Revista Livre - ANO I - Edição nº1 - novembro/2014
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Bernadete Zen: “minha casa ficou silenciosa”.
Siga o exemplo e cuide de você
Conheça mulheres que estão ocupando cada vez mais espaço nas academias e cuidando da alimentação
Seus pais estão envelhecendo
Especialista dá dicas para lidar de maneira saudável com esse momento
SOZINHA EM CASA
Mães falam sobre o sentimento de não ter mais os filhos morando em casa
Entrevista
Chef Tereza Paim fala sobre sua cozinha de raiz
EDITORIAL Eu nunca vou me esquecer do dia em que ouvi minha tia Gau falar sobre o que mudou na vida dela depois dos 50. Ela me disse: “Liguei o foda-se”, e eu entendi perfeitamente o que ela quis dizer. Tenho certeza que minha tia não mandou ninguém ir à merda e nem deixou de se importar com os outros, mas sei que ela parou de perder tempo com exigências bobas da sociedade e de se preocupar com a opinião de todos. Gau concluiu que, para ela se sentir bem, ela só precisa agradar a si mesma, e isso não significa ser egoísta. Uma mulher pode cuidar de si quando cuida dos outros, quando está próxima de pessoas queridas e, claro, também cuida de si quando come uma comida maravilhosa, quando resolve fazer uma mudança na vida ou quando frequenta a academia. Um dia desses recebi no WhatsApp um texto escrito por Meryl Streep que, além de linda e bem sucedida, se mostrou também muito sábia. Em poucas frases, ela dizia que chegou a um ponto da vida em que não quer mais perder tempo com coisas que sejam desagradáveis ou que a magoem. Dizia também que não tem
mais paciência para críticas em excesso nem para exigências de qualquer natureza. Pois é, Meryl Streep também ligou o ‘foda-se’. Ela também entendeu o que minha tia Gau quis dizer. Essas duas mulheres representam bem a opinião da revista Livre, que acredita que todas devem se sentir lindas. Com plástica ou rugas, de biquíni ou de maiô, cheia de penteados ou com uma juba enorme, tanto faz. Você pode ser do jeito que quiser, desde que se ache linda não adianta nada ser admirada por todos se, no fundo, você não se acha tão linda assim. Por isso, essas páginas estão recheadas de mulheres lindas do jeito que são, sem teatrinho e sem firulas e sem Photoshop, autênticas em seus sentimentos e posições. Mulheres livres. Marina Baruch
PS: Minha tia Gau abandonou o secador de cabelo e fala sobre isso na coluna de beleza desta edição. Ficou doida pra ler? Corre lá para a página 30!
SUMÁRIO 5 13
Burburinho
8 Mulheres extraordinárias
Curtindo a vida Sueli sonhava em se aposentar e agora está vivendo o sonho.
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Carreira
Começando de novo Começar uma nova carreira depois de já estar estabelecida no mercado pode ser difícil - mas traz muita satisfação.
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Fitness
Vitaminadas Essas mulheres estão com tudo: malham, cuidam da alimentação e estão cada vez mais lindas.
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Beleza
Cada vez mais selvagem Nossa colunista de beleza abandonou o secador de cabelo e resolveu assumir seu lado tigresa,
Comportamento Sozinha em casa
Os filhos saíram de casa e elas contam como lidam com a saudade e como conseguiram estabelecer uma nova relação com eles.
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Comida
Rainha da comida baiana A chef Tereza Paim conta como chegou no topo e conta quais são seus restaurantes preferidos em Salvador.
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Família Meus pais estão velhos
Sim, eles estão, mas não se desespere. O importante é manter o diálogo e uma relação cheia de amor..
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Saúde Vida no copo
Especialista ensina a preparar sucos detox cheios de saúde e sabor.
EXPEDIENTE Editora-chefe
Marina Baruch Projeto Gráfico e diagramação
Wesley Miranda Textos
Marina Baruch Gau Baruch Fotos
Leonardo Pastor Marina Baruch Fotos sem crédito
Shutterstock.com
AGRADECIMENTOS Agradeço a toda a equipe que me ajudou a tornar esse projeto real. Leonardo Pastor, pelas fotos, Wesley Miranda, pela paciência na execução do projeto gráfico, e Graciela Natansohn, minha orientadora. Também agradeço a meu pai, Fernando Passos, pela ajuda com a impressão da revista, e a meus padrinhos, Tina e Edilton, pelo empréstimo do equipamento fotográfico.
Esta revista foi produzida como trabalho de conclusão de curso em comunicação com habilitação em Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA), como requisito para obtenção da graduação em Jornalismo, sob a orientação da Prof. Dra. Graciela Natansohn.
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Foto: Divulgação
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O Brasil é o terceiro colocado no ranking dos países onde as mulheres mais recorrem a cirurgias plásticas, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. A França nem aparece no ranking e, vamos combinar, está cheia de mulheres bonitas. A business woman Mireille Giuliano é uma dessas francesas bonitas, que se mudou para os Estados Unidos por conta da carreira e se impressionou com a diferença no estilo de vida das mulheres de lá. No livro ‘Mulheres francesas não fazem plástica’, ela dá dicas de como envelhecer com estilo e atitude sem precisar partir para a mesa de cirurgia. Mireille compartilha dicas de alimentação, moda e cuidados com a pele, além de propor a definição de novos hábitos e prioridades. Envelhecer se renovando é bem melhor do que acabar parecida com Donatella Versace, não é?
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Quem quer parecer Donatella Versace?
Quem tem gato em casa passa por isso na hora de viajar: deixá-lo em casa ou levar para um hotel? A gente sabe que ele odeia mudanças na rotina, mas quem poderia cuidar dele enquanto estamos fora? Uma babá! Annie Sampaio é apaixonada por gatos e passava pelas mesmas questões, até que resolveu trabalhar como cat sitter. Quando você viaja, ela vai na sua casa cuidar do seu bichinho. Dá comida, troca a água, limpa a caixinha de areia, aplica medicamentos e ainda faz denguinho. Annie cobra cerca de R$ 40 por visita (o preço varia de acordo com o bairro). Mais informações: www.catsittersalvador.com.br
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Com que roupa eu vou...
à praia
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Quem lembra de quando Betty Faria foi duramente criticada por ir à praia de biquíni? Ela, com razão, ficou chateada e rebateu as críticas em uma entrevista dada à revista Lola, em julho de 2013. “Então querem que eu vá à praia de burca, que eu me esconda, que me envergonhe de ter envelhecido? E a minha liberdade?”, questionou. A gente aplaude de pé a atitude dela e está aqui para te lembrar de que, nesse verão, você pode usar o que te fizer se sentir linda. “Acho que não existe um momento exato para abandonar o biquíni. Isso depende da relação de cada mulher com o seu corpo e é uma decisão muito íntima, que não pode ser tomada por mais ninguém”, diz a produtora de moda Coruja Matos. A gente não poderia concordar mais.
Foto: AGNEWS
Amor posto à mesa Quem não gosta de fazer uma refeição em uma mesa bem arrumada? Sousplats, guardanapos e talheres bem escolhidos podem fazer toda a diferença na hora de receber alguém em casa, já que deixam a mesa mais bonita e fazem
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o seu convidado se sentir especial. Pensando nisso, a fisioterapeuta apaixonada por decoração Isabela Machado criou o Table Tips, um blog onde dá dicas de arrumação de mesas e compartilha achados bacanas que faz pela cidade.
