Nº Registro FBN: 6.592/15
WELLINGTON VINÍCIUS FOCHETTO JUNIOR
LUGAR INCOMUM: (A)CRÔNICAS ou CRÔNICAS ATEMPORAIS – FRAGMENTOS
2015
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A meu amigo Beto Marsuli – em Portugal ou onde quer que possa estar...
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Muitos livros são vividos antes de serem escritos. Isto é condição sine qua non para tanto. E, escritos, devem ser lidos. Para serem revividos.
Melhor não pertencer a nada. A ninguém. A lugar nenhum.
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AGRADECIMENTOS
– Meus filhos terão livros. – Meus livros terão filhos.
Enganei-me ao pensar que iria escrever para ninguém. Há um monte de espíritos à espera de livros como os meus. Livros leves, porém pesados. Livros que trazem e tiram sossego. Que transformam pensamentos, promovem mudanças bruscas, paradas de relógio – interessante metáfora esta.
A estes espíritos (cérebros/corações), meus agradecimentos.
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SUMÁRIO
DedicatóriA
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Epígrafe
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agradecimentos
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Um segredo ardente – em silêncio
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Trancado há muito
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Esperem!
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Antiteticamente
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“Eu quero é que o homem me morda – inteirinha!!!”
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Devora-me ou te decifro!
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Um dia ela mesma aqui continuou andando – até morrer
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Suzano
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Quem sofre...
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Meus p a i s – minha v i d a
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Egoísmo disfarça-se de solidão
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“Mas” ou “Encontrei um CD de uma banda tcheca que fala sobre um moça doente que foi
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trancada num matadouro desativado e resolvi escrever esta crônica diferencial” E o que será que ela...
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Nós somos menores que nossos sonhos?
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Ser é não ser
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Sei como é
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Seu coração dela engole almas
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E o resto é...
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Minha 1463ª casa
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Vermes imundos como vocês, vocês mesmos!
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Ela deve ser abandonada à própria sorte no abismo da podridão humana
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“Pedaços teus nela”
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Rexistir, pois
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Uma perda – do tamanho de uma pedra
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“O amor destrói”
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“Amar – pecado imperdoável”
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Em silêncio
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“E o Homem do Saco? Onde é que ele mora?”
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Muito bom podermos voltar no tempo e ver a criança lá...
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Cara a cara com o silêncio
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U r the 1 that i want...
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r
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Mulher, demônio – “hã?”
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Quem você pensa que é?
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Sui generis
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“Ser” o quê?
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A arte fala – a opinião cala
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“ouro” ou “desculpem a brincadeira”
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Só o agora nos pertence
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“Eu sabia que um dia poderia te dizer isso:”
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Lá de baixo – longe
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Penetrante x penetrável
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Tudo fácil demais...
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Como, se nossos pensamentos não nos deixam?
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“Dare to dream”
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No princípio não era nada
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Você – um outro fim
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Dentro de mim um outro fim
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Kafka não é pra mim...
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Uma perguntinha:
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Cortinas do passado (a serem abertas por nós)
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Sobre o meio-dia (parte I)
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Amanda – I
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Amanda – II
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A dança da alma ou música que conduz corações
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Pensar faz sofrer!
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“eu não quero você”
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Parar de chorar para o mundo sorrir mais
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Down under – lá em cima...
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Um salto tem altos e baixos...
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Camus e o sol
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Arte nossa de cada dia – a quem precisa...
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Qual o segredo de yehsika?
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Cacos, cacos
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Um pouco é muito
83
Destinos sem destino
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Sobre o que poderia ter sido escrito – e...?
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“e agora?”
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Sexo por sexo, ler por ler: estupidez!
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Mesa cheia de trabalho
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“Caçamentos”
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Há muito tempo que
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“A velha leva a lenda a quem melhor pagar”
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Livros para ler nas férias
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Sobre
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Ainda não
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Um peso onipresente
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A distância diz tanto
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Fogo!
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Grand finale
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1463 – e nada mais...
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Um silêncio mortal numa casa “abandonada”. Móveis cobertos com lençóis brancos – “já vi esse filme”. Daí não sai nada. Mesmo? Sure.
Um momento: deixo de pensar na casa, nos móveis. E – tchan-nan! – os móveis começam a dançar. É sério. Um som sinistro – que remete a A secret burning, de Wim Mertens – dá o tom e o ritmo à dança dos cristais, digo, dos móveis. Dançam ao som da meia noite.
Meia noite, pois, hora de dançar.
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Mãos pequenas. Cérebro grande. Inteligência ímpar. A menina fuça no quarto escuro até que encontra um armário antigo, trancado há muito.
Que deverá fazer ela? 10
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Um homem feito de amor – uma mulher feita de dor.
Esperem!
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As fotos não se mexem. Não obstante, antiteticamente, o que há nas imagens fotográficas parece mover-se tão rápido que não se pode perceber que saem do lugar.
(Assim vejo o mundo estático, assim vejo o que não sai do lugar. Será possível, então, que meu cérebro funcione a mil milhas por hora?).
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– Menina! Saia já daí! Aquele homem louco passará por aqui e virá te morder! – Não! Quero ficar aqui! E, caso ele me morda, eu...
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Nua, de corpo e alma, resolvi comer uma barata. Agora ela – assim como o que restou do blatídeo – faz parte de mim.
Barata humana.
Eu.
Nada.
Ninguém.
(E – agora – é a barata que me devora. De dentro para fora...)
