esta compreensão. Estes processos se alimentaram de diversos fatores que serviram de condução do (a) Bruxo (a) por um explorar genuíno dentro da própria religião em um religare com suas divindades. Assim, através da vivência e da prática física, nossas tradições primordiais


repassaram parte integrante dos Mistérios pelo simples observar de um jardim, até o entendimento do porque de cada flor estaria abrindo em uma específica fase anual. Processos arraigados ao uso destas para o aprofundamento em comunhão à própria planta como transportadora deste conhecimento/poder natural que, como o xamã, nós conseguimos através delas, acessar tal poder, e expandir nossa consciência ao limiar entre os mundos. ‘Esta transformação também está ligada aos Mistérios da Transformação e, por conseguinte, aos Mistérios Agrícolas, às plantações e às próprias estações da Roda. Elas estão inteiramente ligadas tanto às mulheres em sua regência lunar, do qual as ervas, plantas e marés partilham seu crescimento em relação direta com as fases lunares, e aos homens, em cujo sol e as estações solares estão diretamente associados ao plantio, e a ceifa. ’ (‘O Ofício da Cura – As Ervas’ – Baco)

Atravessando os séculos e diversas culturas na Europa, as poções ganharam respaldo quando através do documento de nome The book of Taliesin, datado aproximadamente do século XIII, relatava, pelos dos contos dos bardos, o mito de Cerridwen e Gwion, onde uma poção era preparada por um ano e um dia, pela deusa e, em um acidente repentino, uma gota do

preparo foi bebida por Gwion ao queimar o dedo, levando-o à boca sob um ato reflexo. A partir de então, ambos travaram um luta ímpar, onde, transformando-se em diversos animais, eles se esquivaram e degladiaram sem cessar, ao que no final, Gwion em desespero transforma-se em grão e, Cerridwen, observando a oportunidade, transforma-se em uma galinha, comendo Gwion em sua nova forma e engravidando deste. Assim, após nove meses ela concebe Taliesin, ‘Aquele da fronte brilhante’. Muitos ingredientes, assim como recipientes, fizeram parte da criação do que se validou sobre as Poções. Entre elas, ingredientes tão intrigantes quanto: sapos, pernas de aranha, asas de morcegos, insetos, água do pântano, e, as mais diversas complementações sórdidas que nossa mente puder imaginar. Toda a transformação desta diversidade de ingredientes, sempre refletiu, mesmo que de forma fantástica, nos mistérios que se referiam a transformação destes itens, em um ensopado místico. Antigos membros de nossos Clãs referiam-se a estes como Mistérios da Transformação, largamente associados aos Sabás da primavera e em principal, o do outono, assim como os chamados Mistérios do Caldeirão conhecidos por nossos anciões em transmissões orais, nos seio das congregações tradicionais. ‘Aqui, devo expor ao leitor uma pequena nota em referência aos Mistérios do ponto de vista BTW. Deve ser entendido que os Mistérios Wicanos nunca foram uma senha ou mesmo um ato mágico, a partir do qual pudéssemos adquirir forças e poderes sobre-humanos, pois os mesmos são reflexos de vivências intensas, entendimentos que se transformaram pelo tempo e pela prática em um foco de sabedoria que se instaurou como

QUADRO: THE DANAÏDES JOHN WILLIAM WATERHOUSE (1849-1917)

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uma compreensão de cunho espirisubmundo. Como vivia em um ambiente tual, e logo, por seu reflexo material. aquático, desde que a água há muito era Aqui deve ficar entendido que somos considerada como detentora do poder de possuidores de senhas e diversos pastransportar um ser entre os planos, o sapo ses mágicos que variam de representava aquele que transimovimentos a encantamentava entre os mundos; a partir tos intrincados, mas que uso de um sapo em disto, seu sangue, ou mesmo em suma a compreensão sua secreção, poderia levar um uma poção de nossos mistérios, sembruxo ou xamã a experimenpre foi vetada aos de fora, tar a mesma sensação de poder aos que nunca construíram que este detinha. A bufotenina, como nós, conceitos a partir do conassim como diversos fungos, como a Amatato com a Wica Tradicional, com os nita muscarea era considerada ingredientes fundamentos que são estabelecidos de extrema força, pois cediam ao usuário passo-a-passo pela progressão nos um contato direto com o poder de suas graus, e da experimentação efetiva substâncias. destes dentro de um Clã genuíno sob “Em 1588, Alison Peirson, que estava um contexto BTW.’ entre as fadas, disse que um homem de Os Mistérios da Transformação contém verde apareceu-lhes, um homem forte, seu cerne o entendimento do por que do com muitos homens e mulheres com ele; uso de, por exemplo, um sapo em uma ela se persignou e rezou, e se passou enpoção na concepção popular medieval tre eles mais do que poderia dizer; viu européia (elemento tão intrigante para entre eles música de flauta, alegria e aniingredientes que sob um ponto de vista mação, e foi levada à lothian; e viu barris folclórico se demonstrava abertamente exde bebidas alcoólicas com eles.” cêntrico). Para entendermos isto, conside(MURRAY, Margaret Alice. ‘O Deus remos alguns pontos de correspondência das Feiticeiras’ - ed.Gaia – pg.96) no ocultismo. Devido ao seu surgimento em épocas de chuva, e mesmo por seu haCogumelos possuidores de poderes divibitat natural ser comumente em pântanos natórios, composto de substâncias psicoe brejos, o conhecimento popular europeu trópicas, assolaram o Sabá europeu, cone dos estudiosos do oculto, conectaramcedendo às bruxas uma noite que levava -no a algo pertencente ao obscuro, ao seao mundo das fadas. Determinados fungos creto, ao noturno, e assim o ligaram ao que parasitavam o trigo, faziam parte integral dos festejos do Senhor Chifrudo em noites de lua cheia. Todos misturados a líquidos de cheiro intrigante, que alteravam a visão e a consciência. Os Mistérios da Bruxaria mantinham em suas tradições o fermentar da levedura, da uva e do trigo, como um processo que conduzia as forças da Vida, da Morte, e do Renascimento a uma nova forma, assim como o hidromel, o vinho, a cerveja ou até mesmo o Whisky, capazes de conduzir aqueles que o bebessem ao mesmo processo da planta, sendo