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Com dicas para transformar a sua casa em um lugar mais acolhedor e divertido, o livro ‘O Prazer de Ficar em Casa’ (Ed. Casa da Palavra), escrito por Letícia Ferreira Braga, propõe uma série de atividades para tornar a sua estadia no seu próprio lar mais especial. Salas, cozinha, quartos e banheiros são espaços que servem para muito mais do que alimentação, descanso e higiene. Beber um vinho, descobrir o prazer de cozinhar, meditar, organizar as coisas, tomar um banho no escuro. Tudo isso pode trazer muita satisfação após um dia longo. É uma ótima maneira de passar um tempo de qualidade com quem mora com você ou de aproveitar a sua própria companhia.
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Hoje eu vou ficar em casa
Mas olha, nada de arrumar a mesa apenas quando vai ter visita, hein? Lembre que você também merece uma rotina mais bonita. http://www.tabletips.com.br
Antes da maquiagem Quando a nossa pele já não é mais a mesma - está um pouco mais ressecada e com marcas de expressão -, é preciso prestar mais atenção na maquiagem. Antes de começar a se produzir, a hidratação é fundamental. Para não comprometer o visual, aposte num produto mais leve e fluido, que não deixe a pele muito oleosa. A mesma dica serve para o protetor solar, que não pode faltar nunca. O primer, muitas vezes deixado de lado, é uma das peças mais importantes aqui. Ele deixa a pele uniforme evita que a base acumule nas marcas do rosto, o que acaba chamando mais atenção para aquilo que queremos esconder.
Dê vida a sua
parede
Dê vida a sua parede A parede está vazia? Vamos colocar um quadro nela! Emoldurar objetos de valor sentimental é uma boa ideia para alegrar um cantinho da casa que está precisando de mais vida, já que, além de bonitos, eles trazem boas lembranças. Pode ser um sapatinho do seu filho, um souvenir daquela viagem inesquecível ou até uma carta de amor.
Fuja do efeito argamassa A maquiagem para a pele mais madura deve ser o mais fina possível. Passar várias camadas de base achando que quanto mais, melhor, é uma atitude equivocada e pode acabar envelhecendo. A escolha da cor também faz toda a diferença no resultado final: escolha sempre um produto que seja exatamente
da cor da sua pele. Se não encontrar, vá para um tom a mais, nunca para um tom a menos. As cores mais claras também trazer a sensação de envelhecimento. Se, depois de maquiada, você achar que a cor do rosto esta diferente do restante do corpo, aplique um pouco do produto no pescoço.
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Foto: Leonardo Pastor
Bernadete mostra parede com fotos de Anelise, no quarto que foi reformado ap贸s a sa铆da da filha.
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SOZINHA Mulheres falam sobre o vazio que sentem com a saída dos filhos e contam como lidam com a saudade texto: Marina Baruch
EM CASA Em menos de dois anos, os três filhos da médica Ana Lúcia Pinheiro saíram de casa. A primeira foi a mais velha, Ana Paula, que casou em 2007. Menos de um ano depois, o filho mais novo, Rafael, conseguiu um emprego em São Paulo. E em janeiro de 2009 foi a vez de Fernanda, a filha do meio, que se formou em medicina e foi fazer residência também na capital paulista.
mais difícil para ela, mesmo que já soubesse que esse dia chegaria. “Eu sabia que ele sairia de casa um dia. Mas quando ele saiu foi muito pior do que eu esperava. Ele foi para longe e estava sozinho”, conta. Ana Lúcia se preocupava muito com o bem estar do filho, achava que ele estava sofrendo “Mãe tem isso de achar que os filhos nunca vão conseguir fazer as coisas longe dela”.
A sensação de ver os filhos irem embora não é nem um pouco parecida com aquela que a gente tinha na adolescência, quando os pais viajavam e nos sentíamos independentes, sozinhas em casa. Ficar só depois de tantos anos pode ser muito difícil. “Quando Ana Paula casou e saiu de casa eu senti um vazio e uma grande preocupação”, lembra Ana Lúcia.
Para a psicóloga e terapeuta familiar Renata Sá Barreto, esse excesso de preocupação pode estar relacionado a um sentimento de culpa. “A mulher pode sentir que não preparou suficientemente bem os filhos e fica ansiosa porque eles estão indo para a vida de uma forma muito imatura”, explica. “A preocupação, para a mãe, pode ser uma maneira de ajudar a continuar formando os filhos”. A outra explicação para tanta preocupação é a dificuldade
A partida de Rafael foi ainda
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que muitas mulheres têm de fazer a entrega desses filhos para o mundo. Para a especialista, essa é uma das tarefas mais difíceis para as mães. Amar, criar e depois soltar é um processo que requer muito entendimento da situação. “A mãe precisa entender que ela não tem o controle sobre o filho e que, se ela realmente quer que ele seja adulto e autônomo, ela precisa liberá-lo para a vida”, explica Renata, frisando que o excesso de preocupação, nesse caso, nada mais é do que uma vertente do controle. “Se a gente confia que deu tudo o que foi possível, só nos resta entregá-los e começar a estabelecer uma relação mais adulta com eles”. Além de não ser nada legal para quem sente, a
preocupação também pode acabar afastando os filhos. “A preocupação em excesso se torna antipática, e os filhos começam a fugir dos pais muito controladores”, diz Renata. Para ela, as mães mais individualizadas tendem a respeitar mais o espaço dos filhos e conseguem estabelecer com eles uma relação mais saudável, madura e prazerosa para todos. É esse tipo de relação que a desembargadora Margareth Rodrigues tenta manter com a filha Catarina, que saiu de casa quando casou, aos 22 anos. “Eu sei que os filhos são do mundo e sou apaixonada por liberdade, então não posso impedir que minha filha seja livre”, conta. Mas isso não quer dizer que o processo de entrega tenha sido fácil para
Foto: Marina Baruch
Margareth mostra o quarto que preparou para Catarina em sua nova casa, cheio de fotos da filha.
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ela. “A sensação é a de que fica um buraco. Catarina não está mais palpável o tempo todo. A gente sabe que ela existe, mas ela não faz mais parte da rotina da casa”. Margareth conta que sempre soube que um dia ela não estaria mais tão perto, mas a preparação emocional não foi suficiente para conter a sensação de perda. “A gente até se prepara, mas não tem como não sentir que algo de você foi embora” diz, explicando que, apesar de intensa, a sensação não foi uma coisa negativa. Você sempre será bem-vindo Quando a filha saiu, Margareth e o marido, Sérgio, decidiram manter o quarto dela como estava. Catarina
criou o costume de visitar frequentemente a casa dos pais e, às vezes, dormia com o marido no espaço reservado para ela. Há cerca de três anos, Margareth se mudou para outro apartamento, mas manteve um lugar para a filha. “Sempre terei um espaço para Catarina na minha casa. Eu sempre digo que ninguém tem ex-filho. Então montei um quarto para ela no novo apartamento, com tudo o que um quarto pode ter”, conta. Ana Lúcia também preservou o espaço dos filhos. O quarto de Rafael, que foi morar em São Paulo, continua do mesmo jeito. O das meninas, que dormiam juntas, foi reformado para receber Fernanda, que também mora fora, e se hospeda na casa dos pais quando vem a Salvador. “Eu ficava vendo as camas vazias e então decidi mudar o quarto. Fiz um ambiente novo, pensando mais em Fernanda, que saiu de casa para fazer residência, dizendo que depois voltaria. Eu sei que ela não vai morar de novo comigo, mas pode ficar em casa enquanto arruma a vida dela aqui”, conta a médica. Ai que saudade d’ocê Os filhos fazem falta nas pequenas coisas do dia a dia - até a ausência de barulho e bagunça causa saudades nas mães. “Eu até hoje sinto muita falta deles quando vou ao mercado e não preciso comprar o biscoito que Rafael gosta nem o leite que Fernanda prefere”, conta Ana Lúcia. Já Margareth sente falta de Catarina quando assiste à TV.