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Um dia vou morrer. E voltar ao espaรงo. E perseguir outras estrelas, como fizera antes, antes de voltar aqui. Disse ela, assim mesmo, e continuou andando. (Que diabos estou fazendo aqui?)
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Sábado de manhã. Oito horas em ponto. Saio para uma caminhada ao sol. Atravessar Suzano. No bolso direito da calça jeans um punhado de vazio – normal. No esquerdo, idem. Na cabeça, a imagem de meus pais, em casa. E em meu coração um misto deles e de uma mulher que namorei por seis anos. Rosana – Rosa Graciosa da Terra das Cruzes. Momentos felizes também marcam – se não, deviam fazê-lo mais vezes – a vida humana. A vida nossa de cada dia.
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Quem sofre... (complete o leitor conforme julgar mais propício)
Eu diria: “quem sofre... merece ser feliz”. Ou “... deseja ser feliz.” Ou não. Ou não – aqui mesmo, agora mesmo.
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Meus pais, meus pĂŠs. Minha vida.
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A solidão é um disfarce do egoísmo que, sem ninguém além de si mesmo, senta-se num canto frio – que jamais se esquenta – e resolve chorar. De tédio. E de tristeza. “palavras não podem traduzir sentimentos”, diria alguém. “Ótimo! Então cale-se para sempre – e deixe o mundo passar...”, diria eu a essa pessoa.
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Segunda-feira à noite. Início de inverno. (Minhas crônicas parecem que estão fadadas a serem iniciadas com períodos curtos – sei lá, é como se isso fosse uma espécie de marca registrada minha, sabe?) Passo por trás da “Capelinha” do centro do município onde moro desde que me entendo por gente porque sei – e o cheiro forte de parafina derretendo atesta que isso acontece – que há velas – talvez em grande quantidade – queimando. (Mas o motivo – religioso, eu bem o sei – não me interessa mesmo!) (Ah, aquele cantinho sagrado, destinado a derreter velas e queimar imagens danificadas de santos... Aquele cantinho... tão único... tão silencioso... tão black... com velas queimando, serafina, digo, parafina a ser derretida...) 20
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Sou interpelado por “Firmando” – colega de trabalho com o qual já trabalhei em duas “grandes” (no valor) escolas – “E aí, W., pra onde você está indo? Onde está?” Respondo e conversamos por um minuto. (Esta crônica, que era para ser escrita ontem, acaba sendo hoje).
Já estou a caminho de casa. Mas encontro algo – ruínas de uma antiga casa do centro de Piá, numa subidinha paralela à Capelinha – nessas ruínas (fruto do homem para o homem, e que lhe confere um aspecto humano, vulgar, cotidiano, relaxadão). Esse algo começa habitando minha mente. Algo me diz para chegar em casa e sentar-me na frente do PC para digitar uma nova crônica sobre isso. E fico pensando num CD que eu poderia achar sobre coisas invulgares – ou quase, porque a originalidade, o ineditismo, têm deixado de primarem pela existência, cada vez mais, como é sabido ou se deveria saber –, de uma banca tcheca – (adjetivo pátrio interessante esse, não? Soa tão familiar a nós, brasileiros...).
E que diabos poderia ser encontrado no encarte do CD? Bem, posso imaginar algo como um conteúdo conceitual, tratado da primeira à última “faixa” do mesmo, sobre uma linda moça de uns trinta e quatro anos, que sofria de sérios problemas
mentais
precisava
ser
trancada
num
matadouro
desativado.
Ninfomaníaca, bela e doente, esta Rosa Imunda, Rosa de Vício, não poderia ser ouvida aos gritos. Mas havia uma fenda – muito parecida com uma vulva – na parede, uma fenda muito discreta, que só podia ser percebida por pessoas que, assim como eu, “procuram pelo em ovo”, e acabam por achar. E podia-se observar, por meio da fenda, a moça agitando-se violentamente dentro da câmara abjeta. Para, em
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seguida, permanecer em silêncio, assim, contemplando a eternidade, ou – que diabos possa isto ser – o que viesse depois deste conceito (a)temporal.
Poderia – eu – dizer que o CD começa com um brevíssimo relato da situação. Para entrarem as guitarras – as três, as três! –, uma a uma, com riffs nervosos e que lembram gemidos, penetrações e dores de coração.
O CD termina com um som de pratos de ataque reverberando. E gritos – ao fundo – de mulher. Gritos desesperados. Talvez dela – dela, conforme vim a saber posteriormente...
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E o que serรก que ela pensa quando olha para o infinito?
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(Estranho ouvir dela que temos sonhos do tamanho das estrelas. Daquelas mais distantes que, daqui da Terra parecem tão pequenas, mas, como a Ciência já descobrira, são mesmo enormes!
Pensando no que ela disse, bem... Nossos sonhos não podem ser maiores que nós; se não, como poderíamos alcançá-los? Como?
Encontrei-a. Mas ela ainda não respondeu a esta pergunta...)
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Ser é Não Ser
Aos mendigos do espírito...
Chique é não ser chique Normal é não ser normal Ser incômodo não causa incômodo – não aos outros Ser é não ser: não há questão ... é não ser... E fim de papo!
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Quem é minha verdadeira amada? Estará coberta pelo Tempo e pela poeira das lembranças, conservada num féretro de aço – ouro, talvez? – e, ofuscada pelas memórias que A Falecida e a Rosa de Vício me trazem, não se pode se não causar em mim a impressão – vaga, remota – de que, existindo, voltaremos a nos ver? De qualquer forma ouço seu coração bater, teimosamente, combatendo esse abjeto silêncio das eras, destas estações no abismo. Se Deus existe, Ele pode entender o que deveras sinto. E Ele também o deve saber: como anseio pela volta dela.
