idança.txt Volume 1 Setembro 2010
ISSN 2178-9800
idança.txt Volume 1 September 2010
Foto de Manuel Vason: colaboração com o coreógrafo português Miguel Pereira. Bristol, 2006. / Photo by Manuel Vason: collaboration with the portuguese coreographer Miguel Pereira. Bristol, 2006.
MARCIO ABREU / TIAGO BARTOLOMEU COSTA / JANEZ JANŠA / HELENA KATZ / HELLY MINARTI / MANUEL VASON
Maud Adams 49, 50 / Dai Ai-lan 52 / Pedro Almodóvar 71, 72 / Arnaldo Antunes 10 / Arjun Appadurai 50, 52, 57 / Marianna Araújo 15, 17 / Inke Arns 19, 20 / Ateliê de Criação Teatral (ACT) 39 / Balasaraswati 51, 52, 57 / Aleksandra Balmazović 25, 26 / Charles Baudelaire 50, 52, 57 / Pina Bausch 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 77 / Jérôme Bel 45, 69 / Bruno Beltrão 8, 17 / Leonetta Bentivoglio 70, 71, 72, 73 / Matej Bogataj 24, 25 / João Bosco 10 / Peter Božič 27 / Boško Božović 28 / Peter Brook 71, 73 / Alain Buffard 45 / Ramsay Burt 49, 50, 51, 52, 57 / Alejandro Caceres 63 / Manca Čermelj 32 / Boris Charmatz 76, 77 / Ananya Chatterjea 52, 53, 57 / Cia. Brasileira idança.txt Vol. 1 – Set 2010
de Teatro 38, 39, 41, 43, 44 / Sutil Cia. de Teatro 39 / Cia. dos Atores 45 / Jovan Ćirilov 35, 36 / Bojana Cjévic 69 / Grupo Corpo 10, 11, 17 / Julio Cortázar 45 / Gregor Cvetko 25, 26 / Damblant-Hussenot 75 / Daniel Dantas 42, 43 / Mélanie Derouetteau 74, 75 / Jane Desmond 49, 50, 57 / Elenize Dezgeniski 38, 41, 44 / Discípulos do Ritmo 17 / Lesley Downer 57 / Dražen Dragojević 25, 26 / Isadora Duncan 49, 50, 51 / East Dance Academy (EDA) 28, 29 / Frank Ejara 17 / Jan Fabre 2, 19, 20, 27 / Rodrigo Ferrarini 38, 44 / MES Festival 28 / Antunes Filho 42, 43 / Erika Fischer-Lichte 76, 77 / Ernst Fisher 65 / Dalibor Foretić 27 / Oriana Fox 60 / João Freire Filho 17 / Aderbal Freire-Filho 42, 43 / 2
Loïe Fuller 50, 51 / Galeno 12, 13 / Galpão 45 / Cloud Gate 53, 54 / Doran George 62 / José Gil 76, 77, 78 / Gilberto Assis 10 / Enrique Gil Calvo 9, 11, 12, 17 / Philip Glass 10 / Helena Golab 29 / Rainieri Gonzalez 38, 41, 44 / Samo Gosarič 22, 23 / Martha Graham 49, 50 / Eduardo Granja Coutinho 17 / Christine Greiner 12, 13, 14, 17 / Grotowski 28 / Rafael Guarato 15, 16, 17 / Uninvited Guests 58 / Marco Antônio Guimarães 10 / Charles Halle 49, 51 / Matthew Harp Allen 24, 25, 51, 52, 53, 57 / Andrew Hewitt 9, 10, 12, 14, 15, 17 / Hiroki Toguchi 55 / Raimund Hogue 75 / Slavko Hren 33 / Silvia H.S. Borelli 17 / Lin Hwai-min 53, 54 / Koichi Imaizum 55 / Andrej Inkret 27 / idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
Michael Jackson 9, 10, 13, 14 / Lado Jakša 25, 26 / Matjaž Jarc 25, 26 / Milan Jesih 33 / Shobana Jeyasingh 49, 52, 53 / Mark Johnson 13 / Dušan Jovanović 26, 28, 35, 36 / Jožica Avbelj 25, 26, 27 / Sankai Juku 53, 54 / Allan Kaprow 22, 23 / Alja Kapun 25, 26 / Takao Kawaguchi 55 / Akram Khan 52, 53 / Michael Kirby 21, 22 / Christian Körner 12 / Koseski 36 / Krakauer 14, 15 / Tomaž Kralj 32 / Stanley Kubrick 12, 13 / Bojana Kunst 28 / Laban 50, 51, 52, 53 / Jean-Luc Lagarce 39 / George Lakoff 13 / Laurence Louppe 76, 78 / Lehmann 21, 22 / Paulo Leminski 45 / Lenine 10 / Barbara Levstik 35, 36 / Alessandra Lopez y Royo 51, 52, 57 / Blaž Lukan 20, 21, 22, 23, 24, 25 / Lula 11, 12 / Vera Mantero 45, 76, 77, 78, 79 / 3
Marcandrea 18 / Jesus Martin-Barbero 9, 10, 11, 12, 17 / Avanthi Meduri 51, 52, 57 / Luis Melo 39, 42, 43 / Membros Cia. de Dança 16, 17 / Junoš Miklavec 23, 24 / Aldo Milohnić 28 / Philippe Minyana 39, 45 / Alain Monot 78, 79 / Aldo Moro 30 / Rabih Mroue 29 / Ronald Munroe 67 / Nadja Naira 41, 44 / Boštjan Narat 25, 26, 27 / Janet O’Shea 51, 52, 57 / Dilip Parameshwar Gaonkar 50, 51, 57 / Tone Partljič 35, 36 / Patrice Pavis 72, 73 / Anna Pavlova 50, 51 / José Luiz Pederneiras 11 / Rodrigo Pederneiras 10, 11 / Zu Pei 50, 51 / Muharem Pervić 27, 28 / Astrid Peterle 31 / Picasso 19, 20 / Matjaž Pikalo 25, 26 / Steven Pinker 15, 16, 17 / António Pinto Ribeiro 70, 71, 72 / Matjaž Pograjc 24, 25 / Racionais MC’s 12, 14 / idança.txt Vol. 1 – Set 2010
Bianca Ramoneda 39 / Jacques Rancière 21, 22 / Teja Reba 25, 27 / Janaína Rocha 17 / Rockettes 14 / Lia Rodrigues 45 / Dušan Rogelj 23, 24 / Felix Ruckert 72, 73, 74, 75, 77 / Sadayakko 46, 49, 50, 51, 57 / Alonso Salazar 11, 12 / Ezter Salómon 75, 77 / Nuno Santos 49 / Martha Savigliano 48, 49, 50, 57 / Richard Schechner 21, 22, 57 / Friedrich Schiller 12, 13 / Schlemmer 19, 20 / Scipion Nasice Sisters Theatre 27 / Goran Sergej Pristaš 28 / Shakespeare 42, 43 / Uday Shankar 50, 51 / Shen Wei 53, 54 / Shijingmo 50, 51, 52, 53 / The Slovenian National Theatre 19, 29 / Giovana Soar 38 / Herman Sorgeloos 68, 69, 70 / Helen Spackman 66 / Dejan Srhoj 25 / 4
Ruth St Denis 49 / Igor Štromajer 22, 23 / Meg Stuart 19, 20 / TanzQuartier 69 / Tanztheater 71, 73 / Veno Taufer 20, 21, 27, 28 / E.B. Taylor 16 / Anton Tchekhov 39, 45 / Teatro da Eslovênia 20 / Saburo Teshigawara 53, 54 / Tiller Girls 14 / Ajda Toman 25, 26 / Irena Tomažin 25, 26 / Tomaž Toporišič 21, 22 / John Travolta 9, 10 / Borut Trekman 27 / Uakti 10 / Caetano Veloso 10 / Daniel Veronese 45 / Vertigem 45 / Rok Vevar 21, 22, 24, 25 / Claudia Vicuña 63 / Helena Vieira 61 / Marcio Vito 39 / Marija Vogelnik 27, 28 / Krzysztof Warlikowski 45 / Aaron Williamson 64 / Bob Wilson 69 / José Miguel Wisnik 10 / Sardono W. Kusumo 53, 55 / Dick Wong 55 / Wu Xiao Bang 50, 51, 52, 53 idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
/ Tom Zé 10 / Dragan Živadinov 35, 36 / Slavoj Žižek 22, 23 / Grega Zorc 24, 25 /
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idança.txt Uma jangada de idéias Diante de um mundo cada vez mais conectado, as definições e fronteiras que envolvem o conceito de contemporaneidade estão cada vez mais fluidas. Pensadores de todos os lugares do mundo vêm tratando essa mesma questão a partir de sua experiência local. O idanca.net, a partir de seu espaço de trocas nacional e internacional, decidiu aprofundar este espaço para artigos de mais fôlego e que tratassem da pratica cênica atual a partir de pontos de vistas os mais variados possíveis. Nasceu assim este idanca.txt, uma espécie de jangada, feita de um amarrado de ideias que pudessem navegar temporariamente juntas e encontrar leitores. Com apoio da Fundação Prince Claus, da Holanda, o idanca.txt é uma série de cinco edições PDF com textos de autores de diferentes continentes, refletindo sobre vários aspectos da contemporaneidade. A escolha pelo formato PDF levou em conta a praticidade do acesso, mas com a possibilidade de um trabalho gráfico mais elaborado. O projeto também conta com a parceria da IETM, da revista Obscena e da revista eletrônica Questão de Crítica.
Cada edição, que poderá ser lida online, baixada, impressa, usada em salas de aula, propõe uma constante troca de experiências e idéias, algumas vindas de zonas de sombra, regiões em desenvolvimento onde a informação ainda circula com dificuldade, especialmente em uma área de conhecimento tão ampla quanto as artes cênicas. Adoraremos saber sua opinião sobre este novo projeto. Os editores
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idança.txt A raft of ideas When we face an increasingly connected world, the definitions and borders around concepts like contemporary become more and more fluid. Thinkers in all places are adressing this same question from their local experience. Idanca.net, using its location in national and international exchange, decided to deepen this space for longer articles dealing with current performing arts practices from the most varied points of view. This new project, idanca.txt, is like a raft, made of ideas tied temporarily together, that could float away in the web and find readers. With the support of Prince Claus Fund, from Holland, idanca.txt is a series of five PDF editions with texts written for authors of different continents, reflecting on some aspects of the contemporary. The choice of PDF format took into account practical access, but with the possibility of an elaborated graphical work. The project also has the partnership of IETM network, Obscena magazine and the Brazilian electronic magazine Questão de Critica. Each edition, that can be read online, downloaded, printed, used in classrooms, proposes a idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
constant exchange of experiences and ideas, some comings of shadow zones, regions in development where the information still circulates with difficulty, especially in an area of knowledge as wide as the performing arts. We will love to know your opinion on this new project. The editors
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O TRÂNSITO RUA-PALCO NA DANÇA BRASILEIRA: HIP-HOP, MÍDIA, COMPORTAMENTO por Helena Katz 8–17 / RECONSTRUÇÃO 2 — SOBRE AS RECONSTRUÇÕES DE PUPILIJA, PAPA PUPILO AND THE PUPILCEKS E MONUMENT G por Janez Janša 18–37 / O ESPAÇO INVISÍVEL DA PRESENÇA — ENTREVISTA COM MARCIO ABREU por Daniele Avila 38–45 / DESEJO ENSAIADO: REFLEXÕES E QUESTÕES SOBRE A DANÇA CONTEMPORÂNEA NA ÁSIA por Helly Minarti 46–57 / COLABORAÇÕES por Manuel Vason 58–67 / O MEU CORPO, A MINHA IMAGEM por Tiago Bartolomeu Costa 68–79 idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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THE STREET-STAGE TRANSIT IN BRAZILIAN DANCE: HIP-HOP, MEDIA AND BEHAVIOR by Helena Katz 8–17 / RECONSTRUCTION 2 — ON THE RECONSTRUCTIONS OF PUPILIJA, PAPA PUPILO AND THE PUPILCEKS AND MONUMENT G by Janez Janša 18–37 / THE INVISIBLE SPACE OF PRESENCE — AN INTERVIEW WITH MARCIO ABREU by Daniele Avila 38–45 / REHEARSING DESIRE: INSIGHTS AND ISSUES ON CONTEMPORARY DANCE IN ASIA by Helly Minarti 46–57 / COLLABORATIONS by Manuel Vason 58–67 / MY BODY, MY IMAGE by Tiago Bartolomeu Costa 68–79 idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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Espetáculo H3, de Bruno Beltrão. / Bruno Beltrão’s show H3. idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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Espetáculo 21, do Grupo Corpo. / Grupo Corpo’s show 21. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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Helena Katz tem trabalhado como crítica de dança em São Paulo desde 1977. Em 1986, ela fundou o Centro de Estudos da Dança, onde pessoas envolvidas com essa arte (desde o mercado de dança até o campo acadêmico) se reúnem para estudar, refletir e discutir. Desde 1994, tem lecionado na PUC — Pontifícia Universidade Católica, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica e no curso Comunicação das Artes do Corpo. Além disso, é professora colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Dança da Universidade Federal da Bahia e professora convidada no Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade de São Paulo.
A mídia vem desempenhando um papel transformador naquilo que podemos identificar como “danças urbanas” (cultura popular, folclore, entretenimento). Hoje, essas danças estão no corpo dos bailarinos profissionais em uma medida diferente daquela que a história da dança tem nos contado. Quando um bailarino dança, seu corpo não separa a dança que realiza profissionalmente daquela outra, que pratica socialmente. Sempre foi assim. A diferença agora é que isso se dá com processos de midiatização de alcance mundial, produzindo consequências novas. Uma vez que as “danças urbanas” estão ligadas a tradições locais e conectadas, simultaneamente, em redes globais, carregam uma tensão peculiar que interfere na forma como vemos a relação local / global. Trata-se de um fenômeno especialmente significativo para os países colonizados e interessados em abordagens não colonizadas para o que vem acontecendo. As relações entre o erudito e o popular pertencem à história da dança e nela ocorrem em diferentes proporções. Em tempos recentes, um novo tipo de flexibilização social tem inventado novas formas de produção, atuando idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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Helena Katz has been working as dance critic in São Paulo since 1977. In 1986, she created the Center for Dance Studies, where people involved with dance (from the dance market to the academic field) gather to study, reflect and debate. Since 1994, she has been teaching at PUC, in the Communication and Semiotics post-graduate studies program and the Communication of the Arts of the Body course.