“Nós somos muito ligadas e éramos muito companheiras nas atividades que fazíamos em casa. Gostávamos dos mesmos programas de televisão”. Já a fotógrafa Bernadete Zen, sente falta quando viaja com os amigos. “Eu vejo meus amigos comprando lembrancinhas para os filhos e fico triste de não poder comprar nada para os meus, já que não moramos mais no mesmo estado e sei que não vou encontra-los tão cedo”, diz. A filha mais velha de Bernadete, Anelise, mora no Canadá, e o filho mais, novo, Fábio, em Santa Catarina.
“Mãe tem isso de achar que os filhos nunca vão conseguir fazer as coisas longe dela”.
Bernadete teve que lidar com o processo de entrega de Fábio mais de uma vez. Quando tinha 13 anos, o menino quis morar com o pai em Lages, no interior de Santa Catarina. Nessa época, Bernadete, que é catarinense, já morava em Salvador. “Na primeira vez que Fábio saiu, a casa ficou silenciosa. Ele sempre foi um menino que enchia a casa. Chegava da escola jogando a mochila e já vinha gritando desde o portão”, lembra. Cinco anos depois, Fábio voltou a morar com a mãe, mas partiu de novo quando chegou a hora de ir para a faculdade. A saída da filha também foi complicada para Bernadete.
Ana Lucia manteve a decoração do quarto de Rafael e utiliza o espaço como escritório
Ana Lúcia.
Foto: Marina Baruch
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Ela era dona de um estúdio fotográfico, mas se desfez do negócio e parou de trabalhar pouco antes de Anelise ir embora. “Ter parado de trabalhar tornou tudo mais difícil. Ficar em casa sozinha foi a pior parte”, diz Bernadete, contando que amava ter a casa cheia. Pegando novas ondas Para a psicóloga Renata Sá Barreto, para uma mãe conseguir liberar os filhos e ficar bem, ela precisa pensar que eles são um projeto de vida. “Os filhos são os projetos que duram mais tempo. Para ela se libertar e conseguir liberar os filhos para a vida, eles precisam ser substituídos por outros projetos”, explica. E aí vale de tudo: retomar projetos antigos, reformar a casa, planejar viagens. A opção escolhida por Bernadete foi fazer artesanato. Como mora numa casa grande, ela reservou um cômodo para si mesma e transformou o espaço em um ateliê, onde produz sousplats. Ela costuma presentear as amigas com os produtos que faz e, às vezes, comercializa algumas criações em bazares e promove oficinas. O trabalho voluntário também ajuda a encher a rotina. “Resolvi usar meu tempo livre para fazer coisas boas. Eu e algumas amigas que moram no mesmo condomínio ajudamos um orfanato que fica próximo de casa. Cada uma faz uma coisa. Isso acaba aproximando a gente”, conta. A proximidade é tanta que
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Bernadete conseguiu ter a casa cheia novamente. Reformou a área externa e hoje costuma receber as amigas do condomínio e os maridos nos finais de semana. Por toda a minha vida eu vou te amar Mesmo depois da readaptação
à nova rotina, uma coisa é certa na vida dessas três mães e de qualquer outra: o amor aos filhos nunca acaba. “Podem passar dez, vinte anos, mas eu sempre vou recebêlos com amor”, diz Ana Lúcia, emocionada. Margareth tem o mesmo sentimento. “Minha filha sabe que tem um porto seguro em mim”.
E o casamento? Depois de tantos anos dividindo a casa com os filhos, você se vê sozinha de novo aquele homem, seu marido. O que fazer com ele? Será que a saída dos filhos pode causar algum impacto no casamento? “Pode. A ausência dos filhos pode ter um efeito construtivo ou devastador”, explica a terapeuta de casal Kátia Queiróz. Segundo ela, em muitos casos a família só existia por causa dos filhos. Quando eles saem, o casal precisa se colocar frente a frente. “Pode ser que essas duas pessoas já não existam enquanto casal há muito tempo e não se reconheçam mais como tal. Por isso o número de divórcios depois da saída dos filhos está aumentando”, diz a especialista. Mas a situação também pode ter um efeito positivo, já que os dois passam a ficar mais livres. “Nessa fase se cria uma identidade maior para o casamento, se começa a mexer no que estava parado.
O casal pode, enfim, passar a exercer uma liberdade que estava contida há muito tempo”, diz Kátia. Para não cair na devastação e conseguir aproveitar todas as coisas boas que a casa vazia pode trazer para o casal, a dica da psicóloga é não deixar o relacionamento cair no nível do cotidiano. “É preciso que os dois tenham uma vida enquanto casal, e não apenas dividam o espaço físico da casa”. Os momentos de lazer a dois também são muito importantes. “Claro que é possível passar as férias em família, com os filhos, genros, noras e netos. Mas os finais de semana só para o casal também devem existir”, completa. E, como ninguém está morta, não se pode esquecer o sexo. “E, além do sexo, é importante não deixar o erotismo morrer. A sensualidade é tão importante para o casal quanto o sexo em si” afirma Kátia, sugerindo que o casal procure sempre viver situações novas.
Curtindo a vida
O D A A OI D D Na contramão do caminho em que seguem muitas mulheres trabalhadoras, Sueli sempre quis se aposentar. Agora que conseguiu a tão esperada aposentadoria, ela está amando aproveitar tudo o que a vida tem a lhe oferecer - viagens, família, amigos, passeios, academia, salão de beleza, cursos, reforma em casa e trabalho voluntário.
