BAHIA ACOLHE | 1
QuALIfICAnDO OS SERvIçOS SOCIOASSISTEnCIAIS PARA POPuLAçãO EM SITuAçãO DE RuA PRODuçãO SECRETARIA DE DESEnvOLvIMEnTO SOCIAL E COMBATE À PROBEzA - SEDES EM PARCERIA COM O InSTITuTO DE SAÚDE InTEGRAL - ISI-BA
Governador Jaques Wagner Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza – SEDES Moema Gramacho Superintendência de Assistência Social – SAS Ângela Maria Gonçalves Coordenação do Programa Bahia Acolhe Adauto Leite Oliveira Instituto de Saúde Integral Jurandyr Ramos – Presidente Claudia Pedrosa – Coord. Geral: convênio 277/12 Evanice Tomaz – Coord. Técnica: convênio 277/12 Textos e Organização Adauto Leite Ana Paula Rezende Andréia franco Evanice Tomaz Milena Lima Regina do Couto Revisão Técnica Cláudia Magalhães Planejamento Gráfico Emanuelle Silva Diagramação e Finalização Wesley Miranda
PROJETO DE fORMAçãO / ASSESSORIA: QuALIfICAnDO OS SERvIçOS SOCIOASSISTEnCIAIS
SECRETARIA DE DESEnvOLvIMEnTO SOCIAL E COMBATE À POPREzA – SEDES PROGRAMA BAHIA ACOLHE
InSTITuTO DE SAÚDE InTEGRAL - ISI-BA
CARTA AO LEITOR Caros (as) companheiros (as),
D
esde o Governo Lula, o Brasil vem passando por diversas transformações de cunho social, melhorando as condições de vida das populações mais vulneráveis do nosso país. Esses avanços só são possíveis, graças a uma nova forma de go-
vernar, que tem colocado em foco aqueles que sempre foram esquecidos na construção das políticas públicas durante décadas: o negro, o idoso, a pessoa com deficiência, a mulher, o grupo LGBT e tantos outros segmentos que passaram a figurar com mais respeito nas discussões de todas as esferas da gestão e da política públicas.
Infelizmente, nem sempre as respostas chegam aos que precisam na mesma velocidade das suas necessidades. Por isso, apesar desses avanços, ainda há um esforço muito grande a ser feito pelos governos locais, para alcançar a meta do Governo Federal de acabar definitivamente com a miséria no nosso país. Trabalhos conjuntos, parcerias e desenvolvimento de tecnologias sociais são perseguidos incansavelmente para cumprir este objetivo.
Quando se trata de acabar com a miséria, é preciso dar atenção especial a um grupo que se constitui no mais vulnerável de todos, pois todas as dificuldades são agravadas pela sua situação de elevado grau de abandono, risco pessoal e social: a população de rua. Posta como público prioritário na agenda do Ex-Presidente Lula, conquistou uma série de mecanismos legais para lhe assegurar proteção social. A Presidenta Dilma vem trabalhando para consolidar estes direitos sociais garantidos na Política Nacional para População de Rua, inclusive incluindo-a também na sua agenda como público prioritário. Por identificação, o Governo do Estado da Bahia, através de sua Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza – SEDES, também não poderia se furtar a contribuir neste
processo de apoio a um projeto de governo que põe no centro os que mais precisam. Neste sentido é que a parceria entre a SEDES e o Instituto de Saúde Integral – ISI-Ba, através de convênio firmado no âmbito do Programa Bahia Acolhe – primeiro do gênero em todo território nacional de atenção à população de rua –, constitui-se em uma importante estratégia para a formação desses profissionais. O Governo do Estado da Bahia cumpre, assim, com uma das orientações da Política Nacional de Assistência Social, no que tange ao engajamento conjunto para consolidar a garantia das funções protetivas do Estado que devem assegurar a superação das violações de direitos, contribuindo para a construção de uma vida mais digna para todos os cidadãos.
Nas palavras da Coordenadora Nacional do Movimento de População de Rua, Maria Lucia Santos Pereira:
“É com grata alegria que compartilho o que o Programa Bahia Acolhe significa para a População em Situação de Rua. Durante muito tempo esperávamos algo de concreto, que nos possibilitasse ações específicas por parte de um governo comprometido com o Social. Um governo que pudesse nos enxergar como cidadãos e fizesse sair do papel e de uma simples oratória de campanha eleitoral ações concretas para a melhoria das nossas vidas. O ano de 2011 foi de intensas discursões e elaborações dando corpo a um Programa que realmente pudesse fazer diferença, entramos em 2012 e começou uma espera ansiosa de que o sonho e que horas de trabalho se transformasse em realidade. 2013 chega e com ele a implantação de serviços que nos possibilitaram respirar um pouco mais aliviados.
Faço essa memória para que possamos compreender de que esse Programa foi amplamente discutido, elaborado, pensado e executado numa participação ativa de vários atores e que não foi construído de uma noite para um dia. Mais apesar desse comprometimento onde o Movimento da População de Rua, Fórum, Conse-
lho de Psicologia e Governo do Estado numa histórica união , onde as diferenças foram colocadas de lado e nos unimos para um bem maior, o processo foi lento para quem a tanto tempo esperava.
O Programa Bahia Acolhe é pioneiro no Brasil e já desperta curiosidade em outros estados, principalmente entre a própria população de rua, estamos com a respiração suspensa torcendo para que ele seja realmente a resposta que precisamos, que o Programa se fortaleça e se amplie, mais para que isso aconteça mais uma vez precisamos nos unir, pois o fortalecimento desse Programa significa VIDA literalmente VIDA a quem até isso foi negado por outros governos”.
O Instituto de Saúde Integral é uma entidade qualificada como Organização Social, com experiência comprovada em diversos segmentos, desenvolveu o seu projeto de formação e assessoria a partir de uma pesquisa cuidadosa da situação de rua no Estado da Bahia, estruturando o seu trabalho com base em estudos já realizados do fenômeno da população de rua, mas também em parceria com o Movimento Nacional de População de Rua que vem contribuindo para dar o tom da formação a qual a entidade foi selecionada para prestar aos agentes sociais quer atuam diretamente com esta demanda específica.
As maiores dificuldades encontradas para o devido enfrentamento da situação de rua se concentram, em grande parte, no desconhecimento daqueles que atuam na ponta com este público, quer seja do próprio fenômeno social da população de rua, quer seja dos meios de intervenção mais adequados, considerando as especificidades que envolvem o trabalho. Por esta constatação que se construiu este material que chega agora em suas mãos, o qual oferece suportes teóricos e técnicos, fundamentados em experiências concretas, para facilitar o seu trabalho no dia-a-dia em contato com a população de rua. Além do módulo de formação básica presencial, incluiu-se o encarte do formador, dando dicas de como trabalhar e organizar os seus conteúdos, proporcionando ao profissional
um norte metodológico seguro para socialização dos conhecimentos aqui desenvolvidos.
Nós, do Governo do Estado da Bahia e do Instituto de Saúde Integral, desejamos que você obtenha o melhor proveito das reflexões propostas neste material e seja mais um(a) companheiro(a) que se junta a este novo modo de gerir com foco na superação da miséria, promovendo um atendimento qualificado e humanizado às pessoas que se encontram na situação de rua e precisam de respostas assertivas e urgentes.
Bom trabalho!
Moema Gramacho
Jurandyr Ramos
Secretária – SEDES
Presidente – ISI-Ba
RESUMO DESCRITIVO Módulo geral de formação básica, com previsão de trabalho em 20 horas organizadas em 03 cadernos, dirigidas a agentes, funcionários, gestores e representantes de órgãos públicos e instituições privadas, vinculados à assistência social e a outras políticas setoriais pertinentes.
Esta publicação é resultado do Convênio 277/2012 firmado entre a Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza do Estado da Bahia e o Instituto de Saúde Integral – ISIBA.
CADERNOS QUE COMPÕEM O MÓDULO 1. Contextualização 2. Marco Regulatório, Tipificação e Implantação dos Serviços Socioassistenciais 3. Sistematização do Atendimento 4. Encarte do formador
LISTA DE SIGLAS AS – Assistência/Assistente Social BPC – Benefício de Prestação Continuada Centro Pop – Centro de Ref. Especializado de Assist. Social para População de Rua CF – Constituição Federal CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente ISI-BA – Instituto de Saúde Integral da Bahia LA – Liberdade Assistida LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social MDS – Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome NOB – Norma Operacional Básica PAEFI – Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos PAIF – Proteção e Atendimento Integral à Família PNAS – Política Nacional de Assistência Social Pop Rua – População em situação de rua PSC – Prestação de Serviços à Comunidade RH – Recursos Humanos SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SEDES – Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza SUAS – Sistema Único da Assistência Social
Quando um rio corta, corta-se de vez o discurso-rio de água que ele fazia; cortado, a água se quebra em pedaços, em poços de água, em água paralítica. Em situação de poço, a água equivale a uma palavra em situação dicionária: isolada, estanque no poço dela mesma, e porque assim estancada, muda, e muda porque com nenhuma comunica, porque cortou-se a sintaxe desse rio, o fio de água por que ele discorria. O curso de um rio, seu discurso-rio, chega raramente a se reatar de vez; um rio precisa de muito fio de água para refazer o fio antigo que o fez. Salvo a grandiloquência de uma cheia lhe impondo interina outra linguagem, um rio precisa de muita água em fios para que todos os poços se enfrasem: se reatando, de um para outro poço, em frases curtas, então frase e frase, até a sentença-rio do discurso único em que se tem voz a seca ele combate.
João Cabral de Melo Neto, Rios sem discurso.
SUMÁRIO A presentação
17
S obre
o conteúdo
19
S obre
as oficinas
20
CADERNO 1 C ontextualização D ados
23
históricos : fenomenologia e caracterização da população em situação de rua
25
I ntrodução
25
R econhecendo
28
do fenômeno e da população em situação de rua
29
os usuários
C aracterização C ondições
histórico - estruturais de origem e reprodução do fenômeno população em situação de
rua nas sociedades capitalistas
C aracterização F atores Q uem Um
30
36
49
do fenômeno população em situação de rua
que levam os indivíduos à situação de rua
58
62
é a população em situação de rua no
detalhe : a mulher na situação de rua
B rasil
de hoje ?
CADERNO 2 Marco R egulatório, Tipificação
e I mplantação dos
S erviços S ocioassistenciais
67
M arco R egulatório
69
A
69
base legal brasileira
Tipificação
S erviços S ocioassistenciais
72
I ntrodução
72
M atriz
74
dos
padronizada
Quadro S íntese I mplantação
dos
S erviços S ocioassistenciais
76 77
CREAS/CENTRO POP
82
SERVIÇO DE ABORDAGEM SOCIAL
86
A bordagem S ocial:
aspectos metodológicos
86
I ntrodução
86
P ara
88
89
90
início de conversa
E spaços
para abordagem
M aterial
para registro dos atendimentos e meios de verificação
V estuário
A proximação I niciando
o diálogo
E ncaminhamentos I ntersetorialidade: Do E ntendendo A colhendo
91
porquê : alcances e limitações das políticas setoriais
a intersetorialidade
93 95
97 98
101
102
A tendimento
109
os usuários
CADERNO 3 S istematização P or
do
que o sistema ?
S istema
111
113
C onclusão
129
R eferências B ibliográficas
130
de senhas e níveis de acesso
e
Material
para
C onsulta
CADERNO 4 Encarte
do formador
133
APRESEnTAçãO A Política Nacional para a População em Situação de Rua, instituída pelo Decreto nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009 define, em seu art. 1º, parágrafo único, a população em situação de rua como:
[...] grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.
O Governo do Estado da Bahia, com o objetivo de promover ações integradas voltadas para a garantia dos direitos socioassistenciais desta população e sua inclusão em rede de proteção social, instituiu o Programa Bahia Acolhe, pelo Decreto Estadual 13.975 de 21 de março de 2012.
Distante do modelo de atendimento socioassistencial do passado, a Assistência Social no Brasil, hoje, configura-se como uma política de Seguridade Social, um direito fundamental, onde o Estado Brasileiro em parceria com a sociedade civil e dentro de um processo de construção democrática, assumem as responsabilidades de planejar, estruturar e consolidar políticas públicas melhores e mais capazes de atender às demandas sociais dos brasileiros.
Previsto como mecanismo de modernização do Estado no sentido da democratização, o modelo de Seguridade Social da Constituição de 1988 provocou mudanças importantes na política social brasileira, com a integração de políticas e ações para o atendimento das necessidades sociais, a criação de mecanismos de descentralização nas tomadas de decisão, a incorporação de entes estaduais e municipais, e a instituição da participação social. A própria concepção de ‘seguridade social’ pressupõe um processo de gestão intersetorial.
Este modelo democratizou a previdência social, gerou novos sistemas de saúde e de assistência social, instituiu a noção de direito à cidadania, democratizou o acesso e a utilização de serviços, criou modalidades de gestão e estruturas de controle social. No entanto, por uma série de fatores conjunturais, que vamos caracterizar eventualmente, sobretudo de caráter institucional e setorial, o reconhecimento das políticas sociais no Brasil tem sido um processo fragmentado e de complexa implementação.
O trabalho que se apresenta está seccionado em 3 Cadernos, onde procuramos reunir, organizar e sintetizar algumas publicações, pesquisas e experiências de estudiosos, profissionais e servidores da Assistência Social, especificamente sobre a população em situação de rua. Não é uma obra completa, mas, antes, um compêndio simples e aberto, que visa disseminar e aprofundar alguns conceitos, promover métodos e procedimentos de trabalho, e instaurar um processo epistemológico e crítico, que se reflita na prática das intervenções e dos serviços de atendimento a esta população no estado da Bahia, assim como na implementação e articulação das políticas públicas correlatas no bojo do Programa Bahia Acolhe.
Destinados a agentes sociais e públicos ligados aos Centros Pop, Serviços de Abordagem Social e outros equipamentos da Assistência Social de Alta Complexidade, profissionais e servidores de órgãos governamentais e profissionais de organismos não governamentais, os Módulos de Formação / Assessoria foram desenhados para auxiliar na estruturação dos
serviços socioassistenciais e nos processos de acompanhamento e encaminhamento da população em situação de rua aos diversos serviços públicos que possibilitarão o resgate da sua cidadania e acesso pleno à Seguridade Social.
Para isto, é necessário que os profissionais envolvidos se qualifiquem, sejam munidos tecnicamente e desenvolvam cada vez mais ferramentas que os habilitem e facilitem seus procedimentos ao atendimento especializado deste público. Para completar o Módulo de Formação Básica, serão necessárias 20 horas de oficinas, correspondentes a 5 sessões realizadas em cada um dos municípios chave eleitos pelo projeto. Os conteúdos teóricos de cada Caderno do Módulo serão ministrados durante 1 ou 2 sessões com duração média de 4 horas cada.
SOBRE O CONTEÚDO O Caderno 1 do Módulo de Formação Bá-
po populacional, incluindo outras políticas
sica traz o “marco teórico”, com textos e
setoriais e as relações intersetoriais. Abor-
informações sobre o reconhecimento das
da também definições e tipificação dos ser-
pessoas em situação de rua, enfatizando
viços socioassistenciais, traz os cadernos e
conceitos, características, justificativas e
os manuais disponíveis, e procura as rela-
origem, compilando a complexa fenome-
ções lógicas que relacionam as atividades,
nologia desta população.
aos objetivos e aos resultados pretendidos. Ainda traz o aspecto prático da implanta-
O Caderno 2 trata diretamente do “marco
ção dos serviços: orientações, metodolo-
legal”, com o reconhecimento das políticas
gias e procedimentos para o atendimento
sociais brasileiras, documentos e protoco-
da população em situação de rua: aborda-
los oficiais da esfera pública federal e esta-
gem, acolhimento, acompanhamento es-
dual que asseguram os direitos desse gru-
pecializado, articulação em rede, presta-
ção continuada, funcionamento e estrutura
suporte pedagógico aos profissionais res-
dos Centros de Referência Especializados
ponsáveis por ministrar a formação1. Além
de Assistência Social: CREAS/Centros POP,
de suporte teórico voltado à prática de
equipes de referência, entre outros.
qualquer formador, traz também sugestões de planos de trabalho, dinâmicas de grupo
O Caderno 3 aborda mecanismos e proto-
e atividades que podem ser utilizadas no
colos informatizados que visam facilitar a
processo formativo. Não pretende ser fon-
interlocução entre os serviços existentes
te exclusiva de consulta nem amarras para
das diversas políticas setoriais, procurando
a práxis, visto que cada profissional deverá
instruir um fluxo de atendimento inteligen-
também imprimir a sua experiência pessoal
te, compartilhado e aberto da população
para o melhor andamento dos trabalhos,
em situação de rua, e gerar informações
mas de servir como um ponto de partida
estratégicas à gestão governamental, na
para o planejamento.
perspectiva da vigilância social, do monitoramento e do aprimoramento dos proces-
Estima-se que a criação dos espaços de
sos administrativos e dos serviços em rede
diálogo entre profissionais e instituições
socioassistencial em tempo real.
beneficiados pelo Programa de Formação ajude a fortalecer e formalizar parcerias em
O último caderno deste compêndio é um
prol da implementação desta política social
guia metodológico que objetiva oferecer
pública no estado.
SOBRE AS OFICINAS Para completar o Módulo de Formação BáApenas os formadores têm acesso a este material, considerando que os eu conteúdo não dizem respeito diretamente aos temas específicos de discussão. Não compõe, portanto, as sessões da formação presencial em sua carga horária. 1
sica, serão necessárias 20 horas de oficinas,
blico alvo do projeto.
correspondentes a 5 sessões realizadas em cada um dos municípios chave eleitos pelo
De acordo com Costa (op. cit., nota 1), para
projeto. Os conteúdos teóricos de cada Ca-
o homem conhecer seu universo e rela-
derno do Módulo serão ministrados duran-
cionar-se plenamente, necessita abrir-se a
te 1 ou 2 sessões com duração média de 4
todas as formas do conhecimento ligadas
horas cada.
às dimensões denominadas ontológicas, constitutivas do humano: o conhecimen-
As sessões serão ministradas segundo
to racional, Logos; o desenvolvimento da
adaptação de propostas metodológicas e
corporeidade, Eros; o desenvolvimento da
abordagens interdimensionais de diversos
sensibilidade e dos sentimentos, Pathos;
autores (COSTA, 2001, 2008; DELORS et al.,
e o desenvolvimento da relação com a di-
1996; FREIRE, 1966; QUINTÁS, 1995; TORO,
mensão transcendente da existência, dos
1995, 1996, 2005), que vão nortear e dar
valores, da ética, Mythus.
consistência ao processo formativo do púCOSTA, Antonio Carlos Gomes da. Pedagogia da Presença: da solidão ao encontro. 2ª edição. Belo Horizonte: Modus Faciendi, 2001. COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Textos de apoio. Belo Horizonte: Modus Faciendi, 2008, 32 p. DELORS, Jacques et alii. Educação para o século 21, um Tesouro a Descobrir. Edições ASA, Lisboa: 1996. FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra 1966, 23ª. QUINTÁS, A. L.. O amor humano: seu sentido e alcance. Petrópolis-RJ: Vozes, 1995. TORO, José Bernardo. As Sete Aprendizagens Básicas para a Convivência Social. Colômbia: Fundación Social, 1995, Mimeo. TORO, Bernardo. Mobilização social: uma teoria para a universalização da cidadania. In: MONTORO, Tânia S. (Coord.). Comunicação e mobilização social. Brasília, DF: UnB, 1996. p. 26-40. (Série Mobilização Social, v.1). TORO, José Bernardo. Mobilização e democracia: a construção da América Latina. In: MONTORO, Tânia S. (Coord.). Comunicação e mobilização social. Brasília, DF: UnB, 1996. p.68-74. (Série Mobilização Social, v.1). TORO, José Bernardo. A Construção do Público: Cidadania, Democracia e Participação. Rio de Janeiro: SENAC, 2005 2
Ontologia (do grego ontos “ente” e logos, “discurso”) é a ciência que trata da natureza, realidade e existência dos entes. A ontologia trata do “ser enquanto ser”, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres. Segundo Aristóteles, que se opõe às ciências particulares que “englobam qualquer parte do ser e estudam as suas propriedades”, a ontologia é o estudo da essência do ser — daquilo que faz com que um ser seja; é o estudo do fundamento da ordem das coisas com relação ao ser. A aparição do termo data do século XVII e corresponde à divisão que Christian Wolff realizou quanto à Metafísica, seccionando-a em Metafísica Geral (Ontologia) e as Especiais (Cosmologia Racional, Psicologia Racional e Teologia Racional). Disponível no wiki Sofos – Expressões filosóficas: <sofos.wikidot.com/ontologia>. Acesso em 21 jan 2013. 3
A relação dos conteúdos de estudo e o ro-
Nosso desejo, institucionalmente, é que os
teiro de apresentação propostos aos for-
conceitos, ferramentas e práticas compilados
madores estão voltados, sobretudo, para a
aqui provoquem mudanças positivas, reais e
construção do capital humano e pretendem
recorrentes nos municípios alvo do projeto,
transmitir, além de um currículo básico de
que contribuam, em algum grau, para a ga-
formação, conhecimentos ligados a valores
rantia dos direitos de cidadania e proteção
e atitudes estéticos, políticos e éticos.
social da população em situação de rua.
BAHIA ACOLHE | 23
24 | BAHIA ACOLHE
DADOS HISTóRICOS: fEnOMEnOLOGIA E CARACTERIzAçãO DA POPuLAçãO EM SITuAçãO DE RuA É da pesquisadora Maria Lúcia Lopes da Silva a descrição que tem sido utilizada como base para o texto das leis para a população em situação de rua:
Grupo populacional heterogêneo, mas que possui, em comum, a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, em função do que as pessoas que o constituem procuram os logradouros públicos (ruas, praças, jardins, canteiros, marquises e baixios de viadutos), as áreas degradadas (dos prédios abandonados, ruínas, cemitérios e carcaças de veículos) como espaço de moradia e sustento, por contingência temporária ou de forma permanente, podendo utilizar albergues para pernoitar e abrigos, casas de acolhida temporária ou moradias provisórias (SILVA, 2009, p. 136).
Entre 1995 e 2005, esta autora viajou por vários lugares do Brasil, pesquisando e se aprofundando sobre o tema, discutindo com os movimentos da população de rua, vendo e refletindo sobre suas reivindicações e interesses. Os resultados da sua pesquisa foram publicados no livro Trabalho e População em Situação de Rua no Brasil em 2009.
Silva (2009) acredita que uma mudança conjuntural seja possível e, em entrevista cedida à jornalista paulista Camila Caringe sobre o lançamento do livro, afirma que “Com a ex-
4
SILVA. Maria Lúcia Lopes da. Trabalho e População de Rua no Brasil. São Paulo: Cortez Editora, 2009, p. 136
BAHIA ACOLHE | 25
periência de articular saúde, trabalho e assistência, a gente consegue fazer com que as pessoas retomem um novo projeto de vida” (SILVA, 2009).
Em 2010, no momento da construção da Política Nacional para a População em Situação de Rua e no auge das discussões sobre Diretos Humanos, em função da terceira edição do Programa Nacional de Diretos Humanos, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais editou a Cartilha “Direitos dos Moradores de Rua – Um Guia na Luta pela Dignidade e Cidadania”1.
Esta publicação, elaborada por várias entidades e movimentos sociais, redefine o “morador de rua” como um “novo sujeito político [...] que lança sobre a cidade um outro olhar, atribui novas funções aos espaços públicos e às instituições, expressa seu desejo de viver com dignidade e de ser respeitado”; e nos brinda com asserções muito simples, diretas e com um realismo pungente, que pode resumir nosso trabalho aqui: [...] Toda pessoa que mora na rua tem direito à vida com saúde, trabalho, educação, segurança, moradia, assistência social e lazer.
Em 1948, esses direitos foram reconhecidos por vários países, na Declaração Universal de Direitos Humanos. Essa Declaração afirma que:
- Todas as pessoas nascem livres e iguais, ou seja, “ninguém é melhor que ninguém”. Todos nós formamos uma única família, a comunidade humana: negro ou branco, homem ou mulher, rico ou pobre, nascido em qualquer lugar do mundo e membro de qualquer religião. Assim, todos nós temos A Cartilha pode ser acessada e baixada no seguinte endereço eletrônico: <http://www.mp.mg.gov.br/portal/public/interno/repositorio/id/16874> 5
26 | BAHIA ACOLHE
direito à liberdade e à segurança pessoal.
A Declaração Universal garante que todos devem ser reconhecidos e protegidos por lei, sem discriminação. [...]
No Brasil, esses direitos, mesmo àqueles que não têm moradia, estão assegurados na Constituição Federal, lei que está acima de todas as outras leis.
O Estado, por meio de seus governantes, deve assegurar os direitos garantidos na Constituição brasileira.
Todas as pessoas maiores de 16 anos podem escolher seus representantes, por intermédio do voto, e participar de todas as decisões políticas.
É importante, então, que a população de rua se organize com o objetivo de lutar por esses direitos e conquistar políticas públicas. Elas são o caminho para a realização de ações governamentais que ajudem na garantia dos direitos de todas as pessoas em situação de rua.
[…] Todo cidadão tem direito à garantia de sua promoção social, e é por meio da Política Nacional de Assistência que você garante o direito de ser atendido por uma rede de acolhida e serviços: abordagem de rua, centros de referência, casas de acolhimento (repúblicas, pensão), encaminhamento para retirada de documentos e projetos de inclusão produtiva.
Os serviços da rede de acolhida devem respeitar a realidade das pessoas e suas necessidades: flexibilização de horários, característica de grupos (familiares, deficientes, crianças, etc.). Os serviços devem oferecer ainda
BAHIA ACOLHE | 27
qualidade e conforto no atendimento [...].
As pessoas com deficiência e os idosos carentes têm direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário mínimo mensal.
Todo morador de rua tem direito a tirar sua documentação, mesmo sem comprovante de residência.
É importante saber que existe na assistência uma lei chamada de LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social). De acordo com a LOAS, os atendimentos devem ser oferecidos sem discriminação e com o devido respeito à dignidade e à autonomia das pessoas. Essa lei também garante, expressamente, a criação de programas de amparo às pessoas em situação de rua (art. 23).
RECOnHECEnDO OS uSuÁRIOS Foram considerados dois referenciais para abordar este universo da situação de rua, através de alguns trechos do trabalho de Silva (op. cit.), trazendo uma base sócio-histórica desse fenômeno, enquanto que a abordagem de Santos (2009) complementa o entendimento sobre os fatores que levam as pessoas a, segundo Melo (2011), “adentrar” na situação de rua.
28 | BAHIA ACOLHE
CARACTERIzAçãO DO fEnÔMEnO E DA POPuLAçãO EM SITuAçãO DE RuA
(Maria Lucia Lopes da Silva)
[...] O fenômeno social população em situação de rua constitui uma síntese de múltiplas determinações, cujas características, mesmo com variações históricas, o tornam um elemento de extraordinária relevância na composição da pobreza nas sociedades capitalistas.
Sua história remonta ao surgimento das cidades pré-industriais da Europa. A partir dessa época, passou a compor o cenário da vida urbana, em várias partes do mundo. Com o desenvolvimento do capitalismo, tem momentos de expansão e outros de retração. Esta pesquisa não pretendeu fazer uma retrospectiva histórica deste fenômeno, nem tampouco de tipologias e perfis de pessoas em situação de rua identificadas ao longo da história da humanidade ou mesmo do Brasil. Assim, não se estudou os “mendigos” ou os “vagabundos” da era pré-industrial e início da industrialização europeia, ou ainda os “andarilhos tradicionais” americanos do final dos anos 1800 e início dos anos 1900, ou mesmo os “hippies” de tempos mais recentes. A atenção voltou-se para o fenômeno população em situação de rua que emerge no Brasil, em anos recentes, vinculado às mudanças no mundo do trabalho, no contexto das transformações societárias promovidas pelo capitalismo contemporâneo.
