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TCOLOG I ATUAL * 4XAIKTIVA W A Y N E G R U D E M TRADUÇÃO Norio Yamakami Lucy Yamakami Luiz A. T. Sayão Eduardo Pereira e Ferreira

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Responsável:


1994 Wayne Grudem Título do original: Systematic Theology Esta tradução de Systematic Theology (primeiramente publicado em 1994) foi realizada mediante acordo com a Inter-Varsity Press, Leicester, Reino Unido a

I edição: 1999 Reimpressões: 2000, 2002, 2003, 2005, 2006

Este livro é dedicado a oito pessoas que Deus colocou de modo soberano em minha vida: Arden ejean Grudem, meus pais, que me ensinaram a crer na Bíblia, confiar em Deus e falar e escrever com clareza;

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Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados por SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES V I D A NOVA,

Caixa Postal 21266, São Paulo, SP 04602-970 www.vidanova.com.br Proibida a reprodução por quaisquer meios (mecânicos, eletrônicos, xerográficos, fotográficos, gravação, estocagem em banco de dados, etc), a não ser em citações breves, com indicação de fonte.

A. Kenneth Ham, meu pastor batista, que despertou em mim o amor pela teologia sistemática, lecionando numa classe de doutrina cristã quando eu tinha treze anos, e que pelo seu exemplo me ensinou a crer em todas as palavras das Escrituras; Edmund Clowney,John Frame e Vern Itythress, professores e amigos do Westminster Seminary, que influenciaram minha compreensão teológica mais do que ninguém e que me ensinaram a teologia reformada na /mmildt submissão a todas as palavras das Escrituras,

Printed in Brazill Impresso no Brasil ISBN 85-275-0270-4 Coordenação editorial • ROBINSON MALKOMES

Notas dos editores • Luiz A . T. SAYÀO Capa • A T O PROPAGANDA

e Harald Bredesen ejohn Wimber, pastores e amigos, que, mais do que ninguém, ensinaram-me acena do findei < da nina do Espirita Santa

Diagramação • SÉRGIO SIQUEIRA MOURA

Coordenação de produção • ROGER LUIZ MALKOMES

Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Grudem, Wayne A. Teologia Sistemática / Wayne Grudem. -- São Paulo : Vida Nova, 1999. Título original: Systematic theology. Vários tradutores. Bibliografia ISBN 85-275-0270-4 1. Bíblia- Teologia 2. Teologia dogmática I. Título. 99-3048

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índices para catálogo sistemático 1. Teologia sistemática: Cristianismo 230.04(1

F A T H E L


(13) A Doutrina de Deus il N I ii IK, I )eus meu, como tu és magnificente: sobrevesüdo de glória e majestai li Cubel'to de luz como de um manto..." Essa glória de Deus é muitas vezes mencionada nO nlifju leslaincnlo. I mencionada novamente no Novo Testamento, ligada ao anúncio do nascimento d< •••.li', aos pastores: "E um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Serihoi In li/mu ao redor deles; e ficaram tomados de grande temor" (Lc 2.9). A glória de Deus também I patente na transfiguração de Cristo (cf. Mt 17.2), e da futura cidade celeste sabemou que "a cidade não precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada" (Ap 21.23). É bem correto dizer que a revelação do próprio Deus deve vir acompanhada de tamanhi» esplendor e brilho, pois essa glória de Deus é a manifestação visível da excelência do carátei de Deus. A grandeza do ser divino, a perfeição de todos os seus atributos, é algo que jarnÉl poderemos compreender plenamente, mas diante dela só nos resta quedar pasmos e adorai, Assim, é de fato natural que a manifestação visível de Deus seja tal que nem poderíamon mirá-la plenamente, pois seria tão brilhante que evocaria ao mesmo tempo enorme alegritt e profundo temor, ainda que a fitássemos apenas em parte. Surpreendente é de fato, então, perceber que Deus nos criou para espelhar a sua glória. Paulo nos diz que já agora, como cristãos, "somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem" (2Co 3.18; cf. M t 5.16; Fp 2.15). Embora não nos achemos hoje cercados de uma luz visível, existe certo brilho, certo esplendor ou certa beleza no modo de vida de uma pessoa que ama profundamente a Deus, e isso muitas vezes se revela com clareza àqueles que a cercam. Na vida futura, tal brilho será intensificado, de modo que quando estivermos reinando com Cristo, aparentemente também receberemos uma aparência exterior adequada a esse reino e à nossa condição de portadores da imagem de Deus e de servos do Senhor Jesus Cristo (cf. Pv 4.18; D n 12.3; M t 13.43; ICo 15.43). 5

NOTAS 1. A expressão nem sempre encerra esse sentido (cf. Rm 11.32; ICo 12.6; 2Co 12.19), mas em contextos nos quais o alcance do pensamento paulino é de natureza cósmica ou universal (como nessa passagem), a expressão de fato parece bem claramente referir-se a todas as coisas da criação. 2. Ver discussão dos decretos de Deus no capítulo 16, divisão D. 3. Em Ef 1.9-10, Paulo diz que Deus nos desvendou "o mistério da sua vontade [... para] fazer convergir nele [...] todas as coisas". Aqui ele nos diz que parte da vontade secreta de Deus tornou-se vontade revelada, pois Deus a deu a conhecer aos apóstolos e depois à igreja. 4. Ver no capítulo 16, divisões B7-8 e H2, nova discussão da relação entre a vontade de Deus e o mal. Ver também o excelente ensaio de John Piper, "Are There Two Wills in Gom Divine Election and God's Desire for Ali to Be Saved", em Tlie Grace of God, lhe Bondage offk Wiü, vol. 2, ed. por Tom Schreiner e Bruce Ware (Grand Rapids: Baker, 1995). 5. Ver a discussão da glorificação no capítulo 42.

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1 /I Deus cm Três Pessoas: a Trindade Como Deus pode ser três pessoas, porém

um só Deus?

O s capítulos anteriores discutiram muitos atributos de Deus. Mas se compreendêssemos somente esses atributos, de modo nenhum compreenderíamos corretamente a Deus, pois não compreenderíamos que Deus, no seu próprio ser, sempre existiu como mais de uma pessoa. De fato, Deus existe como três pessoas, porém é um só Deus. E importante lembrar a doutrina da Trindade em relação com o estudo dos atributos de Deus. Quando concebemos a Deus como ser eterno, onipresente, onipotente e assim por diante, talvez tenhamos a tendência, em relação a esses atributos, de concebê-lo apenas como Deus Pai. Mas o ensinamento bíblico sobre a Trindade nos diz que todos os atributos de Deus valem para as três pessoas, pois cada uma delas é plenamente Deus. Assim, Deus Filho e o Espírito Santo são também eternos, onipresentes, onipotentes, infinitamente sábios, infinitamente santos, infinitamente amorosos, oniscientes e assim por diante. A doutrina da Trindade é uma das mais importantes da fé cristã. Estudar os ensinamentos bíblicos sobre a Trindade lança forte luz sobre a questão que está no âmago da nossa busca de Deus: como é Deus em si mesmo? Aqui aprendemos que, em si mesmo, no seu próprio ser, Deus existe nas pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo, sendo porém um só Deus.

EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA Podemos definir a doutrina da Trindade do seguinte modo: Deus existe eternamente como três pessoas - Pai, Filho e Espírito Santo - e cada pessoa é plenamente Deus, e existe só um Deus. A. A DOUTRINA DA TRINDADE REVELA-SE PROGRESSIVAMENTE NAS ESCRITURAS 1. A revelação parcial no Antigo Testamento. A palavra Trindade não se encontra na Bíblia, embora a idéia representada pela palavra seja ensinada em muitos trechos. Trindade significa "tri-unidade" ou "três-em-unidade". É usada para resumir o ensinamento bíblico de que Deus é três pessoas, porém um só Deus. 165


(14) A Doutrina de Deus Às vezes se pensa que a doutrina da Trindade se encontra somente no Nov lesiamento, e não no Antigo. Se Deus existe eternamente como três pessoas, seri smpiceiidente não encontrar indicações disso no Antigo Testamento. Embora a doutra da Trindade não se ache explicitamente no Antigo Testamento, várias passagens dão entender ou até implicam que Deus existe como mais de uma pessoa. Por exemplo, segundo Gênesis 1.26, Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança". O que significam o verbo ("façamos") e o pronome ("nossa"), ambos na primeira pessoa do plural? Alguns j á afirmaram tratar-se de plurais majestáticos, forma de falar que um rei usaria ao dizer, por exemplo: "Temos o prazer de atender-lhe o pedido". Porém, no Antigo Testamento hebraico, não se encontram outros exemplos em que um monarca use verbos no plural ou pronomes plurais para referir-se a si mesmo nessa forma de "plural majestático"; portanto, essa sugestão n ã o tem evidências que a sustentem. Outra sugestão é que Deus esteja aqui falando com anjos. Mas ós anjos não participaram da criação do homem, nem foi o homem criado à imagem e semelhança de anjos; por isso a sugestão não é convincente. A melhor explicação é que já nos primeiros capítulos de Gênesis temos uma indicação da pluralidade de pessoas no próprio Deus. N ã o sabemos quantas são as pessoas, e nada temos que se aproxime de uma doutrina completa da Trindade, mas implica-se que h á mais de uma pessoa. O mesmo se pode dizer de Gênesis 3.22 ("Eis que o homem se tornou como u m de nós, conhecedor do bem e do mal"), Gênesis 11.7 ("Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem") e Isaías 6.8 ("A quem enviarei, e quem h á de ir por nós?"). (Repare a combinação de singular e plural na mesma oração na última passagem.) 1

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Além disso, em determinadas passagens uma pessoa é chamada "Deus" ou "Senhor" e distinguida de outra pessoa t a m b é m chamada de Deus. Em Salmos 45.6-7 (NIV), diz o salmista: "O teu trono, ó Deus, perdurará para todo o sempre. [...] Tu amas a justiça e odeias a i n i q ü i d a d e ; portanto, Deus, o teu Deus, te estabeleceu acima dos teus companheiros ungindo-te com o óleo da alegria". Aqui o salmo vai além de descrever algo que poderia valer para um rei terreno, e chama o rei de "Deus" (v. 6), cujo trono perdurará "para todo o sempre". Mas então, ainda falando da pessoa chamada "Deus", o autor diz que "Deus, o teu Deus, te estabeleceu acima dos teus companheiros" (v. 7). Então duas pessoas distintas são denominadas "Deus" (heb. 'Elõhim). No Novo Testamento, o autor de Hebreus cita essa passagem e a aplica a Cristo: "O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre" (Hb 1.8). Do mesmo modo, em Salmos 110.1, fala Davi: "Disse o SENHOR ao meu senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés". Jesus corretamente entende que Davi se refere a duas pessoas distintas como "Senhor" (Mt 22.41-46), mas quem é o "Senhor" de Davi senão o próprio Deus? E quem poderia dizer a Deus "Assenta-te à minha direita", exceto alguém que também seja plenamente Deus? Do ponto de vista do Novo Testamento, podemos parafrasear assim esse versículo: "Deus Pai disse a Deus Filho: Assenta-te à minha direita'". Mas mesmo sem o ensinamento do Novo Testamento sobre a Trindade, parece claro que Davi estava ciente de uma pluralidade de pessoas num só Deus. Jesus, é claro, compreendia isso, mas quando pediu aos fariseus uma explicação dessa passagem, "ninguém lhe podia responder palavra, nem ousou alguém, a partir daquele dia, fazer-lhe perguntas" (Mt 22.46). A menos que se disponham a admitir a pluralidade de pessoas num só Deus, os intérpretes judeus das 4

(14) Deus em Três Pessoas: a Trindade Escrituras, mesmo hoje, não terão explicação mais satisfatória de Salmos 110.1 (ou d l Gfl 1.26, ou das outras passagens analisadas há pouco) do que aquela que circulava no lempu de Jesus. Isaías 63.10 diz sobre o povo de Deus que "eles foram rebeldes e contristari Espirito Santo", dando a entender, aparentemente, tanto que o Espírito Santo 6 dliÜI I" próprio Deus (é "seu Espírito Santo") quanto que esse Espírito Santo pode se "o iliti entristecer-se, aventando assim capacidades emocionais características <!<• •• i disünta. (Isaías 61.1 também distingue "O Espírito do SENHOR Deus" do In que não se atribuam qualidades pessoais ao Espírito do Senhor nesse versi< uli i Evidências semelhantes encontram-se em Malaquias, em que diz <> Senhoi I >< repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais, o Anjo da Aliança, aqutlDVÔI desejais; eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos. Mas quem poderá suporlai o (lln d« sua vinda? E quem poderá subsistir quando ele aparecer?" (Ml 3.1-2). Aqui, novi •• aquele que fala ("o SENHOR dos Exércitos") distingue-se do "Senhor, a quem vós IMI I ij sugerindo duas pessoas separadas, que podem ambas ser chamadas "Senhor" Em Oséias 1.7, o Senhor fala da casa d e j u d á : "E os salvarei pelo SENIK HC, seu I >. novamente sugerindo que mais de uma pessoa pode ser chamada "Senhor" (heb. ) i/lM i f l e "Deus" CElõhim). E em Isaías 48.16, aquele que fala (aparentemente o servo do Senhoi). h \ SENHOR Deus me enviou a m i m e o seu Espírito". Aqui o Espírito do Scnht >i, -«itnO o servo do Senhor, foi "enviado" pelo Senhor Deus para uma missão pitrlii uliil < » paralelismo entre os dois objetos de enviar ("mim" e "o seu Espírito") é compatível i a interpretação de que são pessoas distintas: parece significar mais do que inn.ni Senhor enviou a m i m e o seu poder". De fato, do ponto de vista do Novo Testamento (que reconhece Jesus, o Messias, como o verdadeiro Servo do Senhor predi ai \ n of(«liw de Isaías), Isaías 48.16 carrega implicações trinitárias: "Agora, o SENIK >I< I IIMIN * lou a m i m e o seu Espírito", se dito por Jesus, o Filho de Deus, menciona as lie da Trindade. Além do mais, diversas passagens do Antigo Testamento sobre o "Anjo do Sl NIH m" subentendem uma pluralidade de pessoas em Deus. A palavra traduzida I omo "anjo" (heb. maVak) significa simplesmente "mensageiro". Se esse anjo do Sl i um "mensageiro" do SENHOR, ele é então distinto do próprio SENHOR. Porém, em algumas passagens o anjo do SENHOR é chamado "Deus" ou "SENHOR" (ver (\\\ Mi 13; I A I 6; 23.20-22 [repare "nele está o meu nome" n o v . 21]; N m 22.35 com 3K;|, ».) 6.11 com 14). Em outros trechos do Antigo Testamento "o Anjo do SENHOR" simplesmen fere a um anjo criado, mas pelo menos nesses textos o anjo (ou "mensag pe< lal do SENHOR parece ser uma pessoa distinta e plenamente divina. U m dos textos mais polêmicos do Antigo Testamento que podei l l re> «lar personalidades distintas para mais de uma pessoa está em Provérbios H.'.>'.' 31. Embora a parte, anterior do capítulo possa ser compreendida como meramente uma personificação da "sabedoria", com vistas a um efeito literário, mostrando a sabedoi la a chamar os simples e a convidá-los a aprender, é possível argumentar que os w . 22-31 dizem coisas sobre a "sabedoria" que parecem ir além da mera personificação. Falando do tempo em que Deus criou a terra, diz a sabedoria: "... então, eu estava com ele e era seu arquiteto, dia após dia, eu era as suas delícias, folgando perante ele em todo o tempo; regozijando-me no seu 1

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(14) A Doutrina de Deus inundo habitável e achando as minhas delícias com os filhos dos homens (Pv 8.30-31). Atuai como "arquiteto" junto de Deus na criação indica em si mesmo a idéia de uma pessoa distinta, c as frases seguintes talvez sejam ainda mais convincentes, pois apenas pessoal! reais podem "dia após dia [ser] as suas delícias" e t a m b é m se alegrar no mundo e se deleitar com os filhos dos homens. 7

Mas se decidimos que "sabedoria" aqui se refere de fato ao Filho-de Deus antes de ele se tornar homem, há uma dificuldade. Os versículos 22-25 (IBB) parecem falar da criação dessa pessoa chamada "sabedoria": O SENHOR me criou como a primeira das suas obras, o princípio dos seus feitos mais antigos. Desde a eternidade fui constituída, desde o princípio, antes de existir a terra. Antes de haver abismos, fui gerada, e antes ainda de haver fontes cheias dágua. Antes que os montes fossem firmados, antes dos outeiros eu nasci... Porventura não indica isso que tal "sabedoria" foi criada? Na verdade, não. A palavra hebraica que geralmente significa "criar" (bârã') não é usada no versículo 22; antes, a palavra é qânãh, que ocorre oitenta e quatro vezes no Antigo Testamento e quase sempre significa "obter, adquirir". A ARA é mais clara aqui: "O Senhor me possuía no início de sua obra" (semelhante à KJV; repare esse sentido da palavra em Gn 39.1; Ex 21.2; Pv 4.5, 7; 23.23; Ec 2.7; Is 1.3 ["possuidor"]). Trata-se de um sentido legítimo e, se a sabedoria for compreendida como uma pessoa real, significaria apenas que Deus Pai começou a dirigir e a fazer uso da potente ação criadora de Deus Filho no momento do início da criação: o Pai convocou o Filho a trabalhar com ele na obra da criação. A palavra "gerado" nos versículos 24 e 25 é u m termo diferente, mas poderia carregar significado semelhante: o Pai começa a dirigir e a fazer uso da potente ação criadora do Filho na criação do universo. 8

2 . A r e v e l a ç ã o mais completa da Trindade no Novo Testamento. Quando começa o Novo Testamento, entramos na história da vinda do Filho de Deus à terra. Era de esperar que esse grande acontecimento se fizesse acompanhar de ensinamentos mais explícitos sobre a natureza trinitária de Deus, e de fato é isso que encontramos. Antes de analisar a questão com pormenores, podemos simplesmente listar várias passagens em que as três pessoas da Trindade são mencionadas juntas. Quando do batismo deJesus, "eis que se lhe abriram os céus, e viu o Espírito de Deus descendo como pomba, vindo sobre ele. E eis uma voz dos céus, que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo" (Mt 3.16-17). Aqui, ao mesmo tempo, temos os três membros da Trindade realizando três ações distintas. Deus Pai fala de lá do céu; Deus Filho é batizado e depois ouve a voz de Deus Pai vinda do céu; e o Espírito Santo desce do céu para pousar sobre Jesus e dar-lhe poder para o seu ministério. Ao final do seu ministério terreno, Jesus diz aos discípulos que eles devem ir e fazer "discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo" (Mt 28.19). Os próprios nomes "Pai" e "Filho", baseados na família, a mais comum das instituições humanas, indicam com muita força a distinção das pessoas do Pai e do 168

(14) Deus. em Três Pessoas: a Trindade |''illio. E se o "Espírito Santo" é inserido na mesma frase e no mesmo nível das n ilu.i pessoas, difícil é evitar a conclusão de que o Espírito Santo é também tido ( omo prv.o.i e de posição igual ao do Pai e do Filho. Quando nos damos conta de que os autores do Novo Testamento geralmente usam O nome "Deus" (gr. theos) para se referir a Deus Pai e o nome "Senhor" (gr. kyrios) para «e referir a Deus Filho, fica claro que h á outro termo trinitário em 1 Coríntios 12.4-6: "Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo. E t a m b é m há diversidade nos serviços, ii iis o Senhor é o mesmo. E há diversidade nas realizações, mas o mesmo Deus é quem opera tudo em todos". Igualmente, o último versículo de 2Coríntios é trinitário na sua expressão: "A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a c o m u n h ã o do Espírito Santo sejam com todos vós" (2Co 13.13). Verificamos t a m b é m as três pessoas mencionadas separadamente em Kfésios 4.4-6: " H á somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos". As três pessoas da Trindade são mencionadas juntas na primeira frase de 1 Pedro: "... eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue deJesus Cristo..." (lPe 1.2). E em Judas 20-21, lemos: "Vós, porém, amados, edificando-vos na vossa fé santíssima, orando no Espírito Santo, guardai-vos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso SenhorJesus Cristo, para a vida eterna". Todavia, a tradução (dentro de colchetes, significando que o texto em questão não tem apoio dos melhores manuscritos) que a ARA dá de l j o 5.7 não deve ser usada com esse fim. Lê-se: "Pois são três os que d ã o testemunho no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e esses três são um". O problema dessa tradução é que ela se baseia num n ú m e r o muito pequeno de manuscritos gregos pouco confiáveis, sendo o mais antigo deles do século X I V d.C. As melhores versões n ã o incluem esse trecho, mas o omitem, como o faz a grande maioria dos manuscritos gregos de todas as t r a d i ç õ e s textuais de monta, inclusive v á r i o s manuscritos bastante confiáveis dos séculos I V e V d.C. e também citações dos pais da igreja, como Ireneu (m. c. 212 d . C ) , Tertuliano (m. depois de 220 d.C.) e o grande defensor da Trindade, Atanásio (m. 373 d . C ) . B . TRÊS DECLARAÇÕES QUE RESUMEM O ENSINO BÍBLICO Em certo sentido a doutrina da Trindade é u m mistério que jamais seremos capazes de entender plenamente. Podemos, todavia, compreender parte da sua verdade resumindo o ensinamento das Escrituras em três declarações: 1. Deus é três pessoas. 2. Cada pessoa é plenamente Deus. 3. Há só um Deus. A seção seguinte desenvolverá mais detalhadamente cada uma dessas declarações. >

1. Deus é três pessoas. O fato de ser Deus três pessoas significa que o Pai n ã o é o Filho; são pessoas distintas. Significa t a m b é m que o Pai n ã o é o Espírito Santo, mas são 169


(14) A Doutrina de Deus OBi distintas. E significa que o Filho n ã o é o Espírito Santo. Essas distinções se Hii • ii .mi em várias das passagens citadas na seção anterior, bem como em muitas outras p a s s a g e n s dn N o v o Testamento. |(>a< i 1.1-2 nos diz: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo i i ,i Deus. Ele estava no princípio com Deus". O fato de o "Verbo" (que se revela Cristo i H is v. 9-18) estar "com" Deus prova que ele é distinto de Deus Pai. Em J o ã o 17.24, Jesus laia a Deus Pai da "minha glória que me conferiste, porque me amaste antes da fundação do mundo", revelando assim distinção de pessoas, compartilhamento de glória e uma relação de amor entre o Pai e o Filho antes que o mundo fosse criado. Lemos que Jesus continua agindo como nosso Sumo Sacerdote e Advogado perante Deus Pai: "Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo" ( l j o 2.1). Cristo é aquele que "pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles" (Hb 7.25). Porém, a fim de interceder por nós perante Deus Pai, é necessário que Cristo seja uma pessoa distinta do Pai. Além disso, o Pai n ã o é o Espírito Santo, tampouco o Filho é o Espírito Santo. Distinguem-se em vários versículos. Diz Jesus: "Mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito" (Jo 14.26). O Espírito Santo também ora ou "intercede" por nós (Rm 8.27), indicando uma distinção entre o Espírito Santo e Deus Pai, a quem se faz a intercessão. Finalmente, o fato de o Filho não ser o Espírito Santo também está indicado em várias passagens trinitárias mencionadas anteriormente, como a Grande Comissão (Mt 28.19), e em passagens que indicam que Cristo voltou ao céu e então enviou o Espírito Santo à igreja. DisseJesus: "Convém-vos que eu vá, porque, se eu n ã o for, o Consolador n ã o virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei" (Jo 16.7). Alguns j á questionaram se o Espírito Santo é de fato uma pessoa distinta, e n ã o simplesmente o "poder" ou a "força" de Deus em ação no mundo. Mas as evidências do Novo Testamento são bem claras e fortes. Primeiro h á os diversos versículos mencionados acima, em que o Espírito Santo é revelado em coordenada relação com o Pai e o Filho (Mt 28.19; I C o 12.4-6; 2Co 13.14; Ef 4.4-6; lPe 1.2): como o Pai e o Filho são ambos pessoas, a expressão coordenada indica fortemente que o Espírito Santo também é uma pessoa. Depois h á trechos em que o pronome masculino ele (gr. tkeinos) se refere ao Espírito Santo (Jo 14.26; 15.26; 16.13-14), o que n ã o seria de esperar em face das regras da gramática grega, pois a palavra "espírito"'(gr. pneuma) é neutra, não masculina, e a ela normalmente se alude com o pronome neutro ekeino. Além do mais, o nome consolador ou confortador (gr. paraklõtos) é u m termo comumente usado para falar de uma pessoa que ajuda ou dá consolo ou conselho a outra pessoa ou pessoas, mas se refere ao Espírito Santo no evangelho de J o ã o (14.16, 26; 15.26; 16.7). 9

(14) Deus em Três Pessoas: a Trindade \'< >i fim, se o Espírito Santo é interpretado meramente como o poder de Deus, e n i nino pessoa distinta, então várias passagens simplesmente não fariam sentido, pois nelas kv mencionam tanto o Espírito Santo quanto o seu poder, ou o poder de Deus. Por H l m p l o , Lucas 4.14 ("Então, Jesus, no poder do Espírito, regressou para a Galiléia" Hgnificaria então "Jesus, no poder do poder, regressou para a Galiléia". E Atos 10.38 ("Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder") significaria "Deus ungiu a Jesus com o poder de Deus e com poder" (ver também R m 15.13; I C o 2.4). Embora tantas passagens distingam claramente o Espírito Santo dos outros membros da Trindade, 2Coríntios 3.17 se revela um versículo desconcertante: "Ora, o Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade". Os intérpretes muitas vezes supõem que "Senhor" aqui só pode ser Cristo, pois Paulo usa freqüentemente "Senhor" para se referir a Cristo. Mas provavelmente n ã o é esse o caso aqui, pois a gramática e o contexto nos fornecem bons argumentos para dizer que esse versículo tem melhor tradução com o Espírito Santo como sujeito: "Ora, o Espírito é o Senhor..." Nesse caso, Paulo estaria dizendo que o Espírito Santo é também "Javé" (ou "Jeová"), o Senhor do Antigo Testamento (repare o claro pano de fundo do Antigo Testamento que se revela nesse contexto, a partir do v. 7). Teologicamente, isso seria bastante aceitável, pois sem dúvida se pode dizer que assim como Deus Pai é "Senhor" e Deus Filho é "Senhor" (no pleno sentido de "Senhor" no Antigo Testamento como nome de Deus), t a m b é m o Espírito Santo é chamado "Senhor" no Antigo Testamento — e é o Espírito Santo que nos manifesta especialmente a presença do Senhor na era da nova aliança. 10

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2. Cada pessoa é plenamente Deus. Além do fato de serem as três pessoas distintas, as Escrituras t a m b é m d ã o farto testemunho de que cada pessoa é plenamente Deus. Primeiro, Deus Pai é claramente Deus. Isso se evidencia desde o primeiro versículo da Bíblia, no qual Deus cria o céu e a terra. E evidente em todo o Antigo e no Novo Testamento, nos quais Deus Pai é retratado nitidamente como Senhor soberano de tudo e onde Jesus ora ao seu Pai celeste. Também, o Filho éplenamente Deus. Embora esse ponto seja desenvolvido com mais pormenores no capítulo 26 ("A Pessoa de Cristo"), podemos aqui mencionar de passagem vários trechos explícitos. J o ã o 1.1-4 afirma claramente a plena divindade de Cristo: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. A vida estava nele e a vida era a luz <!• • • homens. 1

Outras atividades pessoais são atribuídas ao Espírito Santo, como ensinar (Jo 14.26), dar testemunho (Jo 15.26; Rm 8.16), interceder ou orar em nome de outros (Rm 8.26-27), sondar as profundezas de Deus (ICo 2.10), conhecer os pensamentos de Deus (ICo 2.11), decidir conceder certos dons para alguns, e outros para outros (ICo 12.11), proibir ou não permitir determinadas atividades (At 16.6-7), falar (At 8.29; 13.2; e muitas vezes no Antigo como no Novo Testamento), avaliar e aprovar u m proceder sábio (At 15.28) e se entristecer diante do pecado dos cristãos (Ef 4.30).

Aqui, Cristo é o "Verbo", e j o ã o diz que ele estava "com Deus" e também que ele ej Deus". O texto grego repete as palavras iniciais de Gênesis 1.1 ("No principio...") e nos lembra de que J o ã o está falando de algo que j á era verdade antes que o mundo fosse criado. Deus Filho sempre foi plenamente Deus. A tradução "o Verbo era Deus" foi contestada pelas testem11nhus de je< > va, (|ue verten i "o Verbo era um deus", implicando que o Verbo era simplesmente mu sei . elestial, mas não plenamente divino. Eles justificam essa tradução salientando que o ailigo definido (gr. ho,"o" )nã.o aparece antes da palavra grega theos ("Drus"). Dizem portanto que theos

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(14) A Doutrina de Deus

(14) Deus em Três Pessoas: a Trindade

deve sei traduzido como "um deus". Porém, tal interpretação nunca foi acatada por nenhum estudioso do grego de lugar algum, pois é sabido que a frase segue uma regra normal da gramática grega, e a ausência do artigo definido indica meramente que "Deus" é o predicado, e n ã o o sujeito da frase. (Uma publicação recente das testemunhas-d jeová reconhece hoje essa relevante regra gramatical, mas assim mesmo persiste na sua posição a respeito de J o ã o 1.1.)

a Cristo ao dizer dele: "No princípio, Senhor, lançaste os fundamentos da terra, e os céus são obras das tuas mãos" (Hb 1.10, citando Sl 102.25). Tito 2.13 refere-se ao "nosso grande Deuse Salvador Cristo Jesus" e 2Pedro 1.1 fala da "justiça do nosso Deuse Salvador Jesus Cristo". Romanos 9.5, falando do povo judeu, diz: "Deles são os patriarcas, e a pai tu deles se traça a linhagem humana de Cristo, que é Deus acima de tudo, bendito para sempre! A m é m " (NVI). No Antigo Testamento, Isaías 9.6 profetiza:

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A incoerência da posição das testemunhas-de-jeová pode ser vista ainda na tradução que d ã o ao restante do capítulo. Por diversas outras razões gramaticais, a palavra theos também dispensa o artigo definido em outros pontos do capítulo, como no versículo 6 ("Houve u m homem enviado por Deus"), no versículo 12 ("poder de serem feitos filhos de Deus"), no versículo 13 ("mas de Deus") e no versículo 18 ("Ninguém jamais viu a Deus"). Se as testemunhas-de-jeová fossem coerentes no seu argumento sobre a ausência do artigo definido, teriam de traduzir todos esses versículos com a expressão "um deus", mas usaram "Deus" em todos eles. J o ã o 20.28, no seu contexto, t a m b é m é uma sólida prova em favor da divindade de Cristo. Tome duvidava dos relatos dos outros discípulos, de que haviam visto Jesus ressuscitado, e disse que não acreditaria se não visse as marcas dos cravos nas mãos de Jesus e n ã o lhe tocasse com a m ã o na ferida do lado (Jo 20.25). Então Jesus apareceu novamente aos discípulos, estando agora Tome com eles. Disse a Tome: "Põe aqui o dedo e vê as minhas mãos; chega t a m b é m a m ã o e põe-na no meu lado; n ã o sejas incrédulo, mas crente" (Jo 20.27). Diante disso, lemos: "Respondeu-lhe Tome: Senhor meu e Deus meu!" (Jo 20.28). Aqui Tome chama Jesus de "Deus meu". A narrativa mostra que tanto J o ã o no modo como escreveu o seu evangelho quanto o próprio Jesus aprovam o que Tome disse e incentivam todos os que ouvirem falar de Tome a crer nas mesmas coisas em que Tome creu. Jesus imediatamente disse a Tome: "Porque me viste, creste? Bemaventurados os que n ã o viram e creram" (Jo 20.29). Quanto a j o ã o , esse é o momento dramático mais forte do evangelho, pois ele logo a seguir diz ao leitor — j á no versículo seguinte - que esta é a razão pela qual ele o escreveu: • Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome (Jo 20.3(5-31). Jesus fala daqueles que, mesmo sem o ver, crerão, e j o ã o logo depois diz ao leitor que ele registrou os acontecimentos no evangelho para que todos t a m b é m creiam assim, imitando Tome na sua confissão de fé. Em outras palavras, todo o evangelho foi escrito para convencer as pessoas a imitar Tome, que sinceramente chamou Jesus de "Senhor meu e Deus meu". Como esse é o motivo exposto por J o ã o como propósito do seu evangelho, a afirmação se reveste de autoridade. 14

Outras passagens afirmam a plena divindade de Jesus, como Hebreus 1, onde o autor diz que Cristo é a "expressão exata" (gr. charaktõr, "reprodução exata") da natureza ou ser (gr. hypostasis) de Deus - significando que Deus Filho reproduzia o ser ou a natureza de Deus Pai em todos os aspectos: todos os atributos ou poderes que Deus Pai tem, Deus Filho t a m b é m os tem. O autor ainda se refere ao Filho como "Deus" no versículo 8 ("Mas acerca do Filho: O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre") e atribui a criação dos céus 172

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Porque um menino nos nasceu, „ rhino i u se nos deu; j um *- sobre u os seus ombros; u o governo esta e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte". Aplicada a Cristo, essa profecia refere-se a ele como "Deus Forte". Observe aplicação semelhante dos títulos "SENHOR" e "Deus" na profecia da vinda do Messias em Isaías 40.3: "Preparai o caminho do SENHOR; endireitai no ermo vereda a nosso Deus", citada por João Batista na preparação para a vinda de Cristo em Mateus 3.3. Muitas outras passagens serão discutidas no capítulo 26, abaixo, mas essas j á devem ser suficientes para demonstrar que o Novo Testamento claramente se refere a Cristo como Deus pleno. Como diz Paulo em Colossenses 2.9, "Porquanto, nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade". Além disso, o Espírito Santo é também plenamente Deus. Uma vez que entendamos que Deus Pai e Deus Filho são plenamente Deus, então as expressões trinitárias em versículos como Mateus 28.19 ("batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo") se revestem de relevância para a doutrina do Espírito Santo, pois mostram que o Espírito Santo está classificado no mesmo nível do Pai e do Filho. Isso se verifica quando percebemos quão impensável seria que Jesus dissesse algo como "batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do arcanjo Miguel", dando a um ser criado uma posição totalmente descabida, mesmo para u m arcanjo. Os crentes de todas as épocas sempre foram batizados em nome (assumindo, portanto, o caráter) do próprio Deus. (Note também as outras passagens trinitárias mencionadas acima: I C o 12.4-6; 2Co 13.14; Ef 4.4-6; lPe 1.2;Jd 20-21.) Em Atos 5.3-4, Pedro pergunta a Ananias: "Por que encheu Satanás teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo [...]? N ã o mentiste aos homens, mas a Deus". Segundo as palavras de Pedro, mentir ao Espírito Santo é mentir a Deus. Paulo diz em 1 Coríntios 3.16: "Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?" O templo de Deus é o local onde o próprio Deus habita, o que Paulo explica pelo fato de que 0 "Espírito de Deus" ali habita, aparentemente igualando o Espírito de Deus ao próprio Deus. Davi pergunta em Salmos 139.7-8: "Para onde meu ausentarei do teu Espírito:' Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás". Essa passagem atribui a cai a< lei istica divina da onipresença ao Espírito Santo, algo que não se aplica a nenhuma das « naluias de Deus. Parece que Davi faz eqüivaler o Espírito de Deus à presença de Deus, Ausentar se do Espírito de Deus é ausentar-se da sua presença, mas se não há lugar para onde Davi pode fugir do Espírito de Deus, então ele sabe que aonde quer que vá terá de dizer: "Tu estás aí". 17

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(14) A Doutrina de Deus Paulo atribui a característica divina da onisciência ao Espírito Santo em 1 Coríntios 2.10-11: "Porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus Porque qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito, que nel está? Assim, também as coisas de Deus [ou os pensamentos de Deus] ninguém as conhece senão o Espírito de Deus". Além disso, o ato de dar novo nascimento a todo aquele que nasce de novo é obra do Espírito Santo. Disse Jesus: "... quem não nascer da água e do Espírito n ã o pode entra no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito espírito. N ã o te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo" (Jo 3.5-7). Mas o at( de dar nova vida espiritual às pessoas quando se tornam cristãs é algo que só Deus pode fazer (cf. l j o 3.9, "nascido de Deus"). Essa passagem portanto d á nova indicação de que! o Espírito Santo é plenamente Deus. Até aqui temos duas conclusões, ambas fartamente ensinadas em toda a Bíblia: L _ 1. Deus e três pessoas. 2. Cada pessoa é plenamente Deus. Se a Bíblia ensinasse somente esses dois fatos, não haveria nenhuma dificuldade lógica em emparelhá-los, pois a solução óbvia seria que existem três Deuses. O Pai é plenamente Deus, o Filho é plenamente Deus e o Espírito Santo é t a m b é m plenamente Deus. Teríamos um sistema com três seres igualmente divinos. Tal crença se chamaria politeísmo - ou, mais especificamente, "triteísmo", ou crença em três Deuses. Mas isso passa bem longe do que ensina a Bíblia. 3. S ó h á u m Deus. As Escrituras deixam bem claro que só existe um único Deus. As três diferentes pessoas da Trindade são u m n ã o apenas em propósito e em concordância no que pensam, mas um em essência, um na sua natureza essencial. E m outras palavras, Deus é u m só ser. N ã o existem três Deuses. Só existe um Deus. Uma das passagens mais conhecidas do Antigo Testamento é Deuteronômio 6.4-5: "Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força". Quando Moisés canta: Ó SENHOR, quem é como tu entre os deuses? * Quem é como tu, glorificado em santidade, terrível em feitos gloriosos, que operas maravilhas? (Êx 15.11), a resposta obviamente é: "ninguém". Deus é ú m o , e não h á ninguém como ele nem pode haver ninguém como ele. De fato, Salomão ora "para que todos os povos da terra saibam v

que o SENHOR é Deus e que não há outro" (lRs 8 . 6 0 ) .

Quando Deus fala, repetidamente deixa claro que ele é o único Deus verdadeiro; a idéia de que existem três Deuses a adorar, e n ã o u m só, seria impensável diante de declarações tão veementes. Só Deus é o único Deus verdadeiro, e n ã o h á nenhum outro como ele. Quando ele fala, só ele fala — não fala como um Deus dentre três que devem ser adorados. Mas diz:

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(14) Deus em Três Pessoas: a Trindade Eu sou o SENHOR, e não há outro;

além de mim não há Deus; eu te cingirei, ainda que não me conheces. Para que se saiba, até ao nascente do sol e até ao poente, que além de mim não há outro; eu sou o SENHOR, e não há outro (Is 45.5-6).

Do mesmo modo, ele convoca toda a terra a olhar para ele: Não há outro Deus, senão eu, Deus justo e Salvador não h á além de mim. Olhai para m i m e sede salvos, vós, todos os limites da terra; porque eu sou Deus, e não há outro (Is 45.21-22; cf. 44.6-8). O Novo Testamento também afirma que só há um Deus. Escreve Paulo: "Porquanto ha um so< Deuse um só Mediador entre Deus e os homens, CristoJesus, homem" ( l T m 2.5). Paulo afirma que "Deus é u m só" (Rm 3.30) e que "há um só Deus, o Pai, de quem são todas is coisas e para quem existimos" (ICo 8 . 6 ) . Por fim, Tiago admite que até os demônios reconhecem que só h á u m Deus, ainda que essa aceitação intelectual do fato n ã o seja Suficiente para salvá-los: "Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem. Até os demônios crêem C tremem" (Tg 2.19). Mas nitidamente Tiago afirma que "faz bem" quem crê que "Deus é Um só". 18

4. A s soluções simplistas necessariamente negam um dos ensinamentos bíblicos. Agora temos três proposições, todas elas ensinadas nas Escrituras. 1. Deus é três pessoas. 2. Cada pessoa é plenamente Deus. 3. Só há um Deus. Ao longo de toda a história da igreja houve tentativas de encontrar uma solução simples paia a doutrina da Trindade pela negação de uma ou outra dessas proposições. Caso se negue a primeira proposição, então resta-nos simplesmente o fato de que cada uma das pessoas mencionadas nas Escrituras (Pai, Filho e Espírito Santo) é Deus, e há um só Deus. Mas se não precisamos dizer que são pessoas distintas, então há uma solução fácil: n ã o passam de nomes diferentes para uma pessoa que age de modos diversos em situações distintai V vezes essa pessoa se chama Pai, às vezes se chama Filho e às vezes se chama Es| tirilo Na< > lemos dificuldade para compreender isso, pois sabemos por experiência própria que a mesma pessoa pode agir em dada situação como advogado (por exemplo), noutra como pai dos seus filhos e noutra como filho diante dos seus pais; a mesma pessoa é advogado, pai e filho. Mas tal solução negaria o fato de que as três pessoas sejam individui is distintos, de que Deus Pai envia Deus Filho ao mundo, de que o Filho ora ao Pai •• de que o Espírito Santo intercede junto ao Pai por nós. Outra solução simples surge pela negação da segunda proposição, ou seja, negar que algumas das pessoas mencionadas nas Escrituras são de fato plenamente Deus. Se 1 1

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|>l<'«mente sustentamos que Deus é três pessoas e que só há um Deus, então podemos • I ii UI.KIOS a dizer que algumas dessas "pessoas" desse Deus único não são plenamente I >ens, mas apenas parles subordinadas ou criadas de Deus. Essa solução seria adotada, por exemplo, por aqueles que negam a plena divindade do Filho (e do Espírito Santo). Mas, •MIO vimos acima, essa solução teria de negar toda uma classe de ensinamentos bíblicos. I'< »r fim, como já observamos acima, uma solução simples poderia vir pela negação da existência de um só Deus. Mas isso resultaria na crença em três Deuses, algo claramente contrário às Escrituras. Embora o terceiro erro não seja comum, como veremos abaixo, cada um dos dois primeiros erros já apareceu num momento ou noutro da história da igreja, e ainda persiste hoje dentro de alguns grupos.

Então que analogia usaremos para explicar a Trindade? Embora a Bíblia use mui analogias derivadas da natureza e da vida para nos ensinar aspectos diversos do caráter de Deus (Deus é como uma rocha na sua fidelidade, como um pastor no seu cuidado, eü I, é interessante notar que em nenhum trecho das Escrituras se acha alguma analogia que explique a doutrina da Trindade. O mais p r ó x i m o que chegamos de uma analogia se encontra nos próprios títulos "Pai" e "Filho", títulos que nitidamente dizem respeito a pessoas distintas e à íntima relação que existe entre os dois numa família. Mas no plano humano, logicamente, temos dois seres totalmente distintos, nenhum deles formado de três pessoas distintas. É melhor concluir que nenhuma analogia explica adequadamente a Trindade, e que todas são ilusórias em aspectos importantes.

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5. Todas as analogias t ê m falhas. Se não podemos adotar nenhuma dessas soluções simplistas, então como juntar as três verdades bíblicas para assim sustentar a doutrina da Trindade? As pessoas j á usaram várias analogias retiradas da natureza ou da experiência humana para tentar explicar essa doutrina. Embora tais analogias sejam úteis num nível elementar de compreensão, todas elas se revelam inadequadas ou ilusórias numa reflexão mais aprofundada. Dizer, por exemplo, que Deus é como um trevo de três folhas, que mesmo tendo três partes é apenas um trevo, não é satisfatório, pois cada folha apenas faz parte do trevo, e n ã o se pode dizer que nenhuma das folhas é todo o trevo. Mas na Trindade, cada uma das pessoas não é apenas uma parte separada de Deus, mas plenamente Deus. Além disso, a folha de um trevo é impessoal e não tem portanto personalidade distinta e complexa como cada pessoa da Trindade. Outros j á usaram a analogia das três partes de uma árvore: raízes, tronco e ramos constituem uma só árvore. Mas surge um problema semelhante, pois trata-se somente de partes de uma árvore, e não se pode dizer que nenhuma dessas partes é a árvore inteira. Além do mais, nessa analogia as partes têm propriedades distintas, diferentemente das pessoas da Trindade, que possuem todos os atributos de Deus em igual medida. E a ausência de personalidade em cada uma das partes é outra deficiência. A analogia das três formas de água (vapor, água e gelo) é t a m b é m inadequada, porque: (a) nenhuma quantidade de água jamais é ao mesmo tempo todas as três formas, (b) as três formas têm propriedades ou características diferentes, (c) a analogia nada tem que corresponda ao fato de existir somente um Deus (não existe algo como "uma só água" ou "toda a água do universo") e (d) falta o elemento da personalidade inteligente. Outras analogias foram derivadas da experiência humana. Poder-se-ia dizer que a Trindade é como um homem que é ao mesmo tempo fazendeiro, prefeito da sua cidade e presbítero da sua igreja. Ele desempenha papéis diferentes em momentos distintos, mas é u m só homem. Porém, essa analogia é bastante falha, pois só uma pessoa executa essas três atividades em momentos diferentes, e o modelo não contempla a relação pessoal entre os membros da Trindade. (Na verdade, essa analogia simplesmente ensina a heresia chamada modalismo, discutida abaixo.) Outra analogia retirada da vida humana é a união entre intelecto, emoções e vontade numa pessoa. Embora sejam componentes de uma personalidade, nenhum desses fatores constitui a pessoa inteira. E as partes não são dotadas de características idênticas, mas têm capacidades distintas.

6. Deus existe eterna e necessariamente como Trindade. Quando o universo foi criado, Deus Pai proferiu as potentes palavras criadoras que o geraram; Deus Filho foi o agente divino que executou essas palavras (Jo 1.3; I C o 8.6; C l 1.16; H b 1.2) e o Espírito de Deus "pairava por sobre as águas" (Gn 1.2). Então é como seria de esperar: se os três membros da Trindade são igual e plenamente divinos, então todos eles existiram desde a eternidade, e Deus sempre existiu eternamente como Trindade (cf. também Jo 17.5, 24). Além disso, Deus não pode ser diferente do que é, pois é imutável (ver capítulo 11, acima). Portanto, parece correto concluir que Deus existe necessariamente como Trindade - não pode ser diferente do que é.

C. A NEGAÇÃO DE QUALQUER UMA DESSAS TRÊS PROPOSIÇÕES QUE RESUMEM O ENSINO BÍBLICO SEMPRE GEROU ERROS Na seção anterior, vimos que a Bíblia demanda que afirmemos as três proposições seguintes: 1. Deus é três pessoas. 2. Cada pessoa é plenamente Deus. 3. Só há um Deus.

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Antes de dar seqüência à discussão das diferenças entre o Pai, o Filho e O Espírito Santo, e a forma como se relacionam uns com os outros, é importante relembrar alguns dos erros doutrinários sobre a Trindade que j á se cometeram na história da igreja. Nessa retrospectiva histórica, veremos alguns dos erros que nós mesmos devemos evitai em qualquer reflexão mais aprofundada sobre essa doutrina. De fato, os principais e • ligados à Trindade nasceram da n e g a ç ã o de uma ou outra dessas três proposições básicas. 22

1. O modalismo afirma que existe só uma única pessoa, que se revela a nós de três diferentes formas (ou "modos"). Em momentos distintos da história alguns pregaram que Deus não é de fato três pessoas diferentes, mas uma única pessoa que se revela às pessoas de "modos" diversos em momentos diferentes. Por exemplo, o Deus do Antigo Testamento se revelou como "Pai". Nos evangelhos, essa mesma pessoa divina se revelou como "Filho", na vida e no ministério de Jesus. Depois do Pentecostes, essa mesma pessoa então se revelou como o "Espírito" ativo na igreja. 177


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Esse ensinamento tem t a m b é m outros dois nomes. É às vezes chamado sabelianismo, por causa de um pregador chamado Sabélio, que viveu em Roma no início do século I I I d.C. Outro termo que identifica o modalismo é "monarquianismo modalista", pois essa doutrina não só afirma que Deus se revelou de "modos" diferentes, mas também que só existe .um único soberano absoluto ("monarca") no universo, e esse é o próprio Deus, que consiste somente numa pessoa.

ariana encontra-se em Colossenses 1.15: "Este é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação". Será que "primogênito" aqui n ã o implica que o Filho foi em algum momento criado pelo Pai? E se isso vale para o Filho, também deve necessariamente valer para o Espírito Santo. Mas esses textos não exigem que acreditemos numa posição ariana. Colossenses 1.15, que chama a Cristo de "primogênito de toda a criação", deve ser compreendido assim: Cristo tem os direitos ou privilégios do "primogênito", ou seja, segundo os usos e costumes bíblicos, o direito de liderança ou autoridade na família durante a sua geração. (Repare Hb 12.16, onde se diz que Esaú vendeu a sua "condição de primogênito" ou o "direito de primogenitura" - a palavra grega prototokia é cognata do termo prototokos, "primogênito" em Cl 1.15.) Assim Colossenses 1.15 significa que Cristo tem os privilégios da autoridade e do governo, privilégios pertencentes ao "primogênito", mas concernentes a toda a criação. A NIV dá uma tradução elucidativa: "o primogênito sobre toda a criação". Quanto aos textos que dizem ser Cristo o "Filho unigênito" de Deus, a igreja primitiva tanto sentiu a força dos muitos outros textos que revelavam que Cristo era plena e completamente Deus que concluiu que, qualquer que fosse o significado de "unigênito", certamente não era "criado". Portanto, o Credo de Nicéia, de 325, afirmava que Cristo fora "gerado, não criado":

O modalismo deriva seus atrativos do desejo de enfatizar inequivocamente que só existe um único Deus. Pode reclamar esteio não só de passagens que falam de um Deus único, mas t a m b é m de outras como J o ã o 10.30 ("Eu e o Pai somos um") e j o ã o 14.9 ("Quem me vê a m i m vê o Pai"). Todavia, essa última passagem pode significar apenas que Jesus revela plenamente o caráter de Deus Pai, e a passagem anterior (Jo 10.30), num contexto é m que Jesus afirma que irá realizar tudo o que o Pai ordenou-lhe fazer e salvar todos aqueles que o Pai lhe deu, parece significar que Jesus e o Pai têm um só propósito. O erro fatal do modalismo é negar necessariamente as relações pessoais entre os membros da Trindade, relações que aparecem em muitos trechos das Escrituras (ou afirmar necessariamente que essas relações eram apenas ilusão, e n ã o reais). Assim, deve necessariamente negar três pessoas distintas no batismo de Jesus, quando o Pai fala do céu c o Espírito desce sobreJesus como uma pomba. E deve obrigatoriamente dizer que todos os casos em que Jesus ora ao Pai são ilusão ou embuste. Perde-se a idéia de que o Filho ou o Espírito Santo intercedem por nós diante de Deus Pai. Por fim, o modalismo acaba diluindo o âmago da doutrina da expiação — ou seja, a idéia de que Deus enviou seu filho como sacrifício vicário, de que o Filho carregou a ira de Deus em nosso lugar e de cjue o Pai, representando os interesses da Trindade, viu o sofrimento de Cristo e ficou satisfeito (Is 53.11). Além disso, o modalismo nega a independência de Deus, pois se Deus é somente uma pessoa, não tem capacidade de amar e de se comunicar sem outras pessoas da sua criação. Assim, Deus teria tido necessidade de criar o mundo, e portanto não seria independente da criação (ver capítulo 12, acima, sobre a independência de Deus). Uma denominação atual dentro do protestantismo (definido de modo amplo), a Igreja Pentecostal Unida (nos Estados Unidos), é modalista na sua postura doutrinária. 23

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Cremos num só Deus, o Pai Todo-Poderoso, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis. E num só Senhor,Jesus Cristo, o Filho de Deus, gerado do Pai, o unigênito; ou seja, da essência do Pai, Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro do Deus verdadeiro, gerado, não criado, sendo da mesma substância (hornoousion) do Pai... 25

Essa mesma expressão foi reafirmada no Concilio de Constantinopla em 381. Além disso, acrescentou-se a expressão "antes de todas as eras" após "gerado do Pai", para mostrar que esse "gerar" era eterno. Jamais tivera início, mas é algo eternamente verdadeiro no tocante à relação entre o Pai e o Filho. Contudo, a natureza desse "gerar*' jamais foi definida com muita clareza; no m á x i m o diz-se que tem que ver com a relai ao entre o Pai e o Filho, e que em certo sentido o Pai tem eterna primazia nessa reliu " Noutro sinal de repúdio ao ensinamento de Ário, o Credo de Nicéia insislia cm que Cristo é "da mesma substanciado Pai". A controvérsia com Ário estava em duas pala vias que ficaram famosas na história da doutrina cristã: homoousios ("da mesma natureza <• homoiousios ("de natureza semelhante"). A diferença depende do diferente Nlgnilii adi > de dois prefixos gregos: homo-, que significa "mesmo", e homoi-. que signilii n < me lhante". Ário contentava-se em dizer que Cristo era um ser celeste sobrenalui ul e que fora criado por Deus antes da criação do restante do universo, e até que i ielhanie"-a Deus na sua natureza. Portanto, Ário concordaria com a palavi.i homoiousios. Mas o Concilio de Nicéia, em 325, e o Concilio de Constantinopla, em 381, peri «I leiam que isso n ã o representava u m grande a v a n ç o , pois se Cristo n ã o tem exatamente a mesma natureza do Pai, n ã o é plenamente Deus. Então os dois com ílioi In liltiritm em que os cristãos ortodoxos confessassem que Jesus era homoousios. da mesma naluiozi de Deus Pai. A diferença entre as duas palavras era só de uma letra, o iola grego, >• alguns criticaram a igreja por permitir que uma controvérsia doutrinária poi I (mta de uma única letra 1

2 . O arianismo nega a plena d i v i n d a d e do Filho e do E s p í r i t o "Santo. su A c o n t r o v é r s i a ariana. O termo arianismo vem de Ário, bispo de Alexandria, cujas opiniões foram condenadas no Concilio de Nicéia em 325 d . C , e que morreu em 336 d.C. Ário pregava que Deus Filho foi em dado momento criado por Deus Pai e que antes desse momento o Filho não existia, nem o Espírito Santo, mas somente o Pai. Assim, embora o Filho seja um ser celeste anterior ao resto da criação e bem maior do que todo o resto da criação, ele não se iguala ao Pai em todos os seus atributos - pode-se até dizer que é "igual ao Pai" ou "semelhante ao Pai" na sua natureza, mas não se pode dizer que í "da mesma natureza" do Pai. Os arianos baseavam-se fortemente nos textos que chamam Cristo de Filho "unigênito " lo Pai (Jo 1.14; 3.16, 18; l j o 4.9). Se Cristo foi "gerado" por Deus Pai, raciocinavam eles, *ntão deve ter sido criado por Deus Pai (pois a palavra "gerar", na experiência humana, efere-se ao papel do pai na concepção de u m filho). Outro sustentáculo da doutrina

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consumisse tanta a t e n ç ã o durante a maior parte do s é c u l o I V d.C. A l g u n s se perguntavam: "Pode haver coisa mais insensata que discutir por causa de uma única letra de uma palavra?". Mas a diferença entre as duas palavras era profunda, e a presença ou a ausência do iota realmente assinalava a diferença entre o cristianismo bíblico, com a verdadeira doutrina da Trindade, e uma heresia que não aceitava a plena divindade de Cristo e que, portanto, era antitrinitária e, em última análise, destrutiva para o conjunto da fé cristã.

O adocianismo nunca ganhou força de movimento como o arianismo, mas houve gente que defendeu as idéias adocianistas de tempos em tempos na igreja primitiva, imbora suas concepções jamais tenham sido aceitas como ortodoxas. Muita gente de hoje que considera Jesus um grande homem e alguém especialmente dotado por Deus, mas nfio realmente divino, se enquadraria na categoria adocianista. Nós o inserimos aqui, logo após o arianismo, porque também nega a divindade do Filho (e, igualmente, a divindade do Espírito Santo). O Concilio de Constantinopla, em 381 d . C , colocou um ponto final na controvérsia do arianismo. O concilio reafirmou as declarações nicenas e acrescentou outra sobre a divindade do Espírito Santo, que fora alvo de ataques depois de Nicéia. Depois da expressão "E no Espírito Santo", Constantinopla acresceu; "o Senhor e Dispensador da Vida; que procede do Pai; que com o Pai e o Filho é adorado e glorificado; que falou por intermédio dos Profetas". A versão do credo que inclui os acréscimos de Constantinopla é a que acabou comumente conhecida hoje como Credo de Nicéia (o texto desse credo encontra-se no Apêndice 1, no final deste livro).

b. Subordinacionismo. Ao afirmar que o Filho era da mesma natureza do Pai, a igreja primitiva também excluiu outra falsa doutrina correlata: o subordinacionismo. Enquanto o arianismo sustentava que o Filho era criado e não divino, o subordinacionismo defendia que o Filho era eterno (não criado) e divino, mas ainda assim não igual ao Pai no seu ser e nos seus atributos - o Filho era inferior ou "subordinado" no seu ser a Deus Pai. Orígenes (c. 185 - c. 254 d.C), u m dos pais da igreja primitiva, advogava uma forma de subordinacionismo ao sustentar que o Filho é inferior ao Pai no seu ser e que deriva eternamente o seu ser do Pai. Orígenes tentava proteger a distinção de pessoas e escrevia antes da formulação clara da doutrina da Trindade na igreja. O restante da igreja não o seguiu, mas claramente rejeitou o seu ensinamento no Concilio de Nicéia. Embora muitos líderes da igreja primitiva tenham c o n t r i b u í d o para a gradual formulação de uma doutrina correta da Trindade, de longe o mais influente foi Atanásio. Ele tinha somente vinte e nove anos quando participou do Concilio de Nicéia em 325 d.C, não como membro oficial, mas na condição de secretario de Alexandre, bispo de Alexandria. Porém, a mente arguta e o domínio da escrita possibilitaram-lhe exercer uma importante influência sobre o resultado do concilio, e ele mesmo tornou-se mais tarde bispo de Alexandria, em 328. Embora os arianos tenham sido condenados em Nicéia, recusaram-se a parar de ensinar as suas idéias e usaram o seu considerável poder político dentro da igreja para prolongar a controvérsia por boa parte do resto do século I V . Atanásio tornou-se o principal alvo do ataque ariano, e devotou toda a sua vida a escrever e pregar contra a heresia do arianismo. "Foi perseguido com cinco exílios, sofrendo dezessete anos de fuga e esconderijos", mas, com seus incansáveis esforços, "Atanásio conseguiu, quase sozinho, salvar a igreja do intelectualismo pagão." Hoje não se acredita que o "Credo de Atanásio", assim chamado em sua homenagem, tenha Sido composto pelo próprio Atanásio; crê-se, sim, que essa afirmação bem nítida da doutrina trinitária tenha ganhado cada vez mais respaldo dentro da igreja a partir de cerca de 400 d . C , sendo ainda hoje usada em igrejas protestantes e católicas. (Ver apêndice 1.) 27

c. A d o c i a n i s m o . Antes de deixar para trás a discussão do arianismo, é preciso mencionar outra falsa doutrina correlata. O "adocianismo" é a concepção de que Jesus viveu como homem comum até seu batismo, quando Deus o "adotou" como "Filho", zonferindo-lhe poderes sobrenaturais. Os adocianistas não concordariam que Cristo ixistia antes de ter nascido como homem; portanto, não considerariam Cristo eterno, nem ) enxergavam como o ser sublime e sobrenatural criado por Deus, que era a crença dos irianos. Mesmo depois da "adoção" de Jesus como "Filho" de Deus, eles não o julgavam letentor de uma natureza divina, mas apenas um homem sublime que Deus chamava de Filho" num sentido único.

d . A e x p r e s s ã o filioque. Ao lado do Credo de Nicéia, importa mencionar brevemente outro capítulo infeliz da história da igreja, a saber, a controvérsia sobre a inserção da expressão filioque no Credo de Nicéia, inserção que acabou gerando o cisma entre o cristianismo ocidental (católico romano) e o cristianismo oriental (composto hoje por várias ramificações dos ortodoxos orientais, como a Igreja Ortodoxa Grega, a Igreja Ortodoxa Russa, etc.) em 1054 d.C. Filioque é uma expressão latina que significa "e do Filho". N ã o foi incluída no Credo de Nicéia, nem na primeira versão de 325 d.C. nem na segunda, de 381 d.C. Essas versões diziam simplesmente que o Espírito Santo "procede do Pai". Mas em 589 d . C , num concilio regional da igreja em Toledo (região que hoje faz parte da Espanha), acrescentouse a frase "e do Filho"; assim, o credo então dizia que o Espírito Santo "procede do Pai e do Filho (filioque)". À luz de J o ã o 15.26 e 16.7, onde Jesus disse que enviaria o Espírito Santo ao mundo, aparentemente não poderia haver objeção a tal frase se significasse que o Espírito Santo procedeu do Pai e do Filho num momento determinado (especialmente no Pentecostes). Mas trata-se de uma afirmação sobre a natureza da Trindade, e interpretou-se que a expressão falava de uma relação eterna entre o Espírito Santo e o Filho, algo que as Escrituras jamais abordam explicitamente. " A forma do Credo de Nicéia que trazia essa expressão adicional gradualmente alcançou aceitação geral e recebeu endosso oficial em 1017 d.C. Toda a controvérsia complicou-se por conta da política eclesiástica e da luta pelo poder dentro da igreja, e essa questão doutrinária aparentemente bem insignificante tornou-se o pomo de discórdia no cisma entre o cristianismo oriental e o ocidental em 1054 d.C. (A questão política subjacente, p o r é m , era a relação da igreja oriental com a autoridade do papa.) A controvérsia doutrinária e o cisma que gerou os dois ramos do cristianismo não foram solucionadas até hoje. Será que há uma posição correta nessa questão? As evidências (por tênues que sejam) parecem nitidamente pender para o lado da igreja ocidental. Apesar de J o ã o 15.26 dizer que o Espírito da verdade "dele [do Pai] procede", isso não nega que proceda também do Filho (assim como J o ã o 14.26 diz que o Pai enviará o Espírito Santo, enquanto J o ã o 16.7 afirma que o Filho enviará o Espírito Santo). De fato, na mesma frase de J o ã o 15.26,

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Jesus fala que "eu vos enviarei [o Espírito Santo] da parte do Pai". E se o Filho conjuntamente com o Pai envia o Espírito ao mundo, por analogia parece apropriado dizer que isso espelha o ordenamento eterno das suas relações. N ã o é algo em que possamos insistir claramente com base em algum versículo específico", mas boa parte da nossa compreensão das relações eternas entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo vem por analogia daquilo que as Escrituras nos dizem sobre a forma como eles se relacionam no tempo com a criação. Além disso, a formulação oriental corre o perigo de sugerir uma distância desnatural entre o Filho e o Espírito Santo, abrindo espaço para a possibilidade de que mesmo numa adoração pessoal se desse ênfase a uma experiência mais mística e inspirada pelo Espírito, em detrimento de uma adoração conjunta racionalmente inteligível de Cristo como Senhor. Assim mesmo, a controvérsia tocava em última análise num ponto doutrinário tão obscuro (essencialmente, a relação entre o Filho e o Espírito antes da criação) que certamente não justificaria uma divisão dentro da igreja. . e. A importância da doutrina da Trindade. Por que a igreja tanto se ocupou da doutrina da Trindade? Será realmente essencial apegar-se à plena divindade do Filho e do Espírito Santo? Certamente sim, pois esse ensinamento traz implicações para o próprio cerne da fé cristã. Em primeiro lugar, está em jogo a expiação. Se Jesus é meramente u m ser criado, e não plenamente Deus, então é difícil compreender como ele, uma criatura, pôde suportar toda a ira de Deus contra todos os nossos pecados. Será que qualquer criatura, por maior que seja, poderia realmente nos salvar? Em segundo lugar, a justificação somente pela fé fica ameaçada se negamos a plena divindade do Filho. (Isso se percebe hoje no ensinamento das testemunhas-de-jeová, que não crêem na justificação somente pela fé.) Se Jesus não é plenamente Deus, temos todo o direito de duvidar de que ele de fato possa nos salvar totalmente. Será que realmente podemos confiar com fé absoluta em que uma criatura vá nos salvar? Em terceiro lugar, se Jesus não é o Deus infinito, será que devemos nos dirigir a ele em oração ou adorá-lo? Na verdade, se Jesus é meramente uma criatura, por maior que seja, seria idolatria adorá-lo - e no entanto o Novo Testamento nos ordena fazê-lo (Fp 2.9-11; A p 5.12-14). Em quarto lugar, se alguém prega que Cristo foi um ser criado e, mesmo assim, nos salvou, então esse ensinamento atribui erroneamente o mérito da salvação a uma criatura, e não ao próprio Deus. Mas isso conduz ao erro de exaltar a criatura e não o Criador, algo que as Escrituras jamais nos permitem fazer. Em quinto lugar, a independência e a natureza pessoal de Deus estão em jogo: se a Trindade não existe, então não houve relacionamentos interpessoais dentro do ser divino antes da criação, e, sem relacionamento pessoais, é difícil entender como Deus poderia ser genuinamente pessoal ou como não teria a necessidade da criação para com ela relacionar-se. Em sexto lugar, a unidade do universo está em jogo: se n ã o há pluralidade perfeita e unidade perfeita no p r ó p r i o Deus, então t a m b é m n ã o temos fundamento para pensar que possa existir alguma unidade última entre os diversos elementos do universo. Na doutrina da Trindade, o cerne da fé cristã está claramente em jogo. Herman Bavinck diz que "Atanásio compreendeu melhor do que qualquer dos seus contemporâneos que o cristianismo permanece de pé ou cai com a confissão da divindade de Cristo e da Trindade". Acrescenta ele: "Na confissão da Trindade pulsa o coração da religião cristã: todo erro resulta de uma visão distorcida dessa doutrina (ou depois de uma reflexão mais profunda pode ser atribuído a isso)".'*

3. O triteísmo nega que s ó existe um único Deus. Uma última forma possível de tentar uma harmonização fácil do ensino bíblico sobre a Trindade seria negar que só existe um único Deus. O resultado é dizer que Deus são três pessoas, e cada pessoa, plenamente Deus. Portanto, existem três Deuses. Tecnicamente, essa concepção se denominaria "triteísmo". Poucas pessoas ao longo da história da igreja defenderam tal concepção, que revela semelhanças com as muitas antigas religiões pagas que pregavam uma multiplicidade de deuses. Essa concepção gera confusão na mente dos crentes. N ã o haveria adoração, lealdade nem devoção absolutas a um único Deus verdadeiro. Estaríamos sempre nos perguntando a que Deus devemos prestar verdadeira lealdade. E, num plano mais profundo, tal concepção destruiria todo senso de unidade última no universo: até no próprio ser de Deus haveria pluralidade sem nenhuma unidade. Embora nenhum grupo moderno defenda o triteísmo, talvez muitos evangélicos de hoje, impensadamente, se inclinem a concepções triteístas da Trindade, reconhecendo as pessoas distintas do Pai, do Filho e do Espírito Santo, mas raramente com consciência da unidade de Deus como um ser indiviso.