texto: Marina Baruch fotos: Leonardo Pastor
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Nada de se sentir inútil ou velha. Desde que começou a trabalhar na Petrobras, há 35 anos, Sueli Pagnocca sempre pensou em se aposentar. As pessoas questionavam: vai se aposentar pra fazer o que? “Tanta coisa! Tem tanta coisa pra fazer lá fora!”, dizia, entusiasmada. Sueli começou a trabalhar na Petrobras em 1979, como coordenadora de eventos institucionais. Organizava confraternizações, inaugurações, posses e até enterros. Com a atividade, aprendeu a gostar do trabalho social. “Trabalhei muito com comunidades no interior. Às vezes a Petrobras passava um duto em uma cidade e como contrapartida, por exemplo, construía uma creche ou escolinha. Eu organizava a inauguração desses espaços, sempre em lugares muito carentes” lembra. Depois de 33 anos de serviço, se aposentou pelo INSS, mas continuou trabalhando até completar 35 anos na empresa. Neste ano, Sueli aproveitou o Programa de
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Incentivo a Aposentadoria Voluntária, lançado pela Petrobras, e parou de trabalhar no dia 16 de junho. “Estou gostando tanto! Estou agitada, eufórica, entusiasmada. Agora eu posso fazer tudo o que eu queria e não fazia porque não tinha tempo”, diz. Desde que se aposentou, Sueli já viajou para São Paulo, para Florianópolis, onde vive um de seus dois filhos, e para a Itália, para assistir ao casamento da filha de uma amiga. E não para por aí: ela já programou uma ida à Miami, para visitar a filha. “Meu filho Tiago mora em Florianópolis e minha filha Taís acabou de se mudar para Miami. Agora que me aposentei pretendo visitá-la sempre que puder”, conta. Em janeiro, quando o marido terá férias, ela pretende viajar de novo, mas ainda não escolheu o destino. Ainda faltam dois anos para Adalberto, o marido, se aposentar. “Às vezes eu queria que ele se aposentasse logo, para ter companhia para
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viajar”, diz, confessando que às vezes deseja o contrário. “Prefiro saracotear sem ele”. Mas a aposentadoria da esposa também traz benefícios para Adalberto. “Resolvo tudo o que ele me pede. Nessa semana mesmo eu levei o carro dele para consertar”. O casal também comprou um flat em Praia do Forte. A ideia era alugar para terceiros, mas os dois se apaixonaram pelo imóvel e vão para lá aos finais de semana. “Como tenho tempo para fazer todas as minhas coisas durante a semana, guardo meus sábados para meu marido, que é mais caseiro”. Sueli também aproveita o tempo livre para dar assistência aos pais, que vivem na Cidade Baixa. Como mora em Piatã, ela visitava os dois apenas aos domingos, por causa do trânsito. “Hoje eu escolho os horários com menos engarrafamento e vou lá”, explica. Ela acompanha os dois quando vão a consultas médicas e já levou o pai para passear no Dique do Tororó e para ver um filme na sala
de cinema 4D, que ele amou. “Ele agora que ir na Fonte Nova”. Em uma das visitas aos pais, Sueli resolveu fazer uma arrumação na casa deles. “Meus pais têm um quarto que não usam e servia de depósito. Fiz uma limpeza lá, joguei muita coisa fora, outras coisas doei”. Das seis filhas do casal, ela foi a primeira a se aposentar e a poder dedicar tanto tempo aos pais. “Acho que isso os deixou mais seguros e mais amparados. Metade do meu tempo eu dou a eles”, calcula. Com tantos afazeres, a rotina dela é cheia. “Eu achava que, quando me aposentasse, ia assistir à TV todos os dias de manhã. Pensei que fosse ficar vendo Ana Maria Braga, mas nunca fiquei”, diz, meio orgulhosa. Quando trabalhava, Sueli costumava levantar todos os dias às 5h30, e agora não tem mais hora certa para acordar. Ela também mudou os horários de ir à academia. “Agora faço tudo quando eu quero”. Em casa, ela já começou a fazer coisas que não fazia por falta de tempo.
A primeira providência que tomou em relação ao espaço foi fazer uma reforma – está trocando todo o piso e renovando as paredes. Sueli também começou a se arriscar na cozinha, “mas só quando dá vontade”, frisa. Ela nunca teve costume de cozinhar, mas garante que tudo o que faz fica bom. Cuidadosa com a saúde, Sueli prefere comer comida saudável e pretende fazer um curso de culinária natural para melhorar na cozinha. Aliás, cursos são o que não faltam na lista de planos para a aposentadoria. Além desse, ela pretende aprender fotografia, artesanato e espanhol, além de começar a fazer trabalho voluntário em um orfanato perto do condomínio onde mora. O marido queria que ela abrisse um salão de beleza, mas ela já descartou a hipótese. “Eu disse a ele que adoro salão, mas só como cliente”, brinca. Com uma aposentadoria dessas, será que sobra tempo para se sentir inútil ou para ter saudades do trabalho? Certamente não. “Do trabalho não sinto nenhuma falta. Sinto falta só das pessoas, mas nos encontramos para almoçar às vezes”.
“Meu marido queria que eu abrisse um salão de beleza. Eu adoro salão, mas só como cliente” LIVRE | MULHERES EXTRAORDINÁRIAS
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No mundo de
Depois de trabalhar por 21 anos no setor de telecomunicações, Tereza Paim resolveu deixar a profissão de lado e se dedicar à cozinha. A gastronomia sempre foi um hobby na vida da baiana de Tanquinho de Feira, mas, aos 40 anos, ela resolveu transformar a diversão em trabalho – e nem por isso deixou de se divertir na cozinha. Tereza foi para São Paulo estudar para ser cozinheira profissional e hoje, de volta à terrinha, tem dois restaurantes de sucesso: o Terreiro Bahia, em Praia do Forte, e o Casa de Tereza, em Salvador. Dona também de vários prêmios, ela não se deixa levar pela badalação. É simpática com todo mundo, cumprimenta cada um dos seus funcionários quando chega ao trabalho e diz que o que lhe enche a alma mesmo é cozinhar.
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Tereza texto: Marina Baruch fotos: Marina Baruch
Quando você começou a cozinhar profissionalmente, imaginava que chegaria aonde chegou? A gente nunca imagina nada, não é? A gente só faz o trabalho. Eu nunca me preocupo com o que vem, eu só me preocupo em fazer meu trabalho bem feito. O dinheiro e a notoriedade são consequência do trabalho bem feito e no fim é o trabalho que fica. Você cozinha desde pequena. Você aprendeu com alguém da sua família? Não. Só eu cozinho na minha família, além da minha bisavó, que era cozinheira e ganhou a vida fazendo doces e requeijão. De lá para cá, sou a única que se dedicou a cozinhar. Meus pais sempre foram donos de restaurantes em postos de gasolina na estrada, e foi lá que eu cresci, na cozinha do posto, onde eu brincava, me queimava. Eu gostava de ficar na cozinha. Como você se aproximou da culinária baiana? Eu nasci no sertão, então só tinha contato com a comida
Comida é energia em forma de arte. É nisso que acredita a chef Tereza Paim, que fala aqui sobre comida de raiz e gastronomia como hobby, além de listar os seus restaurantes preferidos da cidade
com dendê na Semana Santa, mas essa comida era minha paixão eterna. Depois que vim morar em Salvador, aos 13 anos, comecei a me arriscar mais na cozinha e todas as minhas tentativas estavam próximas da culinária baiana. Fui estudar cozinha francesa porque ela é clássica, é a base da cozinha mundial, mas desde a minha primeira entrevista com o chef, ainda na escola, eu disse que estava lá para me formar e ser uma cozinheira de comida baiana. Os meus primeiros trabalhos já tinham essa identidade. Dentre os ingredientes baianos, qual você mais gosta de usar? Eu gosto de tudo, mas sou apaixonada por dendê. Acho que ele é uma gordura bacana, que tem cor, tem expressão. Quando o dendê é bem usado, não tem pra ninguém, ele chega de forma arrebatadora. A comida baiana mais conhecida, que é a moqueca, é uma comida linda, atrativa, sedutora. Ela não é tão bonita nas fotos quanto pessoalmente. As fotos são injustas. A moqueca é uma comida cheirosa, que tem movimento, chega à mesa
