Anais III Workshop CPOP 2019

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Anais ISSN: 2359-6481

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º WORKSHOP

Comunicação e Comportamento Político, Mídia e Opinião Pública



Apresentação O III Workshop “Comunicação e Comportamento Político, Mídia e Opinião Pública”, realizado entre os dias 4 e 6 de setembro de 2019, foi organizado pelo Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP) na Universidade Federal do Paraná (UFPR). O evento contou com o apoio do Programa de PósGraduação em Comunicação (PPGCOM), do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP), do Instituto Nacional de Ciência & Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), da Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política (COMPOLÍTICA) e da Fundação Araucária. O Workshop entrou para o cronograma de eventos do PPGCP e do PPGCOM com o objetivo de discutir pesquisas em fase de desenvolvimento – coletivas, individuais, teses e dissertações – produzidas por pesquisadores da área da Comunicação & Política. Nesta edição do Workshop, os anais contam como 20 papers escritos por 22 pesquisadores de sete diferentes universidades (UFPR, UEPG, UDESC, Universidade Fernando Pessoa, UFABC, UEM e UTP). Os 20 papers foram divididos em três sessões, a constar: Política no Facebook; YouTube, memes e Whatsapp na comunicação política; e Comunicação tradicional e Política. Além das apresentações, o III Workshop contou com mais duas atividades: a palestra do Prof. Dr. Luis Fernando Cerri (UEPG) intitulada “Teoria e metodologia de pesquisa das relações entre os jovens, a história e política na América Latina” e a oficina de “Visualização de dados com ggplot”, ministrada pelo Prof. Dr. Emerson Urizzi Cervi (UFPR). Esperamos que a leitura seja proveitosa e que os trabalhos possam instigar novas pesquisas na área da Comunicação & Política. Todos trazem algum tipo de contribuição para compreender o atual cenário da comunicação e sua relação com a esfera política, a partir de diferentes abordagens teóricas e empíricas.

Boa leitura!

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Anais do Workshop em Comunicação e Comportamento Político, Novas Mídias e Opinião Pública – Nº 3. Curitiba: UFPR, 4 a 6 de setembro de 2019. 254 páginas. ISSN: 2359-6481. Publicação eletrônica: <https://issuu.com/workshop-ccpnmop> <http://www.cpop.ufpr.br> Organização Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública - CPOP Coordenação Prof. Dr. Emerson Urizzi Cervi Profa. Dra. Michele Goulart Massuchin Promoção Programa de Pós-graduação em Ciência Política - UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação - UFPR Realização Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública - CPOP Universidade Federal do Paraná - UFPR Apoio Fundação Araucária Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação e Política - Compolítica Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital - INCT.DD Editoração Profa. Dra. Michele Goulart Massuchin Profa. Me. Fernanda Cavassana Apoio e revisão Marina Michelis Fernandes

Direitos reservados aos autores e ao grupo CPOP


Sumário 1.

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6.

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Mídia e Democracia na América Latina: O debate político nos comentários em Redes Sociais Online dos jornais Estadão e Clarín na cobertura eleitoral de 2018 e 2019 Marina Michelis de Lima Fernandes

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Manifestações digitais em democracias monitoradas: análise comparativa de comentários dirigidos a instituições políticas e sociais brasileiras no Facebook Fernanda Cavassana

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Maioridade penal em pauta: as conversações políticas sobre a redução da idade penal na fanpage do Senado Federal brasileiro entre 2015 e 2017 Rafaela Mazurechen Sinderski

29

Ideal Role Taking e Reflexividade nas conversações em grupos formados por mulheres no Facebook Luciane Leopoldo Belin

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Legislativo em rede: uma proposta de análise empírica sobre a apropriação das câmaras municipais paranaenses no Facebook Paula Andressa de Oliveira

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A imagem pública dos políticos profissionais: um estudo sobre os dez maiores colégios eleitorais brasileiros Afonso Ferreira Verner

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Política dos likes: análise das fanpages de prefeituras e prefeitos das capitais brasileiras no Facebook Fernando Wisse Oliveira Silva

81

Debate político online: Padrões de tratamento à Bolsonaro em vídeos do canal ‘Movimento Brasil Livre’ no YouTube Bruno Washington Nichols

95

Política, religião e novas mídias: uma análise sobre o canal do YouTube do pastor Silas Malafaia durante o período eleitoral de 2018 Marcela Barba Santos

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10. Entre “mortadelas” e “coxinhas”: o discurso político dos youtubers brasileiros Amanda Cristine Zanoto Fouani

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11. Jogos, memes e stickers de WhatsApp: a imagem de Jair Bolsonaro em aplicativos para Android em 2019 Nilton Cesar Monastier Kleina

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12. Representatividade na Câmara das Deputadas: trocas simbólicas entre mulheres que perseveram ‘apesar de...’ Aline Vaz

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13. Estrutura de Comunicação Política de Campanhas Majoritárias Municipais Associada ao Índice de Democracia Eleitoral Brasileira entre 2008 e 2016 Daniela Silva Neves

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A voz feminina nas reportagens televisivas: um estudo comparativo 14. entre os jornais televisivos de Portugal e do Brasil a partir do lugar de fala Sandra Nodari Romano

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15. Da informação a persuasão: analisando as propagandas eleitorais televisionadas de Lula (2002) a Haddad (2018) Yachan Pinsag

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16. O Senado Federal como promotor do debate público sobre medidas contra a desinformação Michel Carvalho da Silva

187

17. Transparência pública em proposições legislativas: um estudo exploratório das matérias apresentadas na Câmara dos Deputados em 2018 Andressa Butture Kniess 18. O protagonismo do poder judiciário promovido pela Mídia com a divulgação das notícias das ações de combate à corrupção da Operação Lava Jato e as consequências para o processo democrático brasileiro Mirela Maganini Ferreira

203

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19. A tolerância política quanto a elegibilidade de homossexuais na América Latina e a influência das religiões Naiara Sandi de Almeida Alcantara Ednaldo Aparecido Ribeiro

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20. Política e Democracia na Atenas clássica: uma reflexão entre os pensamentos de Platão e dos sofistas Jair Antunes Angela Caciano

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Mídia e Democracia na América Latina: O debate político nos comentários em Redes Sociais Online dos jornais Estadão e Clarín na cobertura eleitoral de 2018 e 2019 Marina Michelis de Lima Fernandes1 Universidade Federal do Paraná

Resumo: Este trabalho faz parte do projeto de dissertação da autora. Desta forma, tendo as eleições de 2018 no Brasil e 2019 na Argentina como plano de fundo, o interesse da pesquisa é investigar como se dá a relação entre a internet e a conversa entre leitores através dos comentários nas páginas de Facebook dos jornais Clarín e Estadão. Será realizado um estudo comparativo entre os comentários dos leitores sobre o tema eleitoral. Dentre os objetivos, estão: 1.Compreender que interesses e tendências preponderam na interação de comentários durante as eleições das páginas do Facebook do Estadão e Diário Clarín; 2. Analise de conteúdo dos comentários das notícias publicadas nas páginas dos dois jornais citados, identificando as tendências dos comentadores sobre as coberturas políticas, com enfoque na hipótese a ser testada. Palavras-chave: Redes Sociais Online; Cobertura Eleitoral; Conversações Políticas; Opinião Pública.

1. Introdução O uso das redes sociais online abriu caminho para novas formas de participação do público nos assuntos político. A utilização das novas tecnologias na cobertura eleitoral e os espaços de circulação de opinião política mobilizaram ambientes para a troca de opiniões, como é o caso do Facebook, que se difere dos meios de comunicação convencionais por agregar uma pluralidade de vozes. Os jornais Estadão e Clarín se enquadram como dois importantes jornais, cujas páginas de Facebook alimentam, diariamente, um alto número de publicações noticiosas, especialmente sobre o tema político, o que os torna importantes instrumentos a serem analisados. Sabe-se que, atualmente, ao jornalismo não compete mais somente a condição de emissor unilateral, já que o ambiente de redes sociais online possuí características próprias, fortemente demarcado pela participação de seus usuários e leitores. “Essa relação unidirecional foi superada quando

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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisadora do CPOP. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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se consideraram as características da comunicação via web, como a descentralização da produção de conteúdo, a multidirecionalidade e a interatividade” (MASSUCHIN, MITOZO,CARVALHO, 2017, p.297). O compartilhamento de notícias em ambiente online oferece também ao leitor o caráter de produtor de conteúdo, pois ele recebe e interage com aquilo que é publicado. Nesse sentido, a audiência pode interagir com os outros leitores, através de comentários, recriando novos significados para a informação. Pensando no potencial informativo que os comentários dos leitores são capazes de oferecer, para além das notícias, esse trabalho se dedica à investigar como se dá a manifestação de opiniões pessoais na rede online, tendo as eleições de 2018 no Brasil e 2019 na Argentina como plano de fundo. A ideia é focar nas discussões que nascem nas redes sociais digitais, não ignorando o fato de que ambos os jornais se enquadram como meios de comunicação tradicionais em seus respectivos países, mas que agora convivem com novas possibilidades de interatividade com seus públicos. Acreditamos que o diálogo fomentado pela publicação de notícias eleitorais nas páginas do Facebook podem nos oferecer pistas sobre os conteúdos dos comentários políticos, bem como novas articulações da opinião pública. “Esses ambientes comportam novos fluxos que garantem uma comunicação entre diferentes atores e instituições, do campo político e social, abarcando a comunicação entre representantes e representados” (CARVALHO, CERVI, 2018, p.87). Nosso interesse, portanto, está voltado para essa nova possibilidade de interatividade entre leitores nos espaço dos comentários nas notícias no Facebook. Ademais, o contexto eleitoral brasileiro no ano de 2018 se mostrou bastante atípico em relação aos anteriores, fruto dos fatos políticos que se alastraram desde 2016. Se, em 2014, tínhamos uma disputa demarcada entre os candidatos Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT) e Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), organizações políticas que protagonizaram as eleições presidenciais desde 1994, em 2018 viveu-se um cenário amplamente polarizado, com a ascensão de um novo nome no pleito eleitoral: Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL). Com o Impeachment da presidente Dilma em agosto de 2016 e o índice de rejeição de seu vice Michel Temer, do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), atingindo mais de 60% no fim do mandato (Folha de S. Paulo, 2018), o ano foi definido pelos autores Cleto e Corrêa (2019) como ‘auge da crise institucional’, onde “o Facebo-

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ok, o Twitter e, depois, o WhatsApp foram redes amplamente dominadas por essa grande coalizão que envolvia um profundo sentimento de indignação contra a classe política” (CLETO, CORRÊA, 2019, p.9). Situação complementada através do argumento de Ortellado (2017), quando afirma que o uso da internet e, particularmente, do Facebook, reduziu o tempo que era destinado ao consumo de outros produtos editoriais. Deste modo, estimulou-se novos processos de interação e de conversação que se deram no espaço online. De certo modo, a circulação dos discursos dos usuários do Facebook permitiram identificar uma transposição dos limites de espaço da disputa eleitoral, conforme apontam as autoras Massuchin, Mitozo e Carvalho (2017). Percebe-se que com a aceitação dos usuários pelos canais de expressão oportunizados pelas plataformas de redes sociais online, a forma dos eleitores se relacionarem com a política se altera de maneira significativa, não só no Brasil, como em diversos outros países. Por outro lado, atualmente na Argentina, há uma polarização entre o atual presidente Mauricio Macri (Proposta Republicana) e a dupla de Alberto Fernandéz (Partido Justicialista) e Cristina Kirchner. Os resultados das eleições primárias revelaram que a dupla está retomando a preferência dos eleitores. A disputa eleitoral está inserida em um momento de forte crise econômica no país, onde as medidas de ajustes fiscais adotadas por Macri ocasionaram uma queda de popularidade, além de ter sido um assunto bastante abordado na mídia. Dado o contexto político de ambos os países, reforça-se a necessidade em desenvolver estudos que permitam alinhar o debate entre o papel das novas redes sociais online no cenário eleitoral. No caso deste trabalho em específico, o comparativo entre Brasil e Argentina surge num esforço de explorar as novas formas de interação no ambiente digital e também de medir o nível das conversações políticas que estão se dando no espaço de comentário no Facebook dos jornais. Isso levando em consideração aspectos do contexto eleitoral polarizado que se dá em diferentes formas entre os dois países. A proposta consiste em discutir, a partir da análise dos comentários dos leitores nas notícias eleitorais das páginas de Facebook dos jornais Estadão (Brasil) e o Diário Clarín (Argentina), de que maneira a internet passa a compor o cenário eleitoral, considerando a interação entre usuários e comentadores. A escolha dos jornais considerou a expressividade em seus países de origem, por conta da alta circulação, bem como por se tratarem de mídias impressas tradicionais que se adaptaram ao digital.

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2. Mobilizações políticas e as transformações nas discussões políticas a partir das Redes Sociais Online Com o aumento da aderência de usuários nas plataformas de redes sociais online, percebeu-se que o espaço destinado aos comentários das notícias nas páginas dos jornais é amplamente utilizado pelos leitores para discutir os temas da esfera política. A possibilidade que hoje os leitores tem de comentar e interagir com o material recebido, podendo, inclusive, iniciar processo de conversação com outros comentadores, suscita uma importância maior que é atribuída a audiência na interação com o conteúdo. Os comentadores podem ser considerados sujeitos ativos dentro de um processo complexo da sociedade contemporânea, onde “a produtividade da informação depende da capacidade que tenha de circular e de ativar elações entre os participantes do sistema” (MACHADO, 2008, p.34). Além disso, antes, no âmbito da comunicação, podia-se dizer que os conglomerados de mídia possuíam o controle da informação. Mas o que acontece hoje, com o advento da internet e o uso de dispositivo online, é que a lógica funciona de uma maneira diferente, onde o conteúdo se dispersa facilmente entre os leitores. Massuchin e Cervi (2018) argumentam que os seguidores de uma página de Facebook tem em mãos ferramentas de engajamento, o que lhes da poder de decidir o que fazer com o conteúdo disponibilizado. Os autores identificam essa característica como ‘recirculação’, onde o seguidor da fanpage pode compartilhar, curtir, comentar ou apenas desconsiderar o material informativo. Tal fato nos leva a crer que o papel do sujeito que recebe o conteúdo e, posteriormente, faz uso dele, adquire um papel cada vez mais relevante. Considerando as mobilizações políticas que se realizaram a partir das redes sociais, e que se formam muito rapidamente no ambiente online, reforça-se o potencial das conversações promovidas em comentários de leitores, bem como a inserção dos veículos jornalísticos tradicionais neste ambiente, isso porque as formas de participação política se alteraram. Machado (2008) descreve algumas diferenças entre o funcionamento convencional dos veículos informativos e os sistemas de circulação do ciberjornalismo. Para ele, há o sistema de distribuição e o sistema de circulação. No primeiro, se opera de maneira centralizada e hierárquica, cujo objetivo principal é entregar a informação. O

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segundo, mais flexibilizado, funciona de maneira descentralizada, sem a adoção de uma hierarquia rígida, bem como visa a ampla disseminação da informação. “Um simboliza a apologia ao consumo enquanto o outro simboliza a apologia da participação” (MACHADO, 2008, p.26). Pensando pelo viés da participação, é possível afirmar, também, que a intensificação do uso dessas redes sociais online pode ser um fator importante nesse momento do processo democrático de eleições na América Latina. “Considerando as características das redes digitais, pode-se percebê-las como mecanismos que abrem ao público espaços mais abrangentes para debate político, dando novos rumos aos modelos de democracia, participativo e deliberativo” (MASSUCHIN, CARVALHO, MITOZO, 2016, p.04). Nessa medida, os comentários dos leitores, entendidos como uma forma de engajamento, devem suscitar novos estudos sobre a relação entre as opiniões individuais e políticas, dado um contexto de cobertura eleitoral no ambiente online. Lages (2016) afirma que as pesquisas no campo da comunicação surgiram para responder as lacunas deixadas pelos processos comunicacionais. Em outras palavras, os pesquisadores repensam o papel da relação emissor-receptor. Portanto, além do processo de troca informacional, existem efeitos e influências sociais que se dão a partir da linguagem. É preciso pensar a interatividade que se dá pela troca informacional e seus efeitos, considerando as especificidades e níveis de influência das redes. Massuchin, Carvalho e Mitozo (2016) discutem que a contribuição dos espaços das redes sociais no debate político é ainda pouco explorado pela literatura, principalmente sobre a possibilidade de engajamento e interação que as páginas dos jornais podem provocar, “uma vez que abrangem todo tipo de leitor e, assim, oferecem uma heterogeneidade de posições políticas” (MASSUCHIN, CARVALHO, MITOZO, 2016, p.07). Mas é justamente nessas diferenças de posições ideológicas que podemos encontrar o conteúdo de interesse para o atual debate, haja visto que, devido à fenômenos muito recentes e, consequentemente, ainda inicialmente explorados pelos estudos científicos, suas características merecem novos desdobramentos. De acordo com a contextualização elaborada por Cleto e Corrêa (2018), no caso eleitoral brasileiro, foi bastante comum deparar-se com comentários no ambiente online de cunho radical, onde se reforçavam os valores morais e familiares, enaltecimento de uma simbologia centrada no nacionalista, apoio às forças armadas e aversão à qualquer

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situação relacionada com os Direitos Humanos. Isso tem a ver com o que as autoras Massuchin, Carvalho e Mitozo (2016) já identificavam como uma tendência à radicalização nas páginas do Facebook. O que suscita uma maior participação e engajamento nos comentários pode ser compreendido por características específicas deste tipo de engajamento. Na visão de Tavares e Massuchin (2018), o comentário se destaca por um engajamento maior, na medida em que representa a expressão da opinião, isto é, uma participação maior frente a determinados assuntos ou até mesmo outros comentadores. Percebe-se que, de certo maneira, os leitores se veem motivados à manifestar-se através dos comentários, fato amparado pelo suporte nas redes sociais. Ao adentrar no meio das redes sociais online, percebe-se que esse é um processo que , hoje, envolve muito além da mera disseminação da informação, sendo capaz de mobilizar e canalizar as diferentes opiniões políticas e ideológicas. Conforme apontado por Machado (2008), “os sistemas de produção e disseminação de informações são edificados pelas organizações jornalísticas em conjunto com os demais atores deste processo complexo” (MACHADO, 2008, p.26). Com isso, podemos compreender que as ferramentas tecnológicas são apenas uma condição para atender a novas demandas sociais, que na contemporaneidade se complexificaram. Deste modo, os sistemas de circulação de notícias funcionam como uma espécie de ‘ativadores de espaços sociais’. Isso também se tornou evidente em junho de 2013, de acordo com o trabalho de Solano, Ortellado e Moretto, ao afirmarem o potencial das páginas do Facebook como ferramentas informativas. “Facebook es usado por 72% de los brasileños como fuente de información periodística” (ORTELLADO, 2017, p.128). Ambos os cenários eleitorais, brasileiro e argentino, fazem parte desse contexto de crescimento da mobilização política nas redes. As novas ferramentas possibilitam uma transformação nos protocolos de discussão política que, conforme Cervi e Carvalho (2018) apontaram, oferecem tanto condições para a expressão de vozes, como também para a coerção e agressividade. Em suma, acredita-se que os dados e conteúdos dos comentadores sobre a cobertura eleitoral nas redes sociais online são capazes de fornecer pistas sobre o comportamento das pessoas no ambiente online, especialmente no que diz respeito à discussão pública exercida dentro dessa rede de mobilização que é o Facebook.

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3. Desenho metodológico A proposta central deste trabalho é identificar como os comentários das matérias sobre a cobertura eleitoral dos jornais Estado de São Paulo e Diário Clarin se manifestam nas páginas do Facebook. A ideia é testar empiricamente os pressupostos teóricos discutidos no corpo do trabalho. Com essa finalidade, é preciso desenvolver uma metodologia adequada ao resultado almejado. A escolha das duas páginas dos jornais se deu em razão de que ambos são bastante expressivos em seus países de origem, com um público leitor já consolidado, bem como por se tratarem de duas mídias impressas que se moldam aos novos dispositivos digitais de circulação de informação, isto é, participam do processo de interação e engajamento com os usuários. Mas é válido ressaltar que, nosso interesse maior neste momento volta-se para os comentários dos leitores, transferindo o foco para os usuários, e não para o conteúdo noticioso dos jornais. Isso se estabeleceu em razão de que, com o apoio da literatura, a reação dos leitores em relação às notícias e os seus comentários são importantes, pois criam novos conteúdos dentro do espaço em rede. A fase empírica está dividida da seguinte maneira: primeiramente, será feita uma coleta manual e diária de todas as notícias relacionadas à cobertura eleitoral publicadas nas fanpages de ambos os jornais (Clarín e Estadão) durante o período citado. Com isso, deseja-se compor uma amostra expressiva e bastante para a análise de conteúdo quantitativa. Em seguida, para o estudo e análise das informações, os links das notícias serão transferidos para um software de raspagem de dados, que nos fornecerá o conteúdo que interesse para esta pesquisa, que seria os comentários dos leitores nestas páginas. O objetivo é decodificar essas características, utilizando-se de ferramentas estatísticas para nos auxiliar com a próxima etapa, que é qualitativa. Na terceira etapa faremos um estudo comparativo entre os comentadores das páginas de Facebook, considerando o que há de comum e as diferenças entre eles. Portanto, a partir do resultado da categorização automatizada, a pesquisa contará também, com a análise qualitativa. Analisaremos as informações contidas nos comentários dos leitores e, com apoio da literatura, interpretar em que condições os comentários políticos se dão na web, mais especificamente, na página do Facebook de dois jornais.

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Referências CARVALHO, Fernanda Cavassana; CERVI, Emerson Urizzi. Mais Populismo, Menos Representatividade: Monitoramento e Lógica Populista da Comunicação Política em Redes Sociais Online. Revista Estudos Políticos: a publicação semestral do Laboratório de Estudos Hum(e)anos (UFF). Rio de Janeiro, Vol.9 |N.1, pp. 86 -103, julho de 2018. Disponível em:http://revistaestudospoliticos.com/ CLETO, Murilo Prado; CORRÊA, Murilo Duarte Costa. A hipótese bolsonarista: as trincheiras e as linhas. Lugar Comum, Rio de Janeiro, n. 54, p.266-290, jul. 2019. Disponível em: <http://uninomade.net/wpcontent/files_mf/1564694757Revista%20Lugar%20Comum%20n.%C2%BA%2054.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2019. FOLHA DE S.PAULO. Após reprovação recorde, Temer encerra governo com rejeição em queda, mostra Datafolha. 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/12/apos-reprovacao-recorde-temer-encerragoverno-com-rejeicao-em-queda.shtml>. Acesso em: 27 dez. 2018. LAGES, Victor. Agendamento Colaborativo: O estudo da agenda-setting a partir de dados na era digital. 2016. Disponível em: <http://portalintercom.org.br/anais/nacional2016/lista_area_DT1-TJ.htm>. Acesso em: 11 out. 2018. MACHADO, Elias. Sistemas de Circulação no Ciberjornalismo. Eco-pós, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p.21-37, 2008. MASSUCHIN, Michele Goulart; CARVALHO, Fernanda Cavassana de; MITOZO, Isabele Batista. Eleições, radicalização e redes sociais: os comentários no Facebook durante a disputa presidencial em 2014. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 40., 2016, Caxambu. Anais.Caxambu: Anpocs, 2016. p. 1 – 28. MASSUCHIN, Michele Goulart; MITOZO, Isabele Batista; CARVALHO, Fernanda Cavassana de. Eleições e debate político on-line em 2014: os comentários no Facebook do jornal O Estado de S. Paulo. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 23, p.295-320, maio/ago. 2017 ORTELLADO, Pablo. Los brasileños leen Facebook: Izquierdas y cultura política digital. Nueva Sociedad: democracia y política en América Latina, Buenos Aires, n. 269, p.127-136, jun. 2017. TAVARES, Camila Quesada; MASSUCHIN, Michele Goulart. Interesse do público ou entretenimento:que tipo de informação o leitor procura na internet? 2017. Disponível em: <http://www.e-compos.org.br/e-compos/article/view/1338>. Acesso em: 03 jun. 2018.

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Manifestações digitais em democracias monitoradas: análise comparativa de comentários dirigidos a instituições políticas e sociais brasileiras no Facebook Fernanda Cavassana1 Universidade Estadual de Ponta Grossa / Universidade Federal do Paraná

Resumo: O trabalho analisa as manifestações dos cidadãos em publicações de diferentes páginas na rede social on-line Facebook, tendo como principal embasamento teórico a perspectiva sobre o monitoramento democrático e a discussão sobre efeitos da abundância comunicativa contemporâneos. O objetivo é comparar os diferentes tipos de interação e a manifestação monitora por diferentes tipos de instituições monitoradas. Os resultados iniciais mostram diferenças significativas entre as manifestações, no que diz respeito ao volume e tipos de conteúdo manifesto. Em relação ao monitoramento dessas instituições, observa-se que no geral ele se dá em um nível baixo, mas algumas instituições chegam a ser significativamente mais monitoradas que as outras, como, principalmente, os partidos políticos e as instituições estatais. Palavras-chave: democracia monitorada; abundância comunicativa; manifestações digitais; comentários; Facebook.

1. Introdução Este é um trabalho2 empírico que se dedica a analisar as manifestações dos cidadãos a instituições políticas e sociais na contemporaneidade. Um dos objetivos da pesquisa da qual ele foi recortado é a investigação de interações digitais entre representados e representantes a partir da perspectiva normativa de Keane (2010; 2018) sobre as democracias contemporâneas, que passam a se caracterizar como monitoradas. Para viabilizar empiricamente a análise, optou-se por investigar um ambiente comunicativo compartilhado pelas pessoas e pelas instituições: as redes sociais on-line. A pesquisa de doutoramento da autora, desenvolvido no PPGCP da UFPR, tem como norte a seguinte questão: de que forma os monitores independentes se manifestam a instituições representativas da democracia brasileira por meio de comentários em redes sociais on-line? Cabe destacar que se estuda um número considerável de comentá1

Professora de Jornalismo da UEPG. Doutoranda em Ciência Política na UFPR. Pesquisadora do CPOP. E-mail: cavassanaf@gmail.com. 2 Como parte de uma pesquisa maior, versões anteriores e complementares deste paper já foram apresentados pela autora em outros eventos acadêmicos (como Compolítica 2019) e estão publicados em seus respectivos anais. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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rios feitos ao longo de um ano nas postagens de doze diferentes instituições democráticas – consideradas aqui algumas políticas, estatais, mas também algumas oriundas da sociedade, como veículos de imprensa. A partir disso, o paper se divide em apresentar, sucintamente, a perspectiva teórica, os procedimentos metodológicos, a análise de parte dos dados e, por fim, as conclusões da análise.

2. Embasamento teórico Democracia monitorada é “uma nova forma histórica de democracia, uma variedade de políticas e governos 'pós-eleitorais' definidos pelo rápido crescimento de muitos tipos diferentes de mecanismos democráticos e extraparlamentares de controle do poder” (KEANE, 2015, p.79-80). Segundo Keane (2010), a ação de monitorar é compreendida como o processo de fiscalizar sistematicamente o conteúdo ou a qualidade de algo, entre outros significados vinculados à ideia de alerta. Portanto, vincula-se a cobrança e vigilância. Aplicada às democracias representativas, diz respeito ao acompanhamento, questionamento, cobrança e críticas constantes das atividades, das instituições, dos atores e temas políticos. A democracia monitorada se caracteriza por instabilidades políticas e de representação, com alterações na organização das relações político-sociais que, ao contrário, deveriam se fortalecer e se tornarem cada vez mais estabilizadas com o amadurecimento democrático. Segundo Keane (2010), tais instabilidades justificam a atenção que tem que ser dada às democracias monitoradas, por ser um estágio que gera efeitos à institucionalização política das democracias representativas e que pode afetar a qualidade dela. Além de destacar que dentro e fora do Estado surgem monitores independentes que podem gerar efeitos tangíveis nas instituições, Keane (2010) ressalta como essas “novas instituições” surgem a todo o momento em nome do “povo” e como a democracia tem sido compreendida como “estilo de vida”. Assim, os monitores sociais tendem a se embasar no próprio poder democrático para contestar as instituições. Esse monitoramento também se dá individualmente na dimensão do cidadão, que passa a assumir a função de monitor (SCHUDSON, 1998). Considera-se que os cidadãos mais jovens procuram formas e experiências não institucionalizadas e independentes para debater e participar politicamente (HOOGHE; DEJAEGHERE, 2007). Nes-

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se sentido, o monitor é um “vigilante” que se manifesta em relação a determinados temas de forma individual, sem a intermediação coletiva ou institucional. É o comportamento também identificado por Manin (2013) e Cheresky (2015), ao exporem a maior participação direta do cidadão com a esfera política na contemporaneidade. No entanto, Keane (2018, p.14) ressalta que a monitory democracy não deve ser confundida com as perspectivas deliberativa e participativa sobre a democracia, pois não se trata de ver os indivíduos tentando defender seus argumentos e reinvindicações morais e políticas com base em razões, tampouco debater com outros, bem como não buscam exercer o direito de participar das tomadas de decisões. Democracia monitorada trata-se de uma relação contínua entre cidadãos e seus representantes em uma multiplicidade de ambientes e formas. Quando se manifestam individualmente, os cidadãos se dirigem às instituições para questioná-las sobre suas ações e processos, bem como sobre situações de decisão ou acerca de temas em evidência nas agendas pública e política. Chegando a humilhar os atores em cargos de poder (KEANE, 2018). Como Keane (2010) trata das mudanças nas democracias por uma perspectiva histórica, a compreensão desse novo estágio está estritamente ligada ao crescimento de sociedades saturadas por múltiplos meios de informação, o que também é debatido por outros autores (FEENSTRA, 2012; CHERESKY, 2015). É o que Keane (2010) define como “abundância comunicativa”, um cenário de comunicação social consolidado a partir da segunda metade do século XX e que se potencializa no século XXI, na era digital e que abriga um “sistema de dispositivos de mídia sobrepostos e interligados” (KEANE, 2015, p.2) e exacerba os fluxos comunicativos, inclusive com a esfera política. A tematização do debate público, fundamental para a formação da opinião social (LUHMANN, 2009), deixou de ser organizada pelas instituições representativas mediadoras, como os partidos, a mídia e os demais movimentos sociais tradicionais. Além disso, os cidadãos passaram a tratar como questões públicas determinados assuntos que antes eram restritos à agenda política, como relações partidárias e governamentais. A abundância comunicativa e o monitoramento democrático são, portanto, pertinentes à sociedade da transparência e do controle (HAN, 2017). Destaca-se ainda outra característica da democracia monitorada é a qualidade da sua política ser “viral”. No que diz respeito ao debate público, Keane (2010) destaca que não é a política que perde importância nas relações entre as instituições e os atores

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democráticos, pois a disputa e o conflito mantêm-se em jogo. O que se evidencia é a complexidade e dinamicidade de como isso passa a ser discutido e o fato de sempre haver algo a ser discutido. Às vezes são temas políticos menores, às vezes mais complexos. Sobre as relações entre os representantes e representados, Keane (2010) aponta que a “viralização” das discussões políticas satura ainda mais as instituições, que passam a lidar cada vez mais com cobranças, de diversas origens e muitas vezes muito distantes delas – um exemplo são os ambientes comunicativos extremamente interativos como as redes sociais on-line. John Keane (2010; 2015; 2018) tem desenvolvido, abordado e aprofundado sua teoria sobre as mudanças democráticas em diversas obras, especialmente para difundir a relação da abundância comunicativa com a formação das democracias monitoradas. Esse percurso já levou a alguns debates acadêmicos sobre a pertinência, qualidades e limitações da perspectiva keneana de se abordar as democracias contemporâneas (MARJORIBANKS, 2015; MENDONÇA; GOMES, 2015; BANG, 2015) e a alguns trabalhos que aplicaram empiricamente sua abordagem, tanto em relação às instituições monitoras (ZALLER, 2003; SCHUDSON, 2010), quanto ao comportamento dos cidadãos que atuam como monitores independentes, especialmente em âmbitos on-line (VAN DEN HOVEN, 2005; CERVI; CARVALHO, 2018). Schudson (2010; 2016) é um dos pares que explora questões acerca do estágio de monitoramento democrático em algumas de suas publicações. É neste autor que Keane se inspira para definir o conceito monitory democracy. Schudson (1998) apresenta o comportamento monitor como uma nova forma cívica de participação política dos americanos, que passam a acompanhar as atividades da esfera de poder e atuar na cobrança das instituições quando pertinente. O comportamento monitor do cidadão é marcado, assim, pela atuação de vigilância no ambiente em que ele e as instituições estão inseridos, não necessariamente coletando informações para obter conhecimento sobre aquilo que acompanha (SCHUDSON, 1998), mas chamando a atenção das mesmas quando acham necessário. Nota-se, assim, que a postura do cidadão monitor é pertinente ao comportamento dos indivíduos na esfera digital, incluindo redes sociais como o Facebook em que há o maior contato com as instituições. Diante disso tudo, como Keane (2015) defende, há a necessidade de investigações acerca da democracia sob novos aspectos e abordagens, inclusive metodológicas,

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que considerem essas mudanças, comunicativas e representativas. O autor ainda destaca a lacuna de estudos que avaliem empiricamente as questões discutidas por ele sobre o monitoramento democrático (KEANE, 2018). Assim, busca-se contribuir metodologicamente com uma categorização dessas manifestações, tanto pela aplicação empírica embasada por uma discussão teórica ainda muito normativa como a de Keane, quanto pela eminência de estudos sobre participação não convencionais em ambientes como as das redes sociais on-line, que possuem diversas peculiaridades diante de outras ferramentas digitais mais apropriadas para a deliberação e participação dos civis em rede. É importante ressaltar, então, que o monitoramento aqui se refere à ação de acompanhamento da instituição em um canal de comunicação que possibilita essa interação com o público. Não se trata, portanto, de afirmar um monitoramento da fanpage propriamente dita, mas das instituições democráticas que passam por uma conjuntura de crise de representatividade e desconfiança por parte da sociedade. Também não é objetivo da pesquisa o estudo da RSO Facebook, mas as interações entre os representados e seus representantes.

3. Metodologia A pesquisa trabalha com um corpus de 550.833 comentários feitos a 60.898 publicações no Facebook, ao longo de um ano, nas fanpages oficiais de instituições democráticas brasileiras de diferentes esferas de representação, aqui divididas em quatro conjuntos. No que diz respeito às entidades selecionadas, do grupo “estatal”, são escolhidos órgãos que compõem o Estado em âmbito federal: Planalto; Senado Federal; Câmara dos Deputados. Do grupo social-estatal, três dos principais partidos políticos: MDB; PSDB; PT. Representantes tradicionais da esfera social formam o terceiro grupo, com empresas midiáticas e jornalísticas: Portal de notícias G1; Folha de S.Paulo; Estadão. Por fim, o grupo novo social é composto por novas instituições sociais, movimentos oriundos do século XXI, sendo selecionadas: Agência Pública; Mídia Ninja e MBL. A coleta, via Netvizz (RIEDER, 2013), deu-se semanalmente, considerando posts publicados entre 01 de junho de 2017 e 31 de maio de 2018 nas doze fanpages selecionadas. Optou-se pelo recorte temporal de um ano para se apreender um grande volume de manifestações dos cidadãos e para que a análise não fosse enviesada por al-

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gum período específico que mobilize maior participação ou publicações de temas políticos específicos, como nos períodos de campanhas eleitorais. Em relação aos comentários, foram considerados primeiramente aqueles feitos até sete dias após o post. Depois, a seleção se deu nos comentários que mencionavam textualmente a entidade responsável pela publicação. Isso é relevante porque é a estratégia traçada nesta pesquisa para considerar tais comentários como monitores, pois os mesmos fazem referência explícita à instituição, seja se manifestando diretamente a elas, seja tecendo comentários sobre as mesmas aos outros participantes naquela rede. Já para a análise do conteúdo manifesto, optou-se metodologicamente pela análise de conteúdo automatizada, a partir da análise léxica, com auxílio do software Iramuteq e seguindo as estratégias propostas por Cervi (2019; 2018). Em trabalho anterior, é possível acompanhar com detalhes a criação das categorias temáticas dos comentários monitores, bem como exemplos textuais das manifestações (CARVALHO, 2019). A partir dessa categorização, a metodologia de análise é estatística, buscando principalmente quantificar esse comportamento monitor, bem como compará-lo de acordo com os grupos dos diferentes níveis de representação e institucionalização. Os dados são expostos e analisados na próxima seção.

4. Análise dos dados A primeira análise a ser feita é a quantidade de comentários classificados como monitores – aqueles que fizeram menção às respectivas instituições – nos quatro grupos de páginas. O primeiro destaque é que o grupo formado pelas imprensas de comunicação tradicional possui quase 13 dos 27,4 milhões de comentários obtidos, enquanto os partidos políticos totalizaram apenas 2 milhões de manifestações desse tipo em seus posts. Considerando as diferenças internas e o trabalho com duas variáveis nominais, opta-se por comparar os grupos por meio do teste de resíduos padronizados. A principal informação fornecida pela tabela é de que, comparativamente, o grupo social-estatal, dos partidos políticos, é o mais monitorado. Chegando a quase cinco por cento dos comentários que tais páginas recebem, esse tipo de manifestação no Facebook representa o mais que o dobro de pontos percentuais do monitoramento total. Por sua vez, o grupo formado pelas instituições tradicionais da esfera social é o que mais reúne, comparativamente, comentários não monitores. Uma das explicações Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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para isso pode ser o fato de as instituições midiáticas utilizarem mais as RSO para circulação de suas publicações, podendo reunir mais comentários temáticos ou estimulando a conversação entre os comentários sobre os eventos pautados.

Tabela 1 – Tipo de comentário por grupo de instituições (N, % e RP) grupo Estatal Social-estatal

Comentários monitores Count

Perc. Std. Residual

85.163

2,61

98.165

4,83

Social trad.

185.953

1,44

Novo social

181.552

1,96

Total

550.833

2,01

Outros comentários Count

Perc. Std. Residual

Total

76,52

3.179.010

97,39

-10,96

284,12

1.932.257

95,17

-40,68

2.030.422

-142,87 12.688.249

98,56

20,46

12.874.202

9.071.388

98,04

1,43

26.870.904

97,99

-10,01

3.264.173

9.252.940 27.421.737

Fonte: autora (2019)

Ainda de modo comparativo, pela razão entre os resíduos padrões, afere-se que se monitora 3,7 vezes mais os partidos políticos que as páginas estatais. Para o grupo intitulado “novo social”, não há concentração nem ausência significativa de comentários de outros tipos (rp<|1,96|). Isso quer dizer que a quantidade de comentários não monitores (9 milhões) aproxima-se daquilo que se esperaria se houvesse independência de associação entre os grupos e os tipos de comentários. A próxima tabela traz as estatísticas descritivas das curtidas que os comentários monitores receberam em todas as páginas. Trata-se de uma informação complementar sobre como essas manifestações são recebidas por outros usuários na seção dos comentários. De forma sucinta, destaca-se que a média de curtidas de cada tipo de comentário monitor é muito baixa, 3,19.

Tabela – Totais e média de curtidas dos comentários monitores

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Soma Tema Monitor

Máximo

Dif.Média total 3,87 0,68

Média

Agenda

165.679

10.683

Valores

122.817

9.416

4,21

1,02

Função Inst.

207.551

5.230

2,82

-0,37

Insultos

109.622

2.848

1,85

-1,34

Online

58.568

4.383

4,64

1,45

Total

664.237

3,19

Fonte: autora (2019)

Manifestações monitoras sobre as funções institucionais não geram tantas curtidas, menos que a média total. Os comentários que se direcionam às instituições com conteúdo pejorativo apresentam ainda menos interações, não chegando à média de 2 curtidas. Quando observa-se o máximo, também verifica-se menor quantidade de likes num único comentário. Já aqueles que recorrem a cobrar as expectativas de atuação das instituições nos ambientes on-line, são os que apresentam maior diferença positiva de média diante do total, o que indica reforço à posição. A próxima etapa da análise traz a comparação desses tipos de comentários monitores com os grupos das fanpages.

Tabela 3 – Coeficientes da relação entre as variáveis chi-square

76.836,785

p-value

0,000

Cramer's V

0,343

Fonte: autora (2019)

A tabela 3 indica a significância estatística da relação dado o elevado quiquadrado e p<0,001. Ainda que a associação entre grupos e tipos de comentários monitores tem magnitude mediana 34,3%, e o efeito da independente (grupo) sobre a variação do tipo de monitor é de 12% (v² = 0,12). Indicada a significância da relação, passa-se a verificar como dá a diferença de distribuição entre as categorias. Com os resíduos padronizados, a tabela abaixo indica a concentração e a ausência significativa da relação entre as categorias. Para facilitar a análise, novamente, as células estão coloridas. As principais informações são a de que há um monitoramento sobre as expectativas de atuação online das instituições estatais e Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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que o grupo social tradicional reúne os monitoramentos expressos por meio de insultos. Já a função social e valores são temas recorrentes, principalmente, nas manifestações monitoras do novo social, enquanto agenda, monitoramento mais temático no que diz respeito aos temas em evidência no debate público, é evidenciado como tema principalmente nas páginas mais institucionalizadas do Estado, os grupos de partidos e órgãos estatais.

Tabela 4 – Tema do comentário monitor por grupo de instituições (N e RP) grupo Social Socialtrad. estatal

Novo social Tema Agenda Monitor Valores

Função Inst.

Count Std. Residual Count Std. Residual Count

Std. Residual Insultos Count

Online

Total

Estatal

6.220

14.766

11.133

10.743

-65

-8

57

50

14.323

8.576

3.742

2.561

50

-21

-11

-29

33.414

15.883

15.373

8.999

62

-68

39

-23

16.631

37.157

2.894

2.487

Std. Residual Count

-19

105

-64

-70

0

3.541

0

9.095

Std. Residual Count

-64

-16

-44

161

70.588

79.923

33.142

33.885

Total 42.862

29.202

73.669

59.169

12.636

217.538

Fonte: autora (2019)

Dando continuidade às relações entre os grupos de instituições e a tipologia dos comentários monitores, o gráfico 1 traz a múltipla correspondência, também considerando a variável “fanpage”. Distribuídos no plano fatorial, os pontos que se aproximam indicam correspondência entre as categorias, e aqueles que se distanciam, a nãocorrespondência. A dimensão 1 é mais significativa, indicando as distâncias horizontais como as mais relevantes para análise. Torna-se, então, visível a concentração das manifestações monitoras de temática on-line junto ao grupo de páginas estatais; o de insultos com o grupo social tradicional, aquele das empresas midiáticas, e o novo social próximo, principalmente, dos monitores Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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pautados por valores. Outra característica visual a se destacar é como os grupos se distribuem nas extremidades do gráfico, cada um em um quadrante.

Gráfico 1 – Múltipla correspondência

Fonte: autora (2019)

Ressalta-se que aqui na múltipla correspondência as categorias “nenhum” e “mais de um” para a temática do monitor aparecem – o que não acontecia na análise de resíduo padronizado – e representam comentários que não continham, textualmente, os principais termos dos clusters que embasaram a criação da tipologia e classificação temática dos monitores. A partir disso, verifica-se que manifestações monitoras mais diversificadas em conteúdo correspondem mais ao grupo social tradicional e os sem categorização temática (nenhum para tipologia) mais próximos do grupo dos partidos políticos, ambas observações dadas pelos quadrantes em que se encontram os pontos.

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5. Conclusão Em conjunturas de abundância comunicativa, como a contemporânea, não só os fluxos, as redes e as interações se acentuam e se intensificam, como também as próprias relações, sociais, políticas e representativas. Diversos processos que antes eram mais centralizados e institucionalizados, como a organização do debate público, a confiança nas instituições e nos atores representativos, passam a 1idar, entre outras coisas, com o monitoramento individual e direto dos cidadãos. Sem necessariamente indicar causalidade ou dependência, essas são algumas características elencadas por Keane (2010; 2018) sobre as monitory democracies – perspectiva normativa adotada como ponto de partida da pesquisa, cujo recorte foi exposto aqui. O que os dados expostos aqui mostram, no caso brasileiro, e dentro dos limites de interações e das manifestações nas redes sociais on-line, como o Facebook, é que esse monitoramento é mínimo, frequente em apenas 2% das interações via comentários. A definição do comentário monitor é relevante aqui, pois apurar o monitoramento nas interações, requer uma distinção entre as manifestações sobre temas, sobre os posts e aquelas que de fato se dirigem ou abordam as instituições. Por isso, a escolha metodológica de se observar comentários e o conteúdo manifesto neles. Outras conclusões dizem respeito aos tipos de comentários monitores que mostraram distinções dos conteúdos de monitoramento. Ora voltados às funções institucionais dos representantes, ora mais vinculado às agendas em evidência. Verificou-se que os partidos políticos são comparativamente mais monitorados, seguidos dos órgãos de Estado. Também que empresas do Jornalismo correspondem a um monitoramento mais pejorativo, com os comentários com insultos. Já o monitoramento de novas representações sociais – como MBL e Mídia Ninja – reúne conteúdos embasados em valores, sejam eles políticos, morais ou ideológicos.

Referências BANG, Henrik Paul. "John Keane: communicative abundance and hybrid politics." Democratic Theory, vol. 2, n. 2, 2015, p. 97-102.

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Maioridade penal em pauta: as conversações políticas sobre a redução da idade penal na fanpage do Senado Federal brasileiro entre 2015 e 2017 Rafaela Mazurechen Sinderski1 Universidade Federal do Paraná Resumo: Esta pesquisa se coloca como um estudo exploratório das conversações políticas online sobre a redução da maioridade penal, encontradas em comentários feitos em postagens sobre o tema no site de rede social Facebook. A fanpage estudada é a do Senado Federal, devido ao trâmite da PEC 171/1993, dentro de um recorte temporal que tem início em 2015 e finda em 2017. A pergunta que norteia o trabalho é: quais são as perspectivas temáticas presentes nas conversações políticas online sobre redução da maioridade penal, desenroladas na fanpage do Senado brasileiro? O corpus da pesquisa contém 28.925 comentários, submetidos a uma análise de conteúdo automatizada, auxiliada pelo software Iramuteq (CERVI, 2018, 2019). Os resultados apontam para três principais perspectivas relacionadas ao tema. A mais significativa é aquela que articula questões relacionadas às propostas de redução da idade penal. Palavras-chave: Conversação política online; redução da maioridade penal; Senado Fe-

deral; Facebook.

1. Introdução Considerada por Maia e colegas (2017) como uma “questão sensível” de interesse público, a redução da maioridade penal tem sido tema de debates no Congresso Nacional brasileiro há pelo menos trinta anos. As primeiras Propostas de Emenda à Constituição (PECs) com esse fim apareceram já em 1989, um ano após a promulgação da Constituição Cidadã, que prevê, em seu artigo 228, a inimputabilidade de jovens menores de 18 anos (BRASIL, 1988). Décadas depois, em 2015, uma proposição voltada à mudança da idade penal foi aprovada na Câmara dos Deputados. A PEC 171/1993 passou pelos dois turnos da casa parlamentar e começou a tramitar no Senado Federal, aguardando, desde então, o parecer de sua casa revisora. Fora do parlamento, o tema, que tange questões como juventude e violência, também ganha espaço em outras esferas da sociedade. Entre os cidadãos comuns, pode se tornar substrato para conversações políticas cotidianas. Estas consistem em uma for1

Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná. Bolsista CAPES. Integrante do grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP). E-mail: rafaelasinderski@gmail.com.

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ma de interação que ocorre fora dos espaços formais de deliberação e possibilita a elaboração, por parte dos cidadãos, de argumentos e percepções acerca de questões de interesse público (MANSBRIDGE, 1999; BENNETT, FLICKINGER E RHINE, 2000; CONOVER E SEARING, 2005; KIM E KIM, 2008; MARQUES E MAIA, 2010; MAIA ET AL, 2016; MARQUES E MARTINO, 2016). Com a popularização da internet e de suas ferramentas, as plataformas online, como os sites de redes sociais, tornaram-se espaços para essas conversações, abrigando, de acordo com Mendonça, Sampaio e Barros (2016), a discussão de assuntos socialmente relevantes, tais quais a alteração no limite de imputabilidade penal. Tendo em vista esse contexto, esta pesquisa se coloca como um estudo exploratório das conversações políticas online sobre a redução da maioridade penal. A plataforma escolhida para o estudo é o Facebook, que permite que uma amplitude de usuários discuta e se posicione sobre diferentes assuntos por meio de comentários feitos em postagens do site de rede social. A fanpage observada é a do Senado Federal, devido ao trâmite da PEC 171/1993, dentro de um recorte temporal que tem início em 2015, quando a proposta foi encaminhada à casa parlamentar, e finda em 2017, ano da mais recente postagem da página sobre a temática. A pergunta que norteia o trabalho é: quais são as perspectivas temáticas presentes nas conversações políticas online sobre redução da maioridade penal, desenroladas na fanpage do Senado brasileiro? Ao todo, foram encontradas vinte publicações sobre o tópico, formando um corpus de 28.854 comentários, submetidos a uma análise de conteúdo automatizada, auxiliada pelo software de análise lexical Iramuteq (CERVI, 2018, 2019). A partir deste ponto, o trabalho é dividido em cinco partes. A primeira faz uma breve revisão sobre a conversação política cotidiana e sua presença em espaços online. A segunda aborda a questão da redução da maioridade penal no Brasil, trazendo sua definição e os contextos políticos que permeiam sua discussão. Em seguida, são apresentadas as estratégias metodológicas utilizadas na pesquisa e, por fim, é feita a análise dos dados e são expostas as considerações finais deste paper.

2. A conversação política cotidiana online Autores como Mansbridge (1999), Conover e Searing (2005), Kim e Kim (2008), Marques e Maia (2010) e Marques e Martino (2016) afirmam que a conversação cotidiana – vista, de forma geral, como uma interação que se desdobra em contextos inPrograma de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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formais e rotineiros – pode ser importante para a discussão sobre assuntos de interesse público, já que permite que cidadãos comuns engajem-se em tais questões, elaborem seus pontos de vista e ampliem seus conhecimentos sobre determinados temas políticos, como a redução da maioridade penal. Diferenciando-se da deliberação, que é regida por regras restritas e iniciada com um objetivo claro de chegar a uma decisão a respeito de determinado assunto, a conversação cotidiana não teria outro fim que não o da própria conversação (MANSBRIDGE, 1999). Ela não teria a obrigação de atingir os critérios deliberativos como, por exemplo, a sustentação racional dos posicionamentos individuais (MARQUES E MARTINO, 2016), nem de ser “cuidadosa, séria, racional, guiada por normas e voltada para um objetivo comum”, conforme pontuam Marques e Maia (2010, p. 147). Seu papel envolve a troca de informações e argumentos entre cidadãos, com teor tanto pessoal quanto político, sendo encarada por autores como Kim e Kim (2008) como um passo anterior, de preparação, à deliberação de fato. Sabendo, então, que as conversações políticas podem surgir especialmente em contextos informais, ambientes não desenhados para o debate político, como os sites de redes sociais, podem vir a abrigar tais interações (MENDONÇA, SAMPAIO E BARROS, 2016). Maia e colegas (2016), inclusive, afirmam que essas conversações podem ser enriquecidas por recursos disponibilizados online. É que, nesses ambientes digitais, as pessoas poderiam relatar suas histórias e compartilhar seus pontos de vista de maneira mais simples e rápida, mesclando motivações políticas com estímulos afetivos (MARQUES, 2011). Mendonça, Sampaio e Barros (2016, p. 10) acreditam que não há, atualmente, discussão de tema socialmente relevante que não passe de modo significativo por espaços como as redes sociais na internet. Tendo isso em vista, esta pesquisa ocupa-se das conversações políticas sobre a redução da maioridade penal que se desdobram no Facebook. A seção a seguir expõe alguns pontos importantes sobre o tema na sociedade e na esfera política brasileiras.

3. A redução da maioridade penal: definições e contextos No Brasil, a inimputabilidade de crianças e adolescentes é prevista no artigo 228 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Seu texto diz que menores de 18 anos

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não respondem por crimes/contravenções previstos no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940) (BRASIL, 1940), na Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941) (BRASIL, 1941) e em outras leis penais contempladas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Eles estão sujeitos às normas da legislação especial, amparadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei n° 8.069/1990) (BRASIL, 1990). Contudo, é antiga a discussão sobre uma mudança nesse limite de imputabilidade. O debate teve início logo em 1989 – com a apresentação da primeira Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o assunto, elaborada pelo então deputado federal Nyder Barbosa (MDB-ES) – e somou, em cerca de trinta anos, 75 propostas no Congresso Nacional. Ao longo desse tempo, o público se mostrou majoritariamente a favor da mudança. Em pesquisa sobre segurança pública lançada em 2017, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontou que 90% da população brasileira defendia que adolescentes autores de infrações análogas a crimes hediondos fossem julgados como adultos e 85% mostraram-se favoráveis à redução da maioridade penal. Permeado pelo medo que o brasileiro tem da criminalidade, o debate sobre a questão costuma assumir contornos de combate à violência no país (CUNHA, ROPELATO E ALVES, 2006; PIMENTEL, 2015; SILVA E OLIVEIRA, 2015; ALVES, 2018). Apesar do histórico de discussão sobre o assunto, a sociedade brasileira deu, verdadeiramente, um passo em direção à redução da maioridade penal em 2015. Foi nesse período que a PEC 171, apresentada em 1993 pelo deputado federal Benedito Domingos (PP/DF), conseguiu a aprovação na Câmara dos Deputados. Em seu texto original, ela propunha a imputabilidade penal de jovens a partir dos 16 anos. Mas, após modificações, passou a prever a redução apenas em casos de crimes considerados hediondos. Jair Bolsonaro, à época deputado federal pelo Rio de Janeiro, votou a favor do projeto. Em 2018, ano em que foi eleito Presidente da República pelo Partido Social Liberal (PSL), ele apontou, em seu programa de governo, a redução da maioridade penal como medida de segurança pública. Como a PEC aprovada tramita, atualmente, no Senado Federal, essa foi a página escolhida para a análise de conversações sobre a mudança da idade penal. No tópico seguinte, as estratégias que guiaram tal análise são apresentadas.

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4. Estratégias metodológicas Este paper segue a proposta metodológica de Cervi (2018, 2019) para análise de conteúdo automatizada de textos em redes sociais online, realizada com auxílio da interface para o pacote estatístico “R” chamada Iramuteq. Tal análise tem, como uma primeira etapa, a identificação de grupos temáticos em determinado corpus textual, formados pelo método de Reinert (1990), também chamado de Classificação Hierárquica Descendente (CHD). Na explicação de Cervi (2018, p. 9), a CHD, que é um recurso para análise lexical oferecido pelo Iramuteq, produz clusters a partir da “identificação dos termos que mais aparecem e que se aproximam entre si nos textos e, portanto, formam classes de termos com homogeneidade interna”. Essas classes permitem que o pesquisador identifique contextos a partir de vocabulários específicos presentes no material estudado (CAMARGO E JUSTO, 2013) e forme categorias para análise “com menor interferência possível de subjetividades do pesquisador” (CERVI, 2018, p. 8). Ou seja, o estudo não exige a formação prévia de livro de códigos, tornando-se, conforme aponta Lahlou (1994), mais eficaz por levar em consideração os traços pertinentes do conteúdo analisado. O próximo passo para a análise, depois da classificação do conteúdo pelo método de Reinert (1990), é identificar os termos estatisticamente significativos de cada cluster e agrupá-los em categorias que façam sentido analítico (CERVI, 2018, 2019). Verificando a presença desses termos no corpus estudado, deve-se distribuir os textos entre as categorias formadas. Segundo Cervi (2018, p. 14), essa categorização funciona porque as palavras apresentadas pela CHD são características de cada uma das classes, o que é alcançado por meio da aplicação do teste estatístico χ2 de Pearson, que “mede se a presença de um termo em um cluster é estatisticamente diferente da presença do mesmo termo em outros clusters” (CERVI, 2018, p. 14). Nesta pesquisa, o corpus submetido à análise de conteúdo automatizada é formado por 28.854 comentários retirados de postagens sobre a redução da maioridade penal, feitos na página de Facebook do Senado Federal. A fanpage publicou 20 posts sobre o tema, ao longo de um recorte temporal que tem início em 2015, ano da aprovação da PEC 171/1993 na Câmara dos Deputados – e, consequentemente, ano em que a proposta passou a tramitar no Senado –, e fim em 2017, data da última publicação que a página

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fez sobre a questão. Na Tabela 1, pode-se ver a distribuição de postagens e comentários por ano. Tabela 1 – Postagens e comentários por ano

Postagens Comentários

2015

2016

2017

Total

15

2

3

20

16.222

7.940 Fonte: autora (2019)

4.692

28.854

Para o corpus estudado, a CHD ofereceu três clusters, conforme mostra a Figura 1. O primeiro (vermelho) trata da questão a partir de uma perspectiva educacional, com os termos “escola”, “ensino” e “qualidade”. Os outros dois grupos estão mais próximos entre si: o de número dois (verde) concentra-se na proposta de redução, articulando as palavras “idade”, “crime” e “hediondo”; o terceiro (azul) foca na figura do adolescente em conflito com a lei e no ato infracional, usando “bandido”, “matar”, “vagabundo”, “ente” e “querido”. Figura 1 – Dendrograma com distribuição de termos por classes (CHD), formado a partir do corpus total de pesquisa

Fonte: autora (2019)

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Seguindo as etapas de análise, foram identificados 30 termos estatisticamente relevantes em cada um dos clusters e, de acordo com o contexto que oferecem, tais palavras foram aglutinadas em categorias analíticas que serviram para a classificação dos comentários (Quadro 1). Quadro 1 - Categorias para análise de conteúdo automatizada Classes produzidas pelo algoritmo de Reinert

Termos com x² significativo por classe

CLASSE 1 Integral, escola, ensino, educação, público, professor, qualidade, social, saúde, liberdade, aluno, básico, esporte, período, mídia, política, sistema, renda, segurança, fundamental, necessário, resistência, dignidade, valor, forma, salário, formação, governo, sociedade, investimento.

% de ocorrências Nome das categorias

CLASSE 2

CLASSE 3

Idade, pena, crime, concordar, hediondo, cometer, favor, dever, independente, morte, caso, mínimo, estupro, punir, responder, adulto, julgar, demorar, homicídio, apoiar, ato, latrocínio, roubo, punição, baixar, cadeia, praticar, assassinato, aprovar, gravidade.

Bandido, matar, roubar, filho, pai, assaltar, menor, vagabundo, família, casa, totalmente, morto, mão, querido, ente, dor, vitimar, marginal, cabeça, arma, saber, hipócrita, pivete, mãe, fumar, rua, perder, inocente, defender, bando.

37,5

32

30,5

Educação

Proposta de redução

Juventude e infração

Fonte: autora (2019).

Na próxima seção, são apresentados os resultados da categorização e a análise dos dados obtidos.

5. Análise dos dados Entre as três perspectivas que representam a tônica das conversações sobre redução da maioridade penal na fanpage do Senado, a que mais se destacou foi a relacionada à “proposta de redução”, à frente das demais tanto no número de casos totais quando nas classificações únicas – em que o comentário é enquadrado apenas nessa categoria –, como mostra a Tabela 2.