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transportado por seu espírito às vicissitudes do corpo. A conhecida Dedaleira, Digitalis pupurea e suas poções, aceleravam o coração dos desavisados levando-os à taquicardia, mesmo que em pequenas doses.

Sempre perdendo quando eu estava a ponto de vencer? Que males terríveis cometeu meu coração, Enquanto se julgava jamais abençoado! Como vagaram meus olhos fora de suas órbitas, Ao se distraírem nessa louca febre! Ah, o benefício da dúvida! Agora descubro ser verdade Que o bem se aperfeiçoa com o mal; E o amor arruinado, ao ser reconstruído, Cresce mais belo, mais forte e se torna ainda maior. Então, retorno, refeito, ao meu contentamento, E ganho, por sorte, três vezes mais do que gastei!”

O Vinho, entre as mais famosas bebidas embriagantes, continha o poder do deus grego Dionísio/Baco, que pela mitologia helênica era a própria videira, onde seu sangue, o vinho embriagante produzido pela planta e fermentado por processos mágicos, conduzia os beberrões ao limiar da loucura, dádiva divina que o mesmo deus concedia aos mortais em seus festejos. Bodes eram associados a Baco como animais de sacrifício, pois na época em que as folhas da videira retorShakespeare em seu ‘A Lover’s Comnavam à ‘vida’, o cabrito, dádiva divina que plaint’ (1609), provoca a intensidade da era considerado pelos paixão através de seus versos na Reo mesmo deus gregos como seu maior nascença inglesa, assim como em Macconcedia aos inimigo, comendo-lhes os beth (1616), onde o mesmo retrata três brotos, e suas novas fomortais bruxas, personagens de seu romance, lhas verdes, e impedindo preparando uma poção tão repugnanque a planta vingasse uma nova safra. Aste que levava entre outras coisas sangue sim, o bode era ofertado nos ritos báquide babuíno, fel de bode e o fígado de um cos, nas antigas festas, chamadas de ‘o canjudeu, como ingredientes de preparo para to do bode’, ou a Tragodia, do grego antigo causar ‘labuta e dificuldades’. τραγῳδία, ou, as conhecidas tragédias. Em resumo, a História nos demonstra No soneto de número 119: que muito do folclore local gerou na população algo distorcido sobre práticas muitas “Que poções bebi das lágrimas das Sereias, vezes simplistas de magia, tão comuns em Destiladas dos troncos que épocas antigas, sobre tudo em terras paqueimam como o inferno, gãs, onde curas e soluções para males do Vertendo medos em esperanças, corpo e da alma foram consideradas como e esperanças, em medos, atos de malefício e disseminadas como práticas diabólicas inspiradoras pelo terror e desgraça causados pelas bruxas. Aqui, faço minhas as palavras de W. Shakespeare: ‘Quantas vezes a simples visão de meios para fazer o mal Faz com que o mal seja feito!’ QUADRO: A NAIAD JOHN WILLIAM WATERHOUSE (1849-1917)

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por Simone Abraços Não tem como falar sobre Bruxaria sem mencionar a Magia e o Poder das Plantas e das Ervas. A frase : “Plantas que curam, também podem matar”, se encaixa perfeitamente nas plantas que são, desde tempos remotos, associadas à Bruxaria e Antigos Cultos. Seu uso, sua manipulação e seus propósitos ainda continuam sendo um mistério para a grande maioria, o que favorece e propicia uma aura de misticismo, temor, curiosidade e superstição em torno delas. Algumas dessas lendárias plantas eram consideradas sagradas porque eram as preferidas dos Deuses.

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Como poderosos venenos ou como componentes de várias poções e unguentos, sempre estiveram presentes na História, nas Mitologias, nas mais famosas narrativas, na Dramaturgia, em poemas e nos contos folclóricos. Poderíamos comentar sobre dezenas dessas plantas, mas vamos contar um pouco da história das mais notáveis e fascinantes plantas do mundo da Bruxaria e da Feitiçaria : o Acônito, a Mandrágora, a Beladona, o Meimendro-Negro e a Dedaleira. Vale lembrar que todas elas são altamente tóxicas e não devem ser manipuladas, aplicadas ou ingeridas.

QUADRO: GATHER YE ROSEBUDS WHILE YE MAY JOHN WILLIAM WATERHOUSE (1849-1917)

ERVAS HISTÓRICAS E SAGRADAS DA BRUXARIA


O Acônito é regido por Saturno e normalmente associado ao Mundo Ctônico, o Submundo. É a erva sagrada de Hécate, que durante a noite era vista correndo acompanhada por sua matilha de cães e por Cérbero, o Cão Infernal de três cabeças, que quando latia, acônitos brotavam das gotas de saliva que escapavam de sua boca e caíam ao chão.

