MICHAEL BOND
PADDINGTON NA FRANÇA
Ilustrações PEGGY FORTNUM Tradução RAFAEL MANTOVANI
SÃO PAULO 2018
SUMÁRIO
1. Paddington se prepara...............................................
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2. Uma visita ao banco...................................................
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3. Problemas no aeroporto ...........................................
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4. Paddington salva o dia ..............................................
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5. Paddington e o pardon..............................................
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6. Um dia de pesca..........................................................
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7. Paddington põe o pé na estrada.............................. 114
1 PADDINGTON SE PREPARA
P
addington estava no quarto no meio de uma grande bagunça. Como ele é o tipo de urso que entra em confusões com frequência, não parecia incomodado – mas, assim que se levantou e olhou à sua volta, até ele precisou admitir que estava pior do que de costume. Havia mapas e papéis por toda parte. Sem falar nas manchas de geleia de laranja e uma longa trilha de pegadas, que começava em um mapa aberto sobre o edredom em sua cama. Era um grande mapa de Londres, e no centro, ao lado da primeira marca de pegada, havia um círculo assinalando a posição da casa da família Brown nos Jardins de Windsor, número 32. 7
A trilha partia da casa dos Brown e cruzava o mapa em direção ao sul, descendo pela beirada da cama e continuando em outro mapa que estava aberto no chão. Dali, ela seguia adiante, ainda para o sul, até chegar ao Canal da Mancha, e um terceiro mapa perto da janela mostrava o litoral norte da França. Nesse ponto, a trilha terminava em uma maçaroca úmida, formada de velhas migalhas de bolo, um pequeno monte de geleia e um borrão de tinta vermelha. Paddington deu um suspiro profundo enquanto, distraído, mergulhava a pata naquela mistura. Tentou ficar ajoelhado no chão e examinar o quarto com os olhos meio fechados, mas isso fazia tudo parecer ainda pior, pois, olhando assim tão de baixo, ele só enxergava os contornos da bagunça. Quando ele estava prestes a deitar para refletir sobre o assunto, foi subitamente despertado pelo som de pratos batendo e passos na escada. Levantando-se, num pulo, com uma expressão culpada no rosto, Paddington rapidamente começou a varrer tudo para debaixo da cama. Embora tivesse ótimas explicações para a bagunça que fizera, sentia que nem a sra. Brown nem a sra. Bird ficariam muito contentes de ouvi-las, principalmente na hora do café da manhã, quando todos costumavam estar muito apressados. – Está acordado, Paddington? – perguntou a sra. Brown, batendo na porta. 8
– Não… ainda não, senhora Brown! – gritou Paddington numa voz abafada, tentando empurrar seu pote de geleia para debaixo do guarda-roupa. – Meus olhos não conseguem abrir. Por ser um urso que sempre falava a verdade, Paddington fechou os olhos e roncou várias vezes enquanto guardava o resto de seus pertences. Apalpou o chão para encontrar a caneta e a tinta e as colocou depressa dentro do velho chapéu, e então, recolhendo o último dos mapas, atravessou o quarto tateando no escuro. – O que está acontecendo aqui, Paddington?! – exclamou a sra. Brown, quando a porta de repente se abriu e o urso apareceu. Paddington quase caiu para trás de surpresa quando viu a sra. Brown parada diante dele com a bandeja do café da manhã. – Achei que a senhora fosse um armário, senhora Brown! – ele exclamou, escondendo atrás de si um punhado de mapas e recuando na direção da cama. – Devo ter ido para o lado errado por engano. – Parece que sim – disse a sra. Brown, entrando no quarto atrás dele. – Nunca ouvi tanto estardalhaço. A sra. Brown olhou para todo o quarto, desconfiada, mas tudo parecia estar no lugar; por isso, ela voltou a atenção para Paddington, que agora estava sentado na cama com uma cara muito estranha. 9