Sei como é... Dar voltas neste labirinto doido e perdido. Ter uma alma contornada pelo Caos. Sei como é apaixonar-se pela pessoa errada. Só não sei o que é isso –
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chame-o do que quiser. Mas... Será que você entende o que estou dizendo? Ou apenas finge fazê-lo? Assim é mais fácil, não?
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Alguns livros silenciam-se perante os despreparados. Os escolhidos, esses que deverão ler os tais livros, alcançarão a chave. Aliás, já a possuem. Basta-lhes apenas usá-la na hora certa. Mas... quando será “a hora certa”? Eles saberão, por intuição, quando essa hora chegar.
Lá chegando, abri o coração dela – com meu discurso. Fechando-o – seria eu louco o suficiente para mantê-lo aberto e continuar engolindo mais almas? – novamente, tornei-me parte dele. Isso sim faz sofrer...
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Em cada apartamento há um livro vivo – uma ou mais vidas. Dúvidas, dívidas. Esperança que transborda em desespero:
– O mundo me ouve dizer: “Sou tua voz, mundo. E falo – como posso também ouvir e ver – por meio de cada orifício de meu corpo. Posso tocar e ser tocada. Analisada – alisada, como quiserem – e refeita. Sou uma receita – desfeita de matéria humana e, aceita, torno-me mundana. E cá estou.
O resto – é o que resta dizer – não é resto.
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Adentrei a casa de no. 1463. Lá ela me perguntou: “o que pretende levar daqui?” “Nada além das lembranças que você e este lugar sempre me trouxeram.” “Fique à vontade, então.”, consentiu. “Só não se esqueça, ao sair, de fechar a porta. Esta casa é um refúgio para mim e eu gosto de encontrá-la fechada, para que eu possa repousar em paz.” “Naturalmente, Falecida. Naturalmente.”
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Não, o resto não é o resto. O resto – esse monte de restos – é você.
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Por que será que há pessoas que se contentam em destruir a vida de outras – como eu soube por meio da Rosa Imunda – e ficarem numa boa, sem a menor punição? Alguns crimes – que fique claro – merecem prisão perpétua, a pão e água, na solitária, já que não se pode matar ninguém – nem lixo humano...
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Ela me disse “Hoje li Clarice Lispector e encontrei pedaços teus nela.” Em seguida, pediu-me um beijo. E eu perguntei: “no rosto”? Ela: “no rosto – e no resto...”
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(Parece que posso ouvir alguém me dizer que meu amor apodrece dentro dela. Mas... Que dura forma de durar, de ser, de rexistir1, pois. Que persistência escatológica/passional esta, esta coisa de apodrecer lentamente, sufocando-se, definhando... Até tornar-se o que é – e não admite ser...)
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Este conceito de resistir + existir já foi previamente explicado em meu outro livro, 490, no capítulo
“Hah-hah-Heidegger – Rexistências”.
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Algumas perdas são enormes – do tamanho de uma pedra.
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Lembro-me de, em 1996, haver escrito, entre taaantas outras mensagens para mim mesmo, uma cujo título era bem singular: “Cadeira Elétrica (O Amor Destrói)”.
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“Amar – pecado imperdoável”, dizem em silêncio. Vergonhoso ofício – esse, o de ser hipócrita: é-se uma coisa e, descaradamente, afirma-se ser outra. Não percamos tempo com “gente” assim. Não mais.
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Em silêncio
Meu Deusinho do Céu: então é verdade que a gente também vai “dormir um sono eterno”, algum dia? E se alguém resolver nos acordar? (A moça na foto não tira os olhos de mim – preciso apagar a luz. Para ver melhor e não ser visto.)
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O garoto pergunta à mãe: – Onde mora o Homem do Saco? – Na rua, meu filho. Na rua... E o garoto pensa: “Nossa! Que casa enorme a dele... Deve caber um montão de crianças lá...”
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Muito bom podermos olhar para trás e ver a criança que fomos brincando, pulando de alegria, rindo com felicidade. Ali está um objetivo, talvez a essência – que nos seja permitido afirmá-lo – que dá sentido à vida, à Vida. E o que faz com que nosso espírito possa reluzir pelo menos durante esse tempo.
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O mais difícil é não fazer nada: ficar só diante do cosmos.
Clarice Lispector, Trechos2
E prestar contas ao silêncio. Cara a cara com ele.
2
In: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. p. 376.
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U R the 1 that I want...
Amo vê-la acendendo um cigarro na boca e apagando-o entre as pernas…
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Nº Registro FBN: 6.592/15
R
(Ela me vê – longe dela. Mas bem sabe que) eu olho para cada orifício de seu corpo com um carinho sem igual. (E – por dentro, num silêncio mortal, rítmico, quase dançante – chora. Chora num canto dentro de si. Num canto qualquer. Que pena: seu orgulho não permite admiti-lo.)
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“Viver nos mata – admita, Mulher.” “Admita que me ama, Demônio!” Passando por ali, inadvertidamente, que seja registrado, alguém ouve esse “papo estranho” e questiona-se: “hã?”
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Quem é você para perguntar quem sou eu?
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Sui generis
All of the children in the park Searching the sculpture to find where you are All of the blind men in the dark follow you Do you know where you go? All of the travelers on the road Put down the burdens to see where you go All of the mortals with their loss Follow you anywhere, follow you. Do you know where you go?