ainda fervendo, toda cheia de graça. Como a escolha desses ingredientes pode afetar o resultado de um prato? Quando você mistura um monte de coisa boa, há uma grande chance de você produzir uma coisa boa. Eu sempre brinco que ingredientes são que nem catinga: você está num ônibus e todo mundo está cheiroso, mas se entra um fedorento, todo mundo sente o cheiro. Tem coisa que entra na comida e basta que ela esteja ruim para acabar com o prato. Não adianta pegar um peixe maravilhoso e temperar
“Comida é arte que alimenta a vida. E a vida é muito curta para não se comer bem” LIVRE | COMIDA
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com tempero pronto. Quem for comer pode até gostar na hora, mas vai ter uma digestão ruim. A comida não deve se encerrar no momento em que você está comendo. Você tem que ver o que aconteceu com você depois de comer, se você se manteve bem, se ficou esperto. Se você ficar pesado ou tiver dor de barriga, a comida não valeu a pena. A comida é a energia da gente em forma de arte, e consumimos essa arte para alimentar a vida. A vida é muito curta para não se comer bem. Tem gente que não dá importância a isso e paga mais tarde, com doenças, com pressão alta. O que te inspira na hora de criar novos pratos? A inspiração é de Deus, a gente não sabe de onde vem. Meu processo criativo é solitário e vem de outras conexões. Não são conexões racionais. Às vezes eu tenho um insight e depois vou para a cozinha testar, ou às vezes estou na cozinha fazendo alguma coisa e dali sai um prato. Você cozinha em casa? Cozinho. Sempre que estou em casa a gente cozinha. Lá agora todo mundo gosta de cozinhar. Eu sempre preparo o café da manhã para mim e para João [o filho, de 12 anos] e sempre fazemos o jantar, principalmente quando estamos em São Paulo. Eu fico muito tempo lá. O que você mais gosta de cozinhar? Vou confessar que o que
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mais cozinho são legumes, por causa da dieta. Eu tenho uma vida muito irregular, então como muito fora de horário, nas horas erradas, o que me faz brigar sempre com a balança. Quando posso escolher, opto por legumes, que é uma coisa que eu não tive acesso na infância, por morar no sertão. Depois, o que me encanta mais é peixe. Os chefs mais reconhecidos do mundo são homens. Como é ser uma chef de sucesso num meio dominado por eles? Acho que isso não é uma questão discriminatória de gênero. A profissão de cozinheiro é muito dura, geralmente se trabalha à noite e nos finais de semana, então isso afeta também a estrutura
familiar, e as mulheres tendem a ficar fora profissão por isso. A gente também carrega muito peso. Se chegarem 500 kg de peixe, a gente tem que carregar e botar no lugar. Isso faz com que mais homens estejam na cozinha, e, por isso, mais homens ascendem. Hoje, com a questão do estudo e das faculdades de gastronomia, homens e mulheres estão numa base mais igualitária, porque a pessoa já não ascende somente quando entrou na cozinha num nível mais baixo e foi crescendo. Hoje, o conhecimento viabiliza a entrada na cozinha já em uma posição mais acima, onde não é preciso fazer tanto esforço físico. Qual o seu sentimento quando vê que superou
tantas dificuldades e hoje é bem reconhecida pelo seu trabalho? O sentimento é bom. Eu gosto de trabalhar, então meu caminho é seguir meu rumo trabalhando. Agradeço muito os prêmios, mas essas celebrações logo ficam no passado. Eu estou sempre preocupada com que dê tudo certo amanhã. Minha conexão é realmente com meu labor, com minha responsabilidade enquanto cozinheira. Eu não tenho nenhum deslumbre. Essas coisas me alegram, mas não me tocam a alma. Você acha que a gastronomia está na moda? Acho que ela vive um momento de relevância, e isso é muito positivo, porque quanto mais
atenção ela chama, menos pessoas vão comer comida ruim. A partir do momento em que a pessoa vai tendo informação, ela vai mudando os hábitos de consumo. O que você vê de positivo no número crescente de pessoas que cozinham em casa e têm a gastronomia como hobby? Acho que tudo isso é muito positivo. A cozinha é agregadora, então se você está cozinhando em casa, você agrega a família. A mesa tem essa função de juntar pessoas. A comida é o ponto de encontro das pessoas. Você acha que esse hábito pode acabar prejudicando os restaurantes? Muito pelo contrário. Tem
espaço para tudo! Os restaurantes ainda têm um espaço de crescimento muito grande no nosso país. E quando a pessoa passa a cozinhar em casa e aprende a preparar pratos, ela fica mais exigente, então começa a querer provar novas coisas para tentar repetir, para se inspirar a criar. Quais são seus restaurantes preferidos em Salvador? Vou muito ao Taboada, ao The Beef, ao Amado. Vou muito lá em Beto [Pimentel, chef do Paraíso Tropical] também, comer a comida dele, que eu adoro. Também vou ao Juarez, porque meu filho adora o filé de lá e a galinha ao molho pardo é uma delícia. Eu acho que Salvador tem muito restaurante bom.
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Depois de estabelecidas em suas carreiras, essas mulheres resolveram começar de novo e seguir uma nova profissão. Elas falam sobre as motivações, dificuldades e alegrias desse processo texto Marina Baruch Você se lembra daqueles jogos de tabuleiro, onde todos morriam de medo de cair na tal casa que mandava o jogador voltar para o início? Às vezes isso acontece na vida real. Por insatisfação ou simplesmente pela vontade de buscar algo melhor, muita gente resolve começar de novo, mas, ao contrário do que acontece no jogo, na vida isso pode ser algo muito positivo. Depois de 36 anos trabalhando como analista universitária na UNEB, Mônica Teles decidiu voltar a estudar. “Era um sonho antigo que fui adiando. Mas quando cheguei perto dos 50 anos e da aposentadoria, vi que não queria parar de trabalhar”, conta. O medo de ficar parada e o gosto pelos
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estudos fizeram Mônica se matricular num curso de psicologia. “Muitas amigos questionaram minha decisão, mas minhas filhas, meu marido e minha mãe sempre me apoiaram”, diz Mônica, que começou a cursar a nova faculdade em 2009. Como é de se imaginar, Mônica teve alguns problemas de adaptação no início do curso. Com colegas muito mais jovens que suas filhas, ela conta que, no começo, se sentia um peixe fora d’água. “Meus colegas eram muito dispersos, faziam muito barulho, não prestavam atenção em nada”. Mônica chegou a questionar a sua decisão, mas, aos poucos, a situação foi melhorando e ela resolveu ficar.
“Começar de novo requer sacrifício. E esse sacrifício a pessoa faz por ela mesma, por mais ninguém. O segredo é não se deixar abater pelas dificuldades”, diz a psicóloga Patrícia Guerreiro, que trabalha com desenvolvimento de pessoas. Foi o que aconteceu com Mônica. Depois de algum tempo de curso, ela já estava enturmada com todos os colegas e passou até a recebelos em sua própria casa para confraternizações. A turma se formou em 2013, e desde então Mônica atende famílias no Instituto de Saúde da Unijorge, onde estudou. Ela ainda trabalha com supervisão de professores, mas pretende fazer uma especialização em
breve. Patrícia explica que se colocar no mercado de trabalho depois de certa idade não é mesmo fácil, mas não é impossível. “Existe, sim, muito preconceito no mercado e algumas empresas, apesar de proibido, colocam limite de idade para cada vaga. Por isso a mulher mais velha deve mostrar a experiência com um diferencial. As empresas também valorizam a maturidade e a capacidade de se relacionar com os outros, o que muitos jovens ainda não aprenderam”. O apoio da família Contar com os mais próximos faz toda a diferença num momento de recomeço. A mudança também pode ser difícil para o resto da família, que precisará abrir mão da companhia da pessoa em algum momento. “Quem já chega com mais idade ao mercado de trabalho não pode se dar ao luxo de não estar competitiva. É preciso jogar duro, estudar muito, fazer uma boa faculdade. Quem está recomeçando precisa dar todo o gás que tem, e nisso a idade não pode pesar”, afirma a especialista. Para ter sucesso na nova profissão, é preciso estar disponível para os estudos, e, às vezes, isso significa estar menos disponível para a família.