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Tabela 2 – Classificações por categoria Educação

Proposta de redução

Juventude e infração

% de casos

26,86

81,63

53,55

Nº de casos

5.446

16.550

10.857

% de classificações únicas

3,99

36,80

11,24

Nº de classificações únicas

809 Fonte: autora (2019).

7.461

2.280

Aqui, é importante esclarecer que, dos mais de 28 mil textos analisados, 70,25% puderam ser classificados. Os 29,75% restantes “fugiram” da categorização ou por não abordarem as temáticas formadas pela CHD, ou por apresentarem erros ortográficos que dificultaram a identificação dos termos estatisticamente relevantes dentro dos textos. De acordo com Cervi (2018, 2019), conteúdos provenientes de redes sociais online possuem grande heterogeneidade. Por isso, a existência de uma parcela de comentários não classificados já era esperada. Entre aqueles que receberam classificação, mais da metade (52,04%) encaixou-se em apenas uma classe. Cerca de um terço (33,85%) ficou em duas e somente 14,10% se enquadrou nas três. Dizer que o viés relacionado à “proposta de redução” prevaleceu significa apontar que a maior parte dos comentadores se preocupou em abordar a possibilidade de redução, tratar dos trâmites no Congresso, falar sobre as razões para mudar ou não mudar o limite penal e discutir as possíveis consequências dessas escolhas. Neste comentário de 31 de março de 2015, o autor justifica seu posicionamento pró-redução mencionando o limite de imputabilidade estabelecido por outros países – chamados por ele de “desenvolvidos”. Ao fazer isso, ele critica supostos interesses políticos que impedem a mudança no Brasil: “Quanto drama. Países desenvolvidos tem a maioridade reduzida em alguns casos a 14 anos. Há o claro interesse de promover a perpetuação da criminalidade juvenil e impunidade. É pura demagogia com o interesse de impedir o país de tomar decisões sociais importantes.”. O comentador se aproxima da justificativa de que há leniência no sistema de medidas socioeducativas, o que leva a uma suposta impunidade dos adolescentes em conflito com a lei. Tal argumento é comum entre os defensores da redução, afirma Silva e Oliveira (2015). Entretanto, Estevão (2007) garante que a não responsabilização penal não significa falta de responsabilidade pessoal ou social: os jovens brasileiros já podem,

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a partir dos 12 anos, cumprir medidas socioeducativas que preveem, por exemplo, a obrigação de reparar os danos causados, a prestação de serviços à comunidade e até a internação em estabelecimento educacional. Além disso, a ideia de que a diminuição desse limite leva à redução nos índices de violência é refutada por Lins, Figueiredo Filho e Silva (2016), que analisaram as idades-limite para a imputabilidade e as taxas de homicídio registradas em diferentes países do mundo, concluindo que o estabelecimento de idades penais mais altas se relaciona com índices mais baixos de mortes violentas. Os autores também demonstram que o Brasil se encontra na média mundial de maioridade penal, que é de dezoito anos. A crença de que a aprovação da proposta de redução é resposta para a criminalidade também surge neste comentário, feito em 25 de outubro de 2016: “Como esses parlamentares enrolam, vota logo esse projeto e minimiza essa violência e insegurança que existe em nosso país, devido as ações criminosas desses, tão sábios em direito, jovens infratores.” [sic]. A concepção de que “crime não tem idade” e que algo deve ser feito a respeito da crescente onda de violência que assola o país surge com frequência nos textos classificados como “proposta”. A segunda categoria que mais aparece entre o corpus classificado, presente em 53,55% dos casos totais, é a “juventude e infração”, que cingiu comentários preocupados em discutir a redução da maioridade penal com foco na figura do adolescente em conflito com a lei e em seus atos infracionais. Nesse grupo, os pontos de vista costumam gravitar em torno das capacidades e incapacidades dos jovens autores de infrações, bem como de sua índole e de sua posição enquanto vítima ou não de uma sociedade desigual. “Concordo com você Rafael, a redução não é a solução, irá remediar a curto prazo, somente isso. E sobre a adoção, pois é, eles não estão para adoção, mas quem sabe se tivessem sido adotados teriam uma estrutura familiar descente, e aprenderiam a conquistar pelo caminho certo.” [sic]. O texto, publicado em 8 de setembro de 2015, usa essa perspectiva para se colocar contra a mudança na idade penal. Vê-se que o comentador formula uma espécie de réplica para um discurso, também enquadrado na categoria “juventude e infração”, que é muito utilizado por aqueles que querem a redução e que consiste em uma “sugestão” para que os que discordam da medida adotem, ou levem para suas casas, os adolescentes que cometeram atos infracionais: “‘tratar o efeito e

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não a causa’ blá blá blá.. Peguem um assassino de 16 anos e levem para casa” [sic], diz esse comentário de 1º de abril de 2015. Os posicionamentos que se colocam contra as propostas pela redução também são respondidos, nessa categoria, com narrativas que ressaltam a periculosidade dos adolescentes. Nesses comentários, há apelos para o lado emocional do interlocutor, expostos na construção de situações hipotéticas, nas quais o leitor ou o comentador tornarse-iam vítimas de atos violentos cometidos por jovens. Isso pode ser visto nos exemplos a seguir, de 3 e 4 de abril de 2015, respectivamente: “só quem passou pela situação em vê e sentir na pele uma criança de 16 anos tirar a vida de um pai de família e depois sair rindo e falando que vai matar mais até completar os 18 sabe a importância desta PEC agora quem nunca passou por isso por vir aqui falar besteira.” [sic]; “Cadeira elétrica em criminosos, vagabundos que matam pai de família, quem é contra é pq nunca foi roubado por um pivete armado que te humilha e por pouco não aperta o gatilho e te mata” [sic]. De acordo com o levantamento anual do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) (2018), foram as infrações contra o patrimônio – como roubos e furtos – as que mais levaram adolescentes a cumprir medidas socioeducativas em 2016, seguidas de atos relacionados ao tráfico de drogas. Os homicídios, construídos como atos corriqueiros pelo primeiro comentador, ficaram restritos a 10% das infrações registradas. No período, havia 26.450 jovens cumprindo medidas socioeducativas (SINASE, 2018). Por fim, a categoria “educação”, identificada em 26,86% dos comentários que obtiveram alguma classificação, articulou questões relacionadas à redução da maioridade penal sob um viés educacional, tratando, por exemplo, do sistema de educação brasileiro, do investimento na área e do estudo ou capacitação de forma geral – como neste texto de 31 de março de 2015: “A melhor forma de prevenção para que não cometa erros é trabalhar ou, de preferência, estudar. ‘Quem trabalha não dá trabalho’ e quem estuda cresce.”. Assim como as outras, essa perspectiva também foi usada por ambos os lados: tanto por aqueles que buscavam a redução quanto pelos que gostariam que ela não fosse implementada. Entre os comentadores contra a redução, a educação foi apontada como real solução para o problema da violência. “Contra a reducao! Implementar escola integral e a

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solucao! Entre outras politica que nao reprimem os jovens e sim de ensinamento, saude, emprego, infraestrutura urbana e rural!” [sic], comentário de 20 de abril de 2016. O sistema carcerário do país também foi alvo de críticas desse grupo: “Não concordo! Prisão não vai resolver; só vai piorar a situação... ainda mais com o sistema penitenciário que o Brasil oferece. Acredito que colocando-os num centro de formação e capacitação eles poderiam sim se re-socializar.” [sic], publicado em 23 de outubro de 2017. Já para os internautas pró-redução, investir em educação não é solução suficiente para combater a criminalidade. Há como exemplos: “Se educação sozinha funcionasse não teríamos tantos políticos ladrões, já que a maioria tem ensino superior. Educação é a longo prazo, tem que assistir a várias gerações, até lá devemos ter um paliativo”, postado em 23 de outubro de 2017, e “Educação é medida preventiva. Não dá para prevenir algo que já ocorre com frequência no país. É como dar vacina para quem já está com poliomielite!”, comentário de 25 de outubro de 2017. A Figura 2 apresenta uma Análise Fatorial de Correspondência (AFC), oferecida pelo Iramuteq. Nela, pode-se identificar as distâncias entre as categorias formadas pela CHD. Vê-se que cada um dos clusters ocupa espaços diferentes no quadro, significando que eles representam vieses diferentes nas conversações estudadas, apesar de todas tratarem da redução da maioridade penal. Percebe-se, também, que os grupos verde e azul, “proposta de redução” e “juventude e infração”, aproximam-se mais, mostrando que alguns comentadores podem ter abordado ambas as temáticas em seus textos. Dos 20.271 comentários classificados, 7.944 abordaram proposta e juventude, 4.004 foram educacionais e sobre a proposta e só 3.491 enquadraram-se nas categorias “educação” e “juventude e infração”.

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Figura 2 – Análise Fatorial de Correspondência (AFC)

Fonte: autora (2019)

As informações apresentadas até agora são relativas aos três anos que compõem o recorte temporal estudado. Desagregando os dados por ano, pode-se ver que os comentários de 2016 trataram mais da proposta de redução em comparação com os demais anos (Gráfico 1). Presente em 87,53% dos comentários categorizados no período, a discussão sobre a proposta superou aquela que se desenrolou em 2015, ano de aprovação da PEC 171/1993 na Câmara dos Deputados. A diferença é pequena, algo em torno dos seis pontos percentuais. Ainda assim, o resultado é contra intuitivo, já que se esperava que as conversações mais centradas na proposta ocorressem principalmente em 2015.

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Gráfico 1 – Presença das categorias por ano (%) 87,53 81,01 72,51 58,25 52,87

43,33 30,05

28,08

19,08

2015

2016 Educação

Proposta de redução

2017 Juventude e infração

Fonte: autora (2019)

Curiosamente, as duas únicas publicações do Senado sobre a redução da maioridade penal no ano de 2016 foram postagens com informações sobre a votação da PEC 33/2012, que, em ementa, propõe a possibilidade de desconsideração da inimputabilidade penal de maiores de dezesseis anos em casos específicos, por lei complementar2. O ano de 2016 também apresentou a maior média de comentários por postagem: 3.970. Em 2015, ano com o maior número de publicações e, consequentemente, de comentários, a média foi de 1.081, a mais baixa do período analisado. Já 2017 recebeu uma média de 1.564 comentários por post. Percebe-se que as publicações de 2016 engajaram mais o público, que se envolveu de maneira mais intensa nas conversações da época. De maneira geral, a distribuição das categorias entre os comentários classificados em cada ano é constante. Os três anos apresentaram conversações políticas divididas de forma semelhante, com a perspectiva ligada à proposta de redução dominando todo o recorte temporal. Tal temática condiz com o ambiente onde essas conversações se desenrolam: a fanpage do Senado Federal existe como uma fonte de divulgação das atividades legislativas que ocorrem na casa parlamentar. Logo, faz sentido que os co2

Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106330>. Acesso em 25 ago. 2019.

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mentadores da página estejam preocupados com a discussão acerca da proposição de mudança no limite de penalização. Além disso, é comum que os textos postados pela página perguntem ao internauta qual é seu posicionamento sobre as PECs que tramitam na casa, como neste exemplo, de 25 de outubro de 2016: “A PEC 33/2012 não reduz a #MaioridadePenal, mas permite que pessoas maiores de 16 anos e menores de 18 sejam punidas como adultos em casos específicos. Ela poderá ser votada nesta quarta-feira na CCJ do Senado. Dê sua opinião sobre a proposta.”. Então, o tipo de conversação identificado na classe 2, de “proposta de redução”, é incentivado pela própria fanpage estudada.

6. Considerações finais As conversações políticas sobre redução da maioridade penal desenroladas em postagens sobre o tema, publicadas na página de Facebook do Senado Federal, apresentaram um domínio da temática relacionada à “proposta de redução”. Isso significa que a maioria dos comentários feitos nesse espaço tratam de decisões legislativas – que foram e que deveriam, ou não, ser tomadas –, de razões para mudança ou manutenção do limite de imputabilidade penal no Brasil e das consequências geradas por essa escolha. A perspectiva relacionada à “juventude e infração” também esteve bastante presente nos comentários analisados. Nela, o adolescente em conflito com a lei tornouse o tema central da discussão: pontuações sobre sua conduta, caráter e oportunidades perante a sociedade permearam os textos da categoria. O viés menos abordado pelos comentadores foi o da “educação”: não ultrapassou, em nenhum dos três anos estudados, um terço do corpus categorizado. Considerando as médias de comentários por postagem, obtidas em cada um dos anos observados, tem-se 2016 como o período que mais engajou os comentadores na discussão sobre redução da maioridade penal. Além disso, os dados desagregados por ano mostraram que as conversações sobre o tema mantiveram certa regularidade ao longo do recorte temporal. Entre 2015 e 2017, os comentadores da página tenderam a falar sobre o assunto de formas semelhantes, articulando as três perspectivas apresentadas em proporções bastante similares.

Referências Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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Ideal Role Taking e Reflexividade nas conversações em grupos formados por mulheres no Facebook Luciane Leopoldo Belin1 Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Resumo: Um dos critérios normativos para a deliberação, a reflexividade é compreendida como a disposição dos participantes de levar em conta os argumentos dos demais debatedores ao formular os seus próprios posicionamentos. Para observar a presença desta característica nas conversações entre mulheres em ambientes fechados e online, este artigo analisou comentários de postagens no grupo “Das Minas - Rede Colaborativa Para Mulheres” na primeira quinzena de agosto de 2019. Relacionando este critério com a ideia do Ideal Role Taking, um esforço empático de se colocar no lugar do outro ao participar de um debate, foi identificado um alto teor respeito implícito nas conversas, disposição a ouvir, responder e considerar as falas das interlocutoras e a presença de recursos argumentativos como o conselho, o elogio e a narração, aliadas a uma retórica predominantemente propositiva, explicativa e de validação das opiniões demais integrantes. Palavras-chave: conversações online; ideal role taking; reflexividade; redes sociais online.

1. Introdução Uma visão normativa dos processos deliberação considera essencial que, a partir de uma posição de igualdade e com liberdade para trocar argumentos e opiniões, os sujeitos dialoguem com respeito e empatia, em situações nas quais é possível ouvir, considerar a fala do outro e até mesmo ajustar seu próprio posicionamento a partir do que foi discutido. Em uma perspectiva ampliada da teoria deliberacionista (YOUNG, 2001; CHAMBERS, 2009), condições similares também são consideradas ideais para situações de conversação cotidiana em ambientes como as redes sociais online. Neste sentido, a ideia de ouvir com atenção e considerar o que foi proposto por um interlocutor ao formular o seu próprio posicionamento é chamada pelos teóricos deliberacionistas de Reflexividade. A reflexividade também se relaciona com o conceito de Ideal Role Taking (IRT), um esforço empático de se colocar no lugar do outro. Partindo destes conceitos, este artigo se propõe a discutir os processos de conversação online no contexto dos grupos fechados da rede social online Facebook, tendo como obje-

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Doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), é jornalista e mestre em Comunicação pela linha de Comunicação e Formações Socioculturais, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR.

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to de análise o grupo “Das Minas – Rede Colaborativa para Mulheres”, formado exclusivamente por sujeitos do gênero feminino. A pergunta que se busca responder é: como se manifesta o critério da reflexividade nas conversações ocorridas em grupos fechados de Facebook formados unicamente por mulheres? Partiu-se da hipótese de que, quando em ambientes nos quais se sentem à vontade para discutir abertamente, com teor baixo de desrespeito, as participantes tendem a um posicionamento reflexivo que se aproxima do Ideal Role Taking, ou seja, estão mais abertas a ouvir e considerar a outra aponto de ajustarem sua própria visão da temática em questão, reagindo com pouca hostilidade e buscando se colocar sob a perspectiva da interlocutora. Num primeiro momento, discute-se os ideais normativos da teoria da deliberação, discutindo as características dos debates quando tomam a forma de conversação em ambientes como as redes sociais online – no caso, particularmente o Facebook. Em seguida, são tratados mais diretamente os aspectos em torno dos conceitos de reflexividade e Ideal Role Taking, bem com as variáveis derivadas dos mesmos. Por fim, são apresentadas as características do objeto de pesquisa deste artigo e as técnicas metodológicas utilizadas para tanto. Depois de realizar uma análise de conteúdo (LYCARIÃO; SAMPAIO, 2019) de 402 comentários feitos em 16 publicações realizadas entre 01 e 15 de agosto de 2019, percebeu-se que se trata de um grupo essencialmente homofílico com pouca discordância entre as participantes. Operacionalizada metodologicamente a partir de variáveis adaptadas de Rizzotto (2018) e Sampaio, Maia e Marques (2010), a análise apontou para o uso de argumentos como Narração, Conselho e Elogio e de retóricas persuasivas Propositivas e baseadas na Explicação, na Validação das interlocutoras. Ao considerar as variáveis ligadas à reflexividade, a análise mostra baixos níveis de Persuasão, nos quais os sujeitos envolvidos explicitamente mudaram de opinião por conta do debate, mas uma frequência grande de Progresso, com indícios de que os demais comentários são lidos e considerados, trazendo novos argumentos, exemplos e histórias, sem que isso implique uma mudança de opinião das participantes da conversa – critérios medidos pela variável Progresso. Outro resultado importante da pesquisa apontou para a predominância de marcadores de Respeito Implícito, contra a menor ocorrência de Respeito Explícito e uma quase ausência de comentários Rudes ou Incivilidade.

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2. Conversação online: o cotidiano no Facebook Embora não sejam o cenário que tradicionalmente abriga os processos de deliberação, as redes sociais online passaram a ser vistas como terreno para frutíferas conversações cotidianas. Considera-se que podem contribuir para moldar as opiniões dos participantes de uma conversa e levar determinados assuntos a alcançarem outras esferas deliberativas. São, assim, consideradas como parte do processo deliberativo sob uma perspectiva ampliada da teoria deliberativa. As trocas que têm lugar nas conversações online – quando em espaços como os grupos fechados, por exemplo – costumam ser centradas na busca de soluções para problemas ou questões pontuais e pessoais: vender/comprar um produto, divulgar uma marca, trocar informações sobre uma situação doméstica ou de saúde são exemplos. Para Mansbridge (2009, p. 209), “a conversação cotidiana entre os cidadãos sobre problemas que o público deve discutir prepara o caminho para as decisões governamentais formais e para decisões coletivas, para além da decisão em si”. A autora defende que estes processos cotidianos são cruciais para o funcionamento das democracias, em que os cidadãos podem e devem participar informalmente. Quando ocorrem online, as conversações são moldadas pelas características das plataformas em que acontecem. Ao comparar blogs, interfaces colaborativas como o YouTube e sites de redes sociais como o Facebook, Maia et al sugerem que dado seu potencial para a comunicação descentralizada, simultânea e de baixo custo, os sites de redes sociais são vistos como plataformas que dão suporte a uma série de atividades cotidianas, tais como a conversação interpessoal, o compartilhamento de conteúdos, a formação de grupos e comunidades de interesse, etc. (MAIA et al, 2015, p. 491)

Estas plataformas são marcadas por aspectos organizacionais e estruturais tais como a assincronicidade, em que não se assume uma resposta imediata às publicações feitas e a conversação se dá no tempo de cada sujeito envolvido. A moderação é outro aspecto relevante, pois atua como uma barreira de segurança e privacidade para todas as envolvidas. Por outro lado, essa característica pode criar uma espécie de limitação na autonomia de resposta e publicação das participantes. Os sites de redes sociais são, assim, ambientes “de forte caráter discursivo e interativo”, cujos usuários são pautados majoritariamente por motivos pessoais. “Essa especificidade do Facebook possibilita que as conexões dos participantes com os outros usuários, que pertencem à sua rede de

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relacionamentos, sejam mais fortes e duradouras. Isso tende a estimular a autoexpressão e a afirmação da identidade” (MAIA et al, 2015, p. 503). Estas conversas oferecem, no entanto, algumas dificuldades ao processo de observação e análise, que advêm da dinâmica contínua com que as plataformas são acionadas, pela falta de uniformidade com as que são acessadas e manipuladas pelos usuários, bem como pela transformação e atualizações constantes em seu design. Para compreender a deliberação política, a partir da observação e comparação de uma grande quantidade de estudos sobre o tema, Stromer-Galley (2007) defende que seis elementos essenciais devem ser observados: expressão de opinião fundamentada, referências a fontes externas ao articular opiniões, manifestações de discordância e, portanto, exposição a diversas perspectivas, níveis iguais de participação durante a deliberação, coerência no que diz respeito à estrutura e tema da deliberação, e engajamento entre os participantes. (STROMER-GALLEY, 2007, p. 4)

Os aspectos apontados por ela ressaltam os elementos que mais comumente podem estar presentes na constituição destes tipos de comunicação. Embora deliberação e conversação sejam diferentes, como partes de um mesmo processo mais amplo, compreendido pela perspectiva ampliada da deliberação, a conversação também pode ser medida por meio de uma adaptação dos critérios de deliberatividade online. KIES (2019) elenca nove critérios que podem ser operacionalizados nas pesquisas que observam ambientes online: inclusão, igualdade discursiva, reciprocidade, justificação, reflexividade, empatia, sinceridade, pluralidade e impacto externo. Os critérios de inclusão, igualdade discursiva, reciprocidade e justificação medem essencialmente a presença aparente da deliberação, ou seja, o nível de deliberação avaliado pela análise da arquitetura discursiva do fórum, a dinâmica e o conteúdo das trocas discursivas. Por outro lado, os critérios de reflexividade, empatia e sinceridade medem essencialmente a presença não visível da deliberação. Eles se concentram na atitude deliberativa consciente e até inconsciente e na intenção dos usuários ativos e passivos dos fóruns. Por fim, os dois últimos critérios, pluralidade e impacto externo avaliam dois resultados esperados de um processo deliberativo on-line bem-sucedido: primeiro, ser capaz de confrontar uma diversidade de vozes e opiniões relevantes e, segundo, ter um impacto fora do fórum on-line. (KIES, 2019, p. 5, tradução nossa)

Para analisar o objeto que se propõe neste artigo – um grupo fechado em uma rede social online, o Facebook – será operacionalizado mais especificamente o critério da reflexividade, tema a ser discutido do tópico seguinte.

3. Te ouço, entendo e considero: Reflexividade e Ideal Role Taking

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O conceito de reflexividade de um debate online é compreendido como a manifestação da disposição dos participantes de considerar os argumentos dos demais na formulação dos seus próprios posicionamentos e opiniões. Essa pode ou não ser refletida em uma mudança de postura, mas os debatedores devem deixar claro que ouviram ou leram e refletiram a respeito. Kies (2019) relaciona esta característica à ideia de “estar com a mente aberta” e ponderar a possibilidade de reavaliar sua postura com base num olhar crítico sobre a própria visão de mundo, aceitar a possibilidade de estar equivocado ou de não estar vendo o contexto todo da situação em pauta, bem como a de que há outros pontos de vista importantes e que influenciam o todo. Lycarião e Sampaio (2019, p. 8) entendem a reflexividade como a “consideração da perspectiva alheia ao formular suas próprias argumentações e o estabelecimento de posição nas discussões, ou seja, incorporar os argumentos dos outros” e observam, assim como Sampaio, Barros e Morais (2012), que este conceito está relacionado a outra característica de um debate normativamente adequado: a de Ideal Role Taking, ou a tomada ideal de posição, em tradução livre. O IRT é uma espécie de esforço para compreender pontos de vista estranhos aos seus ao participar de um debate, um conceito que está ligado ao critério da Empatia, presente entre os elementos sugeridos por Kies (2019). Trata-se de “um esforço mental e emocional de colocar-se na perspectiva do outro. O desafio é considerar o outro e rever as próprias posições para que o acordo seja construído nos melhores termos” (SAMPAIO; BARROS; MORAIS, 2012, p. 480). Para Kies, embora as análises de conteúdo sejam muito utilizadas para medir o grau de reflexividade dentro de um processo deliberativo online, idealmente, este poderia ser melhor observado por meio de entrevistas ou grupos focais, uma vez que se trata de um processo interno dos sujeitos, que nem sempre transparece nos comentários de uma postagem de Facebook. Dahlberg compartilha desta opinião, reforçando que somente ao conversar com os indivíduos é possível obter informações sobre o tempo e a atenção dedicados a compreender o olhar do outro, mas defende que “as discussões online contêm alguns indicadores claros de comportamentos sem consideração: falta de reciprocidade, reclamações dogmáticas, publicações abusivas e spam ou publicações prolíficas que dominam o espaço e a atenção” (DAHLBERG, 2004, p. 33, 34).

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Baseados na maneira como o respeito aparece em uma discussão, pesquisadores sugerem alguns indicativos de reflexividade e IRT, que foram adaptados para serem usados como metodologia neste artigo. Em um estudo de caso sobre o Orçamento Participativo Digital de Belo Horizonte, Sampaio, Maia e Marques (2010) utilizam três variáveis relacionadas à reflexividade: Persuasão (6), quando há sinais explícitos de que um usuário se sente persuadido pela argumentação de outro participante ou pela discussão no geral. Progresso (7), quando um usuário reflete sobre outra postagem, responde com novos argumentos ou informações ou, mesmo, tenta criar uma síntese dos argumentos. Ou Radicalização (8), quando o usuário reage negativamente à outra postagem e radicaliza seu ponto de vista anterior, não estando aberto a outras possibilidades. (SAMPAIO; MAIA; MARQUES, 2010, p. 458)

Na análise realizada pelos autores, uma mensagem só poderia ser considerada como reflexiva se ela também apresentasse reciprocidade, outra condição ideal para um processo deliberativo, segundo a qual um participante deve estar disposto a ouvir os demais. Ambos os processos estão interligados: sem disposição para ouvir, não há como levar em consideração a opinião alheia, nem reavaliar seu posicionamento. Já a operacionalização do IRT foi feita pelos autores a partir de cinco variáveis: Respeito implícito ou explícito, se havia ausência de respeito com comentários rudes ou incivilidade, bem como a ideia de continuidade de mensagens por dia. Para desenvolver a análise de conteúdo realizada neste artigo, foi construído um livro de códigos2 que combina os aspectos citados acima, de reflexividade e IRT, a algumas das variáveis utilizadas na pesquisa de Rizzotto (2018) para analisar o grau deliberativo em discussões online sobre assuntos polêmicos. Desta, foram empregadas as relacionadas ao tipo do comentário – sociabilidade, metaconversação e problema – e adaptadas as de estratégia persuasiva dominante e recursos argumentativos utilizados. Traz-se ainda, um critério dedicado a anotar o posicionamento das comentadoras com relação à postagem principal ou aos comentários anteriores.

4. Manas unidas Para responder à questão proposta neste artigo – como se manifesta o critério da reflexividade nas conversações ocorridas em grupos fechados de Facebook formados unicamente por mulheres? – foi selecionado como objeto de pesquisa o grupo fechado

2

O livro de códigos utilizado neste artigo está disponível em: < https://bit.ly/2ZzFfCa>.

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“Das Minas - Rede Colaborativa para Mulheres”3. A comunidade em questão conta com cerca de 35 mil integrantes, unicamente do gênero feminino, e se coloca como um espaço no qual as participantes podem trocar dicas e experiências, formando, como o próprio nome adianta, uma rede colaborativa online, com pessoas de diferentes regiões do País e de idades variadas. Aberto a quase todo o tipo de publicação, o grupo passa pelo crivo de várias moderadoras, que se certificam que apenas mulheres tenham acesso, fazem um filtro para evitar a entrada de perfis de casais e aprovam ou reprovam as postagens. No “Das Minas”, as mulheres podem divulgar atividades terapêuticas ou artesanais e até mesmo comercializar produtos, mas o foco principal do grupo é trocar experiências. É um espaço que não se pretende político, embora o seja, quando oferece espaço para suas integrantes falarem e serem respondidas a respeito de temas como a violência doméstica, feminismo, política nacional ou situações individuais de desamparo ou assédio na vida profissional, por exemplo. Entre os dias 01 e 15 de agosto de 2015, o grupo recebeu 683 postagens. Para o propósito da análise, estas foram lidas e classificadas a partir das temáticas predominantes em seu conteúdo, tendo em vista os assuntos discutidos. Foram identificados 14 grupos de temas (Gráfico 1). Gráfico 1 – Temas das postagens

Fonte: elaborado pela autora.

Esta primeira classificação permitiu refinar o corpus. Dos 683 posts coletados no período, 329 (48,16%) são dedicados a questões “Profissionais, enquanto “Outros” ficam em segundo lugar, com 12,15%. Quatro categorias temáticas foram selecionadas 3

Grupo disponível em: <https://www.facebook.com/groups/843625422341150>.

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para compor um primeiro recorte: “Questões Psicológicas”, “Relacionamentos”, “Liberdade Reprodutiva” e “Política”. Juntas, essas categorias representam 21% das postagens do grupo (7,61%, 6%, 4,98% e 2,49%, respectivamente), totalizando 144 posts com 5438 comentários no período – média de 38 comentários por post. Uma amostra selecionada aleatoriamente contou com 402 comentários4, formando o corpus mais restrito da análise de conteúdo. Os resultados da aferição apontam para baixos níveis de dispersão dentro dos grupos fechados: a maioria das integrantes (82%) não se preocupa com a questão da sociabilidade e há também um baixo índice de metaconversação (22%). Na metodologia utilizada como base, os comentários do tipo “Social” correspondem àqueles que se dedicam a construir uma relação com as demais, seja por meio da apresentação pessoal, da parabenização e do agradecimento, seja por pedidos de desculpas, por exemplo. Já a “Metaconversação” indica direcionamento do comentário para a conversa em si – sobre o post ou outro comentário, sobre o tom da conversa ou apontamentos sobre as falas em si, por exemplo (RIZZOTTO, 2018). Ao invés disso, o foco das unidades analisadas está principalmente no tópico em discussão: 77% dos comentários são do tipo “Problema”, ou seja, as respostas se mantêm no assunto proposto pelo post original, dirigindo sua contribuição sobre a conversação diretamente à questão levantada. Entre os recursos argumentativos empregados, além dos propostos por Rizzotto (2018) - ameaça, sarcasmo, analogia, narração e insulto - foram acrescentadas duas categorias, que, a partir de uma primeira leitura, se mostraram necessárias e que a análise de conteúdo confirmou estarem presentes: elogio e conselho. Os comentários em tom elogioso são predominantes no corpus analisado, marcando presença em 88% dos posts. Outro recurso presente na argumentação é o aconselhamento, em situações em que se usa recomendações e sugestões para convencer as interlocutoras, oferecer soluções e incrementar a conversa. Este recurso de convencimento está diretamente ligado à presença forte da variável “Problema” e a um segundo recurso argumentativo importan4

De um universo de 5438 comentários, com nível de confiança de 95% e margem de erro de 5%, a amostra adequada seria de 359. No entanto, ao invés de selecionar os comentários aleatoriamente, a seleção aleatória foi das postagens, coletando somente e todos os comentários da amostra de postagens, uma vez que, para medir a reflexividade, seria preciso considerar a interação que acontece entre as usuárias e a continuidade do debate, o que não é possível se as respostas não estiverem em ordem cronológica. Para que nenhum comentário destas ficasse de fora, a mostra foi expandida para 402, que formaram as unidades de análise.

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te: a “Narração”, presente em 67% dos comentários analisados. A construção mais frequente consiste em uma postagem pedindo dicas ou soluções para um problema, que recebe respostas com caminhos possíveis a partir das experiências das comentadoras. Na narração, emprega uma história pessoal para validar seu argumento, um recurso que ajuda aos participantes a expressar suas opiniões e contribui com a reflexividade. A contação de histórias pode “avançar argumentos, promover compromissos, criar comunidades, convidar diálogos, gerenciar conflitos e ajudar os membros do grupo a identificar e esclarecer suas próprias perspectivas” (BLACK, 2007, p.4, tradução nossa) A presença da narração, por meio, principalmente, a instrumentalização das histórias de vida, é um fator que dialoga com as estratégias persuasivas presentes na amostra analisada: a maior parte dos comentários tem retóricas Propositivas (33%), ou seja, que propõem soluções para o problema em questão e alternativas para que as interlocutoras. Outras 26% utilizam tom Explicativo ou esclarecedor para justificar suas opiniões frente às demais, complementando a discussão ou ensinando uma determinada ação, e a retórica de Validação (23%) marca comentários que endossam o conteúdo dos comentários anteriores ou da postagem original, reforçando a importância de se discutir aquele tema ou cumprimentando a pessoa que provocou a conversa. As posturas Críticas, Ético-morais e Sedutoras ou ameaçadora pouco recorrentes (Gráfico 2). Gráfico 2 – Estratégia persuasiva dominante

Fonte: elaborado pela autora

Estes dados indicam uma predominância do interesse em oferecer algum tipo de retorno para as demais integrantes, a partir dos já citados recursos de narração e conselho, tendo como base as experiências pessoais das comentadoras. Estes dados podem

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atuar como indicativos de empatia que dialoga com as variáveis ligadas à Reflexividade e ao Ideal Role Taking. A variável de radicalização/negação, que aponta para uma reação negativa aos argumentos dos outros usuários, quase não aparece - são apenas 3% dos casos. Enquanto que, juntas, as variáveis de persuasão e progresso na reflexão correspondem a 60% (respectivamente 6% a 54%) dos casos. Infere-se, daí, que há um nível considerável de abertura das participantes a ouvir e considerar a opinião alheia em seu comentário, uma vez que a variável de persuasão mostra que os usuários se sentem persuadidos pelos argumentos alheios e a de progresso inclui os casos em que um usuário parece refletir sobre outra postagem, retornando à conversa com novas questões, argumentos ou dados. Ao considerar o IRT, também foi percebido uma massiva presença de respeito implícito, mas o respeito à interlocutora só é explícito em 20% dos comentários. Ocorrências rudes e incivilidade foram extremamente raras na amostra selecionada: respectivamente, 3% e 1%, demonstrando níveis baixíssimos de conflito. As participantes contribuem com a discussão, acrescentam novas perspectivas e argumentos, mas frequentemente estão interessadas em contribuir com as demais. É interessante observar que, embora não existam filtros de religião, posicionamento político ou filtros morais explícitos para que as mulheres possam participar dos grupos, a presença marcante de elogios, de comentários de validação da ótica alheia e os baixos índices de incivilidade e comentários rudes podem ser indicativos não apenas de que há altos índices de reflexividade e IRT, mas também de que estes grupos são excessivamente homogêneos. Há o risco da formação de comunidades de pessoas que pensam do mesmo modo comprometer a qualidade da deliberação por conta da diminuição da pluralidade dos argumentos apresentados. Tal fenômeno é descrito como homofilia, isto é, o interesse de estar junto a pessoas que têm opiniões semelhantes, o qual é facilitado pela internet. (MENDONÇA; SAMPAIO; BARROS, 2016, p. 11)

Essa característica também pode resultar da ação das moderadoras, uma vez que comentários hostis são deletados e as integrantes responsáveis pelos mesmos são banidas do grupo. Isso não significa que a discordância é proibida: nos comentários analisados, a variável de “Posicionamento” – que buscava medir a presença de concordância, discordância e neutralidade da participante com relação ao post principal ou aos demais comentários – apontou para a predominância de neutralidade em 49% dos comentários,

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concordância em 44% e discordância em 6%. É possível interpretar, portanto, que as participantes têm opinião semelhantes, compondo assim, um grupo homofílico, mas que há também abertura para a divergência de opiniões.

5. Considerações finais A partir da análise de conteúdo de comentários nas postagens do grupo “Das Minas – Rede Colaborativa para Mulheres”, este artigo buscou discutir de que forma o critério deliberativo da Reflexividade está presente em conversações que acontecem em ambientes fechados como os grupos da rede social online Facebook. Percebeu-se que, apesar de baixos os índices de persuasão – no sentido de que as usuárias não se mostram totalmente convencidas pelas demais integrantes – há uma tendência forte de Progresso no convencimento, indicando que estas escutam e consideram as demais, ao menos a ponto de propor alternativas, justificar suas opiniões, explicar questões que ficaram pouco claras e trazer novos argumentos para contrapor as discordâncias. Essa questão dialoga com aos critérios de Ideal Role Taking, onde os comentários são marcados implicitamente pelo respeito, através de recursos como a narração, o conselho e o elogio. Tendo isso em vista e levando em consideração os baixos índices de discordância, é possível inferir que, embora restrinja a participação de pessoas com pensamentos opostos, o grupo opera sob uma lógica homofílica. Pesquisas futuras podem oferecer bases para comparação com outros grupos, para analisar se essa lógica é característica de outros grupos formados somente por mulheres, mas também com ambientes distintos, como as demais redes sociais online, em grupos mais ou menos monotemáticos, mais ou menos abertos, bem como com páginas voltadas a populações similares.

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Legislativo em rede: uma proposta de análise empírica sobre a apropriação das câmaras municipais paranaenses no Facebook1 Paula Andressa de Oliveira2 Universidade Federal do Paraná

Resumo: O presente resumo visa apresentar os objetivos e o desenho de pesquisa a ser desenvolvido na dissertação “Legislativo em rede: Uma proposta de análise empírica sobre a apropriação das Câmaras Paranaenses no Facebook”. O estudo pretende analisar como o parlamento tem integrado suas práticas às dinâmicas estabelecidas na plataforma. Estudar o processo visa explorar como as casas legislativas do Paraná têm se apresentado nas redes digitais com o objetivo de ampliarem o acesso popular às deliberações políticas, à transparência e à comunicação pública, servindo como ferramenta de prestação de contas e estabelecendo aproximação entre representantes e representados. A proposta empírica da pesquisa será composta por três etapas: o mapeamento das Câmaras e sua inserção no Facebook, a análise do conteúdo disponibilizado na plataforma e análise da percepção das assessorias legislativas por meio de questionário.

Palavras-chave: parlamentares; comunicação pública; Facebook.

1. Introdução Com a apropriação da internet por agentes políticos e instituições públicas, na esfera acadêmica surgem discussões relacionadas ao uso das tecnologias no meio político, visto que, por consequência, este processo gera uma diminuição da distância entre representantes e representados e, consequentemente, suscita a melhora dos mecanismos de accountability, transparência e relacionamento. Nesse sentido, o desenho de pesquisa apresentado neste paper visa, por meio de três etapas, analisar a maneira como os parlamentos municipais têm integrado suas práticas às essas novas dinâmicas estabelecidas no ambiente das redes sociais digitais, especificamente no Facebook. Busca-se mensurar tanto as características da apropriação por meio do conteúdo disponibilizado quanto às especificidades do processo de produção das assessorias legislativas. 1

Trabalho inscrito para o 3º Workshop Comunicação e Comportamento Político, Mídia e Opinião Pública, organizado pelo Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Opinião Pública (CPOP). 2 Jornalista e Mestranda em Comunicação e Política pela Universidade Federal do Paraná, orientada pela professora Dra. Michele Goulart Massuchin. Email: paulandreolioliveira@gmail.com.

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A pesquisa pretende responder a seguinte questão com a análise proposta: Como o parlamento tem integrado suas práticas às novas dinâmicas estabelecidas no ambiente do Facebook? Além disso, trabalha-se com os seguintes objetivos: 1. verificar as formas de usos e apropriações do Facebook como ferramenta de comunicação das Câmaras; 2. Compreender a perspectiva das equipes de assessorias sobre as lógicas que integram o processo de produção; 3. Verificar o modo como se dá o engajamento do público nos conteúdos publicizados; 4. Verificar como accountability, transparência e proximidade se fazem presente no modo como as Câmaras usam a ferramenta. Estudar tal processo sugere - como indicado anteriormente - o aperfeiçoamento dos trabalhos no legislativo municipal online, uma vez que as informações geridas no poder público são de cunho social, servindo como ferramenta de prestação de contas, visibilidade pública e fortalecendo o entendimento da sociedade quanto ao processo parlamentar, uma vez que “representantes e representados podem interagir diretamente, sem a mediação dos meios massivos ou seus respectivos partidos” (Pereira, 2017). Neste sentido, alguns conceitos são importantes neste trabalho e são a base para as discussões teóricas que antecedem a análise empírica. Accountability, transparência, visibilidade pública e proximidade entre representantes e representados são pontos que podem ser potencializados na esfera digital e, por isso ganham destaque no enredo teórico. Estas abordagens estão diretamente relacionadas com o conceito de comunicação pública que pode ser aprimorado e melhor trabalhado a partir da esfera digital, já que as redes sociais podem ser consideradas um espaço alternativo – junto com outras formas de comunicação – que permitem a circulação e disponibilização de conteúdos de interesse da sociedade circunscrita às esferas legislativas. Como este paper busca apresentar o desenho de uma pesquisa ainda em desenvolvimento, a divisão se dá da seguinte forma: no tópico seguinte apresenta-se a justificativa e um breve apanhado teórico que ajuda a contextualizar a pesquisa a partir de estudos já realizados. Na sequência apresenta-se especificamente a abordagem metodológica a ser executada e os recortes escolhidos para a pesquisa. Por fim, são apresentados alguns dados referentes à primeira etapa da pesquisa e as considerações finais.

2. Justificativa e abordagem teórica

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No âmbito legislativo, as redes sociais digitais abrem uma nova esfera de estudo pois estão cada vez mais populares e acessíveis às mais diversas camadas da população3. Também foi levado em consideração o maior arsenal de pesquisas relativas ao executivo, em detrimento do legislativo enquanto instituição. Este fato é relatado por Silva e Christopoulos (2013), os quais interpretam os parlamentos enquanto resultado das escolhas dos eleitores em meio às regras dos sistemas eleitoral e partidário, sem refletir as vontades dos mais diversos segmentos sociais e considerado como um lugar de negociações clientelistas para manutenção de redutos. Neste sentido, o uso das redes sociais, a partir dos ganhos democráticos que tais ferramentas podem oferecer, pode auxiliar na visibilidade e na construção da imagem dos parlamentos municipais. Além disso, no âmbito das pesquisas, também há menor espaço para o legislativo. Conforme Barros, Bernandes e Rodrigues (2015), tal conceituação negativa abala às estruturas democráticas, visto que a confiança popular nas instituições é um aspecto essencial para a legitimidade do regime político e, portanto, para a estabilidade do sistema social. Giddens (1991) reforça a necessidade de trabalhar a mutualidade para o estabelecimento de elos, no sentido de alavancar a confiança nas instituições, pois com ela, há maiores as chances de desenvolvimento de um regime democrático satisfatório, sendo que no sistema político, isso se torna ainda mais importante, inclusive no sentido de uma possível reeleição. Mas, muito além de manter-se no poder, o aperfeiçoamento do trabalho legislativo surge como um reforço para despertar a consciência em representantes e representados quanto ao seu papel na esfera política, embalados pelo impacto representado pela transparência dos atos, especialmente no meio online, descrito por Marques (2007). Isso reforça a dimensão interativa da internet, que ultrapassa a capacidade dos media tradicionais, a exemplo da televisão. Isso gera mais visibilidade e interatividade e, por consequência, adquire atual relevância irrefutável, inclusive nos parlamentos. Outro fator levado em consideração para a definição do recorte da pesquisa voltado à esfera legislativa municipal é que há escassas pesquisas alusivas aos parlamentos nesta instância local, visto que parte significativa dos trabalhos observa ou Poder 3

Estudo relatado pela Revista Exame, conduzido pelos pesquisadores Filipe Techera e Luiza Futuro identificou que cinco em cada dez brasileiros nas redes sociais são da classe social C (com renda mensal entre 4 e 10 salários mínimos).

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Executivo, incorporando principalmente os grandes centros, como já dito acima, ou o legislativo estadual ou federal, como alguns trabalhos já mostram, a exemplo dos estudos de Victor Silva e Tânia Christopoulos; Francisco Jamil Marques; Edna Miola e Antônio Barros, por exemplo. Poucos são os olhares voltados aos municípios e as formas de comunicação que se dão ali. Por outro lado, esta abordagem abrange todos os municípios do Estado do Paraná, considerando desde Jardim Olinda, ao Norte do Estado, com 1,4 mil habitantes, ou a capital Curitiba, com 1,7 milhão de pessoas. Esse estudo sugere observar não apenas o viés da análise de conteúdo como os trabalhos supracitados fazem, mas adiciona a observação das lógicas que regem a produção, o que é feito usando da técnica de questionários aplicados aos assessores das câmaras. A proposta é entender, seguindo o viés do trabalho de Jamil Marques e Aline Mendonça Conde Carneiro. No trabalho o foco eram as dinâmicas da produção do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) e da campanha eleitoral em geral, sendo que aqui pretende-se identificar as dinâmicas que ocorrem no processo de produção dos conteúdos digitais. Em relação à escolha pelo Estado do Paraná, além da inserção geográfica de onde parte este estudo, considera-se o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Estado, atrelado ao último senso do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), referente à PNAD Contínua - TIC 2016 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: acesso à Internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal). Conforme as estatísticas, o Paraná tem o quinto maior IDH do Brasil (0,749) considerando educação, moradia, renda, entre outros fatores, além de que está acima da média nacional relativa à população com acima de 10 anos conectada à internet. Enquanto o Brasil representa 64,7% de internautas, de acordo com os dados, o Paraná aparece com 67,2% de cidadãos com acesso à rede. Isso tornaria mais propício o uso efetivo desta ferramenta pelas casas legislativas. Os dados sugerem que a região permite, a partir deste contexto, um vasto uso das mídias digitais, uma vez que o poder público, ao utilizar das TIC’s, pode se aproximar mais da comunidade, se comparado a outras regiões do Brasil, com diferentes oportunidades de acesso.

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A partir da literatura sobre marketing digital, as redes sociais são reconhecidas como canais importantes para atingir seu público-alvo. Nesse sentido, por fim, justificase a escolha da rede social Facebook. Isto se dá pela sua fundamental importância, dados os números superlativos representados em seus 15 anos de empresa. Conforme notícia divulgada em 2019 pela Folha de São Paulo, a rede social tem cerca de 129 milhões de usuários ativos no Brasil, estando o país entre as cinco nações que mais a utilizam, com uma média diária de 3h39 online na rede social, ficando em segundo no ranking de tempo gasto no site. Além disso, outro fator que motiva a observação das redes sociais usadas pelo legislativo é que este pode ser um espaço que, em alguma medida, oferece características que remetem à transparência. Os portais da transparência - criados pela necessidade das administrações de melhorarem os seus processos internos, além das pressões vindas da sociedade para que o governo otimizasse seus gastos e atuasse com transparência e qualidade na oferta de serviços aos cidadãos – embora sejam o espaço próprio para isso, não conseguem competir com os números das redes sociais na internet, especialmente com a marca do Facebook, ainda mais considerando os recursos didáticos disponíveis na rede. Além das justificativas trazidas para contextualizar o desenho de pesquisa e as escolhas metodológicas, a literatura tem cada vez mais mostrado a importância da tríade mídia-instituições-democracia. Isso se intensifica com as redes sociais digitais e as possibilidades que ela agrega à esfera política a partir dos mais variados aspectos, a exemplo do pressuposto por Sampaio (2010), acerca dos ganhos oferecidos pela internet na esfera política. O autor defende que a internet permite um acesso mais rápido e eficiente ao conhecimento, além de um acesso sem filtros ou controles a um grande número de informações. Segundo Sampaio, o pressuposto incidiria na geração de cidadãos mais bem informados e capacitados para se inserirem no processo político, uma vez que a internet permitiria que seu usuário não apenas acessasse tal informação, mas que também a criasse. As modificações relevantes com os sites de rede social nos processos de interação, inclusive seu caráter dinâmico de recursos e aproximação entre os pares com interesses em comum também são destacados por Recuero (2009). Conforme sua obra,

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atores sociais - nisto estão incluídos políticos e instituições do Estado, em seu caráter institucional - passaram a se apropriar da ferramenta para serem lembrados pelo público, propondo ideias, debatendo pautas e, ao apresentar seu trabalho, abrindo a possibilidade de elogios e críticas. Este fato está ligado também ao proposto por Maia, Gomes e Marques (2011), enfatizando a provocação dos meios digitais aos agentes e instituições do Estado, com intuito de aproximarem o Poder Público da esfera civil, dada a praticidade e a comodidade oferecidas pela comunicação neste espaço. Além disso, o contexto da midiatização também traz um caráter bastante importante para as dinâmicas oferecidas pelas redes sociais, uma vez que falar dos processos organizacionais da sociedade contemporânea e da presença dos meios de comunicação implica refletir sobre este fenômeno. Na perspectiva de Hjarvard (2012, p.12), a midiatização consiste em reconfigurar as interações sociais, oferecendo uma nova estrutura das práticas de sociabilidade, marcada pela existência dos meios. Hjarvard a define como um “processo contínuo em que os meios alteram as relações e o comportamento humanos e, assim, alteram a sociedade e a cultura”. Dessa forma, a vida cotidiana e as interações sociais na contemporaneidade estão diretamente associadas aos meios de comunicação. Santaella (2003) reafirma o potencial interativo das mídias digitais e as redes sociais no ciberespaço, uma vez que este traz novos usos e possibilidades de criar, manipular e modificar mensagens em uma perspectiva permeada por imagens, sons, textos e vídeos materializados para conquistar seu público de interesse. A autora enfatiza que as mídias estariam esvaziadas de sentido caso não fossem as linguagens dinâmicas configuradas nos processos comunicativos (Santaella 2003, p. 116). A mudança, aceita por alguns e menos por outros, porém, é um fato. Essa transição do padrão de comunicação de massas para o modelo a mass self communication de Castells (2009) e suas novas tecnologias, inserindo neste contexto os smartphones, games e meios de comunicação conectados à internet têm multiplicado a oferta de opções de escolha e a possibilidade de consumo a qualquer hora, diferente de outros tempos. Dessa maneira o público tem meios para procurar os conteúdos de sua preferência. Em outras palavras, falando do contexto político, essas possibilidades permitem expor as

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mais diferentes informações sobre representantes públicos, atores políticos, instituições e órgãos públicos. No caso das instituições como as casas legislativas, é importante ainda associar o uso das redes sociais ao conceito de comunicação pública, um conceito que trata dos processos de comunicação realizados pela sociedade civil organizada em encurtar distâncias sociais reduzindo as diferenças e em ampliar a capacidade analítica individual. Leston-Bandeira (2007) traz uma importante reflexão acerca do debate político no ambiente on-line. Para a socióloga, a internet é um meio de comunicação essencial para que as o debate possa chegar aos variados segmentos sociais, ainda que muitos dos possíveis usos democráticos ainda permaneçam em fase de experimentação. No entanto, em seu estudo, a autora observa a importância dada ao parlamento nesse campo, com a convicção de que a internet pode permitir uma participação ampliada dos cidadãos na política. (Leston-Bandeira, 2007). A autora justifica o parlamento como um dos caminhos que ligam os cidadãos à política e, dada a sua importância, faz referência ao impacto, possibilidades e mudanças influenciadas pelo ambiente da internet. As pesquisas sobre o funcionamento das instituições políticas brasileiras podem ser consideradas dentre as que mais avanços teóricos e metodológicos obtiveram na ciência política nacional desde meados da década de 1990. Silva (2013) organizou um levantamento da produção recente da ciência política sobre os legislativos municipais e mostra que já há uma produção consistente, neste sentido, em âmbito federal, mas que podem ser referenciados no desenvolvimento de análises do poder legislativo municipal (Silva, 2013, p.3). No entanto, há poucos trabalhos voltados especialmente para a relação entre o legislativo municipal e a comunicação. Neste sentido surge esta pesquisa, buscando corroborar no debate acerca o campo da esfera pública legislativa relacionando aos meios de comunicação, visto que ainda existem lacunas a serem preenchidas neste ponto de intersecção. A partir deste debate que transita pelos temas brevemente apresentados acima, será feita posteriormente a análise empírica. O tópico seguinte traz alguns encaminhamentos metodológicos já delimitados.

3. Procedimentos metodológicos e dados iniciais

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As redes sociais digitais e a grande popularidade de alguns políticos, a exemplo de Donaldo Trump e Barack Obama nos Estados Unidos; bem como de perfis institucionais, embalados pelas Prefeituras de Curitiba e do Rio de Janeiro, no Brasil, têm oferecido aos políticos e administrações públicas, novas formas de comunicação com seus representados. É essa comunicação que se torna objetivo deste estudo a partir do estudo específico do Facebook como já justificado acima. A pesquisa está centrada no estado do Paraná, tendo como foco, então, as páginas no Facebook das casas legislativas municipais. Ao todo são 399 municípios em todo o estado. Tendo como recorte os municípios paranaenses, não foi feito nenhum recorte posterior sobre dimensão, IDH, PIB ou localização geográfica. A partir deste recorte do objeto, parte-se para a definição de como este será acessado. Assim, no estudo, partindo do objetivo central - analisar como o parlamento tem integrado suas práticas às dinâmicas estabelecidas no Facebook – foram considerados três procedimentos metodológicos. Optou-se, inicialmente, por mensurar a apropriação do legislativo paranaense no ambiente do Facebook por meio de levantamento exploratório para identificar a quantidade de municípios que contavam com páginas na rede social escolhida4. Além disso, criou-se um banco de dados com informações sobre população, número de eleitores, localização, IDH, entre outras informações com o qual se pretende gerar algumas informações iniciais que permitam definir algum padrão de uso a exemplo de Marques, Jackson e Miola (2007). Estes dados, apesar de não serem centrais podem mostrar alguns padrões relacionados ao número de seguidores e intensidade de uso das páginas. Essa primeira etapa faz referência à apropriação das Casas Legislativas do Estado do Paraná no Facebook. Por meio do levantamento das páginas das câmaras municipais as páginas foram divididas em ativas, inativas e inexistentes. Foram consideradas ativas aquelas com postagens a partir de janeiro de 2019, enquanto as inativas não dispõem de fomento neste período. As inexistentes são aquelas cujas Câmaras Municipais mapeadas não detêm de páginas na rede. Lançando mão dos 399 municípios, a busca sistematizada mostrou que o Paraná conta atualmente com 118 páginas ativas, ou seja,

4

Nesta proposta de dissertação não serão considerados os perfis pessoais. Apenas as páginas da Câmaras Municipais do Paraná.

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somente 29% dos municípios disponibilizam informações sobre os atos legislativos no Facebook. Assim, a coleta dos dados será reduzida a essas páginas. Desses municípios levantados, entre outras informações, ficou constatado que 88 municípios, dos 118 analisados representam cidades com menos de 50 mil habitantes; 31 têm até 10 mil habitantes e nove deles tem até cinco mil habitantes, sugerindo o Facebook como um canal de comunicação alternativo e sem custos, capaz de ligar a população com o poder público, conforme retratado anteriormente. Além disso, das existentes, porém inativas no período selecionado – 2019 - estabeleceu a condição a partir do início desde ano, na troca de mesa diretora, sugerindo uma situação política. Na relação comparativa entre os municípios, um dado inicial interessante relata Manfrinópolis, cidade que fica na posição 4.712 do PIB Nacional. O município no Sudoeste do Paraná tem 2.639 habitantes e dispõe de uma página ativa, enquanto Londrina, 46° PIB do Brasil, ao Norte Central do Estado, com 485.822 habitantes, não tem Facebook. Os dados também sugerem uma maior utilização municípios da Região Metropolitana de Curitiba (RMC), o maior IDH do Estado, com 18 páginas ativas, seguida pelo Norte Central, 4° maior IDH com 16 páginas. A segunda fase – ainda não iniciada - deve analisar o conteúdo das informações propagadas nestes espaços levantados, observando, por exemplo, se as peças são relacionadas à transparência dos atos, voltados à promoção pessoal, à utilidade pública, entre outros. Este processo visa avaliar ainda diferentes aspectos, entre os quais, periodicidade e regularidade da atualização, além do uso de recursos multimídia e de interação com o público (quantidade de engajamento). Conforme Jürgen Habermas (1995), estes elementos básicos são fundamentais na esfera pública para a eficácia do conteúdo, em decorrência da natureza informacional e dialógica da atividade política, inclusive do ponto de vista da agenda parlamentar, de estratégias de conexão eleitoral, de aprimoramento da confiança e, por consequência, da qualidade da democracia. Este conteúdo será analisado durante o período de 30 dias na atual legislatura (20172020), sendo que os dados devem ser coletados entre março e abril de 2019, excluindo-se meses de férias e também o período eleitoral. Os dados serão sistematizados e coletados a partir de um livro de codificação que buscará explorar variáveis que possam responder à presença de

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alguns conceitos na prática cotidiana das câmaras, tal como transparência, accountability, comunicação pública, comunicação política, entre outros. Na terceira etapa é proposta a aplicação de um questionário para averiguar a percepção das assessorias legislativas e o contexto no qual a comunicação das Câmaras é realizada. Buscar-se-á verificar a presença de profissionais da área, seu regime de contratação e consequente influência na publicidade dos atos; a operacionalização das equipes, entre outros apontamentos no objetivo de explanar acerca dos trabalhos realizados pelo poder legislativo dos municípios e, até mesmo, explanar sobre o planejamento daqueles que trabalham diretamente com comunicação pública oficial e como isso pode estar relacionado com os dados encontrados na etapa anterior. O questionário – ainda a ser construído e aplicado em 2019 – deve ser emoldurando a partir de uma amostra viável e com taxa de retorno de respostas que elucidem questões sobre o tema sugerido.

4. Conclusão Embora em fase inicial, este breve artigo acerca dos objetivos e o desenho de pesquisa a ser desenvolvido na dissertação “Legislativo em rede: Uma proposta de análise empírica sobre a apropriação das Câmaras Paranaenses no Facebook” traz alguns dados iniciais que sugerem uma apropriação, embora ainda singela, com potencial evolutivo, especialmente dado à utilização por municípios de pequeno porte, como relatado anteriormente. Este processo sugere, por outro lado, uma resposta ainda emergente quanto às hipóteses iniciais levantadas, sobre a ampliação do acesso popular às deliberações políticas, à transparência e à comunicação pública, se considerado o número de 29% de utilização pelas Câmaras Municipais até o presente momento, pois os parlamentos tem em mãos a possibilidade de uma rede de simples manuseio, com potenciais ferramentas de interatividade e alcance e sem custos adicionais ao erário. Por outro lado, se levados em consideração todos os dados por ora apresentados, ainda são mais de 71% de municípios que não utilizam a ferramenta. Outros questionamentos serão elucidados partindo da segunda e terceira etapa deste projeto, que tem por norte explorar como as casas legislativas do Paraná têm se apresentado nas redes digitais com o objetivo de ampliarem o acesso popular às delibe-

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rações políticas, à transparência e à comunicação pública, pensando na sua importância enquanto ferramenta de prestação de contas e estabelecendo aproximação com os representados.

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A imagem pública dos políticos profissionais: um estudo sobre os dez maiores colégios eleitorais brasileiros Afonso Ferreira Verner Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Resumo: A presente pesquisa busca problematizar a utilização das redes sociais na formação da imagem pública dos candidatos a prefeito(a) – o recorte tem como foco a utilização das redes sociais nos dez maiores colégios eleitorais brasileiros nas eleições municipais de 2020. Partindo da hipótese de que há uma transição no modelo de comunicação política (VASCONCELLOS, 2018) que foi iniciada em 2010, representando a formação de um modelo híbrido (cenário em que TV e internet têm papeis complementares na formação da imagem pública dos candidatos), aposta-se na observação das redes sociais como importante arena de disputa política na formação da imagem pública dos(as) candidatos(as). A análise de conteúdo clássica (AC), adaptada para observação das redes sociais e já utilizada pelo Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP), é a principal metodologia da presente pesquisa. Palavras-chave: eleições; municípios; imagem pública; redes sociais;

1. Contribuições da pesquisa para o cenário de estudos da comunicação política A comunicação política no Brasil é uma área de estudos relativamente nova – as análises empíricas no campo da comunicação eleitoral, por exemplo, têm como marco a eleição presidencial de 1989 (CERVI, 2016). Desde então, as mudanças ocorridas no campo da tecnologia e da comunicação alteraram significativamente a utilização do poder simbólico (THOMPSON, 1998) pelos integrantes do campo político (GOMES, 2004)1 e, da mesma forma, modificaram sensivelmente o processo de formação da imagem pública2 dos candidatos aos diversos cargos eletivos.

