NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO DA FACULDADE DO SUL DA BAHIA
Número 20 - Jul./Dez. 2014
FUNDAÇÃO FRANCISO DE ASSIS Presidente: Lay Alves Ribeiro FACULDADE DO SUL DA BAHIA Diretor-acadêmico: Valci Vieira dos Santos NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO - NUPPE Coordenação: Jessyluce Cardoso Reis Revista Mosaicum Publicação semestral do Núcleo de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da Faculdade do Sul da Bahia Conselho científico: Abrahão Costa Andrade (UFRN) Bernardina Maria de Sousa Leal (UFF) Celso Kallarrari (UNEB/UCGO) Ester Abreu Vieira de Oliveira (UFES) Eva Aparecida da Silva (UFVJM) J. Agustín Torijano Pérez (Universidad de Salamanca) Jaceny Maria Reynaud (UFRGS) Josina Nunes Drumond (PUC/SP) Luiz Roberto Calado (Faculdades Alves Farias) Miguel Zugasti (Universidad de Navarra, Espanha) Nilson Robson Guedes da Silva (Faculdade Anhanguera de Limeira) Paulo Roberto Duarte Lopes (UEFS) Raphael Padula (COPPE/RJ) Ricardo Daher Oliveira ((Unicesumar) Ricardo Jucá Chagas (UESB) Rodrigo Loureiro Medeiros (UFES) Rogério Greco (Instituto de Ciências Penais - ICP) Sebastião Costa Andrade (Universidade Estadual da Paraíba) Solimar Garcia (Universidade Paulista - Unip)) Valci Vieira dos Santos (UNEB) Vincenzo Durante (Universidade de Padova, Itália) Wisley Falco Sales (PUC/Minas) Conselho Editorial: Carlos Felipe Moisés Rodrigo da Costa Araújo Celso Kallarrari Valci Vieira dos Santos Wilbett Oliveira Revista Mosaicum Ano 10, n. 20 (Jul./Dez. 2014). Teixeira de Freitas, BA. ISSN: 1808-589X 1. Publicação Periódica - Faculdade do Sul da Bahia. CDD 050
© 2014 Núcleo de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão da Faculdade do Sul da Bahia (Fasb). Permitida a reprodução parcial ou total por qualquer meio de impressão, em forma idêntica, resumida, parcial ou modificada, em língua portuguesa ou outro idioma, desde que citada a fonte.
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SUMÁRIO EDITORIAL....................................................................................................................................5 Direito 1 O CÔNJUGE E O COMPANHEIRO NO DIREITO SUCESSÓRIO BRASILEIRO E A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA EQUIDADE..............................10 Bernardete Schleder dos Santos | Heloísa Missau Ruviaro Márcia Samuel Kessler Educação 2 HISTÓRIA DE VIDA DOS PROFESSORES E O HABITUS RELIGIOSO: ESTUDO DA AÇÃO DOCENTE DA ESCOLA CONFESSIONAL PROTESTANTE....36 Jessyluce Cardoso Reis | Daniele de Sousa Ribeiro Iara Floriano Silva | Marco Antônio G. de Carvalho Wanderson Antônio C. de Souza 3 DAS SALAS DE AULA ÀS AULAS DOS MESTRES-SALAS........................................48 José Maria Barreto Siqueira Parrilha Terra Filosofia | Teologia 4 PERDÃO E SAÚDE: TENSÕES ENTRE MEMÓRIA E ESQUECIMENTO..........64 Andréa Lima do Vale Caminha 5 A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E O MARXISMO: PONTOS E CONTRAPONTOS.........................................................................72 Celso Kallarrarri Literatura 6 POESIA, OLHAR, MEMÓRIA, VISUALIDADES............................................................94 Rodrigo da Costa Araújo Resenhas 7 ENTRE OS SILÊNCIOS E OS ESCOMBROS DA TEIA LITERÁRIA ENTRETECIDA POR WILBETT OLIVEIRA.................................................................109 Karina de Rezende Tavares Fleury 8 A RECUSA AO ELOGIO MÚTUO....................................................................................114 Valci Vieira dos Santos Ciências da Saúde 9 AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA PATERNIDADE...........................................118 Maria Célia Ferreira Danese | Débora Rosa da Silva Juliane do Nascimento Silva Exaltação 10 HEPATOTOXICIDADE DO ACETAMINOFENO (PARACETAMOL) NA DENGUE........................................................................................................................133 Tharcilla Nascimento da Silva Macena | Raiane Gobira Salomão Tamy Alves de Matos Rodrigues | Gislaine Mendes Coelho
11 EPIDEMIOLOGIA DA HANSENÍASE EM TEIXEIRA DE FREITAS, BA.....................143 Tharcilla Nascimento da Silva Macena | Ceslaine Santos Barbosa Dámiris Gripa Giacomin 12 RISCOS E BENEFÍCIOS DA AUTOMEDICAÇÃO POR PLANTAS MEDICINAIS..................................................................................................152 Diana Cavalcante Miranda de Assis | Aressa Sampaio Santos Paula Gabrielle C. dos Santos Ferreira 13 EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA: A FORMAÇÃO ACADÊMICA DO ENFERMEIRO DA FACULDADE DO SUL DA BAHIA.............................................................................................................165 Nara Cuman Motta | Gleida Danese Lima 14 AVALIAÇÃO DOS FATORES DE RISCO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL DOS FEIRANTES DE TEIXEIRA DE FREITAS, BA...........................180 Maria Célia Ferreira Danese | Aélio Duque Silva 15 DISJUNÇÃO CIRÚRGICA DO PALATO....................................................................190 Antonio Borges Miguel Neto | Maria Carolina Faroni Marim Naianne Belker Soares Canuto Ciências da Terra 16 NASCENTES E MATA CILIAR: MAPEAMENTO E DIAGNÓSTICO DA PRESERVAÇÃO AMBIENTAL: UM ENFOQUE PARA O CÓRREGO SÃO LOURENÇO EM TEIXEIRA DE FREITAS, BA.........................202 Joana Farias dos Santos | Welkley Barbosa de Faria Geysa Mota dos Santos SOBRE OS COAUTORES......................................................................................................213 NORMAS PARA PUBLICAÇÃO..........................................................................................219
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EDITORIAL
N
o primeiro semestre de 2005, a Faculdade do Sul da Bahia (Fasb) publicava o primeiro número da Revista Mosaicum, por meio do Núcleo de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão (NUPPE), cujo objetivo primevo era o de se tornar um veículo de disseminação de ideias acerca das variadas áreas do saber, a exemplo dos estudos em Literatura, Educação, Filosofia, Administração, Economia entre outras. Ao longo de suas publicações a Revista foi incorporando novos membros em seu Conselho Científico, fruto de sua credibilidade junto aos professores/pesquisadores de renomadas universidades, a exemplo da UFBA, UFMG, UFES, UFVJM, Unicamp, Uneb, UESC, Universidade Estadual de Feira de Santana. O intuito do Conselho Editorial sempre foi o de posicionar a Revista Mosaicum no universo das publicações periódicas/científicas não apenas como mais uma revista, e sim como uma revista que comunga com os diversos saberes devido ao seu aspecto multidisciplinar. Ressaltamos que, para isso, contamos sempre com o apoio inconteste da Fundação Francisco de Assis, que não mede esforços em possibilitar, por meio desta Revista, um espaço para o debate e para as divulgações de novas pesquisas. Mesmo considerando o período de 10 anos como um breve espaço de tempo para se fazer história, esse período consistiu em várias etapas de adaptações, transformações e embates que nos fizeram manter cada vez mais o foco no principal objetivo da Mosaicum, a fim de que ela fosse sempre um instrumento dinâmico, possibilitando dialogar com uma gama de trabalhos científicos em um viés multidisciplinar, que combina pragmatismos e subjetividades complexas. O texto que abre essa edição especial de 10 anos, intitulado O Cônjuge e o Companheiro no Direito Sucessório Brasileiro e a Violação ao Princípio da Equidade, das professoras Bernardete Schleder dos Santos, Heloísa Missau Ruviaro e Márcia Samuel Kessler (UFSM), discute as diferenças entre o tratamento dispensado pela legislação brasileira em relação aos cônjuges e companheiros, confrontando-as com os princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade. As autoras concluíram que as diferenças de tratamento entre cônjuge e companheiro são históricas, mas que, a partir da atual configuração do conceito de família e de um olhar constitucional, deve-se entender pela inconstitucionalidade primando-se por uma adequação da legislação sucessória. Em História de vida dos professores e o habitus religioso: um estudo da ação docente da escola confessional protestante, Jessyluce Cardoso Reis et al. analisam de que forma a história de vida do professor da escola confessional protestante conveniada à Secretaria de Educação do município de
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Teixeira de Freitas, Bahia, influencia a ação docente impactando na formação moral dos educandos do ensino fundamental I. O estudo desses autores ancorou-se na pesquisa qualitativa biográfica de história de vida, que visa resgatar as relações entre a história individual e a história coletiva, percebendo a relação entre o percurso individual e o percurso social do narrador. Em Das salas de aula às aulas dos mestres-salas, José Maria Barreto Siqueira Parrilha Terra aborda as escolas de samba a partir de uma perspectiva critico-educacional, destacando os paralelismos e inferências existentes entrem as escolas de samba e as escolas formalmente institucionalizadas. O estudo explorou os aspectos do modelo de educação do samba, tanto por seus aspectos históricos, a partir de Habermas, quanto por seus aspectos institucionais, baseando-se no livro Sociedade sem escolas, de Ivan Illich. Perdão e saúde: tensões entre memória e esquecimento, de Andréa Lima do Vale Caminha, investiga em que medida a relação passado-presente-futuro, marcada por recordações traumáticas, não exigiria o ato de perdoar como forma de se alcançar a cura dessas recordações, a partir do texto O perdão pode curar?, do filósofo e estudioso da psicanálise Paul Ricoeur. Na visão de Caminha, Ricoeur afirma que a atitude de não perdoar nos faz ficar doentes. Dessa maneira, o perdão é libertador, pois ele é cura para a memória, que pode ser encarada não apenas como uma ferramenta de guardar dados mnemônicos, mas, sobretudo, como uma capacidade de (re) significar ou (re) criar o passado. O texto do Prof. Celso Kallarrarri - A Teologia da Libertação e o Marxismo: pontos e contrapontos - busca analisar o porquê de os ideais marxistas atingirem também, sutilmente, um corpo significativo de profissionais religiosos do seio da Igreja Católica, dentre eles padres e bispos e uma camada significativa de leigos, no contexto latino-americano. A seção de Literatura abre-se com Poesia, olhar, memória, visualidades, texto de Rodrigo Costa Araújo. O ensaio trata-se de uma leitura, centrada no aspecto da visualidade presente do diário de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), intitulado O Observador no escritório (1985). Em seguida, este número da Mosaicum apresenta duas resenhas literárias. A primeira - Entre os silêncios e os escombros da teia literária entretecida por Wilbett Oliveira - de Karina de Rezende Tavares Fleury (UFES) apresenta o livro Silêncios e escombros: antologia poética de Wilbett Oliveira. Para a autora, “o poeta parece brincar com a memória do leitor, enquanto tece sua trama poética, pois usa, de agora em diante, de forma explícita, o recurso da intratextualidade, ou seja, ora palavras, ora versos inteiros se (re) produzem em outros textos dentro de outras poesias, em outros livros. [...] A poesia wilbettiana está escancarada para o abismo que compõe o indizível das palavras, duras palavras aprisionadas no branco das páginas em tempos de estio e da intraduzível ignorância dos homens. Ao poeta cabe avisar ao leitor que o caos se instalou e a desordem insiste em reinar”. Em seguida, o prof. Dr. Valci Vieira dos Santos analisa, em A recusa ao elogio mútuo, o texto O
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ritual dos chrysântemos, de Celso Kallarrari. Segundo Santos, o livro é uma dessas “obras que deixam o leitor sem prumo. Ao tocar nela, ele pode sentir uma ‘rajada’ de vento desestruturando suas mãos, principalmente se insistir em navegar por entre páginas que projetam estilhaços a todo o momento”. O bloco Ciências da Saúde abre-se com o texto As representações sociais sobre a paternidade: uma vivência do adolescente pai, das professoras Maria Célia Ferreira Danese, Débora Rosa da Silva e Juliane do Nascimento Silva Exaltação. Nesse texto, as autoras retrata os aspectos subjetivos à paternidade na adolescência, bem como os fatores de risco relacionados ao fenômeno da gravidez nesse período, que é considerada uma problemática de grandes proporções na sociedade atual. O texto Hepatotoxicidade do acetaminofeno (paracetamol) na dengue, de Tharcilla Nascimento da Silva Macena et al., demonstra a relação entre o uso do acetaminofeno e sua hepatotoxicidade em casos de dengue realizou-se uma revisão de literatura, em bancos de dados, que serviram de subsídios para maior esclarecimento do tema. Epidemiologia da Hanseníase em Teixeira de Freitas, Bahia, texto de Tharcilla Nascimento da Silva Macena (UNEB/FASB), Ceslaine Santos Barbosa (FASB/UNEB) e Dámiris Gripa Giacomin (FASB), apresenta os dados epidemiológicos de casos de Hanseníase em Teixeira de Freitas-BA. Os dados da pesquisa foram fornecidos pela Vigilância Epidemiológica por meio dos dados do SINAN nos anos de 2009 a 2012. As variáveis levadas em consideração foram: sexo, faixa etária e classificação operacional. Os resultados apontam que está tendo um controle endêmico, sendo resultado de uma efetiva campanha no combate da Hanseníase promovido pelo Ministério da Saúde em conjunto com a vigilância epidemiológica do município. Em Riscos e benefícios da automedicação por plantas medicinais, Diana Cavalcante Miranda de Assis (UFBA), Paula Gabrielle Cordeiro dos Santos Ferreira (FASB) e Aressa Sampaio Santos (FASB) analisam a automedicação por plantas medicinais, mostrando seus benefícios e malefícios, expondo a importância de não usá-las de forma indiscriminada. Constataram que, apesar das plantas apresentarem um potencial terapêutico muito grande, se a automedicação for feita de forma incorreta pode causar diversos efeitos colaterais, sendo necessário ter informação sobre seus efeitos antes da utilização de plantas medicinais. Educação ambiental no processo saúde-doença: a formação acadêmica do enfermeiro da Faculdade do Sul da Bahia, texto de Nara Cuman Motta e Gleida Danese Lima, propõe uma investigação das representações sociais dos discentes de enfermagem da Faculdade do Sul da Bahia (Fasb), sobre a influência do meio ambiente na saúde coletiva, por meio de um estudo exploratório de abordagem qualitativa, realizado com docentes e discentes do curso de graduação em enfermagem. As autoras constataram que ainda existe uma dificuldade em relacionar meio ambiente e os pro-
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cessos de saúde e doença. Avaliação dos fatores de risco da hipertensão arterial dos feirantes de Teixeira de Freitas, BA, de autoria de Maria Célia Ferreira Danese e Aélio Duque Silva, buscou identificar e classificar os níveis pressóricos de trabalhadores em feiras ambulantes, cadastrados em uma unidade de Estratégia de Saúde da Família (ESF) de uma cidade do estremo sul da Bahia, para identificar os fatores de risco no estilo de vida do grupo que favoreçam o aparecimento da HAS. O método usado foi de caráter descritivo quantiqualitativo no qual foram abordadas 59 pessoas. Os resultados apontaram fatores de risco para HAS em grande parte do grupo e pressão sanguínea acima dos índices recomendados e os autores concluíram que é necessária uma sensibilização para que haja mudança de hábitos de vida em decorrência dos riscos que a HAS pode causar ao grupo. Em Disjunção cirúrgica do palato, Antonio Borges Miguel Neto, Maria Carolina Faroni Marim e Naianne Belker Soares Canuto revisam a literatura analisando a quantidade e duração das ativações do aparelho expansor utilizado, as indicações para realização do procedimento cirúrgico, as técnicas cirúrgicas utilizadas com suas vantagens e complicações. As indicações principais são pacientes adultos jovens com maturidade óssea em que não há sucesso com expansão rápida da maxila (ERM) e que já possuem as suturas obliteradas. Nascentes e mata ciliar: mapeamento e diagnóstico da preservação ambiental: um enfoque para o córrego São Lourenço em Teixeira de Freitas, BA, texto de Joana Farias dos Santos, Welkley Barbosa de Faria e Geysa Mota dos Santos, visa localizar, mapear e diagnosticar o estado de preservação ambiental das nascentes do Córrego São Lourenço, além de identificar a existência e a qualidade ambiental dessa mata ciliar (Área de Preservação Permanente - APP), na faixa marginal desse córrego. Constataram seus autores que O córrego não apresenta mata ciliar na maior parte de sua extensão e ao longo do seu percurso há vários pontos de lançamentos de efluentes. Existe a necessidade de um plano de preservação e recomposição da vegetação das APPs em estudo, e o tratamento dos efluentes lançados no córrego. Reiteramos nossos agradecimentos à Fundação Francisco de Assis, nossa mantenedora, ao Conselho Científico e aos coautores dessa edição comemorativa dos 10 anos desta Revista. Conselho Editorial
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Direito
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O CÔNJUGE E O COMPANHEIRO NO DIREITO SUCESSÓRIO BRASILEIRO E A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA EQUIDADE
Bernardete Schleder dos Santos UNIFRA-Santa Maria
Heloísa Missau Ruviaro UFSM
Márcia Samuel Kessler UFSM
Artigo recebido e aceito em 25 de outubro de 2014
Resumo O texto tem por objetivo discutir as diferenças entre o tratamento dispensado pela legislação brasileira em relação aos cônjuges e companheiros, confrontando-as com os princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade. Além da análise da legislação brasileira é realizada uma comparação com legislações estrangeiras, como forma de identificar mudanças possíveis na realidade brasileira. Para isso, utiliza de método de pesquisa bibliográfica de autores nacionais e internacionais sobre o tema, bem como de fontes primárias brasileiras e estrangeiras. Conclui-se que as diferenças de tratamento entre cônjuge e companheiro são históricas, mas que, a partir da atual configuração do conceito de família deve-se, a partir de um olhar constitucional, entender pela inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil, primando-se por uma adequação da legislação sucessória. Palavras-chave: Direito de sucessão. Princípio da equidade. Relações familiares. Abstract The paper aims to discuss the differences between the treatment under Brazilian law regarding spouses and partners, confronting them with the principles of human dignity and affection. Besides the analysis of Brazilian law is made a comparison with foreign laws as a way to identify possible changes in the Brazilian reality. It uses the method of literature search of national and international authors about the subject, as well as Brazilian and foreign primary sources. We conclude that the differences in treatment between spouse and companion is historical and that from the current configuration of the concept of family there must be a constitutional way to look the subject, understanding the unconstitutionality of article 1790 of the Brazilian Civil Code, excelling by an adaptation of succession law. Keywords: Succession law. Equity. Family relation.
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INTRODUÇÃO A disparidade de tratamento entre cônjuges e companheiros é uma questão histórica enfrentada pelo Direito Civil brasileiro. Com a modificação do conceito de família e a conquista de maior espaço pelo cônjuge em relação ao Direito Sucessório, algumas injustiças ainda permanecem no que diz respeito aos direitos a título de sucessão causa mortis, nas relações derivadas de uniões estáveis e do casamento. Veja-se, por exemplo, a porção herdada pelo cônjuge. Na antiga lei, ele só recebia herança na ausência de descendentes e ascendentes do de cujus. Nos casamentos realizados sob regime de comunhão universal de bens a regra era protetiva pelo próprio direito da meação sobre a totalidade dos bens, e ainda assim, havia o direito real de habitação. Já nos outros tipos de regimes, era proporcionado apenas o chamado usufruto vidual sobre parte do patrimônio. Atualmente, com a vigência do Código Civil de 2002, o entendimento é diverso. O cônjuge tem reservado para si uma série de direitos, dentre eles: o da concorrência com os descendentes - com critério de dependência do regime de bens e reserva mínima de ¼ do patrimônio se forem filhos comuns; a privilegiada concorrência com os ascendentes; a promoção ao status de herdeiro necessário; o direito real de habitação, independente da existência do direito sucessório; além da sucessão exclusiva na terceira classe e da evidente manutenção do seu direito de meação vinculada ao regime de bens adotado. Com relação ao companheiro, também houve algumas evoluções legislativas. Ele foi sujeito de direitos promovidos pela legislação, com a ampliação constitucional do conceito de família, abarcando o entendimento relativo não somente às uniões provenientes do matrimônio, mas também àquelas informais e monoparentais. Mesmo com as mudanças na lei, no entanto, percebe-se que ainda não se atingiu o ponto ideal de equilíbrio nas relações hereditárias estabelecidas entre companheiros e cônjuges. Muitas impropriedades ainda permanecem, remanescendo diferenças que afrontam aos mais basilares princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito, como os Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Afetividade. Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo promover a discussão a respeito das diferenças de tratamento da legislação brasileira em relação a cônjuges e companheiros, trazendo entendimentos jurisprudenciais, Direito Comparado e sugestões legislativas como subsídios para comentários a respeito da lei atual e mudanças da legislação. Em um primeiro momento será apresentado um panorama geral da evolução do conceito de família, outrora eminentemente institucional, e diante disso mostrada a possibilidade de equiparação do cônjuge e companheiro quanto à herança do consorte. O Cônjuge e o Companheiro no Direito Sucessório Brasileiro e a Violação ao Princípio da Equidade
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Posteriormente, a lei vigente será analisada sob um prisma constitucional, destacando-se suas impropriedades e inseguranças, uma vez que ora privilegia as relações advindas do matrimônio, ora as informais, tendo por base o mesmo dispositivo legal. E por fim, será analisada a posição da jurisprudência atual do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, bem como a doutrina e legislação alienígenas. A APLICAÇÃO DOS NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO DE FAMÍLIA NA SUCESSÃO LEGÍTIMA O fundamento do Direito das Sucessões é variável conforme o momento histórico em que se vive, passando da ordem religiosa para as outras mais diversas correntes de pensamento, algumas vezes eminentemente filosóficas, como a de Maximiliano (apud GONÇALVES, 2009, p. 7), que consagra a continuidade da vida humana como o preceito maior. Diante da legislação ora vigente, sobressai a garantia do direito à propriedade privada, prevista no art. 5º caput XXII e XXIII da CF/88. Nos dizeres Telles (apud RIZZARDO, 2007, p. 13): O instituto sucessório é absolutamente indispensável desde que se reconheça a propriedade individual. Uma vez que os indivíduos podem ser proprietários no sentido geral ou amplo da palavra, isto é, podem ter um patrimônio maior ou menor, podem ter bens e dívidas, podem ser titulares de direitos sobre coisas, de créditos, de débitos, é forçoso que alguém lhes substitua nessas posições quando falecem, que tenham um ou mais sucessores, tomando o termo com a amplitude que atrás ficou definida para este efeito. Do contrário, dar-se-ia uma ruptura injustificada da vida jurídica, com perturbação da ordem e frustração de legítimas expectativas. As coisas imóveis ficariam sem dono e pergunta-se qual seria o destino.
Inobstante esse reconhecimento, há que se ter em vista que o interesse à propriedade privada não se deve sobrepor ao fim último da norma constitucional, qual seja, proteção à família. Esse posicionamento está justificado no próprio texto maior, que a conceitua como a base da sociedade, merecendo especial proteção do Estado – art. 226 caput. Na realidade essa premissa é anterior mesmo à própria Constituição Federal, uma vez que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, votada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, já garantia o direito de constituir família, núcleo natural e fundamental a ser protegido pela sociedade e pelo Estado – art. 16.3 (LÔBO, 2004). Em decorrência disso, o interesse geral deve prevalecer à vontade do autor da herança, tanto que parte do seu patrimônio deixado é indisponível, constituindo-se legítima dos herdeiros necessários. A doutrina é prevalecente no reconhecimento desse norte constitucional. Segundo Gonçalves (2009, p. 186): “Os defensores do princípio da
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legítima invocam o arbítrio que poderia representar a exclusão dos familiares e argumentam com a necessidade de se proteger a família”. Dessa forma, percebe-se com facilidade que o Direito das Sucessões está inevitavelmente ligado ao Direito Constitucional, que traz arraigada a ideia de permanência, supremacia e segurança a todo o sistema. O artigo 226 do texto maior, do qual se extrai o conceito de família hoje vigente, é alargado em seu entendimento para além do casamento, compreendendo também a união estável e a família formada por qualquer dos pais e seus descendentes. Nessa senda, o conceito de instituição sagrada passa a dar lugar a um sentimento maior que une as pessoas, o afeto, verdadeira mola propulsora de valores éticos e culturais. De fato, os sentimentos de carinho e ternura consagram o Princípio da Afetividade como norte da sucessão hereditária no âmbito familiar. Nessa senda, o Direito de Família se apresenta como esteio do Direito das Sucessões, disciplinando os critérios para a escolha dos sucessores legítimos, sejam necessários ou facultativos. Assim, a partir do Capítulo II do Título II do Código Civil de 2002, Lei nº 10.406, é possível analisar a ordem atual de vocação hereditária dos herdeiros necessários, estando ali previstos os descendentes, ascendentes e o cônjuge, os quais não podem ficar privados da quota indisponível do patrimônio do de cujus. Nota-se, já de início, que a disposição do cônjuge como herdeiro necessário denota a imprescindibilidade da união conjugal entre homem e mulher para que haja a reserva de quota indisponível da herança construída pelos casais. Essa disposição não atende àqueles objetivos primordiais de proteção dos laços de afeto, mormente quando condiciona ao regime de bens a concorrência do cônjuge com os descendentes. Além disso, relega o companheiro à figura de herdeiro facultativo, podendo ser privado da herança do autor, inobstante a sua equiparação constitucional e fática. A legislação atual fere princípios constitucionais, impondo, segundo Dias (2009, s.p.), “o perfil da família do início do século, uma instituição matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e heterossexual”. Os vínculos afetivos e o sentimento de amor nos relacionamentos estão sendo desprezados pela legislação. Assim, apesar da reconhecida evolução histórica do Direito Sucessório, as regras vigentes não estão atendendo de forma plena àquele preceito maior previsto na Constituição, de respeito ao Princípio da Igualdade, distanciando-se do paradigma principiológico do Direito de Família, conforme se verá no decorrer deste trabalho. Oportuno, por isso, analisar a evolução histórica do conceito de família até chegar-se à configuração atual das relações familiares em nossa sociedade. Em momento posterior serão tecidas considerações acerca do tratamento discriminatório conferido pela legislação em relação ao Direito Sucessório dos cônjuges e dos companheiros. O Cônjuge e o Companheiro no Direito Sucessório Brasileiro e a Violação ao Princípio da Equidade
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2 O VÍNCULO CONJUGAL NO MODELO DO CASAMENTO E DA UNIÃO ESTÁVEL As relações de família, na prática, talvez sejam as que mais sofrem mutações. Os fatores exógenos que as cercam formam o contexto para profundas modificações, muitas delas em curto espaço de tempo. Para fazer o retrato da família do Código de 1916, pode-se utilizar da alusão a um bloco de concreto, indissolúvel. O casamento era a única forma de constituição do núcleo familiar, aglomerado de pessoas hierarquicamente organizadas. A sociedade fundiária e patriarcal da época não deixava espaço para a atenção aos indivíduos em si, sendo mais importante o grupo fortemente estruturado, a componentes dignamente reconhecidos. É amplamente conhecida a antiga condição da mulher em nossa sociedade, sendo considerada relativamente incapaz para a prática de quaisquer atos da vida civil e submetida ao poder patriarcal. O marido era o controlador absoluto e detentor do pátrio poder. A prole, por sua vez, era formada apenas por filhos legítimos, seguindo-se assim a família, indissociavelmente. O Direito Sucessório de então não fugia à regra, uma vez que privilegiava a consanguinidade. Em razão desse apego à estrutura familiar tradicional e em obediência à Lei 4.121/62, o cônjuge também era afastado da ordem de vocação hereditária quando existentes descendentes e ascendentes, não importando o regime de bens adotado. No entanto, segundo Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Leandro dos Santos Guerra: [...] com as mudanças sociais advindas no decorrer do século XX, tal visão estaria fadada a mudar. A longevidade, a emancipação feminina, a perda de força do cristianismo, a liberação sexual, o impacto dos meios de comunicação de massa, o desenvolvimento científico com as perícias genéticas e descobertas no campo da biogenética, a diminuição das famílias com o aperfeiçoamento e difusão dos meios contraceptivos, tudo isso atingiu fortemente a configuração familiar [...] (GAMA; GUERRA, 2007, p. 155).
Com o passar dos anos e das profundas injustiças sofridas nas relações familiares, percebeu-se a necessidade de uma maior proteção ao cônjuge supérstite, atribuindo-se a ele o usufruto vidual e o direito real de habitação a depender do regime de bens adotado, enquanto mantida a viuvez. Assim, o Direito de Família passa a transformar-se juntamente com a evolução social. Nesse sentido, o Princípio da Afetividade, que antes era absolutamente relegado a segundo plano, dando lugar à mantença do patrimônio dentro do mesmo seio familiar, veio a ser reconhecido pela Constituição de 1988. A família passou a ser compreendida como pessoas em grau de igualdade que formam um núcleo e não mais como um bloco formado por pessoas sem rosto.
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Segundo Obtempera Madaleno (2008, p. 66): A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão-somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto. Necessariamente os vínculos consanguíneos não se sobrepõem aos liames afetivos, podendo até ser afirmada a prevalência desses sobre aqueles. O afeto decorre da liberdade que todo indivíduo deve ter de afeiçoar-se um a outro, decorre das relações de convivência do casal entre si e destes para com seus filhos, entre os parentes, como estão presente em outras categorias familiares, não sendo o casamento a única entidade familiar.
A consagração do Princípio da Afetividade veio como corolário lógico do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Com base nesse princípio, amplia-se o conceito de família, percebendo-se simplória a concepção baseada somente no casamento. O Direito como fenômeno social, histórico e cultural, passa a admitir a união estável e a monoparentalidade como formas de constituição familiar, dispensando maior relevância ao sentimento dos seus membros. Nesse diapasão, desenvolveu-se a consciência da importância da figura do cônjuge na família nuclear sendo considerado herdeiro necessário na ordem de vocação hereditária. Essa mudança teve por objetivo valorizar a figura de quem possui a tendência de manter-se junto ao seu consorte, comportamento este que muitas vezes é avesso ao dos filhos, os quais almejam a constituição de suas próprias famílias (NEVARES, 2006). Com isso, seguindo-se uma tendência dos povos ocidentais, tais como a Argentina, Suíça, Espanha e Portugal, uma vez que o cônjuge, que antes era rebaixado na sucessão legítima, passa a concorrer com os descendentes e ascendentes, mesmo que com certas limitações baseadas no regime de bens e filiação. O reconhecimento do seu importante papel é um avanço no sentido de estimular um tratamento equânime entre marido e esposa. No entanto, o atendimento aos princípios constitucionais ainda não é pleno, visto que o companheiro, apesar de adicionar ao casamento o sentimento do afeto, não possui o mesmo reconhecimento que a figura do cônjuge, ocupando hoje, posição significativa e inexplicavelmente inferior à deste. É cediço, como já se explanou outrora, que é o princípio da afetividade que rege as relações humanas; e, sendo a união de duas pessoas a consagração do encontro, não há motivos para que se priorize o vínculo matrimonial em detrimento à união estável. Nas duas formas, o cônjuge e companheiro têm a mesma função de esteio familiar juntamente com o outro consorte, respeitando os deveres de lealdade, respeito, assistência, coabitação (hoje já relativizado) e assistência imaterial para a plena comunhão da vida – art. 1.511 do Código Civil. Por certo o casamento, rito formal e minuciosamente previsto no Código Civil, traz maior segurança para as relações com terceiros. De acorO Cônjuge e o Companheiro no Direito Sucessório Brasileiro e a Violação ao Princípio da Equidade
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do com Nevares (2006, p.144), esse é o fundamento da facilitação da conversão das uniões em matrimônio e a aceitação de efeitos civis emanados de casamento religioso; o que não significa, todavia, que haja uma supremacia axiológica das entidades. Não se está querendo defender, importante que se diga, que a situação fática da união estável é igual ao formalismo do casamento. É evidente que o formalismo exigido em atos e efeitos derivados de uma relação matrimonial não se aplicam de forma análoga à união estável pela sua própria natureza. Nesse sentido, segundo Nevares (2006), a segurança jurídica da outorga uxória para a venda de bem imóvel e a emancipação proveniente do casamento. Apesar da convivência pública, não há como esperar que terceiros estranhos ao relacionamento ou até mesmo ao próprio casal possam ter o conhecimento da união estável formada, quando não há registro do fato em Cartório próprio. Assim, apesar de não se defender que casamento e união estável sejam institutos iguais, porque derivam de situações jurídicas diferentes, o que se quer é a igualdade da relação afetiva existente em ambos e por consequência a equiparação dos efeitos que disso advém. Bem diferencia a relação familiar do ato jurídico formal, Tepedino (apud NEVARES, 2006, p. 160), valendo a transcrição: [...] como se sabe, o casamento pode designar tanto o ato jurídico solene que estabelece a família legítima, como a relação familiar por ele criada. Diz-se, por exemplo, que Tício se casou em certo dia do ano, para referir-se a tal solenidade. Ao revés, a afirmação de que Caio está casado há 20 anos alude à entidade familiar por ele constituída, como relação jurídica que engloba o conjunto de efeitos próprios da convivência familiar, a qual, no caso de Caio, tem origem no casamento.
A partir disso, percebe-se que o primado não é mais o formalismo, mas a situação fática da comunidade familiar formada. 3 DAS SUCESSÕES DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO 3. 1 Da Sucessão do Cônjuge Conforme já se disse, andou muito bem o legislador ao erigir o cônjuge ao status de herdeiro necessário. Isso está explícito no art. 1.845 do Código Civil, lei que o coloca exclusivo na terceira classe de vocação hereditária – art. 1829 III. No entanto, segundo o art. 1830, o cônjuge é herdeiro necessário, desde que no tempo da morte do outro, não estivessem separados judicialmente ou de fato há mais de dois anos. Esse interregno é desprezado se provado que a impossibilidade de convivência se deu inobstante ausência de culpa do sobrevivente.
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Essa passagem é muito criticada pelos doutrinadores, que a indicam como um verdadeiro retrocesso, examinando culpa para efeitos sucessórios depois mesmo da morte do consorte. Pois bem, o cônjuge supérstite via de regra concorre com os descendentes herdeiros, exceto quando era casado com o de cujus sob o regime de comunhão universal de bens, separação obrigatória de bens e comunhão parcial de bens, quando o falecido não deixar bens particulares – art. 1829. O objetivo principal dessa disparidade entre os regimes é a proteção ao sobrevivente, que quando meeiro não deveria ser também herdeiro. Em muitas situações, todavia, o cônjuge pode ficar ao desamparo cabendo à jurisprudência a readequação do direito ao caso concreto, como forma de ir ao encontro do fundamento legislativo inicial (NEVARES, 2006, p. 147). Mesmo se assim não fosse, ainda prevaleceria situação desconforme a realidade pelo condicionamento de concorrência na herança, pelos motivos que se passa a explanar. O primeiro deles é o fundamento mesmo do regime de bens adotado pelo casal quando do matrimônio. Ora, o objetivo da escolha é a regência da vida, até mesmo porque sabem previamente das consequências de cada um. Pensar que o regime de bens pode refletir para depois da morte de um dos consortes, determinando a concorrência com os descendentes é no mínimo ignorar a escolha das partes e se ater ao formalismo, tão distanciado da realidade. Além disso, porque a sucessão legítima tem hoje fundamento instrumental, em que as pessoas com maior vínculo de afetividade com o hereditando são merecedoras de maior proteção. Na família nuclear, o cônjuge que permaneceu com o autor da herança até seus últimos momentos é o único componente estável e essencial, como já se disse. O absoluto privilégio da filiação, preterindo-se a figura do cônjuge, era explicável pela baixa expectativa de vida dos ascendentes que, no início do século XX, faleciam em torno dos 40 ou 50 anos, deixando muitas vezes descendentes de tenra idade, o que justifica a grande incidência da figura da tutela no início do século passado. Hoje a realidade é outra. A expectativa de vida para ambos os sexos, segundo dados do IBGE, é de 73,1 anos, sendo 67,3 para homens e 74,9 para mulheres (BRASIL, 2004). Assim, a regra geral é que no momento do falecimento dos pais, os filhos já tenham seu próprio patrimônio ou meio de sustento. No entanto, se ainda dependentes financeiramente, existem outros meios de que podem ser beneficiados, como direitos previdenciários ou seguro de vida. Contudo, não se está querendo excluir os descendentes da ordem de vocação hereditária, somente fazer com que o cônjuge, nas condições do art. 1830 do CC, com eles concorra independente do regime de bens. O Cônjuge e o Companheiro no Direito Sucessório Brasileiro e a Violação ao Princípio da Equidade
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Diante da legislação atual, na referida concorrência é resguardado no mínimo um quarto da herança para o cônjuge, quando ascendente dos descendentes do de cujus – art. 1832. A polêmica surge quando a descendência é híbrida, ou seja, oriunda do sobrevivo e de terceiro estranho ao relacionamento familiar. Nesse ponto, a doutrina se divide, remanescendo incertezas e inseguranças. Sem descendentes, são chamados os ascendentes de primeiro grau. A concorrência com o cônjuge é diversa, sendo-lhe resguardado um terço da herança independente do regime de bens adotado – art. 1837. Sendo apenas um ascendente de primeiro grau ou ascendentes de grau superior, cabe ao sobrevivo a metade da herança, sendo a outra metade divida por linha de ascendência dentro de um mesmo grau – art. 1836 §2º. Na falta de descendentes e ascendentes, a consagração do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da Afetividade faz-se presente, quando a totalidade da herança passa para o cônjuge – art. 1838. De acordo com Nevares (2006, p.149), no Código Civil de 1916, aquela figura podia ser absolutamente afastada pelo testamento, ato em que o de cujus podia dispor da totalidade dos seus bens. Erigido a herdeiro necessário, salvo casos de indignidade e deserdação, a parte indisponível da herança, cinquenta por cento, pertence-lhe de pleno direito. O Código de 2002 avançou também no que diz respeito ao direito real de habitação. Havendo apenas um imóvel residencial no monte mor e independente do regime de bens e participação da herança, o consorte faz jus de pleno direito à habitação vitalícia, não mais condicionada à sua eterna viuvez – art. 1831. Registre-se, portanto, que quanto ao cônjuge muito foi alterado e o direito de família e sucessões caminha lado a lado dos preceitos constitucionais vigentes, indo ao encontro da realidade de dignidade almejada pela Carta da República em diversos aspectos. 3.2 Da Sucessão do Companheiro O Código Civil de 1916 não reconhecia a comunhão de vida informal entre duas pessoas como entidade familiar. No entanto, era inegável a existência do concubinato puro, situações fáticas que geravam demandas judiciais para o reconhecimento de direitos sucessórios após a morte de um dos companheiros. As reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal no sentido de afastar o enriquecimento ilícito, deram origem à Súmula nº 380, com a seguinte redação: “Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.
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Depois daquele avanço, seguiu-se a introdução gradativa de diversas leis que beneficiavam os companheiros, exceto no campo sucessório. Isso passou a mudar a partir do advento da Constituição de 1988, art. 226, norma programática, dependente de regulamentação infraconstitucional. Pois bem, a Lei 8.971, que entrou em vigor em 29 de dezembro de 1994, passou a disciplinar os direitos dos companheiros a alimentos e à sucessão. Consoante o art. 2º, in verbis: Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições: I – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos deste ou comuns; II – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III – na falta de descendentes ou ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança (BRASIL, 1994, s.p.).
Essa lei vigorou até 10 de maio de 1996, quando a lei 9.278 trouxe inúmeras alterações no regime sucessório na união estável, com o fito de regular o § 3º do art. 226 da Carta Magna. Através dela foi estendido ao companheiro o direito real de habitação sobre o imóvel em que residia, cuja extinção se dava com a morte do consorte, com a constituição de nova união estável ou casamento, ou, com a ocorrência de alguma das hipóteses que ensejam a extinção do usufruto. Sobreveio, então, o Código Civil de 2002, que no art. 1790 do Capítulo denominado “Disposições Gerais”, do Título “Da sucessão em geral”, dispõe sobre tão debatido e controvertido tema. Ocorre que a nova lei não revogou expressamente as anteriores de 1994 e 1996. Ademais, por não disciplinar matéria referente a direito real de habitação ao companheiro, também não houve revogação tácita do art. 7º da lei 9.278 (LICC art. 2º §1º). Esse problema vem à tona tendo em vista que o art. 1831 concede tal benefício ao cônjuge, independente do regime de bens adotado. Fazendo uma interpretação principiológica da situação que se põe, é forçoso admitir a continuidade da vigência daquela norma ao companheiro. Caso contrário, haveria flagrante afronta ao conhecido princípio da vedação ao retrocesso, constitucionalmente implícito. Os aspectos jurídicos da proibição são delineados por J. J. Gomes Canotilho: O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisO Cônjuge e o Companheiro no Direito Sucessório Brasileiro e a Violação ao Princípio da Equidade
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quer medidas que, sem a criação de esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática em uma anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado (CANOTILHO apud SOUZA, 2009, p.13).
Todavia, as dúvidas e críticas ao Código de 2002 vão além, incidindo inclusive na localização da regra sucessória referente à união estável. Nota-se que deveria estar no Título II, referente à sucessão legítima, tanto quanto o cônjuge. Para melhor elucidação, transcreve-se: Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a 1/3 (um terço) da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança (BRASIL, 2003, s. p.).
A primeira impropriedade é percebida já da análise do caput quando em confronto com os artigos 1725 e 1829, ambos do CC. Este último menciona que o cônjuge concorre com os herdeiros na herança, atingindo os bens particulares deixados pelo de cujus, se casado sob o regime de comunhão parcial de bens. No entanto, o companheiro, unido sob o mesmo regime, não tem acesso àqueles mesmos bens, que tocam inteiramente aos demais herdeiros. Não há justificativa plausível, nem mesmo se admitindo que o legislador quis colocar, inconstitucionalmente, o companheiro em grau de inferioridade. Isso porque dependendo da situação formada, o cônjuge pode ser prejudicado pela disposição legal. Isso acontece quando o de cujus, casado sob o regime legal, não deixar bens particulares. Enquanto o companheiro vai ter direito à participação na meação do consorte, ao cônjuge só tocará a própria meação, que de direito já é sua antes mesmo do falecimento daquele outro (MOTTA, 2004). A mesma impropriedade e insegurança acontece nos incisos I e II, que dispõem sobre a sucessão em concorrência com os descendentes, e não somente filhos como pretendeu o equívoco do primeiro inciso. O cônjuge, por depender do regime de bens adotado, pode não concorrer com os descendentes na herança, ao passo que o companheiro sempre concorre, mesmo não garantido o mínimo de um quarto quando filhos comuns (MOTTA, 2004).
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A diferença parece pequena por essa percepção hipotética. Mas isso logo muda quando feito exercício com casos práticos, em que o patrimônio, constituído durante o relacionamento, é estrondoso. A falta de primor científico quando da elaboração do texto faz com que seja ora beneficiado o cônjuge, ora o companheiro, dependendo da situação fática, pelo mesmo dispositivo legal. O inciso III é ainda mais absurdo, quando traz para a sucessão, em concorrência com o companheiro, os parentes até 4º grau. Para esses últimos, que muitas vezes nem conheceram o de cujus, ou ainda se conheceram, não compartilharam a vida como fez o consorte, cabe 2/3 da herança e mais a totalidade dos bens particulares. Ao companheiro, em absoluta afronta ao princípio da afetividade e dignidade da pessoa humana, ignorando completamente a noção atual de família instrumental, toca 1/3 da herança, somente. Por fim, sendo que ao companheiro caberão apenas os bens percebidos dispendiosamente durante a convivência, quanto aos demais há a injusta vacância da herança nos casos de ausência de ascendentes, descendentes e colaterais – inciso IV. A partir das situações apresentadas, pode-se perceber o terreno frágil que é a legislação, marcada pela inconstitucionalidade das regras sucessórias na união estável. Mesmo se assim não fosse, as incertezas advém das injustiças com relação ao companheiro e ao próprio cônjuge, ora um, ora outro, dependendo da situação posta. Diante disso, cabe a jurisprudência a tentativa de adequação fática e legislativa com a realidade social. Enquanto isso, pela crescente divergência de posicionamento entre estudiosos e julgadores, há a elaboração constante de projetos de lei, o que será analisado logo adiante. 4 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ATUAL Inicialmente, cabe verificarmos que o processo de construção do atual Código Civil de 2002 foi resultado de muitos anos de discussão e elaboração. Tanto que grande parte da redação final teve por base o anteprojeto elaborado na década de 70. Segundo Hironaka (2003, s. p.), “o anteprojeto de Código Civil elaborado em 1972, bem assim o Projeto apresentado para discussão em 1975 e aprovado na Câmara de Deputados em 1984, não previam qualquer regra relativamente à sucessão de pessoas ligadas entre si apenas pelos laços do afeto.” Assim, percebe-se que por possuir sua estrutura em uma proposição legislativa de mais de três décadas atrás, o atual Código Civil de 2002 não reflete as necessidades sociais demandadas pela configuração das relações familiares estabelecidas no século XXI. O Cônjuge e o Companheiro no Direito Sucessório Brasileiro e a Violação ao Princípio da Equidade
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Ocorre que o anteprojeto já foi elaborado com base em princípios diversos dos preconizados pela Constituição de 1988. O resultado dessa demora na aprovação do Código Civil e de algumas imperfeições na técnica legislativa é evidenciado a partir de uma grande desarmonia doutrinária em relação às interpretações relativas. Em pesquisa realizada e divulgada por Cahali (2007), são apresentados os múltiplos entendimentos de autores e professores no âmbito da sucessão. A partir desse estudo é possível perceber que o tratamento dado a um e a outro é bastante distinto no que concerne ao direito de sucessão decorrente do casamento e da união estável. Isso porque quando se trata da sucessão entre cônjuges a discussão reduz-se aos bens herdados no regime de comunhão parcial e aos casos de filiação híbrida. Já no que diz com os companheiros, verificam-se posicionamentos diversos tanto com relação à concorrência deste com o Poder Público, como a ser devido ou não o direito real de habitação, existência de concorrência com netos comuns, filiação híbrida e ainda ordem de vocação hereditária. Dessa forma, tendo em vista o panorama atual de divergências, árduo é o papel dos operadores do Direito encarregados de realizar a interpretação das atuais normas relativas à matéria. Conforme já foi discutido, o tratamento desigual demanda constante posicionamento dos Tribunais e demais instâncias do judiciário acerca do assunto, que podem ser divergentes em vista das múltiplas interpretações possíveis. Evidente que, havendo desrespeito à Constituição Federal e a Princípios como o da Igualdade, cabe aos julgadores utilizarem-se de recursos como a hermenêutica, bem como uma interpretação sistêmica da legislação para solução dos conflitos existentes sobre o tema Atualmente, apesar de tudo, o posicionamento majoritário demonstrado pelo TJ-RS em decisão recente é no sentido do reconhecimento da observância do Princípio da Equidade. Destaca-se que apesar do voto ser favorável ao tratamento igual entre companheiro e cônjuge, há uma clara cisão nos posicionamentos adotados pelos desembargadores, sendo vencido o voto do presidente, conforme a ementa do julgamento: APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÕES. INVENTÁRIO. ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO. RECONHECIMENTO DO COMPANHEIRO SOBREVIVENTE COMO HERDEIRO, EM CONCORRÊNCIA COM O DESCENDENTE. SUCESSÃO DO COMPANHEIRO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL VIGENTE. NÃO INCIDÊNCIA DA REGRA PREVISTA NO ARTIGO 1.790, II, DO CCB, QUE CONFERE TRATAMENTO DIFERENCIADO AO COMPANHEIRO E AO CÔNJUGE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA EQUIDADE. 1. Não se pode negar que tanto à família de direito, ou formalmente constituída, como também àquela que se constituiu por simples fato, há que se outorgar a
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mesma proteção legal, em observância ao princípio da equidade, assegurando-se igualdade de tratamento entre cônjuge e companheiro, inclusive no plano sucessório. 2. Reconhecimento do companheiro supérstite como herdeiro dos bens deixados por sua companheira que se impõe, em concorrência com o descendente da falecida. 3. Escritura Pública de Inventário e Adjudicação que deve ser anulada. Recurso provido. (BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação nº 70029885456, Sétima Câmara Cível, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Data de julgamento: 22 de julho de 2009).
Mas essa atmosfera densa e cinzenta criada em torno da sucessão de cônjuges e companheiros tende a ser solucionada. Ao menos é o que indica a análise realizada a partir do Incidente de Inconstitucionalidade nº 70029390374, proposto pela 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que busca questionar a inconstitucionalidade do art. 1790, III do Código Civil por contrariar disposição constitucional presente no art. 226, §3º, o qual prevê o reconhecimento da união estável como entidade familiar, facilitando sua conversão em casamento. Sobre o Incidente de Inconstitucionalidade nº 70029390374, em parecer exarado em 3 de junho de 2009, a Procuradora Geral de Justiça, Ana Maria Schinestsck, afirma ser “indiscutível a inconstitucionalidade do artigo 1790, III, do Código Civil, uma vez que não há argumento jurídico consistente capaz de legitimar o tratamento desigual entre companheiro e cônjuge supérstite”. Destaca, ainda, o desrespeito da legislação em face de princípios constitucionais como o da isonomia, da equidade e da dignidade da pessoa humana. Por certo que as desigualdades aqui apresentadas são apenas um tópico, entre outros remanescentes em relação ao Direito Sucessório brasileiro. Segundo Miguel Reale (2003, s.p.), “(...) ainda não nos demos conta de todas as graves consequências resultantes do art. 226 da Constituição de 1988, ao dispor sobre a instituição da família considerada base da sociedade”. 5 PRINCIPAIS PROJETOS DE LEI RELATIVOS À SUCESSÃO DE CÔNJUGE E COMPANHEIRO Tendo-se em vista a evidente pluralidade de opiniões e interpretações dos artigos foi impossível ao Poder Legislativo fechar seus olhos frente ao tratamento desigual entre cônjuges e companheiros. Diante disso, até mesmo como forma de auxiliar a pacificação do entendimento doutrinário e jurisprudencial, alguns deputados propuseram projetos de lei com o intuito de adequação da legislação à realidade social. A seguir, serão analisados de forma bastante breve os projetos de lei PL 4.947/05 e PL 6.960/02, sendo demandada maior atenção e debate aos PL 4.944/05 e 674/07. O Cônjuge e o Companheiro no Direito Sucessório Brasileiro e a Violação ao Princípio da Equidade
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O PL 4.947/05, foi proposto pelo deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), sendo resultado de sugestão legislativa do IBDFam, almejando a resolução de conflitos no âmbito familiar gerados pela necessidade de comprovação de ausência de culpa do cônjuge para concessão de alimentos (BRASIL, 2005c). Atualmente, a alteração do parágrafo segundo do art. 1.694, do art. 1.702, bem como dos arts. 1.704, 1.705 e 1.707, encontra-se arquivada desde 31 de janeiro de 2007, com base nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. O mesmo ocorreu com o PL 6.960/02 (BRASIL, 2002) de autoria do deputado Ricardo Fiúza, cuja proposta visava alterar o art. 1790 do Código Civil. O projeto também foi arquivado, sendo que segundo o desembargador Santos (2003) o deputado está organizando um novo projeto de lei que unirá o PL 6.960/02, PL 7.160/02 e PL 7.312/02. Por fim, tem-se ainda a esperança de que as alterações necessárias no âmbito do Direito Sucessório sejam atendidas em parte pela aprovação do PL 4.944/05 (BRASIL, 2005), do deputado Antonio Carlos Biscaia, o qual teve apensado o PL 5.538/05, de autoria do Deputado Zé Geraldo. A proposta versa sobre mudanças atinentes ao direito sucessório de cônjuges e companheiros, almejando um tratamento igualitário entre ambos. Contando com o apoio técnico qualificado de membros do IBDFam, o PL 4.944/05 busca atender às demandas de alterações legislativas vislumbradas pelos operadores de Direito, diminuindo os conflitos de interpretação gerados em relação ao tratamento sucessório de relacionamentos com base no casamento e na união estável. O projeto trouxe a necessidade de ampliação infraconstitucional do conceito de família e da alteração de alguns artigos bastante controversos do Código Civil, dentre eles o 1.829, disposto no capítulo I, do título II, que dispõe sobre a vocação hereditária. A versão sugerida é a seguinte: Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente ou com o companheiro sobrevivente; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente ou com o companheiro sobrevivente; III – ao cônjuge sobrevivente ou ao companheiro sobrevivente; IV – aos colaterais. Parágrafo único. A concorrência referida nos incisos I e II dar-se-á, exclusivamente, quanto aos bens adquiridos onerosamente, durante a vigência do casamento ou da união estável, e sobre os quais não incida direito à meação, excluídos os subrogados (BRASIL, 2005a).
A alteração legislativa proposta tende à harmonização do Código Civil, revivificando princípios constitucionais como o da igualdade de direitos e retificando a técnica legislativa utilizada no Código atual, que de
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forma inapropriada aborda o Direito Sucessório das uniões estáveis em dispositivo isolado - vide Carvalho (2009) e Santos (2003). Dessa forma, atenta o autor da proposição legislativa que em havendo a aprovação da alteração no art. 1.829, haverá a necessidade de revogação do art. 1.790, visto que o direito sucessório do companheiro passará a ser disposto em localização própria no Código, saindo das disposições gerais. Ao analisar a nova redação proposta ao artigo, identifica-se o cuidado dispensado ao elaborar a sugestão de alteração. As mudanças são relativas à criticada discriminação ao direito sucessório de acordo com o regime de bens estabelecido entre o casal. Conforme já abordado anteriormente, dada a configuração atual dos relacionamentos, não é cabível imaginar que antes mesmo de casar os nubentes terão como determinar a quantia a ser merecida pelo outro cônjuge quando da morte de um deles. No inciso I, percebe-se ainda o atendimento a uma maior justiça em relação aos consortes, os quais são tratados de forma igual com relação à concorrência sucessória. Assim, além da eliminação da diferenciação relativa ao regime de bens, há uma equidade na ordem de vocação hereditária, sendo os companheiros trazidos à concorrência com descendentes e ascendentes. Por fim, não havendo nem ascendentes ou descendentes, cabe ao cônjuge ou companheiro o direito sobre todo o espólio. Nos incisos II e III, o artigo mantém o espírito da lei, respeitando o Princípio da Afetividade e da Igualdade, adicionando ao companheiro o direito a concorrer na sucessão. Já em relação ao parágrafo único, mesmo ainda na esfera propositiva, o projeto de lei já foi objeto de proposições substitutivas, demonstrando que não estará incólume a futuras discussões doutrinárias. Segundo o relator do projeto de lei, Guilherme Menezes (PT), cabe alteração no parágrafo único do art. 1.829, na tentativa de assegurar uma maior autonomia da vontade do casal. Justifica seu pensamento com afirmação do Desembargador Luiz Felipe Brasil, o qual adota posicionamento favorável à exclusão à vocação hereditária do cônjuge quando o casamento for regido pelo regime de separação de bens. A medida visa permitir a alternativa de excluir o outro membro do casal da concorrência com descendentes ou ascendentes. Dessa forma, o relator sugere um aprimoramento à redação ao artigo que, na sua proposta substitutiva adquire a seguinte escrita: Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente ou com o companheiro sobrevivente; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente ou com o companheiro sobrevivente; III – ao cônjuge sobrevivente ou ao companheiro sobrevivente; IV – aos colaterais. (NR) Parágrafo único: A concorrência referida nos incisos I e II não ocorrerá O Cônjuge e o Companheiro no Direito Sucessório Brasileiro e a Violação ao Princípio da Equidade
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quando o casamento houver sido celebrado pelo regime da separação convencional de bens e, nos demais casos, dar-se-á sobre os bens em que não incida o direito à meação (BRASIL, 2005b).