The media has been playing a transforming role in that which can be identified as “urban dances” (popular culture, folklore, entertainment). Nowadays, these dances are present in the body of professional dancers in a different extent from what the history of dance has been telling us. When a dancer dances, his body does not separate the dance danced professionally from the one he dances socially. It has always been like this. The difference now is that it takes place through mediatization processes with worldwide reach and it produces new consequences. Once “urban dances” are linked to local traditions and simultaneously connected in global networks, they carry a peculiar tension that interferes in the way we perceive the local/global relationship. It is a especially significant phenomenon for colonized countries interested in non-colonized approaches to what has been happening. The relationship between erudite and popular culture belongs to dance history and takes place in different proportions. Recently, a new kind of social flexibility has been creating new forms of production, intensely acting upon society. For that reason, it’s worth noting that sociologists as important as Enrique Gil Calvo (1985) and researchers of communication and culture such as Jesus idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
intensamente na sociedade. Por isso, merece atenção o fato de que sociólogos da importância de Enrique Gil Calvo (1985) e pesquisadores da comunicação e da cultura, como Jesus Martin-Barbero (2008), identifiquem a música como a língua dos jovens mas não se refiram à dança. Há uma resistência em reconhecer o duplo papel da dança como agente e como indicador de transformações sociais, mantendo-a restrita aos limites de uma abordagem estética. Todavia, a dança não somente presentifica uma ordem social como atua como seu modelo (Hewitt, 2005). A dança ganha forma, mas também dá forma à dinâmica da história. A ausência de referência à dança permanece, mesmo depois de Michael Jackson, com Thriller (1982), haver inaugurado um outro mundo para a indústria da música. Tal associação dança-música estimulou um mercado que, de lá para cá, só fez expandir, atingindo mídias de amplo alcance, como publicidade, programas de TV e shows de todo tipo. A proliferação dos videoclipes pós-Thriller (na moldura difundida pela MTV) colaborou para desestigmatizar a presença masculina na dança e se disseminou com rapidez. Michael Jackson ocupou papel central nesse movimento; trazia algo de uma dança que acontecia nas ruas dos bairros da periferia e, com ela, seduzia todas as classes sociais. De outra forma, John Travolta também participou. Em 1977, Tonny Manero, seu personagem em Saturday night fever (Os embalos de sábado à noite), popularizou a dança da discoteca. A sequência se deu nos anos 80, com
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Martin-Barbero identify music as the language of youth (2008), but don´t mention dance. There is resistance in recognizing dance’s double role, as agent and indicator of social transformations, keeping it restricted to the limits of aesthetic approaches. Nevertheless, dance not only actualizes a social order, it also acts as its model (Hewitt, 2005). Dance is shaped, but it also gives shape to history’s dynamics. The lack of references to dance remains, even after Michael Jackson inaugurated a new world for the music industry with Thriller (1982). That dance-music association stimulated a market that has only expanded since, reaching wide range media, like publicity, television programs and every kind of show. The explosion of music videos after Thriller (in the framework established by MTv) collaborated to destigmatize the male presence in dance and started to spread quickly. Michael Jackson played a central role in this movement; he brought something of the dance that was on the streets in the inner cities and seduced every social class with it. In a different way, John Travolta also participated. In 1977, his character in Saturday Night Fever, Tonny Manero, made disco dancing popular. It was followed by Grease and Staying Alive in the 80’s. The odd thing is how it all flowed into the dance created for the stage. The hypothesis developed here is the one that follows. But the field in which it came forth was the observation of a transformation in the choreographic production of Rodrigo Pederneiras for his
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Grease (Nos tempos da brilhantina) e Staying alive (Os embalos de sábado continuam). O curioso foi como tudo isso veio desaguar na dança criada para o palco. A hipótese aqui desenvolvida é a que se segue, mas o campo em que brotou foi o daobservaçãodeumatransformaçãonaproduçãocoreográfica de Rodrigo Pederneiras para a sua companhia, o Grupo Corpo. A partir de 21 (1992), seu entendimento sobre dança começou a mudar e, em Breu (2007), ficou ainda mais explícito que tipo de transformação estava em curso e que, evidentemente, não ocorria somente lá. O arco temporal que liga 21 a Breu começa a ser montado com a chegada da música popular ao processo de criação de Rodrigo Pederneiras e com a profunda mudança no elenco da companhia. Conhecido pela ligação estreita entre a coreografia e a música que pratica, quando passa a trabalhar com as criações de Marco Antônio Guimarães / Uakti, José Miguel Wisnik, Tom Zé / Gilberto Assis, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, João Bosco, Philip Glass e Lenine, contamina-se com as misturas já presentes no trabalho de cada um desses músicos. Seu palco é invadido pela mestiçagem da cultura popular que, então, passa a se traduzir em um outro tipo de movimento, diferente daquele que vinha desenvolvendo. Paulatinamente, o rejuvenescimento do elenco e a inclusão de negros também foram produzindo as suas marcas. A principal talvez seja a que aponta para os hábitos desses novos bailarinos — hábitos que têm a ver com o idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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company, Grupo Corpo. After 21 (1992), his understanding about dance began to change. With Breu (2007), the kind of transformation taking place became even more explicit, as well as the fact that it evidently wasn’t only happening there. The time arc connecting 21 to Breu began to be assembled with the introduction of pop music into the creative process of Rodrigo Pederneiras and the deep change in the company’s cast. Known for the close connection between choreography and music in his practice — once he started working with Marco Antônio Guimarães / Uakti, José Miguel Wisnik, Tom Zé / Gilberto Assis, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, João Bosco, Philip Glasss and Lenine — he becomes influenced by the mixtures already present in the work of each of the musicians. His stage is invaded by the miscegenation of popular culture, which then starts to be translated into a different kind of movement, different from the one he had been developing. Gradually, the rejuvenation of the cast and the inclusion of black dancers made their marks. The main one is probably that which point to the habits of the new dancers — habits that have to do with what has been happening’s with the music-dance relationship in the world since the 80. The social mobility represented by this new cast alters old codes of behavior. A dancer couldn’t have tan marks and did not party. As dance became popular as a kind of social bonding, these young dancers, just like every other young non-dancer of the same age group, idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
que vinha acontecendo no mundo, desde os anos 80, com a relação música-dança. A mobilidade social da qual esse novo elenco é representante altera velhos códigos de comportamento. Bailarino não podia ter marcas de bronzeado no corpo e não saía para baladas. Tendo a dança se popularizado como forma de vínculo social, esses bailarinos jovens, como todos os outros jovens não bailarinos de sua faixa etária, passaram a levar as danças que praticavam para o seu dia a dia profissional. Como o corpo não recusa a informação que nele encosta, todas essas outras formas de se movimentar passaram a se misturar com a coreografia que ensaiavam. E mais: como o contágio da informação cultural é viral, a própria materialidade daquelas movimentações passou a existir no universo de Rodrigo Pederneiras, que as reencontrava no corpo de seu elenco. Ou seja, é com o entendimento da relação corpo-ambiente da teoria Corpomídia que aqui se explica o fenômeno observado na produção coreográfica de Rodrigo Pederneiras. Mas é preciso acrescentar outras observações para consolidar a leitura aqui proposta. Sempre que se liga dança a movimentos do dia a dia e meios de comunicação, chega-se perto das relações entre estética e ideologia. Precisa-se delas para ler as misturas palco-rua que passaram a nutrir a geração pós-Thriller, e que, só mais adiante, vieram tornar clara a mobilidade social que essa dança tanto expressava como promovia. Uma sucessão de videoclipes e de filmes fez
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started to bring the dances they practiced elsewhere into their professional daily life. Since the body does not refuse the information it is touched by, all those other ways to move started to get mixed into the choreography they were rehearsing. More: since the contamination of information is viral, the very materiality of those movements began to exist in the world of Rodrigo Pederneiras, who rediscovered them in the bodies of his cast. In other words, the phenomenon observed in the choreographic production of Rodrigo Pederneiras is explained through the bodyenvironment relationship of Corpomídia theory. But some observations must be added in order to consolidate the interpretation proposed here. Every time dance is linked to everyday movements and the media, we approach the relationship between aesthetics and ideology. They are needed for the interpretation of the stage-street mixtures started to nurture the post-Thriller generation and that only later made clear the social mobility this dance both expressed and promoted. A series of music videos made it a world reference. Different countries and different social classes in the same country joined in those different dance steps, and began to train the new abilities of that group dance. The stage and the street were already around in the 80’s, but this contamination now reaches an extension that is unprecedented in the history of Brazilian dance, a result of the combination of two events indicated here as hypothesis: the social mobility that took place in the
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dela uma referência mundial. Países distintos e diferentes classes sociais em um mesmo país aderiram àqueles passos diferentes e passaram a treinar as novas habilidades daquela dança feita em grupo. Se o palco e a rua já estavam presentes nos anos 80, essa contaminação agora atingia uma extensão jamais vista na história da dança brasileira, resultado da combinação entre os dois acontecimentos aqui apontados como hipótese: a mobilidade social ocorrida nos processos de formação do bailarino no nosso país; e o fato de a dança haver se tornado um vínculo social identitário. Sair para dançar não se restringe a uma atividade de jovens, pois espalhou-se por todas as faixas etárias e classes sociais. Os bailes que atraem a terceira idade proliferam, assim como os de funk, as baladas e as raves. No nosso país, a mobilidade social encontrou apoio também em algumas medidas implantadas no governo Lula, tais como as cotas para negros nas universidades ou o Pro-Uni, que permite a estudantes do ensino público ascenderem ao ensino universitário. Lembrando que existem 30 cursos de graduação em dança no Brasil, percebe-se que também a universidade tem produzido mais porosdade social na dança. A política de inclusão digital é central nessa democratização de acesso, apesar de também se constituir como uma marca de classe social, como sublinha Gil Calvo: “As marcas e sinais audiovisuais, como as marcas e sinais acadêmicos que traçam as instituições de ensino, não só determinam o posto que cada jovem ocupa na estrutura social idança.txt Vol. 1 – Set 2010
O TRÂNSITO RUA-PALCO NA DANÇA BRASILEIRA: HIP-HOP, MÍDIA, COMPORTAMENTO, por Helena Katz
training process of dancers in our country and the fact that dance has become an identitarian social bond. Going out to dance is not restricted to a youth activity, since it has spread to all age groups. The balls that attract the elderly proliferate, just as baile funk, parties and raves. In Brazil, social mobility has also found support in some policies implemented by president Luis Inácio Lula da Silva, such as affirmative actions in Universities or ProUni, a program that aids students from the public system school system to get into Universities. Keeping in mind that there are 30 dance graduate courses in Brazil, it can be noted that Universities have also brought more social porosity. The policy for digital inclusion is central to the democratization of access, even though access is also a sign of social class, as Gil Calvo stresses: “The audiovisual marks and signs, like academic marks and signs that trace learning institutions, not only determine the place each kid occupies in the social structure, but also contribute to perpetuate the unequal social structure” (1985, p. 100) Speaking about juvenile gangs in Colombia, MartinBarbero (2008) says it was the study of juvenile violence from the perspective of culture, carried out by Alonso Salazar, that clarified how delinquent bikers and rap reached upper-class neighborhoods: “The social visibility of youth emerges more and more strongly from the hands and voices of urban nomads that move within and outside cities with the support of songs and sounds of idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
como contribuem para perenizar a desigual estrutura social” (1985, p. 100). Falando sobre as gangues juvenis na Colômbia, MartinBarbero diz que foi o estudo da violência juvenil do ponto de vista da cultura, realizado por Alonso Salazar, que esclareceu como os motoqueiros infratores e o rap chegaram aos bairros nobres. “A visibilidade social dos jovens emerge cada vez mais forte da mão e da voz desses nômades urbanos que se movem dentro e fora da cidade apoiados nas canções e sons dos grupos de rock ou no rap das gangues e dos bandos residentes em áreas invadidas. Todos eles, veículos de uma dura consciência da decomposição da cidade, da crise trabalhista, da presença cotidiana da violência nas ruas, da exasperação e do macabro” (2008, p. 9). Na segunda metade dos anos 90, o rap se instalou na classe média brasileira: o CD Sobrevivendo no inferno, dos Racionais MC’s, vendeu mais de 1 milhão de cópias. E como essa música produzia um corpo para dançá-la, essa dança também atravessou os limites das comunidades que a inventava, em um movimento de transversalizar toda a sociedade. Em pleno século XVIII, Friedrich Schiller já se referia à dança como fenômeno social. Em uma carta de 1793 a Christian Körner, dizia ser a dança “o mais perfeito símbolo da afirmação da liberdade de alguém e do cuidar da liberdade dos outros” (Hewitt, 2005, p. 2). Referia-se a uma dança inglesa de desenhos complicados e perfeitamente executados que parecem caóticos, mudando
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rock groups or the rap music of gangs and groups living in abandoned areas. All of them are carriers of a hard awareness of the city’s decay, of labor crisis, of the daily presence of violence, of exasperation and the macabre” (2008, p. 9) In the second half of the 1990’s, rap settled within the middle class: the CD Sobrevivendo no Inferno, (“Surving in Hell”), of Racionais MC’s, sold more than 1 million copies. And since this music produced a body to dance it, this dance also crossed the limits of the communities that invented them, transversalizing the entire society. Already in the 18th century, Friedrich Schiller referred to dance as a social phenomenon. In a letter written in 1793 to Christian Körner, he said dance was “the most perfect symbol of assertion of someone’s freedom and caring for the freedom of others” (Hewitt, 2005, p. 2). He was referring to an English dance, with intricate and perfectly executed drawings, which seem chaotic, changing directions for no reason. He observed that they were actually perfectly ordered, since there was never any collision: when someone reached a place, it had already been left by the one who occupied it in the previous moment. In his words, dance was not merely an image of the social order, but rather an actualization of it. That means that dance both reflects and takes shape through aesthetics. That is why, for Schiller that English dance exemplified the existing social order and, at the same time, it was the propagation of a model of that order, meant to be
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de direção sem razão. Observava que, na verdade, eram perfeitamente ordenados, pois nunca ocorria nenhuma colisão: quando alguém chegava a um lugar, este já havia sido abandonado por quem o ocupara no momento anterior. Nas suas palavras, a dança não somente era uma imagem da ordem social, mas uma presentificação dela. Ou seja, a dança tanto se reflete quanto ganha forma através da estética. Por isso, para Schiller, aquela dança inglesa exemplificava a ordem social que existia e, ao mesmo tempo, se constituía em divulgação de um modelo daquela ordem a ser reproduzido. Com esse entendimento, a coreografia torna-se a estruturação de uma forma de refletir sobre e de dar forma à sociedade moderna, o que faz da dança um índice indispensável para as pesquisas em cultura, apesar de a maior parte dos que as realizam, infelizmente, ainda a ignorarem. TEORIA CORPOMÍDIA Sendo assim, que experiências sociais são teorizadas no corpo que dança hip-hop? Para entender que nossos pensamentos, que tomam a forma de ideias, conceitos e teorias, não vivem boiando em um éter, mas são parte da coleção de informações que fazem o corpo ser corpo, vale recorrer à teoria Corpomídia (Katz & Greiner). O corpo vivo era distinguido por ser o que possuía um controle por acionamento interno do seu movimento. Se existia um comando (a alma platônica, a mente cartesiana), havia que buscar a sua localização dentro idança.txt Vol. 1 – Set 2010
do corpo. Para Galeno (c.130–c.200), por exemplo, a alma ficava no encéfalo e os nervos saíam de lá ou da coluna vertebral para controlar os músculos, que considerava serem instrumentos do movimento voluntário. A compreensão do corpo humano dotado de algo que o distingue de todos os outros corpos existentes atravessará muitos séculos e impregnará distintas formulações filosóficas. Esse corpo recebe o comando quando nasce e é por ele abandonado na morte (quando se torna inerte, situação lida como sinônimo do não vivo, do sem movimento). Até mesmo Hal 9000, o computador criado por Stanley Kubrick no filme 2001 — Uma odisseia no espaço (1968), repetiu algumas vezes, com uma voz cada vez mais pausada, antes de ser definitivamente desligado: “I’m afraid, Dave. My mind is going, Dave. I can feel it” (“Tenho medo, Dave. Minha mente está desaparecendo, Dave. Eu posso sentir”). O movimento tem sido o parâmetro usado para distinguir vida de não vida. Em 1987, o norte-americano Mark Johnson,1 professor no Departamento de Filosofia da Universidade de Oregon (EUA), repropôs a relação entre corpo, movimento e cognição. Mostrou que a cognição tem origem na motricidade e explicou que a ideia de que existe um dentro, um fora e um fluxo de movimento entre eles se apoia no conceito de corpo como recipiente. 1 Estudioso do funcionamento do corpo, Mark Johnson foi coautor, com George Lakoff, dos livros Metaphors we live by, já traduzido para o português (Metáforas da vida cotidiana, Educ / Mercado de Letras, 2002), The body in the mind, Philosophy in the flesh e The meaning of the body.
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his film 2001 A Space Odissey (1968), repeated several times, in an increasingly paused voice, before it was definitely disconnected: “I’m afraid, Dave. My mind is going, Dave. I can feel it”. Movement has been a parameter used to distinguish life and non-life. In 1987, North-American Mark Johnson 1, a professor at the Philosophy Department of Oregon CORPOMÍDIA THEORY Thus, which social experiences are theorized in the body University, re-proposed the relationship between body, that dances hip hop? In order to understand that our movement and cognition. He showed that cognition origithoughts, which take the form of ideas, concept and theo- nates in the motor system and explained the idea that ries are not floating on ether, but are part of a collection there is an inside, an outside and a flow of movement of information that makes the body a body, it is worth between them is based on the concept of the body as resorting to the Corpomídia theory (Katz & Greiner). vessel. It is worth noting that this is the structure used by The living body was distinguished for being that which the most popular theories of communication (input / possesses control of its movement by internal activation. processing / output) and that Corpomídia theory denies If there was a command (the platonic soul, the Cartesian it once it proposes that the body is a media by itself and mind), there was a search for its location within the not an information process medium (Katz & Greiner, body. For Galeno (c.130 –c.200), for instance the soul was 2001, 2003, 2005). But, as it is well known, the notions of located in the brain and nerves got out of it or out of the body-vessel, body-package, body-container, bodyspine to control the muscles, which he considered to be envelope, and everything derived from them, were the the instrument of voluntary movement. ones that became popular in the last 26 centuries and The understanding that the human body bears some- they are still creating great distortions in dance. thing that distinguishes it from other existing bodies Corpomídia proposes the body as a state and not would go on throughout many centuries and impregnat- an existing object. It understands the inside and the outed different philosophical formulations. This body receives side are not actually limited by our skin, exactly because the command when it is born and is abandoned by the skin is not a fence, a wall that separates the inforit in death (when it becomes inert, a situation interpreted 1 Mark Johnson is a researcher of the body. He wrote along with George Lakoff as synonymous to non-living, without movement). Even the books Metaphors we live by; The body in the mind, Philosophy in the flesh and The Hal 9000, the computer created by Stanley Kubrick for meaning of the body. reproduced. With this understanding, choreography becomes the structure of a way to reflect about and to give shape to modern society, which makes dance an indispensable index for cultural research, although, unfortunately, most researchers still ignore it.
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Vale observar que essa é a estrutura empregada pelas mais populares teorias da comunicação (input / processamento / output) e que a teoria Corpomídia a nega quando propõe que o corpo é mídia de si mesmo e não um meio processador de informação (Katz & Greiner, 2001, 2003, 2005). Mas, como se sabe, os entendimentos de corpo-recipiente, corpo-embalagem, corpo-contêiner, corpo-envelope, e todos os daí derivados, foram os que se popularizaram nos últimos 26 séculos e, na dança, continuam causando graves distorções. Ao propor o corpo como um estado e não um objeto existente, a teoria Corpomídia troca o verbo ser (o corpo é) pelo verbo estar (o corpo está). Entende que dentro / fora não são, de fato, demarcáveis pela nossa pele, justamente porque a pele não é uma cerca, um muro que separa informações dentro das informações fora. A pele é porosa, opera como uma membrana pela qual os fluxos fluem inestancavelmente. Mesmo depois da morte, as trocas não se interrompem. Elas nunca se interrompem enquanto existir a situação corpo-ambiente. O corpo, portanto, está para sempre trocando informação com o ambiente no qual se encontra, transformando-se e transformando o ambiente. O corpo não passa de uma coleção de informações que, a cada instante, se modifica. Por isso, é sempre um estado de corpo a relatar o estado da sua coleção de informações. E, se assim for, o corpo que dança hip-hop 2 o faz por 2 O hip-hop é um movimento cultural de alta complexidade, reunindo o grafite, o break e todas as outras danças, o DJ e o rap (abreviação de ‘rhythm and poetry’). idança.txt Vol. 1 – Set 2010
HIP-HOP Evidentemente, a contaminação palco-rua não começou com Michael Jackson. Para ficarmos somente no século XX, basta lembrar que a explosão da dança de salão ocorreu depois da I Guerra Mundial, e que, já nos seus primeiros anos, tinha havido uma migração de interesses da dança da “alta cultura” (balé) em direção às formas de entretenimento de massa, como o teatro de variedades, as revistas e o musical. Neles, destacavam-se os chorus line, com coreografias baseadas em alinhamentos sincronizados. Dentre as que mais se destacaram naquela época, as inglesas Tiller Girls foram estudadas por Krakauer como emblemas da linha de produção do mundo fordista. Essa tradição vai ser mantida com as rockettes da Radio City Music Hall. São considerados pioneiros no Brasil os Racionais MC’s (Mc é o mestre de cerimônia ou rapper), Thayde e o DJ Hum. Breakdance foi o nome que a imprensa norteamericana escolheu para apresentar diferentes danças urbanas que surgiram nos anos 70: o break ou Bboying (de Nova York) e o popping e locking (de Los Angeles). A comunidade hip-hop considera o termo discriminatório.
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mation on the inside from the information on the outside. The skin is porous, it operates as a membrane through which fluxes flow unstoppably. Even after death, the exchanges are not interrupted. They are never interrupted as long as there is a body-environment situation. Therefore, the body is forever exchanging information with its environment, transforming itself and transforming the environment. The body is no more than a collection of information that is modified at each moment. That is why it is always a state of body in relation to the state of its information collection. And, if that is so, the body that dances hip hop 2 does so because of that situation of existing in permanent flow of exchanges. Also, in this case, this body not only exchanges with a new social mobility promoted, above all, by the broadening of access to computers and its developments and by the mediatization of dances in which the stage and street were mixed up. It exchanges and this exchange builds its shape but also operates as a kind of advertisement of this form, thus spreading the information that constitute it. HIP HOP Evidently, the stage-street contamination didn´t begin with Michael Jackson. Even if we stick to the 20th 2 Hip-hop is a highly complex cultural movement, gathering grafitti, break-dancing and all other dances, the DJ and rap (an acronym for ‘rhythm and poetry’). In Brazil, racionais MC’s, Thayde and DJ Hum are the pioneers. Breakdance was the name chosen by the North-American press to introduce different urban dances that emerged in the 70’s: break or Bboying (from New York City) and popping and locking (from Los Angeles). The hip-hop community considers the term stereotyping. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
conta dessa situação de existência em um fluxo permanente de trocas. E, também no seu caso, esse corpo não troca somente com uma nova mobilidade social, promovida, sobretudo, pelo alargamento do acesso ao computador e seus desdobramentos e pela midiatização das danças onde palco e rua se misturavam. Ele troca e, nessa troca constrói a sua forma, mas também opera como uma espécie de propaganda dessa forma, disseminando, assim, as informações que o constituem.