Acônito (Aconitum napellus)

Por ser frequentemente usado para caçar e capturar lobos e cães selvagens, ficou conhecido como o “Veneno dos Lobos” (Wolfbane). As pontas das flechas, lanças e dardos eram mergulhados no extrato concentrado da planta, que era tão potente, que podia matar ou derrubar animais de grande porte em menos de uma hora. Da mesma forma que o Acônito está associado aos lobos, conseqüentemente, está associado aos Lobisomens, que temem e não se aproximam dessa planta. Do grego lycotonum, surge lycan, licantropo - a Licantropia é a capacidade que o homem tem de se transformar em lobo.

De uma beleza formidável que muito contrasta com sua fama de ser considerada a mais mortal de todas as plantas associadas à Bruxaria. Na Primavera produz pendões floridos que variam do azul ao roxo, onde suas flores possuem um interessante formato de capuz ou de um capacete medieval, por isso alguns o chamam de Capacete-de-Zeus. É uma espécie herbácea mediana que cresce em abundância nas regiões rústicas, montanhosas e frias do Hemisfério Norte, mas que também pode ser encontrada em bosques, florestas e margens de rios e lagos – lugares obscuros e sombrios que combinam perfeitamente com sua natureza sinistra. Dizem que suas flores voltadas para baixo, servem como abrigo para seres e espíritos funestos que vagam sem rumo pelas florestas.

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A planta toda é altamente venenosa, mas é em seu tubérculo que se concentra o maior nível de toxicidade, não existe antídoto para as toxinas do Acônito. Seu principal alcalóide é a Aconitina, uma das mais potentes neurotoxinas conhecidas pelo homem. Após o envenenamento, as toxinas agem rapidamente no Sistema Nervoso causando perda de sensibilidade nas extremidades, queda de temperatura corporal, sudorese, dores abdominais, desorientação, vertigem, alteração dos sentidos e dos batimentos cardíacos e finalmente, parada respiratória ou morte por asfixia. Por ser uma planta Psicoativa (alucinógena), pode produzir estados de consciência profundamente alterados causando visões e delírios. É um dos principais ingredientes do “Unguento de Vôo” das Bruxas, que quando é esfregado em determinados locais do corpo (inclusive nos genitais), proporciona uma sensação de formigamento seguido por letargia. Com a penetração na

corrente sanguínea, suas toxinas são facilmente absorvidas pelo organismo e a pressão arterial se altera dando a impressão de “queda” ou “vôo”. Planta muito utilizada para expansão da mente e associada a várias Divindades. No Antigo Egito, é conhecida como a “Lágrima de Ísis” e na Índia, ela está intimamente ligada à Deusa Shiva, que dizem que provou e conheceu todos os venenos do mundo e que elegeu o Acônito como o seu preferido (daí a origem da cor azulada de Shiva). O Acônito é Escuridão, mas também é Luz e portanto, possui seu lado medicinal e terapêutico. Possui propriedades analgésicas, antiinflamatórias, antipiréticas, cardiotônicas, sedativas e diuréticas entre as principais. Seu uso popular é proibido pela grande quantidade de espécies e variação de toxicidade que cada uma possui, a margem de segurança entre a dosagem terapêutica e a tóxica é muito frágil e estreita.

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Planta perene que se destaca por possuir uma raiz bifurcada e, que sendo grossa e carnuda, assemelha-se fantasticamente ao corpo humano, muitas vezes com cabeça, tronco e membros. É uma planta invulgar, ou seja, existe a Mandrágora Fêmea (sua raiz é escura) e a Mandrágora Macho (sua raiz é clara). Pertence à Família das Solanáceas (a mesma da Beladona e do Meimendro-Negro) e é encontrada em regiões mediterrâneas estendendo-se até o Himalaia. Seus frutos (bagas que parecem jilós) são conhecidos como “Maçãs ou Frutos do Amor”. Por ter propriedades afrodisíacas, a Mandrágora era muito usada para excitar o amor, despertar paixões, instigar o desejo sexual e aumentar a fertilidade em mulheres estéreis ou com dificuldades para engravidar. Em séculos passados, foi uma planta muito valorizada e largamente cultivada. Mas possuir Mandrágora era algo muito perigoso e poderia ser uma prova concreta de que a pessoa estava envolvida com Bruxa-

Segundo a lenda, para a colheita da Mandrágora era necessário um ritual especial, pois ela não poderia ser tocada por ninguém. Se fosse colhida sem as devidas precauções, ela soltaria um grito tão alto e terrível capaz de causar surdez, matar ou enlouquecer quem estivesse presente. O ritual precisaria ser realizado em uma sexta-feira em noite sem Lua (ao contrário do que muitos pensam, não deve ser em noite de Lua Cheia). A planta teria que ser amar-

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FONTE: HTTP://MYBYZANTINE.FILES.WORDPRESS.COM/2010/05/MANDRAGORA.JPG

Mandrágora (Mandragora officinalis L.)

ria e Ocultismo. Muitos Magistas utilizavam as raízes para esculpir figuras “animadas” e as usavam para abrigar um espírito, para predizer o futuro e, muitas vezes, em rituais de exorcismo, proteção e cura (dizem que seus frutos exalam um odor nauseante que os Demônios não suportam).

rada e atada ao pescoço de um cachorro negro que deveria puxá-la cuidadosamente de seu abrigo (se caso um pedaço da raiz quebrasse, ela gritaria deliberadamente até morrer de exaustão). Palavras específicas deveriam ser ditas durante a execução do ritual e, depois de colhida, deveria ser lavada com vinho e envolvida em seda vermelha para ser guardada em local privado de luz.