SANTOS, Daiane dos Santos. O Retrato do Morador de Rua da Cidade de Salvador-BA: Um Estudo de Caso. Monografia (Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos e Cidadania) – Fundação Escola do Ministério Público. Universidade Federal da Bahia, 2009. 6
MELO, Tomás Henrique de Azevedo Gomes. A Rua e a Sociedade: Articulações Políticas, Socialidade e a Luta por Reconhecimento da População em Situação de Rua. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2011. 7
BAHIA ACOLHE | 29
COnDIçÕES
HISTóRICO-ESTRuTuRAIS
DE
ORIGEM
E
REPRODuçãO DO fEnÔMEnO POPuLAçãO EM SITuAçãO DE RuA nAS SOCIEDADES CAPITALISTAS (Maria Lucia Lopes da Silva)
Segundo Silva (2009), o sistema capitalista
instituições feudais afiançavam à sua exis-
pressupõe a separação entre os trabalha-
tência. Essa “história da expropriação que
dores e a propriedade dos meios de produ-
sofreram foi inscrita a sangue e fogo nos
ção. Deste modo, a produção capitalista só
anais da humanidade” (Marx, 1988b, p.
aparece quando as condições para trans-
830). O processo histórico que dissociou
formar o dinheiro em capital estavam da-
o trabalhador dos meios de produção foi
das, isto é, quando o possuidor dos meios
denominado por Marx (ibidem) de acumu-
de produção e subsistência pode encontrar
lação primitiva exatamente por constituir,
o trabalhador livre no mercado venden-
em sua visão, a pré-história do capital e do
do sua força de trabalho. Livre por dispor
modo de produção capitalista. Para o autor,
como pessoa livre de sua força de trabalho
embora os prenúncios da produção capita-
como mercadoria, e livre porque dispunha
lista já tivessem aparecido nos séculos XIV
apenas desta mercadoria para vender, es-
e XV, em algumas cidades mediterrâneas,
tando inteiramente despojado dos meios
a era capitalista propriamente dita só sur-
necessários à sua concretização. Dessa for-
ge no século XVI.1 A expropriação do pro-
ma, a libertação da servidão e da coerção
dutor rural e dos camponeses que ficaram
corporativa foi um dos movimentos histó-
privados de suas terras constitui a base da
ricos que transformou produtores rurais e
história da acumulação primitiva que deu
camponeses em assalariados. Mas eles só
origem à produção capitalista. É uma histó-
começaram a vender a sua força de traba-
ria com características diversas de país para
lho no mercado depois que lhes foram rou-
país, que percorre fases em sequencias e
bados todos os meios de produção e foram
épocas históricas diferentes. Em suas refle-
privados das garantias e seguranças que as
xões sobre o assunto, Marx (1988b) refe-
30 | BAHIA ACOLHE
rencia-se na Inglaterra, por considerá-la a
pulsionaram essa expropriação violenta na
forma clássica dessa expropriação.
Inglaterra. Há que se registrar também que a igreja católica era proprietária feudal de
Para compreender o processo de expro-
grande quantidade de terras e nelas traba-
priação e suas consequências na formação
lhavam moradores hereditários pobres, que
da classe trabalhadora é importante consi-
por lei tinham direito a uma parte do dízi-
derar que “em todos os países da Europa,
mo da igreja. A reforma no século XVI pro-
a produção feudal se caracterizava pela re-
vocou saques violentos aos bens da igreja.
partição da terra pelo maior número possí-
Nesse contexto, as terras da Coroa ou do
vel de camponeses” (Marx, 1988b, p.833). A
Estado também foram privatizadas. Foram
visão marxista sugere que, mesmo aqueles
presenteadas, vendidas a preços insignifi-
que eram assalariados da agricultura, por
cantes ou mesmo roubadas mediante ane-
utilizar o seu tempo livre trabalhando para
xação a propriedades de particulares. Esses
os grandes proprietários, dispunham de
e outros processos de expropriação por
habitação e uma área para cultivar. Além
meio da violência e fraudes constituíram a
disso, usufruíam as terras comuns aos cam-
chamada acumulação primitiva, que expul-
poneses, nas quais pastavam seus gados
sou os trabalhadores rurais de suas terras,
e de onde retiravam combustíveis, como
compelindo-os à venda da única mercado-
a lenha. Esses trabalhadores tiveram suas
ria que lhes restou, a sua força de trabalho.
próprias terras roubadas e também as ter-
Essa venda deu-se, sobretudo, nas cidades
ras comuns foram confiscadas por meio de
onde se localizava o núcleo industrial, que
métodos violentos. O crescimento da ma-
começa a nascer. Nesse sentido o autor en-
nufatura e a elevação dos preços da lã im-
fatiza:
A determinação de quando o capitalismo surgiu depende da definição que se tenha dessa época histórica e modo de produção. Há divergências entre os autores sobre o assunto. Sobre as divergências ver CANOY, Marin. Estado e Teoria Política. 4ª ed. Campinas-SP: Papirus, 1994, p. 21. 8
BAHIA ACOLHE | 31
O roubo dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do Estado, a ladroeira das terras comuns e a transformação da propriedade feudal e do clã em propriedade moderna, levada a cabo com terrorismo implacável, figuram entre os métodos idílicos da acumulação primitiva. Conquistaram o campo para a agricultura capitalista, incorporaram as terras ao capital e proporcionaram à indústria das cidades, a oferta necessária de proletários sem direitos (Marx, 1988b, p. 850).
Os que foram expulsos de suas terras não
ca de melhores condições. Segundo Snow
foram absorvidos pela indústria nascente
e Anderson (1998, apud COSTA, 2005), “na
com a mesma rapidez com que se tornaram
essência, as leis funcionaram como um
disponíveis, seja pela incapacidade da in-
substituto da servidão”. Assim, a população
dústria, seja pela dificuldade de adaptação
rural, expropriada e expulsa de suas terras,
repentina a um novo tipo de disciplina de
compelida à ociosidade, foi submetida à rí-
trabalho. Dessa forma, “muitos se transfor-
gida disciplina do sistema de trabalho as-
maram em mendigos, ladrões, malandros,
salariado por meio de legislação selvagem,
em parte por inclinação, mas na maioria
cuja implementação contou com os pode-
dos casos por força das circunstâncias” (ibi-
res e a estrutura material do Estado.
dem, p.851). Foi o início de um fenômeno que se generalizou, atingindo toda a Euro-
Dessa forma, pode-se dizer que essas são
pa Ocidental, no último quartel do século
as condições histórico-estruturais que de-
XVIII, o pauperismo. Essa situação, ainda no
ram origem ao fenômeno do pauperismo,
final do século XV e todo o século XVI, fez
no qual se insere, o que hoje se denomina
surgir nos países da Europa, uma legislação
população em situação de rua. Têm como
rígida contra a vadiagem. Essas leis foram
base a expropriação dos produtores rurais
utilizadas com o fim de forçar os trabalha-
e camponeses e a sua transformação em
dores a aceitarem empregos de baixos sa-
assalariados, no contexto da chamada acu-
lários e de inibir seu deslocamento em bus-
mulação primitiva e da indústria nascente.
32 | BAHIA ACOLHE
Portanto, o fenômeno população em situa-
racterísticas socioeconômicas e os ciclos
ção de rua surge no seio do pauperismo
migratórios campo-cidade experimentados
generalizado vivenciado pela Europa Oci-
pelas cidades nas quais foram realizadas as
dental, ao final do século XVIII, compondo
pesquisas, cujos dados e informações servi-
as condições históricas necessárias à pro-
ram de base neste estudo. Destaca-se que
dução capitalista. Essa população pode ser
no período entre 1930 e 1970, no processo
considerada, a parcela da classe trabalha-
de destruição de um padrão de acumulação
dora caracterizada por Marx (1988b), ao fa-
fundado em atividades econômicas de base
lar sobre o pauperismo oficial na Inglater-
agrário-exportadoras para um padrão de
ra, no período entre 1846 e 1866, “aquela
acumulação, sustentado em uma estrutura
parcela da classe trabalhadora que perdeu
produtiva de base urbano-industrial, a área
a condição de sua existência, a venda da
rural contribuiu com um grande contin-
força de trabalho, e vegeta na base da cari-
gente populacional na constituição de um
dade pública” (Marx,1988b, p. 759). A con-
exército industrial de reserva nas cidades
dição de trabalhadores, que só dispunham
brasileiras, especialmente naquelas locali-
de sua força de trabalho para vender - e
zadas no eixo sul-sudeste do país, nas quais
nem essa foi absorvida pela produção capi-
o processo de industrialização foi mais ace-
talista, compeliu essa população à situação
lerado. Assim, no processo desencadeado a
de absoluta pobreza, vulnerabilidade social
partir da década de 1980, intensificado na
e degradação humana.
segunda metade da década de 1990, sustentado na reestruturação produtiva em
[...] Entre as pessoas em situação de rua no
que as ocupações no setor industrial foram
Brasil, no período entre 1995 e 2005, há
reduzidas, grande parte da população de
sempre a presença daqueles que, antes de
origem rural que estava ocupada nesse se-
vivenciarem esta condição, possuíam as ca-
tor ficou ociosa. Isso se reflete nas pesqui-
racterísticas de população latente. O per-
sas censitárias de população em situação
centual varia de cidade para cidade e, de
de rua que constituem fontes privilegiadas
época para época, de acordo com as ca-
de dados e informações neste estudo. Por
BAHIA ACOLHE | 33
exemplo, em Porto Alegre-RS, a pesquisa
dos anos 1980.
realizada nos anos 1994 -1995 indicou um percentual de 9,40% de pessoas de origem
A pobreza é a parte da superpopulação re-
rural, já na pesquisa de 1998 -1999, esse
lativa composta dos aptos para o trabalho,
percentual foi elevado para 31,60%. Em
mas que não são absorvidos pelo merca-
Belo Horizonte-MG, o censo realizado em
do; dos órfãos e filhos de indigentes e dos
1998 apontou que 43,12% da população
incapazes para o trabalho (as pessoas com
entrevistada é originária de outras cidades
deficiências, que as incapacitam para o tra-
do interior de Minas Gerais, sem registrar
balho, pessoas idosas, enfermos, entre ou-
se a mesma tinha origem urbana ou rural.
tros). É a camada da superpopulação relati-
Já no segundo censo, realizado em 2005,
va que vive em piores condições.
o percentual dos recenseados originários de cidades do interior de Minas Gerais caiu
Sendo assim, pode-se inferir que este fe-
para 41,20% dos entrevistados e foi identi-
nômeno, que possui múltiplas determina-
ficado que 84, 90% do total de recenseados
ções imediatas. Tem origem no contexto
nasceram em área urbana e apenas 15,10%
do processo violento e sanguinário de ex-
têm origem rural. No Recife, o censo de
propriação dos produtores rurais e campo-
2005 apontou que 82, 46% das pessoas em
neses que ficaram privados de suas terras
situação de rua são procedentes de zona
e foram compelidos a vender sua força de
urbana e 16,15% da rural. Esses dados reve-
trabalho, no início da industrialização eu-
lam que nos anos recentes há uma redução
ropeia, sem que todos tivessem sido ab-
da participação da população procedente
sorvidos pela produção capitalista. Os que
da área rural, na composição da população
foram absorvidos transformaram-se em as-
em situação de rua, mostrando relação com
salariados sem direitos e os que não foram,
o declínio deste segmento rural na Popula-
transformaram-se em mendigos, malandros
ção Economicamente Ativa - PEA, ocupada
e ladrões (Marx, 1988b). Sua reprodução
no setor industrial e na formação do exérci-
ocorre no processo de criação de uma su-
to industrial de reserva nas cidades, a partir
perpopulação relativa ou exército industrial
34 | BAHIA ACOLHE
de reserva, cujo movimento de expansão e
nifestas no Brasil, mais especificamente, na
retração é condicionado pelas necessida-
segunda metade da década de 1990. Nes-
des de expansão do capital. Deste modo,
se período, percebeu-se a enorme expan-
as condições histórico-estruturais que de-
são da superpopulação relativa no mundo
ram origem e reproduzem continuamente
e no Brasil, particularmente em sua forma
o fenômeno população em situação de rua
flutuante, devido à redução de postos de
nas sociedades capitalistas são as mesmas
trabalho na indústria; estagnada, em de-
que originaram o capital e asseguram a sua
corrência do crescimento do trabalho pre-
acumulação, resguardadas as especificida-
carizado, e da pobreza (sobretudo a parte
des históricas, econômicas e sociais.
constituída dos indivíduos aptos ao trabalho, mas não absorvidos pelo mercado), o
No Brasil, não se tem conhecimento de es-
que ajuda a explicar a expansão do fenôme-
tudos sobre a origem e o resgate histórico
no população em situação de rua. O esfor-
do fenômeno, o que não permite compara-
ço em recuperar particularidades do pro-
ções entre os períodos anteriores à década
cesso de formação do mercado de trabalho
de 1990. Entretanto, a realização dos pri-
no Brasil, no contexto da mudança do pa-
meiros estudos sobre o fenômeno no curso
drão de acumulação de agrário-exportador
dos anos 1990 e a ampliação das iniciativas
para o urbano-industrial e outros aspectos
de enfretamento da problemática em algu-
das mudanças recentes no mundo do tra-
mas cidades brasileiras são reveladores da
balho, no quarto capítulo, visa favorecer a
dimensão alcançada pelo fenômeno, neste
compreensão dos fatores de expansão, as
período recente da história do país, coinci-
características e o perfil da população em
dente com as mudanças provocadas pelo
situação de rua a partir da década de 1980,
capitalismo, em escala mundial, a partir da
sobretudo de 1995 no país.
segunda metade do decênio de 1970, ma-
BAHIA ACOLHE | 35
CARACTERIzAçãO DO fEnÔMEnO POPuLAçãO EM SITuAçãO DE RuA
O fenômeno população em situação de rua, abriga um conjunto de indagações. O esforço em caracterizá-lo propiciou a identificação de seis aspectos.
O primeiro aspecto são suas múltiplas determinações. A literatura corrente sobre o tema traz como um dos poucos consensos neste debate o reconhecimento da multiplicidade de fatores que conduzem à situação de rua. Fatores estruturais (ausência de moradia, inexistência de trabalho e renda, mudanças econômicas e institucionais e de forte impacto social), fatores biográficos, ligados à história de vida de cada indivíduo (rompimentos dos vínculos familiares, doenças mentais, consumo frequente de álcool e outras drogas, infortúnios pessoais - mortes de todos os componentes da família, roubos de todos os bens, fuga do país de origem) e aspectos ligados a fatos da natureza ou desastres de massas - terremotos, inundações, etc. Os fatores mais enfatizados pela literatura contemporânea são as rupturas dos vínculos familiares e comunitários, a inexistência de trabalho regular e a ausência ou insuficiência de renda, além do uso frequente de álcool e outras drogas e problemas relacionados às situações de desabrigo. Certo é que o fenômeno não se explica a partir de um único determinante. Entretanto, existem fatores que se destacam neste conjunto.
O segundo aspecto característico é a distinção do fenômeno como uma expressão radical da questão social na contemporaneidade. Para compreendê-lo como tal é necessário retomar o debate sobre a questão social na contemporaneidade.
O esforço em compreender e configurar o contexto contemporâneo propicia um debate profícuo sobre a questão social. Castel (1998) e Rosanvallon (1998) anunciam uma “nova questão social” na contemporaneidade. O primeiro a relaciona com o crescimento do de-
36 | BAHIA ACOLHE
semprego e o surgimento de novas formas de pobreza no contexto do que denomina crise da sociedade salarial. O segundo a vincula à não adaptação de antigos métodos utilizados para gerir o social, em face da crise do Estado Providência, a partir dos anos 1970. Outros autores, como Netto (2004) e Iamamoto (2004; 2005) reconhecem que as condições sociais e históricas são diferentes daquelas em que o termo surgiu na Inglaterra, por volta de 1830, porém, sustentam que não existe uma “nova questão social”, o que se presencia na contemporaneidade é uma renovação da “velha questão social”, sob outras roupagens.
São muitas as indagações que se forjam nesse debate, entre elas destacam-se: Que conceitos ou noções explicam a questão social? Que características básicas marcaram o contexto histórico em que este termo foi utilizado pela primeira vez? Que fundamentos sustentam a defesa da existência de uma “nova questão social” na contemporaneidade? Que bases teóricas sustentam os argumentos dos que a negam? Quais as estratégias de enfrentamento da questão social nos tempos atuais, defendidas pelos autores que a reconhecem na atualidade? A esse leque de questões acrescenta-se outra mais específica: Por que o fenômeno população em situação de rua constitui uma expressão radical da questão social na contemporaneidade?
Para Rosanvallon (1998, p. 23), a expressão questão social, “criada no fim do século XIX, refere-se às disfunções da sociedade industrial emergente. Em sua análise sobre o assunto, o autor ressalta que o crescimento econômico e as conquistas das lutas sociais permitiram mudanças expressivas na condição dos operários naquele período. Na França, o desenvolvimento do Estado Providência promoveu uma maior distribuição de renda e segurança social até meados dos anos 70 do século passado, quando o crescimento do desemprego e o surgimento de novas formas de pobreza interromperam esse processo. Neste contexto, surge uma “nova questão social”, visto que os fenômenos que lhe deram origem “não se enquadram nas antigas categorias da exploração do homem” (ibidem. p.23). O surgimento desta “nova questão social” “traduz-se pela inadaptação dos antigos
BAHIA ACOLHE | 37
métodos de gestão do social” (ibidem, p.23), em decorrência dos resultados da crise do Estado.
Em relação à crise do Estado Providência, Rosanvallon (1998), entre outros aspectos, critica a gestão das políticas de saúde e seu caráter universalizante que resultou em gastos elevados, ao mesmo tempo em que elogia os modelos de gestão inglês e alemão. Neste sentido o Rosanvallon (1998, P. 24) enfatiza que os controles financeiros de um serviço de saúde centralizado e estatal, à moda inglesa ou de um sistema enquadrado rigorosamente, como na Alemanha, revelam-se mais eficientes do que a fórmula francesa, que busca a universalidade sem limites.
[...] Percebe-se que o olhar de Rosanvallon (1998) sobre a questão social na contemporaneidade o conduziu à apresentação de estratégias específicas para o seu enfrentamento. Embutida na negação das políticas universais há uma crença nas políticas residuais, centradas na atenção às situações particulares, como respostas à crise.
Segundo Castel, (1998, p. 41) para quem a questão social pode ser caracterizada por uma inquietação quanto à capacidade de manter a coesão de uma sociedade além de considerar que a questão social já se apresentava nas sociedades pré-industriais da Europa Ocidental, antes de sua primeira formulação explícita no século XIX. Desde sua explicitação até o decênio de 1960, teve feição distinta da que assume na contemporaneidade.
Para Castel (1998), a combinação entre o crescimento econômico, o quase pleno-emprego, o desenvolvimento dos direitos do trabalho e da proteção social, ocorridos no pós-segunda guerra mundial, possibilitaram à sociedade promover maior distribuição da riqueza socialmente produzida e a eliminação de parte expressiva das vulnerabilidades de massa. Desse modo os problemas sociais se mostravam minimizados. Mas, o desemprego, a precarização do trabalho e a desestabilização dos trabalhadores, a partir do década de
38 | BAHIA ACOLHE
1970, provocaram o ressurgimento dos “supranumerários”, que se encontram no núcleo da questão social contemporânea, caracterizada pelo autor como uma “ nova questão social”, diz Castel:
Assim como o pauperismo do século XIX estava inserido no coração da dinâmica da primeira industrialização, também a precarização do trabalho é um processo central, comandado pelas novas exigências tecnológico-econômicas da evolução do capitalismo moderno. Realmente, há aí uma razão para levantar uma “nova questão social” que, para espanto dos contemporâneos, tem a mesma amplitude e a mesma centralidade da questão suscitada pelo pauperismo na primeira metade do século XIX (CASTEL, 1998, p. 530-531).
A principal explicação do autor, para qualificar esta situação como “nova” é o fato do trabalhador explorado, em épocas anteriores, ser ligado à estrutura de trocas da sociedade capitalista, “mas “os supranumerários” nem sequer são explorados. Ainda no entender de Castel (1998), nesse aspecto “há uma profunda metamorfose relativa à questão social anterior que era saber como um ator social subordinado e dependente poderia tornar-se um sujeito social pleno. A questão, agora, sobretudo, é amenizar essa presença, torná-la discreta a ponto de apagá-la”.
Ao falar das estratégias de enfrentamento da crise, denominada por Castel (1998), de “sociedade salarial” e da “nova questão social”, o autor enfatiza que o Estado Social, em anos recentes na França, foi o fiador da “coesão social” e continua sendo a sua perspectiva, e portanto defende:
[...] um Estado até mesmo protetor porque numa sociedade hiperdiversificada e corroída pelo individualismo negativo, não há coesão sem proteção social. Mas esse Estado deveria ajustar o melhor possível suas intervenções, acompanhando
BAHIA ACOLHE | 39
as nervuras do processo de individualização” (ibidem, p. 610).
Numa perspectiva de análise teórica e política distinta das análises de Rosanvallon (1998) e Castel (1998), Netto (2004) e Iamamoto (2004;2005), tem suas baseadas nas análises de Marx sobre a sociedade capitalista tendo o socialismo como horizonte. Netto (2004) não faz uma análise da questão social na contemporaneidade, mas procura delimitar o que entende como questão social, na tradição marxista.
Assim, fala sobre a utilização do termo pela primeira vez, por volta de 1830, para dar conta da pobreza como fenômeno generalizado, no início do capitalismo industrial. Mas, ressalta que “a designação desse pauperismo pela expressão ‘questão social’ relaciona-se diretamente com os seus desdobramentos sociopolíticos” (Netto, 2004, p.43), ou seja, os pauperizados não aceitaram a situação e sob várias formas, protestaram, da primeira década à metade do século XIX, ameaçando as instituições existentes, “foi a partir da perspectiva efetiva de uma reversão da ordem burguesa que o pauperismo designou-se como ‘questão social’ “ (ibidem, p. 43).
De acordo com o autor, a partir da segunda metade do século XIX, a expressão questão social deixa de ser usada indistintamente por críticos sociais e passa a compor o vocabulário do pensamento conservador para designar fenômenos, como o desemprego e a desigualdade, como resultantes naturais da sociedade moderna, que deveriam ser amenizados, sem comprometer a ordem burguesa. Porém, o autor diz que o conjunto das análises de Marx n’O Capital revela que a questão social está determinada pela relação capital/ trabalho. Assim, a questão social nada “tem a ver com o desdobramento de problemas sociais que a ordem burguesa herdou ou com traços invariáveis da sociedade humana; tem a ver, exclusivamente, com a sociabilidade erguida sob o comando do capital” (Netto, 2004, p.46). Esse aspecto da abordagem do autor é extremamente significativo por vincular a questão social à ordem social capitalista e não aos traços específicos da condição
40 | BAHIA ACOLHE
humana, como comumente é mencionada.
Sob essa ótica, a questão social é inerente ao capitalismo. Esse, a cada estágio de seu desenvolvimento gera expressões do fenômeno consoante à configuração assumida, conforme citação a seguir:
[...] inexiste qualquer “nova questão social”. O que devemos investigar é, para além da permanência de manifestações “tradicionais” da “questão social”, a emergência de novas expressões da “questão social” que é insuprimível sem a supressão da ordem do capital. (...) a caracterização da “questão social” em suas manifestações já conhecidas e em suas expressões novas, tem de considerar as particularidades histórico-culturais e nacionais (NETTO, 2004, p.48).
Nesse contexto, dois aspectos relevantes são destacados pelo autor. O primeiro é a caracterização da questão social como sendo imanente ao capitalismo, o que altera o conteúdo das análises e das estratégias de enfrentamento, possibilitando inferir que estratégias residuais são incapazes de alterar as relações sociais capitalistas e, consequentemente, de corroer as bases da questão social. O segundo é o caráter histórico, sugerindo que, em cada país, a questão social manifesta-se de modo específico, suas expressões guardam relações com as condições sócio-históricas desse país.
Iamamoto (2004; 2005) faz uma análise ampla da questão social. Na essência, sua análise não diverge da análise de Netto (2004), apenas é mais abrangente. Entretanto, conflita com as de Rosanvallon (1998) e Castel (1998).
Para Iamamoto (2004; 2005), a análise da questão social é inseparável das conformações assumidas pelo trabalho e localiza-se no campo das disputas de projetos societários, apoiados em distintos interesses de classes, no que se refere às concepções e propostas
BAHIA ACOLHE | 41
de políticas econômicas e sociais. Deste modo, faz críticas às visões da questão social como “disfunção” e “ameaça” à ordem social, aos fundamentos utilizados pelos defensores da “nova questão social”, bem como às estratégias propostas de enfrentamento da questão social, no formato de programas centralizados no combate à pobreza. De forma consistente, a autora demarca sua perspectiva de análise, em campo inteiramente distinto das perspectivas que critica:
[...] a questão social enquanto parte constitutiva das relações sociais capitalistas é apreendida como expressão ampliada das desigualdades sociais: o anverso do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social. Sua produção/reprodução assume perfis e expressões historicamente particulares na cena contemporânea. Requer, no seu enfrentamento, a prevalência das necessidades da coletividade dos trabalhadores, o chamamento à responsabilidade do Estado e afirmação de políticas sociais de caráter universais, voltadas, aos interesses das grandes maiorias, condensando um processo histórico de lutas pela democratização da economia da política, da cultura na construção da esfera pública” (IAMAMOTO, 2004:10, p. 10-11).
Com essa demarcação, Iamamoto (2004) oferece significativos elementos ao debate. Em primeiro lugar, ao inserir a questão social como “parte constitutiva das relações sociais capitalistas” e defini-la, nessa condição, como “expressão ampliada das desigualdades sociais: o anverso do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social”, a autora sugere que a sua feição, em cada época histórica, resulta de processos de lutas em torno de direitos relativos ao trabalho. Pois, se é expressão das desigualdades resultantes das relações capitalistas, que se processam a partir do eixo capital/trabalho, expressa também luta e resistência, não sendo uma consequência natural da sociedade humana, antes uma reação às desigualdades impostas pela ordem social capitalista. É o que a autora reafirma em outra passagem de sua obra: “questão social que, sendo desigualdade é também re-
42 | BAHIA ACOLHE
beldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se opõem” (Iamamoto, 2005, p.28). Assim, as lutas por direitos relativos ao trabalho, contra a exploração capitalista são constitutivas da questão social.
Outro aspecto relevante da primeira parte da demarcação analítica da autora é a distinção das desigualdades sociais como desigualdades de classes sociais, vez que resultam da contradição básica da sociedade capitalista. Essa distinção inibe as confusões conceituais entre desigualdades sociais e diferenças entre indivíduos. Este ângulo de abordagem e o comentado anteriormente são retomados pela autora:
A gênese da questão social encontra-se enraizada na contradição fundamental que demarca esta sociedade, assumindo roupagem distinta em cada época (...) assim, dar conta da questão social, hoje, é decifrar as desigualdades sociais - de classes - em seus recortes de gênero, raça, etnia, religião, nacionalidade, meio ambiente etc. Mas decifrar, também, as formas de resistência e rebeldia com que são vivenciadas pelos sujeitos sociais (Iamamoto, 2004, p. 114).
São recorrentes as análises que tendem a naturalizar a questão social, desconectando suas diversas expressões, de sua origem comum: a organização social capitalista, a relação capital/trabalho. As análises desconectadas, fragmentadas, conduzem à responsabilização dos indivíduos pelos seus próprios problemas, isentando a sociedade de classes na produção das desigualdades sociais e, geralmente, conduzem a estratégias de enfrentamento também fragmentadas, focalizadas e muitas vezes repressivas, como diz Iamamoto (2004, p. 17):
[...] a tendência de naturalizar a questão social é acompanhada da transformação de suas manifestações em objeto de programas assistenciais focalizados no “combate à pobreza” ou em expressões da violência dos pobres, cuja resposta é
BAHIA ACOLHE | 43
a segurança e a repressão oficiais (grifos da autora).
É o que tem ocorrido, por exemplo, em relação à população em situação de rua no Brasil, que é frequentemente responsabilizada pela situação em que se encontra, é vítima de massacres e perseguições policiais. E quando se busca conhecer as estratégias do Estado, nas três esferas de governo, para o enfrentamento desse fenômeno, não são encontradas políticas sociais acessíveis a esse segmento, mas apenas alguns programas de natureza residual, como abrigos e albergues.
A análise da questão social como imanente ao capitalismo não elimina a exigência de se apreender suas múltiplas expressões e formas concretas, como é o caso da população em situação de rua. Essa apreensão subsidia a definição de políticas de enfrentamento. Quanto às estratégias de enfrentamento da questão social, em sua demarcação analítica, Iamamoto (2004) destaca dois importantes itens. O primeiro trata do “chamamento à responsabilidade do Estado”, que, em verdade, é uma das marcas da análise da autora sobre o tema, como se pode conferir, em mais este trecho de sua obra (Iamamoto, 2004, p. 17):
[...] a questão social diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado (...) Foram as lutas sociais que romperam o domínio privado nas relações entre capital e trabalho, extrapolando a questão social para a esfera pública, exigindo a interferência do Estado para o reconhecimento e a legalização de direitos e deveres dos sujeitos sociais envolvidos. Esse reconhecimento dá origem a uma ampla esfera de direitos sociais públicos atinentes ao trabalho - consubstanciado em serviços e políticas sociais -, o que, nos países centrais, expressou-se no Welfare State, Estado Providencia ou Estado Social (todos os grifos são da autora).