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century, just remember the explosion of ballroom dancing that took place after the first World War and already in the first years there had been a migration of interest in dance from “high culture” (ballet) towards mass entertainment, like vaudeville, magazines and musicals. They all highlighted the chorus line, with choreographies based on synchronized alignment. Among those who most stood out at the time, the British Tiller Girls were studied by Krakauer as a symbol of production lines of the fordist world. This tradition was kept by the Radio City Music Hall’s rockettes. But dance, like any other cultural phenomenon, can not be interpreted exclusively from the perspective of the socioeconomic conditions for its production. It is not that which presents social reality in an aesthetic way, for the delight of its audiences, but it is something that acts upon society, modifying it with the modelization of the world it disseminates. “Krakauer’s analysis of dance is a presage to my category of social choreography, for it employs choreography not as what can be located in a pre-established historical and spatial sphere, but as something that creates that sphere” (Hewitt, 2005, pp. 197–198). We are not dealing here with immanent approaches to hip hop and we do not propose that this or any other dance emerged from certain forms and codes, according to an internal logic of its own. The Corpomídia theory does not use the concept of essence and hence does not reduce dance to what socially determines it, rather
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Mas a dança, como qualquer outro fenômeno cultural, não pode ser lida somente à luz das condições socioeconômicas de sua produção. Ela não é aquilo que apresenta a realidade social de forma estética, para deleite de suas plateias, mas algo que age na sociedade, modificando-a com a modelização do mundo que dissemina. O entendimento de que a coreografia é social, como proclamado por Hewitt (2005), está também em Krakauer. “A análise da dança de Krakauer é um presságio à minha categoria de coreografia social ao empregar o coreográfico não como o que pode ser localizado em uma esfera histórica e espacial já estabelecida, mas sim como algo que cria essa esfera”.3 Aqui não se trabalha com abordagens imanentes do hip-hop e não se propõe que essa ou qualquer outra dança tenha emergido de certas formas e códigos, de acordo com uma lógica interna apenas sua. A teoria Corpomídia não emprega o conceito de essência e, por isso, não reduz a dança ao que a determina socialmente, estudando-a como o que também atua na sociedade. Assim, não trata o hip-hop como um movimento homogêneo e reconhece que uma de suas marcas talvez seja a de se contrapor às representações que a periferia recebe nas mídias. As danças da cultura hip-hop, que são muitas,4 atuariam, portanto, como formas transversais de comunicação entre grupos heterogêneos, fazendo da sua movimentação e da sua voz uma ação denunciadora da
“ditadura cultural que tenta nos calar” (letra do rap Ditadura cultural, produção independente de O Levante).5 O rap, que veio do soul e do funk, tinha nascido como crítica social e de costumes e, tal como o samba, no início do século XX, não escapou da absorção pela indústria do entretenimento. B-boys, popping, krumping e todas as outras danças e ritmos se misturaram com samba e embolada, aproximando-se dos sem-teto e dos sem-terra. Com toda essa complexidade, não cabe entender o hip-hop como um estilo a mais de música e dança. Foi o barateamento do computador que promoveu duas ações fundamentais para a desguetificação dessa música e de suas danças: uma foi o acesso aos softwares de sampleamento de música; a outra, a difusão do que surgia dessas novas ferramentas. As rádios comunitárias se tornaram os canais de divulgação dessa música, e os bailes, o cinema, a televisão e, mais adiante, a internet, as mídias de suas danças. Uma das mais famosas rádios comunitárias, a Favela FM, nasceu na comunidade Nossa Senhora de Fátima, em Belo Horizonte (MG). “Durante os anos 80 e 90, era desejo de todo rapper ter sua música tocada no programa Uai rap soul” (Araújo e Coutinho, 2008). “A história da Favela FM confunde-se com a da divulgação do hip-hop pelo país. Por muitos anos, desprezado pelos meios de comunicação, o hip-hop encontrou nas rádios comunitárias um microfone aberto” 6.
3 Hewitt (2005, pp. 197–8) 4 Dentre outras: o break, o pop, o funk, o electric boogie, o krump, o wave, a ragga.
5 Rocha, Domenich e Casseano (2001, p.88). 6 Rocha, Domenich e Casseano (2001, p. 88).
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studying it as something that also acts upon society. Thus, it doesn´t deal with hip hop as a homogeneous movement and recognizes that one of its marks may be that of counterbalancing the media’s representation of periphery. The dances of the hip hop culture, which are many,3 would therefore act as transversal forms of communication between heterogeneous groups, using its movements and its voice to expose the “cultural dictatorship that tries to shut us up” (a translation of the lyrics of Ditadura Cultural, an independent rap production of O Levante).4 Rap, which emerged from soul and funk music as social and behavioral criticism did not escape being absorbed by the entertainment industry, such as samba in the beginning of the 20th century. B-boys, popping, krumping and all other dances and rhythms are mixed with samba and embolada, becoming closer to the homeless and the landless. With all this complexity, it is not suitable to understand hip hop as just another style of music and dance. It was the increasing affordability of the personal computer that promoted two fundamental actions for the unghettoization of this music and dance: one of them was the access to music sampling software and the other was the diffusion of what emerged from these new tools. In Brazil, community radios became the broadcast channel for this music and the parties, cinema, television and, later, the internet, the medias for its dances. One 3 We can mention break, pop, funk, electric boogie, krump, wave, raga, among others. 4 Rocha, Domenich and Casseano (2001, p. 88). idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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of the most famous community radios, Favela FM, was born in the Nossa Senhora de Fátima community, in Belo Horizonte. “During the 80’s and the 90’s, it was every rapper’s dream to have their music played in the Uai rap soul.” (Araújo e Coutinho, 2008) “The history of Favela FM is mixed with that of the broadcast of hip hop throughout the country. Disdained by the media for many years, hip hop found an open microphone in commu-nity radios” (Rocha, Domenich e Casseano, 2001, p. 88). STREET-DANCE “However, the first report about street dance emerges only five years after the creation of the city’s first group, coincidentally with the period in which street dance is inserted in Festival de Dança do Triângulo and begins to count on the participation of a worker of Uberlândia’s SMC, in 1989. It´s important to highlight the fact that newspapers did not have the apparatus to interpret street dance, they recorded moments and/or events of the product (street dance) dislocated from the process and do not have detailed information” (Guarato, p. 18, 2008). In Rafael Guarato’s comment, a part of his book Dança de Rua, corpos para além do movimento, Uberlândia (1970–2007), published by Uberlândia Federal University, is the synthesis of what would eventually be consolidated as one of the determining forces of dance production in Brazil, especially after the end of the 80’s
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DANÇA DE RUA “No entanto, a primeira matéria acerca da dança de rua somente surge cinco anos após a formação do primeiro grupo da cidade, coincidentemente com o período em que a dança de rua insere-se no Festival de Dança do Triângulo e passa a contar com a participação de um funcionário da SMC de Uberlândia, em 1989. Importante ressaltar que os jornais não dispunham de dispositivos para interpretar a dança de rua, eles registram momentos e/ou acontecimentos do produto (dança de rua) deslocados do processo e não dispõem de informações detalhadas” (Guarato, 2008, p. 18). Nesse comentário de Rafael Guarato, em seu livro Dança de rua, corpos para além do movimento, Uberlândia (1970–2007) (2008), está a síntese do que viria a se consolidar como uma das forças determinantes da produção de dança no Brasil, sobretudo a partir do final dos anos 80 e da contaminação palco-rua,7 que se intensificou. Nele se evidenciam também quatro tipos de relação que passaram a pautar a produção de dança no Brasil: · a da dança da “alta cultura” com as danças urbanas; · a das danças urbanas com a mídia; · a dos festivais com as danças urbanas; · e a ligação entre dança e universidade. Os quatro tipos se imbricam e promovem mudanças na produção da dança como um todo, e não somente no segmento das danças urbanas. 7 A essa altura, a rua tinha passado a ser a casa dos jovens norte-americanos ligados a essa cultura, e o break, a sua dança, uma dança freestyle (estilo livre) que parecia não ter limites físicos. idança.txt Vol. 1 – Set 2010
CORPO Foi com a consolidação da antropologia e da psicologia como métodos de investigação em ciências humanas, no final do século XIX, que o corpo se tornou um objeto de estudo fundamental. E.B. Taylor, pai da antropologia, assumiu que existia uma conexão íntima entre o que chamava de progresso sociocultural e mental. A relação entre corpo e ambiente começa, então, a ser questionada. Existem muitos corpos debaixo da palavra “corpo”, mas, quase sempre, isso não se torna aparente. Como tudo o que existe existe na forma de um corpo, não parece ser necessário explicitar a filiação das falas sobre o corpo, que são entendidas como sendo autoevidentes, mas não são. Corpo não é uma palavra factiva. É Steven Pinker, em seu livro Do que é feito o pensamento. A língua como janela para o pensamento humano (2007), quem explica que existem verbos, em inglês, como learn (no sentido de buscar informação verdadeira) e remember (lembrar) que “implicam uma coisa que o falante vê como verdade indiscutível, não apenas algo em que acredita muito” (2007, p. 21). Pinker nomeia esses verbos de factivos e alerta que têm algo de paradoxal, pois mesmo sem a certeza sobre a sua verdade, a maioria continua usando-os como se tivessem. “Corpo”, mesmo não sendo verbo, aparece, em muitos discursos, no papel de uma palavra atada à realidade — afinal, o corpo está aí, inteiramente disponível ao contato. E parece carregar o compromisso dos verbos factivos, isto é, uma ligação com a verdade. Contudo,
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and the street-stage contamination 5 that became more intense. Four kinds of relationships that started to guide dance production in Brazil are also evident in the comment: · that of “high culture” dance with urban dances; · that of urban dances and the media · that of festivals with urban dances · and the connection between dance and Universities The four kinds overlap and promote changes in the production of dance as a whole and not only of urban dances. BODY With the consolidation of anthropology and psychology as investigation methods in humanities in the end of the 19th century, the body became an essential object of study. E.B.Taylor, the father of anthropology, assumed there was an intimate connection between what he called socialcultural and mental progress. The relationship between body and environment then begins to be questioned. There are many bodies underneath the word ‘body’ but, almost always, this does not become apparent. Since everything that exists, exists in the shape of a body, it does not seem necessary to explicit the filiation of speeches about the body, which are perceived as being self-evident, but they are not. Body is not a factive word. In his 2007 book The Stuff of Thought: Language As a Window Into Human Nature, Steven Pinker explains there Espetáculo Meio-Fio, da Membros Cia. de Dança. Foto: Membros Cia. de Dança / Membros Cia. de Dança’ show Meio-Fio. Photo: Membros Cia. de Dança. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
5 At this point, the street had become the home for North-American youth involved in this culture and their dance, break-dancing, a freestyle dance that didn’t seem to have physical limitations. THE STREET-STAGE TRANSIT IN BRAZILIAN DANCE: HIP-HOP, MEDIA AND BEHAVIOR, by Helena Katz
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os termos factivos “não são apenas fatos sobre o mundo armazenados na cabeça de uma pessoa, mas estão entrelaçados no tecido causal do próprio mundo” (Pinker, 2007, p. 22). O nome não define, ele indica uma conexão das palavras com as coisas do mundo via informações sobre essas coisas. Além disso, as palavras pertencem a uma comunidade, e não ao indivíduo. Sendo uma companhia de dança uma minicomunidade, nela se identificam traços do que sucede na moldura macro na qual habita. É nesse sentido também que o trânsito entre a cultura hip-hop e a dança coreografada para teatro escancara o fluxo rua / palco. Não à toa, pipocam exemplos nas duas direções. Tanto vale atentar para a produção da Membros, de Macaé (RJ), ou de Bruno Beltrão, em Niterói (RJ), quanto para a de Frank Ejara / Discípulos do Ritmo, em São Paulo. Investigando o que lá se passa, e lembrando o que ocorre também com o Grupo Corpo — aqui tomado como indicador de uma situação geral —, talvez seja mesmo possível propor que toda coreografia é social.
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verbs in English such as learn (in the sense of seeking true goes on with Grupo Corpo — taken as an indicator information) and remember that “imply something the of a general situation — maybe it is actually possible to speaker sees as indisputable truth, not something he propose that every choreography is social. believes in very much”. Pinker names these factive verbs and warns they are somewhat paradoxical, because even BIBLIOGRAPHY MARTIN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e without being sure about their truth, most people keep ARAÚJO, Marianna e Eduardo Granja hegemonia. Rio de Janeiro, UFRJ, 5 on using them as if they were. Coutinho. “Hip-hop: uma batida ed., 2008. contra-hegemônica na periferia da Even if it is not a verb, in some discourses, ‘body’ still ROCHA, Janaína, Mirella Domenich e sociedade global”, in Silvia H.S. appears in the role of a word attached to reality — after Patrícia Casseano. Hip-hop: a Borelli e João Freire Filho (orgs.). periferia grita. São Paulo, Fundação Culturas juvenis no século XXI. São all, the body is out there, fully available for contact. Perseu Abramo, 2001. Paulo, Educ, 2008, pp. 211–27. And it seems to carry the commitment of factive verbs, PINKER, Steven. Do que é feito o CALVO, Enrique Gil. Los depredadores namely, a connection with the truth. However, factive pensamento. A língua como janela para audiovisuales. Juventud y cultura de terms “are not just facts about the world stored in a o pensamento humano. São Paulo, massas. Madri, Tecnos, 1985. Companhia das Letras, 2007.lo, person’s head, they are rather intertwined in the causal GUARATO, Rafael. Dança de rua, corpos Companhia das Letras, 2007. tissue of the world itself” para além do movimento, Uberlândia (1970–2007). Uberlândia, UniversiThe name doesn´t define, it indicates a connection dade Federal de Uberlândia, 2008. between words and things of world through information HEWITT, Andrew. Social choreography. about these things. Besides, words belong to a commuDuke University Press, 2005. nity, not to an individual. Considering a dance company KATZ, Helena. “Leituras do corpo”, is a mini-community, traces of what happens in the in Christine Greiner e Cláudia macro framework in which it inhabits are identified in it. Amorim (orgs.). Leituras do corpo. São Paulo, Annablume, vol. 1, 2003, It is also in this sense that the transit between hip hop pp. 79–88. culture and dance choreographed for the stage widely _______. “Por uma teoria do corpomídia”, in Christine Greiner. O corpo: opens the street/stage flow. pistas para estudos indisciplinares. Not for nothing, examples pop up in both directions. It São Paulo, Annablume, 2005. is worth paying attention to the production of Membros, _______ e Christine Greiner. Corpo e processo de comunicação. Revista from Macaé or Bruno Beltrão, from Niterói and to Frank Fronteira, São Leopoldo, vol. 3, n. 2, 2001, pp. 65–76. Ejara / Discípulos do Ritmo, in São Paulo. Investigating what goes on there and also remembering what what a
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RECONSTRUÇÃO 2 — SOBRE AS RECONSTRUÇÕES DE PUPILIJA, PAPA PUPILO AND THE PUPILCEKS E MONUMENT G 1
por Janez Janša
Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks — Reconstruction, dirigido por Janez Janša. Maska Produções, Liubliana, 2006. / Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks — Reconstruction, directed by Janez Janša. Maska Production, Ljubljana, 2006. Na página seguinte: captura de tela / on the next page: screenshot. Nas páginas / on pages 28–35: Fig. 1–5, 7, 8, 9a, 9b, foto / photo: Marcandrea; Fig. 6: captura de tela / screenshot; Fig. 9, foto / photo: Janez Janša.
1 Em 1990, o artigo Reconstruction, de Emil Hrvatin, foi publicado na hoje extinta revista M’ARS, Moderna Galerija — Museum of Modern Art, Liubliana, 1990, 3: pp. 20–26.
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RECONSTRUCTION 2 — ON THE RECONSTRUCTIONS OF PUPILIJA, PAPA PUPILO AND THE PUPILCEKS AND MONUMENT G 1
by Janez Janša
1 In 1990, Emil Hrvatin’s article “Reconstruction” was published in M'ARS, Moderna galerija — Museum of Modern Art, Ljubljana, 1990, 3: pp. 20–26 (the journal was discontinued). idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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Janez Janša is an author and director of interdisciplinary performances. He has studied sociology and theatre directing at the University of Ljubljana, Slovenia and performance theory at the University of Antwerp, Belgium. He was the chief editor of performing arts magazine Maska (1996–2006). He directed Camillo — Memo 1.0: The construction of theater (1998), Drive in Camillo (2000), We are all Marlene Dietrich for (2005) e Slovene National Theater. He participated recently in the improvisation project At the Table curated by Meg Stuart. He published several essays, among them the book Jan Fabre — La discipline du chaos, le chaos de la discipline (Paris, Armand Colin, 1994), also published in Dutch, Italian and Slovenian.
The records on the 1969 performance Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks are quite extensive. The performance was recorded in Viba Studio with five cameras and was also excellently edited. The Slovenian National Theatre Museum has numerous documents on the performance, its media reception and public response, most of the participants are still alive and serve as an important oral source, a quite detailed scenario of the performance is preserved. In a strictly historical and analytical sense the documentation of the performance is well preserved, accessible in public archives and there is no need to reconstruct it due to the loss of historical evidence. The motives for reconstruction, therefore, lie elsewhere. The point of reconstructing Pupilija is not to re-experience a performance from the past, but to experience the very relationship to history: what we are watching is our relation to history. Together with Inke Arns, we could say that re-enactments “are questionings of the present through reaching back to historical events that have etched themselves indelibly into the collective memory”.2 2 An interesting terminological paradox arises in reconstructing historical avantgarde or neo-avant-garde. In the 1980s, there were many reconstructions of Russian idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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What can we conclude from the fact that, in 1969, Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks was recorded without the presence of an audience? 3 What makes a performance part of the time it was created in is not the performance itself but its audience. In this sense, the only real reconstruction would be the reconstruction of the audience. By being shot without the audience, both recordings of Pupilija (the original and the reconstructed one), at a certain level, want to blur the time in which the performances were created. Many of the actors of the original Pupilija were sceptical about the possibility of its reconstruction, especially because they had doubts about the possibility of re-enacting the time at the end of the 1960s. The answer that the reconstruction had to give was that the performance does not deal with the time of the original performance but with the present time. In a sense, the reconstructions have to “betray” the original in order for it to even function in the time of the reconstruction. The approach I used in the reconstruction is nevertheless essentially different to a contemporary interpretation of a classic, since a reconstruction avant-garde performances, Schlemmer’s ballets, Picasso’s Parade, Kandinsky’s Yellow Sound, etc. In English literature, the term “reconstruction” became established for these performances. Upon the emergence of reconstructions of works from the 1960s, the term “re-enactment” started to appear in expert literature, which used to refer to the re-enactments of historical events. It should be explained why it came to this terminological change, also because of some other related concepts appearing at the same time (for example, appropriation art). 3 The reconstruction was also recorded without the presence of an audience. You can see spectators in the recording, but they were recorded during the performance. The recording by TV Slovenia was made at the same venue (Old Power Plant), but without an audience.
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Janez Janša é artista, autor e diretor de performances interdisciplinares. Estudou sociologia e direção teatral na Universidade de Liubliana, Eslovênia, e teoria da performance na Universidade da Antuérpia, na Bélgica. Foi editor-chefe da revista de artes cênicas Maska (1999–2006). Dirigiu os trabalhos Camillo — Memo 1.0: The construction of theater (1998), Drive in Camillo (2000), We are all Marlene Dietrich for (2005) e Slovene National Theater. Recentemente, participou do projeto de improvisação At the table, de Meg Stuart. Publicou diversos estudos, entre eles o livro sobre o drama Jan Fabre — La discipline du chaos, le chaos de la discipline (Paris, Armand Colin, 1994), publicado também em holandês, italiano e esloveno.