1

Já em 2004, na obra Transformações da Política na Era da Comunicação de Massa, Wilson Gomes apontava para a crescente profissionalização da política, especialmente da comunicação e da gestão da imagem de candidatos. 2 É necessário destacar que não deve-se considerar a política construída a partir da ideia de imagem pública uma novidade no campo científico e no contexto histórico – seja na área de conhecimento da Ciência Política ou na Comunicação Política. A importância do uso da imagem já esteve presente em inúmeras experiências democráticas ou tirânicas em diferentes períodos históricos. A novidade, por sua vez, consis-

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Nestes dois séculos de estudos, os pesquisadores do campo observaram, em um primeiro momento, os conteúdos produzidos pela elite política no uso do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) e da elite social, analisando a produção dos meios de comunicação de massa difundidas nos períodos de disputa eleitoral. Com a expansão do uso da internet (e popularização do acesso à rede mundial de computadores), foi possível agregar uma terceira possibilidade de estudo ao campo da comunicação política. A adição do campo da internet e das redes sociais ao modelo de comunicação política tem apontado para a formação de um novo contexto – esse novo cenário apresenta alterações significativas na distribuição de mensagens com conteúdo eleitoral. Ao observar o desenvolvimento da campanha presidencial de 2018, Fábio Vasconcellos (2018) defendeu a hipótese de que este novo cenário representaria a formação de um modelo híbrido de comunicação política em que TV e internet ainda são fundamentais porque, na visão do autor, executam papéis complementares e não de substituição – ao menos neste primeiro momento. Desta forma, o presente estudo busca responder a seguinte pergunta: qual o papel das redes sociais na formação da imagem pública dos políticos profissionais? Para isso, optou-se por uma amostra com foco nas eleições municipais em 2020, observando os(as) candidatos(as) a prefeito(a) nos dez maiores colégios eleitorais brasileiros, com dois municípios de cada região do país. A opção pelos dez maiores colégios eleitorais brasileiros se dá a partir do argumento de que nestes municípios acontece boa parte da disputa pelo capital político em jogo no país e a análise de tal cenário se configura com um objeto de estudo viável e valioso, do ponto de vista científico. Além disso, acredita-se que nestas cidades (diante do porte e da importância que tais municípios têm para partidos e grupos políticos) as disputas eleitorais municipais serão mais profissionalizadas e o uso das redes sociais seria, da mesma forma, mais intenso no pleito de 2020. O presente estudo buscará identificar os dois maiores municípios em número de eleitores de cada região brasileira (norte, nordeste, sul, sudeste e centro-oeste). O se-

te na presença das redes sociais como ator elementar na construção de tal imagem pública e é este o objeto do presente pré-projeto de pesquisa.

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gundo critério de escolha das cidades, além do número de eleitores, é a presença ou não de um incumbent na disputa pelo comando do Poder Executivo municipal na disputa de 2020. Desta forma, cada região terá presente na análise uma cidade em que há dois candidatos(as) na disputa (mas nenhum deles busca a reeleição) e outro município em que há um ator político buscando um novo mandato. O critério de escolha do corpus e das especificações das cidades acontecem, em um primeiro momento, pela importância eleitoral destes municípios (os colégios eleitorais mais populosos). Em seguida, busca-se enriquecer a pesquisa com dados recolhidos em diferentes realidades brasileiras, optando pela escolha de um município em cada região brasileira. Outro aspecto levado em conta é a presença ou não de um incumbent na disputa – metade da amostra analisada terá sujeitos políticos buscando a reeleição. A proposta é conseguir mapear diferenças no uso das redes sociais de sujeitos que tentam viabilizar um novo mandato daqueles que disputam a eleição sem ter a responsabilidade de se justificar pela presente administração, por exemplo.

2. Papel da pesquisa na agenda de estudos do campo A proposta é que o presente estudo possa contribuir em, ao menos, duas frentes para o fortalecimento e desenvolvimento do campo da comunicação política. Na primeira delas, espera-se que o projeto auxilie na atual fase das pesquisas do Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) que trata, entre outros temas, da pós-web e da participação dos candidatos nas redes sociais (CERVI, 2016). Em um segundo momento, a pesquisa poderá contribuir com o fortalecimento da literatura sobre disputas municipais, especialmente no que diz respeito ao uso da internet para a formação da imagem pública dos políticos profissionais. Na obra ‘Transformações da política na era da comunicação de massa’, Wilson Gomes (2004) já aponta para uma série de mudanças provocadas pela mídia na formação da imagem pública dos integrantes do campo político – o próprio autor já sinalizava para a importância que

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a internet viria a ter neste novo contexto midiático e político. Com a mudança do cenário descrito por Gomes (2004) – cenário este em que meios de comunicação de massa tradicionais tinham papel central em intermediar a transmissão das ideias e propostas do político profissional para o eleitor – uma outra configuração passou a figurar. Neste novo ambiente, representado em certa medida pelas redes sociais, houve a aproximação dos políticos profissionais, semi-profissionais e não-profissionais (CERVI, 2016) em uma busca por visibilidade permanente3. Em virtude do que foi apontado, a presente pesquisa pode contribuir para o campo da comunicação política ao colocar em discussão a formação da imagem pública dos políticos profissionais, justificando-se a partir da relevância do objeto e do recorte da amostra apresentada.

3. A formação da imagem pública no cenário da web A sociedade digital e o desenvolvimento tecnológico foram acompanhados de uma expectativa de transparência total no que diz respeito ao funcionamento da coisa pública e conduta dos políticos, responsáveis por gerir o Estado (CERVI, 2016). No entanto, ao apresentar as reflexões de Byung-Chul Han (2013) compiladas no livro “A sociedade da transparência”, Emerson Urizzi Cervi (2016) lembra que o filósofo sulcoreano defende que a busca pela transparência total no espaço público criou condições para o surgimento de práticas sociais em busca de maior ganho econômico – inclusive em termos de visibilidade pública – ao invés de permitir uma sociedade mais capaz de se autocontrolar em busca da preservação das instituições democráticas, por exemplo. Ou seja, este novo cenário em que a comunicação política está inserida teria permitido a criação de práticas sociais que não necessariamente contribuem para o esclarecimento e conscientização da população sobre as discussões de interesse coletivo. Essa característica está presente especialmente no que diz respeito à imagem pública de

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Cervi (2016) adota a perspectiva de Fernando Vallespín sobre políticos profissionais, semiprofissionais e não-profissionais. A abordagem está exposta na obra: VALLESPÍN, F. La mentira os harálibres: realidad y ficción en la democracia. Barcelona: Galaxia de Gutenberg, 2014.

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determinado candidato(a) a determinado cargo público e que será, em última instância, responsável por gerar a coisa pública. Wilson Gomes (2004), por sua vez, ao discutir a influência da comunicação de massa na política (em uma simbiose constante, na visão do autor), destaca a importância da imposição de uma imagem pública de determinado agente político como forma de manter e ampliar seu capital. Para Gomes (2004), a comunicação é tida como fundamental na formação e manutenção da imagem pública que se tem sobre determinado sujeito político. Gomes (2004) avalia ainda que o crescimento da importância da imagem no mundo político também representaria a principal novidade na política contemporânea. Desta forma, o controle da imagem dos indivíduos, instituições e grupos políticos seria função fundamental no jogo político regular – e isso inclui, especialmente, o período eleitoral e de disputa da preferência do eleitor com a exposição de ideias e ataques aos adversários. Para Gomes (2004, p. 240) a manutenção da imagem pública é vital: “Nessa arena se resolvem, em grande parte, as preferências eleitorais, organiza-se e/ou mobiliza-se a sociedade civil ou a comunidade internacional, numa ou noutra direção, tranquiliza-se ou se excita a opinião pública ou o mercado financeiro, estabelecem-se ou suprimem-se as condições ou governabilidade por parte de um partido, grupo ou ator, conquista-se ou perde-se credibilidade”

Ainda sobre a formação de uma imagem pública dos sujeitos que operam campo político, Gomes (2004, p. 115) é categórico: “Para um agente profissional da política, existir para o público de massa é principalmente existir nessa esfera e a imagem que se fizer dele a partir da cena política será tomada pelo público como a constituição da sua natureza e do seu caráter. Portanto, é a sua cena principal, praticamente o único palco para o qual tem o público como espectador. Não estar em cena significa não existir, parecer mau é ser mau para o apreciador do teatro político cotidiano”

No entanto, essa gestão da imagem pública dos agentes do campo político acontece agora em um ‘novo’ ambiente: a internet. As campanhas eleitorais do século XXI passaram a estar inseridas em ambientes da chamada pós-web – este cenário, na visão de Cervi (2016), não conta apenas com a inclusão de novos participantes diretos

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na produção de conteúdos (sejam eles jornalísticos ou não). Cervi (2016) observa que o que houve foi uma mudança na ocupação do espaço público4: os agentes do campo político, os meios de comunicação de massa tradicionais e os eleitores passaram a se encontrar nas redes digitais para discussão de temas, fossem eles de cunho público e coletivo ou não. O autor defende ainda que houve uma alteração significativa no modo de agir neste espaço:

Viveríamos um tempo em que o importante é aparecer, quase pornograficamente, em todos os espaços possíveis e não participar em um campo específico da arena pública, contribuindo com suas capacidades (não pornográficas) para a autopreservação social, via avanços nos conteúdos dos debates públicos. (CERVI, 2016, p. 18)

A visão pouco positiva do resultado da pós-web para o processo de comunicação de mensagens políticas (e em última estância para o jogo democrático) também é compartilhada por Stephen Coleman (2017). O pesquisador considera que o sistema da comunicação política, formado por agentes jornalísticos, elites políticas e cidadãos foi perturbado com as mudanças apresentadas pelo estabelecimento e população do acesso ao ambiente online. Ressaltando que o debate entre o bem e o mal na internet é “despropositado e redundante”, Coleman (2017, p. 6) aponta pata a possibilidade da pressão democrática popular ganhar força nos espaços virtuais e ainda da importância do ambiente online para o que chama de uma “democracia mais inclusiva”. No entanto, para Coleman (2017) o agir democrático na era das redes digitais é acompanhado de nuances específicos. Na visão de Coleman (2017), quatro fatores “perturbam o sistema de comunicação de mensagens políticas” e, consequentemente, a formação da imagem pública dos agentes públicos. O primeiro fato diz respeito ao que Coleman (2017) chama de “consequências sísmicas da globalização” e que pode ser resumido como profunda integração de atividades econômicas, culturais e políticas, fazendo com que noções anteriores de poder relacionado à ideia de local perdessem sentido. 4

Importante salientar que o debate sobre espaço público e sua configuração é bastante relevante no campo da comunicação. Autores como João Pissarras Esteves (2006) e Jürgen Habermas (1986) são alguns dos pesquisadores que contribuíram com este debate.

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O segundo fator que teria gerado perturbação ao sistema de comunicação política trata do que Coleman (2017, p. 7) conceitua como “colapso” das instituições através das quais o poder político tem sido tradicionalmente mediado. O autor cita o caso dos partidos políticos5 que estariam se afastando dos interesses da base social - tal aspecto fortaleceria a tendência de personalismo político, aspecto também relacionado à formação da imagem pública dos agentes do campo. Sobre o segundo aspecto, Coleman (2017, p. 9) sugere ainda que na maioria dos países democráticos os partidos políticos, as burocracias governamentais e os meios de comunicação de massa são “as instituições menos confiáveis”. Coleman (2017, p. 10) cita o fato dessas instituições passarem atualmente por um processo de reinvenção interna que supere o pensamento “sobre as massas” e de um público passivo por uma abordagem que encare esses sujeitos como parceiros em potencial. O terceiro fato gerador de mudanças na comunicação política, na visão de Coleman (2017), está na alteração do que o autor conceitua como fronteiras entre o público e o privado – para Coleman, essa divisão tornou-se cada vez mais instável. Ao observar o agir democrático na era das redes sociais, o pesquisador faz observações sobre a mudança do que é de foro íntimo ou público6 e a repercussão de tal alteração no campo da comunicação política: “Questões antes consideradas domésticas e íntimas, como dinâmicas familiares, identidades pessoais, relações sexuais e valores estéticos têm sido tomadas como questões de contestação pública. Ao mesmo tempo que questões antes ligadas a uma racionalidade instrumental passaram a ser debatidas em termos de uma sensibilidade experiencial” (COLEMAN, 2017, p. 14)

O autor chama atenção ainda para a estruturação do sistema de comunicação convencional. Concebido para ser um sistema de comunicação linear, o sistema de comunicação política tornou-se “poroso”, na visão de Coleman (2017). O pesquisador defender ainda a ideia de que o projeto democrático, antes restrito a uma esfera pública delimitada (assim como a produção de conteúdo midiático), passou a se infiltrar em di5

Oportuno citar o artigo ‘Partidos Políticos, Preferência Partidária e Decisão Eleitoral no Brasil (1989/2002)’ de Yan de Souza Carreirão e Maria D’Alva G. Kinzo (2004). 6

Defende-se que a mudança entre o que é de cunho público e privado apontada por Coleman (2017) também seria um quesito ligado à construção da imagem pública de um sujeito político, especialmente no campo das redes sociais. Desta forma, esse aspecto também poderá (e deverá) ser levado em conta durante o desenvolvimento do presente projeto de pesquisa e da análise do objeto em questão.

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versas áreas de interação social que não podem ser categorizadas de maneira simples como públicas ou não públicas, políticas ou não políticas. O quarto fator de instabilidade no sistema de comunicação política citada por Coleman (2017) diz respeito ao que o autor chama de estrutura da ecologia de mídia – mecanismo através da qual as mensagens e significados deslocam-se. Ele argumenta que as mudanças nas redes (que também ocasionam alterações no campo do Estado) coincidem com uma descentralização do poder político e a apresentação de novos padrões de ação coletiva dispersa e não ortodoxa. Coleman (2017) considera que aqueles que detêm técnicas de alternância entre redes e exploração de ligações fracas tem uma vantagem nesta era de “governança distribuída”. O argumento é exposto diante do fato da internet, uma rede disponível a centenas de milhões de pessoas, impossibilitar um discurso sobre a centralização dos meios de comunicação e uma distribuição centralizada de mensagens políticas de conhecimento público a um público de massa. Coleman (2017, p.11) considera ainda que: “O surgimento das tecnologias de comunicação digital abalou significativamente as práticas jornalísticas, enfraqueceu os privilégios de gatekeeping, expandiu a definição da agenda, contornou a escassez de informações forjadas7 e abriu um vasto espaço para interação pública autônoma. Esta nova ecologia da mídia não deslocou o antigo sistema de mídia, mas o reconfigurou, deixando os centros de poder comunicativo vulneráveis a uma gama de vozes que eram, anteriormente, fáceis de marginalizar ou ignorar”

As considerações de Coleman (2017) ajudam a objetivar a importância da formação da imagem pública, especialmente em um novo cenário de comunicação política – seja aquele citado por Vasconcellos (2018) como um modelo híbrido ou outro modelo de comunicação no campo político ainda a ser conceituado e devidamente discutido. Fato é que a formação da imagem pública segue sendo objeto central, tanto para o campo da política como para a comunicação. Já em 2004, Wilson Gomes (2004) apontava para a importância de se debater a formação da imagem pública dos agentes do campo da política – há mais de uma década, o autor já observava o valor da discussão sobre a construção da imagem nos estudos Importante questionar o que Coleman (2017) chama de “escassez de informações forjadas” já que a propagação em grande escala de notícias falsas, por exemplo, se tornou uma constante no processo de comunicação política 7

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da comunicação política contemporânea. Gomes (2004) também salientava o papel que a internet teria no campo da comunicação política. Gomes (2004) destacava que naquele momento histórico e político a esfera da comunicação de massa controlaria a única janela entre a realidade política e a maioria dos cidadãos, tendo ampla influência diretamente nas eleições e nos governos. Defendese aqui que a perspectiva acima foi ao menos relativizada diante da ascensão da internet e da popularização das redes sociais, especialmente no que diz respeito à formação da imagem pública dos postulantes a cargos eletivos.

4. Escolhas e caminhos a serem adotados O presente pré-projeto buscará aplicar, com adaptações caso se façam necessárias, a metodologia monitoramento do debate eleitoral utilizada pelo Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP). De acordo com Cervi (2016), a abordagem se baseia na metodologia de análise clássica de conteúdo (AC), que pode ser considerada uma técnica para produzir sentido a partir de um texto focal em um contexto social de maneira objetiva. A análise empírica de dados permite a correlação entre estatística e análise quantitativa dos textos a serem avaliados pelo pesquisador (BAUER, 2002). Desta forma, optou-se por essa abordagem metodológica por acreditar que a análise clássica de conteúdo (AC), com as devidas adaptações para o ambiente das redes sociais, é a forma mais adequada de estudar o objeto em questão8. Cervi (2016) explica que na análise de conteúdo do Grupo os textos são segmentados a partir de características internas. Esses segmentos são classificados por tipologias e variáveis definidas previamente pelo pesquisador – o CPOP já tem classificações e

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Neste momento, optou-se por não delinear quais as redes sociais serão analisadas já que poderiam haver mudanças no cenário de consumo e uso de tais espaços virtuais – essa escolha será executada em um momento posterior. Da mesma forma, optou-se por não especificar a maneira metodológica e prática como os perfis dos(as) prefeituráveis serão avaliados já que esta escolha depende da decisão anterior de delineamento de quais redes serão de fato analisadas.

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tipologias próprias9 que vêm sendo aplicadas em diferentes estudos e no acompanhamento de eleições anteriores10. Ainda de acordo com Cervi (2016), quando quantificadas, as variáveis permitem identificar as principais características globais do conjunto de conteúdo – no caso do presente projeto as variáveis serão compostas por dados retirados das redes sociais dos candidatos ao cargo de prefeito(a) que disputarão as eleições de 2020 nos dez maiores municípios brasileiros. A análise de conteúdo clássica é aplicada há mais de três séculos em textos impressos e, segundo Cervi (2016), pode quase que automaticamente ser transportada para conteúdos eletrônicos (rádio, televisão) ou digitais (texto, imagem e som na internet). O autor afirma que a “ validade da análise de conteúdo não está no texto em si, mas na capacidade informativa que é possível extrair das características agregadas de uma coleção de textos a partir de conceitos anteriores” (CERVI, 2016, p. 28-29). Desta forma, a proposta é de utilizar softwares do pacote estatístico R, especialmente uma plataforma Iramuteq (Interface do R para Análises Multidimensionais de Textos e Questionários), desenvolvida pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas Aplicadas às Ciências Sociais (LERASS). Desta forma, ainda restariam outras escolhas e decisões a serem adotadas. Entre as decisões que ainda deverão ser adotadas está a escolha de quais redes sociais serão analisadas (quais plataformas) e em que período. Além disso, o período de desenvolvimento da pesquisa deverá ainda englobar uma revisão da literatura mais ampla sobre as pesquisas já desenvolvidas no campo, além de discussões teóricas sobre campanhas digitais e sobre o conceito de elite política municipal em grandes cidades.

Referências 9

De acordo com Cervi (2016), o CPOP adota como principais conceitos básicos de metodologia quantitativa de pesquisa empírica, tais como: população, amostra, unidade física, unidade sintática, unidade semântica, unidade de seleção, unidade de análise e variável. 10 O trabalho de conclusão de curso (TCC) do autor, intitulado “Políticas públicas na capa da Gazeta do Povo: uma análise da abordagem jornalística no segundo semestre de 2009 e 2010”, apresentado em 2013, foi baseado em uma metodologia semelhante, na época já compartilhada entre o grupo de pesquisa da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e outros grupos.

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BAUER, Martin W. Análise de conteúdo clássica: uma revisão. In: Pesquisa qualitativa com som, imagem e texto. 3ª ed. Vozes, Petrópolis, 2004 CARREIRAO, Yan de Souza; KINZO, Maria D'Alva G. Partidos políticos, preferência partidária e decisão eleitoral no Brasil (1989/2002). Dados, Rio de Janeiro, v. 47, n. 1, p. 131167, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S001152582004000100004&lng=en&n rm=iso>. Acesso em 8 de fevereiro de 2019 CERVI, Emerson Urizzi; MASSUCHIN, Michele Goulart; CARVALHO, Fernanda Cavassana de (org.). CAMPANHAS ELEITORAIS EM REDES SOCIAIS: TRANSPARÊNCIA OU PORNOGRAFIA?: Os 15 primeiros anos de Análises de Conteúdos de campanhas eleitorais produzidas pelo CPOP. In: Internet e Eleições no Brasil, 1. ed. Curitiba: CWBCom, 2016. 430 p. v. 1. ISBN 978-85-93302-00-8. E-book. COLEMAN, S. O agir democrático numa era de redes digitais. Compolitica, julho de 2017, volume 7, janeiro-julho de 2017. Disponível em: http://compolitica.org/revista/index.php/revista/article/view/110. Acesso em 8 de fevereiro de 2019. ESTEVES, João Pissarra. O Espaço Público e os Media – Sobre a Comunicação entre normatividade e facticidade. Edições Colibri, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Março de 2005, p. 16. GOMES, Wilson. Transformações da Política na Era da Comunicação de Massa. São Paulo: Paulus, 2004. HABERMAS, Jürgen (1986). The Theory of Communicative Action: The Critique of Functionalist Reason, vol. 2, Cambridge, Polity Press, 1986. THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Ed. Vozes, 1998 VALLESPÍN, F. La mentira os harálibres: realidad y ficción en la democracia. Barcelona: Galaxia de Gutenberg, 2014.
 VASCONCELLOS, Fábio. Campanha eleitoral: jovens buscam informações pelas redes e TV; mais velhos preferem a televisão, 2018. Disponível em: https://fabiovasconcellos.com/2018/09/14/campanha-eleitoral-jovens-buscam-informacoespelas-redes-e-tv-mais-velhos-preferem-a-televisao/ . Acesso em 15 de setembro de 2018

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Política dos likes: análise das fanpages de prefeituras e prefeitos das capitais brasileiras no Facebook Fernando Wisse Oliveira Silva1 Universidade Federal do Paraná

Resumo: Este trabalho tem por objetivo principal realizar um levantamento e avaliação de ações de governança digital, destacando aquelas que podem auxiliar no maior engajamento dos cidadãos nas atividades da esfera púbica. Mais especificamente, procura-se avaliar o emprego das redes sociais digitais como meio de comunicação para a gestão municipal. Com análise das fanpages no Facebook de prefeituras das 25 capitais brasileiras e de seus respectivos prefeitos, busca-se verificar se são apresentados resultados tangíveis na utilização dessas plataformas para engajamento online dos cidadãos. Para a caracterização e estudo comparado de tais experiências, utilizamos a análise de conteúdo e testes de correspondência múltiplas para entender quais os fatores associados ao uso do Facebook para a gestão do governo local. Os resultados mostram um padrão de uso nas fanpages com prevalência de postagens que mostram a prestação de serviços fortemente atrelada à políticas de imagem de instituição e gestores. Palavras-chaves: Comunicação pública; Mídias sociais digitais; Facebook; Engajamento online; Política de Imagem.

1. Introdução O desenvolvimento das tecnologias das informação e comunicação (TICs) e o aumento do uso da internet têm alterado processos de comunicação online nas sociedades contemporâneas (MAINKA et al., 2014). Parece, então, natural para os governos adentrarem esses ambientes onde boa parte das interações sociais acontecem. A internet vem servindo como um elo importante entre governo e sociedade, emergindo como um fator impulsionador de iniciativas de participação cidadã devido ao seu potencial de informar, educar e capacitar os cidadãos. As redes sociais digitais, por exemplo, se destacam entre essas tecnologias pela sua característica de promover interações sociais através do meio digital. Embora muitos estudos analisem o engajamento online de candidatos em períodos eleitorais e em sites de agências governamentais, parlamentares e partidos políticos, muito poucos es-

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Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: fernandowisse@gmail.com Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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tudos exploraram interações online de instituições e gestores durante o exercício do mandato, principalmente em nível local entre cidadãos e municípios. As instituições públicas também adotaram esses novos canais de comunicação e usam as mídias sociais para vários propósitos, um dos quais é superar as barreiras à comunicação frequentemente encontradas no setor público (HOFMANN et al., 2013). Muitos autores observaram que o uso das mídias sociais na esfera pública pode melhorar a comunicação, publicidade, engajamento dos cidadãos, transparência, confiança, democracia e transferência de boas práticas entre órgãos governamentais, entre outros benefícios (BERTOT et al., 2012; PICAZO et al., 2012). Pelo potencial democrático das mídias sociais digitais apresentado pelos autores que embasam esse trabalho, a pesquisa procura responder se estaria sendo a comunicação pública ou uma política de gestão da imagem que está direcionando as iniciativas de interação promovidas por esses órgãos e seus respectivos gestores. A utilização de redes sociais digitais como mecanismo de contato direto com os cidadãos do município estaria reforçando caráteres participativos e de promoção da publicidade, transparência pública e accountability? Para isso, o trabalho começa uma discussão sobre como esse potencial democrático está atrelado à busca por visibilidade pública e que isso não necessariamente faz com que um anule o outro. Mostrar-se como um governo mais aberto e disposto a interagir com a população também tem o intuito de angariar simpatia dos representados, tendo em vista de que a gestão municipal possui o controle do que se quer comunicar através de meios próprios. Em seguida, traz-se essa discussão para o uso de mídia sociais por agentes do poder público, mais especificamente, para as fanpages de prefeituras e prefeitos das capitais brasileiras no Facebook.

2. Comunicação pública na gestão municipal: interesse público e política de imagem Na administração pública, os governos municipais são os que estão mais próximos do cotidiano dos cidadãos, sendo os responsáveis por boa parte dos atendimento à população, tanto na prestação de serviços como na divulgação de informações de aspectos importantes da gestão pública (KNIGHT; FERNANDES, 2006). Apesar de sua im-

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portância, ainda não são muitos os estudos, na área da comunicação e ciência política, que têm como foco o município. A fim de destacar a legitimidade da ação estatal, os governos criam organismos de participação popular que seguem a tendência de governança democrática, contemplando a permanente avaliação da cidadania. O objeto é tudo aquilo que diz respeito à sociedade como um todo e que produz efeitos sobre as interações entre os diferentes componentes sociais, chegando a atingir até mesmo as esferas privadas (MANCINI, 2008). A internet surge como um ambiente em potencial onde essas iniciativas podem ser colocadas de forma mais efetiva, incluindo instâncias virtuais como um espaço de debate sobre as ações do poder público, oferecendo estreitamento de laços com a sociedade, mas também de visibilidade às gestões públicas.

2.1 Comunicação pública na internet: promoção da cidadania e busca por visibilidade

Alguns autores defendem que a utilização de novos estilos de governança, onde a comunicação pública é mais presente, baseados num maior envolvimento dos cidadãos, irão mudar as perspectivas e atitudes e melhorar a confiança do público nos governos (GARCÍA-TABUYO et al., 2016). Nesse contexto, as mídias sociais digitais oferecem aos governos a oportunidade de integrar informações e opiniões dos cidadãos no processo de formulação de políticas de maneira inovadora e, assim, aumentar a transparência através da troca de informações via mídia social (BERTOT et al., 2010; MERGEL, 2013). Espera-se também que as mídias sociais aumentem a transparência, a participação e a colaboração do governo, fornecendo aos cidadãos informações sobre a gestão pública que está sendo conduzida (MAINKA et al., 2014). Principalmente quando se fala em governo local, as potencialidades que o uso dessas redes podem trazer para a democracia, aproveitando esta oportunidade para prestação de serviços e aumento do envolvimento dos cidadãos nos assuntos políticos e sociais. Em suma, as páginas municipais do Facebook representam um potencial significativo para melhorar as comunicações entre os cidadãos e as autoridades, mas introduzem obstáculos que podem impedir que as autoridades façam o uso ideal dessas ferramentas

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de mídia social. Os governos locais, a partir dessas plataformas, teriam interesse em fornecer mecanismos de input social e promoção da transparência e accountability? Ou seriam, conforme afirmam Tejedo-Romero e Araújo (2018), os governos locais são mais discretos quando se trata de tomar decisões? Outro aspecto relevante para adoção das redes sociais por agentes do campo político é a busca por maior visibilidade pública. Estar inserido em plataformas como Facebook, Instagram e Twitter também possui o intuito estratégico de gestão da imagem pública de instituições e indivíduos. Nas duas últimas décadas, as tecnologias digitais forneceram e continuam a fornecer ferramentas para um poder e uma influência mais complexos e diversificados. Devido ao seu potencial de promover interações digitais, servem ainda como meio de aproximação com o eleitorado. Logo, também é razoável supor que interesses particulares podem estar servindo como mote principal de iniciativas que num primeiro momento estariam atendendo ao interesse público (MIOLA; MARQUES, 2019). Qualquer iniciativa de comunicação política que tem como objetivo estratégias de imagem pode promover ganhos para atores políticos em termos de reputação (GRABER, 2003; WEBER, 2017). A maior visibilidade serve tanto para instituições quanto para indivíduos, de forma que, no caso das prefeituras, a gestão da cidade fica muito centrada na figura do prefeito. Por isso, há necessidade de analisar como os prefeitos se comunicam com os cidadãos através dessas plataformas em vez de olhar apenas para a instituição Prefeitura. Ainda assim, os tomadores de decisão podem ter reservas sobre o estabelecimento de uma página municipal no Facebook, já que conteúdo negativo, comentários críticos e linguagem imprópria que podem aparecer na página são vistos por grandes públicos. De fato, estudos demonstram que os tomadores de decisão frequentemente tendem a ter cautela seu uso de plataformas interativas para evitar a criação de plataformas para problemas e oposição problemáticos (FEENEY ET AL., 2011; LEV-ON, 2011; MOON, 2002; MOSSBERGER, 2013; NORRIS E REDDICK, 2013; STROMER-GALLEY, 2000). Logo, é necessário refletir como essas apropriações estão se estabelecendo no contexto municipal para despertar a atenção do público. Tem-se aqui a hipótese de que, ao centrar sua comunicação em tom mais personalista, o agente político pode tornar público detalhes de sua rotina de trabalho que podem, em certa medida, contribuir pra uma

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maior visibilidade na sua atuação como gestor. No caso dos prefeitos, especificamente para esse trabalho, ao publicar postagens relativas a sua rotina como gestor, o prefeito pode tornar a governança mais próxima dos cidadãos do município, sobretudo para aqueles que o seguem nas redes sociais. Além disso, acredita-se que postagens como essa também possam aparecer nas fanpages das próprias prefeituras, ainda que com teor personalista mais atenuado.

3. As fanpages das prefeituras e dos prefeitos Como corpus empírico, analisaremos as postagens nas fanpages das prefeituras de 25 capitais e nas de seus respectivos 25 prefeitos, totalizando 50 páginas. A capital do Acre, Rio Branco, não entrou para análise tendo em vista que a sua atual prefeita, Socorro Neri, não possui uma fanpage no Facebook, apenas um perfil pessoal. Logo, por conta das políticas de privacidade do site, não foi possível realizar a coleta das postagens da prefeita. A coleta do Netvizz das páginas analisadas nessa pesquisa foi realizada entre os dias 15 e 18 de maio de 2019. A análise das postagens foi realizada durante a segunda semana de junho de 2019 (entre o dia 04 e 10 de junho). Como se trata de um estudo exploratório, optou-se por realizar um recorte temporal de 3 meses, referente aos meses de fevereiro a abril de 2019, a fim de se ter uma ideia do quantitativo de postagens. Porém, como se tratavam de mais de dez mil mensagens, optou-se por realizar um segundo recorte, onde se analisaria 50 postagens de cada uma das páginas. Duas fanpages não atingiram 50 postagens nos três meses de coleta, obrigando a realizar uma coleta temporal mais extensa para que se atingisse o mínimo de publicações para se equiparar às outras do corpus de análise. Para análise das postagens, utiliza-se o método desenvolvido por Miola e Marques (2019) de divisão em dois conjuntos de categorias. O primeiro deles diz respeito às publicações com foco na comunicação que promove as ações das prefeituras – ou seja, ações promovidas pela instituição que têm o intuito de informar e prestar serviços para a população. A denominação “Comunicação de interesse público” foi atribuída a esse grupo de categorias, que conta com as seguintes categorias:

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a) Serviços: direcionada à ações promovidas pela instituição como obras, cam-

panhas e prestação de serviço aos cidadãos de modo geral; b) Informativo: postagens com intuito de fornecer informações e deixar mais

claro para o cidadão sobre o funcionamento dos órgãos municipais; c) Gestão: nessa categoria estão as postagens onde tanto prefeitos quanto pre-

feituras estão focadas em utilizar uma metalinguagem, expressando como funciona a gestão de órgãos públicos. O segundo grupo de categorias também a mesma linha proposta por Miola e Marques (2019) com a noção de “Políticas de Imagem”. As postagens compreendem tanto a construção da imagem pública das prefeituras, como dos prefeitos e agentes internos e externos. Entende-se aqui que ao utilizar postagens mais personalistas em agentes específicos, as publicações podem priorizar estratégias voltadas para períodos eleitorais, com o intuito de favorecer interesses privados. d) Imagem (institucional): identificada a partir de publicações e ressaltavam o

teor de campanha que ressaltam o trabalho coletivo da instituição e que gera ganhos não apenas para a organização, mas também para os grupos que exercem o poder municipal; e) Imagem (prefeito): ocorre na menção ou aparição do prefeito e gera promo-

ção da imagem individual do gestor; f)

Imagem (agentes internos): menção específica de agentes que fazem parte do corpo de trabalho da prefeitura;

g) Imagem (agentes externos): menção ou aparição de agentes do campo políti-

co que não compõem o corpo de trabalho da gestão municipal, como governadores e ministros; h) Meme: utilização de recursos gráficos populares na internet que não possu-

em uma ligação direta com a atuação da gestão pública e que possuem o intuito de trazer humor para as postagens; i)

Outros: postagens que não se enquadram em nenhuma das categorias supracitadas. No caso das fanpages das prefeituras e prefeitos, eram postagens de fotografias de pontos da cidade, sem mais informações.

Sabe-se que por se tratar de uma categorização individual, o risco de a subjetividade ter forte influência sobre a classificação é um risco para a pesquisa. Na tentativa de Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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amenizar esse impacto, percebeu-se logo no início que dificilmente os posts se enquadravam em apenas uma categoria das categorias supracitadas, então, como estudo exploratório, decidiu-se por realizar uma dupla categorização, onde as publicações poderiam possuir até duas classificações2. Procura-se, então, mensurar prestação de contas, engajamento e personalismo na comunicação online promovida por prefeitos e prefeituras através de suas respectivas fanpages no Facebook.

4. Análise das postagens nas fanpages A análise das 2500 publicações das páginas no Facebook de prefeitos e prefeituras das capitais brasileiras a partir da classificação proposta nessa pesquisa indica que a estratégia dos gestores de comunicação dos órgãos e dos gestores se concentra na divulgação de prestação de serviços, onde o internauta/cidadão atua como cliente da instituição/ representante.

Válido

link foto status vídeo Total

Tabela 1 – Tipo de postagem Porcentagem Frequência Porcentagem válida 124 5,0 5,0 1592 63,7 63,7 43 1,7 1,7 741 29,6 29,6 2500 100,0 100,0

Porcentagem cumulativa 5,0 68,6 70,4 100,0

Fonte: Autor

Houve uma preferência por imagem que traziam fotografias e composições gráficas, reforçando o apelo visual que a mídia sociais digitais possuem conjuntamente com os vídeos, o que revela o aspecto profissional e estratégico das fanpages (Tabela 1). Tais dados mostram que as publicações são estrategicamente montadas e demandam uma produção de conteúdo especializado para aquele tipo de plataforma. A comunicação voltada para serviços prestados pela gestão municipal aparece em 47,7%, sendo grande maioria das postagens na primeira conduta e em 20,1% como segunda conduta. Logo em seguida, temos as utilização de postagens focadas na figura 2

Os posts podem, inclusive, trazer elementos de interesse público e de gestão de imagem ao mesmo tempo. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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do prefeito em 19,2% das postagens como primeira conduta e 21,3% como segunda conduta. Postagens informativas vêm logo em seguida, apresentando resultados bastante similares com 18,4% como primeira classificação e 20,7% como segunda classificação. Depois temos a imagem institucional aparecendo com 8,3% como característica principal da postagem e 18,8% como característica secundária. A categoria “Outros” aparece com 1,8% das publicações, sendo principalmente a divulgação de pontos turísticos das capitais brasileiras acompanhadas, em alguns, casos de breves saudações. Imagem de agentes internos e externos apareceram em quantidades similares sendo pouco superior a 1% em ambas as classificações. Os memes foi uma linguagem que pouco apareceu nas publicações das gestões municipais, ficando limitada principalmente às fanpages das instituições, com exceção da prefeita de Boa Vista (RR), Teresa Surita, que utilizou esse recurso comunicacional também como forma de autopromoção. A análise apresentou 354 postagens que não tiveram uma segunda classificação, sendo 45 dessas que entraram na categoria Outros. Essas postagens representam 14,2% do total de publicações com temática secundária.

4.1 Engajamento nas postagens

Uma forma de medir como um tipo de mensagem surte mais efeito junto ao público é através das métricas disponibilizado pelo próprio Facebook, onde é possível mensurar curtidas, comentários, reações e compartilhamentos de cada uma das postagens analisadas. O cálculo de engajamento se deu através da soma do número de comentários, reações e compartilhamentos de cada publicação do corpus de análise. Apesar de “Meme” ter sido a categoria que menos apareceu nas 2500 postagens analisadas, foi o tipo de publicação que mais gerou curtidas e engajamento nas fanpages quando o meme foi o assunto principal da publicação, ficando em segundo lugar quando era o assunto secundário. Tais postagens atuam como política de imagem na medida que se assemelham à propagandas, atuando com função persuasiva sobre os seguidores a partir de elementos facilmente reconhecidos pela audiência (CHAGAS, 2018). Ressaltar

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a imagem do prefeito também foi uma das estratégias que mais gerou likes e engajamento na página, apesar de estar bem abaixo das postagens com memes. Chama a atenção o fato das publicações que consideramos como de “interesse público” são algumas das que menos geram likes e engajamento nas fanpages de prefeituras e prefeitos. O pico na categoria Imagem (agentes externos) se dá através de postagens com a menção à governadores dos respectivos estados e, principalmente, à menção ao presidente da República Jair Bolsonaro. Tal fato talvez possa ser explicado pela legião de fãs que Bolsonaro possui nas redes sociais, o que leva à uma migração de likes para favorecer a imagem do presidente. 4.2 Distinções entre as fanpages de prefeituras e prefeitos A fim de entender a rotina de produção de conteúdo das página, foram coletados três meses de publicações. A partir disso, foi possível perceber uma notável diferença no volume de publicação entre as fanpages das prefeituras e dos prefeitos. Apenas o prefeito de Curitiba, Rafael Greca, e a prefeita de Palmas, Teresa Surita, postaram mais do que as fanpages de suas respectivas prefeituras. Apesar do maior número de postagens nas fanpages da prefeitura, as páginas do prefeitos tiveram as médias de comentários, reações, curtidas e seguidores bem superiores. Tanto as fanpages das prefeituras como as dos prefeitos apresentam uma variação considerável com relação ao número de curtidas e seguidores. Logo, espera-se que o padrão de postagens também sofra grande variação. Porém, as páginas apresentam um padrão de uso similar, conforme mostra a análise de conteúdo realizada nesta pesquisa. Nas 2500 postagens analisadas, se dividirmos em prefeituras e prefeitos temos a seguinte divisão por categorias:

Tabela 2 – Frequência de categorias entre as fanpages Tipo Prefeitura

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Prefeito

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Contagem Conteudo1

Serviços

Contagem

N % da coluna

618

49,4%

575

46,0%

13

1,0%

19

1,5%

Informativo

393

31,4%

67

5,4%

Imagem (institucional)

144

11,5%

63

5,0%

Imagem (prefeito)

33

2,6%

448

35,8%

Imagem (agentes internos)

10

0,8%

24

1,9%

Imagem (agentes externos)

3

0,2%

35

2,8%

Meme

9

0,7%

1

0,1%

Outros

27

2,2%

18

1,4%

297

26,7%

205

19,9%

6

0,5%

49

4,7%

Informativo

370

33,2%

147

14,2%

Imagem (institucional)

358

32,1%

113

10,9%

Imagem (prefeito)

56

5,0%

476

46,1%

Imagem (agentes internos)

11

1,0%

15

1,5%

Imagem (agentes externos)

1

0,1%

24

2,3%

Meme

15

1,3%

3

0,3%

Outros

0

0,0%

0

0,0%

Gestão

Conteudo2

N % da coluna

Serviços Gestão

Fonte: Autor

Prefeitos e prefeituras deram destaque à prestação de serviços nas publicações das fanpages. Tal constatação mostra a preocupação desses agentes em divulgar as ações institucionais perante os seguidores das fanpages, tornando a gestão mais próxima dos seguidores da página. O feed de postagens atua principalmente como uma prestação de contas onde instituição e gestores expõe por meio de recursos audiovisuais cada realização da gestão municipal. As prefeituras também postam mais publicações de caráter informativo, dando prioridade ao que chamamos de comunicação de interesse público. A imagem institucional também aparece muito atrelada como classificação secundária, isso mostra uma congruência entre a comunicação institucional e o marketing organizacional. A imagem institucional aparece na forma de vídeos em formato de teasers publicitários e na promoção de campanhas que têm o intuito de fornecer uma imagem favorável da atual gestão. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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Como esperado, os prefeitos fazem um esforço constante de autopromoção em suas próprias páginas, tanto como intenção principal como secundária através das postagens. A utilização de recursos como selfies e vídeos gravados em primeira pessoa, estão constantemente relacionados à atuação como gestor. Mesmo em situações onde se tratava de uma obra institucional e coletiva, as fanpages dos prefeitos tendem a estar focadas na autopromoção.

5. Discussão dos achados e conclusões Mídias sociais digitais em geral e o Facebook em particular se mostram como ferramentas que podem ser úteis para promover a abertura, a transparência, o envolvimento dos cidadãos e a colaboração com a gestão pública. Dessa forma, os governos locais podem ganhar reputação e confiança, reduzindo custos e gastos com marketing se comparado às tabelas de mídias mais convencionais. Parece natural que a fanpage do prefeito tenha o intuito de ressaltar a imagem do gestor, tendo em vista que trata-se, antes de tudo, de uma página individual. Porém, é interessante notar como isso aparece também na página institucional. Casos como da prefeitura de Fortaleza e de seu respectivo prefeito, Roberto Cláudio, apresentam conteúdos bastante similares, onde, em muitos casos, não há qualquer diferenciação entre o que é postado na fanpage da prefeitura e na fanpage do prefeito. Tal percepção mostra que existe um trabalho conjunto de ambas as páginas em reforçar a imagem do gestor em grande parte das publicações. Mesmo assim, não é possível dizer que existe uma alta interconexão entre as páginas de prefeitos e prefeituras. Já se esperava que ambas fossem tratar de temáticas similares, mas as fanpages pouco citam uma à outra. Das 2500 postagens analisadas, houveram apenas 23 casos de compartilhamentos de conteúdo entre as fanpages e nenhuma citação direta entre as páginas no período analisado. Em diversos eventos, as postagens eram literalmente iguais, como no caso da Prefeitura de Fortaleza e prefeito Roberto Cláudio, porém os gestores das páginas preferiram que as publicações não se conectassem. A análise dos dados coletados para esta pesquisa mostra que publicações

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que exaltam a imagem pública dos prefeitos recebem mais curtidas e tem maior engajamento do que as que tratam apenas de prestação de serviços e informativos. A utilização de um estilo de comunicação mais personalista aponta para uma “política de likes”, onde os gestores se apropriam de recursos utilizados por usuários comuns dessas Redes. Selfies e vídeos em primeira pessoa aparecem mais como estratégia de autopromoção da imagem pública do gestor do que uma inserção os internautas nas políticas promovidas pela sua gestão. Os resultados mostram heterogeneidade no volume de publicações, mas também evidencia um certo padrão de uso entre as estratégias de comunicação das fanpages, tendo em vista que algumas categorias como “Serviços” e “Imagem (prefeito)” são bastante exploradas em relação a outras. Em grande parte das postagens dos prefeitos analisadas, por exemplo, atrelam a prestação de serviços como um portfólio de realizações do gestor, como uma carta de intenção para a continuidade da sua carreira política. Ainda que fique evidente que a atualização constante de postagens torne as ações das prefeituras parte do cotidiano de seus seguidores, é difícil afirmar que isso está aumentando a transparência desses governos. Tendo em vista que a totalidade das postagens só trata de assuntos benéficos para a gestão, os governos locais ainda assumem posturas bastante conservadoras à níveis de interação com os usuários. Porém, é inegável que, ao seguir essas páginas, os cidadãos estarão mais informados sobre as ações da gestão municipal. Em razão do grande volume de dados coletados, o artigo deixou de lado outras dimensões que também seriam interessantes para a análise de política de imagem, principalmente com relação a utilização de outras mídias online e de aparelhos móveis atrelados ao Facebook. Tampouco explorou-se os contextos políticos específicos de cada capital ou os partidos aos quais os prefeitos estão atrelados. Futuras pesquisas fazem-se necessárias para apreender como essas formas de interação entre poder público e sociedade acontecem por meio das mídias sociais digitais.

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Debate político online: Padrões de tratamento à Bolsonaro em vídeos do canal ‘Movimento Brasil Livre’ no YouTube Bruno Washington Nichols1 Universidade Federal do Paraná

Resumo: A proposta deste trabalho consiste no mapeamento dos padrões de tratamento dispensados ao atual Presidente da República Federativa do Brasil durante o primeiro semestre de 2019 nos comentários realizados em vídeos políticos no canal Movimento Brasil Livre no YouTube. Espera-se haver divergências quanto ao tipo majoritário de tratamento ao Presidente em relação aos seus seis primeiros meses de governo. A principal hipótese é a de que o padrão majoritário de tratamento à Jair Bolsonaro enveredou para uma relação de distanciamento ou oposição ao Chefe do Executivo. A metodologia consiste na aplicação da Análise de Conteúdo e a coleta dos comentários, por sua vez, foi obtida via YouTube Data Tools. Palavras-chave: Debate político online; Comunicação Política; YouTube; Movimento Brasil Livre; Jair Bolsonaro.

1. Introdução As redes sociais online estão cada vez mais presentes no cotidiano de nossa sociedade. Seja através da popularidade de empresas como Facebook e Google ou à gratuidade na utilização das plataformas oferecidas por essas e outras grandes empresas de tecnologia, cada vez mais indivíduos passam a fazer parte das chamadas redes sociais e a trocar informações, via online, sobre assuntos ligados a diversas temáticas – dentre elas, está a discussão de assuntos políticos. Nesse contexto, mais do que receptores de informações, os usuários também são produtores de conteúdo (MASSUCHIN et al., 2016). Assim, a relação sobre as trocas de informações entre indivíduos pode representar ganhos democráticos ou antidemocráticos (MAIA, 2007). Assumir a premissa de que os indivíduos são, também, produtores de conteúdo é admitir sua capacidade de influenciar em discussões online sobre 1

Doutorando em Ciência Política no PPGCP-UFPR. Pesquisador ligado aos grupos de pesquisa Comunicação e Participação Política e Comunicação Eleitoral (UFPR). E-mail: bru.nichols@gmail.com.

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temas políticos. É, também, assumir que existem aspectos positivos e negativos sobre as possibilidades de participação que as plataformas digitais oferecem aos seus usuários. É inegável que a comunicação política se tornou objeto de estudos sob a ótica democrática (GOMES, 2017). Nesse sentido, fatores positivos e negativos foram elencados por pesquisadores, ao longo das décadas, apontando para as características democráticas e antidemocráticas do meio. Para Boyd e Elisson (2007), os benefícios do online variam desde a capacidade de busca pelas informações até a viabilidade quanto ao levantamento de opiniões. Gomes (2005) vai além na discussão sobre os benefícios ao apontar quesitos como interatividade, conforto e praticidade do meio. Porém, as críticas ao online precisam ser consideradas. Em um primeiro momento, a praticidade, a falta de censura ou de filtros prévios, a instantaneidade e a rapidez na publicação de quaisquer tipos de dados, textuais ou não, são fatores que tendem a prejudicar a confiabilidade das informações publicadas e podem ser entendidos como maléficos para ambições democráticas relativas ao meio. Sobre isso, parte da literatura sobre Internet & Política pode ser dividida, grosso modo, em três momentos. O primeiro deles esteve focado na relação dos potenciais do meio de forma otimista; por sua vez, a segunda fase esteve dedicada em apresentar interpretações pessimistas sobre o meio; por sua vez, o terceiro momento é dedicado a considerar fatores extrínsecos ao meio, como, por exemplo, a cultura política de uma sociedade. Conforme Gomes (2005), a corrente otimista trazia esperanças sobre “à renovação das possibilidades de participação democrática” (p. 63). Ainda para o autor, esta fase pode ser entendida sob 07 aspectos principais, são eles: i) participação política sem limitação de espaço-tempo, ii) capacidade de armazenamento de dados, iii) baixo custo e comodidade, iv) facilidade de acesso, v) não censura prévia, vi) potencial de interação e vii) maiores chances de grupos minoritários serem ouvidos (GOMES, 2005). Já a vertente pessimista enxergou no meio capacidades prejudiciais quanto ao debate democrático, por um lado, e, por outro, tratou o online não como revolução, mas como novas formas de executar tarefas antigas (TYLER, 2002). Além disso, segundo Papacharissi (2002), não adianta apenas possuir e popularizar o meio, mas sim ter uma 96 Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública


sociedade que se interesse em debater política. Além disso, para a autora, as discussões no online não são democráticas e nem inclusivas (PAPACHARISSI, 2002). Hill e Hughes (1998) chegaram em conclusão parecida ao pesquisar debates online – em seu estudo, os autores concluíram que os conservadores dominaram as discussões digitais mesmo quando os liberais eram maioria no fórum de discussão analisado. Assim, temos a conclusão de que não só o meio é importante, mas também a vontade política dos cidadãos. Com base no que foi exposto acima, a presente pesquisa tem por objetivo identificar o padrão de tratamento de consumidores de conteúdo de uma autodeclarada organização política. Trata-se, em primeiro lugar, de um estudo exploratório e em construção sobre as táticas argumentativas, identificadas via comentários, com relação direta ao Presidente da República Federativa do Brasil em seus seis primeiros meses de mandato. Portanto, o trabalho está organizado da seguinte forma: em primeiro lugar, há uma seção especificamente destinada para as reflexões sobre a atual relevância do YouTube para pesquisas sobre discussão de temas políticos. A seguir, encontra-se uma subseção com a finalidade de especificar os motivos pelos quais o Movimento Brasil Livre foi escolhido como objeto que concentra as unidades de análise utilizadas nesta pesquisa. Por fim, encontram-se os detalhamentos metodológicos, bem como são apresentados os resultados iniciais obtidos e as conclusões finais sobre as informações obtidas.

2. YouTube e Política A ideia em analisar o YouTube e não o Facebook pode ser defendida em algumas perspectivas. A primeira delas é sobre a viabilidade metodológica. Atualmente, o Facebook restringiu sua API, reforçando a segurança dos seus usuários. Isso se deve ao escândalo envolvendo o uso não consensual de informações de mais de 50 milhões de pessoas, por intermédio da empresa especializada em dados Cambridge Analytica, canalizado para as eleições presidenciais nos Estados Unidos em 2016 (FOLHA, 2018). Em resposta, no dia 05 de fevereiro de 2018, o Facebook removeu o acesso a API de uma gama de elementos nas páginas públicas desta rede como, por exemplo, todas as informações do usuário, inviabilizando a distinção de usuários nas planilhas dos 97 Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública


comentários e, por consequência, tornando o Netvizz inadequado para este tipo de proposta. Já o YouTube não realizou alterações em sua API no sentido de restrição e proteção dos dados de seus usuários, sendo possível extrair os dados e metadados com menores dificuldades e, assim, garantindo a viabilidade da proposta. Em segundo lugar, analisar o YouTube, no Brasil, é tarefa menos frequente do que redes sociais online como Facebook e Twitter. Em buscas por pesquisas científicas nacionais realizadas em 2018 nas plataformas Scielo, Periodicos (CAPES), Google Acadêmico e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), foi encontrada maior quantidade de pesquisas na área de Internet e Política que envolviam o Facebook e Twitter do que o YouTube. Assim, essa proposta evita pesquisar as redes já popularizadas neste campo. Por fim, defende-se que o YouTube seja um importante vetor para assuntos políticos. Criado em 2005, tornou-se popular já em 2006, sendo adquirido pelo Google no mesmo ano (OLIVEIRA; SARMENTO; MENDONÇA, 2014). Além disso, outro aspecto importante do YouTube pode ser encontrado em Evans (2016). O autor, ao analisar o conflito Israel-Palestina no YouTube, afirmou que os vídeos desta rede são assistidos por um público heterogêneo e não, como postula a teoria da exposição seletiva, unicamente por aqueles que já apoiavam o teor dos vídeos. Desse modo, o YouTube romperia a lógica da câmara de eco. O autor também afirma que, ao contrário do que ocorre em Facebook e Twitter, as pessoas que utilizam o YouTube não se registram para receber informações de fontes específicas, como seguidores/amigos e, por isso, possuem maior propensão a encontrar informações por acaso ao invés de ser dirigida à ela por alguém com a quem o usuário compartilhe da mesma perspectiva política (EVANS, 2016). Por fim, é preciso destacar que o motivo da escolha pelo YouTube e não por outras redes digitais como o WhatsApp e o Facebook, não se deve por questões de popularidade – apesar de que, segundo dados do Latino Barômetro (2018), o YouTube é a terceira rede mais utilizada no país, ficando atrás das demais citadas, respectivamente. Trata-se, em resumo, da análise sobre um tema atual dentro de uma rede social online pouco ou menos analisada no contexto da comunicação política brasileira. 2.1 Movimento Brasil Livre 98 Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública


A proposta deste trabalho consiste no acompanhamento de padrões de comentários nos seis primeiros meses de mandato, ou seja, em período extemporâneo ao eleitoral. Desse modo, o objeto do qual serão extraídas as informações consiste em uma organização denominada Movimento Brasil Livre. O Movimento Brasil Livre, também conhecido por MBL, pode ser entendido como uma organização social que pratica ativismo político, compartilhando de valores liberais, sendo também uma “instituição de formação de opinião” (BARBOSA, 2017, p. 2). Para Barbosa, o que chama atenção neste movimento é a sua organização, oferecendo “suporte, estrutura e ferramentas formativas, presenciais e através de plataformas on-line, destacando-se pelo suporte de comunicação e educação on-line que disponibiliza para seus usuários” (BARBOSA, 2017, p. 8). Em seu site2, o MBL se define como uma organização não governamental de ativismo político liberal, além de apontar as propostas e os parlamentares em atual mandato que são filiados ao grupo. Em números de setembro de 2018, o MBL conta com mais de 1.300 vídeos e 546 mil inscritos em seu canal do YouTube. Entende-se, portanto, que o MBL se tornou um player da política brasileira ao longo dos últimos anos, tendo construído e mantido parte de sua base através das redes digitais, incluindo o YouTube. Além disso, é notório que o MBL ganhou popularidade a partir dos protestos ocorridos no Brasil em 2013, apesar de ter estreado nas redes digitais em 2014 (SUSSAI; RAMOS, 2018). Outro fato importante sobre o movimento é o de que o MBL foi uma das 50 páginas online que mais cresceram ao longo das manifestações de junho de 2013 – além disso, para o autor, movimentos como o MBL cresceram por manter postura contra o governo vigente de então e ao apostar “no combate à corrupção” (AMADEU, 2014, p. 32). O MBL também se posiciona como um movimento que objetiva a inserção de seus membros e propostas em espaços representativos de poder, como o Congresso Nacional, além de gozar de fatores como popularidade nas redes e “a disseminação de ideias de vida e propostas políticas por meio de redes sociais digitais e canais virtuais de

2

Disponível em: http://mbl.org.br

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comunicação como o Facebook, o YouTube, o Twitter e o Instagram” (YANAMOTO; MOURA, 2018, p. 153). Realizada as considerações sobre a importância do estudo de padrões de tratamento ao Bolsonaro em um canal de um movimento autodeclarado liberal, de relevância política, dentro de uma plataforma ainda pouco explorada cientificamente no campo de comunicação política, a próxima seção trata dos procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa, bem como contém detalhamentos sobre o corpus utilizado.

3. Metodologia A metodologia apresentada está calcada em dois momentos. O primeiro deles corresponde à etapa de coleta/raspagem dos comentários. Para isso, foi utilizado o site de extração de dados “YouTube Data Tools”. A escolha do YouTube Data Tools devese à sua simplicidade e pela não limitação no número de coletas. Em resumo, o YouTube Data Tools é um site no qual é possível coletar informações sobre qualquer vídeo do YouTube que esteja em modo público. Ao coletar dados sobre os vídeos, o site disponibiliza quatro arquivos. O primeiro deles corresponde às estatísticas básicas do vídeo analisado. O segundo arquivo contem os comentários e suas réplicas. O terceiro destina-se a apresentar apenas o nome dos autores dos comentários e, por fim, o último arquivo corresponde a rede de relações entre os comentários e comentadores. Após a raspagem dos comentários, foi realizada a primeira filtragem no sentido de selecionar somente os comentários cujos continham citações diretas à Jair Bolsonaro. Para a viabilidade da pesquisa em andamento, foram selecionados os primeiros vídeos sobre temas políticos de cada mês – assim, neste momento inicial, o corpus é constituído pelos comentários nos vídeos dos seis primeiros meses de mandato. Após a coleta dos vídeos e a filtragem dos comentários, foi criado um livro de códigos incipiente contendo apenas cinco variáveis, são elas: Valência (DOXA, 1998) (positiva, negativa ou neutra em relação ao Bolsonaro), Endereçamento (ou seja, se o comentário estava direcionado ao Bolsonaro ou se a citação ao Presidente é acessória), Reflexividade (JENSEN, 2003; CPOP, 2014) – persuasão, progresso, radicalização e 100 Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública


outros –, Citação ao MBL (quando o comentário cita o canal ou seus membros) e, por fim, Apoio/Crítica ao MBL. A partir das explicações realizadas, a próxima seção trará os dados iniciais obtidos.

4. Resultados Através da aplicação metodológica, os dados a seguir correspondem à análise dos comentários que citaram Jair Bolsonaro nos primeiros meses de mandato. A primeira tabela diz respeito às frequências gerais sobre a relação de comentários endereçados e não endereçados ao Presidente. Como é possível perceber, o número de comentários no qual Bolsonaro é o foco corresponde à 66% do total analisado, representando 249 de 374 de comentários.

ENDEREÇADO AO BOLSONARO

Frequência Válido

Porcentagem

Porcentagem

Porcentagem

válida

acumulativa

Não

125

33,4

33,4

33,4

Sim

249

66,6

66,6

100,0

Total

374

100,0

100,0

Tabela 01 – Fonte: Nichols (2019)

Com relação à valência destes 249 comentários nos quais Bolsonaro é o foco principal, percebe-se que, em 124 casos, ele foi de teor positivo – ou seja, de apoio ao Chefe do Executivo, seguido de perto pela categoria “negativo”. Comentários neutros, como relatado (tabela 02), aparecem em último lugar, com 22 casos. Ou seja, apesar de apoio ser característica principal, é preciso reconhecer que comentários negativos também foram bastante utilizados. Por sua vez, em comentários nos quais Bolsonaro não é o centro da mensagem, percebe-se a inversão quanto à categoria majoritariamente utilizada. Neste caso, comentários com valências neutras lideraram com 88 casos, seguidos por “positiva” e “negativa” com 31 e 6, respectivamente.

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Tabela 02 – Fonte: Nichols (2019)

Por sua vez, os próximos dados estão relacionados com a reflexividade utilizada nos comentários que citam Jair Bolsonaro. Em primeiro lugar, o conceito de reflexividade (JENSEN, 2003; CPOP, 2014) aqui utilizado diz respeito aos modos com que um comentário se posiciona dentro de um debate político em um espaço de discussões online e podem ser, grosso modo, de três tipos principais: i) persuasão, quando demonstra querer convencer ou se demonstrar convencido por um argumento, ii) progresso, quando utiliza informações de fontes externas para embasar argumentos e prolongar o debate e iii) radicalização, quando o comentário contém teor ofensivo. Em primeiro momento, os dados (tabela 03) nos permitem verificar que comentários endereçados a Bolsonaro são, majoritariamente, de caráter persuasivo, seguidos por radicalização. A mesma tendência se verifica para os comentários que não são endereçados à JB, com a diferença apenas na amplitude em que ambas categorias foram utilizadas. Outro detalhe é que, em ambos os casos, os comentadores praticamente não buscaram o debate através da fundamentação de seus argumentos através de links externos ou de fontes oficiais.