O outro item que trata da demarcação analítica de Iamamoto (2004), no que se refere ao
44 | BAHIA ACOLHE
enfrentamento da questão social, é “a prevalência das necessidades da coletividade dos trabalhadores” e a “afirmação de políticas sociais de caráter universais, voltadas, aos interesses das grandes maiorias.” Coerente com a sua análise, a autora defende as políticas sociais de caráter universal como reforço à perspectiva da cidadania.
Assim sendo, este fenômeno constitui expressão radical da questão social na contemporaneidade, que materializa e dá visibilidade à violência do capitalismo sobre o ser humano, despojando-o completamente dos meios de produzir riqueza para uso próprio e submetendo-o a níveis extremos de degradação de vida.
O terceiro aspecto característico do fenômeno é a sua localização nos grandes centros urbanos. Atualmente, é facilmente perceptível a concentração de pessoas em situação de rua nos grandes centros urbanos. Mas essa não é uma característica nova. Surgiu nas cidades pré-industriais e, segundo Bursztyn (2000, p. 19), “viver no meio da rua não é um problema novo. Se não é tão antigo quanto a própria existência das ruas, da vida urbana, remonta, pelo menos, ao renascimento das cidades, no início do capitalismo”. Mas, que fatores explicam esta característica? Por que as grandes cidades são mais atrativas para se adotar as ruas como espaço de moradia e sustento?
A população que se encontra na rua usa de estratégias próprias de subsistência, sendo que a principal delas é recorrer às chamadas bocas de rango, locais de distribuição gratuita de comida, feita predominantemente em espaços públicos: praças, viadutos e parques. Concentram-se no centro da cidade, na maioria das vezes nos finais de semana, e são feitas por instituições filantrópicas de caráter assistencial (VIEIRA, BEZERRA e ROSA [orgs.], 1994, apud COSTA, 2005).
Além das Casas de Convivência conveniadas com a Prefeitura, que oferecem serviços de banho, barba e lavagem de roupas, [...] muito procuradas pela população de rua, as de-
BAHIA ACOLHE | 45
mais alternativas são soluções improvisadas: bicas, chafarizes, represas ou postos de gasolina (ibidem, p.108).
Portanto, a conjugação da maior circulação do capital, da infraestrutura, arquitetura e a geopolítica dos grandes centros ajudam a explicar porque este fenômeno é essencialmente um fenômeno urbano. Os municípios, pouco urbanizados, não oferecem as possibilidades alternativas de moradia na rua e sustento da rua que os grandes centros urbanos oferecem.
O quarto aspecto característico é o preconceito como marca do grau de dignidade e valor moral atribuído pela sociedade às pessoas atingidas pelo fenômeno. Em todas as épocas e lugares sempre se presenciou discriminações negativas relacionadas às pessoas em situação de rua. As diversas denominações, pejorativamente utilizadas pela sociedade para designá-las, são exemplos do preconceito social existente: mendigos, malandros, maloqueiros, desocupados, bandidos, contraventores, vadios, sujos, flagelados, náufragos da vida, rejeitados, indesejáveis, pedintes, encortiçados, toxicômanos, maltrapilhos, carentes, doentes mentais, entre outros.
Ao fazer a sistematização das histórias de vida de quatorze pessoas com trajetória de rua e refletir sobre elas, Vieira, Bezerra e Rosa [orgs.](1994, apud COSTA, 2005) registra uma série de depoimentos referentes ao assunto, revelando a dor e a indignação de seus entrevistados em decorrência dos preconceitos e discriminações que sofrem. Sobre o assunto, a autora afirma:
Um problema frequentemente lembrado pelos entrevistados é a humilhação que sofrem quando confundidos com maloqueiro, mendigos, vagabundos, ou seja, com os que já se entregaram, desistiram de lutar e de trabalhar. Diante disso, a força dos preconceitos e estigmas, em relação à população de rua, atua como
46 | BAHIA ACOLHE
reforço dessa identidade negativa (VIEIRA, BEZERRA e ROSA [orgs.], 1994, apud COSTA, 2005).
É muito comum que as pessoas em situação de rua sejam responsabilizadas pela situação em que se encontram, por suas imperfeições ou falhas de caráter. Muitas vezes também são tratadas como uma ameaça à comunidade. No entender de Borin (2003, p. 122), “os moradores de rua são muito estigmatizados pelos cidadãos da cidade. Eles despertam medo, nojo e descaso”. As práticas higienistas, direcionadas para camuflar o fenômeno, mediante massacres, extermínios ou recolhimento forçado dessas pessoas das ruas, continuam presentes nos tempos atuais, nos grandes centros urbanos do país, inclusive conduzidas por órgãos do poder público. Essas práticas são impregnadas de preconceitos e estigmatizam as pessoas a quem são dirigidas. Um exemplo recente de práticas dessa natureza foi o massacre de pessoas em situação de rua realizado entre os dias 19 e 22 de agosto de 2004, no centro da cidade de São Paulo, que resultou na morte de sete pessoas e nove gravemente feridas (Fórum Centro Vivo, 2006:141). Este massacre, amplamente denunciado pela imprensa nacional e estrangeira, foi repudiado pela sociedade, porém, até a conclusão deste trabalho, não ocorreu a punição dos culpados.
O preconceito como marca do grau de dignidade e valor moral atribuído pela sociedade às pessoas em situação de rua é um traço típico do fenômeno em todos os países em que o mesmo se manifesta. No Brasil não é diferente.
Embora esse fenômeno seja mundial e guarde características comuns, não importando as cidades em que estão presentes, um dos seus aspectos característicos são as particularidades vinculadas ao território em que se manifesta.
O quinto aspecto referem-se as particularidades decorrentes dos hábitos, dos valores e das características socioeconômicas, culturais e geográficas predominantes no território.
BAHIA ACOLHE | 47
Essas especificidades se refletem no perfil socioeconômico, no tempo de permanência nas ruas e nas estratégias de subsistência utilizadas pelas pessoas em situação de rua.
No Brasil, um país de dimensão continental, os estudos existentes revelam que algumas particularidades regionais do fenômeno, vinculadas ao território em que o mesmo se manifesta, são bem definidas. Por exemplo, em períodos de inverno rigoroso no sul e sudeste do país há uma menor percepção do fenômeno porque as pessoas atingidas utilizam estratégias para se protegerem do frio, recolhendo-se em albergues ou outros espaços e, algumas vezes, se deslocando, temporariamente, para outras cidades ou regiões.
Esta característica é comentada por Escorel (2000, apud SANTOS, 2009), no texto a seguir:
O espaço urbano interfere significativamente nos grupos que se formam na rua - nos tipos de agrupamento, nas possibilidades de fixação, nas atividades de subsistência que podem ser realizadas,- e, em contrapartida os moradores de rua marcam o tecido urbano. Essas interferências recíprocas podem ser observadas nas diferenças entre os perfis das populações de rua, segundo a cidade em que moram. Em particular, as especificidades do espaço urbano de Brasília contrastam significativamente com as das demais cidades - Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre - sobre cujos moradores de rua obtivemos dados (ESCOREL, 2000 apud SANTOS, 2009).
O sexto aspecto característico, bem acentuado na realidade brasileira, é a tendência à naturalização do fenômeno. É uma tendência que se faz acompanhada da inexistência de políticas sociais, capazes de reduzir a pobreza e as desigualdades sociais na perspectiva de alargar a cidadania, que assegure cobertura às pessoas que se encontram em situação de rua. É acompanhada também da quase inexistência de dados e informações científicas sobre o fenômeno nos grandes centros urbanos. Essa tendência conduz ao enfrentamento
48 | BAHIA ACOLHE
do fenômeno como um processo natural da sociedade moderna, que deve ser amenizado, controlado, para não comprometer a ordem burguesa, ou ainda como resultante dos traços invariáveis da sociedade humana e não como um produto das sociedades capitalistas. É, portanto, uma tendência que atribui aos indivíduos a responsabilidade pela situação em que os mesmos se encontram, isentando a sociedade capitalista de sua reprodução e o Estado da responsabilidade de enfrentá-lo.
Em face do exposto, pode-se dizer que o fenômeno população em situação de rua vincula-se à estrutura da sociedade capitalista e possui uma multiplicidade de fatores de natureza imediata que o determinam. Na contemporaneidade, constitui uma expressão radical da questão social, localiza-se nos grandes centros urbanos, sendo que as pessoas atingidas são estigmatizadas e enfrentam o preconceito como marca do grau de dignidade e valor moral atribuído pela sociedade. É um fenômeno que tem características gerais, porém possui particularidades vinculadas ao território em que se manifesta. No Brasil, essas particularidades são bem definidas. Há uma tendência à naturalização do fenômeno, que no país se faz acompanhada da quase inexistência de dados e informações e da inexistência de políticas públicas para enfrentá-lo.
fATORES QuE LEvAM OS InDIvÍDuOS À SITuAçãO DE RuA (Daiane dos Santos Santos)
A ruptura entre os moradores de rua e seus familiares ou pessoas com as quais convivem, nem sempre é definitiva e irreversível. Em geral se dá de forma processual e muitas vezes as famílias nem chegam a tomar conhecimento da situação. Eles conseguem viver na rua em segredo, sem manter contato com familiares que os dão como desaparecidos ou mantendo contato com os familiares e dizendo que estão dormindo em pensões.
O afastamento da família, elemento fundamental de apoio material, de solidariedade e de
BAHIA ACOLHE | 49
referência no cotidiano, permite uma primeira configuração da população de rua: é um grupo social que apresenta vulnerabilidade nos vínculos familiares e comunitários. (ESCOREL, 1999, p. 103 apud SANTOS, 2009).
A dimensão sócio-familiar merece destaque especial, pois os conflitos nesse âmbito permeiam as decisões de saída do lar. As causas do conflito em geral são a orientação sexual do morador de rua, o alcoolismo, o consumo ou tráfico de drogas que influenciam não só a unidade familiar pelos conflitos, mas pelo desequilíbrio do orçamento doméstico; o envolvimento em assaltos e/ou outros crimes, conflitos de valores, a violência ou abuso sexual por parte de algum parente(pai, irmão, padrasto).
Existem ainda aqueles que são expulsos de casa ou abandonados pela família por representarem um empecilho, um estorvo para os parentes. Dentre os quais estão os doentes mentais, idosos e deficientes físicos que representam a parcela inativa da sociedade. Nestes casos, a família não tem perspectiva de que eles venham a contribuir nas despesas da casa, os custos com sua saúde são altos, e, em certos casos, colocarem seus familiares em situações de risco. Ocorrem também situações em que os moradores saem de casa e se perdem, passando a habitar as ruas da cidade.
DAIAnE DOS SAnTOS SAnTOS (Opus citatum)
[...]Eu já morei com maluco, velho, criança, adulto, é gente de todo tipo. Os velhos dão pena, a família abandona, não quer gastar dinheiro e os doido nem o manicomo quer... (risos), tem um bocado de gente do interior que entrou no ônibus e veio parar aqui.
Os moradores de rua são quase que exclusivamente provenientes das camadas mais po-
50 | BAHIA ACOLHE
bres da população, geralmente são pessoas de baixa escolaridade e qualificação profissional, cujos vínculos estabelecidos com o mundo do trabalho já eram frágeis mesmo antes de se encontrarem em situação de rua e, como constatou Neves (1995, apud SANTOS, 2009 ):
Na sociedade capitalista, se não se vive da apropriação do resultado do trabalho de outrem, não se pode ter a liberdade de viver sem trabalhar. Ou seja, essa liberdade não pode ser a de negar o trabalho. Decorrem então todos os conteúdos morais que dão positividade ao trabalho e ao trabalhador que valoriza o fato de trabalhar. Ao final, o trabalho empresta virtude à liberdade. (NEVES, 1995, p. 65, apud SANTOS, 2009).
Para os homens que mantém o ideário de referência em suas famílias assumindo a obrigação de sustentar os seus “dependentes”, quando não lhes é possível prover, sentem sua autoridade destituída, auto-negativam sua imagem. O poeta GONZAGUINHA deixou registrado em uma de suas músicas esse sentimento de impotência e falta de legitimidade social que permeia a vida dos homens sem trabalho:
“[...] Um homem se humilha / Se castram seu sonho / Seu sonho é sua vida / E a vida é trabalho / E sem o seu trabalho / Um homem não tem honra / E sem a sua honra / Se morre, se mata / Não dá pra ser feliz /Não dá pra ser feliz.” (GONZAGUINHA, 1983, faixa 05)
Para Escorel (1999, apud SANTOS, 2009) o “cair na rua” dos homens tem muitas vezes por pano de fundo a pobreza enfrentada cotidianamente no seio familiar e mais ainda, a vergonha que sentem por não conseguirem reverter essa situação.
Não é possível obter uma taxa de desemprego junto à população de rua nem tampouco
BAHIA ACOLHE | 51
estabelecer uma correlação direta e mecânica entre desemprego, ou extrema vulnerabilidade do vínculo laboral, e a moradia nas ruas. No entanto, os depoimentos dos próprios moradores de rua e algumas pesquisas indicam que o desemprego é um dos principais motivos que conduzem as pessoas a viverem nas ruas. Relacionar processos de vulnerabilidade e desvinculação na dimensão do trabalho e rendimentos com a condição de morador de rua é buscar estabelecer até que ponto são originários da esfera ocupacional os estímulos que podem levar o indivíduo a atingir o “ponto zero”, definido como esgotamento dos recursos socioeconômicos suscetíveis de manter sua sobrevivência (ESCOREL, 1999, apud SANTOS, 2009).
Embora a falta de emprego formal caracterize o morador de rua, esse aspecto não se constitui o fator primordial da ocupação das ruas. Em geral, o desemprego motiva a desavença familiar considerando a lógica capitalista apresentada por Neves (1995, apud SANTOS, 2009 ), e algumas migrações. Seja por fracasso das migrações, seja pela falta de aceitação familiar da condição do indivíduo que por vergonha resiste em voltar para casa sem emprego, o indivíduo se impõe esta condição. Dessa forma, estar inserido no mercado de trabalho é antes uma necessidade imposta pela ruptura com o núcleo familiar do que uma vontade do indivíduo.
Muitas vezes a situação de rua associa múltiplos fatores dentre os quais quase sempre um é de ordem emocional, tal qual o divórcio, o adultério, que combinados com o alcoolismo e o desemprego levam o indivíduo a esse modo de vida. Os desastres naturais, as grandes tragédias pessoais que fazem com que as pessoas percam suas casas, bem como problemas familiares, podem levar o indivíduo a habitar as rua.
No Brasil alguns trabalhos tais como os escritos por Zaluar e D’Incao (1995, apud SANTOS, 2009), colocam a questão da “opção” ou “não-opção” por viver na rua, como se pode observar nas passagens a seguir.
52 | BAHIA ACOLHE
É preciso abandonar a retórica romântica de apontá-los como pessoas livres que escolheram estar na rua como um exercício de liberdade e ouvir o que têm a dizer sobre o seu sofrimento e a vontade que alguns ainda expressam de sair dessa situação de absoluta penúria. A ideia de defender o direito dessas pessoas ficarem na rua, expondo-se à violência física e simbólica de todos, inclusive dos próprios companheiros, ou de considerar essa situação como chaga da sociedade que precisa continuar a ser vista cotidianamente deve ser repensada. Até porque ser tratado como chaga e obrigado a ser visto assim talvez não seja o desejo dos moradores da rua, cuja única organização conhecida em São Paulo foi autodenominada sofredores de rua. (ZALUAR, 1995 apud SANTOS, 2009). Tenho observado que as relações sociais iguais ou transparentes às quais já nos referimos são em si mesmas transformadoras. Porque essas pessoas foram socializadas nas perversas relações de dominação que caracterizam nossa história e, na oportunidade de uma relação igual ou de respeito mútuo, começam a romper a paralisia das relações sociais que lhes foram impostas e a se pensar como capazes de algum tipo de decisão sobre suas próprias vidas. Mas, daí a pensar as alternativas de vida ou de trabalho que os homens de rua vêm desenvolvendo em seu cotidiano, penso que existe uma grande distância. Proclamar a liberdade implícita nesses novos modos de vida me parece, no mínimo, inocência. (...) E tenho receio dessa valorização ingênua de suas formas ou modos de vida como espaço de contestação social ou de exercício de liberdade. Sou tentada a pesar que essas leituras das populações de rua correspondem muito mais a desejos de liberdade reprimidos em nós mesmos, a projeções de nossas próprias frustrações. Mas isso já é uma outra história. (D’INCAO, 1995, apud SANTOS, 2009)
As passagens de ambas as autoras provocam uma intensa reflexão acerca da rua como moradia ser uma opção na vida de indivíduos, que se submeteriam a situações precárias,
BAHIA ACOLHE | 53
mesmo lhe sendo oportunizada uma relação de igualdade, em nome de uma identificação moral, de um manifesto social ou uma possível forma de expressar sua liberdade. Essa posição é combatida pelas autoras que apontam essa forma de encarar a situação dos moradores de rua como romântica e ingênua. De fato, nos caminhos percorridos para o desenvolvimento do presente trabalho, dos depoimentos obtidos, em nenhum ficou evidenciado o estar nas ruas por opção, por militância, diante da possibilidade de um destino diferente, que não o apresentado na forma de abrigos; ao contrário, viver nas ruas é sempre apontado como a última alternativa de sobrevivência.
A insuficiência de renda nas lavouras, a falta de oferta de trabalho nas cidades, principalmente para trabalhadores com baixa qualificação profissional, provoca a migração de pessoas de cidade em cidade em busca de melhores condições de vida. Entretanto, a inserção no mercado de trabalho, especialmente nos grandes centros urbanos, depende de alguns requisitos que são raros entre os migrantes de baixa renda: escolaridade, profissionalização ou especialização em certos tipos de serviços, compatíveis com as necessidades urbano industriais; documentação em ordem, cartas de referência e residência fixa.
Dessa forma, essas pessoas que já ao deixar seu território apresentam poucas possibilidades de serem absorvidas pelo mercado, apresentam grandes chances de insucesso e, em alguns casos, quando não possuem suporte para retorno à cidade de origem, ou mesmo lhes falta coragem para enfrentar a família, resulta numa reterritorialização nômade, seja por processos de errância entre as cidades, seja pela fixação dessa população na rua. Ou seja, um migrante que não consegue trabalho na cidade para onde se deslocou, parte em busca de trabalhos temporários em várias cidades. Com a escassez desses trabalhos temporários ele continua a viajar porque não pode voltar para casa sem um trabalho, passa a aceitar qualquer tipo de serviço para garantir sua sobrevivência e não se fixa nas cidades tempo suficiente para encontrar um trabalho melhor, se tornando um trecheiro (viajante que percorre uma estrada de trecho em trecho), até perder ou ter seus documentos rou-
54 | BAHIA ACOLHE
bados o que obriga a fixação temporária numa cidade pela espera da nova documentação, provocando o improviso de um local para passar alguns dias, aonde eles vão precisar estabelecer laços sociais para se manter, implicando no desenvolvimento de práticas como o alcoolismo que pode levar o indivíduo à completa penúria. A possibilidade de estabelecer uma continuidade com o comportamento do migrante que o leve a situação de rua faz com que muitas explicações para a existência da população de rua tenham como ponto de partida a migração.
Mas antes de atribuir aos processos migratórios à existência de moradores de rua nas grandes cidades é importante considerar os dois principais fatores responsáveis que fariam desses processos as causas desse fenômeno: o fator econômico, que é o desemprego, e os possíveis choques culturais a que estão sujeitos os migrantes. Portanto, muito embora a população de rua seja composta por pessoas sem emprego formal, provenientes de famílias de baixa renda e com baixa escolaridade, a pobreza, o desemprego e a baixa escolaridade não são razões suficientes para explicar a existência desse contingente de pessoas que ocupam as ruas da cidade ou teria que se explicar porque milhares de pessoas desempregadas, provenientes de famílias de baixa renda e com pouca escolaridade não estão vivendo nas ruas e sim em suas casas, com suas famílias.
Apesar do desemprego ser um componente importante na vida dos moradores de rua, não é exclusividade dos migrantes, como também não pode ser considerado o fator preponderante para que as pessoas abandonem suas famílias para viver nas ruas.
Segundo Durham (1984, apud SANTOS, 2009), as estratégias criadas pelos migrantes para se adaptar à vida nas metrópoles passam antes por uma solução de compromisso entre o modo de vida que levavam no meio rural e as exigências apresentadas pela vida metropolitana, do que por uma mudança abrupta de valores ou ruptura dos vínculos afetivos e familiares.
BAHIA ACOLHE | 55
O choque cultural entre o campo e a cidade e à dificuldade de adaptação não necessariamente obrigam a fixação dos indivíduos nas ruas, tendo em vista a existência de indivíduos provenientes de outras regiões que não se encontram nesta situação. Além disso, nem todo morador de rua que não é natural de Salvador é proveniente do meio rural, pelo contrário, há muitos moradores de rua em Salvador que vieram das grandes cidades ou capitais brasileiras.
Assim, considerando a perspectiva de Durham (1984, apud SANTOS, 2009) percebe-se que o que acontece aos migrantes é o contrário do que acontece aos que se tornam moradores de rua e aos trecheiros: enquanto moradores de rua e trecheiros rompem com os laços familiares e não os recompõem mesmo no momento em que passam por dificuldades pessoais, os migrantes procuram estreitar ou, até mesmo, recriar laços familiares para superar as dificuldades que encontram na vida das grandes cidades. O fracasso no mercado de trabalho não é, pois, suficiente para fazer de um migrante um trecheiro ou um morador de rua.
Porém, uma vez atingido a situação de rua, as possibilidades de retorno à cidade natal se tornam cada vez menores. Ninguém quer voltar para casa em pior situação e a volta é sempre adiada para quando a situação melhorar. Em depoimentos extraídos do livro de Escorel (1999, apud SANTOS, 2009) pode-se perceber claramente a dificuldade de encarar a família após a tentativa frustrada de melhorar a qualidade de vida: “Eu não posso voltar pra casa do jeito que eu tô, por isso eu queria arrumar um quarto pra mim, estabilizar-me de novo, [...]; vou chegar na minha casa de bermuda e uma mochila nas costas?” (ESCOREL, 1999, apud SANTOS, 2009).
Quem se dispõe a sair de sua terra natal para enfrentar o novo, reúne todas as suas forças e reservas econômicas e emocionais para trazer o melhor para casa, portanto, voltar fra-
56 | BAHIA ACOLHE
cassado para a família é uma dor para a qual não se tem mais reservas.
Às vezes eu penso em voltar, sabe? Mas voltar da forma que eu tô não posso não... eu tenho a maior vergonha de voltar pra minha casa da forma que eu tô, destruído, tinha que tar bem melhor, sabe? Ó só, vou falar um coisa... sem dente, sem roupa, sem nada, sei lá, destruído totalmente, não volto não (ESCOREL, 1999, p. 147, apud SANTOS,2009).
Se a maior proporção de moradores de rua em relação à população total é encontrada nas cidades com maior contingente populacional, talvez seja porque as condições de existência da população de rua estejam mais presentes nas cidades grandes do que nas pequenas.
As cidades menores costumam desenvolver políticas mais eficientes de deportação de potenciais moradores de rua, além do fato das grandes cidades produzirem mais lixo, propiciando a catação de lixo que se apresenta como importante fonte de renda para quem habita as ruas; um mercado mais intenso que demanda mais caminhões para descarga de materiais, possibilitando a realização de trabalhos temporários. Ou seja, nas grandes cidades, a população de rua encontra mais recursos para a sua sobrevivência.
Nessa perspectiva a população de rua tem suas origens no desenvolvimento do capitalismo e no crescimento das cidades. Mas, mesmo considerando que essa população é proveniente das camadas mais baixas da população, não é no desemprego ou na pobreza extrema que se encontram as causas de sua existência, e sim nas próprias condições desse desenvolvimento que fazem da inserção no mercado formal de trabalho uma condição primordial para a inserção social e que leva as administrações municipais a adotar políticas de afastamento, acolhimento ou repressão desta população que não se adequa aos modos de vida apresentados como desejáveis ou, pelo menos, aceitáveis pelo poder
BAHIA ACOLHE | 57
público e pela sociedade.
? QuEM É A POPuLAçãO EM SITuAçãO DE RuA nO BRASIL DE HOJE?
A partir dos dados obtidos através da Pesquisa Nacional sobre a população em situação de rua3, realizada em 2007-2008 pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, obtemos um retrato da população de rua adulta do país.
Foram identificadas 31.922 pessoas em situação de rua nas cidades pesquisadas vivendo em calçadas, praças, rodovias, parques, viadutos, postos de gasolina, praias, barcos, túneis, depósitos e prédios abandonados, becos, lixões, ferro-velho ou pernoitando em instituições (albergues, abrigos, casas de passagem e de apoio e igrejas). Conforme destacado na apresentação deste sumário, o número relatado diz respeito aos resultados da pesquisa realizada em 71 municípios.
Assim, o total de pessoas em situação de rua vivendo no Brasil é mais elevado. O contingente ora descrito equivale a 0,061% da população dessas cidades. Em outros levantamentos realizados (São Paulo, Belo Horizonte e Recife) foram encontrados índices semelhantes.
Do total das entrevistas, 27,5% foram realizadas em instituições. O restante (72,5%) ocorreu em locais caracterizados como rua (calçadas, praças, parques, viadutos, entre outros).
58 | BAHIA ACOLHE
A taxa de recusa dos entrevistados em responder o questionário foi muito baixa (13,4%), inferior à obtida no Censo de População de Rua de Belo Horizonte de 2005 (20,4%).
QuAnDO HOuvE RECuSA, OS PRInCIPAIS MOTIvOS fORAM:
A negativa do entrevistado em respon-
36,6% 18,0%
der a pesquisa, seja por não acreditar que esse tipo de levantamento de dados possa beneficiá-lo, por indisposição, por não gostar de responder pesquisas etc.; O fato de o entrevistado não ter acordado para responder
14,3%
Embriaguez
14,0%
Aparente transtorno mental
BAHIA ACOLHE | 59
PERfIL DOS EnTREvISTADOS
$
CARACTERÍSTICAS SOCIOECOnÔMICAS • A população em situação de rua é predominantemente masculina
(82%). • Mais da metade (53%) das pessoas adultas em situação de rua entrevistadas (somente foram entrevistadas pessoas com 18 anos completos ou mais) possui entre 25 e 44 anos. • 39,1% das pessoas em situação de rua se declararam pardas. Essa proporção é semelhante à observada no conjunto da população brasileira (38,4%). • Declararam-se brancos 29,5% (53,7% na população em geral) e pretos 27,9%, (apenas 6,2% na população em geral). Assim, a proporção de negros (pardos somados a pretos) é substancialmente maior na população em situação de rua. • Os níveis de renda são baixos. A maioria (52,6%) recebe entre R$ 20,00 e R$80,00 semanais.
fORMAçãO ESCOLAR
• 74% dos entrevistados sabem ler e escrever. 17,1% não sabem escrever e 8,3% apenas assinam o próprio nome. • A imensa maioria não estuda atualmente (95%). • Apenas 3,8% dos entrevistados afirmaram estar fazendo algum curso (ensino formal 2,1% e profissionalizante 1,7%).
60 | BAHIA ACOLHE
TABELA: POPuLAçãO EM SITuAçãO DE RuA SEGunDO ESCOLARIDADE, 2007-8
Fonte: Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, Meta/MDS, 2008. *Nota: %a expressa a porcentagem acumulada, ou seja, o somatório da participação das categorias já apresentadas dentro do total.
BAHIA ACOLHE | 61
uM DETALHE: A MuLHER nA SITuAçãO DE RuA As décadas de 70 e 80 tiveram muita relevância para o movimento das mulheres no Brasil. Além da luta pela redemocratização do país, o movimento se amplia e se diversifica, alcança partidos políticos, sindicatos e associações comunitárias. Com a acumulação das discussões e das lutas, o Estado reconhece a especificidade da condição feminina, acolhendo propostas do movimento na Constituição Federal e na elaboração de políticas públicas voltadas para o enfrentamento e superação das privações, discriminações e opressões sofridas pelas mulheres. Também foram criados os Conselhos dos Direitos da Mulher, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, e programas específicos de Saúde Integral e de Prevenção e Atendimento às Vítimas de Violência Sexual e Doméstica.