Yellowstone and Voice, Philosoher
Um outro “eu” – Tu? Ele? Ela? – fora de mim – “este que é” ou devo dizer “este que está a ser”?) – agita-me, parece querer dançar, dizer alguma coisa, revelar seus sonhos, seus desejos, falar sobre os (últimos) livros que leu, sua última paixão, seus medos, seus objetivos, etc. e tal.
Mas – e?
Então – e então – já não mais faz-se ver. Que há? Que acontece, pois? “Então já não sei”, penso eu, já comigo – esse eu sozinho que há em mim. 46
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Um outro eu me parece querer ficar em frente a mim. Observar-me. Caberá a ele definir-me? Ou então...? Ou então?
Então – e somente em tão3 – ou.
(Um momento: um dia a gente vai saber quem a gente é – talvez tarde demais. Mas – tarde demais, assim mesmo, assim?)
3
Sim, não há nenhum erro de digitação. Assim mesmo: “em tão”.
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– Minha finalidade é servir. – Mas que estranha forma de ser!
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Não concordo com o que até hoje se disse sobre a arte, contra ou em favor dela.
A arte fala – ou deveria falar – por si, ainda que num diálogo mudo ou monológico. Desta forma, o que tiver de ser dito sobre ela serão meras especulações, interpretações (analíticas) sobre essa concretização da capacidade humana de sentir – bem como desse produto da mesma: a arte, este fruto da árvore de sensações humanas.
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Desculpem a brincadeira. Mas é que não resisti.
Clarice Lispector, Minha próxima e excitante viagem pelo mundo4
– Papai! – Que é, minha filha? – Hoje eu vi um metal que se mexia? – Como é? – Verdade, papai! Era ouro. – Minha filha, tem certeza do que está dizendo? Isso é estranho. Fora do comum, pequenina. – Juro. Vi-o andando devagar, fazendo um zumbido estranho que talvez que viesse de suas asas em movimento. – Não entendo... – Era ouro! Pequeno, mesmo. Ouro como inseto. Era um besouro. – (Rindo bastante) Ah, claro! Pudera! E ele saiu voando, certo? – Você também o viu, papai?
4
In: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. p. 410.
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Vocês já pararam para pensar que só o agora nos pertence? E o que fazer com ele, o agora – agora?
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Nº Registro FBN: 6.592/15
Eu sabia que um dia poderia te dizer isso:
Sledgehammer, de Peter Gabriel, marcou os anos 80. Funcionou como uma espécie de prenúncio do que estaria por vir adiante, em 1987: o fim da década de 80.
Sledgehammer: o “canto do cisne” da década mais famosa da música entre os jovens de trinta e cinco, quarenta anos.
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Não (te) entendo... (Faça o meu trabalho, seu trouxa...) (Você vem de longe pra me perturbar, demônio? Que saco!!!)
Sim, venho de longe. De longe dentro de mim, de longe longe, de longe lá do quintal de casa, de longe lá de um buraco na periferia da zona mais famosa do estado mais rico de uma nação mais amarela que verde, “um país de todos – uma terra de ninguém”; de longe aqui mesmo, agora mesmo. De longe lá de casa, de longe lugar nenhum. De longe muito perto, sabe? De longe nem pensar. De longe lá de fora, onde a chuva esquenta e o sol revela deliciosas “lagartixas” de biquíni... De “longe onde?”, eh... Ou não é? 53
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Sim, de longe. Lá de baixo. De baixo de prédios que são verdadeiras ruínas em construção – bem brazill merrrmo, aí, meus camarada... De lugar nenhum, malandro. Com um copo de cerveja na mão para poder fazer bonito, é ou não é? Metendo o louco, que é pra apavorá, véi. Só... Doidão. ¿Y las mujeres, las chicas? ¿Que las quieren, hombre?
Deixe estar, amigo. Deixe passar...
Sim, sim: não entendo mais nada. Juro. E por que deveria entender essa bagunça toda? Estive no armazém, trancado. Passei do domingo para a segunda lá. Situação difícil aquela. Nada nem ninguém para conversar um pouco. Nada – ninguém. Bem, uma cabeleira rosa choque, roupas pretas, um pouco mais baixa que eu, curvas perigosas contornadas por uma calça apertadíssima de vinil. Coisa de louco... estranho, não? O vulto da moça passou por mim e tornou-se o que acabo de descrever. E parece que quis minha companhia. Por alguns dez minutos.
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Penetrante só o olhar dela. O resto do corpo é penetrável. Não tão somente, mas inclusive o (pobre) coração. Que coisa, não?
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Tocar teu corpo ou minha guitarra: que diferenรงa faz? ร tudo fรกcil demais...
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“Dormiremos bem” – assim prega a esperança de que poderemos dormir em paz. Mas “em paz”? Como? Nossos pensamentos não nos deixam... Não os deixamos!
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“Dare To Dream” (“Ouse Sonhar”) consta na camiseta de um integrante da banda Oingo Boingo, num vídeo ao qual estou assistindo na internet neste momento.
“Ouse sonhar” – não conheço maior ousadia. “Ouse amar”: bem, talvez esta seja ousadia maior. Mas também devo lembrar-me de “ousar pensar, estudar, rezar, raciocinar, etc.”
“Ouse ousar” – gostei desse também. Acho que vou usá-lo mais vezes. Sozinho e acompanhado.
De outra forma, h(aver)á pessoas contentes apenas em sonhar ousar. E nada farão de novo – além disso.
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“No princípio era...” Bem, no princípio não era nada. Mas, por “maioria de votos”, acabou sendo. A confusão é esta: saber o que veio a ser, uma vez que não era. E – e o que mais mesmo? “Ah, claro! Ainda não sei – e que continue assim.”