No mesmo sentido de atender ao Princípio da Igualdade entre companheiros e cônjuges, o relator ainda propõe a alteração no art. 544 do CC, incluindo os companheiros dentre os possíveis beneficiados pela antecipação de parte da herança. No art. 1.830, adaptando-se à valorização do afeto nas relações, é extinta a necessidade de um tempo mínimo de 2 anos da separação fática, bastando o consorte estar separado de fato para que lhe seja impossibilitado o direito à sucessão. Importante ressaltar que apesar da exclusão no direito hereditário, o cônjuge e o companheiro mantem o direito à meação. Quanto ao artigo, a fim de dirimir possíveis divergências de interpretação, o relator propõe a inclusão da separação de direito, prevista por meio da separação judicial, regida pelo art. 1.576 do CC. Assim, o projeto de lei busca diversas alterações no âmbito do Direito Sucessório reconhecendo a importância do papel dos companheiros nas relações familiares. Privilegia-se, portanto, aqueles que, normalmente, possuem um vínculo afetivo e um convívio mais próximo. Isso porque, conforme afirma Veloso (2008), na sociedade em que se vive, as relações de parentesco estão muito tênues, quando não até mesmo extintas, se pensarmos em parentes colaterais de 4° grau. Dessa forma, as pessoas com maior vínculo de afetividade com o hereditando passam a receber maior proteção pela legislação. A proposta legislativa vem ao encontro do posicionamento que já vem sendo adotado em relação ao próprio direito real de habitação do companheiro, ratificado mediante aprovação do Enunciado nº 117 na I Jornada de Direito Civil, ocorrida em setembro de 2002. Além disso, também é corroborada a modificação da exclusão do separado de fato ao direito à herança. Segundo Cahali (2007, p.186), “Já nos posicionamos no sentido de que esta regra merece nova interpretação, privando o separado de fato do direito à herança”. Por fim, em relação ao PL 674/07 que está em trâmite para regulamentação do art.226, §3º da Constituição Federal e união estável, instituindo o divórcio de fato, cabe fazermos um julgamento mais detalhado. Atualmente, o projeto possui apreciação conclusiva das Comissões de Seguridade Social e Família e Constituição de Justiça e de Cidadania (mérito e art. 54, RICD) e está aguardando designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. O projeto em sua origem apresenta-se bastante ousado em suas proposições. Isso porque modifica a concepção em relação ao entendimento de entidade familiar, define a união estável e o direito sucessório dos compa-
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nheiros. Apresenta apensados a si, uma série de outros projetos de lei, entre eles o Projeto de Lei nº 3.780/08, de autoria do Deputado Fernando Lopes, que “modifica e acrescenta dispositivos da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, relativos à conversão de união estável em casamento e dá outras providências”, para alterar os arts. 1.641 e 1.726 do Código Civil, que tratam, respectivamente, de regime obrigatório de bens e de conversão de união estável em casamento. Além daquele, o Projeto de Lei nº 3.065/08, de autoria do Deputado Cleber Verde, que “acrescenta os §§ 1º e 2º ao art. 1.725 do Código Civil, que dispõe sobre o regime de bens adotados na união estável, estabelecendo-se que na hipótese de existirem as causas suspensivas constantes no art. 1.523 da mesma lei, o regime de bens adotado será obrigatoriamente o da separação total de bens, nos termos do art. 1641, incisos I e II”; Na Comissão de Seguridade Social e Família, o projeto recebeu parecer favorável à aprovação de 28 emendas, relativas a matérias afetas ao Direito de Família e da Criança e do Adolescente. Dessa forma, o Estatuto das Famílias, sugestão legislativa inicialmente realizada pelo IBDFam, encontra-se atualmente como uma grande colcha de retalhos. Muito provavelmente o projeto receberá outras emendas, o que o tornará ao final irreconhecível. O que se percebe é que continuarão as discussões em relação à extensão do art. 226, §3º da Constituição Federal, e a possível inconstitucionalidade do art. 63 do novo projeto de lei, o qual diz que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Interessante a inserção no projeto do reconhecimento do companheiro como herdeiro necessário, havendo equiparação à figura do cônjuge. Todavia, indefinida fica a continuidade dessa inovação legislativa, dadas as diversas alterações realizadas no projeto de lei. Cabe aguardarmos por uma prudente decisão dos legisladores; do contrário, continuará se discutindo a respeito da necessidade de igualar o tratamento entre cônjuges e companheiros. 6 Direito Comparado O Direito Comparado serve como rica fonte de embasamento ao direito nacional, demonstrando o posicionamento adotado por ordenamentos jurídicos de diversos Estados. A fim de conceder uma visão abrangente do tratamento da relação entre cônjuges e companheiros em âmbito internacional, serão aqui apresentados alguns posicionamentos adotados ao redor do globo. O Cônjuge e o Companheiro no Direito Sucessório Brasileiro e a Violação ao Princípio da Equidade
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6.1 Na América Latina Diversas propostas cogitadas em projeto de lei e apresentadas acima possuem embasamento na própria legislação dos países latino-americanos, que se encontram em estágio diferenciado quanto ao reconhecimento da equidade entre união estável e união conjugal. Segundo Torres (2006, s.p.): Na América Latina, surpreendentemente, as legislações mostram-se mais benéficas aos conviventes, sendo-lhes reconhecidos em alguns países como em Cuba, Guatemala, Panamá, Peru, efeitos similares ao matrimônio, desde que respeitadas algumas condições como durabilidade, estabilidade, singularidade. Outras nações como a Bolívia, a Argentina, o Paraguai e o México preveem alguns efeitos decorrentes de tais uniões, como alimentos, herança, presunção de paternidade.
O cenário atual apresenta uma série de avanços em termos de doutrina e jurisprudência correlatas à sucessão do companheiro. No momento, o Paraguai já apresenta regulamentações quanto aos efeitos pessoais e patrimoniais, enquanto outros países caminham na mesma direção. Assim, tendo-se em vista a legislação comparada, segundo a autora Soares (1999), no Paraguai, os artigos 83 a 94 da Lei 1.183 de 1986, reconhecem a união de fato (união estável) ou concubinato, cujo relacionamento seja estável, público e singular, sendo ambos capazes e sem impedimentos para casar. Para configurar a união de fato, no caso de não haver filhos do casal, é preciso a convivência por quatro anos consecutivos. Apenas quando existir por mais de 10 anos, a união estável é considerada como um matrimônio legal, recebendo os mesmos direitos sucessórios. Na atual legislação portorriquenha, ao contrário da brasileira e paraguaia, não há previsão de direitos sucessórios ao companheiro. Todavia está sendo realizado um trabalho bastante complexo pela Comissão Conjunta Permanente para Revisão e Reforma do Código Civil de Porto Rico, com diversas sugestões de alterações normativas baseadas em legislação alienígena. O material destaca a necessidade de mudanças, propondo à comissão a aprovação de artigo que equipara os deveres e efeitos do casamento à união estável, seja de casais hetero ou homossexuais. Aquelas primeiras possuem embasamento nas legislações da Espanha, Bolívia e França; enquanto estas últimas, nas leis do estado de Vermont nos Estados Unidos, da Noruega, Islândia, Suécia e Portugal. Em caso de morte de um dos companheiros, sugere a Comissão a alteração de artigo, no sentido de ser possível ao sobrevivente requerer a parte legítima correspondente ao cônjuge supérstite, não podendo esses direitos serem excluídos com base em acordo ou testamento.
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No direito argentino, segundo Oliveira (2005), o cônjuge é tido como concorrente com os filhos deixados pelo falecido, obtendo a mesma cota de cada um deles, salvo quanto à parte dos bens comuns que tocaria ao cônjuge pré-morto. No concurso com os ascendentes, o cônjuge viúvo terá a metade dos bens próprios do falecido e também a metade dos bens comuns. A outra metade ficará para os ascendentes. Por ser herdeiro necessário, existe a reserva da legítima de 50% (para os filhos é quatro quintos e para os ascendentes, dois terços). Os colaterais, por sua vez, só receberão herança na inexistência do cônjuge. Interessantes algumas previsões diferenciadas, como a norma excludente do direito sucessório do cônjuge na hipótese de, estando enfermo um dos consortes ao celebrar-se o matrimônio, vier a falecer dentro dos trinta dias seguintes, salvo se o casamento tiver se realizado para regularizar uma situação fática. Também é criativa a previsão do direito sucessório do cônjuge viúvo que permaneça neste estado e não tenha filhos, sobre a parte dos bens dos sogros, da cota que caberia ao seu esposo na referida sucessão. No sistema chileno de sucessão, o cônjuge tem participação concorrente na herança com os filhos naturais, com os ascendentes e com os irmãos do falecido (OLIVEIRA, 2005). A herança é dividida em três partes: para os ascendentes em grau mais próximo, para o cônjuge e para os filhos naturais. Na falta de descendentes e ascendentes legítimos, sucederão os filhos naturais em três partes, o cônjuge sobrevivente em uma parte e os irmãos legítimos também em uma parte. Acaso não haja irmãos legítimos, sucederão, em partes iguais, os filhos naturais e o cônjuge. Concorrendo apenas cônjuge e irmão naturais, o primeiro recebe três quartas partes e os irmãos, uma quarta parte. Na falta dos citados parentes, a herança é integralmente entregue ao cônjuge, mesmo que tenha ocorrido o divórcio, desde que não tenha sido considerado culpado pela dissolução do matrimônio. Na legislação cubana, ainda segundo Oliveira (2005), prevalece a regra da preferência para os parentes de grau mais próximo. A primeira classe, a dos descendentes, concorre com o cônjuge com porções hereditárias iguais. Não havendo descendentes, os pais do falecido são herdeiros, com a mesma concorrência em relação ao cônjuge sobrevivente. Não havendo descendente nem pais do autor da herança, o cônjuge é herdeiro exclusivo, além de ser herdeiro necessário, a exemplo dos descendentes e ascendentes do falecido, desde que não sejam aptos para o trabalho e sejam dependentes do autor da herança. Cuba restringe o direito hereditário legítimo até o colateral de terceiro grau, que só recebe herança se não mais existir o cônjuge. O Cônjuge e o Companheiro no Direito Sucessório Brasileiro e a Violação ao Princípio da Equidade
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6.2 Na Europa Na Europa, ainda é forte a tendência de privilegiar o cônjuge na ordem da vocação hereditária, através da concorrência com descendentes e ascendentes, que tradicionalmente se posicionam como herdeiros privilegiados. Da doutrina de Euclides de Oliveira(2005) se extraem os principais delineamentos das legislações que se seguem. Portugal traz o cônjuge na concorrência com descendentes, e na falta desses, com os ascendentes, recebendo a totalidade da herança na ausência dos dois primeiros. Na concorrência entre cônjuge e os descendentes, ocorre a partilha por cabeça, com a preservação de uma cota não inferior a quarta parte da herança para o primeiro, independentemente do fato dos filhos serem comuns ou não. Tampouco se leva em consideração o regime de bens, que tem efeitos somente para o cálculo da meação. Não havendo descendentes, mas somente ascendentes vivos, o cônjuge sobrevivente recebe duas terças partes da herança, e os ascendentes a outra parte restante. O Código Civil português não faz referência a direitos sucessórios de companheiros. O Código Civil Francês conserva a precedência sucessória dos descendentes, ascendentes em concorrência com irmãos ou seus descendentes (sobrinhos do falecido) e, em quarto lugar, o cônjuge como herdeiro exclusivo. Para esse, também caberá o direito de usufruto dos bens da herança na seguinte proporção: a) um quarto, quando os herdeiros são os descendentes do de cujus; b) metade, se os herdeiros são os irmãos ou seus descendentes (colaterais privilegiados) ou ascendentes. Sobre direitos de companheiros, a legislação francesa prevê o pacto civil da solidariedade (PACS) que pode trazer determinações sobre benefícios patrimoniais, mas nada estabelece em termos de direitos hereditários. Pela legislação italiana, a categoria dos herdeiros legítimos inclui cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos do falecido em um complexo sistema de concorrência. Esta legislação inclusive distingue os direitos dos descendentes, de acordo com a origem da filiação. No concurso com os descendentes, o cônjuge tem direito à metade da herança, se há um filho, e a um terço, nos outros casos. Concorrendo com ascendentes ou com irmãos do falecido, o cônjuge fica com dois terços da herança. Na falta desses parentes, recebe a integralidade do patrimônio. Na Espanha, o cônjuge somente será herdeiro na ausência de parentes na linha reta, afastando-se o direito da herança se estiver separado juridicamente ou de fato, por mútuo acordo, no momento da abertura de sucessão. Curioso sistema é o Alemão, onde o cônjuge não consta em uma ordem específica, mas tem a qualidade de herdeiro concorrente, recebendo a quarta parte da herança se concorrer com parentes de primeira ordem (descendentes); e a metade se concorrer com herdeiros de segunda ordem (pais,
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irmãos ou sobrinhos do falecido) ou com os avós. Não havendo esses parentes, recebe integralmente a herança. Na concorrência de segunda ordem, ou com avós, o cônjuge sobrevivente ainda tem direito de ficar com os objetos pertencentes ao lar doméstico matrimonial e os presentes de núpcias. Todavia, situações fáticas existem independentes dos dispositivos legais e assim se sobrepõem, devendo o direito se adequar à realidade. Por esse motivo, segundo Grosman (2003), nos países em que não há regulação no Código, aplica-se às uniões estáveis, conhecidas como “sociedad de hecho”, a teoria do enriquecimento sem causa a fim de se obter algum apoio patrimonial. CONCLUSÃO O presente trabalho teve por objetivo discutir o tratamento legislativo em relação ao direito sucessório de cônjuges e companheiros sob o prisma de princípios como o da equidade e da afetividade. Foi apresentado o histórico da assimétrica proteção legislativa concebida ao herdeiro concorrente, tanto na união estável, quanto no casamento. Discorreu-se sobre a evolução da concepção de família, favorecendo-se a constituição de um núcleo familiar com base no afeto. Demonstrou-se mediante a jurisprudência, que o posicionamento dos julgadores, apesar de conflitante, direciona-se para o entendimento da inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil, sendo esse também o parecer exarado acerca do Incidente de Inconstitucionalidade nº 70029390374, oriundo do TJRS. Por fim, discutiu-se acerca da pertinência de proposições legislativas, destacando aspectos positivos e negativos das alterações sugeridas, realizando-se em momento seguinte, análise das legislações estrangeiras acerca do tema. Conclui-se buscando ter contribuído para o debate da igualdade nas relações sucessórias entre cônjuges e companheiros. A adequação da posição sucessória desses entes deve levar em consideração a concepção contemporânea de família, bem como os princípios constitucionais e demais embasamentos teóricos e práticos. Esse reconhecimento é indispensável para a conscientização acerca das alterações legislativas e para a promoção de maior justiça no Direito Sucessório. REFERÊNCIAS ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE PORTO RICO. Memorial explicativo del libro segundo. Las instituciones familiares. Disponível em: <www.codigocivilpr.net/documents/TituloXI.-Lasunionesdehechoylasunionesciviles.pdf>. Acesso em: 13 ago 2009. O Cônjuge e o Companheiro no Direito Sucessório Brasileiro e a Violação ao Princípio da Equidade
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Educação
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HISTÓRIA DE VIDA DOS PROFESSORES E O HABITUS RELIGIOSO: ESTUDO DA AÇÃO DOCENTE DA ESCOLA CONFESSIONAL PROTESTANTE Life story of teachers and the religious habitus: study of the action of school teachers confessional protestant Jessyluce Cardoso Reis (FASB | UNEB) Daniele de Sousa Ribeiro (UNEB) Iara Floriano Silva (UNEB) Marco Antônio G. de Carvalho (UNEB) Wanderson Antônio C. de Souza (UNEB) Artigo recebido e aprovado em 25 de outubro de 2014 Resumo Este trabalho teve como objetivo analisar de que forma a história de vida do professor da escola confessional protestante conveniada à Secretaria de Educação do município de Teixeira de Freitas, Bahia influencia a ação docente impactando na formação moral dos educandos do ensino fundamental I. O presente estudo ancorou-se na pesquisa qualitativa biográfica de história de vida, visando resgatar as relações entre a história individual e a história coletiva. Como suporte teórico apoiou-se nos estudos de Bourdieu (2011), com relação à formação moral do infante das escolas conveniadas o trabalho sustentou-se nas pesquisas de Piaget (1994), para o entendimento do que venha a ser educação fundou-se em Durkheim (1955); Dewey (1959), e com referência a ação educativa das escolas protestantes ancorou-se nos pensamentos de Reis e Assis (2013). Quando analisadas as histórias de vida dos entrevistados percebeu-se que a história de vida incide diretamente na ação educativa de caráter confessional. Palavras-chave: Educação. História de vida. Ação docente confessional protestante. Abstract This study aimed to examine how the life history of the Protestant faith school teacher convening the Board of Education of the city of Teixeira de Freitas, Bahia, influence teachers actions impacting the moral formation of students of elementary school I. This study was anchored in qualitative research biographical life history, aiming to recover the relationship between the individual history and the collective history. Theoretical support relied on studies of Bourdieu (2011), with respect to the moral formation of the infant of the accredited schools work is supported in research of Piaget (1994), for the understanding of what will be education was founded in Durkheim (1955); Dewey (1959), and with reference to the teaching process of the Protestant schools was anchored in the thoughts of Reis and Assis (2013). In analyzing the life histories of the respondents perceived that the history of life directly affects the educational action of confessional character. Keywords: Education. Life history. Protestant confessional teaching action.
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1 INTRODUÇÃO O presente trabalho intitulado tem por objetivo pesquisar a prática docente de professores de escolas confessionais, denominada pública, face ao convênio estabelecido entre Igrejas de origem protestante e Secretaria Municipal de Educação de Teixeira de Freitas, Bahia, percebendo se a ação docente desempenhada pelos pesquisados estabelece relação com a sua história de vida, e de que forma essa prática impacta no comportamento dos educandos e suas escolhas futuras, visto que a maioria dos docentes das escolas pesquisadas tem suas histórias de vida embasada na doutrina religiosa protestante. Sabendo-se que a prática docente pode ser permeada por uma série de convicções morais de quem as aplica, “ao dar aula desde a preparação até o momento de estar diante da classe, uma série de concepções são colocadas em jogo” (LAPO, 2000, p. 121). Contrapondo-se a essa assertiva, Fischmann (2012) salienta que o discente tem direto a uma ação docente desprovida de intenções e afirma que “básico é o direito individual para essas escolhas e a partir da quebra desse arranjo criam-se estigmas que ficam à mercê da atividade dos agentes estigmatizantes e deturpadores da sua própria identidade enquanto indivíduo social” (p. 36). Por outro lado, Josso (2004), nos ajuda a entender a realidade docente contraposta à discente, quando enfatiza que “algumas vivências têm uma intensidade particular que se impõe à nossa consciência e delas extrairemos as informações úteis às nossas transações conosco próprios e/ou com o nosso ambiente humano e natural” (p. 48). Na tentativa de se compreender esse fenômeno, optou-se pela pesquisa qualitativa biográfica de história de vida, já que ela visa resgatar as relações entre a história individual e a história coletiva, ou seja, uma ligação entre o percurso individual e o percurso social do narrador. 2 DO HABITUS: CONCEPÇÃO BOURDIEUSIANA Para a elaboração conceitual de como a construção da personalidade do indivíduo social se forma a partir de influências impositivas, é importante atentarmo-nos para o conceito de habitus. Bourdieu (2003) explica que se trata do produto de um trabalho social de nominação e de inculcação ao término do qual uma identidade social instituída por uma dessas ‘linhas de demarcação mística’, que o mundo social desenha, inscreve-se em uma natureza biológica e se torna um habitus, lei social incorporada (p. 64). Em Bourdieu, “o habitus é um sistema de disposições, modos de perceber, de sentir, de fazer, de pensar, que nos levam a agir de determinada forma em uma circunstância dada”(CHERQUES, 2006). História de vida dos professores e o habituss religioso: estudo da ação docente da Escola Confessional Protestante
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A conceituação de habitus proposta por Bourdieu reflete como o homem se torna um ser social, através dos mecanismos estabelecidos pelas relações sociais, a saber: valores, normas, crenças, dentre outros, que são incorporadas pelos modelos vigentes. Isso posto, tais construções sociais convergem para o cabedal de representações que o homem acumula no percurso a sua trajetória social. Para o referido teórico, a sociedade reproduz tais mecanismos promovendo a filiação de uma determinada classe ou grupo social, pelo compartilhamento do habitus, que em sua dimensão dialética trabalha com o princípio tanto da conservação quanto da mudança social, em meio as trocas individuais e coletivas. 2.1 Habitus religioso Desde o seu nascimento, o ser humano está enredado num contexto social, e é nesse arranjo de relações interpessoais que se edificará a personalidade, seu estilo de vida, seus sentimentos, atitudes e percepções, que dificilmente mudarão ao longo da sua vida (HALL; LINDZEY, 1984). Ou seja, ao iniciar-se a modelagem do ser crescente, grande parte de sua futura personalidade se assentará antes do meio extrafamiliar entrar em cena, isto é, serão efetivadas no seio familiar (LINTON, 1965). Essa ação impositiva é compartilhada pelo pensamento de John Dewey (1959) quando afirma que “os indivíduos utilizam-se uns dos outros para obter resultados desejados, sem atender as disposições emocionais e ao consentimento daqueles de quem se servem” (p. 5). A sociedade tem na família a sua célula estrutural mais íntima, e é nela que a aplicação exordial da ideologia dogmática de cunho religioso é inculcada no ser em formação. Daí a importância da influência da formação religiosa na formação do habitus do indivíduo. Essa afirmação fica clara em Bourdieu (2011), para quem: A religião inculca um sistema de práticas e de representações consagrados cuja estrutura (estruturada) reproduz sob uma forma transfigurada, e, portanto irreconhecível, a estrutura das relações econômicas e sociais vigentes em uma determinada formação social e que só consegue reproduzir a objetividade que produz (enquanto estrutura estruturante) ao produzir o desconhecimento dos limites do conhecimento que torna possível, e ao contribuir para o retorno simbólico de suas sanções aos limites e às barreiras lógicas e gnosiológicas impostas por um tipo determinado de condições materiais de existência (efeito conhecimento-desconhecimento) (p. 46).
Os axiomas religiosos impostos ao ser em construção se incrustam de forma imperativa em seu “habitus” social, e a concepção de que os sistemas simbólicos como a arte, a língua ou a religião sejam instrumentos de poder e de política. Essa ação coercitiva instrui-nos, de forma imperativa,
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para uma gênese sociológica soberana (BOURDIEU, 2011). Ou seja, a imposição dogmática pode provocar um efeito contraditório ao ser aprendente, quando a sua construção formativa for de cunho heterônomo e não autônomo. Nessa perspectiva, avançamos com a característica impositiva da religião, no pensamento bourdiesiano, qual seja o de que a religião contribui para a imposição (dissimulada) dos princípios de estruturação da percepção e do pensamento do mundo e, em particular, do mundo social, na medida em que impõe um sistema de práticas e de representações cuja estrutura objetivamente fundada em um princípio de divisão política apresenta-se como estrutura natural-sobrenatural do cosmos (BOURDIEU, 2011, p. 33).
Nesse sentido, a religião, ao cumprir uma função social, passa a ser passível de um entendimento sociológico, com todas as propriedades que lhe são socialmente inerentes (SIMMEL, 2006). Da análise do trâmite de ideologia impositiva à prática social religiosa, quando rebuscada em sua natureza, permite-nos retomar o pensamento de Silas Guerreiro (2012) que, ao explicar o pensamento durkainiano quanto ao simbolismo do coletivo social voltado para a religião, considera que Ele considera religião similar à noção de comunidade moral. Não é a natureza que cria a noção de sagrado. Nisso, vai contra qualquer religião natural. Para ele, a questão radica-se no social. O sagrado só pode aparecer em âmbito social, este, sim, um nível superior, exterior e coercitivo sobre os indivíduos (p. 17).
Nesse entendimento, a sociedade escolar se estratifica segundo a hierarquia de dominação e esta pode se apresentar impositiva quanto ao modo da ação docente. 2.1.1 Da família e da religião: formação moral Para a formação de uma moral social, seja ela religiosa ou não, imputa-nos o pensamento da sua formação em Piaget, quando questiona essa ação como não sendo universal e sim singular, entendimento que se solidifica quando afirma que “a moral prescrita ao indivíduo pela sociedade não é homogênea porque a sociedade não é coisa única” (PIAGET, 1994, p. 294). Dessa forma, ao se impor a formação do “habitus” religioso para os participantes aprendentes de uma célula mínima social, concretiza-se aí uma capitalização formativa cultural, que se apresenta explícita no contexto citado por Jean Henrique Costa, ao interpretar Bourdieu: Resultam, pois, de toda herança cultural e social do indivíduo, segundo seus níveis de capital cultural, obtidos por meio da família e da instituição escolar, que, relacionalmente, definem atitudes em relação à cultura e, num jogo de aceitações, História de vida dos professores e o habituss religioso: estudo da ação docente da Escola Confessional Protestante
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negociações e recusas – nas estruturas estruturadas e estruturantes (habitus), deliberam as disposições sociais (COSTA, 2013, p. 2).
Sabendo-se que a construção do capital cultural do indivíduo se incorpora a uma estrutura estruturada e estruturante, ou seja, ao seu habitus, o ser docente passa a ter a potencialidade de inferir ao meio acadêmico as suas convicções, dentre elas as de origem dogmática religiosa. Essa engenharia psico-antropológica social elaborada em sua história pessoal que se corporifica como a sua personalidade é compactuada por Simmel (2006) que em seu texto afirma: Tudo o que existe nos indivíduos e nos lugares concretos de toda a realidade histórica como impulso, interesse, finalidade, tendência, condicionamento psíquico e movimento dos indivíduos, tudo o que está presente de forma a engendrar ou mediatizar os fatos sobre os outros, ou a receber esses efeitos dos outros (2006, p. 86).
Para essa moral constituída e repassada para adiante, a partir da ação docente mediatizada pelo professor religioso, se engendra a possibilidade da construção de uma docência tendenciosa. 2.1.2 Da ação docente: influência da história de vida “O habitus é o produto da experiência biográfica individual, da experiência histórica coletiva e da interação entre essas experiências”. Nesse sentido a história de vida pode exercer certa influência na ação docente. Isto é, a história de vida entendida como a edificação de um universo de significações partilhado num agregado humano, portanto, uma ação social, cultural e histórica (YÉPEZ, 1999), do indivíduo que aprende e se constitui a partir do emaranhado de disputas de um poder simbólico a ele posto. A esse respeito, Nóvoa (1992) aponta para o fato em que a constituição do indivíduo faz parte indissolúvel da elaboração perceptiva que parte das vivências e experiências de vida, ou seja, esse indivíduo que se forma, que se constrói, que produz a sua vida. Esse sujeito que é comum e único em sua complementariedade é, também, produto e produtor a um só momento, lançado em uma ação cotidiana ao despontar de sua existência (BURNIER, et al., 2007). As ações formativas que se iniciaram no seio familiar e se estendem para o meio da sociedade, possuem em sua gnose moral a possibilidade concludente de um viés assimilatório pelo interlocutor cuja ação docente locutória se apresenta como sendo de caráter contraditório para com a formação de um indivíduo inovador e crítico, como se verifica no pensamento de Villela e Raitz, Com a mudança de paradigma na concepção de homem no trabalho, o conceito de subjetividade está no vértice desta virada, pois o paradigma funcionalista,
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mecanicista, comportamentalista predominante até agora nas organizações, está dando passagem para outro, transformador, que não mais objetiva o homem repetidor e sim como inovador (2007, p. 631).
A prática docente pode ser permeada por uma série de convicções morais de quem as aplica; fato esse traduzido pelo pensamento de Flavinês Rebolo Lapo: “Ao dar aula desde a preparação até o momento de estar diante da classe, uma série de concepções são colocadas em jogo” (2000, p. 121). Ou seja, ao refletir sobre a ação docente como forma de trabalho libertadora e formadora de um cidadão crítico e liberto de correntes dogmáticas de qualquer origem, o professor confessional ruma em direção oposta ao objetivo construtivo de uma sociedade livre das aparas axiomáticas dos dogmas religiosos impostos quase que coercitivamente. Essa reflexão é compartilhada por pensadoras como Reis e Assis (2013), quando analisam a função social educativa de caráter confessional: A função social da educação era o de imprimir os dogmas do evangelho cristão, pregando obediência e a tolerância, como princípios fundadores para a garantia da ordem social, da salvação das almas, além da formação de trabalhadores obedientes (p. 51).
A possibilidade de uma educação transformadora fica engessada quando de uma educação axiomática, sem a possibilidade crítica. Esse pensamento ampara-se em István Mészáros quando este aponta que uma reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança” (2007, p. 25).
3 ABORDAGEM METODOLÓGICA A determinação da metodologia a ser utilizada por esse estudo baseou-se na utilização de uma estratégia flexível, que permitisse prospectar as mais diferentes possibilidades e que melhor conviesse para responder as indagações desse trabalho. Optamos pela pesquisa qualitativa, pois a possibilidade diagnóstica dessa abordagem nos aponta para a resolução de questões elevadas. A partir do desdobramento dessa abordagem, a que mais se adaptou às nossas expectativas epistêmicas foi a de caráter biográfico, pois, segundo Silva et al. (2007), se evidencia por uma relação fidedigna com a história e esta como processo de relembrar, revisitar e reconstruir. E para construir finalmente a metodologia optamos pelo método de história de vida, pois visa resgatar as relações entre a história individual e a história coletiva, ou seja, uma ligação entre o percurso individual e o percurso social do narrador (SILVA et al., 2007). É essa relação entre o individual História de vida dos professores e o habituss religioso: estudo da ação docente da Escola Confessional Protestante
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e o social que se pretende alcançar com a utilização dessa abordagem, ou seja, a pesquisa qualitativa biográfica da história de vida, além da pesquisa qualitativa de abordagem da história de vida promover a possibilidade que transpõe aquele que narra; proporcionando a compreensão do mundo do qual o narrador faz parte e o seu mundo subjetivo (SILVA et al., 2007), a partir de questionário semiestruturado com perguntas que possibilitasse respostas abertas. 3.1 Contexto da pesquisa A pesquisa foi desenvolvida em uma escola pública municipal no Centro de Teixeira de Freitas, Bahia. Essa escola possui em torno de duzentos e setenta estudantes entre seis e dez anos de idade, do primeiro ao terceiro ano do ensino fundamental, todos devidamente matriculados. Esse número se modifica levemente quando somados a alguns alunos desistentes, oriundos dos bairros circunvizinhos. A escola oferece dois turnos (matutino e vespertino) e dispõe de seis salas de aula. A estrutura funcional é composta por 10 professoras, 1 diretora, 1 vice-diretora, 1 coordenadora pedagógica e 1 zeladora. A escola não possui um projeto político pedagógico próprio e segue o Projeto Político Pedagógico Institucional (PPPI) da Secretaria de Educação e Cultura do município de Teixeira de Freitas (Resolução n° 007/2011). Foram entrevistadas 2 professoras, a coordenadora pedagógica e a diretora da Escola Municipal Filhos de Sião. As professoras lecionam para o segundo e terceiro anos do ensino fundamental, sendo que a do segundo ano tem formação em Letras vernáculas e a outra em Pedagogia. As quatro profissionais já contam com mais de quatorze anos de prática docente. Para a coleta de dados utilizou-se de um aparelho celular para gravar as respostas do interlocutor ao questionário elaborado pelos autores. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO Para a análise e discussão dos dados, recorremos à Antropologia Social, que se define, segundo Larousse (1995), como o estudo das crenças e das instituições de um grupo, concebidas como fundamento das estruturas sociais e consideradas em suas relações com a personalidade, a orientação interpretativa da construção da personalidade e da ação docente nos entendimentos de pensadores como Pierre Bourdieu, Istvan Mészáros e de Andréa Maturano Longarezi. As perguntas foram edificadas objetivando um crescente relacional em que a confiança se fazia de crucial importância, haja vista a temática religiosa do projeto ser de cunho altamente pessoal, conforme dados a seguir.
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Quando indagados sobre como relatariam os percursos da formação superior, e o que aplicariam dessa formação em seu trabalho docente, os entrevistados responderam: Minha formação me ofereceu bases teóricas para o meu trabalho, porém, os maiores conhecimentos advêm das pesquisas diárias na profissão (Entrevistada 1). A realidade não foi dada a mim quando estava enquanto aluna na faculdade. Até quando eu fui estagiar tudo era novidade e foi mesmo quando entrei pra sala de aula que vi uma realidade de uma escola. Assustei um pouco, mas encarei e estou até hoje na profissão (Entrevistada 2). Acho que a faculdade não prepara o aluno para a realidade que a gente encontra dentro de uma escola (Entrevistada 3). As teorias recebidas eu pratico na sala de aula, mas tenho que sempre seguir o padrão que vem da secretaria da escola e que eles recebem da secretaria de educação. Não dá muito pra aproveitar não, porque somos limitados a um padrão e não dá muita oportunidade de trabalhar com todas elas, ou seja, somos limitadas a tudo (Entrevistada 4).
Notamos que houve concordância quanto à deficiência de ações que possibilitem a iniciação à docência antes da colação de grau, uma vez que a prática em sala de aula e o contato com inúmeros problemas advindos da ação preceptoral possibilitam que o imaturo docente receba um choque entre a representação quimérica da escola e do aluno perfeito construída no ambiente acadêmico com a realidade prática do dia a dia da sociedade escolar. Outro ponto salientado pelas professoras foi o de que, apesar de os componentes curriculares das instituições de nível superior proporcionarem amplo entendimento epistemológico, o fato de serem orientadas a reproduzir as diretrizes estabelecidas pelo plano diretor educacional da secretaria de educação faz com que não consigam aplicar na prática os conhecimentos adquiridos na fase acadêmica. Há um verdadeiro incômodo quanto à possibilidade de inferirem uma roupagem própria em sua atividade profissional; fato este que limita e impele o professor a ser um mero reprodutor de um “pacote” ideológico. Josso (2004) nos ajuda a entender a realidade docente contraposta à discente ao afirmar que “algumas vivências têm uma intensidade particular que se impõe à nossa consciência e delas extrairemos as informações úteis às nossas transações conosco próprios e/ou com o nosso ambiente humano e natural” (p. 48). A contradição existente entre o momento acadêmico e a práxis diária do profissional na escola incitam-no a uma adaptação que nem sempre se faz produtiva. Ao questionar se as condições de trabalho influenciam na sua ação profissional, a Entrevistada 3 respondeu: História de vida dos professores e o habituss religioso: estudo da ação docente da Escola Confessional Protestante
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Acho que influencia muito por que o maior problema é a situação financeira, ou seja, se uma porta quebra ou se precisa de uma reforma não tem dinheiro e agente fica de pés e mãos atadas. Você tem idéias, sabe como melhorar as condições, mas não tem como, e isso prejudica seu trabalho, você pede as coisas, mas na vem e acaba ficando em uma situação chata, desgastante além de gastar muito tempo para ir atrás, e não conseguir, e sentar e não conseguir. Então isso influencia muito meu trabalho dá até desmotivação (Entrevistada 3).
A resposta da entrevistada de número 3 aglutinou todas as observações pertinentes às outras participantes, e nessa complexidade pragmática, do dia a dia escolar, as entrevistadas apresentaram a preocupação em empreender o melhor de si para tentar superar todos esses revezes estruturais e possibilitar que os alunos possam efetivamente aprender, mas que existe uma perda, não quantificada, do tirocínio discente. Essas situações foram apontadas como agentes estressantes que possibilitam uma desmotivação para a ação docente. Quanto à importância da motivação para a ação docente, Santos (2008) postula que ela “é construída por uma vontade de se alcançar um objetivo, e pela interposição de fatores cognitivos, afetivos e comportamentais” (SANTOS et al., 2008), isto é, o estímulo com características objetivas e subjetivas se fazem necessários para uma estabilidade psíquica do indivíduo para a sua ação docente. Uma vez construída uma base informal entre locutores e interlocutores, iniciamos a perscrutação do objetivo que nos incitou a execução desse projeto: analisar de que forma a história de vida do professor da escola pública confessional influencia a ação docente impactando na formação dos educandos. Quando indagadas sobre a formação religiosa no seu âmbito familiar, todas as entrevistadas afirmaram ser oriundas de famílias com práticas religiosas cristãs fervorosas, sejam elas de cunho protestante ou católico apostólico romano. Sobre a história de vida religiosa todas se lembram de que desde a sua tenra infância já participavam de todos os ritos de devoção doutrinal. Ao procurar saber dos entrevistados sobre a importância da religião na formação moral do indivíduo, obtivemos as seguintes respostas: Da maior importância, se ele segue qualquer religião, se ele tem um segmento religioso familiar e um acompanhamento da família, sua formação e o crescimento do aluno é bem maior. Os modos de tratar o próximo é bem melhor do que aquela criança que não tem acesso à religião nenhuma (Entrevistada 1). Que um ser sem religião é um ser humano sem rumo (Entrevistada 2). Quem tem fé pode até se curar de doenças a partir de um pensamento positivo (Entrevistada 3).
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Todas as professoras deixaram bem claro que uma formação religiosa é imprescindível para uma boa formação moral do indivíduo, principalmente para o indivíduo ainda infantil e “que um ser sem religião é um ser humano sem rumo”. Afirmaram que os modos dos alunos que recebem uma educação religiosa tratar o próximo são diferentes dos alunos oriundos de famílias desestruturadas, que não sabem pedir desculpas, ou seja, não sabem o que é certo ou errado. Deixam claro que a crença num deus que a tudo governa e que a todos protege não é uma ação alienante, e sim que quem tem fé pode até se curar de doenças a partir de um pensamento positivo. Expuseram também que a religião é muito importante e que não deveria ser retirada do currículo das escolas, pois deixaria um “vácuo” com relação à orientação dos costumes aos discentes. Contrapondo-se a essas assertivas, Fischmann (2012) salienta o direito discente a uma ação docente não estigmatizante e infere que “básico é o direito individual para essas escolhas e a partir da quebra desse arranjo criam-se estigmas que ficam a mercê da atividade dos agentes estigmatizantes e deturpadores da sua própria identidade enquanto indivíduo social” (p.36). Quando questionados sobre que os aspectos da ação docente, numa perspectiva religiosa, podem alterar a realidade do aluno, responderam: O Brasil apresenta uma crise de valores morais numa parte significativa da juventude estudantil (Entrevistada 1). Eu sou cristã de berço e penso que a religião, pelo ao menos no Cristianismo, só tem coisas boas pra passar pro indivíduo, e a retirada da religião do currículo escolar em certa parte deixa um vácuo e uma necessidade crescente em questão comportamental, e hoje em dia a gente recebe criança de família bastante desestruturada e que não tem noção nenhuma; criança que nunca pediu desculpa na vida por algo que tenha feito de errado (Entrevistada 3).
Há uma visão concisa de que o seio familiar é o que exerce maior poder e que a ação religiosa na escola tem suas limitações e seus êxitos parciais, que depende muito da personalidade de cada indivíduo, da sua vontade em mudar. Esse ponto de vista, pode ser mais bem definido se recorrermos ao pensamento de Santos et al. (2008, p. 47): Mesmo sem perceber conscientemente, cada professor vai, na sua trajetória, internalizando conceitos e atitudes, que mais tarde, revelar-se-ão em sua práxis docente. Todas as aprendizagens que irá edificar seu ofício de professor serão o resultado das relações sociais, que desde a infância, na família, nas instituições educativas, ou, ainda, nos ambientes culturais, o constituirão.
Fica patente a contradição entre o que se prega e o que se obtém a partir de uma ação docente consciente. As entrevistadas concordam, também, que as suas formações históricas são lançadas em sala de aula com o História de vida dos professores e o habituss religioso: estudo da ação docente da Escola Confessional Protestante
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intuito de moralizar o ambiente e de até modificar o pensamento da família dos alunos quanto à religião a partir do elo entre o aluno, a escola e sua família. Ao questionarmos sobre os resultados que se pode encontrar com a aplicação de uma ação docente de cunho religioso em comparação a outra didática sem essas características, notamos que não houve uma preocupação aparente das professoras entrevistadas em uma análise comparativa de resultados práticos entre uma ação docente confessional ou não. Para Bourdieu (2011) o trabalho religioso não deve se ater para outras possibilidades pedagógicas, haja vista que incluem-se em “instâncias objetivamente incumbidas de assegurar a produção, a reprodução, a conservação e a difusão dos bens religiosos (o autoconsumo religioso e a monopolização completa da produção religiosa)” (p. 40). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise e discussão dos dados nos permitiu inferir que a influência familiar na formação religiosa construída na história de vida dos professores estudados é de vital importância para o entendimento de sua ação docente. Fica patente a intenção de se construir uma moral disciplinar a partir da apresentação dos dogmas religiosos e do afastamento de uma ação cooperativa com a família do aluno, havendo a corporificação de formas imaginárias de desagregação familiar dos alunos por elas atendidos. Elas demonstraram claramente que a possibilidade de uma formação religiosa inculcada em suas personalidades, a partir da sua história de vida familiar e pessoal, encaminha-as em direção a uma mitificação de que sua ação docente de caráter evangelizador possa transmutar a realidade moral e comportamental dos alunos envolvidos. Isso posto, este estudo não tem um fim em si mesmo já que apresenta em suas variáveis conclusivas outras possibilidades de se compreender o fenômeno aqui investigado, a exemplo da história de vida os alunos egressos dessas escolas conveniadas sobre a maneira como essas transmutações moral e comportamental refletiram em suas vidas. 6 REFERÊNCIAS BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. ______. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2011. BRANDÃO, C. R. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2007. BURNIER, S. et. al. Histórias de vida de professores: o caso da educação profissional. Revista Brasileira de Educação, v. 12 n. 35 maio/ago. 2007. CHAUÍ, M. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense. 1980. COSTA, J. H. Reflexões sobre a indústria cultural a partir de Pierre Bour-
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DAS SALAS DE AULA ÀS AULAS DOS MESTRES SALAS Classrooms of the classes of rooms masters José Maria Barreto Siqueira Parrilha Terra FDV | FASB Artigo recebido e aceito em 25 de outubro de 2014
Resumo Neste artigo pretendemos abordar as escolas de samba a partir de uma perspectiva critico-educacional, destacando os paralelismos e inferências existentes entrem as escolas de samba e as escolas formalmente institucionalizadas. As escolas de samba apresentam um processo de ensino e aprendizagem difere dos modelos institucionais por diversos aspectos, tais como, caráter de participação voluntária de seus componentes, a preponderância da sensibilidade, do erotismo, do comunitarismo e da arte em lugar do ensino e aprendizagem institucionalizada que se reveste de obrigatoriedade, consumo e exploração racionalismo utilitário em prol do consumo. Neste sentido este estudo explora os aspectos do modelo de educação do samba, tanto por seus aspectos históricos, a partir de Habermas, quanto por seus aspectos institucionais, através do livro “sociedade sem escolas de Ivan Illich. Palavras-chave: Escolas de Samba. Modernidade. Educação Abstract This article aims to address the samba schools from a critical - educational perspective , highlighting the parallels and inferences from entering existing samba schools and schools formally institutionalized . The samba schools have a process of teaching and learning differs from institutional models of several aspects such as character voluntary participation of its components , the preponderance of sensitivity , eroticism , communitarianism and art instead of teaching and learning institutionalized which is of obligation , consumption and exploitation towards rationalism utility consumption . In this sense this study explores aspects of the samba model of education , both for its historical aspects , from Habermas, as per their institutional aspects , through the book “ society without schools Ivan Illich . Keywords: Samba schools. Modernity. Education
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INTRODUÇÃO Não há como entender as escolas de samba de hoje sem antes compreender como ao longo do tempo o samba vem se relacionando com os diversos sujeitos com os quais se comunica tanto em sua estrutura interna quando com a sociedade que o cerca. Portanto iniciamos nosso estudo a respeito das escolas de samba existentes cidade do Rio de Janeiro por meio de uma abordagem histórica. Não temos a pretensão de exaurir todos os fatos históricos que evolvem o samba, tanto pela grande complexidade que envolve o tema, como por não ser o objetivo maior deste estudo, pretendemos apenas oferecer os elementos necessários para uma reflexão crítica. Vale ressaltar que para compreender os acontecimentos pretéritos que envolvem as escolas de samba deve-se romper com a idéia de história como um processo linear, onde por meio de etapas que se sucedem alcança-se um desenvolvimento que chamamos de presente, e que é visto como uma constante superação do passado. Neste sentido nos filiamos às críticas de Habermasianas a respeito da história, quando mostra ser necessário substituir a idéia de uma filosofia da história, por uma idéia de evolução social, onde se entende a história como sendo algo aparatado de um sujeito anterior. Nega, portanto, que a história de um sujeito possa ser a geradora de um mesmo sujeito. Para o autor germânico, através dos processos de comunicação os sujeitos se auto produzem no processo histórico, condicionados pela capacidade de comunicação entre os indivíduos, que internalizam os processos sociais nos quais estão envolvidos (ARAUJO, 1996). Assim propomos que seja compreendia a história das escolas de samba como um processo de comunicação entre os indivíduos que se relacionavam no âmbito interno das escolas de samba, assim como seja compreendido o processo de comunicação entre as escolas de samba e sociedade na qual está inserida. Isso posto, não há como entender as escolas de samba da atualidade como sendo um produto progressivo e linear dos fatos que se sucederam nas escolas de samba do passado. A HISTÓRIA COMUNICATIVA DAS ESCOLAS DE SAMBA Muito se discute a respeito de quando e em que circunstâncias teriam surgidas as primeiras escolas de samba. Podemos começar fazendo a cisão entre samba e carnaval que não eram em seus primórdios fenômenos diretamente correlacionados. No início do século XX passava a então capital federal por diversas reformas tantos urbanísticas quanto comportamentais. A principal característica desta urbanização acontece pela expulsão das populações pobres do centro urbano do Rio de Janeiro. Junto com estas populações são expulsas e reprimidas as brincadeiras populares, tais como o “entrudo” que consistia em arremessos mútuos de bolas de água e farinha, e Das salas de aula às aulas dos mestres salas
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o “Zé-pereira”, prática onde as populações portuguesas do cetro da cidade tocavam tambores em grande algazarra. Contudo a repressão a festejos populares não significava que o poder público reprimia o carnaval. O carnaval oficial acontecia com apoio da prefeitura, nas formas de corsos, grande sociedades e ranchos. Na descrição de Myrian Sepúlveda dos Santos: O corso consistia num desfile de automóveis ao longo da avenida Central, onde famílias abastardas, que possuíam carros ou podiam alugá-los, desfilavam fantasias, divertindo-se e consolidando seu prestígio social. As grandes sociedades eram os maiores focos de atenção. Em grandes carros alegóricos, intelectuais, atrizes e mulheres da noite brincavam o carnaval. No período pré-republicano, essas sociedades foram centros ativos de denúncia da escravidão e do autoritarismo da monarquia, mas, nos anos 20 estavam politicamente esvaziadas. Os ranchos por sua vez vinham no chão, sem carros alegóricos, mas com muito luxo nas fantasias de seus componentes, vestidos como reis e rainhas. Lembravam as procissões religiosas nordestinas. Seus componentes eram quase todos negros de procedência baiana que mantinham entre si fortes laços de solidariedade e representavam uma camada social em ascensão2.
Paralelo ao carnaval oficial acima descrito se encontra o samba. Este sim com uma história controvertida por suas diversas versões. Para este estudo adotaremos a versão de que o samba chega a cidade do Rio de Janeiro no período pós abolição pelas mãos, ou melhor, pelas vozes e por todo o corpo dos negros oriundos da Bahia. O primeiro abrigo do samba teria sido a praça XI, conhecida á época como “pequena áfrica”. Na casa de tia Ciata após as rodas de candomblé aconteciam às rodas de samba, de forma que não se tem como dissociar o samba da matriz africana em sua origem. (GONÇALVES, 2009). Inobstante a repressão estatal em relação ao carnaval não oficial, esta não foi capaz de conter a rebeldia e irreverência dos primeiros sambistas. Na praça XI e seus arredores malandros e valentes se reuniam em agrupamentos populares conhecidos como cordões e blocos que se espalhavam pelas ruas. Aqueles que compunham estes blocos desafiavam a ordem pública e a polícia, e por este motivo gozavam de grande prestígio junto à população marginalizada dos morros e favelas onde moravam (SANTOS, 2006). Desde a sua origem o samba ultrapassava as fronteiras da musica. Um bom sambista tinha de ser mostrar não apenas como um bom músico, mas também deveria ser valente, bom nas palavras e ágil nas penas. Desde a sua origem, além de se desenvolver em seus em um ambiente de competências e habilidades multidisciplinares, possuía o samba um caráter comunitário, pois, não acontecia de forma individualizada, toda sua elaboração e festejo apenas era improvisada por todos que o formavam (SANTOS, 2006).
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Ainda na década de 20 do século XX o samba começa a deixar os fundos de quintal e seu caráter marginal, isso se da com os primeiros concursos da chamada “apresentação do samba”, ganhando assim as ruas e a participação de outros setores da sociedade. Importante as palavras de Myrian dos Santos (2006), a respeito do motivo pelo qual o samba passa do espaço privado para o espaço público. “Esse samba começou a sair às ruas em blocos de carnaval e atraiu a atenção geral não apenas porque inverteu valores, mas também porque trouxe para as ruas exuberância, valentia e sensualidade, experiências e sentimentos que não faziam parte do cotidiano do resto da sociedade” (SANTOS, 2006, p. 125). Neste contexto, os blocos começaram a se organizar em forma de agremiações de samba. “Deixa Falar” foi o nome da primeira escola de samba do Brasil, criada na década de 1920 no bairro do Estácio na cidade do Rio de Janeiro. Interessante observar o nome “Escola de Samba” teve por inspiração o fato de existir próximo ao local onde ocorriam os ensaios da “Deixa Falar” uma Escola Normal, que, portanto formava professoras para o ensino fundamental. (GONÇALVES, 2009) Na década de 1930, os concursos de samba passam a ser patrocinados por jornais, e assim surge há necessidade se institucionalizar as escolas de samba, distinguindo o que seriam escolas de samba e o que seriam os blocos. Estes concursos estimularam a criação de novas Escolas de Samba, como a Mangueira em 1928, a Unidos da Tijuca em 1931 e Portela em 1935. Neste contexto os concursos proporcionavam ao samba, até então marginalizado uma interação comunicativa com sociedade rica da capital federal. Esta interação era desejada e perseguida pelos sambistas, tanto que para Cartola, um dos fundadores da Mangueira, como para os demais componentes de outras escolas, era necessário que os jurados dos concursos fossem pessoas de fora do mundo do samba, sendo no dizer dos sambistas um “jurado de alto nível”, geralmente eram artistas plásticos, músicos e maestros. Defende Myrian Sepúlveda “Só é possível entender as escolas de samba a partir dessa costura entre o mundo do samba, majoritariamente negro e pobre em sua origem, e o outro mundo dos ‘brancos’” (SANTOS, 2006, p. 125). Na mesma época em que o samba busca sua interação com a “sociedade rica” o Brasil busca construir sua identidade e sua inteiração com a sociedade pobre. A construção da identidade nacional do governo Getulio Vargas se da no contexto de se derrubar a historiografia das elites oligárquicas do país. Essa redescoberta do Brasil acontece no âmbito acadêmico com as publicações de Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. e Roberto Simonsen. As obras desses autores dão as classes sociais mais pobres e aos negros um novo papel na historiografia pátria, pois pasDas salas de aula às aulas dos mestres salas
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sam a ser valorizados na formação da sociedade brasileira. Assim, o samba é escolhido como gênero musical nacional e o carnaval como a grande festa nacional. Desta forma os laços entre as escolas de samba e o governo se desenvolveram de forma clientelista, onde votos e samba se misturam (SANTOS, 2006). A partir do final dos anos 50 os desfiles das escolas de samba passaram da praça XI para a Avenida Rio Branco, pois se iniciava nas escolas de samba uma nova estética onde “artistas plásticos de fora do samba revolucionaram a apresentação dos desfiles com novos temas, técnicas e estéticas” (SANTOS, 2006).1 As escolas de samba vêm desde a década de 30 desenvolvendo relações de costura e ligação entre os poderes estatais e contextos sociais muito próximos de setores marginais da sociedade. A mais emblemática destas relações é com certeza a estabelecida a partir da década de 1970, quando os banqueiros do jogo do bicho passam a patrocinar as escolas de samba e a “adotar” suas populações, realizando muitas vezes junto à comunidade das escolas de samba, trabalhos socais de competência estatal. Desta forma os laços entre contravenção, samba e política se tornaram cada mais estreitos e harmônicos. No ano de 1984 na gestão do então governador do Estado de Rio de Janeiro Leonel Brizola, é construído o “Sambódromo” na Avenida Marques de Sapucaí, aonde até os dias de hoje vem se realizando os desfiles das escolas de samba. O SAMBA COMO FATO SOCIAL Ao longo de toda sua história o samba desenvolveu uma série de ralações que se fez impor como um fato social total. Pois ele ultrapassa os limites de simples gênero musical, por meio das escolas de samba há todo um intercambio de pessoas, coisas e conhecimentos. Para a realização de um desfile circulam muito mais que musica e bens, circulam sentimentos e conhecimentos diversos. Nos conhecimentos de artes plásticas podemos destacar os carros alegóricos e as fantasias, há ainda a musica, a dança, conhecimentos de história e cultura geral transmitidos pelo enredo. Muito mais que um tema, o enredo de uma Escola de samba é “ao mesmo tempo aquilo que permite a troca, aquilo que se troca e sobre tudo, o vetor de uma troca mais ampla: aquilo por meio do qual os valores se trocam. Sem enredo não há desfile” (GONÇALVES, 2009). Em virtude de sua capacidade de ligar pessoas, por meio de uma rede social densa e complexa a antropóloga Alba Zaluar defende que o 1
A Escola de Samba “Acadêmicos do Salgueiro” em 1959 apresentou o enredo “Jean-Baptist Debret”, abrindo caminhos para que fossem explorados novos temas nos desfiles.
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estudo da história do samba é um dos elementos que pode ajudar a auxiliar entender o que ela chama de “ethos civilizado numa população afastada das instituições e desrespeitada pelo sistema de justiça do país” (ZALUAR, 1998). No mesmo sentido de Zaluar, Maria Alice Gonçalves defende que o samba por circular nos bairros e favelas, cria associações ao desenvolver desfiles, e com isso vem ao longo de sua existência desenvolvendo um espaço público onde são resolvidas desavenças. Assim, segundo Gonçalves, “O samba exerce seu poder de interiorização de um ethos civilizado de matriz africana entre seus amantes” (GONÇALVES, 2003). Cabe ressaltar que mesmo tendo o samba propagado um ethos de matriz africana, sua expressão institucionalizada nas escolas de samba não é algo especificamente negro, para Costa Pinto o que há de negro nas escolas de samba é que seus integrantes são majoritariamente pobres. Assim ensina Costa Pito que “como divertimento de pobre é que as escolas de samba são no mais autêntico e peculiar significado brasileiro da expressão, divertimento de negro” (COSTA PINTO, 1998). Adverte Gonçalves que as escolas de samba de hoje não tem a mesma estrutura das primeiras escolas, pois estas também se modernizaram, e na comunicação com o mercado incorporou, e desenvolveu relações de trabalho mais complexas e especializadas. As escolas de samba hoje possuem diversas diretorias, tais como a de harmonia, a das baianas, a das escolas mirins, entre outras, que além de serem responsáveis pelo trabalho desenvolvido em suas áreas, tem como função defender os interesses de suas diretorias. As escolas de samba por meio de sua divisão em alas se mantêm articulada durante todo o ano, no intuito de preparar o carnaval vindouro. Além dessas articulações internas nas escolas de samba, são criadas também associações com outras escolas, desenvolvendo trabalhos conjuntos e resolvendo conflitos que possam existir entres as escolas. Um aspecto importante das redes sociais que existem em torno das escolas de samba, consiste em seu papel pacificador, presente nas narrativas existentes desde a fundação das escolas. Dona Neuma narra a respeito do sentido pacificador das escolas de samba: Meu pai, Saturnino Gonçalves, foi o fundador e o pacificador do samba. Porque no samba existia muita briga, muita polêmica. O Estácio era lugar de malandro, e a favela era lugar de marginal e vagabundo, gente que não prestava. Papai vivia no meio deles e foi o pacificador (GONÇALVES, 2009, p. 132).