ENDEREÇADO AO BOLSONARO não REFLEXIVIDADE

Total

sim

Total

persuasão

70

165

235

progresso

3

5

8

radicalização

35

69

104

outro

17

10

27

125

249

374

Tabela 03 – Fonte: Nichols (2019)

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A penúltima tabela diz respeito aos dados sobre o MBL, mais especificamente sobre como os comentários que criticaram o canal, ou os membros do grupo, se portaram diante de Jair Bolsonaro. Os dados dessa tabela agrupam os comentários endereçados e não endereçados a JB e desconsideram os comentários que não criticam o MBL. Os dados mostram que comentários positivos à Bolsonaro são, em grande maioria, comentários que também criticam o MBL. Outro dado curioso é o de que comentários neutros a JB também são mais críticos ao movimento. Por sua vez, comentários negativos ou críticos ao Presidente demonstram empate entre apoio e crítica ao Movimento Brasil Livre.

Tabela 04 – Fonte: Nichols (2019).

Por fim, o último dado corresponde ao padrão de tratamento à Jair Bolsonaro ao longo dos seis meses de mandato. Para isso, foram cruzados os dados sobre a valência dos comentários endereçados ao Presidente.

Gráfico 01 – Valência x Mês – Fonte: Nichols (2019).

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Observa-se inicialmente que, logo no primeiro mês do ano, Jair Bolsonaro gozava de apoio majoritário dos comentários nos vídeos publicados pelo MBL no YouTube. Essa tendência não se confirmou nos próximos dois meses, onde houve praticamente um empate entre tratamento positivo e negativo no mês de fevereiro para, já em março, a valência negativa obter a maior marca da série histórica apresentada, com 72 comentários. Porém, percebe-se que a valência positiva volta a retomar seu destaque ao longo do período que compreende abril, maio e junho, oscilando para baixo do antepenúltimo para o penúltimo mês de análise para, posteriormente, mostrar novo crescimento. Realizada a exposição dos dados, a seção a seguir apresentará os últimos apontamentos à luz da teoria utilizada.

5. Conclusões Em primeiro lugar, é necessário reconhecer o caráter inicial da presente pesquisa. Isto pode ser observado desde a observação sobre as poucas variáveis apresentadas e sobre o número de vídeos codificados. Realizada esta colocação, é interessante olhar para como os dados expressam, de certa forma, a aproximação e o distanciamento em relação a Jair Bolsonaro ao longo dos meses e de maneira não uniforme, isto é, apresentando picos intercalados entre a liderança de valências positivas e negativas. Em segundo lugar, os dados obtidos permitem verificar que os comentários de valência positiva para Jair Bolsonaro tendem a ser mais críticos ao MBL. Este talvez seja um indício para ser investigado com mais profundidade, com maior número de casos e de variáveis, uma vez que o posicionamento do MBL, ao longo da eleição de 2018, foi favorável à Jair Bolsonaro e de que, ao longo dos primeiros meses de 2019, o grupo passou a criticá-lo pelas atuações do Presidente em suas redes sociais online (BOLDRINI, 2019) e por seus posicionamentos em relação à classe política (GOES, 2019). É sabido, também, que a intensificação do embate entre o MBL e o atual Presidente culminou em brigas entre bolsonaristas e defensores do Movimento Brasil Livre

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nas manifestações pró Bolsonaro realizadas em julho deste ano (VENCESLAU; LUNA, 2019). Com base nos dados apresentados e apesar dos embates dos últimos meses, é possível negar a hipótese colocada no início deste trabalho – mais precisamente, a de que haveria um distanciamento em relação ao tratamento dispensado ao Presidente nos comentários analisados. Nega-se a hipótese pois, apesar de haver grande nível de valência negativa em dados momentos, verifica-se que a tendência ao longo dos meses demonstra a liderança de comentários com teor positivo a Jair Bolsonaro. Porém, como já afirmado, a negação da hipótese está pautada e referenciada para os seis vídeos analisados, ambos os primeiros de cada mês, sendo necessária a complementação deste estudo com a implementação de mais vídeos e mais categorias de análise.

Referências AMADEU, S. O Embate das Redes. Em Debate, v.6, n.7, p.28-34, 2014. BARBOSA, J. Movimento Brasil Livre (MBL) e Estudantes Pela Liberdade (EPL): Ativismo político, Think Thanks e protestos de direita no Brasil contemporâneo. 41º Encontro anual da ANPOCS, 2017.

BOLDRINI, A. MBL abre dissidência virtual e critica atuação de Bolsonaro nas redes sociais. Folha de S. Paulo, [S. l.], p. 1-2, 19 mar. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/03/mbl-abre-dissidencia-virtual-e-criticaatuacao-de-bolsonaro-nas-redes-sociais.shtml. Acesso em: 5 jul. 2019. BOYD, D; ELLISON, N. “Social Networks sites: definition, history and scholarship. Journal of Computer-Mediated Communication, 2007. CPOP.

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Política

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Política, religião e novas mídias: uma análise sobre o canal do YouTube do pastor Silas Malafaia durante o período eleitoral de 2018 Marcela Barba Santos1 Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)

Resumo: O presente estudo objetiva discorrer sobre a relação entre política, religião e novas mídias, por meio de uma análise do YouTube do líder religioso Silas Malafaia, pastor da Igreja Pentecostal Assembleia de Deus, durante os meses de setembro e outubro de 2018, aqui reconhecidos como tempo da política. Os vídeos selecionados são os que abordam temas relevantes ao período eleitoral, como campanha favorável ao candidato de sua preferência ou crítica ao candidato da oposição. O elo entre política e religião no Brasil é longínquo e cultural, ao pesquisar a atuação das mídias digitais neste processo, cria-se espaço para discutir a versão contemporânea de uma relação histórica num país que é oficialmente laico, mas que nunca se distanciou efetivamente da influência das igrejas. Palavras-chave: Poder simbólico; Igreja; Mídias Sociais; Período eleitoral; YouTube.

1. Introdução Política e religião são temas que caminham juntos ao longo da história do Brasil. Mesmo com o advento da República, quando o Estado tornou-se oficialmente laico, a figura da igreja seguiu com grande influência nos processos políticos do país. Destacase a influência da Igreja Católica na Constituição de 1934, durante a era Vargas, na qual atuou pela manutenção da rigidez em assuntos morais, “como a proibição do divórcio, o ensino religioso nas escolas e o estabelecimento de subsídios estatais para as obras assistenciais vinculadas a Igreja” (SILVA, 2017, p. 229). Assim como neste período, a Constituição de 1988 também sofreu influência religiosa, mas com a diferença de que havia o destaque de uma nova frente cristã no país. Além da Igreja católica, este cenário apresentou a significativa presença dos (neo) pentecostais, denotando a consolidação deste segmento religioso no cenário político. Sua atuação e mobilização no ambiente constituinte foi reflexo da adoção de estratégias políticas construídas ao

1

Graduada em Comunicação Institucional pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (2014) e graduanda em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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longo dos anos de 1980, sobretudo pela Igreja Universal do Reino de Deus (SILVA, 2017, p. 238).

Importante ressaltar que a influência das igrejas vai além das tomadas de decisões políticas, como seus feitos em cartas constitucionais, elas também são célebres influentes na opinião de seus adeptos. Esta autoridade pode ser classificada no que Thompson (2002, p. 131) chama de poder simbólico, sendo este “a capacidade de intervir no curso dos acontecimentos, de influenciar as ações e crenças de outros e de criar acontecimentos, através da produção e transmissão de formas simbólicas”. O poder simbólico exercido por líderes religiosos tem a habilidade de influenciar resultados eleitorais, visto que a palavra do padre ou pastor é de suma importância aos seguidores de sua igreja. Atenta-se ao fato de que no Brasil o voto vai além de uma questão de escolha política e de preocupações econômicas e sociais, ele tem o significado de adesão, pertencimento a um grupo. Como Kushnir salienta:

deve-se chamar atenção não tanto para a dimensão individual, racional, do voto, mas para seu valor como um ato de adesão às facções sociais evidentes na disputa eleitoral. A adesão seria um processo de comprometimento mais amplo, envolvendo não apenas o indivíduo, mas quase sempre também sua família, suas redes de relações e outras unidades sociais significativas, sem que se exclua a possibilidade de os conflitos interferirem decisivamente nesse contexto (PALMEIRA, 1991, p. 120-121 apud KUSHNIR, 2005, p. 8).

Observa-se que desde o início de sua colonização até os dias atuais, o Brasil permanece sob a influência da religião. Segundo o último Censo2, realizado em 2010, apenas 8% dos brasileiros se declaram sem religião, enquanto as igrejas de maior destaque são as evangélicas e católicas que somadas ultrapassam a marca de 86% da população, sendo a primeira responsável pela declaração de 22,2% dos entrevistados e a segunda por 64,6%. Visto que o Brasil é um país majoritariamente religioso, pode-se dizer que a influência do poder simbólico de líderes evangélicos e católicos é fundamental nos processos eleitorais, principalmente ao relacionarmos sua abrangência com a questão do voto de adesão, o pertencimento e aprovação que as pessoas buscam em seus meios sociais. A potência do poder simbólico exercido pelas igrejas amplifica ainda mais no 2

IBGE. Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o de evangélicos, espíritas e sem religião, 2012. Disponível em <https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo?id=3&idnoticia=2170&view=noticia>. Acesso em 30 jun. 2019. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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momento em que ocorre sua união ao poder simbólico da mídia. Desde a década de 1990 houve um aumento considerável de canais televisivos de igrejas, principalmente neopentecostais e católicas, que buscavam “ampliar a ocupação religiosa do espaço público, influenciar a esfera pública e estatal” (MARIANO, 2011, p. 252). Atualmente, com o advento das novas mídias, o poder que antes estava delimitado ao espaço físico de cultos religiosos, posteriormente às rádios e televisões, estendeu-se ao espaço digital. Assim como os políticos devem se adaptar aos novos meios de comunicação “online” (THOMPSON, 2018, p. 38), líderes religiosos também passam por este processo. A mídia digital tem uma grande diferença em relação às mídias tradicionais no que tange às suas formas de interação. Thompson classifica a comunicação midiática tradicional, a exemplo de programas televisivos, como quase-interação mediada que é de um para muitos e possui caráter monológico. Enquanto a comunicação online, como a realizada por meio de mídias sociais, é definida como interação mediada online que é de muitos para muitos e possui caráter dialógico (THOMPSON, 2018, p. 19-20). A partir disso, compreende-se que as mídias digitais são uma eficiente ferramenta usada por líderes religiosos à medida que instigam seus seguidores a escolherem um candidato ou partido, de acordo com seus padrões previamente estabelecidos. O diferencial deste novo formato de comunicação é o fato de que agora há espaço para dialogarem entre si, líder religioso e fiéis, assim como possibilita o compartilhamento de seus conteúdos, a velocidade do alcance torna-se exponencial. Esta característica das novas mídias, o compartilhamento vertiginoso e facilitado de informações, confere a ela um papel relevante para articulações políticas, principalmente durante os meses de campanha eleitoral. Atenta-se que “a política não é pensada como uma atividade permanente. Ela se circunscreve a um período determinado, o período eleitoral, designado sintomaticamente como o tempo da política” (HEREDIA; PALMEIRA, 2006, p. 38). É neste momento que as alianças são criadas e recriadas, é aqui que o eleitor forma suas opiniões e decide o seu voto. Baseado no panorama apresentado acima, este estudo busca analisar o YouTube do líder religioso Silas Malafaia, pastor da Igreja Pentecostal Assembleia de Deus, durante os meses de setembro e outubro de 2018, aqui reconhecidos como tempo da política. Os vídeos selecionados são os que abordam temas relevantes ao período Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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eleitoral, como campanha favorável ao candidato de sua preferência ou crítica ao candidato da oposição.

2. Novas mídias, religião e política As mídias sociais revolucionaram a comunicação, possibilitaram uma facilitação histórica de diálogo entre personalidades influentes - desde atores e cantores, até políticos e líderes religiosos - com seus fãs e seguidores em proporções exímias. Destaca-se que além do valor do diálogo, as novas mídias determinam a rapidez com que as informações são disseminadas, se antes para fazer um anúncio era necessário recorrer a assessores, produtores e encaixe na programação da mídia tradicional, hoje há a possibilidade de criar um conteúdo de maneira instantânea, divulgá-lo na mesma velocidade e vê-lo ser compartilhado de modo vertiginoso. Ao analisarmos o poder das novas mídias sob o ponto de vista eleitoral, encontra-se um amplo espaço para discutir e compreender de que modo elas servem como uma ferramenta valiosa à propagação e ao fortalecimento do poder simbólico exercido por representantes de igrejas brasileiras. Para este breve estudo, optou-se por segmentar a análise em questões de alcance e popularidade do canal do YouTube do pastor Silas Malafaia, principalmente levando em consideração os vídeos que abordam o tema política. Pertinente destacar que o estudo concentra-se apenas em questões sociais, abstendo-se de opiniões sobre crenças religiosas. “A religião interessa para as Ciências Sociais - e para a Comunicação - por sua importância como fenômeno social, não como fenômeno religioso. A realidade em si dos fenômenos religiosos, das crenças e divindades, disputadas sobre questões doutrinárias, sobre o certo e o errado das religiões em si não são o objeto da pesquisa nas Ciências Sociais. A religião se torna um tema de interesse porque essas crenças estão ligadas ao modo como indivíduos, comunidades e sociedades vivem e se relacionam uns com os outros” (MARTINO, 2017, p. 62).

Durante os meses de setembro e outubro de 2018, o pastor Silas Malafaia publicou em seu canal 32 vídeos relacionados à eleição presidencial. Os temas incluíam seu apoio ao candidato Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), suas amplas críticas aos candidatos da oposição, principalmente Fernando Haddad, do Partido dos

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Trabalhadores (PT), e sua reprovação às mídias tradicionais, citadas como parciais e imorais. Somados todos os vídeos relacionados à eleição, seu resultado foi superior a 11 milhões de visualizações. Este é um número muito expressivo, visto que durante estes dois meses o canal marcou significativo recorde de visualizações e de inscritos. Fonte: SocialBlade3

Figura 1 - Informações sobre o canal do YouTube do Pastor Silas Malafaia no intervalo de outubro de 2016 a abril de 2019. Detalhe para o aumento expressivo de visualizações e inscritos nos meses de setembro e outubro de 2018 - período eleitoral.

Ao observarmos a alta popularidade do canal do pastor neste tempo da política, podemos relacionar três aspectos que podem ter colaborado para este resultado: o poder simbólico exercido por uma liderança religiosa em uma famosa mídia social; o perfil de voto por adesão que existe no Brasil; e a alta velocidade de compartilhamento e alcance que as novas mídias proporcionam. Os cinco vídeos com maior número de visualizações do período são: 1) Pastor Silas Malafaia comenta: VERGONHA! A imprensa desrespeita a recuperação de Bolsonaro; 2) Pastor Silas Malafaia - Bolsonaro ao vivo na igreja que sou pastor; 3) Pastor Silas Malafaia - Orando por Bolsonaro no hospital!; 4) Pastor Silas Malafaia comenta: Imperdível o que eu falo! O atentado contra a vida de Bolsonaro; 5) Pastor Silas Malafaia comenta: Denúncia gravíssima! Alerta aos evangélicos. Totalizados, estes vídeos ultrapassam a marca de 7 milhões de visualizações. Os temas centrais incluem a crítica à mídia tradicional, a presença de Jair Bolsonaro na 3

SOCIALBLADE, YouTube Stats Silas Malafaia, 2019. Disponível em: <https://socialblade.com/youtube/user/silasmalafaiaoficial>. Acesso em 01 jun. 2019. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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igreja em que é pastor, a exposição do candidato no hospital em consequência da facada que recebeu durante a campanha política e um enfático alerta os eleitores evangélicos a não votarem em Fernando Haddad, visto que este representaria a negação do cristianismo, segundo Malafaia. Os temas citados acima repetem-se ao longo dos dois meses em questão. O pastor retrata Bolsonaro como uma vítima da facada, da mídia e da oposição. Do outro lado, há a afirmação de que Haddad não é cristão, representando o retrocesso às questões morais defendidas pela igreja. Verifica-se aqui o exercício de seu poder simbólico, no qual a palavra do pastor tem o poder de influenciar seus fiéis diretamente, eles são constantemente lembrados sobre quem é a vítima e quem é o culpado, quem é cristão e quem não é, onde deve estar pautado o voto de quem acredita em Deus. Além do exercício do poder simbólico sobre os seguidores da igreja, desenrolase a questão do voto como forma de adesão, os fiéis podem sentir-se influenciados a obedecer a orientação do pastor com o intuito de garantir a aceitação e pertencimento em seu grupo. Todavia, a adesão ao voto vai além dos fiéis de Silas Malafaia ou das igrejas Pentecostais e Neopentecostais, nota-se claramente a presença de pessoas que não são protestantes, há comentários de muitos católicos em seus vídeos, por exemplo: “Sou católica praticante e gosto e tenho respeito por Malafaia. Não votaria jamais nesse haddad. Valeu Pastor Silas Malafaia”; “Sou católica e concordo plenamente com o Pastor Silas Malafaia!!!”; “sou católica e estamos juntos com vocês evangélicos”. Percebe-se nestes comentários que a influência do pastor avança até outras religiões, aqui católicos e evangélicos unem-se em favor de um candidato único. Deste modo, o grupo que fazem parte amplia e se fortalece ao terem em comum a aprovação de uma liderança religiosa de destaque no país. O terceiro ponto relevante para a compreensão do alto alcance dos conteúdos do pastor Silas Malafaia no YouTube é o caráter descomplicado de seus vídeos, eles são curtos - tempo médio é inferior a 5 minutos - e de edição básica, garantindo a facilidade para criação de vídeos atuais e em grande quantidade. A média de vídeos relacionados à política nesses dois meses foi de um novo conteúdo publicado a cada dois dias. Estas características são relevantes para o aumento de visualizações, pois ao falar de um assunto que está em alta, a probabilidade de alguém encontrar seu vídeo por meio de palavras-chave e compartilhar amplia ainda mais. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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Thompson (2018, p. 40) afirma que “a proliferação da mídia on-line significa que qualquer pessoa pode agora transmitir (ou retransmitir) imagens, mensagens e outros conteúdos simbólicos com relativa facilidade”. Esta acessibilidade que as novas mídias conferem aos indivíduos para criar e compartilhar conteúdos digitais, é um grande aliado ao protagonismo delas no tempo da política, pois aqui temos uma liderança religiosa criando conteúdos instantâneos e na mesma velocidade um público ávido por compartilhar suas visões e declarar a que grupo pertence.

3. Considerações O vínculo entre política e religião, como já foi relatado, é longínquo e cultural. Pesquisar a atuação das mídias digitais neste processo é também discernir sobre a versão contemporânea de uma relação histórica e elementar num país que é oficialmente laico, mas que nunca se distanciou efetivamente dos poderes eclesiásticos. Martino (2017, p. 62) declara que “seria difícil, de saída, dizer que um prefeito ou governador foi eleito, ou perdeu uma eleição, embalado apenas por fatores religiosos”. Contudo, a potência da ação das igrejas é vista claramente no crescimento constante da bancada evangélica na Câmara dos Deputados, na eleição de 2018 foram eleitos 91 deputados neste bloco. Além dos políticos religiosos, a presença constante de representantes da igreja no processo eleitoral é um traço padrão na história do Brasil, visto que os candidatos buscam o apoio desses setores numa tentativa de transformar fiéis em eleitores. “A cultura política nacional e, em especial, os dirigentes partidários, políticos e governamentais têm contribuído, de forma decisiva, para reforçar a instrumentalização mútua entre religião e política e para legitimar e estimular o ativismo político-partidário de grupos religiosos e a ocupação religiosa da esfera pública” (MARIANO, 2011, p. 251).

Examinar o impacto das novas mídias neste processo é um desafio estimulante, é reconhecer que estes espaços configuram um eficiente campo de articulação política e exercício de poder simbólico.

Referências Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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HEREDIA, Beatriz; PALMEIRA, Moacir. O Voto como Adesão. Teoria e Cultura, v. 01, p. 3558, 2006. KUSCHNIR, Karina. Antropologia da política: uma perspectiva brasileira. Oxford School of Global and Area Studies, Oxford, p. 8, 2005. MARIANO, Ricardo. Laicidade à brasileira. Civitas, Porto Alegre, p. 251-252, 2011. MARTINO, Luis. Mídia, religião e sociedade: Das palavras às redes digitais. Paulus Editora, 2017. MURTA, F.; ITUASSU, A.; CAPONE, L.; LEO, L.; LA ROVERE, R. Eleições e mídias sociais: Interação e participação no Facebook durante a campanha para a Câmara dos Deputados em 2014. Compolítica, v. 7, n. 1, p. 47-72, 2017. OLIVEIRA, José. Redes sociais e participação política na esfera pública. Eptic, p. 1-13, 2012. Disponível em: <https://seer.ufs.br/index.php/eptic/article/view/379/319>. Acesso em 01 jul. 2019. SILVA, Luis. Religião e política no Brasil. Latinoamérica. Revista de Estudios Latinoamericanos, México, p. 228-238, 2017. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S166585741730008X>. Acesso em 25 jun. 2019. THOMPSON, B. John. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis, Editora Vozes, p. 131-132, 2002. THOMPSON, B. John. A interação mediada na era digital. Matrizes, São Paulo, p. 19-40, 2018. VERGARA, Sylvia. Métodos de pesquisa em administração. Atlas, São Paulo, p. 48, 2005.

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Entre “mortadelas” e “coxinhas”: o discurso político dos youtubers brasileiros Amanda Cristine Zanoto Fouani1 Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Resumo: O objetivo deste trabalho é compreender o fenômeno do sucesso crescente dos youtubers com ênfase em seus discursos políticos relacionados aos casos polêmicos de exposições artísticas com conteúdo LGBT. Para isso foram escolhidos criadores de conteúdo com diferentes ideologias e estudando seus vídeos com a metodologia de análise de conteúdo e discurso. Pode-se notar o uso de linguagem popular, com gírias e palavrões, além de muita gesticulação em todas as análises, resultando em uma identificação entre esses atores e seus espectadores; levando esse indivíduo a consolidar ou mudar seu ponto de vista baseado nas informações argumentativas do vídeo aliadas ao carisma. Assim, conclui-se que o discurso presente em vídeos no YouTube não se resume apenas em entretenimento e comicidade; porém, pelo lado positivo, democratizam e disseminam o interesse político, principalmente no público mais jovem. Palavras-chave: Youtuber; Discurso; LGBT; Política; Arte.

1. Introdução Este artigo é produzido a partir de monografia homônima e de mesma autoria, porém, de forma mais sucinta para viabilizar o entendimento sobre o tema e a participação da pesquisa em eventos científicos. Como abordado na mesma, há diversos estudos dissertando sobre a relação entre youtubers e consumo, empoderamento de minorias sociais, potencial da plataforma como incentivo à leitura e possível ferramenta de ensino, além de outra infinidade de temas, “ainda há poucos artigos que explorem os youtubers como atores formadores e reprodutores de discursos políticos - aqui, entende-se política não como apenas relacionada às eleições, partidos e seus atores [...]; mas sim, como mensagens ideológicas que mantém ou destroem o status quo” (FOUANI, 2018, p. 11) A relevância do tema se dá principalmente quando acessamos os dados do YouTube Insights de 2017 -os mais recentes- e percebemos que a plataforma atinge 98 milhões de brasileiros, 95% da população online, e tendo praticamente todo seu público 1

Formada em Ciências Sociais, com ênfase em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: a.zanotofouani@gmail.com

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(96%) de jovens entre 18 a 35 anos. Apesar da televisão ainda dominar a audiência nacional, nesse mesmo recorte etário, é comum o comportamento de estar usando o celular enquanto diante da tela tradicional (EL PAÍS, 2017). 63% dos consumidores do YouTube afirmam que não conseguiriam viver sem a plataforma e 46% decidem assistir vídeos que lhes parece relevante para as mais diversas atividades –desde DIY (Do It Yourself, tutoriais ensinando artesanatos, consertos, “gambiarras” e outras tarefas manuais) até conteúdos para estudar e se informar (de aulas preparatórias para ENEM, capacitação para o Pacote Office, até notícias e outras fontes de informações, verdadeiras e falsas) filtrados unicamente pelo e para o usuário. E a tendência é só aumentar. (YOUTUBE INSIGHTS, 2017) Não é à toa que o slogan da plataforma seja “Broadcast Yourself” –algo como “Expresse-se”, em tradução livre- já que para um mesmo usuário é dado o poder de postar diferentes conteúdos em seus vídeos, comentar, compartilhar e reagir -com like (gostei) e dislike (não gostei) –incitando debates dentro e fora da própria esfera, perpassando outras redes sociais e até mesmo as interações off-line. “Esse tipo de cultura participativa, onde se produz e consome ao mesmo tempo, deu origem ao termo prosumers (fusão dos perfis de consumidor e produtor, visto que não há mais uma separação desses, ambos produzem e consomem simultaneamente) e a forma na qual esse grupo age ciberneticamente. ” (FOUANI, 2018, p.18) Assim, o hype do YouTube pode ser compreendido quando ele é visto como um sistema cultural a partir dessas colaborações, “a comunidade do YouTube forma uma rede de prática criativa”. (BURGESS e GREEN, 2009, p. 88). Muito além dos indivíduos, o próprio Estado viu tal potencial resultando em investimentos massivos em propagandas não somente publicitárias (que aparecem pouco antes dos vídeos escolhidos pelo usuário), mas também políticas, “porém, de uma forma mais informal e menos invasiva como o horário político obrigatório na televisão ou na rádio, tornando-se mais atrativo ao público jovem. ” (FOUANI, 2018, p. 13) Como, por exemplo, a “viagem” superdivertida e cultural do youtuber FunforLouis para a Coréia do Norte –onde qualquer passeio turístico precisa ter um agente do governo- e a campanha milionária do Ministério da Educação (MEC) durante o governo Temer para youtubers populares publicarem em seus canais argumentos favoráveis sobre a reforma no

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ensino médio, com a justificativa de que a plataforma é uma das melhores formas para atingir o público-alvo que enfrentará essas mudanças (G1, 2017).)

A partir desses fatos, é possível notar que os youtubers são a ferramenta perfeita para a propaganda política e discursos ideológicos. Não apenas por causa do seu alcance estatístico dentro da plataforma, mas sim porque, como Joseph Goebbels - ministro da Propaganda de Hitler na Alemanha Nazista - dizia: “Propaganda funciona melhor quando aqueles que estão sendo manipulados estão confiantes de que eles estão agindo com seu livre arbítrio”. (FOUANI, 2018, p. 14)

A identificação quase que automática entre atores e espectadores que há na plataforma é o que torna o valor comercial e político dela tão mais acessível; a exteriorização do self real com o virtual e o dinamismo de diversas vozes ressoantes através dessas novas identidades, diferente da que há em um debate na esfera real. É a partir disso que vêm a sensação de que basta uma câmera, uma boa história e disposição para fazer sucesso, quando, na realidade, há uma infinidade de engrenagens de marketing e publicidade no mundo das webcelebridades. A maior diferença entre os meios de comunicação tradicionais e o YouTube é justamente isso, pois enquanto na televisão e no rádio a participação do espectador era secundária (com pouca participação e quando ocorria era por pouco tempo, normalmente via ligações ou cartas) e passiva, visto que não havia maiores dinâmicas e interações para o público. Enquanto no rádio, o radialista era romantizado por ser apenas uma voz, entidade sem rosto que poderia ser imaginado como quer que fosse e na TV, o apresentador já tinha rosto e poderia passar uma figura de galã ou mais afetiva, parecendo alguém mais velho, que fosse entender os problemas. Em ambos casos, ocorria um “endeusamento” dessas figuras por não parecerem próximas ao público, aonde Gil Gomes e Silvio Santos estavam em patamares próximos ou até mesmo superiores de cantores e atores da época. Com o YouTube, o público consegue interagir das mais diversas formas com alguém que parece tão comum e acessível quanto eles. Esse dinamismo e acolhimento entre espectador, criador de conteúdo e a falta de barreiras rígidas entre esses papeis é o que faz o YouTube o fenômeno que é. (FOUANI, 2018, p. 20)

A liquidez dessas barreiras sociais na plataforma –principalmente nos formatos de vlogs- levam a uma construção de emocionalidade e subjetividade que considera o conteúdo dos vídeos em tomadas de decisões ou como parte de argumentos em certas reflexões. “A experiência emocional e vinculativa entre espectador e youtuber leva à conclusão de que os youtubers não são meros criadores de conteúdo, mas sim, formadores de opinião. Principalmente quando são vistos com intimidade e têm seus pontos de vista e conselhos somados ao caráter e ações de um indivíduo. ” (AGUIAR, 2016, p. 81). De

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um simples site de compartilhamento de vídeos pessoais ao império de criação e distribuição dos mais variados conteúdos, hoje, o YouTube tem sido um foco de discussão sobre discussões trabalhistas -“criar vídeos para o YouTube é trabalho formal?”- e políticas (aonde Olavo de Carvalho mais expõe suas opiniões e recebe feedbacks de seus mais distintos seguidores, muitos deles fazendo parte do atual governo; aonde, também, Eduardo Bolsonaro estuda para a sabatina no Senado para assumir o cargo de diplomata. (FÓRUM, 2019)), a plataforma se tornou exclusivamente fonte de informação de 59% de seu público (podendo ser diretamente relacionado ao fenômeno do media bias2, ou seja, desconfiança que a mídia tradicional favoreça o lado oposto de sua opinião; levando à dualidade intelectual bastante propagada do controle midiático ser “comunista” e “petista” ou “fascista”); O elemento partidário das eleições deixa de ser uma esfera exclusivamente militante ou acadêmica para se popularizar na internet, com jargões, memes e disputas constantes que levam o binarismo coxinha versus mortadela para muito além dos protestos, mas chegando com um ativismo passivo distante apenas de um clique. Arthur do Val conseguiu notoriedade por seus vídeos de conteúdo liberal com viés ideológico de direita, depois tornou-se militante do MBL, o que fez com que seus engajamentos no canal aumentassem a ponto de ser visto como alguém que “vai mudar a politicagem tradicional”; candidatou-se juntamente com Kim Kataguiri (um dos fundadores e líder do movimento social supracitado) pelo DEM. Arthur (que em sua campanha colocou “Mamãefalei” junto a seu nome para ser reconhecido) venceu como o segundo mais votado deputado estadual de São Paulo, enquanto Kataguiri foi o quarto mais votado pelo mesmo estado no cargo de deputado federal. Suas vitórias demonstram as mídias sociais, e, principalmente nesse caso, o YouTube, como potências no âmbito político-ideológico que precisam com urgência de mais estudos para compreender suas dinâmicas, disputas, discursos e consequências.

2. Desenvolvimento

“Esta convicção de que há ‘tendenciosidade’, como se diz popularmente, é o que um bom montante de literatura internacional sobre os efeitos da comunicação chama de percepção ou convicção de ‘media bias’ ou ‘news bias’, é a sensação de que os meios de comunicação distorcem os fatos. ” (GOMES apud FOUANI, 2018, p. 60) 2

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O tópico escolhido para estudo foi resultante de pesquisa onde os youtubers escolhidos dissertassem sobre um mesmo ocorrido relevante em 2017, quando comecei a pesquisa; no estudo, essa convergência ocorreu em debates sobre o Queermuseu e o espetáculo La Bête (já que nas narrativas, ambos se misturam e são lidos como um fenômeno só, sendo esse último lido como uma influência ou resultante do primeiro). Os critérios para escolha dos youtubers a serem analisados foram: [...] formato de vlog, notoriedade por ter boa parte dos vídeos com críticas políticas e posição política sempre reafirmada - sendo dois de direita (Nando Moura e Arthur do Val), um de centro (Pirula) e dois de esquerda (PC Siqueira e Cauê Moura) - sendo também levado em consideração o próprio posicionamento político destes nos próprios vídeos ou em outras redes sociais [...]. (FOUANI, 2018, p.62)

Os vídeos selecionados foram: • Nando Moura (canal homônimo): “SANTANDER - O Banco do DIABO!”3 (1); “Por que ARTE MODERNA é uma MERDA???” (2); “Criança + Homem + Pinto Murcho = ARTE.” (3); “Em Defesa da "ARTE" com Crianças...” (4) e “ENCONTROS - Expostos a uma ROLA.” (5); • Arthur do Val (“MamãeFalei”): “MBL Censura Exposição Queermuseu do Santander” (6); “Contra censura do MBL à exposição Queermuseu Santander - Porto Alegre” (7); “Pedofilia no Museu de Arte Moderna MAM / SP” (8); “Dona Regina vs Artistas” (9) e “Vai ter exposição SIM!!! - Santander DE NOVO!!!” (10); • Pirula (“Canal do Pirula”): “Santander e a exposição fechada (#Pirula 224.1)” (11); “PIRULA ISENTÃO ALIVIA PRA TODOS NO CASO SANTANDER/QUEERMUSEU? (#Pirula 224.2)” (12) e “A exposição do MAM: nudez, arte e educação (#Pirula 224.3)” (13); • PC Siqueira (“maspoxavida”): “Cura Gay” (trecho de 5:44 à 8:40) (14) e “Rick e Morty, Tiroteio e o Peladão” (trecho de 2:46 à 7:00) (15); • Cauê Moura (canal homônimo, antigo “Desce a Letra”): “OK, VAMOS TER UM DIÁLOGO” (trecho de 1:07 à 3:56) (16); “TÁ ACABAN-

3

Este vídeo foi excluído do canal antes da pesquisa, porém já estava analisado e baixado em arquivo pessoal. O número de visualizações, likes e dislikes contabilizados na tabela constam com data de última análise. (FOUANI, 2018, p. 64)

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DO” (trecho de 5:34 à 8:21) (17) e “TACARAM FOGO NO LUGAR ERRADO” (trecho de 3:36 à 6:36) (18).

Os youtubers mais influentes do país -Kéfera, Julio Colielo, Felipe Neto, Whindersson Nunes, Jout Jout e Luba- não se pronunciam sobre assuntos políticos de forma tão direta pelos seus vídeos (pelo menos não nas chamadas, ou seja, títulos, onde fiz triagem escolhendo os que relacionavam o ocorrido escolhido com as seguintes palavraschave: MAM, queer, museu, arte, nu, pelado), mas acabam sendo muito ativos politicamente no Twitter (como é possível ver por Felipe Neto e Jout Jout, principalmente). Para a análise dos 18 vídeos selecionados foi feito um livro de códigos com os seguintes elementos: uso de vídeo outros canais ou links externos relacionados ao tema; cor da roupa; cenário; número de visualizações nos vídeos; número de inscritos no canal; imagens ou música de fundo; tom de voz mais usado (se raiva, sinceridade ou ironia, por exemplo); palavras mais usadas; quantidade de likes e dislikes no vídeo; expressão corporal e gestual. Durante a análise, algumas hipóteses iniciais não se concretizaram: de “uso de músicas e imagens de fundo para maior comoção e engajamento dos espectadores, tal como a roupa poderia ter alguma propaganda política (por exemplo, camiseta de algum partido ou com alguma campanha, por exemplo #LulaLivre; camiseta da seleção brasileira em alusão aos protestos a favor do impeachment da presidenta Dilma). ” (FOUANI, 2018, p. 63) A análise na íntegra está na tabela e nas nuvens de palavras de cada um dos vídeos (feitas pelo programa NVivo para condensar as palavras mais utilizadas de forma precisa) que inicia na página 65 da monografia em questão, devido a sua extensão preferi não utilizá-la nesse artigo, optando por mostrar apenas os seus resultados:

Pode-se ver que três youtubers se posicionaram a favor do queermuseu (PC Siqueira, Pirula e Cauê Moura) e que dois foram contra essa (Nando Moura e Mamãe Falei). Em relação à exposição “La Bête”, no MAM, ocorreu o mesmo, dois foram a favor (PC Siqueira e Cauê Moura) enquanto os outros três foram contra. Em quase todas as nuvens de palavras houve a ocorrência dos termos “criança”, “exposição” e “pedofilia”. Os vídeos conflitam entre os discursos da defesa da inocência das crianças e privá-las de assuntos e imagens polêmicas ou consideradas inadequadas (como nudez, sexo, entre outras) por incentivá-las ou confundi-las a tais ações ou expô-las a tais tópicos para não amenizar a realidade, iniciar desde cedo uma reflexão sobre temas tabus e como lidar com eles. (FOUANI, 2018, p. 84)

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Além disso, é possível notar no conteúdo dos vídeos que ainda há uma superestima da plataforma como uma contra-mídia para debates e deliberações políticas, “porque as redes sociais dão a (falsa) impressão de serem uma mídia independente de influências governamentais e do mercado financeiro, devido aos algoritmos dessas redes, o conteúdo nos é filtrado pelo que pesquisamos e demonstramos mais interesse”, o que pode ser bastante perigoso no sentido de desconsiderar -ou até mesmo se opor piamente- ao livre discurso na esfera off-line. E até mesmo os próprios criadores de conteúdo fomentam tal visão (FOUANI, 2018, p. 60), como é possível ver pelos trechos a seguir: “Pedofilia no Museu de Arte Moderna MAM/SP”, do canal Mamãe Falei, aos 4:31 quando diz que “internet trouxe à luz toda essa bosta que vocês fazem travestida [...] de cultura” e aos 5:20 onde diz “Hoje, felizmente, a gente não depende mais dessa mídia bosta, essa mídia de esquerda aí, cheia de galera que apoia esse tipo de porcaria. [...] Hoje, nós temos a internet para dá voz aos bons. ” e, no vídeo “Vai ter exposição SIM!!! -Santander DE NOVO!!!”, questiona a neutralidade do Ministério Público, por ter maior parte dos seus membros com ideologias de esquerda dos minutos 6:27 à 7:04; Já no vídeo “Por que ARTE MODERNA é uma MERDA???”, de Nando Moura, aos 4:27 ele diz aos amigos -referindo-se aos seus espectadores- a ficarem atentos com “toda essa maldade subversiva, toda essa propaganda política, toda essa agenda maldosa que eles têm”, contrapondo a mídia tradicional como “esquerdistas”, “maus”, “eles” à “nós”, “bons”, “defensores dos valores da sociedade”; enquanto no vídeo “SANTANDER- O banco do DIABO” faz a mesma crítica utilizando-se de paródias de outros canais [...]. No vídeo “ENCONTROS - Expostos a uma ROLA”, refere-se à Rede Globo como “Rede Goebbels”, fazendo um trocadilho para apontar tal veículo de comunicação como nazista (o youtuber em outros vídeos afirma que o nazismo foi de esquerda, o que justifica o trocadilho erroneamente empregado). (FOUANI, 2018, p. 60 e 61)

O fato de tanto os criadores de conteúdo quanto os espectadores possuírem essa percepção quase messiânica de si mesmos –como detentores vanguardistas da verdade, pessoas que saíram da matrix- leva à construção de grupos de inclusão e, consequentemente, exclusão (“nós” versus “eles”), através da linguagem e discursos. Assim, as (re)misturas satíricas constantes de conteúdos –links interligando assuntos, trechos de outros vídeos, indicações e utilização de certos artistas e outros canais, como forma de concretizar ou fortalecer o seu próprio argumento (mesmo que para isso seja necessário ridicularizar o argumento do outro, ou até mesmo a pessoa do “outro” em si)- como é possível notar principalmente nos vídeos de Nando Moura (com muitos trechos de vídeos de diferentes autoria) e Pirula (ao referenciar suas falas na descrição dos vídeos com links redirecionando o espectador interessado a sites científicos) funcionam “como

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formas de expor as fragilidades dos políticos e do sistema político, seguindo a longa tradição dos satiristas, contrariando as mensagens criadas no contexto da comunicação política institucional. A remistura implica a exposição tanto das estratégias destes atores políticos, como do funcionamento interno dos media e das relações entre ambos. ” (SILVA apud FOUANI, 2018, p. 88) Por outro lado, os espectadores estão constantemente (re)pensando a vida social, suas interações e significados e suas convicções pessoais que resultaram a partir destas; negociando, mantendo ou revertendo um ponto de vista através do que lhe é apresentado, não sendo anulados ou passivos na equação desses debates. As disputas de poder e legitimação no mundo online também seguem a mesma lógica estrutural teorizada por Bourdieu, baseada em uma desigualdade de (principalmente) capital social, cultural e simbólico entre os agentes; portanto, de forma mais complexa, para compreender o discurso em sua totalidade é “necessário vê-los com sua especificidade - delimitação “de quem as está pronunciando, de onde o está fazendo e qual o seu interesse ao fazê-lo. ” (SIMIONI apud FOUANI, 2018, p. 85)

Os hábitos das pessoas, assim como o lugar que ocupam na sociedade, são diferenciados e diferenciadores, na medida em que identificam a posição de cada um no campo. Hábitos ou gostos, “é esse princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de práticas." (BOURDIEU apud FOUANI, 2018, p.86)

A disputa pelo poder simbólico no campo é orientadora de práticas sociais – qualquer um que seja minimamente ativo nas redes sociais já ouviu algo como “ditadura dos likes” referindo-se a alguma ação ou personalidade para ilustrar a busca constante de visibilidade nesses sites, mesmo sem conhecimento de origem ou real interesse detrás dessa- porém, é nesse mesmo cenário em que “as singularidades são tão importantes, visto que as atividades simbólicas dão mais informações sobre os discursos e suas representações do que uma ‘estrutura social’ onipresente” (FOUANI, 2018, p. 86). Além disso, o autor põe a própria linguagem como uma ferramenta ideológica a ser considerada quando afirma que “a língua não é somente um instrumento de comunicação ou mesmo de conhecimento, mas um instrumento de poder. [...] O que fala nunca é a palavra, o discurso, mas toda a pessoa social” (BOURDIEU apud FOUANI, 2018, p.87). Nesse ponto, é muito possível aproximar o pensamento de Bakhtin a análise, já

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que em sua teoria coloca a linguagem como fato social, um signo de caráter ideológico indissociável inserido em seus contextos sociais. O autor também chama a atenção para a ideia de que não existe discurso sem assimilar o outro: a alteridade (interdependência entre os sujeitos) é essencial à construção dos sentidos (BAKHTIN apud FOUANI, 2018, p. 87). Portanto, para ambos os autores apresentados, os sujeitos são constituídos da esfera macro para a micro; isto é, qualquer opinião formada “não é um produto de um determinismo mecânico da estrutura, mas também não é uma individualidade autoconsciente e livre de coerções” (GRILLO apud FOUANI, 2018, p.87). Nessa mesma lógica, mantêm-se a coerência em levar o mesmo raciocínio à Academia e noticiários; ou seja, mesmo que se tente informar da maneira mais neutra possível, ainda há todo o processo descrito entre receptor e emissor, dialogando com a arena de disputas ideológicas e de posição de cada um desses atores.

As discussões de poder são essenciais para a compreensão dos discursos de ódio tendo em vista que tais discursos representam na verdade uma intensa disputa de poder e de manutenção dos espaços já conquistados. Impede-se a fala, especialmente de grupos minoritários, que habitualmente se encontram fora dos espaços de poder e assim devem permanecer. Discursos de ódio são, em última análise, uma luta para a manutenção da estrutura tradicional do campo. “Entre as censuras mais radicais, mais seguras e melhor escondidas, estão aquelas que excluem certos indivíduos da comunicação. ” (BOURDIEU apud FOUANI, 2018, p. 89).

“Por isso segundo José Otacílio da Silva, afirmar que certo discurso político não representa a verdade, não o torna menos legítimo ou dominante” (FOUANI, 2018, p.89); No caso desta pesquisa, por mais que os discursos que defendiam a visão de que as exposições estimulavam práticas criminosas como zoofilia e pedofilia fossem refutadas pelas declarações de artistas e especialistas, elas não deixaram de ter relevância no debate em esfera pública por manter um discurso conservador que prioriza “a defesa da inocência das crianças e jovens”, mantendo o tradicional tabu sobre assuntos como nudez, religião e diversidade sexual (FOUANI, 2018, p.90). Ironicamente, este mesmo público conservador (ou reacionário) em defesa da moral e dos bons costumes é o que mais fez discurso de ódio através dos comentários: [...] defendem a criminalização e execução de comunistas (ou “petistas”, que nacionalmente virou seu sinônimo atual) e, nos casos estudados, artistas das exposições Queermuseu e La Bête sofreram ameaças de violência real [...]

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devido à discursos que os colocaram como apoiadores de crimes sexuais contra crianças e animais e por heresia. Pode-se presumir que muitos desses ataques também tiveram motivações financeiras, no sentido de que um dos discursos utilizados contra às amostras de arte foi que havia dinheiro público proveniente da Lei Rouanet as financiando (como é possível ver nos vídeos de Arthur do Val e Nando Moura, que culpam o governo de esquerda pela má gestão de dinheiro público para coagir a população a aceitar e gostar do que lhes é considerado “cultura”). (FOUANI, 2018, p. 92)

Portanto, a plataforma possui muitas facetas –seja a de ringue, comício ou teatro- e a visibilidade do youtuber conta muito para a solidificação, isto é, o “eco”, de algum discurso nela:

[...] o youtuber possui uma liberdade de tratar o tema sem o rigor profissional de um repórter. Esse é um dos pontos que os tornam muito mais do que apenas agentes reativos ou produtores, o youtuber é um híbrido entre eles, podendo ao mesmo tempo reagir, agendar ou repensar o enquadramento sobre certos tópicos e polêmicas utilizando-se do humor e, como foi analisado, violência simbólica através de certas frases e como são ditas; são agentes de alto impacto que começam a adentrar com grande força o imaginário do público que atingem, e mostrando –principalmente após essas eleições- o quanto conseguem mobilizar-se, se aliar e ocupar cargos de poder por meio de um canal de sucesso. (FOUANI, 2018, p.93 e 94)

A credibilidade de um canal tende a ser proporcional a sua relevância numérica (número de seguidores, likes, comentários) chamada de engajamento, apesar de não ser tudo; um conteúdo original, no final das contas, é o que chama a atenção do público a ponto de romper a barreira dentre os mundos on e off-line.

3. Considerações Finais

Percebeu-se nesse estudo que o YouTube e seus criadores de conteúdo expressam um campo de disputa simbólica e política de grande importância, dada às suas proporções como fonte de lazer e informação de uma parcela considerável da população brasileira; através de suas (re)misturas satíricas e simplicidade de interação, devido à possibilidade de mesclar oralidade e escrita –e muitas vezes, nenhuma delas, utilizando apenas os botões de like e dislike para se expressar-, o agente pode escolher a que domina para então pronunciar-se. Apesar da simplicidade, não devemos esquecer toda a engrenagem por trás de um canal bem-sucedido, inclusive investimentos em programas de tratamen-

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to de vídeo e imagem, além de trabalhadores especializados para fazer edições que não pareçam profissionais. Além disso, com base nos vídeos selecionados, é possível perceber a alta carga ideológica em seu conteúdo apesar da apresentação mais descontraída (com gírias, palavrões e bastante informalidade) e a crença na internet e, principalmente, o YouTube como uma contra-mídia de vanguarda, dando a entender que “percebem a mídia tradicional como capaz de enviesar os fatos e, consequentemente, manipular a opinião de indivíduos neutros (com pouco ou nenhum conhecimento sobre o tema) por conta de seu grande alcance” (VALLONE, ROSS e LEPPER apud FOUANI, 2018, p. 61), superestimando a plataforma, e a internet em geral, esquecendo que o conteúdo é filtrado segundo pesquisas recentes moldado ao gosto individual de cada usuário. Em vista disso, é possível perceber porque certos discursos de ódio (conteúdos discriminantes e ofensivos) encontram maior espaço de propagação e aceitação nesses endereços virtuais que em outros.

Ouso dizer que os discursos políticos no YouTube vão além disso: além de produtores de poder e violência simbólica, vontades de se aventurar no mundo dos vlogs e aprofundar-se sobre política, eles vendem seus produtos e suas visões. O medo e o receio de ter sua ideologia ou candidato “perdendo” no campo da comunicação é tanto que leva alguns indivíduos a buscar informação já enviesada, no ponto de vista que lhe convém. Vendem suas provas – sendo reais ou ao menos parecendo reais- para adquirir um número cada vez maior de pessoas que as tomem como convicção; principalmente no momento atual, em que a desconfiança com o governo e a mídia estão tão grandes que a disseminação de notícias falsas em diversas plataformas digitais para desqualificar partidários independente de ideologia, tornou-se uma discussão generalizada em todo o mundo.(FOUANI, 2018, p.94)

Mais do que nunca é possível notar os mais diversos desdobramentos que certas agendas têm no YouTube e como a interconectividade entre as redes sociais estão refletindo na esfera política; afinal, praticamente todo dia há algum membro da gestão Bolsonaro compartilhando vídeos da plataforma em alguma outra rede social (mas mais comumente via twitter), como quando recém-eleito Jair Bolsonaro indicou youtubers como fonte de informação (THE INTERCEPT BRASIL, 2018) e, mais recentemente, com a polêmica de Eduardo Bolsonaro republicar vídeo em que um youtuber chama o presidente francês Emmanuel Macron de “idiota”(FOLHA DE S. PAULO, 2019), intensificando um clima já tenso entre a diplomacia de ambas nações. Assim, o estudo dessa

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rede social além de buscar compreensão da ascensão ideológica (principalmente do viés mais conservador, à direita), tem o peso de desmistificar cada vez mais o pensamento de que “Internet é terra de ninguém” e, cientificamente analisar e mostrar quem são os inúmeros “alguéns” por detrás dessas telas.

Referências AGUIAR, Lucas Lopez de. UM AMIGO VIRTUAL QUE NÃO TE CONHECE: A relação dos adolescentes com seus youtubers favoritos. 2016. 85 f. Monografia (Bacharelado em Comunicação Social)—Universidade de Brasília, Brasília, 2016. BURGESS, Jean; GREEN, Joshua. Youtube e a revolução digital: como o maior fenômeno da cultura participativa transformou a mídia e a sociedade. São Paulo: Aleph, 2009 EL PAÍS BRASIL. A geração que não assiste mais TV e corre atrás dos 'youtubers'. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/08/13/tecnologia/1502578288_835104.html. Acesso em: 25 ago. 2018. FOLHA DE S. PAULO. Eduardo Bolsonaro republica vídeo em que youtuber diz que 'Macron é um idiota'. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/08/eduardo-bolsonarorepublica-video-em-que-youtuber-diz-que-macron-e-um-idiota.shtml. Acesso em: 26 ago. 2019. FÓRUM. Eduardo Bolsonaro estuda História do Brasil em canal olavista no Youtube para ser diplomata. Disponível em: https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro/eduardo-bolsonaro-estudahistoria-do-brasil-em-canal-olavista-no-youtube-para-ser-diplomata/. Acesso em: 28 ago. 2019. FOUANI, Amanda Cristine Zanoto. ENTRE “MORTADELAS” E “COXINHAS”: O discurso político dos youtubers brasileiros. 2018. 105 f. Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais)—Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2018. G1. Mec paga R$ 295 mil para vídeos de youtubers sobre a reforma do ensino médio. Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/mec-desloca-r-295-mil-para-propaganda-deyoutubers-sobre-a-reforma-do-ensino-medio.ghtml>. Acesso em: 25 ago. 2018. THE INTERCEPT BRASIL. Quem são os youtubers recomendados por Jair Bolsonaro. Disponível em: https://theintercept.com/2018/11/17/youtubers-bolsonaro-nando-moura-diego-roxbernardo-kuster-fake-news/. Acesso em: 22 ago. 2019. YOUTUBE INSIGHTS. De play em play. Disponível em: <https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/youtubeinsights/2017/de-play-em-play/ >. Acessado em: 25 ago. 2018.

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Jogos, memes e stickers de WhatsApp: a imagem de Jair Bolsonaro em aplicativos para Android em 2019 Nilton Cesar Monastier Kleina1 Universidade Federal do Paraná

Resumo: O uso de eletrônicos com sistema operacional Android no Brasil para lazer e produtividade inclui o consumo de conteúdos políticos. Afinal, a ubiquidade dos smartphones permite que serviços e dados sejam fornecidos de forma portátil e imediata. Este estudo compara ferramentas e jogos para tablets e smartphones envolvendo o presidente da República, Jair Bolsonaro, durante o primeiro semestre de 2019, identificando narrativas e formatos com interpretações do político e do cenário nacional. A pesquisa exploratória objetiva catalogar e compreender esse acervo, identificando a pluralidade desses softwares. Na análise, verifica-se uma alta presença do presidente da República com o fortalecimento da sua imagem, com destaque para “adesivos” do mensageiro WhatsApp e jogos em que ele é retratado. A utilização de memes para transportar essas mensagens e campanha contra a oposição também são notadas. Palavras-chave: Comunicação política; dispositivos móveis; Jair Bolsonaro; Android

1. Introdução Os brasileiros passaram em média três horas por dia utilizando o smartphone em 2018, de acordo com o relatório Estado de Serviços Móveis, posicionando o país como o quinto com maior tempo de consumo do aparelho em todo o mundo (VALENTE, 2019). E, além de usar o aparelho para assistir a vídeos, acessar redes sociais, trocar mensagens e jogar, o público também consome conteúdos políticos nesses dispositivos — muitas vezes, durante as atividades anteriormente mencionadas. O presente estudo contribui para pesquisas relacionadas com o consumo do brasileiro em relação a conteúdos políticos no celular, com foco em aplicativos móveis que trazem o presidente da República, Jair Bolsonaro, como protagonista. Afinal, há em jogos e utilitários uma imagem que ainda traz reflexos da campanha eleitoral? Para mapear com maior precisão a imagem do político, faz-se necessário compreender como ela é construída e retratada nesse ambiente digital portátil, descobrindo inclusive se o apoio e

1

Doutorando em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre em Comunicação pela UFPR. Membro do grupo de pesquisa Comunicação e Participação Política (COMPA) e bolsista CAPES. Contato: nckleina@gmail.com Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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o enaltecimento da figura de Bolsonaro são os sentimentos dominantes, ou se o conteúdo apresenta traços de críticas e oposição. O objetivo é compreender a construção de imagem e de narrativas envolvendo o presidente da República na maior loja de aplicativos móveis do mundo, a Google Play, presente no popular sistema operacional Android2, que é desenvolvido pela Google e distribuído em smartphones de diferentes fabricantes do mercado de telecomunicações. Para isso, aplicativos relacionados com o presidente foram coletados, catalogados e classificados em uma breve análise do conteúdo encontrado. A presente pesquisa também atua como continuidade de um estudo anterior (KLEINA, PRUDENCIO, 2016) que mapeou aplicativos, porém em outro contexto: durante campanha eleitoral e apenas envolvendo aplicativos oficiais de candidatos. Neste momento, são aplicadas diferentes metodologias de análise e o recorte envolve softwares desenvolvidos sem conexão institucional com o político. Em pesquisas científicas, aplicativos para tablets e smartphones “importam porque eles refletem nossos valores culturais, trazendo múltiplos atores, incluindo usuários, desenvolvedores e anunciantes em um espaço de significados de interação e comunicação que moldam as nossas práticas cotidianas” (LIGHT, BURGESS e DUGUAY, 2016, p. 986. Tradução nossa.). Assim, é possível compreender melhor um setor que, não pertencente aos grupos de redes sociais, tem a sua importância no meio digital. Nas seções seguintes, será discutido o cenário político brasileiro nos ambientes virtuais a partir de 2018, que trouxe novidades no uso de redes sociais e da internet como ferramenta eleitoral. Além disso, o papel de smartphones na política também será desenvolvido, ampliando o debate do seu uso para além de campanhas políticas e servindo também como um fenômeno de ativismo online. Por fim, a metodologia será explicada, o que permite o desenvolvido da análise pretendida.

2. A política brasileira no cenário digital: antes, durante e pós-2018 Extensos levantamentos já foram realizados em áreas como Ciência Política e Comunicação a respeito das evoluções no uso e adoção de tecnologias digitais na política — o que culminou em um pleito bastante focado em conteúdos disseminados por 2

Segundo o ranking da GlobalStats de julho de 2019, ele é o sistema operacional móvel mais utilizado do Brasil, com 85,93% do mercado mobile. O segundo colocado é o iOS, da Apple, com 13,28%. Dados completos disponíveis em: < https://gs.statcounter.com/os-market-share/mobile/worldwide>. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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meios eletrônicos em 2018. As últimas campanhas eleitorais brasileiras "se caracterizaram pelo uso e incorporação maciça da internet e das mídias sociais como ferramenta de propaganda pelos candidatos" (BRAGA, CARLOMAGNO, 2018, p. 7), o que corresponde ao aumento do uso cotidiano da web pela população3. É possível, portanto, traçar uma linha evolutiva na adoção dessas plataformas, com maior grau de difusão dessas ferramentas a nível nacional a partir de 2010, iniciando-se com a criação de sites e passando para a utilização do perfil em redes sociais e interações em rede, culminando em 2016 para "estudos buscando mapear de forma mais aprofundada, por meio de recursos metodológicos inovadores e análise de big data, as interações e as redes que se formam pelas mídias digitais" (BRAGA, CARLOMAGNO, 2018, p. 23). O curto período de tempo entre as eleições presidenciais de 2018 no Brasil e a realização deste estudo faz com que a quantidade de pesquisas a respeito de estratégias e características do ativismo e da campanha realizada antes e durante o pleito seja limitada. Entretanto, uma onda inicial de análises já permite traçar esse cenário ao menos parcialmente. Embora ainda não seja possível mensurar a relevância do mensageiro WhatsApp e de um uso diferenciado das redes sociais na campanha vencida por Jair Bolsonaro (PSL), já é possível confirmar a sua importância. No estudo de grupos públicos do WhatsApp, Mont'Alverne e Mitozo (2019) notam o predomínio de redes como o Facebook, Twitter e YouTube como fontes de notícias, com uma retroalimentação de conteúdos que amplia a disseminação desses conteúdos. Assim, há um alto fluxo de compartilhamento de vídeos, textos e imagens, aproveitando-se da intuitividade no uso do mensageiro

e

de

recursos

como

o

encaminhamento

massivo

de

mensagens.

Ao analisarem as dinâmicas comunicativas e as estratégias adotadas por apoiadores de Bolsonaro no WhatsApp, Piaia e Alves (2019) notam que a campanha eleitoral estudada "pode ser considerada um marco para a comunicação eleitoral" pelo amadurecimento de estratégias e dinâmicas de militância digital, caracterizada por conteúdos produzidos e veiculados por apoiadores sem vínculo com comitês e plataformas oficiais do candidato, além do estabelecimento de redes de comunicação que vão além de redes

3

De acordo com a pesquisa PNAD Contínua TIC 2017, o percentual de domicílios com conexão com a internet em 2017 era de 74,9%, contra 69,3% do ano anterior. De 2016 para 2017, o percentual de pessoas que acessaram a rede pelo celular aumentou de 94,6% para 97%. Enviar ou receber mensagens de texto, voz ou imagens por aplicativos diferentes do e-mail é o principal uso da rede para 95,5% dos brasileiros conectados (IBGE, 2018). Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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mais tradicionais. Foi detectada ainda uma forte ligação entre o aplicativo de chats e redes sociais, fontes principais de endereços compartilhados nos grupos do mensageiro. É constante também a utilização de memes para fortalecer ou disseminar uma mensagem, seja ela positiva ou negativa em relação a um candidato. Eles podem ser conceituados como fórmulas discursivas ou artefatos culturais que, a partir de uma interação com seus congêneres, e através de um processo de circulação em diferentes redes sociais, são capazes de despertar ou demonstrar o engajamento político do sujeito ou ainda socializá-lo com o debate público, através de uma linguagem metafórica e orientada à construção de um enredo ou enquadramento próprios, que fazem uso, muitas vezes, de referências da cultura popular. (CHAGAS, 2018, p. 10)

Além das evoluções em uso eleitoral, não se pode restringir as evoluções tecnológicas na política aos pleitos: deve-se ressaltar as possibilidades criadas pelos meios digitais para campanhas de ativismo e representação política de cidadãos engajados e movimentos sociais. Afinal, "recursos tecnológicos são instrumentos à disposição de agentes sociais, estes sim com capacidade de fazer promessas ou de frustrar esperanças". (GOMES, 2005, p. 75). A partir de redes sociais e ferramentas digitais, "novas vias de mudança social, mediante a capacidade autônoma de organizar-se, têm sido descobertas por uma nova geração de ativistas, para além do alcance dos métodos usuais de controle empresarial e político" (CASTELLS, 2013, p. 28). A utilização política de um desses recursos mais contemporâneos, os smartphones, será detalhada na seção seguinte.