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Você – um outro fim.
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Você – um outro fim dentro de mim.
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(sofrimentos excessivos). Desisto: Kafka – ainda – não é para mim. Pena. Sua obra é rica – mas uma riqueza que se construiu com muito sofrimento e dor. Contornados pelo absurdo. Kafka não conhece par. Talvez Kierkegaard, mas... o teólogo dinamarquês é outra história. Desesperadora, eu sei. Mas diferente.
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Uma perguntinha: Por que diabos o homem no espelho ri do cara que chora do lado de cรก?
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Abramos as cortinas do mundo – essas cortinas que encobrem as janelas da alma. Vês? O que? Que há vida – a Vida há – apesar de nós. E deles. E de ninguém – mas... quem?
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Não, não nos conhecemos muito bem, falta-nos tempo o suficiente. Faltam-nos livros – centenas deles – sobre o ser humano, para que possamos nos entender, nos conhecer melhor. Mas... convém que eu diga-te algumas coisas, pois:
Consideremos as seguintes coisas:
Cada pessoa – cada tempo, época, série de recordações, de fatos, etc. – tem o seu meio-dia. Sim – seu meio-dia, como tão bem queria Nietzsche quando empregava o termo “meio-dia”: uma referência às sombras mais curtas, aos menores erros, etc. 65
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Mas – o “meio-dia”? Este momento ensolarado, único, indivisível? Pudera! Um marco em nossas vidas – em tudo o que existiu e em tudo o que existirá. O meio-dia – tão aclamado pelo filósofo alemão Nietzsche.
Sim! O meio-dia. O nosso meio-dia. Devidamente compreendido. Em volta das nossas montanhas – jamais atingi-lo-emos sem ter escalado cada um de nossas montanhas primeiro. Só se chega ao nosso meio-dia após termos atingido o cume.
Mas... O meio-dia! Quanto custa-nos, Senhor, atingirmos o nosso meio-dia! Este sinal – um sinal dos tempos, de nossos tempos, Senhor! Justamente nós, parte ínfima entre o ontem e o amanhã, Senhor! Nós! “Nós”, palavra com histórias para contar! Palavra com um histórico semântico/humano demasiadamente pessoal, ainda que paradoxalmente social, Senhor! Sim, nós! Nós mesmos: os de dentro e os de fora de a gente. Apenas nós! Nós! E – e quem mais?
Claro! Cada um de nós – e a nossa busca pelos nossos meios-dias, nossos objetivos últimos em cada uma de nossas buscas!
Quantos livros! Quantos pensamentos! Um legado de todos para todos. Uma história feita de outras histórias! As florestas, os mares, os lagos, as montanhas! A compreensão necessária a cada um de nós – um momento de pura Luz! De energia para prosseguirmos rumo aos próximos pontos de encontro de nossos mente, alma, espírito, qual seja a definição que possamos dar – meras interpretações para fenômenos!
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Mamãezinha! Como tenho sofrido, Mamãezinha! Como tenho buscado a felicidade em lugares errados, Mamãezinha! Quem são os outros, Mamãezinha? “São os outros teus irmãos, filhinho meu! Buscai a Paz, Irmãozinho Perdido! Buscai-a dentro de ti – e espalhai-a, Irmão! Atentai para o fechamento de ciclo que por ora começa a ter início, Amigo! Os livros começam a ser escritos – e abertos, ao mesmo tempo! Buscai, amigos, o quanto antes! Buscai em Vossos corações pelo respeito, pela confiança! Investigai, a começar pelos próprios corações, Irmãozinhos! Buscai pela Santa Paz de Deus! Buscai levar a Luz onde estiverdes! Entregai-a a teu próximo, Irmão de Luz! Largai o que te faz sofrer, Amigo! Abandonai este látego sóciopessoal, Filho Amado!
Um momento! Terei eu psicografado este trecho? Pois é o que me parece! Pois... Pois o ciclo que se fecha! Próximos do meio-dia de nossos tempos! A alguns passos do meio-dia! Sim! Do meio-dia!
Noite na terra: guerra! Não! Procuremos pela Luz do Dia! Do meio-dia!
Atingir o meio-dia – ao longo dos anos. Tarefa das mais difíceis; mas necessária. A todos nós compete cumprir um sacrifício destes. Porque o resultado compensa, se devidamente planejado. Sem ironia.
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– Mas... como são confusos os nossos caminhos, Amanda! – Eu sei, P. Mas continuemos, P. Nem saímos do lugar. Alcançar o nosso objetivo – isso vale tanto, tanto, que compensa qualquer esforço, por mais duro que nos seja fazê-lo! – De acordo, amada, digo, Amanda! Continuemos, pois. Nada de reclamar! – Palavras fortes estas, P. Confiarei nelas. Por ora, prossigamos. Menos palavras, mais passos. – Que assim seja, Amanda!
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Amanda! Os anos, Amanda! Os anos... O que os anos fizeram com a gente, Amanda?! Estivera vendo fotos tuas que datam de vinte anos atrás, Amanda! Como o tempo passa, Amanda! E parece que vivemos outras vidas – cada um de nós, a julgar pela nossa aparência e pelas recordações que elas trazem a nós, Amanda.
Como pudemos mudar – e, com efeito, Amanda, como mudamos! Agora é outro mundo, Amanda! Chego a pensar que o sentido da vida é ser supervalorizada, isto é, vivida ao extremo, porque depois há a morte e, então... Um abraço, Amanda! Um abraço!