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D . QUAIS AS DISTINÇÕES ENTRE O PAI, O FILHO E O ESPÍRITO SANTO? Depois de concluir essa análise dos erros a respeito da Trindade, podemos agora perguntar se há algo mais a dizer sobre as distinções entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Se dizemos que cada membro da Trindade é plenamente Deus, e que cada pessoa participa plenamente de todos os atributos divinos, então será que h á afinal alguma diferença entre as pessoas? N ã o podemos dizer, por exemplo, que o Pai é mais poderoso ou mais sábio do que o Filho, ou que o Pai e o Filho são mais sábios do que o Espírito Santo, ou que o Pai já existia antes do Filho e do Espírito Santo, pois dizer qualquer coisa desse tipo seria negar a plena divindade dos três membros da Trindade. Mas então quais são as distinções entre as pessoas? 1. As pessoas da Trindade t ê m funções primordiais diferentes em relação ao mundo. Quando as Escrituras abordam o modo como Deus se relaciona com o mundo, tanto na criação quanto na redenção, afirmam que as pessoas da Trindade têm (unCflei ou atividades primordiais diferentes. Isso j á foi chamado de "economia da Trindade", sendo o termo economia usado no sentido obsoleto de "ordenamento de idudi (Nesse sentido, as pessoas costumavam falar da "economia de uma casa" ou "e< onomia doméstica", significando n ã o apenas as questões financeiras da família, Itiai iÒÓO >< "ordenamento de atividades" da casa.) A "economia da Trindade" trata das diferentes formas como as três pessoas agem no seu relacionamento com o mundo e (como veienu >\ na próxima seção) umas com as outras por toda a eternidade. Percebemos essas funções diferentes na obrada criação. Deus Pai proferiu as pala\ ias criadoras para gerar o universo. Mas foi Deus Filho, a eterna Pahi\ i i de I >eus, quem executou os decretos da criação. "Todas as coisas foram feitas poi intermédio dele, e, sem ele, nadado que foi feito se fez" (Jo 1.3). Além disso, "nele, foram < i iadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele « para ele" (Cl 1.16; ver


(14) A Doutrina de Deus

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também Sl 33.(5, 9; ICo 8.6; H b 1.2). O Espírito Santo também estava ativo, de um modo diferente, pois "pairava" ou "movia-se" por sobre a superfície das águas (Gn 1.2), aparentemente sustentando e manifestando a presença imediata de Deus na sua criação (cf. Sl 33.6, onde o termo traduzido por "sopro" devesse talvez ser vertido como "Espírito"- ver também Sl 139.7). Na obra da redenção também há funções distintas. Deus Pai planejou, a redenção e enviou seu Filho ao mundo (Jo 3.16; G l 4.4; Ef 1.9-10). O Filho obedeceu ao Pai e realizou a redenção para nós (Jo 6.38; H b 10.5-7; et al.). Deus Pai não veio morrer pelos nossos pecados, nem o Espírito Santo de Deus. Isso foi obra específica do Filho. Então, tendo Jesus ascendido de volta aos céus, o Espírito Santo foi enviado pelo Pai e pelo Filho para realizar em nós a redenção. Jesus fala do "Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome" (Jo 14.26), mas também diz que ele mesmo enviará o Espírito Santo, pois afirma - "Se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei" (Jo 16.7) - e fala de um tempo quando virá "o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade" (Jo 15.26). É papel especialmente do Espírito Santo dar-nos regeneração ou nova vida espiritual (Jo 3.5-8), santificar-nos (Rm 8.13; 15.16; lPe 1.2) e fortalecer-nos para o serviço (At 1.8; ICo 12.7-11). Em geral, a obra do Espírito Santo é aparentemente levar a cabo a obra planejada por Deus Pai e iniciada por Deus Filho. (Ver capítulo 30, sobre a obra do Espírito Santo.)

Segundo, antes de o Filho vir à terra, e mesmo antes que o mundo fosse criado, por toda a eternidade o Pai foi o Pai, o Filho foi o Filho e o Espírito Santo foi o Espírito Santo. Essas relações são eternas, e não algo que ocorreu somente no tempo. Podemos deduzir Isso primeiramente da imutabilidade de Deus (ver capítulo 11): se Deus existe hoje como Pai, Filho e Espírito Santo, então ele sempre existiu como Pai, Filho e Espírito Santo. Podemos t a m b é m concluir que as relações são eternas com base noutros versículos bíblicos que falam dos relacionamentos que os membros da Trindade tinham uns com os outros antes da criação do mundo. Por exemplo, quando as Escrituras falam da obra divina da eleição (ver capítulo 32) antes da criação do mundo, abordam o fato de o Pai nos ter escolhido "nele", o Filho: "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo [... que) nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele" (Ef 1.3-4). O ato iniciatório de escolher é atribuído a Deus Pai, que nos considerou unidos a Cristo ou "em Cristo" antes sequer que existíssemos. Da mesma forma, diz-se de Deus Pai que "aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho" (Rm 8.29). T a m b é m lemos sobre a "presciência de Deus Pai", como função distinta daquelas dos outros dois membros da Trindade (lPe 1.2; cf. 1.20). Mesmo o fato de que o Pai "deu o seu Filho unigênito" (Jo 3.16) e "enviou o seu Filho ao mundo" (Jo 3.17) indica que já havia uma relação Pai-Filho antes de Cristo vir ao mundo. O Filho não se tornou o Filho quando o Pai o enviou ao mundo. Antes, o grande amor de Deus se revela no fato de que aquele que sempre foi Pai deu aquele que sempre foi seu Filho unigênito: "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito..." (Jo 3.16). "Vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho" (Gl 4.4).

Assim podemos dizer que o papel do Pai na criação e na redenção foi planejar, dirigir e enviar o Filho e o Espírito Santo. Isso não é de admirar, pois mostra que o Pai e o Filho se relacionam um com o outro como pai e filho numa família humana: o pai dirige e tem autoridade sobre o filho, e o filho obedece e é submisso às ordens do pai. O Espírito Santo é obediente às ordens tanto do Pai quanto do Filho. Portanto, embora as pessoas da Trindade sejam iguais em todos os seus atributos, assim mesmo diferem nas suas relações com a criação. O Filho e o Espírito Santo são iguais em divindade a Deus Pai, mas são a ele subordinados nos seus papéis. Além do mais, essas diferenças de papéis n ã o são temporárias, mas durarão para sempre: Paulo nos diz que mesmo depois do juízo final, quando o "último inimigo", ou seja, a morte, for destruído, e quando todas as coisas estiverem sob os pés de Cristo, "então, o próprio Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos" (ICo 15.28). »

2 . As pessoas da Trindade existem eternamente como o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Mas por que as pessoas da Trindade assumem esses diferentes papéis na sua relação com a criação? Foi algo acidental ou arbitrário? Será que Deus Pai poderia ter vindo morrer pelos nossos pecados em lugar de Deus Filho? Será que o Espírito Santo poderia ter enviado Deus Pai para morrer pelos nossos pecados, e depois enviar Deus Filho para realizar em nós a redenção? Não, não parece possível que essas coisas pudessem ocorrer, pois o papel de comandar, dirigir e enviar é apropriado à posição do Pai, segundo a qual se molda toda paternidade humana (Ef 3.14-15). E o papel de obedecer, partindo quando o Pai o envia e revelando Deus a nós, é apropriado ao papel do Filho, que é chamado Verbo de Deus (cf.Jo 1.1-5, 14, 18; 17.4; Fp 2.5-11). Esses papéis não poderiam ter sido trocados, senão o Pai deixaria de ser o Pai, e o Filho deixaria de ser o Filho. E, por analogia com essa relação, podemos concluir que o papel do Espírito Santo é igualmente apropriado à relação que eleja tinha com o Pai e o Filho antes que o mundo fosse criado. 184

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Quando as Escrituras falam da criação, novamente falam que o Pai criou por intermédio do Filho, indicando uma relação anterior ao princípio da criação (verjo 1.3; ICo 8.6; H b 1.2; t a m b é m Pv 8.22-31). Mas em lugar nenhum se diz que o Filho ou o Espírito Santo criou por intermédio do Pai. Essas passagens implicam, novamente, que j á havia um.i relação do Pai (como originador) com o Filho (como agente) antes da criação, e que essa relação possibilitou que as diferentes pessoas da Trindade cumprissem os papéis que de fato vieram a cumprir. Portanto, as diferentes funções que vemos o Pai, o Filho e o Espírito Santo desnn penharem são simplesmente ações exteriores de uma relação eterna entre as tri j relação essa que sempre existiu e existirá por toda a eternidade. Deus sempi c exilÜU Como três pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Essas distinções são essen< lall àpróprln natureza de Deus e não poderiam ser diferentes. Por fim, pode-se dizer que não existem diferenças em divindade, atributos i IU natureza essencial entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Cada pessoa é pleniunentt l tem todos os atributos de Deus. As únicas distinções entre os membros da Tmid.hl, < Uâo nas /<niit<i\ como se relacionam uns com os outros e com o restante da criação. Nes • 11 laioes efes desempenham papéis apropriados a cada pessoa. Essa verdade sobre a Trindade j á foi resumida na frase: "igualdade mitológica mas subordinação econômica", em que a palavra ontológica signifli i Kl I < >utro modo de explicar a mesma coisa de maneira mais simples seria dUl I l| liais no ser mas subordinados nos papéis". As duas partes dessa frase são ne<« min i ver. ladeira doutrina da Trindade: se não há igualdade ontológica, nem Iodas as pessoas ião plenamente Deus.


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Mas se n a u ha subordinação e c o n ô m i c a , então não existe diferença inerente no modo como as três pessoas se relacionam umas com as outras, e conseqüentemente não temos as três pessoas distintas que existem como Pai, Filho e Espírito Santo por toda a eternidade. Por exemplo, se o Filho n ã o está eternamente subordinado ao Pai no seu papel, então o Pai n ã o é eternamente "Pai", nem o Filho eternamente "Filho". Isso significaria que a Trindade não existe desde a eternidade. E por isso que a idéia de igualdade eterna no ser, mas subordinação nos papéis, é essencial à doutrina da Trindade na igreja desde que foi formulada pela primeira vez no Credo de Nicéia, que dizia que o Filho foi "gerado do Pai antes de todas as eras" e que o Espírito Santo "procede do Pai e do Filho". Surpreendentemente, alguns textos evangélicos recentes negaram a s u b o r d i n a ç ã o eterna dos papéis dos membros da Trindade, ? conceito que nitidamente tem feito parte da doutrina da Trindade na igreja (nas expressões católicas, protestantes e ortodoxas), pelo menos desde Nicéia (325 d.C). Assim diz Charles Hodge:

Antes, devemos necessariamente dizer que a pessoa do Pai possui em si todo o ser de Deus. Do mesmo modo, o Filho possui em si todo o ser de Deus, e o Espírito Santo também possui em si todo o ser divino. Quando falamos conjuntamente do Pai, do Filho e do Espírito Santo, não estamos falando de u m ser maior do que quando falamos somente do Pai, ou somente do Filho, ou somente do Espírito Santo. O Pai é todo o ser divino. O Filho é também todo o ser divino. E o Espírito Santo é todo o ser divino.

/ p I F \

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A doutrina nicena abarca: (1) o princípio da subordinação do Filho ao Pai, e do Espírito ao Pai e ao Filho. Mas essa subordinação não implica inferioridade [...] A subordinação sugerida só diz respeito àquilo que concerne ao modo de subsistência e ação... Os credos nada mais são do que uma disposição bem-ordenada dos fatos bíblicos que dizem respeito à doutrina da Trindade. Confirmam as personalidades distintas do Pai, do Filho e do Espírito [...] e sua conseqüente igualdade perfeita, e a subordinação do Filho ao Pai, e do Espírito ao Pai e ao Filho, no tocante ao modo de subsistência e ação. Trata-se de fatos bíblicos, aos quais os credos em questão nada acrescentam; e é nesse sentido que foram aceitos pela igreja universal? 6

Da mesma forma, diz A. H . Strong: Pai, Filho e Espírito Santo, embora iguais em essência e dignidade, acham-se um em relação ao outro ordenados em termos de personalidade, função e ação... A subordinação da pessoa do Filho à pessoa do Pai ou, em outras palavras, uma ordem de personalidade, função e ação que permite ao Pai ser funcionalmente o primeiro, o Filho, o segundo, e o Espírito, o terceiro, é perfeitamente coerente com a igualdade. Prioridade não é necessariamente superioridade. [...] Reconhecemos francamente uma subordinação eterna de Cristo ao Pai, mas defendemos ao mesmo tempo que essa subordinação é de ordem, função e ação, não subordinação de essência.

O SER DIVINO NÃO ESTÁ DIVIDIDO EM TRÊS PARTES IGUAIS PERTENCENTES AOS TRÊS MEMBROS DA TRINDADE Figura 14.1 É isso o que o Credo de Atanásio afirmava nas seguintes frases: E a Fé Católica é esta: que adoramos um só Deus em Trindade, e Trindade em Unidade; sem confundir as Pessoas nem dividir a Substância [Essência]. Pois existe a Pessoa do Pai; outra do Filho; e outra do Espírito Santo. Mas a Divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo é uma só; igual é a Glória, a Majestade coetema. Assim como o Pai, é o Filho; e também assim o Espírito Santo. [...] Pois assim como nos vemos subjugados pela verdade cristã, reconhecendo cada Pessoa por si como Deus e Senhor, também estamos proibidos pela Religião Católica de dizer: existem três Deuses, ou três Senhores. Mas se cada pessoa é plenamente Deus e tem todo o ser divino, então tampouco devemos pensar que as distinções pessoais são alguma espécie de atributos acrescentados ao ser divino, algo segundo o modelo da figura 14.2. Em vez disso, cada pessoa da Trindade tem todos os atributos de Deus, e nenhuma das pessoas tem algum atributo que não seja também possuído pelas outras.

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3. Qual a relação entre as três pessoas e o ser de Deus? Após a análise acima, permanece sem resposta ainda a seguinte pergunta: qual a diferença entre "pessoa" e "ser" nessa análise? Como podemos dizer que Deus é u m ser indiviso, mas que nesse ser coexistem três pessoas? Primeiro, é importante afirmar que cada pessoa é completa e plenamente Deus; ou seja, que cada pessoa tem em si a absoluta plenitude do ser divino. O Filho n ã o é parcialmente Deus, ou só u m terço Deus, mas completa e plenamente Deus, o mesmo valendo para o Pai e o Espírito Santo. Assim, não seria correto conceber a Trindade como na figura 14.1, em que cada pessoa representa apenas u m terço do ser divino. 186

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i í & t t ^ n i b táraq B ohèiori obbm>2 ms aí-obn^vom olu o n J ^ ^ ^ B p r i AS DISTINÇÕES PESSOAIS NA TRINDADE NÀOS\( I UJOO ACRESCENTADO AO VERDADEIRO SER DIVINí) Figura 14.2 (

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Por outro lado, precisamos dizer que as pessoas são reais, que n ã o são apenas modos diferentes de enxergar o ser único de Deus. (Isso seria modalismo ou sabelianismo, como já vimos acima.) Assim, a figura 14.3 não seria adequada. Antes, precisamos conceber a Trindade de forma tal que a realidade das três pessoas se conserve: cada pessoa se relaciona com as outras como um "eu" (primeira pessoa), um "você" (segunda pessoa) e um "ele" (terceira pessoa). Aparentemente, a única maneira de fazê-lo é dizer que a distinção entre as pessoas não é uma diferença no "ser", mas sim uma diferença de "relações". Trata-se de algo bem distante da nossa experiência humana, na qual cada "pessoa" distinta é também um ser distinto. De algum modo o ser divino é tão maior que o nosso que dentro do seu ser único e indiviso pode haver um desdobramento em relações interpessoais, de forma tal que existam três pessoas distintas.

requer que se enxergue o círculo de mais de um modo para compreende Io: as linhas pontilhadas devem ser interpretadas como representações de relações pessoais, e nfto de divisões dentro do ser único de Deus. Assim, o círculo em si representa o ser d i \ Ino, enquanto as linhas pontilhadas representam uma forma de existência pessoal, e não uma diferença no ser divino. Mas a figura pode assim mesmo ajudar a evitar equívocos. Nossas próprias personalidades humanas proporcionam outra débil analogia, que nos pode ser útil na reflexão sobre a Trindade. O homem pode pensar em objetos diferentes fora de si mesmo, e quando o faz ele é o sujeito que executa o ato de pensar. Também

Quais são e n t ã o as diferenças entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo? N ã o h á absolutamente nenhuma diferença de atributos. A única diferença entre eles é o modo HÁ TRÊS PESSOAS DISTINTAS, E O SER DE CADA PESSOA É IGUAL AO SER INTEGRAL DE DEUS Figura 14.4 pode pensar em si mesmo, e então ele é o sujeito em quem se pensa: nesse caso é ao mesmo tempo sujeito e objeto. Além disso, ele pode refletir sobre as suas idéias sobre si mesmo como uma terceira coisa, nem sujeito nem objeto, mas pensamentos que ele, como sujeito, tem sobre si mesmo como objeto. Quando isso acontece, o sujeito, o objeto e os pensamentos são três coisas distintas. Porém, cada coisa de certo modo inclui todo o seu ser: todo o homem é sujeito, todo o homem é objeto, e os pensamentos (embora num sentido inferior) são pensamentos sobre a totalidade do homem como pessoa. Mas se o desdobramento da personalidade humana permite essa e s p é c i e de complexidade, então o desdobramento da personalidade divina implicará complexidade bem maior do que essa. Dentro do ser único de Deus, o "desdobramento" da personalidade traz a existência de três pessoas distintas, embora cada pessoa ainda assim contenha em si a totalidade do ser divino. A diferença de pessoas é necessariamente uma diferença de relações, e não de ser, e entretanto cada pessoa de fato existe. Essa forma tripessoal de ser ultrapassa sobremaneira a nossa capacidade de c o m p r e e n s ã o . E uma espécie de existência bem diferente de qualquer coisa que já tenhamos vivenciado, bem diferente de qualquer outra coisa do universo. Como a existência de três pessoas num único Deus é algo que está além da nossa compreensão, a teologia cristã passou a usar a palavra pessoa para falar dessas diferenças de relações, n ã o porque compreendamos plenamente o significado da palavra pessoa quando esta se refere à Trindade, mas para que possamos dizer algo em vez de não dizer absolutamente nada. 39

AS PESSOAS DA TRINDADE NÀO SÀO APENAS TRÊS DIFERENTES MODOS DE ENXERGAR O SER ÚNICO DE DEUS Figura 14.3 orno se relacionam uns com os outros e com a criação. A qualidade singular do Pai é o nodo como ele se relaciona como Pai com o Filho e com o Espírito Santo/A qualidade ingular do Filho é o modo como ele se relaciona como Filho. E a qualidade singular do espírito Santo é o modo como ele se relaciona como Espírito? Embora essas três figuras apresentadas acima representem idéias equivocadas, que 2 devem evitar, a figura abaixo pode ser útil na reflexão sobre a existência de três pessoas o ser único e indiviso de Deus. 8

Nesse diagrama, o Pai é representado na seção do círculo designada pela letra P, e imbém no restante do círculo, movendo-se em sentido horário a partir de P; o Filho é ipresentado na seção do círculo designada pela letra F, e também no restante do círculo, tovendo-se em sentido horário a partir de F; e o Espírito Santo é representado na seção • círculo assinalada com ES, e também no restante do círculo, movendo-se em sentido Drário a partir de ES. Assim, h á três pessoas distintas, mas cada pessoa é plena e )mpletamente Deus. E claro que a r e p r e s e n t a ç ã o é imperfeita, pois n ã o retrata a finitude divina nem sua pessoalidade, nem mesmo nenhum dos seus atributos. Também 188

4. Será que podemos compreender a doutrina da Trindade? Os erros cometidos no passado devem-nos servir de alerta. Todos eles surgiram de tentativas de simplificar a doutrina da Trindade para torná-la completamente inteligível, removendo dela todo o mistério. Isso jamais podemos fazer. Porém, n ã o é correto dizer que n ã o podemos compreender nada da doutrina da Trindade. Certamente podemos compreender e saber 189


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que Deus é três pessoas, e que cada pessoa é plenamente Deus, e que só há um Deus. Podemos saber essas coisas porque a Bíblia as ensina. Além disso, podemos saber algumas t oisas a< erca do modo como as pessoas se relacionam umas com as outras 'ver a seção acima). Mas o que n ã o podemos compreender plenamente é como encaixar esses diferentes ensinamentos bíblicos. Perguntamo-nos como pode haver três pessoas distintas, como cada pessoa pode conter em si a totalidade do ser divino, e como, apesar, disso, Deus é um ser único e indiviso. Isso n ã o somos capazes de compreender. De fato, nos é espiritualmente saudável reconhecer abertamente que o ser divino em si é tão imenso que jamais poderemos vir a compreendê-lo. Isso nos humilha diante de Deus e leva-nos a adorá-lo sem reservas.

e mulher, também percebemos um retrato da relação entre o Pai e o Filho na lilndtuli Dl Paulo: "Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo homem, e o homem () cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo" (ICo 11.3). Aqui, assim como o I ' autoridade sobre o Filho na Trindade, também o marido tem autoridade sobre ;i inulhi i no casamento. O papel do marido é análogo ao de Deus Pai, e o papel da mulher é análi .10 de Deus Filho. Além disso, assim como o Pai e o Filho são iguais em divindade, em importância e em pessoalidade, também o marido e a mulher são iguais em humanidade, em importância e em pessoalidade. E, embora isso não esteja explicitamente mencionado nas Escrituras, a dádiva dos filhos no casamento, procedentes do pai e da m ã e , e sujeitos à autoridade tanto do pai como da mãe, é análoga à relação do Espírito Santo com o Pai e

Mas também é preciso dizer que as Escrituras não nos pedem que creiamos numa contradição. Contradição seria dizer: "só existe um único Deus e não existe um único Deus" ou "Deus é três pessoas e Deus n ã o é três pessoas" ou mesmo (semelhante à afirmação precedente) "Deus é três pessoas e Deus é uma pessoa". Mas dizer que "Deus é três pessoas e só h á um Deus" n ã o é c o n t r a d i ç ã o . E algo que n ã o conseguimos compreender e, portanto, um mistério ou paradoxo, mas que não nos deve perturbar, pois os diferentes aspectos do mistério são claramente ensinados nas Escrituras; e, como somos criaturas finitas e n ã o a divindade onisciente, sempre haverá (por toda a eternidade) coisas que não compreenderemos por completo. Diz Louis Berkhof, sabiamente:

com o Filho na Trindade. Mas a família humana n ã o é a única maneira na qual Deus ordenou que houvesse diversidade e unidade no mundo, combinação essa que refletisse algo da sua própria excelência. Na igreja temos "muitos" membros mas "um só corpo" ( I C o 12.12). Paulo, ponderando a grande diversidade entre os membros do corpo humano ( I C o 12.14-26), diz que a igreja é também assim: temos muitos membros diferentes nas nossas igrejas, com dons e interesses diferentes, e dependemos uns dos outros e nos auxiliamos uns aos outros, revelando portanto grande diversidade e grande unidade ao mesmo tempo. Quando vemos pessoas diferentes fazendo muitas coisas diferentes dentro de uma igreja, devemos agradecer a Deus o fato de conceder-nos glorificá-lo, espelhando algo da unidade e da diversidade da Trindade. Devemos também reparar que o desígnio divino na história do universo foi muitas vezes exibir unidade na diversidade, e assim revelar a sua glória. Percebemos isso não somente na diversidade de dons dentro da igreja (ICo 12.12-26), mas também na unidade de judeus e genüos, de modo que todas as raças, por diversas que sejam, unem-se em Cristo (Ef 2.16; 3.8-10; ver também A p 7.9). Paulo maravilha-se diante do fato de os planos divinos para a história da redenção serem como uma grande sinfonia, na qual a sabedoria divina se mostra insondável (Rm 11.33-36). Mesmo na misteriosa unidade entre Cristo e a igreja, na qual somos chamados de noiva de Cristo (Ef 5.31-32), temos uma unidade que ultrapassa qualquer coisa que jamais imaginemos, unidade com o próprio Filho de Deus. Contudo, em tudo isso nunca perdemos a nossa identidade, mas permanecemos pessoas distintas, sempre capazes de adorar e servir a Deus como indivíduos. No final todo o universo participará dessa unidade de propósito, com cada parte distinta contribuindo para o culto de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, para que um dia, diante do nome de Jesus, todo joelho se dobre "nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai" (Fp 2.10-11). Num plano mais corriqueiro, em muitas coisas que fazemos (no trabalho, em organizações sociais, em shows de música e em equipes esportivas, por exemplo) muitas pessoas diferentes contribuem para uma unidade de propósito ou atividade. Assim como vemos nessas atividades u m reflexo da sabedoria de Deus ao nos conceder a unidade e"a diversidade, podemos ver também um débil reflexo da glória de Deus na sua existência trinitária. Embora jamais venhamos a compreender plenamente o mistério da Trindade, podemos adorar a Deus pelo que ele e, tanto nos nossos cânticos de louvor quanto nas nossas palavras e atos, pois refletem algo da excelência do caráter divino.

A Trindade é um mistério [...] o homem não pode compreendê-la nem torná-la inteligível. E inteligível em algumas das suas relações e modos de manifestação, mas ininteligível na sua natureza essencial. [...] A verdadeira dificuldade reside na relação que as pessoas da Divindade têm com a essência divina e umas com as outras; e essa é uma dificuldade que a igreja não pode dirimir, mas tenta apenas reduzir às suas devidas proporções pela definição correta dos termos. Ela jamais tentou explicar o mistério da Trindade, mas só buscou formular a doutrina da Trindade de maneira tal que os erros que a ameaçavam fossem afastados. 4

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Berkhof t a m b é m diz: "É especialmente quando ponderamos a relação das três pessoas com a essência divina que todas as analogias desmoronam, e ficamos profundamente :onscientes do fato de que a Trindade é um mistério que ultrapassa sobrerftodo a nossa :ompreensão. E a incompreensível glória da Divindade". 41

E . APLICAÇÃO Como Deus em si mesmo contém tanto a unidade quanto a diversidade, não é de dmirar que unidade e diversidade t a m b é m se reflitam nas relações humanas que ele rmou. Percebemos isso inicialmente no casamento. Quando Deus criou o homem à sua rópria imagem, n ã o criou meros indivíduos isolados, mas diz-nos a Bíblia: "homem e mlher os criou" (Gn 1.27). E na unidade do casamento (ver Gn 2.24) percebemos n ã o ma triunidade como em Deus, mas pelo menos uma notável unidade de duas pessoas, sssoas que permanecem indivíduos distintos, porém se tornam um só em corpo, mente espírito (cf. ICo 6.16-20; Ef 5.31). De fato, no relacionamento matrimonial entre homem

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(14) A Doutrina de Deus NOTAS 1. Alexandre, o Grande (em 152 a.C), e o rei Demétrio (cerca de 145 a.C.) referem-se a si mesmos dessa forma, por exemplo, na Septuaginta, IMac 10.19 e 11.31, mas isso no grego, não no hebraico, e num texto escrito bem depois de Gênesis 1. 2. Ver E. Kautzsch, ed., Gesenius'Hebrew Grammar, 2.a ed. (Oxford: Clarendon Press, 1910), seção 124g, n. 2, com referência à sugestão do plural majestático: "O plural usado por Deus em Gênesis 1.26, 11.7 e Isaías 6.8 tem sido incorretamente explicado desse modo". Eles interpretam Gn 1.26 como "plural de autodeterminação". Minha própria pesquisa extensa da interpretação judaica posterior no Talmude Babilônico, nos targuns e no midraxe mostrou somente que os intérpretes rabínicos posteriores foram incapazes de chegar a um acordo com respeito a uma interpretação satisfatória dessa passagem, embora as hipóteses do "plural majestático" e de "Deus estar falando com os anjos" sejam comumente sugeridas. 3. "O plural "nós" era considerado pelos pais e pelos primeiros teólogos, de forma quase unânime, como indicação da Trindade" [Keil e Delitzsch, Old Testament Commentaries (Grand Rapids: Associated Publishers and Authors, s.d.J, 1:48, com objeções a outras opiniões e uma afirmação de que Gn 1.26 contém "a verdade que jaz no fundamento do conceito trinitário"). 4. A RSV traduz assim Sl 45.6: "O teu trono divino dura para todo o sempre", mas trata-se de uma tradução bastante improvável, pois exige a interpretação do substantivo hebraico que exprime "trono" no estado construto, algo extremamente incomum quando o substantivo tem um sufixo pronominal, como é o caso desse. Só se adotaria a tradução da RSV em virtude de uma suposição teológica (de que um salmista do Antigo Testamento não poderia predizer um rei messiânico plenamente divino), mas não com base lingüística nem gramatical. As versões KJV, NIV e NASB dão o versículo no seu sentido claro e direto, como o fazem as antigas traduções e Hb 1.8. Derek Kidner, Salmos 1-72, Introdução e Comentário (São Paulo: Edições Vida Nova, 1980), p. 193, diz que esse versículo é "um exemplo da linguagem do Antigo Testamento que irrompe as suas barreiras, para exigir um cumprimento mais do que humano" e que esse "paradoxo é consistente com a encarnação, mas sem explicação em qualquer outro contexto". Embora alguns reis antigos, como os faraós egípcios, fossem às vezes chamados "deuses", isso fazia parte da falsidade associada à idolatria paga e não deve ser confundido com o salmo 45, que é parte das Escrituras è, portanto, verdadeiro. A tradução sugerida de Hb 1.8 na nota marginal da RSV, "Deus é o teu trono para todo o sempre", embora gramaticalmente possível, é de todo incompatível com o pensamento do Antigo e do Novo Testamento: o Deus poderoso que tudo criou e que rege soberano sobre o universo jamais seria meramente "trono" para outrem. A própria idéia desonra a Deus e certamente não deve ser considerada como possível tradução correta. 5. Essa tradução de Is 48.16 reproduz com precisão tanto o sentido literal das palavras hebraicas quanto a ordem vocabular no texto hebraico. 6. A tradução da IBB, "juntamente com o seu Espírito", não é exigida pelo texto hebraico e tende a obscurecer as idéias paralelas de o Senhor estar enviando "a mim" e "o seu Espírito". A locução juntamente com é a interpretação que os tradutores dão à conjunção hebraica w , que normalmente significa apenas "e". A palavra hebraica que normalmente exprime "com" Çim) não aparece no texto. 7. Em resposta a esses argumentos, é possível argumentar que há personificações igualmente detalhadas da sabedoria em Pv 8.1-12 e 9.1-6, e da loucura em Pv 9.13-18, mas nenhum intérprete as considera pessoas de verdade. Portanto, Pv 8.22-31 também não representa uma pessoa de verdade. Esse argumento me parece convincente, mas incluí o parágrafo seguinte porque uma longa linhagem de intérpretes considera que Pv 8.22-31 se refere a Deus Filho. e

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K. A confusão que cerca a tradução do versículo parece ter sido provocada pela Ull OIBUIII ução da Septuaginta, que usou ktizõ ("criar") e não a tradução normal, ktaonmi ("obtci. loiuai »se de"), para verter o termo hebraico nesse versículo. Qãnãh ocorre oitenta e quatro vcze» Antigo Testamento hebraico e é traduzido mais de setenta vezes como ktaomai, mas soincnir s vezes como ktizõ (Gn 14.19; Pv 8.22; Jr 39(32). 15, todas elas traduções questionáveis). As tias traduções gregas do Antigo Testamento, de Áquila, Símaco e Teodociano, dão ktaomai > Pv 8.22. 9. A seguinte seção sobre a personalidade distinta do Espírito Santo segue de perto o •xcelente material de Louis Berkhof, Systematic Theology, p. 96 (publicado no Brasil por Luz para 0 Caminho, sob o título Teologia Sistemática). 10. Gramaticalmente, tanto "o Espírito" {to pneuma) quanto "o Senhor" {ho kyrios) estão no jcuso nominativo, que é o caso assumido tanto pelo sujeito quanto pelo substantivo predicativo numa oração com o verbo "ser". E a ordem das palavras não assinala o sujeito no grego como nu português. O artigo definido {ho, "o") antes de "Senhor" é aqui provavelmente anafórico (ou •ria, refere-se à menção anterior de "Senhor" no v. 16 e diz que o Espírito é "o Senhor" mencionado pouco antes na frase anterior). (Ver Murray Harris, "2 Corinthians", em EBC 10:338-39.) 11. Outra interpretação possível é dizer que a passagem considera as funções de Cristo e do Espírito Santo tão intimamente associadas na era do Novo Testamento que seu propósito pode ser tido como um só. O versículo significaria então algo como: "O Senhor Jesus nesta era é visto e conhecido por meio da atividade do Espírito Santo, pois a função do Espírito Santo é glorificar a Cristo". Mas essa é uma interpretação menos convincente, pois parece improvável que Paulo falasse de uma identidade de função de modo tão obscuro, ou mesmo que Paulo quisesse dizer que a obra de Cristo é idêntica à a obra do Espírito. 12. Essa regra (chamada "regra de Colwell) é apresentada já no capítulo 6 de uma gramática introdutória modelar do grego: ver John Wenham, The Elements ofNew Testament Greek (Cambridge: Cambridge University Press, 1965), p. 35; também BDF, 273. A regra reza simplesmente que em orações em que aparece o verbo de ligação "ser" (como o gr. eimi), o substantivo predicativo definido geralmente dispensa,*) artigo definido quando precede o verbo, mas o sujeito da oração, se definido, retém o artigo definido. Portanto, se João quisesse dizer "O Verbo era Deus", faria exatamente como emjo 1.1. (Estudos gramaticais recentes confirmaram e até fortaleceram a regra original de Colwell: ver Lane C. McGaughy, Toward a Descriptive Aiialysis ofEINAI as a Linking Verb in the New Testament [SBLDS 6; Missoula, Mont.: SBL, 1972], esp. p. 49-53, 73-77; e a importante resenha desse livro por E. V. N. Goetchius emJBL95 [1976]: 147-49.) É claro que, se João quisesse dizer: "O Verbo era um deus" (com um predicado indefinido, "um deus"), a frase também teria sido escrita dessa forma, pois nem haveria artigo definido que dispensar. Mas se fosse esse o caso, seria necessário que algumas pistas no contexto revelassem que João usava a palavra theos para falar de um ser celestial que não era plenamente divino. Então a pergunta é: de que tipo de Deus (ou "deus") João fala aqui? Falaria talvez do Deus verdadeiro e único que criou os céus e a terra? Nesse caso, theos era definido e perdeu o artigo definido para mostrar que funcionava como predicado. Ou falaria de algum outro tipo de ser celestial ("um deus") que não é o Deus único e verdadeiro? Nesse caso, theos era indefinido e jamais teve um artigo definido. O contexto, porém, decide claramente a questão. Em face das outras ocorrências da palavra theos, que nos v. 1, 2, 6, 12, 13 et al. significam sempre "Deus", e em vista das palavras iniciais que lembram Gn 1.1 ("No princípio"), fica claro que João fala do Deus único e verdadeiro que criou os céus e a terra. Isso significa que theos, no v. 2, deve ser interpretado como referência também ao mesmo Deus. 193


(14) A Doutrina de Deus 13. O argumento se encontra num ataque detalhado e razoavelmente extenso à doutrina da IHndadei Should You Believe in the Trinity?(anônimo; Brooklyn, N.Y.: Watchtower Bible and Tract St» lety, 1989 (publicado no Brasil pela Sociedade Torre de Vigia sob o título Deve-se Crer na Ihndadi?]). Esse grupo aparentemente considera o livre.te como uma importante declaração da sua posição, pois a página 2 traz: "Primeira edição em inglês: 5 000 000 exemplares". O livrete I -i imeiro apresenta o argumento tradicional de que emjo 1.1 theos deve ser traduzido como "um deus", por causa da ausência do artigo definido (p. 27). Mas adiante reconhece que a regra de Colwell é relevante parajo 1.1 (p. 28) e ali admite que o contexto, e não a ausência do artigo definido, é que determina se devemos traduzir como "o Verbo era Deus" (definido) ou "o Verbo era um deus" (indefinido). Depois o argumento continua assim: "... quando o contexto o exige, os tradutores podem inserir um artigo indefinido diante do substantivo nesse tipo de estrutura oracional. Mas será que o contexto exige um artigo indefinido emjo 1.1? Sim, pelo testemunho de toda a Bíblia de que Jesus não é o Deus Todo-Poderoso" (p. 28). Cabe-nos destacar cuidadosamente a fragilidade do argumento: eles admitem que o contexto é decisivo, mas não citam nem sequer fragmento de prova do contexto dejo 1.1. Antes, simplesmente reafirmam sua conclusão sobre "toda a Bíblia". Se admitem que o contexto é decisivo, mas nada conseguem encontrar nesse contexto que sustente a sua opinião, então simplesmente ficam sem argumento. Portanto, tendo reconhecido a regra de Colwell, ainda assim sustentam sua opinião sobre Jo 1.1, mas sem nenhuma prova. Sustentar uma opinião sem evidência que a comprove é simplesmente irracional. O livrete como um todo tem um verniz de obra acadêmica para leigos, pois cita dezenas de teólogos e livros de referência acadêmicos (sempre sem a documentação adequada). Todavia, muitas citações são apresentadas fora do contexto e torcidas para afirmar algo que os autores jamais pretende ram dizer, e outras vêm de estudiosos liberais católicos ou protestantes, os quais questionam, eles mesmos, a doutrina da Trindade e a veracidade da Bíblia. 14. O livrete Should You Believe in the Trinity?, das testemunhas-de-jeová, dá duas explicações jarajo 20.28: (1) "Para Tome,Jesus era como "um deus", especialmente diante das circunstâncias niraculosas que suscitaram essa exclamação" (p. 29). Mas essa explicação não convence, pois Tome não disse: "Tu és como um deus", mas antes chamou Jesus de "Deus meu". O texto grego raz o artigo definido (não se pode traduzir "um deus") e é explícito: ho theos mous não é "um leus meu", mas "Deus meu". (2) A segunda explicação é que "Tome pode simplesmente ter feito uma exclamação mocional de espanto, dita a Jesus mas dirigida a Deus" (ibid.). A segunda parte da frase, "dita a ?sus mas dirigida a Deus" é simplesmente incoerente: parece significar "dita ajesus mas não dita Jesus", que não só é uma autocontradição, mas também impossível - se Tome está falando com ÍSUS, está também dirigindo as suas palavras ajesus. A primeira parte da frase, a alegação de que amé não chama de fato Jesus de "Deus", mas meramente exclama ou profere algumas palavras voluntárias de admiração, não tem valor, pois o versículo deixa claro que Tome não estava lando ao léu, mas diretamente ajesus: "Respondeu-lhe Tome: 'Senhor meu e Deus meu!' " (Jo ).28). E imediatamente Jesus ejoão, no texto, elogiam Tome, certamente não por ter ele feito uma :clamaçâo qualquer, mas por acreditar em Jesus como seu Senhor e seu Deus. 15. Tanto Tt 2.13 quanto 2Pe 1.1 têm notas marginais na RSV nas quais se alude ajesus como itra pessoa que não "Deus", não sendo portanto chamado Deus: "o grande Deus e o nosso lvador Jesus Cristo" (Tt 2.13 mg.) e "nosso Deus e o Salvador Jesus Cristo" (2Pe 1.1 mg.). Essas duções alternativas são gramaticalmente possíveis, mas improváveis. Os dois versículos têm nesma construção em grego, na qual um artigo definido rege dois substantivos unidos pela lavra grega que significa e (kai). Em todos os casos em que essa construção é encontrada, isidera-se que os dois substantivos estão unidos de algum modo, e muitas vezes são dois nomes tintos para a mesma pessoa ou coisa. Especialmente importante é 2Pe 1.1, pois exatamente 194

(14) Deus cm Três Pessoas: a Trindade li mesma construção é usada por Pedro três outras vezes neste livro para falai d< nu p Salvador Jesus Cristo" (2Pe 1.11; 2.20; 3.18). Nesses três outros versículos, as pala\ i . |n< ' Ifto exatamente as mesmas, exceto que se usa o termo Senhor (kyrios) em lugar do termo / ' (theos). Se esses três outros exemplos estão todos traduzidos como "nosso Senhor e Salvadoi |. M "Cristo", como acontece na maior parte das versões, então a coerência exigiria apare u tradução de 2Pe 1.1 como "nosso Deus e Salvador Jesus Cristo", em nova referência n como Deus. Em Tt 2.13, Paulo escreve sobre a esperança da segunda vinda de Cristo, que 01 autores do Novo Testamento, coerentemente, descrevem em termos que enfatizam a manifestação de Jesus Cristo na sua glória, e não em termos que enfatizem a glória do Pai. 16. O texto na nota de rodapé na NVI (adotado com fraseologia semelhante pela RSV) dá: "... Cristo, que é sobre tudo. Seja Deus louvado para sempre!". Mas essa tradução é bem menos provável, segundo a gramática e indícios contextuais, e justifica-se primordialmente com o argumento de que Paulo não se referiria a Cristo como "Deus". A tradução que se refere a Cristo como "Deus acima de tudo", é preferível porque: (1) o padrão normal de Paulo é bendizer a pessoa de quem ele acabou de falar, que nesse caso é Cristo; (2) o gerúndio grego õn, "sendo", que faz a frase dizer literalmente "que, sendo Deus sobre tudo, é bendito para sempre", seria redundante se Paulo estivesse começando uma nova frase como quer a RSV; (3) quando Paulo, em outros pontos do texto, começa nova frase bendizendo a Deus, a palavra "bendito" vem primeiro na oração grega (ver 2Co 1.3; Ef 1.3; cf. o padrão de Pedro em lPe 1.3), mas aqui a expressão não segue esse padrão, tomando improvável a tradução da RSV. Ver Donald Guthrie, New Testament Theology (Leicester: InterVarsity Press, 1981), p. 339-40. Veja um tratamento definitivo de todos os textos do Novo Testamento que se referem ajesus como "Deus", em Murray Harris, Jesus as God (Grand Rapids: Baker, 1992). 17. l T m 5.21 não deve ser tomado como contra-exemplo dessa afirmação, pois ali Paulo simplesmente alerta Timóteo da presença de uma multidão de testemunhas celestes, divinas e angelicais, que ele sabe que observam a conduta de Timóteo. É semelhante à menção de Deus, de Cristo, dos anjos do céu e dos "espíritos dos justos aperfeiçoados" em Hb 12.22-24, em que se alude a uma grande assembléia celeste. l T m 5.21 deve portanto ser tida como uma passagem significativamente diferente das passagens trinitárifts mencionadas acima, pois essas falam unicamente de atos divinos, como a distribuição de dons a cada cristão (ICo 12.4-6) ou a menção do nome em que todos os crentes devem ser batizados (Mt 28.19). 18. ICo 8.6 não nega que Deus Filho e o Espírito Santo são também "Deus", mas aqui Paulo diz que Deus Pai se identifica como esse "um só Deus". Em outros lugares, como já vimos, ele fala de Deus Filho e do Espírito Santo como "Deus" também. Além do mais, nesse mesmo versículo, ele fala de "um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós também, por ele". Aqui ele usa a palavra Senhor no pleno sentido que ela tem no Antigo Testamento, de "Javé" como nome de Deus, e diz que essa é a pessoa pela qual todas as coisas foram criadas, afirmando assim também a plena divindade de Cristo, mas com um nome diferente. Portanto, esse versículo afirma ao mesmo tempo a unidade de Deus e a diversidade de pessoas em Deus. 19. O nome técnico dessa concepção é modalismo, heresia condenada na igreja antiga (ver discussão abaixo). 20. O nome técnico dessa concepção é arianismo, outra heresia condenada na igreja antiga" (ver discussão abaixo). 21. Existe determinada condição atmosférica (chamada "ponto triplo" pelos químicos) em que coexistem vapor, água líquida e gelo; mas mesmo então a quantidade de água em forma de vapor não é gelo nem água líquida, a quantidade em forma líquida não é vapor nem gelo, etc. 22. Uma excelente discussão da história e das implicações teológicas das heresias trinitárias discutidas nesta seção se encontra em Harold O.J. Brown, Heresies: The Image ofChrist in theMirror o/Heresy and Orthodoxy from the Apostles to theftesent(Garden City, N. Y.: Doubleday, 1984), p. 95-157. 19*


(14) Deus em Três Pessoas: a Trindade (14) A Doutrina de Deus 83. Ver seção D . l , acima, onde se explicou que economia diz respeito a ati\ idades ou pipt I 23. Alguns líderes que formavam esse grupo foram expulsos das Assembléias de Deus, quan estas dcc idiram insistir na afirmação de fé Irinitaria por parle dos seus ministros, em l!H(>. A lgrej Pcntccostal Unida é às vezes identificada pelo lema "Só Jesus", e insiste em que as pessoas deve ser batizadas em nome de Jesus, não em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Por conta de" negação das três pessoas distintas em Deus, a denominação não deve ser considerada evangélic e é de duvidar até mesmo que possa ser considerada genuinamente cristã. 24. Pv 8.22 também foi usado pelos arianos, que se aproveitaram do fato de a Septuagin ter dado uma tradução enganosa: "O Senhor me criou" (gr. ktizõ ) e não "O Senhor me de ou me possuía" (gr. ktaomai). Ver discussão desse versículo acima, p. 167-68. As testemunhas-de-jeová, que são os arianos de hoje, também se baseiam em Ap 3.14, ond Jesus chama a si mesmo de "o princípio da criação de Deus", dando à passagem a seguinte interpretação: "Jesus foi criado por Deus como princípio das criações divinas invisíveis" (anônimo, Should You Believe in the Trinity ?\&xoó\dyn, N.Y.: Watch Tower Bible and Tract Society, 1989], p. 14 [publicado no Brasil pela Sociedade Torre de Vigia sob o título Deve-se Crer na Trindade?]). Mas esse versículo não significa que Jesus foi o primeiro ser criado, pois a mesma palavra que significa "princípio" (gr. archê) é usada por Jesus quando ele diz que é "o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim" (Ap 22.13), e "Princípio" aqui é sinônimo de "Alfa" e "Primeiro". Deus Pai, igualmente, diz de si mesmo: "Eu sou o Alfa e o Ômega" (Ap 1.8). Nos dois casos, ser o "Alfa" ou o "Princípio" significa ser aquele que já existia antes de tudo o mais. A palavra não implica que o Filho foi criado ou que houve um momento em que ele veio a ser, pois tanto o Pai quanto o Filho existem eternamente. (O historiador judeu Josefo usa essa mesma palavra para chamar a Deus de "princípio {archê)"de "todas as coisas", mas certamente não pensa que o próprio Deus foi criado: ver Contra Apion 2.190.) A NVI dá uma tradução diferente para o versículo: "... o soberano da criação de Deus". Tratase de um significado alternativo aceitável de archê: ver o mesmo significado em Lc 12.11; Tt 3.1. 25. Essa é a forma original do Credo de Nicéia, que mais tarde foi modificado no Concilio de Constantinopla em 381, e ali assumiu a forma comumente chamada de "Credo de Nicéia" pelas igrejas de hoje. Esse texto foi extraído de Philip Schaff, Creeds of Christendom, 3 vs. (Grand Rapids: Baker, reimpressão de 1983 da edição de 1931), 1:28-29. 26. Traduções mais antigas de homoousios às vezes empregam a palavra "consubstanciai", termo incomum que significa simplesmente "da mesma substância ou natureza". 27. A heresia do subordinacionismo, que sustenta que o Filho é inferior ao Pai no seu ser, deve ser nitidamente distinguida da doutrina ortodoxa de que o Filho está eternamente subordinado ao Pai no seu papel ou função: sem essa verdade, perder-se-ia a doutrina da Trindade, pois não teríamos nenhuma distinção eterna e pessoal entre o Pai e o Pilho, e portanto não seriam eternamente Pai e Filho. (Ver seção D, sobre as diferenças entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo.) 28. S. J. Mikolaski, "Athanasius", NJDCC, 81. 29. Não se considerava que a palavra procede se referisse à criação do Espírito Santo, ou que o Espírito Santo derivasse o seu ser do Pai e do Filho, mas sim que indicava o modo como o Espírito Santo eternamente se relaciona com o Pai e o Filho. 30. Bavinck, The Doctrine of God, p. 281. 31. Ibid., p. 285. 32. Outra passagem que talvez indique tal distinção de funções é j o 17.5: quando Jesus pede 10 Pai "glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que íouvesse mundo" (Jo 17.5), ele dá a entender que é direito do Pai dar glória a quem ele quiser • que essa glória fora dada ao Filho pelo Pai porque o Pai amava o Filho antes da fundação do nundo.

•rentes. 34. A subordinação econômica deve ser cuidadosamente distinguida do erro do "subnrdlnn nismo", que defende que o Filho ou o Espírito Santo são inferiores ao Pai no seu sei \ ,2, acima). iã. Ver, por exemplo, Richard e Catherine Kroeger, no artigo "Subordinacionismo" em ///'/(.', v. 3; definem o subordinacionismo como "doutrina que atribui inferioridade de istência, condição ou papéis ao Filho ou ao Espírito Santo dentro da Trindade. Condenada por Uinerosos concílios da igreja, essa doutrina tem persistido numa ou noutra forma ao longo da Istória da igreja" (grifo meu). Quando os Kroeger falam de "inferioridade de [...] papéis", parentemente querem dizer que qualquer afirmação de subordinação eterna de papéis pertence heresia do subordinacionismo. Mas se é isso de fato o que estão dizendo, então estão Condenando toda a cristologia ortodoxa desde o Credo de Nicéia, algo que Charles Hodge diz lei um ensinamento "da igreja universal". Do mesmo modo, Millard Erickson, no seu Christian Theology (Grand Rapids: Baker, 198315), p. 338 e 698, só se dispõe a afirmar que Cristo teve uma subordinação temporária da sua função durante o período do ministério na terra, sem jamais afirmar uma subordinação eterna do Filho ao Pai em termos de papéis, ou do Espírito Santo ao Pai e ao Filho. (O mesmo vale para Io seu Concise Dictionary of Christian Theology, p. 161.) Robert Letham, em "The Man-Woman Debate: Theological Comment", WTJ52A (primavera de 1990), p. 65-78, interpreta essa tendência em recentes escritos evangélicos como a ação de uma argumentação evangélica feminista de que a subordinação dos papéis implica necessariamente menor importância ou redução do status da pessoa. Logicamente, se isso não f vale para os membros da Trindade, tampouco vale necessariamente para a relação maridomulher. 36. Systematic Theology (3 vols.; Grand Rapids: Eerdmans, 1970 [reimpressão; publicado originalmente em 1871-73]), 1:460-62 (grifo meu). 37. Systematic Theology (Valley Forge, Pa.: Judson, 1907), p. 342 (terceiro grifo meu). 38. Algumas teologias sistemáticas dão nomes aessas diferentes relações: para o Pai, a "paternidade" (ou "geração"), para o Filho, a "genitidade" (ou "filiação"), e para o Espírito Santo, a "processão" (ou "espiração"). Mas esses nomes nada mais significam que "relacionar-se como Pai", "relacionar-se como Filho" e "relacionar-se como Espírito". Numa tentativa de evitar a proliferação de termos técnicos que não existem na língua contemporânea, ou cujo sentido difere do significado comum, não usei tais termos neste capítulo. 39. Dissemos acima que nenhuma analogia ensina perfeitamente a Trindade, e essa também tem várias falhas: esse homem permanece uma só pessoa; não é três pessoas. E seus "pensamentos" não se igualam à totalidade dele como pessoa. Mas a analogia é útil por indicar algo da complexidade mesmo da personalidade humana, sugerindo que a complexidade da personalidade divina é algo bem maior do que isso. 40. Berkhof, Systematic Theology, p. 89 (publicado no Brasil por Luz para o Caminho, sob o título Teologia Sistemática). 41. Ibid., p. 88.

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(30) A Obra do Espírito

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Desde o princípio da criação, temos indícios de que a obra do Espírito Santo consiste em completar e sustentar o que Deus Pai planejou e o que Deus Filho começou, pois em Gênesis 1.2, "o Espírito de Deus pairava por sobre as águas". E no Pentecostes, com o início da nova criação em Cristo, é o Espírito Santo quem vem conceder poder à igreja (At 1.8; 2.4, 17-18). Como o Espírito Santo é a pessoa da Trindade por meio de quem Deus manifesta de modo particular sua presença na era da nova aliança, Paulo emprega uma expressão adequada ao referir-se a ele como "primeiros frutos" (Rm 8.23, NVI) e "garantia" (ou "penhor", 2Co 1.22; 5.5) da plena manifestação da presença de Deus que conheceremos no novo céu e na nova terra (cf. Ap 21.3-4). Mesmo no Antigo Testamento, foi previsto que a presença do Espírito Santo traria bênçãos abundantes da parte de Deus: Isaías predisse um tempo em que o Espírito traria grande renovação.

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A Obra do Espírito Santo Quais são as atividades distintas do Espírito na história da Bíblia?

Santo

Santo

O palácio será abandonado, a cidade populosa ficará deserta [...] até que se derrame sobre nós o Espírito lá do alto; então, o deserto se tornará em pomar, e o pomar será tido por bosque; o juízo habitará no deserto, e a justiça morará no pomar. O efeito da justiça será paz, e o fruto da justiça, repouso e segurança, para sempre. O meu povo habitará em moradas de paz, em moradas bem seguras e em lugares quietos e tranqüilos (Is 32.14-18).

EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA N o s capítulos anteriores discutimos de forma razoavelmente minuciosa a pessoa e a obra de Deus Pai e, mais recentemente, a pessoa e a obra de Deus Filho, Jesus Cristo. Examinamos t a m b é m as provas bíblicas da divindade e da personalidade distinta do Espírito Santo (associada à doutrina da Trindade). Penso ser oportuno agora neste capítulo focalizar a obra distintiva do Espírito Santo. Entre as diferentes atividades dos membros da Trindade, quais são apresentadas especialmente como obras de Deus Espírito Santo? Devemos primeiramente nos conscientizar de que outros capítulos neste livro lidam mais ou menos diretamente com alguns aspectos da obra do Espírito Santo. Os capítulos sobre o batismo a e plenitude do Espírito Santo (39) e sobre os dons espirituais (52-53) lidam quase inteiramente com obras específicas do Espírito Santo. Além disso, os capítulos sobre autoridade das Escrituras (4), oração (18), chamado do evangelho (33), regeneração (34), santificação (38), perseverança (40), glorificação (42), disciplina da igreja (46), meios da graça dentro da igreja (48) e adoração (51) tratam todos dos vários aspectos da obnT do Espírito Santo no mundo e em especial na vida dos crentes: Entretanto, neste capítulo tentaremos' obter uma visão geral do ensino das Escrituras como um todo s o b r T F õ E r ã do Espírito Santo, a fim de entender de maneira mais plena que espécies de atividade têm sido delegadas particularmente ao Espirito Santo por Deus Pai e por Deus Filho. Podemos definir a obra do Espírito Santo como segue: a obra do Espírito Santo consiste em manifestar a presença ativa de Deus no mundo e em especial na igreja. Essa definição indica que o Espírito Santo é o membro da Trindade que as Escrituras com mais freqüência representam como aquele que está presente para fazer a obra de Deus no mundo. Embora isso seja real até certo ponto através de toda a Bíblia, é particularmente verdadeiro na era da nova aliança. No Antigo Testamento, a presença de Deus muitas vezes foi manifestada na glória de Deus e nas teofanias; nos evangelhos o próprio Jesus manifestou a presença de Deus entre os homens. Mas depois que Jesus subiu ao céu, e de contínuo através de toda a era da igreja, o.Espírito Santo é agora a principal manifestação da presença da 111ndade entre nós. Ele é o que está presenteai modo mais proeminente entre nós agora.

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\ De modo semelhante, Deus profetizou por meio de Isaías a j a c ó : "Porque derramarei água sobre o sedento e torrentes, sobre a terra seca; derramarei o meu Espírito, sobre a tua posteridade e a minha bênção, sobre os teus descendentes" (Is 44.3). Em contraste, o afastamento do Espírito Santo retirou a bênção de Deus do povo: "Mas eles foram rebeldes e entristeceram o seu Espírito Santo, pelo que se lhes tornou em inimigo e ele mesmo pelejou contra eles" (Is 63.10). No entanto, várias profecias no Antigo Testamento predisseram u m tempo em que o Espírito Santo viria de modo mais pleno, um tempo em que Deus faria uma nova aliança com o seu povo (Ez 36.26-27; 37.14; 39.29; Jl 2.28-29). De que maneiras específicas o Espírito Santo traz a b ê n ç ã o de Deus? Podemos distinguir quatro aspectos da obra do Espírito Santo para fornecer evidências da presença de Deus e abençoar: (1) o Espírito Santo dá poder, (2) o Espírito Santo purifica; (3) o Espírito Santo revela; (4) o Espírito Santo unifica. Vamos examinar abaixo cada uma dessas quatro atividades. Finalmente, devemos reconhecer que essas atividades do Espírito Santo não devem ser pressupostas e n ã o acontecem automaticamente no meio do povo de Deus. Antes, o Espírito Santo reflete o prazer ou o desprazer de Deus com a fé e a obediência - ou com a incredulidade e a d e s o b e d i ê n c i a - do povo de Deus. Pjoi_causa disso^ ^ precisamos examinar ú m quinto aspecto da atividade do Espírito Santo: (5) o Espírito Santo dá evidência mais forte ou mais fraca da presença e bênção de Deus, de acordo com nossa resposta a ele.