– Tem certeza de que está tudo bem? – ela perguntou num tom aflito enquanto colocava a bandeja diante dele. Por um momento tenso, a sra. Brown pensou ter visto um líquido vermelho escorrendo pela orelha esquerda de Paddington, mas, antes que ela pudesse examinar melhor, ele já tinha enterrado ainda mais seu velho chapéu na cabeça. Mesmo assim, ela não estava gostando nem um pouco daquilo, e ficou hesitando na soleira da porta para o caso de haver algo errado. Paddington, por sua vez, estava torcendo para a sra. Brown ir embora logo. Na pressa de limpar a bagunça, ele tinha esquecido de tampar o frasco de tinta, e o topo da cabeça dele estava começando a ficar bem molhado. A sra. Brown deu um suspiro enquanto fechava a porta. Sabia, por experiência, que era inútil tentar arrancar uma explicação de Paddington quando ele estava num desses humores difíceis. – Se quer saber minha opinião – disse a sra. Bird, quando a sra. Brown a encontrou na cozinha e contou sobre o comportamento estranho de Paddington –, esse jovem urso não é o único nesta casa que está agindo de um jeito esquisito. É tudo por causa daquilo que você sabe! Com isso a sra. Brown precisava concordar. As coisas estavam meio de pernas para o ar na casa da família Brown desde a noite anterior. 10
Tudo começara quando o sr. Brown chegou em casa trazendo uma grande pilha de mapas e panfletos coloridos e anunciou que ia levar toda a família para passar as férias de verão na França. Em questão de segundos, a paz e o silêncio habituais na casa do número 32 dos Jardins de Windsor haviam desaparecido completamente, para nunca mais voltar. As férias foram o único assunto de conversa desde a hora do jantar até o fim da noite. Velhas bolas de praia e maiôs de banho foram procurados em armários esquecidos, planos foram discutidos, e a sra. Bird já tinha começado a lavar e passar uma pequena montanha de roupas em preparação para o grande dia. Paddington, especialmente, ficara mais animado com a notícia do que todos os outros. Desde que o urso se tornara membro da família Brown, eles o haviam levado em vários passeios que Paddington tinha adorado infinitamente, mas ele nunca fizera uma verdadeira viagem de férias, e estava muito ansioso. Para aumentar ainda mais sua empolgação, o sr. Brown, num momento de generosidade, o deixara encarregado de todos os mapas e de uma coisa chamada “itinerário”. No começo, Paddington não tinha muita certeza se devia se encarregar de uma coisa com um nome tão importante quanto “itinerário”, mas, depois que Judy lhe explicou que era apenas uma lista de todos os lugares que eles iriam 11
visitar e das coisas que iriam fazer, ele mudou rapidamente de ideia. Paddington gostava muito de listas, e uma lista de coisas para fazer parecia algo interessantíssimo. – Sinceramente – disse a sra. Bird num tom pessimista, enquanto discutia a questão com a sra. Brown sem parar de lavar roupa –, se esse jovem urso vai ficar encarregado dos mapas, vamos demorar duas semanas para chegar. Isso é pedir para arranjar problema. Sabe-se lá onde nós vamos parar. A sra. Brown deu outro suspiro. – Bom, enfim – ela disse, voltando sua atenção para outras coisas –, pelo menos isso deixa o Paddington feliz. Você sabe como ele adora escrever coisas. – Hum! – murmurou a sra. Bird. – Aposto que ele vai escrever até nos lençóis. Quero só ver esses itinerários! Ela bufou e lançou um olhar angustiado para o teto, na direção do quarto de Paddington no andar de cima. A sra. Bird sabia, por experiência própria e por já ter lavado tantos lençóis, que o melhor era não deixar Paddington chegar nem perto de um frasco de tinta. Mas, na verdade, naquele momento ela nem precisava ter se preocupado, pois Paddington tinha justamente parado de escrever. Estava sentado na cama, estudando atentamente uma grande folha de papel de desenho que segurava com as duas patas. 12
No topo do papel, em grandes letras maiúsculas vermelhas, estava o título: ETIRENÁRIO DO PADINGTUN Seguido de uma marca especial da sua pata, para mostrar que o documento era legítimo. Paddington não sabia muito bem como se escrevia “itinerário” e, mesmo depois de ter lido, uma por uma, todas as palavras com “E” do dicionário do sr. Brown na noite anterior, não conseguira encontrar aquilo em lugar nenhum. No fim das contas, Paddington não ficou surpreso. Não confiava muito em dicionários, e várias vezes descobria que, quando queria procurar uma palavra especialmente difícil, era impossível achá-la. O primeiro item da lista era: 7 oras – Grande Café Da Manham e então vinha 8 oras – Sair De Casa (Jardins De Windsor 32) 9 oras – Lanxe 11 oras – Chocolate Das Onze Paddington releu a lista inteira várias vezes e então, após acrescentar as palavras 12 oras – chegar no Avião – 13