As conquistas previstas legalmente, entretanto, não são condições suficientes para garantir o direito à igualdade de gênero, sendo as mulheres ainda profundamente discriminadas em todos os espaços da vida social.
Como exposto, de acordo com os dados censitários do Sumário Executivo da Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, em 2008, o perfil dos moradores em situação de rua é predominantemente adulto e masculino. E o confronto de gênero apresenta-se bastante presente na população em situação de rua. É, de fato, notável o quanto o preconceito neste segmento é forte. O que o agrava não é somente a situação de vulnerabilidade das ruas por si, mas o fato de derivar de uma sociedade com um histórico de desvalorização da mulher.
62 | BAHIA ACOLHE
Neste contexto, a relação de gênero vivida nas ruas pela população de rua feminina se configura como uma das maiores dificuldades que estas mulheres enfrentam cotidianamente, não apenas com o preconceito da exclusão da sociedade, mas também pelo fato de serem desvalorizadas, simplesmente, por serem mulheres.
As mulheres em situação de rua são, portanto, obrigadas a criar estratégias próprias de sobrevivência, para conviverem com as adversidades da rua.
De acordo com Tiene (2004, apud COSTA, 2005), essas mulheres nunca estão sozinhas. Buscam conviver em grupos de modo a se sentirem protegidas, procurando companheiros para se sentirem seguras, tendendo, na maioria das vezes, a serem submissas sexualmente com o propósito de garantir sua segurança.
Essas relações se tornam essenciais em seu cotidiano, para que possam sobreviver nas ruas. A maioria das mulheres em situação de rua abandonaram seus filhos, o que reflete em suas vidas como sentimento de nostalgia e culpabilidade. A lembrança da família é muito marcante na memória dessas mulheres e segundo Tiene (2004, apud COSTA, 2005), as mães são as figuras mais enfatizadas por esta população.
A mulher em situação de rua, pela sua condição feminina e por ser minoria neste espaço, torna-se submissa ao domínio masculino que se afirma e prevalece diante destes fatos. E, na busca pela sobrevivência sem maiores danos, ela busca neste homem algum tipo de proteção para vencer mais um dia de
BAHIA ACOLHE | 63
luta. Diariamente, as mulheres sofrem com a superioridade masculina e as relações de gênero são presentes em todos os momentos e atividades realizadas. Todas têm seu valor individual e cada uma delas cria suas próprias estratégias de como manter a boa relação com o gênero mais presente nas ruas.
A população feminina ainda passa pela questão de generocídio. Consideradas mais vulneráveis, muitas mulheres são acometidas pela violência sexual praticadas pela mesma população, marcando-as profundamente física e psicologicamente, obrigando-as a manter submissão sexual em troca de proteção, pela sua fragilidade, pelas suas características comportamentais de subserviência e obediência frente à população de rua masculina. Além de passarem por privações no dia a dia, correm riscos em relação à violência da rua, havendo poucos serviços e equipamentos para atendimento de suas necessidades.
REfERÊnCIAS BORIN, Marisa do E. S. Desigualdades e Rupturas Sociais na Metrópole: os Moradores de Rua em São Paulo. Tese de doutorado em Ciências Sociais, PUCSP, 2003.
BURSTZYN, Marcel (org.) no meio da Rua. Rio de janeiro, RJ. Editora Garamond Ltda., 2000.
COSTA, A.P. Motta. In Revista virtual Textos & Contextos. 2005. Disponível em <http:// revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile/993/773>. Acesso em: 04/ abril/2013.
64 | BAHIA ACOLHE
ESCOREL Sarah. vidas ao léu: Trajetórias da exclusão social. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, 1999.
IAMAMOTO, Marilda V. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. Ensaios críticos. 7ª ed., São Paulo: Cortez, 2004. ___________________. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 9 ed. São Paulo, Cortez, 2005. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: livro primeiro: o processo de produção do capital: volume I, tomo II (capítulos XIII a XXV). São Paulo: Nova Cultural, 1988b. (Coleção Os Economistas).
MELO, Tomás Henrique de Azevedo Gomes. A Rua e a Sociedade: Articulações Políticas, Socialidade e a Luta por Reconhecimento da População em Situação de Rua. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2011.
NETTO, J. P. A conjuntura brasileira: o Serviço Social posto à prova. Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Cortez, 2004. n. 79.
ROSANVALLON, P. A nova questão social: repensando o Estado Providência. Brasília: Instituto Teotônio Vilela, 1998. 170 p.
SANTOS, Daiane dos Santos. O Retrato do Morador de Rua da Cidade de Salvador-BA: um Estudo de Caso. Monografia (Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos e Cidadania) – Fundação Escola do Ministério Público. Universidade Federal da Bahia, 2009.
BAHIA ACOLHE | 65
66 | BAHIA ACOLHE
BAHIA ACOLHE | 67
68 | BAHIA ACOLHE
MARCO REGuLATóRIO A BASE LEGAL BRASILEIRA A Constituição Federal, em seu capítulo II – da Seguridade Social, art. 203, 204, 226 e 227, traz o fundamento legal para a proteção social a pessoas, famílias e, especialmente, a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade e de risco pessoal e social.
A Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS, Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, vem regulamentar os pressupostos constitucionais, conferindo a Assistência Social o status de Política Pública, Direito do Cidadão e Dever do Estado.
Através de regulações complementares (PNAS, NOB – SUAS/RH), foram definidas as diretrizes, as formas de organização, a gestão dos serviços e as responsabilidades compartilhadas dos entes federativos, no campo da assistência social. A LOAS atribui alto grau de responsabilidade à esfera estadual quanto ao cofinanciamento das ações desenvolvidas em âmbito local, devendo assumir diretamente o desenvolvimento de atividades consideradas de maior complexidade ou de abrangência regional e/ou estadual.
Com a regulamentação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 e da LOAS, mudanças vêm sendo exigidas nas práticas de intervenção adotadas pelas instituições, no tocante ao atendimento à população em situação de extrema vulnerabilidade, em particular, àquelas em situação de rua.
O norte dessa mudança está na superação das práticas assistencialistas, fortemente arraigadas nos programas de atendimento a essa população, para modelos baseados na visão de cidadania e no reconhecimento dessas pessoas como sujeitos de direitos.
BAHIA ACOLHE | 69
O Decreto 7.053/09, que instituiu a Política Nacional Para a População em Situação de Rua, reforça os preceitos previstos nas diversas normativas, destinando como prioridade este público alvo e, assim como o ECA e a LOAS, define como princípio normativo a integração das ações das diversas políticas para assegurar a universalidade dos direitos e a integralidade do atendimento, materializada na construção do trabalho em rede.
A Política Nacional de Assistência Social, no que se refere à população em situação de rua, prioriza os serviços que possibilitem a organização de um novo projeto de vida, visando criar as condições para que possam adquirir referências na sociedade, enquanto sujeito de direito.
Ademais, o decreto 7.492/2011, que instituiu o Plano Brasil Sem Miséria, não deixa dúvidas de que os esforços devem ser envidados pelo poder público, em todos os seus níveis de governo, a partir de diversas estratégias, para acabar com situações de violação de direitos sociais quando explicita que foi instituído “com a finalidade de superar a situação de extrema pobreza da população em todo o território nacional, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações”.
Na linha do que regem as legislações mais abrangentes, a estruturação do PROGRAMA BAHIA ACOLHE, através do Decreto 13.795/12, parte do principio de que a rua não é lugar para se viver com dignidade. Portanto, deve-se possibilitar a essa população o acesso aos direitos sociais, a garantia do convívio familiar e comunitário e as condições para superação desse problema social.
70 | BAHIA ACOLHE
Em uma organização mais didática, teremos o marco legal que fundamenta a atenção à população em situação de rua na seguinte estrutura cronológica:
BAHIA ACOLHE | 71
TIPIfICAçãO DE SERvIçOS SOCIOASSISTEnCIAIS InTRODuçãO Em linhas gerais, a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais, aprovada a partir da Resolução 109/09, do Conselho Nacional de Assistência Social1, procura organização a prestação dos serviços aos diversos usuários signatários das ações no campo da assistência social. Esta organização compreende nas definições de padrões mínimos de qualidade na oferta desses serviços, uma vez que a realidade apontava para uma prestação calcada na concepção individual de quem o executava, gerando incompreensões e desvios de conduta que se contrapunham aos princípios da legislação brasileira.
Portanto, a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais, organiza por níveis de complexidade do SUAS: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, de acordo com a disposição abaixo:
I
SERvIçOS DE PROTEçãO SOCIAL BÁSICA a) Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família - PAIF; b) Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos; c) Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conselho Nacional de Assistência Social. Tipificação nacional de serviços socioassistenciais: texto da resolução nº109, de 11 de novembro de 2009, publicada no DOU em 25 de novembro de 2009. Brasília. 2009. 10
72 | BAHIA ACOLHE
II
SERvIçOS DE PROTEçãO SOCIAL ESPECIAL DE MÉDIA COMPLExIDADE:
a) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos - PAEFI; b) Serviço Especializado em Abordagem Social; c) Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida - LA, e de Prestação de Serviços à Comunidade - PSC; d) Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosos(as) e suas Famílias; e) Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua.
III
SERvIçOS DE PROTEçãO SOCIAL ESPECIAL DE ALTA COMPLExIDADE:
a) Serviço de Acolhimento Institucional, nas seguintes modalidades: - abrigo institucional; - Casa-Lar; - Casa de Passagem; - Residência Inclusiva. b) Serviço de Acolhimento em República; c) Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora; d) Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emergências.
BAHIA ACOLHE | 73
MATRIz PADROnIzADA A sua “Matriz Padronizada” constitui-se em um glossário-guia, que fornece maior entendimento da lógica de prestação dos serviços, de modo a não haver confusões quanto aos seus requisitos básicos de qualidade. Sendo consolidada nos seguintes moldes:
nOME DO SERvIçO: TERMOS uTILIzADOS PARA DEnOMInAR O SERvIçO DE MODO A EvIDEnCIAR SuA PRInCIPAL funçãO E OS SEuS uSuÁRIOS.
DESCRIçãO: Conteúdo da oferta substantiva do serviço.
uSuÁRIOS: Relação e detalhamento dos destinatários a quem se destinam as atenções. As situações identificadas em cada serviço constam de uma lista de vulnerabilidades e riscos contida no documento.
OBJETIvOS: Propósitos do serviço e os resultados que dele se esperam.
PROvISÕES: As ofertas do trabalho institucional, organizadas em quatro dimensões: ambiente físico, recursos materiais, recursos humanos e trabalho social essencial ao serviço. Organizados conforme cada serviço as provisões garantem determinadas aquisições aos cidadãos.
AQuISIçÕES DOS uSuÁRIOS: Trata dos compromissos a serem cumpridos pelos gestores em todos os níveis, para que os serviços prestados no âmbito do SUAS produzam seguranças sociais aos seus usuários, conforme suas necessidades e a situação de vulnerabilidade e risco em que se encontram. Podem resultar em medidas da resolutividade e efetividade dos serviços, a serem aferidas pelos níveis de participação e satisfação dos usuários e pelas mudanças efetivas e duradouras em sua condição de vida, na perspectiva do fortalecimento de sua autonomia e cidadania. As aquisições específicas de cada serviço
74 | BAHIA ACOLHE
estão organizadas segundo as seguranças sociais que devem garantir.
COnDIçÕES E fORMAS DE ACESSO: Procedência dos(as) usuários(as) e formas de encaminhamento.
unIDADE: Equipamento recomendado para a realização do serviço socioassistencial.
PERÍODO DE funCIOnAMEnTO: Horários e dias da semana abertos ao funcionamento para o público.
ABRAnGÊnCIA: Referência territorializada da procedência dos usuários e do alcance do serviço.
ARTICuLAçãO EM REDE: Sinaliza a completude da atenção hierarquizada em serviços de vigilância social, defesa de direitos e proteção básica e especial de assistência social e dos serviços de outras políticas públicas e de organizações privadas. Indica a conexão de cada serviço com outros serviços, programas, projetos e organizações dos Poderes Executivo e Judiciário e organizações não governamentais.
IMPACTO SOCIAL ESPERADO: Trata dos resultados e dos impactos esperados de cada serviço e do conjunto dos serviços conectados em rede socioassistencial. Projeta expectativas que vão além das aquisições dos sujeitos que utilizam os serviços e avançam na direção de mudanças positivas em relação a indicadores de vulnerabilidades e de riscos sociais.
REGuLAMEnTAçÕES: Remissão a leis, decretos, normas técnicas e planos nacionais que regulam benefícios e serviços socioassistenciais e atenções a segmentos específicos que demandam a proteção social de assistência social.
BAHIA ACOLHE | 75
QuADRO SÍnTESE PROTEçãO SOCIAL BÁSICA
PROTEçãO SOCIAL ESPECIAL
1. Serviço de Proteção e Atendimento
Média Complexidade
Integral à Família – PAIF
1. Serviço de Proteção e Atendimento
2. Serviço de Convivência e Fortaleci-
Especializado a Famílias Indivíduos –
mento de Vínculos
PAEFI
3. Serviço de Proteção Social Básica no
2. Serviço Especializado de Abordagem
Domicílio para Pessoas com Deficiência
Social
e Idosas
3. Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) 4. Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosos(as) e suas Famílias 5. Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua
Alta Complexidade 6. Serviço de Acolhimento Institucional 7. Serviço de Acolhimento em República 8. Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora 9. Serviço de proteção em situações de calamidades públicas e de emergências
76 | BAHIA ACOLHE
SERvIçOS PREvISTOS nA TIPIfICAçãO QuE TRATAM ESPECIfICAMEnTE DA POPuLAçãO EM SITuAçãO DE RuA nOME DO SERvIçO: SERvIçO ESPECIALIzADO PARA PESSOAS EM SITuAçãO DE RuA
DESCRIçãO: Serviço ofertado para pessoas que utilizam as ruas como espaço de moradia e/ou sobrevivência. Tem a finalidade de assegurar atendimento e atividades direcionadas para o desenvolvimento de sociabilidades, na perspectiva de fortalecimento de vínculos interpessoais e/ou familiares que oportunizem a construção de novos projetos de vida. Oferece trabalho técnico para a análise das demandas dos usuários, orientação individual e grupal e encaminhamentos a outros serviços socioassistenciais e das demais políticas públicas que possam contribuir na construção da autonomia, da inserção social e da proteção às situações de violência. Deve promover o acesso a espaços de guarda de pertences, de higiene pessoal, de alimentação e provisão de documentação civil. Proporciona endereço institucional para utilização, como referência, do usuário. Nesse serviço deve-se realizar a alimentação do sistema de registro dos dados de pessoas em situação de rua, permitindo a localização da/pela família, parentes e pessoas de referência, assim como um melhor acompanhamento do trabalho social.
uSuÁRIOS: Jovens, adultos, idosos (as) e famílias que utilizam as ruas como espaço de moradia e/ou sobrevivência.
OBJETIvOS: - Possibilitar condições de acolhida na rede socioassistencial; - Contribuir para a construção de novos projetos de vida, respeitando as escolhas dos usuários e as especificidades do atendimento; - Contribuir para restaurar e preservar a integridade e a autonomia da população em situação de rua;
BAHIA ACOLHE | 77
- Promover ações para a reinserção familiar e/ou comunitária.
PROvISÕES
Ambiente físico: Espaço para a realização de atividades coletivas e/ou comunitárias, higiene pessoal, alimentação e espaço para guarda de pertences, conforme a realidade local, com acessibilidade em todos seus ambientes, de acordo com as normas da ABNT.
Recursos materiais: Materiais permanentes e materiais de consumo necessários para o desenvolvimento do serviço, tais como: mobiliário, computadores, linha telefônica, armários para guardar pertences, alimentação, artigos de higiene. Materiais pedagógicos, culturais e esportivos. Banco de Dados de usuários (as) de benefícios e serviços socioassistenciais; Banco de Dados dos serviços socioassistenciais; Cadastro Único dos Programas Sociais; Cadastro de Beneficiários do BPC.
Recursos humanos: (de acordo com a nOB-RH/SuAS).
Acolhida; escuta; estudo social; diagnóstico socioeconômico; Informação, comunicação e defesa de direitos; referência e contra-referência; orientação e suporte para acesso à documentação pessoal; orientação e encaminhamentos para a rede de serviços locais; articulação da rede de serviços socioassistenciais; articulação com outros serviços de políticas públicas setoriais; articulação interinstitucional com os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos; mobilização de família extensa ou ampliada; mobilização e fortalecimento do convívio e de redes sociais de apoio; mobilização para o exercício da cidadania; articulação com órgãos de capacitação e preparação para o trabalho; estímulo ao convívio familiar, grupal e social; elaboração de relatórios e/ou prontuários.
78 | BAHIA ACOLHE
AQuISIçÕES DOS uSuÁRIOS
Segurança de Acolhida: - Ser acolhido nos serviços em condições de dignidade. - Ter reparados ou minimizados os danos por vivências de violências e abusos. - Ter sua identidade, integridade e história de vida preservadas. - Ter acesso à alimentação em padrões nutricionais adequados.
Segurança de convívio ou vivência familiar, comunitária e social: - Ter assegurado o convívio familiar e/ou comunitário. - Ter acesso a serviços socioassistenciais e das demais políticas públicas setoriais, conforme necessidades.
Segurança de desenvolvimento de autonomia individual, familiar e social: - Ter vivência pautada pelo respeito a si próprio e aos outros, fundamentadas em princípios éticos de justiça e cidadania; - Construir projetos pessoais e sociais e desenvolver a autoestima; - Ter acesso à documentação civil; - Alcançar autonomia e condições de bem estar; - Ser ouvido para expressar necessidades, interesses e possibilidades; - Ter acesso a serviços do sistema de proteção social e indicação de acesso a benefícios sociais e programas de transferência de renda; - Ser informado sobre direitos e como acessá-los; - Ter acesso a políticas públicas setoriais; - Fortalecer o convívio social e comunitário.
BAHIA ACOLHE | 79
COnDIçÕES E fORMAS DE ACESSO
Condições: Famílias e indivíduos que utilizam as ruas como espaço de moradia e/ou sobrevivência.
Formas de acesso: Encaminhamentos do Serviço Especializado em Abordagem Social, de outros serviços socioassistenciais, das demais políticas públicas setoriais e dos demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos; Demanda espontânea.
Unidade: Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua
Período de Funcionamento: Dias úteis, com possibilidade de funcionar em feriados, finais de semana e período noturno. Período mínimo de 5 (cinco) dias por semana, 8 (oito) horas diárias.
80 | BAHIA ACOLHE
ABRAnGÊnCIA: MunICIPAL
Articulação em rede: - Serviços socioassistenciais de Proteção Social Básica e Proteção Social Especial; - Serviços de políticas públicas setoriais; - Redes sociais locais; - Demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos; - Sistema de Segurança Pública; - Instituições de Ensino e Pesquisa; - Serviços, programas e projetos de instituições não governamentais e comunitárias.
IMPACTO SOCIAL ESPERADO
Contribuir para: - Redução das violações dos direitos socioassistenciais, seus agravamentos ou reincidência; - Proteção social a famílias e indivíduos; - Redução de danos provocados por situações violadoras de direitos; - Construção de novos projetos de vida.
BAHIA ACOLHE | 81
IMPLAnTAçãO DOS SERvIçOS SOCIOASSISTEnCIAIS CREAS/CEnTRO POP
O Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua, o qual trata o item do quadro síntese é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social Para Pessoas em Situação de Rua – CREAS Pop, hoje reconhecido como Centro Pop. No Entanto, é importante frisar que os serviços voltados para pessoas em situação de rua estão dispostos em todos os níveis de proteção social, podendo ser prestado nos diversos equipamentos propostos na Tipificação, dada a complexidade e heterogeneidade desse grupo populacional, conforme já visto neste módulo.
Em relação a este equipamento em especial, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (SEDES) do Estado da Bahia elaborou, conjuntamente com a sociedade civil, um caderno de orientações que detalha a implantação e o funcionamento deste serviço. O Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua, o qual trata o item do quadro síntese é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social Para Pessoas em Situação de Rua – CREAS Pop, hoje reconhecido como Centro Pop. No Entanto, é importante frisar que os serviços voltados para pessoas em situação de rua estão dispostos em todos os níveis de proteção social, podendo ser prestado nos diversos equipamentos propostos na Tipificação, dada a complexidade e heterogeneidade desse grupo populacional, conforme já visto neste módulo.
Em relação a este equipamento em especial, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza (SEDES) do Estado da Bahia elaborou, conjuntamente com a sociedade civil, um caderno de orientações que detalha a implantação e o funcionamento deste
82 | BAHIA ACOLHE
serviço.
Outro serviço destinado com preferência na Tipificação para pessoas em situação de rua é o SERvIçO DE ABORDAGEM SOCIAL.
DESCRIçãO: Serviço ofertado de forma continuada e programada com a finalidade de assegurar trabalho social de abordagem e busca ativa que identifique, nos territórios, a incidência de trabalho infantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, situação de rua, dentre outras. Deverão ser consideradas praças, entroncamento de estradas, fronteiras, espaços públicos onde se realizam atividades laborais, locais de intensa circulação de pessoas e existência de comércio, terminais de ônibus, trens, metrô e outros. O Serviço deve buscar a resolução de necessidades imediatas e promover a inserção na rede de serviços socioassistenciais e das demais políticas públicas na perspectiva da garantia dos direitos.
uSuÁRIOS: Crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos (as) e famílias que utilizam espaços públicos como forma de moradia e/ou sobrevivência.
OBJETIvOS: - Construir o processo de saída das ruas e possibilitar condições de acesso à rede de serviços e à benefícios assistenciais; - Identificar famílias e indivíduos com direitos violados, a natureza das violações, as condições em que vivem, estratégias de sobrevivência, procedências, aspirações, desejos e relações estabelecidas com as instituições; - Promover ações de sensibilização para divulgação do trabalho realizado, direitos e necessidades de inclusão social e estabelecimento de parcerias; - Promover ações para a reinserção familiar e comunitária.
BAHIA ACOLHE | 83
PROvISÕES
Ambiente físico: Espaço institucional destinado a atividades administrativas, de planejamento e reuniões de equipe.
Recursos materiais: Materiais permanentes e de consumo necessários para a realização do serviço, tais como: telefone móvel e transporte para uso pela equipe e pelos usuários. Materiais pedagógicos para desenvolvimento de atividades lúdicas e educativas.
RECuRSOS HuMAnOS: (DE ACORDO COM A NOB-RH/SUAS)
Trabalho social essencial ao serviço: Proteção social pró-ativa; conhecimento do território; informação, comunicação e defesa de direitos; escuta; orientação e encaminhamentos sobre/para a rede de serviços locais com resolutividade; articulação da rede de serviços socioassistenciais; articulação com os serviços de políticas públicas setoriais; articulação interinstitucional com os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos; geoprocessamento e georeferenciamento de informações; elaboração de relatórios.
AQuISIçÕES DOS uSuÁRIOS
Segurança de Acolhida: - Ser acolhido nos serviços em condições de dignidade; - Ter reparados ou minimizados os danos por vivências de violência e abusos; - Ter sua identidade, integridade e história de vida preservadas.
84 | BAHIA ACOLHE
Segurança de convívio ou vivência familiar, comunitária e social: - Ter assegurado o convívio familiar, comunitário e/ou social; - Ter acesso a serviços socioassistenciais e das demais políticas públicas setoriais, conforme necessidades.
COnDIçÕES E fORMAS DE ACESSO
Condições: Famílias e/ou indivíduos que utilizam os espaços públicos como forma de moradia e/ou sobrevivência.
formas: Por identificação da equipe do serviço.
unidade: Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) ou Unidade Específica Referenciada ao CREAS.
Período de funcionamento: Ininterrupto e/ou de acordo com a especificidade dos territórios.
Abrangência: Municipal e/ou Regional.
Articulação em rede: - Serviços socioassistenciais de Proteção Social Básica e Proteção Social Especial; - Serviços de políticas públicas setoriais; - Sociedade civil organizada; - Demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos; - Instituições de Ensino e Pesquisa;
BAHIA ACOLHE | 85
- Serviços, programas e projetos de instituições não governamentais e comunitárias.
IMPACTO SOCIAL ESPERADO
Contribuir para: - Redução das violações dos direitos socioassistenciais, seus agravamentos ou reincidência; - Proteção social a famílias e indivíduos; - Identificação de situações de violação de direitos; - Redução do número de pessoas em situação de rua.
ABORDAGEM SOCIAL: ASPECTOS METODOLóGICOS InTRODuçãO
instituições, entre elas a prefeitura da cidade de Salvador), Carlita Morais (Psicóloga,
Este texto foi construído a partir de algu-
membro do Conselho Regional de Psicolo-
mas experiências pessoais e de um encon-
gia, região Nordeste) e Maria Lucia (líder
tro muito proveitoso com 05 profissionais
do Movimento Nacional de População de
que também já têm vasta experiência no
Rua).
trato com população em situação de rua: Marlene Oliveira (Pedagoga, técnica da
O que se encontrará aqui é um recorte des-
SEDES), Edna Bárbara (Assistente social,
sa conversa com foco no serviço de abor-
profissional da abordagem por diversas
dagem social para pessoas em situação de
86 | BAHIA ACOLHE
rua, transcrita com muita dedicação por Val-
Esta equipe de abordagem se compunha
delice Navarro, a época estudante do curso
de aparato policial e outros recursos de in-
de serviço social e hoje já formada. Foram
timidação que em nada favorecia o verda-
consideradas dicas preciosas para aproxi-
deiro trabalho de aproximação e conquista
mação, diálogo e procedimentos para que
da confiança, para então contribuir para a
este tipo de trabalho seja bem sucedido.
efetiva saída das ruas de maneira digna. Desse modo, o que se tem aqui é um tra-
Esta conversa foi motivada pelo fato de não
balho pioneiro de sistematização de como
se ter referencial teórico específico para tal
executar os trabalhos de abordagem social
atividade com a população em situação de
na perspectiva da humanização.
rua, uma vez que este fenômeno só começa a ganhar notoriedade a partir de 2008, com
Naturalmente, há ações em que a equi-
a divulgação da pesquisa nacional sobre
pe de abordagem se deparará onde estas
população de rua, realizada pelo Ministé-
orientações podem não dar conta, o que de
rio de desenvolvimento social e combate à
certo modo é positivo, pois cada um terá a
Fome – MDS.
possibilidade de construir também as suas próprias estratégias de acordo com a situa-
Várias eram as queixas da forma como as
ção, assim como de ampliar o seu enten-
pessoas ligadas ao poder público se apro-
dimento diante de uma questão tão com-
ximavam das pessoas em situação de rua.
plexa quanto esta que se apresenta. Desse
Em certos casos, de forma truculenta, obje-
modo, os contatos com outras realidades
tivavam tão somente a higienização huma-
de abordagem proporcionaram comple-
na, a retirada a todo custo das pessoas de
mentar uma ou outra lacuna na elaboração
locais onde a sociedade julgava impróprios
deste pequeno guia metodológico.
para a sua permanência, na maioria das vezes, motivada pelo preconceito.
BAHIA ACOLHE | 87
PARA InÍCIO DE COnvERSA
A sociedade em geral desenvolveu uma forma preconceituosa de olhar as pessoas em situação de rua, por isso também compreende equivocadamente os modos mais adequados de atendimento a este público. Via de regra, as solicitações advindas do comércio e de moradores das zonas nobres da cidade, seguem na direção da higienização humana, ou seja, do recolhimento indiscriminado dessas pessoas, sem se preocupar com o destino delas, contanto que não se precise mais vê-las em suas portas.
O serviço de abordagem social é muito assediado para fazer essa limpeza, é preciso que os profissionais deste serviço estejam muito conscientes de qual é o seu papel na execução desta atividade. A resolução 109/2009 do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS tipifica o serviço de abordagem com o objetivo de assegurar direitos, corrigir e evitar a violação dos mesmos, não de se constituir como mais um mecanismo violador.
Portanto, é preciso filtrar as solicitações de abordagem, colhendo do solicitante o maior volume de informações possível. Às vezes, com uma conversa equilibrada, o solicitante é demovido do desejo de recolher a pessoa.
Considerando os apelos da sociedade capitalista e a sua vinculação íntima com os mecanismos de repressão social, bem como das esferas mais elevadas do poder público, não será surpresa uma ordem vinda de alguma instância superior direcionada à abordagem social para fazer o trabalho de higienização. Neste momento, a equipe deverá saber exatamente em qual(is) mecanismo(s) legal(is)
88 | BAHIA ACOLHE
se apoiar para dar uma negativa fundamentada a esta ordem.