Um aspecto observado por Gonçalves que merece ser destaque, é que durante a escravidão no Brasil os negros recriaram as instituições familiares, não tendo por base as em relações consanguíneas, mas afetivas: “filhos, primos, pais e mães unidos pelo afeto e não pelo sangue” (GONÇALVES, 2009). Das salas de aula às aulas dos mestres salas
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Esta família afetiva e não consanguínea recriada pelos escravos foi herdada através do ethos civilizatório de matriz africana e internalizada por meio das escolas de samba. Assim as redes sociais de partinha acontecem primeiramente na esfera familiar, onde prepondera o papel feminino. Em oposição ao ambiente domestico o ambiente público do samba é território de domínio masculino. Portanto desde a origem das rodas de samba até os dias atuais prepondera o papel das chamadas “tias” e “donas” nas escolas de samba, são conhecidas como boas cozinheiras. Ao servirem refeições coletivas, feijoadas, angus a baiana, peixadas entre outros pratos por ocasião das rodas de samba, logram êxito em proporciona um ambiente acolhedor, alegre e familiar, onde as desavenças masculinas desenvolvidas na “rua” podem ser pacificadas por relações de afeto e cuidado “em casa” entre os que fazem o samba. Mesmo tendo surgido no fundo dos quintais e crescido a proporção dos milhares, até hoje cada uma das escolas de samba do rio de janeiro, promovem em suas quadras feijoadas e refeições onde seus participantes alimentam não apenas corpo, mas sobre tudo sua afetividade, compondo relações de conflitos e desenvolvendo a paz. Assim, as escolas de samba podem ser tidas como “fatos sociais completos”. Pois desenvolvem em suas redes sociais: ensinos dos mais variados tipos de conhecimento, intensa circulação de mercadorias, bens e pessoas, trabalhos de assistência social, além proporcionar um espaço de composição de conflitos, que se afasta da ótica masculina de dominação e hierarquia, e se próxima da lógica da afetividade feminina, permeada pela ideia de cuidado e sensibilidade.2 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO TRABALHO DE CAMPO Antes continuarmos nosso estudo cabe algumas considerações a respeito do trabalho de campo realizado para feitura deste artigo. Ele consistiu de entrevistas pontuais a alguns membros do “Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro”, além da participação do pesquisador em alguns ensaios da escola e no desfile de carnaval realizado na Avenida Marques de Sapucaí no ano de 2011. Foram feitas entrevistas Em sua obra “Filosofia do Direito: dos gregos ao pós-modernismo” Wayne Morrison apresenta no penúltimo capitulo a chamada filosofia do Direito feminista, em que mostra que o mundo do Direito vem ao longo da história sendo dominada pela influencia androcêntrica, em que prevalece a idéia de um judiciário hierarquizado e piramidal, em que quanto maior elevado for o fórum de justiça mais legitimo é este fórum. Além disso, demonstra ainda o auto que a lógica masculina esta pautada em uma idéia de punição e paz social, em que punir é única forma de compor e evitar conflitos. Contrariamente demonstra Morrison que na perspectiva feminista, prepondera idéia de rede em que aquele que mais se aproxima do centro do conflito por ter mais contato com a realidade da lide e mais envolvimento sentimental é o mais apto e legitimo a dirimir esta lide. Outra diferença apresentada por Morrison, é que a ótica feminina do Direito não entende que a justiça não pode ser indiscriminada, punidos e tratando a todos como iguais, mas que deve antes ser permeada pela lógica do cuidado em que cada indivíduo é considerado em suas particularidades e sensibilidades. 2
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com os componentes: Patrícia do Nascimento, uma advogada, cuja família está na escola a três gerações, com 30 anos de idade Patrícia já participou de diversas alas, desde a ala das passistas no passado até a atualidade em que desfila como destaque de carro alegórico. Leandro Monteiro, Biólogo, com 32 anos de idade, desenvolve trabalhos como membro da comissão de frente de outras escolas, mas se confessa salgueirense, e é diretor de composição da Acadêmicos do Salgueiro, é membro do salgueiro a 14 anos. Seu Chiquinho, embora não tenha dito sua idade está na faixa etária dos 50 anos, é morador do morro do salgueiro, e membro “desde sempre” da escola de samba. As entrevistas não tiveram a intenção de investigar as histórias da escola, mas sim de colher a impressão dos entrevistados a respeito do processo de aprendizagem e educação que se desenvolve na escola. No que tange ao trabalho de observação participante por parte do pesquisador, este pretendeu conhecer as impressões emocionais que envolvem os participantes da escola de samba, tanto na quadra da escola, por ser de maior intimidade, como no do desfile na Marques de Sapucaí, por ser este ultimo espaço o de maior tensão e emoção. A ESCOLA DE SAMBA NA SOCIEDADE SEM ESCOLAS Nesta parte de nosso trabalho, as escolas de samba serão analisadas sob o prisma teórico de exposto no livro intitulado “Sociedade sem escolas” de autoria de Ivan Illich, Nesta obra o autor austríaco lança um olhar crítico sobre as escolas institucionalizadas, analisando seu funcionamento, seus objetivos e seus métodos. A partir desta abordagem de Illich pretendemos traçar paralelos críticos entre as escolas institucionalizadas e as escolas de samba. Ainda na parte introdutória de seu livro Illich diz que após suas discussões com Everett Reimer passa a questionar a obrigatoriedade da escola para todo o povo, e conclui que “a maioria dos homens tem seu direito de aprender cortado pela obrigação de frequentar a escola” (ILLICH, 1985). Já nesta primeira colocação cabe um paralelo inicial com as escolas de samba. Nas escolas de samba os seus componentes não têm sua participação imposta, os laços com a escola de samba não são oriundos de obrigações institucionais e legais. Conforme foi explicitado anteriormente às escolas de samba tem em sua origem um aspecto de ralações afetivas voluntárias. Estas relações mesmo que transformadas, perduram até os dias de hoje. Defende Illich (1985), não ser possível uma educação universal por meio da escola, desta forma defende o autor: A atual procura de novas saídas educacionais deve virar procura de seu inverso institucional: a teia educacional que aumenta a oportunidade de cada um de transformar todo instante de sua vida num instante de aprendizado, de participação, de cuidado. (ILLICH, 1985, p. 14). Das salas de aula às aulas dos mestres salas
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Esta citação de Illich (1985), merece considerações específicas. A primeira consideração diz respeito de a educação estar considerada como um processo de transformação e aprendizado. Quando perguntei em entrevista a Patrícia a respeito dê como ela aprendia e o que ela aprendia na escola de samba, ela me respondeu que o que ela aprende na escola de samba, ela aprende não por que sabe o conhecimento transmitido, mas por que sente o que é transmitido, e aquilo que ela sente no samba, não é algo que ela pode esquecer, não é algo que ela pode escolher ou não utilizar, mas, como é sentido, é internalizado, então este conhecimento passava a fazer parte dela. Desta forma, podemos dizer que o conhecimento recebido na escola de samba ao fazer parte dos sentimentos, transformava aquele tem contato com ele, ou seja, na escola de samba se vive uma aprendizagem transformadora por meio dos sentimentos. Como cada pessoa é um ser único sua transformação sentimental é única e indivisível, assim a experiência sensitiva de cada um no samba é algo que não se pode reproduzir em outras pessoas. Portanto não se pode avaliar a aprendizagem de um membro da escola de samba,. Por isso desde a sua origem o samba é algo coletivo, e até hoje sua avaliação é coletiva. Não se avalia este ou aquele sambista, mas toda a escola, ainda que em quesitos individualizados. O segundo ponto que merece ser observado é o que diz respeito à questão da participação levantada por Ivan Illich. Nas escolas de samba, podemos considerar seu desfile como um “trabalho de conclusão de curso” em que a escola defende sua tese diante dos que assistem o desfile e diante daqueles que julgam. Se o desfile é o “trabalho de conclusão de curso” então o enredo é a “linha de pesquisa”, como foi dito acima “O enredo de uma escola de samba, é o meio pelo qual valores se trocam. Sem enredo não há desfile”. “Defender um samba”, e este é termo utilizado pelos membros da escola quando falam do desfile, pois dizem que vão defender o samba da escola. Para esta defesa é necessário um trabalho participativo e coletivo de pessoas e conhecimentos diversos. Este trabalho se dá na confecção das fantasias, na construção dos carros alegóricos, na administração da escola e até mesmo o momento do desfile em que cada componente da ala se preocupa em orientar o colega, para que seja realizado o melhor desfile possível. Nos termos dos membros da escola, é necessário “se doar” para escola. Lembro-me que durante o desfile uma senhora já antiga na escola, estava próxima de mim no momento do desfile me dizia para não olhar pros jurados quando passasse em frente a eles, porque aquilo não seria bom para escola, e este apenas um dos diversos exemplos de participação que experimentei na minha breve passagem pela escola de samba. O terceiro ponto precisa ser abordado no contexto das escolas de samba, diz respeito ao “cuidado”. Como vimos anteriormente, é o por meio da ação das “tias” e “donas”, presentes desde a sua origem nas escolas de
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samba, que se estabelecem as relações de afetividade. Essa afetividade é proporcionada pelos encontros, geralmente em função de refeições, nos espaços domésticos. Assim pela ética do cuidado feminista se pacifica no espaço domestico os conflitos oriundos do espaço público, dominado pela ética do agir masculino. Illich propõe que sejam estabelecidos critérios para que em uma sociedade desescolarizada, se tenha meios de escolher que instituições mereçam progredir por promover aprendizado em um meio desescolarizado (ILLICH, 1985). Dentre estes critérios Ivan Illich pretende que seja privilegiada a educação que promove como meta pessoal o alcance do lazer ao invés de promover nas palavras do autor “uma economia dominada pelas indústrias dos serviços”. Pode-se estabelecer uma perfeita relação do que diz Illich com as escolas de samba, isso por que as escolas de samba, como já dito anteriormente proporcionam desde sua gênese, até os dias atuais uma aprendizagem das mais várias formas de conhecimentos e sensibilidades, sem contudo estar em um ambiente em que prepondera o caráter obrigatório e institucionalizado da educação. No que tange ao desenvolvimento do lúdico e do lazer como meta no processo de aprendizagem, pode-se uma inferência evidente com as escolas de samba. Uma escola de samba mesmo que demande trabalho, técnica e organização, têm sempre como principal sentido à alegria, e só tem sentido se é alegre, ou se ao menos proporciona lazer a seus integrantes. Sem receio de errar, é permitido afirmar que uma escola de samba educa e ensina pelos sentimentos de alegria e comunidade existentes seu ambiente de lazer. Já a educação institucional promete proporcionar ascensão social e capacidade de consumo aqueles que estejam dispostos a passar pelos seus diversos ritos e testes, desde que provem ser dignos de seus títulos. Para Illich, os primeiros bens que esta escola institucionalizada ensina a se consumir, são os títulos. Para Illich os títulos são absolutamente consumíveis e nada emancipatórios. Em sua obra Illich (1985), defende que a educação deixar de ser algo que apenas acontece pelas mãos e pelas graças do Estado. Antes pretende que os pobres, por si mesmos, e dentro dos conhecimentos e emoções valorizam possam fazer da sua experiência de vida um ato de constante aprendizagem. Indo mais além o autor denuncia que toda a educação que é promovida sem o apoio do Estado é considerada uma forma de agressão e subversão. Tendo os argumentos de Illich como lastro, podemos entender que as escolas de samba quando se associaram com os poderes públicos buscavam o direito de existir, de permitir aos membros de sua comunidade a prática de uma educação comunitária, onde sua realidade e cotidiano fosse uma experiência educacional concreta. Das salas de aula às aulas dos mestres salas
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Em outro momento de sua obra Illich classifica dois tipos de instituições educadoras. A primeira delas são aquelas de caráter obrigatório, que o aluno deve a frequentar para aprender todo o conteúdo de seu “currículo oculto”. Para Illich, “currículo oculto” é aquele que de fato é ensinado, sem ser explicitado pelas escolas institucionalizadas. O principal conteúdo desse currículo é ensino do consumo. Em um primeiro momento este currículo ensina que o principal objetivo de se adquirir conhecimento e de aceitar o confinamento escolar obrigatório, é o consumo de títulos, e, de que quanto mais títulos forem consumidos a custa de anos de vida escolar, maior será a capacidade de consumo do titulado na sociedade. Desta forma, mesmo que a escola não desenvolva conhecimentos verdadeiramente válidos, sua missão estará cumprida ao formar profissionais consumidores. Ou seja, para Illich o maior objetivo da escola é formar e afirmar uma sociedade de consumo. A este tipo dominante de instituição, Illich dá o nome de instituição manipulativa. Entretanto admite o autor que existe outro tipo de instituição, ainda que precária, ao qual chama de instituições conviviais, e que para Illich, apresentam um modelo de futuro mais promissor e emancipatório. Para Illich (1985), as instituições conviviais, seriam aquelas de caráter espontâneo, formadoras de redes de cooperação, nas quais seus membros tomam a iniciativa do que, e de como aprender. Como visto anteriormente as escolas de samba são um fato social completo e funcionam como redes voluntárias, em que se realizam as mais variadas trocas e intercâmbios de pessoas, bens, conhecimentos e sensibilidades, sempre sob orientação e através do enredo. Portanto não é temerário realizar uma inferência que associe as escolas de samba ao tipo de instituição convivial descrita e almejada por Illich. Não se pretende com isso afirmar que as escolas de samba são organizações idílicas, imunes a críticas, mas que estas merecem e devem ser observadas com atenção pelos estudiosos da educação. ESTÉTICA E EMOÇÃO NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM A modernidade embora tenha se caracterizado como a era que pós um fim definitivo no misticismo, e nas formas de conhecimento que não fossem as racionais. Fez a modernidade que a racionalidade instrumental se tornasse seu mito e sua crença. Passou então a modernidade a render homenagens e devoções ao conhecimento científico, desta forma fez da ciência sua religião e da escola formal seu templo. A igualdade de oportunidades na educação é meta desejável e realizável, mas confundi-la com obrigatoriedade escolar é confundir salvação com igreja. A escola tornou-se a religião universal do proletariado modernizado, e faz promessas férteis de salvação aos pobres da era tecnológica (ILLICH, 1985, p. 25).
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A razão instrumental beatificada pela modernidade desfaz de aspectos importantes a respeito da vida cotidiana, pois ao se dissociar da sensibilidade como forma de conhecimento e compreensão do mundo, torna a esta vida cotidiana rude, calculada, técnica, trivial e quase insuportável (BITTAAR, 2010). Assim torna-se valida e compreensível a afirmação feita anteriormente por Maria Alice Gonçalves, a de que o samba ganhou espaço na década de 20 do século passado por que “trouxe para as ruas exuberância, valentia e sensualidade, experiências e sentimentos que não faziam parte do cotidiano do resto da sociedade” (SANTOS, 2006, p. 125). Por reconhecer que arte esta dentro das estruturas de reprodução social, podemos dizer que a arte desenvolvida nas escolas de samba não escapa a esta afirmação. Toda via, entende Bittar que a arte não é uma forma de fuga da realidade. O escapismo só aparece onde existe a renúncia de problematizar o mundo. Mas a arte não somente problematiza o mundo, como o coloca em suspenso, para por vezes, subvertê-lo por completo, ainda que o faça numa dimensão puramente estética (BITTAR, 2010).
Assim, ao contrário do que entendem alguns, o carnaval e os desfiles das escolas de samba não podem ser considerados escapismos alienados, mas sim formas de contestação e subversão estética da realidade. O que as escolas de samba fazem em seu desfile é “abrir uma fissura entre o tempo da realidade e o tempo da arte” (BITTAR, 2010) com seus carros alegóricos, suas fantasias, sua musica, o erotismo de sua dança, seu contato com o corpo e com a sensibilidade. Ao proporcionar a felicidade, a escola de samba ensina por sua arte, que é possível um mundo muito além do rude e insensível cotidiano. Atualmente as escolas de samba vêm sofrendo diversas críticas por estar associada ao Estado e principalmente por desenvolver um trabalho empresarial. Para alguns isso significa o rompimento com o um projeto revolucionário e marginal de sua origem. Entretanto esclarece Bittar que a arte não necessita de um projeto revolucionário para ser revolucionária, uma vez que seu caráter revolucionário reside até mesmo no fato de se romper com um projeto revolucionário. CONSIDERAÇÕES FINAIS “O mundo contemporâneo já sente fragilizada a crença em uma realidade dominada pela racionalidade instrumental. Uma das principais causas desse início de derrocada do absolutismo da racionalidade moderna, esta na distância entre as expectativas e experiências da modernidade’’. A modernidade teve como fundamento a promessa de que por meio do doDas salas de aula às aulas dos mestres salas
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mínio da razão instrumental, todos os males seriam abolidos. Por exemplo: fosse o Direito baseado pura e simplesmente na razão, os males sociais seriam superados. Esta era a expectativa, entretanto no século XX vimos sob o império da racionalidade jurídica, as bestialidades de duas grandes guerras. A racionalidade prometeu também que se sob a égide da moderna agricultura desaparecida a fome, nunca em sua história a humanidade teve tantos famintos, a promessa de comida era a expectativa à fome é a experiência. No que tange a educação, a modernidade prometeu, que se a educação institucional fosse oferecida de forma padronizada e obrigatória ao maior número de pessoas possíveis a humanidade seria mais educada, mais culta e emancipada. Esta foi à expectativa, entretanto a experiência foi outra. A educação massificada e obrigatória fez surgir gerações inteiras de consumidores alienados, o que gerou a exploração desenfreada da natureza e dos recursos do planeta, deixando a existência humana à beira do colapso. Uma família de norte americanos “formalmente educados” consomem recursos naturais e contribuem para degradação da vida no planeta diversas vezes mais que uma família de mesmo número pessoas residentes em países subdesenvolvidos. Toda via que importa aos caçadores de títulos acadêmicos os problemas da coletividade? Importa apenas se teoricamente isso representar a defesa de mais uma tese, a resposta de mais uma questão de prova. Em fim, a coletividade importa apenas se isto representar a superação de mais um rito de passagem a caminho de mais um título de consumo educacional, e se este título significar mais poder de compra na sociedade de consumo. Consciente desta realidade, Ivan Illich escreve sua obra “Sociedade sem escolas”. A escola é posta como o templo de devoção a racionalidade instrumental. Assim tão antagônica quanto às expectativas e as experiências criadas pela modernidade, é a ideia de que este antagonismo entre expectativas e experiência será solucionando com o conhecimento desenvolvido e ensinado nas escolas. Por tudo isso, entendemos que a racionalidade insensível e rude, não deve ser superada e posta como algo passado, pois a ideia de um futuro que nada mais é que a superação do passado, também é fruto da racionalidade moderna. Entendemos, portanto, que a racionalidade insensível deve ser transformada, e sobre tudo, deve ser sensibilizada. O processo de transformação dessa racionalidade instrumental perpassa primeiramente pela transformação de seu modelo de reprodução, ou seja, pela transformação do modelo de educação que a perpetua. Assim, conhecer outros modelos de educação é um dos mais valorosos recursos de desescolarização, para usarmos os termos Illich. Com intuito de contribuir para a transformação das escolas formais, este estudo abordou alguns aspectos das escolas de samba da cidade do Rio de Janeiro. A primeira conclusão que podemos apontar e talvez a mais im-
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portante, é a que se conhece muito pouco sobre as possibilidades de contribuição que o mundo do samba pode oferecer. A uma, porque neste mundo do samba residem algumas das chaves do enigma de como o uma população marginalizada, negra ou parafraseando Gilberto Gil, quase negra de tão pobre manteve entre os seus um ethos, civilizatório de matriz africana. A duas, porque se sabemos pouco sobre os motivos e os meios utilizados para a fixação da matriz civilizatória africana, menos ainda sabemos sobre os postulados civilizatórios desta matriz. Por fim, entendemos que a escola formal tem muito que apreender com as escolas de samba. Uma vez que as escolas de samba se valem de um modelo de ensino e aprendizagem sensível e artístico, onde prepondera a emoção daqueles que voluntariamente a compõe. Os membros das escolas de samba, através de práticas, saberes de pouca ou nenhuma valia para o mundo do consumo, adquirem conhecimentos de imensurável valor para a transformação do seu ser mundo. REFERÊNCIAS ARAÚJO, L. B. Religião e modernidade em Habermas. São Paulo: Loyola, 1996. BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de Filosofia do Direito. 8. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. GONÇALVES, M. A. R. O samba é o dom: notas sobre o samba como fato social total e educação escolar. In: SISS, Ahyas, e MONTEIRO, Aloísio Jorge de Jesus (orgs), Educação, cultura e relações interéticas. Rio de Janeiro: Quartet: EDUR, 2009. ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas: trad. de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis,Vozes, 1985. MORRISON, Wayne, Filosofia do Direito: dos gregos ao pós-modernismo: Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo, Martins Fontes, 2006. SANTOS, Boaventura de Sousa. Sociologia jurídica crítica: para um nuevo sentido común en el derecho. ILSA, Bogotá, 2009. SANTOS, Myrian Sepulveda dos. Mangueira e Império: A carnavalização do poder pelas escolas de samba. In: ZALUAR, A. e ALVITO, M. (Orgs.). Um século de favela. 5. ed. Rio de Janeiro: editora FGV. 2006.
Das salas de aula às aulas dos mestres salas
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Filosofia Teologia
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PERDÃO E SAÚDE: TENSÕES ENTRE MEMÓRIA E ESQUECIMENTO Forgiveness and health: tensions between memory and forgetfulness Andréa Lima do Vale Caminha LABORE / EPSI Artigo recebido e aceito em 25 de outubro de 2014
Resumo A questão que queremos investigar é saber em que medida a relação passado-presente-futuro, marcada por recordações traumáticas, não exigiria o ato de perdoar como forma de se alcançar a cura dessas recordações? Nosso ponto de partida para tratar dessa questão foi o texto O perdão pode curar? , de Paul Ricoeur, filósofo e estudioso da Psicanálise Ricoeur afirma que a atitude de não perdoar nos faz ficar doentes. Na nossa compreensão, quando se perdoa, não se está esquecendo, mas eliminando-se uma dívida por meio de uma atitude generosa de ressignificar os fatos do passado que não se pode mudar, mas lhe atribuir um novo sentido. Dessa maneira, o perdão é libertador, pois ele é cura para a memória, que pode ser encarada não apenas como uma ferramenta de guardar dados mnemônicos, mas, sobretudo, como uma capacidade de (re) significar ou (re) criar o passado. Palavras-chave: Perdão. Saúde. Memória Abstract The question we want to investigate is to what extent the relationship past-present-future, marked by traumatic memories, would not require the act of forgiveness as a way to achieve healing of these memories. Our starting point to address this issue was the text Forgiveness can heal?, of the philosopher and scholar of Ppsychoanalysis, Ricoeur: Ricoeur says that the attitude of not forgiving makes us get sick. In our understanding, when you forgive, you are not forgetting, but eliminating debt through a generous attitude to reframe the facts of the past that cannot be changed, giving it a new meaning. Thus, forgiveness is liberator because it is healing for the memory, which can be seen not only as a tool to store mnemonic data, but mainly as an ability to (re) define and (re) create the past. Keywords: Forgiveness. Health. Memory
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A temática do “Perdão” tem nos atraído nos últimos tempos e, para atender a nossa inquietação, fomos investigar esse tema no sentido de compreender melhor como se processa a atitude de perdoar do ponto de vista psíquico, mas precisamente no âmbito da teoria psicanalítica. Nosso ponto de partida foi o texto O perdão pode curar?, de Paul Ricoeur, filósofo e estudioso da Psicanálise. Ricoeur (2012) afirma que o ato de não perdoar nos faz ficar doentes. Para buscar a saúde por meio do perdão, segundo ele, é preciso instaurar um trabalho na região da memória que se continua na região do esquecimento. Nesse sentido, ele compreende a falta de perdão como uma das doenças da memória. Aquele que não perdoa está com sua memória doente. Então, o perdão é um canal de cura na escuridão dos traumas, das feridas e da vulnerabilidade humana. O que mais motivou Ricoeur a pensar a temática do perdão, através da memória, foi sua intrigante observação sobre a formação da memória compartilhada entre povos. Ele destaca, como exemplo desse tipo de memória, a integração de recordações traumáticas vividas por povos que vivenciaram períodos de guerra. Para falar sobre a constituição dessa memória compartilhada, Ricoeur faz uma reflexão entre a formação desse tipo de memória e os povos traumatizados pelas guerras. Tais povos, analisa ele, sofre uma espécie de memória “demasiada”, tanto do ponto de vista da humilhação sofrida como das glórias conquistadas, e sobre outros que padecem de uma “falta de memória”, motivada por uma fuga do passado. É identificado, nesse momento, dois tipos de memórias: a memória excessiva e a memória escassa. Entretanto, no desenvolvimento de sua investigação, o autor constrói um único sentido para a noção de memória. Ele recoloca a duplicidade da memória num quadro de uma unidade dialética, abrangendo o passado, o presente e o futuro. Portanto, o perdão não está apenas ligado ao passado, mas à conexão passado-presente-futuro, ou em outros termos, memória-esquecimento-perdão. Nesse sentido, a questão levantada por nós é saber em que medida toda relação passado-presente-futuro, marcada por recordações traumáticas, não exigiria o ato de perdoar como forma de se alcançar a cura dessas recordações? Para pensar a memória num sentido mais amplo, englobando a conexão passado-presente-futuro, Ricoeur recorre às noções de “espaço de experiência” e de “horizonte de espera”, propostas por Koselleck. A primeira diz respeito às heranças, que formam os traços sedimentados do passado, constituídos pelos nossos desejos, temores, previsões, projetos e antecipações. A segunda é o fundo que dá sustentação a esses traços sedimentados do passado. Ricoeur observa que não há espaço de experiência que não seja polarizado com um horizonte de espera. Ele destaca que é o presente vivo responsável pelas permutas entre o espaço de experiência e o horizonte de espera. Perdão e saúde: tensões entre memória e esquecimento
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Em busca de resolver o enigma da constituição de um único sentido de memória compartilhada, no lugar de se conceber duas memórias distintas, uma do excesso e outra da falta, Ricoeur recorre ainda ao conceito de compulsão à repetição, proposto por Freud (1976a) em seu texto Recordar, Repetir e Elaborar. Ele afirma que, nesse texto, Freud designa a compulsão à repetição como um obstáculo para a cura psicanalítica e, sobretudo, para o trabalho de interpretação. O paciente fica repetindo no lugar de se lembrar. Segundo Ricoeur, Freud aponta para o trabalho de memória como forma de se alcançar uma espécie de reconciliação com o recalcado. Entretanto, o trabalho de memória do qual Freud (1976a) se refere tem um sentido terapêutico com base na clínica psicanalítica, que não foi explorado neste texto por Ricoeur. A tarefa da análise é então levar o paciente a descobrir, a partir das suas associações livres, o que ele deixa de recordar. Por outro lado, Freud, concebe que a arte da interpretação deveria ser usada, sobretudo, para identificar as resistências e torná-las conscientes ao paciente. O trabalho da psicanálise é fazer falar o afeto. Na concepção de Freud há uma divisão de trabalho no processo psicanalítico que consiste em o analista servir como canal de revelação das resistências às situações e vinculações esquecidas, que são desconhecidas ao paciente e a este cabe-lhe o desafio de elucidá-las e vencê-las. Trata-se de preencher lacunas na memória e vencer as resistências, constituídas sob a forma de repetição dos conflitos infantis. Em outros termos, substituir a neurose comum por uma neurose de transferência, definida como a transferência do conflito psíquico para a situação analítica. Desse modo, Freud compreende que o processo de análise deve produzir uma neurose de transferência, visando conferir um novo significado aos sintomas do sofrimento psíquico. Ele concebe a neurose de transferência como um elemento positivo e indispensável para o trabalho psicanalítico. Nesse sentido, o analista deve instaurar um manejo transferencial capaz de manter na esfera psíquica todos os impulsos que o paciente gostaria de dirigir para esfera motora, que são as repetições desprovidas de elaboração. Podemos dizer, nesse caso, que o paciente não recorda coisa alguma do que esqueceu ou reprimiu, mas expressa o esquecido e o reprimido por meio da atuação. Todo o trabalho psicanalítico consiste, segundo Laplanche e Pontalis (2001), em transformar a neurose clínica em neurose transferencial que, elucidada na análise, pode se chegar à descoberta da neurose infantil. Por outro lado, a compulsão à repetição diz respeito à repetição recorrente e insistente do conflito psíquico recalcado sem trilhar pelos caminhos da elaboração. O que importa a Freud neste momento é desvendar a relação desta compulsão à repetição com a transferência e com a resistência. É percebido rapidamente que a transferência é, ela própria, apenas um
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fragmento da repetição e que a repetição é uma transferência do passado esquecido, não apenas para o analista, mas também para todos os outros aspectos da situação atual. A compulsão à repetição é reveladora de um conflito psíquico que se manifesta de maneira intensa na análise, mas necessita ser elaborada psiquicamente para se alcançar uma ressignificação do conflito instaurado. A ausência dessa elaboração perpetua o mecanismo de repetição impedindo a cura psicanalítica. A noção de compulsão à repetição é, para Ricoeur, esclarecedora para se compreender a constituição de uma única memória compartilhada. Segundo ele, a mesma compulsão à repetição, que produz um excesso de memória, produz também a escassez da mesma. O trabalho da memória corresponde, na nossa situação histórica, ao que Ricoeur chama de uso crítico da memória. O autor usa esse termo para designar a ação de uma perspectiva futura com a apreensão do passado, encontrando um apoio crítico no esforço de narrar o passado de uma maneira ressignificada. Os acontecimentos fundadores da experiência pessoal podem ganhar um novo sentido a partir desse uso crítico, que exige um trabalho de memória. O uso crítico da memória se constitui por meio da narrativa, quando a memória é levada à linguagem. Ele entende por narrativa toda a arte de contar, e é por meio dela, que se exerce, primeiramente, o trabalho de memória. A partir do momento em que se vai narrar a outrem as histórias do passado, o narrador toma uma série de cuidados para considerar também o ponto de vista do outro. A narrativa assume, assim, uma importância decisiva quando os acontecimentos fundadores do passado fazem parte de uma memória comum. Sendo neste campo da memória comum que a compulsão à repetição oferece a maior resistência e torna mais difícil o trabalho de memória. Nesse momento, Ricoeur (2012) retoma suas reflexões sobre a memória num sentido mais amplo, englobando a conexão passado-presente-futuro, pondo em questão a crença de que somente o futuro é indeterminado e aberto, enquanto o passado é determinado e fechado. Não temos dúvidas de que os fatos do passado são inapagáveis, bem como não podem ser desfeitos. Entretanto, o sentido dado aos fatos do passado pode ser modificado. Do ponto de vista do sentido, os acontecimentos do passado podem ser abertos a novas interpretações e podem trazer uma reviravolta nos projetos que tem o efeito de “acertos de contas”. O que pode ser alterado dos acontecimentos do passado é a carga moral ou seu peso de dívida sobre o futuro e o presente. Assim, é no contexto de livrar-se do peso da dívida que o perdão nos abre uma perspectiva de libertação. Aquele que perdoa lembra-se dos fatos passados de forma transformada, não mais com o peso de uma dívida a ser paga, mas de uma maneira ressignificada. É, pois, com a carga moral Perdão e saúde: tensões entre memória e esquecimento
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transformada e a anulação do peso da dívida, que podemos projetar-nos para o futuro no horizonte de esperança. Desse modo proposto, o trabalho de memória pode conduzir a via do perdão, na medida em que ele possibilita a libertação da dívida a ser paga. Para Ricoeur, a ação retroativa, visando o futuro com base na apreensão do passado, encontra um apoio crítico no esforço de narrar o passado de uma maneira ressignificada. Os acontecimentos fundadores da experiência pessoal ou comunitária podem ganhar um novo sentido a partir do uso crítico da memória, que exige um trabalho de memória gerando uma atitude de perdão. Partindo do pressuposto de que toda memória é seletiva, não existindo memória sem esquecimento. Todo narrador seleciona, entre os acontecimentos narrados, aqueles que parecem mais significativos para a história que se conta. O esquecimento coloca, por outro lado, problemas específicos que não se reduzem à função seletiva da memória. Com base em Freud, Ricoeur observa que a compulsão à repetição substitui o aparecimento da lembrança, interrompendo a recordação. É sobre essa compulsão à repetição que se poderia implantar o esquecimento de fuga, que faz do esquecimento passivo-ativo um empreendimento perverso. Dessa maneira, compreendemos que é possível estabelecer uma aproximação entre a compulsão à repetição e o esquecimento de fuga na medida em que ambos colaboram para um bloqueio das elaborações psíquicas criativas, capazes de ressignificar os acontecimentos do passado. Porém, vale ressaltar que o processo psicanalítico como a atitude de perdoar exige da pessoa um trabalho de psíquico. Portanto, contrariamente ao esquecimento de fuga, é preciso elaborar o esquecimento ativo, libertador, que seria como que a contra partida e o complemento do trabalho de memória. Ricoeur pretende, nesse momento, aproximar a noção freudiana de trabalho de memória a uma outra noção, que é a do trabalho de luto, desenvolvida no ensaio Luto e Melancolia. O trabalho de luto, nos diz Freud, consiste em desligar-nos por graus do objeto de amor, que também é objeto de ódio, até o ponto em que poderá ser de novo interiorizado, num movimento de reconciliação semelhante ao que ocorre no trabalho de memória. Em Luto e Melancolia (1976b), Freud descreve que o luto é, de uma maneira geral, a reação à perda de um ente querido ou a perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido. Em algumas pessoas, as mesmas influências produzem melancolia em vez de luto. Freud suspeita que essas pessoas possuam uma disposição patológica. É importante perceber que, embora o luto envolva graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, para ele jamais ocorre considerá-lo como sendo uma condição patológica que necessita de tratamento médico.
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Os traços mentais da melancolia são identificados como um forte desânimo, perdas do interesse pelo mundo externo e da capacidade de amar. A melancolia pode levar o indivíduo à inibição de toda e qualquer atividade, bem como uma diminuição dos sentimentos de autoestima. Todas essas características são também atributos do luto, entretanto a perda do autoamor é a marca peculiar da melancolia. O luto profundo, a reação à perda de alguém que se ama, encerra um estado de espírito penoso. Todavia, o luto é sempre considerado um elemento de passagem vivido pelo Eu, enquanto a melancolia é marcada por uma estagnação ou paralisação das elaborações do Eu. É interessante constatar que a inibição do Eu é expressão de uma exclusiva devoção do luto, atitude, que para Freud não parece patológica. No trabalho de luto, o trauma causado por uma dada circunstância ou por uma pessoa que provocou sofrimento e dor efetivamente não existe mais; entretanto, a pessoa que sofreu o dano continua sofrendo a dor como se a situação traumática continuasse de fato existindo. Já na melancolia, há uma perda objetal gerando uma inércia que imobiliza o Eu. Nesse caso, os traços do luto, excessivamente, se prolongam sem encontrar caminhos para elaboração, sendo possível então constatar um empobrecimento do Eu em grande escala. No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio Eu. O melancólico representa seu Eu como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível. Somam-se a esse quadro de moral desprezível comportamentos de insônia e de recusa a se alimentar, indispensáveis para preservação da vida. A melancolia acaba gerando um luto patológico. Para Freud (1976b), o luto exige do Eu um trabalho de elaboração, que consiste em deixar o passado para trás e abrir um caminho para o futuro. Referir-se ao trabalho de elaboração significa encontrar meios de aceitar a perda do objeto amado, dando um novo sentido para as experiências de perda, separação e falta. Pois bem, reafirmamos que o trabalho de luto pode livrar o Eu da clausura melancólica. Podemos encontrar aqui uma conexão entre o trabalho de memória e o trabalho de luto no sentido de manter vivo o fluxo das atividades psíquicas do Eu. É tomando como base os textos Recordar, Repetir e Elaborar e Luto e Melancolia, que podemos retomar o tema do perdão no contexto em que Ricoeur e Freud se encontram por meio da ideia de que a saúde exige um trabalho de elaboração psíquica para ressignificar as situações traumáticas do passado. O perdão, para Ricoeur, é o quiasma, o casamento, por assim dizer, entre o trabalho de memória e o trabalho de luto. Entendemos que existe, portanto, uma dupla afinidade de um para com outro. Vejamos, por um lado, o perdão é o contrário ao esquecimento de fuga; não se pode perdoar Perdão e saúde: tensões entre memória e esquecimento
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o que foi esquecido. O que deve ser destruído é a dívida, não a memória. Entretanto, por outro lado, o perdão acompanha o esquecimento ativo, aquele que se liga ao trabalho de luto. É nesse encontro perfeito que ocorre, para o autor, a cura, ou seja, o perdão propriamente dito. Ricoeur explica que o perdão dirige-se não aos acontecimentos cujas marcas devem ser protegidas, mas a dívida cuja carga paralisa a memória e, por extensão, a capacidade de se projetar de forma criadora no porvir. Vale ressaltar que, Ricoeur não quer dizer que o perdão resulta da simples soma do trabalho de memória e o trabalho de luto, mas, enfaticamente, diz que o mesmo é fruto do entrelaçamento entre esses dois trabalhos e que, essa aliança é, precisamente, dom. O perdão acrescenta aos dois trabalhos ainda a generosidade. É nesse cenário da generosidade que a graça do perdão se manifesta como geradora de saúde na medida em que se atribui um novo sentido à ofensa sofrida. O sentido de perdão associado ao dom pode ser verificado na palavra que, na língua francesa se escreve pardon. O perdão se realiza por meio do dom, pois ele é a expressão de um ato gratuito de alguém que doa perdão sem exigir o pagamento de nenhuma divida. Não se exige do outro qualquer tipo de restituição pelo perdão concedido. Eis a razão de se recorrer ao conceito de graça para se falar do perdão como um ato que se realiza sem qualquer expectativa de compensação. Estamos falando de uma ação que se dispensa qualquer recebimento em troca. Porém Ricoeur (2012) adverte para o fato de que o tema do perdão extrapola a dimensão teológica. Diz ele que, em razão de sua generosidade, o perdão transita em diversas áreas do conhecimento, destacando-se a dimensão política. O autor recorre a Hannah Arendt que compreende o perdão como um ato que expressa também uma grandeza política. Nesse sentido, podemos vislumbrar o perdão como uma ação terapêutica não somente nas relações interpessoais, mas também nas convivências comunitárias. Ricoeur insiste em dizer que, quando se perdoa, não se está esquecendo, mas eliminando-se uma dívida. Isso se confirma quando ele diz que “o perdão, em virtude da sua própria generosidade, se revela ser o cimento entre o trabalho de memória e o trabalho de luto” (RICOEUR, 2012, p. 8). Com base nas discussões do Laboratório de Psicopatologia Fundamental LABORE do EPSI – Espaço Psicanalítico, o indivíduo psiquicamente saudável é aquele capaz de elaborar (metabolizar, simbolizar, traduzir) as impressões externas e internas ao organismo sem deixar um excesso de resíduos fora do processo de elaboração. Nesse sentido, compreendemos que a atitude de perdoar gera saúde. Isso pode ser constatado na medida em que o perdão é libertador, não permitindo que o Eu permaneça refém do sofrimento traumático do passado. Perdoar traz cura, pois a memória pode ser encarada não somente como uma ferramenta de guardar dados
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mnemônicos, mas, sobretudo, como uma capacidade de (re) significação, (re) criação dos acontecimentos do passado. Perdoar, como resultado do trabalho psíquico de ressignificar, associa-se diretamente o ato de interpretar. É nesse contexto que a interpretação é perdão, abrindo uma nova janela para contemplar com outros olhos ou por outro ângulo. Acreditamos que é por esta razão que Kristeva (2015) afirma que a interpretação como perdão possibilita o renascimento psíquico, que é capaz de reconstituir o passado atribuindo-lhe um novo sentido. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. Recordar, repetir e elaborar. In: ESB, Rio de Janeiro: Imago, 1976a. Vol. XII. __________. Luto e melancolia. In: ESB, Rio de Janeiro: Imago, 1976b. Vol. XIV. KRISTEVA, Julia. La Haine et le pardon. Paris: Fayard, 2005. LAPLANCHE, Jean e PONTALIS, Jean-Bertrand. Vocabulário de psicanalise. São Paulo: Martins Fontes, 2001. RICOEUR, Paul. O perdão pode curar? Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/paul_ricoeur_o_perdao_pode_curar.pdf. Consultado em: 10 set. 2012.
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A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E O MARXISMO:
PONTOS E CONTRAPONTOS Liberation Theology and Marxism: points and counterpoints Celso Kallarrari UNEB Artigo recebido e aceito em 25 de outubro de 2014
Resumo Este artigo tem por objetivo mostrar a relação existente entre a Teologia da Libertação e a teoria marxista, bem como seus pontos confluentes e discordantes. Para tal propósito, procuraremos, a partir da leitura de Michael Löwy (2001), identificar as características e princípios da Teologia da Libertação. Este movimento, desde a década de 60, chamou à atenção do Vaticano, ao ponto de, através de dois documentos reguladores, intitulados Instruções sobre alguns aspectos da teologia da libertação, tentar frear algumas iniciativas das práticas sociais que, supostamente, poderiam estar vinculadas aos ideais marxistas. Cabe-nos, portanto, à luz de alguns teóricos (LÖWY, 2001; MADURO, 1998; LESBAUPIN, 2003; BOURDIEU, 1998), compreender como se configurou e como se configura, atualmente, a Teologia da Libertação, que, para o alto-clero soa, muitas vezes, como aspiração à teoria marxista de mudança social; sem, todavia, analisar o porquê dos ideais marxistas atingiu, também, sutilmente, um corpo significativo de profissionais religiosos do seio da Igreja Católica, dentre eles padres e bispos e uma camada significativa de leigos, no contexto latino-americano. Palavras-chave: Religião. Teologia da Libertação. Marxismo. Igreja Católica. Abstract This paper aims to show the relationship between Liberation Theology and Marxist theory, as well as their points confluent and discordant. For this purpose, we will seek, based on the reading Michael Löwy (2001), to identify the characteristics and principles of Liberation Theology. This movement, from the 60, called to the attention of the Vatican the point of, through two regulatory documents, titled Instructions on some aspects of liberation theology, tries to curb some initiatives of social practices that supposedly could be linked to Marxist ideals. It behooves us, therefore, in the light of some theorists (LÖWY, 2001; MADURO, 1998; LESBAUPIN, 2003; BOURDIEU, 1998), understand how configured it and how to configure it currently, Liberation Theology, which, for the high-clergy sounds, often as an aspiration to the Marxist theory of social change, without however analyze the Intent of Marxist ideals, has reached too subtly, a significant body of religious professionals of the Catholic Church, including priests and bishops and a significant layer of laity in the Latin American context. Keywords: Religion. Liberation Theology. Marxism. Catholic Church.
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O homem faz a religião, a religião não faz o homem. A religião é o suspiro da criatura atormentada, o sentimento de um mundo sem coração, como o é o espírito de estados fora do tempo. Ela é o ópio do povo. [Karl Marx]
1 Introdução Alimentado pelas ideias de Karl Marx e revestido com o mesmo discurso religioso de Liberté, Igualité e Fraternité – embora tendo nos lábios, declaradamente, seu ateísmo desmedido frente a um novo sistema econômico –, o comunismo ganhou adeptos no mundo todo com suas promessas de justiça social e direitos iguais. Desenvolveu um modelo de sociedade comunal, e diferente da estrutura piramidal, onde não haveria estado, nem classes sociais e, utopicamente, todas as necessidades humanas seriam supridas. No Brasil, o comunismo chegou, no início do século XX, e, em 1922, foi criado o primeiro partido comunista (PCB), e este, guiado pela teoria científica de Marx, Engels e Lenin, procurou adaptá-las à realidade brasileira. Após a Revolução de 30, ao fim da ditadura militar, chega à legalidade e, devido a este fato, provocou uma série de novos movimentos de esquerda. As ideias socialistas de Marx não só atingiram a classe dominada brasileira, proletariado e intelectuais, mas, com muita sutileza, chegaram ao seio da Igreja Católica, fazendo adepto um corpo de profissionais religiosos, dentre eles padres e bispos, e uma camada significativa de leigos, corroborando para uma teologia de um cristianismo de libertação a nível latino-americano. Há mais de 40 anos, autores, teólogos e religiosos tomaram a frente desse novo movimento teológico. Alimentados por essa nova teologia – escrita, a partir da sua práxis –, muitos cristãos buscaram, com base na vivência concreta das Comunidades de Bases (CEBs) e na leitura de um evangelho interpretado e destinado aos pobres, cumprir a “opção preferencial aos pobres”, decorrentes dos documentos do Vaticano II e das Conferências Episcopais de Medellín (1968) e Puebla (1979). Em função disso, incomodam-nos algumas indagações acerca dessa temática que tentaremos responder, neste artigo, ao discorrer sobre o assunto, quais sejam: Por que a Igreja Católica reprovou a Teologia da Libertação, uma vez que esta – amparada por documentos oficiais da própria Igreja – procurou cumprir suas orientações pastorais desenvolvidas em encontros episcopais? O que de comunismo é possível identificar nessa Teologia? Como é possível haver contribuições à religião de um sistema político ateísta que prega, em suas origens, que a religião não faz o homem, A Teologia da Libertação e o marxismo: pontos e contrapontos
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mas é considerada como o ópio do povo? Em havendo contribuições, quais são os pontos convergentes entre a Teologia da Libertação e Marxismo? 2 A Teologia da Libertação: contexto histórico No início do século XX, aproximadamente nos anos 30, a América Latina encontra-se num período inicial da sua industrialização, a partir daquilo que chamamos de substituição das importações de produtos manufaturados pela exportação de matérias-primas, o que vai desencadear a situação de dependência e exploração, particularmente, dos Estados Unidos, sob forma daquilo que se denominou neocolonialismo ou imperialismo. Surge, então, por parte dos países desenvolvidos, uma estrutura de império econômico destes países sobre os países em desenvolvimento, cujas condições são as de que os países possuidores de matérias primas não fossem competidores no mercado industrial. Ipse facto, desencadeou a prosperidade dos Estados Unidos, grande mercado de produtos manufaturados atualmente. Com o surgimento da Revolução Cubana, em 1959, cuja luta era por um projeto de valor histórico com bases nos interesses populares, consequentemente, inspirada no espírito comunista, ocasionou o desenvolvimento de outros movimentos sociais, em prol das classes dominadas, que eram postas às margens dos direitos à igualdade e liberdade, preconizadas pelo espírito capitalista neo-liberal. São frutos desses movimentos, alguns líderes e pessoas que, ao tomarem consciência do seu estado de dependência e exploração, verdadeiras causas do subdesenvolvimento, formularam o conceito de libertação e de independência econômica e política do modelo capitalista que pretendia uma ilusão desenvolvimentista. É nesse contexto de insatisfação popular e de sua forma de resistência de classe às dominações impostas (diante do empobrecimento de muitos e da implantação das ditaduras militares ocorridas em vários países latino-americanos), que se desperta, no seio da Igreja – terreno que, segundo Maduro (1998), é “relativamente autônomo de conflitos sociais” –, o desenvolvimento de uma Teologia (denominada da Libertação), produção religiosa realizada por especialistas do trabalho religioso capazes de satisfazer os interesses subalternos, vindo de encontro às necessidades das classes dominadas. De fato, aqueles momentos exigiam, por parte dos especialistas da religião, uma nova maneira de concepção da fé, enraizada no testemunho dos cristãos da América Latina. O Concílio Vaticano II (1962-1965)1 foi, sem sombra de dúvidas, um forte instrumento teórico e força motriz para o desencadear de novos pensamentos no campo teológico da fé cristã latino-americana. Seus doEncontro de bispos da Igreja Católica entre os anos de 1962 e 1966, foi convocado pelo papa João XXIII e se encerrou com o papa Paulo VI. Foi uma tentativa de reformar a Igreja Católica e reconciliá-la com o mundo moderno. Neste Concílio, se defendeu o ecumenismo. 1
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cumentos, em especial o Gaudium Spes, corroboraram os anseios do povo cristão que buscou uma Igreja mais comprometida com as causas e injustiças sociais, e que fizesse com que a estrutura piramidal se desfigurasse e desse lugar – mesmo que por um curto espaço de tempo – a uma radicalização da cultura católica latino-americana. O movimento ocorreu da periferia para o centro. Decorrente disso, em 1974, especificamente com a publicação de Teologia da Libertação – Perspectivas, de Gustavo Gutiérrez, um jesuíta peruano, surgia a Teologia da Libertação. Daí por diante, eventos como o de Puebla e de Medellín, onde se realizaram as Conferências Episcopal da América Latina (CELAM), vieram reforçar a ideia cristã de evangelização preferencial aos pobres e, indubitavelmente, a luta em favor dos pobres e o surgimento das Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs).2 Segundo Löwy (2001), em seu livro “A guerra dos Deuses”, a origem e o desenvolvimento da Teologia da Libertação3, que ele chama, com maior propriedade de Cristianismo da Libertação - uma vez que esses pensamentos não se desenvolveram, unicamente, intra Igreja Católica, mas, também, de acordo com o autor em Igrejas Protestantes -, se deu a partir do desejo da Igreja Católica de preservar sua influência frente à ascensão de concorrentes religiosos, a exemplo do protestantismo e seitas diversas, e a concorrência política (movimento de esquerda). Na tentativa de definir a Teologia da Libertação, usamos a definição deste autor: “o produto espiritual (como sabemos, o termo vem de A ideologia alemã, de Marx) desse movimento social, mas, ao legitimá-lo, ao lhe fornecer uma doutrina religiosa coerente, ela contribuiu enormemente para sua expansão e fortalecimento” (p. 59). 3 Marxismo: contexto histórico Originalmente, o termo foi criado e adotado, a partir de uma teoria da sociedade que dá base à análise feita por Marx acerca da sociedade capitalista. Ele refere-se, portanto, às ideias e obras desenvolvidas por Marx e, posteriormente, a partir do Manifesto Comunista, uma das principais obras fundadoras do comunismo. Outros autores influenciaram e sustentaram, em suas obras, o desenvolvimento dos ideais socialistas e comunistas, O documento de Puebla denunciou as bases das injustiças e afirmou a solidariedade com a aspiração do povo “à libertação de toda servidão’, enquanto que o documento de Medelín (1968) fez a opção preferencial pelos pobres como sujeitos de sua própria história. 2
A Teologia da Libertação defende uma igreja vinculada à luta contra as injustiças sociais a partir das comunidades eclesiais de base, foi, nas décadas de 70 e 80 na América Latina de maioria católica, o grande motor político que impulsionou conquistas importantes nas lutas contra as ditaduras e na criação de movimentos políticos de relevância nacional. No Brasil, por exemplo, são frutos das comunidades de base o Movimento dos Sem Terra e o Partido dos Trabalhadores, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nos anos 90, a TL diminuiu, significativamente, a partir das investidas do Vaticano, diminuindo o poder de bispos libertadores, a exemplo de Dom Pedro Casaldáliga, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Luciano Mendes de Almeida, entre outros; e nomeando bispos de linha conservadora. 3
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tais como Engels (1820-1985), filósofo alemão que, juntamente com Karl Marx, fundou o chamado socialismo científico ou marxismo; Rosa Luxemburgo (1871-1919), filósofa marxista e militante revolucionária polonesa; Lenin (1870-1924), revolucionário russo, líder do Partido Comunista e responsável em grande parte pela Revolução Russa que aconteceu em 1917. Este autor influenciou, pela sua teoria, os partidos comunistas do mundo todo e Gramsci (1891-1937), político, cientista político, filósofo, comunista e antifascista italiano. Para o socialismo científico de Marx, a propriedade privada só existe com a apropriação da enorme diferença entre o trabalho desenvolvido pelo trabalhador e a insignificante remuneração deste pela classe dominante, isto é, o que Marx evidenciava era a exploração do homem pelo homem, prática desenvolvida pelo sistema capitalista. A visão de Marx era a de uma sociedade sem divisão de classes, onde a exploração não teria sentido e, para tal propósito, caberia ao proletariado, por meio de uma luta política, consciente e consequente de seu papel, derrubar o capitalismo. Vislumbrou o fim das classes sociais, que ele considerava como impedimento para a construção (por intelectuais) e desenvolvimento de uma sociedade real e não ideal e, preferencialmente, deveria manifestar no proletariado. Segundo Marx, não importa ao processo de criação da mais valia que o trabalho de que se apossa o capitalista seja trabalho simples, trabalho social médio, ou trabalho mais complexo, de peso específico superior. Confrontado com o trabalho social médio, o trabalho que se considera superior, mais complexo, é dispêndio de força de trabalho formada com custos mais altos, que requer mais tempo de trabalho para ser produzida, tendo, por isso, valor mais elevado que a força de trabalho simples. Quando o valor da força de trabalho é mais elevado, emprega-se ela em trabalho superior e materializa-se, no mesmo espaço de tempo, em valores proporcionalmente mais elevados. Qualquer que seja a diferença fundamental entre o trabalho do fiandeiro e o do ourives, à parte do trabalho deste artífice com a qual apenas cobre o valor da própria força de trabalho não se distingue qualitativamente da parte adicional com que produz mais valia. A mais valia se origina de um excedente quantitativo de trabalho, da duração prolongada do mesmo processo de trabalho, tanto no processo de produção de fios, quanto no processo de produção de artigos de ourivesaria (MARX, 2003, p. 230).
Após a Comuna de Paris, e em detrimento à derrubada do poder da burguesia, Marx começa a defender a abolição do Estado e o “autogoverno dos produtores associados”. Uma verdadeira revolução socialista contra o capitalismo era, para Marx, mudanças urgentes que as necessidades históricas fatalmente desencadeariam ao serem solidificadas com a doutrina socialista que prega as condições de libertação do proletariado. Em consequência à sociologia marxista, socialismo e comunismo passaram a ser sinônimos durante o século XIX, ao passo que o termo comunismo foi adotado somente após a Revolução Russa, por Lenin, no início do século XX. Em
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sua teoria, o termo socialismo havia se desgastado muito a ponto de dizer que o comunismo só seria, verdadeiramente, atingido, após uma transição pelo socialismo. Daí em diante, muitos autores, absorvendo os ideais marxista, disseminaram como vertentes do comunismo outras teorias (dentre elas algumas anárquicas), a exemplo dos comunistas libertários, os socialistas democráticos, o partido comunista de Lenin e suas cisões, o comunismo de conselho. Os efeitos históricos destes movimentos ficaram na história e a marcaram definitivamente nosso mundo: a Revolução Russa, em 1917, e a queda do Muro de Berlim, em 1989, evento este que simbolizou o fim do comunismo divulgado pela imprensa e vários pensadores modernos. Não obstante, o marxismo é revisto, sobretudo, como uma referência filosófica e política, valorizada e defendida, em partes, por muitos, dentre os teólogos da Teologia da Libertação, em pleno contexto de globalização.
3.1 Cristianismo versus Comunismo Aparentemente, ao nos referirmos ao sistema cristão primitivo, no qual os primeiros cristãos dividiam tudo o que tinham e punham em comum aquilo que possuíam, determinadas práticas idealizadas nas mensagens cristãs: “Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de cada um” (At. 2, 44-45), parecem, à primeira vista, não diferentes ao que prega o socialismo marxista. Entretanto, despindo-se de uma visão ingênua, e analisando mais profundamente esses dois extremos, percebemos, no contexto moderno, que existe, no comunismo, tão bem disfarçado de ideal socialista, uma hostilidade opus proprium agressiva ao espírito cristão. Em outras palavras, são enormes as diferenças sob o ponto de vista de ambos. Segundo o espírito cristão, o “comunismo primitivo”, na verdade, está ligado ao que chamamos de espírito voluntário, resultado de um espírito de amor vivenciado pelas primeiras comunidades cristãs, longe do espírito de liberdade, igualdade e fraternidade que o comunismo foi buscar nos ideais da Revolução Francesa que, por sua vez, inspirou-se no cristianismo. Nesse sentido, não é a mesma liberdade que os primeiros cristãos buscam em suas pequenas comunidades que o comunismo anuncia; em contrapartida, busca a coerção. Basta observarmos o comunismo da antiga união soviética, cuja ideologia de classe chegou aos excessos, excluindo a verdadeira justiça social e o espírito de amor e, ao invés do amor e da justiça social, seus interesses próprios, pois a classe que se encontra no poder não se preocupa com os demais cidadãos que são deixados de lado. Nas palavras de Filareto (2007), o comunismo Russo não cumpriu com seus ideais, pois A Teologia da Libertação e o marxismo: pontos e contrapontos
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Ao falar de sua nova ordem, de seu estado livre, o comunismo promete constantemente uma “ditadura do proletariado”. Assim, com o tempo, o dito manifesto não deu nenhum sinal da prometida ditadura do proletariado, o que existe é uma ditadura burocrática sobre o proletariado. Além de que, não há nenhuma manifestação de liberdade política sob esse sistema: nem liberdade de imprensa, reunião, nem inviolabilidade de residência. Somente os que viveram na União Soviética podem saber a violência e a intensidade da opressão que ali reina. Sobre tudo isso, impera um terror político que jamais foi experimentado antes: execuções e crimes, exílios e prisões em condições incrivelmente rígidas. Isto é o que o comunismo tem dado ao povo russo, no lugar da liberdade prometida (FILARETO, 2007, s/p).
Na visão da Igreja, em suas essências, Cristianismo e Comunismo trazem marcas ideológicas e diferenças fundamentais. Tanto é que, de uma forma obstinada, os comunistas têm aversão à fé, pois são supostamente ateus e, por isso, renunciam toda e qualquer religião. Contrariamente, torna-se uma “religião”, uma “religião fanática” e intolerante, uma “religião da terra”, enquanto que o cristianismo é uma religião do céu, preocupada com o amor, a justiça e a liberdade de todos e na verdade do Cristo. Por outro lado, a “religião comunista” é uma “religião de um pragmatismo seco e racional, que tem como objetivo de criar um paraíso terreno”, sem, contudo, preocupar-se com a questão espiritual. O pensamento ateísta de o comunismo poder ser demonstrado nas palavras de Feuerbach (apud BELLO, 1998), quando afirma que “o cristianismo se revela como uma religião enganadora porque, ao se revelar como instituição divina, busca tocar o coração do homem naquilo que considera como o “desejo de ser amado”. Segundo o autor, a religião, elo menos a religião cristã, é o conjunto das relações do homem consigo mesmo, ou melhor, com o próprio ser, visto porém como um outro ser. O ser divino não é outra coisa senão o ser do homem libertado dos limites do indivíduo, isto é dos limites da corporeidade e da realidade, e objetivado, isto é, contemplado e adorado como um outro ser distinto dele próprio. Todas as qualificações do ser divino portanto são qualificações do ser humano (FEUERBACH, apud BELLO, 1998, p. 164).
Por conseguinte, Marx (apud BELLO, 1998) acusa a religião. Segundo este autor, procura desviar a atenção dos oprimidos das condições de opressões, a fim de que estes não busquem uma “consolação terrena” e ao garantir, em suas prédicas, um poder extraordinário aos opressores. Com efeito, a crítica marxista é de cunho ateísta, principalmente porque reduz a religião a um fator social, quando assim se expressa: O homem faz a religião, mas a religião não faz o homem. E justamente a religião é a consciência de si próprio, portanto do homem que ainda não adquiriu o próprio domínio ou logo o perdeu. Mas o homem
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não é um ser abstrato, escondido fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o estado, a sociedade. Este estado, esta sociedade produzem a religião. (MARX, apud BELLO, 1998, p. 165). Em oposição a esse pensamento, Ivo Lesbaupin (2003), ao comparar marxismo e religião, e expor os pensamentos dos clássicos socialistas, diz que é preciso, primeiramente, distinguir as concepções herdadas de uma tradição que, para o autor, entendia de forma negativa a afirmação feita por Marx: “a religião é o ópio do povo”. Segundo Lesbaupin (2003), além da teoria e de um conjunto de ideias transmitida pela tradição, havia também a oposição entre as igrejas e o marxismo, e, nos países socialistas reais, o cerceamento às igrejas cristãs. Esta resistência, motivada pela teoria marxista, afirma que há mudanças de posição entre a prática e a teoria marxista no que tange à religião. Isso, na verdade, confirma que, nem sempre, segundo Maduro (1998), a religião faz parte da ideologia dominante, subentendendo que há alguns setores de igrejas que lutam comprometidos com as classes dominadas a ponto de também sofrer as possíveis repressões ou as vitórias. Segundo o ponto de vista de Lesbaupin (2003), os cristãos podem assumir uma posição revolucionária sem, contudo, perder seus preceitos e moral cristãos. Assim comenta-nos Frei Betto: “[...] a religião, sob a ótica política, não é em si mesma ópio ou remédio milagroso. Pode ser ópio ou maravilhoso remédio na medida em que sirva para defender os opressores e os exploradores ou os oprimidos e os explorados” (apud LESBAUPIN, 2003, p. 29). 5 Teologia da Libertação e o marxismo: pontos e contrapontos Com base na nossa indagação primeira de que a Teologia da Libertação apresenta alguns pontos convergentes que, às vezes, a aproxima do marxismo e, por outro lado, alguns contrapontos que a desaproxima dos ideais marxista, propomo-nos identificá-los, tendo, inicialmente, como leitura a análise da história do Cristianismo da Libertação na América Latina. Para esse fim, achamos coerente buscar em A Guerra dos Deuses, do referido autor Michael Löwy (2001), que define o produto da Teologia da Libertação como espiritual. Para melhor defini-lo, utiliza-se do conceito de Marx, ao dizer que esse produto espiritual ao ser legitimado pela Teoria da Libertação contribuiu para sua expansão e fortalecimento, ganhando, dessa forma, uma doutrina religiosa coerente, apesar ter sido muito combatida pelo Vaticano e pelo CELAM (Conselho de Bispos Latino-Americanos). Para seus defensores, a Teologia da Libertação não pode ser vista meramente como um discurso social e político; pelo contrário, ela é, na verdade, “uma reflexão religiosa e espiritual.” (p. 59). Isso quer dizer que os pobres, na nova teologia, são considerados como os agentes de sua própria libertação e sujeito de sua própria história, contraA Teologia da Libertação e o marxismo: pontos e contrapontos
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riando, portanto, a doutrina tradicional da Igreja que, per si, via os pobres como um objeto de caridade. Löwy (2001) define o cristianismo de libertação na América Latina como um corpo de textos produzidos a partir de 1970, por escritores latinos americanos. Para este autor, a melhor forma de expressar esse vasto movimento social, iniciado no começo da década de 60, é nominá-lo de cristianismo da libertação. Este movimento, por sua vez, envolveu alguns setores da Igreja, como padres, bispos e grupos de leigos a frentes de movimentos ( Juventude Universitária, Juventude Operária Cristã, Comunidades Eclesiais de Base, dentre outros) com caráter mais voltado às causas sociais que propriamente espiritual. Löwy (2001), inicialmente, questiona se, de fato, aconteceu a luta de classes dentro da Igreja e, na busca por essa resposta, apresenta-nos algumas hipóteses. Na possibilidade de uma resposta afirmativa, entende-se que certas posições correspondem aos interesses das elites dominantes e outras aos dos oprimidos, enquanto que bispos, jesuítas ou padres chefiam a “Igreja dos Pobres”. De outra forma, uma vez que estes profissionais não são identificados como pobres, é preciso considerar que a resposta seja negativa, pois os motivos que os levariam à dedicação aos pobres seriam de ordem espirituais e morais, legado adquirido pela religião, pela fé e tradição católica. A nova Teologia apresenta alguns princípios básicos que a distancia enormemente da tradição religiosa. Desse modo, podemos enumerá-los: a luta contra a idolatria, a libertação humana histórica, crítica da teologia dualista tradicional, uma nova leitura da bíblia, uma forte crítica moral e social do capitalismo, o uso do marxismo como instrumento socioanalítico, a opção preferencial pelos pobres e o desenvolvimento de comunidades de base cristãs, o que seria, para Weber, uma religiosidade soteriológica comunitária. Daí, podemos perceber a origem de determinados conceitos, tais como “trabalho pastoral” ou “libertação” “que têm um significado que é tanto religioso quanto político, tanto espiritual quanto material, tanto cristão quanto social.” (LÖWY, 2001, p. 62). O autor levanta outra hipótese de que a afinidade eletiva da Teologia da Libertação baseia-se em uma matriz comum de crenças políticas e religiosas, ambas enquanto um ‘corpo de convicções individuais e coletivas que estão fora do domínio da verificação e experimentação empíricas ... mas que dão sentido e coerência à experiência subjetiva daqueles que as possuem (LÖWY, 2001, p. 62-63).