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Apuleio (século V d.c.) fez um comentário muito interessante sobre essa lenda :

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“Em uma noite sem Lua, deve-se ir ao lugar onde cresce a Mandrágora e começar a cavar com um Instrumento “que não seja de ferro”. Quando tiverem sido descobertos os “braços e as pernas”, amarra-se a estas uma corda, cuja extremidade será fixada à coleira de uma cão negro e esfomeado. Lança-se distante um pedaço de carne e o animal precipitar-se-á para pegá-lo e, assim fazendo, extrairá do terreno a raiz tão desejada. Porém, a morte da planta exige um sacrifício : deve-se matar o cão para pagar a prodigiosa aquisição.”

A Mandrágora, sempre envolta em muito misticismo, é largamente citada na Bíblia, em diversas obras literárias (como “Romeu e Julieta” de Shakespeare, “A Mandrágora” de Maquiavel, “A República” de Platão e a “Doutrina Secreta” de Madame H.P.Blavatsky), músicas e em diversos filmes (como o “Labirinto do Fauno” e a série Harry Potter).

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Essa planta já foi considerada uma cura para a loucura, mas isso é um mito e já foi descartado. Possui um potente poder analgésico e sedativo sendo muito utilizada como anestésico em cirurgias e procedimentos durante a Idade Média. Por ser uma planta Psicoativa, causa alucinações com uma credulidade tão absoluta, que parecem reais. É altamente tóxica e letal (possui Atropina, Mandragorina, Escopolamina e Hiosciamina) e deve ser manipulada apenas por especialistas em venenos ou plantas medicinais. Jamais deve ser ingerida “in natura”, pois causa vermelhidão na pele, secura nos lábios e na língua, arritmia cardíaca, midríase (dilatação da pupila), obstipação (grave prisão de ventre), entre outros sérios sintomas. Inicialmente causa uma sonolência estranhamente seguida de excitação e euforia e posteriormente, causa exaustão e sono profundos.


Planta extremamente tóxica e muito popular na Bruxaria e Feitiçaria, dizem que é usada na Conjuração de Demônios, na Invocação de Espíritos e na Arte da Profecia. Depois da ingestão em forma de suco, a visão fica turva, vaga e parece distender-se no sentido longitudinal onde nada é alcançado. Aqueles que já experimentaram confessam que as alucinações são muito reais (praticamente impossíveis de distinguir o real do imaginário). Proporciona uma sensação profunda de languidez, onde o indivíduo acaba dormindo e então, acontecem aparições fantásticas que ajudam a predizer o futuro. Essa planta é vilosa-penugenta, com um cheiro estupefaciente e desagradável, com um sabor amargo e acre e suas flores possuem uma estranha e impressionante aparência – pétalas cinzentas e amareladas com veios roxos. É originária de regiões mediterrâneas, mas hoje em dia, já é cultivada em diversos outros países.

Como veneno, teve um grande destaque na peça “Hamlet” de Shakespeare, o pai de Hamlet morre após tomar um copo de suco de Meimendro-Negro. Faz parte da Família das Solanáceas e é muito indicado para tratamentos de espasmos gastrointestinais. Por ter uma reduzida margem terapêutica, seu uso popular é proibido, pois contém como alcalóides predominantes, a Hiosciamina e Escopolamina. Seu envenenamento causa sonolência, delírios, convulsões, coma e morte. FONTE: HTTP://INCONTINENCIA-CULTURAL.BLOGSPOT.COM/2011/07/ HYOSCYAMUS-ALBUS-MEIMENDRO-BRANCO.HTML

FONTE: HTTP://INCONTINENCIA-CULTURAL.BLOGSPOT.COM/2011/07/ HYOSCYAMUS-ALBUS-MEIMENDRO-BRANCO.HTML

Meimendro-Negro (Hyoscycamus niger L.)

Utilizado desde a Antiguidade, o Meimendro aparece no Papiro de Ebers (o mais antigo e importante Tratado Médico Egípcio) como um remédio para dor de dente. Na Magia de Deslocamento, é um dos principais e mais importantes componentes do lendário “Ungüento de Vôo”, possui efeito sedativo sobre o Sistema Nervoso Central e é um analgésico local muito potente. Aparece também na poção que Circe deu aos homens de Odisseu (Odisséia de Homero) transformando-os em porcos e javalis. Na Mitologia Greco-Romana, era dito que todos os mortos recebiam uma Coroa de Meimendro para entrar no Submundo.

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uma quantidade maior, causa euforia e excitação (o vinho dos Bacanais, ou Festas Dionísicas, era frequentemente adulterado com Beladona, produzindo reações de histeria e alucinações nos participantes); mas em grandes doses, pode ser letal.