Os registros da performance Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks, de 1969, são bastante extensos. Foi gravada no Viba Studio com cinco câmeras e editada de forma excelente. Além disso, o Museu Nacional de Teatro da Eslovênia conta com numerosos documentos sobre o evento, incluindo a recepção da mídia e a resposta do público. A maior parte de seus participantes está viva, o que representa uma importante fonte oral, e um detalhado roteiro da apresentação foi preservado. Em um sentido estritamente histórico e analítico, essa documentação está bem conservada e acessível em arquivos públicos, não havendo necessidade de reconstruir a performance por falta de evidências históricas. A motivação para a reconstrução está, portanto, em outro lugar. A ideia de reconstruí-la não é experienciar novamente a performance do passado, mas experimentar a própria relação com a história: o que estamos assistindo é nossa relação com a história. Junto com Inke Arns, podemos dizer que remontagens são “questionamentos do presente através do resgate de eventos históricos que se inscreveram indelevelmente na memória coletiva”.2 2 Um interessante paradoxo terminológico surge na reconstrução da vanguarda ou neovanguarda histórica. Nos anos 80, havia muitas reconstruções de performances idança.txt Vol. 1 – Set 2010
A reconstruction is then not a copy or a duplication of something already absent or re-existent (as an archive), but an identical conception of something not yet existent, still absent, but present in its potentiality — reconstruction as a constant de-archiving. A reconstruction in the performing arts field is thus — of course, under the condition that we sense in it an authentic creative will — not only a performance-after-a-performance or even a performance-about-a-performance, but precisely the opposite, a performance-before-a-performance, performance-as-such at its source, a (new) original. / Reconstruction understood in this way, with its present, writes out the past anew; as Ana Vujanović says somewhere, it is a “force that works retrogradely”, but — taking into account the above condition — it does not appropriate the past in the style of official historiography in the service of politics. The reconstructor’s political gesture is democratising, it invites into the field of dialogue; as a medium of communication, it offers a past event, as the modus of communication, the stake of its own identity, found in the (common) origin. Blaž Lukan, “Rekonstrukcija kot vrnitev k izvoru (Reconstruction as a Return to the Origin)”, in Spomenik G (Monument G), Maska Ljubljana and MGL, Ljubljana, 2009, p. 35. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
russas de vanguarda: balés, de Schlemmer; Parade, de Picasso; Yellow sound, de Kandinsky etc. Na literatura inglesa, o termo “reconstruction” (reconstrução) foi estabelecido para essas performances. A partir de reconstruções de trabalhos dos anos 60, o termo “re-enactment” (reencenação) começou a aparecer na literatura especializada, que costumava remeter à reencenação de eventos históricos. Seria preciso explicar por que houve essa mudança na terminologia, também por causa de outros conceitos relacionados que apareceram ao mesmo tempo (arte de apropriação, por exemplo). 3 A reconstrução também foi filmada sem a presença de uma plateia. É possível ver espectadores na gravação, mas eles foram filmados durante a performance. A gravação da TV eslovena foi feita no mesmo lugar (a Velha Usina de Energia), mas sem uma plateia.
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demonstrates the procedures, discloses and screens documentary material and constantly questions the status of the truth of a historical event, whereas in an interpretation of a classical text, the historical evidence, documents and procedures are part of the creative process and are, as a rule, excluded from the final staging.4 In reconstructions, one first needs to prove that the object of a reconstruction actually existed. The fundamental directorial and dramaturgical move used in Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks — the Reconstruction is the displacement of the gaze. What we are watching constantly eludes us, there is something else that constantly wants to appear before us. When we think we are watching the original Pupilija, the present, reconstructed one shows itself to us. Underneath today’s Pupilija, the one form 1969 always creeps up on us, but we do not know to what extent we can believe it. I call 4
O que podemos concluir do fato de Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks ter sido filmada sem a presença de uma plateia em 1969? 3 O que faz com que uma performance seja parte da época em que foi criada não é a performance em si, mas seu público. Nesse sentido, a única reconstrução verdadeira seria a da plateia e não a da performance. Ao ser filmada sem a plateia, ambas as gravações de Pupilija (a original e a reconstruída) querem, de uma certa forma, embaçar o tempo em que as performances foram criadas. Muitos dos atores do Pupilija original eram céticos em relação à possibilidade de reconstruí-la, especialmente por terem dúvidas sobre reinterpretar o clima do final dos anos 60. A resposta que a reconstrução tinha a dar era que a performance não lida com a época da versão original, mas com o presente. Em algum sentido, as reconstruções precisam “trair” o original, até mesmo para funcionar na época de sua reconstrução. A abordagem que usei na reconstrução é, ainda assim, essencialmente diferente de uma interpretação contemporânea de um clássico. Isso porque uma recons-
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this displacement of the gaze zooming, a procedure of watching in which spectators focus, zoom in or out on a certain segment, a certain part of the performance or the events in front of them, or use the same operation to distance themselves from the performance, they can even bracket it and, for a moment, resort to side perceptional effects, which at first sight do not seem to be related to the performance, but the dramaturgical structure enables them to appear and thus become part of the performance for the spectator. For the spectators, the performance is not only that which the creators performed in front of them, but all that happened in this space-time. ON THE INTERPRETATIONS OF PUPILIJA Each age operates with a certain interpretative language and, at a certain level, it is understandable that the predominating interpretations of Pupilija operated with terms, such as, “death of literary theatre”, “anti-literariness”, etc.5 Most of the interpretations point out the ritual nature of the performance, above all, because of the last scene of slaughtering a chicken. In the actors’ performance, the distance to expressiveness typical of the 1960s was very visible — in it, we can note an essential 5 Whether we agree or not, and even if we throw a scrap of a pear on stage, as it happened on the opening night, the death of the white chicken was also the death of literary, solely aesthetically functional theatre in Slovenia. Veno Taufer, “Experimental Theatre at Križanke: Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks”, Naši razgledi, November 7, 1969. It is interesting that nobody wonders what Rapa Šuklje was doing at the performance with a pear.
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trução demonstra os procedimentos, explicita e exibe o material documental e constantemente questiona o status de verdade de um evento histórico, enquanto em uma interpretação de um texto clássico a evidência histórica, os documentos e os procedimentos são parte do processo criativo e ficam, em geral, excluídos da montagem final.4 Em reconstruções, é preciso primeiro provar que o objeto da reconstrução realmente existiu. A ação de direção e dramaturgia essencial usada em Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks — The Reconstruction foi o deslocamento do olhar. Aquilo a que estamos assistindo constantemente nos escapa e há outra coisa que insiste em aparecer. Quando pensamos estar assistindo à Pupilija original, a versão presente, reconstruída, apresenta-se a nós. Sob a Pupilija de hoje, a de 1969 se esgueira até nós, mas não sabemos até que 4 Uma reconstrução não é, então, uma cópia ou duplicata de algo que já está ausente ou é ‘re-existente’ (como um arquivo), mas uma concepção idêntica de algo que ainda não existe, ainda ausente, mas presente em sua potencialidade — reconstrução como um constante desarquivamento. A reconstrução no campo das artes performáticas é então — com a condição de sentirmos nela uma vontade criativa autêntica — não apenas a performance-depois-de-uma-performance ou mesmo uma performancesobre-uma-performance, mas precisamente o oposto, uma performance-antes-daperformance, performance-com-tal em sua fonte, um (novo) original. / A reconstrução compreendida dessa forma, com seu presente, reescreve o passado; como disse Ana Vujanović em algum lugar, é uma ‘força que trabalha retrogradamente’, mas — levando em conta a condição acima — não apropria o passado no estilo da historiografia oficial a serviço da política. O gesto político do reconstrutor é a democratização, ele convida para o campo do diálogo; como um meio de comunicação, oferece um evento do passado, como modo de comunicação, a aposta de sua própria identidade, encontrada na origem (comum). Blaž Lukan, “Rekonstrukcija kot vrnitev k izvoru” (Reconstrução como um retorno à origem), in Spomenik G (Monument G), Maska Liubliana and MGL, Liubliana, 2009, p.35. idança.txt Vol. 1 – Set 2010
SOBRE AS INTERPRETAÇÕES DE PUPILIJA Cada época opera com um tipo de linguagem interpretativa e, em certo nível, é compreensível que as interpretações predominantes de Pupilija operem com termos como “morte do teatro literário”, “antiliterariedade” etc.5 A maior parte das interpretações aponta a natureza ritualística da performance, acima de tudo por causa da última cena, em que uma galinha é abatida. Na atuação, a distância da expressividade típica dos anos 60 era muito visível — nela, podemos notar uma diferença 5 Se concordamos ou não, e mesmo se jogarmos um resto de cera no palco, como aconteceu na noite de abertura, a morte da galinha branca também foi a morte do teatro literário, puramente, esteticamente funcional, na Eslovênia. Veno Taufer, “Experimental Theatre at Križanke: Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks”, Naši razgledi, 7 de novembro de 1969. É interessante que ninguém se pergunte o que Rapa Šuklje estava fazendo com uma pera na performance.
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difference between Pupilija and, for example, Living Theatre.6 Acting in Pupilija is much closer to what Michael Kirby named “nonacting”. The reconstruction attempted to stresses the procedures used in the original performance, especially openness and non-formality. What is especially interesting for the reconstructors is how to re-enact the following elements: ∙ everydayness and unskilfulness; ∙ non-spectacularity and extremity of execution; ∙ open improvisation and folklore and military discipline; ∙ collective mind and mindlessness; ∙ open, non-aestheticized and non-linear language of the performance and political engagement. Pupilija’s politicalness was primarily in its resistance to all forms of authority and not in the direct expression of a political protest. Pupilija distances itself, mocks and subverts authorities, from the external — state, nation, party, church, market — to the internal (theatre and aesthetics). With its suggestive, yet almost innocent 6 With its performance Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks at Križanke, the Pupilija Ferkeverk Theatre realized a cruel and total theatre, a happening whose aesthetics can most easily be related to the experience with the avant-garde cult of primitivism, to Living Theatre’s Mysteries (1964) and Paradise Now (1968) as the performance of a ceremony, the actor as shaman. To a theatre in which a story is replaced by a sequence of physical images, to a theatre as an intense experience of a semi-dream and a semi-ritual, trips form the conscious to the subconscious, sharing with the public. Then to Richard Schechner and his Performance Group (Dyonisus in 69 with a ritualistic structure of an act and orgiastic emphasis on nudeness and dance) and the theory of non-verbal communication, the connection between human and animal behaviour forms. And to the (somewhat later formulated) Schechnerian denial of classical dramaturgy for the proscenium and the introduction of a new dramaturgy of space. Tomaž Toporišič, “Between Seduction and Suspicion”, Maska, Ljubljana, 2004, p. 81. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
ponto podemos acreditar nisso. Chamo esse deslocamento do olhar de zoom, um procedimento da observação em que os espectadores focam, fazem zoom in ou zoom out em um certo segmento, uma certa parte da performance ou dos eventos à sua frente. Ou usam o mesmo procedimento para se distanciar, podendo até enquadrá-los e, por um momento, recorrer a efeitos colaterais perceptivos que, à primeira vista, parecem não estar relacionados à performance, embora a estrutura dramatúrgica permita que apareçam e assim tornam-se parte dela para o espectador. Para o público, a performance não é só o que os criadores apresentaram, mas tudo o que acontece nesse espaço-tempo.
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speech, it easily attracts also today’s spectator. Pupilijia’s politicalness has to be understood in a Rancierean sense: the politicalness lies in admitting into the public sphere the voices that can otherwise not be heard. Pupilija is definitely a generational performance, a performance of a generation that did not want to wait to get the permission to enter political life, but rather strengthened its voices itself. At another level, Pupilija’s politicalness should be understood in the way that Lehmann writes about political theatre, namely, through the format of the performance. By this, we mean the structure of the performance and especially the stance of the creators on and off stage, in the media, at the court, etc. The next dimension that the performance attempts to lay open is the introduction of dance theatre. It is typical of all the socialist and communist countries that they hindered the development of artistic dance, which therefore had to make its way to the forefront in experimental performing forms. In a conversation, Rok Vevar said that “if we look at Pupilija, Papa Pupilo and the Pupilceks as a dance performance, we will see what has been happening in dance in the USA since the 1960s.” (Rok Vevar, Dnevnik, 18 October 2006) Pupilija introduced various choreographic procedures without defining them as dance. These procedures were conceived on various appropriated forms of movement, form spontaneous children’s games, folklore parody and military exercise to improvised scenes. We can look at the structure of the performance, the twenty more or less arbitrarily
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essencial entre Pupilija e, por exemplo, o Living Theater. 6 A atuação em Pupilija está muito mais próxima daquilo que Michael Kirby chamou de “não atuação”. A reconstrução tentou enfatizar os procedimentos usados na performance original, especialmente a abertura e a não formalidade. O que é especialmente interessante para os reconstrutores é como reencenar os seguintes elementos: ∙ cotidianidade e inabilidade; ∙ não espetacularização e extremidade de execução; ∙ improvisação aberta, disciplina militar e folclore; ∙ mente coletiva e insensatez; ∙ linguagem aberta, não estetizada e não linear da performance e engajamento político. O caráter político de Pupilija está principalmente em sua resistência a todas as formas de autoridade e não na expressão direta de protesto político. Pupilija distancia-se de si mesma, ridiculariza e subverte autoridades, do externo — Estado, nação, partido, Igreja, mercado — 6 Com a performance Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks em Križanke, o Teatro Pupilija Ferkeverk realizou um teatro cruel e total, um acontecimento cuja estética pode ser facilmente relacionada à experiência com o culto vanguardista ao primitivismo, ao Mysteries (1964) e ao Paradise now (1968) do Living Theatre, com a performance de uma cerimônia, o ator como xamã. Ao teatro no qual a história é substituída por uma sequência de imagens físicas, ao teatro como uma experiência intensa de semissonho e semrritual, viagens do consciente ao inconsciente, compartilhadas com o público. Então, a Richard Schechner e seu Performance Group (Dyonisus in 69, com uma estrutura ritualística de um ato e a ênfase orgiástica na nudez e na dança) e a teoria da comunicação não verbal, a conexão entre formas de comportamento humano e animal. E ao conceito (formulado mais tarde) de negação schechneriana da dramaturgia clássica para o proscênio e a introdução de uma nova dramaturgia do espaço. Tomaž Toporišič, Between seduction and suspicion, Liubliana, Maska, 2004, p. 81. idança.txt Vol. 1 – Set 2010
ao interno (teatro e estética). Com seu discurso sugestivo, quase inocente, facilmente atrai o espectador de hoje. O caráter político de Pupilija precisa ser entendido em um sentido rancieriano: o caráter político está em admitir na esfera pública as vozes que não seriam ouvidas de outra forma. Pupilija é, definitivamente, uma performance generacional, uma performance de uma geração que não queria esperar uma autorização para entrar na vida política e que fortalecia suas vozes por si só. Em outro nível, o caráter político de Pupilija deve ser entendido da forma como Lehmann escreve sobre o teatro político, isto é, através do formato da performance. Com isso, queremos dizer a estrutura da performance e, especialmente, a postura dos criadores dentro e fora do palco, na mídia, no tribunal etc. A outra dimensão que a performance tenta expor é a introdução da dança-teatro. É típico de países socialistas e comunistas ter atrasado o desenvolvimento da dança artística, que precisou, portanto, abrir caminho com formas cênicas experimentais. Em uma conversa, Rok Vevar disse que “se olharmos para Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks como uma performance de dança, veremos o que tem acontecido em dança nos Estados Unidos desde os anos 60. Pupilija introduziu muitos procedimentos coreográficos sem defini-los como dança. Esses procedimentos foram concebidos sobre muitas formas apropriadas de movimento, de jogos de criança espontâneos, paródia folclórica e exercício militar em cenas improvisadas. Podemos olhar para a estrutura da
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composed scenes, in the way Slavoj Žižek understood happening in pop art, at the time: “The happening is directed into the exhibited article, which is not there just like that, but in order to be there just like that. The article is arbitrary and determined (i.e., eliminated from the environment) by this arbitrariness.” Slavoj Žižek, “The Theory of Happening” (Based on A. Kaprow, Tribuna, vol. 1967–68, n. 6, p. 11) The arbitrary combining and structuring of fragments becomes one of the key structural procedures of postmodern theatre of the 1980s. In the dramaturgical and structural sense, Pupilija is much closer to postmodern than experimental theatre of the 1960s and we could even say that the structure of Pupilija is similar to the structure of Baptism Under Triglav, the fundamental performance of Slovenian postmodern theatre.
on the model’, as performance as such which no longer is an imitation or something that feeds from imitation while it seeks its own mechanisms and effects.”7 I can develop this view and try to show that, in the performance and the whole strategic spectre encircling it, there intertwine the past, the present and the future. We look at the present as projected documents. Together with the author of the projections, Samo Gosarič, and the projection matrix designer, Igor Štromajer, we thought about what MTV or a news channel would look like if it existed in 1969. We thus composed the framework of the projection from an uninterrupted screening of clips from the original performance, the statements of original creators and media reactions. This resulted in a parallel mediatic / media layer of the performance, conceived entirely on historical sources. We translated the past into history by projecting it. We thus literally used a procedure that every historical process alTHE RECONSTRUCTION OF PUPILIJA ready employs: because there is no past, we are left with FOR THE PAST, PRESENT AND FUTURE no other alternative but to project it. Each projection In his critique of Pupilija, Blaž Lukan wrote that, in the reconstruction, we actually see three performances: “The is actually a construction of the view (of the past). A document as the place of truth is mediated, it exists only first one is the original that no longer exists; the second as mediated — mediatized / media-ized event. By being one — today’s performance — has contemporary presented in a performance, it is additionally mediated. performers who are more than mere substitutes for the In the same text, Lukan wonders: “What or who original ones; the third one is a reconstruction as a — to say this with a certain amount of drastic irony whole. /…/ This whole seems like some kind of a super— should be slaughtered today to achieve a similar effect structure, supra-performance which upgrades both (or more) of the others and establishes itself in front of the 7 Blaž Lukan: “Tri predstave v eni sami (Three Performances in One)”, Delo, 28 spectator as the only possible performance ‘based September, 2006, p. 13. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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performance, as 20 cenas arbitrariamente compostas da maneira como Slavoj Žižek, na época, entendeu o happening na pop art: “O happening é dirigido para o artigo exibido, que não está ali simplesmente, mas para estar ali simplesmente. O artigo é arbitrário e determinado (isto é, eliminado do ambiente) por sua arbitrariedade”, Slavoj Žižek, The theory of happening (Based on A. Kaprow, Tribuna, vol. 1967–68, n. 6, p. 11). A combinação e a estruturação arbitrária de fragmentos tornam-se um dos procedimentos estruturais chaves do teatro pós-moderno dos anos 80. Em termos dramatúrgicos e estruturais, Pupilija está muito mais próxima do teatro pós-moderno do que do teatro experimental dos anos 60, e poderíamos até dizer que a estrutura de Pupilija é parecida com a estrutura de Baptism under triglav, a performance fundamental do teatro pósmoderno esloveno.