Goldmann (apud LÖWY, 2001) faz uma comparação com o que é transcendental na religião (Deus) e a comunidade humana, que carrega um valor utópico. Por outro lado, para a cristianismo da Libertação latino-americano, a comunidade exerce valores transindividuais, o que lhe permite
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uma compreensão não só do transcendente como imanente, mas também como ético/religioso e sociopolítico. No Brasil, percebe-se claramente a influência do cristianismo de libertação, embora atinja uma minoria das igrejas latino-americanas, o que mostra que seu impacto é perceptível. Historicamente, a denúncia do regime militar e o seu forte apoio à luta de trabalhadores e à reforma agrária têm demonstrado o quanto alguns profissionais da religião – apesar de a sua maioria não ser política -, têm resistido em prol das classes menos favorecidas, buscando a garantia de seus direitos e fazendo justiça aos injustiçados. Por outro lado, dentro da própria Igreja, os movimentos cristãos revolucionários encontram resistências clericais, por parte de uma casta de conservadores são os resistentes à teologia da libertação. Thomas C. Bruneau (apud LÖWY, 2001) defende a ideia de que a Igreja Católica começou a inovar porque desejava, necessariamente, preservar sua influência. Por um lado, a perda significativa de fieis às igrejas protestantes e movimentos sectários e à concorrência política, forçou-a a compreender que era preciso voltar-se para as classes menos favorecidas e, automaticamente, buscar novas saídas para suas eventuais crises. Para esse autor, essa mudança propositadamente foi para manter as influências. Em resposta a algumas indagações, tais como: “De onde originaram orientações modificadas? Por que a Igreja já não concebia sua influência naquela mesma maneira tradicional – através de suas relações com as elites sociais, com o poder político?”, Löwy (2001) explica-nos que, segundo os sociólogos da esquerda, “a igreja mudou porque o povo ‘tomou conta’ das instituições, converteu-a e fez com que ela agisse em seus interesses”. Por outro lado, surge uma outra pergunta: “por que as classes trabalhadoras converteram a igreja à luta em favor de sua causa? (p. 68). Segundo Maduro (1998, p. 69), isso aconteceu por conta de uma certa autonomia relativa do campo eclesiástico-religioso, determinada por contextos culturais e sociais específicas à Igreja, uma vez que, sem as quais, sua abertura para o povo não pode ser compreendida. De acordo com este autor, o fato da religião desempenhar o papel revolucionário depende muito mais das condições microssociais e macrossociais objetivas nas quais os atores se encontram situados. Por conseguinte, a capacidade de uma classe subalterna de transformar suas condições de existência depende de sua aptidão para desenvolver uma visão do mundo independente e diversa da visão do mundo das classes dominantes. Maduro (1998), ao comentar sobre o papel da religião na estratégia autonômica das classes subalternas, cita-nos três níveis onde a religião pode influir, quer seja no nível da consciência de classe, quer no nível da organização ou mobilização de classe. Na opinião de Löwy (2001), há uma diferenciação entre a gênese do cristianismo da libertação e o movimento social na América Latina. Este A Teologia da Libertação e o marxismo: pontos e contrapontos
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movimento, ou seja, a Teologia da Libertação é resultado de mudanças internas e externas da Igreja, ocorridas, a partir da década de 50 e desenvolvidas a começar da periferia, mas que tomou direção ao centro da instituição. As influências do Vaticano II foram de fundamental importância, pois – ao despertar o interesse religioso para as grandes reivindicações da modernidade, por exemplo, a industrialização –, causou maior dependência e estimulou o êxodo rural, assim como as influências de Fidel Castro e Che Guevara. Não se trata de um processo de radicalização da cultura católica latino-americana que tenha começado de cima para baixo e nem de baixo para cima, mas sim da periferia para o centro. Isso porque os seus participantes eram todos das periferias opondo-se aos seus consultores, leigos-especialistas, padres estrangeiros e ordens religiosas. Estes últimos, por gozar de certa autonomia em relação à hierarquia episcopal, absorvidos pela nova teologia, preconizavam nova prática e novo pensamento teológico, levantaram-se em protesto contra o mundo da mesma forma contra as forças internas resistentes da Igreja. É bom lembrar que esse fenômeno não só ocorrera na América Latina, mas atingiu também, em proporções menores, alguns lugares da Europa e dos Estados unidos. Para Gutiérrez (apud KEPEL, 1995, p. 85), não há duas realidades (temporal e espiritual), da mesma forma que não há duas histórias (sagrada e profana). Existe tão certo uma história humana e temporal, onde, nesses dois contextos, na relação entre essas duas realidades, o plano de salvação e a implantação do reino de Deus devem ser realizados. E, para isso, segundo o autor, é preciso romper com o dualismo herdado da antiguidade grega e não apenas esperar passivamente pela redenção que, um dia, virá dos céus. A releitura bíblica contextualizada, mais especificamente, a história do êxodo, conforme Carlos Mesters e Giancarlo Oliveri (1996), ilustra uma história de luta política e religiosa ao mesmo tempo. De fato, na leitura bíblica, os pobres já não são encarados simplesmente com um olhar piedoso para o qual devemos agir de maneira caridosa, mas devem ser vistos como escravos hebraicos e, sobretudo, como agentes de sua própria emancipação. Essa releitura bíblica, de fato, vai levar a Teologia da Libertação a se alimentar dos ideais marxistas. Segundo Gutiérrez: Estimulado, em grande parte, pelo marxismo, retorno a suas próprias fontes, o pensamento teológico se orienta a refletir sobre o sentido da transformação deste mundo e a ação do homem na história. [...] Assim entendida, a teologia tem um papel necessário e permanente na libertação de toda a própria instituição eclesiástica, que impede ao crente aproximar-se de maneira autêntica da palavra do Senhor. [...] Somente uma destruição radical do presente estado das coisas, uma transformação profunda do sistema de propriedade, a chegada ao poder da classe explorada, uma revolução social, porá fim a dependência. Somente estes atos abrirão o caminho para uma sociedade diferente, a uma sociedade socialista, ou
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pelo menos torná-lo possível (GUTIÉRREZ apud KEPEL, 1995, p. 85, nossa tradução).4
De acordo com Löwy (2001), Gutiérrez – ao rejeitar veementemente a teoria do desenvolvimento e acreditar que a única solução seria uma destruição radical da situação de dominação e defender a tomada do poder pelas classes exploradas –, vê os povos desfavorecidos do continente americano como povos exilados em sua própria terra, mas que, apesar dessa situação desfavorável, quando imbuídos de uma visão, construída a partir das relações com os agentes profissionais da Igreja, estão em marcha de êxodo a caminho de sua libertação, numa jornada contínua pela independência. Podemos perceber isso, nas palavras de Oliveri (1996, p. 70), ao se referir ao projeto do povo de Deus, a partir do livro do Êxodo (15, 22-20,21), de onde ele retira a proposta e as regras para um nova economia: cada um colha quanto baste para comer (v. 16). As necessidades básicas devem ser satisfeitas para todos. Segundo essa regra, diante das exigências do mercado é um mercado que é para a minorias, segundo o modelo neoliberal de economia, só haverá libertação quando ele for voltado para a maioria. ninguém guarde para a manhã seguinte (v. 19). Não se deve acumular. A acumulação de alguns provoca a falta para outros. Segundo o autor, “falta recurso porque poucos acumulam e esbanjam demais, subtraindo o que é de todos da mesa do planeta terra. o sábado é repouso completo, um dia santo para Javé. (v. 23). Ninguém deve ser obrigado a trabalhar sem descanso, nem pela necessidade, nem pelo desejo da acumulação (OLIVERI, 1996, p. 70).
Seguindo essa mesma linha de pensamento e interpretação bíblica, em 1972, o Movimento Cristão para o Socialismo tentou elaborar, sob o apoio de dois jesuítas chilenos e um bispo, uma síntese entre o marxismo e o cristianismo, considerando que aquele contexto era o lugar propício para fazer valer a fé viva como uma verdadeira história de luta contra a opressão capitalista. Esse acontecimento, assim como outros que desencadearam no decorrer da história, fez com que, em 1984, Roma, temerosa com o crescimento dos movimentos cristão e da Teologia da Religião, publicasse, por um lado, uma Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação Estimulado em gran medida por el marxismo, devuelto a sus propias fuentes, el pesamiento teológico se orienta a reflexionar sobre el sentido de la transformación de este mundo y la acción del hombre en la historia. [...] Así entendida, la teología tiene um papel necesario y permanente em la liberación de toda la propia institución eclesiástica, que impide al creyente acercarse de manera auténtica a la palabra del Señor. [...] Sólo uma destrucción radical del presente estado de cosas, uma transformación profunda del sistema de propiedad, la llegada al poder de la clase explotada, una revolución social, pondrán fin a la dependência. Sólo estos hechos abrirán el tránsito a una sociedad diferente, a uma sociedad socialista, o al menos lo harán posible. 4
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pela Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. A TL foi considerada como uma espécie de heresia porque, segundo o documento baseava nos conceitos marxistas de liberdade e libertação cristã. O documento buscou se recuperar “alguns dos temas da teologia da libertação, mas espiritualizou-os, despindo-os de seu conteúdo social revolucionário” (LÖWY, 2001, p. 82). Por outro lado, seguido de outro documento, dois anos depois, o Vaticano parece um pouco menos relutante em relação à Teologia da Libertação, ao ponto de declarar que As “teologias da libertação” recorrem amplamente à narração do Livro do Êxodo. Este constitui, de fato, o acontecimento fundamental na formação do povo eleito. É preciso não perder de vista, contudo, que a significação específica do acontecimento provém de sua finalidade, já que esta libertação está orientada para a constituição do povo de Deus e para o culto da Aliança celebrado no Monte Sinai. Por isso, a libertação do Êxodo não pode ser reduzida a uma libertação de natureza prevalentemente ou exclusivamente política. É significativo, de resto, que o termo libertação seja às vezes substituído na Sagrada Escritura pelo outro, muito semelhante, de redenção (LIBERTATIS NUNTIUS, Capítulo IV, n. 3).
E, mais adiante, continua dizendo que Não se pode tampouco situar o mal unicamente ou principalmente nas “estruturas” econômicas, sociais ou políticas, como se todos os outros males derivassem destas estruturas como de sua causa: neste caso, a criação de um “homem novo” dependeria da instauração de estruturas econômicas e sociopolíticas diferentes. Há, certamente, estruturas iníquas e geradoras de iniquidade, e é preciso ter a coragem de mudá-las. Fruto da ação do homem, as estruturas boas ou más são consequências antes de serem causas. A raiz do mal se encontra, pois, nas pessoas livres e responsáveis, que devem ser convertidas pela graça de Jesus Cristo, para viver e agir como criaturas novas, no amor ao próximo, na busca eficaz da justiça, do autodomínio e do exercício das virtudes (LIBERTATIS NUNTIUS, Capítulo IV, n. 3).
Apoiadas na crítica da modernidade, a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs), surgidas em 1960, constituindo um pequeno grupo de vizinhos que pertencem à mesma comunidade (favela, aldeia, periferia, etc.) que se reúnem para rezar, cantar, comemorar, a partir de uma leitura contextualizada da bíblia, buscam, a partir da reflexão de sua própria experiência de vida, inseridas num mundo moderno, alguns ideais (liberdade, igualdade, fraternidade) já preconizados pela Revolução Francesa. Essa posição lhes permite uma aversão ao sistema capitalista e aos seus princípios que pregam o desenvolvimento industrial, bem como suas técnicas e inovações modernas no campo da produção, uma vez que negam esses fatores como possíveis soluções aos problemas sociais emergentes do continente latino-americano, mas uma mola propulsora da pobreza, desigualdade social, desemprego.
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Por essa razão, “os projetos desenvolvidos pelas CEBs são empreendimentos de cooperativas locais com técnicas tradicionais ou semi-modernas” (LÖWY, 2001, p.105), que empregam pouco capital, mas em contrapartida muita mão-de-obra, o que permite averiguar que as técnicas modernas são avaliadas quanto às consequências que podem causar no impacto com o trabalho humano, e não simplesmente pelos resultados econômicos que elas, respaldadas na tecnologia, poderão trazer. De fato, as CEBs buscam melhorias a partir de soluções que vêm de baixo. Antagonicamente, a crítica ao Capitalismo, na verdade, é uma herança da Igreja tradicional que a Teologia da Libertação tão bem adotou. A diferença está na força da hostilidade. Para a Teologia da Libertação sua crítica à modernidade é muito mais radical, o que a torna mais abrangente e sistemática, porque é capaz de combinar a crítica moral com a crítica marxista da exploração ao ponto de substituir a caridade aos pobres pela luta por justiça social, propondo, assim, uma economia socializada. Seus ataques ao capitalismo são muito mais contundentes, pois este é considerado como falsa religião, uma idolatria do Mercado. Em outras palavras, a crítica das comunidades de bases contra as elites latino-americanas está mais voltada às suas contradições e seus consequentes desastres da modernidade industrial/capitalista. É com base nesse contexto que a Teologia da Libertação busca uma combinação entre a interpretação da bíblia e a análise marxista, a fim de responder às “exigências da ciência e ao desafio de nossa época” (LÖWY, 2001, p.115). Este pensamento é, para a Igreja, perigoso, uma vez que alimenta ideias revolucionarias, por conta de uma afinidade entre a utopia religiosa e a socialista, buscadas na teoria marxista, capazes de conquistar um setor pequeno, mas com grande significados no interior da Igreja Católica na América Latina. 5.1 Pontos e contrapontos Em nome dessa afinidade utópica, tanto o socialismo quanto a Teologia da Libertação criticam as visões individualistas do mundo. Ambos compartilham do universalismo, dão grande valor à comunidade, criticam o capitalismo e buscam pela instauração de um novo reino, no qual funcionem a justiça e liberdade, a paz e a fraternidade entre todas as nações. E, devido a certas influências, a exemplo de Althusser, muitos teólogos da Teoria da Libertação encaram o marxismo, apesar das críticas do Vaticano, como uma ferramenta capaz de proporcionar o conhecimento da realidade dos povos da América Latina. Tanto para aqueles que vivem às margens dos grandes centros (desempregados, pobretariados) quanto os poucos que vivem no campo, reféns da tecnologia e excluídos do sistema produtivo. A Teologia da Libertação e o marxismo: pontos e contrapontos
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A opção preferencial pelos pobres, preconizada nos documentos de Medellín (1968) e Puebla (1979), foi, sem dúvida, um despertar para a ação social (BRITO, 2010), uma estratégia de conciliação e comprometimento com a organização e luta das populações pobres em busca da sua libertação, que os teólogos da libertação souberam tão bem aproveitar, a fim de dar início a uma nova forma de organização e de luta em favor das populações desfavorecidas. Löwy (2001) demonstra que a luta contra a pobreza é o ponto de convergência entre o pensamento marxista e a Teologia da Libertação, principalmente quando esta procura entender as causas da pobreza. Segundo Gutiérrez (apud Löwy, 2001), “não odiamos nossos opressores, nós queremos libertá-los também, libertando-os de sua própria alienação, de sua ambição, de seu egoísmo – em uma palavra, de sua desumanidade” (p. 125). Para ambos, a pobreza é produto de um capitalismo dependente, que controla a economia e faz gerar a miséria para a maioria e a riqueza desproporcional a uns poucos privilegiados. Apesar do cristianismo da libertação utilizar, por um lado, do socialismo como forma de mediação para a renovação teológica, e servir-se das críticas marxistas em relação à igreja e às suas práticas religiosas e sacralizantes de algumas ações e mensagens que servem à ideologia dominante, o autor deixa claro que, por outro lado, rejeitam a filosofia materialista, a ideologia ateísta e a tendência econômica do marxismo. Para Löwy, “o cristianismo da libertação, inspirado, em primeiro lugar, por considerações religiosas e éticas, demonstra uma anticapitalismo muito mais radical, intransigente e categórico e, para alguns, até serve de inspiração ao socialismo”, embora “não se dê, atualmente muita ênfase ao relacionamento entre o cristianismo da libertação e o marxismo” (2001, p. 134). Esta ênfase ao marxismo foi, sem dúvida, a preocupação constante da Igreja Católica, deixando-a insegura quanto à sua posição em relação à Teologia da Libertação. Apesar de o Comunismo ser combatido pela Igreja Católica desde a sua excomunhão decretada pelo Papa Pio XII, logo após a Segunda Guerra Mundial, percebe-se que ainda restou, na América Latina, certa convergência surpreendente do cristianismo e do marxismo, “durante os últimos trinta e cinco anos – especialmente através da teologia da libertação – foi um dos fatores mais importantes de transformação social na história moderna do hemisfério” (LÖWY, 2001, p. 112). A doutrina social da Igreja tem rejeitado as ideologias totalitárias e atéias dos tempos modernos que, muitas vezes, são associadas ao socialismo ou comunismo. Por outro lado, até mesmo o capitalismo, apesar da aparente aceitabilidade, é constantemente acusado de proporcionar o individualismo e a desmedida lei do mercado sobre o trabalho humano, sem, todavia, a consolidação da justiça social. A Igreja concebe, pois, em sua
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doutrina social a necessidade de “levar os homens a corresponderem, com o auxílio também da reflexão racional e das ciências humanas, à sua vocação de construtores responsáveis da sociedade terrena” (SOLLICITUDO REI SOCIALIS, 1987, p. 1). A Teologia da Libertação ou o Cristianismo de Libertação tentou, e ainda tenta, corresponder com a realidade existencial, particularmente, dos povos da América Latina, onde o desafio moral da pobreza e da opressão se apresentava de uma maneira inevitável, ao mesmo tempo em que a Europa e a América do Norte tinham atingido uma afluência até então desconhecida. Esse desafio evidentemente exigia respostas novas que não podiam ser encontradas na tradição existente. Essa situação teológica e filosófica foi um convite formal para que se buscasse uma resposta em um cristianismo que se permita ser guiado pelos modelos de esperança, baseados na ciência, propostos pelas filosofias marxistas (GUTIÉRREZ, apud LÖWY, 2001 p. 114-115).
Segundo Oliveri (1996), em sua obra Bíblia: da vida à palavra, quando há exploração, uma posição de força para reduzir o outro a objeto de exploração, é sinal de que o pecado reina. E, nesse caso, precisamos, a partir das experiências da vida, buscar na tradição bíblica a origem da situação do pecado, contrária ao projeto de Deus, qual seja, as relações de opressão e de exploração, impedindo, assim, a fraternidade dos homens. Assim, expressa-se o autor, ao referir-se a passagens do gênesis e ao pecado original:
Neste sentido o texto do Gn. 3 é realmente a REVELAÇÃO DO ANTI-PROJETO DE DEUS: é o PODER (no caso o ESTADO) que se serve da RELIGIAO (serpente), associada à exploração do que há de mais sagrado na origem da vida (SEXO, culto da fertilidade) para EXPLORAR os mais fracos, tirando do LAVRADOR o produto do solo e da MULHER o produto de seu ventre. Como vencer este pecado tão universal? O Antigo Testamento mostra o caminho dos profetas: denunciar a opressão, que para os profetas se identifica com a IDOLATRIA (porque não respeita Javé, o Deus da Aliança) e com a PROSTITUIÇÃO (porque adulteram as relações humanas, sobretudo as relações sexuais entre homens e mulheres, que se tornam também relações de EXPLORAÇÃO). (OLIVERI, 1996, p. 34-35, negritos do autor).
Em conformidade com Boff (AGÊNCIA BRASIL, 2007), Libanio (2001) vislumbra o futuro de uma igreja da Libertação, segundo ele, um cenário onde a Igreja é vista como práxis libertadora. A Igreja da América Latina desde os idos de Medellín vem, dia após dia, se reforçando, aprofundando sua opção preferencial pelos pobres, pela sua causa. Consoante aos novos tempos, essa igreja continuará avançado, apesar de todas as modificações de um mundo secular, “não será uma entre outras opções”, mas chega a considerá-la como o “eixo estruturante de toda a Igreja”. De acordo com ele, esta Igreja libertária A Teologia da Libertação e o marxismo: pontos e contrapontos
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atravessará a fé, as expressões dogmáticas, dando-lhes nova compreensão. Deixá-las-á intactas na ortodoxia, mas formulará novas interpretações. Deslocará a centralidade da moral sexual e familiar para o campo social. Ao introduzir o pobre na Igreja, produzirá mudanças profundas em sua organização. As estruturas paroquiais pesadas serão substituídas pelas ágeis comunidades de base. (LIBANIO, 2001, p. 91).
Segundo Leonardo Boff (AGÊNCIA BRASIL, 2007), as possíveis palavras a serem proferidas por Bento XVI5 em relação à Teologia da Libertação resumir-se-á em não politizar demais a igreja, fazer algumas advertências enquanto pastor, tentar ajustar as práticas dessa igreja da libertação às diretrizes já escritas nos documentos de Medellín (1984), o qual ele considera negativo e o de Puebla (1986), segundo ele, positivo. Para ele, a teologia da libertação já é algo resolvido: O papa já considera uma coisa resolvida. A Igreja já disse o que tinha que dizer e pronto. O que ele poderá fazer aqui e acolá é alguma advertência. Mas eu acho que se tem que reconhecer que essa é uma teologia eclesial, ajuda os fiéis e torna a igreja mais encarnada. E isso foi constatado estatisticamente. Onde existe comunidade de base, pastoral social, Teologia da Libertação, saem muito menos católicos para outras igrejas (AGÊNCIA BRASIL, 2007).
Nesse contexto de secularização, a Igreja Católica, por mais que tente resistir às exigências da diferenciação, não consegue manter-se indiferente às causas sociais emergentes de uma sociedade plural e desigual, tanto econômica quanto culturalmente. Daí, sua postura, às vezes, maleável (no entanto, às vezes retrógrada e inflexível) em relação às práticas de uma Teologia Libertária. Indubitavelmente, a Religião deve pôr, em relação, em si mesma, decisões especificamente religiosas e não religiosas, e pô-las ambas em relação tanto com o ambiente social interno como com o ambiente interno do sistema religioso, ou seja, tanto com os membros como com os não membros, à medida que estejam religiosamente bem dispostos.’ Toda decisão comporta uma relação que pode assumir características bastante diferenciadas. As opções se multiplicam e a dimensão religiosa de base se dilui no magma das situações possíveis, não facilmente controláveis e justificáveis. (CIPRIANI, 2007, p. 307-308).
6 Considerações Finais Ao elaborar certas “Instruções” ao clero e fieis leigos membros do Movimento Libertário Cristão, de modo especial, à sua Teologia, a Igreja Católica tenta coibir eventuais distorções doutrinárias, ou seja, tudo o que se opõe à Sã doutrina Católica, a exemplo da ameaça que a Teologia da Libertação significa quando, em sua literatura e suas práticas, deixa trans5
Artigo escrito prestes e durante a visita do Papa Bento XVI ao Brasil, em maio de 2007.
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parecer alguns ideais marxistas, contrários à hegemonia e ideologia dominante da Igreja. De outra forma, como podemos observar, a autonomia religiosa ou uma visão de mundo diferente e oposta à visão hegemônica do mundo não basta para que uma classe chegue a tornar-se religiosamente autônoma em relação às classes dominantes. É imprescindível que, segundo Maduro (1998), “essa visão religiosa do mundo – além de ser diversa e oposta à hegemonia – a faça perceber-se como classe subalterna em oposição às classes dominantes e desejosa – capaz – forçada a superar a sua própria condição subalterna, transformando as relações de dominação” (p. 180). Em contrapartida, essa autonomia não é possível sem, antes de tudo, inovações religiosas que se constituam como um elemento dinamizador da autonomia religiosa de uma classe subalterna que, por sua vez, consiga conservar certa continuidade com as suas tradições e com as tradições religiosas, e uma certa ruptura com as tradições religiosas hegemônicas. Enfim, de acordo com Maduro, acerca da eventual função revolucionária dos sistemas religiosos, “toda igreja [...] abriga em seu seio conflitos tais que seu desenvolvimento pode, sob certas circunstâncias, favorecer processos religiosos com funções sociais não conservadoras e até revolucionárias” (MADURO, 1998, p. 188). Seguindo esse pensamento, tentamos mostrar que existem alguns pontos que, para nós, são chamados de convergentes entre a Teologia da Libertação e as ideias marxistas pari passu a outros que, naturalmente, se contrapõem. A partir desse pressuposto e da análise feita entre a compreensão da literatura da Teologia da Libertação e alguns documentos católicos, pudemos perceber que, de fato, segundo Löwy (2001), há afinidade entre o espírito messiânico e um espírito revolucionário. A Teologia da Libertação e os ideais marxistas baseiam-se, “enquanto um ‘corpo de convicções individuais e coletivas que estão fora do domínio da verificação e experimentação empíricas [...] mas que dão sentido e coerência à experiência subjetiva daqueles que as possuem” (p. 62). Seguindo essa linha de raciocínio, alguns princípios básicos da Teologia da Libertação, além de distanciá-la da tradição religiosa e, em certos casos, aproximá-la do marxismo, acabam, paradoxalmente, contrapondo-se aos ideais socialistas de Marx que pregam a “aversão à religião”, isto é, um espírito ateísta, originado desde os primórdios do desenvolvimento da literatura socialista e comunista. Por outro lado, quando a TL, em seu primeiro princípio básico de seus preceitos a “luta contra a idolatria”, e, entre parênteses (não o ateísmo), deixa-se compreender que aquilo que, significativamente, distancia o cristianismo do marxismo, na nova teologia, não seria ponto, a princípio, de entrave ou contraponto ou, em outras palavras, uma barreira intransponível. Assim, ao travar luta contra o seu inimigo principal (Capitalismo) da religião, a Teologia da Libertação opõe-se, sobretudo, aos princípios católicos. A Teologia da Libertação e o marxismo: pontos e contrapontos
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Enquanto os ideais cristãos e, sobretudo, a “opção preferencial pelos pobres” (desenvolvida em Puebla e Medellín), a partir do desenvolvimento de Comunidades de Bases Cristã, em sua essência, estão preocupados com o bem comum; ou melhor, com aquilo que Weber (apud LÖWY, 2001) chamou de “religiosidade soteriológica comunitária”, uma busca pela sua auto-libertação, os ideais marxistas preocupam-se, todavia, com os “despossuídos”, enquanto classe que poderá ascender-se, unicamente, através da força bruta ou de uma revolução mais contundente; daí sua pretensão coerciva. De qualquer maneira, a nosso ver, seja do ponto de vista da Teologia da Libertação seja do marxismo, existem mais pontos convergentes que contrapontos, pois, ao fazer “opção preferencial pelos pobres”, ambos, TL e Marxismo, deixam evidentes as suas pré-disposições em favor da luta contra as injustiças, em prol dos menos favorecidos, ou seja, os pobres e suas aversões ao capitalismo. De um lado, a Teologia da Libertação acaba contradizendo alguns princípios da doutrina católica, quando busca uma antecipação da salvação de Cristo e implantação definitiva do seu reino, a partir da libertação histórica consequente à interpretação bíblica, ao comparar enxertos, tais como a história do livro do Êxodo (a luta de um povo escravizado), com os acontecimentos históricos da modernidade, o que provocou preocupação teológica nos átrios do Vaticano. De outro, ao desenvolver uma forte crítica (moral e social) ao capitalismo, enquanto sistema injusto e iníquo, aproxima-se da crítica católica; todavia, distancia-se da tradição católica, ao unir essa crítica com o pensamento marxismo e tê-lo como instrumento socioanalítico, a fim de entender as formas de organização e luta de classes e o espírito do capitalismo. Ao mesmo tempo em que alimenta as Comunidades de Base Cristãs entre os pobres, desenvolvendo, portanto, uma nova forma de ser Igreja, uma “Igreja Libertária”, inspirada por um espírito missionário e revolucionário, contrária ao modo de vida individualista do sistema político capitalista. Resta-nos, portanto, a fronte, esperarmos, dos bispos que se encontram6 reunidos em Aparecida, as decisões e inovações acerca do futuro da Igreja da América Latina e, certamente, o futuro da Teologia da Libertação, mais especificamente, o futuro da “Igreja Libertária”. A eles cabe, pois, buscar as formas de como a Igreja deve agir, reagir e responder aos desafios da pobreza e da miséria, impostos pelos problemas sociais e políticos da América Latina. Segundo Bento XVI, “tanto o capitalismo como o marxismo prometeram encontrar o caminho para a criação de estruturas justas e afirmaram que estas, uma vez estabelecidas, funcionariam por si mesmas; [...] E esta promessa ideológica se demonstrou como falsa. Os fatos evidenciaram isso” (CELAM, 2007). Trata-se do V Encontro Episcopal dos Bispos da América Latina e do Caribe (CELAM), reunidos, no momento de escrita deste artigo, em Aparecida, São Paulo. 6
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7 Referências BELLO, A. A. Culturas e religiões: uma leitura fenomenológica. Bauru, SP: EDUSC, 1998. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1998. BRITO, Lucelmo Lacerda. Medellín e Puebla: epicentros do confronto entre progressistas e conservadores na América Latina. In: Revista Espaço Acadêmico, n. 111, agosto de 2010, p. 81-89. CELAM. Discurso do Papa Bento XVI. Sala das Conferências. Santuário de Aparecida, 13 de maio de 2007. Disponível em: <http://www.vatican. va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2007/may/documents/hf_ben-xvi_ spe_20070513_conference-aparecida_po.html>. Acesso em: 15 ago. 2007. CIPRIANI, Roberto. Manual de sociologia da religião. São Paulo: Paulus, 2007. FILARETO, Metropolita. In: Ecclesia. Disponível em: <http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/miscellaneous/cristianismo_e_comunismo.html>. Acesso em: 150 nov. 2007. KEPEL, Gilles. La Revancha de Dios. Cristianos, Judíos y Musulmanes a la reconquista del mundo. Madrid: Anaya & Mario Muchnik, 1995. LEONARDO BOFF FALA SOBRE BENTO XVI, Catolicismo no Brasil e Teologia da Libertação. In. Agência Brasil. Disponível em: www. agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/05/09/materia.2007/05/09/materia.2007-05-09.0917703181/view. Acesso em 10-07-2007. LESBAUPIN, Ivo. Marxismo e Religião. In: TEIXEIRA, Faustino (Org.). Sociologia da religião: enfoques teóricos. Petrópolis: Vozes, 2003. LIBANIO, João Batista. Cenários da igreja. São Paulo: Loyola, 2001. LIBERTATIS NUNTIUS: Instruções sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação. In: Apologética católica. Disponível em: www.geocities. com./apologeticacatolica/libertat1.html. Acesso em 05-01-2007. LÖWY, Michael. A guerra dos deuses: a religião e política na América Latina. Petrópolis: Vozes, 2001. LÖWY, Michael. Marxismo e religião: ópio do povo? In: BORON, Atílio; AMADEU, Javier; GONZALEZ, Sabrina. A teoria marxista hoje: problemas e perspectivas. Argentina, 2007. MADURO, Otto. Religião e luta de classes. Petrópolis: Vozes, 1998. MARX, Carl & ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes, 1996. MARX, Carl. O capital. Vol. I. São Paulo: Abril Cultural, 2003. MOREIRA, Alberto da Silva. A noção de campo religioso em Pierre Bourdieu: a partir de P. R. de Oliveira. Texto resumo esquemático utilizado em sala de aula. 2007. A Teologia da Libertação e o marxismo: pontos e contrapontos
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MORTE DO PAPA REACENDE A ESPERANÇA PARA A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO. Disponível em: <http//www.adital.com.br/ site/noticia.asp?lang=PT&cod=15958>. Acesso em: 04 maio 2005. OLIVERI, Giancarlo. Bíblia: da vida à palavra. Tupi Paulista: Novas Formas Editorial, 1996. PALAVRAS DO PAPA BENTO XVI NA SESSÃO INAUGURAL DA V CONFERÊNCIA. Disponível em: <http//www.celam.info/content/view/188/249/>. Acesso em: 15 maio 2007. REDEMPTORIS MISSIO. In: Vatican. Disponível em: <http// www.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_ip-ii_ enc_07121990_redemptoris-missio_po.html>. Acesso em: 05 jan. 2007. SOLLICITUDO REI SOCIALIS. In: Vatican. Disponível em: <htttp//www.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_ip-ii_ enc_30121987_sollicitudo-rei-socialis_po.html>. Acesso em: 05 jan. 2007.
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Literatura
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POESIA, OLHAR, MEMÓRIA, VISUALIDADES Poetry, look, memory, visualities
Rodrigo da Costa Araújo UFF/FAFIMA Artigo recebido e aceito em 25 de outubro de 2014
Resumo Este ensaio trata de uma leitura, centrada no aspecto da visualidade presente do diário de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), intitulado O Observador no escritório (1985). Metonimicamente, de dentro desse espaço o eu-observador se encena e se constrói, aos olhos do leitor - coloca-se como um ser que efetivamente observa e se deixa observar. Assim, esse “eu escrito”, observador sensível, irônico e perspicaz, pretende fazer do eu narrativo, nesse diário, um sujeito questionador e participante, buscando emoldurar um retrato, enquadrando-se em instantâneos como em cenas ou recortes fotográficos, pedaços, fragmentos de uma imagem que não se deixa capturar por inteiro, mas totalmente fragmentário e lacunar. Palavras-chave: Carlos Drummond de Andrade. Visualidade. Diário Abstract This essay is a reading focusing on this aspect of the visual diary of Carlos Drummond de Andrade [1902-1987], entitled The Observer Office (O Observador no escritório) (1985). Metonymically, from within this space the self-observer is staged and built, in the eyes of the reader - arises as a being who actually observes and lets see. Thus, this self written, sensitive observer, ironic and insightful, I want to make the narrative, in this diary, a fellow participant and questioning, seeking to frame a picture, fitting into scenes as snapshots or photographic cutouts, pieces, fragments an image that does not let you capture in full, but quite fragmentary and incomplete. Keywords: Carlos Drummond de Andrade. Visual. Diary
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I DE PACTOS E APROXIMAÇÕES [...] escreve-se para salvar a escrita, para salvar sua vida pela escrita, para salvar seu pequeno eu (as desforras que se tiram contra os outros, as maldades que se destilam) ou para salvar seu grande eu, dando-lhe um pouco de ar, e então se escreve para não se perder na pobreza dos dias ou, como Virginia Woolf, como Delacroix, para não se perder naquela prova que é a arte, que é a exigência sem limite da arte. [Maurice Blanchot]
Os estudos de Philippe Lejeune em O Pacto Autobiográfico (2008) situam o diário íntimo em proximidade muito estreita com a autobiografia, relato retrospectivo, em prosa, que faz uma pessoa de sua existência, destacando sua vida individual e, particularmente, a história de sua personalidade. Na definição de autobiografia, para este estudioso francês, o que diferencia a ficção de autobiografia não é a relação que existe entre os acontecimentos da vida e sua transição no texto, mas o pacto implícito ou explícito que o autor estabelece com o leitor através de vários indicadores presentes na publicação do texto que determina seu modo de leitura. Nesse clássico livro (1975), Philippe Lejeune define essa espécie de pacto como uma relação de identificação entre o autor real e o protagonista, identificação essa que engendra, por parte do leitor, uma atitude de confidente. Em narratologia, a expressão “pacto narrativo”, ou pacto de leitura, designa o contrato que todo enunciado- no caso aqui o diário de Drummond - supõe acontecer entre o emissor e o receptor, vale dizer, entre o sujeito da enunciação, ou narrador, e o narratário, ou entre o autor, o texto e o leitor; tal acordo implica nas regras que presidem a realização do enunciado, tais como, questões do gênero, tipo, forma etc. Segundo Maurice Blanchot, o diário íntimo, por mais livre de forma que aparente ter, está subjugado a uma cláusula irrevogável: o respeito ao calendário (BLANCHOT, 2005, p. 270). Para ele, escrever um diário íntimo é colocar-se sob a proteção dos dias comuns; em consequência, o que se escreve se enraíza no cotidiano e na perspectiva que o cotidiano delimita. Referindo-se à “narrativa”, Blanchot assinala que esta se distingue do diário por tratar daquilo que não pode ser verificado, daquilo que não pode ser objeto de uma constatação ou de um relato. Acrescenta Blanchot que o diário é uma empresa de salvação: “[...] escreve-se para salvar a escrita, para salvar sua vida pela escrita, para salvar seu pequeno eu (as desforras que se tiram dos outros, as maldades que se destilam) ou para salvar seu grande eu, dando-lhe um pouco de ar” (BLANCHOT, 2005, p. 274). De qualquer forma, o diário de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), intitulado O Observador no Escritório (1985) assume, ao ser Poesia, olhar, memória, visualidades
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lido nesse ensaio, esses mesmos olhares, coloca-se na fronteira entre o relato verídico, referencial dos fatos acontecidos e o registro/olhar. Mas é justamente na tentativa impossível de captura desse eu como unidade que reside a busca de captação do tempo presente no registro diarista. Aí, ao lado da tentativa de emoldurar o eu em O Observador no escritório, - esse eu irônico, atento, solitário, insistente -, dá-se a tentativa de apreensão do presente narrativo, também ele deslizante e inexistente, porque sempre passado, sempre lido em outro tempo. De dentro do espaço - o significante “escritório” - o eu-observador, sujeito narrativo se encena e se constrói, aos olhos do leitor - coloca-se como um ser que efetivamente observa e se deixa observar. Assim, esse “eu escrito”, observador sensível, irônico e perspicaz, pretende fazer do eu narrativo, nesse diário, um sujeito questionador e participante, buscando emoldurar um retrato, enquadrando-se em instantâneos como em cenas ou recortes fotográficos, pedaços, fragmentos de uma imagem que não se deixa capturar por inteiro, mas totalmente fragmentário e lacunar. II O EU E A EXPERIÊNCIA DO OLHAR Desmembrado-se do próprio título ou paratexto que nomeia o livro (O Observador no Escritório) pretendemos centrar-se no olhar1 como elemento significativo e metáfora para se lê o diário íntimo. Com esse intuito, essa leitura, também, terá apoio em outros sentidos semânticos que a palavra carrega: “olhar”, “observar”, “contemplar”, “mirar”, todas, de certa forma, darão ideia do avanço da leitura enquanto busca do eu. Percorrendo esse recorte, ampliam-se, também, os sentidos do significante “escritório”, extrapolando o espaço fechado e reservado, para ecoar a rua, a avenida, ou mesmo, a janela, sem perder, contudo, as nuances entre espaço interior e exterior, entre aspectos individuais e locais, entre o passado registrado e o presente narrativo. O olhar, lançado e lance de escrita, a partir desse viés, assume os próprios mecanismos do discurso da escrita do eu, das lembranças e exercícios retóricos no diário de Drummond. Assim, o pacto com o leitor se torna efetivo, o diário, pela escrita, se quer mirar, recortar, perceber, mapear; e o olhar parece aspirar à cena. Juntos, olhar e narrar, realidade e fatos cotidianos perdem seus limites, eles se interpenetram e a linguagem do diário ganha as suas franjas, de veludo e de algodão, como diria o velho Bruxo de Papéis Avulsos. O título, nesse caso, contribui com isso porque, ao nomear,designa e produz, instiga e desperta, cria o livro ou, melhor dizendo, o resumo que legitima o enredo; o texto-fronteira, mais precisamente, o peritexto2 segundo Gerard Genette (1982) - ele institue como um dos discursos fundadores do livro, um verdadeiro ato de linguagem. O título põe à prova, para além
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de uma semântica do título, uma recepção - como, aliás, todo paratexto -, ganhando em ser lido nesta dimensão. Ele é um índice, um resumo e uma fórmula para uma rede de relações na obra. O significante “observador” condensa, desde já, o investimento de descoberta, procura, angústia de vencer obstáculos, semântica que marca um considerável número de fragmentos. É por esta relação do diário com a visualidade (metonimicamente) que se costuma dizer que o olhar é um dos elementos fundamentais do exercício da sedução. E, portanto, acompanhando esse percurso de jogo de imagens, que o eu e o leitor se põem em cena. O olhar, nesse caso, colado à escrita, caminha lado a lado mapeando percursos, precrustando cenas, enquadrando ângulos. Ele - olhar - permite refletir: o que é o gesto do registro diarístico senão um olhar que se volta para o episódio, na tentativa de fixá-lo? III EXPLICAÇÕES DO EU Depois de oito anos escrito, vindo a tona pelo próprio autor, o livro O Observador no Escritório (1985) reúne páginas de diários, anotações, fragmentos colados à deriva, registros do cotidiano de Carlos Drummond de Andrade datados de 1943 a 1977. Nele, o enunciador e observador lança diversos olhares, constrói-se ao mesmo tempo narrador e protagonista, e, como uma rede, tece o fio da História, intertexto político da época, com pouca sequência e encadeamentos dos acontecimentos, o que traz registros para percebemos posturas e interesses, dissimulados por uma escrita marcadamente irônica, contextualizada com fatos e alusões. O tempo histórico, nesse percurso de trinta e quatro anos de registros, é, sobretudo, fixado por retrospectiva muito pequena, obedecendo à ordem da sucessão de comentários, pensamentos, vivências e fatos marcantes. Entretanto, o discurso marca climas de tensão entre os olhares da condição do homem, mais especificamente desse observador plural cindido entre ver e registrar, discurso político e cotidiano, entre o passado e o presente, o moderno e o tradicional e a condição como ele vê, sente e se percebe nesse momento. O discurso nesse caso, acompanhando o olhar girante e movente da época, passeia entre as ansiedades do eu e do outro, do espaço íntimo do escritório e do espaço social da rua, como também, dos acontecimentos cotidianos. Apesar de onde enuncia e observa, o eu não configura um enunciador passivo, descompromissado com o olhar crítico do momento, pelo contrário, percebe-se, ao longo dos acontecimentos, o engajamento em ideias e possibilidades que inspiram justiça e transformação do cenário nacional. Datados particularmente entre o Estado Novo e a ditadura militar, os fragmentos do diário não só procuram relatar a emergência do eu ao nível do Poesia, olhar, memória, visualidades
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discurso, mas também a representação de um percurso crítico através de fatos e recriação em que a escrita registra e tenta capturar. Mais que registrar essa constatação, é interessante a preocupação do escritor em discutir quando e como as ideias de país e noções de paisagens perpassam os prefácios3 logo no início: Durante anos, como tanta gente, mantive um diário e, como tanta gente, acabei por abandoná-lo. Ao lado de anotações pessoais, registrava nele, com freqüência irregular, fatos políticos e literários que me interessavam. [...] Reunindo-os em livro, acrescentei-lhes outros, até agora inéditos. Se os leitores encontrarem nestas páginas o eco de um tempo abolido, terei resgatado a minha nostalgia e fornecido matéria para conversa de pessoas velhas e novas. CDA [Prefácio].
Diferente de um olhar narcisista, como em muitos diários, esse fragmento introdutório e metalinguístico, assume configurações de paisagens brasileiras e subjetivas, representa a escolha e seleção do que lembrar, recortar, ordenar, fixar-se e, em sua composição, retrata um painel de temas histórico-culturais e literários no confronto com os registros pessoais. Implodem, nessa perspectiva, as representações da história e do eu como uma narração fragmentada, reescrita, colhida de vários momentos e ordenada cronologicamente segundo algumas escolhas, questionando, de fato, os princípios da ordem cronológica. Com esse gesto, fragmentário e lacunar, o enunciador sugere, também, imagens significativas e não um percurso. Essa especificidade de forma de lembrar e compor, que designa saltos e recortes inovadores, ou mesmo junção ou emissão, estabelece ao leitor desde já, um processo de significação baseado na semelhança repentinamente percebida, pelo autor e leitor, entre o recorte de jornal, o acontecimento político, o instante do flash, ou mesmo uma imagem no meio da rua ou percebida no passado. Episódios que podem surgir distantes na cronologia e serem mesmo temas para produção poética do escritor. É importante considerar, no entanto, que a história e temporalidade não são negadas nesse diário e processo linguístico, mas se concentram no próprio objeto de recordação com o tempo, isto é, constitui-se uma relação intensa com o tempo e o tempo no objeto, e não a sujeição a uma ordem exterior, geral e universal, importa aos objetos e recortes particulares. Dito de outra forma, em vez de procurar a ordenação de um percurso e produção, o escritor deixa claro que inseriu outros fragmentos, reconstruindo, assim, outra imagem a respeito do tempo e espaço, traçando outras singularidades para seu percurso pessoal. Isso permite dizer, que o leitor, também, poderá percorrer essas páginas, realizando percursos semelhantes, assumindo outras orientações de leitura dos fragmentos, traçando e trançando poesia e diário, história e literatura, sintetizando tempo e espaço – assumindo, de qualquer jeito, perfis de conversa, buscando o tempo perdido não na lógica do tempo linear, mas no plano espacial dos fragmentos que se entrecruzam, se superpõem,
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se refletem ou se apagam iluminando leituras ou ideias. Por isso, o método de crítica ou pedagogia de leitura e busca desse eu, centra-se no gesto (AGAMBEN, 2007), nas marcas, nos apagamentos, nas rupturas, mas acima de tudo, nos desvios: desvio da linearidade e composição do texto e do tempo e, consequentemente, da causalidade da narração sucessiva inerentes a concepção historicista, desvio para o salto, para a inter-relação entre imagens e fragmentos, recortes, alguns gestos, textos literários ou crônicas, poesias ou cartas, a construir um painel do “observador” com base em roteiros de leitura. A finalidade dos dois prefácios, portanto, esclarece e ajuda a traçar esse eu que aparece no diário, escondido no escritório e explicado nos desdobramento de seus registros. IV CENAS E ENTRECENAS DO OLHAR O ritmo e a velocidade da narrativa são indicados por alterações, por ironia fina e sutil, citações e fatos históricos, em elipses que marcam o descompasso do comportamento do enunciador e as atitudes políticas, as discussões atuantes de um texto que espelha um Drummond ativo, mas também solitário e evidente em descrições de paisagens que instauram uma absoluta lentidão, como se quisesse singularizar o cotidiano, o olhar crítico e o lirismo quando descreve seu passeio com o cachorro Puck: Novembro, 11 - Longo passeio por Ipanema, com cachorrinho Puck, à tarde. Ruas que há muito tempo não via, nesta vida presa de Ministério, mas a que estão ligadas lembranças. Aqui uma entrada de vila humilde, mais além um terreno baldio, roupas secando ao sol, latas velhas e paz de ambiente rural. Pequenas residências que gostariam de ser elegantes; pequenas vidas apagadas. E pequenos edifícios de apartamentos - dois, três andares. Num, ao fundo, roupas expostas à vista do transeunte. Uma sacada entreaberta, sem ninguém para dar testemunho de vida. Tudo banal, sem a emoção de outros tempos. Meu companheiro, cansado, deixa pender a cauda (DRUMMOND, 1985, p. 16).
Nesse registro, o narrador, entre melancolia e descrição, como efeitos cinematográficos que ondulam aproximações e distanciamentos da cena, aproxima o zoom perto de paisagens que surgem no espaço da rua, mas que, ao mesmo tempo, remetem à calmaria e ao espaço rural. Entre Ipanema e o espaço público, no entanto, escondem-se subtextos de um discurso centrado no sujeito de interiores, lembranças que se prolongam na escrita e delicadeza da cena. De fato, esse pequeno fragmento, se correlacionado às crônicas ou a alguns poemas, torna-se indicador da especial preocupação do poeta, da força das imagens criadas pela poesia para o desenho do país, do homem, da paisagem. Além desse fragmento, outra paisagem que se busca, diferentemente, da República Velha, é a cidade enquadrada na prática da ordem, esconPoesia, olhar, memória, visualidades
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dida sob o discurso higienista, porque no Estado Novo as instituições são objetos da reforma moralizante e autoritária em nome do novo e do moderno. Com essa filosofia, delimita-se o olhar centrado e enquadrado por expressões como “método”, “disciplina”, “reorganização” tudo convergindo para os princípios e “plano político da nação”. O incentivo às artes, marcadamente presente nas citações à Portinari, nesse diário, indica muito mais uma aparência de uma política artística do que preocupações significativas com a cultura. Nesse mesmo período, em 14 de março de 1945, o diarista, cansado de tantos embates e discordâncias, esclarece: Deixei ontem meu posto no gabinete de Capanema. Desfecho natural da situação criada pela volta das atividades políticas no país. [...] E me vejo perplexo no entrechoque de tendências e grupos, todos querendo salvar o Brasil e não sabendo como, ou sabendo demais (DRUMMOND, 1985, p. 25).
Além dessa postura do escritor e como consequência desse processo extremamente conturbado e conflitante da época, vem à tona, segundo Carmem Lúcia Negreiros de Figueiredo, o jogo paradoxal e a vivência dolorosa entre o antigo e o moderno, tipicamente da cultura brasileira, segundo a professora. No entanto, o clima de modernização e o embate contra o Estado Novo, fizeram de Drummond um escritor participativo nas decisões da Associação Brasileira de Escritores [ABDE] cujas atividades marcaram o seu posicionamento político contra a ditadura. Diferentemente de um mero observador, o eu que se processa agora, participa criticamente, ainda que de forma tênue, contra as arbitrariedades do governo no exercício do poder: [...] Fala-se na pressão dos elementos ditos liberais para o adiamento do Congresso, que eles consideram inoportuno em face da situação geral. [...] A diretoria da ABDE telegrafa ao Presidente da República pedindo a suspensão da censura prévia (DRUMMOND, 1985, p. 19).
O tom do relato, marcadamente político, registra pelo observador atento, a origem e os percursos de uma genealogia pautada na associação de escritores e o que mais tarde iria se manifestar, devido às várias manobras, em um jogo de critérios e interesses pessoais. Ao escritor, pelo discurso diarístico, ficam claros a decepção e impotência diante de tais posturas, por isso mesmo, seu discurso ocupa-se do entrelugar (ou entreolhar?), é o que se situa propriamente na margem, na borda, na fronteira: entre a história e participação, entre o corpo do sujeito, e o corpus textual. Contrário a esta postura, surge um eu narrador que assume uma invisibilidade consciente e solitária como algo que se furta à visão, ao olhar, mas que no entanto, guarda um desejo que insiste, interfere, e sobretudo, se apresenta incomodado, porque se faz sentir e perceber militante e pensador crítico.
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Ainda em 1945, período mais intenso de escrita no diário, percebem-se os registros marcadamente carregados de tensão e militância do poeta, também frustrado, em tentar obstinadamente, traçar ações políticas com um grupo participativo e coeso. Confuso, desanimado e melancólico, processando-se como um narrador que rasura a sua própria imagem perdida, diz: [...] Eu mesmo não estarei dividido, no fundo? Deixei meu trabalho no gabinete de Capanema para ter o gosto de militar contra Getúlio e seu continuísmo, e eis que sou empurrado para o lado que não quer combatê-lo, a fim de colher dividendos políticos antigetúlianos... Entenda-se. A tortuosidade,o emaranhado das linhas políticas que parecem negar-se a si mesmas e no entanto obedecem a uma lógica fria! Tudo isso é muito complicado e tira minha maturidade, a minha verdade pessoal, o meu compromisso comigo mesmo (DRUMMOND, 1985, p. 39).
O que se pode derivar do trecho acima é que o processo do vivido não deve ser entendido como apenas decepção, mas recomposição de uma imagem passada, enquanto decomposição, rasura de si mesmo. Nesse impulso angustiante de se registrar, “no escritório”, o narrador prossegue desmembrando-se em observações - como processo de um eu dilacerado em suas inseguranças, fragilidade, receios e incertezas - como um eu autocrítico que procura compreender o lado dúbio das práticas políticas. O discurso por excelência de O Observador no escritório é o monólogo interior moderno, expressivo do pensamento conflitante da época e, também, em estado bruto, inclusive quando sob esses desdobramentos autocríticos quando o narrador dialoga, utilizando recursos linguísticos para falar do “descompromisso consigo mesmo”. A função ideológica, sempre no confronto entre o eu-narrador e o que é narrado, entre as marcas de subjetividade e coletividade, é notada, ao longo de toda a narrativa, em desconformidade em relação ao grupo desarticulado, às formalidades, às normas, enfim, à ideologia da época. O ritmo com que esses acontecimentos políticos se sucedem nesses anos é intenso e são narrados como se fluíssem da rua e do próprio calor e desespero do ser desintegrado. Do escritório, o observador registra flashes do cotidiano, como em manchetes de jornais ou rapidez de suas crônicas, compondo assim um painel, no qual os inúmeros temas, resumem a promessa de mudanças políticas que, de fato, nada mudam, minadas pelas articulações do contexto. Ao mesmo tempo em que o diarista registra suas insatisfações pessoais, assume-se como um jornalista ou fotógrafo, como um eu que cobre a notícia e foca com seu gesto o discurso desigual, massificador e carregado de processos técnicos que editam a rapidez da notícia e as posturas antidemocráticas. Todo o dia 13 de julho de 1946 é marcado por uma avalanche de Poesia, olhar, memória, visualidades
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notícias-manchetes soltas que revelam o Brasil em um dia, e que, estampam, pelo visto, a vida no país, segundo o Jornal Correio da Manhã: [...] Desapareceu um vagão de carne da Central. Carregado. Padarias burlam o tabelamento, vendendo por unidade, e não a peso. [...] Escandaloso aumento nos preços de consertos de sapatos. [...] Surge nova fila: a dos aposentados e pensionistas de Institutos Chega! (DRUMMOND, 1985, p. 60-61).
Essas manchetes, aleatórias e à deriva, presentes no diário, além de questionarem as fronteiras do gênero e sua imbricação com outras linguagens, provam que os fragmentos que perfazem o discurso de O observador no Escritório, é, em grande parte, preenchido pelo universo do outro. O outro também que se vê refletido nesses acontecimentos e, em dois ou três momentos, aflora no universo pessoal à superfície do texto. O cotidiano5 surge tetê-à-tête com a singeleza dos registros. Esses momentos são, aliás, do melhor que há no diário e poesias de Carlos Drummond de Andrade. O tom dramático que domina estas páginas é, por vezes, aliviado pelo registro de cenas ou paisagens pitorescas e líricas. O herói coletivizado nesse discurso cede, então, o passo ao eu individualizado, e por instantes, a introdução de um momento de humor dissonante da vivência explorada, devolvendo humanidade à ação retratada/enquadrada. A galeria de retratos individualizados, nos registros diarísticos de Drummond, não só pregada nesses cenários, remontam, também, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Pablo Neruda, Luis Carlos Prestes, Mário de Andrade, Vinícius de Moraes, Portinari, Guimarães Rosa, Clarice Lispector etc. cobrindo várias camadas sociais e expressões de cultura muito diversas. Apesar de suas diferenças, todas estas figuras ou personalidades, citadas nos fragmentos diarísticos, estão irmanadas pela genealogia que compõe a sensibilidade e singeleza do poeta mineiro. Elas representam o melhor retrato pregado nas faces do poeta,- muito mais que sete -, e das qualidades de seu povo, encenam-se em sua escritura como galeria maior. Isso confirma que os registros se constroem pelo recorte de vários outros, misturando-se ao aspecto de proximidade, de relato pessoal, certa intertextualidade como tradição literária. Todos eles e outros mais, convivem no olhar íntimo pelo “escritório” íntimo, dos amigos, o que permite a montagem de uma rede intertextual a partir dos fragmentos de sua biblioteca de citações. Para Affonso Romano de Santana, em Drummond: o gauche no tempo (1972), um dos segredos da poesia drummondiana parece ser o caráter alta-
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mente pessoal de sua impessoalidade (1972, p. 28). Após leituras exaustivas de sua poesia, o crítico diz que “o poeta está falando dele mesmo o tempo todo, mas ninguém nota”. Esse também é, em alguns momentos, o mesmo sentimento ou sensação, que se tem de sua escrita. Como em o Poema de sete faces, em que o poeta, primeiramente se refere a si mesmo de maneira direta, chamando pelo seu nome, - [Vai, Carlos, ser gauche na vida”...] - para logo em seguida, por esse mesmo homônimo, desmembrar-se. Diferentemente do diário, em várias poesias, o disfarce, ainda que já não se imponha nominal, é misturado propositadamente em eu-tu-você, que, a rigor, são variações pronominais de um mesmo sujeito. Quaisquer que sejam as variações desses gauches no decurso de sua poética, segundo Affonso Romano de S’Antana, são possíveis fixarem-se as matrizes que informam sua infância, crescimento e maturidade. O diário, preso ou aproximandose desse terceiro momento, além de registrar momentos significativos de seu envolvimento político, delineia, como ao fim de Rosa do Povo, o que se tornaria marcante a partir de Claro Enigma: a passagem do tempo e as perdas. Se na poesia esses sentimentos são constantes em títulos que confessam esses acontecimentos - “Mário de Andrade desce aos Infernos”, “Os últimos dias” e “A Frederico Garcia Lorca” - no diário, esses mesmos fatos retornam em prosa, confirmando que nesses episódios lhe interessava cada vez mais o aspecto metafísico da vida e da morte. Ao registro da morte, nunca descrito dramaticamente no diário, alternam-se fatos cotidianos e políticos, sem contudo, deixarem de instaurar o sentimento de dissipação das imagens queridas e da solidão da metrópole. Esses registros, enfatizados por rubricas em destaque, e semelhantes às atividades do poeta, reponta um entendimento maior do conflito entre vida e morte dos artistas amigos, uma vez que o artista parece ser, dos indivíduos, que mais renitente e continuamente tentam exaurir e combater a morte através de formas vivas. O “observador no escritório”, portanto, assemelha-se a objetos que abrem (baú, gaveta, mala, cofre), apresenta-se como forma que tem um lugar no espaço exterior (na cidade, nas ruas, nos relatos políticos), mas que, quando aberto, desvenda um espaço-tempo interior, entregando chaves de segredos, de episódios de seu tempo. Como uma mistura de sujeito observado - transeunte e lugar transitado -, esse “escritório” do título é um composto: eu e outro são imagens inseparáveis, uma informando e dando sentido à outra, uma continuando o conteúdo da outra. Mais do que esta fusão, no entanto, estabelece-se a superposição de uma outra imagem: assim como uma imagem de “mero observador” dentro do escritório, o poeta também carrega a lembrança desse período em ebulição, transformando-se, também, num sujeito observado, fundindo aquele que lembra com a imagem da própria coisa lembrada. Fundem-se o fato e o registro do fato, como anteriormente se fundira o observador e a coisa observada. Poesia, olhar, memória, visualidades
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Como objetivação de um estado da consciência, a poesia drummondiana e, também, a prosa ágil e matizada do diário, realiza a articulação do subjetivo e do objetivo. Aí se confirma que ela é um espaço que contém outros espaços, ou ainda melhor: que ela é encontro do sujeito e do espaço numa nova forma. Como seu corpo carrega lembranças, e mesclando-se com elas transforma-se numa síntese temporal, seu diário, corpo e objeto, que ele constrói, guarda todas as suas projeções e se estabelece como vida reformulada. V O OLHAR E O CINEMA Em seu diário, ainda, não ficam de fora os comentários de alguns filmes, o que para ele, via de regra, são considerados modernos e desagradáveis. Entretanto, tal como os jovens seus contemporâneos, apaixonou-se por Greta Garbo, dedicando-lhe versos em algumas ocasiões. Num primeiro momento, em crônica assinada como pseudônimo Antônio Crispim, nos idos de 1930, julgando-a “seca, pobre de curvas, mórbida, antipática, artificial, beleza talvez para os esquimós”. Em outro momento, em 25 de outubro de 1968, no próprio diário, quando comenta que uma empresa lhe encomendara um poema sobre a atriz sueca para um calendário, devido ao seu notório amor à atriz. Intitulado no diário como “Todas as mulheres do mundo”, o fragmento estampa em poema descritivo, o famoso rosto da atriz em palavras: Rara, clara, cara. Altura de edifício de São Paulo. Azul porcelaníssimo nos olhos. Jeito de calar no conversar e gestos-silêncio, em nevoeiro a fluir da cabeleira linholúmen. Pés longos como alexandrinos caminham céleres e não pisam: foice-relâmpago. Garbo da Garbo: Miss Mistério que Cruz e Sousa havia de cercar de rutilâncias, mas chega tarde, após o simbolismo, e estuda qualquer coisa: Economia? Erótica? Eurística? Cibernética? Das 7 e 30 às 12. O mais é vela e vôlei. Mãe futura de louros icebergs, Salvo de casar com nordestino (os astros é que sabem) usineiro. (ANDRADE, 1985, p. 164)
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Para Letícia Malard, em No vasto mundo de Drummond (2005, p. 107) o reconhecimento, nos anos 1970, da velhice da deusa universal dos anos 1920, é uma projeção de anima do poeta, que desejava ascender no real presente a imagem defeituosa, porém jovem, que guardou congelada, do tempo perdido. Segundo ela, ao falar de vários poemas de Drummond que remetem ao cinema, um trecho do poema “Esparsos de 1976: comércio da privacidade” fala a propósito de fotos divulgadas no mundo inteiro da musa do cinema em férias, numa praia: “aquela atriz idosa, quase nua, fotografada pela maldade, não é a antiga deusa, mas a alma do maldoso fotógrafo”.7 Outra citação cinematográfica presente no diário é o fragmento do dia 03 de junho de 1962 quando diz: Junho, 3 - L’Anné Dernière à Marienbad: droga pretensiosa e tediosa. Dizem que é um poema cinematográfico, mas confesso que não achei nada de poesia nem de construção poética em sua estrutura. A falação de Robbe Grillet é insuportável. As imagens, a princípio belas, acabam fatigando, como o diálogo eternamente repetido. (DRUMMOND, 1985, p. 139].