Beladona (Atropa belladonna) Curiosamente, Beladona em inglês é “Dwale”, um composto de vários ingredientes que encontramos nas Antigas Leis, Ardane (The Old Laws). Suas bagas negras são doces e muito chamativas, facilmente confundidas com o Mirtilo (uma fruta própria para doces, compotas e geléias), ou com a “Maria-Preta” (outra planta tóxica que quando é esfregada na pele, produz tremores que causam ilusão e sensação de vôo e levitação), ou confundida também com a Erva-Moura. Naturalmente é um veneno poderoso e apenas algumas bagas já são suficientes para levar à morte. É uma das mais misteriosas e obscuras plantas da Bruxaria – ao mesmo tempo que era respeitada, era muito temida. Alguns dizem que é a planta preferida dos Seres da Escuridão e Espíritos do Mal. Nas quantidades corretas, é um excelente sonífero e calmante; em

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[[FICHEIRO:ATROPA BELLA-DONNA0.JPG|THUMB|180PX|LEGENDA]]

A planta toda é tóxica, mas é na raiz que se encontra a maior concentração de toxinas. O princípio ativo da planta é a Atropina, o seu antídoto é a Pilocarpina, que é um alcalóide encontrado nas folhas do Jaborandi, deve ser administrada de forma intra-venosa.

Sua simples manipulação já é perigosa e devemos evitar qualquer tipo de contato direto com essa planta. A Beladona tem um grande efeito nos olhos podendo causar cegueira, antigamente as mulheres pingavam gotas do suco para a dilatação das pupilas porque gostavam do efeito que elas causavam. Como uma planta Psicoativa, é muito empregada para induzir transes, projeção astral e estados alterados de consciência.


[[FICHEIRO:DIGITALIS PURPUREA.JPG|THUMB|180PX|LEGENDA]]

Dedaleira (Digitalis purpurea L.) Associada aos encantamentos do amor, esta planta é verdadeiramente a fonte do Elixir do coração conhecido como Digitalina, uma substância de ação cardiotônica extraída das folhas da Digitalis purpurea, a Dedaleira. Possui muitas propriedades medicinais que agem diretamente no coração: casos de “falhas” cardíacas, regularização da atividade cardíaca arrítmica ou insuficiente, e casos de hipertrofia cardíaca. Na dosagem correta é um excelente remédio, mas em doses descontroladas provoca a paralisia imediata do coração (infarto) e morte súbita. É altamente tóxica e o seu uso caseiro ou popular é estritamente proibido, é uma planta muito difícil de ser manipulada. Incrivelmente, é considerada uma planta ornamental e é muito comercializada (provavelmente pela falta de informação de que é uma das plantas mais venenosas e de rápida ação no organismo).

Também conhecida por “Campainha”, “Dedais de Fadas” ou “Luvas de Fadas” devido ao formato de suas belíssimas flores que parecem “sinos” ou “dedais de costura” (planta muito associada ao mundo da Fadas).

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IMAGEM: HOMEM VITRUVIANO LEONARD DA VINCI

PSICOLOGIA, RELIGIÃO E CIÊNCIA

por Lorenna Escobar

Há algumas peculiaridades em que o ramo da psicologia como estudo, pode auxiliar a um nível de entendimento dos fenômenos produzidos pela magia. Ao longo do tempo a ciência tentou apresentar provas desse poder natural do Ser, mas mesmo apresentando resultados evidentes não são naturalmente suficientes para comprovação científica. Podemos dizer que o motivo dos cientistas não aceitarem tais provas apresentadas, apesar de quase um século de estudo, está relacionado mais a fatos psicológicos do que a motivos lógicos. Acredita-se vez por outra, no meio acadêmico, que ações fantásticas podem atuar como efeito mágico. Isso devido ao grau de espontaneidade de experiências e aconte-

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cimentos. Os resultados de anos de pesquisa não se apresentam de forma habitual, principalmente quando transcende espaço e tempo. Portanto sabemos que mesmo quarenta anos depois de Newton descobrir a Lei da Gravidade ainda refutavam sua constatação. Os fenômenos “psíquicos” e seu estudo tornaram-se conhecidos como “pesquisa psíquica” ou “parapsicologia”, ciência das manifestações mentais que parece ultrapassar os princípios socialmente aceitos. Podemos falar mais precisamente da energia psíquica, para tentativas de explicar o esforço mental sobre certas influências no ambiente. O homem explorou vários pólos do universo exterior, revelou a composição das estrelas, mas como pôde negligenciar a posição da personalidade humana, tornando-se ignorante do seu próprio EU?


Vários estudiosos chegaram a essa pergunta, mas não é fácil de se obter a resposta. Acreditam que a natureza do homem é dual e seria o centro verdadeiro da sua própria essência ou individualidade. A personalidade seria aquilo imposto pela sua realidade maneiras de vida, costumes, moralidade, prazeres, aspirações e valores, baseando-se na doutrina do que é adquirido na infância. Sigmund Freud conseguiu ampliar bastante essa idéia e também os antigos defensores da natureza dual do homem como: William James, William Macdougall, Henri Bérgson, Hans Driesch, entre tantos outros psicólogos e filósofos. “A nossa cultura supõe, por exemplo, que o espírito é suficientemente diferente do corpo, de sorte a permitir o “livre arbítrio”. Semelhante liberdade volitiva significa ter o espírito leis que lhe são próprias, e, portanto, que não o governam as leis do corpo e do ambiente, pelo menos não inteiramente.“

“Os homens jamais têm como provadas as verdades que se opõem as suas paixões cegas.” Eliphas Levi

Inúmeras referências e exemplos em que parecia existir transmissão de pensamentos entre seres humanos aparecem na literatura. As experiências mais antigas acompanhavam o hipnotismo ou mesmerismo. Enquanto punham os indivíduos em transe hipnótico, certos experimentadores descobriram efeitos que atribuíram à transferência de pensamento do hipnotizador aos pacientes. A clarividência foi outra das pretensões psíquicas mais antigas a serem investigadas cientificamente. Ela consiste na percepção de objetos ou acontecimentos objetivos sem o emprego dos sentidos, enquanto a telepatia é a percepção dos pensamentos de outra pessoa, igualmente sem auxílio dos sentidos.