‘baseada no modelo’, a performance não mais como uma imitação ou algo que se alimenta da imitação enquanto busca seus próprios mecanismos e efeitos.” 7 Posso desenvolver essa visão e tentar mostrar que, na performance e em todo o espectro estratégico que a engloba, o passado, o presente e o futuro estão interligados. Olhamos para o presente como documentos projetados. Junto com o autor das projeções, Samo Gosarič, e o designer da matriz de projeção, Igor Štromajer, pensamos sobre como seria a MTV ou um canal de notícias, caso existissem em 1969. Assim, criamos a estrutura da projeção a partir de uma série de clipes da performance original, depoimentos dos criadores originais e reações da mídia. Isso resultou em uma camada midiática paralela à performance, concebida inteiramente sobre fontes históricas. Traduzimos o passado para a história ao projetarmos as imagens. Assim, usamos, literalmente, um procedimento que todo processo histórico já emprega: porque não há passado, não temos outra alternativa A RECONSTRUÇÃO DE PUPILIJA PARA senão projetá-lo. Cada projeção é, na verdade, uma consO PASSADO, PRESENTE E FUTURO trução da visão (do passado). Um documento como lugar Em sua crítica de Pupilija, Blaž Lukan escreveu que, na reconstrução, podemos realmente ver três performances: da verdade é mediado, existe apenas enquanto evento mediado. Ao estar presente na performance, é adicional“A primeira é a original, que não existe mais; a segunda — a de hoje — tem performers contemporâneos mente mediado. No mesmo texto, Lukan questiona: “O que ou quem que são mais do que meros substitutos dos originais; a terceira é a reconstrução como um todo… Esse todo pare- — para falar com certa ironia drástica — deveria ser abatido hoje para se alcançar um efeito parecido no ce um tipo de superestrutura, supraperformance que aprimora ambas as outras (ou mais) e se estabelece diante 7 Blaž Lukan: “Tri predstave v eni sami (Três performances em uma)”, Delo, 28 de do espectador como a única performance possível setembro de 2006, p. 13. idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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in public?” Since we were forbidden to perform the last scene, the scene of slaughtering a chicken, by the manager of the Old Power Plant, the venue where the reconstruction was staged, we decided that rather than performing this historical fact, we would stage the current fact, i.e., the prohibition. We asked the spectators to decide on the last scene of the performance, they could choose among three recordings (the recording of a reconstructed slaughtering of a chicken, the statements of Junoš Miklavec and Dušan Rogelj, who slaughtered the chicken in the original Pupilija, and an excerpt from the regulations on the protection of animals at the time of slaughter), the fourth option was slaughtering the animal live. We thus made the audience responsible for the execution of the event. But what was more interesting for us than this participatory dimension was the tension between the legal and the legitimate. The legislation allows animals to be slaughter only in appropriate places (slaughterhouses) or at home, for domestic use. If we wanted to perform the slaughter of a chicken legally, we would have to put on the performance in a slaughterhouse or turn the theatre into our home. Instead, we enabled the micro-community of spectators to oppose the legal order, which is what usually happened, since, except on one occasion, the audience always chose the live slaughter of a chicken. In view of this, let us not judge too quickly that every audience wants blood and that our times are like the old Roman times. For it was the course of the performance itself, idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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the dramaturgy of its execution, which is predominantly playful, at times also easygoing, that made the audience want to play a joke on the performers. What we wanted to show is precisely that, with the last scene, the performance had become here and now, that the reconstruction cut into the time in which it was created and thus staged the present. I have already said that every historicizing is a construction of the past. We construct the past through the gaze of the present, with the gaze being constructed by a set of social, political, cultural, methodological, interpretative and other factors. We historicize the past in the present, but we do it for the future. Every historicizing includes, on the one hand, the opening of the overlooked and concealed, it brings and strengthens the unheard voices, while, on the other hand, it closes or, better yet, uses this operation to package a certain chapter of the past. On the basis of this, we thought about building a mechanism into the reconstruction of Pupilija, which would resist this packaging and would demand two different packagings from the outset. Let us first take a look at how two of the most important critics interpreted the ending of the reconstruction of Pupilija: (1) In compliance with the changed political context the spectators democratically vote whether or not the Chicken should be slaughtered. (…) When at the premiere slaughter was voted through, the conditions for the Event were re-established. “If you have voted for the slaughter, we call to a member of the audience who has voted
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público?” Já que estávamos proibidos de executar a última cena, a cena da morte da galinha, pelo gerente da Velha Usina de Energia, o local onde a reconstrução foi encenada, decidimos que, ao invés de apresentar esse fato histórico, iríamos encenar o fato atual, ou seja, a proibição. Pedimos aos espectadores que decidissem qual seria a última cena da performance. Eles poderiam escolher entre três gravações (uma gravação de uma galinha sendo abatida; os depoimentos de Junoš Miklavec e Dušan Rogelj, que mataram a galinha no Pupilija original, e um trecho da regulação de proteção dos animais na época do abate); a quarta opção era matar o animal ao vivo. Assim, fizemos com que a plateia fosse responsável pelo evento. Mas, para nós, mais interessante do que a dimensão participativa era a tensão entre o legal e o legítimo. A legislação permite que animais sejam abatidos em lugares apropriados (matadores) ou em casa, para uso doméstico. Se quiséssemos encenar o abate da galinha legalmente, teríamos que levar a performance para um matadouro ou transformar o teatro em nossa casa. Em vez disso, permitimos que a microcomunidade de espectadores fosse contra a ordem legal, que é o que geralmente acontece, já que, exceto numa ocasião, a plateia sempre escolhe o abate da galinha. Com isso em mente, não vamos julgar apressadamente que toda plateia quer sangue e que nosso tempo é como a época romana. Pois foi o próprio andamento da performance, a dramaturgia da execução, que foi predominantemente idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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for it, to come to the stage and perform it.” The answer / responsibility of the gaze, what else! What followed was painful waiting and to be honest: democracy has upset the Chicken too. In those painful moments I, as signed below, could not help myself not to think: “Well, well, the Chicken is watching us…” Right after that I was overcome by a thought: “Mother Chicken! Is it at all possible to have a more genuine experience of (Slovene) democracy? 8 (2) At the most recent staging in the Old Power Station, despite the ambiguous ending — it remained unclear whether Grega Zorc in his white butcher’s apron actually slaughtered the chicken or not — there was suddenly painful silence which went on and on; in it we could feel discomfort because it awakened the memory of the ‘slaughter’ from almost four decades ago, and of which we new something about, as well as because of the — not quite provable — death of a living being which happened in front of the spectators’ eyes; but the horror was actually the result of an exceptionally well 8 Rok Vevar: “Original, ponovitev in razlika (The Original, the Re-staging and the Difference)”, Večer, 28 September 2006, p. 12. Let there be no mistake; when upon the reconstruction of Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks last week, whose original at the end of the 1960s ended by a performer slaughtering a chicken, but now this cannot be done as easily nor in accordance with the law (how quickly awareness develops!), they provoked a volunteer from the audience to do it, I came very close to stepping out and doing it. To take the killing upon myself, to the outrage of those who, in private, stuff themselves with kebabs and chicken sausages and, at receptions, “only” with salmons and basses fattened on slaughterhouse waste, and to thus reveal social propriety and hypocrisy like Hermann Nitsch and Franc Purg in their slaughtering performances. Bravo! Matej Bogataj, “Najboljši ribiči rib ne lovijo več (The Best Fishermen No Longer Fish)”, Večer, 30 September 2006. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
lúdica e, às vezes, também despojada, que fez com que a plateia quisesse pregar uma peça nos performers. O que queríamos mostrar era precisamente que, com a última cena, a performance tinha virado o aqui e agora, que a reconstrução atravessou o tempo em que foi criada e assim encenava o presente. Eu já disse que toda historicização é uma construção do passado. Construímos o passado através do olhar do presente, com o olhar sendo construído por um conjunto de fatores sociais, políticos, culturais, metodológicos, interpretativos, entre outros. Historicizamos o passado no presente, mas o fazemos para o futuro. Toda historicização inclui, por um lado, a abertura daquilo que foi negligenciado e oculto, traz e fortalece as vozes não ouvidas, enquanto, por outro, fecha, ou melhor, usa essa operação para empacotar um certo capítulo do passado. Com base nisso, pensamos em construir um mecanismo na reconstrução de Pupilija que pudesse resistir a esse empacotamento e que exigiria dois pacotes diferentes desde o início. Vejamos, primeiramente, como dois dos mais importantes críticos interpretaram o final da reconstrução de Pupilija: (1) De acordo com o contexto político modificado, os espectadores votam democraticamente se a galinha deve ou não ser abatida. (...) Na estreia, quando votou-se pelo abate, as condições do evento foram reformuladas. ‘Se você votou a favor do abate, convocamos um membro da plateia que votou a favor para vir até o palco e
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constructed scene or epilogue, from the point of view of dramaturgy, direction and acting, which concluded the whole performance.9 So we have projected into the future a doubt as to which ending actually took place. Did Vevar and Lukan see the same performance even if they saw it on different nights? Was the chicken nevertheless slaughtered? And if it was, how come its slaughter was so unproblematically received, although outraged writings about the possibility of a chicken being slaughtered on stage appeared already before the opening night? 10 SCANDALISING AS CENSORSHIP At this point, we should speak about one of the reasons for reconstructing Pupilija. The 1969 Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks is generally remembered as a scandal. When we think of this performance, the first reaction, the first memory of it, is the slaughter of a chicken, while those who have seen it may add nudity, homosexuality, 9 Blaž Lukan: “Tri predstave v eni sami Three Performances in One)”, Delo, 28 September 2006, p. 13. 10 For example: History must repeat itself, first as a tragedy and then as a farce. This is why I suggest to Hrvatin that, instead of the chicken, he slaughters himself. It would be even better if a giant chicken slaughtered him and Jovanovič together. The scene should look like the scene from a Woody Allen film in which he is chased by a giant pink breast. Dušan Jovanovi and Emil Hrvatin will thus choose the most powerful immortality, neither a Small (a person remembered only by their personal acquaintances) nor a Big immortality (the deceased being remembered also by the people who did not know him personally), but a Funny one. They will be so immortal that they will even end upin joke cycles. Something like the Irishman jokes. Yay! Matjaž Pograjc: “Brezglava kura napadla brezglava režiserja (A Headless Chicken Attacked Headless Directors)”, Blog — Življenje je najboljše maščevanje (Blog — Life is the Best Revenge), 19 October 2006.
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executar o ato.’ A resposta / responsabilidade do olhar, o que mais? O que seguiu foi uma dolorosa espera e para ser honesto: a democracia perturbou a galinha também. Nesses dolorosos momentos, como está assinalado abaixo, eu não pude evitar pensar: ‘Bem, a galinha está nos assistindo...’ Logo depois, fui tomado por um pensamento: ‘Mãe galinha! Seria possível ter uma experiência mais genuína da democracia (eslovena)?’ 8 (2) Na montagem mais recente na velha usina de energia, apesar do final ambíguo — não ficou claro se Grega Zorc, com seu avental branco de açougueiro, matou a galinha ou não —, houve um súbito silêncio que durou e durou. Nele, pudemos sentir um desconforto, pois reacendeu a memória do “abate” de quase quatro décadas atrás, e sobre o qual sabíamos algo, bem como a causa da — não muito demonstrável — morte de um ser vivo que aconteceu diante dos olhos dos espectadores; mas o horror era, na verdade, o resulta-
do de uma cena ou epílogo excepcionalmente bemconstruído, do ponto de vista da dramaturgia, direção e atuação, que concluiu toda a performance.9 Então, projetamos para o futuro a dúvida sobre qual foi o final que realmente aconteceu. Vevar e Lukan realmente viram a mesma performance, mesmo que tenham assistido a apresentações diferentes? A galinha foi morta mesmo assim? E se foi, como sua morte foi recebida de forma tão não problemática, apesar de textos ultrajados sobre a possibilidade de uma galinha ser abatida no palco terem aparecido antes mesmo da estreia? 10
8 Rok Vevar: “Original, ponovitev in razlika (The original, the re-staging and the difference)”, Večer, 28 set 2006, p.12. Que não haja erro: quando na reconstrução de Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks na semana passada — a versão original no final dos anos 60 terminou com um performer matando uma galinha, mas isto não pode mais ser feito tão facilmente nem em conformidade com a lei (como a consciência se desenvolve rápido!) — eles provocaram um voluntário da plateia para fazê-lo, eu estive muito perto de levantar e matar a galinha. Assumir eu mesmo o abate, para indignação daqueles que, privadamente, se enchem de espetinhos e salsichas de galinha e, em recepções, só comem salmões e robalos alimentados com restos de matadouros e para, assim, revelar adequação social como Hermann Nitsch e Franc Purg em suas performances de abate. Bravo! Matej Bogataj, “Najboljši ribiči rib ne lovijo več” (Os melhores pescadores não pescam mais), Večer, 30 set 2006.
9 Blaž Lukan: “Tri predstave v eni sami” (Três performances em uma), Delo, 28 de setembro de 2006, p. 13. 10 Por exemplo: A História precisa se repetir, primeiro como uma tragédia e depois como farsa. É por isso que sugiro a Hrvatin que, ao invés da galinha, ele abata a si mesmo. Seria ainda melhor se uma galinha gigante o abatesse e a Jovanovič juntos. A cena deveria parecer uma cena de um filme de Woody Allen no qual ele é perseguido por um peito rosa gigante. Assim, Dušan Jovanovič e Emil Hrvatin escolheriam a mais poderosa imortalidade, nem uma pequena (uma pessoa lembrada apenas por seus conhecidos) nem uma grande (o falecido lembrado também por quem não o conhecia pessoalmente), mas uma imortalidade engraçada. Eles serão tão imortais que acabarão no circuito de piadas. Algo como piadas de português. Eba! Matjaž Pograjc: “Brezglava kura napadla brezglava režiserja” (Uma galinha sem cabeça ataca diretores sem cabeça), Blog — Življenje je najboljše maščevanje (Blog — Life is the Best Revenge), 19 de outubro de 2006.
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intercourse with a globe, etc. Pupilija is not the concealed part of the history of Slovenian contemporary performing arts; there is reference material on it. We could sooner say that it is a skipped part of this history. But it exists as a scandal in collective memory. And, paradoxically, this scandalising excluded Pupilija from the main course of history. Exceptionally rare are the approaches that devoted attention to Pupilija’s inner artistic qualities. What we were interested in, in the reconstruction, is the manner of acting. At first sight, we could say that it was a youthful, amateur approach, but, still, what has remained, what we can read from the tape, is a whole range of performing poses, from everydayness, nonacting, overidentification and ludistic acting to parodying the sublime. Precisely these approaches to acting were kept secret and were ousted from the academic cannon, wherein lies one of the fundamental censorship moves of the cultural circle. The second censorship took place at the level of production. In reconstructing Pupilija, the focus was also on affirming the mode of production that emerges on the basis of group affinities, the need for experimenting and a different kind of expression, the need to cooperate in non-hierarchical conditions, conditions that essentially differ from working in the theatre, which is one of the most hierarchically organized art forms. The reconstruction of Pupilija was not created in the same group way as the original. I put together the cast so that the interdisciplinarity of the original performance would idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
ESCÂNDALO COMO CENSURA Nesse ponto, devemos falar sobre uma das razões para reconstruir Pupilija. A versão de Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks de 1969 é geralmente lembrada como um escândalo. Quando pensamos nessa performance, a primeira reação, a primeira memória dela, é a morte da galinha, enquanto aqueles que a viram podem adi-
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be even more pronounced, with various expert knowledge brought to the performance by the performers’s backgrounds. I cast a dancer (Dejan Srhoj), actors (Grega Zorc, Ajda Toman, Alja Kapun), a film actress (Aleksandra Balmazović), a TV host (Dražen Dragojević), a writer, a radio host and a musician (Matjaž Pikalo), a singer and dancer (Irena Tomažin) and musicians (Boštjan Narat, Gregor Cvetko and Lado Jakša). On average, the original cast had 15 members. We could afford 11 at most, due to the production conditions. This is why, when they were not musically engaged, the musicians performed in the acting and dancing scenes. At the same time, we thus additionally emphasized the interdisciplinary nature of the performance. MONUMENT G AS A CALL FOR RECONSTRUCTION Upon the attentive reading of the purified text of Monument G (from 1972), we find that it practically calls for a reconstruction: “Do not be surprised at my coming. / I might only be a trick of your memory. (...)Man searches in memories. / He holds a living being in his hands. / In a hospice without memory, / Without a compass or a steering wheel.” When these words are uttered in the reconstruction (2009), this inevitably refers to the lost original. The reconstruction of Monument G (the reconstruction is entitled Monument G2), features Jožica Avbelj and Matjaž Jarc, so the original cast, and in addition to them, also Teja Reba and Boštjan Narat, who were both born
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cionar nudez, homossexualidade, relações sexuais com um globo etc. Pupilija não é a face oculta da história das artes cênicas eslovenas; há referências materiais sobre ela. Poderíamos até dizer que é uma parte pulada da história. Mas ela existe como um escândalo na memória coletiva. E, paradoxalmente, essa escandalização excluiu Pupilija do curso principal da história. São excepcionalmente raras as abordagens que dão atenção às qualidades artísticas intrínsecas de Pupilija. O que nos interessa, na reconstrução, é a forma de atuação. À primeira vista, podemos dizer que foi uma abordagem jovem, amadora. Mesmo assim, o que ficou, o que podemos ler da gravação é toda uma gama de poses performáticas, de cotidiano, não atuação, superidentificação e atuação ludista a paródia do sublime. Essas abordagens de atuação foram mantidas em segredo e expurgadas do cânone acadêmico, onde reside um dos movimentos de censura fundamentais do circuito cultural. A segunda censura aconteceu no nível da produção. Ao reconstruir Pupilija, o foco estava também em afirmar o modo de produção que emerge da base de afinidades de grupo, da necessidade de experimentar e de um tipo diferente de expressão, a necessidade de cooperar em condições não hierárquicas, condições que diferem essencialmente do trabalho em teatro, que é uma das formas de arte mais hierarquicamente organizadas. A reconstrução de Pupilija não foi criada da mesma forma que a original em termos de grupo. Eu juntei um elenco de forma que a interdisciplinaridade da performance original idança.txt Vol. 1 – Set 2010
ficasse ainda mais pronunciada, com várias formas de conhecimento trazidas pela experiência dos performers. Escalei um bailarino (Dejan Sr hoj); atores (Grega Zorc, Ajda Toman, Alja Kapun); uma atriz de cinema (Aleksandra Balmazović); um apresentador de TV (Dražen Dragojević); um escritor, locutor de rádio e músico (Matjaž Pikalo); uma cantora e dançarina (Irena Tomažin); e músicos (Boštjan Narat, Gregor Cvetko and Lado Jakša). O elenco original tinha, em média, 15 membros. Nós podíamos arcar com, no máximo, 11, devido às condições de produção. É por isso que, quando não esta_ vam tocando, os músicos atuavam e dançavam. Assim, ao mesmo tempo, enfatizamos o caráter interdisciplinar da performance. MONUMENT G COMO UM CHAMADO À RECONSTRUÇÃO A partir de uma leitura atenciosa do texto depurado de Monument G (de 1972), percebemos que ele é praticamente um convite à reconstrução: “Não se surpreenda com a minha chegada. / Posso ser apenas um truque da sua memória. / (…) O homem busca em suas memórias. / Ele segura um ser vivo em suas mãos. / Em um hospício sem memória, / Sem uma bússola ou volante.” Quando essas palavras são ditas na reconstrução (2009), remetem, inevitavelmente, ao original perdido. A reconstrução de Monument G (a reconstrução é chamada de Monument G2), conta com a atuação de Jožica Avbelj e Matjaž Jarc, do elenco original, e também
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Monument G2, dirigido por Janez Janša e Dušan Jovanović. Maska Produções, Liubliana, 2009. Foto: Tone Stojko / Directed by Janez Janša and Dušan Jovanović. Maska Production, Ljubljana, 2009. Photo: Tone Stojko. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
com Teja Reba e Boštjan Narat, que nasceram depois de Monument G. A característica dramatúrgica básica da reconstrução é a referência à performance original, que foi muito mal documentada (há dela uma gravação de alguns minutos e algum material fotográfico muito mal preservado). Avbelj e Reba abordam a reconstrução de duas perspectivas diferentes: Avbelj, com uma memória global e também corporal; Reba, com base na análise dos procedimentos que podemos identificar na performance original. Avbelj carrega em sua memória uma longa carreira como atriz que filtra sua visão de Monument G; Reba tem uma abordagem a partir da perspectiva da dança. Entre eles, é estabelecida uma complexa relação de referência mútua e de referência individual e conjunta a uma fonte ausente. Na reconstrução, as palavras proferidas por Avbelj na performance original servem como um comentário sobre a própria reconstrução: “Me parecia que alguém tinha saído do monumento e estava nos seguindo. (...) Alguém vive ao nosso lado. (...) Não quero ser apagado de vez, não permitirei isso. / Eu sofri quando me acenderam e me apagaram. / Este é um momento de performances. / Cortinas, luzes! Queridas palavras! / Alguém vem e me acende. De novo, alguém vem e me apaga.” O único texto que adicionamos à reconstrução foi a reação do público especializado à Monument G original. Teja Reba fala enquanto corre pelo palco: 11 11 Essa corrida no mesmo lugar na cena “Someone walked the Lonely Road” não foi filmada. A parte interpretada por Reba foi uma combinação de corridas de idança.txt Vol. 1 – Set 2010
é um experimento – Andrej Inkret
não é um experimento – Peter Božič
é teatro ritual – Borut Trekman
não é teatro ritual – Veno Taufer
é um novo teatro – Muharem Pervić
não é teatro contemporâneo – Marija Vogelnik
é improvisado – Borut Trekman
não é improvisado – Peter Božič
é teatro laboratório – Andrej Inkret
é teatro puro – Peter Božič
é um monólogo cinético – Marija Vogelnik
é teatro total – Veno Taufer
é um estudo para uma atriz e vários instrumentos –Borut Trekman
é ioga – Dalibor Foretić
duas performances: The power of Theatrical Madness (1984), de Jan Fabre, e Baptism Under Triglav (1986), do Scipion Nasice Sisters Theatre. Nessas cenas, ambas as performances remetem a cenas históricas. Na performance de Fabre, eles enumeram importantes apresentações de teatro dos anos 60 e 70, enquanto os Scipions referem-se diretamente à biomecânica de Meyerhold. Reba, portanto, não se refere apenas ao original ausente, mas também à história do que aconteceu entre o original e a Monument G reconstruída.