Amanda, ah... Amandaaaahhh! Ah! Teu rosto, Amanda! E eu amando-te! A mando de meu coração! De meu pobre coração – este sofredor! Rá, rá, rá! Meu coração bate forte, Amanda... E quem apanha sou eu!
É justo isso? Você acha?
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Chega-se à constatação de que o peso na alma diminui quando a nossa se apraz no auxílio que presta às outras almas. Ou ao menos deveria ser assim. Todavia – infelizmente isso ocorre não raras vezes – semelhante fenômeno (esta diminuição do peso anímico) deve ser melhor observado e, sobretudo, analisado. Em sua essência – bem como em seus andamentos, isto é, durante sua plena atividade.
E será, então, possível, que nossa alma dance quando sob o efeito da música que tanto nos agrada? Chega aos nossos ouvidos, claro, mas... Alcança nossa alma? “Talvez”, é, pois, o que poderemos ouvir, aqui e ali. E, alcançando nossa alma, o que fará com ela, então? Tomá-la-á, pois, sob seu julgo, como que num processo de domesticação, por assim dizer. Pois que será a música – esse bálsamo – para os 70
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corações sofredores, famintos de emoção ativa, progressiva, pacificadora, senão calmante?
Pois que seja! Coração e alma podem muito bem entender-se – andar de mãos dadas, dançar ao som do vento, da música, do andamento, da dança de uma esperança que parece dançar em nome de algum resultado que supere as suas (nossas) esperanças.
Sejamos, pois, nós os nossos dançarinos – da alma. Do coração. Da esperança. Em nome de nossos objetivos. Não é senão após termos fechado os olhos que podemos perceber como se pode enxergar melhor o que nos confunde a visão aos olhos abertos – vítimas de um sonho bobo chamado realidade. Como tanto querem os normais – essa “gente” que me dá nojo. Pois que serão os “normais” senão um tipo de loucos aceitos moral e socialmente, por uma simples questão de convenção social? (Convenhamos: como isso deve doer aos ouvidos das mentes despreparadas... Como as milhares que há por aí... Possa Deus nos perdoar... Bem como a todos os outros – eles.)
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Como sofre quem pensa!
E como agoniza quem nรฃo quer pensar!
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Todas as visitações que tive na vida, elas vieram, sentaram-se e não disseram nada.
Clarice Lispector, Entendimento5
Sinceramente, não quero você, você aí, mulher pela qual nutri algum tipo de sentimento apaixonado por algum tempo. Porque o que houvesse de ti em mim preenchera-me, para pior, quase sempre assim, mas preenchera-me. E talvez isso tenha marcado partes distantes dentro de mim. E teu orgulho – coisa mais besta, estúpida – impediu-te de dizer-me: “Ó! Tu também me marcou, homem. É que eu não quero admiti-lo – não ainda. E nem sei se poderei fazê-lo nos próximos anos de minha vida...”
5
In: Para não esquecer. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. p. 89.
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Que são essas marcas? Por que a insistência nelas – como se precisássemos mesmo dizer “eu te marco”, “eu sou uma marca presente em tua vida” e blah-blah-blah... Ninguém marca nada, diacho! Eu não marco nada nem ninguém. Não obstante, Deus, somos a nossa marca, sim. A nossa marca em nosso tempo.
E eu não quero você – embora eu possa desejá-la. Não sem certa ardência, volúpia, desejo desesperado de calor físico, humano. Pele sobre pele, tesão, fogo puro, cheiro, toque de corpos, explosão de adrenalina, enfim.
E eu não quero você – mas... Se a gente se quiser, bem... Podemos mudar alguns conceitos – em nome de nossos desejos. Eles falam mais alto, às vezes.
E pare de sorrir assim perto de mim – isso me mata de arreprendimento, desejo, ilusão. Cativa-me a ponto de tornar-me escravo de minhas fantasias de paixão.
Como somos humanos – demasiadamente humanos!
Como!
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– Por que não para de chorar? – Porque desejo ver o mundo sorrindo e não consigo. – Pelo que entendo de tuas palavras, apesar da ambiguidade delas, penso que você está querendo dizer que, enquanto o mundo não sorrir, você não irá parar de chorar, correto? – Sim. – Engana-se imensamente. Por quê? Porque o mundo não poderá sorrir enquanto você não parar de chorar.
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Numa mesa de bar – desses frequentados por universitários, à noite – uma moça, de lingerie, em pé e muito agitada, cantava Down Under, do Men At Work, enquanto seu público, formado em sua maioria por rapazes, batia palmas, sem tirar os olhos dela. Os caras que tocavam violão – dois – davam o tom alegre e vivo da graça daquela noite. Momento único: eram jovens felizes, bonitos, e com esperança num futuro promissor. Um público formado por acadêmicos de áreas como Comunicação Social, Medicina, Arquitetura, Letras, Filosofia, História, Direito, Jornalismo, enfim.
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Só escrevo esta crônica porque me lembro, com saudade, daquela visão de mundo que me foi permitida ter ao longo daqueles oito minutos e meio. A moça, ainda que vestida apenas em trajes íntimos, sequer era tocada ou desrespeitada por ninguém ali. Realizava o trabalho de apenas dançar e cantar com vigor incomparável. A ponto de atrair a atenção de uma grande quantidade de transeuntes que passavam por ali naquele horário. E que assobiavam a canção – sem, no entanto, chegar a atrapalhar o andamento da mesma. De forma alguma.
