Katherine Rundell
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Tradução Jeferson Luiz Camargo
Encontrada flutuando numa caixa de violoncelo, após um naufrágio, Sophie é adotada por Charles Maxim ainda bebê. Aos 12 anos, convencida de que sua mãe sobreviveu ao naufrágio, Sophie vai a Paris a sua procura. Fugindo das autoridades, ela encontra Matteo, um garoto que anda sobre cordas e vive nas alturas. Correndo pelos telhados de Paris, eles conseguirão encontrar a mãe da menina?
Uma bela história sobre a importância de perseguir os seus sonhos e nunca perder a esperança.
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Katherine Rundell Tradução de Jeferson Luiz Camargo
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Esta obra foi publicada originalmente em inglês com o título THE ROOFTOPPERS Faber and Faber Limited. Copyright © 2013, Katherine Rundell Copyright © 2015, EDITORA WMF MARTINS FONTES LTDA., São Paulo, para a presente edição. Todos os direitos reservados. Este livro não pode ser reproduzido, no todo ou em parte, armazenado em sistemas eletrônicos recuperáveis nem transmitido por nenhuma forma ou meio eletrônico, mecânico ou outros, sem a prévia autorização por escrito do editor. Este livro não pode ser vendido em Portugal. 1ª. edição 2016 Tradução Jeferson Luiz Camargo Acompanhamento editorial Fabiana Werneck Barcinski Revisões gráficas Maria Luiza Favret Marisa Rosa Teixeira Edição de arte Katia Harumi Terasaka Produção gráfica Geraldo Alves Paginação Moacir Katsumi Matsusaki Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Rundell, Katherine Nos telhados de Paris / Katherine Rundell ; tradução Jeferson Luiz Camargo. – São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2016. Título original: The rooftoppers. ISBN 978-85-469-0016-9 1. Ficção juvenil I. Título. 16-00047 CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura juvenil 028.5
Todos os direitos desta edição reservados à Editora WMF Martins Fontes Ltda. Rua Prof. Laerte Ramos de Carvalho, 133 01325-030 São Paulo SP Brasil Tel. (11) 3293-8150 Fax (11) 3101-1042 e-mail: info@wmfmartinsfontes.com.br http://www.wmfmartinsfontes.com.br
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Para meu irm達o, com amor
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1 Na manhã de seu primeiro aniversário, um bebê foi encontrado boiando dentro de uma caixa para violoncelo no meio do Canal da Mancha. Era a única coisa viva a quilômetros. Apenas o bebê, algumas cadeiras de sala de jantar e a ponta de um navio que ia afundando no oceano. A música tocada no salão de refeições estava tão alta e agradável que ninguém se deu conta de que a água começava a encharcar o tapete. Os violinos ainda continuaram a tocar por algum tempo depois que a gritaria começou. Às vezes, o grito agudo de algum passageiro fazia dueto com um dó maior. O bebê foi encontrado envolto por uma partitura de uma sinfonia de Beethoven, para mantê-lo aquecido. Ele tinha sido levado pela corrente por quase um quilômetro e meio, e foi o último a ser resgatado. O homem que o pegou e colocou no barco salva-vidas, um intelectual, também estava no navio. Uma das atribuições dessa gente muito sabida é
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observar bem as coisas. Ele notou que o bebê era uma garota com cabelos da cor do relâmpago e um sorriso tímido. Pensem como seria se as horas da noite tivessem voz e pudessem falar. Ou pensem como seria se a luz da Lua pudesse conversar, ou se as tintas tivessem cordas vocais. Agora juntem tudo isso num rostinho estreito e aristocrático, com sobrancelhas curvas, e o corpo com braços e pernas compridos, e já terão uma boa ideia do que as pessoas viram assim que um homem tirou o bebê da caixa para violoncelo e o levou para a segurança do barco. Esse homem chamava-se Charles Maxim e decidiu, assim que pegou a criança com suas grandes mãos – e com os braços estendidos, como pegaria um vaso de flores gotejante –, que ficaria com ela. Era quase certo que o bebê tinha um ano de idade. Era possível saber isso graças a um laço em forma de rosa que ele trazia na testa, no qual se lia “1!”. – Ou então – disse Charles Maxim – pode ser que a criança tenha um ano ou tenha vencido alguma competição. Acho muito difícil que os bebês sejam grandes participantes de algum esporte competitivo. Devemos presumir que a alternativa correta seja a primeira? – A garota agarrou a ponta de sua orelha com um polegar e indicador imundos. – Parabéns, minha querida – disse ele. Charles não apenas desejou um feliz aniversário ao bebê, mas também lhe deu um nome. Naquele primeiro dia, optou por Sophie, imaginando que provavelmente ninguém iria discordar dele.