Experiências mal sucedidas de abordagem para este fim – higienização humana – levaram a algumas gestões públicas os estigmas da ineficiência e da desumanidade para tratar de questões de cunho social. Os profissionais que atuavam desta maneira, hoje são desacreditados pelos usuários do serviço. A equipe de abordagem também deve ser preparada para lidar com situações de conflito dessa ordem, firmando o seu papel de modo inteligente e consequente. Isso perpassa por um processo de formação permanente e de compromisso com o fazer consciente.
ESPAçOS PARA ABORDAGEM
essas pessoas se encontram, mesmo em lugares cobertos, uma vez que por não se-
Segundo a Tipificação dos Serviços So-
rem os espaços de moradia de propriedade
cioassistenciais, são locais para aborda-
individual, não podem se configurar como
gem:
casa do ponto de vista tradicional e, se os indivíduos não estão em suas casas, estão
Deverão ser consideradas praças, entron-
portanto, na rua.
camento de estradas, fronteiras, espaços públicos onde se realizam atividades labo-
A Tipificação foi feliz em deixar em aberto
rais, locais de intensa circulação de pessoas
outros locais possíveis para abordagem. A
e existência de comércio, terminais de ôni-
experiência observada em Vitória da Con-
bus, trens, metrô e outros (Resolução 109,
quista/BA, no que concerne à prática da
CNAS, 2009, p. 20).
abordagem em outros ambientes de concentração da população em situação de
Em essência, é a rua mesmo o local onde
rua, merece ser replicada, pois se mostrou
BAHIA ACOLHE | 89
criativa e eficiente.
ta, não eram considerados como campos de trabalho da equipe de abordagem social. O
Alguns integrantes da equipe de aborda-
momento da alimentação é um momento
gem do Centro Pop se deslocam para uma
bastante propício ao início de um diálogo
entidade que faz doação de alimentos para
amistoso.
a população em situação de rua em local apropriado, com mesas e cadeiras, como
Sem desconsiderar os espaços previstos na
em um restaurante popular. A equipe apro-
Tipificação onde a abordagem deve atuar
veita os horários das refeições para iniciar
seguindo o princípio da busca ativa, a equi-
um bate-papo com as pessoas e irem se
pe pode procurar verificar na sua área geo-
aproximando delas.
gráfica onde se localizam as entidades que oferecem alimentos e tentar compor por
Há locais de concentração desse público
algumas horas a equipe desses espaços,
bem apropriados para a realização de apro-
com o intuito de se aproximar melhor dos
ximações que, antes de Vitória da Conquis-
usuários.
MATERIAL PARA REGISTRO DOS ATEnDIMEnTOS E MEIOS DE vERIfICAçãO
Ter um formulário com questões básicas de identificação do usuário facilita as anotações, além de prancheta, papel em branco, caneta esferográfica e lápis.
Caso haja a possibilidade, depois de se conquistar a confiança do usuário, ter algumas conversas gravadas podem ajudar nos estudos de caso para se tomar medidas posteriores. Este material também servirá de suporte na hora de elaborar os relatórios individuais.
90 | BAHIA ACOLHE
Filmagens, fotos ou outras formas de registros que impliquem na identificação visual da pessoa em situação de rua, só devem ser feitas após a solicitação da autorização ao usuário e a sua devida permissão. Fotos à distância de um quadro geral são menos problemáticas. Entretanto, o melhor é deixar para fazer esses registros depois de conquistada a confiança do (as) usuário (as).
Os relatórios precisam ser nítidos, de modo que qualquer pessoa que os leia compreenda exatamente quais foram os procedimentos adotados pela equipe. Quanto mais riqueza de detalhes e meios de verificação dos casos atendidos, melhor.
vESTuÁRIO
Roupas decotadas, curtas ou justas ao corpo não é aconselhável na abordagem. Logicamente, para além das questões materiais, as pessoas estão fragilizadas emocionalmente, não deixam de ter desejo por estar na situação de rua, a roupa pode tirar o foco do diálogo, lembre que a intenção é se aproximar da pessoa, obtendo o máximo de informações possíveis sobre ela, não seduzi-la. Os sapatos precisam ser os mais confortáveis possíveis, saltos são desaconselháveis. Este é um trabalho que requer longas caminhadas. Tênis ou sapatilhas são os melhores calçados para a abordagem.
BAHIA ACOLHE | 91
Evite utilizar adereços que chamam a atenção ou valiosos (pulseiras, colares, brincos, relógios caros...). Você estará lidando com pessoas desprovidas de todos os bens materiais supérfluos da sociedade, ostentá-los diante delas é uma afronta. Certamente isso comprometerá a sua aproximação, considerando que você, já na aparência, se mostra muito distante da realidade dessas pessoas. A maioria das prefeituras utilizam coletes para identificar as equipes de abordagem
Não utilizar máscaras cirúrgicas ou luvas para se aproximar das pessoas. Você não faz parte de uma equipe de saúde, mas de abordagem social. Salvo que o contato com a pessoa seja inevitável para prestar socorro, encaminhar para algum lugar em uma situação em que a mesma não consiga se conduzir por conta própria, ou ainda em casos em que há comprovado risco de contágio pelo toque.
Contudo, estas situações devem ser entendidas como exceções, pois dependem de uma análise fundamentada; as luvas ou máscaras devem ser postas ao se deparar com um caso concreto comprovado, não como equipamento obrigatório para o desenvolvimento do trabalho. A utilização desnecessária desses recursos transmite ao usuário a mensagem de que você está receoso (a) em se aproximar dele (a), dificultando a criação dos laços de confiança.
92 | BAHIA ACOLHE
APROxIMAçãO
Aproximar-se da pessoa em situação de rua requer uma sensibilidade bastante aguçada, uma vez que nem sempre ela está receptiva ao encontro em um dado momento. Deve-se considerar que a sociedade não a trata com a dignidade que deseja, por isso, a desconfiança de quem se aproxima é bastante justificável.
Quem vai abordar também precisa estar bem psicologicamente, se sentir seguro (a) do que quer desenvolver. Há uma carga emocional muito forte neste trabalho, a equipe deve, sempre que possível, se reunir antes de iniciar suas atividades para se fortalecer, sondar como estão os seus membros emocionalmente, se estão prontos naquele dia.
É imprescindível que as pessoas estejam tranquilas para começar bem o seu trabalho. Este é um trabalho de motivação e sensibilização importante a ser feito pelo (a) líder da equipe de abordagem cotidianamente, inclusive para que as ações não sejam desastrosas por um momento de desequilíbrio de algum membro.
O veículo utilizado para transporte da equipe e de possíveis usuários deve estar em lugar fora do campo de visão da pessoa em situação de rua, mas devidamente identificado com plotagem. As experiências de recolhimento, chacinas e maus tratos causam grandes reservas à presença do transporte da equipe de abordagem. Assim, a equipe deve estar a pé para proceder o contato.
BAHIA ACOLHE | 93
Antes da aproximação, é prudente fazer uma leitura do entorno e da situação em que estão os usuários a serem abordados, nem sempre é adequado se aproximar em determinados momentos. Os conflitos entre pessoas em situação de rua são comuns, quer seja por disputa de algum pertence, espaço de poder ou por efeito de substâncias psicoativas. Do mesmo modo, há muitas situações de solidariedade, compartilhamento e afetividade. O importante é ter habilidade para perceber o melhor momento para fazer as aproximações.
O primeiro contato deve ser feito sempre cuidadosamente, desejar bom dia, boa tarde ou boa noite, esperando a reação. Haverá casos em que alguns contatos se limitarão a estes cumprimentos por algumas vezes consecutivas – em certos momentos sem resposta, até que a pessoa se sinta à vontade para adentrar em outras informações a seu respeito, como nome, origem e história de vida. Após ter vencido esta primeira etapa de aproximação (alguns chamam esse momento inicial de “paquera pedagógica”1), a equipe poderá iniciar um diálogo mais confiante.
Aconselha-se a se fazer a abordagem com duas ou três pessoas, estar só é complicado quando ainda não se constituiu laços de confiança suficientes para que o (a) assistente social ou o (a) educador (a) social seja reconhecido pela população em situação de rua, pois os desconhecidos representam ameaça para eles. Ademais, fazer este trabalho sozinho, sem se sentir seguro (a) o suficiente, pode ser perigoso, já que também quem aborda se torna uma presa fácil para pessoas mal intencionadas. Ancorado em pressupostos como Paulo Freire, Lacan, Vygotsky, Pieget, Wallon e outro, o Projeto Axé, entidade que trabalha com crianças e adolescentes em situação de rua no Estado da Bahia e uma das entidades conveniadas no âmbito do Programa Bahia Acolhe, aparece como precursor do conceito em algumas literaturas. Para saber mais ver Antonio Pereira. Os educadores e suas representações sociais da base epistemológica da Pedagogia Social do Projeto Axé. Disponível em http://www.proceedings.scielo.br/pdf/cips/n3/n3a01.pdf. Acesso em 02/03/2013. 11
94 | BAHIA ACOLHE
InICIAnDO O DIÁLOGO
O diálogo precisa ser claro com a pessoa em situação de rua, mas se deve atentar que as primeiras conversas não precisam ser invasivas, na verdade, é melhor deixar que ele (a) fale o que quiser primeiro, procure saber o nome da pessoa e a chame sempre pelo nome fornecido, caso seja adulto, “senhor fulano”, “senhora beltrano” e assim por diante.
Caso a pessoa o (a) cumprimente, aperte a mão dele (a) sem ressalvas, você poderá higienizar suas mãos após a abordagem em local fora do campo de visão da pessoa em situação de rua. Comportamentos e olhares de nojo, retração ou discriminação de qualquer natureza comprometerão o diálogo.
Evite comer qualquer coisa enquanto está conversando com a pessoa, lembre que talvez ele (a) não tenha se alimentado ainda. Procure se alimentar sempre fora do campo de visão da pessoa e em horários determinados pela equipe, neste momento você deve estar concentrado (a) no diálogo.
Este momento é o da escuta qualificada. Não atropele a pessoa com uma pergunta atrás da outra, deixe a conversa fluir, mostre-se interessado (a) no que ele (a) tem a lhe dizer. Em algum ponto da conversa você perceberá aonde pode ajudá-lo (a). Ao final do diálogo, você pode disponibilizar o que ele (a) necessita, sem impor a ação. Deixe sempre um canal aberto para o próximo encontro, quando, possivelmente, você poderá levar alguma solução, ou simplesmente o(a) escutar novamente, cada caso implicará em uma atitude adequada.
BAHIA ACOLHE | 95
Não há tempo determinado de encontros, uma pessoa pode aderir a um plano de mudança de vida em um primeiro momento, outra poderá levar dias, meses ou até anos para despertar este interesse, é preciso respeitar o tempo de cada um. Esse tempo pode ser encurtado a depender da relação de confiança que se estabeleça entre a pessoa e a equipe de abordagem.
Há que se atentar para os horários escolhidos para realizar as abordagens, existe indivíduos e famílias que podem ser encontrados durante o dia e outros durante a noite. É importante compreender que durante o dia há mais serviços funcionando e maior facilidade de encaminhamentos, por outro lado, à noite se pode ter uma conversa mais demorada com os sujeitos, visto que muitos deles já estão em estado de repouso da lida diurna atrás da sobrevivência, quer seja prestando pequenos serviços, quer seja recolhendo material reciclável nas ruas pra vender. Assim, torna-se necessário que haja abordagem social nos dois turnos do dia para dar conta da escuta qualificada e dos encaminhamentos.
É importante levar em consideração que o horário noturno não deve passar das 22:00 hs. A partir desse horário as pessoas em situação de rua já estão acomodadas em seus lugares para descansar e não é conveniente incomodá-las, isso pode gerar reações inesperadas e até perigosas para quem aborda. Neste sentido, obedecer a um horário inteligente para abordagem, respeita a individualidade dos sujeitos, facilita a constituição de laços de confiança, otimiza os trabalhos de encaminhamentos à rede de proteção social e garante a salvaguarda de todos, proporcionando um trabalho mais seguro, eficiente e eficaz.
96 | BAHIA ACOLHE
EnCAMInHAMEnTOS
O Serviço deve buscar a resolução de ne-
os desdobramentos, até porque certos en-
cessidades imediatas e promover a inser-
caminhamentos à rede de proteção social
ção na rede de serviços socioassistenciais e
só poderão ser realizados por esta equipe
das demais políticas públicas na perspecti-
de referência.
va da garantia dos direitos (Resolução 109, CNAS, 2009, p. 20).
Os encaminhamentos mais frequentes feitos pela equipe de abordagem de forma au-
Obviamente, a equipe de abordagem pre-
tônoma estão no campo das necessidades
cisa conhecer a rede de proteção social1,
imediatas e emergenciais como, por exem-
mais que isso, precisa se relacionar com ela
plo, acionar o Serviço de Atendimento Mó-
de modo produtivo. Este é um recurso in-
vel de Urgência – SAMU para casos em que
dispensável para que se possa fazer qual-
a vida da pessoa esteja correndo risco de
quer tipo de encaminhamento à rede.
morte por mal-súbito, ou vitimada por ato violento de terceiros, servindo como refe-
É bom lembrar sempre que o serviço de
rência momentânea no atendimento. Outro
abordagem social tem como equipamentos
caso é o encaminhamento para locais de
de referência os Centros Pop, isso significa
alimentação ou higienização pessoal.
dizer que as ações devem ser compartilhadas com as equipes de referência destes
É sempre útil, como já frisado, que o abor-
equipamentos. Seja para qual serviço for
dador conheça bem a rede de proteção so-
que o usuário seja encaminhado, o Centro
cial, mas, além disso, que também conheça
Pop melhor localizado, em relação à refe-
o limite e alcance dessa rede. Equívocos
rência geográfica aonde o usuário costuma
ocorrem porque o serviço de abordagem
ficar deve ser acionado para acompanhar
acaba sendo confundido com outros ser-
Entenda-se como rede de proteção social todos os equipamentos e serviços ligados às diversas políticas setoriais: assistência social, saúde, trabalho e outras. 12
BAHIA ACOLHE | 97
viços de atendimento na rua. Um exemplo
isso é um dever desse serviço, indepen-
simples é que a abordagem é frequente-
dente de quem esteja necessitando. Justi-
mente acionada para atender casos clíni-
ficativas como falta de documentação ou
cos, tipo os que deveriam ser atendidos
referência domiciliar não encontram base
pelo SAMU.
de sustentação para a negativa do atendimento, podendo a equipe acionada que se
Fazer o transporte de pessoas em situação
negou a atender ser responsabilizada por
de rua para acessar os serviços em nada tem
omissão. Os procedimentos de registros
a ver com atendimento médico direto. Em
dos atos da abordagem são indispensáveis
uma situação de urgência e emergência a
em todos os casos, sobretudo quando isso
equipe deve insistir com o SAMU em aten-
implicar em ação de responsabilidade.
der a pessoa em situação de rua, porque
InTERSETORIALIDADE: DO PORQuÊ: ALCAnCES E LIMITAçÕES DAS POLÍTICAS SETORIAIS
Texto autoral Andréia Franco e Milena Lima
Conforme pudemos observar, o panorama socioeconômico brasileiro, do qual resulta toda a sua problemática social, é um reflexo das mudanças ocorridas ao longo das ultimas décadas da nossa história, que podemos diretamente relacionar a três fenômenos: globalização, neoliberalismo e reestruturação produtiva. Os impactos desta tríade trazem como consequência uma situação de precarização geral das formas de sobrevivência, que repercutem na busca contínua de novas estratégias de enfrentamento das sequelas do que chamamos de questão social.
No Brasil observamos a abertura de espaço para criação de estratégias para o enfrentamento das manifestações da questão social a partir da Constituição Federal de 1988, a
98 | BAHIA ACOLHE
“Constituição Cidadã”, de caráter universal, que preza pela igualdade de direitos e deveres entre os indivíduos, apresentando a política sob a lógica pública e democrática.
No contexto das políticas públicas amparadas pela Constituição, a saúde e a assistência social encontram-se amplamente inter-relacionadas desde suas origens, pois, o texto constitucional de 1988 estabeleceu o sistema de seguridade social, como visto, composto pelo tripé saúde, assistência e previdência social. Desta forma podemos afirmar que a intersetorialidade como modelo de gestão das políticas publicas vem sendo gestada desde o movimento para promulgação da Constituição Federal de 1988.
Ora, do texto constitucional e do sistema de seguridade social, decorrem a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), todos reafirmando a importância da intersetorialidade e colocando-a como modelo a ser seguido e disseminado.
A intersetorialidade pode ser entendida como integração e articulação de diversos setores ou áreas das políticas públicas e da sociedade civil, com vistas à solução de problemas sociais. A articulação intersetorial pode se dar tanto dentro dos órgãos da administração pública (articulação Intergovernamental e articulação intragovernamental) como também entre o Estado e a sociedade civil. Com a sociedade, a intersetorialidade se dá a partir da construção de redes entre o Estado e a sociedade civil, incluindo organizações sociais e instituições privadas.
Esta articulação intersetorial deve acontecer de modo que, entre os diferentes setores, as responsabilidades, metas e recursos sejam compartilhados, descentralizando e horizontalizando as políticas públicas, e, entretanto, garantindo e respeitando a autonomia de cada uma das partes.
BAHIA ACOLHE | 99
Observamos que, no decorrer do processo de descentralização dos serviços públicos pós Constituição Federal de 1988, sobretudo no âmbito da saúde e da assistência social, a intersetorialidade passou a estar cada vez mais presente no debate sobre gestão de políticas públicas. Constituindo-se como um dos requisitos para a implementação das políticas setoriais, visando sua efetividade por meio da articulação entre instituições governamentais e a sociedade civil, representando um tema complexo e desafiador que, apesar de fazer parte do ideal a ser alcançado pelos gestores das políticas públicas, ainda se esbarra em burocracias e hierarquias.
É importante destacar que a intersetorialidade atua na perspectiva de compartilhamento de responsabilidades e na organização de atribuições necessárias à gestão, enquanto importante ferramenta no processo de materialização dos direitos fundamentais inscritos. Portanto, espera-se das diferentes esferas de governo que haja esforço no sentido de investir em elementos necessários para o alcance da construção contínua das ações intersetoriais com conexão em redes, para que se possa acentuar na cobertura dos atendimentos e ações desenvolvidas nas políticas de saúde e de assistência social, visando diminuir a precarização da oferta de serviços e combater as diversas formas de violação de direitos.
Sendo assim, quando recorremos ao marco regulatório que resultou na Política Nacional para a População em Situação de Rua, vemos a importância que é dada à intersetorialidade desde 2004, quando o Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) tornou pública a versão final da PNAS, onde se destaca a criação do SUAS. A PNAS apresenta a intersetorialidade como requisito fundamental para garantia dos direitos de cidadania, e, para efeito da operacionalização do SUAS, está previsto que as ações no campo da assistência social devem ocorrer em sintonia e articulação com outras políticas públicas.
Seguindo o marco regulatório, a Lei nº 11.258, 30/12/05, altera o parágrafo único do art. 23 da LOAS: “Na organização dos serviços da Assistência Social serão criados programas
100 | BAHIA ACOLHE
de amparo: II - às pessoas que vivem em situação de rua.” Estabelecendo a obrigatoriedade de criação de programas direcionados à população em situação de rua em situação de rua, no âmbito da organização dos serviços de assistência social, numa perspectiva de ação intersetorial.
Por fim, no Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, a intersetorialidade junto à inter e transdisciplinaridade constituem-se eixos imprescindíveis para Política Nacional para a População em Situação de Rua.
EnTEnDEnDO A InTERSETORIALIDADE
Na intersetorialidade é preciso levar em consideração o saber de cada envolvido, desde aquele que pensa as políticas, passando por quem as implementa e, finalmente, por quem a executa, sem deixar de fora, principalmente, os sujeitos que serão beneficiados.
Ao compreendermos o processo intersetorial é preciso levar em consideração que este é um processo que visa facilitar o enfrentamento dos problemas sociais, o qual também irá, de uma forma ou outra, refletir nas ações dos indivíduos que trabalham, nos usuários que serão beneficiados e também nas organizações que estarão direta e indiretamente ligadas a este processo.
Nesta mesma linha de reflexão, Nascimento (2010) nos aponta que a intersetorialidade contribui para a criação e reconhecimento de saberes resultantes da integração entre as áreas setoriais. Sposati (2006, p. 140) vê a intersetorialidade não só como um campo de aprendizagem dos agentes institucionais, mas também como caminho ou processo estruturador da construção de novas respostas, novas demandas para cada uma das políticas públicas.
BAHIA ACOLHE | 101
Portanto, é preciso compreender que intersetorialidade nada mais é do que uma rede entre as diversas instituições envolvidas nas políticas públicas, respeitando sempre a relação democrática de poderes, como por exemplo, o Ministério do Desenvolvimento Social, Secretárias de Assistência Estadual e Municipal, Movimentos sociais e Organizações da sociedade civil, que tem como propósito o trabalho com a população em situação de rua, especificamente neste caso.
Assim, compreendemos ainda, que a intersetorialidade facilita a comunicação e negociação entre as esferas governamentais e não governamentais, possibilitando um melhor entendimento da importância dos atores envolvidos neste processo e as ações alavancadas para melhoria da superação das dificuldades encontradas.
ACOLHEnDO OS uSuÁRIOS
Texto autoral de Evanice Tomaz e Ana Paula Rezende
O acolhimento no campo da assistência social tem sido pensado como um elemento relevante para a mudança do modelo técnico-assistencial, apto a transformar as relações estabelecidas entre profissionais e usuários e destes com os serviços de acolhida. A ação de acolher não se dá apenas nos equipamentos, independente do local, muitas situações demandam acolhida.
Conforme a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais:
102 | BAHIA ACOLHE
O Serviço de Acolhimento Institucional deve ser feito em diferentes tipos de equipamentos, destinado a famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a fim de garantir proteção integral. A organização do serviço deverá garantir privacidade, o respeito aos costumes, às tradições e à diversidade de: ciclos de vida, arranjos familiares, raça/etnia, religião, gênero e orientação sexual. O atendimento prestado deve ser personalizado e em pequenos grupos e favorecer o convívio familiar e comunitário, bem como a utilização dos equipamentos e serviços disponíveis na comunidade local. As regras de gestão e de convivência deverão ser construídas de forma participativa e coletiva, a fim de assegurar a autonomia dos usuários, conforme perfis. (Resolução 109, CNAS, 2009, p. 30).
Ainda, de acordo com a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais, o serviço de Acolhimento deve contribuir para:
- Redução das violações dos direitos socioassistenciais; - Redução da presença de pessoas em situação de rua e de abandono; - Indivíduos e famílias protegidas; - Construção da autonomia; - Indivíduos e famílias incluídas em serviços e com acesso a oportunidades; - Rompimento do ciclo da violência doméstica e familiar.
Muito além da estrutura física, o acolhimento deve focar as pessoas, partindo do pressuposto que refletir acerca do acolhimento não é algo simples, nem tampouco superado, sobretudo porque nos remete diretamente às necessidades de repensar e orientar o processo da acolhida.
O conceito de acolhimento, empreendido por Santos (2006) o define como sendo um
BAHIA ACOLHE | 103
processo de intervenção profissional que incorpora as relações humanas. Não se limita ao ato de receber alguém, mas a uma sequência de atos dentro de um processo de trabalho. O que neste caso, envolve a escuta social qualificada, com a valorização da demanda que procura o serviço oferecido, a identificação da situação problema, no âmbito individual e coletivo. Acolher envolve a sensibilidade de ouvir, de olhar sem julgamentos, sem medir, ou comparar, mas especialmente de compreender.
O acolhimento deve ser compreendido como parte integrante do processo interventivo. Assim, quando os profissionais reconhecem as necessidades dos usuários, as possibilidades de intervenção podem ser almejadas. Segundo Chupel, (2008) é com o acolhimento que o profissional compreende as necessidades do usuário, e a partir dela inicia o processo de planejamento de suas ações profissionais.
A Tipificação dos Serviços Socioassistenciais define algumas condições de segurança para o acolhimento, garantindo ao usuário:
Ser acolhido em condições de dignidade; Ter sua identidade, integridade e história de vida preservada; Ter acesso a espaço com padrões de qualidade quanto a: higiene, acessibilidade, habitabilidade, salubridade, segurança e conforto. Ter acesso a alimentação em padrões nutricionais adequados e adaptados a necessidades específicas. Ter acesso a ambiência acolhedora e espaços reservados a manutenção da privacidade do (a) usuário (a) e guarda de pertences pessoais. (Resolução 109, CNAS, 2009, p. 34).
Torna-se imprescindível salientar que os primeiros vínculos a serem fortalecidos, no momento em que começa a prestar acolhimento à população em situação de rua, são os vínculos entre a equipe que os acolhe e eles, pois sem a construção de uma confiança mútua, nada se consegue avançar neste trabalho.
104 | BAHIA ACOLHE
A Política Nacional da População em Situação de Rua, decreto nº 7.053/2009, traz no art. 5º os Princípios:
I - respeito à dignidade da pessoa humana; II - direito à convivência familiar e comunitária; III - valorização e respeito à vida e à cidadania; IV - atendimento humanizado e universalizado; e V - respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com atenção especial às pessoas com deficiência.
Para a concretização destes princípios devemos buscar constantemente as formas para a efetivação de todas as dimensões dos direitos humanos em benefício das classes subalternas da população brasileira. Para acolher a população em situação de rua, alguns procedimentos poderão balizar o processo de acolhimento e servir de orientação no atendimento destes:
- Chamá-los sempre pelo nome e olhar nos seus olhos no momento do diálogo, através deste gesto ele (a) se sentirá valorizado (a), respeitado (a) por quem o está atendendo;
- Nunca insista no primeiro momento em saber da vida pessoal da pessoa. O primeiro passo é conquistar a confiança para que ele se sinta a vontade para falar de si porque ninguém fala de sua vida nos primeiros momentos respeite o tempo de cada pessoa Ela (e) certamente precisa sentir-se seguro e confiante;
- Escute sem interrompê-lo, mesmo quando se está em desacordo. Dar à outra pessoa a possibilidade de expressar-se até o fim é uma atitude fundamental para aquele que conta a sua história de vida. Enquanto se escuta não se faz outras coisas. Exemplo: não fale ao telefone, não converse com outra pessoa, não desvie a sua atenção do atendimento.
BAHIA ACOLHE | 105
- Procure respeitar a confiança que o usuário deposita em você. Esta postura profissional requer lançar mão de gestos de empatia, livres de quaisquer pré-julgamentos e preconceitos. A confiança conquistada deve ser mantida, qualquer comentário ou gesto inoportuno pode prejudicar este vínculo criado entre o usuário e o técnico.
- Escute-os para compreendê-los e não para simplesmente responder. Escutar com eficácia implica dar àquele que fala sua completa atenção somada à sua capacidade de compreensão. Entretanto, a maior vantagem de ouvir os outros com atenção é que eles irão ouvi-lo da mesma maneira, como forma de retribuição, e reagirão com interesse quando você estiver falando.
- Não julgue, a aparência engana. É importante ficar atento aos próprios preconceitos em relação ao comportamento da pessoa, a forma de se vestir, o jeito de falar, de se expressar. Procure não demonstrar medo com possíveis reações colocadas pela pessoa, mostrando para ele (a) a importância do respeito mútuo, bem como os limites para suas atitudes, agindo com firmeza nas suas colocações e decisões.
- Nunca antecipe o que a pessoa vai dizer, mesmo que se “tenha certeza” do final da conversa. Tenha paciência, pois a pessoa poderá sentir-se desrespeitada, o que pode provocar atitudes agressivas prejudicando a escuta que deve ser qualificada.
- Saiba dizer não. Muitas vezes o usuário faz pedidos que fogem do âmbito profissional, o que pode causar problemas. Imponha respeito e não medo, o usuário precisa entender que o centro de acolhida deve ser um ambiente de confiança e não de medo. Os motivos pela recusa devem ficar claros e justificados. Por exemplo, muitas vezes o usuário pede dinheiro, e sabemos que não devemos dar então isso deve ser dito de forma clara, fazendo com que ele compreenda o motivo da negação.
106 | BAHIA ACOLHE
- Procure não se deixar levar pela emoção. Procure agir com o bom senso, pois, a história de vida da pessoa pode ser um pressuposto para o prejuízo de uma escuta qualificada. Muitas vezes eles podem manipular atitude de confiança.
- Procure distinguir os fatos de opiniões e impressões. Seja coerente buscando reconhecer informações tendenciosas, se atitudes de preconceito, tabus, insegurança, sentimentos de hostilidade, estão influenciando a escuta e a forma como encaminha uma determinada situação ou demanda.