Quantas saudades, Senhorita Dançarina Cantora. Que bom possamos cantar todos juntos canções como esta e revivermos este momento em outros ambientes assim, sem maldade, sem falta de respeito. Viver a arte musical, corporal (dança) e reviver esse momento de coração de estudante. Porque há vida – ainda. E porque “recordar é viver”.
Sim. E até sempre, meus amigos.
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Um salto, a exemplo de tantas outras coisas da vida, tem, outrossim, altos e baixos. Para nรฃo esquecer: um salto tem altos e baixos: a) quando se planeja dรก-lo; b) quando se chega a realizรก-lo e, por fim, c) quando jรก se deu.
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Para conseguir uma indiferença natural, fui colocado a meio caminho entre a miséria e o sol. A miséria impediu- me de acreditar que tudo vai bem sob o sol e na história; o sol ensinoume que a história não é tudo.6 Albert Camus, Prefácio do autor
Só a imensa solidão do mundo me dá sua medida. Idem, Entre O Sim e O Não7
O sol me arrancara de mim mesmo Idem, Com a morte na alma8
Vá, Camus, atrás9 do sol. Quem sabe ele brilhará mais que teu poder de escrever. Vá, homem! Que o sol te espera, Camus!
6
In: O Avesso e O Direito. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 18
7
Id., ibid., p. 64.
8
Id., ibid., p. 78.
9
Isto é, “em busca de”.
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Arte nossa de cada dia – para quem precisa...
Se me perguntarem o que entendo por “arte”, não temeria responder da seguinte forma: “arte é toda a concretização de um sentimento, sensação e/ou estado de espírito o/a qual clama ansiosamente por alcançar o nosso exterior e tornar-se algo real, tangível, visível.”
Diria, outrossim, que “arte” é um sinal concreto de que o ser humano é um criador em potência. Criar talvez seja a manifestação máxima da evidência de que uma pessoa existe e resiste. Criar é modificar o mundo; significa indicar possibilidades exteriores a nós, que podemos alcançar e moldar de acordo com nossos entendimentos do que é/não é; criar é provar-se vivo. E ativo.
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Qual o segredo de Yehsika?
J., tão bela em sua idade. Teus 18 fazem-lhe tão bem, menina. E fazem-me tão mal... Que não posso – também por eles – aproximar-me de ti na condição de homem. Como sofro, J. Como sofro por causa disso!
Não entendo: a cadeira onde esteve sentada J., num sábado de inverno, porém muito bem aquecido pelo sol – este elemento camusiano –, na 124ª sala de um prédio antigo – deve ser uma escola técnica ou algo do gênero –, quando deixada por J., manteve o cheiro – delicioso, de-li-ci-o-so – de um perfume feminino. Mas... ali J. estivera sentada há pouco. Que acontece, pois?
Também a cadeira tivera sido aquecida pelo belíssimo traseiro – perfumado (?) – de J.
Graça que dificilmente se repetirá...
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... Ou então deverei reler tudo – Deus! Como isto dói na alma! Por quê? Por quê?! – o que li há algum tempo. Para encontrar os lugares onde parei. Onde me perdi, achando que iria me encontrar. Mentira! Posso eu viver desta mentira real?
(Sim – Tu, Judas! Tu, Judas! Tu andas para trás, homem! Vosso futuro é um passado distante! Dor!)
Cacos, cacos, linhas inexatas. Um rosto distante que fornece pistas – para que ninguém deseje saber onde –, tua morada na alma. Na lama – na alma. Alma, lama: belo anagrama.
Sonhei que dialogava com Camus. E o homem só olhava para o sol. Que desgraça!
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Muito obrigado – muito mesmo! (Sem ironia)
Há pessoas pelas quais podemos fazer alguma coisa. Pessoas que precisam da gente. Para elas, o pouco que podemos fazer é muito. (Deus é testemunha disso).
Há, pois, que se fazer esse “pouco” – tão “pouco” para nós. Para os necessitados de nosso auxílio, esse pouco, muito que é, aquece-lhes a alma. Estende a mão a quem não deseja cair no abismo.
Tão pouco – e tanto.
“Não somos nada”, dizem. Pois é. Parados, braços cruzados: não somos nada mesmo. Mangas arregaçadas, mãos à obra: começo a sentir que Deus existe. E que se manifesta em nós – os ocupados.
Obrigado (não sem chorar e servir ao próximo – o próximo na fila da humanidade tão necessitada que há fora e dentro de nós.
(Ora, somos ou não somos todos um?)
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Destinos sem destino
Longe de casa – e de Yehsika, e de todos eles – evoco as sábias palavras de um estranho – seria aquele homem um louco? –, que cantava, num idioma não menos estranho – acho que era tcheco, sei lá – algo que, conforme informaram-me mais tarde, significava “a vida é o único caminho para a morte;/calem-se e ouçam o vento cantar...”
Uma prostituta muito bela – e com semblante muito familiar – convidava-me para conhecê-la melhor: “vem, meu amor. Tenho o que tu tanto procuras. Prometo-lhe acalmar-te levando-te a loucuras...” “Lamento, Dama, porém, não posso. Amanhã devo estar em outra terra. Mas agradeço o convite, deveras tentador...”
Um sonho? De quem?
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Sobre o que poderia ter sido escrito – e...?
Tudo – ou quase – que até hoje não escrevi acumula-se em pequenos montes – de memórias quase concretas, de uma solidez mórbida (ou quase).
Tudo isso começa a passar. Dentro ou fora de mim. Perto ou longe de mim.
É porque ou faltou tempo, papel, caneta, ideias (até isso faltou!), sensações. Bem, ideias faltaram, sim, mas ideias integrais, totais – completas, para ser mais exato.