Joseph Banks Rhine

Sempre que a ciência se apresentava, a crença tradicional na natureza espiritual do homem desertava. A psicologia foi ficando cada vez mais saturada de conceitos físicos. A doutrina materialista do homem progrediu segundo as teorias moldadas, assim como as da física moderna. Desprezaram-se alguns fenômenos excepcionais da natureza humana quando o conceito científico do homem estava sendo elaborado; omitiu-se, como de costume, porque não se ajustava. Acredito que se a vida mental fosse totalmente produto físico, não haveria como escapar das leis físicas e a liberdade seria talvez fantasiosa.

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físicos sob certas condições e que o Ser atua reciprocamente com a matéria não só na relação pensamento-racional mas em certa espécie de contato externos. A psicologia, psicanálise ou estudos semelhantes, podem chegar a um conceito teológico do que sobrevive a morte do corpo, como algo não físico. Entretanto este conceito já fora definido nas religiões como as do antigo Egito. Desprezaram a religiosidade para depois chegar a uma conclusão que se faz necessária para o entendimento das relações humanas.

Caso Clarividente: As quatro da tarde de um sábado, Emanuel chegou a Gotemburgo. Pouco depois, sentindo-se intranquilo e perturbado, deixou os amigos e foi dar um passeio. Quando voltou, descreveu a visão que havia tido: um incêndio que irrompera a pouca distância de sua casa, a quatrocentos e oitenta quilômetros dali. As ferozes labaredas estavam se alastrando, ele disse, e continuou perturbado até as oito horas da noite, quando anunciou que o incêndio fora debelado. Se faz necessário saber que é mais seguro aplicar a atividade de expandir a capacidade perceptiva, quando a prática é realizada de forma espiritualmente elevada. Não seria prudente a pretensão de adquirir conhecimentos a respeito dessas aptidões. A pretensão é apresentar como um fato histórico que a tempos ainda tenta ser desmistificado pela psicologia e compreendido. Portanto existem leis mentais familiares que se aplicam aos estudos e que afetam órgãos receptores, como se atrapalhassem uma conexão remota (como antenas), utilizadas pelos processos sensoriais e motores do próprio organismo. Mostrando que a Natureza humana pode fugir aos limites

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“Apoiando em base experimental, o conceito psicocêntrico da personalidade, que as religiões haviam presumido, a parapsicologia já demonstrou a importância que tem para o campo próprio à religião. E possível transladar, sem grande dificuldade, a maior parte dos dogmas principais da religião em problemas experimentais de parapsicologia. Uma e outra tratam de problemas e doutrinas que têm por centro órgãos pessoais no universo, não aceitos nas ciências ortodoxas. Uma e outra têm em mira descobrir e utilizar todas as forças e aptidões pessoais não aceitas, capazes de contribuir para que os homens vivam melhor juntos. A relação da parapsicologia para o campo da religião é, pelo menos teoricamente, muito semelhante à da fisiologia para a medicina, ou da física para a engenharia.” Joseph Banks Rhine


A noção da consciência interior é encontrada em quase todos os povos e culturas, contituindo-se em um objeto de constante elaboração filosófica, desde os pitagóricos até a teologia contemporânea ou a psicanálise de Jung. ‘Nas artes mágicas, mais especificamente na Bruxaria Tradicional, o foco das práticas pode-se desenvolver por meio dessas faculdades psíquicas, mas é tratada como consequênte do treinamento interno, estabelecido pela tradição, por meio do fortalecimento das conexões externas e internas – a transcendência do ego, conectando-se com seu EU superior ou Plano Divino. Para os Wicas a alma é imortal, palingenesia.’

É possível imaginar um grande conjunto de conhecimento possuindo transcendência sobre a natureza. “Religião e ciência são contradições que asseguram sua destruição recíproca enquanto contradições e que se afirmam mutuamente se as encararmos como duas afirmações fraternais.” Eliphas Levi

De fato, ainda um grande número de pessoas desejará saber até que ponto a ciência poderá ir, mas houve poucos avanços significativos nas últimas décadas. Poucas pessoas se deram o privilégio da dúvida, e procuraram esclarecer a existência de algo essencialmente além do físico. Os que buscaram nos tempos atuais, estão dentro de Ordens e fraternidades estabelecidas a séculos e que são disseminadas nas sombras.