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after Monument G. The basic dramaturgical characteristic of the reconstruction is the reference to the original performance, which is very poorly documented (a severalminute recording from a rehearsal and poorly preserved photo material). Avbelj and Reba tackle the reconstruction from two different perspectives: Avbelj with an overall, also bodily memory, Reba on the basis of analysing the procedures we can recognize in the recording of the rehearsal for the original performance. Avbelj carries in her memory a long acting career that filters her view of Monument G, Reba approaches from a dancing perspective, with a knowledge of movement and substantially less experience. A complex relationship is established between them of mutual reference and of individual and joint reference to the absent source. In the reconstruction, the words that Avbelj uttered in the original performance function as a commentary of the reconstruction itself: “It seemed to me that someone stepped out of the monument and followed us. (...) Someone lives next to us. (...) I do not want to be snuffed for good, I will not allow this. / I suffered when they lit and put me out. / This is a time of performances. / Curtains, lights! Dear words! / Someone comes and lights me. Again someone comes and snuffs me.” The only uttered text we added in the reconstruction is the reaction of the expert public to the original Monument G. Teja Reba speaks it while running on the spot:11 11 Running on the spot in the “Someone Walked the Lonely Road” scene was not recorded. The part performed by Reba was a combination of two runs on the spot from two performances: The Power of Theatrical Madness (1984) by Jan Fabre and idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
Monument G...
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Monument G... is an experiment – Andrej Inkret
is not an experiment – Peter Božič
is a ritual theatre – Borut Trekman
is not a ritual theatre – Veno Taufer
is a new theatre – Muharem Pervić
is not contemporary theatre – Marija Vogelnik
is improvised – Borut Trekman
is not improvised – Peter Božič
is a laboratory theatre – Andrej Inkret
is pure theatre – Peter Božič
is a kinetic monologue – Marija Vogelnik
is total theatre – Veno Taufer
is an etude for an actress and various instruments – Borut Trekman
is yoga –Dalibor Foretić
Baptism Under Triglav (1986) by the Scipion Nasice Sisters Theatre. In these scenes, both performances refer to historical sources, in Fabre’s performance, they enumerate important theatre performances of the 1960s and 1970s, whereas the Scipions refer directly to Meyerhold’s biomechanics. Reba, therefore, does not refer only to the absent original but also to the history of what happened between the original and the reconstructed Monument G.
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Podemos achar a razão para tais comentários em um tipo de visão estereotipada que o Ocidente tem do teatro e da arte do Leste europeu durante o socialismo. Por trás da Cortina de Ferro, o Ocidente via depressão, é dança contemporânea é teatro físico sofrimento e opressão, é por isso que o artista cênico – Marija Vogelnik – Boško Božović ideal para personificar essa percepção era Grotowski. O Ocidente não podia imaginar que uma performance não é teatro cinético é teatro de vanguarda autoritária como Pupilija pudesse ter sido criada no – Veno Taufer. – Muharem Pervić socialismo. E ainda é difícil para o Ocidente aceitar que importantes experimentos em performance aconteceram Com sua tematização do passado, Monument G mostra no Leste europeu, os quais pertencem ao contexto euroque criou as possibilidades para que, na reconstrução, peu de artes cênicas em pé de igualdade. Por Pupilija não ser um caso isolado, eu e meus colegas, essa tematização se refira à própria performance. Precisamente pelo fato de a situação histórica ser ficcionaliza- Bojana Kunst, Aldo Milohnić e Goran Sergej Pristaš, desenvolvemos uma ideia de plataforma chamada East da, a inscrição final na parede é: “E se tivermos inventado tudo?” Monument G2 encena a tensão fundamental Dance Academy (EDA), que deve contribuir especialmenincluída em toda historicização, a tensão entre a História te para a articulação de uma história diferente para e histórias, os fatos e sua construção. Ao mesmo a dança contemporânea e a performance no Leste eurotempo, mostra como algumas performances estão predis- peu a na Europa em geral. O objetivo da EDA é detectar postas a serem reconstruídas. Assim, não seria uma lugares, áreas e eventos onde a dança contemporânea surpresa se Monument G fosse reconstruída daqui a 30 e a performance interdisciplinar apareceram. A dança contemporânea não foi institucionalizada até o declínio do anos com três gerações no palco. regime comunista nos anos 80, mas esteve constantemente A RECEPÇÃO OCIDENTAL DE PUPILIJA original da reconstrução, a performance cult dirigida por Dušan Jovanović era, na E A EAST DANCE ACADEMY verdade, ideia sua e que a reconstrução era apenas um engenhoso blefe. A performance da Maska virou a verdadeira carta enigmática da noite de quinta-feira Quando Pupilija estava em turnê na Áustria e na Itália, do Mittelfest, já que os confusos espectadores se perguntavam se a companhia tinha, 12 foram lançadas dúvidas sobre a existência do original. na verdade, pregado uma peça com um teatro-documentário que é tão ‘original’ é um concerto para uma atriz – Boško Božović
é um concerto para um corpo jovem – MES Festival
12 Na ocasião da reconstrução do evento de vanguarda Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks, em Viena, um jornalista tentou persuadir Emil Hrvatin a admitir que o idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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is a concert for an actress – Boško Božović
is a concert for a young body – MES Festival
is contemporary dance – Marija Vogelnik
is physical theatre – Boško Božović
is kinetic theatre – Muharem Pervić
is avantgarde theatre – Veno Taufer.
Monument G shows us that, with its thematization of the past, it created the possibilities that, in the reconstruction, this thematization refers to the performance itself. Precisely because the historical situation was fictionalised, the final writing on the wall is “And what if we made it all up?”. Monument G2 stages the fundamental tension included in every historicization, the tension between history and story, facts and their construction, between l’histoire and l’histoire. At the same time, it shows that some performances are predisposed to be reconstructed. It would therefore not be surprising if Monument G were reconstructed again in 30 years with three generations on stage. WESTERN RECEPTION OF PUPILIJA AND EAST DANCE ACADEMY When Pupilija was on tour in Austria and Italy, doubts were raised as to the existence of the original.12 We can 12 Upon the reconstruction of the avant-garde event Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks in Vienna, a journalist tried to persuade Emil Hrvatin to admit that the idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
quanto o nome de seu autor, Janez Janša. ROP, Predstava Pupilija, papa Pupilo pa Pupilčki pretresla občinstvo (Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks chocou a plateia), Primorski Dnevnik, 26 jul 2008.
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find the reason for such comments in a sort of a stereotypical view that the West has about the theatre and art of Eastern Europe during socialism. Behind the Iron Curtain, the West saw depression, suffering and oppression, which is why the ideal performing arts artist who embodied this perception was Grotowski. The West could not imagine that a non-authoritarian performance such as Pupilija could have been created in socialism. And it is still hard for it to accept that important performing experiments took place in Eastern Europe, which belong to the context of European experimental performing art practices on an equal basis. Because Pupilija is not an isolated example, my colleagues, Bojana Kunst, Aldo Milohnić and Goran Sergej Pristaš, and I developed an idea for a platform called East Dance Academy (EDA), which is supposed to contribute especially to the articulation of a different history of contemporary dance and performance art in Eastern Europe and Europe in general. The aim of EDA is to detect the places, areas and events where contemporary dance and interdisciplinary performance appeared. Contemporary dance was not institutionalised until the decline of the communist regime in the 1980s, but it original of the reconstruction, the ‘cult performance’ directed by Dušan Jovanović, was really his idea and that the reconstruction is only an ingenious bluff. Maska’s performance became a real rebus of Mittelfest’s Thursday evening, since the confused spectators were wondering whether the company actually pulled their leg with a theatre document which is as ‘original’ as the name of its author, Janez Janša. ROP, Predstava Pupilija, papa Pupilo pa Pupilčki pretresla občinstvo (Pupilija, papa Pupilo and the Pupilceks shocked the audience), Primorski dnevnik, 26 July 2008.
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presente e se desenvolveu em formas interdisciplinares experimentais, como música e teatro experimentais, videoperformances etc. A EDA enfatiza a interdisciplinaridade, atravessando fronteiras entre as disciplinas e a forte contextualização social da produção artística. Nesse sentido, reúne um público de áreas diferentes e com perspectivas diferentes. EDA é um espaço de trabalho onde os participantes mostram tipos históricos de performances e ações em contextos locais que podem ser exemplos possíveis para considerar a dança contemporânea e a performance dentro de uma perspectiva cultural mais ampla. Podemos entender a EDA como uma continuação de processos de articulação da história da arte contemporânea no contexto do Leste europeu que se iniciaram no campo das artes visuais e resultaram no projeto East Art Map, concebido pelo grupo Irwin. Pupilija não teria uma atmosfera tão contemporânea se não tivesse dado espaço à dança contemporânea, a procedimentos coreográficos contemporâneos e a práticas de movimentos do cotidiano.
da Judson Church. Com Helena Golab, uma bailarina polonesa de verdade, reconstruímos a famosa performance de dança de Robert Rauschenberg, Pelican (1963), com a perspectiva da performance inventada de Veronika Blumstein. Para chegar a uma reconstrução, precisávamos de um material histórico que tivemos que construir. O procedimento de construir o material não foi muito diferente de procurar material de arquivo existente. Eu cito esse exemplo para posicionar a reconstrução de Pupilija em outro campo, o campo do teatro documentário. Quando falamos de teatro documentário, geralmente nos referimos a performances baseadas em eventos verdadeiros e material de arquivo real. De alguma forma, podemos dizer que o Slovene National Theatre (2007) é um exemplo paradigmático de teatro-documentário, já que é, inteiramente, uma performance de material de arquivo. Na Eslovênia, vimos uma excelente performance de Rabih Mroue, Looking for a missing employee, na qual Mroue apresenta documentos e a história como um detetive. Durante toda a performance, os espectadores ficam em dúvida quanto à verdade da trama que ele está contando, apesar de ser uma pergunta redundante. O que faz o teatro ser documentário DOCUMENTO E TEATRO DOCUMENTÁRIO é a maneira como a performance é feita, particularmente Vamos supor, afinal, que o Pupilija original não existiu e que a reconstrução foi, na verdade, uma simples constru- quanto ao uso de documentos, para o qual não é crucial que sejam verdadeiros ou não. Independentemente de ção. Algo parecido aconteceu com o projeto Veronika Blumstein, que construiu uma biografia inventada de uma usarmos documentos reais ou forjados, a estrutura os ficcionaliza e novamente os transforma em documentos bailarina polonesa que emigrou para Nova York nos forjados. Talvez possamos sugerir uma diferença entre anos 60 e juntou-se ao circuito da dança pós-moderna idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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was constantly present and it developed in interdisciplinary experimental forms, such as, experimental music and theatre, video performance art, etc. EDA emphasizes interdisciplinarity, crossing the boundaries between disciplines and strong social contextualisation of artistic production. In this sense, it brings together an audience from different fields and different perspectives. EDA is a working space in which the participants display historical examples of performances and actions in their local context, which might be possible examples of considering contemporary dance and performance art within a broader cultural perspective. We can understand EDA as the continuation of the processes of articulating the history of contemporary art in the context of Eastern Europe, which started in the field of visual arts and resulted in the East Art Map project conceived by the Irwin group. Pupilija would not have had such a contemporary feel to it, had it not given room to contemporary dance, contemporary choreographic procedures and the movement practices of everydayness.
postmodern dance circle around Judson Church. With an actual Polish dancer, Helena Golab, we reconstructed Robert Rauschenberg’s famous dance performance Pelican (1963), from the perspective of Veronika Blumstein’s invented performance in it. In order to arrive at a reconstruction, we first needed historical material, which we had to construct. The procedure of constructing the material did not differ greatly from the procedure of searching for existing archive material. I mention this example in order to place the reconstruction of Pupilija into another field, the field of documentary theatre. By documentary theatre we usually mean performances based on true events and real archive material. In a way, we could say that Slovene National Theatre (2007) is a paradigmatic example of documentary theatre, since it is entirely a performance of archival material. In Slovenia, we saw an excellent performance by Rabih Mroue, Looking for a Missing Employee, in which Mroue presents documents and the story in a detective manner. During the whole performance, the spectators are faced with a doubt as to the truthfulness of the story he is telling, although this is a redundant question. DOCUMENT AND DOCUMENTARY THEATRE What makes a certain theatre documentary is the Let us presuppose at the end that the original Pupilija actu- way the performance is made, particularly with the use ally did not exist and that the reconstruction was actually of documents, for which it is not crucial whether they are a mere construct. Something similar happened in the true or not. Regardless of whether we use real or Veronika Blumstein project, which constructed a biography forged documents, the framework fictionalises them and again and again transforms them into forged ones. Perhaps of an invented Polish dancer, who immigrated to New we could suggest a difference between documentary York in the 1960s and joined the avant-garde and the idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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o teatro-documentário — um teatro que lida com eventos reais e é baseado em fatos — e o teatro de documentos, no qual o foco está na demonstração de um documento como portador da verdade. Nesse aspecto, as coisas ficam mais complicadas se a fonte histórica é ficção, no nosso caso, a performance. Quando, nos anos 70, as Brigadas Vermelhas tentaram provar que o primeiro-ministro italiano Aldo Moro, que havia sido sequestrado, estava vivo, tiraram fotos dele com um jornal publicado naquele dia. Senão de outra forma, podemos provar a existência da Pupilija original por recortes de jornal. Mas, enquanto as Brigadas Vermelhas mandaram informação atual, isto é, o jornal do dia, os documentos relacionados à Pupilija estão em arquivos, bibliotecas, são registros que precisam ser procurados. Isso não ajuda os espectadores de forma alguma, como as turnês fora da Eslovênia mostraram. O que faz com que Pupilija seja parte do teatro-documentário é precisamente o fato de o conteúdo e a dramaturgia da performance serem, em grande parte, concebidos a partir de documentos. Assim, a tensão entre o real e o encenado é constantemente produzida. A questão sobre a condição de verdade não é crucial, o que é crucial é o deslocamento contínuo do(s) ponto(s) de referência. Documentos de jornal são adicionalmente midiatizados pelas projeções: se nós, por exemplo, usássemos fac-símiles de jornais de 1969, provavelmente quereríamos mostrar que aquilo a que estamos assistindo é de 1969. Quando um documento se torna uma citação idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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theatre — a theatre that deals with a real event and is based on facts — and the theatre of documents where the focus lies on the demonstration of a document as the bearer of truth. In this aspect, matters get additionally complicated if the historical source is fiction, in our case, the performance. When, in the 1970s, the Red Brigades tried to prove that the kidnapped Italian Prime Minister Aldo Moro was still alive, they photographed him with a newspaper published on that day. If not otherwise, we can confirm the actual existence of Pupilija with newspaper clippings. But while the Red Brigades sent current information, i.e., a newspaper on the day it was published, the documents related to Pupilija are in the archives, libraries, records one has to get to. It would be easy to forge all the documents projected in the performance. This would not help the spectators in any way, as tours outside Slovenia have shown. What makes Pupilija part of documentary theatre is precisely the fact that the content and dramaturgy of the performance are, in a large part, conceived on the use of documents. Thus, the tension between the real and the acted is constantly being produced. In this, the question of the status of truth is not crucial, what is crucial is the continual displacing of the point(s) of reference. Newspaper documents are additionally mediatized / media-ized by the projections: if we, for example, used the facsimiles of newspapers from 1969, we would thereby probably want to show that what we are watching is taking place in 1969. When a document idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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projetada, nós o arrancamos de sua dimensão temporal concreta e ele se torna não um documento do tempo em que foi criado, mas do tempo em que estamos assistindo.