Como se percebe acima, o filme O ano passado em Marienbad, de Robbe-Grillet foi paradigma do novo tipo de cinema e do chamado novo romance francês daquela época e alvo da crítica do poeta. Nas entrelinhas, fica sugerido que Grillet, tendo “acabado” com o romance, iria acabar, também, com o cinema, ou seja, trata-se de uma crítica indireta à corrente do chamado novo romance, esse em que as personagens são objetos; portanto, além de apontar uma nova forma de narrativa cinematográfica, desconstroi, também, o modelo de narrativa tradicional. Nesse sentido, é lembrado por Letícia Malard que o primeiro artigo de Drummond (1920) tenha sido sobre um filme - Diana, a caçadora onde discute a questão da moral no cinema, pois essa personagem aparece totalmente nua, provocando severos protestos, tanto de jovens quanto de velhos, no Cinema Pathé, de Belo Horizonte. O cinema nas citações do diário, semelhante à poesia drummondiana, estabelece uma maneira fílmica de construir imagens. Considerando-se que o cinema surgiu aproximadamente em 1902, pode-se dizer que,tanto o poeta, como o cinema nasceram e cresceram juntos e, por isso mesmo, é recurso discursivo constantemente retomado.
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VI TENSÕES DO FINAL Meditação entre quadro paredes: Sou um animal político ou apenas gostaria de ser? Esses anos todos alimentando o que julgava ideias políticas socialistas e eis que se abre o ensejo para defendê-las. Estou preparado? [...] Há uma contradição insolúvel entre minhas ideias ou o que suponho minhas ideias, e talvez sejam apenas utopias consoladoras, e minha inaptidão para o sacrifício do ser particular, crítico e sensível, em proveito de uma verdade geral, impessoal, às vezes dura, senão impiedosa. Não quero ser um energúmeno, um sectário, um passional ou um frio domesticado, conduzidos por palavras de ordem. Como posso convencer a outros, se não me convenço, a mim mesmo? Se a inexorabilidade, a malícia, a crueza, o oportunismo da ação política me desagradam, e eu, no fundo, quero ser um intelectual político sem experimentar as impurezas da ação política? Chega, vou dormir. [DRUMMOND, 1985, p. 31]
Esta epígrafe, posta ao final, entendida como “meditação entre quadro paredes” - (seria o escritório?) – sugere, desde já, algumas linhas e gesto do narrador que perpassam por todas essas páginas. Estão aí envolvidos nesta meditação histórica, vida pessoal, escrita, - que não mais parece evidente, e, merece, portanto uma atenção. Há aqui, nesse movimento de olhares (quem olha e quem é olhado) um entrecruzamento tenso e denso de intenções: aquele mesmo que olha e narra, e participa dos acontecimentos fervorosamente. Tal entrecruzamento, apesar de nos trazer de volta à complexa cena, entre a História e diário íntimo, talvez nos permita traçar ou emoldurar algum “eu” desconcertante e irônico, nos contornos da escrita drummondiana, aproximando-a de um fotógrafo que registra ou enquadra cenas. O que se percebe e confirma é, como em todo o diário, os esgarçamentos entre tensões do vivido e do narrado, como um “empreendimento de salvação”, tentativa de “salvar a escrita” ( BLANCHOT, 2005) aproximando-a da vida e de salvar a vida por sua elevação à arte. Afinal, o próprio narrador no segundo prefácio adverte: [...] o escritor não precisa justificar-se, a não ser pela obra. Ninguém o obriga à anotação íntima, a esse mirar-se no espelho presente. Então se escreve diário, há de ser por força de motivação psicológica obscura, inerente à condição de escritor, alheia à noção de utilidade profissional. [...] O impulso de escrever para mim mesmo, em caráter autoconfessional, ditou os feixes de palavras que fui acumulando e que um dia... destruí. Mas a própria destruição tem caprichos. Do conjunto sacrificado, salvaram-se algumas páginas que hoje reúno em livro, depois de tê-las, na maior parte, colocado em minha coluna no Caderno B do Jornal do Brasil. Animou-me a ingênua presunção de que possam dar ao leitor um reflexo do tempo de 1943 a 1977, menos por mim do que pelas pessoas em volta, fazendo lembrar coisas literárias e políticas daquele Brasil sacudido por ventos contrários. Fui talvez, um observador no escritório (DRUMMOND, 1985, prefácio).
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Destes percursos do olhar, - no e para o diário -, não estão ausentes, a alquimia fortuita (que frustra a programação prévia), a pesquisa de si e a prática do poeta, as pausas, as intermitências, o deslocar do ponto de vista até as margens do oblíquo, de forma a deixar que, no objeto ou cena observada, se vejam outras faces, por onde passam as várias solicitações do tempo/espaço, as vibrações e até a natureza escandalosa do enigma dos jogos do acaso. Pelos olhos manifestam-se a fragilidade em todos os níveis do registro objetivo do fato concreto e da participação política. De certa forma, o olhar investiga o engajamento nas palavras levando-as a um redimensionamento político das relações entre sujeito e registro dos fatos no diário íntimo. A leitura do diário de Drummond permite verificar a afirmação explícita de alguém que não apenas observa, olha e atua de seu escritório (fechado e íntimo), mas também vibra e sofre com os acontecimentos do seu tempo como demonstram vários fragmentos. Notas 1. Os “olhos”, como forma sensorial de registro dos fatos presentes, ocorrem com alta frequência, também, nos poemas de índice participante: “olhos acessos” [O medo]; “meu olho que ri e despreza” [Nosso Tempo]; “Os olhos sabem e calam” [América]; “Meus olhos são pequenos para ver” [reiterado no início de todas as 25 estrofes do poema Visão 1944]; “Só os olhos/ no retrato, no mapa. Só os olhos/ com o russo de Berlim” [Com o Russo em Berlim]; “Estou cego e vejo. Arranco os olhos e vejo./ Furo as paredes e vejo. Através do mar sanguíneo vejo” [Mário de Andrade desce aos infernos]; “surges a nossos olhos/ pessimistas, que te inspecionam e meditam” [...] “entretanto os olhos são profundos e a boca vem de longe”. [ Canto ao homem do Povo Charlie Chaplin]; Inclusive, deve-se notar que a renúncia ao presente apelo ao passado - pela impossibilidade do conflito poesia versus mundo - é representada, em determinados momentos, através da recusa à própria visão. Sobre esse assunto, também ver o ensaio: Drummond e a experiência do olhar, de Célia Pedrosa. 2. Dentro da categoria do paratexto, Gerard Genette (1987, p. 374) distingue o peritexto e o epitexto; o primeiro é constituído pelos elementos textuais que, situando-se à margem do texto, compõem o livro impresso: título, nome do autor, dedicatórias, epígrafes, prefácios etc. Esses elementos são percebidos no ato da leitura e direcionam as reações dos leitores, interferindo na configuração de seu horizonte de expectativas. Já o epitexto é constituído por elementos externos ao livro. 3. Os prefácios, também como o título do livro, segundo Genette encaminham uma recepção, um caminho ou uma metodologia para ler a obra.
4. A esse respeito ou assunto ver o estudo aprofundado de Maria Verônica Aguilera em Carlos Drummond de Andrade: a poética do cotidiano. 5. Notas de Letícia Malard, p. 108.
REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. O autor como gesto. In: Profanações. São Paulo. Boitempo. 2007. AGUILERA, Maria Veronica. Carlos Drummond de Andrade: a poética do cotidiano. Rio de Janeiro. Expressão e Cultura. 2002. Poesia, olhar, memória, visualidades
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ANDRADE, Carlos Drummond de. O observador no escritório. Rio de Janeiro. Record.1985. BARTHES, Roland. O obvio e o obtuso. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1990. BLANCHOT, Maurice. O diário íntimo e a narrativa. In: O livro por vir. São Paulo. Martins Fontes. 2005. CATELLI, Nora. En La era de la intimidad. Seguido de: El espacio autobiográfico. Rosario. Beatriz Viterbo Editora.2007. FIGUEIREDO, Carmem Lúcia Negreiros de. Um poeta no meio do caminho. In: Especial Drummond. Revista ADVIR 16. UERJ. Dezembro de 2002. pp.06-14. GENETTE, Gerard. Palimpsestes: La Littérature au Second Degré, Paris. Seuil. 1982. ______. Seuils. Paris. Seuil.1987 LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico. Belo Horizonte. Ed. UFMG. 2008. MALARD. Letícia. No vasto mundo de Drummond. Belo Horizonte. Ed. UFMG. 2005. PEDROSA, Célia. Drummond e a experiência do olhar. In: http://www.revistaipotesi.ufjf.br/volumes/14/cap04.pdf SANT’ANNA, Affonso Romano. Drummond, o gauche no tempo. Lia, INL. 1972.
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ENTRE OS SILÊNCIOS E OS ESCOMBROS DA TEIA LITERÁRIA ENTRETECIDA POR WILBETT OLIVEIRA Karina de Rezende Tavares Fleury UFES OLIVEIRA, Wilbett. Silêncios e escombros: antologia poética. São Paulo: Opção, 2014. 286 p. ISBN: 978-85-8305-043-8 Sou leitora confessa há tempos enredada na teia literária entretecida por Wilbett Oliveira. A seleção dos poemas que se encontram neste livro foi por mim (a)provada. Os textos estão dispostos em ordem cronológica de publicação, relembrando-lhes o labor de um poeta comprometido com a linguagem que se faz e se refaz, linguagem intemporal alicerçada em palavras às vezes duras, às vezes órfãs, mas sempre férteis sementes lançadas em estios solos. Wilbett Oliveira publicou, nos anos 80, seus dois primeiros livros: Anjos proscritos e outros poemas (em parceria com Waldo Motta, 1980) e Facho (1983). Nessa época, o efervescente cenário literário capixaba apontava para a modernidade de nossas letras: a realização de oficinas literárias e a criação de revistas, que divulgavam os escritos dos autores da terra, revelaram a produção literária, e também teatral, de poetas e prosadores, ainda hoje, estudados e aclamados pela crítica literária. Contudo, o nosso autor ainda vivia em São Mateus e não participou diretamente do movimento que se consolidava na capital do Estado. Do primeiro livro, então, só tenho notícia dada por Wilbett que não esconde, com certo alívio, que dado o caráter provisório do projeto, melhor que não tenha mesmo sobrado nenhum exemplar para contar história. Já de Facho, publicado em São Mateus, orgulho-me em dizer que tenho o único exemplar recentemente recuperado pelo poeta num sebo virtual. Nesta antologia, temos dois dos seus 39 poemas publicados. Depois desse livro, Wilbett deixou o derramamento confessional, como ele mesmo explica, e partiu em busca do trabalho de lapidação da palavra, do enxugamento do discurso, do jogo das imagens, do fazer poético que não se satisfaz com a palavra dada e chegou, quase uma década depois, Sombras e sinais (1991). Uma espécie de aflição do “eu lírico” diante do mundo, de si mesmo, do outro instaura-se desde aqui na poesia de Wilbett e “um sentimento/ desumano/ como marcas de ferradura/ fica em nós”. Entre os silêncios e os escombros da teia literária entretecida por Wilbett Oliveira
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Os versos ainda longos e a presença de artigos, adjetivos e verbos denotam uma poesia ainda em fase de elaboração. Aqui também encontramos o “sêmen desse fruto” que é a poesia wilbettiana. Daqui, do poema “Angústia”, foi colhida a gênese da estrutura que encontramos em “uma parte” de Gris (2009): “como se”. Segundo Abrahão Costa Andrade1, esse “‘como se’ [...] é o próprio dispositivo da imaginação poética”, é a poesia que se dá na incerteza de encontrar leitores. Mas os leitores foram se achegando desafiados, instigados pelo “‘olhar obstinado’ que sente necessidade de ver coisas novas, de ampliar a visão”, debruçados na janela que se abre para o mundo, escreve Adriana Pin no prefácio de Logos (1995). Publicado em São Mateus, pela Opção Editora, esse livro fora escrito em parceria com Derli Casali, com quem Wilbett trabalhou na Escola Pio XII e no Colégio Master. Há, nessa obra, uma mescla de poemas que falam de amor, do fazer poético e, é claro, da metafísica. A força da palavra é tomada, tombada, entoada, poesia assanhando a linguagem: “no início/ era a palavra/ livre/ inventando seu jeito/ pulsando[...]”, escrevem em “Epistemologia da palavra”. A pá que sempre lavra na poesia wilbettiana, “ainda que seja “preferível não dizer nada/ a urdir a trama [...]/ não sentir nada/ a fingir o drama” (“Calar-se”), encontra em Nominal (2004), e sobretudo no poema homônimo, que também é o mais longo desse livro (são 90 versos, enquanto os demais 27 poemas não ultrapassam 19 versos), ressurge aprisionada, dizendo e desdizendo seres, desvelando “o problema o nome/ gume de dois lados/ dentro de algo/ danos e somas/ que selam os males/ de todos os seres reles”. E, num porto qualquer, bem lá aonde aportam as mais recônditas “partes de mim/ em sais e sóis/ deflagram um destino turvo”, traçado num mundo de contradições. Assim, com a palavra já mais bem trabalhada, plástica, em 2005, o poeta publica Partes, composto por 41 poemas, agora mais curtos (o mais longo, “Nós”, possui somente 13 versos). Neste livro, os títulos dos poemas evocam “partes”, fragmentos de seres, de sentimentos, de um mundo incompleto, incerto, inquieto: “partes de mim/ insinuam-se/ enunciam-se nos espelhos/ não trago nenhuma conclusão”. O poeta parece brincar com a memória do leitor, enquanto tece sua trama poética, pois usa, de agora em diante, de forma explícita, o recurso da intratextualidade, ou seja, ora palavras, ora versos inteiros se (re)produzem em outros textos dentro de outras poesias, em outros livros. Assim, reaparecem os poemas “Teiamor” e “Voo”, de Nominal, e “O caos e a teia” e “Nós” vão reaparecer em Garimpo e outros poemas (2005). ANDRADE, Abrahão Costa. Tempo de poestiagem ou o livro Gris, de Wilbett Oliveira. Apresentação. In: OLIVEIRA, Wilbett R. de. Gris. Vila Velha: Opção, 2012. 98 p. 1
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Foi o poema “Tear”2 que me enredou para a teia poética da obra wilbettiana e me inspirou a escrever “Entrelaçando palavras, entretecendo seres: análise do poema ‘tear’”, meu primeiro texto crítico (publicado na REEL/UFES, n. 4, 2008 e, mais recentemente, em Poestiagem: poesia e metafísica em Wilbett Oliveira,3 sobre a obra deste autor. Os vinte e três poemas de Garimpo e outros poemas (2005) chamam a atenção do leitor pela riqueza de imagens visuais e sonoras. Nesse livro, as palavras prolongam-se numa multiplicidade de significados e o poeta parece confirmar, reforçar, o trabalho iniciado em Partes: garimpar as pedras que lhe servirão pilares para futuras obras. Do passado, ele aproveita o poema “Garimpo”, publicado em Nominal, lapidando-o com pouquíssimas modificações e em “outros poemas”, aparecem oito poemas retirados de Nominal e três poemas de Partes. De Sombras e sinais (1991), o poema “Angústia” agora é talhado em “como se de uma janela”. Mirando o futuro, o poeta explora construções desta obra para incrustá-las em Sêmen ou versos entretecidos (2007) e Escombros (2014), como, por exemplo, o poema “escombros” que será aproveitado como epígrafe do livro homônimo: “quando rompo os escombros de mim/ sou sombras/ sobras [...]”. Sêmen ou versos entretecidos (2007) com o propósito de “tecer e espalhar” a palavra-sêmen fecunda semente que brota da página cada vez mais silenciosa, artefato utilizado por quem deseja “chegar ao criançamento das palavras/e descobrir os desvãos do ser [...]”. São setenta e quatro poemas sem títulos, que, portanto, podem ser lidos aleatoriamente. Como já dissemos acima, o poeta revisita algumas de suas anteriores obras mesclando, cortando ou ampliando versos. Todas as estrofes iniciam-se com verbos no infinitivo, indicando o caráter impessoal e intemporal das ações expressas. Em Gris (2009), o poeta materializa-se ele mesmo na possibilidade de ser poesia. Se a poesia acontece é porque ele, ainda que “em vão [faz] faço um poema/ como se estivesse gris/e elaborasse vozes/ no silêncio de um instante”. O poeta sabe que é objeto e instrumento de sua própria arte. O livro está dividido em 2 partes: “uma parte” (15 poemas)/ “outra parte” (51 poemas). Em “uma parte”, o eu lírico expõe, a partir do verso “em vão faço um poema”, uma série de possibilidades, motivos, imaginações, situações que disparam a força de sua imaginação criadora e de sua veia poética (“como se”). Os verbos aparecessem no subjuntivo. Portanto, as ações são duvidosas, incertas. É o simulacro do fazer poético. É uma poesia gris. Já em “outra parte”, os verbos desaparecem quase que por completo. O branco FLEURY, Karina de Rezende Tavares. Entrelaçando palavras, entretecendo seres: análise do poema “tear”. Revista Eletrônica de Estudos Literários (REEL), Vitória, a. 4, n. 4, 2008. Disponível em: <http://periodicos.ufes.br/reel/article/view/3507/2775>. 2
______. Entrelaçando palavras, entretecendo seres: análise do poema “tear”. In: COSTA, Abrahão Andrade (Org.). Poestiagem: poesia e metafísica em Wilbett Oliveira. São Paulo: Opção Editora, 2014. p. 55-60 3
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das páginas denotam a intenção do poeta: calar-se para que as poucas palavras ali grafadas possam construir e reconstruir sentidos com aqueles que se permitirem ler estes poemas grises. Assim, quem sabe, fazer renascer em cada um a beleza da poesia de estar no mundo. O visível enxugamento do discurso na poesia wilbettiana foi cunhado por Abrahão Costa Andrade de “poestiagem”, termo que, como lembra o crítico no prefácio de Gris,4 “é do próprio Wilbett Oliveira, em um dos poemas da segunda parte” da referida obra. Desse modo, sem abrir mão dessa aridez da poesia, o poeta nos apresenta Salignalinguagem (2011) mais ou menos assim: “a minha linguagem é/ o sal do mundo/ com o que hei de salgar sempre a minha poesia” escreve o poeta. Bem aventurados aqueles que andam “a perseguir as sílabas/ para a palavra rebentar-se viçosa” e os que vertem “suor sangrando sobre o papel/ manchado de cantos vários:/ exercício de não-escrever”. Porque, esses, verão “no vazio de todo objeto/ o verbo solitário/ a verve- indumentária do poeta/ por isso, quero a poesia/ convertida em sal,/ pisada, desprezada, em farelos,/ pois em sal seremos todos ela”. E o sal não perderá o sabor, pois que, na poesia, homem, mundo e linguagem se retroalimentam. Falando cada vez menos, Wilbett publica, em 2012, Salmodiar em meio a uma explosão de pensamentos por imagens. Trata-se de um só poema partido em vinte e nove estrofes em que o poeta canta a dor da escrita, de estar no mundo, de fazer poesia: “a minha língua,/ má, não diz”. O autor aqui parece querer “preservar a mística poética da necessidade de um silêncio metafísico que resulta na atitude cética de que nem tudo na poesia é penetrável, nem tudo está aberto ao entendimento”, como escreve Joelson Pereira de Souza, em Poestiagem: poesia e metafísica em Wilbett Oliveira,5 nem mesmo ao entendimento do artesão da palavra: “digo menos cada vez mais/ nos limites extremos do impossível/ sentidos se dispersando/ no poema que me resta, impassível”. Já na epígrafe de Minúsculos (2013), o leitor pode verificar que a proposta do fazer poético de Wilbett Oliveira continua em pauta. Um verso de Manoel de Barros é que dá o tom: “Uso a palavra para compor meus silêncios[...]”. Joel Cardoso,6 ao prefaciar este livro, lembra-nos da crise generalizada que vivemos na contemporaneidade. A palavra também está em crise. Mas o poeta, sujeito inquieto, desconstrói e reorganiza o lugar comum: “fossem fraturas do sujeito/ no embaCOSTA, Abrahão Andrade (Org.). Poestiagem: poesia e metafísica em Wilbett Oliveira. São Paulo: Opção Editora, 2014. 4
SOUZA, Joelson. Hermenêutica e ontologia em Salignalinguagem. In: COSTA, Andrade, Abrahão (Org.). Poestiagem: poesia e metafísica em Wilbett Oliveira. São Paulo: Opção, 2014. p. 63-72. 5
CARDOSO, Joel. A poesia nossa de cada dia na precariedade do existir O universo poético de Wilbett Oliveira. In: OLIVEIRA, Wilbett. Minúsculos. SP: Oção Editora, 2012, p. 9-16. 6
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ralhado dos signos,/ dos salmos, cartas e tarôs/ recolhidas de um mundo em reticências”. A estrutura “fossem” nos remete a Gris. É o poeta reinventando estratégias discursivas como se fosse possível acordar o homem para essa condição de estar no mundo e fazê-lo combater contra o poder que intenta posicionar-se nos espaços do saber, da consciência, da verdade, do discurso. Em 2014, Wilbett publica Escombros, composto por vinte e um poemas, em sua maioria, organizados em três versos, sendo o segundo de cada estrofe um verbo no gerúndio que, sozinho assim na oração, assume a função de um advérbio. A poesia chega assim ao ápice da desverbalização que já havia sido assinalada em outros livros do poeta. É tempo de “esterilidade de sertões/ alimentando/ a insistente melancolia dos deuses”. O processo de nominalização da linguagem poética revela uma arte revestida em ruínas, entulho, vômitos, restos. É o poema sem corpo: “incorporeidade de poemas/ captando/ o vermelho por trás das coisas”, infindável sincronia captando a morte e a vida advindas da “quietude indevassável dos escuros” que insistem em devorar “sílabas e silêncios” em nós. A poesia wilbettiana está escancarada para o abismo que compõe o indizível das palavras, duras palavras aprisionadas no branco das páginas em tempos de estio e da intraduzível ignorância dos homens. Ao poeta cabe avisar ao leitor que o caos se instalou e a desordem insiste em reinar. Espero que este trabalho de exposição do conjunto da obra de Wilbett Oliveira possa despertar o interesse dos leitores leigos e dos especializados nos estudos não só da Literatura, mas também da Filosofia e da Psicanálise. A fortuna crítica dos trabalhos do poeta está reunida em Poestiagem: poesia e metafísica em Wilbett Oliveira (2014)7 e já dá uma boa impressão da qualidade literária da escrita firme e do inconfundível estilo de Wilbett.
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Id, ibid nota 5. Entre os silêncios e os escombros da teia literária entretecida por Wilbett Oliveira
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A RECUSA AO ELOGIO MÚTUO Valci Vieira dos Santos UNEB | FASB KALLARRARI, Celso. O ritual dos chrysântemos. São Paulo: Editora Reflexão, 2013. Não é de hoje que o vento tem sido favorável para balançar folhas de papel que, a princípio, possam causar, ao leitor, estranhamento. Estranhamento porque, cada vez mais, ele tem se deparado com a escrita de obras que o provocam, desconsertam e o instigam. O Ritual dos Chrystântemos, de Celso Kallarrari, é dessas obras que deixam o leitor sem prumo. Ao tocar nela, ele pode sentir uma “rajada” de vento desestruturando suas mãos, principalmente se insistir em navegar por entre páginas que projetam estilhaços a todo o momento. O leitor, menos desavisado, certamente quererá abandoná-la na primeira escrivaninha que encontrar pela frente; o atento, por sua vez, aceitará o desafio e participará do jogo que exibe uma obra marcada por características híbridas, multifacetadas, e por isso mesmo reveladora do imbricamento de vozes de diferentes gêneros literários. Nesse sentido, o escritor Celso Kallarrari convida a todos à leitura de uma obra que não se acha acabada, fechada; ao contrário, nela, abrem-se portas para significativos aspectos de leituras. Um desses aspectos, por intermédio do qual é possível fazer-se uma leitura, é o trágico moderno. Há, nas malhas do texto, distribuídas em três partes – Preambula, Cenarius e Epiloga -, vozes que se conflitam, que se digladiam. Personagens são construídas em meio a uma sociedade envolta em crises e atitudes transgressoras. Aliás, as atitudes transgressoras avultam-se, desde já, com a própria escrita do texto, cujos fios entrelaçados nem sempre colocam à mostra os caminhos a serem percorridos pelo leitor. A obra, em verdade, rompe com as formas tradicionais de escrita, quando apresenta um texto envolto a uma multiplicidade de aspectos que confirmam a sua natureza polifônica. Assim, a quebra de diálogo, às páginas 52 e 60, por exemplo, testa a paciência do leitor o tempo todo, já que ele precisa estar atento às idas e vindas das peripécias dialogais. Com um estilo arrojado e marcado por desenhos que não aceitam contornos bem definidos, a leitura vai se abrindo para inúmeras outras possibilidades de tensão textual. O uso sucessivo de estrangeirismos, sobretudo o de expressões latinas, pode despertar, no leitor, a fúria de uma incom-
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preensão sentida. O jogo que o autor faz, com palavras e expressões extemporâneas ao tempo e ao locus narrativo, também pode dá um nó no cérebro do leitor, já que este, embriagado por uma narrativa focada em tempos memoráveis, vê-se, abruptamente, em meio a expressões que o transportam para tempos futuros: “[...] Ficarão, ali, cravados nas rochas frias, congelados no tempo e espaço, imortalizados in profunditates da Natureza. De nada resolverá o celular via satélite, a câmera fotográfica, os smartphones, os softwares, os tablets, as redes sociais, tantos outros ou qualquer outra tecnologia high tech no frio ardente dessa montanha mortífera que consegue apagar tudo e mudar nosso comportamento” (p. 230). Assim, o texto narrativo foge à linearidade de estruturas textuais que insistem em explorar somente os tradicionais gêneros literários. O leitor está diante de um texto que o leva a andar pelas mais diferentes veredas da narrativa (“Eurico não dormiria, certamente, naquela noite, pois já havia preparado seu espírito com um suspiro de presunção [...]” (p. 53); do lírico (“Eurico lembrou-se de quando, naquela tarde de domingo, passeava, de mãos dadas, com Poliana, nas alamedas calcetadas pelas pedras disformes, ajuntadas, sem desenhos, aparentemente visíveis” (p. 141); do dramático (“Eurico sufragava, de uma vez por todas, algumas almas. Trazia-as uma a uma ao seu mundo visionário. Talvez, lá de cima, Eurico se arrependera por ter visto, em noites anteriores ao acontecimento trágico, o quadro branco em sua mente, desenhado nele, à imagem do seu sentimento, um corporem estendido no chão” (p. 253); enfim, do jornalístico, de relatos autobiográficos, receitas, laudos de polícia técnica, todos convivendo em um mesmo espaço, entendendo-se e estranhando-se. Sem falar nas constantes piscadelas que o narrador dá (veja-se o jogo que ele faz com o nome “Euricus, Euliricus, Eurico”), provocando, de novo, a paciência do leitor, também o incitando, o irritando, e levando-o a perder o rebolado e a acompanhar os passos largos de um escritor-poeta. O intertexto é outra estratégia usada por Celso Kalarrari, em O Ritual dos Chrysântemos, quando buscar o diálogo de seu texto com tantos outros textos, a exemplo do bíblico, às paginas 47, 82 e 87; da obra camoniana, Os Lusíadas, à página 73. Mas não é tudo. O diálogo entre a história e a ficção faz-se presente o tempo todo nas linhas e entrelinhas textuais. E o vento volta a soprar com força quando elas se encontram, às vezes, numa atitude de consonância; às vezes, de dissonância. No campo da dissonância, pode O Ritual dos Chrysântemos digladiar com a famosa ditadura do Mercado Editorial, o qual nem sempre perdoa obras que não seguem sua cartilha, e por isso mesmo direciona sua metralhadora giratória para escritores e leitores que ousam desafiá-lo. Mas Celso A recusa ao elogio mútuo
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Kalarrari e alguns autores, assim como destemidos leitores transgressores, não aceitam o pacto proposto por essa ditadura. Há autores que colocam de lado as regras, as normas e os modelos de obras de leitura e de vida fácil, preferindo, dessa forma, recusá-las a aceitar o jogo do elogio mútuo, não importando se se encontram em meio ao olho do furacão. Por conta disso, esses mesmos autores vão na contramão das exigências do mercado editorial e da crítica, porque estes, geralmente, tendem a valorizar as formas homogêneas, ao contrário da multiplicidade de vozes e de gêneros textuais numa mesma narrativa. Em última análise, em O Ritual dos Chrysântemos, é possível perscrutar as intenções do autor, quando deixa o seu recado na voz do narrador-personagem, ao dizer que “A verdade não está nos best-sellers efêmeros, mercantis e massificadores”; está “na literatura, pois scriptura scripturam interpretatur (a escritura interpreta a si própria)” (p. 220).
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Ciências da Saúde
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AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A PATERNIDADE: UMA VIVÊNCIA DO ADOLESCENTE PAI The social representations concerning to fatherhood: A teenager father’s experience Maria Célia Ferreira Danese ENSP/Fiocruz | FASB Débora Rosa da Silva FASB Juliane do Nascimento Silva Exaltação FASB
Resumo Este trabalho retrata os aspectos subjetivos à paternidade na adolescência, bem como os fatores de risco relacionados ao fenômeno da gravidez nesse período, que é considerada uma problemática de grandes proporções na sociedade atual. Tem como objetivo explorar o “mundo” da paternidade por meio dos principais atores envolvidos neste processo, as implicações sociais decorrentes de uma gravidez vivenciadas pelo pai adolescente, além dos impactos das mudanças nesta fase da vida. Para o presente estudo utilizou-se da Teoria das Representações Sociais para fundamentá-lo e de um questionário semiestruturado para coleta de dados. Conclui-se com este trabalho que o contexto familiar está diretamente relacionado aos fatores da gravidez na adolescência e que o pai, também envolvido neste processo, fica a mercê no que diz respeito aos programas de assistência à saúde. Palavras-chave: Adolescência; Gravidez na Adolescência; Paternidade Adolescente. Abstract This work depicts the subjective aspects of paternity in adolescence and risk factors related to the phenomenon of pregnancy in this period, which is considered a problem of huge proportions in today’s society. Aims to explore the “world” of fatherhood through the main actors involved in this process, the social implications of a pregnancy experienced by adolescent fathers, besides the effects of the changes at this stage of life. For this study we used the Theory of Social Representations to ground it and a semistructured questionnaire to collect data. We conclude in this work that the family context is directly related to the factors of teenage pregnancy and his father, also involved in this process, is mercy with regard to health care programs. Keywords: Adolescence; Pregnancy in Adolescence; Teen fatherhood.
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1 INTRODUÇÃO A adolescência é uma etapa intermediária do desenvolvimento humano, entre a infância e a fase adulta. Este período é marcado por diversas transformações corporais, hormonais e comportamentais. Não se pode definir com exatidão o início e fim da adolescência (ela varia de pessoa para pessoa), porém, na maioria dos indivíduos, ela ocorre entre os 10 e 20 anos de idade (período definido pela OMS – Organização Mundial da Saúde). É nesta fase da vida que a sexualidade se aflora e muitas vezes por desconhecimento ou descuido, muitos adolescentes tornam-se mães e pais sem estarem devidamente preparados para assumirem tão sério compromisso. Tendo em vista o crescente número de adolescentes grávidas, percebeu-se a necessidade de investigar aspectos subjetivos associados à paternidade adolescente, já que o tema da gravidez surge de forma frequente como uma preocupação da mulher e não do homem. A visão da gravidez na adolescência apresentada em inúmeros estudos é a que tem como foco de observação a mulher que a vivencia. Entretanto, o jovem pai vê-se às margens do amadurecimento precoce, sob a responsabilidade da criação de um novo ser, que também lhe é atribuída, não tendo este, a mesma atenção dada às meninas mães, seja no aspecto familiar, social e principalmente dos órgãos públicos de saúde. O adolescente masculino faz parte de um ciclo de vida que não tem o hábito de frequentar as unidades de saúde e quando o fazem estão em situação de doença para ser atendido em consulta médica. Diante do grande número de adolescentes grávidas, esse número é proporcional ao de pais adolescentes que precisam ser acolhidos e cuidados para assumirem a paternidade. O objetivo do estudo, portanto, é, baseando-se na Teoria das Representações Sociais – TRS, explorar este “mundo” da paternidade adolescente, por meio dos principais atores envolvidos neste processo, conhecendo a subjetividade do jovem pai, dando-lhe voz para expor seus sentimentos e emoções, na tentativa de quebrar esses estigmas do silêncio, concernente ao tema já explicitado; também detectar e analisar as implicações sociais decorrentes de uma gravidez vivenciadas pelo pai adolescente; traçar o perfil dos sujeitos que participaram desta pesquisa, identificando as transformações que ocorreram em seu cotidiano após a gravidez e compreender de que forma esses jovens pais foram impactados pelas mudanças que ocorreram nesta fase de suas vidas. 2 METODOLOGIA Este estudo quanto à abordagem é de caráter qualitativo e quanto ao objetivo é de caráter descritivo. A abordagem qualitativa permite ao pesquisador analisar dados, sem empregar a estatística, como indicadores do As representações sociais sobre a paternidade: uma vivência do adolescente pai
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funcionamento de estruturas sociais, permitindo um maior aprofundamento dos comportamentos ou atividades dos indivíduos (SOARES, 2003). Segundo Minayo (1995, p.21-22): [...] responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
A pesquisa descritiva é aquela que tem por finalidade a elucidação dos fenômenos pesquisados, uma de suas peculiaridades está na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados (GIL, 2008). A pesquisa foi realizada nos domicílios dos jovens pais, nas cidades de Teixeira de Freitas/Bahia, cadastrados na Unidade de Estratégia de Saúde da Família Urbis II e Itamaraju, cadastrados na Unidade de Estratégia de Saúde da Família Novo Prado. Observou-se, nos dois locais, que os adolescentes nunca usaram as unidades de saúde, tendo sido localizados pelos agentes comunitários de Saúde (ACS). Foram selecionados nove participantes do sexo masculino que se tornaram pais na adolescência considerando a faixa etária entre 12 e 18 anos de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Os jovens foram abordados de acordo com suas disponibilidades, com dia e hora marcados pelos ACS das respectivas áreas de abrangência. Foi apresentado o objetivo do estudo e a metodologia e solicitada sua participação. Eles assinaram o TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido conforme Res. 196/96 do CNS (Conselho Nacional de Saúde). A pesquisa realizada baseou sua coleta de dados a partir da elaboração de um roteiro, o qual assegurou respostas que pudessem refletir o pensamento dos adolescentes masculinos e as representações sobre o fenômeno da paternidade. Foi aplicado um questionário semiestruturado, com a identificação demográfica do pesquisado e questionamentos sobre o tema do estudo. O instrumento de pesquisa consta de dezenove questões, sendo quinze fechadas e quatro abertas. Os dados referentes à identificação dos pais foram analisados e as falas foram avaliadas através da análise de conteúdo que segundo Bauer e Gaskell (2002, p.191): É uma técnica para produzir inferências de um texto focal para seu contexto social de maneira objetivada. É em última análise uma categoria de procedimentos explícitos de análise textual para fins de pesquisa social. A análise de conteúdo é um instrumento de pesquisa científica com múltiplas aplicações, principalmente nos atuais estudos da ciência da enfermagem.
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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO O grupo dos sujeitos entrevistados é composto por rapazes que já haviam tido filhos, de tal forma que um primeiro desdobramento da GA é o fato de que a gravidez foi levada a termo e, portanto, estes rapazes se tornaram pais – ao menos do ponto de vista biológico. Foram aplicados 12 questionários, mas foram analisados nove que estão dentro dos critérios estabelecidos: pais adolescentes, que aceitaram participar do estudo assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e que responderam todas as perguntas. Entre os nove que participaram da pesquisa dois ainda são considerados adolescentes com 17 e 18 anos, quatro tem 19 anos, e três acima de 20 anos. Gráfico 1 - Idade em que o adolescente tornou-se pai
Fonte: Dados primários da pesquisa A paternidade no presente estudo aconteceu a partir dos 15 anos de idade, sendo que a incidência maior 3 (N) 34% com 16 anos. A maioria dos adolescentes tornam-se pais em um período muito conturbado da vida. Um momento de mudanças físicas e emocionais e principalmente pela paternidade não ser fruto de algo pensado, mas sim de uma iniciação sexual precoce e sem prevenção. A GA gera vários problemas sociais, entre eles a interrupção do processo de escolarização do jovem, contribuindo para diminuir suas chances futuras de adquirir melhores postos de trabalho, dificultando o acesso social e econômico (CABRAL, 2003).
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Gráfico 2 - Paternidade como causa de evasão escolar
Fonte: Dados primários da pesquisa Após a descoberta da gravidez, boa parte dos pais adolescentes abandonam os estudos para trabalhar. Neste estudo, 3 (N) 33% dos jovens abandonaram a escola diante da situação de paternidade precoce e 6 (N) 67% continuaram com os estudos. O trabalho é tido como principal argumento para aqueles que se deparam, em seu percurso, com uma futura paternidade e deixam de estudar para trabalhar. Cabral (2003) afirma que em determinada classe social a ausência de escolaridade ou sua interrupção prematura são alguns dos fatores explicativos da gravidez na adolescência, a qual traz como consequência, para os jovens do sexo masculino das camadas populares, o aumento das dificuldades, desinteresse ou inviabilização de suas tentativas de retorno à escola. É certo também que a pouca escolarização obtida pode trazer futuramente maiores dificuldades para estes adolescentes relacionadas à sua inserção no mercado de trabalho e nível de renda. Gráfico 3- Situação de moradia atual.
Fonte: Dados primários da pesquisa
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Meincke et al. (2011, p. 455) que fizeram levantamentos sócio demográficos da realidade dos adolescentes pais afirmam: Os pais jovens permanecem residindo com a família de origem, devido às dificuldades econômicas, visto que a maioria deles não possui estabilidade profissional, em decorrência da idade e do contexto de marginalidade no qual estão inseridos, tornando-se dependentes do apoio da família. Em contrapartida, em outro estudo, averiguou-se que pouco mais da metade de pais e de mães jovens não moram com a própria família ou responsáveis. Esses estudos mostram as divergências no que diz respeito à situação de moradia dos pais adolescentes.
A pesquisa mostrou também que 3(N) 34% dos entrevistados residem atualmente com a própria família; 3 (N) 34% moram com suas companheiras; 1 (N) 11% mora sozinho; 1 (N) 11% mora junto à família da companheira; e 1 (N) 11% mora com nova companheira. Gráfico 4 - Diálogo sobre sexo com os pais
Fonte: Dados primários da pesquisa Muitos pais não têm preparo ou liberdade de falar sobre sexo com os filhos. Em muitos casos este assunto é abortado do seio familiar, sendo às vezes proibido ou tratado de forma inadequada por meio de brincadeiras e piadas, mas sem a preocupação efetiva de informar e educar o jovem. Por outro lado, na escola, a educação sexual não é ofertada como disciplina específica, sendo o assunto abordado de forma insuficiente dentro da disciplina de Ciências. Os adolescentes procuram conhecimento sobre sexo na rua com os colegas, amigos e através da televisão, internet e revistas, de forma inadequada e errônea. Estas fontes de (des)informação é que deixam o jovem desprotegido frente as consequências do ato sexual sem responsabilização e cuidado. As representações sociais sobre a paternidade: uma vivência do adolescente pai
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Dentro deste contexto temos também a omissão do serviço de saúde que não faz uma abordagem adequada com o adolescente sobre sexo e sexualidade. Embora os pais estejam preocupados com os filhos ante os problemas da sociedade atual, sentem-se despreparados para dialogar com eles sobre a sexualidade (CANO; FERRIANI, 2000). Conforme os resultados, 6 (N) 67% dos entrevistados não conversavam abertamente sobre sexo com seus pais; e 3 (N) 33% afirmaram falar sobre o assunto em casa. Os primeiros educadores sexuais deveriam ser os pais, mas por diversas razões, entre elas, a vergonha de abordar o assunto, questões religiosas e a maneira como os pais foram educados sexualmente, impedem a abordagem aberta sobre sexualidade no espaço familiar (BRUZAMARELLO, 2010). A omissão de informação da família, escola e serviço de saúde prejudica o adolescente que vai buscá-la de forma inadequada, com pessoas despreparadas recebendo informações errôneas. Gráfico 5- Idade da 1ª relação sexual
Fonte: Dados primários da pesquisa Quando questionados sobre o início de suas atividades sexuais, os adolescentes responderam ter começado com menos de 10 anos até os 15 anos de idade. Estes dados sugerem uma iniciação sexual muito precoce na fase da adolescência. Segundo o MS, o início da vida sexual ativa na faixa etária dos 10 aos 14 anos de forma precoce ou sem proteção para DST/AIDS e gravidez, configura como situação de risco para os adolescentes. A probabilidade de contaminação por DSTs nesta faixa etária é maior, considerando que esta fase da adolescência é marcada pela ausência de prevenção sexual.
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Gráfico 6- Adolescentes em situação de trabalho
Fonte: Dados primários da pesquisa De acordo com as respostas do questionário, 5 (N) 56% dos entrevistados não trabalham e 4(N) 44% trabalham. Esta informação se relaciona com os dados referentes aos que assumiram e/ou vivem com suas companheiras. Como a pesquisa abordou a clientela pais na adolescência, dos quatro pesquisados que trabalham, todos já estão fora da faixa etária considerada para o estudo (de 12 a 18 anos, conforme o ECA). Esta informação também corrobora a tabela 1 que se refere à renda mensal onde 6 (N) 66% não tem renda ou ela é menor que um salário mínimo e os demais recebem mensalmente dois ou mais salários. Além disso, adolescentes cuja renda familiar se classifica entre as mais pobres, quase não tem nenhuma chance de completar o 2º grau após o nascimento de um filho (CABRAL, 2003). Esta realidade deixa-os à margem da escalada social. Gráfico 7- Estado civil dos pais adolescentes.
Fonte: Dados primários da pesquisa As representações sociais sobre a paternidade: uma vivência do adolescente pai
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O gráfico 7 mostra que 5 (N) 55% estão casados ou tem união estável e 4 (N) 45% continuam solteiros. Esta informação está condizente com estudos que afirmam que o adolescente muitas vezes é obrigado a constituir família mesmo sem a oficialização de fato. Estas uniões nem sempre duram muito. Segundo Almeida e Miranda (2009), as gestações pré-matrimoniais estão relacionadas com o rompimento dos casamentos, pois de cada 4 matrimônios neste tipo de situação, 3 acabam em divórcio, sendo que pais jovens têm maiores probabilidades de desajustes e desagregação familiar. Gráfico 8- Situação Escolar
Fonte: Dados primários da pesquisa De acordo com o gráfico 8 percebe-se que a gravidez não é causa de abandono escolar pelos pais adolescentes, 6 (N) 67% continuaram seus estudos e 3 (N) 33% desistiram da escola. Carvalho e Matsumoto (s.n.t.) afirmam que a gravidez na adolescência leva na sua grande maioria à evasão escolar, não só da adolescente como do pai da criança, que em muitos casos tem que trabalhar para sustentar a família. Problemas educacionais e abandono da escola são fatos constantes no caso de uma gestação na adolescência, tanto para a gestante quanto para o futuro pai adolescente. Quanto à educação formal, a paternidade na adolescência está associada a baixos níveis de escolaridade. Estes indicadores de baixa escolaridade independem da etnia do pai adolescente e do fato de viver ou não com a criança (LEVANDOWSKI; PICCININI, 2004). A análise dos gráficos 9 e 10 foi feita relacionando as variáveis conhecimento do programa de Planejamento Familiar e o uso de contraceptivos. As fontes de informações sobre formas de prevenção de gravidez não sensibilizam todos os adolescentes. Muitos nas suas primeiras relações sexuais revelam não terem utilizado nenhum método contraceptivo. Além
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disso, vale ressaltar a não inclusão do jovem no programa de Planejamento Familiar. Mendonça e Araújo (2010, p. 1043) ressaltam que: Embora o país conte com a implantação de programas de saúde com extensão de cobertura populacional em muitas localidades, como é o caso da Estratégia de Saúde da Família (ESF), muitos jovens ainda não têm acesso à informação e aos serviços adequados ao atendimento de suas necessidades de saúde sexual e reprodutiva, o que os estimula a tomar decisões de maneira livre e responsável.
Gráfico 9- Uso de método contraceptivo
Fonte: Dados primários da pesquisa Gráfico 10 - Conhecimento sobre Planejamento Familiar
Fonte: Dados primários da pesquisa De acordo com as respostas avaliadas 7 (N) 78% afirmaram não fazer uso de nenhum contraceptivo, 1 (N) 11% fazia uso esporádico e 1(N) 11% As representações sociais sobre a paternidade: uma vivência do adolescente pai
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afirmou fazer uso, mas não sabe se de maneira correta. Esta análise é complementada com o gráfico 10 onde apenas 1(N) 11% tem conhecimento do Programa de Planejamento Familiar. Acerca das respostas das questões abertas, podemos destacar os seguintes tópicos: a) sentimento quando soube que ia ser pai A ausência de planejamento da gestação contribuiu para o surgimento de sentimentos de ansiedade, dúvida e medo por parte dos adolescentes, fazendo com que alguns dos entrevistados, ao serem informados da paternidade, utilizassem mecanismos, como a negação, a fim de enfrentar a situação inesperada. (NOGUEIRA et al. 2011). Os sentimentos que foram apontados quando da notícia da paternidade variaram entre o medo, preocupação, raiva, fúria e desespero. No primeiro momento eu tive medo, até chorei. Depois não liguei mais, eu era muito novo. (Adol. 1) Tive medo, mas depois nem importei. Ela já era mãe, era o 2º filho e tinha 25 anos. (Adol.2) Na hora fiquei me achando mais macho que meus colegas, depois é que vi a responsabilidade, caiu a ficha. (Adol. 4).
O medo e ansiedade sentidos em relação à paternidade foram explicados tendo em vista o modelo do pai provedor muito presente em nossa sociedade. Nesta concepção que permeia os discursos do senso comum e até mesmo científico, ser pai é, sobretudo, ser o provedor, responsável financeiramente pelo filho, ficando os cuidados afetivos e morais a cargo das mães (NOGUEIRA et al. 2011). Fiquei furioso, dei dinheiro pra ela aborta o filho. (Adol.5). Fiquei chateado com raiva de me mesmo. (Adol. 6).
As reações negativas e agressivas podem ter sido decorrentes da própria ambiguidade da fase da adolescência, ao não planejamento da gravidez tanto no aspecto psíquico, econômico, familiar e social. b) reação da família No começo, alguns pais ficam assustados e não querem saber de assumir a responsabilidade, mas depois de alguns dias, assumem. Alguns deixam seus filhos morarem na mesma casa e ajudam a cuidar do bebê. Mas tem pais que não aceitam a gravidez dos filhos, porque acham que estes não têm idade para cuidar de uma criança e não permitem que seus filhos vivam na mesma casa.
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As respostas desta pergunta foram variadas. Alguns pais se manifestaram positivamente, outros não aceitaram a princípio, um isentou-se da responsabilização pelo filho enviando-o para outra cidade. Ficaram felizes, sou filho único, agora tem um bebê na família. Minha mãe é que ajuda a criar. (Adol. 4). Ficaram muito bravos comigo e com ela, obrigaram a gente a casar. Foi bom, criei juízo. (Adol. 3). Me mandaram morar com uma tia em outra cidade, quando voltei depois de dois anos, a menina com a criança não morava mais lá. Eu não conheço o meu filho. (Adol.1). Não falaram nada, eles nunca falam nada. (Adol. 2).
As relações estabelecidas entre pais e filhos adolescentes e o impacto dos estilos parentais são importantes para a formação de caráter e personalidade. Nesta fase da vida estão presentes inúmeras adaptações e mudanças nas habilidades interpessoais e, por isso, torna-se importante um ambiente familiar que ofereça acolhimento e orientação necessários diante da complexidade das emoções vivenciadas. A rigidez disciplinar e as dificuldades de diálogo podem interferir na vida familiar e social do jovem. Da tipologia de estilos parentais, definida a partir dessas dimensões, derivam quatro estilos: autoritativo, negligente, indulgente e autoritário. O termo autoritativo caracteriza o estilo parental que combina elevados níveis de controle e de afetividade. Essa expressão é amplamente utilizada na literatura brasileira. Pais com elevada responsividade, manifestação de afeto e apoio, ao mesmo tempo em que exigem e realizam de forma apropriada o exercício de autoridade e de colocar limites, são classificados como autoritativos. Pais que apresentam níveis baixos de responsividade e de demonstração de afeto e controle, sem manifestar interesse nas atividades, companhias e preocupações dos filhos, são considerados negligentes. Indulgentes são aqueles muito afetivos, mas pouco exigentes. Os autoritários manifestam um padrão elevado de exigência, com predomínio da imposição de regras, sem perceber relevância nas opiniões dos filhos. São pouco afetivos, demonstrando diminuído apoio ao adolescente (BENCHAYA, 2011). c) expectativa sobre o futuro da criança Muito já se falou sobre a influência das expectativas dos pais na vida dos filhos. Alguns especialistas salientam a influência negativa, outros mostram como é necessário que os filhos tenham um caminho traçado pelos pais. Os pais adolescentes têm sentimentos diversos sobre o futuro de seus filhos. As representações sociais sobre a paternidade: uma vivência do adolescente pai
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Vou fazer tudo para ele ser melhor do que eu, ter melhor futuro, sabe. Quero arranjar um emprego pra casar, meu pai fez um quarto para nós, só falta o emprego. (Adol. 4). Estou investindo para que ele seja um cara realizado na vida. Ele é uma figurinha muito legal. (Adol. 3). Espero que tenha um bom futuro, sei que a mãe mora em Portugal e a criança é criada por uma família mas não sei onde, ela foi doada (Adol. 1).
Em virtude das dificuldades geradas pela paternidade na adolescência, muitos autores sugerem que os adolescentes não desejam se envolver com o bebê e assumir as responsabilidades da paternidade. No entanto, a ideia do não envolvimento é contraposta em outras pesquisas que indicam que os pais adolescentes demonstram um desejo de participar do cuidado da criança e permanecem em contato com o bebê após seu nascimento (LEVANDOWSKI, 2001). 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS presente estudo, pôde-se observar que a gravidez na adolescência está diretamente relacionada com o contexto familiar, tendo em vista que, a família possui grande influência na solidificação do processo de maturação, entretanto baseando-se nos dados informados, detectou-se ausência total ou parcial de diálogo na família, em decorrência de alguns tabus ainda existentes na sociedade e constrangimento entre pais e filhos para discorrer sobre sexualidade, simultâneo ao fato de que a puberdade é o momento de modificações físicas e ápice do interesse para o início da atividade sexual. Observou-se ainda que uma pequena parte dos adolescentes pais abandonou os estudos para trabalhar em decorrência da gravidez da parceira. Isto pode acarretar o aumento das dificuldades, desinteresse ou inviabilização de suas tentativas de retorno à escola, além de futuros transtornos relacionados à sua inserção no mercado de trabalho e nível de renda, o que configura uma realidade difícil para administrar as necessidades financeiras que surgem com a chegada do bebê. Percebeu-se também que os jovens conhecem os métodos contraceptivos, porém, não os usam. A mesma sociedade que os incentiva a ter a primeira relação sexual não tem capacidade de acolhimento a esses jovens. Neste sentido, deve-se ressaltar que apenas dar informações técnicas aos adolescentes não é o bastante. Torna-se necessário então, que os jovens sejam orientados em casa, na família, onde possam se sentir à vontade para fazerem questionamentos e expressarem suas dúvidas, medos e desejos. Esse canal de comunicação precisa e deve também ser criado e mantido com as adolescentes.
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Contudo, a falta de planejamento familiar colaborou para que surgissem sentimentos negativos com relação ao advento da paternidade, como medo, preocupação, raiva e desespero, o que dificulta o vínculo afetivo-emotivo, interesse pelo cuidado paterno, ou seja, fatores inerentes à aquisição de uma paternidade presente. 5 REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. E. F.; MIRANDA, D. C. Avaliação de gestantes adolescentes no município de capelinha. Revista Enfermagem Integrada. Ipatinga: Unileste-MG, v. 2, n. 1, Jul/Ago. 2009. BAUER, M. V. W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002. BENCHAYA, M. C. et al. Pais não autoritativos e o impacto no uso de drogas: a percepção dos filhos adolescentes. J. Pediatr. (Rio J.) Porto Alegre, v. 87, n. 3, p. 238-244, Jun, 2011. BRASIL. Lei 8.069, de 13 de Julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: Ministério da Justiça, 1990. _______. Ministério da Saúde. Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/MS sobre Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União. 10 de outubro de 1996. BRUZAMARELLO, B. Educação sexual de adolescentes nas escolas: um olhar sobre o cenário brasileiro. Porto Alegre, 2010. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/28284/000770285. pdf ?sequence=1>. Acesso em: 13 nov. 2013. CABRAL, C. S.; Contracepção e gravidez na adolescência na perspectiva de jovens pais de uma comunidade favelada do Rio de Janeiro. Cad. Saúde Pública. v. 19, Rio de Janeiro, 2003. CANO, M. A. T.; FERRIANI, M. G. C. A família frente à sexualidade dos adolescentes. Acta Paul Enf. São Paulo, v.13, n.1, p. 38-46, 2000. CARVALHO, M. B.; MATSUMOTO, L. S. Gravidez na adolescência e a evasão escolar. (s.n.t.).Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao. pr.gov.br/portals/ pde/arquivos/1868-8.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2013. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008. LEVANDOWSKI, D. C. Paternidade na adolescência: expectativas, sentimentos e a interação com o bebê. Dissertação de mestrado profissional. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2001. LEVANDOWSKI, D. C.; PICCININI, C. A. Paternidade na adolescência: aspectos teóricos e empíricos. Rev. Bras. Cresc. Desenv. Hum. São Paulo, v. 14, n. 1, p. 49-62, 2004. As representações sociais sobre a paternidade: uma vivência do adolescente pai
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MEINCKE, S. M. K. et al. Perfil sociodemográfico e econômico de pais adolescentes. Rev. enferm. UERJ. Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, p. 452-456, jul/set, 2011. MENDONÇA, R. C. M.; ARAÚJO, T. M. E. A análise da produção científica sobre o uso dos métodos contraceptivos pelos adolescentes. Rev. Bras. Enferm. Brasília, v. 63, n. 6, p. 1040-1045, nov-dez, 2010. MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: HUCITEC, 1995. NOGUEIRA, M. J.et al. Depois que você vira um pai...: adolescentes diante da paternidade. Rev. Adolesc. Saúde. Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 28-34, jan/mar, 2011. SOARES, E. Metodologia científica: lógica, epistemologia e normas. São Paulo: Atlas, 2003.