A. O ESPÍRITO SANTO DÁ PODER

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1. Ele d á v i d a . No domínio da natureza, é papel do Espírito Santo dar vida ,i loi Ias as criaturas animadas na terra, no céu ou no mar, como está escrito: "Envias o teu 1. | >ii ito 531


(30) A Obra do Espírito

(30) As Doutrinas de Cristo e do Espírito Santo eles são criados" (Sl 104.30). E no sentido inverso, se Deus "para si recolhesse o seu espírito e o seu sopro, toda a carne juntamente expiraria, e o homem voltaria para o p ó " (Jó 34.1415). Vemos aqui o papel do Espírito Santo dando e sustentando a vida humana e animal. Paralelamente a isso, é papel do Espírito Santo dar-nos vida nova na regeneração. Jesus disse a Nicodemos: "O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito. N ã o te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo" (Jo 3-.6-7; cf. v. 5, 8; 6.63; 2Co 3.6). Ele disse também: " 0 espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita" (Jo 6.63; 2Co 3.6; A t 10.44-47; T t 3.5). Coerente com essa função do Espírito Santo de dar vida é o fato de que foi o Espírito Santo quem concebeu Jesus no ventre de Maria, sua m ã e (Mt 1.18, 20; Lc 1.35). E no dia em que Cristo voltar, é o mesmo Espírito Santo quem irá completar essa obra de dar vida concedendo a nova vida ressurreta ao nosso corpo mortal: "Se habita em vós o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos, esse mesmo que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também o vosso corpo mortal, por meio do seu Espírito, que em vós habita" (Rm 8.11). 2

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2 . E l e d á poder para o serviço V ^ ^ X

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a. Antigo Testamento. No Antigo Testamento, o Espírito Santo muitas vezes capacita pessoas para serviço especial. Ele capacitou J o s u é com habilidades de l i d e r a n ç a e sabedoria (Nm 27.18; Dt 34.9), e deu poder aos juizes para libertar Israel de seus opressores (observe como o Espírito do Senhor "veio sobre" Otoniel em Jz 3.10, Gideão em 6.34, Jefté em 11.29 e Sansão em 13.25; 14.6, 19; 15.14). O Espírito Santo veio poderosamente sobre Saul a fim de levantá-lo para a batalha contra os inimigos de Israel (ISm 11.6), e quando Davi foi ungido rei, "o Espírito do Senhor se apossou" dele daquele dia em diante (ISm 16.13), capacitando-o para cumprir a tarefa de realeza para a qual Deus o havia chamado. Numa espécie só um pouco diferente de capacitação, o Espírito Santo dotou Bezalel com talentos artísticos para a construção do tabernáculo e de seu equipamento (Êx 31.3; 35.31) e com capacidade para ensinar essas técnicas para os outros (Êx 35.34). O Espírito Santo também protegeu o povo de Deus e capacitou-o para vencer seus inimigos. Por exemplo, Deus colocou seu Espírito no meio deles à época do êxodo (Is 63.1112) e, mais tarde, após seu retorno do exílio, pôs seu Espírito no meio deles para protegêlos e guardá-los do medo (Ag 2.5). Quando Saul estava tentando capturar t ) a v i à força, o Espírito Santo veio sobre os mensageiros de Saul (ISm 19.20) e por fim sobre o próprio Saul (v. 23), levando-os a involuntariamente cair no chão e profetizar durante horas, frustrando dessa forma o propósito de Saul e humilhando-o em resposta à sua demonstração maligna de força contra Davi e Samuel. De modo semelhante, enquanto Ezequiel profetizava julgamento pelo poder do Espírito Santo contra alguns líderes de Israel (Ez 11.5), um dos líderes chamado Pelatias morreu (Ez 11.13). Dessa forma, o Espírito Santo trouxe julgamento imediato sobre ele.

Santo

Isaías profetizou que Deus diria o seguinte sobre esse Servo que estava para chegar: "... pus sobre ele o meu Espírito" (Is 42.1), e que ele mesmo diria: "O Espírito do SKNI K m Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu" (Is 61.1; cf. Lc 4.18). Antes de encerrar esta discussão sobre a capacitação pelo Espírito Santo no Antigo lêstamento, devemos observar que às vezes se diz que não havia nenhuma obra do Espírito Santo dentro das pessoas no Antigo Testamento. Essa idéia tem sido inferida principalmente das palavras de Jesus aos discípulos em J o ã o 14.17: "... ele habita convosco e eslará em vós". 'Mas nãojdevemos concluir desse versículo que não havia nenhuma obra do Espírito Santo no interior dás pessoas antes do Pentecostes. E m b o r a o Antigo Testamento não fale com freqüência de pessoas que tinham dentro de si o Espírito Santo ou que dele tinham a plenitude, existem uns poucos exemplos: J o s u é é descrito como homem que tem o Espírito (Nm 27.18; Dt 34.9), assim como Ezequiel (Ez 2.2; 3.24), Daniel (Dn 4.8-9, 18; 5.11) e Miquéias (Mq 3.8). Isso significa que quando Jesus diz aos seus discípulos "ele habita convosco e estará em vós" (Jo 14.17), não pode estar dizendo que havia uma diferença absoluta "dentro/fora" entre a obra do Espírito Santo na antiga aliança e na nova. Nem pode J o ã o 7.39 ("pois o Espírito até aquele momento n ã o fora dado, porque Jesus não havia sido ainda glorificado") significar que n ã o havia nenhuma atividade do Espírito Santo na vida das pessoas antes do Pentecostes. Ambas as passagens devem ser maneiras diferentes de dizer que a obra mais poderosa, mais plena do Espírito Santo, característica da vida após o Pentecostes, ainda n ã o havia começado na vida dos discípulos. O Espírito Santo ainda não tinha chegado dentro deles do modo pelo qual Deus havia prometido colocá-lo dentro do seu povo quando viesse a nova aliança (Ez 36.26, 27; 37.14), nem o Espírito Santo havia sido derramado com grande abundância e plenitude que caracterizaria a era da nova aliança (Jl 2.28-29).. Nesse sentido poderoso da nova aliança, o Espírito Santo ainda não estava operando dentro dos discípulos. 6

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Por fim, o Antigo Testamento predisse o tempo em que o Espírito Santo ungiria um Messias-Servo em grande plenitude e poder: Repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, O Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do SENHOR. Deleitar-se-á no temor do Senhor... (Is 11.2-3) 532

b. Novo Testamento. A obra capacitadora do Espírito Santo no Novo Testamento é vista primeiro e de modo pleno na unção e capacitação de Jesus como o Messias. O Espírito Santo desceu sobre Jesus por ocasião do seu batismo (Mt 3.16; M c 1.11; Lc 3.22). João Batista disse: " V i o Espírito descer do céu como pomba e pousar sobre ele" (Jo 1.32). Portanto, Jesus foi para a tentação no deserto "cheio do Espírito Santo" (Lc 4.1); e depois de sua tentação, no início de seu ministério, "Jesus, no poder do Espírito, regressou para a Galiléia" (Lc 4.14). Quando Jesus foi pregar na sinagoga em Nazaré, declarou que a profecia de Isaías fora cumprida nele: "O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para p ô r em liberdade aos oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor" (Lc 4.18-19). Q poder do Espírito Santo na vida de Jesus foi visto depois em seus milagres subseqüentes, à medida que ele expulsava demônios com uma palavra e curava todos os que vinham a ele (Lc 4.36,40-41). O Espírito Santo se agradou em habitar em Jesus e dar-lhe poder, pois ele se deleitava plenamente com a pureza mortl absoluta da vida de Jesus. No contexto de conversa a respeito de seu próprio ministério e da bênção do Pai sobre esse trabalho, Jesus diz: "Deus não dá o Espírito por medida, O Pai ama ao Filho, e todas as cousas tem confiado às suas mãos" (Jo 3.34-35). Jesus linha uma unção do Espírito Santo sem medida, e essa unção permanecia sobre ele (Jo l i ' NVI; cf. A t 10.38). 533


(30) A Obra do Espírito

(30) As Doutrinas de Cristo e do Espírito Santo O Espírito Santo t a m b é m capacitou os discípulos de Jesus para vários tipos ninistério. Jesus lhes tinha prometido: "... mas recebereis poder, ao descer sobre \ ól espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda ajud i Samaria e até os confins da terra" (At 1.8). H á vários exemplos específicos da atividtu Io Espírito Santo concedendo poder aos primeiros cristãos para operar milagres à medldl |ue eles proclamavam o evangelho (note Estêvão em A t 6.5,8; e Paulo em Rm 15.19; I ( o 1.4). Mas o Espírito Santo deu t a m b é m grande poder à pregação da igreja primitiva de nodo que, quando os discípulos eram cheios do Espírito Santo, proclamavam a Palaviu om coragem e grande poder (At 4.8,31; 6.10; lTs 1.5; lPe 1.12). Em geral, podemos d i / n |ue o Espírito Santo fala por meio da mensagem do evangelho à medida que ela é )roclamada de maneira eficaz ao coração das pessoas. O Novo Testamento termina com im convite do Espírito Santo e da igreja, que juntos chamam as pessoas à salvação: "O espírito e a noiva dizem: Vem! E aquele que ouve, diga: Vem!" (Ap 22.17). Na realidade, íão só na pregação da mensagem do evangelho, como t a m b é m na leitura e no ensino Ias Escrituras, o Espírito Santo continua a falar ao coração das pessoas a cada dia (veja i b 3.7 e 10.15, onde o autor cita uma passagem do Antigo Testamento e diz que o Espírito ianto está agora falando aquela palavra aos leitores). 8

Outro exemplo da capacitação dos cristãos para o serviço é a atividade do Espírito ianto que consiste em conceder dons espirituais para equipar os crentes para o ministério, ^pós alistar uma variedade de dons espirituais, Paulo diz: "Mas um só e o mesmo Espírito ealiza todas estas cousas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente" (ICo 2.11). Uma vez que o Espírito Santo é quem mostra ou manifesta a presença de Deus no nundo, não surpreende que Paulo possa chamar os dons espirituais de "manifestações" lo Espírito Santo (ICo 12.7). Os dons espirituais em atuação representam um sinal da iresença de Deus Espírito Santo na igreja. Na vida de oração dos indivíduos crentes, verificamos que o Espírito Santo concede loder para a oração e a torna eficaz. "... não sabemos orar como convém, mas o mesmo espírito intercede por nós em gemidos inexprimíveis" (Rm 8.26)." E Paulo diz que "temos cesso ao Pai em um Espírito" (Ef 2.18). U m tipo específico de oração para a qual o Novo ^estamento diz que o Espírito Santo dá poder é o dom de orar em línguas (ICo 12.10-11; 4.2, 14-17). Outro aspecto da obra do Espírito Santo em que ele concede aos cristãos o poder para erviço é a capacitação do povo para vencer a oposição espiritual à pregação do evan;elho e à obra de Deus na vida das pessoas. Esse poder na guerra espiritual foi visto prineiro na vida de Jesus, que disse: "Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, ertamente é chegado o reino de Deus sobre vós" (Mt 12.28). Quando Paulo chegou a Jhipre, enfrentou a oposição de Elimas, o mágico, mas ele, "cheio do Espírito Santo, fixando ide os olhos, disse: O filho do diabo, cheio de todo o engano e de toda a malícia, inimigo le toda a justiça, não cessarás de perverter os retos caminhos do Senhor? Pois, agora, eis í está sobre ti a m ã o do Senhor, e ficarás cego, não vendo o sol por algum tempo. No nesmo instante, caiu sobre ele névoa e escuridade, e, andando à roda, procurava quem i guiasse pela m ã o " (At 13.9-11). O dom de "discernimento de espíritos" (ICo 12.10), dado tolo Espírito Santo, é t a m b é m uma ferramenta nessa guerra contra as forças das trevas, ssim como a Palavra de Deus, que funciona como "a espada do Espírito" (Ef 6.17) na tatalha espiritual. 9

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B. O ESPÍRITO SANTO PURIFICA Uma vez que esse membro da Trindade é chamado Espírito Santo, não surpreende que ia de suas principais atividades seja purificar-nos do pecado e "santificar-nos" ou tornar()N mais santos ha conduta prática. Mesmo na vida de incrédulos há alguma influência Itiitiva do Espírito Santo uma vez que ele convence o mundo do pecado Qo 16.8-11; A t }. Mas quando as pessoas se tornam cristãs, o Espírito Santo realiza nelas uma obra inicial purificação, efetuando um decisivo rompimento com os padrões do pecado que havia Vida delas antes. Paulo fala dos coríntios: "... mas vós vos lavastes, mas fostes saneados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso us" (1 Co 6.11; veja também Tt 3.5). Aparentemente, é essa obra de lavagem e purificação alizada pelo Espírito Santo que é simbolizada pela metáfora do fogo quando J o ã o Batista diz que Jesus batizaria as pessoas "com o Espírito Santo e com fogo" (Mt 3.11; Lc 3.16). Após o rompimento inicial com o pecado que o Espírito Santo efetua em nossa vida | | u conversão, ele produz também em nós o crescimento em santidade da vida. Produz o "Jnito do Espírito" em nós ("amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, lldclidade, mansidão, domínio próprio", Gl 5.22-23), aquelas qualidades que refletem o caráter de Deus. A medida que vamos continuamente "sendo transformados com glória cada vez maior", devemos nos lembrar de que isso "vem do Senhor, que é o Espírito" (2Co 3.18, NVl). A santificação vem pelo poder do Espírito Santo (2Ts 2.13; lPe 1.2; cf. Rm 8.4, 15-16), e por isso é "pelo Espírito" que somos capazes de fazer morrer "os feitos do corpo" e Crescer em santidade pessoal (Rm 8.13; veja 7.6; Fp 1.19). Algumas pessoas hoje dizem que uma obra de purificação (ou de cura) pelo Espírito Santo ocorre quando "caem no Espírito", uma experiência em que elas de repente vão ao chão em estado de semiconsciência e ali permanecem por alguns minutos ou horas. Embora a frase "cair no Espírito" não esteja em nenhum lugar das Escrituras, h á casos em que pessoas caíram ao chão ou entraram em transe na presença de Deus. Experiências contemporâneas devem ser avaliadas de acordo com os resultados duradouros ("fruto") que produzem na vida das pessoas (veja M t 7.15-20; ICo 14.12, 26c). 13

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C . O ESPÍRITO SANTO REVELA 1. R e v e l a ç ã o aos profetas, e apóstolos. No capítulo 4 discutimos de modo bem detalhado a obra do Espírito Santo revelando as palavras de Deus aos profetas do Antigo Testamento e aos apóstolos do Novo Testamento, em muitos casos de tal maneira que elas podiam ser colocadas literalmente nas Escrituras (veja, por exemplo, N m 24.2; Ez 11.5; Xc 7.12; et al.). A totalidade das Escrituras do Antigo Testamento veio à lume porque "liünums falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo" (2Pe 1.21, NVI). Várias | lassageiis mencionam essa obra do Espírito Santo nos profetas do Antigo Testamento (veja Mt 22 13 At 1.16^4.25; 28.25; lPe 1.21). Os apóstolos e outros que escreveram as palavras das Escrituras do Novo Testamento foram igualmente guiados "a toda a verdade" pelo Es] >u ito Santo (Jo 16.13), que também falou aos apóstolos o que tinha ouvido do l\u e do Filho e declarou-lhes "as coisas que hão de vir" (Jo 16.13; cf. Ef 3.5). ()utros que lóram cheios do Espírito Santo também falaram ou cantaram palavras que se tornaram parte das Escrituras, tais como Isabel (Lc 1.41), Zacarias (Lc 1.67) e Simeão (Ix: 2.25).


(30) A Obra do Espírito

(30) As Doutrinas de Cristo e do Espírito Santo 2. Ele d á e v i d ê n c i a s da p r e s e n ç a de Deus. Às vezes se afirma que a obra do Kspii ilo Santo não é chamar atenção para si mesmo, mas antes dar glória ajesus e a Deus l'u. Porém isso parece uma falsa dicotomia, n ã o sustentada pelas Escrituras. É evidente* qüe o Espírito Santo glorifica ajesus (Jo 16.14) e da testemunho dele (Jo 15.26; A t 5.3*zH IJo 2.3; l j o 4.2). Mas isso n ã o significa que ele n ã o torne conhecidas suas próprias ações c palavras! A Bíblia tem centenas de versículos que falam sobre a obra do Espírito Santo, tornando-a conhecida, e a própria Bíblia foi falada ou inspirada pelo Espírito Santo! Além disso, o Espírito Santo com freqüência fez-se conhecido por meio de fenômenos que indicavam sua atividade, tanto no período do Antigo Testamento como na época do Novo. Isso foi verdade quando o Espírito Santo veio sobre os setenta anciãos escolhidos para trabalhar com Moisés e eles profetizaram (Nm 11.25-26), e também quando o Espírito Santo veio sobre os juizes para capacitá-los a realizar grandes obras de poder (Jz 14.6, 19; 15.14, et al.). Nesses casos, as pessoas podiam ver o efeito do Espírito Santo vindo sobre os servos do Senhor. Isso foi verdade t a m b é m quando o Espírito Santo veio poderosamente sobre Saul, e este profetizou com um grupo de profetas (ISm 10.6, 10), e ocorria com freqüência quando concedia poder aos profetas do Antigo Testamento para que fizessem profecias públicas. O Espírito Santo t a m b é m tornou sua presença evidente de modo visível quando desceu como pomba sobre Jesus (Jo 1.32), ou veio sobre os discípulos no Pentecostes como som de um vento impetuoso e com línguas visíveis de fogo (At 2.2-3). Além disso, quando o Espírito Santo foi derramado sobre as pessoas, e estas começaram a falar em línguas ou a louvar a Deus de modo extraordinário e espontâneo (veja A t 2.4; 10.44-46; 19.6), o Espírito Santo com certeza tornou conhecida a sua presença. E Jesus prometeu que o Espírito Santo em nós seria tão poderoso a ponto de parecer um rio de água viva fluindo do mais profundo do nosso interior (vejajo 7.38) — símile que dá a entender que as pessoas estariam conscientes de uma presença que seria percebida de alguma maneira. Na vida pessoal dos crentes, o Espírito Santo n ã o esconde totalmente sua obra, mas, sim, faz-se conhecido de diversas maneiras. Ele dá testemunho com o nosso espírito de que somos filhos de Deus (Rm 8.16), e clama: "Aba, Pai!" (Gl 4.6). Prove uma garantia ou um pagamento inicial de nossa futura comunhão com ele no céu (2Co 1.22; 5.5) e revela seus desejos para nós de modo que possamos ser guiados por eles e segui-los (Rm 8.4-16; Gl 5.16-25). Concede dons que manifestam sua presença (ICo 12.7-11). E de tempos em tempos opera sinais miraculosos e prodígios que atestam de maneira poderosa a presença de Deus na pregação do evangelho (Hb 2.4; cf. I C o 2.4; R m 15.19). Parece mais exato, portanto, dizer que embora o Espírito Santo glorifique Jesus, ele t a m b é m muitas vezes chama a t e n ç ã o para sua obra e dá evidências reconhecíveis que manifestam sua presença. De fato, parece que um de seus propósitos principais na era da nova aliança é manifestar a presença de Deus, dar indicações que tornam clara a presença de Deus. E quando o Espírito Santo opera em várias maneiras que possam ser percebidas por crentes e incrédulos, isso encoraja as pessoas a crer que Deus está perto, trabalhando para cumprir seus propósitos na igreja e para abençoar o seu povo.

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ii n i pelo meu Espírito" (Is 30.1, IBB). Aparentemente, as pessoas estavam decidindo com base em sua própria sabedoria e senso comum em vez de buscar a direção do Espíi ilo Santo de Deus antes de fazer essas alianças. No Novo Testamento, o Espírito Santo guiou Jesus ao deserto para o seu período de tentação (Mt 4.1; Lc 4.1); na verdade, essa direção do Espírito Santo era tão forte que Marcos chega a dizer: "E logo o Espírito o impeliu para «.deserto" (Mc 1.12). Em outros contextos o Espírito Santo deu palavras diretas de direção ao povo, dizendo a Filipe, por exemplo, "Aproxima-te desse carro e acompanha-o" (At 8.29), ou dizendo a Pedro que fosse com os três homens que chegaram até ele da casa de Cornélio (At 10.19-20; 11.12), ou dirigindo os cristãos de Antioquia: "Separai-me, agora, Barnabé • • Saulo para a obra a que os tenho chamado" (At 13.2). T a m b é m na categoria de "direção", mas de natureza muito mais direta e impositiva, há os vários exemplos em que o Espírito Santo transportou de fato uma pessoa de um lugar para outro. Isso se deu quando "o Espírito do Senhor arrebatou a Filipe, não o vendo mais o eunuco [...] Mas Filipe veio a achar-se em Azoto" (At 8.39-40) — a direção nesse caso dificilmente poderia ter sido mais clara! Todavia, coisas semelhantes aconteceram a alguns profetas do Antigo Testamento, pois aqueles que conheciam Elias pareciam esperar que o Espírito de Deus o arrebatasse e o transportasse para algum lugar (lRs 18.12; 2Rs 2.16: "... pode ser que o Espírito do SENHOR O tenha levado e lançado nalgum dos montes ou nalgum dos vales"). O Espírito do Senhor várias vezes, diz Ezequiel, o "levantou" e o levou para u m lugar ou outro (Ez 11.1; 37.1; 43.5), uma experiência que também era parte das últimas visões de J o ã o em Apocalipse (Ap 17.3; 21.10). Mas na grande maioria dos casos a direção e a orientação pelo Espírito Santo n ã o são nem de longe tão dramáticas. As Escrituras falam antes de uma orientação pelo Espírito Santo no dia-a-dia - os cristãos "são guiados" pelo Espírito Santo (Rm 8.14; Gl 5.18) e andam segundo o Espírito (Rm 8.4; Gl 5.16). Ora, é possível entender que Paulo está se referindo aqui somente à obediência às ordens morais das Escrituras, mas essa interpretação parece bem improvável, especialmente porque todo o contexto trata de emoções e desejos que percebemos de modo mais subjetivo e porque Paulo contrasta aqui o ser guiado pelo Espírito com o seguir os desejos da carne ou da natureza pecaminosa: 16

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Por isso vos digo: vivam pelo Espírito, e de modo nenhum satisfarão os desejos da carne. Pois a carne deseja o que é contrário ao Espírito; e o Espírito, o que é contrário à carne. [...] Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e lascívia; idolatria e feitiçaria; ódio, discórdia, ciúmes, ira [...] Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. [...] Se vivemos pelo Espírito, andemos também pelo Espírito. Não sejamos presunçosos, provocando uns aos outros e tendo inveja uns dos outros (Gl 5.16-26, NVI).

3. Ele guia e dirige o povo de Deus. A Bíblia dá muitos exemplos de direção direta do Espírito Santo para várias pessoas. De fato, no Antigo Testamento, Deus disse que era pecado o povo entrar em aliança com outros quando esta, segundo o Senhor, era aliança

O contraste entre "desejos da carne" e "desejos do Espírito" implica que nossa vida deve ser uma resposta a cada momento aos desejos do Espírito Santo, n ã o aos desejos da carne. Agora, pode ser que grande parte da resposta a esses desejos consista no processo intelectual de entender o que são amor, alegria, paz (e assim por diante), e então agir de modo amoroso, alegre ou pacífico. Mas isso dificilmente constitui a totalidade da direção

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(30) As Doutrinas de Cristo e do Espírito Santo pelo Espírito, pois essas emoções não são meramente coisas em que pensamos; são coisas que t a m b é m sentimos e experimentamos num nível mais profundo. Na realidade, a palavra traduzida por "desejos" (epithymia) é um termo que se refere a desejos fortes, não meramente a decisões intelectuais. Paulo quer dizer com isso que devemos seguir esses desejos ã medida que são produzidos em nós pelo Espírito Santo. Além disso, a idéia de ser "guiado" pelo Espírito Santo (Gl 5.18) implica uma participação pessoalaüva do Espírito Santo na tarefa de nos guiar. Isso é algo mais do que nossa reflexão sobre padrões morais da Bíblia e inclui o envolvimento do Espírito Santo que se relaciona conosco como pessoas para nos orientar e dirigir. No livro de Atos há exemplos específicos do Espírito Santo guiando diretamente as pessoas. Após a decisão do concilio de Jerusalém, os líderes escreveram em sua carta às igrejas: "... pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além destas coisas essenciais" (At 15.28). Esse versículo d á a entender que o concilio deve ter tido consciência da vontade do Espírito Santo nessas áreas: sabiam o que "pareceu bem ao Espírito Santo". Na segunda viagem missionária de Paulo, Lucas escreve que foram "impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia" e depois "tentavam ir para Bitínia, mas o Espírito de Jesus n ã o o permitiu" (At 16.6-7). Obviamente, nenhum princípio registrado nas Escrituras do Antigo Testamento tê-los-ia levado a concluir que não podiam pregar na Ásia ou na Bitínia. Antes, o Espírito Santo deve ter comunicado sua orientação direta a eles de algum modo específico, por meio de palavras pronunciadas de maneira audível ou dentro da mente, ou por meio de fortes impressões subjetivas da falta de presença ou de bênção do Espírito Santo à medida que tentavam viajar para essas áreas difíceis. Mais tarde, quando Paulo estava a caminho de Jerusalém, diz: "Agora, compelido pelo Espírito, estou indo paraJerusalém, sem saber o que me acontecerá ali, senão que, em todas as cidades, o Espírito Santo me avisa que prisões e sofrimentos me esperam" (At 20.22-23, NVI). Paulo n ã o pensava que tivesse outra escolha — o Espírito Santo manifestou-lhe sua presença e desejo de modo tão forte que Paulo podia falar que tinha sido "compelido" pelo Espírito. 18

Em outros casos, o Espírito Santo deu orientações para estabelecer pessoas em vários ministérios ou funções da igreja. Assim, o Espírito Santo disse a alguns na igreja de Antíoquia: "Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado" (At 13.2). E Paulo podia afirmar que o Espírito Santo tinha estabelecido os,presbíteros da igreja de Efeso em sua função porque disse: "Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos" (At 20.28). Por fim, o Espírito Santo proporcionava alguma direção por intermédio de dons espirituais como profecia (ICo 14.29-33). 19

4. Ele p r o p o r c i o n a u m a atmosfera d i g n a de Deus q u a n d o manifesta sua p r e s e n ç a . Como o Espírito Santo é plenamente Deus e compartilha todos os seus atributos, sua influência deverá trazer caráter ou atmosfera próprios de Deus a situações em que ele está a t i v o . i l l m a vez que ele é o Espírito Santo, p r o d u z i r á às vezes uma convicção de pecado, de justiça e de juízo (Jo 16.8-11). Como Deus é amor, o Espírito Santo derrama o amor de Deus em nosso coração (Rm 5.5; 15.30; C l 1.8) e muitas vezes a sua presença manifestada de maneira poderosa criará uma atmosfera de amor. E "porque Deus não é de confusão e sim de paz" (ICo 14.33), o Espírito Santo traz uma 538

(30) A Obra do Espírito

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atmosfera de paz às diversas situações: "Porque o reino de Deus n ã o é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo" (Rm 14.17; cf. Gl 5.22). Este úlliux i versículo também ensina que o Espírito Santo comunica uma atmosfera de alegria (veja At 13.52; lTs 1.6). Embora a lista n ã o seja exaustiva, Paulo sintetiza muitas dessas qualidades divinas produzidas pelo Espírito Santo ao alistar os vários elementos do fruto do Espírito em Gaiatas 5.22-23. Outros elementos da atmosfera que o Espírito Santo pode transmitir são verdade (Jo 11.17; 15.26; 16.13; l j o 5.7), sabedoria (Dt 34.9; Is ,11.2), fonforto (At 9.31), liberdade (2Co 3.17), justiça (Rm 14.17), esperança (Rm 15.13; cf. Gl 5.5), consciência de filiação ou adoção (Rm 8.15-16; Gl 4.5-6) e até glória (2Co 3.8). O Espírito Santo traz também unidade (Ef 4.3) e poder (At 1.18; ICo 2.4; 2Tm 1.7; cf. A t 1.8). Todos esses elementos da atividade do Espírito Santo indicam os vários aspectos de uma atmosfera em que ele dá às pessoas a consciência de sua presença - e, desse modo, do seu caráter. 5. Ele nos d á s e g u r a n ç a . O Espírito Santo "testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus" (Rm 8.16) e fornece evidências da obra de Deus em nós: "E nisto conhecemos que ele permanece em nós, pelo Espírito que ele nos deu" ( l j o 3.24). "Nisto conhecemos que permanecemos nele, e ele, em nós: em que nos deu do seu Espírito" ( l j o 4.13). O Espírito Santo não só testemunha a nós que somos filhos de Deus, mas t a m b é m testifica que Deus permanece em nós e que estamos permanecendo nele. De novo, o que está envolvido é mais do que o nosso intelecto: o Espírito trabalha para nos dar segurança no nível subjetivo da percepção espiritual e emocional. 6. Ele ensina e ilumina. Outro aspecto da obra reveladora do Espírito Santo é o ensino de certas coisas ao povo de Deus e a iluminação desse povo para que possa entendê-las. Jesus prometeu essa função pedagógica especialmente aos seus discípulos quando lhes disse: "o Espírito Santo [...] vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito" (Jo 14.26).; e também: "ele vos guiará a toda a verdade" (Jo 16.13). Além disso, ele prometeu que quando seus discípulos fossem levados a juígamenU i por causa da perseguição, o Espírito Santo lhes ensinaria naquela hora o que dizer (I ,c 12.12; cf. M t 10.20; Mc 13.11). Em outras ocasiões, o Espírito Santo revelou informai i ies específicas para as pessoas - por exemplo, mostrando a Simeão que ele não moi reiia antes de ver o Messias (Lc 2.26), ou revelando a Ágabo que ocorreria uma fome (At 11.28) ou que Paulo seria preso e m j e r u s a l é m (At 21.11). Em outros casos, o Espírito Santo revelou a Paulo que ele sofreria e m j e r u s a l é m (At 20.23; 21.4), disse-lhe expressamente coisas que aconteceriam nos últimos dias ( l T m 4.1) e revelou-lhe o que Deus lem piepa rado para aqueles que o amam ( I C o 2.10). A obra iluminadora do Espírito Santo é vista no fato de que ele nos • upacita a entender: "Nós, porém, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espíi ilo | •dente de Deus, para que entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamente" (ICo 2.12, NVI). Por isso, "o homem que n ã o tem o Espírito n ã o aceita as coisas que vem do Espírito de Deus", mas "o homem espiritual discerne todas as coisas" ( I C o 2. I I 15, NVI). Devemos orar para que o Espírito Santo nos d ê sua iluminação e, desse modo, nos ajude a entender corretamente quando estudamos as Escrituras ou quando avaliamos situações em nossa vida. Embora n ã o mencione especificamente o Espírito Santo, o salmista orou por tal 539


(30) As Doutrinas de Cristo e do Espírito Santo

(30) A Obra do Espírito

iluminação quando pediu a Deus: "Desvenda os meus olhos, para que eu contemple tiJ maravilhas da tua lei" (Sl 119.18). De modo semelhante, Paulo orou pelos cristãos de Éfeso e arredores:

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Essa função unificadora do Espírito Santo é evidente também quando Paulo diz aos lilipenses: "Se há, pois, alguma exortação em Cristo, alguma consolação de amor, alguma comunhão do Espírito, [...] completai a minha alegria, de modo que penseis a mesma coisa, tenhais o mesmo amor, sejais unidos de alma, tendo o mesmo sentimento" (Fp 2.1-2). De modo semelhante, quando enfatiza a nova unidade entre judeus e gentios na igreja, ele diz que "por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito" (Ef 2.18), e que no Senhor eles são edificados juntamente para se tornarem nova casa de Deus "no Espírito" (Ef 2.22). Quando ele quer lembrar-lhes da unidade que devem ter como cristãos, exorta-os a se esforçarem "diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz" (Ef 4.3). A o discutir sobre dons espirituais Paulo t a m b é m repete esse tema da obra de unificaçaõ~pelo Espírito Santo. Enquanto pensamos que pessoas com dons diferentes não estariam prontas a se dar bem umas com outras, a conclusão de Paulo é exatamente oposta: dons diferentes nos aproximam, porque somos forçados a depender um do outro. "Não podem os olhos dizer à mão: N ã o precisamos de t i ; nem ainda a cabeça aos pés: Não preciso de vós" (ICo 12.21). Esses diferentes dons, Paulo nos diz, são concedidos por "um só e o mesmo Espírito", que os distribui "como lhe apraz, a cada u m , i n d i v i dualmente" ( I C o 12.11), de tal modo que na igreja "a manifestação do Espírito é concedida a cada u m visando a u m fim proveitoso" ( I C o 12.7). Na verdade, "em u m s ó Espírito, todos nós fomos batizados em u m corpo - judeus ou gregos, escravos ou livres - e todos nós fomos levados a beber de um só Espírito" (ICo 12.13, tradução do autor). A idéia de que o Espírito Santo unifica a igreja t a m b é m é evidente no fato de que "porfias, [...] discórdias, dissensões, facções" (Gl 5.20) são desejos da carne que se opõem a um tipo de vida em que somos "guiados pelo Espírito" (Gl 5.18; cf. v. 25). O Espírito Santo é o que produz amor em nosso coração (Rm 5.5; G l 5.22; C l 1.8), e seu amor "une perfeitamente todas as coisas" (Cl 3.14, BLH). Portanto, quando o Espírito Santo está operando de maneira poderosa numa igreja para manifestar a presença de Deus, isso se evidenciará numa bela harmonia na comunidade dos cristãos e no amor transbordante de uns pelos outros. 22

.... para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda espírito [ou: "o Espírito", NVI mg] de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele, iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a suprema grandeza do seu poder com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder" (Ef 1.17-19). D . O ESPÍRITO SANTO UNIFICA Quando o Espírito Santo foi derramado sobre a igreja no Pentecostes, Pedro proclamou que a profecia de Joel 2.28-32 fora cumprida: Mas o que ocorre é o que foi dito por intermédio do profeta Joel: E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões, e sonharão vossos velhos;

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até sobre os meus servos e sobre as minhas servas derramarei do meu Espírito naqueles dias, e profetizarão (At 2.16-18). H á uma ênfase na vinda do Espírito Santo sobre a comunidade de crentes - n ã o apenas sobre um líder como Moisés ou J o s u é , mas filhos e filhas, velhos e jovens, servos e servas - todos receberão o derramamento do Espírito Santo nesse tempo. No evento do Pentecostes, o Espírito Santo criou uma nova comunidade que era a igreja. A comunidade foi caracterizada por uma unidade sem precedentes, como Lucas nos lembra: 20

O ESPÍRITO SANTO DÁ SINAIS MAIS FORTES OU MAIS FRACOS DA PRESENÇA E BÊNÇÃO DE ÜEUS, SEGUNDO NOSSA RESPOSTA A ELE

Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo (At 2.44-47). Paulo a b e n ç o a a igreja de Corinto com uma b ê n ç ã o que busca a c o m u n h ã o inificadora do Espírito Santo para todos eles quando diz: "A graça do Senhor Jesus Cristo, • o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós" (2Co 13.13). É iguificativo que nesse versículo trinitário ele atribua especialmente o aprofundamento Ia c o m u n h ã o entre os crentes n ã o ao Pai ou ao Filho, mas ao Espírito Santo, uma I- - laração coerente com a obra geral de unificação da igreja desenvolvida pelo Espírito lanlo. 21

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Muitos exemplos no Antigo e no Novo Testamento indicam que o Espírito Santo irá conceder ou retirar bênção dependendo de estar satisfeito ou n ã o com a situação que vê. E digno de nota queJesus era completamente sem pecado e o Espírito Santo pousou sobre ele (Jo 1.32), não sendo dado ao Filho por medida (Jo 3.34). No Antiga-Testamento o Espírito Santo veio poderosamente sobre Sansão várias vezes (Jz 13.25; 14.6, 19; 15.14), mas p o r f i m o abandonou quando ele persistiu*no pecado (Jz 16.20). De m o d o semelhante, quando Saul persistiu na desobediência, o Espírito Santo se retirou dei© (ISm 16.14). E quando o povo de Israel se rebelou e entristeceu o Espírito Santo, este se voltou contra os israelitas (Is 63.10). Também no Novo Testamento o Espírito Santo pode ser entristecido e deixar de trazer bêriçãos para deteirminadas situações. Estêvão repreendeu os líderes judeus, dizendo: "vós sempre resistis ao Espírito Santo" (At 7.51). Paulo adverte os cristãos efésios: "E não entristeçais o Espírito de Deus, no qual fostes selados para o dia da redenção" (Ef 4.30); e 541


(30) A Obra do Espírito

(30) As Doutrinas de Cristo e do Espírito Santo exorta a igreja de Tessalônica: " N ã o apagueis o Espírito" (lTs 5.19; cf. a metáfora da moça que se demora para abrir a porta e desse modo desaponta o amado, em Ct 5.3, 6). Num estado de espírito semelhante, Paulo adverte seriamente os cristãos a não contaminar seu corpo, juntando-o a uma prostituta, porque o Espírito Santo vive dentro desse corpo: "Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que n ã o sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo" (ICo 6.19-20). Mais sério ainda que entristecer e apagar o Espírito Santo é uma desobediência mais profunda, mais empedernida a ele que traz severo julgamento. Ananias caiu morto quando Pedro o repreendeu: "... por que encheu Satanás teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, reservando parte do valor do campo?" (At 5.3). De modo semelhante^ quando Pedro disse a Safira, esposa de Ananias: "Por que entrastes em acordo para tentar o Espírito do Senhor?" (At 5.9), ela imediatamente caiu morta. O livro de Hebreus adverte aqueles que correm o risco de cair de que merece severa punição o homem "que calcou aos pés o Filho de Deus, e profanou o sangue da aliança com o qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da graça" (Hb 10.29). Para uma pessoa como essa resta apenas "certa expectação horrível de juízo" (Hb 10.27). Finalmente, resta mais um nível de ofensa contra o Espírito Santo. Essa espécie de ofensa é ainda mais séria que entristecê-lo ou agir contra ele em desobediência empedernida que atrai disciplina ou julgamento. É possível uma pessoa ofender o Espírito Santo de tal maneira que sua obra de convencimento não seja mais aplicada novamente na vida iela. 24

Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. Se alguém proferir alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á isso perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será isso perdoado, nem neste mundo, nem no porvir (Mt 12.31-32; cf. Mc 3.29; Lc 12.10). Essas declarações são feitas num contexto em que os fariseus, de maneira deliberada maldosa, atribuíram a Satanás a poderosa obra do Espírito Santo, evidente no ministério e Jesus. Uma vez que o Espírito Santo manifestava de maneira tão clara a «presença de >eus, aqueles que falavam contra ele de modo deliberado e maldoso e atribuíam sua tividade ao poder de Satanás eram culpados,Jesus disse, "de pecado eterno" (Mc 3.29)." Todas essas passagens indicam que devemos tomar muito cuidado para não entris•cer ou ofender o Espírito Santo. Ele n ã o irá se impor a nós contra nossa vontade (veja 2o 14.32), mas se resistirmos e nos opusermos a ele e o apagarmos, então seu poder nos •rá retirado e ele removerá de nossa vida grande parte da bênção de Deus. Por outro lado, na vida dos cristãos cuja conduta é agradável a Deus, o Espírito Santo ;tará presente para trazer grandes b ê n ç ã o s . O Espírito Santo foi "derramado" em enitude no Pentecostes (veja A t 2.17-18) e agora habita dentro dos verdadeiros crentes, zcndo deles templos do Deus vivo (ICo 3.16; 6.19-20). Podemos conhecer c o m u n h ã o tima e parceria com o Espírito Santo em nossa vida (2Co 3.14; Fp 2.1). Ele nos confia ms ( I C o 12.11), verdade (2Tm 1.14) e ministérios (At 20.28). De fato, tão plena e

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abundante será sua presença (pie Jesus p ô d e prometer que ele fluiria d o n o s s ai profundo interior como "rios de água viva" (Jo 7.38-39). Pedro promete que sua presença permanece especialmente sobre aqueles que sofrem por causa de Cristo: "Se, pelo nome Be Cristo, sois injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glonaede Deus" (lPe 4.14). Portanto, é importante que todo nosso ministério seja feito no Espírito Santo, isto é, que i onscientemente habitemos na atmosfera digna de Deus, criada pelo Espírito Santo - a atmosfera de poder, amor, alegria, verdade, santidade, justiça e paz. Mas maior ainda que essas características da atmosfera criada pelo Espírito Santo é a consciência da presença d< • próprio Espírito Santo - estar no Espírito Santo é estar realmente num ambiente da presença manifesta de Deus. É por isso que no Novo Testamento as pessoas podem andar no conforto do Espírito Santo (At 9.31) e é possível estar "em Espírito" tal como J o ã o no dia do Senhor (Ap 1.10; cf. 4.2). É surpreendente ver quantas atividades específicas o Novo Testamento diz serem feitas "no" Espírito Santo: é possível exultar no Espírito Santo (Lc 10.21), resolver ou decidir algo no Espírito Santo (At 19.21), ter a própria consciência testemunhando no Espírito Santo (Rm 9.1), ter acesso a Deus no Espírito Santo (Ef 2.18), orar no Espírito Santo (Ef 6.18; Jd 20) e amar no Espírito Santo (Cl 1.8). Sob a perspectiva desses textos, podemos perguntar a nós mesmos em quantas dessas atividades, a cada dia, estamos conscientes da presença e bênção do Espírito Santo. Também é possível ser cheio do Espírito Santo (Ef 5.18; cf. Lc 1.15,41, 67; 4.1; A t 2.4; 4.8; 6.3,5; 7.55; 9.17; 11.24; 13.9). Ser cheio do Espírito é ser cheio da presença imediata do próprio Deus, e isso portanto resultará em sentir o que Deus sente, desejar o que Deus deseja, fazer o que Deus quer, falar no poder de Deus, orar e ministrar na força que Deus concede e conhecer com o conhecimento que o próprio Deus d á . Nos períodos em que a igreja experimenta avivamento, o Espírito Santo produz esses resultados na vida das pessoas de modo especialmente poderoso. Portanto, na vida cristã é importante depender do poder do Espírito Santo, reconhecendo que qualquer obra mais expressiva é feita "não por força nem por poder, mus pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos" (Zc 4.6). Paulo é enfático ao dizer aos gaiatas que o Espírito Santo foi recebido pela fé no início da vida cristã deles (Gl 3.2) e continuaria a operar de acordo com sua fé na vida posterior à conversão: "Sois assim insensatos que, lendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne? [...] Aquele, pois, que vos concede o Espírito e que opera milagres entre vós, porventura o faz pelas obras dalei ou pela pregação da fé?" (Gl 3.3, 5). 26

Por essa razão, devemos andar segundo a direção do Espírito Santo (Rm 8.12-16; Gl 5.16-26) e concentrar nossa mente nas coisas do Espírito (Rm 8.4-6). Todo o nosso ministério, qualquer que seja a forma que ele assuma, deve ser desenvolvido no do Espírito Santo.

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(30) As Doutrinas de Cristo e do Espírito Santo NOTAS

(30) A Obra do Espírito

Santo r

1. Nesta discussão, quando uso a palavra "presente" quero dizer "presente para abençoar" como discutido na seção sobre a onipotência de Deus no capítulo 11. E claro que, desde que e" é plenamente Deus, o ser do Espírito Santo está sempre presente em todo lugar (é onipresente) mas nem sempre mostra sua presença em atividades que proporcionam bênção (veja capítul 11, divisão B.4). 2. Veja a discussão sobre a regeneração no capítulo 34. Além disso, como argumentamos no capítulo 39, a frase "batismo no Espírito Santo" é usada pelo Novo Testamento (por exemplo, em ICo 12.13) para falar da obra do Espírito Santo no momento em que nos tomamos cristãos (embora muitos evangélicos hoje, em especial nos grupos carismáticos e pentecostais, entendam que "batismo no Espírito Santo" se refere a algo que o Espírito Santo faz após a conversão). 3. Relacionado à obra do Espírito Santo de dar vida, temos o fato de que ele também sela sua obra para conosco para proteger os verdadeiros crentes de afastar-se de Deus e perder a salvação (Ef 1.13). 4. Aparentemente, é no sentido de capacitação para a realeza que Davi roga que não seja retirado dele o Espírito Santo quando ora: "Não me repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo Espírito" (Sl 51.11). O Espírito Santo, em seu papel de ungir Saul para a realeza, foi afastado de Saul ao mesmo tempo que veio sobre Davi (cf. ISm 16.13 com o v. 14); por isso Davi, após seu pecado com Bate-Seba (veja Sl 51, título), orou para que o Espírito Santo não fosse igualmente retirado dele. 5. O Espírito Santo também capacitou os profetas do Antigo Testamento dando-lhes revelações para serem comunicadas, mas incluí essa função na seção C abaixo ("O Espírito Santo revela"). 6. Antes do Pentecostes, no Novo Testamento também vemos que João Batista (Lc 1.15), Isabel (Lc 1.41) e Zacarias (Lc 1.67) são descritos como cheios do Espírito Santo. 7. Veja no capítulo 39, divisão B, uma discussão mais completa sobre as diferenças entre a obra do Espírito Santo na antiga aliança e na nova aliança. 8. A palavra traduzida aqui por "poder" (dynamis) ocorre mais nove vezes em Atos. Em um caso (4.33), não fica claro se esse "poder" se refere à pregação poderosa que convencia os ouvintes ou a sinais miraculosos que acompanhavam a pregação. Mas nos outros oito exemplos (2.22; 3.12; 4.7; 6.8; 8.10 [neste versículo designando poder pagão para operação de milagres], 13; 10.38; 19.11), refere-se a poder para realizar milagres. Esse significado do termo dynamis é, além disso, confirmado pelo seu freqüente uso no Evangelho de Lucas para se referir a poder para operação de milagres. Portanto, quando Jesus prometeu aos discípulos em Atos 1.8 que receberiam "poder" ao vir sobre eles o Espírito Santo, parece mais provável que tenham entendido que ele queria dizer ao menos o poder do Espírito Santo para operação de milagres, visando atestar a veracidade do evangelho. Uma vez que o contexto imediato da frase fala sobre ser testemunha de Jesus, podem também ter entendido que ele queria dizer que receberiam o poder do Espírito Santo para que este operasse por meio da pregação deles, trouxesse convicção de pecados e despertasse fé no coração das pessoas. Esse poder na pregação deles tomou-se evidente nos eventos que se seguiram, como quando os ouvintes de Pedro tiveram o coração compungido (At 2.37), ou quando "muitos [...] dos que ouviram a palavra a aceitaram, subindo o número de homens a quase cinco mil" (At 4.4).

parágrafo seguinte. 25. Veja no capítulo 24, divisão D.6, uma discussão mais completa sobre o pecado imperdoável. 26. Veja uma discussão mais extensa sobre o ser cheio do Espírito Santo no capítulo 39, divisão D.2.C

9. A palavra grega traduzida por "manifestação" é phanerõsis, que significa algo que se revela, algo que se toma evidente ou claro publicamente. O adjetivo relacionado phaneros significa "visível, claro, claramente visível, aberto, manifesto, evidente, conhecido" (BAGD, p. 852). 10. O Espírito Santo também dá poder para obedecer a Deus durante a vida cristã (veja a discussão na divisão B sobre a obra de purificação pelo Espírito Santo). 544

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11. Veja a discussão sobre Rm 8.26 no capítulo 18, divisão 15..>, c no capitulo .">.!, divisai • I 1 12. Veja a discussão sobre o orar em línguas no capítulo 53, divisão E. 13. Veja a discussão sobre esse tema em John Murray, "Definitive Sanctification", in Collecttd tings ofjohn Murray (Edinburgh and Carlisle, Pa.: Banner of Truth, 1977), p. 277-84. 14. Veja uma discussão mais extensa da santificação no capítulo 38. 15. VejaGn 15.12; Êx 40.35; ISm 19.24; lRs 8.1 l;Ez 1.28; 3.23; Dn8.27;Jo 18.6; At9.4; 10.10; H k p 1.17; 4.10 (compare os encontros com anjos em Dn 8.17-18; 10.7 1/ . 16.0 verbo traduzido aqui por "impelir" é ekballõ, que significa "expulsar" ou "expelir" e num Seul ido mais literal pode significar "lançar fora". 17. E possível que Ezequiel e João estejam falando de transporte numa visão (como em Ez 8.3 • 11.24) em vez de uma viagem física literal. Paulo admite as duas possibilidades em 2Co 12.2-3. 18. A palavra traduzida por "compelido" é um particípio perfeito passivo de deõ e significa Um evento completado no passado 'talvez uma forte convicção do Espírito Santo que fixou a •Dente de Paulo na viagem ajerusalém de uma vez por todas), mas que também tem resultados •Contínuos no presente, de modo que Paulo permanecia "compelido" quando falou (o evento [ ainda influenciava Paulo de modo tão poderoso que ele não tinha escolha senão continuar ivançando em direção ajerusalém). 19. Entretanto, é sempre perigoso seguir somente profecias espontâneas para orientação nesta era da igreja, uma vez que nunca devemos pensar hoje em qualquer profecia como Inerrante ou cem por cento exata. Enganos podem vir especialmente na área de orientação pessoal. Mas tudo isso não nos permite dizer que não pode existir nenhuma orientação que venha mediante profecia. Veja discussão mais extensa sobre a orientação subjetiva em geral e o dom da profecia em particular no capítulo 8, p. 87, e capítulo 53, divisão A. 20. Isso é também cumprimento do desejo de Moisés de que o Senhor pusesse seu Espírito ri a todo o seu povo (Nm 11.29), e da visão do vale de ossos secos vivificado pelo Espírito em Ez 37. Veja também Donald Guthrie, New Testament Theology, p. 512-13, 540, 562. 21. A palavra koinõnia, "comunhão", poderia significar também "participação no Espírito Santo", mas não faria muito sentido Paulo desejar-lhes algo que já tinham como crentes (participação no Espírito Santo). E melhor traduzjr essa expressão por "comunhão do Espírito Santo", enfatizando dessa forma a bênção concedida pelo Espírito que Paulo esperava crescer na igreja de Corinto. 22. A palavra grega koinõnia também é mais bem traduzida aqui por "comunhão" porque 0 propósito de Paulo em Fp 2.1-11 é encorajar a unidade na igreja de Filipos. (Veja também a nota anterior.) 23. Veja a discussão mais ampla desse versículo no capítulo 39, divisão B. 24. Essa passagem poderia também ser colocada na próxima categoria, discutida no

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(38) A Doutrina da Aplicação da Redenção v lato fim I ll> 9.13; 10.10; 13.12. Essas passagens falam de uma espécie cerimonial de que permite acesso a Deus e, como tal, "santificação" aqui se aplica ao começo da Idii i I I . I . I A ênfase, todavia, está no acesso a Deus em adoração, enquanto a ênfase paulina está |n iili. ação da penalidade acarretada pelo pecado Sob a lei de Deus. I Existe um uso diferente da palavra santificado na tradição do movimento wesleyano/ In 'Inicss dentro do protestantismo. Nesses círculos a experiência da santificação é algumas vezes M i.i como um evento singular posterior à conversão, pelo qual o cristão atinge um nível superior dr santidade, um nível algumas vezes conhecido como "santificação completa" ou "perfeição .••in pc< ado". Dentro dessa tradição, a santificação é vista como uma experiência que alguém I ÍUSCa na vida cristã e às vezes é capaz de alcançar. Portanto, enquanto a maioria dos protestantes diria: "eu estou sendo santificado", alguns dentro da tradição wesleyana/holiness diriam: "eu foi santificado", referindo-se não à ruptura inicial com o pecado que vem com a conversão, mas à experiência posterior, pela qual eles começam a conhecer a libertação do pecado deliberado na vida. As dificuldades com essa posição são esboçadas na seção 4: "A santificação nunca se completará nesta vida". 5. Veja o capítulo 42, sobre a glorificação (isto é, o recebimento de um corpo da ressurreição quando Cristo retorna). 6. Veja no capítulo 24, divisão D.2, uma discussão do fato de que os mandamentos de Deus nas Escrituras nem sempre implicam que tenhamos a capacidade de obedecer a eles. 7. ljo 5.18 deve ser entendido de modo semelhante. 8. Veja no capítulo 24, nota 16, uma discussão do ponto de vista de que ljo 1.8 não se aplica necessariamente a todos os cristãos. 9. John Murray, Redemption Accomplished and Applied, p. 124 (publicado no Brasil pela Cultura Cristã sob o título Redenção Consumada e Aplicada). 10. Ibid., p. 148-49. 11. Por outro lado, se quisermos dizer que a santificação é uma obra inteiramente de Deus e que nós usamos os meios da santificação a fim de contribuir para ela (ou alguma outra expressão semelhante), o significado é o mesmo. Estou simplesmente preocupado em que se dissermos que a santificação é uma obra inteiramente de Deus, podemos ser malcompreendidos e incentivar um papel excessivamente passivo por parte dos cristãos, que podem ser levados a pensar que não precisam fazer nada no processo de santificação de suas vidas. 12. Veja no capítulo 30, divisão C.3, mais uma discussão sobre a obra do Espírito Santo na santificação. 13. Esse versículo não usa a palavra "salvação" para se referir à justificação inicial, mas ao processo contínuo de experimentar cada vez mais as bênçãos da salvação; aqui, "salvação" eqüivale aproximadamente a "santificação". 14. Comparando nossa vida a uma árvore com duas grandes raízes, John Livingstone disse: "Satanás golpeia [...] ou a raiz da fé ou a raiz da diligência" (citado em D. M . M'Intyre, TheHidden Life ofPrayer [Minneapolis: Bethany Fellowship, 1969], p. 39). 15. Veja no capítulo 23, divisão B, uma discussão do fato de que "alma" e "espírito" são eventualmente tratados na Bíblia como sinônimos. 16. Naturalmente, a debilidade física virá inevitavelmente com a idade e, às vezes, bem antes devido à enfermidade, mas isso está em harmonia com o aumento da santificação porque o poder de Deus "se aperfeiçoa na fraqueza" (2Co 12.9). Paulo claramente ensina isso quando diz: "Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós" (2Co 4.7) e: "Não desan imamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se, corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia" (2Co 4.16). 17. Veja no capítulo 56, divisão C.3, uma discussão sobre os graus do galardão no céu. I

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Batismo e Plenitude no Espírito Santo Devemos buscar um "batismo no Espírito Santo" após a conversão? Que significa ser cheio do Espírito Santo?

Tradicionalmente, os livros de teologia sistemática não têm incluído um capítulo sobre o batismo no Espírito Santo nem sobre a plenitude do Espírito Santo como parte do estudo da "ordem de salvação", os passos através dos quais os benefícios da salvação se aplicam à nossa vida. Mas com a disseminação do pentecostalismo que se iniciou em 1901, com a influência bem ampla do movimento carismático nas décadas de 1960 e 1970 e com o notável crescimento das igrejas pentecostais e carismáticas* pelo mundo inteiro desde 1970 até o presente, a questão de u m "batismo no Espírito Santo" distinto da regeneração adquiriu maior proeminência. Coloquei este capítulo exatamente neste ponto de nosso estudo sobre a aplicação da redenção por duas razões: (1) uma compreensão apropriada dessa questão deve pressupor uma compreensão da regeneração, adoção e santificação, assuntos esses discutidos nos capítulos anteriores. (2) Todos os capítulos anteriores sobre a aplicação da redenção discutiram eventos que ocorrem (ou, no caso da santificação, que começa) no momento em que a pessoa se torna cristã. Mas essa questão trata de um evento que ocorre ou no momento da conversão (de acordo com uma visão) ou em algum tempo após a conversão (de acordo com outra visão). Além disso, cristãos de ambos os lados da questão concordam em que alguma espécie de segunda experiência aconteceu a muitas pessoas após a conversão delas, e por esse motivo uma questão muito importante é como entendemos essa experiência segundo a Bíblia e que categorias das Escrituras se aplicam de maneira mais adequada a ela. 1

EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA A. A CONCEPÇÃO PENTECOSTAL TRADICIONAL tema deste capítulo se tornou importante hoje porque muitos eristAoi dizem ter experimentado u m "batismo no Espírito Santo" que veio depois que elos se converteram e trouxe grandes bênçãos para a vida deles. Alegam que a oração e o estudo da Bíblia se tornaram muito mais importantes e eficazes, que descobriram nova alegria na adoração, 635


(39) Batismo e Plenitude no Espírito

(39) A Doutrina da Aplicação da Redenção iiillm viv.es di/em <|iie receberam novos dons espirituais (em especial, e com mais ni ia, d dom de falar cm línguas). I i | H .siçào pentecostal ou carismática tradicional é sustentada usando-se a Bíblia da seguinte maneira: (I) Os discípulos de Jesus eram crentes nascidos de novo muito antes do dia de 1'eiilecostes, talvez durante a vida e o ministério de Jesus, mas com certeza na hora em que Jesus, depois de sua ressurreição, "soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo" (Jo 20.22). ' f (2) Jesus no entanto ordenou a seus discípulos que "não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai" (At 1.4), dizendo-lhes: "... sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias" (At 1.5). Ele lhes disse: "... recebereis poder ao descer sobre vós o Espírito Santo" (At 1.8). Os discípulos obedeceram então à ordem de Jesus e esperaram e m j e r u s a l é m que o Espírito Santo viesse sobre eles de modo que recebessem nova capacitação para testemunho e ministério. ^3) Quando os discípulos já haviam esperado dez dias, chegou o dia de Pentecostes, ínguas de fogo pousaram sobre eles, "todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem" (At 2.4). Isso mostra claramente que eles receberam u m batismo no (ou com o ) Espírito Santo. Embora os discípulos fossem nascidos de novo muito antes do Pentecostes, nesse dia eles receberam um "batismo com o Espírito Santo" (At 1.5 e 11.16 referem-se a esse evento dessa maneira), subseqüente à conversão e que resultou em grande capacitação para o ministério e t a m b é m no falar em línguas. (4)[Ps cristãos hoje, assim como os apóstolos, devem pedir ajesus um "batismo no Espírito Santo" e, dessa forma, seguir o padrão da vida dos discípulos."' Se recebermos esse batismo no Espírito Santo, isso resultará em muito mais poder para o ministério em nossa vida, exatamente como aconteceu na vida dos discípulos, e t a m b é m muitas vezes (ou sempre, de acordo com alguns professores) no falar em línguas. V ^ ) ^P.PJP.P ^ esse padrão - em que pessoas primeiro nascem de novo e mais tarde são batizadas no Espírito Santo - é visto em várias outras instâncias no livro de Atos. É visto, por exemplo, em Atos 8, onde os habitantes de Samaria primeiro se tornaram :ristãos quando "deram crédito a Filipe, que os evangelizava a respeito do reino de Deus nome de Jesus Cristo" (At 8.12), mas só mais tarde receberam o Espírito Santo quando os apóstolos Pedro e J o ã o vieram de Jerusalém e oraram por eles (At 8.T$ lT}y~ Outro exemplo é encontrado em Atos 19, em que Paulo chegou a Éfeso e encontrou 'alguns discípulos" (At 19.1). Mas, "impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e tanto falavam em línguas como profetizavam" (At 19.6). lí<

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novo no livro de Atos? (3)JLxistem outras expressões bíblicas, tais como "cheio do I | IÜ u« Santo", que sejam mais apropriadas para descrever uma capacitação com o Espírito Sunti i depois da conversão? B . QUE SIGNIFICA "BATISMO NO ESPÍRITO SANTO" NO NOVO TESTAMENTO? H á apenas sete passagens no Novo Testamento em que lemos sobre alguém batizado no Espírito Santo. (As traduções citadas aqui usam a palavra com em lugar de em.) Alistamos abaixo as sete passagens. Nos primeiros quatro versículos, J o ã o Batista fala de Jesus e prediz que ele batizaria pessoas no (ou com o) Espírito Santo: s

Mateus 3.11: "Eu vos batizo com água, para arrependimento; mas aquele que vem depois de mim é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de levar. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com o fogo." Marcos 1.8: "Eu vos tenho batizado com água; ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo." Lucas 3.16: "Eu, na verdade, vos batizo com água, mas vem o que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias: ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo." João 1.33: "Aquele, porém, que me enviou a batizar com água me disse: Aquele sobre quem vires descer e pousar o Espírito, esse é o que batiza com o Espírito Santo." É difícil extrair alguma conclusão dessasquatro passagens com respeito ao que o batismo com o Espírito Santo realmente é. Descobrimos que Jesus é aquele que realizará esse batismo e ele batizará seus seguidores. Mas não é dada nenhuma outra especificação desse batismo. As duas passagens seguintes referem-se diretamente ao Pentecostes: Atos 1.5: [Aqui Jesus diz:] "João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias." Atos 11.16: [Aqui Pedro refere-se às palavras de Jesus citadas no versículo anterior. Ele diz:] "Então, me lembrei da palavra do Senhor, quando disse: João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo."