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A ENCRUZILHADA – O ENAMORADO por Ana Marques Tal e qual crianças inexperientes caminhamos e uma série de aprendizados passaram por nós. Arriscamos-nos sozinhos, começando a nos afastar do que é conhecido. Esvaziamos nossas mãos para que, livres, elas possam segurar novos objetos. Nesse momento, de profunda fragilidade, carência e inovação, nos defrontamos com o momento mais delicado dentro da vida de futuros seres conscientes que seremos: nos deparamos com “O Enamorado”. Vemos a lâmina e estamos prontos. Claro! Todos podemos amar... Todos estamos prontos a nos apaixonar... Todos estamos...? Estamos...? Estamos...? “O amor sendo cego, os enamorados não podem ver as loucuras que cometem” (Shakespeare, O Mercador de Veneza)

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Apenas não estamos prontos a escolher. E principalmente, raramente estamos prontos interiormente, para fazermos a escolha consciente. Da mesma forma que animaizinhos, somos treinados e domesticados durante toda nossa vida, aprendemos pelo exemplo e pela dor a obedecer a regras, a ter comportamentos padrões. Nós reagimos em vez de agirmos. E a conclusão disso é alarmante: somos em grande parte resultado do treinamento duramente apreendido. Tendemos a ser uma massa informe de seres iguais, sem individualidade. Mas, agora, o momento da tomada de consciência chegou. A decisão que tomarmos poderá ser nossa aliada ou algoz daqui por diante. Estamos diante de aspectos de nós mesmos, da dualidade existente em todos os

Tarot Stairs - O Enamorado Apresentando o Enamorado entre duas mulheres. Ou seja, o Ego entre dois caminhos.


seres, e teremos de compreendê-la se desejarmos utilizá-la harmonicamente a nosso favor, a favor de nosso crescimento e descoberta interior. O momento de decisão é uma guerra: guerreamos contra nossa incapacidade de vermos todos os aspectos das situações que a vida nos apresenta. Dentro do pouco que vemos, apenas nos conhecendo profundamente poderemos olhar o momento que vivemos de forma imparcial, vendo um problema exatamente como ele é: o prenúncio de uma solução. “O lunático, o enamorado e o poeta Têm todos a imaginação compacta...” Shakespeare

poder (no caso, ofereceu a Ásia), Athena oferecia sabedoria (para vencer nas lutas) e Afrodite ofereceu a beleza (o amor da mais bela mulher mortal). Qual das Deusas era a mais bela? Ou melhor, qual delas oferecia o que era mais importante e conseqüentemente era A mais importante, em sua concepção? Dentro de sua inconsciência, Páris escolheu Afrodite e, com isso, errou duas vezes: a primeira em fazer uma escolha baseada na recompensa, a segunda em ter tomado a pergunta de forma literal. Ele foi incapaz de perceber que a pergunta literal era: “Quem é a mais bela?”. Mas a pergunta implícita era: “Qual delas é a mais importante? A beleza, o poder ou a sabedoria?” A confusão foi possível porque ele não conhecia a si mesmo e logo, não podia perceber o mundo a sua volta, tomando sua decisão de forma imediatista. As conseqüências são mais que conhecidas: Páris recebeu como prêmio a bela Helena - esposa de Menelau, o Rei de Esparta – selando a guerra e queda de Tróia, confirmando as profecias do oráculo.

Como Páris, no Tarô Mitológico, nossa escolha poderá parecer impossível. Ele precisa escolher a mais bela entre Hera, Afrodite e Athena, e a essa dar o Pomo de Ouro (ou o Pomo da Discórdia). Não importava qual escolha ele fizesse, seria odiado pelas deusas que não escolhesse. Da mesma forma, odiamos as decisões, porque Analisando vários tarôs, vemos sempre “perderemos” alguma uma outra tônica vastamente excoisa. No entanto, quanto mais plorada: a idéia de escolher entre consciente estamos, mais vezes o “vício ou virtude”. Essa interestaremos tranquilos diante Tarô Mitológico pretação me soa extremamente Páris é obrigado a escolher a do que REALMENTE quere- mais bela das três Deusas: Hera, ingênua. Apenas a ingenuidade mos. Páris não sabia, ao menos, Athena e Afrodite. A que escolher pode justificar uma idéia assim será dado o pomo de ouro. quem realmente era, já que tão maniqueísta. A figura mosmesmo sendo Príncipe de Tróia, acreditava tra, normalmente, um homem entre duas ser filho de um pastor de ovelhas. Quando mulheres. A da direita representa o “amor ele nasceu, um oráculo profetizou que ele espiritual” e a da esquerda o “amor carseria a causa da queda de Tróia, por isso, nal”. Esse conceito largamente incentivao rei mandou que o abandonassem no alto do, prega que o homem deve concentrarde um monte para que morresse. No en-se no espírito em detrimento da matéria, tanto, um pastor que passava por ali apiedestituindo o amor de sua característica dou-se do bebê e o criou. Com isso, sua mais básica: a união dos espíritos concretiinconsciência começava e terminava nele zados na matéria. Estabelecer que existem mesmo. E por causa desse ponto fraco, sua “lados bons ou ruins” que devemos escoescolha foi feita pela inexperiência da felilher é desprezar nossa qualidade mista de cidade pela beleza terrena. Hera oferecia

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outro nome e consequentemente um significado complementar. Agora estamos diante da lâmina “Os Amantes”. Tarô Encantado por sua interpretação a mulher da direita que abraça o rapaz simboliza o amor verdadeiro. A que está mais abaixo, simboliza a luxúria.