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HEPATOTOXICIDADE DO ACETAMINOFENO (PARACETAMOL) NA DENGUE
Tharcilla Nascimento da Silva Macena (UNEB) Raiane Gobira Salomão (FASB) Tamy Alves de Matos Rodrigues (FASB) Gislaine Mendes Coelho (FASB)
Artigo recebido e aceito em 25 de outubro de 2014
Resumo A dengue é uma arbovirose originada do vírus da família Flaviviridae, considerado altamente tóxico às células do fígado. Com a disseminação dessa enfermidade os órgãos públicos de saúde elaboraram um protocolo visando tratar seus sintomas, já que não existe, atualmente, medicamento que combata o vírus. Estas orientações incluem o uso do acetaminofeno como principal fármaco no combate aos sintomas, descrito como seguro e eficaz. Entretanto, pesquisas demostram que durante o processo de absorção do acetoaminofeno são gerados metabólitos altamente tóxicos que podem causar sérios danos degenerativos aos hepatócitos, em casos de superdosagem. Com objetivo de demonstrar a relação entre o uso do acetaminofeno e sua hepatotoxicidade em casos de dengue realizouse uma revisão de literatura, em bancos de dados, que serviram de subsídios para maior esclarecimento do tema. Palavras-chave: Acetaminofen. Mosquito Aedes aegypti. Febre. Abstract Dengue is an arbovirus originated from the Flaviviridae virus to be highly toxic to liver cells. With the spread of this disease Public health agencies developed a protocol aiming at treating your symptoms, since there is currently no medication that fights the virus. These guidelines include using acetaminophen as the main drug to combat the symptoms described as safe and effective. However, researches show that during the absorption of highly toxic acetaminophen metabolite that can cause serious damage to degenerative liver cells in cases of overdosage are generated. In order to demonstrate the relationship between the use of acetaminophen and its hepatotoxicity in dengue cases carried out a literature review in databases, which served as input for further clarification of the theme. Keywords: Acetaminophen. Flie. Aedes aegypti. Fever. Hepatotoxicidade do acetaminofeno (paracetamol) na dengue
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INTRODUÇÃO Doenças infecciosas são responsáveis por um índice elevado de mortalidade, que atinge aproximadamente 14 milhões de pessoas por ano. Contudo, menos de 1% dos mais de 1300 novos medicamentos desenvolvidos nos últimos 25 anos foram destinados a essas doenças (MENDONÇA; SOUZA; DUTRA, 2009). A dengue é uma doença cujo agente etiológico é um vírus pertencente à família flavivírus. O principal vetor dessa arbovirose é o mosquito Aedes aegypti, que através do processo de domiciliação adaptou-se ao ambiente tropical e às condições do meio urbano. Sua progressão depende de condições socioambientais e ecológicas que facilitam a dispersão do vetor. Na ausência de uma vacina eficaz, o controle da transmissão do vírus requer o esforço conjunto da sociedade no combate ao vetor. Entretanto, com a grande capacidade de adaptação do Aedes aegypti ao ambiente esta tarefa nem sempre produz resultados positivos (CÂMARA, et al 2007). No Brasil e em outras partes do mundo com condições propícias para o desenvolvimento do inseto – o homem, o vírus, o vetor e o clima – a dengue tornou-se um grave problema de saúde pública. Atualmente são conhecidos quatro sorotipos distintos: DENV1, DENV2, DENV3 e DENV4. Em 2002, pesquisas com microscopia eletrônica mostraram que a dengue na verdade corresponde a um quadro de hepatite viral causado por um dos 4 sorotipos do vírus da dengue, em razão da hepatotoxicidade desta classe. As manifestações clínicas podem ocorrer desde uma síndrome viral simples, até quadros mais graves podendo levar a óbito. Dentre as terapêuticas utilizadas para o tratamento dos sintomas ocasionados pela patologia – como a síndrome febril – os mais comuns são medicamentos antitérmicos e analgésicos, aos quais incluem o acetaminofeno, medicamento conhecido, também, como paracetamol e cientificamente como N-acetil-p-aminofenol. Esse antitérmico é abundantemente utilizado em todo o mundo, sendo indicado pelos órgãos de saúde nacional e internacional. Sua administração deve ser prescrita pelo médico já que o tratamento é diferenciado entre crianças e adultos, porém sua livre comercialização dificulta esse controle. Por si só, o fármaco já traz complicações severas em uso excessivo, ou em casos de alguma disfunção associada, ambos relatados em sua bula. Maiores informações a cerca da posologia e contraindicações certamente auxiliariam na diminuição de casos de intoxicação, entretanto, este não vem acompanhado de bula, negligenciando sua utilização e oferecendo mais riscos à população.
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Condições como o crescimento global da população, urbanização e condições socioambientais, incluindo condições inadequadas de saneamento, ausência de tratamento adequado de lixo, má distribuição de renda e baixa escolaridade de grande parte da população, contribuíram muito para a disseminação do vetor (FERREIRA, et al 2009). Os casos de epidemia de dengue no Brasil começaram a ser relatados desde 1986, inicialmente nos principais centros urbanos e logo após se difundindo para a maioria das cidades com perfil favorável para desenvolvimento do vetor e altos índices de infestação do mesmo. No estado da Bahia, até o primeiro dia de Abril de 2013 foram notificados 29.363 casos de dengue, um aumento de 10,45% em relação ao mesmo período de 2012. Teixeira de Freitas foi destacado como o segundo município com maior número de casos, 2.446, sendo dois destes casos apresentados sob a forma grave da doença. A correlação de todos esses dados reforça a importância de estudos onde ocorra a verificação e comprovação que os benefícios da utilização do acetaminofeno sejam maiores que os riscos. Justificando seu uso a partir de pesquisas, além da necessidade de se estabelecer um procedimento mais eficaz, seguro e com maiores alternativas de terapêutica para casos de dengue e associações. E foi a partir dessa problemática que o trabalho teve início, objetivando, principalmente, estabelecer a relação entre o comprometimento hepático e a administração do acetaminofeno na condição da dengue. METODOLOGIA Conforme descrito por Gil (2002), a pesquisa foi de natureza exploratória pelo objetivo, direta pelo tipo de abordagem e bibliográfica pelo objeto, cuja revisão foi realizada através de uma investigação em periódicos e livros com fim de estabelecer a relação entre o comprometimento hepático e a administração do acetaminofeno na condição da dengue. Tendo como preocupação central identificar e compilar os fatores, já observados por outros autores, que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Esse tipo de pesquisa engloba as ciências naturais valendo-se quase exclusivamente do método exploratório. A metodologia integra uma pesquisa sobre o uso do paracetamol e a ocorrência de comprometimento hepático em casos de dengue, onde foi feita a partir de estudos publicados entre os anos de 1998 a 2013. Os dados foram obtidos a partir de pesquisa bibliográfica, artigos científicos encontrados em bases de dados (PUBMED e SCIELO), trabalhos com vinculação acadêmica e revistas científicas. Na busca de artigos, os seguintes termos de pesquisa (Palavras-chaves) foram utilizados: acetaminofen, mosquito, Aedes aegypti, febre. Hepatotoxicidade do acetaminofeno (paracetamol) na dengue
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EPIDEMIOLOGIA DA DENGUE NA BAHIA E EM TEIXEIRA DE FREITAS EM 2014 O Boletim Epidemiológico Dinâmico da Dengue é um aplicativo para produção automática de informações relativas à dengue no estado da Bahia e em seus municípios a partir do relacionamento de diversas fontes de dados alimentadas diariamente por trabalhadores que compõem o sistema de saúde estadual. Dentre as fontes de dados inclui-se o Sistema de Informação de Agravos de Notificações (SINAN), que é gerenciado pelo Ministério da Saúde. Graças a esse esforço coletivo, profissionais da saúde e população em geral têm acesso online às informações mais atualizadas e qualificadas do Estado e de seus 417 municípios. No mês de janeiro deste ano o Brasil passou a adotar a nova classificação de caso de dengue revisada da Organização Mundial de Saúde, que classifica os casos de dengue em: dengue, dengue com sinais de alarme, e dengue grave. Com intuito de tornar mais específico e dar maior credibilidade aos dados emitidos pelas notificações. Até a 42ª semana epidemiológica de 2014 foram informados pelas unidades de saúde e registrados no SINAN 20.602 casos suspeitos de dengue no estado da Bahia. Foram classificados como dengue 5.877 casos, como sinais de alarme 106 casos, como dengue grave 34 casos, foram descartados 7.389 pacientes que estavam sob suspeita, e estão sem classificação 11.958 casos, pois não houve diagnóstico laboratorial. No mesmo período de 2013 foram notificados 83.424 casos de dengue, portanto, o número de casos atual corresponde a um decremento de 75,3%. No entanto, Teixeira de Freitas faz parte dos dez municípios com os maiores números de casos notificados em 2014, com estimativa até o momento de 346 casos confirmados e tratados. Mas, não se pode excluir a existência de casos onde não houve diagnóstico, pois o paciente não procurou o serviço de saúde e, logo, não foi notificado. MANIFESTAÇÕES HEPÁTICAS CAUSADAS PELO VÍRUS DA DENGUE A infecção pelo vírus da dengue possui uma série de manifestações clínicas, onde se apresenta desde sintomas parecidos com o resfriado comum, até complicações mais sérias, como derrame pleural, miocardite, manifestações do sistema nervoso, insuficiência renal e muito frequentemente o comprometimento da função hepática. Esse vírus é pertencente da família Flaviviridae e como os outros vírus dessa família, o vírus da dengue tem potencial de lesar células hepáticas.
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Apesar de o fígado não ser o órgão-alvo da doença, achados histopatológicos, como necrose centrolobular, alterações lipídicas, hiperplasia das células de Kupffer, infiltração portal por linfócitos e monócitos, foram descritos em pacientes com dengue hemorrágica e síndrome do choque da dengue. Essa lesão hepática pode ser explicada pela resposta do hospedeiro ao agente, o que determina alterações na perfusão de vários tecidos, na tentativa de preservar outros órgãos vitais. A dengue pode estar incluída no contexto da DILI (Drug Induced Liver Disease), ou lesão hepática induzida por droga (PARANÁ; WAKSMAN, 2011), que mesmo aparentemente rara no contexto das doenças hepáticas, são relativamente frequentes nos centros de referência para doenças do fígado, como é o caso da associação da utilização do acetaminofeno em pacientes acometidos pela patologia. Um estudo realizado por Filho (2011) evidencia que a infecção pelo vírus da dengue é responsável pela maioria dos casos de hepatites, sendo de variável intensidade. E que na maioria das vezes, a hepatite associa-se às formas mais leves, diagnosticada pela elevação das aminotransferases, no entanto há casos de hepatite fulminante e hepatite ictérica. As aminotransferases (ALT e AST) são liberadas pelos hepatócitos e detectadas no sangue periférico, uma vez que o vírus causa uma lesão parenquimatosa, privando o fígado de oxigênio (MACÊDO et al., 2010). Assim, dano hepático é frequentemente observado em pacientes com dengue, evidenciada pela elevação das ALT (Alanina Aminotransferase) e AST (Aspartato Aminotransferase). ASPECTOS LABORATORIAIS DA DENGUE É importante que se tenha agilidade em detectar precocemente as epidemias e casos de evolução grave da dengue, reduzindo a letalidade. Para isso, precisa-se de informações consistentes disponíveis, critérios de casos bem definidos, profissionais da saúde com conhecimento clínico da doença e diagnósticos laboratoriais otimizados (DUARTE; FRANÇA, 2006). Além dos sinais e sintomas descritos na dengue, o diagnóstico é basicamente clínico. Podendo apresentar quadro semelhante a outras síndromes febris agudas, é importante que seja feito um diagnóstico diferencial, incluindo mononucleose infecciosa, rubéola, sarampo, enteroviroses, doença meningocócica e febre amarela (DANTAS, 2013). Várias técnicas podem ser utilizadas para o diagnóstico sorológico da dengue: a inibição de hemaglutinação (IH), a fixação de complemento (FC), a neutralização (N) e a técnica imunoenzimática (ELISA). A técnica sorológica mais disponível para o diagnóstico é a técnica de ELISA, exame simples que detecta anticorpos antidengue. Neste teste, os anticorpos IgM permanecem detectáveis por aproximadamente 2 meHepatotoxicidade do acetaminofeno (paracetamol) na dengue
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ses, esta técnica tem sensibilidade de 100% e especificidade de 100% nos primeiros 3 dias da infecção, entre o sétimo e o décimo dia, este valor é reduzido para 95 a 97% (MACÊDO, et al., 2010). Outro teste simples e rápido que vem sendo utilizado é o imunocromatográfico, que detecta qualitativamente e diferencia as imunoglobulinas IgG e IgM. Sendo que a sensibilidade deste exame é em torno de 99% e a especificidade de 98%. Para o monitoramento dos casos pela vigilância epidemiológica e identificação dos sorotipos circulantes, pode ser feito o diagnóstico molecular através da reação em cadeia da polimerase, utilizando-se a transcriptase reversa (RT-PCR). A detecção da carga viral e do material genético do vírus para avaliação dos sorotipos deve ser feita de preferência no período da viremia, ou seja, na primeira semana da infecção. Esse exame tem sensibilidade de 100% e especificidade de 100%. O hemograma pode ajudar na determinação da gravidade do quadro, sendo que pode ocorrer diminuição da taxa de hemoglobina sérica, aumento do hematócrito, leucocitose, neutropenia e ou trombocitopenia acompanhada ou não de alterações das provas de coagulação. As enzimas ALT e AST, já citadas, fazem-se indispensáveis no diagnóstico da dengue, assim como a fosfatase alcalina e bilirrubinas. Em relação aos avanços que vêm sendo obtidos nas técnicas laboratoriais, inclusive com a redução do tempo necessário para obtenção dos resultados dos exames nas infecções agudas, há ainda dificuldades para estabelecer com segurança e rapidez, se os indivíduos já foram anteriormente infectados por outros sorotipos (BARRETO; TEIXEIRA, 2008). TERAPÊUTICA UTILIZADA Para terapêutica da dengue, os medicamentos utilizados são direcionados aos sintomas e não à eliminação do vírus, ou seja, o tratamento é basicamente paliativo. O Ministério da Saúde e a Secretaria de Vigilância em Saúde recomenda como protocolo o uso do analgésico e antipirético, entre eles o acetaminofeno. Em crianças é indicado 10-15mg/kg/dose até de 6/6 horas e em adultos 20-40 gotas ou 1 comprimido (500 a 750mg) até de 6/6 horas. Associações deste com fosfato de codeína (7,5 a 30 mg – 6/6 horas) são recomendadas nos casos de dor intensa em adultos. E em casos mais graves outras medidas de intervenção devem ser adotadas. Em doses consideradas seguras (citadas no parágrafo anterior) o acetaminofeno age para a redução da febre e para o alívio temporário de dores leves a moderadas. Em casos de superdosagem o acetaminofeno é altamente hepatotóxico, sendo os sinais e sintomas iniciais: náusea, vômito, sudorese intensa e mal-estar geral (MEDLEY, 2012).
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Por ser recomendado pelo Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde, além de altamente indicado por médicos, a população reconhece o acetaminofeno como fármaco para o tratamento da dengue, fazendo uso de forma indiscriminada e sem instruções sobre contraindicações e afins. Mesmo com todas as objeções, este medicamento é de venda livre, sendo comercializado sem haver necessidade de apresentação de receita, e ao comprá-lo o mesmo não vem acompanhado de bula. Associado ao desconhecimento, todos esses fatores abrangem os danos hepáticos já causados pelo vírus. PARACETAMOL: COMPROMETIMENTO HEPÁTICO O acetaminofeno é o metabólito ativo da fenacetina administrado por via oral, atinge a concentração sanguínea máxima em 30-40 minutos (KATZUNG, 2005), é absorvido pelo trato gastrintestinal (Sebben et al., 2010) e tem meia vida de 2-3 horas. Para sua metabolização, liga-se a proteínas plasmáticas e é metabolizado em parte no fígado, onde as enzimas microssomais hepáticas transformam-no em sulfato e glicuronídio de acetaminofeno – farmacologicamente inativos. Um metabólito menor também é formado, podendo ser significativamente importante em casos de superdosagem, por ser altamente ativo e hepatotóxico. O acetaminofeno é um fármaco anti-inflamatório não esteroide (AINE) de consumo liberado e sem controle médico. Esta droga segue uma trilha metabólica clássica. Alguns fatores influenciam na sua toxicidade, como o jejum e a utilização de álcool, que associados à superdosagem podem agravar seus efeitos colaterais. Outros medicamentos associados também podem piorar o quadro clínico da doença, já que por ser um medicamento metabolizado no fígado, este pode ser sobrecarregado. Em doses terapêuticas o acetaminofeno não é tóxico para a mucosa gástrica, medula, plaquetas, fígado e rins, entretanto, após a ingestão de grandes quantidades (acima de 2000 mg/kg), pode lesar o fígado e os rins (BRICKS, 1998). Quando administrado ele é metabolizado no fígado onde passa por dois processos, sulfatação e glucuronidação, assim uma pequena quantidade é convertida em um metabólito eletrófilo altamente tóxico através da ação de oxidação catalisada pelo citocromo P450. O glutatião interage com esse metabólito que é destoxificado (KATZUNG, 2005). Em casos de superdosagem, o glutatião é depauperado, logo os metabólitos tóxicos irão se acumular nos hepatócitos, destruindo as macromoléculas nucleofílicas ligando-se covalentemente às proteínas e aos ácidos nucléicos. Três a quatro dias após a ingestão das superdoses, a toxicidade da droga é aumentada, diante da redução da concentração de glutatião inHepatotoxicidade do acetaminofeno (paracetamol) na dengue
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corporada à ligação covalente dos metabólitos tóxicos, o que culmina em necrose maciça de hepatócitos (KATZUNG, 2005). CONCLUSÃO Fica evidente que direto dano hepático pelo vírus da dengue não é incomum de ser observado em pacientes acometidos por esta condição patológica. Nestas situações o medicamento largamente utilizado é o acetaminofeno, sendo muitas vezes empregado de maneira indiscriminada sob forma de automedicação, ou até mesmo recomendado pelo Ministério da Saúde, ainda que este tenha potencial de hepatotoxicidade. Este fato confirma a hipótese do vírus da dengue não ter efeito hepático isolado, mas sim potencializado se houver outros fatores associados, neste caso, o acetaminofeno. O dano hepático no curso da dengue pode ocorrer nas diferentes formas clínicas da doença, entretanto é mais comumente observado nas formas graves, como a febre hemorrágica da dengue (FHD). Como os casos notificados no Brasil são de índice consideravelmente alto, e consequentemente com utilização elevada do acetaminofeno, espera-se uma maior atenção voltada ao assunto, seja pela informação à população, maior rigorosidade por parte do Ministério da Saúde ou até mesmo quanto ao número de estudos publicados sobre o tema, onde mostrasse a relação entre utilização do medicamento e o comprometimento hepático. Neste país, existem poucos relatos de toxicidade grave pelo acetaminofeno, isso pode ser explicado pelo desconhecimento no momento de relatar esses dados para os órgãos responsáveis por seu processamento. Esses dados são possivelmente subestimados devido à falta de notificação dos surtos. Mesmo diante da epidemia de dengue, quando este medicamento é largamente utilizado, não existem estudos que tenham demonstrado com clareza toxicidade pelo acetaminofeno como um problema de maior relevância na saúde pública do país. Essa questão pode ser explicada pelo aparente número de casos de dengue sem complicações ou sinais de alerta, associada ao difícil acesso aos serviços de atenção primária à saúde, (DANTAS 2013), ou ainda até mesmo pelo desconhecimento dos profissionais da área quanto aos riscos hepatotóxicos do vírus/acetaminofeno na dengue. Assim, mais estudos devem ser realizados, objetivando esclarecer tais questionamentos. Além disso, os médicos devem voltar sua atenção para a existência de casos com maior risco de gravidade frente à indicação do medicamento para pacientes acometidos pela doença. Portanto, este estudo revela que a dengue é ainda muito negligenciada, e que mesmo seu agente viral associado ao corrente uso do acetaminofeno lesar o tecido hepático, continua sendo indicado pelo Ministério
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da Saúde e Organização Mundial da Saúde, sem ao menos alerta sobre os riscos do medicamento. Ainda assim, estes Órgãos admitem que ainda há um longo caminho a ser percorrido para estabelecer um tratamento eficaz para a dengue. REFERÊNCIAS BARRETO, M.L; TEIXEIRA, M.G. Dengue no Brasil: situação epidemiológica e contribuições para uma agenda de pesquisa. Estudos Avançados, São Paulo, v. 22, n. 64, p. 53-72. 2008. BERTOLAMI, M. C. Mecanismos de hepatotoxicidade. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, São Paulo, v. 85, suplemento V, out. 2005. BRICKS, L. F. Analgésicos, antitérmicos e antiinflamatórios não hormonais: Toxicidade - Parte I. Pediatria, São Paulo, v. 20, n.2, p. 126-136. 1998. CÂMARA, F. P. et al. Estudo retrospectivo (histórico) da dengue no Brasil: Características regionais e dinâmicas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, p. 1192-196, mar-abr 2007. DANTAS, R. T. Hepatotoxicidade do paracetamol em pacientes com dengue. 2012. 51 f. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Medicina) - Faculdade de Medicina da Bahia, Universidade Federal da Bahia, Salvador. 2012. DUARTE, H. H. P; FRANÇA, E. B. Qualidade dos dados da Vigilância Epidemiológica da dengue em Belo Horizonte – MG. Revista Saúde Pública, v. 40, n. 1, p. 134-142, mar 2006. FERREIRA, B. J. et al. Evolução histórica dos programas de prevenção e controle da dengue no Brasil. Revista Ciência e Saúde Coletiva, Campinas, v. 14, n. 3, p. 961-972, abr 2009. FILHO, R.P.F. et al. Reunião com Expertos em Hepatotoxicidade da Sociedade Brasileira de Hepatologia: Analgésicos, Antitérmicos, Insumos Vegetais, Fitoterápicos, Homeopáticos e AINEs. Revista Suplemento de Hepatotoxicidade, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 1-47, jan/mar. 2011. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. KATZUNG, B. G. Farmacologia básica e clínica. 6. ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 2005. MACÊDO, T.B. et al. Alterações na função hepática de pacientes pediátricos infectados pelo vírus da dengue em Salvador. Revista de Ciências Médicas e Biológicas, Salvador, v.9, n. 3, p. 216-223, 2010. MELO, E.B. et al. Histórico das tentativas de liberação da venda de medicamentos em estabelecimentos leigos no Brasil a partir da implantação do Plano Real. Revista Ciência e Saúde Coletiva, Paraná, v. 12, n. 5, p. 1333-1340. 2007. MENDONÇA, F. A; SOUZA, A. V; DUTRA, D. A. Saúde Pública, Urbanização e Dengue no Brasil. Revista Sociedade e Natureza, Uberlâmbia, v. 21, n. 3, p. 257-269, dez. 2009. Hepatotoxicidade do acetaminofeno (paracetamol) na dengue
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EPIDEMIOLOGIA DA HANSENÍASE EM TEIXEIRA DE FREITAS, BAHIA Epidemiology of Leprosy in Teixeira de Freitas,Bahia Tharcilla Nascimento da Silva Macena UNEB/FASB Ceslaine Santos Barbosa FASB/UNEB Dámiris Gripa Giacomin FASB Artigo recebido e aceito em 25 de outubro de 2014
Resumo A hanseníase é uma das moléstias mais antigas já descrita, com relatos desde 600 a.C. A hanseníase, cujo agente etiológico é o Mycobacterium leprae, é uma doença infectocontagiosa capaz de causar sérias lesões dermatológicas e neurológicas. A presente pesquisa teve como objetivo apresentar os dados epidemiológicos de casos de Hanseníase em Teixeira de Freitas-BA. Os dados da pesquisa foram fornecidos pela Vigilância Epidemiológica por meio dos dados do SINAN nos anos de 2009 a 2012. As variáveis levadas em consideração foram: sexo, faixa etária e classificação operacional. Os resultados apontam que está tendo um controle endêmico, sendo resultado de uma efetiva campanha no combate da Hanseníase promovido pelo Ministério da Saúde em conjunto com a vigilância epidemiológica do município. Palavras-chave: Incidência, Epidemiologia, Multibacilares, Paucibacilares. Abstract Leprosy is one of the oldest diseases already described, with reports from 600 BC. Leprosy, whose etiologic agent is Mycobacterium leprae, is an infectious disease that can cause serious dermatological and neurological injuries. The present research aimed to present the epidemiological data of cases of leprosy in Teixeira de Freitas-BA. The survey data were provided by the Epidemiological Surveillance via Data SINAN in the years 2009 to 2012 The variables taken into consideration were gender, age and operational classification. The results show that is having endemic control, being the result of an effective campaign in combating leprosy promoted by the Ministry of Health in conjunction with the epidemiological surveillance of the municipality Keywords: Incidence, Epidemiology, multibacillary, paucibacillary. Epidemiologia da hanseníase em Teixeira de Freitas, Bahia
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INTRODUÇÃO A hanseníase é uma das moléstias mais antigas já descrita, com relatos desde 600 a.C. É uma doença que tem como agente etiológico o Mycobacterium leprae, uma bactéria intracelular obrigatória capaz de causar sérias lesões no sistema nervoso (DUARTE, AYRES, SIMONETTI; 2007). Apesar de hoje a hanseníase ter tratamento, o Brasil e alguns outros países possuem alta prevalência desse mal. Embora haja grande empenho do Brasil na tentativa de erradicar a hanseníase, ele é o segundo país mais afetado pela doença no mundo (BRASIL, 2001). O Mycobacterium leprae pode ser transmitido por pessoas através do convívio de susceptíveis e doentes, por meio das vias aéreas superiores, onde a mucosa nasal possui um papel importante na infecção. Na hanseníase existem duas formas de classificação, a lepra Tuberculoide (TL) e a lepra Lepromatosa (LL) (GOULART, PENNA, CUNHA; 2002). A TL é caracterizada por lesões cutâneas e nervosas, com carga Paucibacilar (PB), sendo a forma menos infectante, apresentando menos de cinco lesões e o teste de baciloscopia encontra-se negativo. Pode ser subidividida pela forma clínica em Indeterminada e Tuberculóide. A LL é caracterizada por lesões generalizadas e tem uma carga Multibacilar (MB), sendo a forma infectante, que geralmente apresenta acima de cinco lesões cutâneas, em que a baciloscopia pode ser positiva ou negativa; e ainda pode ser subdividida em dimorfa e Virchowiana (GOULART, PENNA, CUNHA; 2002) A forma indeterminada, da TL, é a forma inicial, caracterizada pela presença de manchas hipocrômicas, com limites imprecisos, e com distúrbios de sensibilidade. Apresentam como sintomas a diminuição da sensibilidade e o aparecimento de manchas claras em qualquer local da pele. Já a forma tuberculóide, da TL, é caracterizada por lesões hipocrômicas, eritematosas, com bordas discretamente elevadas, com limites bem definidos. Nesta forma pode ocorrer comprometimento de tronco nervoso. Tem como sintomas a diminuição da sensibilidade e alterações nos nervos próximos as lesões. A forma dimorfa, da LL, é caracterizada por lesões eritematosas, ferruginosas, com contornos mal definidos, tendo coloração de pele normal. Já a Virchowiana, da LL, é a fase avançada, caracterizada por apresentar infiltração difusa com lesões eritematosas, infiltradas, mal definidas e de distribuição simétrica, tendo como sintomas deficiências funcionais, sequelas tardias e comprometimento de órgãos internos (SOUZA, 1997). O esquema terapêutico inicial é composto pela dapsona, clofazimina, e rifampicina, este tem sido uma ótima tentativa para erradicação da hanseníase, uma vez que sendo administrada a primeira dose do poliquimioterápico, os pacientes da forma infectante não mais transmitirão a
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doença, além da eficiente evolução para a cura. O tratamento procede de forma diferenciada entre as formas paucibacilar e multibacilar; A primeira é tratada com seis blisters (cartelas de comprimido) em um período de nove meses, já a segunda é tratada com 12 blisters em um período de 18 meses. A composição dessa terapia pode ser alterada caso o paciente apresente resistência a algum desses medicamentos (TARDIN et al., 2010). Diante do exposto, esse trabalho teve por objetivo traçar o perfil epidemiológico da Hanseníase em Teixeira de Freitas, um município do Extremo Sul Baiano, com 153.385 habitantes, apresentando características que favorecem a alta incidência de doenças infectocontagiosas, uma vez que fatores socioeconômicos podem influenciar na transmissão da doença. MATERIAL E MÉTODO Refere-se a um estudo epidemiológico, de caráter quantitativo, por meio de levantamento documental (GIL, 2006) sobre a hanseníase, sendo o período de estudo entre janeiro de 2009 a dezembro de 2012, no município de Teixeira de Freitas, BA. Foram utilizados dados como a idade, sexo, forma clínica, classificação operacional, baciloscopia e esquema terapêutico inicial de cada paciente, todos obtidos a partir do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), por meio da Secretaria de Saúde/ Vigilância epidemiológica do município, que consiste em um sistema informatizado de investigação e notificação de doenças e agravos nacionais relacionadas às doenças de notificações compulsórias. Os dados foram tabulados e organizados em gráficos no Microsoft Excel 2013, o editor de planilhas de dados do Office. RESULTADOS E DISCUSSÃO Incidência de Hanseníase por ano Nos anos pesquisados, 2009 apresentou uma incidência de 112 casos, em 2010 de 69, 2011 com 68 e de 2012 com 59 casos. Mostrando um significativo decréscimo de casos de hanseníase detectados, sendo um grande indício de controle endêmico. Esse controle significativo dá-se devido às normas atuais do Ministério da Saúde, que consiste no diagnóstico precoce da doença e a prevenção por meio da BCG (ARAÚJO, 2003). Distribuição de hanseníase baseado na faixa etária A distribuição de casos de hanseníase segundo a faixa etária dos pacientes indica que há uma maior frequência de casos entre 35 a 49 Epidemiologia da hanseníase em Teixeira de Freitas, Bahia
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anos, nos anos de 2009, 2011 e 2012; e em 2010 entre 20 a 34 anos (Gráfico 1). O índice de afetados menores de 15 anos é utilizado como indicador epidemiológico para identificar a precocidade de exposição e a persistência da transmissão da doença (ANDRADE, GROSSI, MIRANDA; 2006), como a presente pesquisa apresenta índices baixos em menores de 19 anos é um importante indicativo de controle epidemiológico Gráfico 1: Distribuição de hanseníase baseado na faixa etária dos pacientes, nos anos de 2009 a 2012
Fonte: SINAN (XXXX
Distribuição dos casos de hanseníase segundo o sexo Houve uma prevalência do sexo masculino nos anos de 2009, sendo 71 casos (em um total de 112) e em 2010 de 38 casos (em um total de 69). Equivalência em 2011 de 34 casos para cada sexo (de um total de 68 casos) e prevalência do sexo feminino no ano de 2012 de 32, podendo ser observado no gráfico 2. A literatura aponta que há uma maior incidência em homens, uma vez que se supõe que esses são mais expostos ao agente etiológico. Contudo, a pesquisa mostrou variação no ano de 2012 e equivalência no ano de 2011. O aumento das taxas de detecção de hanseníase no sexo feminino pode ter ocorrido devido às mulheres, nos últimos anos, estarem mais expostas com a entrada no mercado de trabalho, e por buscarem com mais frequência centros de saúde ou possuírem um maior cuidado com o corpo, favorecendo o diagnóstico e consequentemente a notificação. Diferentemente dos homens, que frequentam menos unidades de saúde. O que se imagina que havendo uma procura frequente pelo sistema de saúde por parte dos homens, pode ser que o número de casos registrado aumente (LANA, 2003).
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Gráfico 2: Distribuição dos casos de hanseníase segundo o sexo nos anos de 2009 a 2012
Fonte: SINAN (ANO)
Distribuição dos casos de hanseníase segundo a classificação operacional e a forma clínica A distribuição dos casos de hanseníase segundo a classificação operacional nos anos da pesquisa apresentou uma maior incidência nos casos multibacilares, com 179 casos (de um total de 299 casos), enquanto que 120 dos casos são classificados como paucibacilares (gráfico 3). Já a distribuição de casos de hanseníase segundo a forma clínica (gráfico 4), os resultados apresentaram uma variedade das formas clínicas, podendo ser observados altos índices da fase dimorfa (multibacilar) e casos inferiores da forma indeterminada (fase inicial da hanseníase. Demonstrando atraso no diagnóstico, indicando que a rede de saúde básica não está detectando os casos na forma inicial da doença (GOMES et al., 2005). Os altos índices de casos multibacilares podem ser indicativos de um controle endêmico, já que as formas paucibacilares são casos recentes que ainda não houveram evolução da doença para os casos multibacilares, concluído assim, que está diminuindo a transmissão. Contudo, também sugere que não está ocorrendo o diagnóstico precoce adequadamente, pois, para que haja evolução para as outras formas clínicas, o paciente precisa ter passado por pelo menos dois anos na fase indeterminada (paucibacilar) (LANA et al, 2004).
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Gráfico 3: Distribuição dos casos de hanseníase segundo a classificação operacional nos anos de 2009 a 2012
Fonte: Dados do SINAN
Gráfico 4: Distribuição dos casos de hanseníase segundo a forma clínica nos anos de 2009 a 2012
Fonte: Dados do SINAN
Distribuição dos casos de hanseníase segundo a baciloscopia Quanto a baciloscopia a pesquisa ficou comprometida. Isto foi devido à grande quantidade de resultados não realizados, em branco ou ignorado, impossibilitando uma análise confiável, e explicitando uma maior necessidade em realizar esse tipo de exame nesses pacientes, por parte do sistema de saúde, uma vez que esse é o exame complementar mais útil no diagnóstico da hanseníase (ARAÚJO, 2003).
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Gráfico 5: Distribuição dos casos de hanseníase segundo a baciloscopia nos anos de 2009 a 2012
Fonte: Dados do SINAN
Embora não foi possível coletar dados sobre a ocupação dos portadores de hanseníase em Teixeira de Freitas - BA, uma vez que esses dados não são catalogados nas bases de dados, Santos, Castro, Falqueto (2008) mostram que os tipos de ocupação mais frequentes para a obtenção da doença são: as domésticas, aposentados, lavradores, e os trabalhos braçais em geral. E ainda podem ser encontrados pacientes que conviviam constantemente em aglomerados, como os estudantes e presidiários. Esses grupos representam um grupo de alto risco, uma vez que esses indivíduos não possuem maior acesso à educação em saúde, sendo desprovido do conhecimento dos sintomas e transmissão da doença. Estes resultados são compatíveis com Simões e Dilello (2005), em que os pacientes hansênicos concentram-se nos grupos marginalizados e em regiões de exclusão social. São muitos os fatores que interferem na transmissão da hanseníase, tais como as más condições socioeconômicas, formas de habitações inadequadas, aglomerações de indivíduos. O grupo de risco, então, são os indivíduos que convivem com pacientes portadores de hanseníase, que tiveram contato diário em um período de cinco anos; os que vivem agrupados e aqueles que tenham condições socioeconômicas desfavoráveis (LOBO, 2011). Mas a pesquisa comprova que de fato está havendo controle endêmico. CONCLUSÃO Como a hanseníase é uma doença exantêmica apresenta um fácil diagnóstico, de modo que o este seja precoce e impeça o maior índice de contaminação, uma vez que começará o tratamento, diminuindo o potencial infectante. Além, de que todos os medicamentos para tratamento da Epidemiologia da hanseníase em Teixeira de Freitas, Bahia
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doença são todos gratuitos e disponíveis pelo Ministério da Saúde, com direito a dose supervisionada, de forma que haja um maior controle do tratamento dos pacientes pelos profissionais da saúde, para avaliar se está seguindo a terapia adequadamente. São muitas as medidas que visam erradicar a hanseníase, contudo ainda está em falta a educação em saúde, para que os portadores conheçam as medidas profiláticas, as formas de transmissão, como tratar e as demais informações que são necessárias. Os resultados apontam que em Teixeira de Freitas – BA está tendo um controle endêmico, sendo resultado de uma efetiva campanha no combate da Hanseníase promovido pelo Ministério da Saúde em conjunto com a vigilância epidemiológica do município. Mesmo com muitas campanhas de sensibilização sobre a Hanseníase, realizada na cidade, ainda há um preconceito em relação à moléstia, por isso, campanhas comunitárias devem ser realizadas constantemente abordando com maior clareza acerca da doença. Segundo Brasil (2012), o ministério da saúde juntamente com o embaixador da Boa Vontade pela Eliminação da Hanseníase da Organização Mundial da Saúde (OMS), Yohei Sasakawa afirmou que vem fortalecendo as ações de combate à Hanseníase para a sua eliminação até 2015 - para que o País passe a ter apenas um caso a cada dez mil habitantes. REFERÊNCIAS ANDRADE, Ana Regina Coelho de; GROSSI, Maria Aparecida de Faria; MIRANDA Maria do Carmo Rodrigues de. Saúde em casa: atenção à saúde do adulto: hanseníase. Secretaria de estado de saúde de Minas Gerais, Belo Horizonte: 2006. ARAÚJO, Marcelo Grossi. Hanseníase no Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.36(3):373-382, mai-jun, 2003. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Atenção Básica. Controle da hanseníase na atenção básica: guia prático para profissionais da equipe de saúde da família. Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, Departamento de Atenção Básica; elaboração de Maria Bernadete Moreira e Milton Menezes da Costa Neto. – Brasília: Ministério da Saúde, 2001. DUARTE, Marli Teresinha C.; AYRES, Jairo Aparecido; SIMONETTI, Janete Pessuto. Perfil socioeconômico e demográfico de portadores de hanseníase atendidos em consulta de enfermagem. Rev Latino-am Enfermagem, set./out., 2007. GOMES, Cícero Cláudio Dias et al. Perfil clínico-epidemiológico dos pacientes diagnosticados com hanseníase em um centro de referência na região nordeste do Brasil. An Bras Dermatol. 2005;80(Supl 3):S283-8.
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RISCOS E BENEFÍCIOS DA AUTOMEDICAÇÃO POR PLANTAS MEDICINAIS Risks and benefits of self-medication with medicinal plants Diana Cavalcante Miranda de Assis UFBA Paula Gabrielle Cordeiro dos Santos Ferreira FASB Aressa Sampaio Santos FASB
Artigo recebido e aceito em 25 de outubro de 2014
Resumo Grande parte da população mundial faz uso das plantas medicinais, para fins terapêuticos. Porém a maioria não possui conhecimento dos riscos e benefícios dessas plantas, se baseando, apenas na sabedoria popular, para a sua utilização. O estudo foi do tipo exploratório descritivo, de natureza qualitativa, com o objetivo de investigar a situação atual da automedicação por plantas medicinais, mostrando seus benefícios e malefícios, e expondo a importância de não usa-las de forma indiscriminada. Observou-se ao final, que apesar das plantas apresentarem um potencial terapêutico muito grande, se utilizada de forma incorreta pode causar também diversos efeitos colaterais, sendo necessário ter informação sobre seus efeitos antes da sua utilização. Palavra Chave: Plantas medicinais; automedicação; riscos e benefícios. Abstract Much of the world’s population uses medicinal plants for therapeutic purposes. The majority has no knowledge of the risks and benefits of these plants though, relying only on conventional wisdom. This study was descriptive-exploratory, aiming to investigate the current situation of self-medication with medicinal plants, showing its benefits and harms, and exposing the importance of not using them indiscriminately. It has been observed at the end of the study, that despite the plants have presented a great therapeutic potential, if used incorrectly may also cause several side effects, becoming necessary to inform ourselves about their effects before using them. Key-words: Medicinal plants; self-medication; risks and Benefits.
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INTRODUÇÃO As plantas medicinais tem representado o principal recurso terapêutico para o homem há séculos. Esta prática chega a representar parte da cultura de inúmeros povos, sendo difundida ao longo de varias gerações (MENDES et al., 2012). Os dados mais antigos que se tem conhecimento sobre sua utilização são de mais de 60 mil anos. No Brasil, foram os índios, com contribuições dos negros e europeus que deram surgimento a medicina popular com uso das plantas (REZENDE; COCCO, 2002). Em meados do século XX, com o avanço da química, os medicamentos alopáticos, (de origem sintética), foram aos poucos tomando o lugar das plantas medicinais (BELLO; MONTANHA; SCHENKEL, 2002), e apesar de atualmente eles representarem a maioria dos fármacos utilizados pela população, as ervas juntamente com os fitoterápicos (medicamentos a base de plantas medicinais) ainda são bastante empregados (TOMAZZONI; NEGRELLE; CENTA, 2006). Diferentes partes das plantas podem ser utilizadas para tratamentos, por exemplo, raízes, cascas, folhas, frutos e sementes, isso varia de acordo com a erva, podendo ser preparada também de várias formas, sendo o chá a mais utilizada (REZENDE; COCCO, 2002). Segundo Mendes et al (2012) “o Brasil é o país com maior biodiversidade do mundo”, possuindo uma farmacopeia popular muito rica. Porém, apesar disso, ainda existem poucas informações comprovadas sobre a ação desses produtos naturais. Farmacêuticos e médicos ainda buscam mais detalhes acessíveis e confiáveis sobre o assunto (BELLO; MONTANHA; SCHENKEL, 2002). Por tanto a maioria da população que faz uso das plantas medicinais como forma de tratamento são guiados apenas pela sabedoria popular, pela indicação feita por um parente ou amigo, sem ter nenhuma confirmação ou garantia de que ele realmente provoque aquele efeito desejado (LEÃO; FERREIRA; JARDIM, 2007). Observa-se também que grande parte da população que faz prática da automedicação por plantas medicinais acreditam que pelo fato dela ser um produto natural e não caracterizar um produto industrializado não possui componentes químicos e consequentemente não causa efeitos colaterais. É preciso tornar claro que estes compostos, assim como os medicamentos alopáticos, produzem reações no organismo, tanto positivas quanto negativas. Portanto, o seu uso sem orientação médica, pode causar o efeito contrário ao esperado, principalmente se houver interação com outros medicamentos (CARDOSO et al, 2009). Dessa forma, diante do uso indiscriminado das plantas medicinais, por muitas gerações, juntamente com a falta de conhecimento que ainda se observa sobre o assunto, nota-se a importância da realização de um estudo Riscos e benefícios da automedicação por plantas medicinais
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com o tema proposto, para se obter uma compreensão melhor sobre os efeitos das plantas, alertando para os cuidados a serem tomados, visando maior segurança, para os seus consumidores. Sendo assim o objetivo deste trabalho é, através de uma revisão de literatura, fazer um estudo descritivo investigando a situação atual da automedicação por plantas medicinais, mostrando seus benefícios e malefícios, expondo a importância de não usar esses produtos naturais de forma indiscriminada, mostrando a sociedade que eles têm sim um potencial danoso e que a segurança de uma terapia independe de sua origem. METODOLOGIA O presente estudo caracteriza-se por ser uma pesquisa bibliográfica do tipo exploratória, de cunho qualitativo. Foi utilizada a técnica de pesquisa de análise documental a partir do levantamento de um acervo referente ao tema em questão. Para tanto foram consultados livros, artigos científicos e anais de congresso, obtidas em revistas especializadas, bem como nas bases de dados Scielo, Pubmed, Lilacs, Google acadêmico, Bibliomed, Medline, dentre outros. A utilização de um acervo eletrônico, disponibilizado em sites, além de possibilitar encontrar documentos bastante atuais, é mais facilmente acessado. Os acessos tiveram início em 20 de março de 2014, utilizando as seguintes palavras-chave: plantas medicinais, automedicação, etnofarmacologia, farmacovigilância, etnobotânica, farmacoterapia. A primeira seleção dos artigos foi feita, primeiramente, pela análise dos resumos. Posteriormente foram estabelecidos critérios para refinar os resultados como a limitação entre os anos 2000 a 2014 e os autores sendo privilegiados aqueles mais conhecidos da literatura clássica. Outro critério de inclusão foi a língua, sendo selecionados apenas artigos em português. Não houve exclusão referente à classificação dos trabalhos científicos pesquisados, sendo escolhidos estudos de diversos tipos como bibliográfico, documental, experimental, do tipo levantamento e pesquisa-ação. Por fim, foi feita a análise de todo o conteúdo dos materiais selecionados, através da leitura minuciosa, sendo ainda descartados alguns artigos que não atenderam a temática, ou que mantinham uma repetição alta de informações entre eles. RESULTADOS: CORPO DA REVISÃO Aspectos gerais e históricos sobre as plantas medicinais A história do uso de plantas medicinais tem mostrado que elas foram os primeiros recursos terapêuticos utilizados pelos diferentes povos.
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Tendo nas suas experiências com ervas, sucessos e fracassos, pois muitas vezes estas curavam e em outros casos matavam ou produziam efeitos colaterais graves. A observação do comportamento dos animais e a verificação empírica dos efeitos da ingestão dos vegetais no organismo humano teve um papel fundamental na descoberta das propriedades úteis e nocivas das plantas (TOMAZZONI; NEGRELLE; CENTA, 2006). No Brasil a medicina popular com o uso de plantas foi resultado de diversas influências culturais, como a dos indígenas, colonizadores europeus, e dos africanos. O descobrimento de novas terras feito pelos colonizadores teve uma série de consequências. Uma delas talvez a mais perceptível é o fato de que inúmeras plantas hoje utilizadas na medicina popular foram introduzidas no início da colonização do Brasil (SILVA; ARAÚJO, 2007). Com o passar do tempo, houve a comprovação científica da ação farmacológica de algumas substâncias presentes nas plantas, o que gerou interesse governamental, dando inicio assim a produção dos fitoterápicos, definidos como medicamentos industrializados, produzidos e testados em laboratório, tendo como base as plantas medicinais. Assim possibilitou-se evitar possíveis contaminações, além de padronizar a quantidade e o modo correto de se usar, permitindo uma maior segurança para seus consumidores (COPETTI; GRIEBELER, 2005). Frequência do uso de plantas medicinais no Brasil e no mundo As plantas medicinais continuam ocupando lugar de destaque no arsenal terapêutico. Segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS), 80% da população mundial usa recursos das medicinas populares para suprir necessidades de assistência médica privada (MACEDO; OSHIIWA; GUARIDO, 2007). As estimativas nacionais apontam que 82% da população brasileira utilizam produtos naturais a base de plantas. Vários continentes como a África, Europa, a Ásia e as Américas, também recorrem com bastante frequência a essa medicina alternativa para promover a saúde e tratar várias condições patológicas. Alguns dados comprovam essa diversidade: na África o índice de sua utilização é de 80,0% da população, no Chile é de 71,0% e no Canadá de 70,0%. Já na Austrália, esse número cai um pouco para 49,0% e na França e nos Estados Unidos diminui ainda mais, para 42,0%. Isso se deve à força da indústria farmacêutica e química nesses países, se sobrepondo à medicina tradicional (FARIA; TURRINI, 2013). Causas da automedicação por plantas medicinais Atualmente com o crescente aumento pela procura e consumo das plantas medicinais, é perceptível que o seu uso tem acontecido de forma Riscos e benefícios da automedicação por plantas medicinais
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abusiva e indiscriminada, tornando essa condição um potencial problema para a saúde publica (MACEDO; OSHIIWA; GUARIDO, 2007). Para grande parte da população o uso das plantas medicinais é mais vantajoso que os medicamentos sintéticos, pelo fato destes últimos serem considerados mais caros e agressivos ao organismo, ao contrário das ervas que além de serem de baixo custo é de fácil acesso à grande parcela da população (BATISTA et al, 2013). O fator cultural, ou seja, os conhecimentos passados de geração em geração, também são de extrema relevância para o progresso dessa medicina, principalmente no nordeste brasileiro onde na cultura é comum o uso das mesmas na preparação de remédios caseiros para tratar várias enfermidades. Além disso, o fato de plantas medicinais poderem ser usadas através de formulações caseiras, de fácil preparo, como os chás, se torna mais viável, pois assim supre para a população mais carente, a crônica falta de medicamentos nos serviços de saúde pública (IBIAPINA et al, 2014). Perigos da automedicação por plantas medicinais Entre os principais problemas causados pelo uso indiscriminado e prolongado de plantas medicinais, estão as reações alérgicas, os efeitos tóxicos graves em vários órgãos ou até mesmo o desenvolvimento de certos tipos de câncer. A utilização inadequada de um produto, mesmo de baixa toxicidade, pode induzir problemas graves desde que existam outros fatores de risco envolvidos ou o uso concomitante com outros medicamentos, aumentando inclusive, o risco de mortalidade (MOTA et al, 2012; SANTOS et al., 2011). A hipersensibilidade, atualmente um dos efeitos colaterais mais comuns causados pela automedicação por plantas, pode variar de uma dermatite temporária simples, até um choque anafilático ( JUNIOR; PINTO; MACIEL, 2005). Do ponto de vista toxicológico, também é preciso levar em consideração que uma planta medicinal não tem somente efeitos adversos imediatos relacionados com a sua ingestão, mas, também, os efeitos que se instalam a longo prazo e de forma assintomática, como os carcinogênicos, hepatotóxicos e nefrotóxicos (NICOLETTI et al, 2007). Desta forma nota-se a importância da farmacovigilância em todo o mundo. O Brasil, nos últimos anos tem se mostrado preocupado com esta prática, e por isso tem havido um crescimento considerável da atenção dirigida pelas autoridades e administrações de saúde para o uso dos produtos naturais no país (SILVEIRA; BANDEIRA; ARRAIS, 2008).
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Riscos e benefícios das principais plantas medicinais utilizadas Alcachofra (Cynara scolymus L.) A cynara scolymus, mais conhecida como alcachofra, é uma planta europeia das regiões do Mediterrâneo, sendo posteriormente cultivada na Ásia menor e na América do Sul. Possui efeitos benéficos nas doenças hepáticas e das vias biliares, tem ação digestiva e ajuda na prisão de ventre. Também é utilizada para tratar doenças da pele como eczemas e erupções cutâneas e para reduzir a taxa de açúcar no sangue, auxiliando no tratamento da diabetes, bem como no tratamento da anemia, escorbuto e raquitismo por conter ferro, vitamina C e cálcio ( JUNIOR; LEMOS, 2012). Porém, estudos demonstraram que o uso concomitante dessa planta com outros medicamentos pode ser prejudicial. Sua utilização juntamente com diuréticos, por exemplo, pode diminuir drasticamente o volume sanguíneo, causando quedas de pressão arterial por hipovolemia. E como a alcachofra atua na diurese, incluindo a excreção de potássio, pode haver o desencadeamento de níveis baixos de potássio na corrente sanguínea gerando a hipocalemia (NICOLETTI et al., 2010). Chá Verde (Camellia sinensis) O chá verde é o chá proveniente das folhas da camellia sinensis, o qual não sofre fermentação durante o processamento e deste modo retém a cor original de suas folhas. Seus principais efeitos benéficos são à redução da gordura corporal, e atenuação do desenvolvimento da hipertensão arterial, reduzindo a pressão sanguínea. Evidências sugerem que o extrato do chá verde reduz o apetite e aumenta o catabolismo de gorduras, além de ter efeito anti-inflamatório e de quimioproteção (LAMARÃO, FIALHO, 2009). Esta planta pode causar efeitos indesejáveis, se a sua utilização for feita juntamente com outros medicamentos. Ao utilizá-lo junto com benzodiazepínicos, por exemplo, pode reduzir seus efeitos sedativos, já junto com o Propanolol e Metoprolol aumenta a pressão sanguínea, com a Efedrina causa agitação, tremores, insônia e perda de peso, com Metronidazol pode causar náuseas e vômitos, e por fim pode potencializar a ação de hipertensivos (CARDOSO et al, 2009). Camomila (Matricaria recutita L.) A camomila, cujo nome científico é Matricaria recutita L., caracteriza-se por ser uma planta medicinal bastante conhecida atualmente. É muito usada como calmante, como auxílio no combate a perturbações estomacais, diarreia, náuseas e infecções urinárias. Pode ser utilizada tamRiscos e benefícios da automedicação por plantas medicinais
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bém em compressas quentes no combate a reumatismo (REZENDE; COCCO, 2002). A camomila interage com anticoagulantes (como a varfarina) e pode aumentar o risco de hemorragia. Com barbitúricos (fenobarbital) e outros sedativos pode intensificar a ação depressora do sistema nervoso central, pode também reduzir a absorção de ferro ingerida através de alimentos ou medicamentos. Além disso, a camomila pode apresentar efeito antiestrogênico e interagir com drogas ou suplementos contendo soja ou Trifolium pratense (NICOLETTI et al, 2007). Boldo do Chile (Peumus boldus Molina) O Peumus boldus Molina, mais conhecido como boldo, é muito utilizado principalmente para tratamento de doenças do fígado e problemas de digestão. Porém, ele possui princípios ativos que também causam outros benefícios como a redução da pressão sanguínea, ação vasodilatadora, hiposecretora gástrica, ação antitumoral e como antioxidante. A maioria dos seus efeitos já foram comprovados por testes experimentais (PILLA; AMOROZO; FURLAN, 2006). O principal risco da utilização do boldo é a inibição da agregação plaquetária causada ao fazer seu uso concomitante com anticoagulantes. Portanto pacientes que estão sob a terapia de anticoagulantes não devem ingerir concomitantemente medicamentos contendo boldo pela sua ação aditiva à função antiplaquetária de anticoagulantes. O seu uso simultâneo com outras drogas ou ervas que geram hipocalemia, como diuréticos tiazídicos, e adrenocorticosteróides pode exacerbar o desequilíbrio de eletrólitos (OHLWEILER et al 2007). Alho (Allium sativum) O alho é uma hortaliça bastante utilizada no Brasil, como tempero e também como forma de terapia. Seu consumo na quantidade mínima de 8g/dia proporciona vários benefícios à saúde como o aumento da longevidade, reduz riscos de infarto, favorece o bom funcionamento do sistema imunológico, reduz a glicose sanguínea, reduz o LDL e aumenta o HDL, combate vírus e bactérias, gripes, resfriados, previne a aterosclerose e o câncer, e melhora a qualidade de vida (SILVA; RODRIGUES, 2012). Estudos revelam que a utilização de preparados com alho pode interagir com anticoagulantes orais e antiplaquetários e seu uso concomitante com o Saquinavir, reduz os níveis plasmáticos deste antirretroviral. (ALEXANDRE; BAGATINI; SIMÕES, 2008).
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Maracujá (Passiflora spp.) No âmbito farmacêutico o maracujá é muito utilizado para o tratamento de distúrbios da ansiedade, tratamento da insônia e como sedativo, antiasmático e calmante. A atividade farmacológica desta planta pode estar diretamente ligada aos flavonoides e aos alcaloides contidos nela (CRISTIANO et al., 2014). O maracujá interage com medicamentos depressores do Sistema Nervoso Central (SNC), teoricamente, poderia ocorrer potencialização da depressão central, com o aumento no risco de sedação e sonolência. Com medicamentos inibidores de monoamino oxidase (isocarboxazida, fenelzina e tranilcipromina): poderá causar efeito aditivo. Com a aspirina, varfarina, heparina, antiplaquetários (Clopidogrel) e anti-inflamatórios não esteroidais (Ibuprofeno, Naproxeno) poderá ocorrer sangramento se administrado concomitantemente (MANICA et al, 2010). Mecanismo de ação das plantas medicinais no organismo Alcachofra A Alcachofra possui como um dos seus principais constituintes os ácidos fenólicos, e em particular a cinarina (uma di-CQA), essa substância é responsável pela ação colerética dessa planta. A alcachofra estimula a secreção biliar, melhorando o trânsito intestinal, reduzindo a obstipação no individuo, já que a bílis promove o aumento do peristaltismo intestinal melhorando assim, a evacuação (CINARINA, 2012). Além disso, a alcachofra reduz o colesterol e triglicérides plasmático e previne o desenvolvimento da placa aterosclerótica, devido aos seus efeitos antioxidantes que reduz a oxidação e a lipoproteína de baixa densidade (LDL), e também faz a inibição da síntese de colesterol ( JUNIOR; LEMOS, 2012). Chá Verde A ação do chá verde no combate e prevenção da obesidade pode ser explicada pelo fato do mesmo, conter diversos componentes polifenólicos, predominando dentre eles os flavanóis, onde se incluem as catequinas. Estudos indicam que o acúmulo de gordura corporal pode estar associado ao aumento da oxidação lipídica, e o consumo de altas concentrações de catequinas inibe essa peroxidação lipídica, promovendo alterações na concentração de LDL modificada por malondialdeído (LDL-MDA), um marcador para a doença cardiovascular aterosclerótica. Por tanto é muito provável que um sistema redox esteja envolvido neste processo (LAMARÃO; FIALHO, 2009). Riscos e benefícios da automedicação por plantas medicinais
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Em relação à ação anti-inflamatória do chá verde, estudos indicam que ele possui efeito inibitório na expressão do gene fator de necrose tumoral alfa (mediador central em doenças inflamatórias), por meio da inibição da ativação de fator de transcrição kappa β (NF -kappa β) e ativador proteico 1 (AP-1). Também foram observados efeitos anti-inflamatórios em estudos realizados com catequinas e teoflavinas, através da sua capacidade de pré-inibição das enzimas ciclooxigenase 2 (COX-2) e lipoxigenase do metabolismo do ácido araquidônico (SENGER; SCHWANKE; GOTTLIEB, 2010). Já os efeitos de quimioproteção causados pelo chá verde acontecem em diferentes fases do processo da carcinogênese, inibindo-o pela modulação da transdução de sinais que conduzem à inibição da proliferação, transformação das células e aumento da apoptose. É de grande importância, para a sua ação como quimiopreventivo, a biodisponibilidade dos polifenóis nos tecidos (SCHMITZ et al 2005 ). Camomila A atividade ansiolítica dessa planta está relacionada principalmente com o flavonoide apigenina, que é capaz de ligar-se aos receptores GABA-A cerebrais, importantes neurotransmissores inibitórios do SNC. Já a atividade antiespasmódica é devido à ação combinada do óleo essencial, das cumarinas e dos flavonoides, sendo a sua potência equivalente a da papaverina, uma substância também bastante utilizada como espasmódica (REIS et al, 2002). Já sua atividade anti-inflamatória está relacionada à presença de óleo essencial constituído de matricina e alfa-bisabolo (FALKOWSKI; JACOMASSI; TAKEMURA, 2009). Boldo A capacidade antioxidante da boldina está relacionada com a habilidade que ela possui em sequestrar radicais hidroxila e peroxila. Devido a um mecanismo de ação antioxidante, ela também demonstrou a capacidade de amenizar a inativação do citocromo P450 humano e de impedir a peroxidação de lipídios em microssomos do fígado tratados com agentes redutores (RUIZ et al., 2008). Sabe-se ainda que a ingestão do chá de boldo pode ter efeito de redução nos níveis de colesterol total no organismo humano. Isso acontece, pois os produtos finais da metabolização do colesterol são os ácidos biliares sintetizados no fígado, sendo o principal mecanismo de eliminação do colesterol em excesso. Então a ingestão de boldo, com o seu poder antioxidante estimula o metabolismo desses ácidos biliares (PALMA, 2013).