3. O uso político de smartphones: eleições e “apptivismo” Um conceito-chave para compreender a importância dos smartphones no cotidiano contemporâneo é a chamada computação ubíqua. Trata-se da expressão utilizada para descrever a situação atual em que estamos tão rodeados de diferentes eletrônicos e com a conexão com a internet não mais limitada a determinados horários ou aparelhos. Segundo Goggin (2011), essa proximidade traz abertura e abre oportunidades e potencialidades em produção e consumo de conteúdo digital, ao ponto em que a "popularização de tecnologias móveis e a chamada computação ubíqua provoca ramificações socioculturais profundas" (GOGGIN, 2011, p. 149. Tradução nossa.).

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Um dos primeiros estudos que relacionou o uso de aplicativos na política foi realizado na África do Sul por Walton e Donner (2011). A campanha eleitoral de 2009 no país apresentou restrições na comunicação por dispositivos móveis, ainda utilizados somente por uma pequena parcela da população devido a limitações financeiras de determinadas classes sociais. Além disso, sites de campanha, aplicativos mensageiros e redes sociais dominaram o setor, sem a detecção de softwares específicos dos candidatos. A utilização de aplicativos para tablets e smartphones na política dos Estados Unidos foi detectada por Petronzio (2012) durante a disputa presidencial entre Barack Obama e Mitt Romney em 2012. Ambos utilizaram plataformas online de forma aprimorada em relação à já bastante conhecida campanha de 2008, vencida por Obama e caracterizada pelo uso criativo e diversificado de plataformas digitais. No caso do pleito seguinte, aplicativos que aproximavam os candidatos dos eleitores, permitiam doações via mensagens de texto e facilitavam o compartilhamento de imagens e notícias por redes sociais — uma série de ferramentas já existentes antes, porém adaptadas para a mobilidade de eletrônicos que estavam cada vez mais populares. Em uma pesquisa realizada neste mesmo ano no país, detectou-se que aplicativos tinham um papel consideravelmente baixo em conectar candidatos e eleitores: 45% dos cidadãos registrados para votar usava aplicativos no celular e, destes, somente 8% entrou em contato com serviços móveis relacionados a um candidato, partido ou grupo político de interesse para obter informações e atualizações sobre a campanha (SMITH, DUGGAN, 2012). Ao tratar do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Gómez-García et al. (2019) realizaram um estudo da imagem do político em aplicativos para Android, analisando as narrativas e os perfis de cada ferramenta, além de realizar entrevistas com os desenvolvedores em busca das motivações por trás da criação. Na pesquisa, concluiuse que a popularidade de Trump como tema de aplicativos derivou de fatores diversos e não necessariamente relacionados, incluindo autopromoção por parte dos desenvolvedores, experimentação com novas fórmulas e ferramentas de criação de aplicativos, importância social da figura envolvida e possibilidade de obtenção de lucro com compras e ofertas de banners publicitários. O entretenimento, acima da campanha política, é tido como o principal motivo para a existência desses programas, embora haja também motivações informativas e ideológicas — afinal, vincular a imagem do político a determi-

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nado contexto confere a ele uma determinada interpretação. Uma das metodologias empregadas será melhor detalhada adiante e utilizada como base para esta pesquisa. Já em uma análise de aplicativos referentes a candidatos das eleições de 2014 no Brasil, notou-se "um mercado possível, mas ainda mal utilizado ou pouco aproveitável” (KLEINA, PRUDENCIO, 2016, p. 240). No período, os softwares eram versões limitadas e miniaturizadas de sites de campanha e conteúdos já presentes em outras redes sociais, com dados como biografia e agenda de candidatos. Assim, questionou-se no período se os conteúdos encontrados eram relevantes para o eleitor, seja ele indeciso ou com o voto já definido. Essa adoção do mobile pela política não deve ser encarada como tardia. Segundo Light, Burgess e Duguay (2016), a proeminência de apps é associada à introdução do iPhone, o primeiro smartphone da Apple, em 2008, o que marcou a apresentação da loja digital App Store, o sistema operacional iOS e a popularização da instalação de diferentes ferramentas e do ambiente digital nesse tipo de aparelho. Entretanto, programas para dispositivos móveis já existiam: anteriormente, celulares eram dotados de menor capacidade de processamento, com interfaces visuais menos gráficas e mais voltadas a funções básicas, como servir de agenda de contatos e oferecer navegação restrita pela internet. Além disso, a evolução para smartphones também ocasionou um aumento no preço desses dispositivos, o que pode ampliar a exclusão digital. Já o sistema operacional Android, desenvolvido pela Google, teve a sua primeira versão publicada em 2008, ainda em uma quantidade limitada de aparelhos de fabricantes parceiras. Deve-se ressaltar mais uma vez, entretanto, que o uso de aplicativos na política não se restringe às campanhas eleitorais. Ao cunhar o termo “apptivismo”, Golan e Tirosh (2019) descrevem como opera o ativismo político a partir do design de aplicativos, aproveitando também as já difundidas funções comunicativas, informativas e de lazer oferecido por softwares para dispositivos móveis. O estudo, no caso, nada tem a ver com campanhas: trata-se de um app utilizado para visitar virtualmente localidades do território ocupado. Ao utilizar tais ferramentas com objetivos de cidadania, participação ou até mesmo pertencimento, uma comunidade é capaz de integrar "uma experiência coletiva que oferece uma narrativa, em que cada fala tem significado e pode validar as atividades do dia a dia" (GOLAN, TIROSH, 2019, p. 12. Tradução nossa.). Elucidadas as questões teóricas e de contexto em relação ao estudo, é possível partir para a descrição da metodologia selecionada e sua aplicação no cenário brasileiro.

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4. Metodologia O Android foi escolhido por ser o sistema operacional mais difundido no Brasil, além do fato de a Google oferecer maior facilidade na extração e consulta de dados em relação à concorrente, o sistema operacional iOS, da Apple. Por fim, Jair Bolsonaro foi selecionado como tema pelo presente exercício como presidente da República durante a coleta. O primeiro passo envolveu a pesquisa manual na loja de aplicativos digitais Google Play pelo termo “bolsonaro”, o que leva a todos os jogos e ferramentas que trazem o sobrenome do político no título, descrição ou como uma das palavras-chave cadastradas no sistema da loja. A busca inicial foi realizada na segunda semana de abril de 2019, que marcou os 100 dias de gestão, e mais três meses depois, ao final de julho, para a coleta de eventuais novos aplicativos que se destacaram. A raspagem também foi feita manualmente para eliminar aplicativos deletados da loja — por motivos desconhecidos, mas que podem variar de vontade do desenvolvedor a desrespeito às políticas internas da Google — e programas que se aproveitavam da tag “bolsonaro”, mas nada ofereciam a respeito do tema. Em seguida, cada software foi organizado em uma tabela, com alguns metadados: título, desenvolvedor responsável, quantidade de downloads4e nota da comunidade. Ao todo, 88 aplicativos restaram na última etapa de filtragem, mas apenas 47 deles tratam exclusivamente de Bolsonaro ou tendo ele como objeto dominante. Este último conjunto permite uma melhor compreensão da figura do político e, portanto, serão os programas analisados em termos de narrativa. Por fim, cada aplicativo foi analisado com base nas informações disponíveis em sua página no catálogo da Google Play (título, descrição e capturas de tela) nos seguintes tópicos: (i) Formato e (ii) Narrativa. Em Formato, foi identificado o tipo de aplicativo entre Jogo (game mobile de ação, aventura, quebra-cabeças, tiro ou plataforma, por exemplo); Pacote de conteúdo (curadoria de de áudios, memes ou tarjas para aplicação em fotos de perfis, com foco em compartilhamento via redes sociais e mensageiros); Eleitoral (com foco em apoio ao político ou ainda relacionado com a campanha, agregando informações ou convocações para o voto); e Stickers (pacotes de adesivos criados

4

Aqui, devemos ressaltar que a Google Play oferece baixa precisão em relação ao número de vezes em que o aplicativo foi baixado, trazendo um número aproximado que indica somente de forma parcial a sua popularidade. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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pela comunidade e utilizados como ilustração em mensagens no WhatsApp. A categoria “Stickers” foi desmembrada de “Pacotes de conteúdo” pela alta incidência durante a pesquisa, e por categorizar um fenômeno relativamente recente no mensageiro. Já as interpretações de narrativas em softwares de dispositivos móveis são as mesmas aplicadas por Gómez-García et al. (2019, p. 52), baseadas em metodologia previamente desenvolvida por Haigh e Heresco (2010). Foram utilizadas, portanto, cinco classificações possíveis: (i) escapista: discurso que não é ligado à realidade, que fornece uma construção irreal ou meramente viral; (ii) informativa: discurso que oferece informações das atividades, como campanha presidencial; (iii) significativa: discurso com o objetivo de dar uma opinião; (iv) dramático-satírica: discurso que destaca elementos emocionais com um propósito irônico; (v) circunstancial: discurso que usa a popularidade como personagem, mas sem propor uma construção complementar.

5. Análise e discussão de resultados Ao analisar os resultados obtidos e o catálogo de aplicativos5 antes dos procedimentos de filtragem, já é possível formular algumas impressões. Logo no início da coleta, nota-se que muitos aplicativos utilizam a tag pesquisada (“Bolsonaro”) para surfar na onda de popularidade do termo e ranquear nas pesquisas, mesmo que não apresentem relação com o tema. Entre os dados analisados, percebe-se uma quantidade significativa e relevante de downloads, especialmente entre os pacotes de conteúdo, como sons e memes para mensageiros e redes sociais6. Além disso, é possível observar que os desenvolvedores pouco se repetem, indicando alta variedade de atores nesse cenário sem centralizar a produção de softwares. A maioria absoluta é gratuita — 46 dos 49 aplicativos. Porém, há alguns conteúdos que são pagos (um pacote de stickers que custa R$ 0,99) e dois outros no regime freeware — em que não se paga nada para baixar, mas é necessário pagar para desbloquear conteúdos dentro do app.

5

A tabela pode ser conferida em: < https://docs.google.com/spreadsheets/d/19xsOscnlhsISuVd6LyynJsgnbpP11QoR7AciQgSm-Q/edit?usp=sharing>. 6 O aplicativo Stickers do Bolsonaro e o jogo Senhor Presidente ultrapassaram a marca de 500 mil downloads. Já Bolsonaro Sounds (seleção de áudios com falas do político), Bolsonaro no WhatsApp (memes e áudios envolvendo o presidente) e Bolsonaro Mitagem (outro pacote de frases) foram baixados mais de 100 mil vezes. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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Antes da análise por formato e narrativa (Gráfico 1), é preciso ressaltar ainda que, entre os 38 aplicativos que ficaram de fora da análise final por Bolsonaro não ser o protagonista, 25 são da categoria Stickers. Nota-se, portanto, a adoção ágil de novos recursos por parte dos programadores, que rapidamente adotaram novidades na plataforma, como os adesivos para WhatsApp, cujos pacotes propagaram-se rapidamente pela loja virtual. Todos são classificados como “Circunstanciais”, já que se aproveitam da popularidade do político sem o objetivo de passar uma mensagem relacionado a ele.

GRÁFICO 1 - Tipos de aplicativo e narrativas encontradas Fonte: Dados do autor.

Uma descoberta curiosa é que os jogos encontrados na pesquisa receberam a classificação de Significativos na maioria dos casos em vez de Escapistas. Isso ocorre porque, apesar de criarem mundos ficcionais em situações completamente absurdas e exageradas, há antagonistas bem definidos e Bolsonaro na posição de herói e detentor de determinados valores. Portanto, não se trata de uma fuga completa da realidade, mas sim do uso de um contexto caricato para reforçar valores e opiniões. Na forma de memes, eles se consolidam como uma estrutura de propagação de mensagens persuasivas que “procuram sintetizar pontos positivos ou satirizar pontos negativos, consolidando sua proposta retórica através da metáfora” (CHAGAS, 2018, p. 10).

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Há ainda uma ausência de oposição ou críticas a Bolsonaro, como jogos que ridicularizem aparência, ações e ideologias do político, como encontrado por GómezGarcía et al. (2019) no caso de Donald Trump. Até mesmo a presença de narrativas dramático-satíricas se voltam para a oposição — representada mais frequentemente por figuras como Dilma Rousseff, Jean Wyllys, Fernando Haddad e Lula, além de símbolos como a estrela vermelha do Partido dos Trabalhadores (PT). Estes surgem normalmente com uma imagem bastante negativa associada, seja como obstáculos em jogos ou como figuras retratadas de modo exagerado e humorístico. Dos aplicativos que contém Bolsonaro como uma figura presente, porém não protagonista, percebe-se um padrão: uma presença massiva de pacotes de adesivo, alguns jogos e pacotes de conteúdo, com maior indicativo de narrativa Circunstancial — ou seja, que traz a presença do político para garantir o sucesso do produto na loja virtual.

6. Considerações finais Por meio de pesquisa e catalogação, este estudo em caráter exploratório analisou os aplicativos que trazem a figura de Jair Bolsonaro como protagonista no sistema operacional Android para tablets e smartphones. Assim como Gómez-García et al. (2019) notam na pesquisa a respeito de Trump, a multiplicação de aplicativos móveis sobre o presidente com altas taxas de download e diversidade no funcionamento aponta para novas tendências em criação de conteúdo por plataformas de distribuição digital que vão muito além das redes sociais, já amplamente utilizada por ele e seus apoiadores. É preciso reconhecer ainda as limitações desta pesquisa. Sem entrevistas em profundidade, por exemplo, não é possível saber as intenções dos desenvolvedores, porém sem a recepção do público esse cenário mantém-se incompleto, já que o motivo do download pode variar entre os usuários. Além disso, a busca pode expandir-se para outros termos e temas em oportunidades futuras, abrigando ainda mais categorias de classificação. De modo geral, entre os resultados encontrados, é alta a presença do presidente na loja digital Google Play, algo possível graças aos esforços voluntários de apoiadores. E, mais do que isso, a narrativa construída em torno desses softwares normalmente envolve opiniões favoráveis ao político, com o aplicativo carregado de significados. A quantidade de programas criados somente para viralização, apoiando-se na popularizaPrograma de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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ção da figura de Bolsonaro sem necessariamente definir um posicionamento, também é alta. Ao mesmo tempo, há uma ausência de aplicativos que representem, o discurso da oposição ou que apresentem um tom crítico em relação a ele. Entre as aplicações, além dos jogos e dos pacotes de conteúdo para redes sociais, o WhatsApp consolida-se como plataforma de veiculação de conteúdos relacionados a Bolsonaro, assim como observado em Piaia e Alves (2019), com alta utilização de recursos recentes, como os adesivos. É preciso reconhecer as limitações desta pesquisa. Sem entrevistas em profundidade, por exemplo, não é possível saber todas as intenções dos desenvolvedores, porém sem a recepção do público esse cenário mantém-se incompleto, já que o motivo do download pode variar entre os usuários. Além disso, a busca pode expandir-se para outros termos e temas em oportunidades futuras, abrigando ainda mais categorias de classificação. Por meio dos resultados, é possível também descobrir possíveis caminhos para pesquisas aprofundadas. A alta quantidade de jogos, por exemplo, abre espaços para um eventual estudo da gamificação de Bolsonaro, a partir da análise de jogabilidade, objetivos e personagens envolvidos — além da naturalização da violência, inclusive por armas de fogo. Já a catalogação conjunta com outros atores políticos, como os da atual oposição, permite traçar no futuro o cenário na plataforma de forma mais completa

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Representatividade na Câmara das Deputadas: trocas simbólicas entre mulheres que perseveram ‘apesar de...’ Aline Vaz1 Universidade Tuiuti do Paraná (UTP)

Resumo: A pesquisa propõe olhar para os modos que as mulheres deputadas federais, Talíria Petrone – RJ e Sâmia Bomfim – SP, ambas eleitas em 2018 pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, constroem experiências de representatividade, midiatizando ações de resistência contra um “patriarcado público” que se reitera dentro da Câmara dos Deputados. Nos perfis das parlamentares, na rede social Instagram, as imagens capturadas em momentos de conflitos não são somente compartilhadas como suporte para transmissão de mensagens, são experiências estéticas que diluem as fronteiras entre as mulheres que representam e as que são representadas. Considerase, então, que os mandatos feministas entram em conformidade com a capacidade de representar algo para alguém, partilhando ações resistentes que se convertem em possibilidades de trocas simbólicas. Palavras-chave: Deputadas Federais: Talíria Petrone e Sâmia Bomfim; desigualdade de gênero; representatividade; experiência estética.

1. Introdução A justaposição entre os processos comunicacionais e as expressividades estéticas se articulam com a ordem do cotidiano e seus simbólicos acontecimentos sensíveis. Diversas manifestações artísticas, jornalistas, publicitárias, políticas, entre outras, buscam atingir o sensível de determinado público convocando o conceito da experiência. “Podemos falar então dos diversos modos de aparecer do fenômeno estético no âmbito dos objetos (antigos e novos da comunicação). Certamente, cada objeto apresenta demandas e configurações bastante peculiares da relação mais geral entre comunicação, experiência e estética” (LEAL, MENDONÇA, GUIMARÃES, 2010, p. 11). Desse modo, os estudos no campo da comunicação e da estética debruçam-se sobre “as discussões em torno da imagem e das atitudes do espectador, até a caracterização das relações entre mídia e política, passando pelos modos de subjetivação” (LEAL, MENDONÇA, GUIMARÃES, 2010, p. 12).

1

Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná (PPGCom-UTP); pesquisadora associada ao GRUDES (PPGCom-UTP / CNPq). Email: alinevaz900@gmail.com. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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Pensando que as imagens que circulam socialmente são processos comunicacionais, potencializando os modos de vida e as possibilidades estésicas, o presente estudo focaliza suas lentes analíticas para as imagens públicas que se proliferam no Congresso Nacional, historicamente, ocupado pelas elites brasileiras, em geral, por homens brancos. É neste contexto, que as mulheres são confrontadas com o “patriarcado público” (BIROLI, 2018) e precisam construir estratégias diárias de enfrentamento. Nota-se que a presença da mulher no parlamento denota um campo de resistência, podendo grande parcela da população brasileira se identificar com a minoria que ocupa o poder público. Apesar das mulheres significarem 51,7%2 da população brasileira, na Câmara dos Deputados representam – em 2019 – apenas 15%3 da bancada – em número menor, as mulheres disputam espaços de poder com um patriarcado que a todo custo tenta oprimir deputadas eleitas no parlamento, reproduzindo discursos e ações machistas em Brasília. Imagens dessa disputa são midiatizadas e extrapolam o momento da ação, ao capturar imageticamente e compartilhar (em matérias jornalísticas ou em redes sociais) os momentos de embates políticos motivados por conflitos machistas, a experiência de uma deputada (ou de uma bancada feminina no Congresso) torna-se a experiência das mulheres que integram a população e acessam as imagens, identificando-se com as opressões patriarcais e experienciando uma interação sensível de empatia, construindo nas redes sociais, conforme demonstraremos, trocas simbólicas entre as deputadas e as mulheres que resistem na sociedade brasileira. Tomemos, então, esse caminho pelo qual esses objetos comunicacionais nos inspiram a necessidade de tornar uma informação comum, uma construção de sentido compartilhada, mesmo que inevitavelmente seja mergulhada em seguida noutros jogos de significações. A comunicação parte de uma demanda de fazer-se compreender reciprocamente, o que leva a informar, transmitir uma dada mensagem e a construir entendimentos nessa partilha (DUARTE, 2010, p. 92).

Essas ações resistentes de deputadas na Câmara, no campo do estudo da imagem e das interações sociais se oferecem aqui como experiência estética de empoderamento – a ativação sensível da imagem partilhada potencializa o corpo feminista que ocupa e “De acordo com dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2018, o número de mulheres no Brasil é superior ao de homens. A população brasileira é composta por 48,3% de homens e 51,7% de mulheres” (IBGE EDUCA, 2018). 3 “Em 2018, foram eleitas 78 mulheres para a Câmara dos Deputados (15%). Embora seja um número pequeno, representou um avanço em relação à eleição anterior, em 2014, quando foram eleitas 51 deputadas (10%)” (CÂMARA NOTÍCIAS, 2018). 2

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reivindica o lugar político. Assim, propomos analisar os modos que essas mulheres deputadas compartilham uma imagem combativa de resistência contra um patriarcado enraizado na cultura brasileira. Em nosso recorte optamos pela análise da midiatização da imagem pública das deputadas federais que compõem a bancada do PSOL – Partido Socialismo e Liberdade4: Talíria Petrone5 – RJ e Sâmia Bomfim6 – SP, duas mulheres eleitas em 2018 que constantemente sofrem ataques dentro e fora do parlamento, em diferentes expressividades de violência tem seus corpos mantidos sob a mira de discursos de ódio.

2. Conversão da resistência em partilha sensível Em 2019, Talíria Petrone, mulher negra carioca e eleita Deputada Federal pelo povo, que em sua biografia define a relação com Marielle Franco7 como sua “amiga-irmã de lutas”, revela sofrer ameaças de morte – a situação foi comprovada pela Polícia Federal, que obteve informações na chamada Dark Web. Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, segundo matérias jornalistas tem ignorado ofícios da Câmara dos Deputados solicitando que o governo estadual garanta proteção e escolta 24 horas para quando a parlamentar estiver no estado do Rio.

4

Contrariando o padrão patriarcal, a bancada federal do PSOL é composta por 10 parlamentares com paridade de gênero (5 homens e 5 mulheres) – no site da sigla destaca-se o fortalecimento da luta e da representatividade do partido. Segue texto disponível no sítio online: “Para nós, representatividade não é detalhe e importa muito! Na próxima legislatura, o PSOL será o único partido, entre os que superaram a cláusula de barreira, com paridade de gênero na bancada da Câmara dos Deputados” (PSOL50/NOTÍCIAS, 2018). 5 “Talíria Petrone é historiadora formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense, professora da rede pública de ensino, vereadora e deputada federal eleita no RJ. Militante negra e feminista, em 2016 foi eleita a vereadora mais votada de Niterói com mais de 5 mil votos. Ao mesmo tempo, sua amiga-irmã de lutas Marielle Franco se elegia vereadora da capital do estado do outro lado da Baía de Guanabara. Em 2018. se elegeu Deputada Federal pelo Rio de Janeiro, a nona mais votada no estado, com 107.317 votos” (PSOL50/PARLAMENTARES). 6 “Sâmia Bomfim é formada em Letras pela USP, militante feminista, vereadora em São Paulo desde 2016 e deputada federal eleita.Foi militante do movimento estudantil na universidade, onde participou do Diretório Central dos Estudantes e, mais tarde, tornou-se funcionária e compôs a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores. Foi a mais jovem vereadora eleita na cidade de São Paulo e a primeira vereadora eleita pelo PSOL. Líder feminista, ela participou das marchas que levaram à cassação e prisão de Eduardo Cunha. Na Câmara, propôs projetos como o Escola Sem Censura e a CPI da Condição de Vulnerabilidade da Mulher. Em 2018, se elegeu deputada federal com quase 250 mil votos” (PSOL50/PARLAMENTARES). 7 Em 2018, a vereadora do PSOL no Rio de Janeiro, Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram executados na cidade carioca. Marielle, mulher negra nascida na favela do Complexo da Maré, gradua-se em Ciências Sociais na tradicional Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC. Em 2016, em sua primeira disputa eleitoral, é eleita vereadora na capital fluminense pela Coligação Mudar é possível (PSOL / PCB). Com mais de 46 mil votos, foi a quinta candidata mais votada no município e a segunda mulher mais votada ao cargo de vereadora em todo o país. Em 2018, após a morte da vereadora, durante ato de campanha o candidato ao governo do Rio de Janeiro Wilson Witzel (PSC), na companhia dos deputados Daniel Silveira e Rodrigo Amorim (PSL), quebraram a simbólica placa utilizada em manifestações contra o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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Em entrevista para o DCM – Diário do Centro do Mundo (2019), Petrone rememora que desde quando ingressou na política como vereadora é vítima de ameaça e ações violentas, principalmente por meio das redes sociais: (...) nesses espaços já ouvi que: ‘você merece uma 9 milímetros na sua nuca’. Outros disseram que eu deveria tomar pauladas. No entanto, depois, aconteceram ameaças mais concretas. Teve um homem que ligou por muitas horas na sede do PSOL em Niterói falando que queria me matar. Pedindo o telefone ‘da piranha que o PSOL elegeu’. Monitoramos gente armada diante do nosso comitê de campanha nessa última eleição. (DCM, 2019)

Apesar das agressões a deputada federal persevera e adverte: “Isso é grave e dá medo. Mas o medo não é maior do que a certeza e a urgência que foram despertados com a morte da Marielle” (DCM, 2019), complementando que a luta não seria uma escolha, mas uma necessidade. Parte dessa luta é compartilhada em seu perfil na rede Instagram @taliriapetrone, que atualmente (dia 27 de julho de 2019) totaliza 201 mil seguidores e 1.585 publicações. A foto do dia 04 de abril de 2019 (figura 1) em sua rede social chama a atenção pelo excesso de homens brancos em seu entorno durante uma reunião entre parlamentares. No momento da captura da imagem Petrone discutia com o deputado Reinhold Junior, do PSD – Partido Social Democrático, que a chamara de “menina”, possivelmente numa tentativa de desqualifica-la. Talíria responde assertiva, apontando-lhe o dedo: “menina não, deputado”. Deputada eleita!”. A publicação (até o dia 25 de julho de 2019) já recebera 1.912 comentários, entre eles: @murphy.marina: “Que imagem forte. Demonstra a importância e o desafio de você ocupar esse espaço da branquitude masculina. Maravilhosa”; @juvbr: “Maravilhosa empoderada!!!”; @rosana_npaes: “Eu não to aguentando esses parlamentares brancos, padrão, cis, machistas, patriarcal, que estão transbordando sua masculinidade fragilizada porque se sentem ameaçados por mulheres DEMOCRATICAMENTE ELEITAS, que são donas do próprio ser, e perfeitamente capazes de exercerem os seus mandatos de forma LINDA e REPRESENTATIVA. Sinto orgulho dessa bancada do PSol, e acredito que cada vez mais possamos aumentar o número de mulheres, negrxs, trans e fora do padrão heteronormativo”; @anacarolmarsic: “Essa imagem é exemplificativa da luta das mulheres para ocupar os espaços de poder que é seu por direito! Ocupar e resistir, sempre!”; @raquel.lsg: “Que imagem cheia de significados. Arrasou! Isso, lute contra o machismo e o racismo. Meu voto valeu a pena”; @beea.bcorrea: “Taliria ocupando a câmara eleva todas as mulheres e pessoas junto com ela, é MUITO BOM se sentir DEVIDAMENTE REPRESENTADA! DEPUTADA

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ELEITA!”. Os comentários de mulheres que se identificam com o mandato de Talíria Petrone ressaltam a importância do empoderamento e da representatividade no parlamento, ao elevar a voz para o deputado, ocupando o primeiro plano na imagem, a deputada eleva o lugar das mulheres num Congresso tomado por homens privilegiados. Na imagem publicada no dia 11 de julho de 2019 (figura 2), até o dia 25 de julho com 193 comentários, a descrição da postagem é a seguinte: “Foto de ontem pra avisar que daqui a pouco tem mais sessão. A luta é dura, difícil, mas não vamos desistir. Seguimos na resistência na votação dos destaques da reforma da previdência hoje. Nosso lado é o do povo”. Perfis que apoiam a aprovação da reforma da previdência atacam a deputada e outros (aqueles que são contrários à reforma) a defendem, muitos como na foto que destacamos anteriormente, comemoram o lugar de resistência e representatividade ocupado por Talíria Petrone na Câmara: @verinha_19: “A luta é árdua. Estamos com vcs! É a esperança que temos na representatividade de vcs aí, em meio às tantas forças contrárias!”; @renatamc24: “Que imagem forte vc uma mulher preta lutando contra um mar de velhos políticos... Obrigada mulher! Vc é Foda!”; @cinemadamalena: “Obrigada por falar por nós. Enviando boas energias pra que você continue tendo forças nessa luta injusta!”. Ao destacar-se na foto vestindo uma roupa de cor laranja que ressalta entre o cinza dos ternos masculinos, Talíria parece desempenhar um esforço corporal para se fazer vista e ouvida, pela expressão facial e posicionamento de sua mão solicita o lugar de fala enquanto a maioria daqueles em seu entorno parecem não se importar, pois não direcionam-se a ela. Os comentários na rede social reiteram a importância de Petrone destacar-se entre a homogeneidade engravatada, com mensagens de solidariedade e motivação, nota-se que muitas mulheres que comentam na postagem sentem-se representadas e solicitam que a parlamentar tenha forças e continue dando voz à muitas.

FIGURAS 1 e 2

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Fonte: Instagram: @taliriapetrone

Sâmia Bomfim com 30 anos é a parlamentar mais jovem da bancada do PSOL na Câmara dos deputados. Em seu site segue o título em destaque – Uma deputada federal combativa, ressaltando: “Seu mandato é feminista e, por isso, muitos de seus projetos propõem a igualdade de gênero e direitos para as mulheres, como o PL Marielle Franco apresentado em coautoria com o deputado Marcelo Freixo, que prevê que as mulheres sejam 50% nos parlamentos brasileiros” (SAMIABOMFIM/BIOGRAFIA). Em seu mandato de vereadora em São Paulo aprovou a Lei 16.684, obrigando estabelecimentos públicos e privados a fixarem, em suas dependências, placas informativas sobre o Disque 180 - Disque Denúncia da Violência Contra a Mulher. Durante reunião na CCJ – Comissão de Constituição e Justiça, em abril de 2019 Sâmia Bomfim escreveu em seu Twitter @samiabomfim: “Paulo Guedes destemperado na CCJ nesse momento. Diante dos protestos dos deputados, provoca dizendo "falem mais alto que eu não escuto". Desrespeito com o parlamento. Esse é o "fiador da estabilidade" do governo Bolsonaro?”. Em seguida, Danilo Gentil, comediante e apresentador da emissora SBT, escreveu em sua conta @DaniloGentili na mesma rede social: “A mina é tão gorda que acha que até os ministros devem ser temperados”. Bomfim respondeu: “Estamos debatendo um assunto sério, a reforma da previdência. Enquanto todos estão atentos e opinando, você faz uma piadinha infantil pra ganhar aplauso de seus cada vez mais raros

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seguidores. Seguirei fazendo o trabalho que 250 mil pessoas me confiaram. Nos vemos na Justiça”8. Sâmia Bomfim também compartilha seu mandato no perfil do Instagram @samiabomfim com 186 mil seguidores e 2.801 publicações (até o dia 27 de julho de 2019), constantemente reiterando sua luta contra a opressão. Destacamos a foto publicada no dia 29 de maio (figura 3) que é acompanhada do texto: “A Câmara está cheia de deputados valentões. Esse da foto é um deles. Disse pra mim hoje que “acabou o tempo das mulheres vitimistas” depois de uma reclamação minha. A verdade é que eles tem medo de nós. O que vai acabar, deputado, é a paciência do povo com covardes como o senhor”. A publicação mostra um homem com expressões agressivas direcionadas à Sâmia Bomfim, enquanto um segundo tenta conter a corporalidade do companheiro (ação necessária para que a agressão à Bomfim não se tornasse física?). A deputada enfrenta o oponente, estende o dedo construindo uma barreira/distanciamento entre os corpos – apesar do deputado se encontrar exaltado a ponto de ser contido por um colega, Sâmia Bomfim não recua, debate com o homem que na imagem está em aparente situação inferior a ela, com a face descontrolada, imobilizado, enquanto ela encontra-se aparentemente rígida, confiante. A postagem já recebeu 1.320 comentários (até o dia 22 de julho de 2019), entre eles, mensagens de mulheres expressando solidariedade e agradecendo a representatividade combativa da parlamentar: @kati_lopesgodoi: “Força, Samia!!! Não se sinta sozinha, você representa milhares de mulheres que contam com você!”; @melissamelrocha: “Obrigada, mana, por nos representar! E se cuide!”; @momello: “Eu acompanho seu trabalho e me orgulho de ter escolhido você como minha deputada!!! Imagino o quão árdua deve ser a sua caminhada ao lidar com esse tipo de pessoas, com esse tipo de homens! Mas você nos enche de orgulho!!!! Além de nos encher de esperança, pois através de você, ainda posso acreditar que existem políticos lutando e batalhando pelo povo e para o povo! Parabéns”. Na figura 4 Bomfim tem uma atitude que expressa repugnância ao ato que os homens da bancada da bala – frente parlamentar composta por políticos que defendem o armamento civil – realizam diante da imprensa; a foto em que olha com desdém para a

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Gentili já respondia um processo movido pela Deputada Federal Maria do Rosário e dias depois foi condenado à pena de seis meses e 28 dias de detenção – em regime semiaberto – por injúria contra a parlamentar do Partido dos Trabalhadores – PT. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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ação de homens que simulam uma arma com as mãos acumula (até o dia 22 de julho de 2019) 1.226 comentários, entre eles: @keleuzebio: “Samia, te conheci esses dias, nem preciso dizer que estou absolutamente apaixonada por vc, por seu trabalho e por tantas outras mulheres que tem nos representado tão bem. Obrigada por isso, obrigada por se preparar pra enfrentar esse bando de gente sem noção e sem o mínimo de honestidade e respeito. Obrigada por trazer aquela luz no fim do túnel que nós brasileiros, independente de quem tenhamos votado, procuramos. Sério, é inenarrável a honra de saber que existem políticos com força como vcs. Obrigada. PS: sua cara nos representa. Muito!”; @pamela_sfarias: “Sua expressão me resume!”; @lianecris: Faço a mesma cara que você quando vejo uma cena dessas”; @nandafgr: Sua cara me representa! Mais uma vez”; @relatosmae: “É exatamente essa feição da Samia, que eu faço quando vejo Bolsominions falando”; @katinadearruda: “Sua cara nessa foto expressa o q sentimos por esses imbecis: repulsa e incredulidade. É nois”. Grande parte dos comentários destacam a expressão da candidata e a identificação, muitas das mulheres sentem-se representadas pela captura de uma ação aparentemente espontânea da parlamentar que se encontra encurralada entre o cinza dos ternos opressores, porém, não oprimida, vestindo roupas da cor vermelha, simbolicamente a cor de luta da esquerda em alusão ao comunismo, Sâmia está ali reiterando uma oposição que repugna discursos de ódio e que apesar de minoria está vigilante, dentro do parlamento e com o apoio do povo que aqui se faz representado pelos comentários nas redes sociais. FIGURAS 3 e 4

Fonte: Instagram: @samiabomfim

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Olhando para postagens das deputadas Talíria Petrone e Sâmia Bomfim notamos uma troca sensível: enquanto as parlamentares denunciam o “patriarcado público” que prossegue no poder, outras mulheres sentem-se representadas pelas formas que essas deputadas agem e reagem às tentativas de oprimi-las. Podemos considerar que se efetiva uma experiência de integração em que a partilha pelas redes sociais fortalece os laços sensíveis num contexto de resistência que é inerente à todas as mulheres que persistem “apesar de...” e transformam a luta cotidiana em experiência estética: “O que distingue uma experiência como estética é a conversão da resistência e das tensões, de excitações que em si são tentação para a digressão, em um movimento em direção a um desfecho inclusivo e gratificante” (DEWEY, 2010, p. 139). Assim, a estética remete a alguém em experiência completa, que ao ser capturado no contexto encontra-se em experiência com sua audiência. A experiência diz respeito a quem a vivencia e pouco importa se é [consiste em] um produto ficcional ou de uma bombástica notícia telejornalística. Nem está na análise do conteúdo o seu sentido, pois ele se constrói num outro composto complexo que inclui as disposições culturais de um grupo, com suas carências simbólicas, sua história material e emocional, com as potências despertadas visíveis ou invisíveis. Estamos no campo da experiência, e ela se faz como numa dança: essa entidade macroconceitual outro-mídia-mensagem, que convida seu público para dançar e constroem, em ato, o outro grupo ou um fato. Somos nós e o outro, midiatizados no fenômeno do encontro, ou nós midiatizados para o outro no mesmo fenômeno. O outro se encarna para nós pelo suporte técnico disponível na construção da informação, é com esse conjunto que nos relacionamos. (DUARTE, 2010, p. 95)

Nos termos de Jacques Fontanille (2014, p. 65) o conjunto de experiências interativas e de vida coletiva (o viver junto) integra a semiótica do objeto e denomina-se como “substâncias”, associadas a um conjunto de conteúdos axiológicos e sensíveis (normas, valores e paixões) que, por sua vez, é chamado de “forma de vida”. O “conviver” nada mais é do que uma macroexperiência que pode ser analisada em experiências constituintes. A convivência é a substância da qual emergem as formas de vida humana. Na perspectiva de Fontanille há uma categoria genérica do ser/estar junto, agir com ou agir contra que poderá originar experiências interacionais em que “perseverar, na verdade, não é somente ‘continuar’, mas ‘continuar contra ou despeito de’ algo que impediria de continuar” (FONTANILLE, 2014, p. 70). Na luta das mulheres que ocupam o poder há o agir com outras mulheres que querem ser representadas contra formas opressoras; continua-se a luta pela representatividade apesar de um “patriarcado público” que de diversas formas

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tenta excluir a vida coletiva feminina. Compartilhando os momentos em que perseveram na Câmara dos Deputados “a experiência estética reconstrói o tempo fora do cronológico, é o debulhamento de um segundo em infinitos instantes, nos quais os territórios diluem suas fronteiras em amplas e profundas possibilidades de trocas simbólicas” (DUARTE, 2010, p. 99) – a imagem midiatizada pelas deputadas não é apenas um referente matriz sobre o qual se constrói uma mensagem, é uma experiência que interage como modos feministas de dar forma à vida.

3. Considerações finais Talíria Petrone e Sâmia Bomfim ultrapassam a luta individual, lutam pela representatividade feminina, Petrone sofre tentativas opressivas manifestas pelo machismo e pelo racismo, Bomfim se confronta com o machismo e a gordofobia. Seus corpos que não cumprem o “padrão estético da mulher branca e magra”, são constantemente alvos na tentativa de coagi-las. Ambas relatam dificuldades de acesso ao parlamento. Em seu twitter @taliriapetrone, em 20 de fevereiro de 2019, a deputada desabafou: “Desde que tomei posse, fui barrada TODOS OS DIAS aqui — na entrada, no elevador, no plenário. Eu uso broche e vou às sessões, como todo parlamentar. É difícil pra eles entenderem, mas nós, mulheres pretas, somos tão deputadas quanto os outros. Não aceito esse tipo de tratamento”. Sâmia Bomfim foi barrada logo no dia em que tomou posse: “‘Me disseram que aquele era um espaço apenas para deputados eleitos. Imagino que eu tenha causado estranhamento sendo um rosto jovem e feminino, novidade naquele espaço de poder’, disse, em entrevista à Universa.” (BOMFIM, 2019). Assim, como as deputadas são barradas no exercício de seus cargos, diariamente mulheres sofrem a experiência da opressão, de terem seus corpos impossibilitados de ir e vir – a experiência partilhada de Talíria e Sâmia é a experiência de ser mulher, uma experiência interativa de vida coletiva que se converte em resistência e trocas sensíveis de transformações sociais. Talíria compartilha: “Eu fiquei muito mais só depois que a Marielle foi assassinada”. Petrone sente-se representada pela luta de Franco, não gratuitamente ela profere: “Marielle está presente em cada um, em cada uma de nós”, a mulher que foi Marielle Franco é a mulher que somos, perseverando “apesar de...”, ocupando espaços que o patriarcado não nos convidada a entrar com nossos corpos diversos, Talírias, Sâmias, Marielles, Áureas, Fernandas, Luizas e tantas futuras outras – formas de vida (nas experiências conjuntas) mantidas vivas. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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Referências A representação feminina e os avanços na legislação. CÂMARA NOTÍCIAS. 2018. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/564231-A-REPRESENTACAO-FEMININA-E-OS-AVANCOS-NA-LEGISLACAO.html>. Acesso em: 26 jul. 2019. BIROLI, F. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. Boitempo Editorial, 2018. Disponível em: <https://play.google.com/books>. Acesso em: 24 jul. 2019. BOMFIM, S. Sâmia Bomfim é barrada na Câmara: "Rosto jovem e feminino é novidade ali". UNIVERSA. 2019. Disponível em: <https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/02/01/samia-bonfim-e-barrada-na-camara-no-dia-da-posse.htm>. Acesso em: 27 de jul. 2019. Conheça o Brasil – População: QUANTIDADE DE HOMENS E MULHERES. IBGE EDUCA. 2018. Disponível em: <https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18320quantidade-de-homens-e-mulheres.html>. Acesso em: 20 jul. 2019. DEWEY, J. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010. DUARTE, E. As vertigens estéticas de um campo em configuração. In: LEAL, B. S.; MENDONÇA, C. C.; GUIMARÃES, C. (Org). Entre o sensível e o comunicacional. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010, p. 89-103. FONTANILLE, J. Quando a vida ganha forma. In: NASCIMENTO, Edna Maria Fernandes dos Santos; ABRIATA, Vera Lúcia Rodella (Orgs.). Formas de vida: rotina e acontecimento. Ribeirão Preto: Editora Coruja, 2014. p. 55- 85. LEAL, B. S.; MENDONÇA, C. C.; GUIMARÃES, C. Experiência estética e comunicação: a partilha de um programa de pesquisa. In: LEAL, B. S.; MENDONÇA, C. C.; GUIMARÃES, C. (Org). Entre o sensível e o comunicacional. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010, p. 7-15. O medo não é maior que a urgência”, diz ao DCM a deputada Talíria Petrone, ameaçada de morte e sem escolta. DCM. 2019. Disponível em: <https://www.diariodocentrodomundo.com.br/omedo-nao-e-maior-que-a-urgencia-diz-ao-dcm-a-deputada-taliria-petrone-ameacada-de-mortee-sem-escolta/>. Acesso em: 20 jul. 2019. PSOL será o único partido com paridade de gênero na Câmara. PSOL50/NOTÍCIAS. 2018. Disponível em: <http://psol50.org.br/psol-sera-o-unico-partido-com-paridade-de-genero-na-camara/>. Acesso em: 27 de jul. 2019. Sâmia Bomfim: São Paulo. PSOL50/PARLAMENTARES. <http://psol50.org.br/parlamentares/>. Acesso em: 27 de jul. 2019. Talíria Petrone: Rio de Janeiro. PSOL50/PARLAMENTARES. <http://psol50.org.br/parlamentares/>. Acesso em: 27 de jul. 2019.

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Estrutura de Comunicação Política de Campanhas Majoritárias Municipais Associada ao Índice de Democracia Eleitoral Brasileira entre 2008 e 2016 Daniela Silva Neves1 Universidade Federal do Paraná

Resumo: Este trabalho apresenta a metodologia de pesquisa proposta para análise da democracia eleitoral brasileira utilizando o Índice de Democratização de Tatu Vanhanen (1984, 1990, 1997, 2000, 2003) aplicado às eleições majoritárias municipais brasileiras. Em tal aplicação, o índice será associado às variáveis comunicacionais tradicionais (rádio e TV) e digital (sistema de comunicação multimídia) disponíveis durante a campanha eleitoral. A análise abrange os anos 2008, 2012 e 2016, utilizando dados agregados dos resultados de eleições majoritárias municipais do TSE. Para essa apresentação de metodologia, parte-se do conceito de democracia eleitoral. Após, descreve as variáveis e metodologia utilizadas para a aplicação do índice nas eleições brasileiras. Tal metodologia será aplicada em uma pesquisa que tem o objetivo de perceber de que forma o índice das eleições majoritárias municipais brasileiras se comportou no período estudado de acordo com a estrutura dos meios de comunicação eleitoral, sendo a democracia eleitoral a variável dependente. A pesquisa parte das hipóteses: 1) com a mudança nos espaços de comunicação eleitoral, houve redução da participação e da competição eleitoral, ou seja, redução na democracia eleitoral. E 2) Quanto mais estrutura de comunicação tradicional e digital, maior a associação entre as variáveis comunicacionais e o Índice de Democratização. Palavras-chave: democracia eleitoral; eleições locais; comunicação política; propaganda eleitoral; metodologia de pesquisa.

1. Introdução Este trabalho apresenta a metodologia utilizada em uma pesquisa mais ampla que tem o objetivo de testar os efeitos de dois indicadores de comunicação – eletrônica tradicional e digital – para o Índice de Democratização. Na pesquisa, serão analisados os resultados dos índices de democratização das eleições para prefeitos de 2008, 2012 e 2016, em nível agregado, ou seja, considerando dados de todos os 5,6 mil municípios brasileiros. O índice de democratização criado por Tatu Vanhanen (2003) indica o grau de democratização eleitoral em determinada eleição a partir das dimensões “concorrência” e “participação”. Foi aplicado por Vanhanen inicialmente em 114 países (1971), pas1

Doutoranda em Ciência Política pela UFPR. Dneves1505@gmail.com Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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sando para 147 (1990) e depois para 172 (1997), sendo o último grande estudo sobre o tema aplicado em 170 países (2004). Por abranger tantos países, com sistemas e regras eleitorais diversas, a proposta de Vanhanen foi analisar variáveis mais amplas, porém fundamentais e facilmente encontradas em todas as nações estudadas. Na proposta desta pesquisa, o índice será aplicado nas mesmas dimensões de Vanhanen – competição e participação -, porém em municípios que, apesar de obedecerem as mesmas regras eleitorais, têm estruturas de comunicação diversas. São utilizados os dados agregados do resultado das eleições em todos os 5,6 mil municípios nos anos de 2008, 2012 e 2016, tendo como fonte o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na análise de dados, serão testadas as hipóteses: 1) com a variação nos espaços de comunicação eleitoral, há redução da participação e da competição eleitoral, ou seja, redução na democracia eleitoral, neste período estudado. E 2) Quanto mais estrutura de comunicação tradicional e digital, maior a associação entre as variáveis comunicacionais e o Índice de Democratização. A justificativa para uma análise dialógica das eleições entre 2008 e 2016 está nas mudanças pelas quais os municípios brasileiros passaram durante esse período no que diz respeito às estruturas de comunicação eleitoral e ao mesmo tempo a diminuição dos espaços tradicionais de campanha (rádio, televisão e rua). A maior mudança na legislação ocorre em 2015, com impacto para 2016. Por isso, com os anos estudados será possível analisar o período anterior e posterior a essa grande mudança. Não serão analisadas as campanhas estaduais e federais pela lógica da distribuição do HGPE. Nos anos de eleições para governos de Estado e Presidência da República, todos os eleitores recebem em suas residências o mesmo conteúdo de HGPE, transmitido pelas emissoras de rádio e televisão para todos os municípios com eleições municipais. Porém, apenas 14,4% dos municípios brasileiros possuem canal de TV aberta com programação local, onde moram 52,3% da população do país (PIERANTI, 2018) e por isso, no caso de eleições municipais, a grande maioria dos municípios recebe transmissão de horário eleitoral pela TV de outras cidades. Da mesma forma, pelos dados coletados na Anatel para esta tese, há 1.533 municípios brasileiros sem nenhuma emissora de rádio ou TV, ou seja, 27,5%. Em eleições nas quais há diferença no acesso à comunicação política produzida pelos candidatos é possível medir a variação entre esse e o resultado da eleição, no que se refere à participação e competição.

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2. Discussão teórica Diante da amplitude do termo democracia, ao se falar de tal tema é preciso definir e explicitar “qual democracia” será discutida. Para este trabalho, utilizamos uma característica da democracia: a escolha de autoridades governamentais e legislativas através de votação. Portanto, estamos nos referindo à democracia eleitoral, aquela diretamente ligada ao sistema representativo democrático. Parte-se de autores que medem qualidade da democracia a partir de presença ou ausência de alguns elementos que consideram fundamentais, dentre elas as eleições (LINZ, 1987; CHEIBUB, PRZEWORSKI et al. 2001; LIJPHART, 2000, ALTMAN & PÉREZ-LIÑÁN; 2002, DAHL, 2005; LIJPHART, 2007; DIAMOND, 2015). Em comum, o que esses autores/pesquisadores defendem, para além das especificidades de suas pesquisas e objetivos, é que ter eleições livres, frequentes, com ampla participação popular e qualidade na competição, são fatores importantes para se considerar um país democrático. Vanhanen começou seus estudos sobre democracia nos anos 1960 e permaneceu aplicando sua proposta até 2009. Partindo desse estudo de Lipset (1959), Vanhanen passou a se dedicar a explicar o sucesso da democracia em países pobres, como na Índia, preocupado também se é verdade que um nível econômico relativamente alto é necessário para apoiar a democracia. A conclusão que chegou (2003, referindo-se a estudo de 1963) é que a democracia sobrevivia na Índia porque, apesar da pobreza, o nível de distribuição de recursos de poderes econômicos e intelectuais é alto o suficiente para suportar a competitividade política. Em uma fase seguinte de seus estudos (1968-71), partiu da hipótese básica de que poderia encontrar democracia em países subdesenvolvidos, e não somente em desenvolvidos, como defendia Lipset. Conclui com seus trabalhos que a democracia não emerge acidentalmente nos países e sim naqueles onde há uma distribuição de recursos de poder que seja suficiente para apoiar o regime democrático (VANHANEN, 2003). Com isso, não apenas contesta a tese de Lipset, como de alguns importantes pesquisadores que defendem a explicação cultural do florescimento da democracia, como Diamond (1999 – Developing Democracy), Inglehart e Huntington. Vanhanen conceitua democracia da seguinte forma:

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Quero dizer por democracia um sistema político em que grupos ideologicamente e socialmente diferentes são legalmente habilitados a competir pelo poder político e em que os detentores de poder são eleitos pelo povo e responsáveis perante o povo. (1990, p. 11 – tradução nossa).

Essa descrição, nas palavras dele, seria um conceito baseado na tradição ocidental de percepção de democracia. Ele parte da teoria de Darwin de evolução natural da espécie para montar a sua teoria explicativa de que “(...) a distribuição de poder político deve estar relacionada com a distribuição de vários recursos que são usados como fonte de poder” (2003, p.1). Com sua explanação evolucionista, ele entende que as pessoas e grupos lutam para poder sobreviver em meio a recursos escassos (1971, 1989,1997, 2000, 2003). Desta forma, se os recursos usados como fonte de poder estão concentrados nas mãos de um grupo, esse mesmo grupo será o mais poderoso nesta comunidade. A democracia seria mais forte quanto mais distribuídos estariam esses recursos. Para medir essa distribuição de recursos, ele usa alguns indicadores considerados simples e que seriam facilmente encontrados em relatórios de países ou internacionais. Ele diz ser necessário limitar as variáveis de acordo com características que são empiricamente mensuráveis2. Essas variáveis foram usadas em estudos de Vanhanen publicados em 1984, 1990, 1997, 1999, 2000 e 2003 e, de acordo com estes, explicam a maior parte das variações no degrau de democratização. Vanhanen defende que a concorrência (competição) e grau de participação (inclusão) aumentariam a divisão dos recursos dentre os diversos grupos. Por isso, para Vanhanen, quanto maior a participação eleitoral, mais forte é a democracia. Da mesma forma, quanto menos concentrado os votos em determinado candidato, menor a concentração de poder. Para ele, esses dois indicadores de democratização podem ser usados separadamente para medir o nível de democracia, porém, como eles indicam duas diferentes dimensões da democratização, a combinação dos dois deve trazer resultados mais realísticos (2003, p. 63). 2

As variáveis explicativas de Vanhanen neste período são i) Estudantes em universidades e outras instituições de educação superior por 100 mil habitantes ii) Porcentagem de analfabetos da população adulta iii) População urbana com porcentagem da população total iv) Porcentagem de população não-agrícola v) A área da agricultura familiar como uma percentagem da área total de propriedades de terra vi) Produto interno bruto per capita real em percentagem de 25 dólares per capta em 1998.

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As duas variáveis foram combinadas em um Índice de Distribuição multiplicando os dois indicadores e dividindo o resultado por 100.

ID = (compID x partID) 100

Onde: ID = índice de democratização; compID = indicador de competição; partID = indicador de participação;

Considera competição real se a porcentagem de voto dos partidos de oposição estiver ao menos em 30%. Abaixo disso, o domínio do maior partido é tão alto que é duvidoso dizer que tal país poderia ser considerado como um democracia (VANHANEN, 2000). No caso de participação, em função de que a quase totalidade dos países não obriga ao voto, diz ser sensato exigir menos, tendo estipulado 10% de participação porque “(...) historicamente, foi difícil para muitos países atingir o nível de participação eleitoral de 10%”. (2000, p. 257). Desta forma, países que alcançaram todos os três valores de um mínimo de 30% para competição, 10% para participação e 5.0 pontos de índice para o ID podem ser considerados como democracias.

3. Índice de democratização aplicado para eleições brasileiras

Para aplicar o índice de Vanhanen às eleições municipais brasileiras, serão utilizados os mesmos indicadores de participação e competição. A variável dependente é a democracia eleitoral, testada em uma adaptação do Índice de Democratização, de Vanhanen, feita por Cervi (2017), que utilizou o índice de Vanhanen para calcular o caso brasileiro no resultado das eleições nos municípios de 2016, majoritária e proporcional. As variáveis explicativas são comunicacionais – tradicionais (emissoras de rádio e TV) e digital (Serviço de Comunicação de Multimídia). Os dados foram coletados no site do Tribunal Superior Eleitoral (Repositório do TSE), com dados de detalhe da votação por município e zona e votação no candidato

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por município e zona eleitoral. Para identificar a estrutura de acesso à internet no município foi utilizada a média de acessos a SCM (Serviço de Comunicação de Multimídia) registrados na Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Serão utilizados os seguintes dados: Repositório do TSE: a) Dados agregados de resultado de eleições municipais contendo o Nome do Município com o código do TSE para ele e o código do IBGE. Os códigos permitem comparar dados de municípios que mudaram de nome. b) Total de votos no (a) eleito (a) naquele município. Quando a cidade apresentou segundo turno, o dado utilizado é da quantidade de votos recebidos pelo (a) eleito (a) , porém no primeiro turno para medir a concentração de voto recebida entre este (a) e os (as) demais concorrentes. c) Total de eleitores aptos a votar naquele município e ano; d) Comparecimento na votação. e) Abstenção: total de aptos, menos os que votaram. f) Voto nominal: que foi para um dos candidatos; g) Voto em Branco; h) Voto Nulo. Com esses dados é possível calcular o indicador de Participação (PartID):

PartID = Compar

X 100

Eleitores_aptos

Onde: PartID – indicador de participação Eleitores_aptos – inscritos na Justiça Eleitoral que estão aptos a votar naquele ano

E o indicador de Competição (CompID) CompID = (compar – vot_melhorcolocado) x 100 Compar – 1

Onde: CompID – indicador de competição Compar – comparecimento nas eleições Vot_melhorcolocado – quantidade de votos recebida pelo candidato (a) que ficou em primeiro lugar.

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Com os dois indicadores, sai o resultado do ID:

ID = (CompID X PartID) 100

Tendo o ID, PartID e CompID, é possível calcular a regressão linear com as variáveis comunicacionais. A regressão linear permite identificar determinações, ou seja, quanto que ao aumentar uma unidade na variável explicativa é possível predizer de aumento na variável dependente (CERVI, 2019). “Uma regressão linear permite testar quanto duas variáveis estão linearmente relacionadas e a calcular a força dessa relação” (CERVI, 2019, p. 174). Quando se usa apenas uma variável como explicativa no teste, ela é chamada de regressão simples. Quando há mais de uma explicativa, o teste é regressão múltipla. Aqui serão feitos testes de regressões simples.

Para essas, são utilizados os seguintes dados fornecidos pela Anatel: a) b) c) d) e) f)

Quantidade de rádio FM no Município; Quantidade de rádio FM Educativa no Município; Quantidade de emissoras de rádio comunitárias; Ondas curtas na cidade; Ondas médias na cidade; A soma de todos esses itens fornece a quantidade total. Esse é o dado utilizado na regressão. g) SCM médio do município: quantidade de acessos à rede de Comunicação Multimídia dividido pelo número de eleitores. Como a Anatel só possui dados de emissoras de rádio e televisão para todos os municípios brasileiros a partir de 2012, será utilizado esse ano como base para as análises relativas à eleição de 2008. A segunda variável explicativa é dicotômica, indicando se o município tem ou não tem pelo menos uma emissora de rádio ou televisão no ano eleitoral.

4. Considerações finais Conforme descrito na introdução, o objetivo deste trabalho foi apresentar a metodologia utilizada em uma pesquisa mais ampla que tem o objetivo de testar os efeitos de dois indicadores de comunicação – eletrônica tradicional e digital – para o Índice de Democratização.

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Na pesquisa final, serão analisados os resultados dos índices de democratização das eleições para prefeitos de 2008, 2012 e 2016, em nível agregado, ou seja, considerando dados de todos os 5,6 mil municípios brasileiros. Diante deste trabalho de explicação metodológica, entende-se que Tatu Vanhanen deu uma importante contribuição para a discussão sobre democracia eleitoral e, além disso, apresentou um índice capaz de medi-la. A aplicação original foi feita em países. A opção aqui foi utilizá-la em municípios por compreender que o Brasil é um país continental, com muitas diferenças de estrutura política de participação e competição. Os dados disponibilizados pelo TSE permitem obtermos todas as variáveis para a composição de ID e dos indicadores de participação e competição locais. A eles, serão associados por regressão linear as variáveis explicativas de estrutura de comunicação disponível nos municípios no período de campanha. A intenção, com essa metodologia, é testar as hipóteses de pesquisa: 1) com a mudança nos espaços de comunicação eleitoral, houve redução da participação e da competição eleitoral, ou seja, redução na democracia eleitoral. E 2) Quanto mais estrutura de comunicação tradicional e digital, maior a associação entre as variáveis comunicacionais e o Índice de Democratização. Este trabalho mostrou que a metodologia de Vanhanen e os dados disponibilizados pelo TSE e Anatel possibilitam a aplicação desta proposta de pesquisa.

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A voz feminina nas reportagens televisivas: Metodologia para um estudo comparativo entre os jornais televisivos de Portugal e do Brasil a partir do lugar de fala Sandra Nodari Romano1 Universidade Fernando Pessoa (UFP-Porto/Portugal) Universidade Positivo (UP)

Resumo: Este trabalho é parte da tese de doutorado a ser defendida até julho de 2021 que estuda o lugar de fala das mulheres, fontes das reportagens de dois telejornais, o Jornal Nacional (Rede Globo) do Brasil e o Jornal das Oito (TVI) de Portugal. Trata-se de um estudo comparativo, a partir de análise de discurso, utilizando as teorias de gênero. A análise partirá de três comparações: presença de vozes femininas em edições diárias versus edições comemorativas; homem versus mulher; Portugal versus Brasil. A metodologia vai contar com uma análise de três semanas construídas, totalizando 21 edições de cada um dos telejornais edições diárias) e, ainda, edições de datas especiais para as mulheres, como dia 08 de março, dia internacional de luta das mulheres, e dia das mães. O critério para escolha dos dois telejornais foi audiência e relevância do telejornalismo, ainda hoje, entre as populações dos dois países.

Palavras-chave: mulheres; gênero; telejornal; feminismo.