Fig. 1
PROCEDIMENTOS Em sua palestra intitulada Re-Enactment of performances and the productive potential of calculated failure (“Remontagem de performances e o potencial produtivo do fracasso calculado”), Astrid Peterle diferencia a reconstrução copiada da refletida.13 Ela deseja estabelecer uma diferença entre reconstruções (poderíamos usar o termo “remontagem”) que tentam reencenar, literalmente, a obra de performance ou de teatro original e reconstruções que tentam fornecer um espaço analítico para refletir sobre o evento original e a performance do presente. Nesse caso, a abordagem que usamos na reconstrução de Pupilija pertence às reconstruções reflexivas. Copiar / Copiar é uma das camadas essenciais na reconstrução de Pupilija. Nós a abordamos através de vários protocolos, mas a base da nossa decisão de copiar foi a diferença entre os dois períodos. A Pupilija original pertencia ao espírito daquela época, que buscava uma linguagem autêntica, imediatismo e objetividade, não apenas na arte mas também na vida cotidiana. O gesto definitivo, nesse sentido, foi 13 Astrid Peterle, Re-enactment of Performances and the Productive Potential of Calculated Failure, manuscrito da palestra proferida no Perfomance Studies International, Zagreb, 25 jun 2009. idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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becomes a projected citation, we tear it away from its concrete temporal dimension and it thus becomes not a document of the time it was created in but of the time in which we are watching it.
Fig. 2
PROCEDURES In her lecture entitled Re-Enactment of Performances and the Productive Potential of Calculated Failure, Astrid Peterle differentiates between a copied and a reflected reconstruction.13 She wants to establish a difference between reconstructions (in English, we could use the standard term “re-enactment”) that try to re-stage the original performance art piece or theatre performance literally and the reconstructions that try to provide an analytic space in which to reflect the original event and the present performance. In this case, the approach we used in the reconstruction of Pupilija belongs to the reflected reconstructions. Copying / Copying is one of the essential layers in the reconstruction of Pupilija. We approached it through various protocols, but the basis of our decision for copying was the difference between the two periods. The original Pupilija belonged to that spirit of the time that searched for an authentic language, immediacy and directness not only in art but also in 13 Astrid Peterle, Re-Enactment of Performances and the Productive Potential of Calculated Failure, manuscript of the lecture given at the Perfomance Studies International, Zagreb, 25 June 2009. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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o beijo de Tomaž Kralj e Manca Čermelj (alguns performers dizem que foi uma relação sexual) na banheira e a morte da galinha. Na época da reconstrução, o sujeito não busca mais o ponto de autenticidade, honestidade e imediatismo de uma identidade distorcida, mas lida com várias identidades, com a forma como são midiatizadas, como cada ato está contextualizado e como cada gesto é objeto de uma rede de significados que habitam o gesto através de complexas operações receptivas. Em cada cena da reconstrução que está sendo copiada, mostramos precisamente o procedimento de cópia. Copiando em tempo real / Na cena do Foto-romance, os atores assistem à gravação na tela e copiam a ação em tempo real. A ação não é decorada, o que é decorado é o texto. A gravação aparece como ponto de referência e conduz a ação. (Fig. 1) A cena do banho não foi preservada na gravação da TV eslovena. Nós a filmamos com a mesma estética da gravação do original. A estética preto e branco e o cenário branco, estéril, do estudo Viba lembram a estética dos filmes mudos e é por isso que o texto foi projetado com intertítulos. Os atores no palco usam mímica para copiarem a si mesmos na gravação. Não há objetos de cena ou cenário, até mesmo os músicos tocam instrumentos imaginários. (Fig. 2) idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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everyday life. The ultimate gestures in this sense were Tomaž Kralj and Manca Čermelj kissing (some of the performers say it was sexual intercourse) in the bathtub and the slaughter of the chicken. In the period of the reconstruction, a subject no longer searches for the point of authenticity, honesty and immediacy of an undistorted identity, but deals with many identities, with how he / she is mediated, how every act is contextualised and how every gesture is an object of a network of meanings, which inhabit the gesture through complex receptive operations. In each scene of the reconstruction that is being copied, we show precisely the procedure of copying. Copying in real time / In the Photoromance scene, the actors watch the recording on the screen and copy it in real time. The action is not learned, all that is learned is the text. The recording appears as a point of reference and a dictate of action. (Fig. 1) The Bathing scene is not preserved in TV Slovenia’s recording. We shot it in the same aesthetics present in the preserved recording of the original. The black-and-white aesthetics and the white, sterile set at the Viba film studio are reminiscent of silent film aesthetics which is why the text from the scenario was projected in the form of intertitles. The actors on stage use mime to copy themselves in the recording. There are no props, no set, even the musicians mime playing on imagined instruments. (Fig. 2) idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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Fig. 3
Cópia como uma coreografia do espaço / Usamos a cópia como uma forma de distribuir os corpos no espaço e a transformamos em um procedimento óbvio. Na cena de Elle, os atores na parte direita do palco copiam a ação que acontece na parte esquerda. (Fig. 3) Na cena da Branca de Neve, o coro no fundo copia a performance do casal que está à frente e o triângulo é completado por um trio de músicos que copiam a performance do coro no fundo. Além da cena em si, o procedimento de cópia é demonstrado. (Fig. 4) Estar no quadro / Na cena do computador, a foto da performance original na qual os atores estão em formação é projetada na reconstrução sobre os atoresnamesmaposição.Assim,osatoresdareconstrução são uma projeção literal dos atores originais e funcionam, de maneira semelhante, como os documentos projetados. (Fig. 5) Repetição / O único documento relacionado à cena de falação indistinta disponível durante a preparação da performance (um ano depois, Slavko Hren encontrou uma gravação dessa cena nos arquivos da RTV eslovena) era a memória do performer Milan Jesih, que gravamos durante a preparação da performance. Editamos essa performance em loop, em uma estrutura rítmica que permitiu a criação de uma partitura de música e dança. Assim como a
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Fig. 4
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Copying as a choreography of space / We used copying as a mode of distributing the bodies in space and made it an obvious procedure. In the Elle scene, the actors on the right-hand part of the stage copy the action on the left-hand side of the stage. (Fig. 3) In the Snow White scene, the chorus in the back copies the performance of the couple in the front, the triangle of copying is completed by a trio of musicians who copy the performance of the chorus in the background. In addition to the scene itself, the procedure of copying is demonstrated. (Fig. 4) To be in the picture / In the Computer scene, a photo from the original performance in which the actors are in a formation is projected onto the actors in the reconstruction standing in the same formation. The actors in the reconstruction are thus a literal projection of the original actors and they thus function in a similar way as the projected documents. (Fig. 5) Looping / The only document related to the Gibberish scene available to us during the preparations for the performance (a year later, Slavko Hren found a recording of this scene in the archives of RTV Slovenia) was the memory of performer Milan Jesih, which we recorded during the preparations for the performance. We edited his performance into a loop in a rhythmical structure that enabled the creation of a music and dance score. Just as the
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falação original não era para ser entendida, a sequência de música e dança fica no lugar de algo que não precisa ser compreendido, mas está lá para mostrar o lugar constitutivo da performance que não precisa ser entendido, isto é, mostrar que o momento de incompreensão está inscrito no entendimento da performance. Rotatividade do elenco / No elenco original, havia uma grande rotatividade dos performers. Trinta colaboraram com a performance, apesar de o elenco original ser composto por 15 membros (dos quais três eram músicos). A principal razão para essa alternância era a pouca idade dos artistas, que tinham entre 18 e 21 anos e estavam sob muita pressão dos pais e do ambiente. Muitos deixaram a performance depois da noite de estreia. Incluímos esse momento na reconstrução ao alternar as funções dos performers. O elenco de cada apresentação era definido logo antes do começo. Todos os atores conheciam a maioria dos papéis / funções. Ao mesmo tempo, mantivemos o frescor das repetições, enquanto os performers assumiam a responsabilidade por toda a performance e não apenas por seus papéis ou funções. (Fig. 6) Acaso / Apesar de esse procedimento não ter sido usado na Pupilija original, algumas decisões foram consequência do acaso. Nós enfatizamos esse procedimento idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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original gibberish was not something to be understood, so, too, the music and dance sequence stands in the place of something that need not be understood, but is there to show the constitutive place in the performance that need not be understood, i.e., that the very moment of incomprehension is in-scribed in the understanding of the performance. Rotating the cast / In the original cast, there was a great fluctuation of performers. A total of 30 different performers cooperated in the performance although the original cast was composed of 15 members (three of whom were musicians). The main reason for the great fluctuation was the youth of the performers who were mostly between 18 and 21 years of age and under great pressure form the environment and their parents. Many performers left the performance after its opening night. We included this moment in the reconstruction by rotating the tasks performed by the performers in the reconstruction. The cast of every individual performance was determined just before the beginning. All the actors knew most of the roles / tasks. At the same time, we thus maintained the freshness of repetitions, while the performers took on the responsibility for the whole performance and not only their particular part / task. (Fig. 6) idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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Fig. 6
Fig. 5 RECONSTRUÇÃO 2: SOBRE AS RECONSTRUÇÕES DE PUPILIJA, PAPA PUPILO AND THE PUPILCEKS E MONUMENT G, por Janez Janša
Fig. 7, 8
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Chance / Although this procedure was not used in the original Pupilija, some of the decisions in the performance were a consequence of chance. We emphasized this procedure in two scenes: the cast of Snow White rests on the elimination game in the previous scene — the two performers that remain at the end of the elimination game appear in the next scene. In the Alpine Milk scene, the actor chooses, at his / her own will, their co-actor in the scene. (Fig. 7) Performing the scenario / practicing the task / In the Breastfeeding scene, we hear the voice of Dušan Jovanović, the director of the original performance, reading the scenario, and after his every sentence, the actors perform the described task. Thus, the director of the original performance directs the performers of the reconstruction. (Fig. 8) De-construction of the conductor / For each cast, we engaged a conductor, who was either a member of the original cast of Pupilija (Barbara Levstik, who was the conductor in the original, Dušan Jovanović) or artists, festival directors, etc. (e.g., Jovan Ćirilov, Dragan Živadinov, Tone Partljič, etc.). We thus follow the logic of the relationship between the orchestra and the conductor: the orchestra is always composed of the same members, while the conductors change, the repertoire remaining practically the same. (Fig. 9, 9a, 9b)
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em duas cenas: o elenco da cena da Branca de Neve é o que permanece do jogo de eliminação da cena anterior — os dois performers que ficam até o final do jogo aparecem na cena seguinte. Na cena do leite alpino, o ator escolhe, de livre e espontânea vontade, seu parceiro para a cena. (Fig. 7) Executar o texto / praticar a tarefa / Na cena de amamentação, ouvimos a voz de Dušan Jovanović, o diretor da performance original, lendo o roteiro, e depois de cada frase os atores executavam a tarefa descrita. Assim, o diretor da performance original dirige os performers da reconstrução. (Fig. 8) Desconstrução do maestro / Para cada elenco, designamos um maestro, que era um membro do elenco original de Pupilija (Barbara Levstik, a maestrina no original, Dušan Jovanović) ou artistas, diretores de festival etc. (por exemplo, Jovan Ćirilov, Dragan Živadinov, Tone Partljič). Assim, seguimos a lógica da relação entre a orquestra e o maestro: a orquestra é sempre composta pelos mesmos membros, enquanto os regentes mudam e o repertório permanece praticamente igual. (Fig. 9, 9a, 9b) Superidentificação / Interpretamos o poema de Koseski como os Pupilceks originais — com uma postura de superidentificação, o que produz uma distância irônica, por um lado, e um efeito ideológico, por outro. (Fig. 10) idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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Over-identification / We played Koseski’s Poem as the original Pupilceks — with an over-identification stance, which produces an ironic distance, on the one hand, and an ideological effect, on the other. (Fig. 10) The structure of an open end / The length and course of the Alpine Milk scene are uncertain. The actor has to cut a log in two and if this does not succeed in the first try (which happened at some of the performances), the scene can be transformed into a negotiation between what is real and what is staged, what is improvised and what directed. It is a particular task with an improvised end. Staging the gaze / In two scenes, a recording of the original Pupilceks appears on the screen, shot at a joint viewing of the recording of the original performance organized at the end of the opening night at the Križanke Knight’s Hall in May 2006. The Pupilceks watch themselves (in the recording from 1969), while we watch them watch themselves — being reconstructed on stage. The direction of the Pupilceks’ gaze on screen is what leads the movement of the actress playing beautiful Anka, who directs the movement of the round dance. (Fig. 11)
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Fig. 9, 9a, 9b
A estrutura de um final em aberto / A duração e o andamento da cena do leite alpino são incertos. O ator precisa cortar um tronco em dois e, se não tiver sucesso na primeira tentativa (o que aconteceu em algumas apresentações), a cena pode se transformar em uma negociação sobre o que é real e o que é encenado, o que é improvisado e o que é dirigido. É uma função particular com um final improvisado. Encenando o olhar / Em duas cenas, uma gravação dos Pupilceks originais aparece na tela, captada em uma sessão da gravação da performance original, no final da noite de abertura no Križanke Knight’s Hall, em maio de 2006. Os Pupilceks assistem a si mesmos (na gravação de 1969), enquanto assistimos a eles assistindo a si mesmos. A direção do olhar dos Pupilceks na tela é o que conduz o movimento da atriz que interpreta a bela Anka, que dirige o movimento da dança de roda. (Fig. 11)
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37 Fig. 11
Fig. 10
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Giovana Soar, Rainieri Gonzalez e Rodrigo Ferrarini no espetáculo Vida, da Cia. Brasileira de Teatro. Foto de Elenize Dezgeniski. / Giovana Soar, Rainieri Gonzalez and Rodrigo Ferrarini in Cia. Brasileira de Teatro’s show Vida. Photo by Elenize Dezgeniski.
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Marcio Abreu é ator, diretor e dramaturgo, fundador e integrante do Núcleo da Companhia Brasileira de Teatro, sediada em Curitiba (PR). Desenvolve pesquisas e processos criativos em intercâmbio com artistas de várias partes do Brasil e também de outros países, especialmente a França. Entre os seus principais trabalhos constam: A vida é cheia de som e fúria (2000), uma coprodução com a Sutil Cia. de Teatro na qual trabalhou como ator; Volta ao dia... (2002), como autor e diretor; O empresário (2004), ópera de Mozart na qual assinou a adaptação e a direção; Grupo de Estudos sobre Tchekhov, coordenação, ao lado de Luis Melo, no Ateliê de Criação Teatral (ACT); Suíte 1 (2004), de Philippe Minyana, em que fez a direção; Daqui a duzentos anos (2004 / 2005), textos de Anton Tchekhov, dramaturgia e direção, com ACT e Luis Melo; Apenas o fim do mundo (2005 / 2006), de Jean-Luc Lagarce, direção; O que eu gostaria de dizer (2008), além da direção, foi responsável pela dramaturgia, em colaboração com os atores Luis Melo, Bianca Ramoneda e Marcio Vito. Desde os anos 1990 ministra regularmente oficinas, cursos, seminários e palestras relacionados ao teatro.
D Em que você pensa quando pensa no público? M A primeira coisa em que penso é que o público faz parte do fenômeno do teatro, ou pelo menos deveria, ou ainda, para tentar ser mais flexível, poderia. Seria realmente significativo se esse fenômeno fosse mais consciente na sociedade. Falo, agora, especificamente do Brasil. Quero dizer com isso que cada idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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39 Marcio Abreu is an actor, director and playwright. Founder and member of Núcleo da Companhia Brasileira de Teatro, based in Curitiba, where he developed his research and his creative process in exchanges with artists from around the country and also from abroad. His main works include: A Vida é Cheia de Som e Fúria, a co-production with Sutil Cia. de Teatro, acting (2000); Volta ao dia..., text and directing (2002); O Empresário, adaptation and directing (2004); Study group about Tchekhov, coordination alongside ACT — Atelie de Criação Teatral (2004); Suíte 1, by Philippe Minyana, directing (2004); Daqui a duzentos anos, textos de Anton Tchekhov, text and direction (2004 / 2005); Apenas o fim do mundo, by Jean-Luc Lagarce, directing (2005 / 2006); O que eu Gostaria de dizer, directing and playwriting in collaboration with actors Luis Melo, Bianca Ramoneda and Marcio Vito (2008). Since the 1990’s, he regularly conducts workshops, courses, seminars and lectures about theater.