Com isso, a tônica que estava centrada na escolha consciente, passa a vislumbrar um caminho para que ela possa ocorrer: através da união.

seres constituídos de corpo e mente. Cada pessoa na face da Terra não é basicamente boa ou má. Cada um de nós é apenas o que é. Sem conhecermos e aceitarmos a nós mesmos como um misto de sentimentos e sensações, não poderemos conhecer e aceitar o outro. Sem conhecermos o outro (os caminhos) como poderemos fazer uma opção? Se estivermos mergulhados apenas na satisfação dos instintos básicos (fome, sede, sexo e sono), ou alçados ao vôo do espírito desligado da matéria, como saberemos o que NÓS, corpo E matéria, realmente necessitamos? De que maneira, realisticamente, poderíamos separar um do outro enquanto vivos e ainda assim sermos inteiros? Quando desprezamos alguma parte de nós, viramos um quebra-cabeças incompleto. Nada poderá montá-lo se nós permanecermos insistindo que aquela peça não é necessária.

Não estamos falando de relacionamento entre duas pessoas distintas, nem falamos de namoro ou casamento. A idéia dos Amantes vai muito além do que corriqueiramente chamamos de amor. Agora estamos falando da UNIÃO dos aspectos femininos e masculinos que convivem dentro de nós. Estamos falando do reconhecimento de múltiplos aspectos, para que REUNIDOS eles possam formar um ser inteiro: Você! Na lâmina do Old Path Tarot vemos um anjo abençoando um casal que está iniciando um romance. No peito do anjo está uma Estrela de Seis Pontas, o símbolo mais do que conhecido da máxima hermética “como em cima, assim embaixo”, a união do Macrocosmo e Microcosmo. O anjo os abençoa porque eles estão começando a se conhecer; estão nus, ou seja, livres de qualquer subterfúgio que os impeça de verem exatamente quem e como são.

No momento em que “Os Amantes” ou “O Enamorado” surgiu em nosso caminho, de forma alguma, estamos diante do Bem e do Mal. Não há qualificações definitivas ou conclusivas. Apenas estamos vendo a necessidade de começarmos a olhar mais profundamente para dentro de nós.

Para que possamos nos conhecer, unir a dualidade que existe dentro de nós é mais do que importante, é primordial. Como o símbolo do Tao que é retratado no Dragon Tarot, no momento que adentramos no território da União de nossos “aparentes” opostos, a nossa lâmina passa a ter

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Old Path Tarot

Dragon Tarot – Os

Dragon Tarot Amantes (The Lovers) Os Amantes (The Lovers)


O processo de auto-avaliação pode levar toda nossa vida. E enquanto vivemos nos veremos inúmeras vezes diante dessa situação: poderemos olhar para nossa “mãe” (Tarô de Marselha, ao lado) e nos inclinarmos a nossa “amante”. É preciso deixar a inocência pueril para trás e cortar o cordão umbilical que nos liga à “proteção e nutrição”, que a figura materna nos evoca, para que possamos conhecer nosso potencial. Da mesma forma, não podemos ser dominados pela amante, abandonando nossa mãe. Para que sejamos inteiros, é necessário resolver o dilema e não apenas tomar uma decisão qualquer para se livrar do problema. Se agirmos assim, estaremos mantendo os laços que nos tornam cativos; não estaremos cultivando a consciência para que não continuemos sendo manipulados pelo “cupido” que faz mira no nosso coração incitando as paixões descontroladas e a decisões impensadas. Enquanto estivermos inconscientes de nós mesmos, tal como Páris, seremos marionetes de deuses caprichosos, vingativos e enfastiados, cuja maior diversão será conduzir nossa vida a seu bel prazer. Olhe bem para dentro de você e para a Encruzilhada a sua frente. Você deseja continuar seguindo a esmo? Ou pretende realmente conhecer-se para poder conhecer o outro, e assim, finalmente tomar suas próprias decisões? ... as consequências sempre serão vividas por você. Vale a pena entregá-las as setas errantes do cupido, apenas por comodismo?

O Tarô de Marselha retrata a indecisão do jovem diante de duas forças que o subjugam: a figura materna (a mulher de “chapéu”) e a “amante” (a moça da esquerda). O Cupido (deus do amor) está pairando acima do rapaz, brincando com sua inconsciência e pronto a escolher por ele “flechando-o” com suas setas. Quanto mais inconscientes estivermos, mais propensos ficaremos às influências externas, de forma que elas decidam por nós.

A escolha é sua.

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próxima edição A revista BTW é publicada quatro vezes ao ano e seu objetivo é informar, esclarecer e desmistificar origens, dogmas e práticas da Wica Gardneriana e mostrar que os ensinamentos de Gerald Gardner ainda estão vivos e florescendo no seio dos covens tradicionais. Esta revista é aberta a comunidade em geral, caso desejem publicar algum artigo enviar para btw.revista@gmail.com com o assunto “artigo”. Será nos reservado o direito de resumir e editá-los para maior clareza, estilo, gramática e/ou precisão. Participe da seção Carta do Leitor e envie suas opiniões, dúvidas e sugestões. É só enviar para o endereço btw.revista@gmail.com com o assunto “carta do leitor”. Não deixe de visitar os sites: http://wiccagardneriana.net/ http://vassourasagrada.com.br/ “É a profundidade das raízes que preserva a árvore”. Gerald B. Gardner

Não nos responsabilizamos pelos artigos publicados.

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“O Amor é o único sentimento que contém a força capaz de criar, de transmutar e de fazer renascer. E le é a força motriz da união mágica.” Arida Diana

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