1. Introdução O ponto de partida desta pesquisa foram dois livros, fundamentais para a minha compreensão da forma de representação das mulheres no mundo, aos quais tive acesso entre 2017 e 2018. O primeiro tem como título: Os homens Explicam Tudo Pra Mim, de 1

Sandra Nodari Romano é doutoranda em Ciências da Informação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal), mestre em Comunicação e Linguagens (UTP-2006) e jornalista formada pela UEPG (1996). Há 16 anos leciona as disciplinas ligadas ao telejornalismo, documentário e audiovisual. É professora TI da Universidade Positivo desde 2011 e professora universitária desde 2003. É pesquisadora do NEG, Núcleo de Estudos de Gênero da UFPR e do CPOP, Grupo de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública da UFPR. Atua como jornalista em projetos audiovisuais para o Canal Futura e em documentários para a Sambaqui Cultural. Email: sandranodari@gmail.com

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Rebecca Solnit, que discute o conceito de mansplaining, substantivo dado ao ato de homens assumirem possuir mais conhecimento sobre qualquer tema do que as mulheres, e sentirem no direito de explicar o assunto independentemente de a mulher ter ou não domínio ou conhecimento sobre aquela situação. O outro livro, uma dissertação de mestrado, chamada O que é Lugar de Fala, de Djamila Ribeiro, trata de explicar que as pessoas possuem perspectivas específicas a partir do lugar que ocupam na sociedade e que existe no mundo um privilégio da fala para um grupo universalmente valorizado, que inicialmente é formado por homens brancos, depois por mulheres brancas, sem permitir a outros grupos posicionados mais abaixo na pirâmide social de se expressarem, na maioria das vezes, sobre assuntos que lhes dizem respeito. Estas duas obras foram marcantes para iniciar o desejo de investigar e refletir cientificamente sobre como as vozes das mulheres têm espaço reduzido no jornalismo, particularmente no telejornalismo minha área de estudo e de atuação desde 1996. Concordando com Djamila Ribeiro, de que lugar de fala trata de posição social, é importante explicar de qual lugar eu falo. Trabalhei como jornalista de TV por 11 anos consecutivos (1997 a 2008) e estudei telejornalismo na minha dissertação de mestrado: Ônibus 174: a Relação entre Imagem e Voz no Telejornalismo e no Documentário (2006). Atualmente, ainda trabalho com telejornalismo atuando como editora e produtora das reportagens produzidas por meus alunos para ser exibidas no Canal Futura, num projeto que existe desde 2012, no qual dirijo, também, documentários e séries de programas jornalísticos. Em 2003 comecei a trabalhar como professora universitária de disciplinas ligadas ao audiovisual para o curso de jornalismo. O telejornalismo é parte de minha formação, por isso, motivo de meu interesse. A partir de meu lugar de fala de mulher, branca, classe média, com formação universitária e agora, defendendo minha tese de doutorado, fiquei bastante interessada pelas vozes femininas no telejornalismo. Chamaram minha atenção, reportagens em que homens são entrevistados para falar de problemas e situações eminentemente femininas. É possível citar como exemplo a experiência na Copa do Mundo de 2018, quando um grupo de homens brasileiros virou notícia ao assediar uma mulher russa ao fazê-la repetir palavrões, frases sexistas e com cunho machista, sem que ela soubesse o significado do que dizia.

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Reportagens sobre o caso mostraram um fator relevante para questão do lugar de fala ao noticiar que um destes homens, um policial militar brasileiro, havia sido entrevistado por uma rede de TV do Sul do Brasil, naquele mesmo ano, no dia internacional de luta pelos direitos das mulheres, 08 de março, para falar de violência contra a mulher2. Homens falarem por mulheres não é fato raro nos telejornais, inclusive em datas em que mulheres deveriam ser as fontes, como é o dia 08 de março. Na mesma data, uma emissora de Curitiba ao divulgar uma feira em comemoração ao dia da mulher, teve um homem a explicar o evento.3 O repórter apresenta uma feira em que as mulheres recebiam presentes como maquiagens e rosas de chocolate para celebrar e comemorar a data. Estas duas situações são casos que rendem análises sobre as vozes femininas. Meu lugar de mulher, jornalista e pesquisadora, me faz acreditar que contribuir para o aumento do número de estudos acadêmicos que discutam a presença das mulheres, neste momento histórico social pelo qual passamos, pode ser uma atitude que trará benefícios futuros não somente para o campo da comunicação, partindo “[...] do pressuposto de que trabalhar com conceitos feministas nas ciências humanas e sociais é, ao mesmo tempo, assumir um comprometimento político com a transformação do mundo.” (SILVA, 2013). No caso do jornalismo há um amplo campo para pesquisas de gênero a ser explorado e a contribuição para a área se dá pela possibilidade de dar visibilidade ao problema de pesquisa e propor reflexões. A partir do disposto até aqui, é possível pensar que este trabalho se faz necessário por querer observar se há uma distinção entre número e conteúdo das vozes das fontes femininas ouvidas pelos jornalistas. Esta pesquisa quer contribuir para o entendimento de como estas vozes compõem as escolhas dos jornalistas com relação a busca de fontes para suas reportagens e quais critérios são prati-

2

https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/policial-militar-de-sc-esta-entre-brasileiros-queaparecem-em-video-que-constrange-mulher-na-russia.ghtml https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/pm-catarinense-esta-em-grupo-que-gravou-videoassediando-mulher-na-copa-na-russia

3

http://g1.globo.com/pr/parana/paranatv-1edicao/videos/t/edicoes/v/paranatv-faz-edicao-especial-parahomenagear-o-dia-da-mulher/2448392/

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cados na seleção dos entrevistados e entrevistadas. Isso se dará por meio de uma contextualização do fazer telejornalístico e da rotina produtiva de uma redação de telejornal. As perguntas a ser questionadas por esta teses são: as mulheres aparecem como fontes das reportagens para dar credibilidade aos assuntos jornalísticos, categorizadas como especialistas, ou a maioria é ouvida de acordo com sua localização social? As mulheres aparecem como fontes secundárias nas reportagens, que teriam homens como fontes primárias? As vozes femininas são tratadas como subalternas com relação às fontes masculinas? A tese que esta pesquisa quer testar se em Portugal, por fazer parte da Europa, onde as teorias de gênero e do feminismo começaram a surgir, as mulheres têm mais lugar de fala nos telejornais que no Brasil, porém, apesar de lutas e conquistas em algumas instituições, hoje suas vozes continuam sendo abafadas. E, também, no Dia Internacional de Luta das Mulheres, celebrado a 8 de março, as mulheres têm mais lugar de fala do que os homens, porém ainda são caladas em assuntos que desagradem homens em posição hierárquica superior. Algumas questões já são sabidas com relação à desigualdade entre homens e mulheres nas sociedades, embora presentes no mercado de trabalho, as mulheres tendem a ser desvalorizadas do ponto de vista salarial e nos cargos de chefia na maioria dos países. Na produção de artigos científicos, a pesquisa Gender in the Global Research Landscape aponta que as mulheres brasileiras e portuguesas representam 49% dos autores catalogados pela editora Elsevier, sendo este o maior percentual numa lista de 12 países, no mundo apenas 28% dos pesquisadores seriam mulheres. Mas há ainda uma diferença muito grande se compararmos o número de autores homens com o de mulheres no mercado editorial. Dalcastagné destaca que entre os autores brasileiros, a maioria são homens brancos, de classe média, professores ou jornalistas, correspondendo a 72% dos livros publicados entre 1990 e 2014. Estudar gênero neste momento histórico é um desafio por vários motivos, o primeiro é conseguir dar conta de acessar todas as teorias relevantes e fundamentais já publicadas. É como se quem começa a estudar gênero agora estivesse tão atrasada que não haveria tempo cronológico suficiente para conhecer tudo o que já foi publicado. Mas ao ler as obras fundamentais das teorias feministas, é possível perceber que há certa empatia entre as escritoras no sentido de estimular novas mulheres a estudar e a escrever so-

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bre temas relacionados a questões femininas. Spivak encerra seu livro mais relevante com um desafio às mulheres da academia. “O subalterno não pode falar. Não há valor algum atribuído à “mulher” como um item respeitoso nas listas de prioridades globais. A representação não definhou. A mulher intelectual como uma intelectual tem uma tarefa circunscrita que ela não deve rejeitar com um floreio” (2018, p. 165). Se estudar gênero é relevante, estudar o telejornalismo, também o é. A partir dos resultados apresentados pelo Digital News Report (REUTERS, 2018) que comparam o consumo de notícias em diversos países ao redor do mundo, compreende-se que o telejornalismo no Brasil e em Portugal possui um lugar de destaque dentro do novo ecossistema do Jornalismo. No Brasil, a televisão ocupa o primeiro lugar com 89% da preferência, enquanto a internet registra 49%. Em Portugal, o aparelho de TV é utilizado por 84% da população pesquisada, porém, 83% dos portugueses utilizam fontes online, incluindo as mídias sociais, para consumir notícias. No Brasil a TV ganha disparado na preferência como fonte de notícias e em Portugal percebe-se uma disputa entre a TV (84%) e o ambiente online (83%). Partindo do fato de que uma tese são ideias sobre conceitos - são discursos a partir de métodos e estes métodos é que vão tornar a escritura possível, dentro de um prazo e de uma forma que tenham validade, então, há que se fazer um recorte, e dentro deste recorte, há que se escolher um método em que haja tempo suficiente para testar as hipóteses dentro do prazo do doutoramento. Para tanto, o método comparativo, um dos mais utilizados pelas ciências sociais segundo Prodanov e Freitas será empregado: “O método comparativo, ao ocupar-se das explicações de fenômenos, permite analisar o dado concreto, deduzindo elementos constantes, abstratos ou gerais nele presentes” (2013, p. 38). Esta é uma pesquisa comparativa entre dois telejornais, em três bases distintas: vozes femininas e masculinas; Brasil e Portugal; e edições de dias normais e edições de datas comemorativas as mulheres. A Análise do Discurso (AD), a partir das teorias de gênero, é o método de investigação mais indicado para esta pesquisa porque estuda o texto falado em sua relação entre língua, discurso e ideologia. Para Jorge Pedro de Sousa, a AD passa pela codificação heurística, a partir das grandes sequências discursivas em nível global para analisar mais pormenorizadamente as palavras que compõem as sentenças. Para além das pala-

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vras, imagens são elementos a ser analisados pela AD, por conter formas de comunicação verbal e não-verbal passíveis de análise, como explicam Caregnato e Mutti:

O processo de análise discursiva tem a pretensão de interrogar os sentidos estabelecidos em diversas formas de produção, que podem ser verbais e não verbais, bastando que sua materialidade produza sentidos para interpretação; podem ser entrecruzadas com séries textuais (orais ou escritas) ou imagens (fotografias) ou linguagem corporal (dança) (2006, p. 680).

A partir destas questões, é possível compreender que a Análise do Discurso pode dar conta de compreender o tema por relacionar o sujeito que fala a o que ele fala ou demonstra em sua fala. Para Silva e Araújo: “Em AD, a metodologia de análise não incide em uma leitura horizontal, ou seja, em extensão, tentando observar o que o texto diz do início ao fim, mas, realiza-se uma apreciação em profundidade, que é possibilitada pela descrição-interpretação em que se examina, por exemplo, posições-sujeito assumidas, imagens e lugares estabelecidos a partir de regularidades discursivas demonstradas nas materialidades” (2017, p. 20). Como o corpus da pesquisa serão as vozes das fontes femininas nas reportagens de telejornalismo a partir do lugar de fala, a análise quantitativa é fundamental. Como afirma Sousa: “[...] uma análise do discurso pode ser, e em alguns casos deve ser, simultaneamente quantitativa e qualitativa” (2004, p. 49). Para contabilizar o número de entrevistadas mulheres, quantas são protagonistas das notícias, quantas são fontes de representatividade, quantas falam de qual lugar social, etc. e ainda, o tempo destinado a vozes femininas das fontes, entre outras questões objetivas, que tenham a ver com apuração de dados que possam ser medidos e sejam baseados em números e estatísticas. Para Sousa (2006, p. 662), o método quantitativo serve para analisar, por exemplo, num veículo de informação, a porcentagem de notícias de política, de esportes, etc. “A análise de conteúdo permite destacar questões associadas às relações de género, às representações da violência, às representações de minorias e de pessoas portadoras de deficiência, etc.” Para o autor, é possível estabelecer quantas notícias são protagonizadas por homens e quantas o são por mulheres para verificar se um dos dois gêneros é sobreposto ao outro, situação que será analisada nesta pesquisa. Já a análise qualitativa permite ser mais subjetiva porque observa e interpreta e fará parte da análise quando categorizamos as vozes femininas. Entre as classificações a Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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ser buscadas estão: mulheres protagonistas das notícias; mulheres como fontes de representatividade; mulheres como fala-povo; homens que falam no lugar de mulheres; etc. A partir das variáveis será possível compreender as categorias de vozes femininas: quem são as mulheres, quanto falam, como falam e sobre o que falam as mulheres. As variáveis desta pesquisa, que estão sendo construídas neste momento do processo de doutoramento, para encontrar essas categorias serão tratadas da seguinte forma:

Variável dependente: vozes das fontes do telejornal a partir do lugar de fala;

Variáveis independentes: Identificação da fonte: Gênero, Profissão, Formação, Etnia, Posição Social, Faixa etária Data: (aberta) Duração da fala: Tempo (aberta) Tipo de fonte: Especialista, De representatividade, Enquete, Testemunhal, Personagem De representatividade: militante, político, sindicato, Ong, Associação Assunto: Violência contra a mulher, segurança em geral, saúde, preconceito, desigualdade, maternidade, educação, feminilidade, beleza feminina, etc.

Formato: Reportagem, reportagem especial, entrevista, enquete, nota coberta, nota pelada, link ao vivo, editorial

Linguagem: Informativa, opinativa Natureza do discurso: oficial, não oficial Quantas são as fontes: (aberta) Ordem da fala da fonte na reportagem: Primeira, no meio, última.

Variáveis intervenientes: Data de celebração a eventos femininos: dia das mães, dia 08 de março.

Uma questão fundamental, com relação à amostra, é o fato de que precisa ser uma amostragem robusta, composta de exemplos padrão, eventos típicos que podem ser usados como representantes de um grupo de eventos. A análise tem como corpus dois telejornais, um português e outro brasileiro, a partir de sua relevância e audiência: o Jornal Nacional, veículo de notícias televisivas de maior audiência no Brasil (exibido

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pela emissora privada TV Globo) e o Jornal das Oito, de maior audiência em Portugal (exibido pela TVI, também uma emissora privada). Três semanas construídas são a base da mostra principal para análise, a partir de Kayser (1974) que defende que uma mostra construída é suficiente para representar o todo em pesquisas que analisam veículos jornalísticos diários. “Si, por el contrario, el objeto principal de la investigación lo constituye el diario en sí mismo, se tenderá a establecer procentajes” (p. 153). A amostra probabilística, nesta pesquisa, é de 21 edições de cada um dos telejornais, 42 edições ao todo, somando aproximadamente 60 horas de transmissão em vídeo. segundo Kayser, mais que isso não aumentaria a representatividade de dados. São três semanas não sequenciais, sendo escolhida uma edição a cada semana, por exemplo: na primeira semana: a segunda-feira; na segunda semana: a terça-feira; na terceira semana: a quarta-feira; na quarta semana: a quinta-feira; na quinta semana: a sexta-feira; e na sexta semana: o sábado (domingo ficará de fora) e assim sucessivamente. “Hemos visto que los límites de las categorías, entre las cuales se pueden repartir las materias de un diario, son muy imprecisas. A falta de un criterio exclusivamente objetivo, las opciones resultan en parte de una apreciación personal” (Kayser, 1974, p. 153). As edições da data em que se celebra o dia internacional de lutas pelas mulheres, dia 08 de março, também serão analisadas por tratar-se de um dia especialmente voltado a ouvir as vozes femininas, neste caso, é possível tecer considerações fundamentais para a aplicação da teoria. Esta data e outras, como o dia das mães, farão parte de uma segunda mostra de dados, que ao final poderá ser comparada com a média de dados da mostra principal. Para Kayser (p.150), deve-se evitar incluir, em um estudo, uma edição excepcional por não ser representativa, a não ser que o estudo tenha por objeto o acontecimento que provoca o número excepcional. O Dia Internacional de Luta das Mulheres é uma data em que as mulheres realizam manifestações pelo mundo em busca de lugar de fala, por isso, tais edições têm valor nesta análise, e podem servir de mecanismo de comparação entre anos distintos. Nesta investigação não são utilizadas técnicas da pesquisa exploratória, como entrevistas a jornalistas e gestores dos veículos de comunicação porque não se pretende investigar a intenção do jornalista ao escolher uma fonte, ao decidir como a notícia foi realizada ou editada. Para Berger, “o cotidiano profissional de um jornalista comporta a tarefa de distribuir o poder de falar e, portanto, de lidar, diretamente, com as questões

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que permeiam a disputa por visibilidade na mídia pelas diferentes camadas da população” (2004, pág. 11). O que o jornalista quis dizer, a sua intenção, não interfere no que realmente foi exibido pelo telejornal. Esta pesquisa baseia-se numa análise mais descritiva por ser um estudo de caso que vai analisar as vozes das fontes tal qual como foram exibidas nos telejornais. A partir das palavras usadas para construir as frases e textos das reportagens e a partir dos trechos das vozes das mulheres e homens entrevistados para compor as reportagens e da maneira como repórteres e apresentadores ou apresentadoras lidaram com as respostas das fontes. As vozes das repórteres e das apresentadoras têm, também, lugar na análise desta pesquisa para observarmos se as mulheres jornalistas e os homens jornalistas têm mais ou menos espaço nos programas noticiosos. Toda tese inicia pela revisão bibliográfica, a partir do estado da arte, um dos desafios desta pesquisa é compreender qual é o lugar ocupado pelo feminino nos estudos de gênero. Definir o que é o feminino é necessário para poder categorizar as vozes femininas e as dos homens nos telejornais. Descobrir como classificar o feminino é uma tarefa árdua uma vez que as bases dos estudos feministas buscam discutir o que é ser mulher ou quem é a mulher na sociedade. Fazem parte da revisão da literatura desta pesquisa: Simone de Beauvoir, cujo livro O Segundo Sexo é considerado texto fundador do debate feminista contemporâneo. Virginia Woolf que traz luz ao privilégio das mulheres abastadas em relação às que dependem de alguém ou do trabalho para sustentar-se. Betty Friedan que com a Mística Feminina questionou a negação do feminismo por toda uma geração de mulheres após o direito ao voto ter sido conquistado. Judith Butler, autora de Problemas de Gênero, que é outro marco nos estudos feministas por colocar em questão o binarismo homem versus mulher, sendo precursora da Teoria Queer. Angela Davis, Gayatri Spivak, Bell Hooks e Patricia Hill Collins que apresentam o lugar das mulheres negras dentro do feminismo. Djamila Ribeiro, nascida no Rio de Janeiro, no livro “O que é lugar de fala” questiona, a partir de diversas autoras feministas, quem são as vozes que têm espaço para ser ouvidas na sociedade como discurso de credibilidade, numa “pretensa universalidade” e um “discurso autorizado e único, que se pretende universal” (RIBEIRO, p. 70). Lugar de fala para ela é localização social e não representatividade, conceito com o qual esta tese vai concordar.

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Grada Kilomba, teórica do feminismo negro, nascida em Lisboa, em Memórias da Plantação (2019), ajuda a refletir sobre o uso do gênero masculino como forma de reduzir o gênero plural na língua portuguesa, considerada por ela como ancorada num discurso colonial e patriarcal. Escrevo esta Introdução, inexistente na versão original inglesa, precisamente por causa da língua: por um lado, porque me parece obrigatório esclarecer o significado de uma série de terminologias que, quando escritas em português, revelam uma profunda falta de reflexão e teorização da história e herança coloniais e patriarcais, tão presentes na língua portuguesa (p. 14)

Esta tese estará dividida em três capítulos sendo o primeiro aquele que discute, a partir do estado da arte, qual é o lugar ocupado pelo feminino nos estudos de gênero. A relevância desta discussão é descobrir o que é o feminino, para poder categorizar as vozes femininas nos telejornais. Descobrir como classificar o feminino é uma tarefa árdua uma vez que as bases dos estudos feministas buscam discutir o que é ser mulher ou quem é a mulher na sociedade. Neste capítulo, também, o conceito de Lugar de Fala será bastante explorado e discutido em busca de definir de qual lugar de fala esta pesquisa trata, uma vez que o conceito é tratado como teoria e como método de análise, dependendo da autora que o utiliza. O segundo capítulo trará uma conceituação de telejornalismo, desde a classificação de fontes até o que são as categorizações de elementos do telejornal, e que lugar o telejornal ocupa em Portugal e no Brasil. Neste capítulo estará inserida a análise empírica propriamente dita. E o último capítulo trará as considerações finais e comparações entre os dados analisados.

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KAYSER, Jacques. El Diário Francês. Barcelona: Editora: ATE, 1974. KILOMBA. Grada. Memórias da Plantação. Episódios de Racismo Cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. PRODANOV, Cleber Cristiano. FREITAS, Ernani Cesar. Metodologia do trabalho científico [recurso eletrônico] : métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico 2. ed. – Novo Hamburgo: Feevale, 2013. Reuters Institute for the Study of Journalism. Digital News Report. 2018. Disponível: [http://www.digitalnewsreport.org/] Acesso em 03/03/2019. RIBEIRO. Djamila. O que é lugar de fala. Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017. SILVA, Jonathan Chasko da. ARAÚJO. Alcemar Dionet de. A metodologia de pesquisa em análise do discurso. Grau Zero — Revista de Crítica Cultural, v. 5, n. 1, 2017. p. 17-31. Disponível em: file:///C:/Users/sandr_000/Documents/_Sandra/_up%202018/projeto%20Fernando%20Pessoa/a% 20an%C3%A1lise%20do%20discurso%20como%20metodologia.pdf Acesso em: 28 de janeiro de 2018. SOLNIT, Rebeca. Os homens explicam tudo para mim. São Paulo? Cultrix, 2017. SOUSA, Jorge Pedro de. (2006). Elementos de Teoria e Pesquisa da Comunicação e dos Media. 2 edição. Porto. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedro-elementosteoria-pequisa-comunicacao-media.pdf . Acesso em: 17/07/2018. SPIVAK, Gayatri. Pode o Subalterno Falar? Belo Hozironte: UFMG. 3ª reimpressão, 2018.

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Da informação a persuasão: analisando as propagandas eleitorais televisionadas de Lula (2002) a Haddad (2018) Yachan Pinsag1 Universidade Federal do Paraná (UFPR) Resumo: A propaganda televisiva tem a função, de formar a imagem dos candidatos, debater temas além de falar da própria campanha. A maneira como os candidatos ocupam este espaço é importante, principalmente ao escolherem determinados formatos e estratégias. Neste sentido, o presente trabalho busca através de uma análise de conteúdo investigar sobre duas questões específicas relacionadas ao conteúdo da propaganda do Partido dos Trabalhadores: quem está fa-

lando e a estrutura escolhida para apresentar o conteúdo da fala. Com um corpus de 1794 segmentos coletados de forma quantitativa, procura-se encontrar pontos que revelem a mudança de abordagem para cada eleição, e elementos da profissionalização de campanhas inferindo na transmissão de informação ou persuasão. Palavras-chave: HGPE; propaganda televisiva; PT; comunicação política; eleições presidenciais.

1. Introdução A campanha política é uma instância organizadora de informações, fornece ao eleitor dados sobre os candidatos e permite a construção de imagens, agendas e propostas políticas (TELLES, 2009, MANIN, 1995). Os estudos sobre mídia e política possuem vários focos, entre eles análise de jornais, produção para rádio e televisão, comportamento político, opinião pública e agora também conteúdo digital (para internet). No caso deste trabalho voltamos nossa atenção para a análise dos programas do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) televisivo. A literatura mostra que o HGPE marca o início da chamada “hora da política”, na qual o cidadão comum recebe informações sobre as candidaturas (PALMEIRA, 1996; VEIGA, 2001, CERVI, 2010). O HGPE insere os conteúdos informacionais das campanhas diretamente nas casas dos eleitores e, nesse momento, “(...) o debate sobre eleição começa na esfera privada do cidadão para depois passar ao debate público” (CERVI, 2010, p. 13).

1

Bacharel em Relações Internacionais pela Unicuritiba. Mestrando em Ciência Política pela UFPR. Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Comunicação, Política e Opinião Pública (CPOP/UFPR). E-mail: pinsag.yachan@gmail.com

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Mesmo com o avanço de outros suportes – como a internet, por exemplo – a televisão, de forma específica, ainda possui maior abrangência entre os brasileiros, conforme dados da Pesquisa Brasileira de Mídia, de 2016. Com a função, segundo Albuquerque (1999), de formar a imagem dos candidatos, debater temas e também falar da própria campanha. Entende-se aqui O HGPE como um dos pilares centrais das corridas eleitorais. Podendo acrescentar também que ele organiza o processo eleitoral e, de forma mais enfática, é produzido tendo como foco os eleitores indecisos (FIGUEIREDO, 2008). Atentando a maneira como os candidatos ocupam este espaço é importante na construção da campanha, principalmente ao escolherem determinados formatos e estratégias. Neste sentido, o presente artigo tem como objetivo analisar como a propaganda realizada por meio do HGPE do Partido dos Trabalhadores (PT) foi estruturada ao decorrer das corridas eleitorais, desde 2002 até a mais recente de 2018 2. A coleta de dados foi realizada pelo Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política & Opinião Pública da UFPR (CPOP) e para esta discussão trabalha-se com as seguintes variáveis: estratégias discursivas, formato, orador dominante, apelo e retórica. A partir da análise quantitativa de conteúdo, pretende-se testar as seguintes hipóteses sobre o modo como as campanhas são produzidas e apresentadas aos eleitores: i) por serem candidatos, em sua maioria da posição mandatária, a estratégia dos candidatos petistas segue a lógica da profissionalização das campanhas eleitorais, suas presenças diretas com o eleitorado são constantes na tentativa da construção de imagem das realizações do último mandato, além de outros locutores de reforcem a construção de sua imagem. Como narrativas com locutor e depoimentos de populares; ii) Por serem os candidatos, em sua maioria, da posição do grupo político mandatário e ser uma campanha profissionalizada, as estratégias da campanha adotariam um foco na construção de uma aproximação da imagem do candidato com o eleitorado, com apelos mais pragmáticos, retóricas prepositivas e uma linguagem informativa para ressaltar as realizações durante o mandatos anterior.

2. HGPE da informação a persuasão 2

Os dados de 2018 se encontram em estágio final de coleta, para apresentação desde trabalho apenas são utilizados os dados referentes ao primeiro turno do candidato Haddad.

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O HGPE está presente nas eleições brasileiras, de forma contínua, desde 1985 (ALBUQUERQUE, 1999). Dentre os argumentos que defendem essa ferramenta de campanha está a afirmação de que o HGPE facilita a procura do eleitor por informações sobre os candidatos, já que possui horário fixo e, além disso, possibilita que os argumentos de campanha sejam melhores desenvolvidas do que nos spots (BORBA e ALDÉ, 2016). A propaganda dos partidos e candidatos, especialmente, são importantes porque dão autonomia e controle sobre as mensagens (HOLTZ-BACHA; KAID, 2006) e, através do HGPE, as campanhas dialogam com o eleitor para persuadi-lo a votar em um determinado candidato. Portanto, a explicação do resultado eleitoral passa “pela análise do debate que os candidatos travam entre si” (Figueiredo et. al., 2000, p 148). E, para isso, esses programas utilizam uma gramática própria e articulam diferentes mensagens e o emprego de diversos formatos (ALBUQUERQUE, 1999). Em 2015, a Lei nº 13.165 diminuiu o tempo de campanha e o Horário Eleitoral passou de 45 para 35 dias. Apesar dessa diminuição, o HGPE é um canal privilegiado para exposição das candidaturas na mídia tradicional (ALBUQUERQUE, 1999, CERVI 2010, PANKE e CERVI, 2011). A TV ainda é a principal ferramenta da comunicação de massa no Brasil. Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia de 2016, 63% dos brasileiros se informam, em primeiro lugar, através da TV. E, em relação ao HGPE, Panke e Tesseroli (2016) afirmam que, em 2012, 51,5% dos entrevistados de 26 capitais brasileiras assistiam o HGPE, em algum momento da campanha. A crescente importância da mídia para o processo eleitoral vem sendo apontada por alguns autores como um dos motivos para o enfraquecimento, por exemplo, dos partidos políticos e bases ideológicas (MAIR, 2003; DIAS, 2009), abrindo espaço para a personalização e o prevalecimento de estratégias (CARREIRÃO, 2007). Essa nova configuração das campanhas, mais especificamente do HGPE, que se assemelha ao espetáculo (ALBUQUERQUE, 1999; RUBIM, 2004), foi alvo de algumas críticas. Panke e Cervi (2011) explicam que os programas do horário eleitoral perderam credibilidade política justamente por esse caráter de espetacularização, o que tem a ver com a negação por parte dos eleitores sobre a veracidade dessas informações. Para Gomes (2001), o eixo central das campanhas é a informação. Porém, isso se perdeu com o passar dos anos, culminando na crescente utilização do mecanismo de

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persuasão, sendo a informação apenas um degrau dentro do processo. Ou seja, há informação, mas o HGPE tem a função primordial de persuadir por meio do conteúdo e para isso se utiliza de formatos diferenciados, como jingles e animação, por exemplo. A crítica feita por Gomes (2011) é verificada na prática, quando se observa, por exemplo, que boa parte do tempo dos programas é destinada à formação da imagem do candidato em detrimento de apresentação e discussão de propostas de interesse público (CERVI e MASSUCHIN, 2011). Seguindo a mesma lógica crítica sobre a utilização do HGPE, Figueiredo et. al. (2000), descreve que os candidatos usam uma retórica de natureza ficcional, dentro da lógica de persuasão dos eleitores. Para isso, constroem “um mundo atual possível, igual ou um pouco diferente do mundo real e com base nele projetam um novo e bom futuro possível” (p. 152). Os candidatos, portanto, trabalham com interpretações da realidade. Dessa forma, as estratégias argumentativas de campanha são diferentes entre opositores e situacionistas, se a situação conseguir dominar o discurso de que o mundo atual está bom, cabe ao oposicionista desqualificar essa interpretação (FIGUEIREDO, et. al, 2000). Apesar das críticas, o horário eleitoral ainda integra o principal espaço de campanha midiatizado que partidos possuem para apresentar seus candidatos. O HGPE é a principal forma de mídia controlada diretamente pelos dirigentes partidários para demonstração dos candidatos e formação da imagem para o eleitor, ficando a cargo do partido e dos recursos disponíveis de que forma isso ocorrerá. O horário eleitoral representa uma forma mais democrática de pôr em pauta a eleição, possibilitando a todo candidato um tempo – nem que seja o mínimo obrigatório dividido igualmente - de aparição no rádio e televisão para se apresentar ao eleitor. Metodologia Os dados desta pesquisa são referentes aos programas veiculados no horário eleitoral televisivo de Lula em 2002 e 2006, Dilma em 2010 e 2014 e Haddad em 2018. Eles foram coletados pelos integrantes do Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política & Opinião Pública da Universidade Federal do Paraná (CPOP/UFPR). A metodologia utilizada é quantitativa de análise de conteúdo, categorizados pelos pesquisadores do grupo a partir de elementos presentes na literatura (ALBUQUERQUE, 1999; FIGUEI-

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REDO et al., 1997) e que foram mantidos ao longo do tempo, permitindo a comparação entre eleições de diferentes anos.

3. Metodologia A coleta dos dados é feita com base em um livro de codificação de diversas variáveis categóricas, que caracterizam o conteúdo de cada segmento do programa que pode ser definido como um trecho autônomo de vídeo, que apresenta temática, orador e ambientes delimitados (CERVI, 2011; PANKE; CERVI, 2011). A análise de conteúdo é optada aqui por ser uma ferramenta científica que envolve procedimentos especializados e permite “inferências replicáveis e válidas para textos ou outras questões relevantes para os contextos de seu uso”, como descreve Krippendorff (2004). Sendo aplicada, a análise de conteúdo permite o acesso a diversos conteúdos, sejam explícitos, ou não, encontrados em um texto. Nessa mesma linha, para Bardin (2009), a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas utilizado para obter, por procedimentos específicos e objetivos, a descrição de mensagens, com indicadores que podem ser quantitativos. A análise deste trabalho baseia-se em dois aspectos: quem está falando e a estrutura escolhida para apresentar o conteúdo da fala. Desta forma as variáveis selecionadas para responder a primeira hipótese são referentes as “Orador dominante” (candidato, candidato à vice, patrono político, garoto propaganda, âncora, líder partidário, off locutor, off cantor, popular, personagem/ficção, personalidade, instrumental) investigando se ocorreu uma concentração de falas dos candidatos sobre outros tipos de oradores, em uma tentativa de aproximar o candidato com o eleitorado. Seguida pelas variáveis de “Apelo” (pragmático, ideológico, político, emocional), “Retórica” (sedução, preposição, crítica, valores, ameaça) e “Linguagem” (didática, informativa, panfletária) para responder ,como a literatura do campo informa, candidatos incumbentes tendem a usar o HGPE para ligar as realizações do último mandato a sua imagem.

4. Análise dos dados O corpus aqui analisado compreende os programas eleitorais presidenciais do Partido dos Trabalhadores apresentados entre 2002 até 2018, como unidade de análise Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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temos a segmentação, descrita anteriormente, para cada pleito dentro desse recorte temporal. Na Tabela 1 vemos o número de segmentos presentes para a primeira eleição do ex-presidente Lula (Lula1), seguido por sua reeleição (Lula2), a primeira eleição de Dilma (Dilma1) assim como sua também reeleição (Dilma2) e pôr fim a candidatura de Haddad3 em 2018. Tabela 1: Segmentos por candidato. Frequência % Lula1 202 11,3 Lula2 421 23,5 Dilma1 587 32,7 Dilma2 443 24,7 Haddad 141 7,9 Total 1794 100,0 Fonte: Autor com dados CPOP/UFPR.

Pela distribuição de frequência podemos ver a grande concentração que ocorre nas três eleições centrais, com os números tendo seu pico na primeira candidatura de Dilma. Com base na literatura podemos interpretar esse crescimento da segmentação com duas suposições, por se tornarem o partido incumbente a partir da reeleição do expresidente Lula, representado na tabela como Lula2, o número de partidos participando de sua coligação aumentou e permitiu uma maior parcela no tempo proporcional do HGPE. A outra perspectiva é sobre a profissionalização da campanha, como revela Dias (2005) comparando as corridas eleitorais a mercados: os partidos, por meio dos candidatos, tentam vender seus "produtos", em troca dos votos. Para isso introduzem técnicas de publicidade ao meio, e uma dessas técnicas é um aumento na difusão de informações, aumentado a velocidade da propaganda eleitoral e por consequência a segmentação do conteúdo. Outra mudança que ocorre com o processo de profissionalização das campanhas eleitorais é o aumento da personalização da política e falta de vínculo partidário (MANCINI e SWANSON, 1995; DE LA TORRE, 2009; LAVAREDA, 2009). Hoje, o que diferencia um candidato de outro são os aspectos pessoais de cada um, tornando as campanhas televisivas mais personalistas (TAVARES, 2013). Buscando agregar reali3

Os dados de 2018 se encontram em estágio final de coleta, para apresentação desde trabalho apenas são utilizados os dados referentes ao primeiro turno do candidato Haddad.

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zações políticas e histórias de vida a imagem do candidato, os profissionais de marketing e publicidade afastam a imagem partidária da campanha e reforçam a presença direta do candidato com o eleitor. Para observar esse comportamento, utilizamos aqui a variável de Orador Dominante na Tabela 2.

Tabela 2: Distribuição de frequência de Orador Dominante por Candidato Lula1 Orador Dominante

Total

Candidato Dilma1 156 26,6%

Dilma2 115 26,0%

Haddad 49 34,8%

Candidato

Count % within ano

62 30,7%

Lula2 136 32,3%

Candidato à vice

Count % within ano

2 1,0%

1 ,2%

1 ,2%

33 7,4%

13 9,2%

Patrono político

Count % within ano

0 0,0%

2 ,5%

18 3,1%

80 18,1%

13 9,2%

Garoto Propaganda

Count % within ano

21 10,4%

34 8,1%

48 8,2%

63 14,2%

0 0,0%

Âncora

Count % within ano

11 5,4%

0 0,0%

0 0,0%

12 2,7%

0 0,0%

Líder partidário

Count % within ano

3 1,5%

1 ,2%

3 ,5%

17 3,8%

2 1,4%

Off_locutor

Count % within ano

44 21,8%

131 31,1%

205 34,9%

40 9,0%

24 17,0%

Off_cantor

Count % within ano

31 15,3%

28 6,7%

40 6,8%

6 1,4%

13 9,2%

Popular

Count % within ano

12 5,9%

71 16,9%

75 12,8%

29 6,5%

25 17,7%

Personagem_ficção

Count % within ano

1 ,5%

2 ,5%

2 ,3%

33 7,4%

2 1,4%

Personalidade

Count % within ano

15 7,4%

15 3,6%

39 6,6%

15 3,4%

0 0,0%

Count % within ano

202 100,0%

421 100,0%

587 100,0%

443 100,0%

141 100,0%

Fonte: Autor com dados CPOP/UFPR.

Para podermos interpretar cada coluna precisamos estar cientes do contexto de cada eleição. Observando a primeira coluna, temos um candidato Lula que enfrentava o PSDB que vinha de oito anos à frente do governo do Brasil, um governo marcado pela estabilidade monetária e as reformas inflacionarias. Levando que o candidato Petista iniciasse sua campanha com a “Carta aos Brasileiros”, na qual se comprometia a dar continuidade à política econômica do governo tucano. Assim, evidenciava a importância

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da estabilidade econômica gerada por FHC, mas para D’Araújo (2011), isso simbolizando a adaptação do PT a uma postura “mais pragmática e menos classista ou estatizante”. Vale também lembrar que nessa eleição e o início da coligação do PT com PMDB que dura até o impeachment da Dilma Rousseff em 2015. Como os número da primeira coluna mostram, temos uma campanha com foco na figura do candidato, concentrando 30,7% em falas do próprio Lula apresentando propostas (Tabela 3 e 4). Quanto as outras concentrações de segmentos, como “Off locutor” constroem a imagem da história do candidato e “população” apresenta apoio de populares via depoimentos. Em 2006, vemos a coluna Lula2 apresentando uma concentração de segmentos bem diferente da primeira. Agora como candidato a reeleição, Lula fez uma campanha com discurso de “defesa da continuidade do modelo de crescimento econômico, viabilizando, simultaneamente, desenvolvimento na área social”, como descreve Machado (2009). Assim, não deixou de tratar da Economia, mas conseguiu associar os avanços na área com a transferência de renda e diminuição da desigualdade social. Machado (2009) ainda destaca que a estratégia de apoiar a campanha nos bons indicadores da gestão anterior é característica de campanha para reeleição, tendo sido explorada também por FHC em 1998. Vale lembrar que nesta eleição o tema corrupção também passou a se destacar na eleição nacional após o Mensalão (CERVI, 2016), o que contribuiu também para uma maior heterogeneidade do formato e dos oradores dominantes dos seguimentos. Em 2010, na terceira coluna, Dilma Rousseff era a candidata do PT, para além de a nova candidata representar o Partido dos Trabalhadores na eleição majoritária, Reis (2014) destaca a forte influência direta de Lula ao escolher Dilma como sua sucessora como opção de voto aos brasileiros. Assim, a primeira campanha de Dilma não apenas foi bastante vinculada à imagem de Lula, como seguia a mesma lógica de “Orador dominante”. Podemos acompanhar pela Tabela 2 como as concentrações dos segmentos ficaram muito próximos, o PT não apenas vinculou à imagem de Lula a candidatura de Dilma como utilizou a mesma estratégia, pelo menos para esta variável. Já em 2014, quando Dilma2 era a candidata incumbente, lidando com críticas graves em relação ao seu governo, a operação Lava-jato e as denúncias de corrupção da

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estatal Petrobrás começam a desempenhar definitivo no jogo político. Foram ainda as eleições subsequentes às manifestações de rua de 2013, que, por mais difusas e sem objetivos conexos, deixaram em evidência a insatisfação popular com os representantes, assumindo-se como um movimento antipolítico e anti-institucional (REIS, 2014). Analisando o cenário eleitoral de 2014, Reis (2014) destaca como a política social passou a ser uma prioridade não apenas restrita às campanhas petistas. Por outro lado, em 2014 a agenda econômica também se destacava como importante na campanha, dados os problemas da economia mundial e as recorrentes críticas à política econômica do Governo Dilma (REIS, 2014). Um reflexo desse contexto pode ser percebido na tabela, com um comportamento muito similar ao de Lula1, vemos a candidata incumbente abrindo espaço para outros políticos como seu “Candidato à vice” Michel Temer e o “Patrono político” Lula. Haddad por sua vez, tem um comportamento totalmente a parte. Com sua chapa definida durante o andamento da corrida eleitoral, devido ao impedimento da candidatura de Lula, temos uma candidatura com foco nos oradores que construam uma imagem que se aproxime da sociedade (falas do candidato, narrativas do Off locutor, e depoimentos de populares). Além da presença do Patrono político na tentativa de transferência de capital político, assim como ocorreu entre Lula e Dilma em 2010. Compreendendo melhor um pouco o contexto no decorrer dessas 5 corridas eleitorais, vamos agora olhar a variável “Apelo” e “Retórica”. Essas duas variáveis agem de forma conjunta, na tentativa de melhor explicar a maneira que a campanha transmite o conteúdo dos segmentos. Um exemplo é: um apelo pragmático tende a ser a apresentação de uma proposta política, então, conter uma retórica de preposição, assim como um apelo emocional no discurso de um candidato tende a ter uma retórica de característica sentimental.

Tabela 3: Distribuição de frequência de apelo por candidato

82 40,6%

Lula2 174 41,3%

Candidato Dilma1 291 49,6%

Dilma2 189 42,7%

Haddad 26 18,4%

6 3,0%

16 3,8%

18 3,1%

27 6,1%

7 5,0%

59

11

7

40

21

Lula1 Apelo

Pragmático Ideológico Político

Count % within ano Count % within ano Count

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Emocional Documental ou Credibilidade da fonte Total

% within ano Count % within ano Count % within ano Count % within ano

29,2%

2,6%

1,2%

9,0%

14,9%

49 24,3%

206 48,9%

265 45,1%

135 30,5%

75 53,2%

6 3,0%

14 3,3%

6 1,0%

52 11,7%

12 8,5%

202 100,0%

421 100,0%

587 100,0%

443 100,0%

141 100,0%

Fonte: Autor com dados CPOP/UFPR.

Como já trabalho por Neves, Kniess e Ultramari (2017), categoricamente candidatos incumbentes em disputas majoritárias apresentam uma concentração de “Apelo” pragmático, voltado a apresentação de suas histórias e seus feitos para construção de suas imagens e apresentação de propostas. Outro destaque nessa variável é o “Apelo” emocional, tendendo desempenhar um papel mais distante de propostas políticas ou ideologias, é um formato utilizado mais por desafiantes. Porém aqui encontramos um grande destaque para essa variável, mesmo durante os pleitos de reeleição dos candidatos Petistas, a estratégia de apelo emocional é amplamente empregada na intenção de persuasão do eleitor. Um destaque para Haddad aqui, que dedica mais de metade dos seus segmentos do primeiro turno a tal apelo, porém dado o contexto da retirada da Dilma do poder e o rompimento da coligação com o PMDB, entendemos aqui o candidato do PT como desafiante e não mandatário. Dando sentido a sua distribuição de “Apelos”.

Tabela 4: Distribuição de frequência de Retórica por Candidato.

Retórica

Sedução Proposição Crítica Valores Ameaça

Count % within ano Count % within ano Count % within ano Count % within ano Count % within ano

Lula1 57 28,2%

Lula2 248 58,9%

Candidato Dilma1 372 63,4%

Dilma2 208 47,0%

Haddad 89 63,1%

93 46,0%

93 22,1%

153 26,1%

25 5,6%

18 12,8%

34 16,8%

23 5,5%

3 ,5%

46 10,4%

29 20,6%

18 8,9%

54 12,8%

59 10,1%

148 33,4%

5 3,5%

0 0,0%

3 ,7%

0 0,0%

16 3,6%

0 0,0%

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Count % within ano

Total

202 100,0%

421 100,0%

587 100,0%

443 100,0%

141 100,0%

Fonte: Autor com dados CPOP/UFPR.

Como descrito anteriormente, as duas variáveis apresentadas na Tabela 3 e 4 agem de forma relacionada. Não obrigatoriamente um apelo corresponde a uma retórica exata, mas apresenta em suma, tendências de uma determinar a outra. Como o exemplificado anteriormente, um “Apelo” pragmático tende a ter uma “Retórica” prepositiva. Ao analisarmos a Tabela 4, percebemos uma grande concentração dos segmentos da “Retórica” na sedução do eleitor, sendo apenas no caso Lula1 onde a maior concentração não ocorre nesta variável. O número tão elevado de casos concentrados nessa variável nos leva a crer que ela está composta não apenas por casos de “Apelo” emocional, mas sim também por outros tipos de “Apelos”. O que quero ressaltar aqui é o grande número de casos de “Apelos” pragmáticos que devem compor os casos de sedução, já que se somados os segmentos pragmáticos da Tabela 3 totalizam 762 ocorrências e os segmentos de “Retórica” de proposição na Tabela 4 apresentam 382 casos. Essa disparidade entre o apelo e a retórica relacionada, é compensada na aplicação de outra estratégia de campanha, uma onde apesar de estar apresentando uma preposição utiliza de questões emocionais como meio te atingir o eleitorado. Desta forma, não realmente abordando uma informação, mas persuadindo o receptor da mensagem.

5. Conclusão

Os dados aqui apresentados mostram que a primeira hipótese desse trabalho foi parcialmente confirmada. Esperava-se que os HGPEs demonstrassem uma centralização da campanha na figura do candidato, utilizando a variável de “Orador dominante” para observar como ocorria a construção dessa aproximação do candidato com o eleitor. Fazendo uso do contexto de cada eleição, concluímos que apesar de existir uma semelhança entre todos os candidatos Petistas, o contexto histórico influência na forma de construir essa aproximação com o eleitor. Podendo ser através da fala direta do candidato,

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Locutor apresentado realizações e a história do candidato, e populares realizando depoimentos que reforçam o apoio ao concorrente da eleição. Por sua vez, as variáveis “Apelo” e “Retórica” revelaram que apesar do que afirma a literatura sobre a relação dessas estratégias, elas vêm sido aplicadas de formas distintas. Formas que, como descreve Gomes (2001), apesar de a informação ser o eixo central das propagandas eleitorais, vem ocorrendo uma crescente utilização desse meio para estratégias de personalização. Algo que é reforçado pela profissionalização do marketing eleitoral e a baixa satisfação social com as instituições democráticas e políticas brasileiras.

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O Senado Federal como promotor do debate público sobre medidas contra a desinformação Michel Carvalho da Silva1 Universidade Federal do UFABC (UFABC)

Resumo: Diante da tomada de posição do Senado em relação à questão da desinformação, o trabalho discute como o parlamento enquadra determinado problema social em sua agenda pública, dando-lhe tratamento político. A ideia é refletir como a disseminação de conteúdo inverídico emerge na pauta legislativa, a ponto de o Senado propor debates com diferentes atores políticos e contribuir, assim, com o processo de formulação de políticas públicas contra as notícias falsas. O estudo de caso, ancorado na análise de iniciativas parlamentares, mostra que as três dimensões da comunicação legislativa (pública, institucional e política) estão presentes no enquadramento dado pelo Senado ao combate à desinformação. Palavras-chave: desinformação; comunicação legislativa; debate público; Senado Federal; visibilidade.

1. Introdução A propagação de boatos e mentiras na web é um fenômeno global, como demonstrado na vitória de Donald Trump nos Estados Unidos em 2016, no referendo do Brexit no Reino Unido e nas eleições brasileiras do ano passado. O uso desse expediente tem mostrado que é capaz de estabelecer consensos, mesmo quando os conteúdos enganosos são desmentidos pelos tradicionais meios de comunicação. Na contemporaneidade, as notícias falsas em circulação na web operam como atalhos informacionais pelos quais o cidadão vai criar sentido para a realidade política e formar seu ponto de vista. O problema é que tais conteúdos acabam deseducando e desinformando a sociedade em assuntos como saúde, economia, segurança pública, direitos humanos e política, servindo, muitas vezes, como instrumento de manipulação da opinião pública e de propagação de discursos de ódio. A mentira sempre fez parte da humanidade, mas com a onipresença das RSI no cotidiano das pessoas, seu impacto ganha uma outra dimensão. Diante desse cenário de desinformação, em que fatos objetivos são menos influentes em formar a opinião públi1

Doutorando em Ciências Humanas e Sociais (UFABC). Mestre em Ciências da Comunicação (ECA/USP). Integrante do Grupo de Pesquisa Mediações Educomunicativas (MECOM/USP). É Coordenador de Comunicação na Câmara Municipal de Cubatão (SP). Vice-Coordenador da Escola do Legislativo e da Democracia (ELD/CMC). Contato: michel.carvalho@ufabc.edu.br. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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ca do que apelos às crenças pessoais, o que fazer para combater a distribuição deliberada de conteúdo inverídico e como formar um leitor imune ao noticiário falso? A partir desse problema, determinados atores políticos, como o Senado Federal, sentiram a necessidade de promover ações institucionais contra as fake news. Durante a gestão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), iniciada em 2 de fevereiro de 2019, intensificou-se o debate em torno do problema da desinformação. Foram realizadas duas audiências públicas pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado sobre a influência das notícias falsas na sociedade. Além disso, foi criada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista das fake news, para investigar ataques cibernéticos contra a democracia e o debate público, uso de perfis falsos nas eleições de 2018, ciberbullying sobre agentes públicos e internautas vulneráveis e aliciamento de crianças para crimes de ódio. O Senado também lançou em junho de 2019 uma campanha institucional contra a propagação de fake news, tendo como slogan: “Notícia falsa se combate com boa informação”. Por meio das mídias legislativas da Casa, a iniciativa apresenta dois objetivos principais: mostrar como reconhecer uma informação falsa sobre o Congresso Nacional e como o cidadão pode ajudar a impedir que uma notícia inverídica se espalhe. Diante dessa tomada de posição do Senado em relação à questão da desinformação, o artigo propõe uma discussão acerca de como o parlamento, enquanto arena de discussão pública e esfera decisória, enquadra determinado problema social em sua agenda, dando-lhe tratamento político. A ideia é refletir como a disseminação de conteúdo inverídico emerge na pauta legislativa, a ponto de o Senado propor debates com diferentes atores políticos e contribuir, assim, com o processo de formulação de políticas públicas contra as notícias falsas. Como aporte metodológico, recorremos ao estudo de caso (YIN, 2005), estratégia de investigação em ciências humanas que possibilita ao pesquisador um aprofundamento em relação ao fenômeno estudado, revelando nuances no interior do objeto pesquisado, no caso o tratamento dado à questão da desinformação por parte do Senado. O estudo de caso, então, favorece uma visão empírica sobre os acontecimentos da realidade. O trabalho apresenta no tópico a seguir um panorama geral acerca da desinformação, pensando as definições do termo e os desdobramentos desse fenômeno para a

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democracia. Em seguida, discutiremos as ações do Senado contra a propagação de conteúdos falsos com fins políticos. Por fim, debatemos a comunicação legislativa e sua relação com a visibilidade dos problemas sociais e a agenda pública.

2. Desinformação, fake news e política A disseminação de notícias enganadoras, exageradas ou deformadas não é um fenômeno novo ou nascido com a popularização das RSI. No entanto, a desinformação ganha novos contornos a partir da produção amadora e deliberada de notícias falsas no ecossistema digital. Não existe consenso entre os teóricos do campo da comunicação acerca do termo “fake news”. Alguns defendem o uso deste conceito, popularizado nas eleições norte-americanas de 2016, pois foi incorporado à gramática política e à cobertura jornalística; outros consideram a denominação imprecisa, uma vez que se confunde com outros tipos de desinformação, como exageros, omissões, especulações, notícias mal apuradas, descontextualizadas ou mesmo satíricas. Entre tantas definições para esse fenômeno comunicacional, recorremos a um texto de Allcott e Gentzkow (2017), que explicam que fake news se tratam de informações comprovadamente falsas, produzidas intencionalmente com o objetivo de influenciar a opinião pública. Já Santaella (2018) procura ser mais ampla ao caracterizar as fake news, incluindo além de notícias, estórias, boatos, fofocas ou rumores que são deliberadamente criados para ludibriar ou fornecer informações enganadoras, visando influenciar as crenças das pessoas, manipulá-las politicamente ou confundir em prol de interesses escusos. No campo da ciência da informação, os teóricos optam por diferenciar as ideias de disinformation e misinformation, pois apesar de que suas respectivas definições se refiram às informações falsas, a primeira se relaciona a estratégias que procuram propositalmente falsificar uma informação com o objetivo de enganar as pessoas; já a segunda tem a ver com informações equivocadas do ponto de vista de precisão, mas sem intencionalidade (FALLIS, 2015). Se o conceito em torno fake news ainda está em disputa, não resta dúvida quanto ao potencial danoso da proliferação de conteúdo deliberadamente inverídico, que mimetiza notícia, e é distribuído com o objetivo de gerar vantagem (econômica ou política).

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Numa sociedade cada vez mais midiatizada, somos bombardeados a todo momento por informação. A comunicação nunca foi tão descentralizada, prova disso é que qualquer pessoa com um smartphone nas mãos tem a possibilidade de produzir conteúdo viral. Mesmo que a internet represente um adicional importante no processo de governança e accountabillity (mecanismo de prestação de contas perante irregularidades governamentais), esse ganho é acompanhado por uma série de desafios. Num contexto de grande tensionamento entre grupos políticos e outros setores da sociedade civil, as pessoas estão dispostas a dialogar somente com quem converge com seu posicionamento ideológico, tudo o que é contrário a essa concepção de mundo é imediatamente considerado como algo negativo, logo, não merece crédito. Os indivíduos estão criando uma dinâmica na qual elas só enxergam o que elas querem, na qual elas interpretam dados como lhes convêm e compartilham somente aquilo em que acreditam (KEEN, 2012). O filtro bolha (PARISER, 2012) reforça esse tipo de comportamento polarizado e cria ambiente favorável para pulverização de notícias falsas e o surgimento de discursos de ódio. Outro fator que contribui para pulverização de fake news em escala global está o modelo de negócio baseado no uso de ferramentas de remuneração por meio da conquista de audiência e venda indireta de anúncios. Conforme Sastre et. al. (2018), o conteúdo falso, que geralmente explora temas polêmicos e polarizados de forma sensacionalista, é compartilhado massivamente em mídias digitais, gerando tráfego em sites e permitindo ganhos financeiros com anúncios por meio do Google AdSense. Diante desse quadro, não seria exagero asseverar que as RSI lucram com a proliferação de notícias falsas. Em outras palavras, quanto mais notícias compartilhadas (independentemente de sua veracidade) mais receita os anúncios geram para a empresa. Quando pensamos particularmente em desinformação política e de seus efeitos para o processo democrático, logo nos preocupamos com as eleições. Em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio da Resolução Nº 23.551/2017, que dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral nas eleições, proibiu a veiculação de “fato sabidamente inverídico”. No entanto, o TSE não conseguiu deter a distribuição deliberada de conteúdo enganoso no ambiente digital no pleito do ano passado. Na véspera da votação do primeiro turno das eleições, as fake news se espalharam nas RSI. Foram vídeos editados, imagens com

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o dia errado de votação, fotos com candidatos com estampas de camisa alterada, e até áudios simulando vozes de candidatos para sugerir determinadas reações a pesquisas. Como o objetivo dessa seção foi traçar um panorama geral do fenômeno da desinformação e não discutir propriamente a epistemologia do termo fake news, iremos a seguir apresentar as ações institucionais tomadas pelo Senado Federal a fim de tratar o tema como um problema a ser resolvido pelo Poder Público.