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– Seu dia já teve uma dose mais do que suficiente de tragédia e aventura, minha criança – ele falou. – O melhor seria dar-lhe o nome mais comum possível. Você poderia chamar-se Mary, ou Betty, ou Sophie. Ou, quando muito, Mildred. A escolha é sua. Ela sorriu quando o ouviu dizer “Sophie”, então o nome que ficou foi esse. Em seguida, ele foi buscar seu casaco, agasalhou-a bem e levou-a para casa numa carruagem. Chovia um pouco, mas nenhum dos dois se incomodava com isso. Charles quase nunca se importava com o tempo. Para ele, chuva ou sol davam na mesma, e naquele dia Sophie já havia sobrevivido a uma imensidão de água. Na verdade, até aquele dia Charles nunca tinha tido um contato muito próximo com crianças. E foi o que ele disse a Sophie a caminho de casa: – Receio que entendo bem mais de livros do que de pessoas. Lidar com livros é muito fácil. A carruagem rodou por quatro horas. Durante esse tempo, Charles manteve Sophie sentada bem na ponta dos seus joelhos e contou-lhe algumas coisas sobre si mesmo, como se a tivesse conhecido enquanto tomavam chá numa reunião social. Ele tinha trinta e seis anos e um metro e oitenta de altura. Falava inglês com as pessoas, francês com os gatos e latim com os pássaros. Certa vez, escapara da morte por um triz ao tentar ler e cavalgar ao mesmo tempo. – Mas a partir de hoje vou ser mais cuidadoso – prometeu. – Afinal, agora você está aqui comigo, minha garotinha do violoncelo.
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Apesar de bonita, a casa de Charles não era segura; tinha muitas escadas e pisos de madeira escorregadios e saliências pontudas por todo lado. – Vou comprar algumas cadeiras menores. E teremos tapetes vermelhos bem felpudos! Se bem que… como é mesmo que se faz para comprar tapetes? Que pena, Sophie, mas acho que você também não sabe – ele falou. Claro que Sophie não respondeu nada. Além de muito nova para saber falar, tinha caído no sono. A menina acordou quando eles pararam numa rua com cheiro de árvores e esterco de cavalo. Sophie adorou a casa à primeira vista. Os tijolos eram pintados do branco mais reluzente de Londres e brilhavam até no escuro. O porão era usado para guardar os livros e as pinturas que não cabiam na casa, havia vários tipos de aranhas pelas paredes e o telhado pertencia aos pássaros. Charles morava no espaço entre o telhado e o porão. Em casa, depois de um banho quente, diante do fogão, Sophie parecia muito branca e frágil. Charles não sabia que um bebê era uma criatura tão terrivelmente minúscula. Ela parecia pequena demais em seus braços. Ele quase sentiu um alívio quando alguém bateu à porta. Com todo cuidado, colocou Sophie numa cadeira, sentada sobre uma peça de Shakespeare para parecer mais alta, e dirigiu-se à escada, subindo dois degraus por vez. Ao voltar, estava acompanhado por uma mulher de cabelos grisalhos e grandalhona. O exemplar de Hamlet* estava * Hamlet é uma das peças de William Shakespeare. O autor refere-se ao exemplar sobre o qual colocou Sophie sentada. (N. do T.)