Todos esses exemplos (At 2, 8, às vezes 10, e 19) são citados pelos pentecostais para nostrar que um "batismo no Espírito Santo" posterior à conversão é uma ocorrência íormal para os cristãos do Novo Testamento. Portanto, argumentam, se era normal para >s cristãos em Atos ter essa segunda experiência algum tempo depois da conversão, não leveria ser normal t a m b é m para nós hoje? Podemos analisar essa questão do batismo no Espírito Santo fazendo três perguntas: 1) Que significa a frase "batismo no Espírito Santo" no Novo Testamento? (2) Como levemos entender as "segundas experiências" que sobrevieram aos crentes nascidos de

Essas duas passagens mostram-nos que seja qual for o nosso entendimento sobre o batismo no Espírito Santo, com certeza ele aconteceu no dia de Pentecostes tal como está registrado em Atos 2: o Espírito Santo caiu com grande poder sobre os discípulos e os que estavam juntos, eles falaram em outras línguas e cerca de três mil pessoas se converteram (At 2.14). - r. ^

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(39) A Doutrina da Aplicação da Redenção

(39) Batismo e Plenitude no Espírito

I importante observar que todos esses seis versículos usam quase exatamente a mesma expressão em grego, tendo como únicas diferenças algumas variações na ordem das palavras ou no tempo dos verbos visando ajustar a frase, e com um exemplo trazendo a preposição subentendida ao invés de explícita." A única referência que resta no Novo Testamento encontra-se nas epístolas de

Paulo: ICoríntios 12.13: "Pois em um só corpo todos nós fomos batizados em um único Espírito: quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um único Espírito." A questão agora é se ICoríntios 12.13 se refere à mesma atividade aludida nesses seis outros versículos. Em muitas traduções inglesas parece diferente, pois muitas delas eqüivalem à RSV, que diz: "Pois por um só Espírito todos nós fomos batizados em um corpo". Aqueles que sustentam o ponto de vista pentecostal do batismo no Espírito Santo depois da conversão concluem rapidamente que esse versículo se refere a alguma outra coisa que não o batismo no Espírito Santo, e com freqüência enfatizam a diferença que surge das traduções inglesas. Em todos os outros seis versículos, é Jesus quem batiza as pessoas, e o Espírito Santo é o "elemento" (paralelo à água no batismo físico) em que ou com que Jesus batiza. Mas aqui em ICoríntios 12.13 (prossegue a explicação pentecostal) temos algo bem diferente - aqui a pessoa que batiza n ã o é Jesus, mas o Espírito Santo. Portanto, dizem, ICoríntios 12.13 não deve ser levado em consideração quando perguntamos o que 0 Novo Testamento quer dizer com "batismo no Espírito Santo". Esse ponto é muito importante para a posição pentecostal, pois se admitirmos que ICoríntios 12.13 se refere ao batismo no Espírito Santo, é muito difícil sustentar que ele é uma experiência que vem depois da conversão. Neste versículo Paulo diz que o batismo no/com/pelo Espírito Santo nos faz membros do corpo de Cristo - "em u m só corpo todos nós fomos batizados em um único Espírito" (NVI). Mas se isso for realmente u m "batismo no Espírito Santo", o mesmo evento a que se referem os seis versículos anteriores, então Paulo está dizendo que ele aconteceu a todos os coríntios quando eles se tornaram membros do corpo de Cristo, isto é, quando eles se tornaram cristãos. Pois foi esse batismo que resultou no fato de eles se tornarem membros do corpo de Cristo, a igreja. Tal conclusão seria muito difícil para a posição pentecostal, que sustenta que o batismo no Espírito Santo é algo que ocorre depois da conversão, n ã o ao mesmo tempo. E possível sustentar a posição pentecostal segundo a qual os outros seis versículos -eferem-se a batismo feito porJesus em que ele nos batiza no (ou com o) Espírito Santo, nas ICoríntios 12.13 se refere a algo diferente, a um batismo pelo Espírito Santo? Embora 1 distinção p a r e ç a fazer sentido para algumas traduções inglesas, ela n ã o pode ser ealmente sustentada por u m exame do texto grego, pois ali a expressão é quase idêntica is expressões que temos visto nos outros seis versículos. Paulo diz en heni pneumati [...] 'baptisthemen ( "em um Espírito [...] fomos batizados"). A n ã o ser por uma pequena liferença (ele se refere a "um Espírito" em vez de dizer "o Espírito Santo"), todos os lemais elerfientos são iguais: o verbo é baptizõ, e a frase preposicional contém as mesmas talavras (en mais o substantivo no dativo pneumati). Se traduzimos essa mesma expressão Tega por "batizar no Espírito Santo" (ou "batizar com o Espírito Santo") nas outras seis 10

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passagens do Novo Testamento em que a encontramos, então a única coisa a p i o p n a d a é que traduzamos da mesma maneira na sétima passagem. E n ã o importa como I r a d u zamos, parece difícil negar que os primeiros leitores tenham entendido que essa frase s e refere à mesma coisa que os outros seis versículos, pois para eles as palavras eram as mesmas. Mas por que as traduções inglesas modernas traduziram esse versículo "Por um só Espírito todos nós fomos batizados em um corpo", dando assim aparente apoio à interpretação pentecostal? Devemos observar primeiro que a NASB apresenta "em" como tradução alternativa, e a Niv dá nas margens "com" e "em" como opções. A razão pela qual essas traduções têm escolhido a palavra "por" é, aparentemente, o desejo de evitar a menção de dois locais para o batismo na mesma oração. A frase já diz que esse batismo é "em um corpo" e talvez os tradutores tenham pensado que parece desajeitado dizer "em um Espírito todos nós fomos batizados « n u m corpo". Porém, isso não deve ser visto como uma grande dificuldade, pois Paulo diz, referindo-se a israelitas, "em Moisés, todos eles foram batizados na nuvem e no mar" ( I C o 10.2, NVI) - uma expressão paralela muito próxima em que a nuvem e o mar são os "elementos" que circundaram ou cobriram o povo de Israel e Moisés significa a nova vida de participação na aliança mosaica e na comunhão do povo de Deus (guiado por Moisés) em que os israelitas se viam incluídos depois de terem passado pela nuvem e pelo mar. N ã o é que havia dois locais para o mesmo batismo, mas um era o elemento em que eles foram batizados, e o outro, o lugar em que se viram depois do batismo. Isso é muito semelhante a ICoríntios 12.13: o Espírito Santo era o elemento em que eles foram batizados, e o corpo de Cristo, a igreja, era o lugar em que eles se achavam depois do batismo." Parece, portanto, apropriado concluir que ICoríntios 12.13 também se refere ao batismo "no" ou "com o" Espírito Santo e designa a mesma coisa que os outros seis versículos mencionados. Mas isso traz uma implicação importante para nós: quer dizer que, pelo menos no que concerne ao apóstolo Paulo, o batismo no Espírito Santo ocorria no momento da conversão. Ele diz que todos os coríntios foram batizados no Espírito Santo e, como resultado, tornaramse membros do corpo de Cristo: "Pois, em u m só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo" (ICo 12.13). "Batismo no Espírito Santo", portanto, deve-se referir à atividade do Espírito Santo no início da vida cristã quando ele nos dá nova vida espiritual (na regeneração), além de nos purificar e conceder um claro rompimento com o poder do pecado e o amor por ele (o estágio inicial da santificação). Nesse sentido, "batismo no Espírito Santo" refere-se a tudo aquilo que o Espírito Santo faz no início de nossa vida cristã. Mas isso significa que n ã o pode designar uma experiência depois da conversão, como a interpretação pentecostal o considera. Mas como, então, devemos entender as referências ao batismo no Espírito Santo em Atos 1.5 e 11.6, que se referem ao dia de Pentecostes? N ã o seriam elas exemplos em que os discípulos, tendo sido anteriormente regenerados pelo Espírito Santo, experimentaram agora uma nova capacitação do Espírito Santo que lhes dá poder para ministrar com eficiência? É verdade que os discípulos eram "nascidos de novo" bem antes de Pentecostes, e na verdade bem antes de Jesus soprar sobre eles e dizer-lhes que recebessem o Espírito Santo em J o ã o 20.22. Jesus havia falado: "Ninguém pode vir a m i m se o Pai, que me enviou, não o trouxer" (Jo 6.44), e os discípulos com certeza tinham ido e seguido ajesus (embora 12

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(39) A Doutrina da Aplicação da Redenção

(39) Batismo e Plenitude no Espírito

ii I K I I M H iiio deles quanto a quem Jesus era tenha aumentado gradualmente com o |in u do tempo). ( 'mu certeza, quando Pedro disse ajesus "tu es o Cristo, o Filho do Deus \ ivo" (Ml 16. 16), isso era evidência de alguma espécie de obra regeneradora do Espírito mio em seu coração. Jesus lhe disse: "... não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus" (Mt 16.17). E Jesus tinha dito ao Pai a respeito de seus dis< ipulos: "... porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste, e eles ai receberam, e verdadeiramente conheceram que saí de ti, e creram que tu me enviaste. [...] protegi-os, e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura" (Jo 17.8, 12). Os discípulos às vezes padeciam de "pequena fé" (Mt 8.26), mas pelo menos tinham fé! Certamente, foram regenerados bem antes do dia de Pentecostes. Devemos, porém, entender que o dia de Pentecostes é muito mais que u m evento específico na vida dos discípulos de Jesus e daqueles que estavam com eles. O dia de Pentecostes foi o ponto de transição entre a obra e ministério do Espírito Santo na antiga aliança e a obra e ministério do Espírito Santo na nova aliança. Obviamente, o Espírito Santo esteve agindo através de todo o Antigo Testamento, pairando por sobre as águas no primeiro dia da criação (Gn 1.2), capacitando pessoas para o serviço a Deus, para liderança e profecia (Êx 31.3; 35.31; D t 34.9; Jz 14.6; ISm 16.13; Sl 51.11, et al.). Mas durante esse tempo a obra do Espírito Santo na vida de indivíduos era, em geral, realizada com menos poder. 14

H á vários indícios de uma obra menos poderosa e menos extensa do Espírito Santo na antiga aliança: o Espírito Santo veio só sobre poucas pessoas com poder expressivo para o ministério (Nm 11.16-17, por exemplo), mas Moisés ansiava pelo dia em que o Espírito Santo seria derramado sobre todo o povo de Deus: "Tomara todo o povo do SENHOR fosse profeta, que o SENHOR lhes desse o seu Espírito!" (Nm 11.29). A capacitação do Espírito Santo para ministérios especiais poderia ser perdida, como aconteceu na vida de Saul (ISm 16.14), e como Davi receou que poderia acontecer em sua própria vida (Sl 51.11). Quanto ao poder espiritual na vida do povo de Deus, havia pouco poder sobre o domínio de Satanás, resultando em evangelização muito pouco eficaz das nações ao redor de Israel e nenhum exemplo de capacidade de expulsar demônios. A obra do Espírito Santo na antiga aliança era quase completamente limitada à nação de Israel, mas na nova aliança é criada uma nova "habitação de Deus" (Ef 2.22), a igreja, que une gentios e judeus em um só corpo de Cristo. * 15

Além disso, o povo de Deus do Antigo Testamento ansiava por uma era de "nova aliança" em que a obra do Espírito Santo seria muito mais poderosa e muito mais difundida (Nm 11.29;Jr 31.31-33; Ez 36.26-27; J l 2.28-29). 16

Quando o Novo Testamento se abre, vemos J o ã o Batista como o último profeta do Antigo Testamento. Jesus disse: "... entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que J o ã o Batista; mas o menor no reino dos céus é maior do que ele [...] todos os profetas e a lei profetizaram até J o ã o . E, se o quereis reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava para vir" (Mt 11.11-14). J o ã o sabia que ele batizava com água, mas Jesus batizaria com o Espírito Santo (Lc 3.16). J o ã o Batista, portanto, ainda vivia uma experiência de atuação do Espírito Santo própria da "antiga aliança". Na vida de Jesus, vemos em ação pela primeira vez o poder do Espírito Santo da nova aliança. O Espírito Santo desceu sobre ele por ocasião do seu batismo (Lc 3.21-22), e

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Santo

depois de sua tentação, Jesus, "nopoder do Espírito, regressou para a Galiléia" (I/C l . l l ) . Começamos a ver então com que se parece esse poder do Espírito Santo na nova aliança, pois Jesus expulsa d e m ô n i o s com uma palavra, cura todos os que são levados a ele e ensina com autoridade que as pessoas nunca tinham visto (veja Lc 4.16-44 et al.). Os discípulos, entretanto, n ã o recebem essa capacitação plena da nova aliança para o ministério antes do dia de Pentecostes, pois Jesus lhes diz que esperem emjerusalém e promete: ".TTrecebereispoder, ao descer sobre vós o Espírito Sanío" (At 1.8). Isso representou uma transição na vida dos discípulos também (Jo 7.39; 14.17; 16.7; A t 2.16). A promessa de Joel de que o Espírito Santo viria em plenitude da nova aliança se cumpriu (At 2.16) assim que Jesus voltou ao céu e recebeu autoridade para derramar o Espírito Santo em nova plenitude e poder (At 2.33). Qual foi o resultado na vida dos discípulos? Esses crentes, que haviam tido na vida uma experiência da antiga aliança, menos poderosa, do Espírito Santo, receberam no dia de Pentecostes uma experiência mais poderosa com o Espírito Santo que passou a atuar na vida deles dentro da nova aliança. Receberam "poder" muito maior (At 1.8), poder para viver a vida cristã e desempenhar o ministério cristão. Essa transição da experiência com o Espírito Santo na antiga aliança para a experiência com o Espírito Santo na nova aliança pode ser visualizada na figura 39.1. Nesse diagrama, a área cinzenta mais estreita na parte de baixo da figura representa a obra menos poderosa do Espírito Santo na vida de indivíduos durante a antiga aliança. A área mais larga que começa no Pentecostes mostra a obra mais poderosa do Espírito Santo na vida das pessoas depois daquele dia. As áreas para a "era presente" e para a "era vindoura" se s o b r e p õ e m agora porque os poderes da era vindoura irromperam na presente era que é má, de modo que os cristãos vivem numa "superposição de eras". As linhas pontilhadas antes do Pentecostes indicam que na vida de Jesus a obra mais poderosa do Espírito Santo já se iniciara de um modo que antecipava (e até sobrepujava) 17

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19

o que viria no Pentecostes. Esse poder da nova aliança deu aos discípulos maior eficiência em seu ministério (At 1.8; Ef 4.8, 11-13), poder muito maior para a vitória sobre a influência do pecado na vida de todos os crentes (note em R m 6.11-14; 8.13-14; G l 2.20; Fp 3.10 a ênfase no poder da ressurreição de Cristo que opera em nós) e poder para a vitória sobre Satanás e forças demoníacas que atacariam os crentes (2Co 10.3-4; Ef 1.19-21; 6.10-18; l j o 4.4). Esse poder do Espírito Santo que pertence à nova aliança também resultou numa ampla e até entfto desconhecida distribuição de dons para o ministério a todos os crentes (At 2.16 I H ; ICo 12.7, 11; lPe 4.10; cf. N m 11.17, 24-29). Esses dons têm t a m b é m implicações coleth •> porque se pretendia que fossem usados não de maneira individualista, mas sim paia a edificação coletiva do corpo de Cristo ( I C o 12.7; 14.12). Isso significava também OUI " evangelho n ã o mais seria limitado efetivamente aos judeus, mas todas as raça' ouviriam a boa nova em poder e seriam unidos na igreja, para a glória de Deill I l ' '-I I 3.IO). O dia de Pentecostes foi sem dúvida u m momento extraordinái H i d' liaii Içi toda a história da redenção registrada nas Escrituras. Foi um dia singuloi nu hil I do 20

mundo, porque naquele dia o Espírito Santo começou a atuar entre o povo de I >ru o poder da nova aliança.


(39) Batismo e Plenitude no Espírito

(39) A Doutrina da Aplicação da Redenção Pentecostes

Santo 1

C . COMO DEVEMOS ENTENDER OS CASOS DE "SEGUNDA EXPERIÊNCIA' I M ^Era vindoura

Volta de Cristo

ATOS? 1

• presente

• •

:+

Experiência com o Espírito Santo na antiga aliança

Experiência com o Espírito Santo na nova aliança

NO PENTECOSTES, OS CRENTES VIVENC1ARAM A TRANSIÇÃO ENTRE A EXPERIÊNCIA COM O ESPÍRITO SANTO NA ANTIGA ALIANÇA E A EXPERIÊNCIA MAIS PODEROSA COM O ESPÍRITO SANTO NA NOVA ALIANÇA

Figura 39.1 Mas esse fato ajuda-nos a entender o que ocorreu aos discípulos no Pentecostes. Eles receberam essa nova e extraordinária capacitação do Espírito Santo porque viviam no época de transição entre a obra do Espírito Santo na antiga aliança e a obra do Espírito Santo na nova aliança. Embora aquela fosse uma "segunda experiência" com o Espírito Santo, que veio bem depois da conversão deles, não deve ser tomada como padrão para nós, pois não estamos vivendo numa época de transição na obra do Espírito Santo. Hoje não precisamos nos tornar primeiro crentes com uma obra mais fraca do Espírito Santo, própria da antiga aliança, em nosso coração e esperar até algum tempo mais tarde receber uma obra do Espírito Santo, pertencente à nova aliança. Antes, estamos na mesma posição daqueles que se tornaram cristãos na igreja de Corinto: quando nos tornamos cristãos, somos todos "em um só Espírito [...] batizados em um corpo" (ICo 12.13) - exatamente como os coríntios e como os novos crentes em muitas igrejas, que se converteram quando Paulo realizava suas viagens missionárias. « Para concluir, os discípulos com certeza experimentaram "um batismo no Espírito Santo" depois da conversão no dia de Pentecostes, mas isso ocorreu porque estavam vivendo num momento único na história, e, portanto, esse evento na vida deles não é um padrão que devemos procurar imitar. Que devemos dizer sobre a frase "batismo no Espírito Santo"? É uma frase que os autores do Novo Testamento usam para falar sobre a vinda do poder do Espírito Santo da nova aliança. Isso ocorreu no Pentecostes com os discípulos, mas ocorreu no momento da conversão com os coríntios e também conosco. N ã o é uma frase que os autores do Novo Testamento teriam usado para falar de alguma experiência pós-conversão de capacitação pelo Espírito Santo. 21

642

Mas mesmo que tenhamos entendido corretamente a experiência dos discípulo! IV Pentecostes registrada em Atos 2, não há outros exemplos de pessoas que tiveram uma "segunda experiência" de capacitação pelo Espírito Santo depois da conversão, como aquelas de Atos 8 (em Samaria), Atos 10 (a família de Cornélio) e Atos 19 (os discípulos de Éfeso)? Estes n ã o são t a m b é m exemplos realmente convincentes para provar a doutrina pentecostal do batismo no Espírito Santo. Primeiro, normalmente a expressão "batismo no Espírito Santo" não é usada para se referir a qualquer desses eventos, e isso deve causarnos certa hesitação em aplicar essa frase a eles. Mas o mais importante é que ao examinar cada caso mais de perto vemos mais claramente o que estava acontecendo nesses eventos. Em Atos 8.4-25, as pessoas de Samaria "deram crédito a Filipe, que os evangelizava a respeito do reino de Deus e do nome de Jesus Cristo" e foram batizadas, "assim homens como mulheres" (At 8.12). Alguns têm argumentado que esta não era fé salvífica genuína por parte dos samaritanos. Contudo, não existe no texto nenhum indício de que Filipe tivesse uma compreensão deficiente do evangelho (ele havia-se destacado na igreja de Jerusalém) ou de que o próprio Filipe pensasse que a fé deles em Cristo era inadequada, pois permitiu que fossem batizados (At 8.12). Uma compreensão melhor desse evento seria que Deus, em sua providência, esperou de maneira soberana para dar aos samaritanos a capacitação da nova aliança do Espírito Santo diretamente pelas mãos dos apóstolos (At 8.14-17), de modo que ficasse evidente aos principais líderes da comunidade de Jerusalém que os samaritanos não eram cidadãos de nível inferior, mas membros plenos da igreja. Isso era importante por causa da animosidade histórica entre judeus e samaritanos ("os judeus n ã o se dão com os samaritanos", Jo 4.9) e porque Jesus tinha especificado que a expansão do evangelho para Samaria seria o próximo passo principal após sua pregação emjerusalém e na região d a j u d é i a ao redor de Jerusalém: "... sereis minhas testemunhas tanto e m j e r u s a l é m como em toda a j u d é i a e Samaria e até aos confins da terra" (At 1.8). Dessa forma, o evento em Atos 8 foi uma espécie de "Pentecostes de Samaria", um derramamento especial do Espírito Santo sobre o povo de Samaria, uma raça mista formada por ancestrais judeus e gentios, de modo que se tornasse evidente a todos que as bênçãos plenas e o poder do Espírito Santo, perten centes à nova aliança, tinham vindo também a esse grupo de pessoas e não estavam limi tadas apenas aos judeus. Como esse é um evento especial na história da redenção, no processo em que o padrão de Atos 1.8 se concretiza no livro de Atos, não é um padrài i n ser repetido por nós hoje. É simplesmente parte da transição entre a experiência Com 0 Espírito Santo na antiga aliança e a experiência com o Espírito Santo na nova aliança \ situação em Atos 10 é menos complicada, pois nem mesmo fica claro que ('oi neliu era um crente genuíno antes de Pedro chegar e pregar-lhe o evangelho. Com certeza, ele ua< i tinha confiado em Cristo para receber a salvação. E antes u m gentio, um doi primeiros exemplos da maneira pela qual o evangelho seguiria "até os confins da tei ia" (Al 1.8). Certamente, Cornélio n ã o creu primeiro na morte e ressurreição de C u s t o pela sua salvação para mais tarde chegar a uma segunda experiência posleiioi a < onveisao. 22

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(39) Batismo e Plenitude no Espírito

(39) A Doutrina da Aplicação da Redenção Em Atos I!), mais uma vez encontramos uma situação de algumas pessoas que não] imli.mi lealmente ouvido o evangelho da salvação por meio de Cristo. Elas tinham sido] batizadas no batismo de J o ã o Batista (At 19.3); portanto, eram provavelmente pessoas que] tinham ouvido J o ã o Batista pregar ou tinham conversado com quem havia ouvido sua] pregação e tinham sido batizadas "no batismo de J o ã o " (At 19.3) como sinal de que estavam arrependidas dos seus pecados e preparando a si mesmas para o Messias que I estava por vir. Com certeza não tinham ouvido da morte e ressurreição de Cristo, pois nem sequer tinham ouvido que existia o Espírito Santo (At 19.2)! - fato que n ã o seria desconhecido por ninguém que tivesse presenciado o Pentecostes ou que tivesse ouvido o evangelho depois do Pentecostes. E provável que elas nem mesmo soubessem que Jesus viera, vivera e morrera, pois Paulo teve de lhes explicar: "João realizou batismo de arrependimento, dizendo ao povo que cresse naquele que vinha depois dele, a saber, emJesus" (At 19.4). Portanto, esses "discípulos" em Efeso não tinham o entendimento da nova aliança ou a fé da nova aliança, e certamente não tinham uma capacitação pelo Espírito Santo que pertence à nova aliança - eles eram "discípulos" apenas no sentido de seguidores de J o ã o Batista que ainda estavam esperando pelo Messias. Quando ouviram sobre ele, creram e então receberam o poder do Espírito Santo digno do evangelho do Senhor Jesus Cristo ressurreto.

Santo

Bento. Isso pode ser ilustrado como na figura 39.2, que mostra o mundo dividido em duaj categorias, crentes comuns e crentes batizados no Espírito. Mas tal divisão de cristãos em duas categorias n ã o é uma c o m p r e e n s ã o singular encontrada somente no ensino pentecostal no século X X . De fato, muito do ensino pentecostal veio de antigos grupos de santidade que ensinavam que os cristãos poderiam Ser crentes comuns ou crentes "santificados". Outros grupos têm dividido os cristãos usando diferentes categorias, tais como crentes comuns e aqueles que são "cheios do Espírito", ou crentes comuns e aqueles que são "discípulos", ou cristãos "carnais" e "espirituais". De fato, a Igreja Católica Romana h á muito tem n ã o só duas, mas três categorias: crentes comuns, sacerdotes e santos. Todas essas divisões em diferentes categorias de cristãos podem ser vistas na figura 39.3. 27

cristãos batizados no Espírito cristãos cristãos comuns

Por isso, esses discípulos em Efeso também não são certamente padrão para nós hoje, pois não temos fé primeiro num Messias pelo qual esperamos, para depois ficar sabendo que Jesus j á veio, viveu, morreu e ressuscitou. Chegamos à compreensão do evangelho de Cristo imediatamente e, tal como os coríntios, entramos de imediato numa experiência de poder do Espírito Santo que pertence à nova aliança. Parece, portanto, que não há textos do Novo Testamento que nos incentivem a buscar uma segunda experiência de "batismo no Espírito Santo" que venha depois da conversão.

nao cristãos

26

CRISTÃOS DIVIDIDOS EM DUAS CATEGORIAS: COMUNS E BATIZADOS NO ESPÍRITO

Figura 39.2

D . QUE TERMOS DEVEMOS USAR PARA NOS REFERIR À CAPACITAÇÃO PELO ESPÍRITO SANTO QUE ACONTECE DEPOIS DA CONVERSÃO? As seções anteriores argumentaram que "batismo no Espírito Santo" não é o termo usado pelos autores do Novo Testamento para falar de uma obra do Espírito Santo pósconversão e que os exemplos de "segunda experiência" de recepção do rLspírito Santo no livro de Atos não são padrões que devemos imitar em nossa vida cristã. Mas permanece a questão: "Que está acontecendo realmente aos milhões de pessoas que afirmam que receberam esse 'batismo no Espírito Santo' e que isso trouxe muito mais bênçãos à sua vida? Será possível que essa seja uma obra genuína do Espírito Santo, mas que as categorias e os exemplos bíblicos usados para ilustrá-la sejam incorretos? Poderia haver outras expressões e ensinos bíblicos para designar essa espécie de obra do Espírito Santo após a conversão e ajudar-nos a entendê-la de modo mais preciso?" Penso que há, mas antes de olharmos para elas, é conveniente comentar a importância de ter um entendimento correto sobre essa questão.

no obah

cristãos cheios do Espirito

cristãos espirituais

cristãos "santificados"

"discípulos"

santos sacerdotes

cristãos comuns

cristãos carnais

cristãos comuns

cristãos comuns

cristãos

cristãos

não cristãos

• 0

1. Ensinar um cristianismo de duas categorias provoca danos à igreja. Em várias épocas na história da igreja os cristãos tentaram dividir a igreja em duas categorias de crentes. E isso o que ocorre com efeito com a doutrina pentecostal do batismo no Espírito 644

0

OUTRAS MANEIRAS PELAS QUAIS AS PESSOAS TÊM O ^ * » DIVIDINDO-OS EM DUAS (OU TRES) CATEGORIAS

Figura 39.3 645

1

'

u.M UM


(39) Batismo e Plenitude no Espirito

(39) A Doutrina da Aplicação da Redenção I mborii uqueles que ensinam a visão pentecostal clássica do batismo no Espírito Sunlo p o s s a m negar que eles estejam tentando dividir os cristãos em duas categorias, tal d i v i s ã o e s t á implícita sempre que perguntam se alguém foi ou não batizado no Espírito Sai Ho. Tal pergunta insinua com muita força que há dois grupos de cristãos, aqueles que tiveram essa experiência de "batismo no Espírito Santo" e aqueles que não a têm. Qual o problema de ver os cristãos como se existissem em duas categorias? O problema é que isso contribui para a mentalidade "nós-eles" nas igrejas e leva ao ciúme, orgulho e divisão.\Não importa quanto as pessoas que receberam essa capacitação especial do Espírito Santo tentem ser atenciosas e educadas com as que não a tiveram, se elas amam genuinamente seus irmãos em Cristo e se isso tem sido de fato uma experiência útil para sua p r ó p r i a vida cristã, mesmo assim elas n ã o conseguem deixar de dar a impressão de que gostariam que os outros t a m b é m compartilhassem a mesma experiência. Mesmo que não tenham orgulho em seu coração por causa dessa experiência (e parece-me que a maioria não tem), a convicção de que existe uma segunda categoria de cristãos provocará inevitavelmente uma impressão de orgulho ou superioridade espiritual. Por fim, é bem provável que surja um sentimento de ciúme por parte daqueles que não têm tal experiência. Dessa forma, fomenta-se a visão de que existem dois grupos dentro da igreja, e a acusação de espírito de divisão que com freqüência é lançada contra o movimento carismático ganha alguma credibilidade. De fato, muitas vezes ocorrem divisões nas igrejas. A principal objeção a essa posição é que o Novo Testamento não apresenta nenhum ensino sobre cristianismo de dois níveis ou duas classes. Em nenhum lugar das epístolas vemos Paulo ou Pedro dizer a uma igreja em problemas: "Vocês precisam ser batizados no Espírito Santo". E m nenhum lugar ouvimos o Senhor Jesus ressurreto falar a igrejas aflitas e fracas em Apocalipse 2-3, "Peçàm-me que eu os batize no Espírito Santo". É difícil evitar a conclusão de que o conceito de dois níveis ou duas classes ensinado por todos esses grupos através da história não tem fundamento sólido no Novo Testamento. 2. H á muitos graus de capacitação, c o m u n h ã o com Deus e maturidade cristã pessoal. Haveria u m modelo melhor para entender os vários graus de maturidade e poder e c o m u n h ã o com Deus experimentados pelos cristãos? Se desejamos eliminar as categorias que nos fazem pensar em cristãos em um grupo ou outro, é possível um modelo melhor, como o representado pela figura 39.4. Este diagrama mostra o mundo dividido entre não cristãos e cristãos, mas entre os cristãos não existem categorias em que possamos colocar os crentes e dividi-los em grupos fixos. Antes, h á cristãos em todos os pontos ao longo do eixo de maturidade cristã crescente (santificação), intimidade cada vez maior na comunhão em sua caminhada com Deus (um aspecto da adoção) e experiências mais notáveis do poder do Espírito Santo que age em sua vida e ministério. A vida cristã deve ser marcada por crescimento em todas essas áreas à medida que progredimos durante toda a vida. Para muitas pessoas esse crescimento é gradual e progressivo e se estende por toda a vida. Poderíamos representar isso por meio da seta na figura 39.5. 28

• cristãos

Santo

crescimento cristão

Vx** não cristãos

UM OUADRO MELHOR: OS CRISTÃOS EXPERIMENTAM VÁRIOS GRAUS DE CRESCIMENTO, MAS NÃO DEVEM SER DIVIDIDOS EM DUAS CATEGORIAS DISTINTAS

Figura 39.4

cristãos

V

1

ii crescimento cristão

não cristãos

anos de vida cristã PARA A MAIORIA DOS CRISTÃOS O CRESCIMENTO É GRADUAL E PROGRESSIVO E SE ESTENDE POR TODA A VIDA

Figura 39.5 a. Como devemos entender as experiências de hoje? Que tem acontecido então às pessoas que dizem ter experimentado o "batismo no Espírito Santo" que lhes trouxe grandes bênçãos à vida? Devemos entender primeiro o que é normalmente ensinado sobre a necessidade de se preparar para o batismo no Espírito Santo. Com muita freqüência as pessoas são ensinadas que devem confessar todos os pecados conhecidos, arrepender-se de qualquer pecado que permaneça em sua vida, confiar em Cristo para receber o perdão desses pecados, entregar todas as áreas da vida para o serviço do Senhor, entregar-se plenamente a ele e crer que Cristo vai capacitá-las de uma maneira nova e equipá-las com novos dons para o ministério. Então, depois dessa preparação, elas são encorajadas a pedir ajesus em oração que as batize no Espírito Santo. Mas que fruto é 647


(39) A Doutrina da Aplicação da Redenção produzido poi essa preparação? Ela 6 uma receita segura para crescimento expressivo na \ K I . I i lislã! Essa confissão, arrependimento, compromisso renovado e fé e expectativa intensificadas, (aso sejam genuínas, só podem trazer resultados positivos na vida de uma pessoa. Se qualquci cristão for sincero nesses passos de preparação para receber o batismo no Espírito Santo, com certeza haverá crescimento em santificação e c o m u n h ã o mais profunda com Deus. Somando-se a isso, podemos ter fundada esperança de que muitas vezes nesses momentos o Espírito Santo trará graciosamente uma medida adicional de plenitude e capacitação que cristãos sinceros estão buscando, mesmo que seu entendimento teológico e vocabulário na hora de pedir sejam imperfeitos. Se isso acontece, eles podem muito bem perceber poder maior para o ministério bem como crescimento em dons espirituais. Poderíamos dizer que a pessoa passou do ponto A para o ponto B na figura 39.6 e deu u m enorme passo adiante na vida cristã.

cristãos

nao cristãos

UMA EXPERIÊNCIA SINGULAR PODE RESULTAR NUM GRANDE PASSO DE CRESCIMENTO NA VIDA CRISTÃ

Figura 39.6 É claro que oração, estudo bíblico e adoração vão parecer mais expressivos. É claro que vai haver mais frutos na evangelização e outros tipos de ministério. Mas é importante reconhecer que alguém que passe do ponto A para o ponto B no diagrama não está agora numa categoria separada de cristãos, tal como u m grupo daqueles "batizados no Espírito Santo" e portanto diferentes dos que não tiveram tal experiência. Poderia haver outro cristão na mesma igreja que nunca deu um passo tão largo de crescimento, mas que não obstante tem avançado constantemente nos últimos quarenta anos de sua vida cristã e chegou ao ponto C no diagrama acima. Embora essa pessoa nunca tenha tido uma experiência singular que os pentecostais chamariam "batismo no Espírito Santo", ela ainda está muito mais à frente na trilha do crescimento cristão do que o cristão mais novo recentemente "batizado no Espírito Santo" (de acordo com a terminologia pentecostal) e passou do ponto A para o ponto B. Embora o cristão que passou do ponto A para o ponto B não esteja mais avançado na vida cristã do que outra pessoa que está no ponto ( '. a pessoa que mudou para o ponto B está com certeza mais à frente do que estava antes,

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Santo

• • isso sem dúvida é um resultado positivo em sua vida. Dessa forma, com essa < <MIi

preensão da vida cristã, n ã o temos nenhuma divisão de cristãos em duas categoi ias Antes de deixar para trás esse diagrama, mais uma observação deve ser feita: em muitos casos, o movimento carismático tem trazido o ensino sobre o batismo do Espírito Santo a igrejas mais liberais em que, por muitos anos, n ã o tem havido uma proclamaçáo clara do evangelho da salvação pela fé em Cristo somente, e em que as pessoas não têm sido ensinadas que elas podem crer na Bíblia completamente como a Palavra de Deus escrita para nós. Em tais casos, muitas pessoas nessas igrejas nunca experimentaram a fé salvífica — elas estão no ponto N do diagrama acima e são, na verdade, não cristãs e não nasceram de novo. Ora, quando um representante da renovação carismática vai a essas igrejas e lhes diz que podem experimentar nova vitalidade em sua vida cristã e que a preparação para isso é arrepender-se de todos os pecados conhecidos, pedir perdão desses pecados a Cristo, confiar que ele vai perdoá-los e entregar sua vida inteiramente a Cristo como o seu Senhor, as pessoas respondem prontamente a essas orientações. E então oram e pedem ajesus que as batize com o Espírito Santo. O resultado efetivo é que elas passam do ponto N do diagrama para o ponto A ou até mesmo ponto B, por causa de sua sinceridade e profundo anseio de chegar mais perto de Deus. Embora pensem que foram batizadas pelo Espírito Santo como uma segunda experiência em sua vida cristã, o que ocorreu na realidade é que se tornaram cristãs pela primeira vez. (Mas foram batizadas no Espírito Santo no verdadeiro sentido neotestamentário!) No dia seguinte, é quase impossível mantê-las em silêncio, de tão empolgadas que se encontram. De repente, a leitura da Bíblia se tornou importante. De repente, a oração se tornou real. De repente, reconhecem a presença de Deus em sua vida. De repente, a adoração se tornou uma experiência de profunda alegria, e c o m e ç a r a m a experimentar com freqüência dons espirituais que não conheciam antes. N ã o admira que a renovação carismática tem trazid< i tal empolgação (e freqüentemente muita polêmica) a muitas paróquias católicas romanas e a muitas denominações protestantes históricas mais liberais. Embora possamos discou laj 29

do modo pelo qual esse ensino é apresentado efetivamente, ninguém deve criticar os I resultados que têm surgido como conseqüência dele nessas igrejas. b . Q u e termos devemos usar hoje? Agora podemos entender por que os te que usamos para descrever essa experiência e a categoria de entendimento em qu< n colocamos são tão importantes. Se usarmos a terminologia pentecostal tradi» ional tlr "batismo do Espírito Santo", então quase inevitavelmente acabamos caindo nismo de duas categorias, pois isso é visto como uma experiência comum que /«"/< I dl fato deve ocorrer a cristãos num ponto da linha do tempo, e, uma vez que lenhu i Io, não precisa mais ser repetida. E visto como uma experiência singular de ( apat ili pai o ministério, distinta da experiência de se tornar cristão, e as pessoas ou ja iei el experiência ou ainda não. Em especial, quando a experiência é descrita « mo J I - que ocorreu aos discípulos no Pentecostes em Atos 2 (que foi clarainenli paia ele* umii experiência única), os samaritanos em Atos 8 e os discípulos de Ele •( M MI \ i.. I ' Infi i. se claramente que e l a é um evento único que não só capacita as pes- •< pai i o ml Io mas também as coloca numa categoria ou grupo diferente daqui ilfl M l q I ftffl Ultl desse acontecimento. O uso do termo "o batismo no Espírito Santo lu< llin i Im implica dois grupos de cristãos. 1

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Santo

1

M.is M estamos certos ao entender a experiência que vem a milhões de pessoas na niiovação carismática como um grande passo de crescimento em sua vida cristã, então ali',11111 outro termo em vez do "batismo no Espírito Santo" seja mais apropriado. H á vários lei inos que poderíamos usar, desde que admitam repetição, vários graus de intensidade c desen\ t>l\ imento adicional alem dessa experiência, e desde que não insinuem que todos os cristãos verdadeiramente obedientes devem ter a mesma experiência. J á usamos a expressão "um grande passo de crescimento em muitos aspectos da vida cristã." Como essa frase fala de "um grande passo de crescimento", não pode ser mal interpretada como se ela se referisse a uma experiência singular que põe os cristãos numa nova categoria. E como ela é usada para designar um grande passo de crescimento, implica claramente que outros podem experimentar tal crescimento em passos menores através de u m período mais longo, mas alcançar o mesmo ponto na vida cristã. 30

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Outro termo que pode ser útil é "nova capacitação para o ministério". Com certeza é verdade que muitos que receberam essa experiência carismática encontram novo poder para o ministério em sua vida cristã, incluindo a capacidade de usar dons espirituais que não possuíam antes. Entretanto, o problema com essa frase é que ela não diz nada acerca da comunhão mais profunda com Deus, maior eficácia em oração e estudo bíblico e nova alegria na adoração que muitas vezes resultam dessa experiência. c, Que é "ser cheio do Espírito Santo"? Contudo, o termo ainda mais comumente usado no Novo Testamento é "ser cheio do Espírito Santo". Por causa do seu freqüente uso em contextos que falam de crescimento cristão e ministério, este me parece o melhor termo a ser usado para descrever as genuínas "segundas experiências" hoje (ou terceira ou quarta experiência, etc). Paulo diz aos efésios: " N ã o se embriaguem com vinho, que leva à libertinagem, mas deixem-se encher pelo Espírito"'(Ef 5.18, NVI). Ele usa um verbo no presente do imperativo que poderia ser traduzido de modo mais explícito por "sejam continuamente cheios pelo Espírito Santo", dando a entender assim que isso é algo que deve acontecer continuamente com os cristãos. Tal plenitude do Espírito Santo resultará em adoração renovada e ação de graças (Ef 5.19-20) e em relacionamento renovado com outros, em especial com aqueles com autoridade sobre nós ou aqueles sob nossa autoridade (Ef 5.216.9). Acrescentando-se a isso, uma vez que o Espírito Santo é o Espírito que nos santifica, tal enchimento resultará muitas vezes em aumento na santificação. Além disso, uma vez que 0 Espírito Santo é quem nos capacita para o serviço cristão e nos dá dons espirituais, tal enchimento resultará muitas vezes em maior poder para o ministério e maior eficiência e talvez diversidade no uso de dons espirituais. Vemos exemplos de repetidos enchimentos com o Espírito Santo no livro de Atos. Em 2.4, os discípulos e os que estavam juntos foram todos "cheios do Espírito Santo". Mais tarde, quando Pedro estava de pé diante do Sinédrio, lemos: "Então, Pedro, cheio do Espírito Santo, lhes disse..." (At 4.8). Pouco tempo depois, quando Pedro e os demais apóstolos voltaram à igreja para contar o que tinha acontecido (At 4.23), uniram-se em oração. Depois que eles oraram, foram novamente cheios do Espírito Santo, uma seqüência de eventos que Lucas torna clara: "Depois de orarem, tremeu o lugar em que estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e anunciavam corajosamente 1 palavra de Deus" (At 4.31, NVI). Embora Pedro tivesse sido cheio do Espírito Santo no

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Pentecostes (At 2.4) e novamente mais tarde antes de falar ao Sinédrio (At 1.8), I uma vez cheio do Espírito Santo depois que o grupo de cristãos reunidos acabou de orai Portanto, é apropriado entender o enchimento do Espírito Santo não como uniu experiência única, mas como um evento que pode ocorrer várias e várias vezes na. vida de um cristão. Pode envolver uma capacitação m o m e n t â n e a para u m ministério específico (tal como ocorreu aparentemente em At 4.8; 7.55), mas pode referir-se também a uma característica que se vê a longo prazo na vida de uma pessoa (veja A t 6.3; 11.24). Em qualquer caso, tal enchimento pode ocorrer muitas vezes na vida de uma pessoa: embora Estêvão, como um dos primeiros diáconos (ou assistente apostólico), fosse um homem "cheio do Espírito e de sabedoria" (At 6.3,5), quando ele estava sendo apedrejado aparentemente recebeu um novo enchimento do Espírito Santo com grande poder (At 7.55). Alguém poderia objetar que uma pessoa que j á está "cheia" do Espírito Santo não pode tomar-se mais cheia - se um copo está cheio de água, não se pode colocar mais água nele. Mas o copo de água é uma analogia deficiente de nós, que somos pessoas reais, pois Deus é poderoso para fazer-nos crescer e tornar-nos capazes de conter muito mais da plenitude e do poder do Espírito Santo. Uma analogia melhor poderia ser a de um balão, que pode estar "cheio" de ar mesmo que tenha muito pouco ar dentro de si. Quando mais ar é soprado para dentro dele, o balão se expande e em certo sentido fica "mais cheio". E assim conosco: podemos estar cheios do Espírito Santo e ao mesmo tempo também ser capaz de receber muito mais do Espírito Santo. Foi somente ajesus que o Pai deu o Espírito sem limitações (Jo 3.34, NVI). A divisão que vem com o termo "batismo no Espírito Santo" poderia ser facilmente evitada usando qualquer dos termos mencionados nesta seção. As pessoas poderiam ser gratas por "uma nova plenitude do Espírito Santo" ou "uma nova capacitação para o ministério" ou "um passo significativo no crescimento" em algum aspecto da vida de outro cristão. N ã o haveria nenhuma separação entre "nós" e "eles", pois reconheceríamos que somos todos parte de um só corpo que não possui nenhuma categoria separada. De fato, muitos carismáticos e mesmo alguns pentecostais tradicionais usam hoje o termo "batismo no Espírito Santo" com muito menos freqüência, preferindo antes utilizar outros termos como "ser cheio do Espírito Santo". Além disso, muitas pessoas que n ã o tiveram nenhuma experiência dramática singular (tal como a que os pentecostais têm chamado batismo no Espírito Santo) estão, no entanto, começando a experimentar nova liberdade e alegria na adoração (muitas vezes com o advento do culto moderno ou cânticos de louvor em suas igrejas), e a usar com eficiência uma variedade maior de dons espirituais com edificação para si mesmos e para suas igrejas (incluindo dons como cura, profecia, operação de milagres, discernimento de espíritos e capacidade para exercer autoridade sobre forças demoníacas com oração o uma palavra de repreensão dirigida diretamente aos espíritos malignos). As vezes, o dom de falar em línguas e o dom de interpretação t a m b é m têm sido usados, mas em OÜtTOI casos não. Tudo isso serve para dizer que as diferenças entre pentecostais e carismátlcoi de um lado e cristãos evangélicos mais tradicionais e históricos do outro me parecem estai sendo cada vez mais eliminadas, havendo cada vez menos divergência entre eles Alguém pode objetar que é especificamente essa experiência de orar poi um balis no Espírito Santo que impulsiona pessoas para um novo nível de poder no minisiei i<> e eficiência no uso dos dons espirituais. Se essa experiência tem sido tão útil na vida de 12

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F A ^ H E L


(39) Batismo e Plenitude no Espírito

(39) A Doutrina da Aplicação da Redenção milhões de pessoas, por que devemos rejeitá-la tão depressa? E m resposta, deve ser dito que, se a terminologia "batismo no Espírito Santo" for substituída por algo que represente melhor o ensino do Novo Testamento, n ã o deveria haver nenhuma objeção ao fato de pessoas virem às igrejas e encorajar os outros a preparar o coração para a renovação espiniual mediante sincero arrependimento e compromisso renovado com Cristo e pela fé no fato de que o Espírito Santo pode operar de modo muito mais poderoso em.sua vida.' Não há nada de errado em ensinar pessoas a orar e buscar esse maior enchimento do Espírito Santo, ou esperar e pedir a Deus u m derramamento de mais dons espirituais em sua vida, para o bem do corpo de Cristo (veja ICo 12.31; 14.1, 12). De fato, a maioria dos cristãos evangélicos em todas as denominações tem genuíno anseio por maior poder no ministério, maior alegria no culto e c o m u n h ã o mais profunda com Deus. Muitos também receberiam com alegria o entendimento maior dos dons espirituais e o incentivo para crescer no uso deles. Se cristãos pentecostais e carismáticos estivessem dispostos a ensinar essas coisas sem o excesso de bagagem do cristianismo de dois níveis implícito no termo "batismo no Espírito Santo", entrariam numa nova era de eficiência muito maior ao levar ensinos sobre essas outras áreas da vida cristã aos evangélicos em geral.

Santo

Santo que não foram acompanhadas pelo falar em línguas. Com relação a esse e outri i dons, devemos dizer simplesmente que o Espírito Santo os distribui "como lhe apraz, a cada um, individualmente" (ICo 12.11).

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3. Ser cheio do Espírito Santo n ã o resulta sempre em falar em línguas. Resta ainda um ponto que precisa ser tratado com respeito à experiência de ser cheio do Espírito Santo. Por existirem vários casos em Atos em que pessoas receberam o poder da nova aliança do Espírito Santo e começaram ao mesmo tempo a falar em línguas (At 2.4; 10.46; 19.6; provavelmente implícito t a m b é m em 8.17-19 por causa do paralelo com a expeiência dos discípulos em A t 2), o ensino pentecostal normalmente tem sustentado que 3 sinal externo do batismo no Espírito Santo é o falar em línguas (isto é, falar em línguas |ue n ã o são entendidas e n ã o foram aprendidas pela pessoa que fala, sejam línguas íumanas conhecidas, sejam outras espécies de línguas angelicais ou celestiais ou dadas niraculosamente) . 35

Mas é importante perceber que h á muitos casos em que o ser cheio do Espírito Santo lão resulta em falar em línguas. Quando Jesus foi cheio do Espírito em Lucas 4.1, o esultado foi poder para vencer as tentações de Satanás no deserto. Quando as tentações ?rminaram, e "Jesus, no poder do Espírito, regressou para a Galiléia" (Lc 4.14), os esultados foram milagres de cura, expulsão de d e m ô n i o s e ensino com* autoridade. )uando Isabel ficou cheia do Espírito Santo, ela proferiu uma palavra de bênção a Maria .x 1.41-45). Quando Zacarias ficou cheio do Espírito Santo, ele profetizou (Lc 1.67-79). )utros resultados do fato de ser cheio do Espírito Santo foram pregação poderosa do vangelho (At 4.31), (talvez) sabedoria e maturidade cristã e julgamento sadio (At 6.3), regação e testemunho com poder quando em julgamento (At 4.8), uma visão do céu U 7.55), e (aparentemente) fé e maturidade de vida (At 11.24). Vários desses casos podem m b é m envolver a plenitude do Espírito Santo para capacitar para alguma espécie de linistério, em especial no contexto do livro de Atos, em que a capacitação do Espírito into com freqüência resulta em milagres, pregação e obras de grande poder. 36

Portanto, embora uma experiência de ser cheio do Espírito Santo possa resultar no >m de falar em línguas ou no uso de alguns outros dons n ã o experimentados ante>i mente, pode também vir sem o dom de falar em línguas. Na realidade, muitos cristãos ravés da história têm experimentado experiências poderosas de serem cheios do Espírito 652

NOTAS 1. Veja no início do capítulo 32 uma lista dos elementos na ordem da salvação. 2. Estou usando os termos pentecostal e carismático da seguinte maneira: pentecostal se refere a qualquer denominação ou grupo cuja origem histórica remonta ao avivamento pentecostal que começou nos Estados Unidos em 1901 e que sustenta posições doutrinárias segundo as quais (a) o batismo no Espírito Santo é normalmente um evento subseqüente à conversão, (b) o batismo no Espírito Santo se evidencia pelo sinal de falar em línguas e (c) todos os dons espirituais mencionados no Novo Testamento devem ser buscados e usados hoje. Grupos pentecostais normalmente têm suas estruturas denominacionais distintas, das quais a mais proeminente é a Assembléia de Deus. Carismático se refere a qualquer grupo (ou pessoas) cuja origem histórica remonta ao movimento de renovação carismática das décadas de 1960 e 1970, procura exercer todos os dons espirituais mencionados no Novo Testamento (incluindo profecia, cura, milagres, línguas, interpretação e discernimento de espíritos) e permite diferentes pontos de vista quanto à questão de ser o batismo no Espírito Santo posterior à conversão e de serem as línguas um sinal do batismo no Espírito Santo. Os carismáticos muitas vezes abstêm-se de formar sua própria denominação, mas vêem a si mesmos como força para a renovação dentro das igrejas existentes, protestantes ou católica. Não existe nenhuma denominação carismática representativa nos Estados Unidos hoje, mas o mais proeminente porta-voz carismático é provavelmente Pat Robertson com seu Christian Broadcasting Network, o programa de televisão "Clube 700" e Regent University (antiga CBN University). Na década de 1980 despontou um terceiro movimento de renovação, chamado a "terceira onda" por C. Peter Wagner, professor de missões no Fuller Seminary (ele se referiu à renovação pentecostal como a primeira onda da obra renovadora do Espírito Santo na igreja moderna, < o movimento carismático como a segunda onda). O povo da "terceira onda" incentiva a i i p i citação de todos os crentes para usar os dons espirituais do Novo Testamento hoje e diz qur .i proclamação do evangelho deve normalmente ser acompanhada por "sinais, prodígio milagres", de acordo com os padrões neotestamentários. Ensinam, porém, que o batiim Espírito Santo ocorre com todos os cristãos na conversão e que é mais apropriado i luiiniu n experiências posteriores "enchimento" do Espírito Santo. O mais proeminente porta • M "terceira onda" é j o h n Wimber, pastor da Vineyard Christian Fellowship em Vnuhelffl M Califórnia, e líder da Association of Vineyard Churches. Os dois livros maiN Influff In Wimber, Power Evangelism (San Francisco: Harper and Row, 1986; ed. re\ , l ' ' ' v /'•.».» Il<,ilun (San Francisco: Harper and Row, 1987), ambos em co-autoria com Kevin S\ Im mente reconhecidos como representativos das ênfases características dn " i i iind l A obra definitiva de referência para esses movimentos é agora Slanli B. McGee, eds., Dictionary of Pentecostal and Charismatic Movemenh < íiunil Knpldi /oitrii • * nu 1988). 3. Não importa muito se vertemos a frase grega cn pneumiiti \ I i Espírito" porque ambas são traduções aceitáveis o parei ( <|in | ndu lado rli i assunto usam essas duas expressões indiferentemente. I ' - ' M MI > i J no I plillo Smitn i de todo este capítulo, mas a tradução da ARA aqui (it.nl. inlrnfnll i " • i • II ni uiin D 1

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(39) A Doutrina da Aplicação da Redenção iiii<>". Nao 11/. nenhuma distinção entre essas duas formas na discussão deste capítulo. |.< ,il.,n\o discussão sobre o freqüente argumento dos pentecostais de que batismo pelo I pirito Santo [como em ICo 12.13] é um evento diferente do batismo no [ou com oj Espírito Santo.) 4. A maioria das discussões pentecostais do batismo no Espírito Santo inclui a visão segundo .i (]ual o falar em línguas é um "'sinal" de que a pessoa foi batizada no Espírito Santo, e esse sinal será dado a todos os que forem batizados no Espírito Santo, mesmo que nem todos mais tarde venham a preservar o dom de falar em línguas em sua vida. 5. Pessoalmente, ouvi esse ensino sobre o batismo no Espírito Santo em 1967, quando estava no primeiro ano da universidade, e mais tarde orei em particular, como fui instruído, arrependendo-me primeiro de todos os pecados conhecidos e entregando novamente todas as áreas da minha vida a Deus, e depois pedindo ajesus que me batizasse no Espírito Santo. Embora a minha compreensão daquela experiência tenha mudado desde então e eu passasse a explicar isso de maneira diferente (veja abaixo), o resultado em minha vida sem dúvida foi permanente, incluindo um amor muito mais profundo por Cristo e eficácia muito maior no ministério pessoal. I

phllu

6. Outro exemplo citado às vezes é o de Cornélio em Atos 10. Ele era um homem devoto que orava constantemente a Deus (At 10.2), mas quando Pedro veio e pregou a ele e seus familiares, Pedro e os que estavam com ele ficaram admirados "porque também sobre os gentios foi derramado o dom do Espírito Santo; pois os ouviam falando em línguas e engrandecendo a Deus" (At 10.45-46). 7. O caso de Paulo em At 9.17 também é mencionado às vezes, mas isso não é tão claro, uma vez que a violenta perseguição que ele impôs à igreja no período anterior àquele momento indica que ele não era nascido de novo antes da experiência na estrada para Damasco. Mas alguns têm visto um padrão semelhante na distinção entre sua conversão na estrada de Damasco e a recepção do Espírito Santo por ele pelas mãos de Ananias três dias depois. 8. Veja nota 3. 9. A expressão usada em todas as seis passagens é o verbo baptizõ ("batizar") mais a frase preposicional en pneumati hagiõ ("em {ou com] o Espírito Santo"), exceto em Marcos, que omite a preposição en. Mesmo assim, não existe nenhuma diferença no significado porque o substantivo isolado no dativó pode assumir o mesmo sentido que a preposição en mais o substantivo no dativo. Mateus e Lucas acrescentam também "e com fogo". 10. Nesse contexto, em que ele fala repetidas vezes acerca do Espírito Santo e dos dons espirituais, pode haver pouca dúvida de que esteja referindo-se ao Espírito Santo. 11. Além do fato de que essa frase grega encontrada em ICo 12.13 é traduzida de modo que se refere ao batismo no Espírito Santo em todas as outras seis passagens, existe um argumento gramatical que apoia a tradução "em um só Espírito todos nós fomos batizados em um corpo": se Paulo desejasse dizer que fomos batizados pelo Espírito Santo, poderia ter usado uma expressão diferente. No Novo Testamento, ser batizado "por" alguém é sempre expresso pela preposição hypo seguido de um substantivo no genitivo. Esse é o modo pelo qual os escritores do Novo Testamento dizem que o povo era batizado no rio Jordão "por" João Batista (Mt 3.6; Mc 1.5; Lc 3.7) ou que Jesus foi batizado "por" João (Mt 3.13; Mc 1.9), ou que os fariseus não tinham sido batizados "por" João (Lc 7.30), ou que João Baüsta disse ajesus: "Eu é que preciso ser batizado por ti" (Mt 3.14). Portanto, se Paulo quisesse dizer que os coríntios tinham sido todos batizados pelo Espírito Santo, ele teria usado hypo mais o genitivo, e não en mais o dativo. (E comum no Novo Testamento o emprego de hypo mais o genitivo para designar o agente que pratica a ação expressa por meio de um verbo na voz passiva.) Outros apoios para a posição de que ICo 12.13 significa "em (ou com) um Espírito" encontram-se em M . J. Harris, "As preposições e a teologia no Novo Testamento Grego", em NDITNT, v. 3, p. 669-70. 654

(39) Batismo e Plenitude no Espírito

Santo

12. Howard M . Ervin, Conversion-Initiation and the Baptism in theHoly Spirit (Peabody, Mass.: Hendrickson, 1984), p. 98-102, admite que ICo 12.13, não importa o modo pelo qual seja traduzido, refere-se ao início da vida cristã (ele diz que é "iniciatório", p. 101); mas depois diz que a frase seguinte, "e fomos levados a beber de um só Espírito" (tradução própria), refere-se à capacitação posterior para o serviço. Diz também que o uso que Paulo faz da frase "baüsmo no Espírito Santo" é diferente do sentido que a frase assume em outras seis ocorrências no Novo Testamento. Dessa forma, admite aparentemente a interpretação não pentecostal de ICo 12.13, mas ainda diz que Paulo usa a mesma frase com significado diferente. Contudo, esse argumento não parece convincente. Seria bem pouco provável que Lucas, que foi companheiro de viagem de Paulo durante boa parte de sua atividade missionária e que provavelmente estava com Paulo em Roma quando escreveu o livro de Atos (At 28.30-31), usasse uma frase num sentido diferente do de Paulo ou que Paulo usasse essa frase num sentido diferente daquele com que ela foi utilizada de modo tão proeminente por Mateus, Marcos,'Lucas ejoão. Outra tentativa de evitar nossa conclusão sobre ICo 12.13 encontra-se em John P. Baker, Baptized in One Spirit (Plainfield, NJ.: Logos Books, 1970), p. 18-25, em que o autor argumenta que ICo 12.13 não significa que fomos batizados emum corpo, mas sim que fomos batizados "por (a favor de) um corpo de Cristo" (p. 24). Mas o argumento de Baker não é convincente, porque a palavra "pois" no começo do v. 13 mostra que asfrasesque seguem devem ser um argumento que sustenta o v. 12, onde Paulo diz que somos muitos membros, mas um só corpo. Além disso, para que o v. 13 mostre que todos os cristãos são uma parte de um só corpo, é necessário que ele comunique por que somos todos membros de um só corpo, e Paulo faz isso mostrando que todos nós fomos batizados em um só corpo. A posição de Baker, de que isso ocorre somente com alguns "que já são membros do corpo de Cristo a fim de capacitá-los para uma atuação eficaz" (p. 24), não é convincente em vista da declaração de Paulo de que "todos" os cristãos foram batizados em um só corpo. Além disso, batismo para o benefício de um corpo (que é essencialmente o que Baker considera ser seu significado) atribui um sentido incomum à preposição eis - se Paulo queria dizer isso, deveríamos esperar algo como heneka, "por amor a", ou hyper mais o genitivo, significando "a favor de, por amor a". 13. QuandoJesus soprou sobre os discípulos e lhes disse "recebei o Espírito Santo" (Jo 20.22), tratava-se provavelmente de uma profecia dramatizada sobre o que lhes ocorreria no Pentecostes. Nesse mesmo contexto — na verdade, no versículo imediatamente anterior — Jesus lhes disse algo que não ocorreria até o Pentecostes: "Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio" (Jo 20.21). Mesmo que ele tenha dito isso antes de ascender ao céu, na realidade não os enviou a pregar o evangelho até que chegasse o dia de Pentecostes. Portanto, suas palavras antecipavam <- qui sucederia no Pentecostes. E melhor entender as palavras na próxima frase, "recebei o I '.pn a< • Santo", da mesma maneira - ele estava falando antecipadamente de algo que ocorrei in Iin de Pentecostes. Naquele dia eles receberiam a plenitude da nova aliança e o poder do I pirito uma capacitação do Espírito Santo muito maior do que a que unham experimentadi i nuti 14. Não quero de modo nenhum dizer que a experiência de regeneração dos< n-nii••. d ihf-.i aliança era exatamente igual à dos crentes da nova aliança. Embora as c< >nsi< I discussão seguinte indiquem uma obra menos poderosa do Espírito Santo na anii i ill .1. I a natureza das diferenças é difícil, uma vez que as Escrituras nos dão pou< .i niloiiuni lui i iplli lln a respeito. Mas o fato de que havia alguma forma de fé salvífica nos ( irnir d,i min . • I• • de nós que pensemos que havia alguma espécie de obra regenerai li H i do I | n Símio neles, capacitando-os a crer. (Veja a discussão sobre a regeneração no capitulo M 15. A coisa mais próxima da expulsão de demônios no Antigo li In nição em que o espírito maligno que atormentava Saul se afastava dele sempii i|in I) n haipn (ISm 16.23), mas isso dificilmente eqüivale à expulsão eletiva e d n i . n l di demo \ que vemos na era do Novo Testamento. 655


(39) A Doutrina da Aplicação da Redenção Id. Obviamente, há exemplos no Antigo Testamento em que alguns líderes eram dotados de maneira notável por Deus e capacitados pelo Espírito Santo - Moisés, Davi, Daniel, muitos dos profetas escritores e até mesmo Sansão receberam capacitação incomum do Espírito Santo para ministérios específicos. Porém, suas experiências não eram a regra para o grande número de membros do povo de Deus salvos pela fé à medida que ansiavam pela vinda prometida do Messias, mas que não tinham ainda o derramamento do Espírito Santo com o poder da nova aliança que experimentamos hoje. 17. Ervin, Conversion-Initiation, p. 14, 15-19, objeta que a nova aliança não começou no Pentecostes, mas, antes, na morte de Jesus. Isso sem dúvida é verdade, mas ele não entende o ponto principal. Não estamos argumentando que a nova aliança propriamente dita começou no dia de Pentecostes, mas que a experiência do Espírito Santo na nova aliança se iniciou em Pentecostes, porque foi nesse dia que Jesus derramou o Espírito Santo em plenitude e poder da nova aliança (At 2.33; cf. 1.4-5). Ervin também alega que no Pentecostes os discípulos receberam do Espírito Santo a "missão com poder embutido", não a entrada para a nova aliança (p.17-18). Mas aqui Ervin apresenta uma falsa dicotomia — não se trata de ou/ou, mas sim tanto/como: no Pentecostes, os discípulos tanto entraram numa experiência do Espírito Santo que pertence à nova aliança como (obviamente) receberam uma nova capacitação para o ministério juntamente com aquela experiência do Espírito Santo. 18. Adaptei esse diagrama de George Ladd, Teologia do Novo Testamento (Rio de Janeiro: JUERP, 1985), p. 65-66. 19. Em virtude de sua associação com Jesus, os discípulos também receberam algum antegozo do poder pós-pentecostal do Espírito Santo quando curaram doentes e expulsaram demônios (cf. Lc 9.1; 10.1, 8, 17-20 e muitos outros versículos). 20. Quando o Espírito Santo vinha em poder ele normalmente descia sobre grupos de pessoas em vez de vir sobre indivíduos (foi assim em At 2.4; 8.17; 10.44; 19.6; mas a conversão de Saulo foi diferente: veja At 9.17-18). Uma nova comunidade, cheia de amor de uns pelos outros, era resultado evidente do derramamento do Espírito Santo dessa forma (veja At 2.41-47). 21. Meu aluno James Renehan argumentou (num longo trabalho) que o batismo no Espírito Santo, embora ocorra ao mesmo tempo que a conversão, deve ser, no entanto, considerado um elemento distinto na "ordem de salvação" (a lista de coisas que ocorrem conosco ao experimentarmos a salvação; veja as primeiras páginas do capítulo 32). Ele observa que o batismo no Espírito Santo não é exatamente como nenhum outro elemento na ordem de salvação (tal como regeneração ou conversão) e pode também ser chamado "recepção do Espírito Santo" (veja At 8.15-16; 19.2, 6; Rm 8.9, 11; Gl 3.2). A idéia de Renehan não é, com certeza, a doutrina carismática de batismo no Espírito Santo posterior à conversão (pois ele diria que isso sempre acompanha a conversão genuína e sempre ocorre ao mesmo tempo que a conversão). A sugestão é interessante e, embora eu não a tenha adotado até o presente neste capítulo, penso que ela merece ser considerada com mais cuidado e não estaria em desarmonia com a totalidade dos meus argumentos neste capítulo. 22. A única exceção é At 11.15-17. Embora essa passagem não chame explicitamente de "batismo no Espírito Santo" a descida do Espírito Santo sobre a família de Cornélio, quando Pedro diz "caiu o Espírito Santo sobre eles, como também sobre nós no princípio" e depois recorda as palavras de Jesus sobre o batismo no Espírito Santo, ele indica com clareza que os membros da família de Cornélio foram batizados no Espírito Santo quando ele lhes pregava (veja At 10.44-48). 23. Este é o argumento de James Dunn, Baptism in the Holy Spirit (London: SCM, 1970), p. 55-72. 24. Nesta se£ão sigo em grande medida a discussão cuidadosa de John Stott, Batismo e Plenitude do Espírito Santo, 2 ed. (São Paulo: Vida Nova, 1986), p. 23-25. 656

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Santo

25. Mesmo que o consideremos alguém que primeiro teve uma espécie de lê própria d.i antiga aliança, no Messias judaico que estava para vir, isso mostraria apenas que ele é mais um exemplo de alguém que teve primeiro uma experiência com o Espírito Santo na antiga aliança e depois chegou à experiência com o Espírito Santo na nova aliança. 26. Com relação a At 19.1-7, Ervin, Conversion-Initiation, p. 55-59, objeta que esses discípulos foram primeiro batizados e, depois, quando Paulo impôs-lhes as mãos, receberam o poder do Espírito Santo. Podemos admitir que isso é verdade, mas os dois eventos são tão próximos no tempo que é difícil fazer uma clara separação entre eles, e certamente não se adaptam ao padrão pentecostal normal de instrução e oração, às vezes semanas, meses ou anos após a conversão, buscando um batismo posterior no Espírito Santo. Se lhes tivéssemos perguntado mais tarde se 0 batismo deles no Espírito Santo foi "subseqüente" à conversão, provavelmente teriam dito que ocorreu ao mesmo tempo, tal a proximidade com que esses eventos se deram na seqüência histórica concreta. 27. Não incluí neste diagrama outra divisão que às vezes se reflete não em algum ensino oficial, mas sim em atitudes e práticas, em círculos reformados: a divisão entre cristãos comuns e aqueles que são "verdadeiramente reformados". 28. Para sermos mais exatos, devemos reconhecer que é possível crescer em alguns aspectos da vida cristã sem crescer em outros, e um simples diagrama é inadequado para mostrar tudo isso. Por exemplo, é possível alguns cristãos crescerem em poder mas não em santidade (como aconteceu com os coríntios), ou as pessoas crescerem em conhecimento mas não em poder, ou em conhecimento mas não em santidade de vida (algo que ocorre de maneira trágica com alguns - com certeza não todos - estudantes de seminários teológicos e também com alguns pastores que dão ênfase excessiva em atividades acadêmicas). Também é possível uma pessoa crescer em comunhão pessoal com Deus, mas não em conhecimento das Escrituras (algo que ocorre com uma ampla ênfase "pieüsta"). Alguém pode também crescer em santidade de vida, mas não em poder ou no uso dos dons espirituais. E possível toda sorte de combinações como essas, mas precisaríamos de vários diagramas para visualizá-las. Por amor à simplicidade, neste diagrama representei apenas o "crescimento cristão" em geral. 29. Entretanto, em muitos casos, em algumas igrejas protestantes e na Igreja Católica Romana, as pessoas têm ouvido que elas receberam a Cristo e se tornaram cristãs por ocasião do seu batismo quando eram crianças. 30. O mesmo critério poderia ser usado para encontrar termos susbstitutos para algumas outras concepções de "duas categorias" acima ou então para explicar os termos usados a fim de evitar mal-entendidos. 31. Paulo diz que devemos crescer "em tudo naquele que é a cabeça, Cristo" (Ef 4.15). 32. Minha opinião pessoal é que a maioria das divisões que surge pela influência da renovação carismática em muitas igrejas não vem por causa dos dons espirituais, mas por causa de uma compreensão equivocada do que está ocorrendo e das implicações dos dois grupos de cristãos que surgem com o termo "batismo no Espírito Santo". 33. John Wimber, que não gosta de se identificar como pentecostal ou carismático, diz com muita sabedoria: "Descobri que a discussão a respeito do baüsmo no Espírito Santo normalmente resume-se a questão de rótulos. Um bom medicamento pode ser rotulado de maneira incorreta, e provavelmente é isso que acontece nesse caso. A experiência que os pentecostais têm de 1 )eus é melhor do que a explicação que eles dão dela" (John Wimber com Kevin Springer, Poivn Evangelism, p. 145). Nos últimos anos, tenho notado em conversas pessoais com professores de instituições filiadas a movimentos carismáticos que há uma tendência cada vez maior de falar em ser cheio do Espírito Santo mais do que em batismo no Espírito Santo para designai 0 que aconteceu com os integrantes do movimento carismático.