3. Ações do Senado contra a desinformação O Senado tem tratado a desinformação como problema público, ou seja, objeto que requer a ação do governo, e tem sua principal fonte nos acontecimentos da atualidade, exigindo novas tarefas da ação pública – seja do Estado ou da sociedade. A mencionada Casa Legislativa vem discutindo periodicamente a criação de mecanismos legais para combater a desinformação, principalmente nos ambientes digitais. Na solenidade de lançamento da campanha contra a desinformação, em 10 de junho deste ano, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, comentou que a iniciativa é mais uma ferramenta de gestão democrática: “Na guerra contra as notícias falsas, que são maldosamente criadas para confundir a opinião pública, o Senado está fazendo sua parte”. Já a diretora da Secretaria de Comunicação Social do Senado, Angela Brandão, destacou que o cidadão pode ser um parceiro no controle da disseminação de mentiras. Segundo a gestora, quanto mais pessoas souberem como detectar uma notícia falsa, menos ela se espalhará. As peças publicitárias referentes à campanha contra a desinformação foram publicadas nos produtos da Agência Senado — portal Senado Notícias e no Jornal do Senado — e veiculadas na Rádio Senado e na TV Senado ao longo de suas programações. As RSI da Casa também divulgaram as publicações, que apresentaram um conteúdo de serviço de utilidade pública, com dicas e sugestões. Em algumas peças, os próprios jornalistas do Senado fizeram o chamamento à sociedade. A campanha foca na ideia de que o mais importante é nunca compartilhar uma informação sem ter certeza de que é verdadeira. A campanha também sugere que as mídias do Congresso Nacional são fontes de informação confiáveis para verificar notícias sobre projetos, votações, audiências públicas, e o cotidianos parlamentar de senadores e deputados. Ao lançar essa ofensiva con-

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tra a desinformação, o Senado tenta fortalecer a imagem da comunicação legislativa junto à população como aquela capaz de oferecer uma cobertura jornalística ampla e imparcial acerca dos acontecimentos políticos. Na peça publicitária veiculada no Jornal do Senado, na edição de 10 de junho de 2019, além do slogan da campanha, a publicação apresenta cindo passos para que o cidadão não seja enganado por notícias falsas. A peça traz ainda o seguinte alerta “antes de compartilhar uma notícia duvidosa sobre o Senado, descubra o que o Jornal do Senado tem a dizer sobre o assunto”, numa tentativa de reforçar a credibilidade do próprio veículo de comunicação institucional da Casa. Antes mesmo do lançamento da campanha contra a desinformação, o Senado já vinha publicando conteúdos que alertavam para os danos causados por notícias enganadoras. Em 17 de maio, a fanpage do Senado, recorrendo a uma linguagem satírica e coloquial, apresenta um post com o seguinte título: “Aprovada a Criminalização do Spoiler”. Na sequência, o subtítulo traz o alerta: “Opa, peraí, será que isso não é fake news? É fake news! Nada disso foi aprovado!”. A publicação chama a atenção para as características mais recorrentes das notícias falsas e reafirma a necessidade de que o cidadão sempre pesquise na internet antes de compartilhar qualquer conteúdo. O post ainda menciona que: “E quando a notícia for sobre um projeto de lei, confira sempre nas páginas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados”. Mais uma vez, o Senado, por meio de sua fanpage, tenta fortalecer os canais de comunicação do Congresso Nacional. O Senado tem sido alvo recorrente de notícias falsas. Em 9 agosto de 2017, esta Casa Legislativa chegou a publicar em sua fanpage um post em que negava a existência de um projeto de lei, que que cancelaria automaticamente a carteira de motorista (CNH) depois de trinta dias de vencimento. A publicação menciona que “é fácil checar se uma notícia assim é verdadeira ou falsa”, basta o cidadão pesquisar o número da matéria parlamentar no site institucional do Senado e verificar se o tal projeto objeto do boato viralizado existe ou não. O post também lembra que as pessoas devem desconfiar de conteúdos que apelem para que todos compartilhem, como a expressão: “Faça sua parte. Avise seus parentes e amigos”. Já em 5 de março de 2018, o fanpage da Presidência do Senado divulgou uma nota de esclarecimento que ressaltava que não tinha solicitado ou que não estava em elaboração qualquer projeto de lei para alterar o Código Penal, a Lei Eleitoral ou o Mar-

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co Civil, com o objetivo de criar mecanismos de censura livre manifestação e informação na internet. A publicação ainda mencionava que então presidente, o senador Eunício Oliveira, não havia solicitado ao Conselho de Comunicação do Congresso Nacional, um órgão consultivo e sem a faculdade de apresentar projetos, para que elaborasse qualquer sugestão sobre o tema. Naquele período, uma fake news circulava na web afirmando que o Senado está criando um mecanismo legal para criminalizar quem criticasse a classe política nas RSI. A desinformação também foi objeto de duas audiências públicas da CDH do Senado, que puderam ser acompanhadas ao vivo pelas mídias da Casa. Os cidadãos também tiveram a oportunidade de enviar comentários e perguntas aos integrantes da mesa pelo programa E-Cidadania. Em 1º de abril , em pleno “Dia da Mentira”, a Comissão, presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), discutiu a influência das fake news na sociedade. O evento contou com as seguintes presenças: Beatriz Barbosa, do Coletivo Intervozes; Thiago Tavares, da Safernet; Cristiano Flores, representante da Associação Brasileira Emissora de Rádio e TV (Abert); Marina Pita, do Instituto Alana; Monica Rosina, representante do Google Brasil, Juliana Nolasco; o representante da Facebook no Brasil; e Fernando Gallo, do Twitter. Os participantes ressaltaram que enfrentar o problema da desinformação é complexo, e exige soluções multissetoriais, que envolvem diferentes atores sociais. Além disso, os debatedores destacaram o papel da educação midiática , como elemento imunizador contra os conteúdos enganosos, e o engajamento de toda a sociedade civil, as empresas de tecnologia da informação e os agentes políticos. Na ocasião, os representantes das entidades civis foram consensuais ao criticaram as propostas que responsabilizam os usuários da internet por repassarem fake news. Segundo eles, os cidadãos, que muitas vezes não tem nem sequer como investigar a veracidade da informação que recebem, não podem ser tratados como criminosos por enviarem algo em que acreditaram. Já a audiência pública do dia 04 de julho de 2019 reuniu o diretor-geral da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Cristiano Flores; o representante da Secretaria de Comunicação Social da Câmara dos Deputados, Lincoln Macário; o representante da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Antonio Paulo dos Santos, o vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Cid Benjamim; o representante do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

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(FNDC), Marina Pita; o representante dos Repórteres sem Fronteiras, Emmanuel Colombié; o coordenador do projeto de proteção e segurança da ONG Artigo 19, Thiago Firbida; e a diretora da Secretaria de Comunicação Social do Senado, Angela Brandão. De acordo com os convidados da audiência pública, a desinformação e o grande volume de notícias falsas disseminados principalmente nas redes sociais atentam contra a liberdade de expressão, ao causar desordem informativa e inviabilizar o debate democrático. Outro aspecto preocupante desse debate sobre combate a conteúdos enganosos é a banalização do emprego da expressão “fake news” por parte de governos de tendência autoritária, principalmente contra adversários políticos ou jornalistas. Além da CDH, a Comissão Senado do Futuro, presidida pelo senador Mecias de Jesus (PRB-RR), também discutirá sobre a interferência do noticiário falso no debate público e as ameaças à democracia. A inclusão do tema na pauta foi feita, por meio de requerimento, pelo senador Rogério Carvalho (PT - SE). No documento, o parlamentar menciona que o objetivo é discutir o fenômeno das fake news e sua relação com a liberdade de expressão, além das iniciativas legislativas e políticas públicas, nacionais e internacionais, que tratam dos riscos, direitos e responsabilidades associados à produção, disseminação e consumo de desinformação. A Comissão Senado do Futuro realizará debates, audiências públicas, reuniões temáticas e seminários sobre o tema. No dia 3 de julho de 2019, em sessão conjunta do Congresso, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, leu o requerimento de criação da CPI mista das Fake News e solicitou que os líderes partidários indiquem os integrantes. De acordo com o requerimento de criação, do deputado Alexandre Leite (DEM-SP), a comissão parlamentar de inquérito será formada por trinta membros, sendo quinze senadores e quinze deputados e igual número de suplentes. Conforme matéria do Jornal do Senado, publicada em 04 de julho de 2019, a referida CPI mista terá 180 dias para investigar ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público, além da criação de perfis falsos para influenciar as eleições do ano passado. Também estão entre os objetos de investigação a prática de ciberbullying contra autoridades e cidadãos vulneráveis e o aliciamento de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio. No entanto, o vice-líder do PSL na Câmara, o deputado Filipe Barros (PR) entrou com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir a ins-

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talação da CPI mista das Fake News. Segundo a representação do parlamentar, a comissão não tem um objeto "minimamente definido" que permita o controle legal de suas atividades investigatórias. De acordo com o vice-líder do PSL, sem objeto definido, o colegiado poderá investigar tanto um "cidadão mais ativo nas redes sociais que manifesta suas opiniões e replica outras em tom crítico" aos três poderes, quanto "criminosos que se utilizam do anonimato para fomentar a prática de crimes". O imbróglio jurídico em torno da CPI mista reflete a polarização do debate político no Brasil. O líder do PT no Senado, o senador Humberto Costa (PE), contesta os governistas e afirma que a CPI mista não é uma tentativa de censura às RSI, mas, segundo ele, em muitas situações, as mídias sociais on-line têm sido usadas para a divulgação de mentiras, a pregação de ódio e para caluniar pessoas e destruir reputações. O parlamentar acrescentou que a comissão cumpre um papel muito importante ao identificar a origem dessas notícias falsas e salvaguardar todas as pessoas que fazem uso adequado da web. Enquanto a CPI mista das fake news ainda tem seu futuro incerto no Congresso, no Senado tramitam alguns projetos relacionados ao problema da distribuição deliberada de desinformação e do uso irregular de dados pessoais por plataformas digitais. Entre as iniciativas legislativas, está o PLS (projeto de lei do Senado) Nº 473/2017, de autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que está em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), sob a relatoria do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O projeto altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal –para tipificar o crime de divulgação de notícia falsa. A matéria prevê sanções para quem tem consciência que determinada notícia é falsa e que pode distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante. O projeto prevê detenção, de seis meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. Se o agente pratica a conduta valendo-se da internet ou de outro meio que facilite a divulgação da notícia falsa sofrerá reclusão, de um a três anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. A pena aumenta-se de um a dois terços, se o agente divulga a notícia falsa visando a obtenção de vantagem para si ou para outras pessoas. O projeto PLS Nº 473/2017, assim como todas as propostas que tramitam no Senado, foi submetido à consulta pública por meio do portal e-Cidadania. Até o presente

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momento, 28 de julho de 2019 às 11h57, foram contabilizados 50.545 votos, sendo 16.700 a favor e 33.845 contra. Apesar de não terem caráter deliberativo, ou seja, não produzem efeito direto em decisões legislativas, as enquetes promovidas pelo Senado sinalizam se determinada iniciativa parlamentar tem respaldo ou não junto a certos setores da sociedade civil. Em síntese, no enquadramento dado à desinformação pelo Senado, verifica-se que esta Casa Legislativa identifica a proliferação de conteúdos falsos como um problema público, que afeta o debate público e, consequentemente as decisões políticas. Evidentemente, que ao enquadrar a mencionada questão dentro do paradigma das políticas públicas, o Senado quer influenciar ou, ao menos, participar da elaboração de possíveis soluções para combater a prática da disseminação de mentiras com fins políticos e econômicos.

4. Debate público e comunicação legislativa A formação da agenda é fundamental para o debate público sobre os problemas do cotidiano e a resultante ação governamental, ou seja, a implementação da política pública. Nesse sentido, o parlamento, como esfera mediadora entre sociedade e governo, se apresenta como espaço privilegiado para definir quais problemas públicos serão enfrentados e quais poderão esperar. O legislativo, como fração de um dos poderes do Estado, tem a função originária de promover os debates sobre temas de interesse público. Nesse processo, a comunicação legislativa ocupa papel importante. Para Matos (1999), a comunicação legislativa se realiza plenamente quando existe relação íntima com a prática da cidadania, ou seja, refletindo os debates e as decisões dos parlamentares, que são objetos de cobertura da mídia e de pressões advindas da sociedade civil. Sem essa representação e a consequente intervenção de amplos setores da sociedade, o regime democrático não se realiza institucionalmente. Para a autora, a comunicação do Legislativo, assim, tem dois papéis fundamentais: informação bruta e simples, e formação de atitudes cidadãs, participativas e conscientes. Matos explica que no passado os serviços de produção e difusão de informações públicas eram concebidos simplesmente como ações de propaganda institucional e de integração social. Com o processo de redemocratização no Brasil, a comunicação dos

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poderes Executivo e Legislativo começa a mudar de status, exercendo um papel mais fulcral na tentativa de interlocução entre o Estado e a sociedade. Para efeito de sistematização teórica, consideramos a comunicação legislativa neste estudo de caso em suas três principais dimensões: a pública, relacionada ao interesse cidadão e ao bem comum (BRANDÃO, 2009; JARAMILLO-LÓPEZ, 2011; MATOS, 1999); institucional, ligada ao fortalecimento da imagem pública do órgão governamental (TORQUATO, 2015; DANIEL, 1993); e política, associada à campanha permanente por adesão ao projeto político (LILLEKER, 2007; ROSE, 2012). Assim, a comunicação legislativa, fundamentada no princípio constitucional da publicidade, tenta estabelecer um contraponto à representação negativa do parlamento, historicamente construída pela mídia tradicional. Compreendendo a comunicação legislativa em sua complexidade, não podemos ignorar o fato de que as informações, disponibilizadas pelos diferentes canais de comunicação do Congresso, servem tanto para cumprir suas obrigações normativas (transparência e promoção do debate público) quanto para promover a instituição em si, fortalecendo a imagem do parlamento e de seus membros junto à população. De fundo, o que se discute é a visibilidade pública. Para Weber e Carnielli (2016), a necessidade de promoção, apoio ou votos que incidem na aferição da imagem pública poderá comprometer a qualidade da comunicação pública, sempre de caráter institucional e público. Esse paradoxo ocorre em virtude à dependência que toda ação pública tem de circulação e visibilidade e essa ação, por sua vez, está associada e promove, em maior ou menor escala, os atores institucionais a ela ligados. O Estado e seus representantes estão sujeitos à era da visibilidade pública, ou seja, os atores sociais, instituições públicas e organizações políticas estão sujeitos à dinâmica dos meios de comunicação. Para romper as barreiras mercadológicas e do campo social, eles precisam recorrer a um estratégico sistema de produção de conteúdo e informações. Dessa forma, os representantes eleitos, que desejam fazer-se visíveis, buscam que seus posicionamentos sejam lembrados na esfera política e tentam orientar o público na construção da representação desejada (GOMES, 2004), mesmo que existência de referências para ler o mundo ou as instituições não garante que tal leitura se dê nos moldes preconizados por um emissor qualquer. Na sociedade midiatizada, na qual a visibilidade orienta comportamentos e eventos, a política também se transforma. Como

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acentua Thompson (2014), dada a natureza da internet, é muito mais difícil hoje controlar o fluxo de conteúdo simbólico dentro dela e, dessa forma, muito mais difícil para aqueles que estão no poder se assegurarem de que as representações disponíveis aos cidadãos são as que eles gostariam de ver circulando. No caso que tratamos neste artigo, o Senado dá visibilidade ao problema da distribuição de notícias enganadoras, ao enquadrá-lo como demanda social, que exige uma ampla discussão com diferentes atores da sociedade civil. Para isso, o Senado cria uma campanha institucional, em que são veiculadas peças de utilidade pública, lembrando ao cidadão que ele conta com os canais oficiais para acompanhar o que acontece na vida política brasileira e para não se deixar enganar. A comunicação legislativa opera, assim, na tentativa de construção de esquemas narrativos que permitem a população interpretar os problemas por meio do tratamento dado (enquadramento). O Senado, responsável por elaborar leis e fiscalizar o Executivo, é o palco legítimo das discussões sobre temas de interesse público, como observamos nas audiências públicas sobre a prática de distribuição de conteúdo falso promovidas pela CDH. Por outro lado, é inegável que a divulgação desses eventos pelas mídias do Senado busque visibilidade, compreensão, apoio e credibilidade, o que pode gerar uma imagem pública favorável. Outrossim, essa publicização também pauta esse debate dentro do parlamento, exigindo respostas dos representantes do governo e da oposição; e na mídia comercial, que faz a cobertura do Congresso e produz notícias sobre o cotidiano parlamentar. Já a CPI mista, por mais que sinalize disposição do Congresso em investigar os complexos processos de produção de textos, áudios, imagens, fotos e vídeos falsos, funcionará conforme a dinâmica do campo político-partidário, ou seja, o período a ser averiguado e os depoentes convocados estarão sujeitos à composição do colegiado e aos interesses particulares tanto dos parlamentares governistas quanto dos oposicionistas. Desse modo, a comunicação legislativa, na dimensão política, expressará esses discursos e estratégias na conquista da opinião pública e na disputa por hegemonia política. No entanto, além desse elemento persuasivo, a comunicação política, nas palavras de Filgueiras (2008), pode exercer um papel significativo de controle da corrupção, se promover a pedagogia cívica, não pela lógica dos escândalos, mas por um processo de esclarecimento que ocorre na esfera pública. “O necessário é possibilitar mecanismos

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de entendimento e de comunicação política não enviesados pelo denuncismo moral ou pelo silêncio velado das instituições” (FILGUEIRAS, 2008, p. 85). Apesar da aura normativa de informação pública voltada à coletividade, é inegável que a comunicação legislativa funcione como estratégia política para fortalecer a imagem do parlamento. No caso do enquadramento dado ao problema social da desinformação, o Senado, por meio de seus canais de comunicação, se apresenta como espaço de visibilidade e legitimação dos atores institucionais envolvidos no processo de formulação de políticas públicas contra as notícias falsas, inclusive como mecanismo de pressão sobre o Poder Executivo.

5. Considerações Finais

A prática de espalhar boatos ou mentiras acompanha a sociedade há muito tempo, desde a antiguidade, mas com as mídias sociais on-line, esse expediente se tornou um problema público, por afetar o cotidiano de um número significativo de indivíduos e o funcionamento da própria democracia. No caso da desinformação, existe um consenso em torno da ideia de que é necessário a formulação de políticas públicas para construir um ecossistema informativo equilibrado, mais seguro aos usuários da web. Como observamos neste estudo de caso, o Senado Federal, por meio de três iniciativas parlamentares – campanha institucional, audiências públicas e CPI mista – confere visibilidade ao problema da desinformação, colocando-o na ordem do dia das preocupações do Congresso. Mesmo que o Poder Executivo tente impor uma agenda ao legislativo, reduzindo o raio de ação da Câmara e do Senado, é possível que estas Casas contrariem essa lógica e sejam responsáveis por inputs no processo de produção de políticas públicas, como no caso da desinformação. Os problemas públicos são escolhas realizadas por agentes políticos em relação às diversas questões que circulam pela arena pública. Por conta de os representantes eleitos serem alvo constante de notícias descontextualizadas ou falsas na web, a desinformação passa a ser privilegiada na agenda do Senado. No entanto, quando o legislativo prioriza determinados temas, acaba ignorando outros, talvez mais relevantes no que se refere ao número de afetados pelo problema social ou pela necessidade de urgência

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na resolução do mesmo. No artigo, verifica-se, então, a evidente tentativa do Senado em estabelecer a propagação de fake news na agenda pública, conferindo visibilidade à questão, ao enquadrar como demanda social a ser respondida pelo Estado.

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Transparência pública em proposições legislativas: um estudo exploratório das matérias apresentadas na Câmara dos Deputados em 2018 Andressa Butture Kniess1 Universidade Federal do Paraná

Resumo: Este artigo faz parte de um projeto de tese que propõe estudar todas as proposições legislativas sobre transparência pública digital apresentadas no Congresso Nacional, entre 2000 e 2020. A intenção aqui é iniciar a exploração do corpus e a criação de variáveis de análise através de um estudo exploratório das propostas apresentadas na Câmara dos Deputados em 2018. O corpus é formado por 72 proposições que foram submetidas à Análise de Conteúdo. Os resultados indicam que pouco mais da metade das propostas não tem a transparência como tema central e apenas a mencionam como um de seus pontos. Dentre os 33 projetos que tratam efetivamente do tema, a maior parte menciona que os dados devem ser divulgados em plataformas digitais, mas garante apenas a disponibilização de informações e não se preocupa com a acessibilidade e a capacidade de compreensão dos cidadãos. Palavras-chave: Transparência Pública; Transparência Pública Digital; Proposições Legislativas; Câmara dos Deputados; Brasil.

1. Introdução A partir de 1990, a transparência passou a ser garantida em diversos países do mundo através das leis de acesso à informação (MICHENER, 2011). E, desde então, estudiosos da área tem se preocupado em analisar a qualidade e a força dessas leis (BANISAR, 2006; ACKERMAN, SANDOVAL-BALLESTEROS, 2006; MICHENER, 2015). Entretanto, ainda não há pesquisas sobre os projetos de lei que tratam de transparência e que ainda estão tramitando em casas legislativas. No sentido de reduzir essa lacuna, este trabalho faz um estudo exploratório dos projetos de lei que tratam de transparência pública e que foram apresentados na Câmara dos Deputados em 2018. Para isso, buscou-se por proposições que citavam as palavraschave “transparência”, “publicidade” ou “acesso à informação”. O Portal da Câmara dos Deputados revelou 216 matérias com menção a pelo menos um desses termos. Através da leitura de todas as proposições, foram eliminadas do corpus aquelas que citavam a palavra-chave apenas em sua justificativa (e não na ementa ou na proposta em si); as 1

Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná. Doutoranda em Ciência Política pela mesma instituição. E-mail: andressakniess@gmail.com Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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matérias que se referiam apenas à transparência privada; e as que mesmo citando uma das palavras-chave não tratavam do tema (muitas proposições utilizam o termo “publicidade” para se referir a peças publicitárias e não à abertura de Estado, por exemplo). Foram selecionadas, portanto, 72 proposições legislativas, que foram submetidas a uma Análise de Conteúdo qualitativa através das variáveis: “Tema”, “Menção à internet”, “Grau de transparência” e “Partidos”. O texto segue dividido em quatro partes. Inicialmente, faz-se uma revisão de literatura sobre transparência pública. Em seguida, são explicados os pormenores da coleta e da análise dos dados. A terceira seção apresenta os resultados encontrados. E, por fim, faz-se as discussões finais do trabalho.

2. Seção teórica Ainda no século XVIII, e utilizando o conceito de publicidade, Bentham (2011) e Kant (2008) já discutiam a ideia de governos translúcidos. Mas foi somente a partir do século XX que a transparência ganhou expansão e aprofundamento na literatura (MARQUES, 2016) e há apenas três décadas que essa dimensão democrática passou a ser garantida em países do mundo todo através das leis de acesso à informação (MICHENER, 2011). As discussões sobre o conceito demonstram a complexidade que envolve o tema. Enquanto Fung (2013) indica diferentes tipos de transparência (informação por demanda, governo aberto e transparência direcionada), Heald (2006) afirma que ela também pode ocorrer em dimensões distintas. Destaca-se que a literatura da área também tem enfatizado que a transparência não se restringe à simples disponibilização de dados. De acordo com Fung (2013), as organizações devem fornecer informações na mesma proporção em que afetam a vida dos cidadãos, os dados devem ser compreensíveis e os cidadãos devem possuir mecanismos de sansão sobre as organizações públicas e os agentes do poder. Silva (2016), por sua vez, afirma que transparência deve obedecer aos princípios da previsibilidade (regras previamente estabelecidas e divulgadas), publicidade (as ações dos agentes estatais devem ser realizadas com franqueza e honestidade), inteligibilidade (informações compreensíveis) e exigibilidade (o direito ao saber deve ser obrigatório).

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Nos últimos anos, há expectativas de que as tecnologias digitais contribuam para o aperfeiçoamento da transparência pública (MARQUES, 2016). Inclusive, julga-se que todos os requisitos à transparência apontados acima só podem ocorrer em sociedades de massa com a utilização da internet. Almada (2016) enumera as vantagens da transparência digital: 1) aceitação e expansão das Leis de Acesso à Informação; 2) a mediação digital permite que governos armazenem e disseminem informações de forma mais fácil. 3) promove insumos para a deliberação pública; 4) aumenta o interesse e o envolvimento dos cidadãos em questões políticas; 5) aumenta a eficiência estatal; 6) fortalece a atividade jornalística; 7) facilita a pressão dos cidadãos sobre os governantes; 8) fortalece a accountability; 9) aumenta a legitimidade dos governos; 10) aumenta a confiança dos cidadãos no sistema político; e 11) contribui com o combate à corrupção. Entretanto, apesar da certeza de que a transparência é inerente à democracia (BOBBIO, 1997) e de todas as vantagens que as plataformas digitais trazem a essa dimensão democrática, a literatura faz diversas ponderações acerca do tema. Para Moore (2018), as políticas de transparência não se preocupam com a acessibilidade e a capacidade de compreensão dos cidadãos. Da mesma forma, Ananny e Crawford (2018) atentam para o caráter técnico de algumas informações e, além disso, julgam que, se não for bem sucedida, a transparência pode aumentar o cinismo e a desconfiança dos cidadãos diante de instituições de governo e de Estado. Considera-se que uma das formas de amenizar o problema da inferabilidade dos dados (ANGÉLICO, 2016) é justamente a utilização de plataformas digitais. Através de redes sociais digitais, por exemplo, instituições ou agentes de Estado podem levar informações públicas aos cidadãos de forma mais palatável (KNIESS, 2019). Além disso, é fundamental que as leis e as políticas de transparência vão além da disponibilização de dados e garantam também ampla acessibilidade, inteligibilidade e mecanismos de participação. No que tange às legislações sobre transparência, alguns autores têm se dedicado a análise de leis de acesso à informação. Ackerman e Sandoval-Ballesteros (2006) indicam quatro categorias para medir a variação e a qualidade dessas leis: 1) cobertura, o ideal é que todas as instituições que recebem dinheiro público estejam submetidas à lei; 2) exceções, os casos de sigilo precisam ser bem claros a fim de evitar que autoridades

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retenham informações a seu critério; 3) fiscalização, o ideal é que exista um órgão público responsável por garantir o cumprimento da lei de acesso à informação; e 4) facilidade de acesso. Michener (2015), por sua vez, estuda a força e a aplicabilidade das leis de acesso à informação dos países da América. O caso brasileiro é bem avaliado por Michener (2015), uma vez que a lei tem alta pontuação no índice da Global Right to Information Rating2, existe uma plataforma online que permite que os cidadãos façam suas solicitações e acompanhem seus pedidos de acesso à informação 3 e a taxa de resposta é de 92%. A forma como os cidadãos usufruem das leis de acesso à informação também é objeto de investigação. Berliner, Bagozzi e Palmer-Rubin (2018) estudam mais de um milhão de pedidos enviados a agências federais do México para verificar quais são os assuntos dessas solicitações e se eles estão relacionados ao interesse geral da população ou a objetivos privados. A conclusão a que chegam é que elas são bastante diversas, pouco mais da metade tem alto ou médio/alto potencial para a accountability. No trabalho de Meijer, Hart e Worthy (2018), a preocupação não é sobre o assunto, mas sobre quem faz os pedidos de acesso à informação. Os autores demonstram que, no caso do Reino Unido, poucos cidadãos o fazem. As informações são levadas ao público por intermediários, como jornalistas, por exemplo. Como se vê, nos últimos anos a literatura tem se preocupado em avaliar as leis que regulam a transparência pública. Entretanto, não há estudos sobre o que os parlamentos ainda estão propondo sobre o tema.

3. Técnicas de coleta e análise dos dados Para fazer a coleta das proposições legislativas, fez-se uma busca no Portal da Câmara dos Deputados pelas palavras-chave “transparência”, “publicidade” e “acesso à informação”. Foram consideradas Propostas de Emenda à Constituição, Projetos de Lei Complementar, Projetos de Lei e Medidas Provisórias. A busca revelou 216 matérias com menção a pelo menos um dos termos. Através da leitura de todas as proposições, foram eliminadas do corpus aquelas que citavam a palavra-chave apenas em sua justifi-

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Ver em: https://www.rti-rating.org/country-detail/?country=Brazil. Acesso em 30 jun. 2019. Ver em: http://www.acessoainformacao.gov.br/. Acesso em 26 jun. 2019. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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cativa (e não na ementa ou na proposta em si); as matérias que se referiam apenas à transparência privada; e as que mesmo citando uma das palavras-chave no texto da proposta não tratavam do tema (muitas proposições utilizam o termo “publicidade” para se referir a peças publicitárias e não à abertura de Estado, por exemplo). Foram selecionadas, portanto, 72 proposições legislativas. As 72 proposições foram submetidas à Análise de Conteúdo (BARDIN, 1978). O livro de códigos é composto pelas variáveis: “Tema”, “Menção à internet”, “Grau de transparência” e “Partido”, que são apresentadas no quadro abaixo.

Quadro 1 - Variáveis Tema Menção à internet

Grau de transparência Partido

Identifica qual é o assunto predominante da proposição legislativa. Variável dummy que indica se a proposição menciona ou não plataformas digitais. Variável dummy que indica se a proposição trata apenas a disponibilização de dados ou se também destaca a necessidade de clareza nas informações e/ou a relação entre transparência pública e participação política de cidadãos. Identifica o partido do autor da proposição legislativa.

Os resultados são apresentados abaixo através de estatísticas descritivas e, além disso, são expostos alguns exemplos das proposições legislativas estudadas.

4. Apresentação dos resultados O Gráfico 1 apresenta o tema das 72 proposições legislativas analisadas. Nota-se que apesar de todas mencionarem pelo menos uma das palavras-chave, apenas 33 tinham como tema central a transparência. As demais tratavam de outros assuntos e apenas a mencionavam como um de seus pontos. A título de exemplo, o Projeto de Lei n° 9762/2018 (classificado no tema “Justiça e segurança pública) determina a implementação de um programa de prevenção à violência através de um comitê interfederativo. Ou, seja, a transparência não é o foco da proposição, mas mesmo assim ela é considerada na matéria.

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Gráfico 1 – Tema das proposições legislativas

Fonte: A autora (2019) Nota-se também que três projetos não têm como foco a transparência, mas outra dimensão democrática: a participação política de cidadãos. O PL 10470/2018 sugere que aberturas de capital social, privatizações e extinção de empresas públicas são operações que devem ser submetidas à consulta pública (através de plebiscitos), antes de efetivadas. O PL 11116/2018 institui a criação de um programa de incentivo a relatos de cidadãos que suspeitam de irregularidades na administração pública. E o PL 11115/2018 altera a Lei n° 4717/65, que regula a ação popular. E mesmo não tendo a transparência como tema central, os três projetos mencionam essa dimensão democrática. Vale destacar também os dois projetos classificados nos temas “Combate à corrupção” e “Exclusão digital”. O primeiro (PL 11125/2018) propõe um programa de prevenção à corrupção em gestões municipais, no qual municípios se voluntariam para que sejam classificados de acordo com alguns quesitos que contribuem com o combate à corrupção, entre eles as transparências ativa e passiva. E o PL 10730/2018 trata da expansão do acesso à internet no Brasil e determina que:

[...] XIV - desenvolvimento de políticas de tecnologias de informação e comunicação que expandam o acesso, orientadas por princípios de governança que garantam abertura, transparência, fiscalização social, multilinguismo, inclusão, igualdade de gênero e participação civil, incluindo jovens, pessoas com deficiência e grupos marginalizados e vulneráveis. [...] (PL 10730/2018, disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao =2183026).

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No caso dos 33 projetos que tem como tema central a transparência, oito deles dispõe sobre a prestação de contas na área da saúde. A obrigatoriedade da divulgação de listas de espera no SUS é objeto dos projetos 11018/2018, 11011/2018, 11012/2018, 10106/2018 e 9586/2018. Os três primeiros são do mesmo autor, o deputado Carlos Henrique Gaguim, do DEM. Há também dois projetos que se sobrepõe ao tratarem da obrigatoriedade da divulgação dos valores arrecadados através de multas de trânsito, bem como sua aplicação – PL 10057/2018 e PL 9769/2018. Cinco projetos que têm como tema principal a transparência propõem alterações na LAI. Os exemplos abaixo propõem pequenas alterações:

Art. 2º. A Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, passa a vigorar acrescida do seguinte dispositivo: “Art. 19. § 5º. Nas hipóteses que envolvam pessoas públicas, sobretudo aquelas que atuam na seara política, a liberdade de expressão deve prevalecer sobre o direito ao esquecimento, em face do direito à informação assegurada pelo artigo 220, § 1º, da Constituição Federal. (PL 10087/2018, disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao =2172751). [...] Art 45-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão obedecer a uma norma única de padronização de suas publicações oficiais, estabelecida por órgão federal responsável, na forma do regulamento. [...] (PL 10481/2018, disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao =2180078).

Em contrapartida os projetos 9865/2018, 11092/2018, 11117/2018 propõe alterações em diversos pontos da Lei de Acesso à Informação. Destaca-se também o PL 11118/2018, que institui uma política nacional de dados abertos. Além de dispor sobre a garantia de acesso irrestrito a bases de dados em formato aberto, a proposta institui a criação de laboratórios de inovação:

[...] Art. 6º Os entes públicos deverão instituir Laboratórios de Inovação, espaços abertos à participação e à colaboração da sociedade para o desenvolvimento de ideias, ferramentas e métodos inovadores para a gestão pública, a prestação de serviços públicos e o empoderamento do cidadão para o exercício do controle sobre a administração pública. [...] (PL 11118/2018, disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao =2188211).

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O Gráfico 2 apresenta o número de propostas que menciona a utilização da internet para o cumprimento da transparência. No caso dos projetos que têm como tema central essa dimensão democrática, apenas oito dos 33 (24,2%) não apontam que a transparência deve ocorrer através de plataformas digitais. Em contrapartida, mais da metade dos projetos classificados em outros temas não mencionam a internet quando tratam de transparência – das 39 propostas, 21 (53,8%) não o fazem. Dentre os 43 projetos que mencionam a internet, apenas oito não especificam qual plataforma deve ser utilizada para o cumprimento da transparência. Os demais indicam que ela deve ocorrer em sites oficiais e/ou nos Portais de Transparência (da União, de estados e municípios). Nove projetos também destacam que as informações devem ser garantidas em formato aberto. Gráfico 2 – Menção à internet nas proposições legislativas

Fonte: A autora (2019) O Gráfico 3, por sua vez, apresenta qual é o grau da transparência proposta pelos projetos. Ou seja, eles são divididos entre aqueles que apenas garantem a disponibilização de dados e os que vão além, destacando a necessidade de linguagem clara e de fácil compreensão e/ou a relação entre transparência e participação política dos cidadãos. Nota-se que mesmo que os projetos que têm a transparência como tema central destaquem a clareza das informações e/ou a relação entre transparência e participação

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com maior frequência, nos dois casos, a maioria das propostas se restringem apenas à disponibilização de dados. Dos projetos que vão além da garantia de disponibilização de dados, cinco destacam que a linguagem das informações deve ser clara aos cidadãos, dez relacionam transparência e participação política e dois fazem as duas coisas. Esses dois últimos são de autoria do deputado Jaime Martins, do PROS. O PL 11117/2018 propõe mudanças na LAI e a criação de um Instituto Nacional de Acesso à Informação. E o PL 11121/2018 dispõe sobre a transparência e a participação da sociedade no processo legislativo.

[...] Art. 24. Às Comissões Permanentes, em razão da matéria de sua competência, e às demais Comissões, no que lhes for aplicável, cabe: [...] XIV – solicitar audiência ou colaboração de órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional, e da sociedade civil, para elucidação de matéria sujeita a seu pronunciamento, não implicando a diligência dilação dos prazos e garantida a ampla transparência e a participação social. (NR) [...] § 2º Toda proposição deverá ser redigida com clareza, em termos explícitos e concisos, e inserida em sistema digital da Câmara dos Deputados em formato de dados abertos. (NR) [...] (PL 11121/2018, disponível em https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao =2188214).

Gráfico 3 – Grau da transparência das proposições legislativas

Fonte: A autora (2019) O Gráfico 4 apresenta os partidos dos autores das 33 propostas classificadas no tema “Transparência”. Destaca-se que os partidos não se restringem a apenas um espectro ideológico e que DEM, PROS e PSOL se destacam porque um mesmo deputado desses partidos apresentou vários projetos. Carlos Henrique Gaguim (DEM-TO) e Jaime

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Martins (PROS-MG) apresentaram seis projetos cada. E Ivan Valente (PSOL-SP) apresentou três. Gráfico 4 – Partidos dos autores das proposições legislativas que têm a transparência como tema central

Fonte: A autora (2019) A seguir, faz-se uma discussão dos resultados aqui apresentados.

5. Discussões finais Este estudo exploratório demonstra que os parlamentares brasileiros estão apresentando matérias que tratam de transparência pública. Portanto, esse é um objeto que deve ser considerado pelas pesquisas da área. Destaca-se que, em 2018, pouco menos da metade das proposições não apenas mencionavam transparência, mas a tinham como tema central. E mesmo que algumas tratem de temas muito semelhantes, há matérias de grande relevância, uma vez que propõem alterações na Lei de Acesso à Informação e a expansão da política de dados abertos, por exemplo. No que tange às plataformas digitais, é preocupante que algumas matérias não destaquem a utilização da internet no cumprimento da transparência. Sem a garantia de transparência digital não há como assegurar acessibilidade, inteligibilidade e mecanismos de participação (FUNG, 2013; SILVA, 2016) em larga escala. Além disso, nota-se que quando a internet é mencionada, ela fica restrita a sites oficiais.

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Os resultados da variável “Grau de transparência”, por sua vez, corroboram a preocupação de que as políticas de transparência não se preocupam com a acessibilidade e a capacidade de compreensão dos cidadãos (MOORE, 2018; ANANNY, CRAWFORD, 2018), uma vez que a maior parte das matérias está garantindo apenas que os dados sejam disponibilizados, não importando como. Outro resultado que confirma achados anteriores da literatura é a não limitação de partidos de apenas um espectro ideológico na autoria das matérias. Ao estudarem governos locais na Itália e Espanha, Guillamón, et al. (2016) concluem que governos de esquerda e direita divulgam uma quantidade semelhante de informações em redes sociais. E no caso das proposições legislativas aqui estudadas, os autores pertencem a partidos dos mais diversos posicionamentos. Há representantes da direita, como o DEM e o PSDB, do centro, como o PDT, e da esquerda, como o PT e o PSOL (MACIEL, ALARCON, GIMENES, 2017). Sendo um estudo exploratório, ou seja, um primeiro contato com esse tipo de corpus, o trabalho possui limitações. Em futuras pesquisas, outras palavras-chave devem ser consideradas, como “prestação de contas” e “accountability”, por exemplo. Uma pergunta a ser respondida é se havia a mesma quantidade de matérias sobre transparência antes da aprovação da LAI ou se há, nos últimos anos, um boom de proposições sobre o tema.

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O protagonismo do poder judiciário promovido pela Mídia com a divulgação das notícias das ações de combate à corrupção da Operação Lava Jato, e as consequências para o processo democrático brasileiro Mirela Maganini Ferreira1 Universidade Federal do Paraná

Resumo: O poder judiciário assumiu o papel de protagonista do processo democrático brasileiro durante as investigações de combate à corrupção, realizadas pela Operação Lava Jato. A mídia atua na cobertura dessas ações desde 2014, acentuando o processo de criminalização da esquerda brasileira, principalmente dos integrantes e membros do Governo do Partido dos Trabalhadores. A interferência do judiciário na política apresentou reflexos sobre o processo de afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016, e também sobre a condenação e a prisão do ex-presidente Lula, que não pôde disputar as eleições de 2018, quando liderava as pesquisas de intenção de voto para a presidência. A interferência do poder judiciário na política brasileira gerou também um clima tenso entre os 3 poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, travam disputas para deter o poder das principais decisões na atual democracia brasileira. Palavras-chave: poder judiciário, Operação Lava Jato, criminalização da esquerda, con-

flito entre os poderes, instabilidade democrática.

1. Introdução A organização jurídica das manifestações do Poder na democracia brasileira está contida no princípio da divisão dos poderes, um princípio geral do Direito Constitucional, previsto no artigo 2º da Constituição Federal de 1988, que define como poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário adotados no sistema presidencialista de governo. O quadro institucional brasileiro contemporâneo é marcado por tensões, por conflitos políticos e ideológicos entre os 3 poderes, que travam disputas internas e externas para assumir o protagonismo das decisões na democracia do país. Com o início da Operação Lava Jato em 2014, o poder judiciário alcançou um papel de destaque no “palco” do cenário democrático brasileiro, ao realizar as ações de combate à corrupção, num processo que criminalizou a classe política brasileira, principalmente os integrantes e membros dos Governos do Partido dos Trabalhadores, prota-

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Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil. Graduada em Comunicação Social pela Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho, com especialização em Comunicação Audiovisual, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. E-mail: mimaganini@hotmail.com Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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gonismo esse reforçado pela ampla divulgação das notícias dessa operação em âmbito nacional e internacional. O sociólogo Leonardo Avritzer discute em suas pesquisas a necessidade do Brasil impor limites constitucionais a ação do poder judiciário e dos órgãos policiais. O autor considera que a “judicialização” da política no país precisa ser minimizada de modo a resguardar as garantias processuais e os direitos individuais dos acusados. Nas sociedades capitalistas os meios de comunicação são propriedade de empresas privadas, grandes conglomerados de comunicação que produzem e veiculam a mercadoria cultural para o público. Nesse contexto as notícias que são elaboradas e veiculadas pela mídia são controladas pelos grupos proprietários desses meios, seja através do controle econômico ou político. Essas mensagens são trabalhadas com o propósito de difundir os valores políticos e econômicos dominantes na sociedade, e também atuam com o intuito de reforçar as normas sociais e os padrões de conduta que as pessoas deverão seguir (BELLONI, GARBAYO, SCAVONE, 1975, p.20). Para o professor de sociologia Jonh Thompson as transformações geradas pelo desenvolvimento das novas tecnologias digitais minimizaram os efeitos da influência dos meios de comunicação de massa, sobre o conteúdo produzido e as formas de recepção das mensagens. No âmbito da política atual o “processo de interação mediado online”, com as novas ferramentas digitais de comunicação proporcionou a reconstrução do próprio “campo político”, que passa a ser marcado por uma certa fragilidade e por conflitos e tensões no ambiente democrático brasileiro, notadamente nos Sites de Redes Sociais. Thompson destaca em seu trabalho de pesquisa o surgimento dos “informantes digitais”, que promovem o vazamento de informações com o propósito de revelar fatos e acontecimentos que ocorreram em ambientes privados, que envolvem instituições e pessoas públicas, e que atingiram recentemente integrantes da Força-tarefa da Lava Jato aqui no país. O autor destaca que esses grupos defendem que a sociedade tem o direito de ter acesso a todo o contexto das informações, para compreender quais são os reais interesses dos indivíduos que estão envolvidos nos fatos. Este artigo pretende analisar os principais aspectos dessas proposições apresentadas, a partir de pesquisas bibliográficas que irão estabelecer as implicações dessas temáticas e a correlação entre elas, para compreender quais são as consequências desse processo para acentuar a instabilidade da democracia brasileira.

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2. A divisão de poderes no sistema presidencialista Para José Afonso da Silva o princípio da separação dos poderes é constituído por dois elementos, a especialização funcional que determina que cada órgão ou poder é dotado de especialidade no exercício de uma determinada função, atuando com independência orgânica, funcional e orçamentária, sem nenhum tipo de hierarquia entre eles, que implique em subordinação de um poder sobre o outro. Esse princípio da separação dos poderes foi proposta numa doutrina por Aristóteles, por John Locke e Rousseau, que foi construída e difundida pelo filósofo e teórico político francês, Chareles- Louis de Secondat, o Barão de Montesquieu (1687-1755), que definiu de maneira mais clara e precisa os poderes executivo, o legislativo e o judiciário com base nas informações da constituição inglesa. Montesquieu descontente e inconformado com o governo absolutista de Luís XIV, reconheceu a necessidade de implantar mudanças institucionais que possibilitassem a implantação de um “regime representativo” com liberdade e que diminuísse os “privilégios e a corrupção” do regime. Para Montesquieu a questão da divisão dos poderes era condição essencial para a manutenção da liberdade, que só poderia ser conhecida na sua essência quando houvesse a separação e o equilíbrio institucionalizados entre os 3 poderes, que seriam órgãos diferentes, cada qual dotado de uma competência legal distinta do outro, estabelecido a partir de um “sistema de barreiras e equilíbrio” (HELD, p. 52, 1987). Essa doutrina da separação e divisão dos poderes foi positivada nas Constituições das ex-colônias inglesas da América, e foi efetivada em definitivo na Constituição dos Estados Unidos, em 1787. Na Revolução Francesa tornou-se um “dogma constitucional”, no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, ao declarar que a sociedade que não garantisse a separação dos poderes não possuiria uma constituição, pois esta separação seria fundamental para a efetivação e garantia dos Direitos do Homem. Silva, (2013, p. 111), esclarece que o princípio da divisão dos poderes ganhou uma nova perspectiva a partir do aumento da demanda das atividades do Estado atualmente, a doutrina contemporânea coloca a “colaboração de poderes”, própria do Parlamentarismo, onde o governo precisa da confiança do parlamento para exercer sua função, e a independência orgânica e harmonia dos poderes no presidencialismo, para pontuar as novas formas de relacionamento entre os poderes, onde deverá triunfar a

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harmonia entre os poderes, a partir do sistema de freios e contrapesos. O papel do Executivo, do Legislativo e do Judiciário será efetivo se durante a atuação desses órgãos houver respeito as “prerrogativas” que cada órgão tem direito, no entanto, a independência e a divisão das funções que cada órgão do poder possui não são absolutas, há manifestações e interferências que visam efetivar o sistema de freios e contrapesos, com o propósito de buscar o equilíbrio para evitar que um poder possa impor sua autoridade e sua força sobre os demais poderes e sobre a sociedade como um todo. O princípio da harmonia é fundamental para que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, possam atuar em benefício da sociedade, com respeito as atribuições e funções que cada um possui, assim consequentemente haverá um controle mútuo para acabar com “arbítrio e desmandos” entre os poderes e contra a própria sociedade. (SILVA, p.112, 2013).

3. A imprensa e o processo de criminalização da política brasileira Para Afonso Albuquerque a atuação política da imprensa possui um caráter “corrosivo e destruidor”, que atingiu a democracia brasileira durante os Governos do Partido dos Trabalhadores. Para o autor os pesquisadores da área da Comunicação Política negligenciaram a realização de pesquisas e trabalhos para analisar qual foi o impacto e o papel da imprensa, na construção da democracia brasileira contemporânea, quando questionam a legitimidade de governos que foram eleitos pelo voto direto, democraticamente representando o Partido dos Trabalhadores. Para Albuquerque os meios de comunicação tiveram participação fundamental no “processo de desestabilização” da política e da democracia no país, um processo que segundo o autor começou em 2005, com as denúncias do mensalão, no primeiro governo do ex- presidente Lula, que foi acusado de comprar o apoio dos deputados para montar uma base de apoio ao governo do PT na Câmara Federal. O caso foi julgado em 2012, e vários deputados foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal. O processo de desgaste que colocou em xeque a legitimidade do Governo Federal, da ex-presidente Dilma Rousseff, acentuou-se em 2014, com as denúncias da Operação Lava Jato, a partir das investigações da Polícia Federal de Curitiba, que apuram fraudes e desvios de recursos públicos na Petrobrás e outros órgãos públicos federais, que resultaram em prisões e condenações, entre as quais a do ex-presidente Lula, de donos de empreiteiras, de parlamentares como o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Edu-

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ardo Cunha que comandou o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, além de outros deputados, governadores e operadores financeiros envolvidos nos esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro. Para o autor a imprensa abalou a democracia brasileira ao amplificar as ações do judiciário na mídia, a grande divulgação das operações nos meios de comunicação reforçaram a concepção que os crimes de corrupção no país estariam associados aos integrantes do Governo Federal, do Partido dos Trabalhadores, premissa essa que acabou com a legitimidade do Governo de Dilma Rousseff, do PT, e de certa forma serviu como justificativa para o processo de impeachment da ex-presidente, afastada em agosto de 2016. O trabalho realizado pelos pesquisadores, (PRUDENCIO, RIZZOTTO E SAMPAIO, 2018, p.14), analisou a cobertura jornalística do impeachment de Dilma Rousseff, com foco em 2.202 notícias, divulgadas pelos jornais O Globo, Folha de São Paulo e o Estado de São Paulo, no período de dezembro de 2015 a agosto de 2016, utilizando a metodologia de pesquisa baseada no enquadramento multimodal, método mais amplo que estuda e analisa o enfoque da narrativa, o texto e a parte visual das notícias. O trabalho concluiu que as notícias defendiam de forma “implícita” um posicionamento favorável ao impeachment, pois trataram o impeachment como “normal” e legítimo dentro do processo democrático, sem questionar o caráter político do impeachment que apontava para um golpe parlamentar. (PRUDENCIO, RIZZOTTO E SAMPAIO, 2018, p.32). É dentro desse contexto apresentado pelos pesquisadores da Universidade Federal do Paraná, que Afonso Albuquerque destaca que parte da imprensa brasileira trabalhou para legitimar a intervenção do judiciário na política brasileira, para “viabilizar o golpe de 2016”, com o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Para Albuquerque os pesquisadores da Comunicação Política deveriam direcionar seus trabalhos e pesquisas para analisar qual a função e o papel que os meios de comunicação têm desempenhado na democracia brasileira. Ele defende que seria necessário a criação de um órgão regulamentador da mídia no país para fiscalizar a atuação da imprensa, já que atende a interesses de poucas famílias, donas desses meios de comunicação, que detém grande poder econômico e político, e afastam a mídia de seu “papel construtivo com relação a democracia”. Para o pesquisador da área de Comunicação e Política, Mauro Porto, a produção desse conteúdo midiático visa construir uma realidade social para atender os interesses

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econômicos e políticos dos grupos de comunicação, e nesse processo de construção político e ideológico do discurso, os enquadramentos dados as notícias ganham relevância, já que são considerados importantes instrumentos de poder. Os meios de comunicação de massa são “organizações” com prioridades e objetivos particulares, e dessa forma os jornalistas não são imparciais e nem possuem neutralidade na produção do conteúdo jornalístico, eles têm posicionamentos e constroem a estrutura da comunicação mediada para atender os interesses, e as prioridades das empresas de comunicação onde trabalham (THOMPSON, 2018, p.73). O professor de sociologia Jonh Thompson considera que o desenvolvimento das tecnologias digitais e o crescimento de outras formas de comunicação em rede e da internet, com a difusão dos sites de redes sociais proporcionaram novas formas de “ação e interação”, nas relações sociais do cotidiano e na área da comunicação, que diminuíram significativamente o impacto e a influência do que é produzido e divulgado atualmente pelos meios de comunicação tradicionais, num processo denominado pelo autor de interação mediada on-line. Ele concluiu que a “unidirecionalidade” foi substituída pela “multidirecionalidade”, com o surgimento de outros indivíduos na rede de poder, que constroem as mensagens com o uso de novas tecnologias digitais, e assim determinam novos fluxos comunicacionais de maneira bem particular, sem o controle da mídia tradicional. Com o avanço tecnológico e das mídias digitais qualquer indivíduo pode produzir conteúdo, e realizar transmissões online de qualquer fato político, com o risco de revelar e divulgar qualquer ação realizada no passado, ou restrita antes apenas a ambientes privados para milhões de pessoas, desconstruindo assim a imagem de líderes políticos, criando uma espécie de fragilidade para a “esfera política” (TOMPSON, p.39, 2018) e também para as instituições. O vazamento de documentos, conversas e imagens restritas aos bastidores da política tornaram-se recorrentes no campo mediado da política atual, com o surgimento dos “informantes digitais”, como o Julian Assange, Edward Snowden e Chelsea Mannig, que tem o propósito de divulgar informações que mostram e revelam os bastidores dos fatos, confrontam a intimidade de pessoas públicas e o interesse público para justificar a divulgação das denúncias (THOMPSON, 2018, p.41). No Brasil o caso mais recente de escândalo envolvendo informantes digitais tem como vítimas principais, os integrantes da Operação Lava Jato. Um suposto hacker reuniu um vasto material sobre as conversas pessoais entre os membros da Força Tarefa, e

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encaminhou para os editores do site The Intercept Brasil, são arquivos de mensagens privadas do Telegran, documentos jurídicos, fotos que revelam os bastidores da Operação Lava Jato e revelam o caráter político-partidário por trás das investigações e dos processos desta operação. Os arquivos revelam as mensagens trocadas entre o ex-juiz federal e atual Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro com o coordenador da Força Tarefa Lava Jato, Deltan Dallagnol, mostram que o ex- magistrado orientava como deveria ser a atuação dos procuradores nos processos, principalmente nas ações penais referentes ao ex-presidente Lula. A troca de mensagens entre os membros da Força Tarefa Lava Jato, também evidenciam que havia no grupo de procuradores uma preocupação com a vitória do PT nas eleições, e por isso o intuito era atuar de forma ágil e certeira no processo, para tirar o ex-presidente Lula da disputa eleitoral de 2018, já que ele liderava todas as pesquisas eleitorais. O processo de Lula teve uma rápida tramitação, o ex-presidente foi denunciado pelos procuradores federais e tornou-se réu na ação penal referente a investigação da propriedade do apartamento Tríplex, no Guarujá, sendo condenado na primeira instância pelo ex-magistrado, Sérgio Moro, atual Ministro da Justiça e Segurança Pública, do governo Bolsonaro, que foi o principal beneficiado pela decisão, com Lula fora da disputa eleitoral ficou fácil para o candidato do PSL vencer as eleições de 2018. O Tribunal Regional Federal da 4ª região, em Porto Alegre, confirmou em tempo recorde a condenação, e determinou a prisão do expresidente, que tornou-se inelegível e não pôde disputar as eleições e nem participar da campanha de Fernando Haddad, candidato do PT no pleito de 2018. 2 No Brasil a tradição das garantias individuais é pequena e foi criada a partir de uma estrutura interna das oligarquias próprias do poder judiciário, assim como toda a formação dos magistrados e o funcionamento da justiça que segue a lógica “intraoligárquica”, que não garante a efetivação dos direitos civis e individuais os cidadãos. Esse poder oligárquico e não democrático não assegura a defesa dos direitos e garantias individuais, e só atua para defender o “pacto das elites”, por isso a necessidade de implementar o “elemento democratizador” no judiciário, para evitar condenações arbitrárias e abuso de poder praticados por membros do judiciário (AVRITZER, 2018).

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THE INTERCEPT BRASIL, Editorial disponível em: https://theintercept.com/2019/06/09/editorialchats-telegram-lava-jato-moro/, Acesso em 24 de jul. de 2019.

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4. A interferência do judiciário no campo da política Para Afonso Albuquerque as ações judiciais da Lava Jato promoveram uma “intervenção radical” na política brasileira, pois atuaram com foco político-partidário para criminalizar os integrantes do Partido dos Trabalhadores e os Governos do PT, através da “intervenção jurídica” no âmbito da representação política brasileira. O autor coloca que ocorreu a “judicialização” da política brasileira, para tirar do poder representantes eleitos democraticamente pelo voto popular, com a justificativa de combater à corrupção que havia se instalado no país. A “judicialização” da política brasileira foi acentuada pelo trabalho de divulgação dos meios de comunicação de massa, que trabalharam as notícias dentro de um contexto de “espetacularização do processo penal”, termo cunhado pelo magistrado Rubens Casara. O professor e magistrado aposentado Rubens Casara analisa em suas pesquisas o como os meios de comunicação de massa trabalham a “espetacularização do processo penal” com o intuito de produzir entretenimento para alcançar maiores índices de audiência, e assim desrespeitam os direitos fundamentais dos acusados. Para Casara no “processo espetacular”, ocorre o fim da construção dialética para resolver o caso, que é dirigido pelo magistrado a partir das declarações das partes, e que encontra seu limite no princípio da legalidade, que passa a ser substituído pela manifestação do juiz, que passa a ter um discurso voltado para atender os propósitos da mídia para conquistar a audiência. Ele considera que os índices de audiência no Brasil possuem uma certa dose de autoritarismo, onde o público absorve e consome as notícias sem nenhum senso crítico e assiste ao show, que é uma representação falsa da realidade, por meio de uma percepção autoritária. Para o autor o julgamento penal passa a ter o roteiro adaptado para adquirir contornos sensacionalistas, onde o caso penal perde seu contexto e passa a ser conduzido numa disputa entre o bem e o mal, onde há “mocinhos e bandidos”, num drama construído para entreter e atrair mais espectadores para o espetáculo, em detrimento do direitos individuais e fundamentais dos réus. No âmbito da política as instituições e os indivíduos que buscam alcançar a visibilidade nos cenários públicos também constroem uma estrutura narrativa, com personagens e “jogos” que irão desenrolar-se num “palco” numa atuação compartilhada com o público que assiste ao espetáculo, com o intuito de alcançar o poder e o destaque na sociedade onde atuam. (WEBER, p.274, 2004, apud GOFFMAN, p.25, 1985). A atuação e

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as representações sociais acontecem num contexto interativo com características individuais, que reúnem condições físicas próprias, montadas numa cena pronta para o desenrolar da ação com “mobílias, adereços e decoração”, que integram o cenário. Cada pessoa tem um comportamento moldado para atuar dentro dessa estrutura, que foi definida por Erving Goffman como “palco ou região central”. A atuação dos indivíduos é realizada no “palco” de acordo com a imagem que eles querem mostrar para a sociedade, e dentro dessa estruturam encarnam personagens para compor a estória que pretendem encenar (THOMPSON, p.25-26, 2018, apud GOFFMAN, 1969:109). A construção das notícias sobre as investigações da Operação Lava Jato seguiram também um roteiro prédefinido, com Sérgio Moro, ex-magistrado que julgava as ações penais da Lava Jato, como protagonista, o Super-Moro, o herói de milhões de brasileiros, que com sua toga e “capa” atuava nos tribunais para prender “todos os políticos corruptos do Brasil”, o expresidente Lula ficou com o papel do vilão desta narrativa, e o povo brasileiro como vítima dos crimes de corrupção, praticados pelos integrantes da esquerda brasileira, notadamente os membros e integrantes dos Governos do Partido dos Trabalhadores. No caso das conversas telefônicas entre o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff, em março de 2016; o ex-juiz federal e atual Ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Sérgio Moro, alegando interesse público, decidiu levantar o sigilo das conversas pessoais telefônicas dos ex-presidentes, “vazadas seletivamente para a imprensa”, e na condução coercitiva do ex-presidente Lula, em agosto de 2016, próximo do dia da votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff

(ALBUQUERQUE, 2018,

p.178), demonstraram que a atuação do ex-magistrado federal não buscava apenas alcançar altos índices de audiência na mídia, havia também interesses político-partidários, com o intuito de interferir no resultado da votação do processo de impeachment da expresidente Dilma Rousseff.

5. As disputas institucionais pelo poder A estrutura do judiciário brasileiro foi construída com base nos interesses das elites desde o período do Império, não há um sistema democrático com a participação do povo para eleger seus membros, eles não são eleitos pela vontade popular, assim há uma estrutura oligárquica de famílias que são eleitas dentro de uma estrutura de poder social. A tradição liberal não conseguiu “alinhar” o poder judiciário na estrutura de di-

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visão dos poderes, o que provocou instabilidade e disputas dentro das instituições, os conflitos entre membros do executivo, do legislativo e do judiciário acentuaram-se no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (AVRITZER, 2018). O conflito entre o Judiciário e o Congresso Nacional, acentuou-se pelo protagonismo do judiciário, com a Operação Lava Jato, que passou a investigar casos de corrupção envolvendo membros do legislativo brasileiro. A aprovação do projeto de Lei contra o Abuso de Autoridades no Congresso Nacional deixa claro que o legislativo contra-atacou para controlar a atuação e o protagonismo das decisões do poder judiciário. Entidades de classe e Associações de magistrados e procuradores de justiça manifestaram-se contra a criminalização do abuso de autoridade, com punições para policiais, para juízes e promotores no caso de desrespeito às garantias individuais e aos Direitos Fundamentais, durante as investigações e ao longo do curso dos processos. Para esses órgãos de classe a criminalização da conduta de membros do judiciário e do ministério público vai comprometer a independência e a autonomia do trabalho desempenhado por eles, além de trazer constrangimentos à liberdade de julgar dos magistrados, ameaçadas pelo receio de punições e represálias políticas e econômicas. 3 O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, defende publicamente que o presidente Jair Bolsonaro vete alguns pontos desse projeto de lei, para que a atuação de juízes, procuradores e policiais não seja prejudicada. Outra crise institucional pode instalar-se entre os poderes, Executivo e Legislativo, caso o presidente Jair Bolsonaro vete alguns pontos do projeto de lei contra o abuso de autoridade, os deputados alegam que há risco de tirar a configuração original do projeto, e que o único ponto que deveria ser vetado do projeto original seria o do uso de algemas, já que há uma súmula do Supremo sobre o tema. Cabe agora ao presidente Jair Bolsonaro ponderar as pressões das associações dos magistrados, liderados pelo ex-juiz e atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro, dos membros do Ministério Público, do poder judiciário e do Congresso Nacional, antes de analisar os pontos que serão vetados no projeto, e que devem gerar o menor desgaste para o seu governo. 4

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WETERMAN, Daniel, ONOFRE Renato. Com Moro sob desgaste, Senado aprova lei de abuso. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,senado-aprova-projeto-prevendo-punicao-aabuso-de-autoridade,70002890180, Acesso dia 29 de jun. de 2019. 4

ALMEIDA, Amanda; GOÉS, Bruno. Possível veto de Bolsonaro ao projeto de abuso de autoridade pode criar nova crise com o Congresso disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/possivel-vetoPrograma de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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6. Conclusão A crise entre os poderes da república reflete a fragilidade do processo democrático brasileiro atual, que gera incertezas e um clima de insegurança que toma conta de toda a sociedade. O trabalho de cooperação entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário em prol da sociedade brasileira cedeu lugar aos conflitos institucionais, na disputa pelo poder das decisões que serão mais benéficas e convenientes a cada um desses poderes. O protagonismo do poder judiciário gerou reações do legislativo, que aprovou recentemente a lei contra o abuso de autoridades, que foi aprovada a princípio para garantir e proteger os direitos constitucionais dos acusados durante as investigações e o processo judicial, com o intuito de evitar abusos e arbítrios da polícia e de membros do Ministério Público e do Poder Judiciário. As condenações da Lava Jato, com base na premissa de que ninguém está acima da lei no Brasil, demonstraram no caso da condenação do ex-presidente Lula, que a aplicação da lei é sempre mais dura e mais severa para condenar apenas aqueles que foram eleitos como os “inimigos” do sistema democrático brasileiro. A importância de aprovar uma lei contra o abuso das autoridades é fundamental para conter a sanha punitivista, e resguardar os direitos individuais e fundamentais dos investigados, não só os do ex-presidente Lula, mas os direitos de todos os cidadãos brasileiros. É importante destacar que alguns pontos dessa lei poderão ser vetados pelo presidente Bolsonaro para não comprometer e nem cercear o trabalho de juízes, promotores e procuradores, caso que merece uma análise mais aprofundada numa outra pesquisa, para estudar se legislativo pretendeu dificultar e barrar a atuação do judiciário, numa represália as investigações e condenações contra os políticos pelos crimes de corrupção, no âmbito da Operação Lava Jato, ou se esta lei foi criada com o propósito e o intuito de garantir os direitos individuais e fundamentais do cidadão comum durante as investigações e o trâmite do processo criminal.

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A tolerância política quanto a elegibilidade de homossexuais na américa latina e a influência das religiões Naiara Sandi de Almeida Alcantara1 Universidade Federal do Paraná (UFPR) Ednaldo Aparecido Ribeiro 2 Universidade Estadual de Maringá (UEM)

Resumo: Esse texto trata-se de um projeto para a tese de doutoramento que possui como objeto a Intolerância política na América Latina, especificamente em relação aos homossexuais, e o efeito da religião sobre a sua manifestação. Pretende-se utilizar toda à série histórica do banco de dados do Latin American Public Opinion Project (LAPOP), fazendo uso da técnica de Regressão Multinível, para avaliar simultaneamente os efeitos da religiosidade individual e nacional em 19 países da América Latina que tiveram questionários do AmericanBarometer aplicados. Parte-se das hipóteses: i) a escolha religiosa pode gerar indivíduos conservadores que negam direitos políticos aos homossexuais; ii) a assiduidade, na prática religiosa, pode ser um preditor de maior conservadorismo; iii) e o grau de laicidade nacional é uma variável explicativa da intolerância. Objetiva-se responder se: a manifestação de atitudes de intolerância política em relação a homossexuais é condicionada pela religiosidade em sua dimensão individual e nacional? Palavras-Chave: Intolerância Política; Comportamento Político; Homossexualidade; América Latina.