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Alho Alguns autores relatam que o efeito anti-hipertensivo promovido pelo alho pode ser explicado pelo fato desta planta promover a liberação de óxido nítrico, que, como se sabe, é um forte vasodilatador. Outros acreditam que esta planta possui efeito inibidor da enzima conversora da angiotensina (ECA), impedindo a formação da angiotensina 2, e posteriormente da aldosterona, interrompendo o sistema renina angiotensina aldosterona, responsável pelo aumento da pressão arterial, uma terceira hipótese diz que ele possui efeito na redução da síntese de prostanoides vasoconstritores (SINGI et al, 2005). Já o efeito de redução dos níveis de colesterol plasmático observados através da utilização do alho, está ligado aos compostos organossulfurados como S-alilcisteína, dialisulfido, aliicina e seus derivados presentes nesta planta, que possuem a capacidade de inibir a fosforilação da hidroximetilglutaril-Coa redutase (HMG-CoAredutase), enzima que produz o colesterol e outros isoprenoides (ALMEIDA; SUYENAGA, 2009). Maracujá Os flavonoides presentes na espécie vegetal do maracujá são os principais responsáveis pelas suas atividades farmacológicas. Estes constituintes, em sinergismo com os alcaloides também presentes no vegetal, promovem ações depressoras inespecíficas do SNC, contribuindo assim para a ação sedativa e tranquilizante (FLAVONÓIDE, 2009). Essas substâncias também inibem a peroxidação lipídica e reduzem o risco de doenças cardiovasculares, devido a sua capacidade de sequestrar radicais livres em organismos vivos (ZERAIK et al., 2010). CONCLUSÃO O presente estudo mostrou que as plantas apresentam um potencial terapêutico muito grande, porém sua eficácia vai depender do conhecimento e da conscientização de quem as utiliza. Fatores importantes como a dose, interação com outros medicamentos, utilização excessiva e inadequada para o que se deseja, são fortes riscos para uma terapia sem sucesso ou prejuízos inesperados a saúde, tanto a curto quanto a longo prazo. Sugere-se então a elaboração de estratégias de divulgação de informações sobre os riscos e benefícios das principais plantas para toda a população, visando maior segurança para quem as utiliza. Riscos e benefícios da automedicação por plantas medicinais
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Diana Cavalcante M. de Assis - Paula Gabrielle C. dos Santos Ferreira - Aressa S. Santos
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA: A FORMAÇÃO ACADÊMICA DO ENFERMEIRO DA FACULDADE DO SUL DA BAHIA Environmental educantion in the health/disease process: The nurse academic formation in the Sul da Bahia College Nara Cuman Motta USP | UFES | FVC Gleida Danese Lima FASB Artigo recebido e aprovado em 25 de outubro de 2014
Resumo O Código Internacional de Enfermagem (2000) aponta a responsabilidade do enfermeiro pela preservação do meio ambiente, protegendo-o contra o empobrecimento, degradação e a destruição. O graduando de enfermagem da Faculdade do Sul da Bahia (FASB) está consciente que o processo de adoecimento está diretamente relacionado com o meio ambiente em que se vive? Para responder este questionamento, esse estudo objetiva: investigar as representações sociais dos discentes de enfermagem da FASB, sobre a influência do meio ambiente na saúde coletiva. Trata-se de um estudo exploratório numa abordagem qualitativa, realizado com docentes e discentes do curso de graduação em enfermagem. Com resultado pode-se constatar que ainda existe uma dificuldade em relacionar meio ambiente e os processos de saúde e doença. Palavras-chave: Meio ambiente. Saúde coletiva. Enfermagem. Abstract The International Code of Nursing (2000) shows us the responsibility of the nurse by the preservation of environment, protecting it against the impoverishment, degrading and destruction. Is the person who is graduating in nursing of the Faculdade do Sul da Bahia (FASB) is aware that the process of illness is directly associated with the environment in which he/she lives? To answer that question this study goals: investigate the social representation of the students of nursing of FASB under the influence of environment in the urban health. It is an exploratory study in a qualitative nature, made with professors and students of the course of graduation of nursing. As a result we can verify that there is still a difficulty in relating the environment and the process heath-illness. Keywords: Environment. Urban Health. Nursing. Educação ambiental no processo saúde-doença: a formação acadêmica do enfermeiro da Faculdade do Sul da Bahia
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1 INTRODUÇÃO A saúde coletiva é uma forma de abordar as relações entre conhecimentos, práticas e direitos referentes à qualidade de vida. Em lugar das dicotomias saúde/doença, curativo/preventivo, individual/social, busca uma nova compreensão na qual a perspectiva interdisciplinar e o debate político em torno de temas como universalidade, equidade, democracia, cidadania, meio ambiente, sustentabilidade surgem como questões principais. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1946, p. 1), “saúde é o estado completo de bem estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. É o pleno desenvolvimento das potencialidades físicas, mentais e sociais do homem considerando a suas cargas genética e ambiental. A OMS conceitua meio ambiente como tudo que é externo ao ser humano, podendo ser físico, biológico, cultural e social, sendo que qualquer um ou todos podem interferir no estado de saúde da população. Existe uma relação direta entre homem e meio ambiente e qualquer alteração pode desencadear desequilíbrio ecológico tendo como consequência agravos à saúde da população. A preocupação com os efeitos na saúde provocados pelas condições ambientais é evidente desde a antiguidade, quando as variações do clima influenciavam no balanço dos humores do corpo. Para Hipócrates, as doenças eram causadas por um desequilíbrio entre os humores, alimentação, água e o ar. Para Ribeiro (2004), entre os meados do século XVIII e XIX, os problemas ambientais sobre a saúde estiveram associados aos efeitos do processo de industrialização e urbanização que passaram a determinar condições de vida e trabalho. Nesta época, a preocupação maior era com as sujeiras externas, os odores que poderiam causar doenças. A higiene é introduzida como estratégia de saúde para as populações envolvendo a vigilância e o controle dos espaços urbanos (ruas, habitações, locais de lixo, sujeiras e toxidade) e grupos populacionais (pobres, minorias étnicas, etc.). Apesar dos problemas ambientais estarem relacionados com a saúde pública desde seus primórdios, estudos apontam que só na segunda metade do século XX foi estruturada uma área específica para tratar dessas questões da inter-relação entre saúde e meio ambiente, denominada Saúde Ambiental. Segundo a OMS, podemos definir a Saúde Ambiental como sendo a área de “atuação da saúde pública que se ocupa das formas de vida, das substâncias e das condições em torno do ser humano, que podem exercer alguma influência sobre a sua saúde e o seu bem-estar” (BRASIL, 1999, p.15).
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Em 1993, no encontro da OMS na cidade de Sofia, Bulgária, o conceito de saúde ambiental foi ampliado para: [...] todos aqueles aspectos da saúde humana, incluindo a qualidade de vida, que estão determinados por fatores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicológicos no meio ambiente. Também se refere à teoria e prática de valorar, corrigir, controlar e evitar aqueles fatores do meio ambiente que, potencialmente, possam prejudicar a saúde de gerações atuais e futuras (OMS, 1993, s/p).
No Brasil, a preocupação com os problemas ambientais e sua vinculação com a saúde humana estão nos artigos da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988: Art. 196 - define saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988, p. 116).
Segundo Quintas (2002, p. 1), podemos ponderar que “a mesma coletividade que deve ter assegurado o seu direito de viver num ambiente que lhe proporcione uma sadia qualidade de vida, também precisa utilizar os recursos ambientais para satisfazer suas necessidades”. Portanto é preciso que a população saiba usar dos recursos naturais sem provocar danos ou produzir riscos. Este desafio passa pelas diferentes áreas do saber e necessita que seja discutido numa perspectiva interdisciplinar. De acordo com o Código Internacional de Enfermagem (2000), no capítulo sobre as normas do exercício da profissão, aponta a responsabilidade do enfermeiro pela preservação do meio ambiente, protegendo-o contra o empobrecimento, degradação e a destruição. A saúde ambiental é uma atribuição legal profissional do enfermeiro, logo o papel da escola de enfermagem é formar profissionais aptos a avaliar a relação entre doenças e questões ambientais; saber intervir na promoção, prevenção e recuperação das doenças e atuar como cidadão responsável pela preservação do meio ambiente. A promoção à saúde identifica-se com um estilo de vida mais saudável, por meio de ações que contemplem vários quesitos como alimentação, moradia, trabalho, lazer, entre outros, bem como a interação do homem com o meio em que vive, sendo o ambiente saudável um dos fatores para a boa qualidade de vida e ausência de doenças. O estudo dos problemas socioambientais requer abordagens interdisciplinares e intersetorial. A enfermagem como profissão que busca o bem estar da população precisa agregar a questão ambiental no âmbito da pesquisa, ensino e da prática profissional (CAMPONOGARA; KIRCHHOF; RAMOS, 2006). Educação ambiental no processo saúde-doença: a formação acadêmica do enfermeiro da Faculdade do Sul da Bahia
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A temática saúde e meio ambiente é pouco discutida, de forma oficial e sistemática, nos cursos superiores da ciência da saúde que continuam formando profissionais sem uma visão global da relação intrínseca de problemas ambientais e manutenção da saúde (SCHMIDT, 2007). Entende-se que o acadêmico de enfermagem precisa estar preparado para este desafio de cuidado holístico da saúde de uma população. Muitos acadêmicos tem a graduação como última formação, o que requer da instituição de ensino superior (IES) o fornecimento de ferramentas que favoreçam a construção do amplo conjunto de habilidades e competências indispensáveis para o enfermeiro intervir na realidade socioambiental dentro do contexto da produção dos serviços de saúde (COSTA, 2007). Nesse sentido, a partir de discussões acerca do processo de formação do profissional enfermeiro norteado pelo Projeto Político Pedagógico (PPP) da Faculdade do Sul da Bahia (FASB) despertou-se o interesse em saber se o graduando em enfermagem da FASB está consciente que o processo de adoecimento está diretamente relacionado com o meio ambiente em que se vive. Sendo assim, este trabalho objetivou investigar as representações sociais dos discentes, de enfermagem da FASB, sobre a influência do meio ambiente na saúde coletiva. 2 METODOLOGIA Atualmente várias são as teorias usadas para fundamentar análises e reflexões científicas em enfermagem que fornecem elementos para mudanças efetivas na prática do cuidado cotidiano. A Teoria das Representações Sociais (TRS) trata da produção dos saberes sociais. Centra-se na análise da construção e transformação do conhecimento social e tenta elucidar como a ação e o pensamento se interligam na dinâmica social. A Representação Social (RS) é sempre representação de alguma coisa (objeto) e de alguém (sujeito). Estudos em Representações Sociais são conhecimentos construídos pelas relações do homem com o seu ambiente (DANESE, 1998). A Teoria das Representações Sociais é empregada na área de estudos da ciência da enfermagem. Segundo Silva, Camargo e Padilha (2011, p. 948): [...] devido à possibilidade do pesquisador captar a interpretação dos próprios participantes da realidade que se almeja pesquisar, possibilitando a social frente a um objeto psicossocial. Considerando que a representação social favorece conhecer a prática de um determinado grupo, ela permite à enfermagem realizar intervenções que, por respeitarem as características especificas de cada segmento social, serão mais eficientes.
As representações sociais também permitem apresentar determinado conhecimento especializado (reificado) a determinado grupo social que
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será reelaborado e tornará conhecimento consensual dos membros desse grupo. A RS refere-se à maneira do indivíduo pensar e interpretar o cotidiano, ou seja, constitui-se em um conjunto de imagens que possibilita a interpretação de sua vida. Esta pesquisa se insere na perspectiva exploratória e documental com abordagem qualitativa. Para Minayo (2012, a abordagem qualitativa se coloca como uma alternativa metodológica para pesquisas que se preocupam com o mundo dos significados das relações humanas, é a que melhor se coaduna ao reconhecimento de situações particulares, grupos específicos e universos simbólicos. Assim, as informações podem ser colhidas nos discursos como também podem não ser expressas em palavras e sim através de pinturas, fotografias, desenhos, filmes, vídeos entre outros recursos, cujo significado pode ser analisado dentro das TRS. A abordagem qualitativa foi empregada para avaliar as representações sociais acerca das concepções sobre meio ambiente e saúde através da análise de desenhos e falas. O local de pesquisa escolhido foi o campus II da Faculdade do Sul da Bahia - FASB sediada em Teixeira de Freitas/BA, unidade integrante da Fundação Francisco de Assis. Compõem a clientela da FASB os moradores de Teixeira de Freitas e do seu entorno conforme documentação da secretaria acadêmica da IES. A FASB é uma instituição filantrópica, que atualmente mantém em funcionamento 12 (doze) cursos de graduação, sendo 9 (nove) bacharelados, 1 (uma) licenciatura e 3 (três) superiores em tecnologia. Oferece, ainda, 7 (sete) cursos de pós-graduação lato sensu. A implantação do Curso de Enfermagem na Fundação Francisco de Assis, na cidade de Teixeira de Freitas, surgiu a partir da análise sócio-político-econômica e de saúde do Estado e da região extremo sul da Bahia. O curso de graduação em enfermagem foi autorizado pela Portaria nº 793, de 13 de setembro de 2007 publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 14/09/2007 e reconhecido pela Portaria nº 124 de 15 de março de 2013, publicada no DOU em 20 de março de 2013. O Projeto Político Pedagógico do curso foi reestruturado em 2011 para atender às exigências da Resolução CNE/CES nº4 de 6 de abril de 2009, que fixa o limite mínimo de integralização de cinco anos com carga horária mínima de 4000 h. A população definida para esta pesquisa é representada por discentes e docentes do curso de graduação em enfermagem da FASB. Desse universo foi selecionada uma amostra intencional composta por 32 (trinta e dois) alunos a partir dos seguintes critérios de inclusão: • ser discente regularmente matriculado no oitavo e nono semestre do curso de graduação da FASB; Educação ambiental no processo saúde-doença: a formação acadêmica do enfermeiro da Faculdade do Sul da Bahia
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• ser morador de Teixeira de Freitas para facilitar a aplicação do instrumento de coleta de dados. Foram convidados a participar da pesquisa os 7 (sete) professores enfermeiros que ministravam disciplinas no período correspondente à realização da coleta de dados da pesquisa. Participaram da pesquisa 21 (vinte e um) discentes e 5 (cinco) docentes De acordo com a Resolução 466/2012 que substitui a 196/1996, o estudo seguiu as diretrizes e normas que regulamentam pesquisas envolvendo seres humanos. Foi elaborado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de modo a assegurar o anonimato e a autonomia dos entrevistados em interromper sua participação no estudo a qualquer momento que desejassem. Em todos os momentos foram garantidos o anonimato e a privacidade das informações, considerando os princípios éticos que envolvem a pesquisa com seres humanos. Para melhor trabalhar os dados colhidos optou-se pela técnica de análise de conteúdo. Na busca de informações acerca da formação acadêmica dos enfermeiros da FASB foi utilizado, como fonte documental, o Projeto Político Pedagógico do Curso de Enfermagem. Marconi e Lakatos (2003), definem a pesquisa documental como fonte primária de coleta de dados que se restringe a documentos escritos ou não, contemporâneos ou retrospectivos. Para Bardin (2009), a análise de conteúdo, enquanto método, torna-se um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. É uma técnica muito usada pelas ciências sociais e humanas, “isto porque a análise de conteúdo se faz pela prática” (BARDIN, 2009, p.51). As diferentes fases da análise de conteúdo organizam-se em torno de três polos: pré-análise; exploração do material e o tratamento dos resultados (inferência e interpretação) (BARDIN, 2009). Segundo Minayo (2012) a entrevista é um procedimento utilizado no trabalho de campo para obter fatos objetivos e subjetivos relatados pelos atores sociais. Esta técnica pode ser apresentada de três formas: estruturada, não estruturada e semiestruturada. Neste estudo optou-se pela entrevista estruturada com base em roteiro norteador contendo dados referentes à identificação do entrevistado e questões relacionadas ao enfoque da Educação Ambiental e Saúde Coletiva no PPP e no processo ensino aprendizagem. Este instrumento foi aplicado ao coordenador e aos docentes do curso de enfermagem. O perfil dos docentes foi delineado de acordo com os dados sobre idade, gênero, curso de graduação, tempo de graduado, tempo de docência, curso de pós graduação, cargo exercido, disciplina que lecionam, regime de trabalho e vínculo empregatício.
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Com os discentes foi proposto uma atividade desenvolvida em dois momentos: no primeiro foram apresentadas as palavras indutoras “meio ambiente e saúde” e foi solicitado que produzissem conceitos associados; o segundo momento foi representado por um trabalho com desenho, dentro da proposta: “Elabore um desenho que represente a sua concepção de meio ambiente”. O perfil dos participantes foi delineado pelas perguntas sobre idade, gênero, ocupação, estado civil. A partir dos textos escrito se dos desenhos analisou-se, na ótica da Teoria das Representações Sociais, a concepção de meio ambiente baseado nas categorias apresentadas por Rodrigues e Malafaia (2009, p.46). Quadro 1 - Categorias representativas das concepções de meio ambiente adotadas para análise Categorias Romântica
Descrição Visão de super natureza, mãe natureza, harmônica, equilibrada. O homem não está inserido neste processo. Utilitarista Natureza fornecedora de vida ao homem, leitura antropocêntrica. Científica Máquina inteligente e infalível, dotada de um conjunto de instrumento essenciais e eficientes como a chuva, o sol, umidade, evaporação, oxigenação e preservação. Abrangente Visão mais abrangente que inclui os aspectos naturais e os resultantes das atividades humanas, resultado da interação de fatores biológicos, físicos, econômicos e culturais. Reducionista Refere-se estritamente aos aspectos físicos naturais (água, ar, solo, rochas, fauna e flora) excluindo o ser humano e todas as suas produções. Diferente da categoria “romântica”, não proclama o enaltecimento da natureza. Socioambiental Abordagem histórico-cultural apresentando o homem e a paisagem construída como elementos construtivos da natureza. A apropriação da natureza pelo homem muitas responsável pela degradação ambiental.
Fonte: Adaptado de Rodrigues e Malafaia (2009, p. ). 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Apresente análise e discussão dos resultados foi organizada em 3 momentos: 1 - perfil dos sujeitos da pesquisa; 2 - a percepção dos discentes sobre meio ambiente e saúde; 3 - o discurso dos docentes sobre a relação da educação ambiental e as variáveis que envolvem a saúde e a doença, no processo de ensino aprendizagem do curso de graduação em enfermagem da FASB. Os docentes foram identificados pela letra P e numerados de 1 a 5, os discentes pela letra A e numerados de 1 a 21. No quadro abaixo podemos traçar o perfil dos docentes. Educação ambiental no processo saúde-doença: a formação acadêmica do enfermeiro da Faculdade do Sul da Bahia
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Quadro 2 - Dados de Identificação dos docentes Idade
Gênero
Curso de Graduação
Tempo de Graduado
Tempo de Docência
38 45 45
Fem. Fem. Masc.
Enf. Enf. Enf.
14 17 9
45
Fem.
Enf.
66
Fem.
Enf./Letras
Pós-Graduação P
7 7 8
Especialização/Mestrado/ Doutorado Mestranda Mestrado Especialização
P1 P2 P3
24
6
Especialização
P4
28/40
40
Mestrado
P5
As disciplinas lecionadas pelos pesquisados são: Saúde da mulher, Saúde coletiva I e II, Saúde Mental, Saúde Ambiental, Saúde e Bioética, Nutrição, Enfermagem em Saúde da Família, Políticas de Saúde, Metodologia da Pesquisa, Seminários de Monografia I e II. Os docentes entrevistados contemplaram as áreas temáticas da atenção básica da saúde o que valida a amostra pesquisada. Os dados sócio-demográficos dos discentes da pesquisa foram extraídos de uma ficha de protocolo onde estavam registrados nome, sexo, idade, ocupação e estado civil. Tabela 1 – Perfil dos alunos pesquisados segundo gênero, faixa etária, ocupação e estado civil PERFIL DOS ALUNOS Masculino PESQUISADOS POR GÊNERO
PERFIL DOS ALUNOS PESQUISADOS POR FAIXA ETÁRIA X GÊNERO
PERFIL DOS ALUNOS PESQUISADOS POR OCUPAÇÃO PERFIL DOS ALUNOS PESQUISADOS POR ESTADO CIVIL
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04 (19,05%)
Feminino
17 (80,95%)
20 – 24
07 (33,33%)
20 – 24
03 (14,29%)
25 – 29
03 (14,29%)
25 – 29
0
30 – 34
03 (14,29%)
30 – 34
0
35 – 39
01 (4,76%)
35 – 39
01 (4,76%)
40 – 44
01 (4,76%)
40 – 44
0
45 – 49
01 (4,76%)
45 – 49
0
50 ou + 01 (4,76%) Estudantes
50 ou +
0 10 (47,61%)
ACS
03 (14,29%)
Téc. Enf. Secretária
6 (28,58%) 1 (4,76%)
Comerciário Casados
1 (4,76%) 6 (29%)
Solteiros
15 (71%)
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Nesta fase da análise os pesquisados foram identificados como: A1, A2, A3, A4 e sucessivamente até A21. Os conceitos sobre meio ambiente escritos e desenhados foram investigados através da Análise de Conteúdo de Bardin (2009) e categorizados de acordo com suas representações conforme o estudo de Rodrigues e Malafaia (2009). De acordo com a temática, 8 (39%) trabalhos relacionaram fatores de risco ambientais e o processo de adoecimento, numa classificação socioambiental. A exemplo: O meio ambiente pode causar problemas respiratórios, dermatológicos, oncológicos entre outros, a humanidade precisa conscientizar que ela é a responsável por todos estes problemas e deve parar de devastar e poluir o meio ambiente (A8). O ambiente em que vivemos reúne os mais diferentes tipos de vida e ecossistemas que podem ser benéficos para nós ou transmissores de doenças. Devemos cuidar de nosso meio ambiente para nossa saúde e de nossos filhos (A13). Quando preservamos o meio ambiente estamos fazendo um trabalho preventivo contra muitas doenças. Por exemplo, se cuidamos da qualidade da água muitas doenças como a hepatite, esquistossomose, cólera, diarreia, leptospirose serão evitadas (A18). Muitas pessoas não sabem que fazem parte integrante da natureza e que precisam do meio ambiente saudável para ter qualidade de vida e saúde (A19).
Todos estes conceitos sobre meio ambiente e saúde mostram que existe uma conscientização por parte de mais de um terço dos discentes sobre a relação direta entre degradação ambiental e o processo saúde-doença. Eles conseguem perceber que o meio não é só o cenário onde se vive, mas onde acontecem as interações e relações que influenciam direta e indiretamente no processo doença. Segundo Tambellini e Câmara (1998, p. 48): [...] a ideia do ambiente como elemento importante para o campo da saúde é antiga, porém, sua caracterização em termos técnico-científicos tem sido suficientemente vaga e imprecisa para admitir variadas formas e concepções na elaboração de sua [do ambiente] possível relação com a saúde propriamente dita. Invariavelmente, este ambiente tem sido visto como meio externo, muitas vezes considerado como, simplesmente, o cenário onde se desenrolam os acontecimentos ou os processos especiais de uma determinada doença ou grupo delas.
As outras 13 (62%) respostas não relacionaram a influência do meio ambiente com o processo de adoecimento do homem e foram classificadas de acordo com o quadro de Rodrigues e Malafaia (2009, p.46) como:
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Reducionista 23% Romântica 13%
Abrangente 13%
Utilitarista 13%
“Meio ambiente é o meio em que vivemos que é composto por árvores, rios, plantas” (A2) “O meio ambiente é a vida dos seres” (A3) “Meio ambiente é o espaço com os animais, vegetais e minerais” (A7) “E criou Deus o céu e a terra e tudo quanto nela há e foi-lhe agradável aos olhos” (A1) “Deus criou a natureza perfeita, o céu, as águas, o ar, a terra e os astros” (A9). “Meio ambiente é o local natural ou modificado de habitação dos seres. Inclui-se os recursos desde matéria prima até espaço físico. É a interação e inter-relação dos elementos” (A17). “O meio ambiente é o conjunto de unidades ecológicas que funcionam como um sistema natural que inclui toda a natureza, o cosmo, a fauna, a flora e o Homem” (A20) “O meio ambiente é o local que todo ser vivo deveria desfrutar. Com a chegada da tecnologia avassaladora trouxe a destruição do meio ambiente” (A4). “O meio ambiente é que fornece todos os recursos para a vida do homem” (A5).
Observou-se que o uso das expressões meio ambiente e saúde elencadas não ajudou na compreensão da relação clara e direta entre as consequências do meio ambiente no processo de saúde e doença. Vale salientar que os alunos pesquisados já completaram o ciclo teórico, portanto já cursaram as disciplinas de saúde ambiental, oferecida no 2º período e enfermagem em saúde coletiva no 4º período. Mesmo assim, não foram capazes de relacionar as teorias como causa e consequência do processo de adoecimento. A fim de conhecer as informações subjetivas expressas pelos docentes entrevistados em relação ao tema “meio ambiente e saúde coletiva”, tendo como base o PPP, optou-se pela entrevista estruturada a partir das questões norteadoras abaixo. Trazemos também algumas respostas dadas no questionário. 1ª questão: Você considera que o PPP e o atual currículo do curso de Enfermagem da FASB relacionam a educação ambiental com o processo saúde/ doença? Em caso positivo responda qual o enfoque dos temas nesses projetos de ensino (PPP e currículo). Em caso negativo: explique por que. P1: Não. Trata da Educação Ambiental como forma preventiva. Trabalha-se mais parte conceitual. P3: Não. A carga horária da disciplina é insuficiente para que se possa fazer um trabalho efetivo com os alunos no sentido de despertar nos mesmos consciência de que é possível promover saúde à partir de interferências diretas na vida cotidiana de uma população previamente definida. P4: Entendo que os currículos ainda não valorizam o impacto do ambiente no processo saúde-doença ,para os acadêmicos, apesar da implantação recente da disciplina Educação Ambiental a mesma é apresentada do final do curso, adquirindo um caráter de menor importância, desvinculada do conhecimento apresen-
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tado pelas matérias que abordam as doenças geradas por essa relação com o meio. a correlação é pobre e distante da atuação da prática.
Esta questão deixou claro que 80% (N 4) dos docentes percebem a fragilidade entre a proposta pedagógica da disciplina Saúde Ambiental e as habilidades e competências que efetivamente propiciem um aprendizado útil à vida e ao trabalho. Um professor que acumula o cargo de coordenador avaliou positivamente a abordagem do PPP em relação ao meio ambiente com o processo saúde e doença. 2ª questão: Que habilidades o egresso de Enfermagem tem que ter para trabalhar o meio ambiente em saúde coletiva? P1: Ser capaz de entender de Meio Ambiente; Ser bom para dialogar, passar informações; ser bom educador; deve ser capaz e conhecer os fatores que podem atingir a saúde e relacionar com o meio ambiente e saber conduzir na prevenção, promoção da saúde. P2: Entender que o meio ambiente está intimamente ligado a saúde da população. E que na sua graduação foram levados a pensar na saúde da população e porque adoecem. Basta querer. P4: Habilidades que o ajude a compreender características do solo, da vegetação, da água, seus modos de tratamento e manuseio, o impacto de ação humana sobre o ambiente e a repercussão através das zoonoses e outros agravos afins. Atualmente, o foco do saber restringe-se á evolução desses agravos no homem, minimizando, seu papel na prevenção efetiva e sustentável a vida, em geral. P5: O egresso de enfermagem precisa compreender a relação homem, saúde, meio ambiente, trabalho. Deve conhecer os fatores econômicos, culturais e biopsicossociais que influenciam a saúde coletiva e saúde ambiental. Entender as bases epidemiológicas da relação saúde e meio ambiente. Reconhecer e empregar as medidas de prevenção às doenças e promoção à saúdes relacionadas ao meio ambiente.
A segunda questão está relacionada com o perfil do egresso do curso de enfermagem, que segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), no art. 3º dever ser: enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva. Profissional qualificado para o exercício de enfermagem, com base no rigor científico e intelectual e pautado em princípios éticos. Capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões biopsicossociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano. Para que o enfermeiro tenha um compromisso com a cidadania e a promoção da saúde integral do ser humano é necessário que seja capacitado durante a graduação para desempenhar este papel. Educação ambiental no processo saúde-doença: a formação acadêmica do enfermeiro da Faculdade do Sul da Bahia
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3ª questão: Em sua opinião o curso de graduação da FASB habilita o enfermeiro para atuar com responsabilidade pela preservação do meio ambiente, protegendo-o contra o empobrecimento, degradação e a destruição. Por quê? P1: Não porque o curso tem uma grade com poucas horas para que o aluno consiga visualizar a importância e saber conduzir para acontecer essa preservação aluno ele sai com a noção de como cuidar, tratar das doenças mais preservação do meio ambiente. O aluno hoje não consegue visualizar a importância de se preservar e trabalhar a preservação do meio ambiente como forma de acabar com a propagação de determinadas patologias. O aluno precisa sair da faculdade e conhecer realidades extramuros para intervir tem que ter mais aplicabilidade dentro da teoria. P3: Não. Infelizmente as grades dos Cursos de Enfermagem ainda tem uma abordagem muito hospitalocêntrica e “curativista”. P5:De acordo com já exposto na resposta nº1 é preciso rever a matriz curricular do curso de enfermagem para adequar a carga horária da disciplina Saúde ambiental e ecologia e desenvolver projetos interdisciplinares envolvendo a temática meio ambiente e saúde e doença. Deve-se também desenvolver projetos de extensão com a intervenção direta do aluno em campo, supervisionado pelo professor, promovendo ações de saúde ambiental.
A terceira questão abordada trata da dificuldade de sensibilizar o discente para os problemas ambientais. A visão curativista e assistencialista da enfermagem prevalece sobre as ações preventivas e educativas para a saúde. O discente não consegue valorizar a promoção à saúde, para ele a importância está nos procedimentos complexos no ato de cuidar. Quadro 3 - Categorias e subcategorias emergentes das questões abordadas na entrevista Categorias Subcategorias Relação PPP e Educa- Ações de promoção e prevenção da saúde ção Ambiental e SaúCarga horária insuficiente de Coletiva Não valorização do impacto do meio ambiente no processo saúde e doença Falta de pré-requisitos na oferta da disciplina
Habilidades para tra- Conhecer meio ambiente balhar meio ambiente Ser educador e saúde coletiva. Trabalhar com promoção e prevenção à saúde Colocar em prática o conhecimento da graduação Conhecer hábitos de vida da comunidade Repercussão da ação humana através das zoonoses e outros agravos afins Relacionar homem, saúde, meio ambiente, trabalho. Conhecer fatores econômicos, culturais e biopsicossociais que influenciam a saúde coletiva e saúde ambiental.
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Habilitação do enfer- Carga horária inadequada meiro na preservação Abordagem hospitalocêntrica e curativa do meio ambiente Prevenção imediatista
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo revelou que os graduandos em enfermagem, de forma geral constroem representações sociais sobre o conceito de meio ambiente de forma reducionista e romântica. A relação entre meio ambiente e saúde é mais perceptível na teoria do que na prática, na representação escrita do que no desenho. Os conceitos emitidos parecem superficiais não remetendo a discussões mais críticas e não apontando para a necessidade de uma intervenção profissional. Os alunos investigados já passaram pelo processo de formação teórica, mas considerando o Projeto Político Pedagógico vê-se que a carga horária da disciplina Saúde Ambiental e Ecologia é de apenas 36 horas, tempo escasso para estudo de conceitos, relações, interferências e atuações. O meio ambiente ainda é um cenário externo onde o futuro profissional não se vê como ator do processo de mudanças mas como expectador. Durante o processo de graduação não houve um implemento de ações pedagógicas costurando as relações de causa e efeito do meio ambiente com o processo de saúde-doença. Diante dos desequilíbrios ambientais, estes profissionais precisaram de ferramentas efetivas e habilidades trabalhadas na graduação, com embasamento teórico, reflexivo e crítico, para intervenções eficazes no processo de promoção, prevenção e assistência à saúde. Para que se consiga alcançar maior comprometimento torna-se urgente a busca de estratégias pedagógicas, asseguradas na matriz curricular, que propiciem aos acadêmicos de enfermagem o desenvolvimento de uma percepção abrangente da questão ambiental e sua relação com a saúde coletiva. Este novo profissional que se quer ver atuando no campo da enfermagem é preciso ser formado para tornar concreto a prática do cuidado na luta por um meio ambiente mais equilibrado com uma melhor qualidade de vida com menos riscos ambientais. Portanto necessário enfatizar a importância da promoção à saúde. 5 REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal; Edições 70, LDA, 2009. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 16ª Ed. São Paulo: Atlas, 2000. Educação ambiental no processo saúde-doença: a formação acadêmica do enfermeiro da Faculdade do Sul da Bahia
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AVALIAÇÃO DOS FATORES DE RISCO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL DOS FEIRANTES DE TEIXEIRA DE FREITAS, BA Assessment of risk factors of hypertension of the fairgrounds in Teixeira de Freitas/BA Maria Célia Ferreira Danese FASB | ENSP/Fiocruz Aélio Duque Silva COREN Artigo recebido e aprovado em 25 de outubro de 2014
Resumo A hipertensão arterial sistêmica (HAS) representa grave problema de saúde. Como há uma relação direta do estilo de vida com os fatores de risco para a HAS, este estudo buscou identificar e classificar os níveis pressóricos de trabalhadores em feiras ambulantes, cadastrados em uma unidade de Estratégia de Saúde da Família (ESF) de uma cidade do estremo sul da Bahia, para identificar os fatores de risco no estilo de vida do grupo que favoreçam o aparecimento da HAS. O método usado foi de caráter descritivo quantiqualitativo no qual foram abordadas 59 pessoas. Os resultados apontaram fatores de risco para HAS em grande parte do grupo e pressão sanguínea acima dos índices recomendados. Concluiu-se que para o grupo é necessária uma sensibilização para mudança de hábitos de vida em decorrência dos riscos que a HAS pode causar. Palavras-chave: Hipertensão; Estilo de Vida; Fatores de Risco. Abstract Systemic arterial hypertension (SAH) is a severe health problem. As there is a direct relation with lifestyle and risk factors for SAH, this study sought to understand and classify the pressure levels of workers in traveling fairs, enrolled in a unit of the Family Health Strategy (FHS) of a city of extreme south of Bahia, to identify risk factors in the lifestyle group favor the onset of SAH. The method used had descriptive, quantitative and qualitative character in which 59 people were approached. The results showed risk factors for hypertension in a large part of the group and blood pressure above the recommended rates. Was concluded that is required the group a awareness to change lifestyle habits as a result of the risks that hypertension could cause. Keywords: Hypertension; Lifestyle; Risk Factors.
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1 INTRODUÇÃO Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o perfil sanitário mundial está se alterando rapidamente, especialmente nos países em desenvolvimento. Os conhecimentos sobre a natureza das doenças crônicas não transmissíveis, sua ocorrência, seus fatores de risco e populações sob risco também estão em transformação (OMS,2005). A hipertensão arterial (HA) é uma doença crônica não transmissível, caracterizada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial, considerada multifatorial pois está associada a diversos fatores de risco classificados como modificáveis ou não modificáveis. Dentre os riscos modificáveis estão a obesidade, etilismo, tabagismo, sedentarismo, alimentação entre outros, e não modificáveis são o sexo, raça, idade, hereditariedade. É um dos graves problemas de saúde pública pois tem uma alta prevalência e pouco controle sendo um dos principais fatores desencadeantes do acidente vascular cerebral e infarto agudo do miocárdio. Denominada doença silenciosa, quando aparecem os sintomas a hipertensão arterial já fez comprometimentos importantes, e em estado avançado causa alterações funcionais e/ou estruturais dos órgãos-alvo (coração, cérebro, rins e vasos sanguíneos) e alterações metabólicas, com consequente aumento do risco de eventos cardiovasculares fatais e não-fatais (DBHA, 2010). A hipertensão arterial é, atualmente, o problema de saúde pública mais comum nos países desenvolvidos sendo considerada problema de saúde mundial por sua magnitude, risco e dificuldades no seu controle. A mortalidade por doença cardiovascular aumenta progressivamente com a elevação da pressão arterial sendo responsável por cerca de 20% de todas as mortes em indivíduos acima de 30 anos. Segundo o Ministério da Saúde, ocorreram 962.931 mortes em indivíduos com mais de 30 anos no ano de 2009. As doenças isquêmicas do coração foram responsáveis por 95.449 mortes e as doenças cerebrovasculares por 97.860 mortes. As causas cardiovasculares atribuíveis a aterosclerose foram responsáveis por 193.309 mortes (MANSUR & FAVARATO, 2012). A classificação da hipertensão arterial vem se diversificando nas três últimas décadas. É considerada alta, a pressão arterial com níveis iguais ou superiores a 140 mmHg de pressão sistólica e/ ou 90 mmHg de diastólica, em pelo menos duas aferições subsequentes, obtidas em dias diferentes ou em condição de repouso e ambiente tranquilo em indivíduos que não fazem uso de medicamentos anti-hipertensivo (BRASIL, 2006a). Em 95% dos casos, a causa da hipertensão arterial sistêmica é desconhecida, sendo chamada de primária ou essencial, quando ocorre aumento da rigidez das paredes arteriais e a herança genética pode contribuir para o aparecimento da doença em 70% dos casos. Nos quadros com início súbito Avaliação dos fatores de risco da hipertensão arterial dos feirantes de Teixeira de Freitas, BA
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e grave ou em faixas etárias incomuns (antes dos 30 e após os 50 anos de idade), ausência de história familiar, controle difícil e resistente à terapia medicamentosa, picos tensionais graves e frequentes são sugestivos de causa secundárias de HAS (BRASIL, 2006a). O Ministério da Saúde, em consonância com as atuais políticas de promoção e proteção à saúde, tem na Estratégia de Saúde da Família a vinculação do usuário a uma equipe multidisciplinar, que trabalha na perspectiva da integralidade dos cuidados, o que favorece a promoção da saúde, realizações de ações educativas individuais e coletivas, visando maior adesão às ações de controle da pressão arterial e manutenção da qualidade de vida dos usuários e suas famílias (SAITO, 2008). O cuidado e tratamento das pessoas acometidas pela HAS tem como base imediata mudanças no modo de viver. A equipe de saúde deve orientar o usuário sobre a manutenção da pressão arterial em parâmetros normais, realização de consultas médicas, de enfermagem e de outras especialidades quando necessário, adesão ao tratamento medicamentoso prescrito e mudanças de hábitos de vida (controle de peso, padrão alimentar adequado, redução do consumo de sal, eliminação do fumo, moderação no consumo de bebidas alcoólicas, práticas de exercícios físico sem associação ao trabalho diário, controle do estresse psicossomático, estímulo a atividades educativas e de lazer individuais e em grupo), participação em atividades que melhorem a capacidade mental e a interação social desses indivíduos ao meio social em que vivem.(SOCIEDADES BRASILEIRAS DE CARDIOLOGIA, DE HIPERTENSÃO, DE NEFROLOGIA, 2006.; BRASIL, 2009). Com o intuito de melhorar o acesso às informações sobre o acompanhamento da população hipertensa no âmbito da atenção básica de saúde foi criado o Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos (HIPERDIA), que fornecendo informações sobre o estado de saúde dos usuários permite o planejamento e avaliação de ações de saúde local, melhorando a qualidade de vida e a redução do custo social. Este estudo buscou conhecer e classificar os níveis pressóricos de trabalhadores em feiras ambulantes, cadastrados em uma unidade de Estratégia de Saúde da Família (ESF) e identificar os hábitos relacionados aos fatores de risco para hipertensão arterial, em indivíduos com esta patologia. A escolha desta categoria de trabalhadores se deu pela importância que tem a feira livre para o bairro e região e também pelas peculiaridades dessa população. O feirante é um trabalhador do mercado informal, geralmente trabalha por conta própria e em família, é comum numa mesma barraca trabalhar pai, mãe, filhos. As feiras livres são locais muito movimentados e barulhentos. O comércio de ofertas se dá pela garganta do feirante que sempre tem uma rima, um refrão ou paródia para chamar a atenção sobre sua barraca. Esta
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profissão é tão antiga quanto a necessidade do homem de troca de produtos para sua sobrevivência. Segundo Holtz (2009), a origem das feiras e dos feirantes foi um fenômeno natural pela necessidade homem de se ter um local onde pudesse expor várias mercadorias diferentes para serem trocadas. Com as sobras de uns e faltas de outros iniciou-se o intercâmbio de mercadorias. O comércio das especiarias do oriente, na idade média, estimulou a oficialização das feiras. As autoridades da época ofereciam benefícios aos feirantes em relação aos impostos e a segurança, para que instalassem feiras em suas regiões porque elas provocavam um grande fluxo dos recursos do próprio local. As feiras livres funcionam no município de São Paulo desde meados do século XVII quando foi oficializado para venda, em 1687, “gêneros da terra, hortaliça e peixe, no Terreiro da Misericórdia” (SÃO PAULO, s/d). No Brasil as feiras livres estão presentes em todas as cidades, sendo mais do que um local de compras e vendas mas também onde se pode encontrar os amigos e sentir o prazeroso calor do relacionamento humano. 2 METODOLOGIA O estudo foi embasado nas normas de pesquisa descritiva com abordagem quantiqualitativa. Para Gil (2006) a pesquisa descritiva se presta para estudar características de grupo: distribuição por idade, sexo, procedência, níveis de escolaridade, etc. A pesquisa quantiqualitativa primeiramente quantifica os dados para depois analisá-los através de características mais amplas do contexto do problema. Os dados foram colhidos através de questionário que abordou as características demográficas do grupo, histórico familiar, fatores de risco para HAS, e ao final valores pressóricos mensurados de acordo com as normas de aferição de pressão arterial da VI Diretrizes Brasileira de Hipertensão Arterial (2010). Os sujeitos da pesquisa foram 59 feirantes ambulantes, usuários cadastrados à Estratégia de Saúde da Família de um bairro de Teixeira de Freitas, Bahia. A primeira etapa do estudo foi o levantamento das fichas A de cadastramento das famílias avaliando os dados idade e ocupação. Os participantes foram selecionados nos meses de março e abril de 2013, e a amostra final foi de 59 usuários que satisfizeram os critérios de inclusão: feirantes ambulantes, maiores de 20 anos, cadastrados na Unidade de Estratégia da Família e que trabalhavam na mesma área de adscrição da unidade de saúde. Este grupo populacional foi escolhido, por ser a feira livre do bairro um tradicional ponto de comércio ambulante e esta população muitas vezes, em decorrência do trabalho, não procura a unidade de ESF para ações preventivas e de controle da saúde. Avaliação dos fatores de risco da hipertensão arterial dos feirantes de Teixeira de Freitas, BA
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Uma segunda seleção foi feita após a aferição dos dados pressóricos e a classificação dos hipertensos. Os dados coletados foram analisados e agrupados em duas categorias. A primeira apresenta os dados sobre os fatores de risco não modificáveis: sexo, raça, idade, hereditariedade. A segunda categoria apresenta os dados sobre os fatores de risco modificáveis: obesidade, etilismo, tabagismo, sedentarismo, padrão alimentar. Os dados pressóricos foram avaliados de acordo com as VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial (DBHA, 2010) e classificados conforme a Tabela 1. Tabela 1: Classificação da pressão arterial segundo os valores da pressão arterial sistólica e da pressão diastólica, segundo as VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial Classif. Pressão Arterial Ótima Normal Limítrofe Estágio 1 Estágio 2 Estágio 3 Hipertensão sistólica isolada
Pressão Arterial Sistólica (mmHg) <120 <130 130 a 139 140 a 159 160 a 179 ≥ 180
Pressão Arterial Diastólica (mmHg) < 80 < 85 85 a 89 90 a 99 100 a 109 ≥ 110
> 140
< 90
Fonte: VI DBHA (2010, p. 8) 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO O grupo estudado composto de 59 feirantes, 33 (55,9%) eram do sexo masculino e 26 (44,1%) do sexo feminino, com idade mínima de 20 anos. Tabela 2: Distribuição dos feirantes de acordo com gênero e faixa etária Faixa etária 20 a 29 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69
Homem 3 6 9 7 6
70 ou + 2 TOTAL 33 Fonte: Dados primários da pesquisa
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5,1% 10,2% 15,2% 11,8% 10,2% 3,4% 55,9%
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Mulher
0 26
7 6 8 3 2
11,8% 10,2% 13,6% 5,1% 3,4% 44,1%
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Neste universo de 59 indivíduos foram identificados 21 (35,5%) portadores de hipertensão arterial, destes 13 (61,9%) pertenciam ao gênero masculino. Jardim et al. (2007) em seu estudo sobre hipertensão em pacientes atendidos em um ambulatório universitário encontrou prevalência de HA maior entre homens a partir da faixa etária de 18 a 29 anos aumentando progressivamente naqueles acima de 60 anos. Em estudos semelhantes, Boaventura e Guandalini (2007) observaram uma maior incidência de HA em participantes do gênero feminino, justificando este dado com a possibilidade de maior disponibilidade de tempo das mulheres para procurar os serviços de saúde. De acordo com a VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial, os 21 hipertensos foram classificados dentro dos estágios 1, 2 e 3. No estágio um foram encontradas 12 pessoas (57,2%), no estágio dois 7 pessoas (33,3%) e no estágio três 2 pessoas (9,5%). Todos os usuários classificados nos estágios 2 e 3 tinham mais de 40 anos. Segundo Lolio et al. (1993), a HAS tem maior frequência de diagnóstico quanto maior a idade do cliente. O processo demográfico de envelhecimento da população brasileira aumentou a incidência e prevalência de doenças crônico-degenerativas entre elas as cardiovasculares (IBGE, 2011). Gráfico 1: Classificação dos hipertensos segundo as VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial
Fonte: Dados primários da pesquisa
O fator hereditariedade apareceu em 16 sujeitos, correspondendo a 71,6% da população de hipertensos estudada. De acordo com as VI Diretrizes Brasileiras de HA (2010, p.3), “A contribuição de fatores genéticos para a gênese da HAS está bem estabelecida na população. Porém, não existem, até o momento, variantes genéticas que, possam ser utilizadas para predizer o risco individual de se desenvolver HAS.” O risco de desenvolver doença coronariana é alto se tiver familiares próximos que desenvolveram a doença antes dos 55 anos. Avaliação dos fatores de risco da hipertensão arterial dos feirantes de Teixeira de Freitas, BA
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A raça ou etnia foi autodefinida pela cor da pele em branca, parda ou mulata, preta ou negra, amarela e indígena, conforme oficialmente usado nos censos demográficos do país (IBGE, 2011). Assim a variável cor da pele apresentou 14 (66,7%) indivíduos da cor parda, 6 (28,5%) da cor preta e 1 (4,8%) da cor branca. A maior incidência da cor parda está relacionada com a forte miscigenação da população baiana. As principais características socioeconômicas da amostra foram as seguintes: 11 (52,4%) tinham o ensino fundamental incompleto, 7 (33,3%) ensino fundamental completo, 2 (9,5%) tinham cursado o ensino médio e 1 (4,7%) é analfabeto; a renda familiar foi classificada em menor ou igual a um salário mínimo 4 (19,1%), entre dois e três salários mínimos 11 (52,4%) e 6 (28,5%) superior a três salários mínimos. As casas de moradia são de tijolos, com energia elétrica, água encanada e coleta de lixo. Os fatores de risco modificáveis avaliados foram: obesidade, etilismo, tabagismo, sedentarismo e padrão alimentar. A obesidade foi avaliada de acordo com a classificação do índice de massa corpórea (IMC) preconizado pela OPS/OMS (2009). Todos os sujeitos estavam com algum grau de obesidade: 8 (38,1%) foram classificados como sobrepeso ou pré-obesidade, 9 (42,9%) obesidade grau I e 4 (19%) obesidade grau II. “O excesso de peso se associa com maior prevalência de HAS desde idades jovens. Na vida adulta, mesmo entre indivíduos fisicamente ativos, incremento de 2,4 kg/ m2 no IMC acarreta maior risco de desenvolver hipertensão” (VI DBHA, 2010. p.2). Quanto ao tabagismo 12 (57,1%) não fumam, 9 (42,9%) fumam ou já fumaram. Os efeitos do tabagismo são maléficos em curto e longo prazo para a saúde, provoca risco aumentado para doença coronariana, sendo importante causa modificável de morte. O tabagismo “colabora para o efeito adverso da terapêutica de redução dos lípides séricos e induz resistências ao efeito de drogas anti-hipertensivas” (CBHA, 1999, p. 268). O uso de bebida alcoólica é um dado difícil de ser avaliado porque cada um interpreta o “beber socialmente” de maneira diferente, no estudo 8 (38,1%) declararam não fazer uso de nenhuma bebida alcoólica e 13 (61,9%) bebem socialmente. A Sociedade Brasileira de Cardiologia preconiza: aos hipertensos do sexo masculino que fazem uso de bebidas alcoólicas é aconselhável que o consumo não ultrapasse 30ml de etanol/dia e, em relação às mulheres e indivíduos de baixo peso a ingestão alcoólica não deve ultrapassar a 15 ml de etanol/dia (CBHA, 1999). A prática de atividades físicas regularmente reduz a pressão arterial, diminui o peso corporal, tem ação coadjuvante no tratamento das dislipidemias, do abandono do tabagismo e do controle do estresse. É um fator importante na prevenção da hipertensão para os indivíduos normotensos (CBHA, 1999). A avaliação do grupo apresentou uma característica peculiar, todos afirmaram que trabalhar como feirante já é uma grande atividade física. Além do esforço laboral, 14 (66,6%) praticam atividade física com regularidade.
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A atividade física, por definição, pode ser considerada qualquer movimento corporal produzido pela musculatura esquelética que resulte em aumento do gasto energético como caminhar, lavar roupa, subir escadas, entre outras. Entretanto, para que os benefícios à saúde sejam alcançados há necessidade que essa atividade seja realizada de forma sistemática, regular, gerando estímulo suficiente para melhora do condicionamento cardiovascular (MATOS; MENEGHELO, 2010). Estimativas nacionais apontam para um alto índice de sedentarismo na população brasileira. Os seres humanos são preparados para ser fisicamente ativos. A atividade física regular e frequente, além de prevenir o sobrepeso e a obesidade, é também benéfica para a saúde mental e emocional (BRASIL, 2006b). Os hábitos e práticas alimentares foram avaliados através do número de refeições diárias, tipo de gordura utilizada na preparação das refeições, consumo de sal e massa, quantidade de água ingerida diariamente. Os feirantes começam seu trabalho pela madrugada com a montagem das barracas, atendem a clientela até 12 horas quando iniciam o processo de desmontagem. Durante suas atividades beliscam muito pois a feira é um local convidativo para quebra de regras alimentares. Os horários de refeição também não seguem um padrão determinado devido a jornada de trabalho, 7 (33,3%) trazem marmita de casa e almoçam em torno de dez horas da manhã os demais fazem pequenas refeições nos bares e lanchonetes adjacentes do local da feira, só almoçando depois das 14 horas quando retornam à casa. O número de refeições diárias variou entre duas e cinco, sendo que 10 pessoas (47,6%) disseram fazer quatro refeições/ dia. Todos os pesquisados usam óleo vegetal de soja no preparo dos alimentos apesar de 13 (62%) relatarem predileção pelo consumo de carne gordurosa. O macarrão faz parte da dieta diária juntamente com o feijão e arroz; 3 (14,3%) fazem controle no uso do sal de cozinha e todos bebem menos de dois litros de água por dia. De acordo com Brasil (2006b) as pessoas devem ingerir no mínimo dois litros de água por dia (seis a oito copos) preferencialmente entre as refeições. Essa quantidade pode variar de acordo com a atividade física e com a temperatura ambiente. Quanto ao sal, um consumo maior que seis gramas por dia é uma causa importante da hipertensão arterial, acidente vascular cerebral e câncer de estômago. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante dos dados analisados e discutidos é necessário aumentar o grau de conhecimento da população sobre a importância do controle da hipertensão arterial. Os princípios de acessibilidade e resolubilidade devem Avaliação dos fatores de risco da hipertensão arterial dos feirantes de Teixeira de Freitas, BA
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estar garantidos aos hipertensos cadastrados na ESF para que possam ser atendidos na integralidade de suas necessidades. A consulta médica e/ou de enfermagem e a dispensa de fármacos anti-hipertensivos não garantem o controle nem as possíveis complicações decorrentes da hipertensão arterial. Por ser uma doença multifatorial torna-se necessário orientações voltadas para vários objetivos o que é possível através da atuação de uma equipe multiprofissional. Apesar do surgimento da HA estar relacionado a fatores de risco não modificáveis- idade, sexo, raça, hereditariedade- a prevenção e o controle da doença podem ser feitos com mudança nos hábitos de vida incluindo alimentação saudável, prática de exercício físico, controle de peso, consumo moderado de bebida alcoólica, o não uso do tabaco. Para que isto aconteça é necessário a implementação da educação em saúde para desenvolver e estimular o processo de mudança de hábitos e transformação no modo de viver. Mudar estilo de vida é uma tarefa difícil e quase sempre é acompanhada de muita resistência, por isso as pessoas não conseguem fazer mudanças significativas e mantê-las por muito tempo. As ações educativas devem ser realizadas de forma contínua, individual e em grupo. As ações individuais objetivam atender as necessidades específicas de cada cliente, as coletivas visam o grupo operativo, os familiares e a comunidade. Neste estudo percebeu-se que os fatores de risco modificáveis são os principais agravantes da hipertensão arterial e que o profissional de saúde deve pôr em prática seu papel de educador na condução à adesão às condutas de controle do agravo e preventivas das doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. 5 REFERÊNCIAS BOAVENTURA, G. A.; GUANDALINI, V. R. Prevalência de hipertensão arterial e presença de peso em pacientes atendidos em um ambulatório universitário de nutrição na cidade de São Carlos-SP. Alim. Nutr. Araraquara, v.18, n.4, p.381-385, out./dez.2007. BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Hipertensão arterial sistêmica. Caderno Atenção Básica. Nº 15. Brasília: Ministério da Saúde, 2006a. _______. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Guia alimentar para a população brasileira - Promovendo alimentação saudável. Brasília: MS; 2006b. _______. Hipertensão: um mal que pode ser evitado. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/ visualizar_texto.cfm?idtxt=22837>. Acesso em: 03 ago. 2013.
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Maria Célia Ferreira Danese - Aélio Duque Silva
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Avaliação dos fatores de risco da hipertensão arterial dos feirantes de Teixeira de Freitas, BA
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DISJUNÇÃO CIRÚRGICA DO PALATO Antonio Borges Miguel Neto FAESA Maria Carolina Faroni Marim FASB Naianne Belker Soares Canuto FASB
Artigo recebido e aceito em 25 de outubro de 2014 Resumo A expansão rápida da maxila assistida cirurgicamente (ERMAC) é um procedimento descrito na literatura e bastante utilizado em pacientes adultos jovens com maturidade óssea, os quais possuem um processo de interdigitações ósseas avançado. O objetivo deste trabalho é revisar a literatura analisando a quantidade e duração das ativações do aparelho expansor utilizado, as indicações para realização do procedimento cirúrgico, as técnicas cirúrgicas utilizadas com suas vantagens e complicações. As indicações principais são pacientes adultos jovens com maturidade óssea em que não há sucesso com expansão rápida da maxila (ERM) e que já possuem as suturas obliteradas. Os aparelhos de escolha recaem sobre os dento suportados (Hyrax) e dento-muco-suportado (Haas) com ativações que variam de uma volta à meia volta por dia, por um período de aproximadamente quinze dias. A ERMAC pode ser realizada por basicamente duas técnicas cirúrgicas, sendo as mais utilizadas as do tipo Le Fort I subtotal e Le Fort I modificada. Dessa forma, o tratamento com deficiência transversa deve ser realizado com uma equipe multidisciplinar por envolver várias especialidades na área da odontologia, resultando em um tratamento muito eficaz. Palavras-chave: Disjunção palatar. Abstract The Surgically assisted rapid expansion jaw (SARME) is a procedure used in patients with bone maturity , a process which possess enhanced bone interdigitation . The aim of this paper is to review the literature analyzing the amount and duration of the activations of the expander used , the indications for the surgical procedure , the surgical techniques used with advantages and complications . . The devices of choice fall on the dento borne ( Hyrax ) and tooth- mucus - borne ( Haas ) with activations ranging from a back to back half a day for a period of approximately two weeks. The SARME can be performed by basically two surgical techniques , the most used type of the subtotal Le Fort I and Le Fort I modified . Thus , treatment with transverse deficiency should be performed by a multidisciplinary team involving several specialties in the field of dentistry, resulting in a very effective treatment.