- Mantenha-se aberta (o) para ouvir tudo o que a outra pessoa diz e expressa por meio de gestos, palavras, olhares, suspiros. Evitando-se o registro apenas dos pontos explicitados verbalmente.
- Procure trabalhar coletivamente sempre. Este é um fator importante para que a unidade represente para a pessoa um espaço de referencia para o convívio grupal e social. Evite discordância entre a equipe, mostre que trabalham em sintonia, e convide-os para a construção das regras de convivência, isto contribuirá para o desempenho das atividades grupais e pelo sucesso dos resultados.
Além disso, o olho no olho, a escuta sensível e paciente, a verdade sem maquiagem, a promessa que deve ser cumprida, ou jamais feita sem a real possibilidade de realização, são ingredientes primordiais em todas as etapas do processo de acolhimento das pessoas em situação de rua.
Em virtude do próprio conceito que define a população em situação de rua, um dos maiores desafios será manter o padrão desta acolhida que deverá ser abalizada por parâmetros humanitários, de solidariedade e cidadania, visando fortalecer a construção de uma relação de confiança com o público demandante dos serviços prestados como também um
BAHIA ACOLHE | 107
real compromisso da equipe de profissionais com o serviço prestado.
Enfim, o acolhimento, que pode parecer mais um mecanismo em meio a tantos outros, no entanto, se pensado a partir da Política Nacional de Humanização, terá a oportunidade de provocar o debate e perceber a capacidade mobilizadora desta estratégia na prática de cada profissional, a fim de melhor atender às necessidades da pessoa, de forma resolutiva e com vistas ao cumprimento do princípio da integralidade.
REfERÊnCIAS
SANTOS. E.T. O acolhimento como um processo de intervenção do Serviço Social junto a mulheres em situação de violência. 2006 – Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal de Santa Catarina. Departamento de Serviço Social.
CHUPEL, C.P. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Acolhimento e Serviço Social: um estudo em hospitais estaduais da Grande Florianópolis. Florianópolis, SC, 2008. 158 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Sócio-Econômico. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social.
108 | BAHIA ACOLHE
BAHIA ACOLHE | 109
110 | BAHIA ACOLHE
SISTEMATIzAçãO DO ATEnDIMEnTO POR QuE O SISTEMA? Assumindo a responsabilidade que lhe é imputada na nova Norma Operacional Básica, aprovada pela resolução 33/2012 do CNAS, de “organizar, coordenar, articular, acompanhar e monitorar a rede socioassistencial nos âmbitos estadual e regional” (art. 15, item XII), a SEDES apoiou a criação de um sistema gerencial social que lhe possibilitasse exercer suas funções junto a rede de proteção social.
Em um mundo em que a necessidade de interlocuções através de diversos meios torna-se cada vez maior e que a informação ganha lugar de destaque nas corporações e nos espaços de sociabilidade humana, a tecnologia se firma como ferramenta que acelera a comunicação e amplia as possibilidades de tratamento da informação, atendendo aos anseios da sociedade contemporânea em poder executar mais atividades em um menor espaço de tempo.
Por conta disso, a SEDES em parceria com o ISI-BA desenvolveu um sistema gerencial social que possibilitará maior agilidade dos processos de atendimento à população de rua, bem como a interlocução entre os agentes sociais das diversas políticas, facilitando o exercício da intersetorialidade e geração de dados estatísticos para avaliação dos processos, auxiliando na tomada de decisões mais assertivas.
BAHIA ACOLHE | 111
O sistema também servirá para fortalecer o trabalho para a realização de diagnóstico socioterritorial, como previsto nos parágrafos 20 e 21 da resolução do CNAS 33/12, uma vez que as informações oriundas dos diversos agentes de proteção social que trabalham com a população de rua serão incluídas pelos próprios profissionais, no momento em que fazem o atendimento, contribuindo para a precisão dos dados referentes a este contingente populacional.
Com interface intuitiva, o sistema através do site disponibilizará recursos de cadastro dos usuários dos serviços, agentes das políticas setoriais e entidades, além de ferramentas que possibilitarão o acompanhamento das atividades nos diversos serviços, o compartilhamento de informações entre os profissionais e demais usuários do sistema.
Desse modo, torna-se necessário o acompanhamento da evolução social de cada pessoa assistida, verificando os encaminhamentos, se eles obtiveram sucesso ou não, assim como quais os entraves para a efetividade e eficácia do trabalho desenvolvido pelos profissionais. Este procedimento gerará relatórios de resultados e de conjuntura, apontando aonde o governo deve atuar mais fortemente para construir uma rede de proteção social cada vez mais qualificada.
Mantendo o acesso atualizado sobre tudo o que está acontecendo relacionado com o tema população em situação de rua, a equipe o alimenta constantemente com notícias recentes, oriundas das mais variadas fontes de informação.
112 | BAHIA ACOLHE
SISTEMA DE SEnHAS E nÍvEIS DE ACESSO A partir de senhas individuais, cada grupo de usuário terá acesso a áreas específicas dentro do sistema, de modo a garantir sigilo naquilo que for pertinente e socialização de informações úteis a todos. São quatro os níveis de usuários.
nÍvEL 01.
nÍvEL 02.
Pessoas da sociedade civil como um todo:
Profissionais
terão acesso aos conteúdos de utilidade pú-
acesso aos conteúdos de utilidade pública
blica dentro do site, como vídeos, normas,
dentro do sistema, como vídeos, normas,
atividades gerais dos diversos serviços, en-
atividades gerais dos diversos serviços, en-
tidades que compõem a rede de proteção
tidades que compõem a rede proteção so-
social, tanto governamental quanto não
cial, tanto governamental quanto não go-
governamental. O público poderá interagir
vernamental. Poderão interagir enviando
enviando sugestões, críticas e elogios, ou
sugestões, críticas e elogios, ou tirar dúvi-
tirar dúvidas relacionadas ao tema, ajudar
das relacionadas ao tema, ajudar volunta-
voluntariamente em algumas atividades
riamente a alguma atividade desenvolvida
desenvolvidas e publicada no site ou mes-
e publicada no site ou mesma a entidades
mo as entidades que se tornarem parcei-
que se tornarem parceiras da SEDES. Os
ras da SEDES. Para acessar os módulos do
mesmos poderão também cadastrar usuá-
Sistema, será solicitado a identificação do
rios no sistema, inserindo dados gerais,
usuário. Esses controles de acesso permi-
anexar relatórios de atividades em pastas
tem que o Programa entre em contato com
apropriadas, solicitar suporte para opera-
os usuários interessados pelo tema ou em
cionalização de suas atividades no ambien-
ajudar no trabalho de resgate das pessoas
te virtual do Sistema.
dos
equipamentos:
terão
em situação de rua, otimizando os esforços e dando organicidade nas ações.
BAHIA ACOLHE | 113
nÍvEL 03.
nÍvEL 04.
Profissionais gestores dos equipamentos
Equipe ISI-BA: Responsável pelo tratamen-
e equipes de referência: terão acesso aos
to e gerenciamento das informações, libe-
conteúdos de utilidade pública dentro do
ração de acesso ao sistema por usuários ou
sistema, como vídeos, normas, atividades
profissionais da rede de proteção, oferecer
gerais dos diversos serviços, entidades que
suporte técnico e operacional aos profissio-
compõem a rede proteção social, tanto go-
nais e demais usuários do sistema, emissão
vernamental quanto não governamental.
de relatórios que apresentem a consolida-
Poderá interagir enviando sugestões, críti-
ção das atividades realizadas a partir dos
cas e elogios, ou tirar dúvidas relacionadas
dados alimentados no sistema.
ao tema, ajudar voluntariamente a alguma atividade desenvolvida e publicada no site ou mesma a entidades que se tornarem
O acesso ocorre de maneira simples e rápi-
parceiras da SEDES. Poderão também ca-
da, com poucos campos a serem preenchi-
dastrar usuários no sistema, inserindo da-
dos inicialmente. Conforme passo a passo
dos gerais, anexar relatórios de atividades
abaixo.
em pastas apropriadas, incluir dados do diagnóstico inicial dos usuários, realizar en-
Para os níveis 2, 3 e 4 serão coletadas maio-
caminhamentos, registrar os atendimentos
res informações do usuário, uma vez que
e seus respectivos resultados, inserir dados
se trata de permissões importantes relati-
referentes à evolução social do usuário, so-
vas ao atendimento às pessoas em situação
licitar suporte para operacionalização de
de rua. Criamos o formulário a seguir para
suas atividades no ambiente virtual,
cadastrar profissionais da rede de proteção
telefone e às técnicas de referência.
114 | BAHIA ACOLHE
por
social.
OS PRInCIPAIS MEnuS DO SITE E SuAS POTEnCIALIDADES PROGRAMA
Neste menu encontra-se todas as informações inerentes ao Programa Bahia Acolhe, objetivando apresentar para todos quais são as perspectivas do trabalho pretendido com a sua instituição pelo governo do estado. Isso pode estimular cidadãos a aderirem a proposta de forma consciente, potencializando o trabalho;
CAnAL DE nOTÍCIAS Como já dissemos, o site tem também o objetivo de manter quem o acessa informado sobre o tema e sobre as ações voltadas à população de rua no Estado da Bahia. Subdividimos entre notícias do Programa Bahia Acolhe; notícias governamentais, incluindo aí conteúdos das outras políticas setoriais do governo; notícias do Movimento de população de rua, considerando a sua importância na consolidação do programa e na obediência das diretrizes da PNAS no que diz respeito à participação e controle social, reconhecendo a legitimidade deste movimento em todo o Brasil quando se trata de população de rua; notícias da sociedade civil, já que há espaço pra cadastro de entidades da sociedade civil e cidadãos, nada mais justo que dá espaço para que eles apresentem suas informações para serem publicadas. Cabe salientar que todo o conteúdo passa por análise que pretende avaliar sua pertinência e organização textual;
PARTICIPAçãO SOCIAL É um espaço que contém a possibilidade de realização de fóruns, enquetes e outras for-
BAHIA ACOLHE | 115
mas de coletar informações da sociedade em relação aos trabalhos que são desenvolvidos para e com a população de rua, suas sugestões e críticas, no intuito de aperfeiçoar a cada dia o fazer com este público;
TRAnSPARÊnCIA Neste menu os usuários saberão sobre os investimentos feitos para prestar o serviço, aonde e como estão sendo aplicados, com dados estatísticos que darão a idéia dos avanços ou possíveis retrocessos no atendimentos à população de rua nos diversos serviços dispostos na rede de proteção social;
uTILIDADE PÚBLICA Tendo em vista os estudos que realizamos nas mais variadas fontes e no exercício da prática cotidiana, percebeu-se a necessidade de compartilhamento de informações que pudessem agilizar o atendimento aos usuários.
Normalmente, pessoas com transtorno mental que estão nas ruas não conseguem dar informações muito precisas de si e de seus familiares. Considerando que há o recurso no sistema de inclusão de imagens e fotografia no cadastro do usuário, os cidadãos e órgãos que trabalham buscando pessoas terão mais um canal de busca, com o submenu “desaparecidos”, mas isso pode se aplicar também a pessoas ditas normais que por algum motivo estão muito distantes da sua terra natal e não sabem como voltar ou se comunicar com seus parentes. Do mesmo modo, incluímos o item pessoas encontradas para das conta à sociedade dos casos bem sucedidos.
Outro item que se incluiu foi a área de download, intencionando ampliar o conhecimento das pessoas sobre o tema, atualizando arquivos de legislações e estudos pertinentes. O
116 | BAHIA ACOLHE
item “Como posso ajudar” é uma forma de organizar melhor as pessoas que sentem vontade de participar de trabalhos voluntários ou doar algo para as pessoas em situação de rua, quer seja através do Programa, quer seja através de uma das entidades parceiras do Programa.
LInKS Neste menu o usuário encontrará links de vídeos, artigos e m,aterias veiculadas na rede mundial que sejam relacionados ao tema, promovendo a intertextualidade do site.
OS RECuRSOS DO SISTEMA O acesso ao sistema só é permitido aos usuários dos níveis 2, 3 e 4, ou seja, aos profissionais operadores das políticas de proteção social devidamente identificados e cadastrados através do site. O sistema foi dividido em duas categorias de cadastros, pessoa física (os funcionários de uma determinada entidade ou órgão governamental) e pessoa jurídica (o cadastro da entidade pelo seu representante legal).
O registro da entidade/órgão no sistema deve anteceder ao registro dos seus funcionários, ou os profissionais só poderão se cadastrar como usuários nível 1. Após o cadastramento, a validação do acesso aos conteúdos referentes a cada nível de usuário ocorrerá em até 72h e será encaminhado para o e-mail indicado informações complementares de acesso.
1 – LOGAR nO SISTEMA DO BAHIA ACOLHE finalidade: Fazer com que o usuário tenha acesso ao sistema e possa fazer uso das funções relativas ao seu perfil de usuário. Para logar no sistema será necessário fazer primeiramente o cadastro de pessoa física ou jurídica disponível através do site.
BAHIA ACOLHE | 117
funcionalidade: Conforme a tela abaixo, o usuário deverá preencher os campos que foram sinalizados na cor verde, preencher os itens “login” e “senha”, depois pressionar o botão “Entrar”.
Tela de acesso ao sistema
2 – RECuPERAR SEnHA ESQuECIDA/PERDIDA finalidade: Fazer com que o utilizador possa recuperar o seu acesso, devido ao esquecimento de sua senha. Através desta funcionalidade, após confirmação, uma senha nova será encaminhada para o usuário através de seu e-mail.
funcionalidade: Conforme imagem 01, o usuário deverá inicialmente clicar no campo
118 | BAHIA ACOLHE
“Esqueceu a Senha?”, sinalizado com a cor laranja. Em seguida, abrirá a tela relacionada na imagem 02, onde será necessário preencher com seu e-mail o campo “e-mail”, informado em laranja. Por fim, basta clicar em “Solicitar nova Senha”, onde o sistema se encarregará de gerar uma nova senha, informar ao usuário (imagem 03) e enviar para o seu e-mail (imagem 04).
PASSO 01
PASSO 02
BAHIA ACOLHE | 119
PASSO 03
PASSO 04
120 | BAHIA ACOLHE
3 – REALIzAR O CADASTRO DE PESSOAS fÍSICAS DA SOCIEDADE CIvIL E PARA funCIOnÁRIOS uSuÁRIOS DO SISTEMA finalidade: Dar acesso ao Sistema para os funcionários, através do autopreenchimento de um formulário com os dados necessários para se tornar um utilizador do sistema, seguido de uma autorização cedida em até 72 horas pelo profissional gestor do sistema.
funcionalidade: Conforme a primeira tela, caso o profissional já não seja cadastrado, deverá clicar no campo “Solicitar Acesso”. Em seguida, ele será redirecionado para a tela de cadastro de pessoa física, relacionada na tela do passo 02, onde o primeiro passo para se realizar o cadastro será informar a “Natureza Jurídica” (Pessoa Física), o “CPF” e reescrever no campo “Confirmação” os caracteres exibidos do campo “Captcha”, seguidos do botão “Próximo”. O próximo passo é preencher todos os campos do formulário da tela do passo 03. O processo estará concluído quando aparecer um aviso com a “Mensagem de conclusão de cadastro”. A partir daí é só aguardar um e-mail de confirmação de cadastro no período de até 72 horas, para acesso ao sistema.
PASSO 01
BAHIA ACOLHE | 121
PASSO 02
PASSO 03
122 | BAHIA ACOLHE
Mensagem de conclusão de cadastro
4 – REALIzAR O CADASTRO DE PESSOAS JuRÍDICAS, PARA EnTIDADES COnvEnIADAS. finalidade: A realização do cadastro de entidades, para fazer parte do sistema gestor do programa Bahia Acolhe, se dá através do autopreenchimento do formulário de cadastro, disponível no sistema de forma aberta, seguido de uma autorização cedida em até 72 horas pelo profissional gestor do sistema, após confirmação dos dados.
funcionalidade: Conforme a primeira tela, caso o profissional já não seja cadastrado, deverá clicar no campo “Solicitar Acesso”. Em seguida, ele será redirecionado para a tela de cadastro de pessoa jurídica, relacionada na tela do passo 02. Em seguida, ele será redirecionado para a tela de cadastro de Pessoa Jurídica, relacionada na tela do passo 02, onde, para se realizar o cadastro, o primeiro passo será informar a “Natureza Jurídica” (Pessoa Jurídica), o “CNPJ” e reescrever no campo “Confirmação” os caracteres exibidos do campo “Captcha”, seguidos do botão “Próximo”. O próximo passo é preencher todos os campos do formulário da tela do passo 03 e aguardar um e-mail de confirmação de cadastro no período de até 72 horas, para acessar todos os recursos inerentes ao seu nível de permissão ao sistema.
BAHIA ACOLHE | 123
PASSO 01
PASSO 02
124 | BAHIA ACOLHE
PASSO 03
5 – CADASTRAMEnTO E ACOMPAnHAMEnTO DE PESSOAS EM SITuAçãO DE RuA O cadastro on-line de pessoas assistidas facilita a prestação dos serviços em rede, uma vez que outros profissionais poderão saber o percurso de cada usuário, tomando as medidas mais adequadas para cada caso. Outro ponto é que, a partir do momento em que os sistemas se integram, amplia-se a possibilidade de se fazer a vigilância territorial de maneira mais eficiente.
Conforme se verá na tela 01, se incluiu informações essenciais para se ter uma primeira anamnese social do cidadão. A inclusão de recursos, a exemplo de foto por web cam, o sistema ajudará a reduzir duplicidade de ações e ampliar a segurança na identificação dos usuários. O sistema também tem potencialidade para se incluir leitura biométrica, modernizando-se com outros sistemas de identificação, a exemplo da justiça eleitoral, entretanto a utiliza-
BAHIA ACOLHE | 125
ção deste recurso precisa ser criterioso e negociado com o usuário antes mesmo da sua utilização nos Centros Pop, considerando que há inúmeros casos de resistência a uma identificação desse porte e com certa razão, já que isso pode também ser utilizado contra o usuário, a depender da intenção de quem o implanta.
Nos casos em que há a constatação de conflito com a lei, de qualquer natureza, a postura dos profissionais do Programa Bahia Acolhe é a de garantir ao usuário o direito de ampla defesa, como previsto na Constituição de 1988, a partir da parceria constituída com a Defensoria Pública do Estado, no sentido de que a pessoa tenha acompanhamento jurídico qualificado, de modo que não ocorram desvios de objetivos do Programa na promoção dos direitos humanos e sociais daqueles que o procuram.
O acompanhamento é importantíssimo para que a ação não seja pontual e ineficaz. Por conta das dificuldades enfrentadas por pessoas em situação de rua para acessar os serviços públicos, consolidando o processo de saída das ruas, os profissionais só se devem dar por satisfeitos no momento em que verifiquem a efetividade dos seus encaminhamentos, inclusive, porque isso pode apontar onde exatamente estão as fragilidades da rede de proteção social. Na tela 02, os profissionais poderão registrar os encaminhamentos que fizeram para as pessoas assistidas e se foram bem sucedidos nos atendimentos.
126 | BAHIA ACOLHE
TELA 01: CADASTRAMEnTO DE PESSOAS EM SITuAçãO DE RuA
BAHIA ACOLHE | 127
TELA 02: ACOMPAnHAMEnTO DOS EnCAMInHAMEnTOS DE PESSOAS EM SITuAçãO DE RuA
ARAÚJO, Inesita. Razão polifônica: a negociação de sentidos na intervenção social. In Perspect. ciênc. inf., Belo Horizonte, n. especial, p. 46-57, jul./dez. 2003 13
128 | BAHIA ACOLHE
O caráter modular do sistema permite que na medida em que se façam necessários, outros elementos poderão ser incorporados ao sistema ISI-BA/Bahia Acolhe, de modo a facilitar o trabalho dos profissionais e tornar cada vez mais ágil o atendimento à população em situação de rua.
COnCLuSãO
Esta seleção de textos, certamente, não encerra o debate acadêmico sobre proteção social, seguridade social, políticas sociais, direitos universais, ou questão social. De fato, a intenção aqui é, justamente, demonstrar que existem muitas teorias no campo das ciências sociais, que se plasmam e assumem formas, constroem políticas, são experimentadas e se modificam de acordo com a própria evolução do homem e das sociedades, organicamente.
A escolha desses autores também não foi casual. Cada um deles traz na bagagem muitas outras vozes, pensamentos e interpretações, ou, nas palavras da pesquisadora e doutora em Comunicação e Cultura, Inesita Araújo,
Trabalhar no campo da intervenção social nos obriga a afinar constantemente nosso aparato perceptivo da dinâmica da sociedade. Teorias vão e vêm, tentam explicar, prever, enquadrar o comportamento das pessoas e grupos, em outras palavras, aprisionar o inaprisionável: volta e meia a realidade da prática social põe por terra sua arrogância e é necessário começar tudo de novo, buscar entender de outras maneiras como pensam e agem as pessoas diante de uma ação interventora.13
O desafio da formação é estimular a crítica, incentivar a expressão, provocar o debate,
BAHIA ACOLHE | 129
fomentar ideias, incorporar as diferenças e, ainda, ser capaz de subtrair objetivos comuns e produzir um “imaginário coletivo” para a conformação de estratégias.
REfERÊnCIAS BIBLIOGRÁfICAS E MATERIAL PARA COnSuLTA ABRAHAMSON, Peter. O modelo escandinavo de proteção social. In: Argumentum, Vitória, v. 4, n. 1, 2012. p. 7-36.
ABRAHAMSON, Peter. O retorno das medidas de ativação na política de bem-estar dinamarquesa: Emprego e Proteção Social na Dinamarca. Ser Social, Brasília, v. 11, n. 25, p. 244-273, jul./dez. 2009 (a).
EBelonging in the context of the Welfare State.In: INTERNATIONAL SEMINAR A SENSE OF BELONGING IN TWENTY-FIRST CENTURY: LESSONS WITH A GLOBAL PERSPECTIVE FOR AND FROM LATIN AMERICA AND THE CARIBBEAN, Santiago de Chile, november 23th and 24th, 2009. Presentation. CEPAL, 2009(b). Disponível em: <http://www.cepal.org/dds/noticias/paginas/8/37518/texto-PeterAbrahamson.pdf>. Acesso em: jun. 2012.
European Welfare States beyond neoliberalism: toward the Social Investment State. In: Development and Society, v. 39, n. 1, p.61-95, jun.2010.
AZEREDO, Beatriz. Políticas públicas de emprego: a experiência brasileira. São Paulo: ABET, 1998.
BLOSFELD. Wolney. A grande depressão de 1929. 2008. Disponível em: <http://www.webartigos.com> Acessado em: 01.12.12.
130 | BAHIA ACOLHE
BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez Editora, 2006.
BOSCHETTI, Ivanete; SALVADOR, Evilásio. Orçamento da seguridade social e política econômica: perversa alquimia. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, v. 87, pp. 25-57, 2006.
BOSCHETTI, Ivanete. Previdência e Assistência: uma unidade de contrários na seguridade social. Universidade e Sociedade. Revista da ANDES-SN, Brasília, ANDES-SN, n. 2, 2000.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação - Meta Instituto de Pesquisa de Opinião. Sumário Executivo - Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua. 2008. Brasília, DF.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MP. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA. Situação Social Brasileira - monitoramento das condições de vida 1, 2011. Brasília, DF: 283 pp.
CARVALHO, Raul; IAMAMOTO, Marilda Vilela. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1983.
CASSIA, R.; BARBOSA, A.; SILVA, V. da: Gestão social das políticas públicas nas pequenas cidades. Revista electrónica de geografia y ciencias sociales. Barcelona, 1 de agosto de 2005, vol. IX, núm. 194 (9).
CASTEL, Robert. Os marginais na história. Serviço Social 3: Revista do Programa de Pós Graduação em Política Sócial da UnB. Brasília, nº 3, pp. 55-66, jul./dez. 1998.
CUNHA, E. P. CUNHA, E. S. M.: Políticas Publicas Sociais. Apud: Carvalho, A. et al (org). Po-
BAHIA ACOLHE | 131
líticas Publicas. Belo Horizonte, Ed. UFMG. Proex, 2002. ESCOREL, Sarah: Vidas ao Léu: trajetórias de exclusão social. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999. 276 p.. Apud: Baptista, Mauricio de Souza: A dinâmica da população de rua na área central do Rio de Janeiro. Monografia. Rio de Janeiro.
ESPING-ANDERSEN, Gosta. As três economias políticas do WelfareState. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 24, 1991.
FALEIROS, Vicente de Paula. Capacitação em Serviço social e Política Social. Módulo 3, Centro de Educação da UnB. Brasília. 1991, pp. 43-54.
LUKÁCS, Georg. 1996. Apud: ANTUNES, Ricardo. Serviço Social, Política Social e Trabalho: desafios e perspectivas para o século XXI. Editora Cortez. São Paulo, 2006.
PEREIRA, Frederico Poley. Vidas Privadas em Espaços Públicos: os moradores de rua em Belo Horizonte. 2000. p.104.
SANTOS, Margarida Maria Silva dos. Gestão Territorial e Políticas Públicas: Questões e Desafios Atuais. Juazeiro/BA – Petrolina/PE - 28, 29 e 30 de Maio de 2009.
SILVA, Maria Lucia Lopes: Trabalho e população de rua no Brasil. Editora Cortez. São Paulo, 2009.
SINGER, Paul. Alternativas da gestão social diante da crise do trabalho. Apud: MAIA, Marilene. Gestão Social – Reconhecendo e construindo referenciais. Revista Virtual Textos & Contextos, nº 4, dez. 2005.
TIENE, Izalene. Mulher Moradora na Rua: entre vivências e políticas sociais. Campinas, SP: Alínea, 2004.
132 | BAHIA ACOLHE
BAHIA ACOLHE | 133
InTRODuçãO O referencial teórico deste encarte foi selecionado para servir a dois propósitos: imbuir nos formadores os pressupostos da socioeducação e orientá-los para uma formação interdimensional dos grupos beneficiados pelo projeto que atuarão direta ou indiretamente com pessoas em situação de rua.
Como já é sabido, nenhum guia pretende, nem tem condições de esgotar todas as possibilidades existentes. Portanto, as sugestões de atividades e de planejamento servem mesmo para orientar não para engessar o trabalho do formador.
A coletânea de Cadernos de Socioeducação14, (Martins; Peixoto, 2010) contém o volume Práticas de Socioeducação, desde a sua 1ª edição, em 2006. A compreensão desses pressupostos, por si, exige que os servidores, agentes públicos e profissionais da AS (Assistência Social) encarem as pessoas em situação de rua a partir de suas vinculações históricas e sociais.
Não se trabalha com o marginal, o mendigo, o pedinte, o doido, o chato, o fedido, o bebum, o drogado, mas com um indivíduo que, em razão de suas condições e relações materiais e históricas, está morando nas ruas. É preciso que se vislumbre, para todos os usuários e em todos os momentos de suas vidas, possibilidades de construir novas relações com o mundo a sua volta.
A clareza conceitual, o compromisso ético e a vontade política só potencializam verdadeiramente sua ação quando o educador está comprometido em níveis que PARANÁ. Secretaria de Estado da Criança e da Juventude. Práticas de Socioeducação. Paraná: 2010, 2ª edição p25-41 [MARTINS, Deborah T; PEIXOTO, Roberto B. (Org.) Cadernos... vol 2]. 14
134 | BAHIA ACOLHE
ultrapassam em profundidade o conhecimento do assunto, ou seja, quando estiver emocionalmente envolvido com a causa da dignidade plena. (Costa, 2008, p. 14).
É um dos requisitos básicos para o formador compreender em profundidade aquilo que pretende compartilhar com outros em termos de conhecimento, uma vez que, ao formar, trabalha com conceitos muitas vezes complexos e de difícil entendimento em um primeiro contato, ficando o formando dependente da interpretação do formador que deve condizer com uma interpretação colada na realidade e na base teórica, não em pressupostos meramente pessoais.
Assim, este encarte pode facilitar sobremaneira o a execução das atividades de formação, sem impedir os processos criativos daqueles que estão responsáveis por compartilhar os conhecimentos do módulo de formação básica presencial.
A SOCIOEDuCAçãO Os textos a seguir são excertos e adaptações do capítulo As Bases da Socioeducação:
Qualquer tipo de educação é, por natureza, eminentemente social. O conceito de socioeducação ou educação social, no entanto, destaca e privilegia o aprendizado para o convívio social e para o exercício da cidadania. Trata-se de uma proposta que implica em uma nova forma do indivíduo se relacionar consigo e com o mundo.