final, quando tudo estiver acertado, as coisas vão ser melhores para todos. Foi o que aconteceu na família de Cláudia Rebouças, que após trabalhar por 17 anos como nutricionista, virou secretária no Tribunal de Justiça. “Para a minha família foi melhor, porque agora tenho mais tempo para ficar com eles. Como nutricionista eu trabalhava em um esquema de plantão, e agora não mais”, conta. Cláudia pediu demissão do antigo trabalho
por esgotamento físico e mental. Depois de dois meses sem trabalhar, uma amiga lhe ofereceu um cargo comissionado no TJ. “Fui para passar um tempo, pensando em voltar para a nutrição depois”, lembra. Mas isso não aconteceu. O salário melhor e o reconhecimento que conseguia no novo trabalho conquistaram Cláudia, assim como as pessoas com as quais passou a conviver. Saudade Apesar do esgotamento pelo
Mesmo feliz no novo trabalho, Cláudia ainda guarda com carinho os livros sobre nutrição Foto: Marina Baruch
Começar de novo não é fácil para quem já tem uma trajetória profissional e também pode ser muito estressante. Nessa hora, o papel da família também é fundamental e é importante que eles sejam compreensivos durante todo o processo. No
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ritmo acelerado de trabalho em uma cozinha industrial, Cláudia adorava trabalhar com nutrição. Ela conta que sente falta de fazer cardápios e que, se tivesse que escolher
um novo trabalho mais uma vez, certamente voltaria para a área. “A nutrição é uma profissão que foi muito valorizada ultimamente. Se tivesse que mudar de novo,
Foto: Leonardo Pastor
Agora que se formou, Mônica planeja fazer uma especialização em psicologia sistêmica, abordagem com a qual mais se identificou durante o curso.
voltaria para ela. Mas, se tudo der certo, quero ficar no TJ”, diz. Sensação de fracasso Depois de passar anos se dedicando a uma determinada profissão, quando se decide recomeçar é comum ouvir comentários como ‘Foi para isso que você estudou?’, ‘Por que não estudou psicologia desde o início?’ ou ‘Você não se sente uma fracassada?’. “Não, eu não me sinto fracassada. Fui muito feliz como nutricionista, fui bem reconhecida, fui feliz no meu trabalho. Tive até o meu próprio restaurante, o que é um sonho para muitos profissionais da área e eu pude realizar”, conta Cláudia. A sensação de fracasso também não foi um problema para Mônica. “Eu não vou parar de estudar nunca. Sempre quis fazer outro curso, gosto muito de aprender. Eu adoro quando as pessoas me perguntam: ‘o que mais você vai estudar?’”, brinca a nova psicóloga. “O movimento do recomeço é uma escolha difícil, que deve ser feita com consciência. É preciso aceitar recomeçar. Você vai sair de um lugar onde você domina e precisa de despir dessa segurança para partir para algo totalmente novo, onde você vai começar do zero”, explica a especialista Patrícia Guerreiro. Pode ser que o sucesso não venha logo, e, por isso, é preciso ter paciência e muita força. Mas também é importante sempre lembrar que recomeçar é, realmente, uma atitude admirável.
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, o r r o Soc stão velhos! meus pais e
Sim, os seus pais estão começando a dar mais trabalho, mas essa fase não precisa ser um tormento. É possível estabelecer uma rotina de cuidados e atividades que satisfaça a todos. texto Marina Baruch Aceitação Todo mundo fica velho, é inevitável: quem não morrer cedo vai passar por isso. Fingir que não vê a velhice dos pais pode ser um mecanismo de defesa para não encarar essa realidade, mas isso pode trazer consequências ruins. “Esse comportamento pode comprometer o processo saudável do envelhecimento e interferir no diálogo entre pais e filhos, já que os pais podem não sentir abertura para dividir seus sentimentos ou pedir ajuda”, explica a psicóloga Larissa Lopes, especializada em terapia familiar. Não esqueça que, assim como você, seus pais também podem estar com medo desse momento.
Eles não aceitam os cuidados “Muitas vezes a negação pode vir por parte dos idosos, por não perceberem o próprio envelhecimento ou por não admitirem as limitações que a idade impõe”, diz a psicóloga, sugerindo que os filhos reforcem a autonomia dos pais dentro das condições físicas e mentais de cada um. “O idoso deve ser respeitado no seu desejo. É preciso ter cuidado para não colocá-lo numa condição de maior fragilidade ou limitação do que ele realmente está”, orienta.
Sacrifício É, às vezes você vai ter que abrir mão de algumas atividades para estar com seus pais. Isso pode fazer você se sentir sobrecarregada e pode fazer com que os seus pais se sintam culpados. Por outro lado, se você não fizer nenhum sacrifício, o sentimento de culpa pode ser seu. “Nesse caso, o ideal é que se estabeleça uma dinâmica que torne possível conciliar as atividades dos filhos com a rotina de cuidado dos pais. Para isso, é importante buscar uma rede de apoio com outros familiares, amigos próximos ou cuidadores”, sugere Larissa. O importante é não deixar que esses sentimentos se tornem permanentes.
Luto antecipado O sentimento de orfandade é comum aos filhos que precisam reelaborar a relação com os pais. “Num momento como esses, o luto não está relacionado à morte, e sim a um processo de perda”, explica a psicóloga. “Mas a sensação de orfandade também pode gerar um processo de luto antecipatório, onde o filho começa a imaginar a continuidade da vida sem a presença dos pais”, completa.
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Estou sozinha nesse barco Existe uma construção sócio-histórico-cultural que transfere para os filhos a responsabilidade do cuidado com os pais e, automaticamente, os filhos tomam esse cuidado para si. Quando não existem irmãos, o peso recai sobre um único membro da família, que pode se sentir sobrecarregado. Se isso acontece com você, não tenha medo nem vergonha de pedir ajuda. “Muitas vezes a sobrecarga é criada pelo próprio filho, que se sente impelido a ser o único e grande responsável pelos pais”, comenta Larissa.
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Casas de cuidado Hoje, alguns idosos já falam sobre a possibilidade de morar em casas de cuidado, onde podem estabelecer relações com pessoas da sua idade. “Às vezes é o próprio filho que não permite essa ida, pela crença de que isso pode representar um sentimento de fracasso ou demérito do seu papel de cuidador”, explica a especialista, que lembra que o diálogo é a ferramenta mais importante para que se chegue a um consenso. “O diálogo possibilita a participação dos pais na decisão de sua própria vida, o que favorece o sentimento de autonomia, muito importante para eles”.
Resolvi não cuidar Sim, você pode escolher não cuidar dos seus pais. E os motivos podem ser muitos: você acha que não tem o que retribuir, não tem condições emocionais ou financeiras ou eles simplesmente não querem ser cuidados. Essa decisão pode fazer com que você seja recriminada e condenada pela família e por pessoas próximas. “O impacto dessas consequências está relacionado às razões que levaram o filho a essa decisão, o que vai colocar mais ou menos peso no que é dito pelo outro”, afirma Larissa. Mas lembre que a decisão é sua, de mais ninguém.