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(39) A Doutrina da Aplicação da Redenção 34. Meu aluno Jack Mattern, embora não seja ele mesmo um carismático, contou-me que em mais de uma década de trabalho com estudantes em diversos campi, tem encontrado entre os cristãos maior fome por saber como eles podem ser. cheios do Espírito Santo. Ele salienta, de maneira correta, que o ensino eficaz nesta área deve incluir a necessidade de (1) entregar nossa vida plenamente a Deus (Rm 12.1; Gl 2.20), (2) depender completamente de Deus para receber o poder para viver a vida cristã (Rm 8.13; Gl 2.20; 3.2-3) e (3) obedecer aos mandamentos do Senhor em nossa vida ( l j o 2.6). Esses elementos são equivalentes aos passos de preparação mencionados na discussão sobre o ensino carismático comum. Em qualquer caso, a esses passos poderia ser acrescentada a oração para que o Espírito. Santo nos encha, de acordo com a vontade de Deus expressa em Ef 5.18. Não deve haver nenhuma objeção ao fato de ensinar cristãos a orar diariamente segundo esses princípios. 35. Veja a discussão sobre o falar em línguas no capítulo 53, divisão E. 36. A Bíblia não especifica que resultados havia na vida de João Batista, que foi "cheio do Espírito Santo, já do ventre materno" (Lc 1.15); mas diz que "a mão do Senhor estava com ele" (Lc 1.66) e "o menino crescia e se fortalecia em espírito" (Lc 1.80).

41) A Perseverança dos Santos (Conservar-se Cristão) Podem os verdadeiros cristãos perder a salvação? Como saber se realmente nascemos de novo?

EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA A t é aqui a nossa análise j á abordou muitos aspectos da plena salvação que Cristo conquistou para nós e que o Espírito Santo agora aplica a nós. Mas como saber que continuaremos cristãos até o fim da vida? Será que há alguma coisa que nos impeça de nos afastar de Cristo, algo que garanta que nos conservaremos cristãos até a morte e que de fato viveremos com Deus no céu para sempre? O u será possível que nos afastemos de Cristo e percamos as bênçãos da salvação? O tema da perseverança dos santos trata dessas questões. Pela perseverança dos santos, todos aqueles que verdadeiramente nasceram de novo serão guardados pelo poder de Deus e perseverarão como cristãos até o final da vida, e só aqueles que perseverarem até o fim realmente nasceram de novo. Essa definição tem duas partes. Indica primeiro que há uma garantia a ser dada àqueles que realmente nasceram de novo, pois lembra-lhes de que o poder de Deus irá conservá-los cristãos até a morte e que certamente viverão com Cristo no céu para sempre Por outro lado, a segunda metade da definição deixa claro que a perseverança na vida cristã é uma das evidências de que a pessoa realmente nasceu de novo. E importante i n em mente t a m b é m esse aspecto da doutrina, para que n ã o se d ê e m falsas garantias a pessoas que na verdade nunca foram crentes. C o n v é m notar que essa questão é um ponto de forte discordância entre os ei r.i.i< >•. evangélicos h á muito tempo. Muitos da tradição wesleyana/arminiana sustentam que ê possível que alguém realmente nascido de novo venha a perder a salvação, enqu.u .-. cristãos reformamos defendem que isso é impossível para uma pessoa verdadeiunnrnli nascida de novo. A maioria dos batistas segue a tradição reformada nesse ponto; [ÍOfi 11 eles muitas vezes usam a expressão "segurança eterna"ou "segurança eterna do < /<///< "«• uai < "perseverança dos santos". 1

1

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( 5 1 ) A Doutrina da Igreja 12. Naturalmente, o caráter de Deus pode ser revelado não somente através da pregação da Palavra, mas também através das palavras dos hinos cantados, através da oração e através da leitura de textos bíblicos, ainda que não comentados. 13. Outros textos bíblicos mostram relação entre santidade pessoal e adoração: veja Pv 15.8: "O sacrifício do perverso é abominação ao SENHOR mas a oração dos retos é o seu contentamento". Veja também Pv 15.29; 28.9; e Sl 34.15-18; 66.18. 14. As considerações práticas discutidas nesta seção podem ser aplicadas a muitas diferentes formas de culto, mas não tratei aqui das formas específicas que o culto assumirá. Estas variarão amplamente, desde a liturgia muito organizada dos cultos episcopais até à espontaneidade dos cultos carismáticos. J á que as Escrituras não prescrevem nenhuma forma, o princípio fundamental a ser usado é a instrução de Paulo: "Seja tudo feito para edificação" (ICo 14.26). Os evangélicos precisam ser cautelosos, porém, para não descartarem muito rapidamente formas de culto com as quais estejam pouco habituados: o povo das igrejas litúrgicas deve reconhecer que a espontaneidade pode ser dirigida de modo ordenado, e o povo dos grupos carismáticos deve admitir que a edificação e a adoração genuína podem ocorrer em uma estrutura organizada detalhadamente. (Com respeito à leitura em uníssono de uma liturgia, se os cristãos podem adorar e orar cantando palavras em uníssono, nada impede que orem e adorem genuinamente lendo palavras em voz alta em uníssono!) Mesmo assim, qualquer forma usada demasiadamente pode tornar-se uma rotina sem significado para a maioria dos participantes. 15. Infelizmente, pastores que tentam dirigir um culto no qual há excesso de atividades começam a parecer-se com o mestre de cerimônias de um circo de três arenas, que grita: "Olhem aqui! Vejam lá", ato após ato. De modo semelhante, o pastor exorta: "Louvem a Deus! Sejam generosos! Pensem na Escrituras! Orem! Apertem a mão do seu irmão! Digam olá para os amigos! Examinem-se a si mesmos! Arrependam-se dos seus pecados! Cantem ao Senhor! Amém? Amém!" Numa situação como essa as emoções da pessoas são lançadas para lá e para cá tão rapidamente que elas se tomam incapazes de responder com inteireza de ser, e o resultado é que saem cheias de emoções, mas sem responder de coração ao que experimentaram. Elas saem do culto sentindo-se frustradas e desapontadas porque a necessidade do coração, de experimentar adoração, oração e aprendizado das Escrituras genuínos não foi satisfeita. Para a maioria das pessoas, concentrar a atenção demora, mas distrair-se é muito fácil. Por causa disso, pessoalmente acho que um dirigente de culto que fala à igreja entre os cânticos normalmente distrai minha atenção para longe do Senhor, voltando-a para ele mesmo, e a minha atitude de adoração fica muito prejudicada. 4

52 Os Dons do Espirito Santo: (1) Perguntas Gerais Que são dons espirituais? Quantos dons existem? Algum dom teria desaparecido? Buscando e usando os dons espirituais.

EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA A. PERGUNTAS RELACIONADAS AOS DONS ESPIRITUAIS EM GERAL IMas gerações passadas, os livros de teologia sistemática não tinham capítulos sobre dons espirituais, pois havia poucas perguntas relacionadas à natureza e ao uso dos dons espirituais na igreja. Mas o século X X tem visto um notável crescimento do interesse pelos dons espirituais, principalmente por causa da influência dos movimentos pentecostais e carismáticos dentro da igreja. Neste capítulo vamos examinar primeiro algumas perguntas genéricas relacionadas a dons espirituais e, depois, estudar de forma mais específica se alguns dons (miraculosos) teriam desaparecido. No próximo capítulo, vamos analisar o ensino do Novo Testamento sobre dons específicos. Antes de começar a discussão, porém, podemos definir os dons espirituais da seguinte maneira: Dom espiritual é qualquer talento potencializado pelo Espírito Santo e usado no ministério da igreja. Essa definição ampla inclui tanto os dons relacionados a talentos naturais (tais como ensino, misericórdia e administração) quanto os que parecem mais "miraculosos" e menos relacionados a talentos naturais (tais como profecia, cura ou discernimento de espíritos). A razão disso é que quando Paulo alista os dons espirituais (em Rm 12.6-8; ICo 7.7; 12.8-10, 28; e Ef 4.11), inclui os dois tipos de dons. Contudo, nem todos os talentos naturais que as pessoas têm foram incluídos aqui, pois Paulo deixa claro que todos os dons espirituais devem ser distribuídos por "um só e o mesmo Espírito" ( I C o 12.11), são concedidos "visando ao bem comum" (ICo 12.7 NVI) e devem ser todos usados para a "edificação" (1 Co 14.26) da igreja. 1

1. Dons espirituais na história da redenção. Com certeza o Espírito Santo agia no Antigo Testamento, conduzindo as pessoas à fé e atuando de maneira nolá\ ei em alguns poucos indivíduos como Moisés e Samuel, Davi e Elias. Mas em geral havia

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(52) A Doutrina da Igreja

(52) Os Dons do Espírito

atividade menos poderosa do Espírito Santo na vida da maioria dos crentes. A evangelizadÉ eli< . 1 / das nações havia sido reduzida, a expulsão de demônios era desconhecida, as < I I U I N miraculosas eram incomuns (embora tenham acontecido de modo especial no ministériJ de Elias e Eliseu), a profecia era restrita a poucos profetas ou a pequenos grupos d profetas, e o "poder da ressurreição" sobre o pecado no sentido de Romanos 6.1-14 Filipenses 3.10 era raramente experimentado. ;

Mas em vários pontos o Antigo Testamento aponta para um tempo em que haverial uma capacitação maior do Espírito Santo que se estenderia a todo o povo de Deus. Moisét disse: "Tomara todo o povo do SENHOR fosse profeta, que o SENHOR lhes desse o seu Espírito!" (Nm 11.29). E o Senhor profetizou por meio de Joel: •

E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões; até sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito naqueles dias (Jl 2.28-29). J o ã o Batista aumenta a expectativa do povo pelo cumprimento da profecia de Joel quando anuncia que depois dele virá alguém que "batizará com o Espírito Santo e com fogo" (Mt 3.11; cf. Mc 1.8; Lc 3.16;Jo 1.33; A t 1.5). Quando Jesus inicia seu ministério, vem com a plenitude e o poder do Espírito Santo em sua pessoa. Lucas escreve: "Então, Jesus, no poder do Espírito, regressou para a Galiléia" (Lc 4.14). O resultado disso é que ele ensina com grande poder (Lc 4.15-22), faz curas e expulsa demônios de todos os oprimidos (Lc 4.31-41). De modo claro, Jesus veio no poder maior do Espírito Santo, da nova aliança, e veio para subjugar o reino de Satanás. Aliásjesus diz que o poder do Espírito Santo atuando nele, capacitando-o a expulsar demônios, é um sinal de que o reino de Deus havia chegado com poder: "Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós" (Mt 12.28). Recordando a vida e o ministério de Jesus, J o ã o nos diz: "Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo" ( l j o 3.8)., Mas esse poder do Espírito Santo que pertence à nova aliança n ã o se limita apenas ao ministério de Jesus. Ele enviou seus discípulos, dizendo "está próximo o reino dos céus" e lhes ordenou: "Curai enfermos, ressuscitai mortos, purificai leprosos, expeli demônios" (Mt 10.7-8). Entretanto, esse poder do Espírito Santo p r ó p r i o da nova aliança n ã o é distribuído ainda a todos os que crêem em Jesus ou o seguem, mas somente aos seus doze discípulos ou aos setenta (Lc 10.1-12). O derramamento do Espírito Santo sobre a igreja na plenitude e no poder da nova aliança ocorreu no Pentecostes. Antes de subir ao céu, Jesus ordenou aos seus apóstolos que n ã o se ausentassem de J e r u s a l é m , mas que esperassem a promessa do Pai, e o conteúdo dessa promessa era: "... vós sereis batizados com o Espírito Santo, n ã o muito depois destes dias" (At 1.4-5). Ele lhes prometeu: "... recebereispoder, ao descer sobre vós o Espírito Santo"(At 1.8). Quando o Espírito foi derramado sobre a igreja no Pentecostes,

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Santo: (1) Perguntas

Gerais

Pedro reconheceu que a profecia de Joel estava sendo cumprida, pois disse "o que iirorn é o que foi dito por intermédio do profeta Joel" (At 2.16) e depois citou a profecia de Joel (v. 17-21). Pedro reconheceu que a capacitação do Espírito Santo que pertence à nova aliança tinha chegado sobre o povo de Deus e a era da nova aliança havia começado como resultado direto da atividade de Jesus no céu, pois disse: A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas. Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis (At 2.32-33). •

Pelo pano de fundo do ministério de Jesus e do ministério inicial dos discípulos com Jesus, os discípulos presentes no Pentecostes teriam entendido corretamente que a pregação evangelística poderosa, a libertação da opressão demoníaca, a cura física e talvez também a profecia, os sonhos e as visões começariam todos e continuariam entre os que crêem em Cristo, e que essas coisas seriam características da era da nova aliança que começou no Pentecostes. Outra característica desse derramamento do Espírito Santo era uma ampla distribuição dos dons espirituais a todas as pessoas - filhos e filhas, jovens e velhos, servos e servas, segundo as palavras de Joel - todos receberam uma capacitação da nova aliança pelo Espírito Santo, e haveria t a m b é m a expectativa de que depois disso todos igualmente receberiam dons do Espírito Santo. De fato, é isso que aconteceu na igreja primitiva (veja I C o 12-14; G l 3.5; T g 5.14-15). Como B. B. Warfield disse: 3

Temos razão de considerar como característica das igrejas apostólicas o fato de esses dons miraculosos serem exercidos nelas. A exceção seria não uma igreja com, mas uma igreja sem esses dons. [...] A igreja apostólica era caracteristicamente uma igreja que operava milagres.* (Isso é verdade, independentemente da visão que a pessoa tenha acerca da continuação dos dons miraculosos após os tempos apostólicos.) 2. O p r o p ó s i t o dos dons espirituais n a e r a do Novo Testamento. Os dons espirituais são dados para equipar a igreja a fim de que ela desenvolva seu ministério até que Cristo volte. Paulo diz aos coríntios: "não lhes falta nenhum dom espiritual, enquanto vocês aguardam que o nosso SenhorJesus Cristo seja revelado "(ICo 1.7 NVI). Aqui ele relaciona a posse dos dons espirituais e a situação deles na história da redenção (aguardando o retorno de Cristo), dando a entender que os dons são dados à igreja para o período entre a ascensão de Cristo e sua volta. De maneira semelhante, Paulo olha adiante para o tempo da volta de Cristo * e diz "quando, porém, vier o que é perfeito, então, o que é em parte será aniquilado" (ICo 13.10), dando a entender t a m b é m que esses dons "imperfeitos"(mencionados nos v:8-9) estarão em operação até a volta de Cristo, ocasião em que serão superados por algo muito maior. De fato, o derramamento do Espírito Santo com "poder" no Pentecostes (At 1.8) teve por finalidade equipar a igreja visando à pregação do evangelho (At 1.8) - algo que c o n t i n u a r á até que Cristo volte. E Paulo lembra aos crentes que deviam procurar progredir no uso que faziam dos dons espirituais, para a edificação da igreja" (ICo 14.12). 5

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(52) Os Dons do Espírito

(52) A Doutrina da Igreja flòl Rm, ao escrever aos efésios, ele especifica que, quando Cristo ascendeu ao céuj' i oncedeu dons "com vistas ao aperjeicoamento dos sanlos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo" (Ef 4.12). Porém, os dons espirituais não só equipam a"igreja para o período até a volta de Cristo, mas também proporcionam um antegozo da era vindoura. Paulo lembra aos coríntios que eles foram "enriquecidos"em toda a palavra e em todo o conhecimento„e que como resultado desse enriquecimento não lhes faltava "nenhum dom espiritual" (ICo 1.5, 7)J E claro que esse enriquecimento em sua palavra e conhecimento não lhes deu a palavra perfeita ou o conhecimento perfeito que teriam no céu, mas somente um antegozo ou a garantia da perfeição celestial. De modo semelhante, Paulo lembra aos coríntios que os dons espirituais são "imperfeitos", e quando vier o caminho "perfeito" do conhecimento por ocasião da volta de Cristo, esses dons desaparecerão ( I C o 13.10). Assim como o próprio Espírito Santo é nesta era uma "garantia" (2Co 1.22, NVI; cf. 2Co 5.5; Ef 1.14) da obra mais completa do Espírito Santo dentro de nós na era vindoura, os dons que o Espírito Santo nos dá são um antegozo parcial do. operação mais completa do Espírito Santo que será nossa na era vindoura. Desse modo, os dons de percepção e de discernimento prefiguram o discernimento muito maior que teremos quando Cristo voltar. Os dons de conhecimento e de sabedoria prefiguram a sabedoria muito maior que será nossa quando "conheceremos como também somos conhecidos" (cf. ICo 13.12). Os dons de cura proporcionam u m antegozo da cura perfeita que será nossa quando Cristo nos conceder um corpo ressurreto. Paralelos semelhantes podem ser encontrados para todos os dons do Novo Testamento. Mesmo a diversidade de dons deve conduzir-nos a maior unidade e interdependência na igreja (veja ICo 12.12-13, 24-25; Ef 4.13), e essa diversidade na unidade será em si um antegozo da unidade que os crentes terão no céu. 3. Quantos dons existem? As cartas do Novo Testamento alistam dons espirituais específicos em seis passagens. Veja adiante a tabela. E óbvio que essas listas são todas bem diferentes. Nenhuma lista tem todos os dons, e nenhum dom exceto a profecia é mencionado em todas as listas (a profecia não é mencionada em ICo 7.7, em que apenas o assunto do casamento e celibato está em discussão, mas com certeza está incluída na frase "se alguém fala" de lPe 4.11).'Na realidade, ICoríntios 7.7 menciona dois dons que n ã o se encontram em nenhuma outra lista: no contexto em que fala de casamento e celibato, Paulo diz: "... cada um tem de Deus o seu próprio dom'' um, na verdade, de um modo; outro, de outro". Esses fatos indicam que Paulo não estava tentando elaborar listas exaustivas de dons quando especificou os que enumerou. Embora haja às vezes sinais de alguma ordem (ele coloca os apóstolos em primeiro lugar, os profetas em segundo e os mestres em terceiro, mas as línguas em último em ICo 12.28), parece que em geral Paulo ia alistando aleatoriamente uma série de diferentes exemplos de dons à medida que eles lhe vinham à mente.

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ICoríntios 12.28 1. apóstolo 2. profeta 3. mestre 4. milagres 7

1

Santo: (1) Perguntas 8

Efésios 4.11 (1) apóstolo (2) profeta 14. evangelista 15. pastor-mestre

5. variedades de curas

Romanos 12.6-8

6

(2) profecia g

s

c o r r o s

- ° 7. administração 8 1 í n

u a s

S ICoríntios 12.8-10 9. palavra da sabedoria 10. palavra do conhecimento 11. fé (5) dons de curar (4) milagres 12 discernimento de espíritos (8) línguas 13. interpretação de línguas

l

g

Gerais

IPedro 4.11 todo aquele que fala (abrangendo vários dons) todo aquele que serve (abrangendo vários dons)

e r v i ç o

(3)'ensino 17. encorajamento 18. contribuição . 19. liderança 20. misericórdia 2

2

ICoríntios 7.7 ; 1

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C e U b a t

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Além disso, há certo grau de superposição entre os dons alistados em vários lugares. Sem dúvida, o dom de governo (kybemêsis, ICo 12.28) é semelhante ao dom de liderança (ho proistamenos, Rm 12.8), e provavelmente ambos os termos podem ser aplicados a muitos que têm o ofício de pastor-mestre (Ef 4.11). Além disso, em alguns casos Paulo alista uma atividade e, em outros casos, u m substantivo relacionado que descreve a pessoa (tal como "profecia" em R m 12.6 e ICo 12.10,^rnas "profeta" em ICo 12.28 e Ef 4.11)." Outra razão para pensar que Paulo poderia ter feito listas muito mais longas se quisesse é que alguns dons alistados têm muitas expressões diferentes à medida que são encontrados em pessoas diversas. Com certeza o dom de servir (Rm 12.6) ou de prestar ajuda (ICo 12.28) assumirá muitas formas diferentes em situações diversas e entre pessoas distintas. Alguns podem servir ou ajudar dando conselho sábio, outros preparando refeições, outros cuidando de crianças ou amparando u m necessitado dentro da igreja. Esses dons diferem grandemente. Entre aqueles que possuem o dom de evangeli/.n •«< alguns v ã o bem em evangelização pessoal entre os vizinhos, outros se destacam M evangelização escrevendo folhetos e literatura cristã, e outros em evangelização poi meu. de grandes campanhas e reuniões públicas. Outros ainda vão bem em evangeh/a< .««i poi meio de rádio e televisão. Esses dons evangelísticos n ã o são todos idêntit o i erítrfl l i , mesmo que sejam classificados na categoria mais ampla de "evangeli/a. m" i sino poderia ser dito sobre dons de ensino ou de administração. Tudo isso signifil a simples mente que não há duas pessoas cujos dons sejam exatamente iguais. Então, quantos dons diferentes existem? Simplesmente depende do quão específicos desejamos ser. Podemos fazer uma lista muito curta com somente dois dons como Pedro faz em IPedro 4.11: "todo aquele que fala"e "todo aquele que serve". Nessa lista de apenas dois itens Pedro inclui todos os dons mencionados em todas as demais listas, pois todos 10

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(52) A Doutrina da Igreja

(52) Os Dons do Espírito

eles encaixam-se em uma dessas duas categorias. Por outro lado, podemos tomar os ofici de profeta, rei e sacerdote, do Antigo Testamento, e ter uma lista de três espécies de dons. os dons proféticos (nesse sentido mais amplo) incluiriam qualquer coisa que envolv ensinar, encorajar, exortar ou repreender os "outros. Os dons sacerdotais incluiriam qualquer coisa que envolva mostrar misericórdia e cuidado para aqueles em necessidade ou que envolva intercessão diante de Deus (tal como orar em línguas). Os dpns reais envolveriam qualquer coisa que tenha a ver com administração ou governo ou ordem na igreja. Outras classificações de dons são dons de conhecimento (tais como discernimento de espíritos, palavra de sabedoria e palavra de conhecimento), dons de poder [tais como cura, milagres e fé) e dons de palavra (línguas, interpretação e profecia)." E então de novo poderíamos fazer uma lista muito mais longa, tal como a lista de vinte e dois dons enumerados acima. Mas mesmo essa lista não inclui todos os dons possíveis (nenhuma lista inclui um dom de oração intercessória, por exemplo, que pode ser relacionado ao dom de fé, mas que não é a mesma coisa que esse dom; nenhum dom musical é incluído em nenhuma lista, e também nenhum dom de expulsão de demônios, embora Paulo devesse saber que alguns cristãos eram mais eficazes do que outros nessa área). E se desejássemos dividir as diferentes espécies de serviço ou administração ou evangelização ou ensino, poderíamos com muita facilidade ter uma lista com cinqüenta ou mesmo cem itens. O objetivo de tudo isso é simplesmente dizer que Deus dá à igreja uma variedade admirável de dons espirituais, e todos eles derivam de sua multiforme graça. De fato, é isso mesmo que Pedro diz: "Servi uns aos outros, cada u m conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus" (lPe 4.10; a palavra "multiforme" aqui é poikilos, cujo significado é "que possui muitas facetas ou aspectos; que possui rica diversidade"). O resultado parcial dessa discussão é que devemos estar dispostos a reconhecer e apreciar as pessoas que têm dons diferentes dos nossos, mesmo que esses dons n ã o cumpram nossas expectativas com relação a como eles devem ser. Além disso, uma igreja sadia terá uma grande diversidade de dons, e essa diversidade não deve levar à fragmentação, mas à maior unidade entre os salvos na comunidade. O ponto principal de Paulo na analogia do corpo com muitos membros (ICo 12.12-26) é dizer que Deus nos colocou no corpo com essas diferenças de modo que possamos depender uns dos outros. "Não podem os olhos dizer à m ã o : N ã o precisamos de ti; nem ainda a cabeça, aos»pés: N ã o preciso de vós. Pelo contrário, os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários" (ICo 12.21-22; cf. v. 4-6). Vai contra o modo de pensar do mundo dizer que desfrutamos maior unidade quando nos juntamos intimamente com aqueles que são diferentes de nós, mas é exatamente isso que Paulo enfatiza em ICoríntios 12, demonstrando a glória da sabedoria de Deus em não permitir que alguém tenha sozinho todos os dons necessários para a igreja, exigindo de nós que dependamos uns dos outros para o funcionamento adequado da igreja. 12

4. Os dons podem variar quanto ao poder. Paulo diz que se temos o dom da profecia, devemos usá-lo "segundo a proporção da fé"{Rm 12.6), dando a entender que o dom pode ser desenvolvido com mais força ou com menos força em diferentes indivíduos, ou no mesmo i n d i v í d u o durante u m tempo. É por isso que Paulo podia lembrar a Timóteo: "... não te faças negligente para com o dom que h á em t i " ( l T m 4.14), e dizer864

Santo: (1) Perguntas Gerais

lhe: "... admoesto que reavives o dom de Deus que h á em t i " (2Tm 1.6). Era possível Timóteo deixar seu dom enfraquecer, aparentemente pelo pouco uso, e Paulo lembralhe que devia avivá-lo, mediante uso e conseqüente fortalecimento. Isso n ã o nos deve surpreender, pois percebemos que muitos dons têm sua força e eficiência aumentadas à medida que são utilizados, como os de e v a n g e l i z a ç ã o , ensino, encorajamento, administração ou fé. Apoio tinha um grande dom de pregação e ensino, pois lemos que ele era "poderoso (gr. dynatos) nas Escrituras" (At 18.24). E Paulo aparentemente tinha um dom de falar em línguas muito eficaz, usado com muita freqüência, pois diz: "Dou graças a Deus, porque falo em outras línguas mais do que todos vós" (ICo 14.18). Todos esses textos indicam que os dons espirituais podem variar quanto ao poder. Se pensamos em qualquer dom, seja ensino ou evangelização por um lado, seja profecia ou cura por outro, devemos perceber que em qualquer igreja é provável que no exercício de determinado dom haja pessoas muito eficazes (talvez por meio de longa utilização e experiência), outros com força moderada e ainda outros que provavelmente possuem o dom, mas estão apenas começando a usá-lo. Essa variação no poder dos dons espirituais depende de uma combinação de influência divina e humana. A influência divina é a operação soberana do Espírito Santo que distribui os dons "como lhe apraz, a cada um, individualmente" (ICo 12.11). A influência humana vem da experiência, treinamento, sabedoria e capacidade natural no uso daquele dom. Em geral, não é possível saber em que proporção as influências divina e humana combinam-se em determinado momento, nem é realmente necessário saber isso, pois mesmo as aptidões que pensamos ser "naturais" são de Deus (ICo 4.7) e estão sob seu controle soberano (veja sobre a providência de Deus e a responsabilidade humana no capítulo 16). 13

Mas isso nos leva a uma pergunta interessante: em que nível de poder deve manifestar-se um talento para que venha a ser considerado um dom espiritual? Por exemplo, quanta capacidade para ensino alguém deve possuir para poder dizer que tem dom de ensino? O u quanta eficiência na evangelização alguém deve ter para que possamos reconhecer nela o dom de evangelização? Ou com que freqüência alguém deve obter resposta às suas orações por cura para que se possa dizer que tal pessoa tem dom de curar? As Escrituras não respondem diretamente a essa pergunta, mas o fato de Paulo falar desses dons como úteis para a edificação da igreja (ICo 14.12) e o fato de Pedro dizer de modo semelhante que cada pessoa que recebeu algum dom deve se lembrar de empregálo para servir "uns aos outros" (lPe 4.10) dão a entender que tanto Paulo como Pedro pensavam em dons como talentos fortes o suficiente para funcionar em benefício da igreja, seja em relação à igreja reunida (como a profecia ou o ensino), seja em relação a indivíduos da igreja em determinados momentos (como socorros ou encorajamento). Provavelmente, não se pode traçar nenhuma linha definida nessa matéria, mas Paulo lembra-nos de que ninguém tem todos os dons e não há nenhum dom que seja comum a todos. Ele é bem claro quanto a isso numa série de perguntas que pressupõem a resposta " n ã o " a cada ponto: "Porventura, são todos apóstolos? Ou, todos profetas? São todos mestres? Ou, operadores de milagres? T ê m todos dons de curar? Falam todos em outras línguas? Interpretam-nas todos?" (ICo 12.29-30). O texto grego (com a partícula mê antes de cada pergunta) pressupõe claramente um "não" como resposta a todas as perguntas. Portanto, nem todos são mestres, por exemplo, e também nem todos possuem dons de curar ou falam em línguas. 865


(52) Os Dons do Espírito

(52) A Doutrina da Igreja Mas mesmo que nem todos tenham o dom de ensinar, é verdade que todas as pessoas "ensinam" em algum sentido da palavra ensinar. Mesmo quem nunca sonharia em ensinar uma classe de escola dominical lê histórias bíblicas para seus próprios filhos e explica-lhes o significado - na verdade, Moisés ordenou aos israelitas que fizessem exatamente isso com os filhos (Dt 6.7), explicando-lhes as palavras de Deus enquanto estivessem assentados em casa ou andando pelo caminho. Dessa forma, devemos dizer por um lado que nem todos têm o dom de ensino. Mas por outro lado devemos dizer que há alguma capacidade geral relacionada ao dom de ensino que todos os cristãos possuem. Outra maneira de expressar isso seria dizer que n ã o há nenhum dom espiritual que todos os crentes possuam, mas h á uma capacidade geral semelhante a todo dom que todos os cristãos têm. Podemos ver isso em vários dons. Nem todos os cristãos têm o dom de evangelização, mas todos têm a capacidade de compartilhar o evangelho com seus vizinhos. Nem todos os cristãos têm dons de curar (na verdade, como veremos abaixo, algumas pessoas dizem que ninguém hoje tem dons genuínos de cura); contudo todos os cristãos podem orar e oram a Deus para que cure amigos ou parentes. Nem todos os cristãos têm o dom da fé, mas todos os crentes têm alguma medida de fé, e entendemos que ela vá crescendo na vida de um cristão normal. Podemos até dizer que outros dons, tais como profecia e falar em línguas, n ã o só variam quanto ao poder entre aqueles que os possuem, mas t a m b é m encontram contraparte em algumas capacidades que se vêem na vida de todo cristão. Por exemplo, se entendermos profecia (de acordo com a definição dada no capítulo 53) como "relato de algo que Deus traz à mente de modo espontâneo", então é verdade que nem todos experimentam isso como u m dom, pois nem todos experimentam Deus lhes trazendo coisas à mente de forma espontânea com tal clareza e força que se sintam à vontade para falar delas num grupo de cristãos. Porém, provavelmente todo salvo tem de vez em quando a consciência de que Deus está lhe trazendo à mente a necessidade de orar por um amigo distante ou de escrever ou de falar por telefone uma palavra de ânimo a alguém distante, para mais tarde descobrir que aquilo era exatamente a coisa necessária no momento. Poucos negariam que Deus de maneira soberana e espontânea lhe trouxe aquela necessidade à mente, e, embora isso n ã o possa ser chamado dom de profecia, é uma capacidade geral para receber d i r e ç ã o especial ou o r i e n t a ç ã o ' d e Deus, fato semelhante ao que ocorre no dom da profecia, ainda que num nível menos intenso.

Santo: (1) Perguntas

Gerais

que n ã o entendemos plenamente, mas que o Espírito Santo transforma em oração eficaz ouvida por Deus. O objetivo de toda essa discussão é simplesmente dizer que os dons espirituais n ã o são tão misteriosos e "coisa do outro mundo" como as pessoas às vezes os retratam. Muitos deles são apenas intensificações ou exemplos altamente desenvolvidos de fenômenos que a maioria dos cristãos experimenta em sua vida. Outro ponto importante a ser estabelecido a partir dessa discussão é que mesmo que tenhamos recebido dons de Deus, ainda temos a responsabilidade de usá-los eficazmente e de procurar crescer no seu uso de tal maneira que a igreja possa receber mais benefício daqueles dons dos quais Deus permitiu que sejamos mordomos. Por fim, o fato de que os dons podem variar quanto ao poder permite-nos reconhecer que o dom de uma pessoa (como o de ensino ou de administração, por exemplo) pode não ser desenvolvido o suficiente para funcionar em benefício da igreja como um todo numa grande comunidade em que muitos já têm desenvolvido o dom num grau elevado. Mas é possível que essa mesma pessoa, mudando para uma igreja menor e mais jovem, em que poucos têm o dom de ensino ou de administração, descubra que seu dom está sendo muito necessário e pode ser exercido para o benefício de toda a congregação. (Nesse sentido, algo considerado apenas uma a p t i d ã o geral num contexto poderia corretamente ser considerado um dom espiritual em outro ambiente.)

Podemos ainda considerar o dom de falar em línguas a partir dessa perspectiva. Se pensarmos no falar em línguas como oração em sílabas que não são entendidas por quem fala (veja ICo 14.2, 14), então é verdade que nem todos os cristãos têm o dom de falar em línguas (e deve ser dito mais uma vez que alguns cristãos podem argumentar que ninguém tem esse dom hoje, uma vez que a era dos apóstolos j á acabou). Mas, por outro lado, devemos reconhecer que todos os cristãos têm p e r í o d o s de oração em que se expressam n ã o só em palavras e sílabas inteligíveis, como t a m b é m em forma de suspiros, gemidos ou prantos que sabemos serem entendidos e ouvidos pelo Senhor, e manifestam necessidades e interesses do nosso coração que não conseguimos traduzir plenamente em palavras (cf. Rm 8.26-27). De novo, n ã o podemos chamar isso dom de falar em línguas, m.r. parece (ratar-se de uma capacidade geral em nossa vida cristã que em certa medida e l a i elacionada com o dom de falar em línguas, no qual a oração se expressa em sílabas

5. Os cristãos possuem os dons p o r u m t e m p o o u de m o d o permanente? Na maioria dos casos, parece que o Novo Testamento descreve uma posse permanente dos dons espirituais. Encaixa-se a isso a analogia das partes do corpo em ICoríntios 12.12-26, segundo a qual o olho n ã o se transforma em mão, nem o ouvido se torna um pé, mas vários membros existem no corpo permanentemente. A l é m disso, Paulo diz que algumas pessoas têm títulos que descrevem uma função contínua. Alguns podem ser chamados "profetas" ou "mestres" ( I C o 12.23) ou "evangelistas" (Ef 4.11). Podemos presumir que essas pessoas tinham posse permanente de dons de profecia, ensino e evangelização, a menos que surgisse uma circunstância fora do comum que lhes retirasse o dom. De modo semelhante, Paulo fala em possuir dons espirituais quando diz: "Ainda que eu tenha o dom de profecia" (ICo 13.2 NVI). E quando Paulo exige a presença de um intérprete para alguém poder falar em línguas ( I C o 14.28), d á por certo que a igreja saberia se está presente alguém com dom de interpretação, o que impüca que esse dom seria possuído por alguém durante certo tempo. Quando ele diz "se alguém se considera profeta" (ICo 14.37), está percebendo que alguns em Corinto haviam exercido o dom de profecia com freqüência suficiente para pensar em si mesmos como "profetas". Iodos esses versículos apontam na direção de uma posse permanente, ou pelo menos duradoura e contínua, de dons espirituais. De fato, em Romanos 12, Paulo inicia sua oração dizendo: "... tendo, porém, dil« i« m , . dons segundo a graça que nos foi dada" (Rm 12.6). E diz a Timóteo: "... mio te la.a , negligente para com o dom que está em ti"(Vim 4.14, tradução literal), indii ando mui u vez que Timóteo possuía aquele dom por certo período. Portanto, parei e qi rui o Novo Testamento indica que as pessoas têm dons espirituais que lhes M I O dado i iiiuii vez de posse deles, normalmente são capazes de continuar a usa los din.ni de sua vida cristã.

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Entretanto, devem-se fazer algumas restrições importantes, pois há alguns senti cm (jue i", dom não sim permanentes, l i a alguns dons que não são permanentes poi piopi I.I natureza, tais como os dons de casamento e celibato (ICo 7.7). Embora Paulo (liame dons, na vida da maioria dos crentes h a v e r á tempos em que eles n ã o estarAd . asados"e tempos r m que estarão. Alem disso, alguns dons, embora talvez exercidos ( orQ razoável freqüência, n ã o podem ainda ser exercidos à vontade. Eficiência no dom de < m a , por exemplo, depende da vontade soberana de Deus em responder à oração pela i m a , De modo semelhante, profecia depende da concessão de uma "revelação" espontânea (ICo 14.30) de Deus, e simplesmente n ã o pode ser exercida à vontade. O mesmo poderia ainda ser dito a respeito do dom de evangelização: em última análise é obra do Espu ito Santo produzir a regeneração e ajudar alguém a crer, de modo que o evangelista poda] orar e pregar, mas só Deus pode dar a colheita de almas. Em outros casos, algum dom particular pode ser dado para uma única necessidadt ou evento. Apesar de, a rigor, não ser um dom espiritual no sentido neotestamentário, 0 retorno da força de Sansão uma última vez no fim de sua vida (Jz 16.28) foi dado tempo» rariamente para aquele desfecho. E no Novo Testamento, a extraordinária revelação do céu que Estêvão teve quando, "cheio do Espírito Santo, fitou os olhos no céu e viu a glória de Deus ejesus, que estava à sua direita" (At 7.55), era uma manifestação do Espírito que lhe foi dada somente para aquele momento específico.

Gerais

para o seu povo de Israel, mas as questões dos dons do Espírito Santo no sentido de ICoríntios 12-14 n ã o estão em foco em Romanos 11.29. E em qualquer caso, esta oração corri certeza n ã o seria verdadeira como uma declaração totalmente irrestrita concernente a dons espirituais, pois é óbvio que devido a uso incorreto, negligência ou tristeza causada ao Espírito Santo, as pessoas podem ter seus dons diminuídos ou removidos por escolha soberana de Deus. 6. O s dons s ã o miraculosos ou n ã o miraculosos? A resposta a essa pergunta realmente depende da definição da palavra milagre. Se definimos milagre como "uma atividade direta de Deus no mundo", então todos os dons espirituais são miraculosos porque eles são todos potencializados pelo Espírito Santo ( I C o 12.11; cf. v. 4-6). Mas nesse sentido tudo o que acontece no mundo poderia ser considerado miraculoso, porque tudo se realiza pela obra providencial de Deus na criação (veja Ef 1.11; D n 4.35; M t 5.45). Portanto, a palavra milagre perde sua utilidade, pois é difícil encontrar algo que acontece no mundo que n ã o seja miraculoso nesse sentido. E melhor definir milagre num sentido mais estreito, como fizemos no capítulo 17, acima: "milagre é um gênero menos comum da atividade divina pela qual Deus desperta a admiração e o espanto das pessoas, dando testemunho de si mesmo". De acordo com essa definição, só alguns dons são "miraculosos", ou seja, aqueles dons que as pessoas pensam serem miraculosos porque ficam assombradas com a atividade de Deus que opera neles. Com certeza devemos incluir nessa categoria a profecia (observe o assombro do incrédulo em ICo 14.24-25), a cura (de modo semelhante, observe a resposta do povo em At 3.10 et al.), a expulsão de demônios (veja A t 19.11-13, 17) e o falar em línguas quando se trata de uma língua estrangeira real entendida por outros (veja a descrição do Pentecostes em A t 2.7). Provavelmente, outros fenômenos notáveis também poderiam ser incluídos no dom de milagres (ICo 12.10). 18

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Outro sentido em que um dom pode n ã o ser permanente verifica-se quando uma pessoa negligencia seu dom e talvez entristeça o Espírito Santo ou caia num sério erro doutrinário ou moral (como Sansão fez no Antigo Testamento, por exemplo). Em tal caso, o dom pode ser retirado. Com certeza Paulo advertiu Timóteo: "... n ã o te faças negligente para com o dom que h á em t i " ( l T m 4.14), e talvez possamos aprender t a m b é m da p a r á b o l a dos talentos, em que Jesus diz: "... a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que n ã o tem, até o que tem lhe será tirado" (Mt 25.29). Além disso, devemo-nos lembrar de que o Espírito Santo ainda é soberano ao distribuir dons. ele os "distribui individualmente, a cada um, conforme determina" (ICo 12.11 NVI). A palavra traduzida aqui por "distribui" é um particípio presente, que indica atividade contínua através do tempo, e poderíamos parafrasear: "O Espírito Santo está sempre, de contínuo, distribuindo ou dando dons a cada pessoa individualmente, assim como ele quer fazer". Isso significa que, embora normalmente o Espírito Santo continue* a capacitar as pessoas com o mesmo dom ou dons ao longo do tempo, há um constante desejo e decisão do Espírito Santo de fazer isso ou não, e ele pode por suas próprias razões retirar um dom por u m tempo ou torná-lo maior ou menor do que era. Por fim, ICoríntios 13.8-13 (a ser discutido abaixo) indica que os dons espirituais que temos no presente são apenas para esta era e serão substituídos por algo maior. Portanto, nesse sentido nenhum dom é "permanente", uma vez que todo dom será considerado inútil no tempo da volta do Senhor. 17

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Dentro dessa discussão da pergunta se os dons espirituais são temporários ou permanentes, às vezes é mencionado Romanos 11.29: "... porque os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis". Entretanto, n ã o parece apropriado usar o versículo no contexto desta discussão, pois naquele caso Paulo está falando acerca da condição do povo judeu, incluindo seu chamado como povo de Deus e os dons ou bênçãos concedidos a ele como resultado dessa condição. A l i Paulo está argumentando que Deus ainda tem um propósito

Por outro lado, de acordo com essa definição, alguns dons seriam considerados n ã o miraculosos. Dons de serviço, ensino, encorajamento, contribuição e praticar atos de misericórdia (em R m 12.7-8) entrariam nessa categoria, bem como os dons daqueles que agem como prestadores de ajuda e administradores ( I C o 12.28). Mas ainda é o mesmo Espírito Santo que os concede e opera por meio deles. O propósito desta análise é advertir-nos contra a distinção sobrenatural/natural em nossa mente pela qual pensamos que alguns dons são "sobrenaturais" e outros são meramente "naturais". A Bíblia n ã o faz tal distinção, e o perigo de fazê-la está em podermos nos inclinar a pensar que alguns dons (que julgamos serem "sobrenaturais") são mais importantes ou são de Deus de modo mais claro, e podemos desvalorizar ou n ã o enfatizar os dons que pensamos serem "naturais". Se fizermos isso, vamos deixar de ver a m ã o de Deus no exercício de todos os dons e deixar de demonstrar-lhe gratidão por todos eles. Por outro lado, a distinção enganosa sobrenatural/natural poderia também levar-nos a ser muito desconfiados em relação àqueles que pensamos ser "sobrenaturais", ou poderia levar-nos a pensar que é muito improvável que se manifestem em nossa própria experiência. Nesse caso, tenderíamos a enfatizar os dons que pensamos serern "naturais" e ter u m nível muito baixo de expectativa ou fé com respeito a qualquer coisa que pensamos ser "sobrenatural".

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(52) A Doutrina da Igreja Contrastando com essa perspectiva, as Escrituras afirmam que "todos" os dons slf, produzidos em nós pelo mesmo Espírito Santo, o mesmo Senhor e o mesmo Deus (1GM 12.4-6). A cosmovisão das Escrituras pressupõe a continuidade e contínua interação entra o mundo visível, que podemos ver e tocar, e o mundo invisível, que a Bíblia nos diz que existi e é real. Deus opera em ambos, e prestamos a nós mesmos e à igreja um grande desserviçí ao separar esses aspectos da criação em "sobrenatural" e "natural". Por fim, devemos buscar os dons mais extraordinários ou miraculosos ou devemoi buscar os dons mais comuns? Mais uma vez, as Escrituras não fazem esse ü p o de distinção quando nos dizem que espécie de dons devemos procurar. Paulo diz aos coríntios: "Assim» também vós, visto que desejais dons espirituais, procurai progredir, para a edificação da igreja (ICo 14.12). Isso significa que devemos aprender quais dons são mais necessários na igreja de que participamos e então orar para que Deus d ê aqueles dons para nós mesmos ou para outros. Se esses dons são considerados miraculosos ou n ã o miraculosos n ã o é de modo nenhum o que realmente importa. 1

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7. Descobrindo e buscando os dons espirituais. Paulo parece dar por certo que os crentes sabem quais são seus dons espirituais. Ele simplesmente diz aos da igreja de Roma que usem seus dons de várias maneiras: "... se profecia, seja segundo a proporção da fé [...] o que contribui, com liberalidade; o que preside, com diligência; quem exerce misericórdia, com alegria" (Rm 12.6-8). De modo semelhante, Pedro simplesmente diz aos leitores como usar seus dons e n ã o diz nada sobre como descobrir quais são eles: "Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus" (lPe 4.10). Mas e se muitos membros numa igreja não souberem qual o dom espiritual ou quais os dons que Deus lhes deu? Num caso como esse, os líderes da igreja precisam perguntar se estão proporcionando suficientes oportunidades para que a variedade de dons seja utilizada. Embora as listas de dons dadas no Novo Testamento n ã o sejam exaustivas, certamente fornecem u m bom ponto de partida para que as igrejas se perguntem se pelo menos existe oportunidade para esses dons serem usados. Se Deus colocou pessoas com certos dons numa igreja e ali não se incentiva ou até mesmo não se permite que esses dons sejam usados, elas vão se sentir frustradas e insatisfeitas em seu ministério cristão e talvez mudem para outra igreja em que seus dons possam ser exercidos para o benefício do corpo. No caso de indivíduos que n ã o sabem quais são seus dons, eles podem começar perguntando que necessidades e oportunidades de ministério existem em sua igreja. Podem perguntar especificamente quais os dons mais necessários para a edificação da igreja no momento. Juntamente com isso, cada crente que não sabe quais são seus dons deve fazer algum tipo de auto-exame. Que interesses, desejos e a p t i d õ e s ele tem? Poderiam os outros dar-lhe conselhos ou incentivo, apontando dons específicos? Além disso, houve bênçãos no passado ao ministrar num tipo específico de serviço? Em tudo isso, a pessoa que procura descobrir seus dons deve orar e pedir sabedoria a Deus, confiando em que ela lhe será dada de acordo com sua promessa: "Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida. Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando" (Tg 1.5-6). Às vezes Deus concede essa sabedoria em forma de p e r c e p ç ã o mais aguda de suas próprias capacidades. Em outras ocasiões, ela pode vir mediante conselhos de terceiros 870

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ou pela constatação de bênção cada vez maior numa área de ministério. E Paulo mostra que em alguns casos pode haver profecia indicando u m dom específico, pois ele diz a T i m ó t e o : "Não negligencie o dom que você tem, o qual lhe foi dado mediante profecia com imposição de mãos do conselho de presbíteros" ( l T m 4.14, tradução do autor). Por fim, a pessoa que pergunta quais são os seus dons deve simplesmente começar a tentar ministrar em várias áreas e ver onde Deus abençoa. Ensinar numa classe de escola dominical ou em estudos bíblicos nos lares é uma excelente maneira de começar a usar o dom de ensino. Toda comunidade tem oportunidades para maior uso do dom de evangelização. As pessoas que pensam que talvez tenham dom de cura poderiam pedir oportunidades de acompanhar os presbíteros quando estes forem orar pelos doentes. As pessoas que pensam que talvez tenham dom de fé ou de oração intercessória poderiam começar a perguntar a alguns amigos cristãos se não teriam necessidades específicas pelas quais orar. E m tudo isso, as igrejas podem dar incentivo e oportunidades para que as pessoas experimentem vários dons e t a m b é m fornecer ensino e treinamento prático sobre os métodos adequados de uso. Aliado a isso, as igrejas devem continuamente orar para que Deus permita que as pessoas encontrem seus dons e, depois, sejam capacitadas para usá-las. Em tudo isso, o alvo é que o corpo de Cristo em cada local cresça até a maturidade, num processo em que "todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor" (Ef 4.16). Acima da questão da descoberta dos dons que cada um tem está a questão da busca de mais dons espirituais. Paulo ordena aos cristãos "procurai, com zelo, os melhores dons"(ICo 12.31) e diz mais tarde: "Segui o amor e procurai, com zelo, os dons espirituais, mas principalmente que profetizeis ( I C o 14.1). Nesse contexto, Paulo define o que ele quer dizer com "melhores dons" ou "maiores dons", pois em ICoríntios 14.5 repete a palavra que em 12.31 foi traduzida por "melhores" (gr. meizõn), quando diz: "... quem profetiza é superior ao que fala em outras línguas, salvo se as interpretar, para que a igreja receba edificação"(ICo 14.5). Aqui os "melhores" dons são aqueles que mais edificam a igreja. Isso é coerente com a declaração de Paulo alguns versículos depois, onde ele diz: "... visto que desejais dons espirituais, procurai progredir, para a edificação da igreja" ( I C o 14.12). Os melhores dons são aqueles que mais edificam a igreja e trazem mais beneficio aos outros. Mas como devemos procurar mais dons espirituais? Primeiro, devemos pedi-los a Deus. Paulo diz de modo direto que "o que fala em outra língua deve orar para que a possa interpretar" (ICo 14.13; cf. T g 1.5, em que Tiago diz às pessoas que devem pedir sabedoria a Deus). Em seguida, pessoas que buscam mais dons espirituais devem ter motivações corretas. Se os dons espirituais forem buscados só para que a pessoa seja mais proeminente ou tenha mais influência ou poder, isso com certeza está errado aos olhos de I >< us I.il era a motivação de Simão em Atos 8.19, quando disse: "Concedei-me também a m i m i i. poder, para que aquele sobre quem eu impuser as mãos receba o Esph ilo Santo" (vejl • repreensão de Pedro nos v. 21-22). De modo semelhante, Ananias e Sal ha bu-« aiain gl para si mesmos quando fingiram estar dando à igreja todo o produto di Ia di I M terra, mas isso não era verdade e ambos perderam a vida (At 5.1 11). E algo lei 11vel d< e|.u dons espirituais ou proeminência na igreja só para nossa glória, e mio paia Deus e benefício dos outros. Portanto, aqueles que buscam d píiiliiai devem primeiro perguntar a si mesmos se os estão buscando poi a m o i IIOI pelo m i e i r-,-,r 871


(52) A Doutrina da Igreja .•m sei capazes de ministrar lhes em suas necessidades; pois se alguém tiver grandes d o n s espirituais, mas "não tiver amor", não será "nada" aos olhos de Deus (cf. ICo 13.1-3). É por isso que Paulo diz "segui o amor" e só depois acrescenta "e procurai, com zelo, os donij espirituais" ( I C o 14.1). Ele repete o mesmo tema quando diz: "... visto que desejais dons, espirituais, procurai progredir, para a edificação da igreja" (ICo 14.12). Toda pessoa que buscar-, em Deus mais um dom espiritual deve sondar seu coração com freqüência, perguntando por que deseja esse dom específico. E realmente por amor aos outros e pelo desejo da edificar a igreja e ver Deus gloriíicado? Depois disso, é bom procurar oportunidades para experimentar o dom, a exemplo de uma pessoa que tenta descobrir o seu dom, como foi explicado acima. Estudos bíblicos em pequenos grupos ou reuniões de oração nos lares muitas vezes proporcionam um bom ambiente em que as pessoas podem experimentar dons de ensino ou oração intercessória ou exortação ou profecia ou cura, por exemplo. Finalmente, aqueles que buscam mais dons espirituais devem continuar a usar os dons quejá possuem eficarsatisfeitos se Deus resolver não lhes dar mais. O senhor aprovou o servo cuja mina "rendeu dez", mas condenou aquele que escondeu sua mina num lenço e nada fez com ela (Lc 19.16-17, 20-23) - com certeza nos mostrando que temos a responsabilidade de usare tentar aumentar qualquer talento ou aptidão que Deus tenha concedido a nós, seus mordomos. Para equilibrar essa ênfase na busca dos dons espirituais e no crescimento nessa matéria, devemos lembrar também que Paulo diz de modo claro que os dons espirituais são distribuídos pelo Espírito Santo a cada pessoa individualmente, "como lhe apraz"[lCo 12.11) e que "Deus dispôs os membros, colocando cada um deles no corpo, como lhe aprouve" (ICo 12.18). Ele diz que Deus colocou vários dons na igreja e nem todos são apóstolos ou profetas ou mestres (ICo 12.28-30). Dessa forma, lembra aos coríntios que em última análise a distribuição de dons é assunto da vontade soberana de Deus, é para o bem da igreja e para o nosso bem que ninguém possui todos os dons, e precisamos depender continuamente dos outros que têm dons diferentes dos nossos. Essas considerações devem fazer que nos contentemos se Deus resolver não nos dar os outros dons que procuramos.