Almosso, dobrou o papel e o guardou no compartimento secreto da sua maleta. Planejar uma viagem de férias – principalmente para o exterior – era muito mais complicado do que ele imaginara, e ele decidiu que a melhor coisa a fazer era consultar seu amigo, o sr. Gruber, sobre aquele assunto. Alguns minutos depois, após lavar-se depressa, ele correu para baixo, pegou a lista de compras com a sra. Bird, e o carrinho de compras, e desapareceu pela porta da casa com um brilho resoluto nos olhos. Parando apenas rapidamente na padaria, onde todos os dias comprava pãezinhos recém-saídos do forno, Paddington logo virou a esquina na Portobello Road e avançou em direção à loja do sr. Gruber, com aquelas vitrines que ele tão bem conhecia, completamente abarrotadas de antiguidades de todos os formatos e tamanhos. O sr. Gruber também era um grande apreciador de chocolate quente e pãezinhos, e muitas vezes eles tinham longas conversas ao tomar o chocolate das onze. Ele viajara bastante quando era mais jovem, e Paddington tinha certeza de que o sr. Gruber saberia tudo o que havia para saber sobre uma viagem de férias para o exterior. Ao ouvir a notícia, o sr. Gruber ficou tão entusiasmado quanto Paddington e foi logo levando-o até o sofá de crina de cavalo, no fundo da loja, que ele reservava para as discussões importantes. 14
– Que bela surpresa, senhor Brown – ele disse, voltando-se para cuidar de uma panela de leite no fogão. – Imagino que não há muitos ursos que tenham a oportunidade de tirar férias no exterior, por isso você deve aproveitar ao máximo. Se houver alguma coisa que eu possa fazer para ajudar, é só me dizer. O sr. Gruber ouviu cuidadosamente todas as explicações de Paddington enquanto preparava o chocolate, e seu rosto assumiu uma expressão séria. – Devo dizer que ficar encarregado de um itinerário parece uma responsabilidade bastante pesada para um 15
jovem urso, senhor Brown! – ele exclamou, entregando a Paddington uma caneca de chocolate fumegante e pegando um pãozinho. – Vejamos o que eu posso fazer. E, sem mais demora, ele se agachou no chão e começou a fuçar em uma pilha de livros velhos dentro de uma caixa atrás do sofá. – Pelo jeito, todo mundo está tirando férias no exterior hoje em dia, senhor Brown – ele disse, começando a entregar alguns dos livros para Paddington. – Vendi um monte de livros sobre a França, mas espero que estes sejam úteis para você. Paddington foi arregalando os olhos conforme a pilha ao seu lado ficava mais alta, e quase caiu do sofá de tanta surpresa quando o sr. Gruber de repente se levantou com uma velha boina preta nas mãos. – É meio grande – disse o sr. Gruber em tom de desculpas, segurando a boina sob a luz – e parece que tem um ou dois buracos de traça. Mas é uma legítima boina francesa, e você pode usá-la à vontade. – Muito obrigado, senhor Gruber – agradeceu Paddington. – Imagino que os buracos de traça vão servir para minhas orelhas. Orelhas de urso não dobram facilmente. – Bom, espero que você ache tudo isto útil – disse o sr. Gruber, parecendo contente ao ver a expressão no rosto de Paddington. – Você vai precisar de muitos livros se quer planejar um itinerário, e não custa garantir. 16
Nunca se sabe o que pode acontecer quando se está no exterior, senhor Brown. O sr. Gruber então explicou algumas das coisas que Paddington veria quando estivesse viajando, e eles ficaram ali por mais alguns instantes, até o urso limpar as últimas manchas de chocolate do bigode e levantar-se para ir embora. O tempo passava muito depressa quando ele estava com o sr. Gruber, que sempre fazia as coisas parecerem bem mais interessantes do que as outras pessoas. – Imagino que você terá muito o que escrever no seu álbum de recortes, senhor Brown – disse o sr. Gruber enquanto ajudava Paddington a carregar as coisas no carrinho de compras. – Estou ansioso para ler tudo a respeito. Paddington foi ficando cada vez mais empolgado enquanto se despedia com um aceno e ia se arrastando pela Portobello Road com o peso de todos os seus pertences. O carrinho de compras estava tão pesado que era difícil guiá-lo, e várias vezes ele quase bateu nos carrinhos dos vendedores ambulantes que havia ao longo da rua. Além de ter tantas coisas na cabeça, ele não sabia em qual delas pensar primeiro. Estava especialmente ansioso para experimentar sua boina nova, e alguns dos livros do sr. Gruber pareciam muito interessantes. No fim, ele decidiu sentar para descansar e investigar ambas as coisas. Ele colocou seu velho chapéu no chão, ajustou cuidadosamente a boina e, então, começou a tirar, um por um, os livros do carrinho de compras. 17