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ligeiramente úmido e Sophie parecia constrangida. Charles pegou-a e colocou-a dentro da pia – não sem antes hesitar entre colocá-la sobre um suporte para guarda-chuvas que ficava num canto ou na parte de cima do fogão. Então sorriu, e suas sobrancelhas e seus olhos sorriram junto. – Por favor, não se preocupe – ele disse. – Todos nós temos nossos acidentes, Sophie. Em seguida, cumprimentou respeitosamente a mulher, inclinando a cabeça para a frente. – Permita-me apresentá-las. Sophie, esta é a srta. Eliot, da Agência de Proteção às Crianças. Srta. Eliot, esta é Sophie, que veio do mar. A mulher suspirou – parecia mais um tipo oficial de suspiro, uma vez que Sophie estava dentro de uma pia –, franziu as sobrancelhas e pegou algumas roupas limpas de dentro de um pacote. – Passe-me a criança, por favor. Charles pegou as roupas das mãos dela. – Tirei esta criança do oceano, madame. – Sophie observava, de olhos bem abertos. – Ela não tem ninguém neste mundo para cuidar dela. Se isso me agrada ou não, tanto faz, mas o fato é que agora ela é de minha responsabilidade. – Não para sempre. – O que foi que disse? – A criança está sob sua guarda. Ela não é sua filha. – Esse era o tipo de mulher que enfatiza com afetação cada palavra que diz. A gente poderia apostar que o passatempo favorito dela era organizar as pessoas. – Isso não passa de uma situação transitória.
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– Lamento discordar – disse Charles. – Mas poderemos discutir isso mais tarde. A criança está com frio. Ele passou um casaco para Sophie, que o pegou e começou a sugá-lo, como fazem muitas crianças. Charles pegou o casaco de volta e o vestiu nela do jeito certo. Depois, pegou-a nos braços como se estivesse avaliando seu peso numa feira e olhou-a bem de perto. – Está vendo? Ela parece ser um bebê muito inteligente. – Notou que os dedos de Sophie eram longos, finos e ágeis. – E ela tem cabelos da cor do relâmpago. Como não se apaixonar por uma criança assim? – Terei de voltar outras vezes para ver como ela está, e realmente não tenho tempo a perder. Um homem não consegue fazer esse tipo de coisa sozinho. – Por favor, volte sim – disse Charles, acrescentando uma frase que não conseguiu evitar: – se achar mesmo que não consegue ficar bem longe daqui. Vou me esforçar ao máximo para ser grato. Mas esta criança está sob minha responsabilidade. Entendeu? – Mas ela é uma criança! E você é um homem! – Sua capacidade de observação é fantástica – disse Charles. – A sra. é uma prova viva da excelência do seu oftalmologista. – Mas o que é que o senhor pretende fazer com ela? Charles pareceu confuso. – Vou dar amor a ela. Isso deve ser suficiente, caso toda a poesia que já li possa me servir de guia. Charles deu a Sophie uma maçã bem vermelha. Em seguida, pegou-a de volta, esfregou-a na manga da camisa até
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conseguir ver seu rosto refletido nela e disse: – Estou convencido de que os segredos para cuidar de uma criança, por mais complicados e misteriosos que possam ser, e parece que são mesmo, ainda assim não chegam a ser impenetráveis. Charles sentou a garota sobre seus joelhos, deu-lhe a maçã e começou a ler Sonho de uma noite de verão* em voz alta. Talvez não fosse a maneira ideal de começar uma nova vida, mas percebia-se ali algum potencial.
* A Midsummer Night’s Dream, de Shakespeare. (N. do T.)
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2 Nos escritórios da Agência de Proteção à Criança em Westminster, havia uma estante e, nela, um arquivo vermelho com os dizeres: “Guardiões: Avaliação do Caráter”. Nesse arquivo havia um arquivo azul, menor, com o título: “Maxim, Charles”. Nele estava escrito: “C. P. Maxim aprecia muito a leitura e os estudos, como se poderia esperar de um erudito. Ao que parece, também é generoso, desajeitado e laborioso. É extraordinariamente alto, mas os laudos médicos sugerem que, ainda assim, desfruta de boa saúde. É intransigente em sua certeza de que consegue cuidar muito bem de uma garota.” Talvez essas coisas sejam contagiantes, pois Sophie também se tornou alta e generosa, desajeitada e uma grande leitora. Quando fez sete anos, tinha pernas tão compridas e finas como guarda-chuvas de golfe e uma coleção de certezas inabaláveis. Para seu aniversário de sete anos, Charles fez um bolo de chocolate. Não foi um sucesso absoluto porque desandou e
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inclinou para um lado durante o cozimento, mas Sophie declarou, com grande lealdade, que aquele era seu bolo favorito e também explicou o porquê dessa preferência. – Os buracos deixam espaço para mais cobertura, e gosto de bolos com “excezo” de cobertura. – Muito me alegra ouvir isso – disse Charles, corrigindo delicadamente o modo como Sophie havia pronunciado a palavra excesso. – Espero que seu sétimo aniversário seja feliz, minha querida. Sophie vivia quebrando pratos, por isso eles estavam comendo bolo sobre a primeira capa de um exemplar de Sonhos de uma noite de verão. Charles limpou-a com a manga da camisa e abriu o livro na metade. – Gostaria de ler algumas falas de Titânia para mim? Sophie fez cara de quem não gostou muito e disse: – Prefiro Puck*. – Tentou ler alguns versos, mas a leitura não avançava. Quando percebeu que Charles olhava para o outro lado, deixou o livro cair no chão e plantou bananeira com as mãos apoiadas sobre ele. Charles deu boas risadas. Enquanto aplaudia batendo com as mãos na mesa, gritou “Bravo!” várias vezes e disse: – Você parece feita da mesma matéria dos duendes. Sophie deixou-se cair sobre a mesa da cozinha, levantou-se e tentou novamente, usando a porta como suporte para lançar as pernas para cima. * Titânia e Puck são personagens do livro citado. Ela é a rainha das fadas, e ele, um duende que provoca confusões ao longo da peça. (N. do T.)