E escrever é bem isto: uma benção – ou tenciona, concorre para ser. Até partido da dificuldade de escrever pode ser tirado como assunto para escrever.
Por ora é não lamentar o que não pôde ser escrito. E prosseguir.
E ser feliz – ou não – escrevendo. Mas escrever mesmo assim.
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“E agora?”10
Chamo-me Eduardo, 34 anos, dos quais doze tem sido dedicados a lecionar na rede estadual. O que relatarei agora foi uma das mais intensas – se não a mais intensa – das minhas experiências de vida.
Ao longo desses doze anos em que leciono passei por muitas situações diferentes: alunos mal educados, infelizes criaturas sem perspectiva de vida, sem futuro; uma vadia colega de trabalho pela qual me apaixonei há alguns anos e, “de vez em quando todos os dias”, reencontro-a por aí, nas esquinas da vida, sempre em busca de algo que rima com sua vida sem nexo; alguns alunos incríveis – dariam ótimos
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Originalmente publicada no número 2 do Jornal Multifocal, da E. E. Pe. Simon Switzar.
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professores – e outras pessoas das quais jamais me esquecerei nesta vida – como, quem sabe?, em outras...
Ontem, durante minha última aula numa quinta série, algo aconteceu que me atingiu a alma. Antes, entretanto, gostaria muito de “preparar o terreno” para o que direi em breve. Citando um exemplo de como empregar bem as palavras, disse à sala: “(...) Assim, a gente resolve dois problemas com uma solução só.” “Mas professor, o certo não é ‘matar dois coelhos com uma cajadada só’?” “Negativo”, respondi. “Primeiro porque é preferível morrer a matar; segundo, porque coelhos são apenas animais. E não causam problema algum a ninguém.” A sala permaneceu em silêncio. Lá no fundo, então, umas sete crianças disseram, em coro: “O professor tem razão.”
Cinco minutos passados, bate o sinal. Todos – exceto um aluno – deixam a sala, para retornar a seus lares. “Ei, amiguinho, você não vem? Preciso fechar a sala.” “Não posso, Professor. Perdi minha família e o senhor é tudo o que tenho agora.” Era verdade, já haviam me falado disso antes do início das aulas. Em pé, permaneci paralisado. E – Deus! – não pude conter as lágrimas que lavavam meu rosto. Como nunca. E agora?
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É de uma beleza sem igual. Mas – Deus! – será que tudo nesta vida tem que ser pornografia?
Isso consome a alma. E a mantém ferida, Jesus.
Não deveria, de forma alguma, existir sexo: 1) sem carinho nem 2) sem o consentimento das pessoas – de preferência apenas as duas – envolvidas neste ato maravilhoso.
Se pudermos pensar melhor em tantas coisas dessa vida, que este assunto seja pensado de igual forma, isto é, com o devido cuidado.
Sexo pelo sexo, leitura pela leitura, ser do contra só por ser do contra: não passa de pura estupidez. As coisas deveriam primar mais pela importância, pelo prazer, pela graça que têm, do que pelo falso prazer que passam aos despreocupados e desocupados do espírito.
Uma vez que tudo tem o seu tempo...
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Mesa cheia de trabalho
O tempo é o meu maior inimigo – ou então meu único credor.
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“Caçamentos”
– Por quem os sinos dobram? – “Por quem os sinos choram?”, seria a pergunta mais adequada, amiga. – Hã?! (– Nossa! Tudo o que o Eduardo diz dói no coração da gente...) (– Nossa! Tudo o que eu digo à Rosa parece doer em seu coração. Por quê?)
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Há muito tempo que
Eu queria poder sentar-me em uma poltrona confortável, numa sala dominada pela penumbra, nas altas horas da noite – as altas horas ainda existem? Por que escondem-nos tanto delas? – e poder dizer a mim mesmo: “Eu não sei. Sobretudo
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eu não sei. E – e ponto. Pronto. Para recomeçar. Qualquer dia desses recomeçar. Dali mesmo. Só...”
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Vinha caminhando pela mais paulista das avenidas quando resolvi pegar um papel que um senhor muito bem vestido deixara cair. Lá estava escrito o seguinte:
E a velha...
a velha leva a lenda à venda vê-la levar me faz viajar lá vai a velha vender a lenda a quem melhor pagar
Pensei tanto no que acabara de ler que ficava a perguntar a mim mesmo: “Se eu pagasse à velha uma quantia irresistível será que ela me elevaria? Levar-me-ia a vê-la nua?” Parei. Porque senti que a velha estava por ali. Esperando por algum comprador.
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Livros para ler nas férias
Não haverá férias – não há, nunca houve. Mas isso não é pretexto para não lermos os livros. 94
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Sobre
Um prédio a três, quatro quilômetros de distância. No meio de dois pinheiros a vinte metros de mim.
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Ainda não
Ainda não vi nem conheci – aqui mesmo, agora mesmo, nestes trinta e quatro anos – quem estendesse a mão para levantar alguém. E fazê-lo sem o menor interesse.
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Ubiquitate
Como o Dr. Manhattan: estou em vários lugares ao mesmo tempo. E como isto pesa em mim – e para mim.
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– Ei, W., eu acho você tão distante... Por quê? – Porque a distância diz tanto.
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Fogo!
Uma simples página em branco – tanto fogo, tanto – que nossos corações se põem a pensar.
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Grand Finale
“E no final... não há final.”
Naturalmente: tudo é um eterno retorno.
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1463ª página. Já não há mais nada a escrever que não tenha sido dito ao longo destes 21 anos...
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