Deve-se compreender que educação social é educar para o coletivo, no coletivo, com o coletivo. É uma tarefa que pressupõe um projeto social compartilhado, em que vários atores e instituições concorrem para o desenvolvimento e fortaleci-
BAHIA ACOLHE | 135
mento da identidade pessoal, cultural e social de cada indivíduo.
A socioeducação como práxis pedagógica propõe objetivos e critérios metodológicos próprios de um trabalho social reflexivo, crítico e construtivo, mediante processos educativos orientados à transformação das circunstâncias que limitam a integração social, a uma condição diferenciada de relações interpessoais, e, por extensão, à aspiração por uma maior qualidade de convívio social.
De acordo com Antônio Carlos Gomes da Costa (apud Martins), uma das vertentes da socioeducação é seu caráter protetivo, direcionada a pessoas em situação de risco pessoal e social em razão de ameaça ou violação de seus direitos, seja por ação ou omissão da família, da sociedade ou do Estado, ou da sua própria conduta.
A socioeducação decorre de um pressuposto básico: o de que o desenvolvimento humano deve se dar de forma integral, contemplando todas as dimensões do ser. Sobre este novo paradigma, o autor Antônio Carlos Gomes da Costa nos propõe uma abordagem interdimensional, que suplanta a abordagem disciplinar ou interdisciplinar, que assenta-se na importância da manifestação das diferentes dimensões co-constitutivas do ser, como a sensibilidade, a corporeidade, a transcendentalidade, a criatividade, a subjetividade, a afetividade, a sociabilidade e a conviviabilidade. Isso significa um rompimento com o modelo de pensamento fundado na racionalidade moderna e exige dos profissionais a superação da visão do mundo mecanicista, fragmentado e histórico.
A educação interdimensional parte do pressuposto de que a educação é a comunicação intergeracional do humano, envolvendo conhecimentos, sentimentos, crenças, valores, atitudes e habilidades na constante troca entre educador e educando.
136 | BAHIA ACOLHE
É neste sentido que a educação interdimensional é um esforço de superação da tradição da educação logocêntrica – centrada na razão (logos), atuando em favor de uma visão do educando em sua inteireza e complexidade.
Ainda segundo Costa, a educação interdimensional trabalha o educando, levando em conta seus sentimentos (Pathos), sua corporeidade (Eros), sua espiritualidade (Mythus) e sua razão (Logos), no lugar de ter como base apenas as disciplinas do Logos.
A visão do pedagogo russo Anton Makarenko e do educador Paulo Freire aborda fundamentos teóricos diferentes, “[...] entendem o homem como agente de transformação do mundo, fonte de iniciativa, liberdade e compromisso consigo e com sua sociedade: um agente passivo e ativo das relações que estabelece ao longo de sua história”.
Para estes autores, a educação é, portanto, um processo de construção orientado, pelo qual o homem, situado no mundo e com o mundo, concretamente, transforma a si mesmo e o que está em sua volta, tornando-se sujeito de seu próprio destino.
Finalmente, a construção do homem cidadão, capaz de fazer a sua história, assumindo um projeto de vida pessoal e social, comprometido com os ideais de sua classe social, pode ser alcançada quando se desvendam para ele a consciência dos seus direitos e de sua potencialidade como agente de transformação.
Segundo Anton Makarenko, [...] “a educação como um processo social de tomada de consciência de si próprio e do meio que nos cerca. Para ele, educar é socializar pelo trabalho coletivo em função da vida comunitária. Uma verdadeira coletividade não despersonaliza o homem, antes cria novas condições para o desenvolvimento da personalidade”.
O educador brasileiro, Paulo Freire refere-se a dois tipos de pedagogia: “[...] a pedagogia
BAHIA ACOLHE | 137
dos dominantes, na qual a educação existe como prática da dominação; e a pedagogia do oprimido, como prática da liberdade, que coloca o indivíduo na posição de sujeito da ação transformadora do mundo”. (FREIRE, 1981)
PRESSuPOSTO TEóRICO fREIRIAnO: • Retoma e valoriza a luta dos oprimidos e seu compromisso pelas transformações estruturais capazes de promover a libertação política, a promoção econômica e a emancipação cultural das camadas sociais destituídas de bens e direitos fundamentais aos quais o povo tem direito;
• Exige dos trabalhadores sociais um compromisso radical com o nosso povo [...] enquanto seres humanos que podem apresentar um grande potencial de ressocialização;
• Aponta que a educação como prática de liberdade é problematizadora e só pode acontecer no diálogo educador x educando, quando ambos se defrontam diante da opressão e da dominação vinda do opressor e buscam, em comunhão, o encontro para pronunciar e recriar o mundo, a sociedade;
• Propõe um método de ensino x aprendizagem que parte do universo que diz respeito à realidade do homem e suas relações com o bairro, com a cidade, com o Estado, com o país e com o mundo, e, nesse contexto, busca a conquista de seus direitos fundamentais. [...]
Não pode haver espaço para conformismo e passividade, tampouco para o discurso que desconsidera os saberes e a capacidade do ser humano de se transformar e transformar a realidade a sua volta.
138 | BAHIA ACOLHE
No texto Relação de Ajuda15 a seguir, Costa cita:
Em seu “Paradigma de Orientação Educacional”, a professora Laís Esteves Loffredi (1979)16 apresenta dez características da relação de ajuda, selecionadas por Shertzer e Stone (1972) 17. Essas características, adverte ela, referem-se à relação de ajuda de modo amplo, ultrapassando, assim, o âmbito das chamadas profissões de ajuda. São elas:
SEnTIMEnTO: “A relação de ajuda tem sentido porque está relacionada com determinada situação para a qual se busca solução, implicando um compromisso mútuo onde ocorre uma interação pessoal que exige certo grau de profundidade.”
ExPRESSãO DE AfETO: “Na relação de ajuda expressa-se afeto, apesar da relevância de fatores cognitivos. São os fatores afetivos que sustentam o processo pela sensibilidade mútua dos participantes, garantia do equilíbrio na relação.”
TOTALIDADE: “Na relação de ajuda manifesta-se a pessoa total. A totalidade é a qualidade reparadora da relação, no sentido de que os participantes apresentem-se e aceitem-se tal como são, ou seja, autenticamente.”
COnSEnTIMEnTO MÚTuO: “A relação de ajuda se dá por consentimento mútuo dos participantes. Embora algumas relações sejam estabelecidas por força de uma função, como no caso pai-filho, professor-aluno, está implícito ter havido consentimento prévio de assumir as responsabilidades inerentes ao papel, pelo menos por parte de quem oferece ajuda. No entanto, a relação de ajuda só se COSTA, Antonio Carlos Gomes da. TEXTOS DE APOIO. Relação de Ajuda. Belo Horizonte: Modus Fasciendi, 2008. Disponível em: < http://api.ning.com/files/5NsBNm3M5r3XD-bi*syIKy62iSihimTumX6ACUcyoXw_/PilarIITextosDiversosAntonioCarlosGomesdaCosta.pdf >Acesso em 28 jan. 2013. 15
BAHIA ACOLHE | 139
estabelece satisfatoriamente quando ambos - quem dá e quem recebe ajuda participam da relação livremente.”
ExPECTATIvA: “A relação de ajuda ocorre porque a pessoa que pede ajuda precisa de informação, instrução, conselho, auxílio, compreensão ou tratamento, e espera que a outra pessoa possa oferecer-lhe isto. A confiança no conhecimento e na competência de quem ajuda é essencial à relação.”
COMunICAçãO E InTERAçãO: “A relação de ajuda se dá pela comunicação e interação. Uma e outra são cognitivas e afetivas, de conteúdo positivo ou negativo, e serão estabelecidas pela comunicação verbal e não verbal.”
ESTRuTuRAçãO: “A relação de ajuda é uma situação estruturada que começa quando, por consentimento mútuo, os participantes encontram-se face a face, e a pessoa que pede ajuda percebe que será um agente do processo e não apenas um paciente que entrega a outro a responsabilidade pelo que venha a ocorrer. No entanto, a competência de quem oferece ajuda é que permite a situação em que a participação se realiza por meio da experiência vivencial de cada um. A estrutura pode variar segundo o tipo de relação, mas será sempre constituída por estímulos e respostas, resultantes das necessidades dos participantes da relação.”
COOPERAçãO: “A relação de ajuda é caracterizada pelo esforço cooperativo. Essa característica é decorrência da anterior, pois o esforço cooperativo começa pela percepção, por parte de quem recebe ajuda, de que o êxito do processo depende também dele. Esta percepção intensifica e aprofunda a estrutura da relação. Quem ajuda se coloca à disposição do outro, dando-lhe a liberdade de 16 17
LOFFREDI, Laís E.. Paradigma de Orientação Educacional. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979 SHERTZER, Bruce; STONE, Shelley. Manual para El Asesoramiento Psicologico. Buenos Aires: Paidos, 1972
140 | BAHIA ACOLHE
aceitar ou rejeitar o que lhe parece apropriado, favorecendo assim, pela seleção de recursos, a descoberta de formas mais adequadas de atuação.”
ACESSIBILIDADE E SEGuRAnçA: “A pessoa que ajuda é acessível e se mostra segura. Na verdade, é acessível porque se sente segura e, portanto, aberta ao outro, sendo capaz de apresentar-se constantemente estável, atuando como apoio daquele que se sente, pelo menos temporariamente, inseguro e instável.”
ORIEnTAçãO PARA A MuDAnçA: “O objeto da relação de ajuda é a mudança. A pessoa modifica-se pela aprendizagem, mediante uma nova percepção de si mesma, da sua situação e do ambiente, expressa numa mudança de atitudes.”
As seguintes abordagens metodológicas devem ser consideradas e gerar uma gama de desdobramentos para os distintos temas do Módulo:
vIvEnCIAL Trabalha a partir de dinâmicas, atividades lúdicas e estéticas, cuja realização exija envolvimento intelectual dos participantes (motor, sensorial, afetivo e cognitivo) e deve ser associada ao trabalho em grupo, implicando em externar emoções e representações na interação com os demais.
REfLExIvA Vai além da catarse e elabora a vivência, o que se sente e percebe individualmente e coletivamente em relação ao conteúdo focalizado.
DIALóGICA Provoca a interlocução, alargando a percepção, promovendo a aprendizagem da convivência democrática; desenvolve a capacidade de ouvir e de analisar em conjunto a va-
BAHIA ACOLHE | 141
lidade de ideias e argumentos apresentados, independente do papel, motivação ou da autoridade de quem os tenha apresentado.
METACOGnITIvA Reflete sobre o que se aprendeu, como e para que, aumentando a capacidade de controlar a própria aprendizagem e perceber os resultados obtidos no final do processo.
PRó-ATIvA Incentiva os participantes a se tornarem autores e atores, a realizarem sínteses pessoais e coletivas dos conhecimentos adquiridos ao longo das oficinas, possibilitando-lhes a oportunidade de atuarem em seu entorno e dar formas a empreendimentos pessoais e sociais.
Os conteúdos ministrados a partir da aplicação e disseminação dos conceitos e abordagens apresentados podem se desdobrar na construção de estratégias, parcerias e de planos de ação, no agenciamento de processos de autonomia individual ou coletiva, de agrupamentos em rede ou no estabelecimento de articulações de natureza política, além de outros, que poderão e deverão ser estimulados ao longo das oficinas.
Sejam quais forem, espera-se que as ferramentas e práticas propostas provoquem mudanças positivas, reais e recorrentes nos municípios alvo do projeto, que contribuam, em algum grau, para a garantia dos direitos de cidadania e proteção social da população em situação de rua.
142 | BAHIA ACOLHE
MOBILIzAçãO SOCIAL Araújo (2003) procura mostrar que qualquer seja o método de intervenção social que se adote, não se pode desconhecer a “razão polifônica que move as pessoas, que orienta suas opções e decisões, que configura a prática comunicativa e os processos sociais.”
Segundo o filósofo russo Bakhtin (1992)1, polifonia é a presença de outros textos dentro de um texto, causada quando o autor se insere num contexto que inclui textos que lhe inspiram ou influenciam previamente.
“[...] Todo texto é uma polifonia, ou seja, um conjunto de vozes que se exprime. Cada fala, cada enunciação é palco de expressão de uma multiplicidade de vozes, algumas arregimentadas intencionalmente pelo locutor e outras das quais ele não se dá conta. Estas vozes se articulam, se confrontam, se legitimam ou se desqualificam mutuamente, e esta rede interativa que põe em relação as vozes do mesmo texto, podemos chamar de dialogismo, seguindo os ensinamentos de (Bakthin, 1992)”.
Ainda segundo Araújo (2003), as ideias de polifonia e de contexto (aqui entendido nas suas variantes textual, existencial e situacional (ou seja, in situ da interlocução), são indispensáveis para entender a prática comunicativa e as estratégias discursivas da população nos processos de intervenção social. Deste modo:
ARAÚJO, I. S. . Razão Polifônica. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, MG, v. 8, p. 46-57, 2003. Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895 -1975). Filósofo e pensador russo, teórico da cultura europeia e das artes. Notório pesquisador da linguagem humana. Suas teorias influenciaram o marxismo , a semiótica e o estruturalismo, a crítica literária, a história, a filosofia, a antropologia e a psicologia.
18 19
BAHIA ACOLHE | 143
“[...] estes dois enfoques que referenciam um modo de perceber e agir sobre a realidade, com vistas à construção de uma outra ordem social” (ARAUJO, 2003).
A seu modo, a autora ainda discute os discursos sociais partindo do “princípio de que a prática comunicativa se organiza ao modo de um mercado, de natureza simbólica, onde os sentidos são permanentemente negociados” e analisa a viabilidade e as exigências do método de mobilização social de Toro (1996), como “uma possibilidade de aplicação concreta daquelas propostas teóricas”, concluindo que este método possibilita a produção de um conhecimento passível de “concorrer no mercado simbólico e disputar os sentidos dominantes.”
Para Toro (1996a, p. 27), o ponto de partida da mobilização social está na existência de um imaginário. Ainda segundo o autor, “[...]quando uma sociedade é capaz de entender um objetivo como comum, prioritário para o conjunto dos atores que a formam, converte-o em imaginário”. Ou, se raciocinarmos em sentido oposto, quando o imaginário - que pertence à esfera das expectativas, da esperança coletiva de uma sociedade - é proposto, esse imaginário consegue mover essa sociedade” (TORO, 1996a, p. 27).
O autor ainda afirma: “[...]mobilizar é somar singularidades”. No seu entendimento, “toda mobilização move pessoas concretas e instituições concretas”, mas busca, de alguma forma, uma globalidade, ou uma universalidade. Nesta concepção, está implícito o conceito de mobilização social associado à construção de consensos amplos, em torno de imaginários.
144 | BAHIA ACOLHE
Toro (1996a, p.28) associa o imaginário à paixão. Diz ele que “[...] a forma como a paixão se mobiliza não é através da lógica, mas sim através de imagens e representações”. A tarefa dos produtores sociais (e aqui ele releva a figura dos comunicadores e, no nosso caso, os formadores) seria, então, converter discursos lógicos, metas e propósitos formais em imaginários que movam a paixão.
“Assim, quando uma sociedade é capaz de entender um objetivo como comum, prioritário para o conjunto dos atores que a formam, converte-o em imaginário”. E, “quando o imaginário – que pertence à esfera das expectativas, da esperança coletiva de uma sociedade – é proposto, esse imaginário consegue mover essa sociedade” (Toro, 1996a, p. 29). Mas, é Toro que afirma:
[...]Não é fácil fazer imaginários, não é fácil formulá-los. Pois não se trata de um problema de ordem técnica. [...] Fazer um imaginário não é fazer um spot publicitário. Um imaginário pode requerer spots, para torná-lo compreensível, inteligível e universal. Mas um spot não resolve um imaginário [...] um spot não é o imaginário (Toro, 1996, p. 31).
Ao contrário do que parece à primeira vista, a área social, por lidar com a universalidade dos direitos e estar vinculada a questões estruturais da sociedade, não é um território fácil para se produzir consensos. Talvez isto explique as dificuldades de implementação das políticas sociais.
No caso do Brasil, à complexidade intrínseca da questão, ainda agregam-se especificidades da sociedade brasileira que tornam mais difícil a construção de consensos sobre aspectos relevantes desta temática e que envolvem os setores hegemônicos do capital, da política e da burocracia. A alteração deste
BAHIA ACOLHE | 145
quadro passa pela mudança na estrutura de poder na sociedade, o que dificilmente se fará por consenso.
Então, vamos trazer à discussão o método de mobilização social proposto por Toro (1996a). De um modo geral e sucinto, o método propõe, diante de uma situação problema que requer intervenção:
A.
Que seja criado um imaginário coletivo sobre o problema a ser resolvido, imaginário que tome corpo em uma ou mais palavras de ordem, ou slogans. Tanto imaginário como slogans devem ser produzidos de forma compartilhada, entre técnicos e público. A forma de se fazer isto pode variar, mas é importante que seja compartilhada.
B.
Que nesse processo se estimule o surgimento do que Toro chama de ree-
ditores sociais, que são pessoas que têm público próprio, segundo suas palavras - interessadas em assumir um papel mais ativo na estratégia de ação. Cada reeditor deve desenvolver uma estratégia própria de atuação, no seu âmbito particular de trabalho.
C.
Aos reeditores serão oferecidas condições materiais e qualificação em processos comunicacionais da sua escolha, para a implantação da sua estratégia.
D. 146 | BAHIA ACOLHE
Durante a implantação dos planos de ação, os técnicos responsáveis – chamados por Toro de produtores sociais – devem promover situações de intercâmbio entre os reeditores – fase de coletivização – e garantir uma resposta constante e ágil às demandas que vão surgindo.
É necessário, portanto, definir uma estratégia eficaz para a formação de uma “massa crítica” atuante de membros das instituições presentes nas oficinas, nas condições de diversidade e tamanho geográfico dos municípios contemplados pelo Programa de Formação.
REfERÊnCIAS BIBLIOGRÁfICAS E MATERIAL PARA COnSuLTA COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Pedagogia da Presença: da solidão ao encontro. 2ª edição. Belo Horizonte: Modus Faciendi, 2001.
COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Textos de apoio. Belo Horizonte: Modus Faciendi, 2008, 32 p.
DELORS, Jacques et alii. Educação para o século 21, um Tesouro a Descobrir. Edições ASA, Lisboa: 1996.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra 1966, 23ª.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade, 5ª. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1981.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1975.
BAHIA ACOLHE | 147
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro coma pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1992.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
QUINTÁS, A. L.. O amor humano: seu sentido e alcance. Petrópolis-RJ: Vozes, 1995.
TORO, José Bernardo. As Sete Aprendizagens Básicas para a Convivência Social. Colômbia: Fundación Social, 1995, Mimeo.
TORO, Bernardo. Mobilização social: uma teoria para a universalização da cidadania. In: MONTORO, Tânia S. (Coord.). Comunicação e mobilização social. Brasília, DF: UnB, 1996. p. 26-40. (Série Mobilização Social, v.1).
TORO, José Bernardo. Mobilização e democracia: a construção da América Latina. In: MONTORO, Tânia S. (Coord.). Comunicação e mobilização social. Brasília, DF: UnB, 1996. p.68-74. (Série Mobilização Social, v.1).
TORO, José Bernardo. A Construção do Público: Cidadania, Democracia e Participação. Rio de Janeiro: SENAC, 2005.
148 | BAHIA ACOLHE
SuGESTãO DE PLAnEJAMEnTO Há diversos modelos para planejamento de atividades, foi desenvolvido o modelo a seguir com o objetivo de padronizar a apresentação das atividades e por se considerar que o mesmo satisfaz quanto aos requisitos essenciais de organização metodológica, mas nada impede de se trabalhar com outros modelos que se mostrem mais ajustados aos mesmos propósitos.
ROTEIRO DE TRABALHO / METODOLOGIA 1.PROJETO: fORMAçãO / ASSESSORIA: QuALIfICAnDO OS SERvIçOS SOCIOASSISTEnCIAIS
2.EvEnTO: fORMAçãO – MóDuLO BÁSICO PRESEnCIAL
3.REALIzAçãO: InSTITuTO DE SAÚDE InTEGRAL – ISI-BA
4.fORMADOR(ES):
5.EQuIPE TÉCnICA:
6.nATuREzA: OfICInA
nº:
7.TIPO: fORMAçãO
BAHIA ACOLHE | 149
TEMA:
8.CARGA HORÁRIA: 8 HORAS
9.PÚBLICO TOTAL:
10. LOCALIDADE:
11.GRuPOS:
12.OBJETIvO GERAL:
13.OBJETIvOS ESPECÍfICOS:
14.PROPOSTA DE TRABALHO:
A metodologia adaptada parte dos pressupostos da construção coletiva, com participação ampla e democrática dos atores. Nessa perspectiva, este roteiro deve ser modulado para buscar o estabelecimento de elos de cooperação e corresponsabilidade capazes de gerar um modelo diferencial de transformação de cenários, onde o capital humano seja sujeito.
O propósito é ajudar estes diversos grupos a compreenderem fundamentos, problemas, possibilidades, limitações e preconceitos relacionados aos serviços especializados para a população em situação de rua e os fundamentos da Assistência Social como política pública de direito universal e promotora da igualdade com qualidade nos padrões de proteção.
15.COnTEÚDO:
150 | BAHIA ACOLHE
16.MATERIAL DE COnSuMO (MATERIAL QUE SERÁ CONSUMIDO PELOS PARTICIPANTES NA REALIZAÇÃO DE ALGUMA ATIVIDADE)
17.MATERIAL PEDAGóGICO (RECURSOS TECNOLÓGICOS E/OU QUE NÃO SERÃO CONSUMIDOS PELOS PARTICIPANTES NA REALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES)
18. DESEnvOLvIMEnTO (DESCRIÇÃO DE COMO OS TRABALHOS OCORRERÃO NO TEMPO DEFINIDO E A PARTIR DOS RECURSOS E DINÂMICAS ESCOLHIDOS PARA AS ATIVIDADES)
DInÂMICAS DE GRuPO Uma dinâmica é uma técnica participativa não formativa e também não tem um caráter pedagógico. Para que sirva como ferramenta dentro de um processo de formação / educação, deve ser utilizada em função de temas específicos, com objetivos concretos e aplicada de acordo com o público com o qual se esteja trabalhando.
Serve para ajudar a desenvolver, sistematizar, ordenar, transformar e redimensionar a prática da formação, incluindo novos elementos que permitem explicar e entender determinados processos individuais e coletivos.
AS DInÂMICAS PERMITEM:
1. Desenvolver um ambiente de discussão e reflexão coletivamente. 2. Ampliar o potencial de indivíduos e enriquecer seu conhecimento. 3. Possibilitar a formação e a transformação de processos, onde os participantes são sujeitos de sua elaboração e execução.
BAHIA ACOLHE | 151
Há diversos tipos de técnicas/dinâmicas:
1
As Técnicas “Quebra Gelo” ajudam a desinibir pessoas. Pode ser apenas uma brincadeira onde as pessoas se movimentam e se descontraem. São recursos que quebram a seriedade do grupo e aproximam as pessoas.
2
As Técnicas de “Apresentação” ajudam a plenária a apresentar-se, possibilitando a descoberta de “quem sou”, “de onde venho”, “o que faço”, “como e onde vivo”, “o que gosto, sonho, sinto e penso”, sem subterfúgios, com autenticidade e sem violentar a vontade das pessoas. Exige um diálogo verdadeiro, onde todos partilham o que podem e querem dentro do grupo. São as primeiras informações pessoais compartilhadas. Precisa ser desenvolvida num clima de confiança e descontração, pois é o primeiro momento para a motivação e integração. É aconselhável que sejam utilizadas dinâmicas rápidas e de curta duração.
3
As Técnicas de “Integração” partem de exercícios bem específicos, que possibilitam partilhar aspectos mais profundos das relações interpessoais do grupo. Trabalham a interação, a comunicação, as atitudes, os encontros e desencontros, e permitem uma análise do comportamento pessoal, grupal e relacional.
4
Técnicas de “Animação e Relaxamento” têm como objetivo eliminar as tensões, provocar uma reflexão individual para focalizar cansaço, ansiedade, impaciência etc. Essas técnicas também aproximam pessoas que se conhecem pouco e são úteis quando o clima grupal está muito frio e impessoal.
5
Técnicas de “Capacitação” devem ser utilizadas para trabalhar com pessoas que já possuem alguma prática de animação grupal. Possibilitam a revisão, a comunicação e a percepção da realidade e dos demais grupos que os rodeiam ou para os quais as oficinas são dirigidas. Ampliam a capacidade de escutar e observar, facilitam e clareiam as ações de
152 | BAHIA ACOLHE
formadores / educadores para a orientação do seu trabalho com os grupos. São, geralmente, mais longas.
ALGuMAS SuGESTÕES 01. QuEBRA GELO: ATAQuE AÉREO Técnica utilizada para ativar o grupo, quebrar o gelo, introduzir o tema do trabalho em equipe e detectar características de liderança entre os participantes.
Tempo de atividade: 5 minutos
- Traga folhas de papel kraft / revistas velhas e giz para demarcar os campos. - Previamente, desenhe com giz dois círculos iguais no chão, mais ou menos distantes um do outro e com tamanhos relativos ao número de participantes. - Divida a plenária em dois grupos e atribua 1 círculo a cada. Dê sinal para os grupos fazerem e arremessarem aviões de papel contra o círculo do adversário dentro de 3 minutos. - Cronometre. - Oriente para que nenhum grupo remova ou impeça a queda de aviões em seu círculo, devendo-se se concentrar apenas em fazer novos aviões e arremessá-los ao alvo. - Os dois grupos poderão estar lado a lado e arremessando para o círculo do adversário a certa distância, de forma que não fiquem no caminho que os aviões irão percorrer. - Ao final, contam-se quantos aviões pousaram (e permaneceram) dentro do círculo de cada grupo, que serão considerados como pontos do adversário. Vence o grupo que menos aviões tiver em seu círculo.
BAHIA ACOLHE | 153
02. APRESEnTAçãO DOS PARTICIPAnTES A seguinte técnica tem sido usada na construção de uma atmosfera relaxada, ao tempo em que estimula a participação ativa e compartilhamento de informações. O tempo da atividade é de 40 minutos:
- Organize os participantes em pares. O melhor é juntar aqueles que não se conhecem e/ou se conhecem de vista, mas nunca tiveram a oportunidade de conversar. - Cada pessoa do par entrevista o outro e faz algumas anotações. Deve-se procurar saber os aspectos de interesse da vida do seu par. A atividade deve durar uns três minutos. As pessoas precisam ser encorajadas a falarem de seus hobbies, famílias, talentos, sonhos, objetivos, etc. Essa atividade é importante por revelar as pessoas por trás dos títulos/postos ocupados e supre as lacunas dos diferentes conhecimentos dos participantes. - Após a pequena entrevista, cada par se levanta e faz a apresentação do seu parceiro, sintetizando ao máximo a entrevista. O tempo de apresentação é de, no máximo, 2 minutos por pessoa.
Lembre-se: os participantes não devem se apresentar. É seu par quem deve apresentá-lo(a).
03. InTEGRAçãO: DESEnvOLvIMEnTO DA COMunICAçÀO nãO vERBAL E DA ASSERTIvIDADE / ExPRESSãO EMOCIOnAL
Tempo de atividade: 20 minutos
- Prepare fichas contendo ‘sentimentos’ a serem distribuídos por uma seleção de 10
154 | BAHIA ACOLHE
participantes, conforme a sugestão: RAIVA / INDIGNAÇÃO / PAIXÃO / NOJO / AMOR / SEGURANÇA / INCERTEZA / SUPERIORIDADE / DESPREZO / PIEDADE / MEDO / ETC. - Distribua um cartão para cada participante. - Convide os participantes para irem à frente da plenária representar a locução “café com pão” com o sentimento que está escrito em suas fichas, um a um. - A plenária tentará descobrir qual o sentimento expressado (em alguns casos, haverá maior ou menor facilidade, tanto em descobrir quanto em expressar o sentimento). - Durante a dinâmica observe a maneira como os participantes se comunicam e suas percepções, intervindo, eventualmente na representação / interpretação do sentimento.
04. InTEGRAçãO: ExPECTATIvAS Esta técnica tem sido utilizada para levantar expectativas e necessidades de grupos em início de processos, bem como para o estabelecimento de metas. Deve ser aplicada anteriormente à introdução (vd. item 3 de Abertura das Oficinas, em 21. Metodologia).
Tempo de atividade: 30 minutos.
- Liste previamente em papel de flipchart (ou entregue digitada) questões como as sugeridas:
- O que vou conseguir com as oficinas de formação? - Como será minha contribuição? - Espero que ..................... não aconteça! - Espero que ..................... aconteça! - O que minha instituição espera que eu leve das oficinas de formação?