Terezinha pratica exercícios físicos de domingo a domingo.
G RATAS DE ACADEMIA
Elas estão ocupando os espaços nas academias e cuidando do corpo e da alimentação. E estão cada vez mais lindas. texto: Marina Baruch fotos: Marina Baruch Foi-se o tempo em que academia era lugar de meninas e garotões. É claro que esse público ainda está presente, mas, hoje, ele tem que dividir o espaço com as mulheres. Antes intimidadas com os mais jovens, elas agora deixaram de besteira e estão ocupando o lugar que lhes pertence. “Me sentia incomodada com
o grande números de pessoas muito mais novas do que eu nas academias e cheguei a abandonar os exercícios algumas vezes por esse motivo”, diz a designer de interiores Márcia Passos. Mas, há cerca de um ano e meio, ela sentiu necessidade de incluir os exercícios de volta
na rotina e resolveu voltar a frequentar a academia. “Eu estava incomodada com a flacidez do meu corpo e também queria fortalecer o meu braço, que sempre achei gordinho, e então decidi tentar malhar de novo”, lembra. E Márcia voltou com tudo. Contratou um personal trainer, comprou roupas novas,
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consultou um nutricionista. “Pensei: ‘já que vou malhar, vou malhar de verdade’”. E tanta dedicação já mostra resultados: Márcia está muito mais satisfeita com o seu corpo e observa as mudanças há algum tempo. O braço está mais magro e com músculos mais definidos, a gordurinha das costas sumiu e a barriga está mais firme. “Acho que os exercícios também melhoraram muito as minhas pernas. Eu não usava roupas acima dos joelhos porque achava que eles estavam meio derrubados, mas já faz um tempo que voltei a usar peças mais curtas”, conta, orgulhosa. Hoje, os exercícios já fazem parte da rotina de Márcia. Além
de frequentar a academia, ela costuma pedalar na orla da cidade, às vezes acompanhada do filho, Eduardo. “É uma atividade que é, ao mesmo tempo, benéfica e prazerosa. Saio para pedalar nos finais de semana e, quando volto, gosto de tomar banho na piscina de casa. Nessa hora sinto uma sensação de tarefa cumprida e de relaxamento que não tem preço”, diz. Essa sensação já faz parte da vida de Terezinha Drumond há mais tempo. Ela sempre gostou de praticar atividades físicas e, aos 56 anos, conta que não pretende parar. “Sempre tive disposição para fazer atividades físicas e hoje, além do prazer, me exercito também pensando na minha saúde e
“Me sentia incomodada com o grande números de pessoas muito mais novas do que eu nas academias e cheguei a abandonar os exercícios algumas vezes por esse motivo” Márcia Passos
bem estar, inclusive no futuro”, conta. “O exercício ajuda a mulher a envelhecer bem. Além de aumentar auto estima e a força física, ele melhora a resistência e previne doenças”, explica o educador físico Joffre Teixeira, fazendo uma comparação entre pessoas e carros. “Costumo dizer que nós somos como os automóveis. Se cuidamos dele durante toda a sua vida útil, ele vai durar mais e ser mais valorizado”, brinca. Assim como Márcia, Terezinha também não se limita à musculação. Ela corre todos os dias e, algumas vezes na semana, pratica natação na praia de Itapuã. “Nadar me faz muito bem. Se eu parar, adoeço”, diz.
Para Márcia, o acompanhamento do personal é uma forma de motivação. “Às vezes estou com preguiça de ir à academia, mas lembro que já tenho o compromisso marcado com meu professor. Isso me faz faltar menos”, conta.
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Personalizado Há dois anos, Terezinha começou a malhar com acompanhamento profissional. “Eu achava que a musculação
conversando com as outras meninas da academia. Já virou uma terapia em grupo”, diz, rindo.
Enquanto está no elíptico, seu aparelho preferido, Cinthya coloca o papo em dia com as amigas da academia. não estava mais me dando o resultado esperado, então procurei um personal trainer”, lembra. Na época, ela buscava resultados específicos no corpo. “Queria melhorar o aspecto do meu braço e já consigo perceber mudanças, mas ainda quero mais”. Joffre explica que o treino feito com acompanhamento profissional pode, sim, trazer resultados melhores. “Todos precisam de cuidados especiais na hora de praticar exercícios. Um personal trainer vai fazer um treino específico para as necessidades de cada aluna e vai dar atenção total a ela durante a prática”, diz, lembrando que exercício não é brincadeira e, por isso, quem pratica deve sempre buscar a orientação de um profissional, inclusive para evitar acidentes.
Terapia A arquiteta Cinthya Passos não é tão disciplinada quanto Terezinha e Márcia, mas também tem a musculação como parte de sua rotina. “Depois de ter dois filhos vi que meu corpo mudou e há mais ou menos dez anos, quando eles já estavam crescidos, resolvi cuidar mais de mim”, lembra. Como não tem acompanhamento de um personal trainer, Cinthya é mais livre na sua rotina de exercícios, mas não deixa de fazer a parte aeróbica. “O aeróbico é o que eu mais gosto. Passo pelo menos meia hora no elíptico, que é o meu aparelho preferido”. O momento é tão prazeroso que ganhou de Cinthya o apelido de ‘terapia’. “É uma delícia! Eu fico malhando e me divertindo,
E a terapia tem horário marcado: acontece sempre no final da manhã. “Eu gosto de malhar nesse horário porque tem mais gente da minha idade na academia. Muitas mulheres até moram no mesmo condomínio que eu”, conta a arquiteta, que é tão enturmada na academia que já fez amizades para a vida toda. Depois de cinco anos frequentando o mesmo local, ela já tem relações mais íntimas com algumas das companheiras de malhação e costuma encontra-las em outros ambientes. “Já frequentei a academia em outros horários, mas o pessoal não tinha muito a ver comigo. Agora eu me encontrei. Depois de malhar e conversar, sempre vou para casa de bom humor, me sentindo alegre”. Vitaminadas Buscando tornar a musculação mais eficiente e diminuir a flacidez, Cinthya fez uso de suplementos e termogênicos durante dois meses. Mas o resultado não foi esperado. “Achei que estava crescendo demais e parei”, lembra. A provável causa para esse efeito é a falta de acompanhamento de um nutricionista especializado. “Não consultei um especialista. Comprei meus suplementos seguindo as orientações de meu filho, que já havia ido para uma consulta”, conta. A nutricionista Fernanda
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Quando não pedala na orla da cidade, Márcia vai de bicicleta até a academia. Orichio explica que tomar suplementos sem orientação pode, sim, aumentar a gordura corporal. “O suplemento deve estar em harmonia com toda a dieta da pessoa. O uso isolado de um suplemento proteico não garante o ganho de músculos e, o uso incorreto, pode resultar em ganho de gordura”, afirma. Outra consequência para o uso desse tipo de produto sem a orientação adequada é o agravamento de problemas renais. “O suplemento alimentar não causa nenhum mal a indivíduos saudáveis, mas pode agravar a situação em quem tem pré-disposição a problemas nos rins”, alerta. Por isso, o acompanhamento nutricional é fundamental para quem pretende dar uma turbinada no treino. “O
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profissional de nutrição vai pedir exames e se certificar de que a suplementação não vai fazer nenhum mal ao paciente”, explica Fernanda.
muscular e aumenta o que é perdido com a idade. Para minimizar essa perda, o ideal é nunca parar de se exercitar”, indica a especialista.