1. INTRODUÇÃO Segundo Gibson (2006) a intolerância política é um dos maiores problemas desde os processos de globalização e emigração, e a tolerância política é a única forma de amenizar os conflitos e confrontos, pois como demonstra o autor “tolerance is an essential endorphin of a democratic body politic3 (p.21)”. Desde os primeiros estudos sobre tolerância, vários outros surgiram, então teorias foram sendo acumuladas, mas isso não significa que todas as questões acerca do tema foram sanadas, pois outras foram surgindo, como a diferenciação entre a intolerância social que Gibson (2006) chama de preconceito e a intolerância política não possuem distinções já consolidadas; a forma de mensurar a intolerância, apesar de haver uma série de estudos que propõem formas de medir a intolerância (como a de Sullivan, Piereson e Marcus) ao serem expostos ao escrutínio acadêmico sofreram críticas quanto ao mecanismo de mensuração. 1

Doutoranda em ciência política pela Universidade Federal do Paraná, nayara_sandy@hotmail.com. Orientador: Professor Doutor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá, ednaldoribeiro@icloud.com. 3 “[...]a tolerância é uma endorfina essencial de um corpo político democrático.” (tradução livre) 2

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Diante das questões que permanecem em aberto na literatura sobre tolerância o objetivo principal da tese será avaliar em que medida a religiosidade em sua dimensão individual (filiação denominacional e intensidade de participação) e nacional (grau de laicidade, abertura do mercado religioso) contexto religioso conformam o fenômeno tolerância política na América Latina, especialmente em relação aos homossexuais, e os objetivos secundários serão: i) Identificar quais características sócio demográficas (como sexo e idade) afetam a tolerância política; ii) Analisar em que medida a democracia é forte proponente da intolerância. Ademais a realização da tese também é justificada pelo fato de que desde a década de 1950 nos Estados Unidos, são realizados estudos sistemáticos acerca de atitudes públicas em relação a grupos impopulares e os resultados demonstram alto nível de adesão aos valores democráticos, contudo, quando questionados sobre grupos específicos, os mesmos indivíduos tendem a apresentar níveis menores de tolerância. Parte da explicação para isso repousa na inexistência de questões essenciais a democracia que não são contempladas pelos currículos escolares. Então, ainda que haja uma vasta literatura que verse acerca da tolerância política em países da América do Norte e Latina, alguns autores como Jelen (2015, p. 250) afirmam que "[...] há uma escassez de trabalho empírico sobre a organização dos julgamentos de tolerância / intolerância [...]" 4, especialmente em se tratando de grupos específicos. Portanto decidiu-se estudar especificamente os homossexuais, a fim de responder a seguinte questão: A manifestação de atitudes de intolerância política em relação a homossexuais é condicionada pela religiosidade em sua dimensão individual e nacional? (HOFFMAN; AVERY 1992). Para isso, a tese será organizada da seguinte forma, logo após o capítulo introdutório, no capítulo dois, será realizada uma revisão sobre o campo de pesquisa acerca da tolerância política, desde os estudos clássicos sobre o tema, partindo de Stouffer até os trabalhos mais recentes desenvolvidos nos Estados Unidos e na Europa, ainda nesse capítulo será discutido sobre a tolerância política nas jovens democracias. Em seguida, no capítulo três pretende-se discutir sobre a democracia e a homossexualidade, no que tange a luta dos homossexuais nas democracias consolidadas. O capítulo quatro será o último teórico em relação às diferentes denominações religiosas e a atitude política, pois os capítulos seguintes serão destinados à apresentação dos dados, análise, resultados e conclusões.

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Original: there is a paucity of empirical work on the organization of tolerance/intolerance judgments. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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1.1 Metodologia A metodologia utilizada será a quantitativa através da técnica de Regressão Multinível5, dessa forma, será possível avaliar ao mesmo tempo os efeitos da religiosidade individual e nacional. O princípio de delineamento utilizado será o estudo comparativo entre os 19 países da América Latina que tiveram aplicação de questionários do AmericanBarometer6 do Latin American Public Opinion Project (LAPOP) e, a análise de dados será a modelagem estatística (BAUER; GASKELL, 2008). Os países que serão analisados constam no quadro 1. Quadro 1-Aplicacação do AmericaBarometer por ano e país Países 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

Argentina Brasil Bolívia Chile Colômbia Equador Venezuela Uruguai Republica dominicana Peru Paraguai Costa Rica El Salvador Guatemala Haiti Honduras México Nicarágua Panamá

Ano da primeira e última aplicação 2008 a 2016/17 2006 a 2016/17 2004 a 2016/17 2006 a 2016/17 2004 a 2016/17 2006 a 2016/17 2007 a 2016/17 2006 a 2016/17 2010 a 2016/17 2006 a 2016/17 2006 a 2016/17 2004 a 2016/17 2004 a 2016/17 2004 a 2016/17 2006 a 2016/17 2006 a 2016/17 2004 a 2016/17 2004 a 2016/17 2004 a 2016/17

Periodicidade

Total

bianual bianual bianual bianual anual anual bianual bianual bianual bianual bianual bianual bianual bianual bianual bianual bianual bianual bianual

5 6 7 6 13 10 6 6 4 6 6 7 7 7 6 6 7 7 7

Fonte: Autora, 2019.

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Técnica de análise de regressão que contempla simultaneamente múltiplos níveis de agregação, tornando corretos os erros-padrão, os intervalos de confiança e os testes de hipóteses (LAROS; PUENTE-PALACIOS, 2009). Além disso, “In multilevel research, the data structure in the population is hierarchical, and the sample data are a sample from this hierarchical population” (HOX, 2010, p.2). 6 O AmericasBarometer, uma das muitas e crescentes atividades do LAPOP, é a única pesquisa sobre opinião pública democrática e comportamento que abrange as Américas (Norte, Centro, Sul e Caribe). É um esforço do LAPOP para medir valores e comportamentos democráticos nas Américas usando amostras nacionais de probabilidade de adultos em idade de votar. Em 2004, a primeira rodada de pesquisas do AmericasBarometer foi implementada com onze países participantes; o segundo ocorreu em 2006 e incorporou 22 países em todo o hemisfério. Em 2008, 23 países das Américas foram incluídos e mais de 36.000 indivíduos. Em 2010, 26 países foram pesquisados, envolvendo mais de 43.000 entrevistas. Em 2012, 26 países foram incluídos novamente e mais de 41.000 pesquisas foram realizadas. A rodada de 2014 inclui pesquisas realizadas em 28 países das Américas e mais de 50.000 entrevistas. A rodada de 2016/17, que marca a última rodada do AmericasBarometer, foi realizada em 29 países e inclui mais de 43.000 entrevistas. O AmericasBarometer é o projeto de pesquisa regional mais abrangente do Hemisfério Ocidental (LAPOP, mission-tradução livre). Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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Almeja-se confeccionar uma análise comparativa de toda a série histórica do LAPOP, pois as variáveis dependentes e preditoras não tem variação entre os anos, tornando possível a comparação, e essa análise permitirá demonstrar se determinados países são mais intolerantes que outros e, talvez inferir se a causa da intolerância está relacionada ou não a religião dos indivíduos.

1.2 Hipóteses Acredita-se que: i) A escolha de determinada religião, bem como de assiduidade na prática religiosa, é determinante para o sentimento de intolerância para com pessoas homossexuais ao ponto de negar-lhes seus direitos civis e políticos, de modo que a intolerância pessoal, quando uníssona em um grupo organizado, religiosa e politicamente, exerce influência a fim de gerar mobilizações conservadoras em prol da destituição do direito dos grupos homossexuais; ii) A religião está diretamente relacionada a alto nível de conservadorismo, portanto, quanto mais o indivíduo é religioso mais tende a ser intolerante a disputas dos mais diversos grupos ao poder e, mais especificamente aos grupos de homossexuais; iii) O grau de laicidade nacional também pode ser um forte preditor da intolerância.

1.3 Variáveis DEPENDENTE: Intolerância política medida através da seguinte questão: “D5 E agora, mudando de assunto e pensando nos homossexuais, o quanto o (a) sr./sra. aprova ou desaprova que estas pessoas possam candidatar-se para cargos públicos?” Escala de 10 pontos, com valores

de discorda totalmente a concorda totalmente. INDEPENTENDES: as variáveis explicativas são as que medem a religião e a frequência com que participa de reuniões de cunho religioso, por meio das seguintes questões: Q3C. Qual a sua religião, se tiver? Nessa questão são descritas 17 opções 7 para que ele escolha

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(1) Católica/ (2) Protestante Tradicional ou Evangélica não pentecostal (Adventista, Batista, Calvinista, Luterano, Metodista, Presbiteriano, Anglicano, Episcopal, Discípulo de Cristo)/ (3) Outra não cristã (Muçulmano, Budista, Induísta, Taoísta, Confuciano, Baha’i)/ (4) Nenhuma (Acredita em uma entidade suprema mas não pertence à religião nenhuma)/ (5) Evangélica pentecostal (pentecostal, Igreja Universal, Sara Nossa Terra, IgrejaQuadrangular, Congregação Cristã, Adventista do Sétimo Dia, Igreja Cristã Reformada, Adventista, Adventista de Sétimo Dia, etc)/ (6) Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias ou SUD (Mórmon)/ (7) Religiões Tradicionais ou nativas (Candomblé, Umbanda, Voodoo, Rastafari, religiões mayas, Santo Daime, Esotérica)/ (8) Espírita kardecista/ (10) Judeu (Ortodoxo, reforma, conservador)/ (11) É agnóstico ou ateu/Não acredita em Deus/ (12) Testemunha de Jeová/ (88) NS/ (98) NR. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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uma religião específica ou nenhuma. CP6. Reuniões de alguma organização religiosa? Assiste…8 Em relação ao sentimento de confiança dos indivíduos em relação a duas instituições religiosas, organizado em uma escala de sete pontos: B20. Até que ponto o(a) sr./sra. tem confiança na Igreja Católica? B20A. Até que ponto o(a) sr./sra. tem confiança na Igreja Evangélica?

2. TOLERÂNCIA POLÍTICA E DEMOCRACIA 2.1 As pesquisas sobre tolerância política nos EUA e Europa Considerado como um dos pioneiros dos estudos sobre tolerância política, Samuel Stouffer’s realizou uma das primeiras pesquisas na área no ano de 1954, utilizando como objeto de análise os comunistas, o conformismo e as liberdades civis. Além dos comunistas, outros dois grupos alvos foram utilizados, os ateus e os socialistas. A pesquisa demonstrou que a maioria dos americanos eram intolerantes aos grupos minoritários pesquisados, pois a eles não deveria ser permitido falar em público, lecionar em escola ou colégio, e trabalhar como balconista em loja (SULLIVAN et al., 1982). Outros resultados encontrados por Stouffer (1955) é de que os americanos majoritariamente não concordavam com a livre concorrência no mercado de ideias, isto é, os diferentes grupos não deveriam ter a oportunidade de expor suas ideias. A educação foi uma das variáveis testadas que demonstrou causar grande impacto sobre o comportamento de tolerar, e de auxiliar na diminuição do sentimento de ameaça, pois quanto maior é o grau de ensino que o indivíduo adquire, maior será sua capacidade cognitiva. Em relação ao sexo, Stouffer, trouxe a lume a informação de que as mulheres seriam menos tolerantes que os homens, mesmo quando introduzidas outras variais de controle, como: educação, ocupação, local de residência, religião (SULLIVAN et al., 1982). Segundo Sullivan et al. (1982, p.29) uma das descobertas mais importantes de Stouffer (1955) é de que as elites políticas tendem a ser mais tolerantes. O autor conclui que o método utilizado por Stouffer's para medir a tolerância política em relação aos comunistas, socialistas e ateístas é inadequado porque não capta totalmente o significado de tolerância, e em grande medida limitado no tempo porque presume que esses grupos que foram pesquisados são os únicos alvos importantes da intolerância na sociedade. Por outro lado, Trüdinger (2006, p.59) demonstra que a definição de Stouffer (1955) para a tolerância política é mais abrangente que a de Sullivan (1979), porque o primeiro entende a A variação dessa questão é medida em: “O senhor/a assiste ao tipo de reunião citado: Uma vez por semana, uma ou duas vezes ao mês, uma ou duas vezes ao ano, nunca, NS, NR”. 8

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tolerância como "o grau em que as pessoas aceitam que grupos não conformistas exerçam direitos democráticos procedimentais". Já o segundo definiu a tolerância como o exercício de tolerar aqueles grupos com os quais não se concorda. Segundo a autora, Stouffer apresenta uma definição mais ampla porque compreende que as diferenças individuais não devem ser argumentos suficientes para a retirada de direitos básicos no sistema democrático. Após os estudos iniciais de Stouffer em 1954, os pesquisadores Prothro e Grigg em 1960 e McClosky em 1964, realizam pesquisas para averiguar se existe um consenso geral nos EUA acerca das normas processuais da democracia, e sobre o direito das minorias, e a questão que está mais voltada a tolerância: se os cidadãos estão preparados para aplicar as normas democráticas aos grupos impopulares, em situações específicas. Prothro e Grigg utilizaram amostras das cidades de Arbor no Michigan e Tallahassee na Florida, e verificaram que existe um consenso de aceitabilidade dos princípios da democracia em 90% dos entrevistados, todavia quando são analisados grupos específicos como os comunistas, esse consenso é quebrado, pois a porcentagem diminui para menos de 50% (SULLIVAN et al., 1982, p. 34). Posteriormente, McClosky (1964) realizou um estudo comparativo entre políticos influentes e cidadãos, para verificar o nível de suporte de ambos aos princípios democráticos, e suas vontades de aplicar esses princípios a situações e grupos específicos. O autor partiu de uma questão já levantada por Stouffer (1955), de que existem diferenças entre a elite e a não elite. Como objeto de pesquisa McClosky utilizou o National Surveys of Elites and General Electorate realizados, respectivamente, em 1956 e 1958. Assim como os resultados encontrados por Stouffer (1955), eles verificaram que as elites são mais propicias a aceitar a liberdade de expressão, e a estender os direitos democráticos a grupos e situações específicas (SULLIVAN et al., 1982, p. 34). Comumente relaciona-se a tolerância ao preconceito, sendo assim, as pessoas altamente tolerantes seriam também livres de preconceitos, enquanto que o oposto também seria verdadeiro, isto é, pessoas intolerantes seriam altamente preconceituosas. Todavia a literatura já demonstrou que essa relação é errônea, pois se indivíduos preconceituosos permitem que os grupos menos benquistos não possuam suas liberdades de expressão limitadas, então estão agindo de maneira tolerante. Ou seja, a tolerância não é ausência de preconceito, mas a ausência da imposição de limitações, os indivíduos assumidamente preconceituosos, mas tolerantes, aceitam que é necessário concordar em discordar (SULLIVAN et al., 1982).

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No que tange os limites da tolerância Sullivan (1982, p.9) questiona se os cidadãos são obrigados a tolerar todos os grupos, inclusive aqueles que destruíram as praticas de tolerância, como os grupos que pregam a eliminação de outros "Is tolerance is among the highest values in democratic regimes, does it make sense to tolerate those who threaten this very principle? 9. A questão faz-se ainda mais complexa, pois deve-se levar em consideração que tolerar a liberdade de expressão desses grupos, é igualmente tolerar grupos que pregam em alguma medida a intolerância. Existe um paradoxo da tolerância, pois segundo Trüdinger (2006) há um limite no que deve ser tolerado, e muitas vezes a intolerância em relação ao intolerante pode se fazer necessária, como exemplo a autora cita os grupos de extrema direita, negar direitos a eles, não é necessariamente não praticar os princípios da democracia. Nos Estados Unidos, um caso que ganhou destaque na mídia foi a permissão para que houvesse a manifestação do partido nazista no bairro de Skokie, tradicionalmente composto pelo povo judeu. Apesar de o partido nazista ter garantido na justiça o direito de manifestação naquela ocasião, isso gerou muita polêmica, inclusive fez com a União das Liberdades Civis Americana perdesse muitos de seus membros, que acreditavam que "[...] some restraints are thus justified if they are likely to preserve a balance between tolerance and other values [...]”10 (SULLIVAN, 1982, p. 10). Em sistemas políticos mais repressivos, as minorias ou os grupos que possuem ideias menos ortodoxas aprendem que suas ideias são pouco toleradas e que o custo por expressá-las pode ser alto, isso gera o que Gibson (2009) chama de “geração silenciosa”: são pessoas que não estão dispostas a expressar suas opiniões por serem consideradas impopulares e conscientes de que podem sofrer punições. Então, a tolerância exige que não somente o governo seja tolerante, mas também a população, para aceitar que pensamentos diferentes dos predominantes sejam emanados publicamente, afinal: “Um clima hostil da opinião pública não requer a imposição legal para efetivamente limitar a liberdade dos cidadãos cujas crenças e valores estão fora do convencional político ou cultural” 11 (JELEN, 2015, p.254). Em relação a religião Campbeel (apud RIBEIRO e WALTER, 2017) expôs que religiosos possuem seu engajamento político prejudicado devido a frequência nas reuniões/cultos

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A tolerância está entre os valores mais altos nos regimes democráticos, faz sentido tolerar aqueles que ameaçam este mesmo princípio? (tradução livre) 10 [...] algumas restrições são, portanto, justificadas se forem capazes de preservar um equilíbrio entre a tolerância e outros valores (tradução livre). 11 Original: A hostile climate of public opinion does not require legal enforcement to effectively limit the freedom of citizens whose beliefs and values lie outside the political or cultural mainstream Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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religiosos, pois esses requerem um alto nível de participação e comprometimento que impediria a participação de outros setores sociais. Por outro lado os resultados das pesquisas empreendidas por Ribeiro e Walter (2017), apresentam outra perspectiva, a de que a participação religiosa influencia diretamente na participação política mais ativa, considerando as variações entre os diferentes tipos de religião, a título de exemplo, no Brasil os católicos que tendem a participar mais de modalidades políticas convencionais possuem menos propensão a participar das não convencionais (como protestos). A igreja, segundo os resultados das pesquisas empreendidos e apresentadas por Djupe (2015), tem resultados correlatos aos demais grupos sociais, isto é, possuem muitas de suas intolerâncias pautadas pelo sentimento de ameaça que acreditam que determinados grupos representam, além disso, o clero possui o mesmo nível de tolerância que grupos sociais comuns. Constatou-se, similarmente, que existe certa tensão entre a religião e a democracia. Todavia, isso não significa que a religião não recorra aos meios democráticos quando necessário para fortalecer sua congregação. Gibson (2008) em estudo mais recente de 2005, verificou que os níveis de intolerância política mudaram desde as pesquisas iniciadas por Stouffer na década de 1950, segundo o autor a intolerância diminuiu, mas os grupos alvos de intolerância aumentaram, e se antes se acreditava, segundo os estudos de Sullivan et al. (1985) que a intolerância voltada a muitos grupos era benigna hoje parece não ser, porque o entendimento era de que por ser plural e voltada a diversos grupos, poderia ser dispersa, mas verificou-se que um grupo social clamando por repressão política pode obter sucesso mesmo que a demanda por diminuição de direitos seja em relação a vários grupos específicos. Gibson realizou, juntamente com Gouws, uma pesquisa sobre intolerância na Africa do Sul em 2003 e verificou que tanto a intolerância pluralista quanto a focada podem ocorrer concomitantemente e, que se nos EUA a intolerância política parece ter diminuído de 1955 para 2005 representando um ganho positivo, também sofreu uma diminuição a sensação de liberdade para falar em cerca de 13% dos entrevistados, mas dessa vez a diminuição é negativa. Em relação a pesquisas realizadas em 1987 também houve diminuição da sensação de liberdade de organização e participação de atos públicos de 38,2% para 32,5%. Por outro lado os grupos que eram considerados como alvos preponderantes da intolerância como os afros-americanos e os comunistas, passaram a ter mais sensação de liberdade (GIBSON, 2008).

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Marcus et al. (1995) demonstra que a tolerância persiste como um dilema crucial na democracia, porque requer cidadãos democráticos e lideres que permitam a liberdade de expressão dos indivíduos. Por isso é mais fácil a existência da intolerância que da tolerância, essa informação é corroborada pela própria história da humanidade, repleta de guerras, escravidão, assassinatos, genocídios, enfim sempre houve alguns grupos que utilizavam de sua força bélica, física, e outras, para resolver seus conflitos subjugando outros grupos. Arwine e Mayer (2012) realizaram um trabalho de análise da tolerância em dois níveis, o estadual e o individual. Os autores verificaram que na medida em que os indivíduos tornamse mais tolerantes tendem a apoiar mais a democracia e, similarmente a serem mais liberais e menos conservadores politicamente rejeitando assim comportamentos autoritários. Os autores também apresentam uma definição específica para tolerância como "[...] acceptance or legitimacy of people of a different race, ethnicity, religion, or of a different social or political perspective12" (p.1) Eles identificaram que é mais fácil tolerar quando isso não requer custos, ou seja, quando não se está sob risco. 2.2 A tolerância política nas jovens democracias Aquino (2017, p.1) realizou uma análise dos efeitos da exposição às instituições democráticas sobre efeito de tolerar em 35 países no mundo, comparados com duas subdivisões: países da América Latina e o Brasil. Segundo o autor para que haja a manutenção de longos períodos de democracia é necessários que exista tolerância em relação a diversidade étnica e outras características identitárias. Aquino parte da hipótese de que mais as pessoas serão mais tolerantes e saberão os limites da tolerância quanto mais forem expostas a instituições democráticas, já que a tolerância é um quesito essencial das regras democráticas13. Booth e Seligson (2009) demonstram que é necessário muitas dimensões sociais (educação, conhecimento das normas, informação) para a manutenção da democracia, com esses atributos cidadãos que estão descontentes com seus governantes não procuram meios de desestabilizar o governo, ao invés disso participam dos meios convencionais dentro da democracia e suportam os problemas para a manutenção de um regime democrático forte. Csapo (2017) reite-

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[...] aceitação ou legitimidade de pessoas de diferentes raças, etnias, religiões ou de uma perspectiva social ou política diferente (tradução livre). 13 Aquino (2017) considera como democráticos aqueles sistemas em que os líderes são escolhidos através do voto da maioria, ou seja, organizações em que há a tolerância das decisões contrárias é respeitada até o momento das próximas eleições em que os grupos opositores terão a oportunidade de eleger o candidato que melhor lhe representa, sendo que a alternância no poder pode ser um quesito fortificador da democracia. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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ra que a tolerância em relação as ideias que pouco gosta é um importante mantenedor da democracia. Aquino (2017) analisou a 6ª onda (2010-2014) do World Values Survey (WVS) para verificar a tolerância nos países da América Latina. Sua amostra foi composta por 53.429 pessoas e 35 países e as questões foram divididas a três grupos de intolerância, quais sejam: xenofobia (a pessoas de outras raças, religiões e outros idiomas); aversão (drogados e alcoólatras) e conservadorismo sexual (homossexuais, pessoas com AIDS e casais não casados). Através dessa divisão o autor verificou através de uma análise de correlação se os anos que o individuo vive sob o modelo democrático afeta sua tolerância em relação aos três subgrupos de tolerância mencionados. Os resultados foram os seguintes: no mundo 7% não são xenofóbicos, 17% não são conservadores sexuais e 3% não tem aversão a drogados e alcoólatras; na América Latina não houve resultado significante para outras raças, nem para comportamentos sexuais, constatou-se 2% apenas de tolerância em relação a drogados e alcoólatras; já no Brasil os resultados foram negativos para os três grupos, ou seja, os anos que os brasileiros viveram na democracia (após seus 18 anos) não afetaram para que ele fosse tolerante a nenhum desses grupos, isto significa que são poucos anos que essas pessoas viveram sob o regime democrático, já que a tolerância é um preceito básico da democracia. Dos países da América Latina Csapo (2017) verificou que o Brasil possui baixo apoio a democracia, pois segundo a última onda do World Values Survey (WVS), a média para a importância do brasileiro viver em um país democrático foi 8, de 10 pontos, apesar de isso não parecer baixo relega ao Brasil a 16ª colocação. Esse cenário é constantemente atribuído aos sentimentos de intolerância em relação a determinados grupo. Porque se associa a democracias fortes a confiança em relação aos outros cidadãos/político como um importante alicerce da democracia, pois significa que individualmente as pessoas acreditam que seus opositores irão agir segundo as normas democráticas, não desfavorecendo assim a vontade da maioria em decisões tomadas em conjunto, como as eleições. Outra pesquisa apresentada nessa sessão reservada a América Latina será a de Peffley e Rohrschneider (2011), pois apesar de esses autores analisarem 18 países do mundo, a partir do WVS de 1995-1997, dentre esses países encontram-se vários que são pertencentes à América Latina e apresentam resultados interessantes para o objetivo principal dessa tese. Os autores apontaram para o fato de que o apoio das massas a democracia está em alta na história. Verificou-se, também, que países com democracias bem consolidadas e mais antigas possuem maior

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apoio a tolerância, e apesar de coexistirem: a democracia e tolerância, elas não estão necessariamente relacionadas; além disso, o ativismo por liberdade civil aumenta o nível de tolerância. Ademais, grande parte dos pesquisadores de tolerância política, como Stouffer (1995) a Marcus et al. (1995) entendem a intolerância como a norma, porque acreditam que essa é a natureza do ser humano, ser intolerante. Dessa forma, a tolerância é que deve ser ensinada em um modelo democrático de sociedade, pois é tão somente nesse modo de produção que os grupos impopulares são tolerados enquanto seus direitos políticos e sociais (PEFFLEY E ROHRSCHNEIDER, 2011). As pesquisas que questionam sobre a democracia como melhor sistema, têm altos níveis de concordância em todos os países, inclusive naqueles que não possuem democracias amplamente consolidadas. Mas quando se pergunta acerca da tolerância política os resultados são baixos, então apesar de haver na sociedade uma ampla aceitação dos princípios democráticos, esses mesmos princípios não são estendidos aos grupos least liked. Portanto, acredita-se que os princípios abstratos da democracia são bem mais fáceis de aprender do que praticar. Contudo, nas democracias menos bem consolidadas a intolerância aparece de maneira amplificada (PEFFLEY E ROHRSCHNEIDER, 2011). Para a realização da pesquisa supramencionada Peffley e Rohrschneider (2011), partem da seguinte hipótese, quanto mais tempo um país é democrático, mais seus cidadãos serão tolerantes. Em nível macro analisou-se a durabilidade da democracia e em nível micro (individual) analisou-se variáveis demográficas, no que tange a educação e gênero; questões políticas, como: apoio a valores democráticos e conservadorismo, ativismos democráticos14 dentre outras variais individuais. Analisou-se 18 países15 por intermédio, do banco de dados do World Values Suvey (1995-1997) combinado com algumas informações chaves como: estabilidade da democracia,

tipos

institucionais

e

desenvolvimento

socioeconômico

(PEFFLEY

E

ROHRSCHNEIDER, 2011). A questão principal que se utilizou foi se os entrevistados dos países selecionados estavam dispostos a estender aos grupos que não gostam o direito ocupar cargos públicos, e as porcentagens de pessoas que concordaram foram: Argentina 7%, Armênia 3,4%, Austrália 12,3%, Bósnia 1,4%, Brasil 7,7%, Croácia 2,1%, Alemanha 2,9%, Finlândia 9,2%, Geórgia

14

Peffley e Rohrschneider (2011) interpretam esse tipo de ativismo como ir além da participação através do voto e de plebiscitos, mas também a participação de manifestações. 15 Argentina, Armênia, Austrália, Bósnia, Brasil, Croácia, Alemanha, Finlândia, Geórgia, Macedônia, Peru, Sérvia, Espanha, Suécia, Suíça, Uruguai, EUA, Alemanha. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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4,7%, Macedônia 3,4%, Peru 4,6%, Sérvia 3,1%, Espanha 2,7%, Suécia 9,4%, Suíça 4,4%, Uruguai 3,3%, EUA 14,4%, Alemanha 6,3% (PEFFLEY E ROHRSCHNEIDER, 2011). Diante dos resultados apresentados os autores concluíram que a tolerância é bastante escassa nos países pesquisados, afinal o país com a maior porcentagem de indivíduos que permitiria que seu grupo não gostado ocupasse cargos políticos é os EUA com 14,4%. Corroborando com a literatura a questão sobre apoio ao regime democrático, possui altas porcentagens, em um índice de 2 a 10, a média entre os países foi de 8,19, ou seja, as pessoas concordam e preferem a democracia, mas não estendem os princípios democráticos àqueles que não gostam. Inferiu-se, igualmente, que o ativismo democrático é forte preditor da tolerância no nível individual. O desenvolvimento socioeconômico não foi um fator importante para o aumento da tolerância, pelo menos não de maneira direta. REFERÊNCIAS AQUINO. J. A. The effect of exposure to democratic institutions on tolerance: Brazil compared with other Latin American countries. Conference: Citizens and the State: Public Opinion, Democracy, and Development in Brazil, 2017 ARWINE, A.; MAYER, Lawrence. The Impact of Tolerance on Political Behavior. Portland: Western Political Science Association, 2012, p.1-20. BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático.Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. BOOTH, J. A.; SELIGSON, M. A. The Legitimacy Puzzle in Latin America. Cambridge: University Press, 2009 CSAPO, M. Distrust, Crime, Insecurity and Attitudes toward, Democracy: Brazil in Comparative Perspective, Center for the Study of Democratic Institutions, 2017. DJUPE, P. A. Religion and Political Tolerance in America: Advances in the state of the art. Philadelphia: Temple University Press, 2015. GIBSON, J. L. Political intolerance in the context of democratic theory. In Rober E. Goodin (eds), The Oxford Handbook of Political Science. Oxford: Oxford University Press, 2009. _____. Enigmas of Intolerance: Fifty Years after Stouffer’s Communism, Conformity, and Civil Liberties. Perspectives on Politics. Vol. 4, N.1, 2006 _____. Intolerance and Political Repression in the United States: A Half Century after McCarthyism. American Journal of Political Science, Vol. 52, No. 1, 2008, p. 96–108 HOX, J. J. Multilevel Analysis: Techniques and Applications. 2.ed. New York: Taylor & Francis Group, 2010

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Política e Democracia na Atenas clássica: uma reflexão entre os pensamentos de Platão e dos sofistas Jair Antunes1 Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) Angela Caciano2 Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)

Resumo: Este texto debate os fundamentos da democracia na Grécia antiga. A Antiguidade Clássica foi o berço da política como forma de consenso determinado a partir do diálogo racionalizador da vida pública. Temos ali, de um lado, a filosofia platônica defendendo os valores éticos fundados em princípios universais, como o valor do bem comum. De outro lado, há os sofistas, os quais argumentam que os valores são sempre de índole particular e são expressões de poder, como afirmados pelos sofistas Trasímaco ou Protágoras. Sócrates, ao contrário, afirma ser a ética um bem universal, e pode ser aprendida e teorizada por todos os homens, mesmo os escravos, podendo eles vir a elevar-se moralmente. Neste texto, nos basearemos nas análises de Platão expressadas em A República sobre o conceito de Justiça (Dikê), onde polemiza com os sofistas sobre seu valor e alcance na vida da pólis e nas relações entre os cidadãos. Palavras-chave: Justiça; Política; Democracia; Platão; Sofistas.

1. A invenção da Política e da Democracia na Antiguidade Clássica Em Atenas, entre os séculos VII e VI a. C., as reformas empreendidas pelos primeiros legisladores contribuíram para o surgimento da política e da democracia. Antes disso, o “mundo grego”, composto pelas civilizações micênica e cretense, compartilhava com as civilizações do Oriente (Babilônia, Índia, China, Pérsia) o predomínio de um poder de características despótico patriarcal. Para o historiador helenista Moses Finley (1985, p. 85), o “poder político” foi inventado pelos gregos e romanos, mas isso não significa, no entanto, que antes da invenção da política não houvesse poder e autoridade, significa apenas que esse poder ainda não era político.

1

Professor de Filosofia e História na Universidade Estadual do Centro-Oeste/UNICENTRO-PR; PósDoutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP; cursa Direito na Universidade Estadual de Ponta Grossa/UEPG. Pesquisador do Grupo de Estudos em Filosofia e História do Direito, e do Grupo de Estudos em História Cultural, e-mail: jair1903@gmail.com. 2 Mestranda em História pela UEPG; Especialista em Filosofia pela UFPR; Graduada em História pela UNICENTRO; cursa Bacharelado em Direito na UEPG. Professora de História, e-mail: 123angela.caciano@gmail.com. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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No poder despótico e patriarcal, a propriedade da terra era exercida de duas formas principais: como propriedade do rei ou como propriedade comunal. Nas duas formas, o rei ou patriarca arrecadava impostos e exercia controle cerrado sobre os demais, com intuito de evitar conflitos que ameaçassem sua hegemonia. Isso era possível porque ele, além de exercer a administração, também mantinha o controle militar da região, sendo sua figura a corporificação do Estado. Além disso, a corporificação ou incorporação, do Estado na figura do rei ou patriarca, adquiria simbologias mágicoreligiosas criando a sua divinização e atribuindo características transcendentes que o elevavam a um patamar muito acima de seus súditos. Pode-se notar que essa totalidade de características fundamentava a centralização do poder na figura do rei (CHAUÍ, 2006, p. 350). Segundo o estudioso da Antiguidade Grega, Jean-Pierre Vernant (1981, p.5), por meio da decifração da escrita Linear B, desenvolvida pelos micênicos, comprovou-se que a Grécia, por volta do ano 1200 a. C., também compartilhava essa forma de poder durante a civilização cretense e a civilização micênica. No entanto, quando se analisa os poemas de Homero, trezentos anos depois, a sociedade grega não apresenta mais tais características que a aproximavam do Oriente. Vernant afirma que nesse meio tempo ocorreu uma profunda ruptura3 decorrente das violentas invasões dóricas que ocorreram por volta do século XII a. C., cujo impacto extirpou toda a forma de organização social até então existente no mundo grego. Após essa profunda ruptura com o Oriente, a Grécia foi ganhando contornos sociais e estatais peculiares. Entre os séculos VIII ao VI a. C., os primeiros legisladores, Drácon, Sólon e Clístenes, respectivamente, instituíram em Atenas um conjunto de medidas que impossibilitaram a concentração de poder e de autoridade nas mãos de um rei e lançaram as bases de uma sociedade bem organizada. A propriedade da terra pulverizou-se nas mãos das famílias, que ao contrário do Oriente, não se organizaram em castas fechadas, mas mantiveram-se abertas a novas incorporações familiares. Aqui, vale fazer uma comparação com a forma de propriedade territorial existente no poder despó3

Segundo Vernant (1981, p.6), o tamanho da destruição e da violência empreendida pelos dórios na então sociedade micênica que dominava o território grego foi tal que extirpou a figura do rei da história do mundo grego. A partir desse momento, não se tem registro de fontes históricas até os poemas de Homero, escritos aproximadamente no século VIII a. C. Essa dolorosa ruptura entre os gregos e a sociedade oriental, fez com que os rumos da história grega se desvencilhassem do poder despótico característico do Oriente e fundassem as bases do poder político e do pensamento racional.

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tico patriarcal, a qual facilitava a concentração de poder. A peculiaridade da Grécia era que a posse da propriedade concedia autonomia considerável às famílias, que dividiam o território entre si. Além disso, os gregos, ao se expandirem territorialmente formaram um enorme contingente de escravos, assim, muitos camponeses perderam suas antigas ocupações e migraram para as cidades formando uma numerosa população urbana. Uma parcela dessa população, principalmente de artesãos, enriqueceu e passou a disputar o poder com os proprietários de terra aristocratas, fazendo com que a luta de classes ganhasse força. Como forma de amenizar tal conflito entre classes, os legisladores, dividiram a cidade territorialmente. O objetivo era diminuir o poderio das famílias ricas e satisfazer as reivindicações dos pobres (CHAUÍ, 2006, p.351). Isso ocorreu em Atenas, de forma que, a Pólis (cidade-Estado), foi dividida em unidades sociopolíticas chamadas de demos. Após essa divisão, todo homem, filho de ateniense, proveniente de um demo, independentemente de ser rico ou pobre, tinha o direito de participar diretamente nas decisões da cidade. Assim, nascia a política, juntamente com a “democracia” em Atenas. No mesmo período, algo parecido acontecia em Roma e no restante da Grécia. No entanto, somente em Atenas o poder político assumiu características de uma democracia, ou seja, governo de muitos. Apesar de deixar de fora mulheres, escravos e estrangeiros, a política ainda assim permitia a participação dos pobres. Em Esparta, a política assumiu características de uma “oligarquia”, governo de poucos, pois somente uma pequena parcela da população possuía direitos políticos. Assim como em Roma, já que somente aos patrícios era permitido participar das decisões do governo. A origem etimológica da palavra política é grega, tá politiká (vinda da pólis). Pólis, para os gregos, não compreende apenas o espaço de infraestrutura urbana, mas o meio cívico, a sociedade organizada, formada pelos cidadãos (politikós). Em Roma, cidadão, politokós, equivale a civis, e pólis à civitas (CHAUÍ, 2006 p. 349) Portanto, em Atenas, todo cidadão era político, ou seja, não havia diferenciação entre direitos civis e direitos políticos, eram equivalentes. Para que isso ocorresse, todos eles eram portadores de dois diretos fundamentais: isonomia (igualdade perante a lei) e isegoria (igualdade no direito de expor e discutir em público opiniões sobre o que a cidade deve ou não realizar).

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A democracia, nesse caso, era direta, pois permitia que todo cidadão votasse em assembleia sobre as decisões da Pólis. Nesse sentido, o bem maior para um ateniense não visava apenas sua individualidade, mas sim o benefício coletivo da cidade, ou seja, não buscava a liberdade individual, aos moldes da modernidade, mas a liberdade do cidadão grego estava atrelada a cidade, era essencialmente um cidadão. Desse modo, o Estado tornou-se o horizonte ético do homem grego, permanecendo assim até a era helenística, pois os cidadãos sentiam os fins do Estado como os seus próprios fins, o bem do Estado como seu próprio bem, a grandeza do Estado como sua própria grandeza e a liberdade do Estado como a sua própria liberdade (REALE, 1990, p. 21). A raiz do conceito de política, no caso greco-romano, encontra-se na mediação dos conflitos de classes por meio da convenção, ou seja, é uma forma de propor soluções que contentem as classes em sua dinâmica de disputa. O objetivo é impedir a luta armada, sendo a política a forma legítima para solucionar os conflitos e assim ela é em seu cerne até os dias atuais, apesar de ter assumido diversas conotações que banalizaram seu sentido (CHAUÍ, 2006 p. 352). Para compreender o impacto causado pela política na Grécia, apontaremos suas principais características. A primeira foi que ali se efetivou a separação entre o poder e a figura pessoal do rei, ou seja, o poder político é impessoal, não corporificado, mas pertence à coletividade que elege ou sorteia os cargos no governo. O soberano, em um regime de poder político, deve ser a coletividade, mesmo que diminuta, como no caso da aristocracia ou da oligarquia. Outro elemento do poder político foi a criação de um espaço cívico aonde eram realizadas as votações das assembleias de cidadãos, em Atenas, chamava-se Ágora. O exercício da cidadania – e cidadania entende-se por exercício da política – era feito na Ágora. Ali, mais do que em qualquer outro que lugar, fazia-se uso do direito à isonomia e à isegoria, ou seja, onde todos eram considerados iguais e possuíam o direito à palavra. Essa forma coletiva de governo fez nascer a noção de indivíduo autônomo (authonomós), de cidadão que possui a capacidade de deliberar em praça pública sobre os assuntos da Pólis. É claro, essa liberdade de autonomia não era exercida por todos os habitantes da Grécia, ou de Roma, mas, ao menos, ela era exercida por esse pequeno número de cidadãos. E isso, naquele período, os elevou a um patamar cultural e civilizatório muito acima do restante do mundo.

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2. A Democracia ateniense e sua crítica: Platão contra os sofistas O maior crítico da democracia ateniense foi Platão, um dos filósofos mais influentes na história da Filosofia. Juntamente com seu mestre, Sócrates transformou o pensamento de sua época em proporções paradigmáticas, trazendo a filosofia do mundo físico para a dimensão humana racional. Platão viveu entre os anos 428 a 348 a. C., fase áurea da democracia na antiguidade clássica, pouco antes da conquista macedônica e da derrocada do regime político democrático em Atenas. Naquele contexto, a política ateniense congregava o maior número de indivíduos considerados cidadãos do mundo grego, entre os quais participavam tanto os ricos como os pobres de cada um de seus demos. Mesmo assim, “dos quatrocentos mil habitantes de Atenas, 250 mil eram escravos, sem direitos políticos de qualquer espécie, e dos 150 mil homens livres ou cidadãos, só um pequeno número comparecia à Eclésia, ou assembleia geral” (DURANT, 1996, p. 31). Mesmo com o direito de expressarem-se verbalmente em assembleia, nem todos os cidadãos possuíam recurso à oratória, do falar belo e agradável, associada ao conhecimento dos negócios públicos. Ora, ninguém nascia sabendo pronunciar belos discursos, isso vinha de um bom e longo aprendizado. Em geral, quem passava por tal educação, eram os ricos e os aristocratas, pois possuíam recursos e o tempo ocioso necessário para tanto, já que eram proprietários de um grande número de escravos. Em Atenas, o discurso ocupava papel importante no sistema político democrático, sendo a oratória e a retórica bastante valorizada. Como consequência desse aspecto assumido pelo poder político, começa a ganhar forma um novo tipo de pensamento que se denominou por sofisma e chega para atender as reais necessidades políticas daquele momento: ensinar o convencimento. Os sofistas eram, segundo Danilo Marcondes (2007, p. 42), “mestres de retórica e oratória, muitas vezes mestres itinerantes, que percorrem as cidades-Estados fornecendo seus ensinamentos, suas técnicas, suas habilidades aos governantes e aos políticos em geral”. Sofista é um termo que significa “sábio”, “especialista do saber” (REALE e ANTISIERI, 1990, p. 73). Essa sabedoria era geralmente atribuída ao poder de convencimento que possuía um sofista. Eles instruíam os aspirantes a cargos públicos em Atenas e como cobravam por seus serviços, ensinavam a arte de “falar bem” somente àqueles que poderiam pagar. Dessa maneira, os que

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aprendiam a oratória com os sofistas tinham mais chances de convencer os cidadãos em assembleia. A maior crítica de Platão à democracia ateniense está alicerçada nessa prática do convencimento e do uso da palavra como meio para determinado fim. Apesar das críticas de Platão, foi com os sofistas, antes de Sócrates, que a filosofia deslocou seu eixo de reflexão do mundo físico para o campo restrito ao homem. Isso se deve, em grande medida, ao trabalho realizado por eles no período de fortalecimento da democracia, onde os antigos valores aristocráticos ruíam e passaram a disputar espaço com os novos valores democráticos. Os sofistas mostraram que o que se achava ser eternamente válido não tem valor em outros meios e em outras circunstâncias. Aproveitando-se disso, atraíram principalmente os jovens, que eram mais ávidos pelos novos valores atribuídos a democracia e formaram um grande número de discípulos. Os sofistas não chegaram a formar uma escola filosófica única, mas no conjunto de seus representantes pode-se constatar que são relativistas e seu saber se fundamenta na famosa frase do sofista Protágoras “o homem é a medida de todas as coisas”. Essa frase pode ser compreendida como sendo o homem individual quem determina o que é verdadeiro ou falso. O relativismo não admite uma única verdade universal, pois afirma ser a verdade relativa a cada indivíduo. Desse modo, a impossibilidade de se chegar a uma verdade universal devido à existência de várias verdades distintas, todas relativas ao sujeito que pronuncia o discurso, faz-se da Ágora palco de disputas políticas no campo discursivo cada vez mais imerso no relativismo. A cada afirmação verdadeira feita, pode haver um contraponto para anulá-la. Esse era o segredo do sucesso dos sofistas, eles ensinavam técnicas para se criticar e discutir, de organizar um torneio de razões contrarrazões onde ganhava quem tinha o maior poder de convencimento (REALE e ANTISIERI, 1990, p. 76-77). A relatividade se estendia a todas as coisas, inclusive ao campo da moral. Assim como não existia uma verdade, mas, várias verdades, igualmente os sofistas não concebiam uma moral, mas várias. Isso significa que não existem valores morais absolutos, apenas existe algo que é mais útil e mais conveniente, ou seja, uma moral utilitarista. Sendo assim, da mesma maneira que o homem serve de medida para determinar a verdade e a falsidade, ele também é medido em relação a sua utilidade para os outros. É a partir dessa perspectiva que os sofistas elaboram seus pensamentos acerca da justiça, do bem e do mal.

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Todas as contribuições feitas à filosofia pelos sofistas, segundo Platão, não acrescentaram em nada ao saber concreto. O homem foi pensado por eles apenas por sua natureza biológica e animal, submetendo e silenciando sua natureza espiritual. Os sofistas se ocuparam em desconstruir os valores aristocratas, assim como seu modelo de homem, presente nas poesias de Homero. Mas não souberam criar nada a partir disso (REALE e ANTISERI, 1990, p. 76). Sócrates, e em toda sua vida nada escreveu, sua filosofia consistia da sua oralidade “dialética”. No entanto, seu pensamento foi sintetizado em textos, escritos na forma de diálogos por Platão4, além de citações feitas por outros discípulos seus. Sócrates viveu uma relação conturbada com a democracia ateniense. Ele nasceu por volta de 470 a. C., em Atenas, e morreu em 399 a.C. condenado pelos cidadãos daquela cidade a beber cicuta. O motivo da condenação havia sido a acusação de não crer nos deuses da cidade e corromper a juventude, mas por trás dessa acusação estão outros motivos e manobras políticas. Ele era conhecido como aquele que incomodava, a partir daí, podese fazer ideia do motivo real de sua condenação. A morte se Sócrates, sentenciada pelos democratas, provocou em Platão um profundo desgosto pela política empreendida pelos atenienses naquele período. É a partir daí que ele inicia seus diálogos e a crítica à democracia, em algumas ocasiões, muito feroz, está constantemente presente (REALE e ANTISERI, 1990, p. 85). Sócrates era filho de um escultor e uma obstetra (parteira), sabe-se que ele vivia uma vida simples e humilde, atraiu discípulos das classes mais baixas até membros da aristocracia graças a sua genialidade. Sua filosofia exerceu tal peso no desenvolvimento do pensamento grego e ocidental que se compara a uma revolução espiritual. Isso ocorre porque ao precisar sobre a natureza e a essência do homem, ele chegou à conclusão de que a essência humana é a sua alma. Alma significava consciência, razão, núcleo da atividade pensante e da moralidade. Dessa maneira, Sócrates rompe com os sofistas, já que desconsidera o bem exterior (riqueza, beleza externa, prestígio social) e valoriza o bem interior, ou seja, o bem relacionado à alma. Assim, o mestre de Platão cria a tradição moral e intelectual da qual o Ocidente é herdeiro. Para buscar a essência das coisas ligadas ao agir humano como a justiça, a beleza, a virtude, a felicidade, Sócrates cria um 4

Pelo fato de sua filosofia ter chegado a nós através dos escritos platônicos, há muitas divergências, no mundo acadêmico, sobre onde termina a filosofia de Sócrates e onde começa a de Platão na extensão dos textos redigidos pelo segundo, tamanha é a semelhança na filosofia desenvolvida por ambos. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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método o qual conhecemos como método dialético que, basicamente, consistia em um diálogo entre duas pessoas. A principal crítica de Sócrates aos sofistas diz respeito à essência das palavras, ou “logos”. Para Sócrates, o sofista usava as palavras como meio para atrair e convencer a multidão, sem, entretanto, preocupar-se com o verdadeiro significado delas (ROGUE, 2005, p. 27). Ao contrário dos sofistas, seu objetivo é buscar a essência das palavras, pois acreditava que assim chegaria a um conhecimento único e universal, que encontraria o significado essencial das palavras e relacionaria o “logos” ao verdadeiro “ser”. Assim, à medida que Platão escreve os diálogos socráticos, evidencia-se a construção de alguns conceitos, ou seja, Sócrates, através do método dialético, chega ao significado universal de algumas palavras, como de justiça, liberdade, virtude, felicidade. A evolução dessa busca socrática entre o logos e o ser, vai culminar na “Teoria das Ideias”. 5 Segundo Marilena Chauí (2006, p.359), “para os gregos era inconcebível a ética fora da comunidade política – a Pólis, como Koinonía ou comunidade dos iguais -, nela a natureza ou essência humana encontrava sua realização mais alta”. Desse modo, as qualidades das leis e do exercício do poder dependiam das qualidades morais do cidadão. Podemos entender essa característica pelo fato da inseparabilidade entre o civil e o político, pois em Atenas, todo cidadão era político e, portanto, a ética pessoal deveria estar ligada a ética política. Apesar de o discurso sofista estar, em alguns casos, relacionado à proliferação da imoralidade, por conta do valor ético atribuído pelos gregos à política, ele sempre estará encoberto com a aparência de moralidade. De modo geral, Chauí (2006, p. 356-357), caracteriza a noção de justiça para os sofistas como sendo o uso das leis criadas pelos cidadãos por meio de consenso e, a finalidade da vida política é possibilitar e perpetuar esse consenso. Isso ocorre porque eles concebem a Pólis como nascida da convenção entre os homens ao perceberem que É consenso entre a maioria dos estudiosos em filosofia clássica a atribuição da autoria da “Teoria das Ideias” a Platão. O dualismo platônico propõe a existência de duas dimensões paralelas, a do “mundo sensível”, que é essa realidade que nós habitamos e a do “mundo inteligível” ou “mundo das ideias”, no qual todas as coisas são perfeitas e incorruptíveis . Para Platão, o verdadeiro conhecimento, das ideias, encontra-se fora do mundo sensível, pois esse é repleto de ilusões. Não podemos ter certeza absoluta se o que vemos, ouvimos, ou sentimos, refletem a verdade, os sentidos nos enganam e não são fontes confiáveis de conhecimento. O conhecimento das verdades universais encontra-se no mundo das ideias e esse só é alcançado através da dialética, do exercício constante duvidar, refutar e buscar a verdade dentro de si. 5

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lhes é mais útil a vida em comunidade do que em isolamento. A justiça também deve assumir caráter de proteção, tomando cuidado para que a mudança das leis não destrua a comunidade política. Por isso, é imprescindível a disputa para se chegar à concordância através do voto da maioria, cabendo à vitória, em um debate público, aos interesses com melhor argumentação e convencimento. Na obra A República de Platão, a querela entre o pensamento sofista e o pensamento platônico, representado por Sócrates, a respeito da Justiça (Dikê) pode ser analisado em seus fundamentos básicos. Nessa obra, entre os seus livros I, II e IV, observase a construção da justiça para o entendimento dos sofistas, que a defendem em conexão com os valores da forma política democrática, os quais são contestados por Sócrates, cuja definição de justiça aparece no Livro VI, onde o mesmo fundamenta o conceito de justiça como universal. Toda a obra se passa em forma de diálogo, nos quais aparece Sócrates, ora sendo interrogador, ora interlocutor, e outros personagens que participam de um banquete. O personagem Trasímaco, representando o discurso sofista, apresenta o conceito de justiça como sendo o interesse do mais forte. Por mais forte se entende o setor mais forte, poderoso, de cada cidade, esse é quem detém o poder6. Dessa forma, em todas as cidades, é justo o que é vantajoso ao governo. Por isso, justiça é o interesse do mais forte. Para ele, justiça não é bem comum, mas um bem alheio. Nesse entendimento, a injustiça é exaltada e a justiça desprezada. Trasímaco vai além e mostra as vantagens da injustiça. Afirma que o injusto comanda o justo e simples de espírito, este, trabalha para o interesse do mais forte e faz a sua felicidade, servindo-o, em detrimento da felicidade dele mesmo. Assim, conclui que as pessoas injustas se encobrindo com a aparência de justiça, cometem a imoralidade e seus atos passam despercebidos aos olhos da multidão, sem que paguem por isso. Por outro lado, conhecendo os sofrimentos da injustiça, todos receiam em padecer dela. Portanto, as pessoas não receiam em cometer a injustiça, mas em sofrê-la e, assim, reunidas em sociedade, estabelecem leis para conter a ação dos injustos.

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Sendo assim, em uma tirania, o mais forte é o tirano; em uma aristocracia, o grupo de aristocratas; em uma democracia, o setor mais forte, é o povo. Em cada uma dessas formas, o mais forte é quem governa e faz as leis para seu próprio proveito, declarando o como justo o seu próprio interesse, assim como criticam aqueles que cometem transgressões. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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Esse argumento reforça o caráter positivo das leis contra a natureza humana (egoísta). Desse modo, o discurso sofista representado por Trasímaco se conecta ao sistema de governo democrático, uma vez que este possui fundamento na aprovação consensual das leis. Outro fator que adequa o conceito sofista de justiça à democracia é o caráter de disputa de poder, onde prevalece o mais forte, ou que possui melhor argumentação e convencimento. A despeito disso, o discurso de Trasímaco sobre a justiça é poderoso e de difícil refutação. No Livro VI de A República, Sócrates inicia a refutação do conceito de justiça sofista, partindo pela contestação do seu caráter de último recurso. Por essa perspectiva, assim como a justiça é o único mecanismo que impede que os cidadãos pratiquem ou sofram a injustiça, ela também é algo imposto e penoso, pois a lei nunca é desejada em si mesma. Para Platão, tal ordem política, aceita à custa de suspiros e lamentos, é muito instável e tende ao fracasso. Na busca pelo ideal de justiça, Platão tenta fazer o caminho inverso, mostrar como a natureza humana e a lei podem funcionar harmonicamente em uma ordem política que possibilite a justiça (ROGUE, 2006, p. 60). Sócrates, desse modo, inicia seu longo trajeto até chegar à definição de justiça no Livro VI. Para conseguir fazer-se entender e buscando seguir os pré-requisitos acima citados – ligação harmônica entre natureza humana e ordem política –, ele cria um modelo de cidade ideal. Isso é necessário, pois, Sócrates, nas palavras de Platão, compara a cidade justa com o ser humano justo. É inconcebível para os dois filósofos, um ser humano justo fora da cidade justa. O indivíduo deve ser moldado pelo meio, assim, o meio injusto o corromperia e o meio justo, moldaria o indivíduo à justiça, igualmente os indivíduos perpetuam a cidade justa ou injusta. Enquanto ele vai construindo sua cidade ideal, cria os conceitos universais de coragem, sabedoria, moderação, para finalmente falar sobre a justiça. Para ilustrar, a cidade ideal é hierarquizada em três castas. Igualmente a ela, o ser humano possui três almas (PLATÃO, 1997, p. 134). No que diz respeito à cidade, sua base é a classe econômica – proprietários de terra, comerciantes, artesãos –, garantindo o sustento econômico da cidade; acima deles está a casta dos guerreiros – militar – , que garante a defesa contra as ameaças externas e internas; superior a essas duas, está a casta dos magistrados, possibilitando o governo da cidade sob as leis. Essa mesma lógica se aplica ao ser humano, todos possuem três almas, a alma concupiscente – situada

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nas entranhas – busca constantemente a satisfação dos desejos, tanto os necessários quanto os que causam apenas prazer; a alma irascível ou colérica – situada no peito – defende o corpo contra as agressões externas, por vezes, superando a dor para proteger a vida; por último, a alma racional ou intelectual – situada na cabeça –, que se dedica ao conhecimento, tanto vindo através da percepção dos sentidos, como na forma das ideias, através do puro pensamento (CHAUÍ, 2005, p. 357). A justiça ocorre ao ser humano quando esse possui a alma racional dominando a irascível e a concupiscente, impondo a primeira a virtude na moderação e a segunda a virtude da coragem, ou seja, um autocontrole racional dos instintos humanos. Quando alguma das outras duas possui mais força do que a alma racional, esse indivíduo se torna injusto. A virtude do ser humano é a justiça, portanto, o agir ético deve se sobrepor ao agir egoísta, almejando o bem comum. A cidade justa segue o mesmo princípio. A justiça ocorre quando todas as suas partes cumprem a função que a elas cabem. No entanto essa harmonia social, que caracteriza a justiça, é ameaçada quando alguma outra classe, que não seja a dos magistrados, toma o controle da cidade7, pois os únicos que poderão governar com justiça e assegurar o bem comum são os filósofos. Platão concebe a possibilidade de governar somente aos filósofos com fundamento no sistema educacional que se instalará na cidade ideal. A educação possui papel capital para a formação e manutenção dessa cidade. As pessoas que integrarão as classes, o farão de acordo com suas aptidões naturais. Segundo ele, todos nós possuímos as três almas, porém nem todas na mesma proporção, ou seja, alguns têm a alma concupiscente mais forte, outros a alma irascível e outros a alma racional. Todas as crianças frequentarão a escola e a seleção para cada uma integrar a classe que cabe a sua alma será feita ali. Sendo assim, não importa se os pais sejam da classe econômica, se a criança apresentar aptidão para se tornar filosofa, será encaminhada aos estudos superiores e assim será feito. Essa é a definição de justiça que Platão formulou, com isso conseguiu assimilar lei, natureza humana e ordem política. A cidade ideal consegue atribuir a função a cada pessoa conforme sua natureza, possibilitando a ordem política, sendo isso possível por 7

À classe econômica, não cabe governar, pois tais indivíduos não cuidarão do interesse comum, mas lutarão por interesse econômicos e particulares. Igualmente, o governo não cabe à classe militar, pois mergulharão a cidade em guerras em busca de honra e glória particular. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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meio da educação8. O impulso dado pela educação, determinará tudo o que se segue, conduzindo a um grande e perfeito resultado, tanto para o bem, quanto para o mal (PLATÃO, 1997, p. 122).

3. Considerações finais Nesse breve estudo sobre a justiça para os sofistas e para Platão, podemos perceber que, para o último, ela está intrinsecamente ligada ao autocontrole racional sobre as paixões ligadas ao aspecto sensível, com vistas ao bem comum. Dessa forma, podemos entender porque Platão propõe que os governantes sejam reis filósofos, já que estes atingem o ápice do conhecimento e da racionalidade humanas, pois compreendem os princípios universais da justiça e seriam os mais aptos a governar para o bem comum, desconsiderando, assim, a democracia como poder político e promovendo a aristocracia, governo dos mais aptos. Ao contrário, os sofistas, partindo da justiça como reino das leis sobre a vontade humana, fundamentam a justiça como sendo o consenso vitorioso, proveniente do mais forte, sobre as várias vontades, pois dá azo aos interesses particulares em detrimento do interesse geral, do bem comum.

Referências BENOIT, H. Sócrates: o nascimento da Razão negativa. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 1996. CHAUÍ, M. Convite à filosofia. 13° ed. São Paulo: Ática, 2006. PLATÃO. Vida e obra. São Paulo: Nova Cultural, 1996. DURANT, W. A história da filosofia. In. Os Pensadores. Trad. Luís Carlos do Nascimento e Silva. São Paulo: Nova cultural, 1996. FINLEY, I. M., Política no mundo antigo. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1985. MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos Pré-socráticos a Wittgenstein. 2° ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

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Em toda a extensão de sua obra, Platão fala da educação como modeladora e conservadora dessa sociedade. Ele atribui a ela o poder de conseguir moldar, selecionar, criar crenças e costumes que possibilitarão que a justiça reine. A formação do rei filósofo também é atributo da educação, que inicia com o ensino dos guardiões e, aqueles que se sobressaem, passam para a classe dos filósofos e, apenas exercem a magistratura, após concluírem todas as etapas do ensino reservado a eles. Programa de Pós-graduação em Ciência Política – PPGCP/UFPR Programa de Pós-graduação em Comunicação – PPGCOM/UFPR CPOP - Grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública

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PLATÃO. A República. São Paulo: Nova Cultural. Coleção Os Pensadores, 1997. Tradução de Enrico Corvisieri. REALE, G. & ANTISERI, D. História da Filosofia. Três Volumes. 3a edição. São Paulo: Paulus, 1990. ROGUE, C. Compreender Platão. Tradução Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. VERNANT, J. P. As origens d pensamento grego. 3° ed., tradução de Ísis Borges B. da Fonseca. São Paulo: Difusão Editorial S. A., 1981.

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