Primeiro havia um dicionário. Depois, um livro de culinária francesa – cheio de receitas e fotos coloridas de comida que lhe deram água na boca. Então veio um livro repleto de mapas e instruções sobre coisas para ver e fazer e, em seguida, vários outros cheios de figuras. Por último, Paddington chegou a um livro que parecia muito importante, encadernado em couro, com as palavras “Frases úteis para o viajante na França” escritas em letras douradas na capa. Antes de tirar o livro do carrinho, Paddington atravessou a rua correndo e lavou as patas num bebedouro para cavalos que havia ali perto. O sr. Gruber tinha explicado que o livro era muito velho e pedido que ele tomasse um cuidado especial com aquele. Quando voltou, Paddington sentou-se de novo e começou a examinar o livro. Era bem estranho, e ele não se lembrava de ter visto um livro parecido antes. Logo depois da capa, havia um desenho mostrando uma espécie de carro muito antigo puxado por quatro cavalos brancos, e o livro estava cheio de frases ensinando como pedir coisas em francês, com figuras explicando tudo. Ele logo ficou tão absorto no livro que quase esqueceu onde estava. Havia uma frase especialmente interessante numa seção chamada “Viagem”, que chamou sua atenção já de início. Dizia: “Minha avó caiu da carruagem e precisa de cuidados.” 18
Paddington tinha certeza de que a frase seria muito útil caso a sra. Bird caísse do carro do sr. Brown enquanto eles estivessem na estrada, e testou-a várias vezes, agitando as patas no ar como o homem na figura parecia fazer. Para sua surpresa, quando olhou para cima, Paddington descobriu que estava cercado por uma pequena multidão de pessoas que o observavam com interesse. – Se vocês querem saber – disse um homem apoiado numa bicicleta, estudando Paddington atentamente –, deve ser um desses ursos vendedores de cebola. Eles vêm todo ano lá da Bretanha – ele acrescentou em tom de sabedoria, virando-se para a multidão. – Carregam umas cebolas num pedaço de barbante*. Vocês já devem ter visto. É por isso que estava tagarelando em francês. – De jeito maneira – falou outro homem. – Isso não é francês. Ele estava tendo uma espécie de treco. Agitando as patas por causa de alguma coisa medonha. Além disso – ele acrescentou, triunfante –, se ele é um urso vendedor de cebolas, cadê as cebolas? – Quem sabe ele as perdeu – disse outra pessoa. – É por isso que está chateado. O barbante dele deve ter se rompido, aposto. * Entre os britânicos, há um antigo estereótipo de que todos os franceses usam boinas e carregam cebolas amarradas em barbantes devido aos vendedores de cebola que costumavam trabalhar como ambulantes na Inglaterra. A Bretanha é uma região da França e não deve ser confundida com a Grã-Bretanha. (N. do T.)
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– É mesmo um motivo para ter um treco – disse uma mulher. – Viajar até aqui e então perder as cebolas. – Foi isso que eu falei! – exclamou o primeiro homem. – Imaginei que ele estava tendo um treco em francês. São os piores de todos. Muito afobados, esses estrangeiros. – Melhor não encostar nele, meu bem – disse outra mulher, virando-se para o filho pequeno que estava de olho na boina de Paddington. – Você não sabe onde ele esteve. Os olhos de Paddington se arregalavam cada vez mais conforme ele ouvia a multidão, e ele pareceu ficar muito ofendido com o último comentário.
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– Um urso vendedor de cebolas! – ele exclamou, por fim. – Não sou um urso vendedor de cebolas. Sou um urso viajante para o exterior, e acabei de me encontrar com o senhor Gruber! Dizendo isso, ele recolheu suas coisas e foi seguindo depressa pela rua, deixando atrás de si um burburinho de conversas. Ao dobrar a esquina nos Jardins de Windsor, Paddington olhou feio várias vezes para a multidão por cima do ombro, mas, chegando perto da tão conhecida porta verde da casa número 32, uma expressão pensativa tomou o seu rosto. Ali, parado no degrau da entrada, ouvindo os passos da sra. Bird que vinha pelo corredor, Paddington concluiu que talvez tivesse sido uma ótima manhã de trabalho, afinal. Pensando melhor, ele se sentiu bem contente por ter sido confundido com um urso francês – mesmo que fosse só um urso vendedor de cebolas. Na verdade, quanto mais ele refletia sobre o assunto, mais contente ficava, e tinha certeza de que, com a ajuda de todos os mapas, panfletos e livros do sr. Gruber, conseguiria planejar uma excelente lista de coisas para fazer nas férias da família Brown.
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