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INTRODUÇÃO Em geral, o tratamento da má oclusão em adultos é freqüentemente complicado pela deficiência transversa da maxila, sendo dessa forma encaminhados de ortodontistas para cirurgiões bucomaxilofaciais, para a necessidade de um tratamento orto-cirúrgico através da disjunção do palato, objetivando o melhor resultado, redirecionamento do crescimento do complexo craniofacial, restabelecimento da harmonia e da estética facial (SCATTAREGI, SIQUEIRA, 2009). As etiologias como, hereditariedade, aberrações de erupção, comprimento inadequado do arco, macroglossia, distúrbios no desenvolvimento congênito, além de hábitos parafuncionais são observados em pacientes que possuem deficiência transversa da maxila (RIBEIRO JUNIOR et al., 2006; AMARAL et al., 2008). A grande dificuldade no tratamento desses pacientes é a resistência da sutura palatina mediana, haja visto que a mesma encontra-se totalmente obliterada, dificultando ou mesmo impedindo a correção transversal por disjunção convencional, portanto as suturas ptérigo-maxilar e zigomático-maxilar, também são áreas resistentes (BELL; EPKER, 1976). Em relação ao diagnóstico para avaliação das deficiências transversas da maxila, dos exames radiográficos realizados, o mais indicado e confiável é a radiografia póstero-anterior (PA) (SCARTEZINI et al., 2007). Podendo ser complementado por uma telerradiografia em norma frontal (SCATTAREGI, SIQUEIRA, 2009). Muitas técnicas relatadas na literatura ao longo de anos para promover a separação das maxilas, diferem sobre alguns aspectos como os locais e extensão das osteotomias preconizadas, número de voltas e modo de ativação do aparelho disjuntor no trans e pós cirúrgico, além do ambiente de intervenção que pode ser hospitalar ou ambulatorial (RAMOS et al., 2004; ROCHA et al., 2005; VASCONCELOS et al., 2006; RIREIRO JÚNIOR et al., 2006; CAMARGO FILHO, PROCÓPIO, 2006; CAMARA et al., 2009). REVISÃO DE LITERATURA Haas (1961) avaliou a expansão do arco superior e cavidade nasal a partir da abertura da sutura palatina mediana em animais. Utilizou 87 porcos com três e quatro meses de idade. Concluiu que o procedimento não só aumentou a largura do arco dental e forneceu perímetro, mas também deslocou a musculatura do bucinador de maneira a reduzir as forças que contribuem para o cruzamento da mordida. Além disso, reportou vantagens no aumento da cavidade nasal com consequente facilidade para respiração, associando aos indivíduos respiradores bucais. Disjunção cirúrgica do palato
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Bell e Epker (1976) avaliaram as correções das deficiências maxilares transversais bilaterais totais e unilaterais com mordida cruzada. Afirmaram que existem vários tipos de osteotomias utilizadas para facilitar o movimento lateral da maxila a partir da disjunção palatal cirúrgica e se propuseram a avaliar como selecionar tais osteotomias para cada caso. Concluíram que osteotomias laterais e palatal da maxila são os procedimentos de escolha, com pouca morbidade pós-operatória. No caso de extração de terceiros molares, recomendaram que as incisões posterior vertical e transversal podem ser feitas no local das extrações. Os aparelhos preferidos pelos autores para realização da disjunção são os dento suportados, pois não impedem ou dificultam a vascularização da mucosa palatina pela pressão. Capelozza Filho et al. (1994) avaliaram a ERMAC e concluíram que a mesma apresenta muitas vantagens na qualidade e na quantidade da expansão obtida, estando indicada para pacientes fora da fase de crescimento que necessitam de uma grande expansão de base óssea, tenham perda óssea horizontal na região posterior da maxila, que já tenham tentado, sem sucesso, a expansão rápida da maxila e com mais de 30 anos de idade. Takafumi et al. (1996) avaliaram o tratamento ortodôntico de um paciente com fissura de palato, submetido a ERMAC pela técnica da osteotomia. Concluíram que a abertura da sutura palatina mediana desejada ocorreu e teve estabilidade oclusal satisfatória após o tratamento ortodôntico, demonstrando a eficácia da ERMAC em pacientes adultos com fissura e mordida cruzada posterior severa. Capelozza Filho e Silva Filho (1997) avaliaram a ERM juntamente com a correção da atresia maxilar, optando pela utilização do disjuntor tipo Haas com ancoragem dento-muco-suportado. Analisaram os efeitos ortopédicos e ortodônticos, concluindo que a ERM nos adultos, se faz acompanhar de intercorrências que podem conduzir a assistência cirúrgica como fonte de eliminação da resistência estrutural. Bernardes e Vieira (2003) avaliaram a ERMAC e as dificuldades para sua execução. Concluíram que a disjunção palatal assistida cirurgicamente tem muitas vantagens, como não apresentarem compensação em inclinação vestibular dos dentes após o tratamento, maior estabilidade, conforto e previsibilidade do tratamento. Tanaka et al. (2004) avaliaram que a disjunção palatina traz benefícios significativos nas más oclusões. Concluíram que a disjunção palatina, como um todo, não é um procedimento ortodôntico simples. Até que os objetivos transversais sejam alcançados, os pequenos detalhes devem ser rigorosamente observados e aplicados criteriosamente com conhecimento científico das causas e consequências. Ramos et al. (2004) avaliaram a ERMAC, em que foi realizada corticotomias nas tábuas ósseas vestibulares. Concluíram que a técnica cirúrgica é mais indicada para adultos jovens, pois com o aumento da idade
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observa-se um aumento da interdigitação da sutura palatina mediana, gerando maior resistência à expansão, tornando o prognóstico pior. Koudstaal et al. (2005) avaliaram a ERMAC, com o objetivo de fornecer respostas sobre o conhecimento das diferentes técnicas, interesse na história da distração e de recidiva. Concluíram que não há um consenso na literatura consultada sobre uma ou outra técnica cirúrgica, o tipo de distrator utilizado (dento-suportado ou ósseo-suportado), a existência da causa, a quantidade de recidiva e se a hipercorreção é ou não necessária. Rocha et al. (2005) avaliaram as discrepâncias transversais da maxila em pacientes em fase final de crescimento ou em adultos que necessitavam de ERMAC. Consultaram diferentes técnicas relatadas na literatura e concluíram que a ERMAC é o procedimento melhor indicado para pacientes adultos ou em fase final de crescimento para resolução de problemas transversais, e as osteotomias das paredes laterais das maxilas associadas a da sutura palatina mediana foram suficientes para a expansão da maxila e correção da mordida cruzada posteriores. Camargo Filho e Procópio (2006) avaliaram as atresias maxilares e afirmaram que em indivíduos adultos, com suturas já obliteradas, a assistência cirúrgica para separação das maxilas é necessária previamente ao tratamento ortopédico-ortodôntico das atresias. As osteotomias bilaterais nos pilares zigomáticos e na região da sutura intermaxilar constituem uma técnica eficaz, promovendo a separação das maxilas e permitindo a correção da discrepância horizontal. Vasconcelos et al. (2006) estudaram duas técnicas de ERMAC com separação ou não dos processos pterigóides. Concluíram que há poucos estudos controlados na literatura comparando as duas técnicas de expansão cirúrgica da maxila. Estudos com amostras maiores devem ser realizados. Ribeiro Jr. et al. (2006) avaliaram clinicamente os procedimentos de ERMAC. Utilizaram 10 pacientes tratados através da expansão ortopédica com auxílio cirúrgico. Concluíram que, com um acompanhamento em longo prazo, a ERMAC trata-se de um procedimento eficiente, estável, que proporciona mudanças funcionais e pouca alteração estética facial. Carlini et al. (2007) avaliaram os resultados dos tratamentos de pacientes com desarmonias esqueléticas Classe III e discrepâncias transversas, tratados com a técnica de ERMAC, associada à mecânica de tração reversa. Concluíram que os resultados clínicos e radiográficos demonstraram eficiência nestes procedimentos, evitando nova cirurgia de maxila, diminuindo a morbidade do tratamento e o seu custo. Malmström e Gurgel (2007) avaliaram a neoformação óssea na região da sutura palatina mediana em pacientes adultos submetidos à ERMAC. Utilizaram radiografias oclusais convencionais periódicas obtidas da fase inicial e até 120 dias de contenção, digitalizadas em scanner. Concluíram que o prazo de 120 dias não foi suficiente para a completa neoforDisjunção cirúrgica do palato
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mação e remodelação óssea da sutura; os resultados obtidos pelo método computadorizado corresponderam às informações obtidas nas radiografias oclusais convencionais, acrescentando a estas a análise quantitativa dos dados obtidos, podendo ser utilizado como método complementar de diagnóstico na prática clínica ortodôntica. Scartezine et al. (2007) avaliaram que a correção da deficiência transversal maxilar em pacientes adultos pode ser feita pela ERMAC ou osteotomia Le Fort I segmentar (OLF-IS). Concluíram que a ERMAC pode ser realizada com osteotomia completa dos pilares da maxila (Le Fort I subtotal) ou liberação parcial dos pilares (técnicas conservadoras). A OLF-IS pode ser realizada em dois, três e quatro segmentos. Amaral et al. (2008) avaliaram os aspectos referentes ao tratamento da atresia maxilar em pacientes adultos em que foi realizada a ERMAC. Concluíram que este é um procedimento estável que permite o tratamento das deficiências transversais da maxila de pacientes adultos com a obtenção de resultados clínicos satisfatórios. Azenha et al. (2008) avaliaram que a ERM apresenta alto índice de insucesso se realizada em pacientes com idade esquelética avançada, e indicaram a ERMAC como a modalidade de tratamento mais eficaz e estável para correção de deformidades transversais de maxila em pacientes adultos. Concluíram que ainda existem controvérsias na literatura a respeito da idade ideal para a realização da ERMAC e qual técnica é mais adequada, além de ressaltarem os aspectos de diagnóstico para o sucesso da terapia. Camara et al. (2009) avaliaram as alterações nos arcos dentários superiores no sentido transversal, a quantidade de inclinações nos dentes de apoio do aparelho de expansão tipo Hyrax em pacientes submetidos à ERMAC e a efetividade dessa técnica cirúrgica utilizada. Concluíram que a técnica cirúrgica empregada mostra-se eficiente para obter alteração transversal maxilar, ocorrendo inclinação dento-alveolar dos dentes de apoio do disjuntor. Macedo et al. (2009) avaliaram a neoformação óssea da sutura palatina mediana por meio da análise de densidade óptica após ERMAC. Concluíram que imediatamente após o fim da ativação do parafuso expansor, observaram valor decrescente para as densidades ópticas que, porém, aumentaram gradativamente após 3 e 6 meses. Scattaregi e Siqueira (2009) avaliaram as possíveis alterações e a estabilidade dentária e esquelética no sentido transversal, bem como as possíveis alterações verticais da face (AFAI), produzidas pela ERMAC, através de telerradiografias. Concluíram que a ERMAC produziu aumentos estatisticamente significativos da cavidade nasal, da largura maxilar e da distância intermolares superiores. A largura facial e as distâncias intermolares inferiores não apresentaram alterações após a ERMAC. Avaliando
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o comportamento vertical da face, notaram um aumento da AFAI, que diminuiu após a contenção de 3 meses e permaneceu estável. Javorsky et al. (2009) relataram um protocolo de preparo do aparelho ortodôntico para cirurgias de expansão rápida da maxila, definindo os tipos de aparelhos, tipos de cimentação e de ancoragem necessários para viabilizar o procedimento cirúrgico. Concluíram que o aparelho deve ser o mais resistente possível para minimizar os efeitos ortodônticos e maximizar os efeitos ortopédicos, possuir uma máxima ancoragem, não interferir no planejamento cirúrgico. Mostraram que muitos pacientes adultos portadores de discrepâncias ósseas severas têm, hoje, uma nova perspectiva de correção graças à utilização da cirurgia de ERMAC. Scanavini et al. (2010) avaliaram as alterações após a ERM, com os disjuntores palatinos, Haas e Hyrax. Utilizaram uma amostra com 31 pacientes, sendo 15 do sexo feminino e 16 do masculino e faixa etária entre 9 e 16 anos. Concluíram que o deslocamento rotacional da mandíbula no sentido horário, para baixo e para trás, foi verificado pelo aumento estatisticamente significativo das medidas angulares estudadas na fase pós-disjunção, permanecendo na fase final de nivelamento, em ambos os grupos. CONCLUSÃO Em determinadas situações que a expansão ortopédica não é possível, a combinação de procedimentos ortopédicos-cirúrgicos será indicada (KOUDSTAAL et al., 2005; AMARAL et al., 2008). Na fase adulta, a revisão da literatura mostrou-se praticamente unânime em indicar a assistência cirúrgica que promova a separação das suturas e a fragilização das áreas de resistência do esqueleto facial (CAMARGO FILHO, PROCÓPIO, 2006; AZENHA et al., 2008; RAMOS et al., 2004; BERNARDES, VIEIRA, 2003; VASCONCELOS et al., 2006). Segundo Bell e Epker (1976) as áreas de maior resistência são as suturas zigomático-frontal, zigomático-temporal e zigomático-maxilar. São indicados pacientes adultos que tenham mais de 30 anos de idade e necessitam de uma grande expansão na base óssea, com maturidade óssea em que não há sucesso com ERM, que tenham perda óssea horizontal, mesmo que dentro dos limites aceitáveis para um tratamento ortodôntico convencional, não aceitem o desconforto provável durante a primeira tentativa de expansão, apresentem atresia unilateral real da maxila e tenham tentado, sem êxito, a expansão rápida ortopédica (CAPELOZZA FILHO, SILVA FILHO, 1997; BERNARDES, VIEIRA, 2003; AZENHA et al., 2008; SCARTEZINI et al., 2007). Sinais clínicos como palato ogival, arco dentário maxilar estreito, mordida cruzada posterior uni ou bilateral, sendo a bilateral a mais comum, Disjunção cirúrgica do palato
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dentes apinhados, girovertidos, vestibularizados e/ou palatinizados e corredor bucal amplo, indicam deficiência transversal maxilar (SCARTEZINI et al., 2007). Sabe-se que o uso de um aparelho disjuntor é indispensável para o tratamento e a escolha varia de acordo com cada profissional, para cada paciente e suas necessidades. Segundo Azenha et al. (2008) e Bernardes e Vieira (2003), os mais indicados são do tipo dento-suportado (Hyrax) e dento-muco-suportado (Haas). Estes aparelhos possuem um parafuso expansor que é a parte ativa, o qual gera forças que promovem a separação dos processos maxilares, rompendo a sutura palatina mediana em forma triangular ( Javorsky et al., 2009). Este deve ser posicionado no interior do acrílico, e ter a seta de orientação voltada para distal. O apoio acrílico no palato promove compressão na mucosa durante a fase ativa, podendo trazer grande desconforto ao paciente, como inflamação, edema e necrose do palato, acompanhado de dor. Portanto, é feito o arredondamento por desgastes das arestas do apoio acrílico, eliminando os ângulos vivos. Com o auxílio de uma chave, com stop para que não atinja a mucosa, evitando assim lesões, faz-se a ativação do aparelho (TANAKA et al., 2004). Antes da realização da cirurgia o aparelho expansor deve ser cimentado para que após o procedimento cirúrgico o ortodontista possa ativá-lo. O material de escolha para cimentação deve ter boas propriedades de retenção e liberação de flúor, como o ionômero de vidro (TANAKA et al., 2004; SCARTTAREGI, SIQUEIRA, 2009). As partes ativas do aparelho atuam na sutura palatina mediana que irá romper e se afastar de acordo com o protocolo de ativação de cada paciente. Ocorre também a separação dos processos maxilares, aumentando as dimensões transversais da maxila e o diastema entre os incisivos centrais. A liberação de forças laterais pelo aparelho ocorre contra as faces palatinas dos dentes superiores onde estão ancorados. O protocolo de ativação dos aparelhos disjuntores pode variar bastante de acordo com os autores, porém, quantidade de ativação do parafuso varia entre ½ volta (CAMARGO FILHO, PROCÓPIO, 2006; AZENHA et al, 2008; SCANAVINI et al., 2010; SCARTTAREGI, SIQUEIRA, 2009; MACEDO et al., 2009; CAMARA et al., 2009; AMARAL et al., 2008; CARLINI et al., 2007; VASCONCELOS et al., 2006) e uma volta por dia (RAMOS et al., 2004; MALMSTROM, GURGEL, 2007; TANAKA et al., 2004; BERNARDES, VIEIRA, 2003; ROCHA et al., 2005), por um período médio de 20 dias (AZENHA et al, 2008; SCANAVINI et al., 2010; BERNARDES, VIEIRA, 2003; ROCHA et al., 2005; CAMARGO FILHO, PROCÓPIO, 2006) até que se obtenha a sobrecorreção para garantir estabilidade dos casos (SCARTTAREGI, SIQUEIRA, 2009; MACEDO et al., 2009; CAMARA et al., 2009; AMARAL et al., 2008; CARLINI et al., 2007; VASCONCELOS et al., 2006).
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Na técnica da ERMAC, ocorre uma expansão transversal da maxila na qual se emprega a fragilização da resistência óssea por meio de osteotomias dos pilares da maxila, com o uso do aparelho expansor no qual são liberadas forças necessárias para a separação dos suportes ósseos remanescentes. Também chamada de distração óssea. A osteotomia total da maxila foi descrita primeiramente por Cheveer em 1867, e mais tarde foi classificada como Le Fort I, porém, só foi realizada em 1921 com Wassmund. Essa técnica permite correção das deformidades tanto transversais como verticais ou ântero-posterior da maxila, concomitante ou não. Consiste em realizar osteotomias dos pilares ósseos, fratura dos suportes remanescentes – “downfractures”, mobilização e, no caso da necessidade de expansão transversa, segmentação da maxila com reposicionamento e fixação dos segmentos em um novo padrão oclusal (SCARTEZINI et al., 2007). O uso de anestesia geral é realizado juntamente com anestesia local com vasoconstritor (no fundo de vestíbulo para promover maior hemostasia no local) como anestesia complementar. Apresentando maior conforto ao paciente no trans-operatório e ao profissional maior liberdade para a realização das osteotomias, agilidade e facilidade da resolução de possíveis acidentes que venham a ocorrer durante o procedimento cirúrgico (AZENHA et al., 2008; CAMARGO FILHO, PROCÓPIO, 2006; RIBEIRO JÚNIOR et al., 2006; ROCHA et al., 2005; VASCONCELOS et al., 2006; CARLINI et al., 2007; CAMARA et al., 2009). Entretanto, Ramos et al. (2004) optaram por realizar sob anestesia local e/ou sedação. A ERMAC é atualmente uma técnica estabelecida e extensamente aplicada para correção de deficiências transversais da maxila, não havendo um consenso na literatura sobre qual técnica é mais eficaz (KOUDSTAAL et al., 2005). A osteotomia obedece ao traçado adotado para uma cirurgia tipo Le Fort I, com a separação da sutura intermaxilar, sutura zigomático-maxilar e sutura ptérigomaxilar. Alguns autores optam por não soltar a sutura ptérigomaxilar. A osteotomia constitui-se de uma linha que vai da abertura piriforme passando pelo pilar zigomático (sutura zigomático-maxilar) e indo até o túber da maxila na sutura ptérigomaxilar. De acordo com a técnica empregada, essa sutura pode ou não ser separada por uma osteotomia com cinzel e martelo durante o procedimento. A sutura intermaxilar é também acessada e osteotomizada segundo diversas técnicas propostas na literatura (BELL, EPKER, 1976). A técnica de maior escolha dos profissionais é a osteotomia do tipo Le Fort I, que é realizada com algumas particularidades entre autores, como Le Fort I subtotal, com osteotomia da parede lateral da maxila em ambos os lados, acompanhado de uma osteotomia da linha média e separação da sutura ptérigomaxilar; Le Fort I modificada, caracterizada pela osteotomia da sutura intermaxilar e não-abordagem da sutura Disjunção cirúrgica do palato
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ptérigomaxilar (BELL, EPKER, 1976; AZENHA et al., 2008; RIBEIRO JÚNIOR et al., 2006; CARLINI et al., 2007; CAMARA et al., 2009; SCARTTAREGI, SIQUEIRA, 2009). As osteotomias laterais da parede maxilar devem ser feitas 5mm acima dos ápices dentários, desde a abertura piriforme até o processo zigomático-maxilar bilateralmente, para evitar qualquer efeito sério na polpa e no fluxo sanguíneo (CARLINI et al., 2007). Foram relatados resultados eficazes, estáveis e seguros tendo como certeza a expansão devida, porém, podem ocorrer pequenas variações entre elas. Ocorreu uma melhora na respiração nasal e foram observados sinais clínicos como, diastema inter-incisivos, alinhamento dentário e correção do desvio de linha média (ROCHA et al., 2005; RAMOS et al., 2004; RIBEIRO JÚNIOR et al., 2006; AZENHA et al., 2008; CAMARGO FILHO, PROCÓPIO, 2006; VASCONCELOS et al., 2006) e Camara et al. (2009) em seu estudo relataram uma expansão significativa na região dos caninos a segundos molares de cada lado. Ocorreu vestibularização assimétrica nas coroas dentárias dos primeiros molares e primeiros pré-molares, que são dentes de apoio do disjuntor, com valores não significativos. Porém, Scattaregi e Siqueira (2009) obtiveram como resultado imediato um aumento da distância intermolares superiores e largura nasal e maxilar, que se mantiveram estável no período de 3-6 meses pós-expansão e aumento na altura facial, entretanto houve uma diminuição após três meses de expansão, com estabilidade somente após 6 meses. Os procedimentos cirúrgicos possuem vantagens como, a possibilidade de realização da cirurgia em ambiente ambulatorial ou hospitalar, ausência de dor, a não extração dentária para correção de apinhamentos dentários, melhora cosmética do corredor bucal, aumento do fluxo de ar nasal, expansão esquelética, diminuição do risco a saúde periodontal, grande aumento da largura transversal maxilar, correção da mordida cruzada posterior, redução da profundidade do palato, diminuição da inclinação vestibular dos dentes posteriores, rapidez na obtenção da expansão, facilidade para alinhamento e nivelamento do arco dentário superior e menor custo (RAMOS et al., 2004; RIBEIRO JÚNIOR et al., 2006; CAMARA et al., 2009). Complicações em relação ao procedimento cirúrgico têm sido relatadas, como injúrias a ramos do nervo maxilar, desvitalização dos elementos superiores, hemorragias, paralisia temporária do nervo óculo-motor, dor, sinusite, irritações/ulcerações da mucosa do palato, expansão assimétrica, desvio do septo nasal, problemas periodontais e recidivas que podem ser encontradas nos pós-operatórios (KOUDSTAAL et al., 2005; VASCONCELOS et al., 2006; AMARAL et al., 2008). Assim como, necrose na mucosa palatina, inclinação para vestibular dos dentes de ancoragem e grande desconforto durante a ativação do aparelho disjuntor (RIBEIRO JÚNIOR et al., 2006). Contudo, Camargo Filho e Procópio (2006) relatam
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que a expansão rápida da maxila ainda é um meio conservador e com baixa incidência de complicações. Dessa forma, pode-se concluir que a ERMAC pode ser realizada por basicamente duas técnicas cirúrgicas, sendo as mais utilizadas e descritas a do tipo Le Fort I subtotal e Le Fort I modificada, tendo como resultados clínicos diastema entre os incisivos centrais superiores. Esse procedimento tem como indicações principais, pacientes adultos jovens com maturidade óssea em que não há sucesso com ERM e que já possuem as suturas obliteradas. Dentre as vantagens, destacam-se a facilidade para alinhar e nivelar o arco dentário superior, correções de apinhamentos, diminuição da inclinação vestibular dos dentes posteriores, correção da mordida cruzada posterior e aumento da largura transversal maxilar. Podem ocorrer algumas complicações como necrose da mucosa palatina, desvio do septo nasal, expansão assimétrica, desvitalização dos elementos superiores e hemorragias. É indispensável o uso do aparelho após a cirurgia, onde sua parte ativa atua na sutura palatina mediana, rompendo-a e afastando de acordo com o protocolo de ativação de cada paciente, que varia de ½ a uma volta por dia, até obter o resultado de disjunção desejado.
REFERÊNCIAS AMARAL, R. M. P. et al., Tratamento da atresia maxilar em pacientes adultos: relato de caso clínico. Orthodontic Science and Practice, v. 1, n. 4, p. 351-361, 2008. AZENHA, M. R. et al., Expansão Rápida da Maxila Cirurgicamente Assistida. Revisão da Literatura, Técnica Cirúrgica e Relato de Caso Clínico. Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial, v. 49, n. 1, p. 25-30, 2008. BELL, W. H.; EPKER, B. N. Surgical-orthodontic expansion of the maxilla. Am J Orthod., St. Louis, v. 70, n. 5, p. 517-528, nov. 1976. BERNARDES, L. A. A.; VIEIRA, P. S. R. Disjunção palatal cirurgicamente assistida: relato de caso. Revista Clínica Ortodôntica Dental Press, Maringá, v. 2, n. 1, p. 63-69. Fev./mar. 2003. CAMARA, P. R. P. et al., Avaliação das alterações dentárias na maxila em pacientes submetidos á expansão rápida da maxila assistida cirurgicamente sem o envolvimento da sutura pterigomaxilar. Revista Clínica Ortodôntica Dental Press, Maringá, v. 14, n. 6, p. 108-117. Nov./dez. 2009. CAMARGO FILHO, G. P.; PROCÓPIO, A. S. F., Disjunção das maxilas cirurgicamente assistida. Relato de um caso clínico. RPG Ver Pós Grad, v. 13, n. 1, p. 110-113, 2006. CARLINI, J. L. et al. Correção das deficiências transversas e ântero-posteriores da maxila em pacientes adultos. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 12, n. 5, p. 92-99, set./out. 2007. CAPELOZZA FILHO, L. et al. Expansão rápida da maxila cirurgicamente assistida. Ortodontia, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 21-30, jan./abr. 1994. Disjunção cirúrgica do palato
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CiĂŞncias da Terra
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NASCENTES E MATA CILIAR: MAPEAMENTO E DIAGNÓSTICO DA PRESERVAÇÃO AMBIENTAL: UM ENFOQUE PARA O CÓRREGO SÃO LOURENÇO EM TEIXEIRA DE FREITAS, BA Springs and protective vegetation: diagnosis and mapping of environmental conservation, a focus on St. Lawrence Stream in Teixeira de Freitas city, BA Joana Farias dos Santos UNEB Welkley Barbosa de Faria UNEB Geysa Mota dos Santos UNEB Artigo recebido e aceito em 25 de outubro de 2014 Resumo Objetivou-se localizar, mapear e diagnosticar o estado de preservação ambiental das nascentes do Córrego São Lourenço, além de identificar a existência e a qualidade ambiental dessa mata ciliar (Área de Preservação Permanente - APP), na faixa marginal desse córrego. Analisou-se também os aspectos ambientais e a vegetação que caracterizam a área, os quais foram relacionados com as atividades humanas e seus respectivos impactos para o meio ambiente. Encontrou-se três nascentes, duas com APPs classificadas como perturbadas e uma como degradada. O córrego não apresenta mata ciliar na maior parte de sua extensão e ao longo do seu percurso há vários pontos de lançamentos de efluentes. Existe a necessidade de um plano de preservação e recomposição da vegetação das APPs em estudo, e o tratamento dos efluentes lançados no córrego. Palavras-chaves: Áreas de Preservação Permanente. Água. Impactos Ambientais. Abstract It was aimed to locate, map and diagnose the conditions of environmental preservation of the springs in St. Lawrence Stream and also identify the existence and environmental quality of the protective vegetation (Permanent Preservation Area - PPA), in the marginal range of this stream. The environmental aspects and the vegetation were also analyzed, and they were related to human activities and consequently to the impacts on the environment caused by these activities. Three springs were found, two of them with PPAs classified as disturbed and the other one was classified as degraded. The stream has no protective vegetation in most of its length and throughout the course stream there are several points of sewage disposal. It is necessary a plan for preservation and restoration of PPAs under study and also the treatment of effluents discharged into the stream. Keywords: Permanent Preservation Areas.Water. Environmental Impacts.
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INTRODUÇÃO A água é o elemento mais encontrado no corpo de um ser vivo. Um homem adulto consome diariamente mais de dois litros de água, aproximadamente equivalendo 3% do seu peso corpóreo que, por sua vez, é constituído por mais de 80% de água; por isso a água é crucial para a conservação dos organismos vivos (TOMINAGA; MIDIO, 1999). As civilizações dependem e dependerão da água para a sua sobrevivência e para o desenvolvimento econômico e cultural (TUNDISI; TUNDISI, 2005). Assim, a disponibilidade dos recursos hídricos exerce grande influência no momento da escolha do local onde se fixar e, desde seu início, a humanidade tem escolhido lugares com abundância de água. No entanto, concentração de população em determinadas regiões, cidades e áreas metropolitanas é um dos principais aspectos que implica em demanda tanto por disponibilidade de água para o abastecimento público quanto para dissolução de cargas poluidoras urbanas (BRASIL, 1998). A Lei Federal nº 12651/12 (Novo Código Florestal Brasileiro) define como Área de Proteção Permanente (APP): área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade; facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo; e assegurar o bem-estar das populações humanas (BRASIL, 2012). Enquadra se na definição de Área de Proteção Permanente, as matas ciliares que são consideradas como formações vegetais que percorrem as margens dos cursos de água, funcionando como proteção para os recursos hídricos e mantendo a qualidade destes em equilíbrio constante com a fauna e flora existentes no local (PRIMO & VAZ, 2006). Segundo Alvarez (2004), no planejamento urbano é necessário realizar um bom diagnóstico da presença de vegetação, ou seja, das Áreas de Preservação Permanentes, de modo a subsidiar planos de ação para a implantação de espaços verdes e manejo da arborização existente. Além disso, a ocupação das margens dos rios e córregos é precedida pela retirada da mata ciliar que protege suas margens, isso leva ao assoreamento e compromete a qualidade ambiental das bacias hidrográficas (STEMPNIAK; BATISTA; MORELLI, 2009). Nesse sentido, o plano diretor municipal de Teixeira de Freitas traz entre outras diretrizes gerais da Política de Desenvolvimento Municipal a de preservação, proteção e recuperação do meio ambiente, da paisagem urbana, dos mananciais e recursos hídricos, do patrimônio histórico, artístico e cultural do Município (TEIXEIRA DE FREITAS, lei 310/2003, 2003). É igualmente necessário fiscalizar o cumprimento das legislações relacionadas aos recursos hídricos, desde rios e córregos até as águas subterrâneas e as nascentes. Entende-se por nascente ou olho d`água o local onde Nascentes e mata ciliar: mapeamento e diagnóstico da preservação ambiental [...]
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aflora naturalmente, mesmo que de forma intermitente, a água subterrânea (BRASIL, 2002). Particularmente, no caso de nascentes, por ser uma fonte natural de água, há notório interesse na preservação e melhoria da qualidade, quantidade e uniformidade na produção de água ( JUNQUEIRA JUNIOR et al., 2005). Tendo em vista o imperativo da preservação das águas, o presente estudo objetivou localizar, mapear e diagnosticar o estado de preservação ambiental das nascentes do córrego São Lourenço, além de identificar a existência e a qualidade ambiental da mata ciliar (APP), na faixa marginal desse córrego, conforme determina a Lei Federal nº 12651/12 que institui o Código Florestal Brasileiro. MATERIAL E MÉTODOS O Município de Teixeira de Freitas se localiza no Extremo Sul do estado da Bahia, com latitude de 17º32’06” e longitude 39º44’31” (GREGORASHUK, 2001) (Figura 1). Sua população é de 138.341 mil habitantes, ocupando uma área de 1.163 m²; e densidade demográfica de 118.86 hab/km², sendo que 93,44% habitam a zona urbana e 6,53% a zona rural (BRASIL, 2010). Figura 1: Imagem de satélite do Município Teixeira de Freitas-BA, com destaque para o Córrego São Lourenço, 2012
Fonte: Google Earth (2012)
Teixeira de Freitas fica a 186.00 metros acima do nível mar, com um clima variando entre subúmido a seco e úmido e com precipitação variando entre 1.000 a 1.500 mm por ano (BRASIL, 2011). De acordo com Gregorashuk (2001) 1% a 3% das águas que caem em uma precipitação tem uma infiltração profunda, atingindo os lençóis e ficando ali armazenadas. Com
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essas informações pode se estimar que o subsolo de Teixeira de Freitas receba em torno de 15 a 45 mm da precipitação anual. O estudo foi desenvolvido ao longo do Córrego São Lourenço que se localiza dentro da área urbana do Município de Teixeira de Freitas. Esse córrego possui aproximadamente 3.500 metros de comprimento, com nascentes na Rua Bahia do bairro São Lourenço e sua foz na junção com outro córrego, o do Mutum, nas coordenadas 17°33’57.20” Sul e 39°43’52.40” Oeste próximo a BR 101. Em Setembro de 2012 foram feitas coletas de dados ao longo do córrego São Lourenço, onde se efetuou a localização de três nascentes, destas foram coletadas as coordenadas geográficas através do uso de um Sistema de Posicionamento Global (GPS) da marca Garmin GPSMAP 60CSx. Para o mapeamento das nascentes foi utilizado às imagens de satélite do software Google Earth versão 7.0.1.8244, para este software foram transferidas as coordenadas geográficas obtidas com o GPS, assim apontando a localização das nascentes encontradas, como mostra a Figura 2. Figura 2: Leito do Córrego São Lourenço com as nascentes mapeadas em destaque, Município de Teixeira de Freitas/ BA
Fonte: Google Earth. Acesso em: 12 set. 2012.
Por meio da observação direta e de registros fotográficos realizou-se o diagnóstico do estado de preservação ambiental das nascentes encontradas, utilizando a avaliação do grau de conservação ambiental das nascentes, através da metodologia proposta por Pinto et al., (2009), que classifica as nascentes em três formas: - preservadas, quando apresentam pelo menos 50 metros de vegetação natural no seu entorno, medidas a partir do olho d’água em nascentes pontuais ou a partir do olho d’água principal em nascentes difusas; Nascentes e mata ciliar: mapeamento e diagnóstico da preservação ambiental [...]
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- perturbadas, quando não apresentam 50 metros de vegetação natural no seu entorno, mas apresentam bom estado de conservação; - degradadas, quando se encontram com alto grau de perturbação, pouca vegetação em seu entorno, solo compactado, com processos erosivos, resíduos sólidos, esgotos domésticos ou industriais, lixos e entulhos e em locais edificados com construções consolidadas. Para a identificação da existência de mata ciliar (APPs) do córrego, de acordo o que impõe a Lei Federal nº 12651/12 que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, no que se diz respeito a largura mínima de mata ciliar. Salienta-se que o córrego São Lourenço possui menos de dez metros de largura, sendo assim é exigido pela referida Lei a existência de mata ciliar na largura de 30 metros ao longo do córrego. Realizou-se o diagnóstico da qualidade ambiental da mata ciliar (APPs) do córrego São Lourenço, a partir da metodologia de Primo & Vaz (2006) que classifica as matas ciliares em degradas, perturbadas e preservadas com base nas condições observadas visualmente. Observou-se também visualmente e com registros fotográficos, ao longo do percurso do córrego em estudo, as áreas com predominância de pontos de emissão de resíduos sólidos e efluentes. RESULTADOS E DISCUSSÃO Após percorrido todo trajeto do córrego São Lourenço, encontrou-se três nascentes (N1, N2 e N3) (Figura 2), que deságuam e contribuem para a formação no córrego. Figura 3: Divisão do leito do Córrego São Lourenço em Área (partes) com características distintas quanto aos seus aspectos ambientais do Município de Teixeira de Freitas/BA
Fonte: Google Earth. Acesso em: 12 set. 2012.
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- Nascente 1, situa-se nas coordenadas 17°32’56.03” sul e 39°44’18.56” oeste, está dentro de uma propriedade particular, sendo identificada, segundo a classificação de Pinto et al. (2009), como degradada, pois existe uma vegetação ínfima ao seu redor, há uma construção de uma residência a menos de cinco metros; seu curso foi modificado, antes ela desaguava diretamente no córrego São Lourenço e agora com o seu represamento, para criação de peixes, suas águas só são escoadas quando se excedem. Para evitar os processos erosivos, por falta de mata ciliar e o pisoteio ao seu redor foi construído um muro de contenção. - Nascente 2, foi localizada em um local pouco povoado da cidade (17°33’15.32”S sul e 39°44’0.50” oeste). Entretanto, este lugar faz parte de um loteamento, onde já passou pelo processo de retirada da sua cobertura natural de vegetação. Assim, a nascente se encontra degradada, conforme classificação de Pinto et al., (2009), pois o perímetro de preservação não é respeitado, estando em processo erosivo muito avançado. Essa nascente, localiza-se em uma encosta, onde está submetido a processos erosivos que se agravam pela falta de uma vegetação adequada, sendo somente encontradas duas árvores nativas a aproximadamente 5 metros de distância da nascente, o restante é coberto por gramíneas. Por não existir uma cerca de proteção no entorno da nascente, pode-se avistar um grande pisoteio de animais. Situação parecida foi relatada por Sodré e Souza (2008) em uma nascente do córrego André, situado no Município de Mirassol d’ Oeste-MT. - Nascente 3, conforme a classificação de Pinto et al (2009), foi avaliada como perturbada. Tal nascente localiza-se em uma área mais aberta e bem arborizada (17°33’28.40” sul e 39°43’47.10” oeste) com mais de 140 metros de distância da construção mais próxima. Essa nascente ainda não tem área de preservação adequada, mas se encontra em melhor estado, quando comparada com as outras duas, ela possuem um acúmulo de água inicial, podendo ser avistado alguns peixes pequenos de uma mesma espécie e visivelmente tem uma vazão muito pequena, não apresentando água transbordando. Os resultados quanto a preservação das áreas de nascentes, encontrados nesse estudo, foram similares com os encontrados por Neto, Fassina e Pratte-Santos (2012), na área urbana do Município de Vila Velha-ES, por Nascente e Ferreira (2007), em um loteamento clandestino na cidade de Goiânia-GO. Nestes estudos foram constatado a negligência quanto as áreas de APP motivada, principalmente, pela ação antrópica em devastar a mata ciliar, soterramento de nascentes, despejo de lixo e crescimento urbano desordenado. Quanto à largura mínima e qualidade ambiental da mata ciliar (APP) na faixa marginal, foi observado ao longo do curso d’água que existem áreas (partes) bem distintas quanto as características físicas, biológicas Nascentes e mata ciliar: mapeamento e diagnóstico da preservação ambiental [...]
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e ambientais, por esta razão dividiu-se o córrego em cinco áreas sendo A1, A2, A3, A4 e A5 reunidas por apresentarem características similares (Figura 3). - Área 1: Aproximadamente os 190 metros iniciais (dos 548 da primeira área) do córrego São Lourenço estão canalizados, devido à ocupação desordenada desta área; sendo classificada este trecho de APP como degradada. Mariano et al., (2007), através do seu estudo de cumprimento da legislação ambiental na cidade de Jataí-GO, chama a atenção para o crescimento desordenado, que pode acarretarem problemas, não só para o meio ambiente, mas também para a população ali instalada, e enfatiza o descaso com as nascentes e cursos d’água. Após passar por uma parte canalizada o córrego deságua por uma manilha, tendo ao lado outras três manilhas despejando esgoto. No final deste primeiro trecho, mesmo o córrego já estando em um ambiente aberto, não apresenta mata ciliar. As casas nesta área se encontram muito próximas do curso, podendo ser observados locais em que as águas são afuniladas pelas paredes das casas. Resultados similares aos da presente pesquisa foram narrados por Nascente e Ferreira (2007), cujos resultados apontam que a população ocupa áreas de margem de córregos indevidamente por falta de condições financeiras, assim sofrendo com pragas, inundações, mau cheiro entre outras mazelas. Nessa parte, a APP do córrego é utilizada como quintal das casas, sendo assim comum a presença de animais (galinhas e cavalos), podendo ser contabilizadas mais de 50 galinhas, caminhando e se alimentando dentro do córrego. Também é comum o plantio de bananeira para o consumo. Brabo et al. (1999) e Pinheiro et al. (2000), demonstraram em seus estudos que mesmo que o ser humano não esteja diretamente exposto à poluição pode ser infectado ao consumir um animal que esteja vinculado a um ambiente contaminado. - Área 2: Esse percurso, com aproximadamente 402 metros, possui um espaço amplo sem construções, com exceção do Centro Territorial de Educação Profissional do Extremo Sul (CETEPS) que ocupa 88 metros na margem esquerda de área de APP. Assim, a APP deste trecho encontra-se perturbada. Nessa área é possível identificar plantação de uma espécie do gênero Eugenia, conhecida popularmente de Jamelão, excetuando essas árvores que estão a mais de cinco metros do curso do córrego, não é encontrada nenhuma outra árvore. Mesmo a Lei n.° 12651/12 determinando a preservação da mata ciliar como obrigatória, a falta de fiscalização do cumprimento da legislação vem acarretando uma diminuição drástica dessa área.
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- Área 3: A mata ciliar desse trecho com 603 metros, aproximadamente, está melhor preservada quando comparada com as duas áreas anteriormente descritas. Mesmo assim, é uma APP que se encontra perturbada, sofrendo um processo bem avançado de destruição antrópica, com inúmeras árvores derrubadas. Árvores frutíferas como jaqueiras, mangueiras, goiabeiras e cacaueiro é constantemente encontradas nas margens do córrego, bem como animais da espécie Gallus gallus (galinha). A margem esquerda desse trecho possui inúmeras casas a menos de sete metros do córrego, ocasionando problemas de saúde aos moradores dessa área. - Área 4: Nesse trecho com 908 metros, aproximadamente, pode-se facilmente encontrar representantes da fauna do córrego. Pode se notar três espécies de aves aquáticas, uma de roedor (preá) e uma de peixe (barrigudinho). Nessa parte, o córrego apresenta áreas mais alagadas, chegando até quase trinta metros de largura, esta área é bastante rica em gramíneas aquáticas, tendo sua extensão pouco urbanizada, porém loteada; mas ainda mantém as características de pasto, encontrando-se poucas casas a mais de 40 metros de distância do córrego. No entanto, a presença de vegetação natural é ínfima, caracterizando a mata ciliar como perturbada. No final desta parte observa-se o maior volume de descarga de esgoto in natura, apresentando águas visivelmente poluídas. - Área 5: A mata ciliar deste trecho do córrego, com aproximadamente 1.100 metros de comprimento, está visivelmente melhor no estado de preservação, tendo na maioria do seu percurso quase duas vezes mais (aproximadamente 55 metros) mata ciliar que a legislação impõe. Em todo este percurso visualiza-se que a vegetação natural está preservada, facilmente encontrado árvores com mais de 20 metros de altura. Animais aquáticos (peixes) só são possíveis de serem avistados em um pequeno acúmulo de água proveniente de uma nascente (N3). Apenas pequenos pássaros e lagartos podem ser avistados nesta área, evidenciando a escassez da fauna nesse local. CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final da presente pesquisa, conclui-se que: - foram localizadas e mapeadas três nascentes; - quanto ao estado de preservação ambiental de sua mata ciliar (APP), duas das nascentes encontradas foram classificadas como perturbadas e uma como degrada; Nascentes e mata ciliar: mapeamento e diagnóstico da preservação ambiental [...]
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- a faixa marginal do córrego em estudo apresenta grande perda de mata ciliar nas áreas iniciais (A1, A2 e A3), com APP com proporções menores do que a estabelecida pela Lei Federal nº 12651/12. Com a vegetação natural em grande parte substituída por vegetação exótica e construções; resultando em perda da diversidade de fauna e flora; - quanto à Área 4 (A4), esta apresenta mata ciliar com largura maior do que as áreas anteriores (A1, A2 e A3), cumprindo as exigências da Lei nº 12651/12, no diz respeito a largura das APPs; - a área 5 (A5) não é habitada e possui mata ciliar bem preservada e com largura dentro das determinações da Lei nº 12651/12, apresentando grande diversidade de flora, porém baixa riqueza de fauna; - ao longo de todo o percurso do córrego São Lourenço há pontos de despejo de esgoto e de depósito de resíduo sólidos. Os resultados encontrados evidenciam que existe a necessidade de um plano de preservação e recomposição da vegetação das APPs em estudo, uma vez que os desmatamentos e outros usos inadequados dos solos refletem na quantidade e qualidade da água. Além disso, é necessário que se providencie o tratamento dos efluentes lançados no córrego São Lourenço para melhoria na qualidade das suas águas. REFERÊNCIAS BAHIA. Superintendência de estudos econômicos e sociais da Bahia (SEI). Municípios em Síntese. Disponível em:<http://www.sei.ba.gov.br/munsintese/index.wsp?tmp.cbmun.mun=2931350>. Acesso em: 26 agosto de 2011. BRABO, E. S. et al. Níveis de mercúrio em peixes consumidos pela comunidade de Sai Cinza na Reserva Munduruku, município de Jacareacanga, Estado do Pará - Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 325-331, 1999. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Contagem Populacional de Teixeira de Freitas - Censo 2010. [online]. Disponível em: <http://www. ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>. Acesso em: 25 ago. 2011. _______. Secretaria de Recursos Hídricos no Brasil, Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, 1998. _______. Lei nº 12.651, de 25 de Maio de 2012. Portal da Presidência da República do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Msg/VEP-212.htm>. Acesso em: 20 set. 2012. _______. Ministério do Meio Ambiente, Conselho Nacional de Meio Ambiente, CONAMA. Resolução CONAMA nº 303, de 20 de março de 2002. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res02/ res30302.html>. Acesso em: 10 ago. 2012. GREGORASHUK, J. S. Estudo del uso actual y potencial del acuífero
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Joana Farias dos Santos - Welkley Barbosa de Faria - Geysa Mota dos Santos
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Guaraní. [online]. Disponível em: <http://www.sg-guarani.org>. Acesso em: 20 ago. 2011. JUNQUEIRA JUNIOR, J. A. et. al. Comportamento hidrológico de duas nascentes associadas ao uso do solo numa sub-bacia hidrográfica de cabeceira. In: I Simpósio de Recursos Hídricos do Norte e Centro Oeste. Cuiabá – MT, 2007. KREISCHER T. C. V., GONÇALVES D. M. M., VALENTINI C. M. A. Aspectos Hidroambientais do Córrego Barbado em Cuiabá-MT. Cuiabá. Revista Holos. a. 28, v. 1. 2012. MARIANO, Z. F. et. al. As leis ambientais e as nascentes da área urbana de Jatai-GO. Revista Mirante. Jataí - GO. v. 1, p. 1-18, 2007. NASCENTE J. P. C; FERREIRA O. M. Impactos socioambientais provocados pelas ocupações irregulares do solo urbano: estudo de caso do loteamento serra azul. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Engenharia Ambiental). Universidade Católica de Goiás. Goiânia – GO. 2007. NETO, V.O.; FASSINA, G. C.; PRATTE-SANTOS, R. Estado de conservação das nascentes urbanas do município de Vila Velha, ES. Espírito Santo, v. 10, p. 85-88, 2012. PINHEIRO, M. C. N. et al. Exposição Humana ao Metilmercúrio em Comunidades Ribeirinhas da Região do Tapajós, Pará, Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Belém, PA, v. 33, n. 3, p. 265269, 2000. PINTO, L. V. A. et. al. Estudo das nascentes da bacia hidrográfica do Ribeirão Santa Cruz, Lavras, MG. Scientia Forestalis (IPEF). Piracicaba, SP. v. 65, p. 197-206, 2004. PRIMO, D. C.; VAZ, L. M. S. Degradação e Perturbação Ambiental em Matas Ciliares: Estudo de Caso do Rio Itapicuru-Açu em Ponto Novo e Filadélfia Bahia. Diálogos & Ciência – Revista Eletrônica da Faculdade de Tecnologia e Ciências. Ano IV, n. 7, jun. 2006. SODRÉ, I. C. S.; SOUZA, C. A. Degradação ambiental ocasionada no córrego André Município de Mirassol Alves D’ Oeste - MT. In: IV CONIC. I Jornada Científica da UNEMAT. Cáceres – MT, 2008. STEMPNIAK, A.; BATISTA, G. T.; MORELLI, A. F. Mapeamento de Áreas de Preservação Permanente (APP) na Bacia do Vidoca no Município de São José dos Campos, SP. 2º Seminário de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul Sehidro-OS. Taubaté - SP. 2009. TEIXEIRA DE FREITAS. Lei Municipal nº 310/2003. Disponível em: <http:// www.camaratf.ba.gov.br/wp-content/uploads/2011/05/Lei-310-2003-Plano-Diretor-Urbano-de-Teixeira-de-Freitas.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2011. TOMINAGA M. Y; MIDIO A. F. Exposição humana a trialometanos presentes em águas tratada. Revista Saúde Pública. São Paulo - SP. V. 33, n 4, p. 4123-4121. 1999. TUNDISI, J. G.; TUNDISI, T. M. A Água - Folha Explica. São Paulo: PUBLIFOLHA, 2005. 120p. Nascentes e mata ciliar: mapeamento e diagnóstico da preservação ambiental [...]
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Sobre os autores
Sobre os autores
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Aélio Duque Silva Enfermeiro, Especialista em Saúde Coletiva pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (2013). Fiscal do COREN/Bahia, subseção Teixeira de Freitas. E-mail: aelioduque@hotmail.com Andréa Lima do Vale Caminha Psicóloga, Teóloga e Membro do Laboratório de Psicopatologia Fundamental do Espaço Psicanalítico – LABORE / EPSI / João Pessoa, PB. E-mail: andrealvcaminha@gmail.com.br Antonio Borges Miguel Neto Cirurgião-Dentista, Especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial, Professor das Faculdades Integradas São Pedro (FAESA). Aressa Sampaio Graduando em Biomedicina (FASB). E-mail: aressasampaio@hotmail.com Bernardete Schleder dos Santos Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul e professora assistente da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA-Santa Maria). Email: bernardete@unifra.br Celso Kallarrari Doutor em Ciências da Religião, Mestre em Educação, Especialista em Língua Portuguesa, Licenciado em Letras e Graduado em Teologia. Email: celsokallarrari@terra.com.br Ceslaine Santos Barbosa Graduanda em Biomedicina (FASB) e Biologia (UNEB). Email: ceslaine1@hotmail.com Dámiris Gripa Giacomin Graduanda em Biomedicina na Faculdade do Sul da Bahia – FASB. Email: damiris_gg@hotmail.com Daniele de Sousa Ribeiro Acadêmica do 4º período do curso de Licenciatura em Pedagogia (UNEB), campus X. Débora Rosa da Silva Enfermeira formada pela Faculdade do Sul da Bahia (FASB). E-mail: Debora.r20@hotmail.com
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Sobre os autores
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Diana Cavalcante Miranda de Assis Mestre em Medicina e Saúde (UFBA), Fisioterapeuta (EBMSP), Docente da graduação e Pós-graduação (FASB). E-mail: dina_fisio@yahoo.com.br Geysa Mota dos Santos Licenciada em Ciências Biológicas (UNEB). E-mail: geysa.mota@yahoo.com.br Gislaine Mendes Coelho Mestre em Genética e Biologia Molecular (UESC). Email: gislaine.coelho@ffassis.edu.br Gleida Danese Lima Mestre em Gestão ambiental (FVC), Especialista em Enfermagem do Trabalho, Especialista em Saúde Pública e Professora/orientadora no curso de Enfermagem da Faculdade do Sul da Bahia. E-mail: gleidanese@hotmail.com Heloísa Missau Ruviaro Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Email: heloisaruviaro@gmail.com Iara Floriano Silva Acadêmica do 4º período do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade do Estado da Bahia-UNEB, campus X. Email: iara.floriano14@hotmail.com Jessyluce Cardoso Reis Mestre em Educação, Professora Assistente da Universidade do Estado da Bahia-UNEB, campus X, Coordenadora do Núcleo de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão (NUPPE), da Faculdade do Sul da Bahia (FASB). Email: jessyluce@ffassis.edu.br Juliane do Nascimento Silva Exaltação Enfermeira formada pela Faculdade do Sul da Bahia (FASB). E-mail: juliane.n@hotmail.com Joana Farias dos Santos Doutora em Ciências Ambientais e Florestais (Universidade Federal Rural do Rio do Janeiro), Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pelo PRODEMA (Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC) e Professora adjunta da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E-mail: joanafarias@yahoo.com.br Sobre os autores
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José Maria Barreto Siqueira Parrilha Terra Professor Assistente do curso de graduação em Direito da Faculdade do Sul da Bahia –FASB. Mestre em Direito e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). E mail: josemariaterra@hotmail.com Karina de Rezende Tavares Fleury Poeta, Ensaísta, Mestre em Letras (com ênfase em Estudos Literários) e Doutoranda em Letras (UFES). É bolsista FAPES. Email: karina.fleury@gmail.com Márcia Samuel Kessler Graduada em Ciências Contábeis (UFSM) e acadêmica de Direito da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Email: marcia.kessler@gmail.com Marco Antônio Galvão de Carvalho Acadêmico do 4º período do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade do Estado da Bahia-UNEB, campus X. Email: mcgalvao@hotmail.com Maria Carolina Faroni Marim Pós-Graduanda do curso de Docência Superior da Faculdade do Sul da Bahia. Maria Célia Ferreira Danese Mestre em Psiquiatria ( USP), docente da Faculdade do Sul da Bahia (FASB), Tutora da ENSP/Fiocruz para o curso de apoio matricial na atenção básica com ênfase nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. E-mail: mcfdanese@yahoo.com.br Naianne Belker Soares Canuto Pós-Graduanda do curso de Docência Superior (FASB). Nara Cuman Motta Doutora em Ciências área de concentração Geografia Humana pela USP (1993), Mestre em Geografia pela UNESP, Professora aposentada pela UFES. E-mail: nc.motta@terra.com.br Paula Gabrielle Cordeiro dos Santos Ferreira Graduando em Biomedicina (FASB). Email: paulagabrielle_15@hotmail.com
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Sobre os autores
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Raiane Gobira Salomão Graduanda em Biomedicina (FASB). Email: raianegs@hotmail.com Rodrigo da Costa Araújo Mestre em Ciência da Arte (UFF) e Doutorando em Literatura Comparada (UFF), Pesquisador do Grupo Estéticas de Fim de Século, da Linha de Pesquisa em Estudos Semiológicos: Leitura, Texto e Transdisciplinaridade da UFRJ/ CNPq e do Grupo Literatura e outras artes (UFF). E-mail: rodricoara@uol.com.br Tamy Alves de Matos Rodrigues Graduanda em Biomedicina (FASB). Email: tamy_allves@hotmail.com Tharcilla Nascimento da Silva Macena Mestre em Genética e Biologia Molecular (UESC), Docente na Faculdade do Sul da Bahia e na Universidade do Estado da Bahia. Email: tharcillamacena@gmail.com Wanderson Antônio Cardoso de Souza Acadêmico do 4º período do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade do Estado da Bahia-UNEB, campus X. Valci Vieira dos Santos Doutor em Literatura Comparada, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), Professor Adjunto do Campus X, da Universidade do Estado da Bahia e Professor Adjunto e Diretor Acadêmico da Faculdade do Sul da Bahia. E-mail: valci@ffassis.edu.br Welkley Barbosa Faria Licenciado em Ciências Biológicas (UNEB). E-mail: welkley@hotmail.com
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A Revista Mosaicum tem como objetivo ampliar as discussões para o conhecimento científico por meio de trabalhos originais de pesquisa em forma de artigos, ensaios e resenhas bibliográficas. Os textos enviados para apreciação crítica devem contribuir analiticamente para o saber, considerando o contexto sociocultural. e devem ser inéditos, nacional ou internacionalmente, não estando sob consideração para publicação em nenhum outro veículo de divulgação. Trabalhos publicados em anais de congressos podem ser considerados pelo Conselho Editorial, desde que estejam em forma final de artigo. Os textos podem ser redigidos em língua portuguesa, inglesa, francesa, espanhola e italiana. As resenhas devem ser redigidas em língua portuguesa. FORMAS DE APRESENTAÇÃO DOS TEXTOS 1 Formatação: a) papel A4 (210 x 297mm); b) espaçamento 1,5; c) fonte: Times New Roman, tamanho 12; d) margens: 3 cm superior e esquerda e 2 cm inferior e direita). Os parágrafos devem ser justificados e sem recuos. O título e os subtítulos devem ser alinhados à esquerda, apenas com a inicial maiúscula, em negrito (títulos) e em itálico (subtítulos). No corpus do texto devem constar Na primeira página devem constar: a) título, seguido de tradução para o inglês; b) nome(s) do(s) autor(es); c) endereço; d) e-mail; e) instituição a que pertence (m) e; f ) credenciais (da maior titulação para a menor). Na segunda folha, deve constar o título, autoria, resumos, a introdução, revisão de literatura, metodologia, conclusão, referência e notas (se for o caso). Todos os artigos e ensaios deverão apresentar obrigatoriamente o resumo na língua em que foi escrita e em inglês (abstract), em até 10 linhas, seguido de três palavras-chave, em ambas as línguas. Se o texto estiver em língua inglesa, o autor apresentará também o resumo em língua portuguesa. O abstract deve ser devidamente revisado por profissional da área para não comprometer a indexação da Revista. Quanto às resenhas, prioridade será dada à atualidade das resenhas. Resenha de obra com mais de 24 meses pode ser aprovada, mas não é incentivada. 2 Quantidade de páginas: a) artigo/ensaio: entre 15 e 20 folhas, incluindo as ilustrações; resenhas: até 5 folhas. 3 Ilustrações: todas as ilustrações (figuras, gráficos, tabelas, fotografias etc.) devem ser apresentadas em arquivo separado, com boa resolução. No texto, os autores devem fazer as indicações dos locais em que as ilustrações serão incluídas, com os devidos títulos e apresentar referências de sua autoria/fonte. Obs.: É imprescindível o envio das ilustrações em JPEG com boa resolução.
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Normas para publicação
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4 Notas explicativas: deverão ser inseridas no final do texto. Não use nota de rodapé para informar as credenciais/titulação do autor ou fazer referências a citações no corpo do texto. 5 Sistema de chamada: as referências do(s) autor(es) devem ser citadas no corpo do texto com indicações do sobrenome, ano de publicação e página (se for o caso), conforme normas da ABNT (NBR 10520:2002). À exceção de apud, nunca use as expressões ibid, op cit. ou assemelhados no corpus do texto. 6 Referências: as referências devem conter todos os elementos essenciais do(s) autor(es) citado(s) e deverão ser apresentadas em ordem alfabética no final do texto, de acordo com a NBR 6023:2002, da ABNT. 7 Citações: as citações textuais devem seguir a NBR 10520, da ABNT. 8 Envio: a versão digitalizada deve ser enviada para: revistamosaicum@ffassis.edu.br 9 Direitos autorais: Os textos enviados para publicação são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), que por eles respondem judicialmente. Os direitos, inclusive de tradução, são reservados. Será permitido citar parte do artigo ou do documento sem autorização dos autores, desde que citada a fonte. Para publicar em outra revista os autores deverão solicitar autorização aos editores da Revista. 10 Avaliação: as colaborações serão submetidas à análise do Conselho Editorial, atendendo critérios de seleção de conteúdo e normas formais de editoração, sem identificação da autoria, para preservar isenção e neutralidade. Adota-se o sistema de avaliação anônima (Blind review) para análise dos textos encaminhados para publicação, com pelo menos dois avaliadores (avaliação por pares). A Revista se reserva ao direito de não informar os motivos pelos quais os textos não foram aprovados pelo Conselho Editorial. 11 Exemplares: serão fornecidos gratuitamente apenas ao autor principal de cada artigo dois (2) exemplares do número da Revista em que seu artigo foi publicado. 12 Textos não aprovados: o prazo para resposta ao primeiro ou único autor do artigo/ ensaio ou resenha é de 90 dias contados da data do recebimento na Revista Mosaicum. A Revista não se obriga a devolver os textos não aprovados. Os textos não aprovados poderão ser submetidos outra vez para análise, desde que sejam adaptados às normas de publicação e/ou atendam a orientação que, por ventura, o Conselho Editorial julgar necessária. Normas para publicação
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13 Destaques de termos: os termos e/ou expressões em inglês, francês, latim ou outro idioma devem ser destacados em itálico. Aspas devem ser usadas somente para citações diretas com menos de 3 (três) linhas e para expressões deslocadas do seu sentido literal. 14 Revisão: os textos devem apresentar linguagem objetiva, concisa, além de clareza e coesão. A Revista não se obriga a revisar textos que apresentem desvio da norma padrão, defeitos de argumentação e ideias confusas. Os textos devem se adequar à nova reforma ortográfica.
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