Com a orientação adequada, as mulheres podem usufruir de todas as vantagens desses produtos. “A prática de musculação associada a uma boa alimentação e suplementação proteica é sempre bem vinda, principalmente para mulheres que não são mais tão jovens”, diz a nutricionista, explicando que, com a idade, as pessoas passam pelo processo de sarcopenia, que é a perda natural de massa magra, associada ao ganho de massa gorda - principalmente na região da barriga. Por isso, essa combinação é muito indicada. “Ela promove a síntese
Já Márcia, fez tudo do jeito certo. Assim como Cinthya, ela estava incomodada com a flacidez e queria enrijecer os músculos, mas buscou orientação de um nutricionista especializado em suplementação. “Ele me passou um suplemento proteico e um termogênico. Já tomo há seis meses e sinto melhoras”, conta Márcia, que também se sente mais bonita. “A gente vai emagrecendo e ganhando massa magra e, com isso, vai se sentindo mais bonita, o que acaba nos estimulando a malhar ainda mais. É um ciclo bom do qual nunca quero sair”.
Sucos Vivos
Especialista te ensina a preparar bebidas saudáveis, gostosas e bonitas Certamente você já ouviu falar bem dos sucos detox. Eles são saudáveis, eliminam toxinas do organismo e ainda são bonitos e coloridos. Com tantas vantagens, não é de admirar que eles chamem atenção de mulheres que querem se manter saudáveis e em forma, como a advogada Melissa Cady, que os conheceu durante um curso sobre crudivorismo – os crudivoristas não comem nenhuma carne e só consomem alimentos crus. Como não acredita em nenhuma dieta radical, Melissa prefere misturar o que mais gosta de cada linha, para ter uma alimentação balanceada e não enjoar de nada. E os Sucos Vivos foram a parte que ela escolheu do crudivorismo. Melissa se apaixonou pelo assunto e hoje é especialista na área. Cria receitas, dá dicas de como combinar ingredientes e ministra cursos sobre os sucos em Salvador. “Os Sucos Vivos
são bebidas detox que podem ser preparadas por qualquer pessoa. A fórmula básica é misturar água com uma ou duas frutas e mais uma folha”, explica. O verde não pode faltar. As opções mais comuns são couve e hortelã, mas vale colocar até coentro e salsa. Varie o sabor Para deixar o seu suco mais gostoso e nutritivo, Melissa sugere substituir a água por água de coco ou chás. Para a receita com frutas vermelhas, o ideal seria chá de hibisco, enquanto o chá verde é o mais indicado para a mistura que leva abacaxi, couve e gengibre. Quer ver mais? Siga @mellcady no Instagram. Lá tem outras receitinhas bacanas e informações sobre os cursos.
A ideia é escolher os ingredientes e dosar as quantidades de acordo com o seu gosto. Se você não é muito fã de folhas, pode colocar menos, por exemplo. Solte a criatividade, crie receitas com o que você tem em casa! Para dar uma mãozinha no seu começo de relacionamento com os sucos, Melissa sugere duas combinações: Suco antioxidante (previne o envelhecimento precoce) Morango Framboesa Açaí Banana Hortelã Água Suco diurético Abacaxi Couve Gengibre Água
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Gau Baruch é psicóloga, é bonita e decidiu parar de usar secador de cabelo.
texto: Gau Baruch
Desisto! Cansei do secador! Parei para contabilizar quanto tempo da minha vida já gastei secando meus cabelos. A matemática é simples. Se eu multiplicar os 20 minutos diários, 4 vezes por semana, 12 meses por ano, em aproximadamente 30 anos, terei gasto 115.200 minutos secando o cabelo. Sabem o que isto significa? Já gastei 80 dias da minha vida esquentando os miolos, literalmente. Imaginem tudo que eu poderia ter feito nestes 2 meses e 20 dias! Dava para fazer o Caminho de Santiago duas vezes, parando para ver as paisagens! Daria para incrementar o meu inglês, fazer um montão de abdominais, ler pelo menos mais uns 10 romances bacanas e, acima de tudo, poderia acordar um pouquinho mais tarde.
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mais e mais
Selvagem Mas não foi só com o secador que meu precioso tempo foi pro ralo – do lavatório. Foram também os cortes, nero (lembram desta fase esdrúxula da touquinha de meia enrolada na cabeça?), rolinhos, bobs, permanentes, escovas progressivas, alongamentos, hidratações, tinturas e mais uma infinidade de processos que nós, mulheres, lançamos mão na tentativa de amansar os fios que nos enfeitam. Portanto, foi com convicção que contei para minha amiga: “agora meu penteado vai chamar-se ‘A vida como ela é’”. Minha amiga ouviu surpresa meu desabafo e me enviou um Whatsapp onde estava a imagem de uma mulher descabelada e abaixo estava escrito: “o cabelo existe para lhe lembrar que você não controla tudo!” Exatamente, pensei. Não controlo nada e
menos ainda minha cabeleira ondulada, cheia de frizz, uma juba de leoa. Esta criatura que habita o andar de cima do nosso corpo parece ter vida própria. A expressão em inglês “BAD HAIR DAYS” traduz muito bem esta sensação de falta de controle que nossas madeixas nos impõem. Fazemos tudo igualzinho, o mesmo ritual e nunca sabemos quem vai aparecer quando os cabelos secam! Mas preciso confessar que minha decisão não se deu apenas devido ao meu lado matemático e prático. Não sou assim tão racional e nem sempre penso com minhas raízes. Sempre levo em conta minhas sensações, sentimentos e experiências, e dessa vez não foi diferente. Em recente viagem ao Chile,
fui conhecer uma das casas do apaixonado poeta Pablo Neruda, conhecida como La Chascona. A casa em questão foi erguida em 1953 para a sua terceira mulher, Matilde Urrutia, dona de abundantes cabelos avermelhados e apelidada de “La Chascona” (a descabelada, palavra de origem Quechua para referirse a um cabelo selvagem). O lugar é lindo, criativo, colorido, alegre e cheio de vida. Uma experiência adorável para mim que, aos 18 anos, havia lido muitos dos poemas que Neruda dedicou a Matilde.
imagem. Agora eu desejo que todos os meus dias sejam GOOD HAIR DAYS. Não porque meu cabelo é bom, mas porque a juba é minha, e acima de tudo, a cabeça é minha! E o tempo também!
Fui buscar estes poemas depois de ler a biografia cheia de aventura deste autor que não consigo me lembrar de que forma chegou em minhas mãos. Mas, acima de tudo, foi o título da obra que me marcou profundamente. Chama-se ‘Confesso que Vivi’. Lembro-me que, na época, pensei que este seria meu lema e que, ao chegar aos 50, idade que me soava como um marco, eu gostaria de poder dizer o mesmo. Visitar esta emblemática casa aos 51 me parecia uma belíssima coincidência. E então, algo de La Chascona se apossou de mim. Algo desta alma ousada, selvagem, descabelada e livre. E a melhor forma de se chegar aos 50 é apenas confessar despudoramente que vivi sem culpas, embora com algumas coisas das quais não me orgulho. Ao mesmo tempo, quero liberar minha cabeça e minha cabeleira de qualquer tipo de controle à minha
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