BAHIA ACOLHE | 155
- Uma coisa que quero aprender: ..................... - Algo que espero sair daqui praticando: ..................... Etc.
- Monte o flipchart e separe papéis em branco com pincéis atômicos de cores variadas. - Divida os participantes em subgrupos de 4 a 5 pessoas. - Mostre a lista no flipchart ou distribua as questões digitadas. - Entregue, para cada subgrupo, 2 folhas de papel flipchart em branco e 1 pincel para que sejam transcritas as respostas / conclusões. - Solicite que cada subgrupo nomeie um relator para apresentar as respostas do seu subgrupo para todos. - Sugira que as folhas de flipchart permaneçam afixadas numa parede ou mural (se houver) do espaço da oficina para serem lembradas / consultadas.
05. CAPACITAçãO: A ESCOLHA DO ASTROnAuTA /
SuPERAçãO / TOMADA DE DECISãO (InDIvIDuAL) Esta técnica foi adaptada de um instrumento da NASA para avaliara a capacidade de superação dos seus potenciais candidatos a astronautas.
O tempo da atividade é de 20 minutos
- Entregue a cada participante uma folha do texto abaixo e uma caneta. - Individualmente, os participantes tentarão resolver o que se pede no texto: “Você esta em um voo de aproximadamente de 5 horas de duração. Sai do ponto de partida as 9:00 h da manhã. No meio do caminho o piloto anuncia que desviou da rota aproximadamente 150 Km e que está em sérias dificuldades.
156 | BAHIA ACOLHE
- Em seguida o avião cai em um deserto e todos os tripulantes morrem. Somente os 100 passageiros sobrevivem. Ao olhar-se do alto, o avião se confunde com a areia do deserto.
Sua missão é salvar todos os passageiros. No avião, todo quebrado, você encontra os seguintes utensílios:
- 3 bússolas - 100 garrafas de água - 100 óculos escuros - 100 pacotes de sal - 30 canivetes suíços - 1 grande lona cor da areia - 50 cobertores - 1 espelho de maquiagem - 2 mapas da região - 100 latas de comida
- Descreva em poucas palavras a sua estratégia de ação para salvar a todos.
- Enumere, em ordem decrescente de prioridade, os objetos acima relatados que serão utilizados nesta missão de salvamento, sendo o n.º 1 o mais importante e o n.º 10 o menos importante.”
- Resposta: Em termos aéreos, 150 Km representa apenas poucos minutos. Em pouco tempo o avião será encontrado.
Rapidamente será sentida a falta do avião. No máximo, em 5 horas, que era o tempo pre-
BAHIA ACOLHE | 157
visto para o voo, as buscas começarão.
A estratégia é: - Manter todos juntos, próximos do avião, e aguardar o socorro. - É fundamental: estar preparado e orientar o resgate; manter-se vivo; e manter a sobrevivência por um período maior, se for necessário.
O quadro a seguir estabelece a utilidade de cada um dos objetos para esta situação específica:
1. Óculos - Sem utilidade prática. Se fosse na neve, ele protegeria a visão. 2. Bússola - Idem, já que todos devem permanecer nas proximidades do avião. 3. Sal - Extremamente prejudicial à saúde, sal e sol é uma mistura explosiva. 4. Canivete - Sem utilidade aparente. 5. Água - Útil, mas o ser humano sobrevive algum tempo sem ela. 6. Cobertor - À noite no deserto, o frio facilmente atinge a temperatura abaixo de zero. 7. Lona - Útil para proteger do sol escaldante do dia. 8. Espelho - Extremamente útil para dar sinal em caso de aproximação de socorro. 9. Comida - Útil, mas disponível uma vez que o socorro deverá chegar em breve. 10. Mapa - Desnecessário, uma vez que todos deverão permanecer juntos aguardando o socorro.
Assim, a ordem mais ou menos correta é:
1. Espelho 2. Lona 3. Cobertor 4. Água
158 | BAHIA ACOLHE
5. Comida 6. Canivete 7. Óculos 8. Bússola 9. Mapa 10. Sal
- Para verificar sua performance, calcule o seu desvio, fazendo a diferença absoluta das suas respostas com a referência da tabela acima. - Limite e cronometre o tempo de resposta em plenária.
06. CAPACITAçãO: DRÁCuLA SAIu DO TÚMuLO /
COMunICAçãO / LIDERAnçA / GESTãO DE COnfLITOS / TOMADA DE DECISãO (GRuPAL)
Esta técnica objetiva a avaliação do raciocínio lógico, da capacidade de liderança e de negociação, da habilidade na solução de problemas, da comunicação e da atenção.
- Divida os participantes em 2 grupos e monte o “cenário”, indicando a missão das equipes. - Distribua folhas do texto com as “informações” para as respectivas equipes. - Explique que um estúdio de Hollywood está disposto a pagar uma fortuna pela história legítima de “Eu Matei Drácula”. A equipe vencedora será aquela que conseguir achar a solução no menor tempo possível.
BAHIA ACOLHE | 159
CEnÁRIO: “Um dos efeitos menos conhecidos da chuva ácida é a alteração das condições químicas do subsolo na Transilvânia, que recentemente causou a liberação de gases venenosos no castelo de Drácula. Isto fez ressuscitar o Conde, que aparentemente tem intenções de reassumir seu reinado de terror na Romênia. A missão de sua equipe é matá-lo o mais rápido possível, em seu próprio castelo. Seu objetivo é estabelecer o dia e a hora da primeira oportunidade para matar o Conde.”
- Cada equipe receberá determinadas informações que irão ajudar a cumprir sua missão. - Entretanto, algumas informações essenciais estarão de posse da equipe com a qual estará competindo. - Espere até que as equipes percebam que precisam de mais informações. - Explique as regras: para se comunicar com a outra equipe, é necessário definir um negociador (pode-se alterar o negociador a cada vez que necessitar falar com a outra equipe) e somente esta pessoa poderá obter ou fornecer informações (ele deve ser muito bem orientado pela equipe, pois só poderão trocar informações 3 vezes).
A equipe vencedora será aquela que entregar ao formador, por escrito, o dia da semana e a hora em que o Conde Drácula poderá ser morto e explicar o raciocínio correto para se chegar a esta resposta.
DRÁCuLA SAIu DO TÚMuLO GRuPO I
1. O Conde Drácula é um vampiro.
160 | BAHIA ACOLHE
2. O Conde Drácula dorme em sua tumba. 3. A tumba do Conde Drácula fica na cripta do castelo de Drácula. 4. Você está em Londres, na Inglaterra. 5. Não há voo direto da Inglaterra para a Transilvânia. 6. Hoje é segunda-feira. 7. O voo de Londres a Budapeste dura 5 horas. 8. O próximo voo para Budapeste sai hoje às 18:00 horas. 9. Só é possível matar um vampiro cravando uma estaca de carvalho, à luz do dia, em seu coração. 10. Só é possível comprar estacas de carvalho na loja do aeroporto de Budapeste. 11. Haverá um feriado local em Budapeste esta semana. 12. O voo de Budapeste para a Transilvânia sai às 14:00 horas, de terças e quintas, e dura uma hora. 13. A estação de trem mais próxima do castelo de Drácula é Novahuny. 14. O trem leva seis horas do aeroporto da Transilvânia para Novahuny e sai do aeroporto ao meio-dia, às segundas, quartas e sextas-feiras. 15. A chave para a cripta do castelo de Drácula está pendurada num prego, na sacristia da Paróquia de Novahuny, que fica ao lado da estação de trem. 16. A Paróquia de Navahuny fica aberta do nascer ao por do sol. 17. Na Transilvânia, o sol nasce às 09:00 horas e se põe às 17:30 horas. 18. O mais rápido que você pode ir da Paróquia ao castelo é 7 km/h, porque é um terreno rochoso escarpado e você está carregando uma grande estaca de carvalho.
DRÁCuLA SAIu DO TÚMuLO GRuPO II 1. O Conde Drácula é um vampiro.
BAHIA ACOLHE | 161
2. O Conde Drácula dorme em sua tumba. 3. Você está em Londres, na Inglaterra. 4. Não há voo direto da Inglaterra para a Transilvânia. 5. Hoje é segunda-feira. 6. Só é possível matar um vampiro cravando uma estaca de carvalho no coração dele. 7. Só é possível comprar estacas de carvalho na loja do aeroporto de Budapeste. 8. A loja do aeroporto de Budapeste não abrirá nesta segunda, nem terça-feira, devido a um feriado local. 9. O voo de Budapeste para a Transilvânia sai às 14:00 horas, às terças e quintas e dura uma hora. 10. A estação de trem mais próxima do castelo de Drácula é Novahuny. 11. O trem leva seis horas do aeroporto da Transilvânia para Novahuny e sai do aeroporto ao meio-dia às segundas, quartas e sextas. 12. A chave para a cripta do castelo de Drácula está pendurada num prego, na sacristia da Paróquia de Novahuny, que fica ao lado da estação de trem. 13. Os vampiros só podem ser mortos a luz do dia. 14. A Paróquia Novahuny fica aberta do nascer ao pôr do sol. 15. Na Transilvânia o sol nasce às 09:00 horas e se põe às 17:30 horas. 16. A Paróquia de Novahuny fica a 63 quilômetros do castelo de Drácula.
Solução: a primeira oportunidade de matar o Conde Drácula será às 09:00 horas da manhã de domingo.
RACIOCÍnIO:
1. Se tomar o voo de hoje (segunda-feira) às 18:00 horas, você chegará em Budapeste às 23:00 horas. 2. A loja do aeroporto que pode lhe vender a estaca de carvalho só abrirá na manhã de
162 | BAHIA ACOLHE
quarta-feira, ou seja, o primeiro voo que você pode pegar para a Transilvânia é de quinta-feira às 14:00 horas. 3. Você vai chegar ao aeroporto da Transilvânia às 15:00 horas de quinta-feira. O primeiro trem é o do meio-dia de sexta-feira, que chega em Novahuny às 18:00 horas, meia hora depois da Paróquia fechar. A primeira oportunidade de você entrar na Paróquia será às 09:00 horas de sábado. 4. Sua caminhada até o castelo irá levar 9 horas, de modo que você chegará lá às 18:00 horas, mesmo andando o dia todo sem parar. Será tarde demais para matar o Conde Drácula durante o dia, portanto, você terá que esperar até o próximo nascer do sol, às 09:00 horas de domingo. 5. Você irá chegar ao aeroporto da Transilvânia às 15:00 horas de quinta-feira. O primeiro trem é o do meio-dia de sexta-feira, que chega em Novahuny às 18:00 horas, meia hora depois da paróquia fechar. A primeira oportunidade de você entrar na paróquia será às 09:00 horas de sábado.
OBSERvAçÕES PARA O fORMADOR:
Como a equipe abordou a tarefa? Como os membros das equipes compartilharam as informações? Que ações dos integrantes da equipe ajudaram ou atrapalharam na execução da tarefa? Como surgiu a liderança na equipe? Quais foram os sinais de conflito notados no grupo? Como eles foram tratados? Por quem? Como os membros da equipe reagiram ao negociador? Como os membros da equipe reagiram ao estar competindo com a outra equipe? O que foi feito para promover a colaboração com a outra equipe? Por Quem?
BAHIA ACOLHE | 163
07. CAPACITAçãO: PRECOnCEITO Tempo de atividade: 30 minutos.
Esta técnica leva à reflexão sobre valores, preconceitos e o quanto influenciam nossas percepções e reações sobre pessoas e situações. É destinada aos grupos que já se conheçam. É importante estar atento às prováveis situações de preconceito e insinuações entre membros do próprio grupo e com outros membros da plenária.
Prepare previamente cartelas contendo palavras, frases e expressões que possam gerar prejulgamentos e comentários preconceituosos, em quantidade suficiente para trabalhar com o tamanho do grupo, conforme a sugestão:
- Homossexuais - Mulheres muçulmanas - Ciganos - Metaleiros - Militares - Judeus - Alcoolistas - Compulsivo por jogo - Camelôs - Etc.
- Forme duplas aleatoriamente, com, no máximo, a metade dos participantes da plenária: a outra metade será a “opinião pública”, que vai “votar” no final da discussão de cada dupla. - Leia para a plenária o conteúdo de todas as cartelas, depois embaralhe e distribua-as em
164 | BAHIA ACOLHE
uma mesa, viradas para baixo. - Peça às duplas para escolherem 1 cartela e, reservadamente, conversarem, por 5 minutos, sobre prós e contras do conteúdo, tomarem nota dos principais pontos para depois retornarem à plenária. - Chame cada uma das duplas para “expor à opinião pública”, seus pontos de vista sobre o que foi conversado. Poderá haver consensos ou divergências entre os membros da dupla. - Permita que a “opinião pública” debata os pontos de vista e “vote” sobre a prevalência de algum ponto. - Modere a discussão, concilie, acrescente questionamentos:
Como surge o preconceito nas pessoas? Qual a influência dos outros na formação dos nossos valores e opiniões? Qual a sensação de ver a “opinião pública” criticando / debatendo um ponto de vista seu?
08. RELAxAMEnTO: fóSfORO Esta técnica é utilizada para revisão de conteúdo e administração do tempo. Considere 15 segundos por participante.
- Coloque-se num local seguro, abrigado de vento, sem riscos de acidentes de incêndio. - Risque 1 palito de fósforo. - Solicite a cada participante que resuma o que aprendeu de mais importante naquele dia, mas somente enquanto o palito estiver aceso. Não permita que os participantes extrapolem o tempo do palito, mesmo que suas sentenças ou pensamentos não se completem. - No final, abra um espaço para discussão sobre a necessidade de mais ou menos tempo para se expressar ou se a plenária, como um todo, acabou expressando o pensamento coletivamente.
BAHIA ACOLHE | 165
09. OuTRAS TÉCnICAS: vÍDEOS MOTIvACIOnAIS Duas animações gráficas farão parte deste encarte:
1.“The Potter”, “Aprendendo a Aprender, animação de Benjamin Willis, sobre a transcendência do conhecimento para além da técnica e da dimensão do Logos; e 2. “Insight”, de Salvador Simó, que retrata o sentimento entre uma garotinha e uma idosa em situação de rua. Os curta metragens poderão ser utilizados para sensibilizar a plenária em momentos chave, antecedendo repasses de conteúdo.
ESTuDO DE CASO Ana Maria Roux Valentini Coelho Cesar (2006)7 argumenta a respeito do estudo de casos da seguinte forma:
O Método do Estudo de Caso enquadra-se como uma abordagem qualitativa e é freqüentemente utilizado para coleta de dados na área de estudos organizacionais, apesar das críticas que ao mesmo se faz, considerando-se que não tenha objetividade e rigor suficientes para se configurar enquanto um método de investigação científica (críticas inerentes aos métodos qualitativos, conforme já exposto). Os preconceitos existentes em relação ao Método do Estudo de Caso são externalizados em afirmativas como: os dados podem ser facilmente distorcidos ao bel prazer do pesquisador, para ilustrar questões de maneira mais efetiva; os estudos de caso não fornecem base para generalizações científicas; a afirmação de que estudos de caso demoram muito e acabam gerando inclusão de documentos e relatórios que não permitem objetividade para análise dos dados. Segundo Yin (2001) e Fachin (2001) estas questões podem estar presentes em outros métodos de investigação científica se o pesquisador não tiver treino ou as habilidades necessárias para
166 | BAHIA ACOLHE
realizar estudos de natureza científica; assim, não são inerentes ao Método do Estudo de Caso.
No dia-a-dia atendendo pessoas em situação de rua, o que mais nos deparamos é com histórias, casos de vida que necessitam de atenção especial e tratamento responsável. Todo técnico que atende a este público precisa incorporar um lado pesquisador hábil para tratar com responsabilidade os casos que têm em mãos e dar as devidas soluções.
Basicamente, o material que se tem é coletado a partir da escuta ou de registros feitos por educadores sociais, como normalmente cada caso tem suas especificidades, não dá para pensar em meios quantitativos de análise, por isso o estudo de caso. O profissional deve ter muito nítido na sua cabeça dos procedimentos a serem adotados a partir das informações que têm em mãos, sob pena de agravar as situações de vulnerabilidade ao qual se encontram as pessoas sob sua responsabilidade.
Sugerimos, a título de exercício, a discussão dos seguintes casos:
1.Pedro tinha 29 anos quando saiu da sua cidade natal para uma cidade grande à procura de trabalho. Após cinco meses sua esposa e seus dois filhos menores foram ao seu encontro na metrópole em busca de uma vida melhor. Entretanto, Pedro ficou desempregado. Após três meses a família não tinha mais como se manter pagando o aluguel então foram todos morar na rua. 2.Luis tem 24 anos, teve poliomielite na infância e apresenta seqüelas motoras. Na rua há oito anos, desde que foi abandonado pela sua família, Luís não é alfabetizado e pratica mendicância nas ruas. 3.Daniel bebia muito e por varias vezes a família o alertou quanto ao seu comportamento, até que numa situação extrema o expulsou de casa. Nas ruas a mais de três anos Daniel passou a ser usuário de crack, incorrendo em todas as conseqüências do uso desta subs-
BAHIA ACOLHE | 167
tância. 4.Carla foi morar nas ruas após a sua casa ter sido levada pelas águas da enchente, mãe solteira, Carla tem uma filho de 2 e uma filha de 16 anos que esta grávida e moram com ela embaixo de um viaduto. 5.Gil tem 55 anos e é pedreiro, há sete anos mora na rua porque perdeu seu emprego, há três anos faz uso abusivo de álcool. Perdeu os vínculos com seus familiares, pois os mesmos não o aceitam por ser alcoolista. 6.Marcos tem 17 anos, não apresentou nenhuma referencia familiar declara não ter parentes. Vive nas ruas há quinze anos e não recebe nenhum beneficio social. Não é alfabetizado e não declarou possuir alguma profissão. 7.Ana apresenta transtorno mental, tem 33 anos de idade e já foi varias vezes abusada sexualmente durante os cinco anos que esteve nas ruas e sua mãe faleceu sendo abandonada pelos seus familiares.
SuGESTãO PARA PROGRAMAçãO/ORGAnIzAçãO DA fORMAçãO
Cada Macrossessão está estruturada para acontecer em dois períodos e corresponde a um Caderno do Módulo Básico de Formação. O ideal é que os participantes cheguem à sala de reuniões entre 8:00h e 9:00h e a oficina termine por volta das 18:00h.
A agenda de cada Macrossessão se divide em duas partes. Cada sessão leva em média meio dia (4 horas).
No caso desse módulo que tem 20h, levando-se ainda em conta que foram separados três grupos distintos de formação – Grupo 01. Operadores da política da assistência social; Grupo 02. Operadores das outras políticas setoriais governamentais e Grupo 03. Operadores da rede de serviços complementares, entidades não-governamentais –, sugerimos
168 | BAHIA ACOLHE
a seguinte programação:
PRIMEIRO DIA
Manhã 08:00h – Abertura 10:00h – Parada para o lanche 10:20h – Organização dos grupos de formação: orientações e credenciamento, distribuição do módulo básico de formação. 12:00h – Dispensa para almoço
Tarde 13:30h – Início das atividades de formação Grupo 01. Operadores da política da assistência social (50 pessoas) Conteúdo a ser trabalhado: Caderno 01, primeira parte. Grupo 02. Operadores das outras políticas setoriais governamentais (25 pessoas) Conteúdo a ser trabalhado: Caderno 02 Grupo 03. Operadores da rede de serviços complementares, entidades não-governamentais (25 pessoas) Conteúdo a ser trabalhado: Caderno 02 17:30h – Encerramento das atividades do dia
SEGunDO DIA
Manhã Continuação da programação 08:00h – Início das atividades Grupo 01 – Conteúdo a ser trabalhado: Caderno 01, segunda parte.
BAHIA ACOLHE | 169
Grupo 02 – Conteúdo a ser trabalhado: Caderno 03 Grupo 03 – Conteúdo a ser trabalhado: Caderno 03 12:00h – Dispensa para almoço
Tarde 13:30h – Continuação da programação Grupo 01, dividido em dois grupos de 25 pessoas. Conteúdo a ser trabalhado: Caderno 02 Grupos 02 e 03 juntos em um grupo de 50 pessoas Conteúdo a ser trabalhado: Caderno 01, primeira parte 17:30h – Encerramento das atividades do dia
TERCEIRO DIA
Manhã: Continuação da programação 08:00h – Início das atividades Grupo 01, dividido em dois grupos de 25 pessoas Conteúdo a ser trabalhado: Caderno 03. Grupos 02 e 03, juntos em um grupo de 50 pessoas Conteúdo a ser trabalhado: Caderno 01, segunda parte 12:00h – Dispensa para almoço
Tarde 13:30h – Avaliação da formação pelos grupos 15:00h Encerramento do módulo de formação com a presença de autoridades. Obs. As paradas para o lanche serão às 10:00h pela manhã e 15:00h pela tarde, ou poderão ser negociadas com os formadores, a depender da dinâmica dos trabalhos.
170 | BAHIA ACOLHE
OuTRAS ORIEnTAçÕES É importante preparar um comunicado à Imprensa (press release) – tanto antecedendo, sendo o tema particularmente notificável, como publicando atividades e ocorrências da oficina após a conclusão. A primeira sessão da manhã do primeiro dia de oficina inclui duas ou três apresentações de representantes das diversas instituições locais. Cada uma não deve ultrapassar 10 (dez) minutos. Essas apresentações produzirão uma base importante aos participantes, que estarão compartilhando informações básicas sobre o tema da Macrossessão, além de temas econômicos, políticos e sociais, tanto quanto das principais mudanças necessárias no atendimento à população de rua daquela localidade. As apresentações deverão ser feitas, preferivelmente, com o uso de um projetor. O ideal é que se contate os apresentadores com antecedência para discutir conteúdo e formato da apresentação, bem como o perfil dos demais participantes e outros esclarecimentos.
Os apresentadores deverão ser selecionados, cuidadosamente, por sua habilidade em se expressar e domínio sobre as principais mudanças, problemas, e necessidades do município alvo do projeto, dentro do escopo do atendimento e das articulações institucionais para cumprimento das políticas e garantia dos direitos da população em situação de rua.
Antes do início das atividades, os apresentadores deverão preparar um resumo de sua apresentação para ser anexada ao Relatório Final da oficina. Se isso não ocorrer, o relator da equipe técnica deverá preparar uma síntese ressaltando os pontos mais importantes da apresentação.
BAHIA ACOLHE | 171
A chegada dos organizadores ao local do evento será sempre antecedida de 1 hora do começo das atividades. Durante este período, a equipe técnica, os formadores e o pessoal de apoio local, se houver, organizarão o espaço e os materiais pedagógicos e de consumo, verificarão equipamentos, checarão os últimos detalhes para o evento e intervalos.
Há vantagens em se munir de lanches e refeições, no sentido dos participantes permanecerem no local da oficina.
A recepção do público vai requerer cumprimentos individuais e distribuição do material didático e, neste momento, os organizadores começarão a observar e registrar expectativas, coletando informações iniciais dos representantes dos diversos grupos, organizações e setores presentes.
A equipe técnica e o(s) formador(es) devem estabelecer um conjunto de regras para o bom andamento da oficina. Podem distribuir suas listas e/ou solicitar aos participantes que sugiram regras de conduta, que deverão ser afixadas à parede. Dentre essas, podem incluir:
1.Participar ativamente 2.Ser construtivo 3.Ser positivo 4.Ser breve e claro 5.Respeitar as outras opiniões 6.Falar um de cada vez 7.Deixar os celulares no modo silencioso 8.Evitar conversas paralelas
172 | BAHIA ACOLHE
Todas as informações relevantes geradas durante as oficinas deverão ser anotadas / digitalizadas / gravadas em tempo integral. A metodologia da oficina não foi desenhada para promover agendas particulares e debater controvérsias. Não deve ser utilizada como uma ferramenta para soluções de conflitos. É importante falar com certos participantes, como tomadores de decisão, representantes do setor público e apoiadores, para estarem preparados e não conversarem com os colegas na tentativa de desviar a discussão rumo a tópicos não produtivos em discussão. Mas, se isso ocorrer, convide a pessoa a uma conversa privada, durante o intervalo, expresse um entendimento das suas perspectivas e juntos decidam se esse assunto é apropriado e se deve ser continuado.
A oficina só deve ser encerrada quando houver uma variedade coesiva de tópicos discutidos e o grupo já tenha compartilhado algumas metas e criado estratégias.
No decorrer de cada sessão, o facilitador poderá propor atividades de fixação / intervenções, com o objetivo de sintetizar os conteúdos abordados e observar o interesse e a assimilação.
No encerramento da formação, os organizadores podem realizar uma pequena recepção para agradecimentos aos participantes pelo tempo passado juntos e celebrarem os resultados alcançados e as perspectivas.
BAHIA ACOLHE | 173
ABERTuRA DAS OfICInAS (SuGESTãO PARA DESEnvOLvIMEnTO)
BOAS-vInDAS PELO AnfITRIãO DA OfICInA Tempo: 5 (cinco) minutos Geralmente, o diretor da instituição que organizou o evento abre a primeira seção com uma breve descrição do propósito da atividade, agradece a todos os participantes por sua presença e encoraja-os a participarem ativamente. No final das boas-vindas, o anfitrião apresenta a equipe técnica e o(s) formador(es).
COMEnTÁRIOS DAS AuTORIDADES LOCAIS – Tempo: 10 (dez) minutos Autoridades (Ministros / Secretários / Prefeitos / outros funcionários do governo) são convidados à abertura da oficina.
APRESEnTAçãO DO MóDuLO, PELA EQuIPE E fACILITADOR(ES) Tempo 15 (quinze) minutos O conjunto dessa apresentação é para mostrar o passo a passo das oficinas, bem como o entendimento da importância do estabelecimento de parcerias institucionais estratégias. Essa introdução pode cobrir algumas das informações seguintes.
- Reconhecer os participantes e suas instituições por suas presenças.
- Realçar a importância da formação e da comunicação como componentes fundamentais em esforços para as políticas sociais e a garantia dos direitos da população em situação
174 | BAHIA ACOLHE
de rua.
- Realçar que a forma como nós nos comunicamos é parte de nosso contexto cultural. Principalmente, se os participantes não são profissionais formais ou especialistas, é bom afirmar que todos estão aptos a trazer contribuições relevantes às oficinas.
- Mencionar o valor da mudança de atitude e de paradigma que deve estar estrategicamente e cuidadosamente ligada aos objetivos públicos, e que, para tanto, é preciso usar as ferramentas corretas.
- Explicar, resumidamente, a história da metodologia. Deixar claro que a metodologia foi desenhada para incorporar diferentes contextos culturais e sociais.
- Refletir sobre a estrutura da oficina, explanar que as dinâmicas, muitas vezes, incluem uma variedade de plenárias, de pequenos grupos de discussões e de contribuições individuais. Cada sessão da oficina segue um ideal com priorizações e análises progressivas. - Solicitar que as pessoas suspendam suas expectativas de resultados até a última Sessão e que cada uma se constrói sobre a outra.
- Solicitar que tenham paciência no processo, ressaltando a importância da presença continuada de todos nas atividades programadas ao longo das 3 Macrossessões de Formação.
- Convidá-los a se empenharem ao máximo em cada oficina, pois é com a participação deles que se criará uma estratégia que vai se refletir na prática dos serviços e do atendimento à população em situação de rua, assim como sua inclusão em rede de proteção social.
BAHIA ACOLHE | 175
COnSIDERAçÕES fInAIS Logicamente, nenhum processo formativo conseguirá resolver todas as questões de cunho social percebidas no nosso cotidiano, entretanto, quando se tem pessoas bem preparadas para intervir nas diversas problemáticas, as situações de violação de direitos são minoradas e há a possibilidade real de redução dos danos sofridos pelos grupos vulneráveis.
É responsabilidade daquele que presta serviços ao público preparar bem os seus profissionais para os desafios constantes que a sociedade capitalista apresenta para dar conta, são enormes as desigualdades sociais que ela mesma cria e alimenta, necessitando de recursos humanos cada vez mais conscientes do seu papel diante disso.
A esperança que moveu todo este trabalho foi a de que é possível construir uma sociedade menos desumana, com possibilidades de acesso aos bens e direitos por todos os cidadãos, sobretudo, para aqueles que vivenciam diariamente a negação da sociedade até da sua própria existência enquanto seres humanos.
176 | BAHIA ACOLHE
BAHIA ACOLHE | 177
178 | BAHIA ACOLHE
vAMOS EM fREnTE!
BAHIA ACOLHE | 179
180 | BAHIA ACOLHE