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conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade" (Mt 7.22-23). N ã o é que Jesus os^tenha conhecido uma vez e mais tarde n ã o os conhecia mais; ele diz: "... nunca vos conheci". Eles nunca foram cristãos, apesar de terem realizado muitas obras notáveis. I'(>i tanto, não devemos avaliar maturidade espiritual com base nos dons espirituais. A maturidade vem quando se anda perto de Jesus, e resulta em obediência às suas ordens na vida diária: "... aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou" (ljo 2.6). Por que então o Espírito Santo nos dá dons espirituais? Eles são dados para a obra do ministério e constituem simplesmente ferramentas a serem usadas para esse fim. N ã o devem nunca ser uma fonte de orgulho pessoal por parte daqueles que os possuem nem devem ser encarados como sinal de maturidade. Devemos lutar simplesmente por nos destacar em amar os outros, cuidar dos necessitados, edificar a igreja e viver uma vida de conformidade com o padrão da vida de Cristo. Se assim fizermos, e se Deus decidir darnos os dons espirituais que nos equipem para essas tarefas, devemos agradecer-lhe e orar para que ele nos guarde do orgulho por causa dos dons que não merecemos e nos foram dados livre e graciosamente. B . TERIAM ALGUNS DONS DESAPARECIDO? O DEBATE CESSACIONISTA No mundo evangélico hoje há diferentes posições quanto à seguinte pergunta: "Todos os dons mencionados no Novo Testamento são válidos hoje para serem usados na igreja?". Alguns diriam sim. Outros diriam não e argumentariam que alguns dons mais miraculosos (tais como profecia, línguas e interpretação, e talvez cura e expulsão de demônios) foram dados somente durante a era apostólica, como "sinais" para credenciar os apóstolos durante o estágio inicial de pregação do evangelho. Afirmam que esses dons não são mais necessários hoje como sinais e cessaram no final da era apostólica, provavelmente no final do primeiro século d.C. ou começo do segundo. Devemos t a m b é m notar que existe u m grande grupo "intermediário" com relação a essa pergunta, o grupo dos "evangélicos históricos", que não são nem carismáticos ou pentecostais por um lado nem estão entre os "cessacionistas" por outro lado, mas estão simplesmente indecisos e inseguros de que essa questão possa ser decidida a partir das Escrituras. Embora alguns aspectos dessa questão tenham sido discutidos no capítulo 17, que trata de milagres, há algumas considerações relacionadas especificamente ao tópico dos dons espirituais que podem ser apresentadas aqui. 21

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8. O s dons s ã o ferramentas para o m i n i s t é r i o e n ã o se relacionam necessariamente com a maturidade cristã. Devemos reconhecer que os dons espirituais são dados a todo crente (ICo 12.7, 11; lPe 4.10). Mesmo os cristãos imaturos recebem dons espirituais do Senhor — isso com certeza era evidente na igreja de Corinto, que tinha uma abundância de dons espirituais (ICo 1.7), mas ainda era muito imatura em muitas áreas de doutrina e conduta. Paulo diz: "Eu, p o r é m , i r m ã o s , n ã o vos pude falar como a espirituais, e sim como a carnais, como a crianças em Cristo" ( I C o 3.1). Portanto, dons espirituais não são necessariamente sinais de maturidade espiritual. E possível ter dons espirituais notáveis em uma área ou outra, mas mesmo assim ser bem imaturo no entendimento doutrinário ou na conduta cristã, como era o caso em Corinto. Na verdade, eventualmente mesmo os incrédulos são capazes de profetizar, expulsar demônios e fazer milagres, pois Jesus diz que no último dia muitos lhe dirão: "Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em leu nome n ã o fizemos muitos milagres?". Mas Jesus lhes r e s p o n d e r á : "... nunca vos 872

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1. Será que ICoríntios 13.8-13 nos diz quando os dons miraculosos dosaparecerão? Paulo diz: O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguii cessarão; havendo ciência, passará; porque, em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos. Quando,porém, vier o que éperfeito, então, o que éem parte \em <iiiit/tul<i</n Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensu\ a como menino; quando cheguei a ser homem, desisti das coisas própi in d< menino. Porque, agora, vemos como em espelho, obscuramente; então, veremos face a face. 873


(52) Os Dons do Espírito

(52) A Doutrina da Igreja Agora, conheço em parte; então, conhecerei como também sou conhecido. Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três; porém o maior destes é o amor (ICo 13.8-13). . Essa passagem é importante para a discussão, pois nela Paulo menciona o dom da profecia como algo que é "em parte" ou "imperfeito" e depois diz que "o que é em parte será aniquilado" (ICo 13.10). Ele diz inclusive quando isso irá acontecer: "quando vier o que é perfeito". Mas quando será isso? E mesmo que possamos determinar quando se dará esse fato, isso significaria que Paulo tinha em mente algo que desse hoje à igreja a resposta a essa pergunta sobre o desaparecimento dos dons? E será que o dom da profecia nessa passagem representaria os dons miraculosos em geral na era da igreja? a. O propósito de ICoríntios 13.8-13. Paulo interrompe sua discussão sobre os dons espirituais com o capítulo 13 de ICoríntios, em que pretende colocar toda a discussão a respeito dos dons na perspectiva correta. N ã o basta simplesmente "procurar os maiores dons" (12.31a, tradução do autor). Deve-se também "procurar o amor" (14.1, tradução do autor), unindo assim alvos corretos com motivações corretas. Sem o amor, os dons espirituais não têm valor (13.1-3). Na verdade, Paulo argumenta, o amor é superior a todos os dons e, por isso, é mais importante agir em amor do que possuir qualquer dos dons. A fim de mostrar a superioridade do amor, Paulo argumenta que ele permanece para sempre, enquanto os dons são temporários (13.8). Os versículos 9-12 explicam melhor por que os dons são temporários. Nosso conhecimento e profecias no presente são parciais e imperfeitos (v. 9), mas um dia virá algo perfeito para substituí-los (v. 10). Isso se explica mediante a analogia de uma criança que desiste dos pensamentos e conversas infantis, substituindo-os pelos pensamentos e conversas de adulto (v. 11). Paulo então acrescenta pormenores sobre os versículos 9-10, explicando que nossa percepção e conhecimento do presente são indiretos e imperfeitos, mas algum dia serão diretos e perfeitos (v. 12). Nesse argumento, Paulo associa a função da profecia com o tempo de seu desaparecimento. Ela preenche uma certa necessidade agora, mas o faz de modo apenas i m perfeito. Quando "o perfeito" vier, aquela função será mais bem cumprida por algo, e a profecia cessará porque ficará obsoleta ou inútil (esta é a provável nuança do termo grego usado aqui, katargeõ, "desaparecer" e "passar" nos v. 8, 10 [NVI]). Desse rftodo, a função geral de ICoríntios 13.8-13 é mostrar que o amor é superior aos dons como a profecia porque esses dons desaparecerão, mas o amor jamais acabará. b. ICoríntios 13.10: O desaparecimento da profecia quando Cristo voltar. Paulo escreve no versículo 10: " Quando, porém, vier o que éperfeito, então, o que é em parte será aniquilado". A frase "o que é em parte" (gr. ek merous, "parcial", "imperfeito") refere-se mais claramente a conhecimento e profecia, duas atividades de que se diz no versículo í) que são realizadas "em parte" (também usando nos dois casos a mesma frase grega, ek merous). Para expor essa relação, poderíamos traduzir: O amor nunca acaba. Se houver profecias, desaparecerão; se houver línguas, cessarão; se houver conhecimento, desaparecerá, porque conhecemos de modo

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Santo: (1) Perguntas

Gerais

imperfeito e profetizamos de modo imperfeito - mas quando vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. I Dessa forma, os estreitos laços entre as declarações se tornam claros pela repetição de dois termos essenciais, "desaparecer" e "imperfeito". Sem dúvida, Paulo pretendia incluir t a m b é m no sentido do versículo 9 as línguas como uma das atividades "imperfeitas", mas omitiu a repetição excessivamente pedante por razões estilísticas. Contudo, as línguas devem ser entendidas como parte do sentido do versículo 9, que constitui a explicação do versículo 8, como mostra a palavra "porque" (gr. gar). Dessa maneira, o versículo 9 deve dar a razão pela qual as línguas vão cessar, tal como o conhecimento e a profecia. De fato, a repetição de "se [...] se [...] se" no versículo 8 sugere que Paulo poderia ter alistado mais dons aqui (sabedoria, cura, interpretação?) se quisesse. Portanto, ICoríntios 13.10 poderia ser assim parafraseado: "Quando vier o que é perfeito, profecia e línguas e outros dons imperfeitos desaparecerão". O único problema que resta é determinar o tempo a que se refere a palavra "quando". Vários fatores no contexto mostram que Paulo tem em mente a época da volta do Senhor. (1) Primeiro, o significado do versículo 12 parece exigir que o versículo 10 esteja falando acerca da época da segunda vinda do Senhor. A palavra " e n t ã o " (gr. tote) no versículo 12 refere-se ao tempo em que virá "o que é perfeito" no versículo 10. Isso fica evidente ao se examinar o versículo 12: "Porque, agora vemos obscuramente, como em espelho; mas então, veremos face a face. Agora, c o n h e ç o em parte; então, conhecerei como t a m b é m sou conhecido" (tradução do autor). Quando veremos "face a face"? Quando conheceremos "como t a m b é m somos conhecidos"? Esses eventos só podem ocorrer quando o Senhor voltar. A frase "ver face a face" é usada várias vezes no Antigo Testamento para se referir ao fato de ver a Deus pessoalmente - n ã o de modo pleno ou exaustivo, pois nenhuma criatura finita jamais pode fazer isso, mas assim mesmo de modo pessoal e verdadeiro. Por isso, quando Paulo diz "então, veremos face a face", quer dizer claramente: "mas então veremos a Deus face a face". Na verdade, essa será a grande bênção do céu e nossa maior alegria por toda a eternidade (Ap 22.4: "contemplarão a sua face"). A segunda metade do versículo diz: "Agora, conheço em parte; então, conhecerei como t a m b é m sou conhecido". A segunda e a terceira palavra traduzida por "conhecer" - a que é usada em "então, conhecerei como também sou conhecido" - é um termo um tanto mais forte para o ato de conhecer (gr. epiginõskõ), mas com certeza n ã o implica conhecimento infinito ou onisciência. Paulo n ã o espera conhecer todas as coisas e n ã o diz "então, conhecerei todas as coisas", algo que teria sido fácil dizer em grego. Antes, ele quer dizer que, quando o Senhor voltar, espera se ver livre das interpretações incoi i «I.I , e da incapacidade de entender (em especial de entender Deus e sua obra), coisas que NAO parte da vida no presente. Seu conhecimento vai ser parecido com o conhecimento qilfl Deus tem dele no presente, pois não conterá nenhuma falsa impressão e não sei a liuúlado ao que pode ser percebido nesta era. Mas tal conhecimento só vai ocorrei quando o Senhor voltar. Ora, a que se refere a palavra "então" no versículo 12? Paulo diz: "Porque, agoui vemos obscuramente, como em espelho; mas então, veremos face a face. Agora, < onheço 24

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(52) A Doutrina da Igreja em parte; mas então, conhecerei como também sou conhecido" (tradução do autor), S palavra "então" só p o d e se referir .1 algo nos versículos anteriores que eleja explictfl Olhamos primeiro para o versículo 11, mas percebemos que nada ali pode ser a cpncQ futura a que Paulo se refere como "então": "Quando eu era menino, falava como meninrjJ sentiacomo menino, pensava como menino; quando cheguei a ser homem, desisti ám coisas próprias de menino". Tudo isso se refere ao passado, não ao futuro. Fala de eventfl passados na vida de Paulo à título de ilustrações humanas naturais do que ele havia ditQj no versículo 10. Mas nada no versículo fala de uma época futura em que algo irá acoM tecer. Assim, olhamos mais para trás, para o versículo 10: "Quando, porém, vier o qual perfeito, então, o que é em parte será aniquilado". Aqui temos uma declaração acerca doj futuro. Paulo diz que, em algum ponto do futuro, virá "o que é perfeito" e "o que é em parte" irá desaparecer, irá se tornar inútil. Quando isso vai acontecer? Isso é o que SM explica por meio do versículo 12. Então, no tempo em que vier o que é perfeito, veremos] "face a face" e conheceremos "como também somos conhecidos". Isso significa que o tempo em que virá "o que é perfeito" deve ser o tempo da volta de Cristo. Portanto, podemos parafrasear o versículo 10: "Mas quando Cristo voltar, o que é imperfeito desaparecerá". Ou, para usar nossa conclusão acima de que "o que é imperfeito" inclui profecia e línguas, podemos parafrasear: "Mas quando Cristo voltar, profecia e língua (e outros dons imperfeitos) desaparecerão". Dessa forma, temos em ICoríntios 13.10 uma declaração definida acerca do tempo de desaparecimento dos dons imperfeitos como a profecia: eles vão "se tornar inúteis" ou "desaparecer" quando Cristo voltar. E isso implica que eles vão existir e ser úteis à igreja através da era da igreja, incluindo hoje, e exatamente até o dia em que Cristo voltar. (2) Outra razão pela qual o tempo em que virá "o que é perfeito" deve ser o tempo em que Cristo vai voltar evidencia-se a partir do propósito da passagem: Paulo está tentando enfatizar a grandeza do amor e, ao fazê-lo, deseja estabelecer que "o amor jamais acaba" (ICo 13:8). Para provar isso, alega que o amor permanecerá além da época em que o Senhor voltar, ao contrário dos dons espirituais do presente. Isso constitui um argumento convincente: o amor é tão fundamental aos planos de Deus para o universo que permanecerá além da transição desta era para a era vindoura por ocasião da volta de Cristo - continuará por toda a eternidade. • 26

(52) Os Dons do Espírito

Santo: (1) Perguntas Gerais

clara afirmação bíblica de que Paulo esperava que esses dons continuassem através de Ioda a era da igreja e fossem exercidos para o benefício da igreja até que o Senhor volte. c. O b j e ç õ e s . Têm-se levantado várias objeções a essa conclusão, normalmente por aqueles que sustentam que esses dons cessaram na igreja e não devem mais ser usados. (1) Essa passagem n ã o especifica quando os dons v ã o desaparecer A primeira objeção à nossa conclusão acima vem do sério estudo de Richard Gaffin, Perspectives on Pentecost. Embora concorde em que a frase "quando vier o que é perfeito" refere-se ao tempo da volta de Cristo, o Dr. Gaffin n ã o pensa que esse versículo especifique o tempo do desaparecimento de certos dons. Pensa, antes, que Paulo está apenas considerando "todo o período até a volta de Cristo, sem se preocupar com a questão se interrupções podem ou não intervir durante o curso desse período". Na verdade, Gaffin argumenta, o propósito geral de Paulo é enfatizar as qualidades duradouras da fé, esperança e amor, especialmente amor, e n ã o especificar o tempo em que certos dons irão desaparecer. Ele diz: 28

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(3) Uma terceira razão pela qual esta passagem se refere ao tempo da volta do Senhor pode ser encontrada numa declaração mais geral de Paulo acerca do propósito dos dons espirituais na era do Novo Testamento. Em ICoríntios 1.7, Paulo associa a posse de dons espirituais (gr. charismata) à atividade de esperar a volta do Senhor: "... de modo que não lhes falta nenhum dom espiritual, enquanto vocês aguardam que o nosso Senhor Jesus Cristo seja revelado" (NVI). Isso sugere que Paulo via os dons como provisão temporária feita para equipar os crentes para o ministério até que o Senhor volte. Assim, esse versículo fornece um paralelo bem próximo ao pensamento de ICoríntios 13.8-13, em que a profecia e o conhecimento (e sem dúvida as línguas) são vistos, de modo semelhante, como úteis até a volta de Cristo, mas desnecessários depois disso. Portanto, ICoríntios 13.10 refere-se ao tempo da volta de Cristo e diz que esses dons espirituais irão permanecer entre os crentes até essa hora. Isso significa que temos uma 876

Paulo não pretende especificar o tempo em que alguma modalidade particular irá desaparecer. O que ele afirma é o fim do conhecimento presente e fragmentado do crente [...] quando vier "o que é perfeito". O tempo do desaparecimento da profecia e das línguas é uma questão não concluída nessa passagem e terá de ser decidida com base em outras passagens e considerações. 29

Ele diz ainda que, ao lado de profecia, línguas e conhecimento, Paulo poderia também ter acrescentado a "escrituração" - e se ele tivesse feito isso, a lista teria então incluído um elemento que cessou muito tempo antes da volta de Cristo. (Escrituração é o processo pelo qual se registraram as Escrituras.) Dessa forma, Gaffin conclui, isso poderia ser verdade t a m b é m com relação a algumas outras coisas na lista. Em resposta a essa objeção, deve ser dito que ela não faz justiça a palavras reais do texto. Os evangélicos têm insistido corretamente (e sei que Dr. Gaffin concorda com isso) que as passagens das Escrituras são verdadeiras n ã o só no ponto principal de cada uma delas, mas também nos detalhes menores afirmados. O ponto principal da passagem | N M \ê muito bem ser que o amor permanece para sempre, mas outro ponto, com ceiie ,1 t a m b é m importante, é que o versículo 10 declara n ã o apenas que esses dons imperfi ItO vão desaparecer algum dia, mas que eles vão cessar "quando vier o que é perfeito" Paulo especifica um tempo: "Quando, porém, vier o que éperfeito, então, o que é em parti 9ti aniquilado". Mas o Dr. Gaffin parece alegar que Paulo n ã o está realmente di/endi Todavia, n ã o se pode escapar da força das palavras afirmando que o tem.i gi ml do contexto mais amplo é outro. Além disso, a sugestão do Dr. Gaffin n ã o parece adequar-se à lógi< a da passagem Paulo argumenta que é especificamente a vinda do "que é perfeito" que põe lini .1 profei ia, às línguas e ao conhecimento, porque então haverá um meio novo, muito lUperioi dc aprender e conhecer as coisas como t a m b é m somos conhecidos. Mas antru\< tempo, o meio novo e superior de conhecimento ainda não terá chegado, e p< 11 lauto esses dons

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(52) A Doutrina da Igreja

(52) Os Dons do Espírito

imperfeitos ainda serão válidos e úteis. Finalmente, é precário colocar muito peso < alguma coisa que pensamos que Paulo poderia ter dito, mas que na realidade não d i l f f l Dizer que Paulo poderia ter incluído a "escrituração" nessa lista significa que ele poderia; ter escrito: "Quando Cristo voltar, a escrituração" cessará". Mas n ã o consigo crer d l maneira nenhuma que Paulo poderia ter escrito tal declaração, pois ela teria sido falsa na verdade, uma "falsa profecia" segundo as palavras das Escrituras. Pois a "escrituração! cessou h á muito tempo, quando o livro de Apocalipse foi registrado pelo apóstolo JoãQJ Portanto, a objeção do Dr. Gaffin n ã o parece derrubar nossas conclusões sobra ICoríntios 13.10. Se "o que é perfeito" se refere ao tempo da volta de Cristo, então Paulo diz que os dons tais como a profecia e as línguas desaparecerão nesse tempo, implicando! dessa forma que eles continuarão através da era da igreja. m

(2) "Quando vier o que é perfeito" em ICoríntios 13.10 refere-se a um tempo anterior ao da volta do Senhor •

Os que fazem essa segunda objeção argumentam que "quando vier o que é perfeito" significa uma das várias coisas, tais como "quando a igreja estiver madura" ou "quando as Escrituras estiverem completas" ou "quando os gentios forem incluídos na igreja". Provavelmente, a mais cuidadosa afirmação desse ponto de vista encontra-se no livro de Robert L. Reymond, What About Continuing Revelations and Miracles in the Presbyterian Church Today? mas outra exposição clara de uma posição semelhante encontra-se no livro de Walter Chantry, Signs of the Apostles. O argumento de Chantry depende do fato de que em outros trechos de ICoríntios a palavra aqui traduzida por "perfeito" (gr. teleios) é usada para se referir à maturidade humana (ICo 14.20, "quanto ao juízo, sede homens amadurecidos") ou à maturidade na vida cristã (como em I C o 2.6). Contudo, aqui devemos observar novamente que uma palavra não tem de se referir à mesma coisa toda vez que é usada nas Escrituras - em alguns casos teleios pode se referir à humanidade "madura" ou "perfeita", em outros casos a alguma outra espécie de "completitude" ou "perfeição". A palavra teleios é usada em Hebreus 9.11, por exemplo, para se referir ao "mais perfeito tabemáculo" - porém, não podemos concluir disso que "perfeito" em ICoríntios 13.10 deve referir-se ao tabemáculo perfeito. O referente exato da palavra deve ser determinado pelo contexto específico, e ali, como vimos, o contexto indica que "quando vier o perfeito" designa o tempo da volta detÜristo. O argumento do Dr. Reymond é um pouco diferente. Ele raciocina como segue (p. 34): (a) As coisas imperfeitas mencionadas nos versículos 9-10 - profecia, línguas e conhecimento - são meios incompletos de revelação, "todos eles relacionados com o ato pelo qual Deus torna sua vontade conhecida à sua igreja". (b) "O que é perfeito" nesse contexto deve referir-se a algo na mesma categoria de "o que é imperfeito". (c) Portanto, "o que é perfeito" nesse contexto deve referir-se a um meio de revelação, mas um meio completo. E esse meio completo pelo qual Deus dá a conhecer sua vontade à igreja é a Bíblia. 30

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(d) Conclusão: "quando vier o que é perfeito" refere-se ao tempo em que o cânon das I (i ituras estiverem completos.

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Santo: (1) Perguntas

Gerais

Reymond observa que ele n ã o está dizendo que "o que é perfeito" designa exatamente o cãnon das Escrituras (p. 32). E em resposta à objeção de que a frase "então, veremos face a face" no versículo 12 refere-se à visão de Deus face a face, diz que ela pode não querer dizer isso, mas simplesmente que veremos "de maneira plena" em oposição ao "obscuramente" (p. 32). Em resposta, pode ser dito que esse argumento, embora cuidadoso e coerente em si, ainda depende de uma pressuposição que é o ponto realmente em debate em toda essa discussão: a autoridade da profecia e dos dons relacionados do Novo Testamento. Uma vez que Reymond dá por certo que a profecia (e línguas e o tipo de "conhecimento" mencionado aqui) é revelação com caráter de Escritura, todo o argumento torna-se aparentemente razoável. O argumento poderia ser refundido como segue: (a) Profecia e línguas são revelações com caráter de' Escritura. (b) Portanto, essa passagem em seu todo trata da revelação com caráter de Escritura. (c) Portanto, "o que é perfeito" refere-se à perfeição ou ao completar da revelação com caráter de Escritura, ou ao completar das Escrituras. N u m argumento como esse, a pressuposição inicial determina a conclusão. Entretanto, antes que essa pressuposição possa ser feita, precisa ser demonstrada a partir de análise indutiva dos textos do Novo Testamento sobre a profecia. Todavia, pelo que eu saiba, não foi feita nenhuma demonstração indutiva de que a profecia nas igrejas do Novo Testamento tinha autoridade de Escritura. Além disso, h á alguns outros fatores no texto de ICoríntios 13.8-13 que dificilmente podem ser harmonizados com a posição de Reymond. Continua sem explicação o uso regular, no Antigo Testamento, da visão de Deus "face a face" como expressão não apenas da experiência de ver de modo claro, mas da experiência de ver pessoalmente a Deus (veja acima). E o fato de que Paulo inclui a si mesmo nas expressões "então, veremosfacea face" e "então, conhecerei como t a m b é m sou conhecido" torna difícil ver essas frases como referências ao tempo em que as Escrituras estarão completas. Será que Paulo pensa mesmo que, quando os outros apóstolos finalmente terminarem suas contribuições para o Novo Testamento, ele vai adquirir de repente uma m u d a n ç a notável em seu conhecimento de modo que conhecerá como é conhecido e passará da visão obscura como num espelho para a visão face a face? Além das posições de Reymond e Chantry, tem havido outras tentativas de ver "quando vier o que é perfeito" como algum tempo antes da volta de Cristo, mas não vamos tratá-las em detalhes aqui. Todas essas visões sucumbem no versículo 12, em que Paulo indica que os crentes verão a Deus "face a face" "quando vier o que é perfeito". Isso não pode ter sido dito acerca do tempo sugerido em nenhuma dessas outras propostas. A proposta acerca do fechamento do cânon das Escrituras do Novo Testamento (o grupo de escritos que vieram a ser incluídos no Novo Testamento) também não consegue se adequar ao propósito de Paulo no contexto. Se considerarmos 90 d.C. como a data aproximada do registro de Apocalipse, o último livro do Novo Testamento a sei esi então o fim da escrituração da Bíblia deu-se trinta e cinco anos depois de Pauli i pn idu/.ii ICoríntios (cerca de 55 d.C). Mas seria convincente argumentar conu> snmr "Pudemos estar certos de que o amor nunca acaba, pois sabemos que ele vai durai mar, de ti mia e cinco anos"? Isso dificilmente seria u m argumento convincente. < > < ontexlo exige que Paulo faça contraste entre a era presente e a era vindoura e diga que i > iiim a vai pei ina 32

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(52) Os Dons do Espírito

(52) A Doutrina da Igreja necer pela eternidade." Na verdade, vemos um procedimento semelhante em outro lugar de 1 Coríntios. Quando Paulo quer demonstrar o valor eterno de alguma coisa, faz isso argumentando que ela permanecerá além do dia da volta do Senhor (cf. ICo 3.13-15; 15.5158). Em contraste com isso, profecia e outros dons"não permanecerão além daquele dia. Por fim, essas propostas n ã o conseguem encontrar nenhum apoio no contexto imediato. Enquanto a volta de Cristo é mencionada claramente no versículo 12, nenhum versículo nesse trecho menciona alguma coisa sobre o fechamento das Escrituras ou coleção de livros do Novo Testamento ou ainda sobre a inclusão dos gentios na igreja ou acerca da "maturidade" da igreja (qualquer que seja o significado disso - a igreja é realmente madura mesmo hoje?). Todas essas sugestões introduzem novos elementos não encontrados no contexto a fim de substituir o único elemento - a volta de Cristo — que já está bem ali de modo claro. Na verdade, o próprio Richard Gaffin, que sustenta que o dom da profecia não é válido para hoje, diz no entanto que "o que é perfeito" no versículo 10 e o "então" no versículo 12 "sem dúvida referem-se ao tempo da volta de Cristo. A visão de que eles descrevem o ponto em que o cânon do Novo Testamento estará completo n ã o pode ser aceita como exegeticamente defensável". O Dr. D . Martyn Lloydjones observa que o ponto de vista que identifica o tempo em que vem "o que é perfeito" como o tempo do fechamento do Novo Testamento enfrenta outra dificuldade: 34

Santo: (%) Perguntas Gerais

hoje, por exemplo, falassem palavras que soubéssemos serem verdadeiras palavras de Deus, então elas seriam iguais às Escrituras em autoridade, e seríamos obrigados a registrálas* e acrescentá-las à Bíblia sempre que as ouvíssemos. Mas se estamos convencidos de que Deus parou de fazer com que as Escrituras fossem registradas quando o livro de Apocalipse se completou, então temos de dizer que essa espécie de discurso, declarando as verdadeiras palavras de Deus, n ã o pode ocorrer hoje. E qualquer alegação de ter "nova" Escritura, "novas" palavras de Deus, deve ser rejeitada como falsa. Essa questão é muito importante, pois a alegação de que a profecia das igrejas do Novo Testamento tem autoridade igual à das Escrituras é a base de muitos argumentos a favor do desaparecimento dos dons. Contudo, deve ser observado que as próprias pessoas contrárias ao desaparecimento não parecem ver a profecia desse modo. George Mallone escreve: "Pelo que eu saiba, ninguém do cristianismo histórico que é contra o desaparecimento alega que a revelação hoje seja igual às Escrituras". Talvez fosse bom para aqueles que argumentam contra a continuidade da profecia hoje ouvir com mais boa vontade os autores carismáticos mais responsáveis, simplesmente com o propósito de serem capazes de responder àquilo em que os carismáticos realmente crêem (mesmo que isso nem sempre seja expresso de forma teologicamente exata), em vez de responder àquilo que os cessacionistas dizem que os carismáticos acreditam ou devem acreditar. Além disso, com exceção da questão da prática ou crença corrente, argumentei de modo bem extenso em outro lugar que a profecia normal nas igrejas do Novo Testamento não tinha a autoridade das Escrituras. Ela não era proferida em palavras que eram as palavras do próprio Deus, mas em meras palavras humanas. E como ela tem essa autoridade menor, não há nenhuma razão para pensar que não continuará na igreja até Cristo voltar. Ela não ameaça as Escrituras nem compete com a Bíblia em autoridade; antes, está sujeita às Escrituras bem como ao julgamento maduro da congregação. 37

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Significa que você e eu, que temos as Escrituras abertas diante de nós, conhecemos a verdade de Deus muito mais que o apóstolo Paulo. [...] Significa que nós todos somos superiores [...] até mesmo aos próprios apóstolos, incluindo o apóstolo Paulo! Significa que estamos agora numa posição em que [...] "conhecemos como também somos conhecidos" por Deus [...] Realmente, só existe uma palavra para descrever tal ponto de vista: absurdo. 35

Ora, se a profecia das igrejas do Novo Testamento era igual em autoridade à profecia dn \ntigo Testamento e às palavras apostólicas do Novo Testamento, então essa objeção dos que defendem o desaparecimento dos dons seria mesmo verdadeira. Se os profetas

b. A questão da direção. Outra objeção se levanta às vezes nesse ponto. Alguns argumentam que mesmo que as pessoas que usam o dom da profecia hoje digam que ela não é igual às Escrituras em autoridade, funciona de fato na vida delas de tal modo que compete com as Escrituras e até a substitui na tarefa de dar direção acerca da vontade de Deus. Portanto, a profecia hoje, dizem, desafia a doutrina da suficiência das Escrituras para a orientação de nossa vida. Aqui se deve admitir que muitos enganos têm sido cometidos na história da igreja. John MacArthur aponta a maneira pela qual a idéia de revelações tem dado origem a muitos movimentos heréticos na igreja. " Mas a pergunta que se deve fazer aqui é esta: os abusos são necessários para o cxen i< l< I do dom de profecia? Se tivermos de afirmar que os enganos e abusos de um dom invalidam o próprio dom, então teríamos de rejeitar também o ensino bíblico (pois muitos proli >on da Bíblia têm ensinado erros e dado origem a seitas) bem como a administração eclesiástica (pois muitos líderes de igreja têm desencaminhado pessoas) e assim poi diante < > '"«'" USO de um dom não significa que devamos proibir o uso apropriado do dom, a monoi qu< 00 ser demonstrado que é impossível haver uso apropriado - que todo u.s n mal Além disso, especificamente com relação à direção, é bom observa ni Io movimento carismático são cautelosos acerca do uso da profei In puni otli I I I I K (WI cífica. Várias citações servem para ilustrar esse ponto.

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J o ã o Calvino, referindo-se a ICoríntios 13.8-13, diz: "É estupidez as pessoas aplicarem toda essa discussão ao período intermediário". 36

2. A continuação da profecia hoje desafia a suficiência das Escrituras? a. A autoridade do dom da profecia. Os que adotam o ponto de vista cessacionista argumentam que uma vez que o último livro do Novo Testamento foi escrito (provavelmente o livro de Apocalipse por volta de 90 d.C), n ã o deve haver mais "palavras de Deus" faladas ou escritas na igreja. Isso é especialmente pertinente no caso do dom da profecia, de acordo com a posição que defende o desaparecimento dos dons, pois a partir daquele ponto as Escrituras passaram a ser a fonte completa e suficiente das palavras de Deus para o seu povo. Acrescentar algumas palavras dadas por declarações proféticas contínuas seria, com efeito, ampliar as Escrituras ou competir com elas. Em ambos os casos, a suficiência das Escrituras seria desafiada e, na prática, sua autoridade única em in issa vida ficaria comprometida.

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1

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(52) A Doutrina da Igreja

(52) Os Dons do Espírito

Michael Harper (Igreja Anglicana): j Profecias que dizem a outras pessoas o que elas devem fazer - precisam ser encaradas com muita suspeita." •

Dennis e Rita Bennett (episcopais americanos):

ou problema particular. Todos os cristãos precisam estar abertos para essas operações mais espontâneas do Espírito. 44

E Robert Reymond define iluminação como "capacitação do Espírito Santo dada aos cristãos em geral para que possam entender, trazer de volta à mente e aplicar as Escrituras que estudaram". Mas se esses escritores admitem a atividade presente do Espírito Santo capacitando os cristãos para "entender" ou "trazer à mente" ou "aplicar" ou "compreender" os ensinos das Escrituras, então não parece haver em princípio uma diferença tão grande entre o que eles dizem e o que muitos no movimento carismático fazem (mesmo que provavelmente permaneçam algumas diferenças sobre a maneira exata pela qual a orientação funciona - isso não é tanto uma diferença acerca da profecia, mas acerca da orientação em geral e, em particular, sobre a maneira pela qual a direção das Escrituras se relaciona com a orientação por meio de conselho, recomendação, consciência, circunstâncias, sermões, etc). O maior problema é este: o que Gaffin e Reymond chamam aqui "iluminação", o Novo Testamento parece chamar "revelação", e o que eles chamariam relato falado de tal iluminação, o Novo Testamento parece chamar "profecia". Assim, eu me pergunto se não poderia haver mais reflexão teológica conjunta nessa área. Os carismáticos precisam perceber que os cessacionistas são céticos quanto ao escopo e freqüência de tal "iluminação", se é correto chamá-la profecia do Novo Testamento, se ela realmente tem valor para a igreja e se deve ser procurada. E os cessacionistas precisam perceber que sua doutrina altamente desenvolvida e cuidadosamente formulada da suficiência das Escrituras para orientação n ã o é normalmente compartilhada nem mesmo entendida por muitos evangélicos, incluindo os que fazem parte do movimento carismático. P o r é m , talvez a idéia reformada de " i l u m i n a ç ã o " leve em conta o que acontece na profecia hoje e possa proporcionar um meio de entendê-la que n ã o seja visto como um desafio à suficiência das Escrituras, r Que devemos concluir então acerca da relação entre o dom de profecia e a suficiência das Escrituras? Devemos dizer que admiramos o desejo dos cessacionistas de proteger a unidade das Escrituras e de não admitir que algo venha a competir com a autoridade delas em nossa vida. Devemos ser gratos também pelo desejo deles de que os cristãos entendam e sigam princípios sadios de orientação em sua vida diária e não caiam numa área de subjetivismo excessivo sem o controle das Escrituras. Por outro lado, há com certeza um perigo que acompanha o ponto de vista cessacionista, se ele errar aqui. E o perigo muito real de se opor a algo que Deus está fazendo na igreja hoje e não lhe dar glória por essa obra. Deus tem ciúmes de suas obras e por meio delas busca glória para si mesmo, e devemos orar continuamente n ã o só para que ele nos guarde de aprovar o erro, mas também para que nos guarde de nos opor a algo genuinamente dele. 45

Devemos também tomar cuidado com a profecia pessoal, diretiva, especialmente fora do ministério de um homem de Deus maduro e submisso. A "profecia pessoal" desenfreada contribuiu muito para minar o movimento do Espírito Santo que se iniciou na virada do século. (...) Os cristãos com certeza são palavras dadas uns aos outros "no Senhor" (...) e tais palavras podem ser muitíssimo revigoradoras e úteis, mas deve haver um testemunho do Espírito Santo por parte da pessoa que recebe as palavras, e é preciso usar de extrema cautela ao receber qualquer pretensa profecia diretiva ou preditiva. Nunca empreenda qualquer projeto simplesmente porque lhe disseram isso por meio de suposta declaração profética ou interpretação de línguas ou por suposta palavra de sabedoria ou de conhecimento. Nunca faça algo só porque um amigo vem a você e diz: "O Senhor me mandou dizer a você que deve fazer assim e assado". Se o Senhor tem instruções para você, ele lhe dará um testemunho em seu coração, e nesse caso as palavras que vêm do seu amigo (...) serão uma confirmação do que Deus já estava mostrando a você. A orientação que você recebe também deve concordar com as Escrituras... 42

Donald Gee (Assembléia de Deus) (Há) problemas graves suscitados pelo hábito de dar e receber "mensagens" pessoais de orientação mediante os dons do Espírito. (...) A Bíblia dá espaço para essa direção do Espírito Santo. (...) Mas isso deve ser mantido na devida proporção. Um exame das Escrituras irá nos mostrar que na verdade os cristãos primitivos não recebiam continuamente essas vozes do céu. Na maioria dos casos, tomavam suas decisões pelo uso do que costumamos chamar "bom senso santificado" e levavam vidas bem normais. Muitos de nossos erros relacionados a dons espirituais surgem quando desejamos que o extraordinário e o excepcional se tornem freqüentes e habituais. Todos os que desenvolvem desejo excessivo por "mensagens" dadas mediante os dons devem extrair lições do naufrágio tanto das gerações passadas como das contemporâneas.(...) As Sagradas Escrituras são uma lâmpada para os nossos pés e luz para o nosso caminho. 43

Por outro lado, mesmo entre os reformados, verdadeiros cessacionistas, existe disposição para admitir algum tipo de "iluminação" contínua pelo Espírito Santo na vida dos crentes. Por exemplo, o professor Richard Gaffin do Westminster Seminary dizMuitas vezes também, aquilo que é visto como profecia é na realidade uma aplicação espontânea das Escrituras, produzida pelo Espírito, uma compreensão mais ou menos repentina do significado que o ensino bíblico tem para uma situação 882

Santo: (1) Perguntas Gerais

3. Os dons miraculosos estavam limitados aos apóstolos e seus companheiros? Outro argumento dos cessacionistas é que os dons miraculosos limitaram-se aos apóstolos e seus companheiros mais próximos. Como já tratei desse argumento longamente no capítulo 17, não repetirei aqui essa discussão. 46

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(52) Os Dons do Espírito

(52) A Doutrina da Igreja 4. Os dons miraculosos só acompanharam a concessão das novas E s c r i t u r a i Outra objeção consiste em dizer que os dons miraculosos acompanharam a concessão ^ f l Escrituras e, como n ã o h á novaPEscrituras sendo dadas hoje, n ã o devemos e s p ^ H milagres novos. Mas em resposta a isso deve ser dito que esse n ã o é o único propósito d< >•, I n miraculosos. Como observamos no capítulo 17, os milagres têm vários outros proposital nas Escrituras: (1) eles autenticam a mensagem do evangelho através da era da igreja; ( H ajudam os que se encontram em necessidade e, dessa forma, demonstram a m i s e r i c ó r d H e o amor de Deus; (3) capacitam as pessoas para o ministério; e (4) glorificam a D e u l f l 1 )evemos observar também que nem i o d o s os milagres acompanharam a concesaífl de outras Escrituras. Por exemplo, os ministérios de Elias e Eliseu foram caracterizado! por muitos milagres no Antigo Testamento, mas eles não escreveram nenhum livro m m trechos da Bíblia. No Novo Testamento ocorreram muitos milagres n ã o acompanhado!! pela concessão de Escrituras. No livro de Atos, tanto Estêvão como Filipe operaram I milagres, mas n ã o escreveram nenhuma Escritura. Houve profetas que n ã o escreveram! nenhuma Escritura em Cesaréia (At 21.4), Tiro (At 21.9-11), Roma (Rm 12.6), Tessalônioq (lTs 5.20-21), Efeso (Ef 4.11) e nas comunidades para as quais ljoão foi escrita ( l j o 4.1«| ()). Houve aparentemente muitos milagres nas igrejas da Galácia (Gl 3.5). Houve muitas 1 coisas miraculosas ocorrendo em Corinto (ICo 12.8-10), mas em ICoríntios 14.36 Paulo i nega que alguma Escritura tenha saído da igreja coríntia. E Tiago d á por certo que curas iriam ocorrer pelas mãos dos presbíteros em todas as igrejas para as quais ele escreve (veja I T g 5.14-16).

Santo: (!) Perguntas

Gerais

Deve ficar bem claro também que ao dizer "quando, porém, vier o que é perfeito, então, 0 que é em parte será aniquilado" ( I C o 13.10), Paulo não estava falando sobre a freqüência relativa dos dons miraculosos na história da igreja. Isso estaria sujeito a grande variação, dependendo da maturidade espiritual e vitalidade da igreja nos diversos períodos, o grau em que esses dons eram buscados como bênção ou rejeitados como heresia, a freqüência com que as reuniões da igreja normalmente proporcionavam espaço para o exercício desses dons, o grau em que a natureza desses dons era corretamente entendida e, acima de tudo, a obra soberana do Espírito Santo na distribuição de dons à igreja. Paulo está falando, p o r é m , sobre a abolição total e definitiva desses dons que será efetuada por iniciativa divina por ocasião da volta de Cristo. E ele diz pensar que até o tempo da volta de Cristo esses dons permanecerão disponíveis para uso pelo menos em alguma medida, e o Espírito Santo continuará a distribuí-los às pessoas. Calvino observa a abundância dos dons espirituais nos dias de Paulo e então comenta (sobre I C o 14.32): Hoje vemos nossos próprios recursos insuficientes, nossa pobreza de fato; mas isso sem dúvida é a punição que merecemos como recompensa para nossa ingratidão. Pois as riquezas de Deus não estão esgotadas nem a sua liberalidade se tornou menor; mas não somos dignos de sua generosidade nem capazes de receber tudo o que ele dá generosamente.' 2

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5. É um fato histórico que os dons miraculosos desapareceram cedo na história da igreja? Alguns defensores do desaparecimento têm argumentado que os dons mira- l culosos cessaram na verdade quando os apóstolos morreram, porque o propósito dos milagres era dar autenticação aos apóstolos. Por essa razão, argumenta-se, não deve haver dons miraculosos hoje. B. B. Warfield discute isso longamente em seu livro Counterfeit MiraclesS 9

Em resposta, deve-se dizer primeiro que a premissa que acaba de ser exposta é muito duvidosa do ponto de vista da história. H á evidências históricas cada vez mais fortes de que os dons miraculosos ocorreram ao longo da história da igreja em imVior ou menor grau, mesmo descontando as alegações exageradas ou evidentemente espúrias. Muitas vezes são registradas curas e outras espécies de respostas miraculosas à oração. Também houve pessoas alegando ser profetas através da história da igreja primitiva — o problema era que com demasiada freqüência elas entendiam mal os seus dons, ou os outros os entendiam mal, de tal modo que suas declarações eram (erradamente) tratadas como palavras verdadeiras de Deus. As vezes eles eram tolerados e às vezes constituíam ameaça grande demais para a liderança estabelecida das igrejas e começavam grupos dissidentes - tragicamente, n ã o mais debaixo da autoridade moderadora e avaliadora das igrejas estabelecidas. Além disso, outros t a m b é m podem ter recebido "revelações" que n ã o expressaram ou simplesmente incluíram sem comentários numa oração, ou num sermão ou palavra de exortação, ou na p r o d u ç ã o de um hino ou de alguma literatura devocional. 50

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6. Os dons miraculosos hoje são iguais aos dons miraculosos nas Escrituras? Ainda outra objeção à continuação dos milagres hoje é que os supostos milagres de hoje não são iguais aos milagres bíblicos, pois são muito menores e com freqüência são apenas parcialmente eficazes. Em resposta a essa objeção devemos perguntar se de fato é importante que os milagres hoje sejam exatamente tão portentosos como os que ocorreram na época do Novo Testamento. Para começar, temos bem pouca informação sobre os tipos de milagres realizados por cristãos normais na» diversas igrejas, tais como os cristãos da igreja em C o r i n t o ou das igrejas da G a l á c i a . A l é m disso, embora os milagres extraordinários realizados por Jesus estejam registrados na Bíblia, quando Jesus curava "toda sorte de doenças e enfermidades" (Mt 9.35), isso deve ter incluído muitos com doenças menos sérias. Devemos perguntar t a m b é m qual é o benefício esperado pela objeção de que os milagres hoje n ã o são tão poderosos como os da Bíblia. Se hoje apenas trezentas pessoas se converterem numa r e u n i ã o evangelística em vez dos três m i l convertidos no dia de Pentecostes (At 2.41), devemos dizer que o pregador n ã o tem de fato o dom de evangelização, uma vez que o dom n ã o operou de modo tão poderoso como ocorreu com os apóstolos? O u se apenas 30% das pessoas pelas quais oramos com respeito a enfermidade física são plenamente curadas em vez dos 100% na vida de Jesus ou dos apóstolos, devemos dizer que este n ã o é o dom de cura do Novo Testamento? Devemos lembrar que os dons podem variar em força e nenhum deles é perfeito nesta era. Mas isso significa que devemos parar totalmente de usar esses dons, ou nos opormos quando os vemos funcionando com algum grau de eficácia? N ã o devemos louvar a Deus se 300 são convertidos em vez de três m i l , ou se são curados 30% em vez de 100% daqueles pelos quais oramos? A obra do Senhor não está sendo feita? Se a quantidade não é tão grande como nos tempos do Novo Testamento, então podemos pedir ao Senhor 53

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(52) A Doutrina da Igreja

(52) Os Dons do Espírito Santo: (D Perguntas Gerais

7. É perigoso para a igreja admitir a possibilidade de dons miraculosos hojaf Uma última objeção da parte dos cessacionistas consiste em dizer que a igreja que enfatijH o uso de dons miraculosos corre o risco de se tornar desequilibrada e provavelmente • • -• negligenciar outras coisas importantes tais como evangelização, doutrina sadia e pureafl moral de vida. Dizer que o uso de dons miraculosos é "perigoso" não é por si só uma crítica adtfl quada, pois algumas coisas corretas são perigosas, pelo menos em algum sentido. < » trabalho missionário é perigoso. Se definirmos perigoso como "algo que pode dar errado*J então podemos criticar como "perigosa" qualquer coisa que qualquer pessoa possa fazetfl e isso se torna uma crítica de m i l e uma utilidades quando n ã o h á nenhum abusOJ específico para apontar. Uma abordagem melhor com relação aos dons espirituais m perguntar: "Eles estão sendo usados de acordo com as Escrituras?" e "estão sendo tomada» as medidas necessárias contra os perigos de abusos?". Obviamente, é verdade que as igrejas podem se tornar desequilibradas, e de fato algumas têm perdido o equilíbrio. Mas nem todas perdem o equilíbrio, tampouco têm de passar por isso. Além disso, j á que esse argumento se baseia em resultados concretos na vida de uma igreja, também é oportuno perguntar: "Quais são as igrejas no mundo que têm hoje a evangelização mais eficaz? Quais as que têm contribuição mais sacrificial dos seus membros? Quais as que têm de fato a maior ênfase na pureza de vida? Quais as que têm o mais profundo amor pelo Senhor e por sua Palavra?" Parece-me difícil responder a essas perguntas de modo claro, mas não penso que possamos dizer com justiça que as igrejas nos movimentos carismáticos e pentecostais são de modo geral maisfracasnessas áreas que outras igrejas evangélicas. Na realidade, em alguns casos elas podem ser mais fortes nessas áreas. A questão é que simplesmente nenhum argumento segundo o qual as igrejas que enfatizam os dons miraculosos tornam-se desequilibradas é comprovado na prática. 8. U m a nota final. Os cessacionistas e os carismáticos precisam uns dos outros. Por fim, pode-se argumentar que os que se concentram nos segmentos carismáticos e pentecostais e os que se concentram nas esferas dos cessacionistas (principalmente reformados e cristãos dispensacionalistas) na realidade precisam uns dos outros e fariam bem se apreciassem mais uns aos outros. Aqueles tendem a ter mais experiência prática no uso de dons espirituais e na vitalidade no culto mediante a qual os cessacionistas poderiam ser beneficiados se estivessem dispostos a aprender. Por outro lado, grupos reformados e dispensacionalistas têm sido tradicionalmente muito fortes na compreensão da doutrina cristã e no entendimento profundo e exato dos ensinos bíblicos. Os grupos carismáticos e pentecostais poderiam aprender muito deles se estivessem dispostos a isso. Com certeza n ã o é útil para a igreja como u m todo ambos os lados pensarem que não podem aprender nada do outro, ou que n ã o podem receber nenhum benefício da comunhão um com o outro.

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NOTAS 1. Quando os dons aparentemente naturais (tais como ensino, socorros, administração ou aptidões musicais) são potencializados pelo Espírito Santo, em geral mostram maior eficácia e poder ao serem usados. Paulo diz que os coríntios foram "enriquecidos" em toda a palavra e conhecimento quando receberam os dons espirituais. Qualquer pastor que venha pregando por algum tempo sabe a diferença entre pregar com seu talento "natural" e pregar o mesmo sermão sob a unção e a capacitação do Espírito Santo. 2. A coisa mais próxima da expulsão de demônios no Antigo Testamento é o fato de que quando Davi tocava a harpa para o rei Saul, este "sentia alívio e se achava melhor, e o espírito maligno se retirava dele" (ISm 16.23), mas Davi tinha de fazer isso sempre que "o espírito maligno, da parte de Deus, vinha sobre Saul" (ibid.), o que dá a entender que não havia alívio permanente da opressão demoníaca que o rei experimentava. 3. Veja o capítulo 39 sobre a questão do batismo no Espírito Santo. 4. Warfield, Counterfeit MiracUs, p. 5. 5. Essa interpretação de ICo 13.10 é amplamente defendida na seção B. 6. O termo grego traduzido por "dom" aqui é charisma, a mesma palavra que Paulo usa em ICo 12-14 para falar sobre dons espirituais. 7. A rigor, ser apóstolo é um ofício, não um dom (veja o capítulo 47, divisão A . l , sobre o ofício de apóstolo). 8. Esta lista apresenta quatro tipos de pessoas de acordo com ofícios ou funções, e não quatro dons, no sentido estrito. 9. Neste ponto pode-se dizer algo sobre a relação entre dons e ofícios na igreja. Ao examinarmos essas listas, é evidente que em alguns casos Paulo designa o dom específico (tais como dons de curar ou administração ou línguas), e em outros casos designa as pessoas que têm esses dons (tais como apóstolos, profetas ou evangelistas). Algumas listas designam somente os dons em si (como ICo 12.8-10), enquanto outras designam apenas as pessoas que possuem esses dons (tais como Ef 4.11 ou lPe 4.11). E algumas listas são mistas, designando alguns dons e algumas pessoas que têm esses dons (tais como Rm 12.6-8 e ICo 12.28). Acrescentando-se a isso, deve-se fazer outra distinção: nos casos em que Paulo menciona pessoas, às vezes apresenta um nome que se refere a um oficio formalmente reconhecido na igreja (tais como "apóstolos" ou "pastores-mestres"). Podemos supor que tais pessoas começavam a atuar nesses ofícios depois de terem recebido reconhecimento formal da igreja como um todo (isso seria chamado "ordenação" ou "posse" para o cargo de pastor [ou presbítero], por exemplo). Mas em outros casos, embora a pessoa seja designada, não é necessário pensar que houvesse algum reconhecimento oficial ou estabelecimento no ofício diante da igreja toda. Este seria o caso, por exemplo, para "o que exorta" ou "o que contribui" e "quem exerce misericórdia" em Rm 12.6-8. De modo semelhante, o Novo Testamento não dá sinais claros de que profetas ou evangelistas eram estabelecidos em algum oficio formalmente reconhecido na igreja primitiva, e é provável que a palavra "profeta" refira-se apenas a alguém que profetizava na igreja com regularidade e bênção evidente. "Evangelista" poderia, de modo semelhante, referir-se àqueles que normalmente atuavam de maneira eficaz na obra de evangelização; e "mestres" poderiam incluir os que tinham funções de ensino formalmente reconhecidas na igreja, talvez em associação com o ofício de presbítero, bem como aqueles que tinham funções de ensino em cargos menos formais na igreja, mas que ensinavam regularmente com eficácia em contextos de grupos informais ou menores. Por questão de conveniência, continuaremos a nos referir a essas listas como relações de "dons espirituais", embora, para sermos mais precisos, devamos perceber que elas incluem tanto os dons espirituais como as pessoas que exercem esses dons. Uma vez que tanto os dons como 887


(52) A Doutrina da Igreja as pessoas são dadas à igreja por Jesus Cristo, é apropriado que ambos sejam designados várias partes dessas listas. 10. Veja a excelente discussão em John R. W. Stott, Batismo e Plenitude do Espírito Santo (Sfto Paulo: Vida Nova, 1986), p. 65-66. 11. Essa classificação é de Dennis e Rita Bennet, The Holy Spirit and You (Plainfield, N.J.j Logos International, 1971), p. 83. Na realidade, a categorização dos Bennet é dons de revelação) dons de poder e dons inspirativos ou de comunhão, e eles os alistam em ordem -inversa à que apresentei aqui. 12. Essa variedade na maneira de classificar os dons permite-nos dizer que são possíveis muitos tipos de classificação para propósitos didáticos, mas devemos nos acautelar contra qualquer alegação de que determinado modo de classificar os dons é a única maneira válida, pois as Escrituras não nos limitam a nenhum esquema de classificação. 13. Veja também ICo 13.1-3 em que Paulo dá exemplos de alguns dons desenvolvidos no mais alto grau que se pode imaginar, exemplos que ele usa para mostrar que mesmo esses dons não trariam nenhum benefício se não houvesse o amor. 14.. Veja no capítulo 53, divisão A, uma análise do dom da profecia na igreja. 15. Veja também a discussão sobre o dom de falar em línguas no capítulo 53, divisão E. 16. E evidente que não podemos levar a metáfora do corpo longe demais, pois as pessoas recebem outros dons, e Paulo mesmo encoraja os leitores a buscar mais dons espirituais (ICo 14.1). Mas a metáfora dá a entender algum nível de estabilidade ou permanência na posse de dons. 17. Embora o ensino principal dessa parábola se relacione com as recompensas no julgamento final, ela não obstante incentiva a fidelidade na mordomia daquilo que foi dado à pessoa, e não é absurdo concluir que Deus aja conosco dessa maneira, pelo menos em princípio, também nesta vida. 18. Veja a discussão de várias definições da palavra milagre no capítulo 17, p. 286-288. 19. Veja capítulo 17, p. 286. 20. Veja no capítulo 17, p. 298-300, uma discussão da objeção de que é errado buscar dons miraculosos ou milagres hoje. 21. Muitos que dizem sim, como este autor, acrescentariam a ressalva de que "apóstolo" é um ofício, não um dom, e que o ofício de apóstolo não existe mais hoje (veja a argumentação no capítulo 47, divisão A . l ) . 22. O termo cessacionista refere-se a alguém que pensa que certos dons miraculosos especiais cessaram há muito tempo, quando os apóstolos morreram e as Escrituras se completaram. 23. A discussão no restante desta seção sobre o debate cessacionista foi adaptada de Wayne Grudem, The Gift ofProphecy in the New Testament and Today (Eastbourne: Kingsway, and Westchester, 111. Crossway, 1988), p. 227-52, e usada com permissão. 24. Veja, por exemplo, Gn 32.30 ejz 6.22 (exatamente a mesma fraseologia de ICo 13.12 no grego); Dt 5.4; 34.10; Ez 20.35 (fraseologia muito parecida); Êx 33.11 (o mesmo conceito e a mesma fraseologia de algumas das passagens anteriores no hebraico, mas desta vez com fraseado diferente na tradução grega da Septuaginta). 25. O grego epignõsomai ta panta significaria "conhecerei todas as coisas". 26. Expresso-me dessa forma porque, para sermos mais exatos, "o que é perfeito" em ICoríntios 13.10 não é o próprio Cristo, mas um método de adquirir conhecimento tão superior ao conhecimento e à profecia do presente, que os torna obsoletos. Pois quando vier esse "perfeito", ele tornará inútil o que é imperfeito. Mas só o tipo de conhecimento que Paulo espera para a consumação final de todas as coisas poderia ser tão diferente qualitativamente do conhecimento presente a ponto de propiciar essa espécie de contraste e ser chamado "o que é perfeito" em oposição a "o que é imperfeito". 888

(52) Os Dons do Espírito Santo: (1) Perguntas Gerais 27. D. A. Carson, Showing the Spirit: A TheologicalExposition of 1 Corinthians 12-14 (Grand Rapids: Baker, 1987), p. 70-72, dá várias razões similares pelas quais o tempo em que virá "o que é perfeito" deve ser o tempo da volta de Cristo (com referências a outros pontos de vista e à literatura relevante). Entre os cessacionistas (aqueles que sustentam que os dons como profecia "desapareceram" e não são válidos hoje), alguns, mas nem todos, concordam que o tempo em que virá "o que é perfeito" deve ser o tempo da volta de Cristo: veja John F. MacArthur, Jr., The Charismatics: A Doctrinal Perspective (Grand Rapids: Zondervan, 1978), p. 165-66, e Richard B. Gaffin, Perspectives on Pentecost (Phillipsburg, NJ.: Presbyterian and Reformed, 1979), p. 109. 28. Richard B. Gaffin, Perspectives on Pentecost, p. 109-10. 29. Ibid., p. 111. 30. Robert L. Reymond, WhatAbout Continuing Revelations andMiracles in the Presbyterian Church Today?(Phillipsburg, NJ.: Presbyterian and Reformed, 1977),'p. 32-34. Kenneth L. Gentryjr., The Charismatic Gift ofProphecy: A ReformedAnalysis (Memphis, Tenn.: Whitefield Seminary Press, 1986), p. 31-33, alista tanto esse ponto de vista como o do Dr. Gaffin (veja a primeira objeção) como opções aceitáveis. 31. Walter Chantry, Signs of the Apostles, p. 50-52 (publicado no Brasil pela PES sob o título Sinais dos Apóstolos). 32. Veja no capítulo 53, divisão A, uma discussão mais completa sobre o dom da profecia; veja também Wayne Grudem, The Gift of Prophecy in the New Testament and Today. 33. Alguns argumentam que a fé e a esperança não permanecerão no céu e, dessa forma, ICo 13.13 só quer dizer que a fé e a esperança durarão até a volta de Cristo, não além dela. Entretanto, se a fé é dependência de Deus e confiança nele, e se a esperança é a expectativa confiante nas bênçãos futuras a serem recebidas de Deus, então não há razão para se pensar que deixaremos de ter fé e esperança no céu. (Veja a boa discussão de Carson sobre a fé, a esperança e o amor como "virtudes eternamente permanentes" em Showing the Spirit, p. 74-75.) 34. Gaffin, Perspectives, p. 109; cf. Max Turner, "Spiritual Gifts Then and Now", Vox Evangélica 15(1985), p. 38. 35. D. Martyn Lloyd-Jones, Prove Ali Things,ed. Christopher Catherwood (Eastbourne, England: Kingsway, 1985), p. 32-33. 36. João Calvino, The First Epistle ofPaul the Apostle to the Corinthians, trad.J. W. Fraser, ed. D. W. Torrance e T. F. Torrance (Grand Rapids: Eerdmans, 1960), p. 281 (sobre ICo 13.10). No Brasil o comentário foi publicado pela Editora Paracletos sob o título 1 Coríntios. 37. George Mallone, ed., Those Controversial Gifts (Downers Grove, 111.: InterVarsity Press, 1983), p. 21. 38. Veja discussão adicional sobre a autoridade do dom de profecia no capítulo 53, divisão A. Veja também Wayne Grudem, The Gift of Prophecy in 1 Corinthians; Wayne Grudem, The Gift ofProphecy in the New Testament and Today; D. A. Carson, Showing the Spirit: A Theological Exposition of1 Corinthians 12-14, p. 91-100; Graham Houston, Prophecy: A Gift For Today? (Downers Grove, 111.: InterVarsity Press, 1989). (Pontos de vista alternativos foram anotados na discussão no capítulo 53; veja em especial o livro de Richard Gaffin, Perspectives on Pentecost) 39. John F. MacArthur, Jr., The Charismatics: A Doctrinal Perspective, capítulos 2-6; veja especialmente as p. 27ss. MacArthur expandiu suas críticas numa edição atualizada, Charismatic Chãos (Grand Rapids: Zondervan, 1992), p. 47-84. Uma crítica séria e extensa a MacArthur encontra-se em Rich Nathan, A Response to Charismatic Chãos (Anaheim, Calif.: Association of Vineyard Churches, 1993). 40. Alguns podem objetar que a profecia tem potencial maior para abusos do que outros dons, pois a idéia de que Deus pode revelar coisas a pessoas hoje (em profecias) leva inevitavelmente à competição com a autoridade das Escrituras. Em resposta, três pontos podem ser 889


(52) A Doutrina da Igreja destacados: (1) o ensino sobre a natureza falível de todas as profecias contemporâneas nào te sido tão difundido quanto é necessário para evitar abusos, especialmente no nível popular, entre grupos que admitem profecias hoje. Dessa forma, tem havido mais uso incorreto da profecia do que se deve. Mesmo quando tem-se pregado muito cuidado, raramente tem havido explicaçaOn de como a profecia pode ser de Deus e ainda assim não ser igual às palavras de Deus emí autoridade - ou seja, bem poucos escritores pentecostais ou carismáticos têm explicado *, profecia como um relato humano de algo que Deus trouxe à mente de modo espontâneo (o ponto de vista que defendo no capítulo 53, divisão A). (Entretanto, veja as advertências úteis de váriol escritores carismáticos nos parágrafos seguintes.) (2) Simplesmente não é verdade que ensinar a uma congregação que a profecia deve sempre estar sujeita às Escrituras leva as pessoas de modo inevitável a exaltar as profecias acima das Escrituras. Isso ocorre quando esse ensino é negligenciado, não quando propagado. (3) Se a Bíblia de fato ensina que se pode esperar que a profecia continue hoje numa forma que não desafie a autoridade das Escrituras, então não temos a liberdade de rejeitá-la por reconhecer um potencial para abusos. (Outros dons têm potencial para abusos em outras áreas.) Antes, devemos estimular o dom e fazer o máximo para nos guardar de abusos. 41. Michael Harper, Prophecy: A Gift for the Body of Christ (Plainfield, NJ.: Logos, 1964), p. 26. 42. Dennis e Rita Bennet, The Holy Spirit and You, p. 107. 43. Donald Gee, Spiritual Gifts in the Work of Ministry Today (Springfield, Mo.: Gospel Publishing House, 1963), p. 51-52. 44. Gaffin, Perspectives, p. 120. 45. Reymond, What About...?p. 28-29. 46. Veja no capítulo 17, divisão D, uma discussão da questão de estarem ou não os dons miraculosos limitados aos apóstolos e companheiros próximos. 47. Veja no capítulo 17, divisão C, uma discussão dos propósitos dos milagres. 48. Veja no capítulo 53, p. 896, uma discussão de ICo 14.36. 49. London: Banner of Truth, 1972 (reimpressão da edição de 1918). Deve ser observado que o argumento de Warfield, embora citado com freqüência, é na realidade uma pesquisa histórica, não uma análise de textos bíblicos. Além disso, o propósito de Warfield não era refutar qualquer uso de dons espirituais entre os cristãos semelhantes àqueles de boa parte do movimento carismático hoje, cuja doutrina (em todas as matérias com exceção de dons espirituais) e cuja filiação à igreja os colocam no protestantismo evangélico histórico. Antes, Warfield estava refutando a alegação espúria de milagres que vieram de diferentes ramos do catolicismo romano em vários períodos na história da igreja e de várias seitas heréticas (Warfield inclui uma discussão sobre os seguidores de Edward Irving [1792-1834], que se perdeu em ensinds excêntricos e foi excomungado da Igreja da Escócia em 1833). E uma questão a ser discutida se os cessacionistas de hoje estão certos ao invocar o apoio de Warfield, uma vez que se opõem a algo muito diferente em doutrina e vida daquilo a que Warfield se opunha. 50. A posição de Warfield tem sido submetida à crítica por recentes estudos evangélicos: veja Max Turner, "Spiritual Gifts Then and Now", Vox Evangélica 15 (1985), p. 41-43, com notas a outra literatura; Donald Bridge, Signs and Wonders Today (I>eicester: Inter-Varsity Press, 1985), p. 166-77; é Ronald A. Kydd, Charismatic Gifts in the Early Church (Peabody, Mass.: Hendriksen, 1984). Evidências significativas de dons miraculosos na história da igreja primitiva encontramse em Eusebius A. Stephanou, "The Charismata in the Early Church Fathers", The Greek Orthodox Theological Review 21:2 (Summer, 1976), p. 125-46. Um estudo abrangente mas acessível da história dos dons miraculosos na igreja encontrase em Paul Thigpen, "Did the Power of the Spirit Ever Leave the Church?" Charisma 18:2 (Sept. lí)!)2), p. 20-28. Mais recentemente, vejajon Ruthven, On the Cessation of the Charismata: The lhotestant Polemic on Post-BiblicalMiracles (Sheffield: Sheffield University Academic Press, 1993); 890

(52) Os Dons do Espírito

Santo: (1) Perguntas Gerais

este livro é uma revisão e expansão da tese para Ph.D. do autor, respondendo aos argumentos dos cessacionistas desde Warfield até o presente. O argumento a partir da história da igreja pode ser subvertido de outra maneira por uma análise de eventos a partir de cerca de 1970 até o presente. Os analistas de crescimento da igreja nos dizem que as igrejas pentecostais e carismáticas, que encorajam dons miraculosos, estão experimentando crescimento sem precedentes na história da igreja. O professor C. Peter Wagner do Fuller Seminary diz: "Enquanto em 1945 pentecostais/carismáticos podiam contabilizar apenas 16 milhões de membros no mundo todo, por volta de 1975 tinham crescido para 96 milhões; e 10 anos mais tarde, em 1985, somavam estonteantes 247 milhões. Não tenho conhecimento de nenhuma associação voluntária não política e não militar que tenha crescido nesse ritmo em toda a história humana" ("Exploring the Supernatural Dimensions of Church Growth", Global Church Growth [Oct.-Dec, 1988], p. 3). (A guisa de comparação, se a população mundial era de 5 bilhões, a estimativa de 1985 de 247 milhões constituía 5% da população do mundo.) 51. Devemos perceber que a menos que as pessoas entendam a profecia como relato falível de algo que Deus traz à mente de modo espontâneo, será muito difícil para a igreja encorajá-la ou mesmo tolerá-la. Se a profecia é de fato baseada em algo que Deus traz à mente de maneira espontânea, seria muito fácil aos profetas cristãos numa eventualidade, por bons ou maus motivos, começar a alegar não só que receberam uma "revelação" da parte de Deus ou Cristo, mas também que falaram com uma autoridade divina semelhante à das Escrituras. Aparentemente isso aconteceu pelo menos no montanismo (segundo século d.C.) e, provavelmente, em muitos outros casos também. E claro que, se esses profetas começassem a promover idéias heréticas, a reação do restante da igreja seria no final expulsá-los todos: alguém que alegue autoridade divina absoluta seria aceito ou rejeitado no final; não poderia ser meramente tolerado. Mas juntamente com essa rejeição de profetas que entenderam mal o seu papel, talvez tenha havido também uma rejeição total do dom de profecia. Dessa forma, o fracasso por parte da própria igreja em entender a natureza do dom de profecia pode ter sido a causa da quase completa supressão, pelo menos da expressão pública, do dom de profecia na igreja. 52. João Calvino, The First EpistleojPaul the Apostle to the Corinthians, p. 305 (publicado no Brasil pela Editora Paracletos sob o título 1 Coríntios). 53. Trinta por cento é simplesmente um exemplo para fins de ilustração, mas é próximo a duas recentes tabulações concernentes a pessoas que receberam oração pela cura. Uma tabulação se encontra em David C. Lewis, Healing: Fiction, Fantasy, or Fact? (London: Hodder and Stoughton, 1989), uma investigação acadêmica de 1890 pessoas que assistiram a uma das conferências de John Wimber em Harrogate, na Inglaterra, em 1986. O autor é um antropólogo social que preparou um questionário detalhado preenchido pelas pessoas durante a conferência, e então acompanhou alguns casos selecionados aleatoriamente por vários meses depois. De 862 casos de oração por cura física, 32% (ou 279) relataram uma "grande medida" de cura ou "cura total". Outros 26% (ou 222) relataram uma "medida moderada" de cura. Os demais 42% (ou 366) relataram "pequena" ou "nenhuma cura" (p. 21-22). Muitos estudos de caso são relatados em detalhe, em vários exemplos com relatórios médicos citados no final. Todos os problemas físicos pelos quais se orou estão alistados num apêndice detalhado (p. 276-83). (Esses problemas físicos são distinguidos da oração por problemas espirituais tais como cura interior e libertação, tabulados separadamente por Lewis.) A outra tabulação encontra-se em John Wimber,-Power Healing, p. 188, segundo o qual das pessoas que receberam oração prolongada por cura em sua igreja, "durante 1986,32% de todas as pessoas que receberam oração foram totalmente curadas, enquanto ao todo 86% mostraram sinais de alguma cura significativa". (D. A. Carson, HowLong, 0 Lord? [Grand Rapids: Baker, 1990], p. 124, diz: "Wimber é muito sincero: ele estima que sua 'taxa de sucesso' é cerca de 2%", mas Carson não dá nenhuma documentação para essa declaração, e é aparentemente incorreta à luz do que Wimber realmente escreveu.) 891


(53) Os Dons do Espírito

53 Os Dons do Espírito Santo: . (2) Dons Específicos Como compreender e usar dons espirituais

específicos?

EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA I N este capítulo vamos basear-nos na discussão geral acerca dos dons espirituais do capítulo anterior e examinar alguns dons específicos com mais detalhes. N ã o vamos considerar todos os dons mencionados no Novo Testamento, mas nos concentraremos em alguns dons n ã o bem compreendidos ou naqueles cujo emprego têm gerado alguma polêmica no presente. Portanto, não examinaremos dons cujo significado e uso são evidentes pelo p r ó p r i o termo implicado (como serviço, exortação, contribuição, liderança ou misericórdia); antes, vamos nos concentrar nos dons da seguinte lista, extraídos basicamente de ICoríntios 12.28 e 12.8-10: 1. Profecia 2. Ensino 3. Milagres 4. Cura 5. Línguas e interpretação 6. Palavra da sabedoria / palavra do conhecimento 7. Discernimento de espíritos A . PROFECIA

Santo: (2) Dons

Específicos

autoridade divina absoluta. Eles podiam dizer: "Assim diz o Senhor", e as palavras que se seguiam eram as palavras do próprio Deus. Os profetas do Antigo Testamento escre-veram as palavras deles como se fossem palavras de Deus nas Escrituras para todas as épo-cas (veja Nm 22.38; Dt 18.18-20; Jr 1.9; Ez 2.7; et al.). Assim, não crer nas palavras dos profetas ou desobedecer a elas era n ã o crer em Deus ou desobedecer a ele (veja D t 18.19; ISm 8.7; lRs 20.36 e muitas outras passagens). No Novo Testamento também houve pessoas que falaram e escreveram as palavras do próprio Deus e as registraram nas Escrituras, porém talvez fiquemos surpresos ao ver que Jesus já não os chama "profetas", mas emprega um novo termo, "apóstolos". Os apóstolos são equivalentes aos profetas do Antigo Testamento (veja ICo 2.13; 2Co 13.3; Gl 1.8-9; 1112; lTs 2.13; 4.8, 15; 2Pe 3.2). São os apóstolos, não os profetas, que possuem autoridade para escrever as palavras das Escrituras do Novo Testamento. Quando os apóstolos desejam estabelecer sua autoridade singular, jamais apelam para o título "profeta", antes, denominam-se "apóstolos" (Rm 1.1; ICo 1.1; 9.1-2; 2Co 1.1; 11.1213; 12.11-12; G l 1.1; Ef 1.1; lPe 1.1; 2Pe 1.1; 3.2; et al.). 2. O significado da palavra profeta na é p o c a do Novo Testamento. Por que Jesus escolheu o novo termo, apóstolo, para designar os que tinham autoridade para redigir as Escrituras? Provavelmente porque a palavra grega prophõtõs ("profeta") na época do Novo Testamento possuía uma ampla gama de significados. Em geral, não possuía o sentido "aquele que fala as palavras do próprio Deus", mas sim "aquele que fala baseado em alguma influência externa" (muitas vezes alguma espécie de experiência espiritual). Tito 1.12 emprega a palavra nesse sentido, quando Paulo cita o poeta pagão grego Epimênides: "Foi mesmo, dentre eles, um seu profeta, que disse: Cretenses, sempre mentirosos, feras terríveis, ventres preguiçosos". Os soldados que zombam de Jesus também parecem empregar a palavra profetizamesse sentido, quando vendam Jesus e exigem cruelmente: "Profetiza-nos: quem é que te bateu?" (Lc 22.64). Eles não querem dizer: "Pronuncia-nos palavras de autoridade divina absoluta", mas: "Fala-nos algo que tenha sido revelado a ti" (cf.Jo 4.19). Muitos escritos fora da Bíblia empregam a palavra profeta (gr. prophêtês) nesse sentido, sem implicar nenhuma autoridade divina nas palavras do chamado "profeta". De fato, na é p o c a do Novo Testamento, o termo profeta no uso cotidiano simplesmente significava, muitas vezes, "aquele que possui conhecimento sobrenatural" ou "alguém que prediz o futuro" - ou mesmo só "porta-voz" (sem nenhuma conotação de autoridade divina). Alguns exemplos de período próximo ao do Novo Testamento são dados no artigo de Helmut Krámer no Theological Dictionary of the New Testament: 2

Ainda que se dêem algumas definições para o dom de profecia, u m novo exame do ensino neotestamentário sobre esse dom mostrará que devemos defini-la não como "previsão do futuro", "proclamação de uma palavra do Senhor" ou "pregação poderosa", mas, antes, como "dizer algo que Deus traz de modo espontâneo à mente". Os quatro primeiros pontos do material a seguir sustentam essa conclusão; os demais pontos tecem outras considerações a respeito desse dom. 1

Um filósofo é chamado "profeta de natureza imortal" (Dio Chiysostom, 40-120 d.C.) Um mestre (Diógenes) deseja ser "profeta da verdade e da honestidade" (Luciano" de Samósata, 120-180 d.C.) Os que defendem a filosofia epicurista são chamados "profetas de Epicuro" (Plutarco, 50-120 d.C.) A história escrita é chamada "a profetisa da verdade" (Diódoro Sículo, escreveu em c. 60-30 a.C.)

892 893


(5,1) Os Dons do Espírito

(53) A Doutrina da Igreja Um "especialista em botânica é chamado >o/eto"(Dioscúrides da Cilícia, sécuh I d.C.) U m charlatão em medicina é chamado "profeta " (Galeno de Pérgamo, 129-199 d.C.)

1

Krâmer conclui que a palavra grega traduzida por "profeta" (prophctcs) "simples meu!* expressa a função formal de declarar, proclamar, tornar conhecido". Além disso, uma vol que "todo profeta declara algo que não lhe pertence", a palavra grega que significa "arautol (kêryx) "é o sinônimo mais próximo". Obviamente, as palavras profeta e profecia eram às vezes empregadas em referência aos apóstola em contextos que destacavam a influência espiritual externa (do Espírito Santo) sob a < JH.II falavam (e.g., A p 1.3; 22.7 e Ef 2.20; 3.5)/ mas essa não era a terminologia normal referentl aos apóstolos e os termos profeta e profecia também não implicavam autoridade divina part suas palavras ou escritos. Era muito mais comum as palavras profeta e profetizar serem utilizadas em referência a cristãos comuns que falavam não com autoridade divina absolu'* mas simplesmente para relatar algo que Deus lhes havia colocado no coração ou trazido à mente. O Novo Testamento contém muitas indicações de que esse dom comum de profecia tinha autoridade menor que a da Bíblia e ainda menor que a do ensino bíblico reconhecido na igreja primitiva, conforme se evidencia na próxima seção. 3

3. Indícios de que os "profetas" n ã o falavam com autoridade equivalente à das palavras das Escrituras.

Santo: (2) Dons

Específicos

Mas o próprio versículo n ã o sustenta essa interpretação. O texto grego de Atos 28.17 refere-se explicitamente à transferência de Paulo ^ J e r u s a l é m como prisioneiro.* Assim, a declaração de Paulo descreve sua transferência do sistema judiciário judeu (os judeus estavam tentando trazê-lo de volta para ser examinado pelo Sinédrio em At 23.15,20) para o sistema judiciário romano em Cesaréia (At 23.23-35). Assim, Paulo afirma corretamente em Atos 28.18 que os mesmos romanos em cujas mãos fora entregue como prisioneiro (v. 17) eram OS que (gr. hoitines, v. 18), tendo-o interrogado, quiseram soltá-lo sob a preli-minar de não haver nele nenhum crime passível de morte (At 28.18; cf. 23.29; também 25.11, 18-19; 26.3132). Depois Paulo acrescenta que quando os judeus se opuseram, foi compelido a "apelar para C é s a r " (At 28.19; cf. 25.11). Toda essa narrativa em Atos 28.17-19 refere-se à transferência de Paulo de Jerusalém para Cesaréia em Atos 23.12-35 e explica aos judeus em Roma por que Paulo está sob custódia romana. A narrativa não se refere, de maneira alguma, a Atos 21.27-36 e à cena da multidão próxima ao templo de Jerusalém. Assim essa objeção não é convincente. O versículo não indica o cumprimento de nenhuma das duas partes da profecia de Ágabo: n ã o menciona nenhuma prisão por mãos dos judeus nem menciona que os judeus entregaram Paulo aos romanos. Na realidade, na cena a que se refere (At 23.12-35), mais uma vez Paulo acabava de ser tomado dos judeus à força (At 23.10) e, longe de estarem tentando entregá-lo aos romanos, estavam armando uma emboscada para matá-lo (At 23.13-15). Outra objeção à minha interpretação de Atos 21.10-11 é dizer que os judeus realmente não tinham de amarrar Paulo e entregá-lo nas mãos dos gentios para a profecia de Ágabo ser verdadeira, porque os judeus foram responsáveis por esses atos, ainda que não os tenham praticado. RobertThomas afirma: "E comum falar da parte ou partes responsáveis como executoras de u m ato, mesmo que n ã o tenham sido agentes imediatos". Thomas cita exemplos semelhantes de Atos 2.23 (onde Pedro diz que os judeus crucificaram Cristo, enquanto na realidade foram os romanos) e j o ã o 19.1 (lemos que Pilatos açoitou Jesus, quando, sem dúvida, foram seus soldados que qfizeram). Thomas conclui, portanto: "... os judeus foram os que puseram Paulo em cadeias, exatamente como Ágabo havia predito". Em resposta, concordo que as Escrituras podem dizer que alguém praticou u m ato executado por seus agentes. Mas em todos os casos a pessoa de quem se diz que praticou a ação desejou o ato e deu ordens para que outros a praticassem. Pilatos ordenou que seus soldados açoitassem Jesus. Os judeus exigiram ativamente que os romanos crucificassem Cristo. Em contraste com isso, na cena da captura de Paulo emjerusalém, n ã o existe tal paralelo. Os judeus não ordenaram que ele fosse amarrado; foi o comandante romano: "Aproximando-se o comandante, apoderou-se de Paulo e ordenou que fosse acorrentado com duas cadeias" (At 21.33). E, de fato, encontra-se aqui a forma paralela de discurso, porque, apesar de ter ordenado que Paulo fosse acorrentado, mais tarde lemos que "o próprio comandante sentiu-se receoso quando soube que Paulo era romano, porque o mandara amarrar"(At 22.29). Dessa forma, essa narrativa fala ou que ele foi amarrado pelo agente responsável ou pelas pessoas que realizaram a ação, mas em ambos os casos são romanos, não judeus. E m suma, essa objeção diz que os judeus acorrentaram Paulo. Mas Atos afirma duas vezes que os romanos o amarraram. Essa objeção diz que os judeus entregaram Paulo aos romanos. Mas Atos diz que eles recusaramse violentamente a entregá-lo, de maneira que teve de ser tomado deles à força. A objeção não cabe nas palavras do texto." 9

a. Atos 21.4. Em Atos 21.4, lemos que os discípulos de Tiro, "movidos pelo Espírito, recomendavam a Paulo que não fosse ajerusalém". Isso parece referir-se a uma profecia dirigida a Paulo, mas Paulo desobedece! Ele jamais o faria se essa profecia contivesse as palavras do próprio Deus e autoridade equivalente à das Escrituras. b. Atos 21.20-11. Depois, em Atos 21.20-11, Ágabo profetizou que os judeus em Jerusalém amarrariam a Paulo e o entregariam nas mãos dos gentios, predição quase correta, mas n ã o de todo: os romanos, não os judeus, prenderam Paulo (v. 33; t a m b é m 22.29), e os judeus, em vez de o entregarem voluntariamente, tentaram matá-lo, de modo que ele teve de ser resgatado à força (v. 32). A predição não estava muito distante, mas continha imprecisões em detalhes que levantariam dúvidas quanto à validade de qualquer profeta do Antigo Testamento. Por outro lado, é possível explicar perfeitamente esse texto se supormos que Ágabo teve uma visão de Paulo prisioneiro dos romanos e m j e r u s a l é m , cercado de uma multidão irada de judeus. Sua interpretação de tal "visão" ou "revelação" do Espírito Santo seria que os judeus haviam prendido Paulo e o entregado aos romanos, e essa teria sido a profecia (um tanto distorcida) de Ágabo. E exatamente esse o tipo de profecia falível que caberia na definição de profecia da igreja do Novo Testamento proposta acima - relatar com suas palavras algo que Deus lhe trouxe de maneira espontânea à mente. 5

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Uma objeção a essa idéia é dizer que a profecia de Ágabo cumpriu-se de fato e que Paulo mesmo relata em Atos 28.17: " V i m preso desde J e r u s a l é m , entregue nas m ã o s dos romanos". 7

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(53) A Doutrina da Igreja c 13 essa Io incenses 5.19-21. Paulo diz aos tessalonicenses: "Não desprezeis as profe< i julgai todas as coisas, retende o que é bom" (lTs 5.20-21). Se os tessalonicenses pensaatfl que a profecia eqüivalia à Palavra de Deus em autoridade, Paulo jamais teria de lhes < h • • que n ã o a desprezassem - eles tinham "recebido" e "acolhido" a Palavra de Deus c o f l alegria do Espírito Santo" (lTs 1.5; 2.13; cf. 4.15). Mas quando Paulo lhes diz que julguofl todas as coisas, isso deve incluir pelo menos as profecias mencionadas na frase anterior. H f l dá a entender que as profecias contêm alguns elementos bons e outros nem tanto quundd os incentiva a reter "o que ébom". Jamais se poderia dizer isso das palavras de um profeta do Antigo Testamento ou dos ensinos autorizados de u m apóstolo do Novo Testamento,, d. ICoríntios 14.29-38. Indicação mais ampla sobre a profecia no Novo Testamento encontra-se em ICoríntios 14. Quando Paulo diz: "Tratando-se de profetas, falem apentf dois ou três, e os outros julguem" (ICo 14.29), ele dá a entender que devem ouvi-los com atenção e separar a boa profecia da má, aceitando algumas e rejeitando o restante (pois esifl é a implicação da palavra grega diakrinõ, aqui traduzida "julguem"). N ã o conseguimoi imaginar um profeta do Antigo Testamento como Isaías dizendo: "Ouvi o que digo e pesai o que se fala - separai o bom do mau, o que deveis aceitar do que não deveis"! Se a profecia tinha autoridade divina absoluta, seria pecado fazer isso. Mas aqui Paulo ordena que se façaj insinuando que a profecia neotestamentária não tinha a autoridade das palavras do próprio Deus. 12

Em ICoríntios 14.30, Paulo permite que um profeta interrompa outro: "Se, porém, vier revelação a outrem que esteja assentado, cale-se o primeiro. Porque todos podeis profetizar, um após o outro". De novo, se os profetas estivessem falando as palavras do próprio Deus, iguais em valor às Escrituras, seria difícil imaginar que Paulo dissesse que deviam ser interrompidos, sem que se lhes permitisse completar a mensagem. Mas é o que Paulo ordena aqui. Paulo d á a entender que ninguém em Corinto, uma igreja em que havia muita profecia, era capaz de falar as palavras do próprio Deus. Ele diz em ICoríntios 14.36: "Como? Porventura a palavra de Deus surgiu de vós ou sois vós os únicos a quem ela chegou?" (tradução do autor). 13

Então, nos versículos 37 e 38, ele se atribui autoridade muito maior que a de qualquer profeta de Corinto: "Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo. E, se alguém o ignorar, será ignorado". Todas essas passagens indicam que a idéia comum de que os profetas falavam "palavras do Senhor" quando os a p ó s t o l o s n ã o estavam presentes nas igrejas primitivas é simplesmente incorreta. e. O preparo dos apóstolos para a ausência deles. Além dos versículos considerados até aqui, outro tipo de indício d á a entender que os profetas das igrejas neotestamentárias falavam com menos autoridade que os apóstolos do Novo Testamento ou que as Escrituras: o problema dos sucessores dos apóstolos é resolvido n ã o por u m incentivo a que os cristãos ouçam os profetas (ainda que houvesse profetas por ali), mas a que se voltem para as Escrituras}*

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Específicos

É assim que Paulo, ao final da vida, destaca o dever de manejar bem a palavra de verdade (2Tm 2.15) e o caráter inspirado das Escrituras "para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça"' (2Tm 3.16). Judas insta seus leitores a batalhar "diligentemente pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos" (Jd 3). Pedro, ao final da vida, incentiva seus leitores a atender às Escrituras, "como a uma candeia que brilha em lugar tenebroso" (2Pe 1.19-20), e lhes relembra os ensinos do apóstolo Paulo" em todas as suas epístolas" (2Pe 3.16). Em momento algum lemos exortações como: "dai ouvido aos profetas em vossas igrejas" ou "obedecei às palavras do Senhor por intermédio de vossos profetas", etc. Mas com certeza havia profetas profetizando em muitas congregações locais após a morte dos apóstolos. Parece que eles não possuíam autoridade igual à dos apóstolos, e os autores das Escrituras sabiam disso. A conclusão é que as profecias de hoje também não são "palavras de Deus". 4. Como falar da autoridade da profecia hoje? Assim, as profecias na igreja hoje devem ser consideradas palavras meramente humanas, n ã o palavras de Deus, e n ã o equivalentes às palavras de Deus em autoridade. Mas será que essa conclusão está em conflito com o ensino e a prática carismática atual? Penso que ela está em conflito com boa parte da prática carismática, mas n ã o com boa parte do ensino carismático. A maior parte dos mestres carismáticos de hoje concordariam que a profecia c o n t e m p o r â n e a n ã o eqüivale às Escrituras em autoridade. Ainda que alguns falem da profecia como "palavra de Deus" para hoje, há testemunho quase uniforme de todas os setores do movimento carismático de que a profecia é imperfeita e impura, contendo elementos a que n ã o se deve obedecer ou em que n ã o se deve crer. Por exemplo, Bruce Yocum, autor de um livro carismático amplamente difundido sobre profecia, escreve: "A profecia pode ser impura - nossos pensamentos ou idéias podem misturar-se à mensagem que recebemos - quer recebamos diretamente as palavras, quer recebamos só uma noção da mensagem". Mas deve-se dizer que, na prática, muita confusão resulta do costume de prefaciar profecias com a frase corrente no Antigo Testamento: "Assim diz o Senhor" (frase jamais proferida por nenhum dos profetas nas igrejas do Novo Testamento). Isso é desastroso porque d á a impressão de que as palavras que se seguem são as palavras do próprio Deus, enquanto o Novo Testamento n ã o justifica tal posição e, em todo caso, a maioria dos oradores carismáticos, sob pressão, não gostaria de alegar isso para cada parte de suas profecias. Assim, haveria muitos ganhos e não perdas, se aquela frase introdutória fosse cortada. 15

Ora, é verdade que Ágabo emprega uma frase parecida ("Isto diz o Espírito Santo") em Atos 21.11, mas as mesmas palavras (gr. fade legei) são empregadas por escritores cristãos logo depois da época do Novo Testamento para introduzir paráfrases bem gerais ou interpretações bem expandidas do que está sendo relatado (por exemplo, Inácio, Epístola aos Filadelfos 7.1-2 [c. 108 d.C] e Epístola de Barnabé6.8; 9.2, 5 (70-100 d.C.]). A frase, ao que parece, pode significar: "Isso é em linhas gerais (ou aproximadamente) o que o Es| rfrito Santo está dizendo a nós". Se alguém realmente pensa que Deus está lhe trazendo à mente algo que deva ser relatado à igreja, não h á nenhum mal em dizer: "Penso que o Senhor está coita . u n i u em minha mente que..." ou "Parece-me que o Senhor está nos mostrando..." ou alguma expiessao semelhante. É claro que isso n ã o soa tão potente como "Assim diz o Senhor", mas se a 897


(53) Os Dons do Espírito

(53) A Doutrina da Igreja mensagem vem realmente de Deus, o Espírito Santo fará com que ecoe com o máximi > de poder no coração dos que precisam ouvir. 5. U m a "revelação" e s p o n t â n e a tornava a profecia diferente dos outros dom. Se a profecia não contém as palavras do próprio Deus, então de que se trata? Em que sentida ela vem de Deus? Paulo indica que Deus podia levar algo de maneira espontânea à mente, de modo quflí a pessoa ao profetizar pudesse relatar aquilo com suas palavras. Paulo dá a isso o nome de "revelação": "Se, p o r é m , vier revelação a outrem que esteja assentado, cale-se (É primeiro. Porque todos podeis profetizar, u m após o outro, para todos aprenderem e serem consolados" (ICo 14.30-31). Aqui ele emprega a palavra revelação num sentido mais amplo que o técnico empregado pelos teólogos para falar das palavras das Escrituras - mas O Novo Testamento em outros trechos usa os termos revelar e revelação nesse sentido maii amplo de comunicação da parte de Deus que não resulta em Escrituras registradas ou palavras equivalentes em autoridade às Escritura registradas (veja Fp 3.15; R m 1.18; Ef 1.17; M t 11.27). 1

Paulo simplesmente refere-se a algo que Deus pode trazer de súbito à mente ou a algo que Deus pode trazer à consciência de alguém de tal maneira que a pessoa sente que aquilo vem de Deus. Pode ser que o pensamento levado à mente da pessoa seja surpreen-dentemente distinto da linha de pensamento dela, ou que seja acompanhado de uma sensação de intensidade, urgência ou persistência, ou que de alguma outra maneira d ê à pessoa uma sensação muito clara de que vem do Senhor. 16

A figura 53.1 ilustra a idéia de uma revelação proveniente de Deus e relatada com as próprias palavras (meramente humanas) do profeta. Assim, se u m estranho entra e todos profetizam, "tornam-se manifestos os segredos do coração, e, assim, prostrando-se com a face em terra, adorará a Deus, testemunhando que Deus está, de fato, no meio de vós" ( I C o 14.25). O u v i o relato da ocorrência disso numa igreja batista claramente não carismática nos Estados Unidos. U m orador missionário fez uma pausa no meio da mensagem e disse algo como: "Eu n ã o planejava dizer isso, mas parece que o Senhor está indicando que alguém nesta igreja acaba de abandonar a esposa e os filhos. Se for o seu caso, deixe-me dizer que Deus quer que você volte para eles e aprenda a seguir o padrão de Deus para a vida em família". O missionário não sabia,

V PROFECIA OCORRE QUANDO UMA REVELAÇÃO PROVENIENTE D E DEUS É RELATADA COM PALAVRAS (MERAMENTE HUMANAS) DO PRÓPRIO PROFETA

Figura 53.1 898

Santo: (2) Dons

Específicos

mas na galeria apagada sentara-se um homem que momentos antes havia entrado na igreja pela primeira vez na vida. A descrição lhe cabia perfeitamente, e ele se apresentou, reconheceu o pecado e começou a buscar a Deus. Dessa maneira, a profecia serve como um "sinal" para os que crêem (ICo 14.22) - é uma demonstração clara de que Deus está mesmo agindo em seu meio, um "sinal" da bênção de Deus sobre a congregação. E uma vez que isso t a m b é m contribui para a conversão de incrédulos, Paulo incentiva o uso desse dom "no caso de entrarem indoutos ou incrédulos" (ICo 14.23). Muitos cristãos em todos os períodos da igreja têm tido experiências semelhantes ou ouvido falar delas - por exemplo, pode surgir u m impulso não planejado, mas urgente, de orar por certos missionários na Nigéria. Muito tempo depois, os que oraram descobrem que bem naquele momento os missionários estavam envolvidos num acidente de carro ou viviam um conflito espiritual intenso e precisavam daquelas orações. Paulo chamava de "revelação" a sensação ou intuição dessas coisas, e o relato dessa inspiração divina à igreja reunida era chamado "profecia". Ela pode conter elementos do próprio enten-dimento ou da interpretação de quem fala, necessitando de avaliação e julgamento, mas, apesar disso, possui uma função valiosa na igreja. 17

6. A diferença entre profecia e ensino. Pelo que sabemos, toda "profecia" do Novo Testamento era baseada nesse tipo de indução espontânea do Espírito Santo (cf. At 11.28; 21.4, 20-22; e observe as idéias de profecia apresentadas em Lc 7.39; 22.63-64; Jo 4.19; 11.51). A menos que uma pessoa receba uma "revelação" espontânea de Deus, n ã o há profecia. Em contraste com isso, o Novo Testamento afirma que nenhum ato de discurso humano chamado "ensino" ou realizado por um "mestre" ou descrito pelo verbo "ensinar" baseiase numa "revelação". Antes, o "ensino" é muitas vezes simplesmente uma explica-ção ou aplicação das Escrituras (At 15.35; 11.11, 25; R m 2.21; 15.4; Cl 3.16; H b 5.12) ou uma repetição e explanação de instruções apostólicas (Rm 16.17; 2Tm 2.2; 3.10; et al.). É o que hoje chamaríamos "estudo bíblico" ou "pregação". Assim, a profecia possui menos autoridade que o "ensino", e as profecias na igreja sempre devem estar sujeitas ao ensino autorizado das Escrituras. Timóteo não recebeu ordens de profetizar as instruções de Paulo na igreja: ele devia ensiná-las ( l T m 4.11; 6.2). Paulo n ã o profetizou seu estilo de vida em Cristo em cada igreja: ele o ensinou ( I C o 4.17). Os tessalonicenses não foram instruídos a se apegar às tradições "profetizadas" a eles, mas às tradições "ensinadas" por Paulo (2Ts 2.15). Contrariando algumas concepções, eram os mestres, não os profetas, que lideravam e mostravam a direção nas igrejas primitivas. Entre os presbíteros, portanto, havia os que se afadigavam na palavra e no ensino ( l T m 5.17), e o presbítero devia ser "apto para ensinar" ( l T m 3.2; cf. T t 1.9) - mas nada se diz de algum presbítero cujo trabalho fosse profetizar, nem se diz em parte alguma que o presbítero devesse ser "apto para profetizar" ou que devesse manter "o padrão das sãs profecias". Em sua função de liderança, Timóteo devia cuidar de si mesmo e de seu "ensino" ( l T m 4.16), mas jamais se diz que deva cuidar de sua "profecia". Tiago alertou que os que ensinam, n ã o os que profetizam, serão julgados com maior rigor (Tg 3.1). A tarefa de interpretar e aplicar as Escrituras, portanto, é chamada "ensino" no Novo Testamento. Ainda que algumas pessoas aleguem que os profetas das igrejas do Novo 899


(53) A Doutrina da Igreja

(53) Os Dons do Espírito

Testamento davam interpretações "carismaticamente inspiradas" das Escrituras do Anligo Testamento, tal alegação é pouco convincente, principalmente porque é difícil encontraf no Novo Testamento exemplos indiscutíveis em que palavras derivadas de "profeta" sejam empregadas em referência a alguém envolvido neSse tipo de atividade. Assim, a distinção é bem nítida: se uma mensagem resulta de reflexão consciente sobre o texto das Escrituras, contendo interpretação do texto e aplicação à vida, é (na terminologia do Novo Testamento) ensino. Mas se a mensagem é o relato de algo que Deus traz à mente de modo espontâneo, então é profecia. E, claro, mesmo ensinos preparados podem ser interrompidos por materiais complementares não planejados que o professor percebe, de repente, estarem sendo trazidos por Deus à sua mente - nesse caso, seria "ensino" misturado com um elemento de profecia. 7. Objeção: isso torna a profecia "muito subjetiva". Nesse ponto alguns contestam que esperar por tais "induções" da parte de Deus é um processo "simplesmente muito subjetivo". Mas em resposta pode-se dizer que, pela saúde da igreja, muitas vezes os que fazem essa objeção são os que mais necessitam desse processo em sua vida cristã! Esse dom exige que se espere no Senhor, que se lhe dê ouvidos, para escutar seu conselho em nosso coração. Para os cristãos completamente evangélicos, sadios quanto à doutrina, intelectuais e "objetivos", é provável que a maior necessidade seja a de uma forte influência que dê equilíbrio a um relacionamento "subjetivo" mais vital com o Senhor na vida diária. E essas pessoas são também as menos sujeitas a serem conduzidas a erros, pois já dão grande ênfase à fundamentação sólida na Palavra de Deus. Mas existe o perigo oposto da confiança excessiva em impressões subjetivas para orientação, e deve haver uma advertência clara contra isso. Pessoas que buscam continuamente "mensagens subjetivas" da parte de Deus para orientar a vida devem ser alertadas de que a orientação pessoal subjetiva não é uma função básica da profecia do Novo Testamento. Elas precisam dar ênfase muito maior às Escrituras e buscar a sabedoria segura de Deus ali registrada. Muitos autores carismáticos concordam com esse alerta, conforme indicam as seguintes citações: Michael Harper (pastor carismático anglicano):

*

As profecias que dizem a outras pessoas o que elas devem fazer — devem ser encaradas com grande suspeita. ;fii -inobii oup ,'::'">:.iicj <-.o oàií .cv>:r )fii i 18

Donald Gee (Assembléia de Deus): Muitos de nossos erros no que diz respeito aos dons espirituais surgem quando queremos que o extraordinário e excepcional torne-se freqüente e habitual. Que todos os que desenvolvem um anseio excessivo por "mensagens" mediante dons sejam alertados pelo naufrágio de gerações passadas, bem como contemporâneas [...] As Escrituras Sagradas são lâmpada para nossos pés e luz para nossos caminhos. 19

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Donald Bridge (pastor carismático britânico): O subjetivista pensa constantemente que "Deus lhe manda" fazer coisas [...] Os subjetivistas são com freqüência muito sinceros, muito dedicados e dominados por um compromisso tal de obedecer a Deus que envergonham cristãos mais prudentes. Entretanto, estão trilhando um caminho perigoso. Os ancestrais deles já o percorreram antes, e sempre com resultados desastrosos a longo prazo. Senti-mentos internos e inspirações especiais são, pela própria natureza, subjetivos. A Bíblia fornece nossa orientação objetiva. 20

8. As profecias podiam incluir qualquer conteúdo edificante. Os exemplos acima mencionados de profecias no Novo Testamento mostram que a idéia de profecia apenas como "predição do futuro" é certamente errada. Havia algumas predições (At 11.28; 21.22), mas t a m b é m havia revelação de pecados ( I C o 14.25). Na realidade, tudo que edificasse podia estar incluído, pois Paulo diz: "... o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando" (ICo 14.3). Outra indicação do valor da profecia era que podia atender às necessidades do coração das pessoas de maneira espontânea, direta. 9. Muitas pessoas na congregação podem profetizar. Outro grande beneficio da profecia é que dá oportunidade para que todos os da congregação participem, não só os oradores capacitados ou os que têm dom de ensino. Paulo diz querer que "todos" os coríntios profetizem (ICo 14.5) e afirma: "... todos podeis profetizar, um após outro, para todos aprenderem e serem consolados" (ICo 14.31). Isso não significa que todo cristão de fato terá capacidade de profetizar, pois Paulo diz: "Nem todos são profetas, são?" (ICo 12.29, tradução do autor). Mas significa que qualquer um que receba uma "revelação" de Deus tem permissão de profetizar (segundo as orientações de Paulo) e dá a entender que muitos profetizarão. Por isso, a maior abertura para o dom de profecia pode ajudar a vencer situações em que muitos que freqüentam nossas igrejas são meros espectadores e não participantes. Talvez estejamos contribuindo para o problema do "cristianismo espectador" ao reprimir a obra do Espírito nessa área. 21

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10. Devemos "procurar com zelo" a profecia. Paulo tanto valorizava esse dom que disse aos coríntios: "Segui o amor e procurai, com zelo, os dons espirituais, mas principalmente que profetizeis"'(ICo 14.1). Depois, no final de sua discussão sobre os dons espirituais, volta a dizer: "Portanto, meus irmãos, procurai com zelo o dom de profetizar" (\Co 14.39). E ele disse: "o que profetiza edifica a igreja" (ICo 14.4). Se Paulo ansiava que o dom de profecia fosse exercido em Corinto, uma vez que a igreja sofria de imaturidade, egoísmo, divisões e outros problemas, será que nós também não devemos buscar ativamente esse valioso dom hoje, em nossas congregações? Nós, evangélicos que professamos crer em tudo, obedecer a tudo o que dizem as Esci ilui is. não devemos também crer nisso e obedecer? E será que a maior abertura para o dom de profecia n ã o ajudaria a corrigir um desequilíbrio perigoso na vida da igreja, um desequi líbrio que surge porque somos por demais intelectuais, objetivos eestreitamente doutrinários?

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(53) A Doutrina da Igreja 11. Como incentivar e regulamentar a profecia na igreja local. Por fim, se igreja começa a incentivar o uso da profecia onde antes não se usava, que se deve f Como pode incentivar esse dom sem cair em abusos? Para todos os cristãos e especialmente para pastores e outros que têm a responsabilidade de ensinar a igreja, seria adequado e pastoralmente sábio seguir alguns passos: (1) ()re seriamente para que Deus dê sabedoria, indicando como e quando introduzir o assunto nu igreja. (2) Deve haver ensino sobre o assunto nos períodos regulares de estudo bíblii <»já promovidos pela igreja. (3) A igreja deve ter paciência e seguir devagar — os líderes da igrejl não devem ser "dominadores" (ou autoritários) (lPe 5.3), e uma abordagem paciente evitará que as pessoas se afastem amedrontadas ou se alienem desnecessariamente. (4) A igreja devf reconhecer e incentivar o dom de profecia da maneira pela qual já esteja atuando na igrejl - em reuniões de oração, por exemplo, quando alguém sentiu-se "dirigido" de maneira pouco comum pelo Espírito Santo a orar por algo, ou quando parece que o Espírito Santo estava trazendo à mente um hino ou passagem das Escrituras, ou quando ele deu um sens~ comum sobre o tom ou sobre um tema específico para um período de adoração ou de oração, conjunta. Mesmo cristãos em igrejas não abertas para o dom de profecia podem pelo menol estar sensíveis a inspirações do Espírito Santo quanto aos motivos de oração em reuniões de oração da igreja e podem então expressar essas inspirações em forma de oração (que pode chamar-se "oração profética") ao Senhor. (5) Se os quatro primeiros passos forem seguidos e se a congregação e seus líderes aceitarem, podem-se dar algumas oportunidades para que se use o dom de profecia em alguns cultos menos formais da igreja ou em grupos pequenos reunidos nos lares. Caso isso seja permitido, os que profetizam devem ser mantidos sob a orientação das Escrituras (ICo 14.29-36), devem buscar genuinamente a edificação da igreja e não o prestígio pessoal (ICo 14.12, 26) e n ã o devem dominar a r e u n i ã o ou ser demasiadamente dramá-ticos ou emocionais em seu discurso (atraindo assim a atenção para si mesmos e não para o Senhor). As profecias devem, com certeza, ser avaliadas de acordo com os ensinos das Escrituras (ICo 14.29-36; lTs 5.19-21). (6) Se o dom de profecia começar a ser empregado na igreja, ela deve dar ênfase ainda maior no valor infinitamente superior das Escrituras como a fonte a que o cristão sempre pode recorrer para ouvir a voz do Deus vivo. A profecia é um dom valioso, assim como muitos outros dons, mas é nas Escrituras que Deus e somente Deus nós fala com suas palavras, mesmo hoje, por toda nossa vida. Em vez de esperar que a cada culto o ponto alto seja alguma palavra de profecia, os que empregam o dom de profecia precisam ser lembrados de que devemos encontrar nosso centro de alegria, nossas expectativas e nosso prazer na própria pessoa de Deus à medida que ele nos fala por meio da Bíblia. A l i temos um tesouro de valor infinito: as verdadeiras palavras de nosso Criador falando-nos numa linguagem que podemos compreender. E em vez de buscar uma orientação freqüente por meio da profecia, devemos destacar que é nas Escrituras que devemos encontrar orientação para nossa vida. Nas Escrituras estão nossa fonte de direção, nossa referência ao buscar a vontade de Deus, nosso padrão suficiente e completamente fidedigno. E das palavras de Deus nas Escrituras que podemos dizer confiantes: "Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e luz para os meus caminhos" (Sl 119.105).

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B . ENSINO O dom de ensino no Novo Testamento é a capacidade de explicar as Escrituras e aplicála à vida das pessoas. Isso se evidencia em uma série de passagens. Em Atos 15.35, Paulo e Barnabé estão em Antioquia "ensinando e pregando, com muitos outros, a palavra do Senhor". Em Corinto, Paulo permaneceu um ano e meio "ensinando entre eles a palavra de Deus" (At 18.11). E os leitores da epístola aos Hebreus, embora j á devessem ser mestres, ainda precisavam de alguém que lhes ensinasse de novo "os princípios elementares dos oráculos de Deus" (Hb 5.12). Paulo diz aos romanos que as palavras das Escrituras do Antigo Testamento "para o nosso ensino [gr. didaskalia]"'foram escritas (Rm 15.4) e escreve a Timóteo que "toda a Escritura" é "útil para o ensino [didaskalia]" (2Tm 3.16). Obviamente, se o "ensino" na igreja primitiva era com tanta freqüência baseado nas Escrituras do Antigo Testamento, n ã o é surpresa que t a m b é m podia basear-se em algo equivalente às Escrituras em autoridade, ou seja, um conjunto de textos contendo instruções apostólicas. Assim, Timóteo devia tomar o ensino recebido de Paulo e confiálo a homens fiéis que fossem capazes de "instruir outros" (2Tm 2.2). E aos tessalonicenses Paulo disse: "permanecei firmes e guardai as tradições que vos foram ensinadas" (2Ts 2.15). Longe de se basear numa revelação espontânea durante o culto da igreja (como as profecias), esse tipo de "ensino" era a repetição e explicação do ensino apostólico autêntico. Ensinar contra as instruções de Paulo era ensinar doutrina diferente ou herética (heterodidaskalõ) e deixar de dar ouvidos às "sãs palavras de nosso SenhorJesus Cristo" e discordar do "ensino segundo a piedade" ( l T m 6.3). De fato, Paulo disse que T i m ó t e o devia lembrar aos coríntios os seus caminhos em Cristo Jesus, como, por toda parte, ensinava em cada igreja (ICo 4.17). Assim também, Timóteo devia ordenar e ensinar ( l T m 4.11) e ensinar e recomendar ( l T m 6.2) as instruções de Paulo para a igreja efésia. Desse modo, n ã o foi a profecia, mas o ensino no sentido básico (da parte dos apóstolos) que primeiro forneceu as normas doutrinárias e éticas pelas quais a igreja foi regulamentada. E à medida que os que aprenderam com os apóstolos também ensinavam, o ensino deles j. . . . . . . o, guiava e dirigia as igrejas locais. Assim, o ensino, de acordo com as epístolas do Novo Testamento, consistia em repetir e explicar as palavras das Escrituras (ou dos ensinos igualmente autorizados de Jesus e dos apóstolos) e aplicá-las aos ouvintes. Nas epístolas do Novo Testamento, o "ensino" está muito próximo do que é hoje descrito por nossa expressão "estudo bíblico". C . MILAGRES Logo após apóstolos, profetas e mestre, Paulo diz "depois, operadores de milagres" (ICo 12.28). Ainda que muitos dos milagres vistos no Novo Testamento fossem especificamente milagres de cura, Paulo aqui alista a cura como u m dom distinto. Assim, nesse contexto ele deve ter em vista algo diferente de cura física. Devemos perceber que talvez a palavra milagre não dê uma idéia muito precisa do que pretendia Paulo, uma vez que a palavra grega é simplesmente a forma plural da palavra dynamis, "poder". Isso significa que o termo pode referir-se a qualquer tipo de atividade em que se evidencie o grande poder de Deus. Isso pode incluir respostas a orações por livramento de perigos físicos (como no caso dos apóstolos livrados da prisão em At 5.19 21

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(53) A Doutrina da Igreja 20 ou 12.6-11), ou atos poderosos de julgamento contra inimigos do evangelho ou co os que precisam de disciplina dentro da igreja (veja At 5.1-11; 13.9-12), ou p r o l e » ,

miraculosas de ferimentos (como ocorreu com Paulo e a víbora em At 28.3-6). Mas tais de poder espiritual também podem incluir poder para triunfar sobre a oposição demoni (como em A t 16.18; cf. Lc 10.17). Uma vez que Paulo n ã o define "operadores de milagres" de maneira mais específl podemos dizer que o dom de milagres pode incluir a atuação do poder divino no livra-men do perigo, em intervenções para atender a necessidades específicas no mundo mateii (como no caso de Elias em lRs 17.1-16), no julgamento contra os que se opõem de mane irracional e violenta contra a mensagem do evangelho, na vitória contra forças demoníac que fazem guerra contra a igreja e qualquer outro meio pelo qual o poder de Deus manifeste de maneira evidente para promover os propósitos divinos numa situação. Tod eles seriam atos de "poder" em que a igreja seria auxiliada e a glória de Deus tomar-seevidente. (Veja também a discussão de milagres no capítulo 17.) D . CURA 1. Introdução: d o e n ç a e s a ú d e n a história da r e d e n ç ã o . Para começar, prec samos compreender que a doença física surgiu como conseqüência da queda de Adão e que a enfermidade e a doença são simplesmente parte do produto da maldição após a queda que acabam levando à morte física. Cristo, p o r é m , nos redimiu dessa maldição quando morreu na cruz: "Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si [...] e pelas suas pisaduras fomos sarados" (Is 53.4-5). Essa passagem refere-se à cura física e também espiritual que Cristo nos conseguiu, pois Pedro a cita para falar de nossa salvação: "... carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas, fostes sarados" (lPe2.24). Mas Mateus cita a mesma passagem de Isaías com referência às curas físicas realizadas por Jesus: "... e ele meramente com a palavra expeliu os espíritos e curou todos os que estavam doentes; para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do profeta Isaías: Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças" (Mt 8.16-17). Todos os cristãos provavelmente concordariam que na expiação Cristo conquistou para nós não só plena libertação do pecado como também completa libertação da fraqueza física e da enfermidade em sua obra de redenção (veja o capítulo 42 sobre a glorificação). E, sem dúvida, todos os cristãos t a m b é m concordariam que nossa posse plena e completa de todos os benefícios que Cristo conquistou para nós não virá antes da volta de Cristo": será somente "na sua vinda" ( I C o 15.23) que receberemos nosso corpo ressurreto perfeito. E o que também ocorre com a cura física e a redenção da enfermidade física que surgiram por conseqüência da maldição em Gênesis 3: nossa posse completa da redenção da doença física n ã o ocorrerá antes da volta de Cristo, antes de recebermos o corpo ressurreto. 25

Mas a pergunta que nos confronta no que diz respeito ao dom de cura é se Deus pode nos conceder, de tempos em tempos, uma amostra ou um adiantamento da cura física que nos concederá no futuro. ' Os milagres de cura realizados por Jesus certamente demonstram que às vezes Deus deseja conceder uma amostra parcial da cura perfeita que nos

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pertencerá na eternidade. E o ministério de cura visto na vida dos apóstolos e em outros na igreja primitiva t a m b é m indica que isso fazia parte do ministério da era da nova aliança. Como tal, ele cabe no padrão mais amplo de bênçãos na nova aliança, dos quais muitos, ou todos, prenunciam as bênçãos que nos pertencerão quando Cristo voltar. Nós "já" possuímos algumas das b ê n ç ã o s do reino, mas essas b ê n ç ã o s "ainda" n ã o são plenamente nossas. 2. Os propósitos da cura. Assim como outros dons espirituais, a cura tem vários propósitos. Com certeza serve como u m "sinal" para autenticar a mensagem do evangelho e mostra que é chegado o reino de Deus. Depois, a cura também traz conforto e saúde aos doentes e, assim, demonstra o atributo divino de misericórdia para com os que sofrem. Em terceiro lugar, capacita as pessoas para o serviço, ao remover impedimentos ao ministério. Em quarto lugar, a cura prove oportunidade para que Deus seja glorificado à medida que as pessoas vêem provas materiais de seu amor, bondade, poder, sabedoria e presença. 3. Q u e dizer do uso de remédios? Qual a relação entre a oração pela cura e o uso de r e m é d i o s e a capacidade do m é d i c o ? C o m certeza devemos usar remédios caso disponhamos deles, porque Deus t a m b é m criou na terra substâncias com que podemos produzir remédios com propriedades terapêuticas. Os remédios, portanto, devem ser considerados parte de toda a criação que Deus considerou "muito bom" (Gn 1.31). Devemos empregar de bom grado os remédios com gratidão ao Senhor, pois "ao SENHOR pertence a terra e tudo o que nela se contém" (Sl 24.1). De fato, quando dispomos de medicamentos e nos recusamos a usá-los (em casos que isso poderia p ô r em risco a nossa vida ou a de outros), parece que estamos errando, "tentando" o Senhor nosso Deus (cf. Lc 4.12); isso é semelhante ao caso de Satanás tentando Jesus para que pule do templo em vez de descer pelos degraus. Havendo meios normais para descer do templo (os degraus), pular é "tentar" a Deus, exigindo que realize um milagre nesse exato momento. Recusar-se a empregar um medicamento eficaz, insistindo que Deus realize um milagre de cura em vez de curar por meio do remédio, é muito semelhante a isso. Evidentemente, é errado confiar em médicos ou em remédios em vez de confiar no Senhor, erro trágico cometido pelo rei Asa: No trigésimo nono ano do seu reinado, caiu Asa doente dos pés; a sua doença era em extremo grave; contudo, na sua enfermidade não recorreu ao SENHOR, mas confiou nos m é d i c o s . Descansou Asa com seus pais; morreu no quadragésimo primeiro ano do seu reinado (2Cr 16.12-13). Mas se o remédio é empregado juntamente com a oração, então devemos esperar que Deus abençoe e, muitas vezes, multiplique a eficácia do remédio. Mesmo quando Isaías recebeu do Senhor uma promessa de cura para o rei Ezequias, ele disse aos servos do rei que trouxessem uma pasta de figos e a aplicassem (como remédio) sobre a úlcera de que ele sofria: "Disse mais Isaías: Tomai uma pasta de figos; tomaram-na e a puseram sobre a úlcera; e ele recuperou a saúde" (2Rs 20.7). 27

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(53) A Doutrina da Igreja Mas às vezes n ã o h á r e m é d i o disponível ou o remédio n ã o faz efeito. Com ce precisamos lembrar que Deus pode curar quando os médicos e os remédios n ã o c guem (e pode-nos surpreender a freqüência com que os médicos e os r e m é d i o s conseguem curar, mesmo nos países mais adiantados na medicina). Ademais, pode ocasiões em que uma enfermidade não coloca nossa vida ou a de outros sob risco imedl então decidimos pedir que Deus nos cure sem o uso de remédios, simplesmente po" desejamos outra oportunidade de exercer nossa fé e de lhe dar glória e, talvez, po~ queremos evitar gastos de tempo ou dinheiro usando recursos médicos ou porq queremos evitar os efeitos colaterais de alguns medicamentos. Em todos esses casos, j é uma simples questão de escolha pessoal e não parece que se esteja "tentando" a D (Entretanto, uma decisão de n ã o empregar remédios nesses casos deve ser uma esco pessoal, n ã o uma decisão imposta a outros.) VemosJesus curando explicitamente em casos em que os recursos médicos falh quando "certa mulher que, havia doze anos, vinha sofrendo de uma hemorragia, e a qu ninguém tinha podido curar [...] veio por trás dele e lhe tocou na orla da veste, e logo se II estancou a hemorragia" (Lc 8.43-44). Sem dúvida, muitas pessoas que não podiam s curadas pelos médicos aproximavam-se sempre queJesus estava ensinando e curando, m lemos que "todos os que tinham enfermos de diferentes moléstias lhos traziam; e ele dj curava, impondo as mãos sobre cada unf (Lc 4.40). N ã o havia doença que Jesus não fo ••• capaz de curar. 4. O Novo Testamento apresenta m é t o d o s comuns empregados n a cura? Oi métodos de cura empregados por Jesus e os discípulos variavam de caso a caso, mas com maior freqüência incluíam a imposição de mãos. No versículo que acabamos de citar, Jesul sem d ú v i d a podia ter proferido uma ordem poderosa, curando toda a m u l t i d ã o instantaneamente, mas em lugar disso "ele os curava, impondo as mãos sobre cada um" (Lc 4.40). A imposição de mãos parece ter sido o principal meio de cura empregado por Jesus, porque quando as pessoas chegavam e lhe pediam cura, não pediam simplesmente que orasse, mas diziam, por exemplo, "vem, impõe as mãos sobre ela, e viverá" (Mt 9.18). 28

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Outro símbolo físico da vinda do poder do Espírito Santo para cura era a unção com óleo. Os discípulos deJesus "curavam numerosos enfermos, ungindo-os com óleo"(Mc 6.13). E Tiago diz aos presbíteros da igreja que deviam ungir o enfermo cem óleo quando orassem: "Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados" (Tg5.14-15). 30

O Novo Testamento com freqüência destaca a importância da fé no processo de cura - às vezes a fé do enfermo (Lc 8.48; 17.19), mas outras vezes a fé dos que levam o enfermo para que seja curado. Em Tiago 5.15, são os presbíteros que oram, e Tiago diz que é a "oração de fé" que salva o enfermo — deve ser, portanto, a fé dos presbíteros em oração, não a fé daquele que está doente. Quando, por um buraco no telhado, os quatro homens desceram o paralítíco até onde Jesus estava pregando, lemos: "... vendo-lhes a. fé..." (Mc 2.5). Em outras ocasiões,Jesus menciona a fé da mulher cananéia na cura da filha (Mt 15.28) ou do centurião, na cura de seu servo (Mt 8.10, 13). 31

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5. Então, como orar por cura? Como, então, orar a respeito da doença física? Com certeza é correto pedir cura a Deus, pois Jesus nos manda orar: "Livra-nos do mal" (Mt 6.13), e o apóstolo J o ã o escreveu a Gaio: "Faço votos por tua prosperidade e saúde, assim como é próspera a tua alma" (3Jo 2). Além disso, com freqüência Jesus curava todos os que eram levados a ele, e ele nunca dispensou alguém, dizendo que seria melhor que permanecesse doente mais algum tempo. Acrescente-se a isso o fato de que sempre que tomamos algum remédio ou buscamos algum auxílio m é d i c o por causa de uma doença, por esses atos reconhecemos que é vontade de Deus que busquemos a cura Se achássemos que Deus deseja que continuemos doentes, jamais buscaríamos recursos médicos para sermos curados! Portanto, parece correto que, quando oramos, nossa primeira pressuposição, a menos que tenhamos motivos específicos para pensar o contrário, seja que Deus terá prazer em curar a pessoa por quem estamos orando - pelo que entendemos das Escrituras, essa é a vontade revelada de Deus. Ken Blue faz aqui uma excelente observação. Ele alega que se quisermos com-preender a atitude de Deus para com a cura física, devemos ver a vida e o ministério dejesus. Blue diz: "SeJesus de fato nos revela o caráter de Deus, então podemos parar de especular e de discutir a respeito da vontade de Deus na doença e na enfermidade. Jesus curou as pessoas porque as amava. E muito simples: Jesus tinha compaixão delas; estava ao lado delas, queria resolver os problemas delas". Esse argumento é forte, especialmente quando ligado à consciência de que Jesus veio para inaugurar a presença do reino de Deus entre nós e para mostrar-nos como seria o reino de Deus. Como, então, orar? Com certeza é correto pedir cura a Deus, e devemos chegar a ele com o simples pedido de que nos dê cura física em tempos de necessidade. Tiago nos alerta que a simples incredulidade pode levar à falta de oração e à falta de respostas vindas de Deus: "Nada tendes, porque não pedis" (Tg 4.2). Mas quando oramos por cura, devemos lembrar que precisamos orar para que Deus seja glorificado na situação, quer ele resolva curar, quer não. E também devemos orar para ter no coração a mesma compaixão que Jesus teve por aqueles a quem ele curou. Quando oramos dessa maneira, Deus muitas vezes - e talvez quase sempre — atende às nossas orações. Alguém pode levantar uma objeção neste ponto, dizendo que, da perspectiva pastoral, é muito nocivo quando as pessoas são incentivadas a crer que haverá u m milagre de cura, e depois nada acontece — as conseqüências são desapontamento com a igreja e ira contra Deus. Os que hoje oram para que as pessoas sejam curadas precisam ouvir essa objeção e ter sabedoria em relação ao que dizem aos doentes. Mas também precisamos ter em mente que há mais de um erro que pode ser come-tido: (1) Jamais orar por uma cura não é uma solução correta, pois implica desobediência a Tiago 5. (2) Dizer às pessoas que Deus raramente cura hoje e que elas não devem esperar nada também n ã o é uma boa solução, pois não prove um ambiente propício à fé, além de diferir do padrão que vemos no ministério dejesus e na igreja primitiva no Novo Testamento. (3) Dizer às pessoas que Deus sempre cura hoje se tivermos fé suficiente é um ensino cruel n ã o apoiado pelas Escrituras (veja a seção 6, adiante). A solução pastoralmente sábia, ao que parece, está entre (2) e (3) acima. Podemos dizer às pessoas que Deus cura hoje com freqüência (caso creiamos que isso é verdade), e que é bem possível que elas sejam curadas, mas que ainda vivemos numa época em que o reino de Deus "já" está presente aqui, porém "ainda não" de maneira plena. Portanto, os cristãos 907 33

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(53) A Doutrina da Igreja terão cura nesta vida (e muitas outras respostas de oração), mas t a m b é m sofrerão coma continuidade da doença e acabarão morrendo. Em cada caso, é a sabedoria soberana de Detl que decide o resultado, e nosso papel é simplesmente pedir a ele e esperar que resporufl ("sim", "não" ou "continue orando e espere"). Os que possuem "dons de cura" (tradução literal dos plurais em ICo 12.í), 28) são oi que percebem que suas orações por cura são atendidas de maneira mais freqüente e compled que as dos outros. Quando isso se evidencia, a igreja deve ter a sabedoria de incentivá-lo^ nesse ministério, dando-lhes mais oportunidades de orar pelos doentes. Devemos também perceber que os dons de cura talvez incluíssem ministérios n ã o só no campo da cura física,' mas também da cura emocional. E pode às vezes incluir a capacidade de livrar pessoas i l«• ataques demoníacos, pois isso também é chamado "cura" vez ou outra nas Escrituras (vejl Lc 6.18; At 10.38). Talvez os dons de ser capaz de orar com eficácia em diferentes situaçõei e por diferentes necessidades estivessem na mente de Paulo quando ele empregava • expressão plural, "dons de cura ". 6. Mas, e se Deus n ã o curar? Entretanto, precisamos compreender que nem tod as orações por cura serão respondidas nesta era. Às vezes Deus não concede a "fé" especial (Tg 5.15) de que a cura ocorrerá, e às vezes Deus opta por n ã o curar por causa de seut; propósitos soberanos. Nesses casos, precisamos lembrar que Romanos 8.28 ainda é verdade: apesar dos "sofrimentos do tempo presente" e apesar de gemermos "aguardando [...] a redenção do nosso corpo" (Rm 8.18, 23), "sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu p r o p ó s i t o " (Rm 8.28). Isso t a m b é m inclui a atuação de Deus em nossa situação de sofrimento e enfermidade. Qualquer que fosse o "espinho na carne" de Paulo (e séculos de trabalho de intérpretes que crêem na Bíblia n ã o conseguiram encontrar uma resposta definitiva), ele compreendeu que Deus permitia que aquilo permanecesse para esbofeteá-lo, a fim de que não se orgulhasse (ICo 12.7), ou seja, para mantê-lo humilde diante do Senhor."" Assim, o Senhor lhe disse: "A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza" (2Co 12.9). H á indicações na igreja primitiva de que mesmo na presença dos apóstolos nem todos eram curados. Paulo reconhecia que o seu "homem exterior" se corrompia (2Co 4.16) e que, às vezes, doenças e enfermidades não são curadas. Quando Epafrodito chegou para visitar Paulo, "adoeceu mortalmente" (Fp 2.27). Paulo indica na narrativa de Filipenses 2 que era como se Epafrodito estivesse morrendo - que Deus não o curou de imediato quando adoeceu. Mas por fim Deus curou (Fp 2.27), atendendo à oração. Paulo disse a Timóteo que ele devia beber um pouco de vinho "por causa do teu estômago e das tuas freqüentes enfermidades" ( l T m 5.23). Ele disse: "Quanto aTrófimo, deixei-o doente em Mileto" (2Tm 4.20). E tanto Pedro (lPe 1.6-7; 4.19) como Tiago (Tg 1.2-4) tinham palavras de incentivo e conselho para os que estavam sofrendo provações de várias espécies. 37

Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes (Tg 1.2-4). 908

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Quando Deus opta por não curar, ainda que lhe pecamos, então é correto darmos graças em tudo (lTs 5.18), sabendo que Deus pode usar a enfermidade para nos aproximar dele e para promover em nós a obediência à sua vontade. Assim, o salmista pode dizer: "Foime bom ter eu passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos" (Sl 119.71); e: "Antes de ser afligido, andava errado, mas agora guardo a tua palavra" (Sl 119.67). Assim, Deus pode promover a nossa santificação por meio da enfermidade e do sofrimento - assim como pode promover a santificação e o crescimento na fé por meio da cura milagrosa. Mas a ênfase do Novo Testamento, tanto no ministério dejesus como no ministério dos discípulos em Atos, parece ser incentivar-nos, na maioria dos casos, a buscar a cura divina com sinceridade e persistência, e depois continuar confiando que ele fará com que a situação resulte em um bem, quer ele conceda cura física, quer não. O importante é que em tudo Deus deve receber glória e devem aumentar a nossa alegria e confiança nele.

E . LÍNGUAS E INTERPRETAÇÃO Deve-se dizer para começar que a palavra grega glossã, traduzida por "língua", é empregada não só para designar a língua física que fica dentro da boca, mas também para designar a "linguagem". 1. A s l í n g u a s na h i s t ó r i a da r e d e n ç ã o . O fenômeno de falar em línguas é exclusivo da era da nova aliança. Antes de Adão e Eva caírem em pecado, não havia necessidade de falar em outras línguas, porque eles falavam a mesma língua e estavam unidos no serviço a Deus e na comunhão com ele. Após a queda, as pessoas falavam a mesma língua, mas acabaram unidas na oposição a Deus e "a maldade do homem se havia multiplicado" e "era continuamente mau todo desígnio do seu coração" (Gn 6.5). Essa língua unificada empregada na rebelião contra Deus culminou na construção da torre de Babel numa época em que "em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de falar" (Gn 11.1). Para interromper essa rebelião conjunta contra ele, em Babel Deus "confundiu [...] a linguagem de toda a terra" e dispersou o povo pela face da terra (Gn 11.9). Quando Deus chamou A b r a ã o para si (Gn 12.1), prometeu fazer dele "uma grande nação" (Gn 12.2), e a nação de Israel que resultou desse chamado possuía uma língua que Deus desejava que fosse empregada no serviço a ele. Essa língua n ã o era falada pelo restante das nações do mundo, e elas permaneciam fora do âmbito do plano divino de redenção. Assim, a situação melhorou um pouco, pois uma língua dentre todas línguas do mundo era empregada no serviço a Deus, enquanto em Gênesis 11 Deus n ã o era cultuado em nenhuma língua. Ora, se pularmos a época da igreja neotestamentária e olharmos para o futuro eterno, veremos que a unidade de língua será novamente restaurada, mas dessa vez todos falarão, mais uma vez, a mesma língua no serviço a Deus e em louvor a ele (Ap 7.9-12; cf. Sf 3.9; í ('<» 13.8; talvez Is 19.18). Na igreja neotestamentária, existe u m prenuncio da unidade lingüística que existira no céu, mas isso é concedido apenas vez ou outra, e somente de maneira parcial. No Pentecostes, o momento em que o evangelho passou a chegar a todas as nações, era próprio que os discípulos reunidos e m j e r u s a l é m passassem a "falar cm outras línguas, segundo 909


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o Espírito lhes concedia que falassem" (At 2.4). A conseqüência foi que visitantei |u e m j e r u s a l é m , provenientes de várias nações, ouviram, todos na própria língua, proclamação das "grandezas de Deus" (At 2.11). Esse era um símbolo notável do fa que a mensagem do evangelho estava para chegar a todas as nações do mundo." Tal simbólico teria sido inadequado no Antigo Testamento, pois ali a mensagem evangel era de convidar as pessoas de outras nações a chegar e a se juntar ao povo judeu, tornan se judias, e com isso cultuar a Deus. Mas aqui a mensagem está para atingir cada na na própria língua, convidando as pessoas em todos os lugares a voltarem-se para Cri e serem salvas. 40

Além disso, no contexto do culto de adoração da igreja, falar em línguas junto coifl interpretação dão outra indicação de uma promessa de que u m dia as diferenças lingüísH^— originadas em Babel serão vencidas. Se esse dom estiver operando na igreja, não importa em que língua seja dada uma palavra de oração ou louvor, desde que haja interpretação^ todos podem compreendê-la. Trata-se, é claro, de um processo "imperfeito" em duas etapa» imperfeito como todos os dons na presente era ( I C o 13.9), mas ainda é um avanço n l situação de Babel ao Pentecostes, quando não havia recursos que capa-citassem as pessoa a compreender uma mensagem numa língua que não conhecessem. Por fim, a oração em línguas em particular é outra forma de orar a Deus. Paulo diz: "Se eu orar em outra língua, o meu espírito ora de fato, mas a minha mente fica infrutífera! (ICo 14.14). No contexto geral da história da redenção, isso também pode ser visto como uma solução mais parcial para as conseqüências da queda, pela qual fomos cortados d » comunhão com Deus. E claro que isso n ã o significa que o espírito das pessoas pode tei^ comunhão com Deus só quando fala em línguas - pois Paulo afirma que ora e canta em línguas e também no próprio idioma (ICo 14.15). Entretanto, Paulo de fato vê a oração em línguas como meio complementar de comunhão direta com Deus na oração e na adoração. Mais uma vez, esse aspecto do dom de falar em línguas não estava em atividade, pelo que sabemos, antes da era da aliança.

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proclamando suas obras grandiosas em adoração, e a multidão começou a ouvir isso que ocorria em várias línguas. De fato, não h á indicações de que os discípulos estivessem falando à multidão antes de Atos 2.14, quando Pedro levanta-se, dirigindo-se diretamente à multidão, provavelmente em grego. ' 4

b. N ã o compreendido pelo locutor. Paulo diz: "Quem fala em outra língua não fala a homens, senão a Deus, visto que ninguém o entende, e em espírito fala mistérios" (ICo 14.2). De modo semelhante, ele diz que se há falar em línguas sem interpretação, não se transmitirá nenhum significado: "... serei estrangeiro para aquele que fala; e ele, estrangeiro para mim" (ICo 14.11). Ademais, todo o parágrafo de ICoríntios 14.13-19 pressupõe que o falar em línguas na igreja, quando não acompanhado de interpretação, não é compreendido pelos que ouvem: Pelo que, o que fala em outra língua deve orar para que a possa interpretar. Porque, se eu orar em outra língua, o meu espírito ora de fato, mas a minha mente fica infrutífera. Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente. E, se tu bendisseres apenas em espírito, como dirá o indouto o amém depois da tua ação de graças? Visto que não entende o que dizes; porque tu, de fato, dás bem as graças, mas o outro não é edificado. Dou graças a Deus, porque falo em outras línguas mais do que todos vós. Contudo, prefiro falar na igreja cinco palavras com o meu entendimento, para instruir outros, a falar dez mil palavras em outra língua.