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– Maravilhoso! Você está melhorando, está quase perfeita. – Como assim, só “quase”? – Sophie balançou o corpo e olhou para ele de soslaio, como se o estivesse medindo de cima a baixo. Seus olhos começavam a arder, mas ela ficou onde estava. – Minhas pernas não estão retas? – Quase. Seu joelho esquerdo parece meio inseguro. Seja como for, nenhum ser humano é perfeito. Isto é, ninguém além de Shakespeare.
Mais tarde, já deitada, Sophie ficou pensando naquilo. Charles havia dito que “nenhum ser humano é perfeito”, mas estava errado. Charles era perfeito. Seus cabelos eram da cor do corrimão e havia algo de mágico em seus olhos. Herdara de seu pai a casa e todas as suas roupas, que no passado eram ternos de seda pura de Savile Row*, hoje cinquenta por cento de seda e cinquenta por cento de buracos. Charles não tinha instrumentos musicais, mas cantava para Sophie. Quando ela não estava por perto, cantava para os pássaros e para as cochonilhas que de vez em quando invadiam a cozinha. Sua voz tinha uma afinação perfeita. Parecia flutuar pela casa enquanto variava de altura e intensidade, passando de um tom para outro. Às vezes, a sensação do navio afundando perturbava Sophie no meio da noite, e então lhe ocorria que precisava deses* Rua de Londres onde os alfaiates vestem os homens mais ricos e importantes do mundo. (N. do T.)
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peradamente subir em coisas. Subir em algo era a única coisa que a fazia se sentir segura. Charles permitia que ela dormisse em cima do guarda-roupa. Por via das dúvidas, ele pegava um colchão e arrumava sua cama no chão logo abaixo. Sophie não entendia totalmente Charles. Ele comia pouco, raramente dormia e sorria bem menos que a maioria das pessoas. Mas tinha uma delicadeza que o tornava o oposto das pessoas que vivem aos gritos, e nunca era grosseiro ou vulgar. Se estivesse lendo e andando ao mesmo tempo e desse de cara com um poste de luz, pedia desculpas e certificava-se de não ter causado nenhum dano ao poste. Uma vez por semana, de manhã, a srta. Eliot aparecia para “resolver quaisquer problemas”. (Sophie tinha vontade de perguntar “Que problemas?”, mas logo aprendeu a ficar quieta.) A srta. Eliot examinava a casa, cuja pintura estava descascando nos cantos, olhava para as teias de aranha na despensa vazia e depois balançava a cabeça em sinal de desaprovação. – O que é que você come? A bem da verdade, a comida era mais interessante na casa deles do que na dos amigos de Sophie. Acontecia de Charles esquecer de comprar carne por meses a fio. Os pratos limpos pareciam quebradiços sempre que Sophie se aproximava deles, e então ele servia batata assada sobre o atlas mundial aberto nas páginas com o mapa da Hungria. Se fosse só por ele, Charles passaria muito bem apenas com biscoitos e chá, e uísque na hora de ir para a cama. Quando Sophie aprendeu
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