Que tipo de discurso é esse, dirigido a Deus? Paulo diz: "Se eu orar em outra língua, o meu espírito ora de fato, mas a minha mente fica infrutífera" ( I C o 14.14; cf. v. 14-17, onde Paulo caracteriza o discurso em línguas como oração e ação de graças, e v. 28). Assim, falar em línguas, ao que parece, é oração ou louvor dirigido a Deus, brotando do "espírito" da pessoa que está falando. Isso não discorda da narrativa em Atos 2, porque a multidão disse: "Como ouvimos falar em nossas línguas as grandezas de Deus?" (At 2.11), uma descrição que certamente significaria que os discípulos estavam todos glorificando a Deus e

Ora, no Pentecostes falou-se em línguas conhecidas compreendidas pelos que ouviam: "... cada um os ouvia falar na sua própria língua"(At 2.6). Mas de novo a mensa-gem não era compreendida pelos locutores, pois o que causou surpresa era que galileus estavam falando todas aquelas línguas diferentes (v. 7). Parece, portanto, que às vezes o falar em línguas pode implicar discurso em línguas humanas reais, às vezes até mesmo em línguas compreensíveis para alguns que as ouvem. Mas em outras ocasiões — e Paulo entende que isso é o que costuma acontecer - o discurso se dará numa língua que ninguém entende ( I C o 14.2). Alguns fazem objeções, dizendo que o falar em línguas sempre deve consistir em discurso em línguas conhecidas, j á que isso ocorreu no Pentecostes. Mas o fato de o falar em línguas ter ocorrido uma vez em línguas humanas nas Escrituras não exige que isso sempre ocorra com línguas conhecidas, especialmente quando outra descrição do falar em línguas ( I C o 14) indica exatamente o contrário. Paulo n ã o diz que visitantes estrangeiros em Corinto compreenderão o locutor; antes, afirma que quando alguém fala em línguas "ninguém"o compreende, e o estrangeiro não saberá o que a pessoa está dizendo ( I C o 14.2, 16). De fato, Paulo afirma explicitamente que ocorrerá um fenômeno em < onlrárii i ao do Pentecostes na condução normal da vida eclesiástica: se "todos se puseiein .i falai em outras línguas" e "entrarem indoutos ou incrédulos", em vez de compreenderem a mensagem, dirão "que estais loucos" ( I C o 14.23). Além disso, precisamos entender que ICoríntios 14 é Uma instrução geral de Paulo baseada em larga expei iencia com o falar em línguas em muitas igrejas diferentes, enquanto Atos 2 simplesmente descreve um fato singular num momento decisivo na história da redenção (At 2 é uma narrativa histórica,

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2. Que é falar em línguas? Podemos definir esse dom da seguinte forma: Falar em línguas é oração ou louvor expresso em sílabas não compreendidas pelo locutor. a. Palavras de oração ou louvor dirigidas a Deus. Essa definição indica que falar em línguas é principalmente um discurso dirigido a Deus (ou seja, oração ou louvor). Assim, é diferente do dom de profecia, que com freqüência consiste em mensagens pronunciadas por Deus paia as pessoas na igreja. Paulo diz: "Quem fala em outra língua não fala a homens, senão a Deus"(ICo 14.2), e se não estiver presente um intérprete no culto, Paulo diz que o indivíduo com dom de línguas deve ficar calado, "falando consigo mesmo e com Deus" (ICo 14.28).

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enquanto I C o 14 é uma instrução doutrinária). Assim, seria adequado tomar ICorín 14 como a passagem que descreve melhor a experiência comum das igrejas do Nov Testamento, entendendo as instruções de Paulo ali contidas como padrão pelo qual D e deseja que as igrejas regulamentem o uso desse dom. As línguas seriam, portanto, idiomas humanos conhecidos? As vezes esse dom pod resultar no falar numa língua humana que o locutor não aprendeu, mas em geral parece qu implicará o falar numa língua que ninguém compreende, seja ou n ã o humana.

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de falar em línguas para que Pedro pudesse fazer seu sermão à multidão reunida. Mais explicitamente, Paulo diz:

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No caso de alguém falar em outra língua, que não sejam mais do que dois ou quando muito três, e isto sucessivamente, e haja quem interprete. Mas, não havendo intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus (ICo 14.27-28).

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c O r a r c o m o espírito, n ã o com a mente. Paulo diz: "... se eu orar em outra língu o meu espírito ora de fato, mas a minha mente fica infrutífera. Que farei, pois? Orarei co o espírito, mas t a m b é m orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas também cantar com a mente" (ICo 14.14-15). Aqui Paulo n ã o está falando do Espírito Santo orando por nosso intermédio. O contraste entre "meu espírito" e "minha mente" no versículo 14 indica que é do próprio espírito humano de Paulo que ele está falando, do aspecto imaterial de seu ser. Quando ele usa esse dom, seu espírito fala diretamente a Deus, ainda que sua mente não precise formular palavras e frases, nem decidir por que assunto orar. Paulo vê esse tipo de oração como uma atividade que ocorre na esfera espiritual, pelo qual nosso espírito fala diretamente a Deus, mas nossa mente é de algum modo desviada, n ã o compreendendo nossa oração. 40

Podemos perguntar por que Deus daria à igreja um dom que opera na esfera espiritual, invisível, e que n ã o é compreendido por nossa mente. Uma razão pode ser manternos humildes e ajudar a evitar o orgulho intelectual. Outro motivo pode ser lembrar-nos de que Deus é maior que nosso entendimento e que ele age de um modo que transcende nosso entendimento. Porfim,é característico de boa parte do que Deus faz na era da nova aliança que seja feito na esfera espiritual, invisível: a regeneração, a oração genuína, a adoração "em espírito e em verdade", as bênçãos espirituais que v ê m por meio da ceia do Senhor, a batalha espiritual, o depósito do tesouro no céu, o buscar as coisas do alto, onde Cristo vive - todos esses e muitos outros elementos da vida cristã dizem respeito a atividades que ocorrem na esfera espiritual, invisível, atividades que n ã o vemos nem compreendemos plenamente. Nesse sentido, falar em línguas é simplesmente outra atividade que ocorre no âmbito espiritual invisível, uma atividade quereremos ser eficaz porque as Escrituras o dizem, não porque podemos compreender com nossa mente (cf. ICo 14.5). d. N ã o extático, mas autocont rolado. A New English Bible traduziu a expressão "falar em línguas" por "discurso extático", dando maior sustentação à idéia de que os que falam em línguas perdem a consciência do meio em que estão, ou perdem o autocontrole, ou são forçados a falar contra a vontade. Além disso, alguns dos elementos extremos no movimento pentecostal admitem condutas frenéticas e desordenadas nos cultos de adoração e isso, na mente de alguns, tem perpetuado a noção de que falar em línguas é um tipo de discurso extático.

Aqui Paulo exige que os que falam em línguas revezem-se e limita o n ú m e r o a três, indicando claramente que os que falavam em línguas estavam cientes do que acontecia à sua volta e eram capazes de se controlar, só falando quando chegava sua vez, quando ninguém mais estivesse falando. Se não houvesse ninguém para interpretar, era-lhes fácil manter silêncio e se calar. Todos esses fatores indicam elevado grau de autocontrole, não se sustentando a idéia de que Paulo entendesse as línguas como algum tipo de discurso extático e. Línguas sem interpretação. Se não estiver presente na reunião alguém que se saiba possuir o dom de interpretação, a passagem que acabamos de citar indica que o falar em línguas deve ocorrer em particular. Não se deve dar nenhum discurso em línguas no culto público, se não houver interpretação. Paulo fala de orar em línguas e cantar em línguas quando diz: "Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente; cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente" (ICo 14.15). Isso confirma ainda mais a definição dada acima, em que entendemos as línguas como algo primeiramente dirigido a Deus, em oração e louvor. Isso t a m b é m legitima a prática de cantar em línguas, de maneira pública ou privada. Mas aplicam-se ao cantar as mesmas regras que se aplicam ao falar: se não houver intérprete, só deve ser feito em particular. Em ICo 14.20-25, Paulo diz que se os crentes falarem em línguas na igreja, sem que haja interpretação, estarão agindo e pensando como "meninos" (ICo 14.20). Ele primeiro cita uma profecia de julgamento extraída de Isaías 28.11-12: "Na lei está escrito: Falarei a este povo por homens de outras línguas e por lábios de outros povos, e nem assim me ouvirão, diz o Senhor" (ICo 14.21). No contexto de Isaías 28, Deus está alertando o povo rebelde de Israel que as próximas palavras que ouvirão dele serão palavras de estrangeiros que n ã o conseguiriam compreender - o exército assírio chegaria como agente do julgamento de Deus. Agora Paulo está para tomá-lo como princípio geral - quando Deus fala às pessoas em uma língua que não conseguem compreender, trata-se de u m sinal bem evidente de julgamento divino. Paulo aplica isso corretamente à situação de falar em línguas sem interpretação no culto ^ na igreja. Ele o chama de sinal (ou seja, um sinal de julgamento) contra os incrédulos: 46

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Mas esse não é o quadro apresentado no Novo Testamento. Mesmo quando o Espírito Santo desceu com poder esmagador no Pentecostes, os discípulos foram capazes de parar

De sorte que as línguas constituem um sinal não para os crentes, mas para os incrédulos; mas a profecia não é para os incrédulos, e sim para os que crêem. Se, pois, toda a igreja se reunir no mesmo lugar, e todos se puserem a falar em outras línguas, no caso de entrarem indoutos ou i n c r é d u l o s , n ã o d i r ã o , porventura, que estais loucos? (ICo 14.22-23).

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(53) Os Dons do Espírito

(53) A Doutrina da Igreja Aqui Paulo emprega a palavra "sinal" no sentido "sinal de atitude divina"(q positiva, quer negativa). As línguas n ã o compreendidas pelos estranhos são com ce um sinal negativo — u m sinal de julgamento. Assim, Paulo alerta os coríntios que não d tal sinal aos estranhos que entrarem. Ele lhes diz cfue se um estranho chegar e só ou palavras incompreensíveis, com certeza n ã o será salvo; antes, concluirá que os coi in estão loucos e as línguas sem interpretação funcionarão nesse caso como um sinal do julgn mento de Deus. Em contraste com isso, Paulo diz que a profecia t a m b é m é u m sinal de atitude d i v i n a mas um sinal positivo de bênção divina. Esse é o motivo pelo qual pode dizer que a profecia^ é um sinal "para os que crêem" (v. 22). E é por isso que ele conclui esse trecho, dizendo: "Se todos profetizarem, e entrar algum incrédulo ou indouto, é ele por todos convencidci e por todos julgado; tornam-se manifestos os segredos do coração, e, assim, prostrando-se com a face em terra, adorará a Deus, testemunhando que Deus está, de fato, no meio de v ó l l (v. 24-25). Quando isso acontece, os que crêem com certeza percebem que Deus está agindo entre elés, trazendo bênçãos, e a profecia funcionará em geral como um sinal para os qut crêem, manifestando a atitude positiva de Deus para com eles. 48

Entretanto, por mais que Paulo alerte contra o uso de línguas sem interpretação na igreja, com certeza ele o v ê de modo positivo e o incentiva em particular. Ele diz: "O que fala em outra língua a si mesmo se edifica, mas o que profetiza edifica a igreja" (ICo 14.4). Qual a conclusão dele? Não é (como argumentam alguns) que os cristãos devem decidir não empregar o dom ou decidir que ele não tem valor quando usado em particular. Antes, ele diz: "Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente" (v. 15). E diz: "Dou graças a Deus, porque falo em outras línguas mais do que todos vós" (v. 18), e "Eu quisera que v ó s todos falásseis em outras línguas; muito mais, p o r é m , que profetizásseis" (v. 5), e "Procurai com zelo o dom de profetizar e n ã o proibais o falar em outras línguas" (v. 39). Se nossa compreensão prévia das línguas como oração e louvor a Deus estiver correta, com certeza devemos esperar que se siga a edificação, ainda que a mente do locutor n ã o compreenda o que está sendo dito, mas seu espírito humano está se comunicando diretamente com Deus. Assim como a oração e o louvor em geral nos edificam quando nos empenhamos neles, assim também, de acordo com Paulo, esse tipo de oração e louvor nos edifica. *

f. L í n g u a s com i n t e r p r e t a ç ã o : edificação p a r a a igreja. Paulo diz: "... quem orofetiza é superior ao que fala em outras línguas, salvo se as interpretar, para que a igreja eceba edificação" (ICo 14.5). U m a vez que a mensagem em línguas seja interpretada, odos podem compreender. Nesse caso, Paulo diz que a mensagem em línguas é tão valiosa )ara a igreja quanto a profecia. Devemos observar que ele n ã o diz que ambos possuem i mesma função (pois outras passagens indicam que a profecia é uma comunicação de Deus para seres humanos, enquanto as línguas são em geral c o m u n i c a ç ã o de seres íumanos para Deus). Mas Paulo diz claramente que possuem igual valor na edificação la igreja. g. Nem todos falam e m línguas. Assim como nem todos os cristãos são apóstolos, iem todos são profetas ou mestres, nem todos possuem dons de cura, assim também nem >dos falam em outras línguas. Paulo indica isso claramente quando faz uma série de

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Específicos

perguntas, todas as quais pressupõem a resposta "não", e inclui a pergunta: "Falam todos em outras línguas?" ( I C o 12.30). A resposta esperada é n ã o . Alguns alegam que Paulo aqui só está dizendo que nem todos falam publicamente em línguas, mas que talvez admitisse que todos pudessem falar em línguas em particular. Mas essa distinção parece estranha ao contexto e n ã o é convincente. Ele n ã o especifica que nem todos falam em línguas publicamente ou na igreja, mas só diz que nem todos falam em línguas. Sua pergunta seguinte é: "Interpretam-nas todos?" (v. 30). Suas duas perguntas anteriores eram: "São todos (...) operadores de milagres? T ê m todos dons de curar?" (v. 29-30). Estaríamos dispostos a defender o mesmo argumento em relação a esses dons - que nem todos interpretam línguas publicamente, mas que todos os cristãos são capazes de fazê-lo em particular? O u que nem todos operam milagres publicamente, mas que todos são capazes de operar milagres em particular? Tal distinção não parece receber apoio do contexto em nenhum dos casos. No presente, é provável que o desejo de dizer que cada cristão pode falar em línguas (ainda que Paulo diga que nem todos falam em línguas) seja motivado, na maior parte dos casos, por uma concepção doutrinária anterior que vê o batismo no Espírito Santo como uma experiência posterior à conversão e o falar em línguas como u m "sinal" inicial da recepção desse batismo no Espírito Santo. Mas persistem questões sérias ligadas a essa posição d o u t r i n á r i a (conforme se explica no capítulo 39). Parece melhor entender ICoríntios 12.30 exatamente como está: nem todos falam em línguas. O dom de línguas — assim como todos os outros dons — não é dado pelo Espírito Santo a todos os cristãos que o buscam. Ele o distribui "como lhe apraz, a cada um, individualmente" (ICo 12.11). Entretanto, n ã o há nada nas Escrituras que diga que somente uns poucos receberão o dom de falar em línguas e, tratando-se de u m dom que Paulo considera ser edificante e útil na oração e no louvor (em nível pessoal, senão na igreja), n ã o seria surpresa se o Espírito Santo fizesse uma distribuição muito ampla desse dom e muitos cristãos o recebessem de fato. 19

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h. Que dizer do perigo da imitação demoníaca? Às vezes os cristãos temem falar em línguas, pensando que falar algo que n ã o compreendem pode fazê-los pronunciar blasfêmias contra Deus ou falar algo inspirado por u m demônio e n ã o pelo Espírito Santo. Em primeiro lugar, deve-se dizer que essa n ã o é a preocupação de Paulo, mesmo na cidade de Corinto, onde muitos vinham do culto pagão, e da qual Paulo disse claramente: "... as coisas que eles sacrificam, é a demônios que os sacrificam e não a Deus" (ICo 10.20). Mesmo assim, ele diz: "... quisera que vós todos falásseis em outras línguas" ( I C o 14.5). Ele não faz nenhuma ressalva de que devam estar atentos à imitação demoníaca ou mesmo pensar que essa seria uma possibilidade quando empregassem esse dom. O motivo teológico por trás do incentivo de Paulo nesse ponto é o fato de que o Espírito Santo está agindo com poder na vida dos que crêem. Paulo diz: "... ninguém que fala pelo Espírito de Deus afirma: Anátema,Jesus! Por outro lado, ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo" ( I C o 12.3). Aqui Paulo garante aos coríntios que se estiverem falando pelo poder do Espírito Santo atuante neles, não dirão "anátema, Jesus!" Vindo no início de uma discussão sobre os dons espirituais, ICoríntios 12.3 deve servir como garantia aos coríntios que talvez suspeitassem de alguns cristãos que vinham de u m ambiente de culto d e m o n í a c o nos templos de Corinto. Será que essa influência 53

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(53) A Doutrina da Igreja demoníaca ainda afetava o uso que faziam de u m dom espiritual? Paulo estabelece a regra, básica de que os que genuinamente professam a fé de que "Jesus é Senhor" o fazem pelo Espírito Santo que age neles e que ninguém que fale pelo poder do Espírito Santo falará blasfêmias contraJesus ou o amaldiçoará. Esse temor, portanto, n ã o é algo que parecia incomodar Paulo. Ele simplesmente incentivou os fiéis a orar em línguas e disse que se o fizessem estariam edificando a si mesmos. 54

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i. Estaria Romanos 8.26-27 relacionado ao falar em línguas? Paulo escreve e Romanos 8.26-27: Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos. • Paulo não menciona aqui, de maneira explícita, o falar em línguas, e a declaração é geral, tratando da vida de todos os cristãos, de modo que não parece correto dizer que Paulo esteja aqui se referindo ao falar em línguas. Ele está se referindo a uma experiência mais geral que ocorre na vida de oração de todos os cristãos. Mas qual o assunto exato sobre o qual ele está falando? Alguns pensam que ele está se referindo a uma atividade intercessora completamente imperceptível a nós, em que o Espírito Santo intercede por nós, suspirando e gemendo ao Pai. Segundo essa concepção, tal atividade intercessora do Espírito ocorre continuamente, mas não temos idéia de que esteja ocorrendo (exceto pelo fato de as Escrituras nos dizerem isso). Nesse sentido, seria semelhante à obra intercessora de Cristo mencionada em Romanos 8.34 e Hebreus 7.25. Mas isso não parece uma explicação satisfatória da passagem, por alguns motivos: (1) não parece provável que Paulo dissesse que a obra intercessora do Espírito Santo, o Deus infinito, onipotente, onisciente, seria realizada em "gemidos sem palavras" (tradução literal de stenagmois alalêtois em R m 8.26), especialmente quando percebemos que "gemidos" refere-se aos suspiros intensos de fadiga próprios das criaturas abatidas, sobrecarregadas num mundo decaído. " (2) No contexto maior, tais gemidos perecem os devidos ao peso de viver na presente era má, em particular os gemidos associados a nossos sofrimentos (veja v. 17, 18,23). (3) O verbo "assistir" em Romanos 8.26 ("o Espírito (...) nos assiste em nossa fraqueza") não se refere a algo que o Espírito Santo faça à parte de nós e em nosso favor, antes, refere-se a algo que o Espírito Santo faz em cooperação conosco. O verbo que Paulo emprega (sunantilambanomai) é também empregado em Lucas 10.40, onde Marta quer queJesus faça Maria ajudá-la - com certeza ela não quer que Maria prepare a comida em lugar dela, antes, que vá tomar parte da preparação com ela. Assim, Paulo não está falando de algo que o Espírito Santo faça de maneira completa, sem nossa participação, mas de algo que o Espírito Santo faz em cooperação com nossa atividade. Esses motivos combinam-se para indicar que Paulo n ã o está falando de uma obra do Espírito Santo feita à parte de nós e sem nosso conhecimento, mas de suspiros e gemidos inarticulados que nós mesmos emitimos em oração, que então o Espírito Santo transforma em intercessão efetiva diante do trono divino. Poderíamos parafrasear: "O Espírito Santo 5

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assiste nossas orações quando intercede (por nós) tomando nossos g e m i d o s inarlii uI.>< l< 58

e transformando-os em oração efetiva". Qual a relação entre isso e o falar em línguas? Existe alguma semelhança porque se trata de uma oração efetiva que nós fazemos, ainda que não a compreendamos plena-mente. Mas há algumas diferenças no fato de os suspiros ou gemidos que pronunciamos em oração estarem, com muita freqüência, relacionados com as situações ou dificuldades de que nossa mente está bem ciente quando oramos, de modo que sabemos o motivo pelo qual estamos orando. Mas Paulo diz que n ã o sabemos orar como se deve nessas situações. Assim, o Espírito Santo nos ajuda e intercede nessas situações "segundo a vontade de Deus" (Rm 8.27). Não há menção explícita de nosso espírito orando (embora isso também possa ser verdade), nem há menção de nossa mente sendo infrutífera ou carecendo de entendimento (embora às vezes isso possa ser verdade pelo menos parcialmente). Esses suspiros ou gemidos t a m b é m n ã o se expressam em algo que possa ser chamado "outras línguas". Assim, há algumas diferenças, apesar de Romanos 8.26-27 falar de uma intercessão que fazemos por meio de sons que n ã o compreendemos plenamente, sendo assim u m fenômeno semelhante em alguns pontos ao falar em línguas. F . PALAVRA DA SABEDORIA E PALAVRA DO CONHECIMENTO Paulo escreve: "A u m é dada, mediante o Espírito, a palavra da sabedoria; e a outro, segundo o mesmo Espírito, a palavra do conhecimento" ( I C o 12.8). No início desta discussão deve-se compreender que esses dois dons não são mencionados em outra parte das Escrituras, " e não se encontrou nenhuma outra literatura cristã além da Bíblia que empregue essas expressões designando algum dom espiritual. Isso significa que a única informação que temos sobre esses dons estão contidas nesse versículo: temos as palavras empregadas para descrever esses dois dons, e temos o contexto em que elas ocorrem. Nenhum intérprete encontra, em lugar algum, mais informações que essas com que trabalhar. Isso nos avisa que, de qualquer modo, é provável que nossas conclusões sejam um tanto incertas. São duas as principais alternativas para compreensão desses dons: (1) pensa-se em geral que esses dons sejam a capacidade de receber uma revelação especial do Espírito Santo e, com base nisso, falar palavras que manifestam sabedoria numa situação ou manifestam conhecimento específico de uma situação na vida de alguém presente numa igreja. Segundo essa interpretação, esses dons seriam mais "miraculosos", pelo fato de produzir admiração e assombro nos presentes, já que não seriam baseados em informa-ções normalmente disponíveis à pessoa que emprega o dom. (2) A outra interpretação desses dons seria considerá-los mais comuns ou " n ã o miraculosos": "palavra da sabedoria" simplesmente significa a capacidade de falar uma palavra sábia em várias situações, e "palavra do conhecimento" é a capacidade de "falar com conhecimento acerca de uma situação. Em ambos os casos o conhecimento e a sabedoria n ã o seriam baseados numa revelação especial dada espontaneamente pelo Espírito Santo, mas numa sabedoria adquirida no curso normal da vida, o conhecimento e a sabedoria que seriam característicos, por exemplo, dos mestres da Bíblia ou dos presbíteros e de outros cristãos maduros numa igreja. Esses dons seriam autorizados pelo Espírito Santo e, assim, eficazes quando pronunciados. Exemplos de "palavras da 5

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(53) A Doutrina da Igreja sabedoria" nesse sentido estariam em Atos 6.1-6 (a escolha dos primeiros "diáconos" assistentes dos a p ó s t o l o s ) ; Atos 6.10 (a sabedoria de Estêvão na p r o c l a m a ç ã o d evangelho); Atos 15.19-29 (a decisão do Concilio de Jerusalém); e até no pronunciamen' do rei Salomão: "Dividi em duas partes o menino vivo e dai metade a uma e metade outra" (lRs 3.25; veja t a m b é m I C o 6.5-6). Em favor da primeira interpretação, pode-se alegar que todos os outros sete don alistados em ICoríntios 12.8-10 estão na categoria dos "miraculosos" e, portanto, esses do dons também devem ser compreendidos dessa maneira. Entretanto, h á algumas considerações de peso contra essa concepção: (1) As pala\ empregadas por Paulo para designar a "palavra" (logos), a "sabedoria" (sophia) e o "conhecimento" (gnõsis) não são termos especializados ou técnicos, sendo palavras extremamente comuns no Novo Testamento grego. São simplesmente as palavras comuns empregadas com freqüência para designar a "palavra", a "sabedoria" e o "conhecimento". Além disso, não são comumente empregados para denotar eventos miraculosos (como, por exemplo, as palavras revelação e profecia), sendo simplesmente as palavras empregadas para designar o conhecimento e a sabedoria humana. Assim, pelo significado das próprias palavras, não parece haver indicações de que sejam dons miraculosos. (2) No contexto de ICoríntios 12.8, o propósito de Paulo na argumentação parece pesar contra a idéia de que sejam miraculosos. O propósito maior de Paulo nos versículos 8-10 é demonstrar que não importa o tipo de dom manifestado pela pessoa, ela pode ter certeza de que esse dom foi dado pelo Espírito Santo. Ele precede esse trecho, dizendo: "A manifestação do Espírito é concedida a cada um visando a u m fim proveitoso" e "um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as como lhe apraz, a cada um, individualmente" (v. 7, 11). Mas se o propósito de Paulo nessa seção é mostrar que todos os dons cristãos são dados pelo Espírito Santo, então tal propósito n ã o seria atingido se só fossem dados exemplos de dons miraculosos. Caso contrário, os que possuíssem dons não miraculosos sentir-se-iam fora da discussão e n ã o seriam convencidos de que seus dons estavam incluídos na discussão de Paulo. E ainda mais importante, os que possuíssem dons miraculosos poderiam ver essa lista e concluir que só eles realmente possuíam o Espírito Santo atuante, autorizando esses dons. Isso poderia levar a um tipo perigoso de elitismo na igreja. Assim, parece necessário que Paulo incluísse alguns dons não miraculosos em sua lista em ICoríntios 12.8-10. * Mas quais são os dons não miraculosos nessa lista? Palavra da sabedoria Palavra do conhecimento Fé Dons de cura Milagres Profecia Discernimento de espíritos Línguas Interpretação de línguas

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Todos os outros dons parecem enquadrar-se na categoria mais "miraculosa" (com as possíveis exceções do falar em línguas e, talvez, fé). Mas isso tornaria quase necessário quê a palavra da sabedoria e a palavra do conhecimento sejam não miraculosos para garantir que há alguns dons não miraculosos na lista. Isso demonstraria a sabedoria pastoral de Paulo na seleção de exemplos de diferentes tipos de dons sendo realmente exercidos na igreja. Assim, deve haver algum dom não miraculoso na lista - e se houver algum, esses são excelentes candidatos. (3) Provavelmente, a consideração mais decisiva é o fato de que o Novo Testamento já possui um termo para descrever a ação de receber uma revelação do Espírito Santo e relatála à congregação - é o que Paulo chama de "profecia". Uma vez que ele se alonga na discussão da profecia, descrevendo-a e regulamentando-a, podemos saber com razoável clareza o que era a profecia. Mas dizer que esses outros dons funcionavam exatamente do mesmo modo (talvez diferindo só em conteúdo) não parece justificar-se por nada no texto, senão por uma idéia preconcebida de como devem ser esses dons. Assim, parece preferível considerá-los " n ã o miraculosos", simplesmente como a capacidade de falar com sabedoria ou com conhecimento em várias situações. O que as pessoas hoje chamam "palavra da sabedoria" e "palavra do conhecimento" em círculos carismáticos seria mais bem classificado como "profecia". 60

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G . DISCERNIMENTO DE ESPÍRITOS E BATALHA ESPIRITUAL O dom de discernir espíritos é outro dom mencionado só uma vez no Novo Testamento (na lista de I C o 12.10), mas a natureza desse dom o liga com algumas outras passagens que descrevem a batalha espiritual que ocorre entre cristãos e espíritos demoníacos. Podemos definir da seguinte forma o dom de discernir espíritos: Discernimento de espíritos é uma capacidade especial de reconhecer a influência do Espírito Santo ou de espíritos demoníacos numa pessoa. Na perspectiva da história da redenção, esse dom também prenuncia a era vindoura no fato de prever a capacidade de reconhecer Satanás e sua influência, capacidade que se tornará perfeita para nós no céu, quando tudo o que estiver encoberto ou oculto será trazido à luz (Mt 10.26; cf. Ap 20.11-15). Essa capacidade é, provavelmente, também maior que a da maior parte dos fiéis, senão todos, na antiga aliança, em que menções de atividades demoníacas são infreqüentes e os ataques demoníacos contra o povo de Deus manifestavamse muitas vezes em forma de ataques militares da parte de nações incrédulas contra o povo de Israel ou em forma de tentações notórias de sair para servir divindades pagas. Assim, a atividade demoníaca era percebida principalmente mediante a observação de eventos físicos e circunstâncias externas em que se cumpriam os propósitos de Satanás e que podiam ser vistos com nitidez. Esse dom neotestamentário de discernimento de espíritos implica a capacidade de discernir entre a presença de espíritos malignos e a obra do Espírito Santo na vida de uma pessoa. Paulo sabe que os coríntios eram antes conduzidos aos ídolos mudos (ICo 12.2) e J o ã o , de maneira semelhante, percebe que há necessidade de os cristãos provarem "os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora" ( l j o 4.1). r

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(53) Os Dons do Espírito

(53) A Doutrina da Igreja Além disso, é t a m b é m possível que o dom implicasse discernimento entre vários ///MM de espíritos malignos, tais como u m espírito de enfermidade (Lc 13.11), um espírito oV adivinhação (At 16.16), um espírito surdo e mudo (Mc 9.25,29) e espírito do erro ( l j o 4.6 Da perspectiva lexical e gramatical, nada nos impede de compreender que o dom "discernimento de espíritos" também inclui esse tipo de capacidade. 63

E claro que até certo ponto a presença de atividade demoníaca é evidente, às vezes pelo vazamento de declarações doutrinárias flagrantemente falsas (veja ICo 12.2-3; l j o 4.1-Ôn e às vezes por causa de gestos físicos violentos e estranhos, especialmente diante de u m » p r e g a ç ã o c r i s t ã (veja M c 1.24; 9.20; M t 8.29; e t c ) . A i n f l u ê n c i a de S a t a n á s éj caracteristicamente destrutiva, e a pessoa influenciada por u m d e m ô n i o exerce u m á influência destrutiva sobre a igreja e sobre os outros ao seu redor, além de uma influência autodestrutiva. Mas além dessas indicações exteriores de influência demoníaca, é provável que haja uma percepção mais subjetiva que ocorre no nível espiritual e emocional, pela qual se discerne a presença de atividade demoníaca. Quando isso é desenvolvido em maior grau, sendo capaz de atuar para o benefício da igreja como u m todo, então sem dúvida Paulo o chamaria dom de discernimento de espíritos. 64

Associado ao dom de discernimento de espíritos, também é pertinente a discussão sobre a batalha espiritual apresentada acima no capítulo 20 (sobre Satanás e os demônios).

NOTAS 1. Veja uma discussão mais ampla de todos os pontos sobre o dom de profecia a seguir em Wayne Grudem, The Gift ofProphecy in 1 Corinthians, e W. Grudem, The Gift ofProphecy in the New Testament and Today. (O primeiro livro é mais técnico, interagindo muito mais com a literatura acadêmica). Boa parte do material a seguir sobre profecia é adaptado de meu artigo, "Why Christians Can Still Prophesy", in: CT(Sept. 16, 1988), p. 29-35, usado com permissão. Veja também meus artigos "What Should Be the Relationship Between Prophet and Pastor?" in: Equipping the Saints (Fali 1990), p. 7-9, 21-22; e "Does God Still Give RevelaÜon Today?" in: Charisma (Sept. 1992), p. 38-42. 2. Os exemplos a seguir são extraídos de TDNT6, p. 794. 3. Ibid., p. 795. 4. Tenho uma longa discussão de Ef 2.20 in: The Gift ofProphecy in the New Testament and Today, p. 45-63, no qual argumento que Paulo diz que a igreja é edificada "sobre o fundamento dos apóstolos-profetas" (ou "apóstolos que são também profetas"). Essa é uma tradução gramati-calmente aceitável da frase tõn apostolõn kai prophctõn. Desse modo, a passagem referese aos apóstolos, a quem foi revelado o mistério da inclusão dos gentios na igreja (veja Ef 3.5, que especifica que esse mistério "foi revelado aos seus santos apóstolos e profetas [ou 'apóstolos-profetas' ou 'apóstolos que são também profetas'], no Espírito"). Não penso que Ef 2.20 tenha muita importância em toda a discussão sobre a natureza do dom de profecia. Quer vejamos aqui um grupo como eu vejo (apóstolo-profeta), quer vejamos dois, como Richard Gassin e alguns outros (apóstolos e profetas), todos concordamos que esses profetas são os que forneceram o fundamento da igreja e, portanto, são profetas que falaram palavras divinas infalíveis. O problema é se esse versículo descreve o caráter de todos os que

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possuíam o dom de profecia nas igrejas do Novo Testamento. Não vejo provas convincentes de que , ele descreva todos os que profetizavam na igreja primitiva. Antes, o contexto indica claramente um grupo muito limitado de profetas que (a) participaram da própria fundação da igreja, (b) estavam muito ligados aos apóstolos e (c) receberam de Deus a revelação de que na igreja os gentios eram membros iguais aos judeus (Ef 3.5). Quer digamos que esse grupo era só de apóstolos, quer digamos que era um pequeno grupo de profetas muito ligados aos apóstolos, que falavam palavras com qualidade de Escritura, ainda ficamos com um quadro de um grupo de pessoas muito restrito e singular que forneceu esse fundamento para a igreja universal. 5. Em ambos os versículos Lucas emprega o mesmo verbo grego (dcõ) usado por Ágabo para predizer que os judeus amarrariam a Paulo. 6. O verbo empregado por Ágabo (paradidõmi. "entregar, ceder") exige a idéia de ceder algo para alguém, de modo voluntário, consciente, deliberado. Esse é o sentido da palavra em todas as outras 119 ocorrências no Novo Testamento. Mas esse sentido não corresponde ao tratamento dispensado a Paulo pelos judeus: eles não entregaram Paulo voluntariamente aos romanos! 7. Essa a opinião de Gaffin, Perspectives, p. 65-66 e F. David Famell, "The Gift of Prophecy in the Old and New Testaments", BibSac 149:596 (Oct. - Dec. 1992), p. 395. Ambos referem-se a Atos 28.17 para confirmação. 8. A tradução da NVI, "fui preso emjerusalém e entregue aos romanos", perde completamente a idéia (exigida pelo texto grego) de ser tirado (ex) de Jerusalém e remove a idéia de que foi entregue como prisioneiro (gr. desmios), acrescento em seu lugar a idéia de que ele foi preso emjerusalém, fato não mencionado no texto grego. 9. Robert L. Thomas, "Prophecy Rediscovered? A Review of The Gift ofProphecy in the New Testament and Today", BibSac 149:593 (Jan. - Mar. 1992), p. 91. O mesmo argumento é dado por Kenneth L. Gentry,Jr., The Charismatic Gift ofProphecy: A Reformed Response to Wayne Grudem, 2 ed. (Memphis, Tenn.: Footstool Publications, 1989), p. 43. 10. Thomas, "Prophecy Rediscovered?", p. 91. 11. Veja p. 897 sobre a questão da frase introdutória de Ágabo: "Isto diz o Espírito Santo". 12. As instruções de Paulo são diferentesdas de um documento cristão primitivo conhecido como o Didaquè, que diz às pessoas: "Não julgueis nem examineis nenhum profeta que esteja falando num espírito (ou: no Espírito)" (cap. 11). Mas o Didaquè afirma várias coisas contrárias à doutrina do Novo Testamento (veja W. Grudem, The Gift of Prophecy in the New Testament and Today, p. 106-8; também capítulo 3, nota 32). 13. A ARA traduz: "Porventura, a palavra de Deus se originou entre vós?", mas não há necessidade de fazer com que o verbo grego aqui (o aoristo de exerchomai, "sair" ) fale tão especificamente sobre a origem da mensagem do evangelho. Paulo não diz: "A palavra de Deus primeiro surgiu de vós?", mas simplesmente: "A palavra de Deus surgiu de vós?" Paulo percebe que eles precisam admitir que a Palavra de Deus não surgiu deles — portanto, seus profetas não podem estar falando palavras de Deus equivalentes às Escrituras em autoridade. 14. Tomei essa idéia de um livrete muito útil de Roy Clements, Word and Spirit: The Bible and the Gift of Prophecy Today (Leicester: UCCF Booklets, 1986), p. 24; cf. D. A. Carson, Showing the Spirit, p. 96. 15. Veja Prophecy (Ann Arbor: Word of Life, 1976), p. 79. 16. Apesar de termos afirmado acima que a autoridade da profecia na igreja do Novo Testamento é muito diferente da autoridade da profecia canônica do Antigo Testamento, isso não significa que toda a profecia do Novo Testamento tenha de ser diferente. Com respeito à forma pela qual a revelação chega ao profeta, pode haver não só palavras ou idéias que vêm à mente, como também quadros mentais (ou "visões", At 2.17) e sonhos (At 2.17).


(53) A Doutrina da Igreja

(53) Os Dons do Espírito

17. Precisamos alertar as pessoas, porém, de que o mero fato de uma "revelação" parecer sobrenatural (e até por conter algumas informações surpreendentemente exatas) não garante que uma mensagem seja verdadeira profecia de Deus, pois falsos profetas podem "profetizar ' sob influência demoníaca. (Veja no capítulo 20, divisão C.3, discussão sobre o fato de que oi demônios podem saber acerca de atividades ocultas ou conversas particulares em nossa vi mesmo que não possam conhecer o futuro nem ler nossos pensamentos.) João avisa que "muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora" (ljo 4.1),-fornece provai da doutrina verdadeira para discerni-los (v. 1-6) e diz: "... o mundo os ouve" (v. 5). Outras características dos falsos profetas encontram-se em 2Jo 7-9 (negar a encarnação e não permanecer na doutrina de Cristo); Mt 7.15-20 ("pelos seus frutos os conhecereis", v. 16); Mt 24.11 (desviar a muitos) e M t 24.24 (exibir sinais e prodígios com o propósito de desviar os eleitos). Por outro lado, ICo 12.3 parece dizer-nos que não devemos achar que cristãos genuínos serão falsos profetas, falando pelo poder de demônios (veja a discussão de ICo 12.3 na p. 915), e ljo 4.4 garante aos cristãos: "... maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo". 18. Prophecy: A Gijlfor the Body of Christ (Plainfield, NJ.: Logos, 1964), p. 26. 19. Spiritual Gifts in the Work ofMinistry Today (Springfield, Mo.: Gospel Publishing House, 1963), p. 51-52. 20. Signs and Wonders Today (Leicester: Inter-Varsity Press, 1985), p. 183. 21. Aqui, Paulo quer dizer que todos os que recebem uma revelação no sentido acima mencionado no v. 29 poderão profetizar, um de cada vez. Ele não quer dizer que todos os cristãos de Corinto tinham o dom de profecia. 22. Numa igreja grande, somente poucos conseguiriam falar quando toda a igreja se reunia, pois Paulo diz: "... falem apenas dois ou três" (ICo 14.29). Mas muitos outros encontrariam oportunidades de profetizar em reuniões menores nos lares. 23. Veja também a discussão na divisão A.6 sobre as diferenças entre profecia e ensino. 24. A NVI traduz essa palavra como "poder para operar milagres" em ICo 12.10 e a NASB mg. traduz por "obras de poder" em ambos os trechos. 25. Quando as pessoas dizem que a cura completa está "na expiação", a declaração é correta no sentido último, mas na realidade nada afirma sobre o tempo em que receberemos a "cura completa" (ou alguma parte dela). 26. Veja duas discussões muito úteis sobre essa pergunta e a respeito do dom de cura em geral em John Wimber e Kevin Springer, Power Healing e em Ken Blue, Authority to Heal (Downers Grove, 111.: InterVarsity Press, 1987). Veja também a excelente discussão em Jack Deere, Surprised by the Power of the Holy Spirit (Grand Rapids: Zondervan* 1993). Algumas defesas acadêmicas de um ministério de cura hoje encontram-se em Gary Greig e Kevin Springer, ed., The Kingdom and the Power (Ventura, Calif.: Gospel Light, 1993).

Santo: (2) Dons

Específicos

27. Observe que Paulo recomenda o uso do vinho em razão da saúde em lTm 5.23: "Não continues a beber somente água; usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas freqüentes enfermidades". 28. Veja o estudo sobre a imposição de mãos no capítulo 48, divisão B.l 1. 29. Veja também Lc 5.13; 13.13; At 28.8; também Mc 6.2 e vários outros versículos nos evangelhos que mencionam a imposição de mãos. Jesus, porém, nem sempre curava dessa maneira. 30. A unção com óleo em Tg 5.14 deve ser compreendida como um símbolo do poder do Espírito Santo, não simplesmente como remédio, porque o óleo não seria adequado como remédio em todas as doenças. Além disso, se seu emprego fosse só medicinal, ficaria difícil entender por que só os presbíteros estariam aptos para aplicá-lo. No Antigo Testamento, com freqüência o óleo simboliza o Espírito Santo (veja Êx 29.7; ISm 16.13; cf. Sl 45.7), como parece

ocorrer aqui também. (Veja a discussão completa em Douglas J. Moo, Tiago - IntroduÇâQ Comentário, p. 176-180). 31. Podemos questionar por que os presbíteros são chamados para orar pela cura em Tg 5.14-15. Ainda que Tiago não dê o motivo, talvez seja porque ele eram responsáveis pelo cuidado pastoral e teriam maturidade e sabedoria para lidar com os possíveis pecados implicados (veja v. 15-16), além de uma dose de autoridade espiritual decorrente de seu ofício. Com certeza, podiam levar consigo pessoas com dons de cura, caso desejassem. Ademais, Tiago amplia sua orientação, incluindo todos os cristãos no v. 16: "Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados". 32. Em contraste com isso, podemos observar que quando os discípulos não conseguiram expulsar um demônio, Jesus diz que a causa foi "a pequenez da fé" dos discípulos (Mt 17.20). 33. Veja a discussão no capítulo 13, p. 156-158, sobre a vontade secreta e a vontade revelada de Deus. Naturalmente entendemos que a vontade secreta de Deus, desconhecida de nós em todos os detalhes, é que nem todos serão curados, assim como é sua vontade secreta que nem todos sejam salvos. Mas nas duas situações, devemos orar pelo que, segundo as Escrituras, é a vontade revelada de Deus: salvar todos os pecadores e curar os que estejam enfermos. 34. Authority to Heal, p. 72, 78. 35. As vezes Deus pode conceder uma forte certeza subjetiva de fé, como o que Tiago chama "oração da fé" (Tg 5.15), Hb 11.1, "a certeza das coisas que se esperam" e Mc 11.24, "crer que já recebemos". Nesses casos, a pessoa que ora pode sentir convicção para dizer que é provável ou mesmo bem possível que alguém será curado. Mas não penso que Deus dê a alguém segurança para prometer ou "garantir" cura na presente época, pois sua Palavra escrita não dá tal garantia, e, nesta vida, nossa percepção subjetiva de sua vontade está sempre sujeita a algum grau de incerteza e a alguma medida de erro. 36. Após algum estudo de 2Co 12.7, minha conclusão a esse respeito é que não há informações suficientes no texto para decidir qual era o espinho na carne de Paulo. E possível fornecer motivos para sustentar todas as três principais possibilidades: (1) algum tipo de enfermidade física; (2) um demônio que o assediava; ou (3) perseguidores judeus. O fato de sermos incapazes de decidir de maneira conclusiva traz, contudo, alguns benefícios: significa que podemos aplicar esse texto a todos esses tipos de situações em nossa vida, quando o Senhor em sua sabedoria soberana decide não removê-los de nós. 37. Alguns tentaram estabelecer uma diferença entre a enfermidade e outros tipos de sofrimento, dizendo que as passagens nas Escrituras que dizem aos cristãos que devem esperar sofrimentos dizem respeito a outrostiposde sofrimento, tais como perseguição, mas não incluem a enfermidade física. Esse argumento não me parece convincente por dois motivos: primeiro, as Escrituras falam de "várias provações" (Tg 1.2; também lPe 1.6), e a intenção dos autores em ambos os casos parece falar de todos os tipos de provações que sofremos nesta vida, inclusive enfermidades e aflições físicas. Será que Tiago e Pedro não desejavam que os cristãos enfermos aplicassem essas passagens à própria situação? Isso é bem pouco provável. (Ambas são epístolas gerais, escritas para milhares de cristãos.) Em segundo lugar, a menos que o Senhor volte, todos sofreremos o envelhecimento e a deterioração progressiva de nosso corpo físico, e por fim morreremos. Paulo diz: "Não desanimamos (...) mesmo que o nosso homem exterior se corrompa" (2Co 4.16). E quase inevitável que esse processo de envelhecimento inclua vários tipos de aflições físicas. Parece melhor concluir que os sofrimentos que Deus nos permite experimentar de tempos em tempos nesta vida podem incluir, às vezes, doenças físicas, que Deus em sua soberana sabedoria decide não curar. Pode, de fato, haver muitos casos em que, por vários motivos, não sintamos liberdade para pedir com fé a cura divina. Mesmo nesses casos, o coração que crê

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(53) A Doutrina da Igreja considerará verdadeira a Palavra de Deus e crera que isso também entrou em nossa vida "paru o bem" (Rm 8.28) e que Deus fará com que resulte em algum bem para nós. 38. Esse versículo mostra que o milagre foi de falar, não de ouvir. Os discípulos "passaram a falar em outras línguas". 39.. O falar em línguas no Pentecostes era incomum por ter sido acompanhado de "línguas, como de fogo" que pousaram "uma sobre cada um deles" (At 2.3). Uma vez que nas Escrituras 0 fogo é com freqüência símbolo do julgamento purificador de Deus, aqui a presença do fogo pode simbolizar o fato de que Deus estava purificando as línguas para o uso em seu serviço. 40. E verdade que os primeiros ouvintes dessa mensagem eram ainda só judeus emjerusalém (At 2.5), não gentios, mas o simbolismo do evangelho proclamado em muitas línguas dava uma indicação do esforço evangelístico mundial que logo se seguiria. 41. Em At 10.46, as pessoas na casa de Cornélio estavam "falando em línguas e engrandecendo a Deus". De novo, isso ou significa que o discurso consisüa em louvor a Deus ou estava bem próxima disso - gramaticalmente não é possível dizer pelo texto. Não quero desconsiderar a possibilidade de que falar em línguas podia às vezes incluir palavras dirigidas às pessoas, não a Deus, porque é bem possível que a declaração de Paulo em 1 Co 14.2 seja uma generalização que não pretendia cobrir todos os casos e, de qualquer maneira, o ponto principal do versículo é que só Deus pode compreender línguas sem interpretação, não que Deus seja o único a quem se podem dirigir as palavras em línguas. De fato, pode estar ocorrendo um discurso aos homens em At 2. Entretanto, os indícios que temos em ICo 14 evidenciam um discurso dirigido a Deus, e parece seguro dizer que em geral assim é o falar em línguas. 42. Robertson e Plummer observam que ICo 14.18, "Dou graças a Deus, porque falo em outras línguas mais do que todos vós", é "forte indício de que as línguas não são idiomas estrangeiros" (A. Robertson e A. Plummer, A Criticai and Exegetical Commentary on the First Epistle ofSt. Paul to the Corinthians, ICC (Edinburgh: T. & T. Clark, 1914], p. 314). Se fossem línguas estrangeiras que estrangeiros pudessem compreender, como no Pentecostes, por que Paulo falaria mais que todos os coríntios em particular, onde ninguém poderia compreender, em vez de falar na igreja, onde os visitantes estrangeiros poderiam compreender? 43. Observe que no Pentecostes esse falar em línguas tinha outra característica não partilhada por nenhum outro falar em línguas: apareciam línguas de fogo sobre a cabeça dos que falavam (At 2.3). Mas isso não é um paradigma para todas as experiências posteriores de falar em línguas, nem mesmo para as encontradas mais adiante em Atos. 44. Paulo diz: "Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos"(ICo 13.1), dando a entender que ele vê a possibilidade de o falar em línguas incluir mais que palavras meramente humanas. E difícil dizer se ele entende que isso não passa de possibilidade hipotética ou que é uma possibilidade real, mas com certeza não podemos desconsiderar a idéia de que línguas angelicais também estariam relacionadas com essas palavras. Alguns alegam que glõssa, em outros textos gregos (fora do Novo Testamento), refere-se a línguas humanas conhecidas, de modo que deve referir-se também no Novo Testamento a línguas conhecidas. Mas essa objeção não é convincente, já que não havia outra palavra grega mais apropriada para designar esse fenômeno, mesmo que implicasse falar a Deus em línguas não humanas ou qualquer tipo de língua não plenamente desenvolvida, desde que algum conteúdo ou informação fossem transmitidos pelo discurso. Não estou aqui argumentando que o falar em línguas em At 2 foi um fenômeno diferente do falar em línguas discutido por Paulo em ICo 14.1. Estou simplesmente dizendo que a expressão "falar em línguas" em At 2 e ICo 14 referem-se a falar em sílabas não compreendidas pelo locutor, mas compreendidas por Deus, a quem esse discurso é dirigido. Em At 2, aconteceu de serem discursos em línguas humanas conhecidas não aprendidas pelos locutores, enquanto em ICo 14 os discursos talvez fossem em línguas humanas desconhecidas, ou em línguas angelicais, ou em 924

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Específicos

algum tipo especializado de língua dado pelo Espírito Santo individualmente a vários locutores. A expressão é suficientemente ampla para incluir uma ampla variedade de fenômenos. 45. A frase "orando no Espírito Santo" em Jd 20 não é a mesma expressão, uma vez que menciona explicitamente o Espírito Santo. Judas está simplesmente dizendo que os cristãos devem orar em conformidade com o caráter e a liderança do Espírito Santo, e isso com certeza pode incluir orações em línguas, mas também inclui qualquer outro tipo de oração em línguas inteligíveis. De modo semelhante, "com toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espirito"(Ef 6.18) é uma declaração específica que pretende cobrir todas as orações feitas em todas as épocas. Refere-se à oração em conformidade com o caráter do Espírito Santo e sensível à sua liderança, mas não deve ser restrita ao falar em línguas. Mais uma vez, pode incluir o falar em línguas, mas deve também incluir todos os outros tipos de oração. 46. E problemático que, em algumas igrejas onde hoje se permite falar em línguas, os que nào dão mensagem pública (talvez porque não seja o devido momento no culto ou talvez por não conhecerem alguém que interprete) às vezes ainda falam não silenciosamente, mas de modo que quatro ou cinco podem ouvir seu discurso em línguas. Isso é simplesmente desobedecer à orientação de Paulo, não sendo um ato de amor para com os outros na igreja. Paulo diz: "... fique calado na igreja" quem não estiver proferindo uma mensagem pública em línguas. (Muitos que falam hoje em línguas dizem que é fácil murmurar de maneira inaudível, de modo que ninguém ouça, obedecendo às orientações de Paulo.) 47. Muitas igrejas hoje, porém, praticam o que às vezes se chama "cantar no Espírito", em que muitos ou toda a congregação cantam ao mesmo tempo em línguas, improvisando individualmente suas melodias em torno de certo acorde musical dominante. Ainda que muitos testifiquem a beleza e o poder espiritual em tais ocorrências, de novo precisamos objetar que isso é diretamente contrário às instruções de Paulo em ICo 14.27-28, onde os que falam em línguas devem esperar a vez, devendo haver no máximo três em cada culto, seguidos de interpretação. Ainda que essa prática possa parecer linda para os que estejam acostumados e ainda que Deus às vezes tenha a bondade de empregá-la como meio de ganhar um incrédulo, Paulo diz explicitamente que, em geral, o resultado esperado é que os incrédulos dirão que estão loucos (ICo 14.23). Uma alternativa a essa prática, que estaria de acordo com as Escrituras e seguiria os caminhos do amor para com os estranhos, seria todos cantarem dessa forma, não em línguas, mas numa língua compreensível (na língua local ou em qualquer outra língua corrente na área em que se reúne a igreja). 48. Veja uma discussão mais ampla dessa passagem em Wayne Grudem," 1 Corinthians 14.2025: Prophecy and Tongues as Signs of God's Attitude", WTJAVl (Spring, 1979), p. 381-96. 49. A partícula mõ, que precede essa pergunta, espera a resposta "não" do leitor. A NASB capta esse sentido: "Nem todos falam em línguas, falam?" 50. Veja no capítulo 39 uma discussão do batismo no Espírito Santo. 51. Essa ainda é a posição doutrinária oficial das Assembléias de Deus, por exemplo. 52. Mc 16.17 é às vezes empregado para afirmar que todos os cristãos podem falar em línguas: "Estes sinas hão de acompanhar aqueles que crêem: em meu nome, expelirão demônios; falarão novas línguas". Mas em resposta a esse versículo deve-se observar (1) que é provável que o versículo nãofizesseparte do original do evangelho de Marcos, já que muitos manuscritos antigos muito confiáveis não incluem Mc 16.9-20, e sua condição duvidosa significa que se trata de uma base precária sobre a qual fundamentar uma doutrina (veja o capítulo 17, p. 294); (2) que mesmo não sendo parte das Escrituras, seria um testemunho de uma tradição muito antiga na história da igreja, mas mesmo nesse caso, não afirma que todos os crentes falarão em línguas: a frase imediatamente anterior diz "pegarão em serpentes" (v. 18), algo que nenhum intérprete responsável afirmaria dizer respeito a todos os cristãos; e (3) que não se faz nessa passagem nenhuma ligação entre o falar em línguas e o batismo no Espírito Santo. 925


(53) A Doutrina da Igreja .">.{. Pode-se contrapor nesse ponto que o falar em línguas não é um discurso pelo poder Espírito Santo, mas discurso que brota do próprio espírito humano do locutor. Mas está cl que Paulo considera todos esses dons espirituais em geral movidos pelo Espírito Santo, mes aqueles em que há pleno envolvimento da personalidade humana. Isso ocorreria com mes' auxiliadores e administradores, bem como com quem fala em línguas. Em cada um desses c o agente no desempenho da atividade é o cristão que possui aquele dom específico e emprega, mas ainda assim são todos movidos pelo Espírito Santo para que ajam,- e isso tamb diria respeito ao dom de línguas. 54. Importante também nesse ponto é a garantia dada por João a seus leitores a respei dos espíritos demoníacos que haviam entrado no mundo: "... maior é aquele que está em v que aquele que está no mundo" (ljo 4.4). 55. Alguns livros populares trazem relatos biográficos de cristãos que diziam ter falado em línguas por um tempo e depois descoberto que um demônio estivera capacitando esse discurso, sendo ele depois expulso. (Veja, por exemplo, C. Fred Dickason, Demon Possession and tht Christian [Westchester, 111.: Crossway, 1987], p. 126-27; 188-91; 193-97.) Mas esse é só mais um exemplo de um caso em que a experiência deve estar sujeita às Escrituras e ser por elas testada, e o ensino das Escrituras não deve estar sujeito à experiência. Devemos cuidar para que tais relatos de experiências não nos faça adotar uma posição diferente da própria Bíblia nessa questão. Especificamente, se ICo 12-14 entende as línguas como um dom proveitoso do Espírito Santo, sendo valioso para a edificação e para o bem da igreja e se Paulo pôde dizer: "... quisera que todos vós falásseis em outras línguas" (ICo 14.5), então as interpretações de experiências contem-porãneas que, na prática, dizem "quisera que todos vós temêsseis as línguas", são contrárias à ênfase do Novo Testamento. (Observe a citação que Dickason faz de Kurt Koch: "Buscar esse dom por nós mesmos pode ser uma experiência muito perigosa" [p. 127].) Essa simplesmente não é a perspectiva de Paulo no Novo Testamento. Percebo que Dickason defende uma posição cessacionista com respeito às línguas hoje (veja a p. 189: "Eu disse a ela que duvidava que houvesse alguma língua genuína vinda de Deus hoje, no sentido neotestamentário"). Assim, da perspectiva dele, ele não está sujeitando as Escrituras à experiência, antes, entendo que essas experiências conformam-se com o entendimento que tem das Escrituras. (Discuti a posição cessacionista no capítulo 52, divisão B.) Existe a possibilidade dê imitação demoníaca de qualquer dom na vida dos incrédulos (veja Mt 7.22; também o capítulo 17, divisão E, sobre falsos milagres). Assim, o fato de haver algum tipo de "falar em línguas" nas religiões pagas não nos deve surpreender ou nos fazer pensar que todo falar em línguas seja falso. Mas na vida dos que crêem, especialmente quando há fruto positivo na vida deles e fruto positivo no uso dos dons, ICo 12.3, ljo 4.4 e Mt 7.16-20 nos dizem que não são imitações, mas dons reais de Deus. Precisamos lembrar que Satanás e os demônios não fazem o bem; eles fazem o mal; e não trazem bênçãos; trazem destruição. (Neil T, Anderson, in: The Bondage Breaker [Eugene, Oreg.: Harvest House, 1990], p. 159-60, relata a história de um homem aparentemente cristão que possuía um falso dom de línguas. Mas Anderson observa que o dom fora conferido ao homem "por falsos mestres" [p. 159] e que esse "dom" trouxe obviamente conseqüências desastrosas à vida do homem. Esses fatores, e não só as palavras de um demônio como o único indício, indicam claramente a natureza falsa daquele suposto "dom". Ao contrário de Dickason, Anderson afirma que não se opõe ao falar em línguas; veja p. 160.) Uma explicação alternativa para as histórias dadas por Dickason é dizer que os demônios que disseram que eram "espíritos de línguas" e que entraram quando alguns carismáticos impuseram as mãos sobre tais cristãos, estavam mentindo. Satanás "é mentiroso e pai da mentira" (Jo 8.44) e adoraria fazer os cristãos terem medo do maior número possível de dons espirituais.

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Santo: (2) Dons

Específicos

56. Além desse texto, a palavra "gemido" (stenagmos) só é empregada no Novo Testamento em At 7.34, tratando dos gemidos de Israel sob a opressão no Egito. Mas o verbo afim, slcna/o, é empregado algumas vezes, sempre em relação a criaturas finitas gemendo sob o peso desta criação decaída. No contexto imediatamente anterior, stcnazõ refere-se ao nosso gemido em razão de nossa redenção estar incompleta (Rm 8.23; uma palavra composta relacionada é empregada no v. 22, falando da própria criação). O verbo é também empregado associado a criaturas finitas gemendo sob o peso desta criação em Mc 7.34 (Jesus como homem); 2Co 5.2, 4 (cristãos que possuem um corpo terreno, corruptível); Hb 13.17 (líderes eclesiásticos que podem ser tentados a gemer sob o peso da liderança da igreja); e Tg 5.9 (um alerta para os cristãos não resmungarem ou gemerem uns contra os outros). Ainda que o verbo tenha sido empregado uma vez associado ajesus, que gemeu quando estava sob as limitações desta existência humana, não parece um termo adequado para designar a atividade do Espírito Santo que não sofreria semelhante fraqueza porque jamais assumiu a natureza humana. 57. Ainda que a palavra não seja empregada em outra parte do Novo Testamento, seu sentido também se evidencia no prefixo sun ("com") que Paulo liga a uma palavra muito comum que significa "ajudar". 58. Uma concepção alternativa encontra-se na prestimosa discussão de Douglas Moo, Romans 1-8, p. 559-63, que (hesitante) compreende que os gemidos são do Espírito Santo, não nossos. 59. Pelo menos em nenhuma outra parte das Escrituras existe algo denominado "palavra da sabedoria" ou "palavra do conhecimento" nem se empregam essas expressões de alguma outra maneira. 60. Mesmo que a fé e as línguas sejam considerados não miraculosos, temos uma lista que mistura dons miraculosos e não miraculosos, e então não há motivo para que as palavras da sabedoria e do conhecimento não sejam consideradas também não miraculosas, especialmente com base no fato de que as palavras empregadas para descrevê-las em geral não denotam eventos miraculosos. 61. De fato, tudo que os cristãos pentecostais e carismáticos de hoje denominam "palavras de sabedoria" e "palavras de conhecimento" caberia exatamente na definição de profecia conforme dada por Paulo, devendo de fato ser colocado sob o guarda-chuva geral da profecia. Isso traria a vantagem específica de fazer com que o uso desse dom esteja sujeito às regras de Paulo para entendimento e regulamentação da profecia na igreja. Haveria algum perigo em continuar a prática bem comum de considerar as palavras da sabedoria e as palavras do conhecimento dons miraculosos que dependem de uma revelação especial de Deus? Um perigo imediato seria que, embora o que de fato ocorre seja chamado "profecia" por Paulo, em alguns casos está hoje recebendo outro nome, o que tende a distanciálo das normas para a profecia dadas por Paulo no Novo Testamento. E impossível predizer se isso poderia levar a um mau uso do dom em algum momento no futuro. Mas parece bem anômalo ter um dom miraculoso empregado de maneira bem ampla e que só é mencionado, mas jamais discutido ou regulamentado no Novo Testamento. 62. Veja uma discussão mais aprofundada desses dons em Wayne Grudem, "What is the Real Meaning of a 'Word of Wisdom' and a "Word of Knowledge'?" in: Ministries Today (Jan. Fev., 1993), p. 60-65. 63. Veja uma análise lingüística e gramatical extensa dessa expressão em Wayne Grudem, "A Response to Gerhard Dautzenberg on 1 Cor. 12.20", in: Biblische Zeitschrift, N. E, 22.2 (1978), p. 253-70. 64. Obviamente, nenhum dom é perfeito em nenhum cristão nesta era (ICo 13.9-10), e não devemos esperar que esse dom seja perfeito ou que os que o possuem jamais se enganem. Veja o capítulo 52, divisão A.4, sobre o fato de que os dons espirituais variam quanto ao poder. 927


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