D What do you think about when you think about the audience? M The first thing I think is that the audience is part of the theater phenomenon, or at least it should, or to be more flexible, it could. It would be really meaningful if society was more aware of this phenomenon. Now, I´m talking specifically about Brazil. I mean people, each person, contributes to the “place of theater”, be it through omission or participation. Lines such as “I don´t like theater” or “I love idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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pessoa contribui para a definição do “lugar do teatro”, seja por omissão ou participação. Frases como “eu não gosto do teatro” ou “eu adoro teatro!” muitas vezes acabam ressoando numa mesma frequência, quase inconsciente, que dá ao teatro um lugar social bastante inexpressivo. Geralmente, quando o público sai de casa para ir ao teatro já sabe que vai cumprir um ritual sem muitas surpresas. Principalmente se for em espaços predeterminados, os edifícios teatrais. Existe uma certa liturgia assimilada que não transforma nada, nem ninguém. É o pacto da não afetação. E por trás disso um status social herdeiro de uma aristocracia que diferencia os frequentadores dos não frequentadores. Mesmo em situações alternativas de encenação — em espaços que não sejam previamente determinados para isso e que propõem ao público uma experiência distante do conforto das poltronas estofadas idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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theater!” often end up resonating in the same frequency, almost unconsciously. It puts theater in a very inexpressive social place. Usually, when the audience goes to the theater, they already know they will fulfill a ritual without many surprises, specially if it takes place in predetermined spaces, like theater buildings. There is an established liturgy that doesn´t transform anything or anybody. It´s a pact for nonaffection. Behind all that is a social status inherited by a certain aristocracy that differentiates theatergoers from the nongoers. Even in alternative staging situations, in spaces that are not previously established for that end and propose an experience away from the comfort of upholstered chairs, there aren´t many surprises. The small portion of the population that does have the habit of going to the theater already recognizes both situations: the conventional one and the alternative one. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
— não há muitas surpresas. relação com o público. Uma A pequena parcela da população afetação mútua, capaz de criar que tem o hábito de ir ao um espaço invisível entre a cena teatro já reconhece as duas situe a plateia. E aí podemos comeações: a convencional e a alterçar a rever os conceitos de nativa. Tudo isso está absorvido representação e apresentação. numa noção geral e, volto a dizer, pouco expressiva do “lugar D Onde está, nesse caso, o do teatro”. trabalho do encenador? Então o que nos resta? Essa é M O encenador tem, certamente, um espaço de autoria, se a pergunta que surge quando pensarmos nessas operações penso no público, o habitual e o criativas da cena em tempo real, potencial. E essa pergunta é ou seja, vinculadas à presença o que imediatamente determina do público e dos atores. Isso meu caminho de criação. É nessa independe da utilização de um medida que penso no público: como criar modos de desconditexto teatral prévio ou não. cionar esse lugar tão assimilado De qualquer forma, cada pessoa e desgastado que o teatro, no adquire uma parcela de autosenso comum, ocupa hoje ria, de responsabilidade e potênna nossa sociedade? Essa questão cia criadora numa apresentação propõe desafios estéticos delicaviva em que todos se fazem presentes. E isso diferencia a apredos e estimulantes. Não acho que o problema se resolva apenas sentação da representação, mudando a arquitetura, não que pode ter implícito um caráter de segurança, previsibilié apenas isso, já sabemos. Tenho me dedicado nos últimos anos dade, funcionalidade, eficácia e não afetação. De qualquer forma, a investigar formas de dizer e de representação e apresentação estar, a presença do ator numa
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All this has been absorbed in a D In this case, where does the general, and again inexpressive, work of the director stand? notion of the “place of theater”. M The director certainly has So what is left? This is the a space of authorship if we think question that arises when I think about these creative operations about the audience, the usual of the scene in real time, one and the potential one. And connected with the presence of this question is what immedithe audience and the actors. ately determines my path of creaThis doesn´t depend on the use of a pre-established text. tion. That is how I think about the audience: how to create ways Anyway, each person acquires to un-condition this established a portion of authorship, of reand worn-out place theater occusponsibility and creative potency in a live presentation, in which pies in our society? This question everybody makes themselves ensues delicate and stimulating present. And this makes presenaesthetic challenges. I don´t think the problem would be solved only tation different from representaby changing the architecture, tion, which can have an implicit it´s not only there, we already quality of safety, predictability, know that. Over the last years, functionality, efficiency and nonI´ve been dedicating myself to inaffection. Anyway, represenvestigating forms of saying and tation and presentation are both being. The presence of the actor aspects of staging and they are in relation to the audience. A musomehow present in almost tual affection able to create an every theatrical experience. invisible space between the stage What can change is the way a and the audience. Then, we can director consciously deals with start to re-think the concepts of these concepts. What dimension representation and presentation. is given to presentation, for
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Nadja Naira e Rainieri Gonzalez no espetáculo Vida, da Cia. Brasileira de Teatro. Foto de Elenize Dezgeniski. / Nadja Naira e Rainieri Gonzalez in Cia. Brasileira de Teatro’s show Vida. Photo by Elenize Dezgeniski. idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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instance. In my most recent work, people in the theater that evening, I clearly try to provoke that, it shifted the idea of staging to an “in-between” space. The from the writing to the construction of the presence of each focus wasn’t exactly on what actor. I open the play speaking was seen on stage, but on what of dialogue and I summon the was happening among those audience to think along, to people, provoked by an aesthetic participate in the game, without and political choice. necessarily having to get out of the chair. D Where is the work of the actor? There are cases in which Is there somehow a kind of crisis presentation acquires an incalcubetween what is taught in acting lable dimension, in which it beschools and the demands of comes the staging itself. I rememcurrent productions, in terms of ber a professor from a University character construction, the in Berlin. In one of the editions construction of linear narrative, of Itaú Cultural’s Próximo the relationship with the text? Ato, she showed us a DVD of an M Nowadays, I think about the opera presentation staged by a actor as a political being. Just Danish director, if I´m not like any other theater artist, just mistaken, in which the negative like any artist and, following this or positive reactions of the audiline, just like every person. ence to what was taking place However, there is not always an in that space for staging and awareness of that. This word encounter took the stage. That comes up again: awareness. I talk means the criteria and the about it repeatedly because it´s implicit devices and strategies of been bothering me. Almost like the director were able to provoke a reaction to a recurring apathy such state of things among the that accepts not to be affected idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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41 by anything and doesn´t affect anything or anybody. Affection: another word I´ve been using a lot lately. So that´s it: awareness and affection. Almost a paradox that can be the challenge of today’s actor, today´s artist. There is the dilemma of learning in Brazil. On one hand, there is a great number of actors, coming from conventional schools or not, with a background connected to interpretation methods from the 19th and 20th century, which usually creates conflict when it comes to contemporary dramaturgy. On the other hand, so-called contemporary actors, coming from new schools or not, do not have historical awareness and work on the surface, the recurring simulacra of this era of post-everything. However, there is a challenge that comes before all that and it seems basic to me. In order to take on this challenge, one must be free from aesthetic and
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do público, contrária ou favorásão aspectos da encenação. E, em vel ao que se dava ali naquele alguma medida, estão presen espaço de encenação e de encontes em quase todas as experiêntro, tomava a cena. Ou seja, cias teatrais. os critérios e mecanismos O que pode mudar é como, implícitos e as estratégias desse de forma consciente, um encenaencenador foram capazes de dor lida com esses conceitos. provocar um tal estado de coisas Que dimensão dá à apresentaentre as pessoas que estavam ção, por exemplo. No meu no teatro naquela noite que mais recente trabalho, tento cladeslocaram a ideia de encenação ramente provocar isso desde para um “entre”. O foco não a escrita do texto até a construção da presença de cada ator. era exatamente o que se via em Abro a peça falando de diálogo cena, mas o que acontecia ali, entre aquelas pessoas, provoe convoco o público a pensar junto, a participar do jogo, sem, cado por uma opção estética necessariamente, ter que sair e política. de sua poltrona. Há casos em que a apresenta- D E onde está o trabalho do ator? ção adquire dimensão incalculável. Existe, em alguma medida, uma Em que se torna a encenação espécie de crise entre o que se ensina nas escolas de formação mesma. Lembro de uma professora de uma universidade de de ator e as demandas das Berlim que nos mostrou numa encenações atuais, no sentido da das edições do Próximo ato, construção de personagem, no Itaú Cultural, o DVD de uma de uma narrativa linear e da relaapresentação de ópera, encenação com o texto? da por um dinamarquês, se M Penso no ator hoje como um ser não me engano, em que a reação político. Assim como todo idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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intellectual pre-conceptions and have historical awareness. The challenge is that of hearing, constructing a presence in relation to the other, of generosity. Nowadays, theater is the space for generosity. There is no subjectivity in that. It’s concrete. Art is not what we want from internal movements and subjective drives, but what takes place in concrete, material circumstances, created by men and among men. D Since you are an actor and a director, how do you perceive authorship in the work of the actor? How does it take place, where does is come up? M The actor is a co-author of everything. And he doesn´t have to write the text he will speak on stage or the scene he will perform. The relationships he or she creates in their body, after different dramaturgic materials, only he creates them. They are his specific patrimony, his idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
hidden humanity, that which responds to his history and is manifested through a presence built with the aim of establishing the phenomenon of theater. If we take a classic character like Macbeth, for instance. Countless actors all around the world played it in the most different productions. Luis Melo’s Macbeth is not the same as that of Daniel Dantas, just like it´s not the same Shakespeare for Antunes Filho or for Aderbal (Freire-Filho). Even though the text is the same, actually, the text doesn´t even have to be the same, since there are different translations that are also a field of authorship. If it´s good or not, if it makes more or less success, if the audience is a part of process or not, these are exactly issues of authorship, or of authorships and production modes. In order to be the author of what he does, he doesn´t have to write his own text, even though this is a possibility among others.
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artista de teatro, assim como todo artista e, seguindo essa linha, assim como toda pessoa. No entanto, nem sempre há consciência disso. Novamente esta palavra: consciência. Uso-a repetidas vezes porque ela tem me tomado nos últimos tempos. Quase como uma reação a certa apatia recorrente que aceita não ser afetada por nada e não afeta nada nem ninguém. Afetação: outra palavra que tenho usado bastante ultimamente. Então é isso: consciência e afetação. Um quase paradoxo que pode ser o desafio do ator de hoje, do artista de hoje. Existe o dilema da formação no Brasil. Por um lado, um grande número de atores, vindos de escolas convencionais ou não, com uma bagagem ligada a métodos de interpretação dos séculos XIX e XX, o que, geralmente, cria ruídos quando se trata de dramaturgia contemporânea. Por outro lado, atores ditos contemporâneos, oriundos
42 This is a recurring mistake in contemporary trends. The issue is not there. The best thing we have in our times is access to layers and layers of historical experience. It´s the possibility of dealing with all that, without chronological limits or death sentences to this or that. Actually, to whom is authorship important? What we want is for the phenomenon to take place, among people. Break the barrier of the foreseen relationship. It´s the fundamental motivation for the work. I keep searching for ways to say and to be, as I mentioned before. And I never have answers, it´s always new at each opportunity of encounter with people in the theater, artists or the audience. I always take some questions into account: which actor to which dramaturgy? How to re-invent the space of the scene? How to reclaim the word? How to escape the tyranny of the word? Yes, because when you speak, there is always someone else
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de novas escolas ou não, que não têm consciência histórica e trabalham na superficialidade e nos simulacros tão recorrentes em época de pós-tudo. No entanto, existe um desafio que vem antes disso tudo e me parece básico, e, para tomar para si esse desafio, é preciso ser livre de preconceitos estéticos e intelectuais, é preciso ter consciência histórica. O desafio é o da escuta, da construção da presença em relação ao outro, da generosidade. O teatro é hoje o espaço da generosidade. Não há subjetividade nisso. É concreto. A arte não é o que a gente quer a partir de movimentos internos e pulsões subjetivas, mas o que se dá numa circunstância concreta, material, feita pelo homem e entre os homens. D Como você é ator e diretor, como vê a autoria no trabalho do ator? Como ela se dá, onde aparece? M O ator é coautor de tudo o que faz. E para isso não é necessário idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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who could be speaking in your place, and there lies an implicit tyranny. D What is old in theater? There is much talk about it, but it´s not possible to identify a regulatory framework that can used as measure. What can be considered old? M Old is theater itself. There also resides its potency. Theater is a field open to every kind of experience. Everything has been done. It´s old, so old we can´t even imagine it in its historical dimension. Theater is so archaic it contradictorily becomes what is newest in our time. I will fall into clichés, but I don’t care. Theater is the place for encounter among people. And today that is what is new. It´s the place of collective silence, shared darkness, emotion displayed in front of others. That is wonderfully old. But if we talk about aesthetic and conceptual options, nothing idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
que escreva o texto que vai dizer em cena, ou escreva a cena em que vai atuar. As relações que cria no seu corpo, a partir de distintos materiais dramatúrgicos, só ele as cria. São o seu patrimônio específico, a sua humanidade escondida, aquilo que responde à sua história e se manifesta através de uma presença construída com a finalidade de estabelecer o fenômeno do teatro. Pegando um personagem clássico como Macbeth, por exemplo. Incontáveis atores em todo o mundo já o representaram em encenações as mais diversas. O Macbeth do Luis Melo não é o mesmo que o do Daniel Dantas, assim como não é o mesmo Shakespeare o do Antunes Filho e o do Aderbal. Muito embora o texto seja o mesmo, ou melhor, nem mesmo o texto precisa ser igual, já que existem as traduções, que também são um campo de autoria. Se é bom ou não, se faz mais ou menos sucesso, se o público entra ou não no
processo são questões exatamente de autoria, ou das autorias e dos modos de produção. Para ser autor do que faz o ator não precisa escrever o próprio texto, muito embora essa seja uma possibilidade, entre tantas. Esse é mais um equívoco recorrente nas modas “contemporanistas”. A questão não está aí. O que temos de melhor no nosso tempo é o acesso a camadas e camadas de experiência histórica. É a possibilidade de lidar com tudo isso hoje, sem limites cronológicos ou sentenças de morte a isso ou àquilo. Na verdade, a quem importa a autoria? O que queremos é que ocorra o fenômeno entre as pessoas. Furar a barreira da relação prevista é a motivação fundamental do trabalho. Fico buscando formas de dizer e de estar, como mencionei antes. E nunca tenho respostas, é sempre tudo novo a cada oportunidade de encontro com as pessoas no teatro, artistas ou
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is old in theater. What is unacfollows this restlessness. I can ceptable and deeply boring is write a text or stage a text from making an appointment and not another author, whatever. showing up, it´s not being present This is present. A certain attempt with your whole self. That, in of friction of the real moment theater and in life, is terribly old displayed in the presence of acand unbearable. Displays of tors and the audience during the power and ability are also very presentation. That is a whole boring, both in theater and in previous, very precise, dramaturlife. Going back to clichés, theater gic elaboration. It´s the foundais the place of humanity, of error, tion for the flight. of fragility, the same time it is the place for technique and D What is particular about Vida precision. Its strength is in in the career of Cia. Brasileira this game of tensions. And this is de Teatro? How do you see this not related to any time. It´s now, play in the group’s repertoire? always, in every time. M Vida is an important step in relation to all I said before. It´s D What is at stake in your work also the result of a long and comin this moment? Which aesthetic fortable time of research. We know it´s not always like that. It´s issues are you involved with in not that obvious that we always the creative process? achieve ideal work conditions M Right now, I´m obsessed with reading and writing, in a broad every time. I must say Vida was sense. How to read things and created in a period when we had the world and how to find writthe financing of Petrobras ings that provoke a living relafor the company´s ongoing work. tionship among people in the theThis makes all the difference. ater. Every strategy and option I´m not in favor of the discourse
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o público. Algumas questões sempre levo em conta: que ator para que dramaturgia? Como reinaugurar o espaço da cena? Como tomar a palavra uma vez mais? Como fugir da tirania da palavra? Sim, porque quando você fala, tem sempre alguém que poderia estar falando no seu lugar, e nisso reside uma tirania implícita. D O que é velho no teatro? Fala-se muito isso, mas não é possível identificar um marco regulatório que sirva de medida. O que se pode pensar como velho? M Velho é o próprio teatro. Nisso reside também a sua potência. O teatro é um campo aberto para experiências de toda sorte. Tudo já foi feito aí. É velho, tão velho que nem sequer conseguimos imaginá-lo em toda a sua dimensão histórica. O teatro é tão arcaico que se torna, contraditoriamente, o que há de mais novo no nosso tempo. Vou recair em clichês, mas não me importo. idança.txt Vol. 1 – Set 2010
O teatro é o lugar para o encon- D O que está em jogo no seu tro entre as pessoas. E isso hoje trabalho neste momento? Que é novo. É o lugar do silêncio questões estéticas o mobilizam coletivo, do escuro compartilhano processo de criação? do, das emoções manifestadas M Neste momento tenho a obstinadiante dos outros. Isso é maravição da leitura e da escrita, lhosamente velho. em amplo sentido. Como ler as Mas se falamos de opções coisas e o mundo e como estéticas e conceituais, nada encontrar formas de escrita que é velho no teatro. O que é inaprovoquem uma relação viva entre as pessoas no teatro. ceitável e profundamente enfadonho é marcar um enconTodas as estratégias e opções setro e não comparecer, é não guem essa inquietação. Posso estar presente com todo o escrever um texto ou encenar um seu ser, inteiro. Isso, no teatro texto de outro autor, tanto faz. e na vida, é terrivelmente velho Isso está presente. Está em jogo e insuportável. Demonstrauma certa tentativa de fricção do momento real manifestado ções de poder e de habilidade com a presença de atores e públitambém são chatíssimas, tanto no teatro como na vida. co durante a apresentação. Recaindo novamente em clichês, Para isso existe toda uma elaboração dramatúrgica anterior, muito o teatro é o lugar do humano, precisa. É a base para o voo. do erro, da fragilidade, ao mesmo tempo em que é o lugar D O que o espetáculo Vida tem de da técnica e da precisão. É particular na trajetória da Cia. nesse jogo de tensões que está Brasileira de Teatro? Como sua força. E isso não tem época. vê essa peça no repertório do É agora, sempre, em todos grupo? os tempos.
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Rodrigo Ferrarini, Rainieri Gonzalez e Nadja Naira no espetáculo Vida, da Cia. Brasileira de Teatro. Foto: Elenize Dezgeniski. / Rodrigo Ferrarini, Rainieri Gonzalez and Nadja Naira in Cia. Brasileira de Teatro’s show Vida. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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grupos você percebe uma sinM Vida é um passo importante em tonia, mesmo que subjetiva, com relação a tudo isso que falei o seu pensamento sobre arte? até agora. É resultado também M Sou diariamente afetado por de um tempo longo e confortáartistas como Julio Cortázar e vel de pesquisa. Sabemos Paulo Leminski. Tchekhov é para que não é sempre assim. Não mim um lugar de retorno é tão óbvio que consigamos as frequente e necessário. Tomo a condições ideais de trabalho literatura, de um modo geral, coa todo momento. Vida foi criado, mo um espaço de liberdade é preciso dizer, num período e de renovação. Tenho admiraem que tivemos a subvenção da ção pelo Daniel Veronese e, Petrobras aos trabalhos contínuinclusive, temos algumas coincios da companhia. Isso faz toda dências de escolha. Ambos encea diferença. Não sou favorável ao discurso de que a adversinamos textos de Philippe dade potencializa os processos Minyana em períodos próximos, criativos e força certa criatividapor exemplo. Existe uma afinidade. Trabalhar feliz e com as de de repertório e de aporte condições que você escolheu é em relação ao público. Gosto uma experiência necessária. muito do recente movimento do É o mínimo que se espera. Vida teatro de grupo no Brasil. Venho é fruto disso e de uma revisão de disso. Os grupos de uma geratrajetória. A peça absorve toda ção anterior à minha, como a experiência anterior da o Vertigem, a Cia. dos Atores, companhia. É absolutamente ano Galpão, me influenciaram tropofágica nesse sentido. muito e até hoje influenciam e estão aí totalmente ativos e se renovando. Os atores com quem D Com quem você conversa, artistenho trabalhado nos últimos ticamente? Em que artistas ou idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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that says adversity fosters creative processes and forces some creativity. Working happily and with the conditions you chose is a necessary experience. It´s the least you expect. Vida is product of that and a review of our career. The piece absorbs all the company’s previous experience. In this sense, it´s absolutely anthropofagic. D With whom do you talk to, artistically? Who are the artists you could pzxzoint out in terms of finding syntony with your thoughts about art? M I am daily affected by artists like Julio Cortázar and Paulo Leminski. For me, Tchekhov is a place of frequent and necessary return. I take literature, in general, as a space of freedom and renewal. I admire Daniel Veronese and we even have similar choices. We both staged texts of Philippe Minyana around the same time, for instance. There is affinity of repertoire and in the relationidança.txt Vol. 1 – Sept 2010
anos e que fazem parte das peças do repertório da companhia. Os russos, clássicos e contemporâneos. Esse pessoal do Leste europeu é incrível! Na música e no teatro. Alguns artistas de Curitiba e de outras partes do país que estão ligados na dissolução das fronteiras. Alguns coreógrafos e dançarinos brasileiros, franceses e portugueses, como Lia Rodrigues, Alain Buffard, Jérôme Bel, Vera Mantero. Encenadores como o polonês Krzysztof Warlikowski. Enfim, muita gente e em constante transformação.
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ship with the audience. I really like the recent movement of group theater in Brazil. That’s where I come from. The groups from the generation previous to mine, like Vertigem, Cia. dos Atores, Galpão, had a lot of influence on me and still do and they are all out there, totally active and renewing themselves. The actors I’ve been working with in the last years and who are part of the company’s repertoire. The Russians, the classic and the contemporary. The folks from Eastern Europe are awesome! In music and theater. Some artists from Curitiba and other parts of the country that are tackling the dissolution of frontiers. Some Brazilian, French and Portuguese choreographers and dancers, like Lia Rodrigues, Alain Buffard, Jérôme Bel, Vera Mantero. Directors like Krzysztof Warlikowski, from Poland. Well, many people and in constant transformation.
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DESEJO ENSAIADO: REFLEXÕES E QUESTÕES SOBRE A DANÇA CONTEMPORÂNEA NA ÁSIA Por Helly Minarti
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REHEARSING DESIRE: INSIGHTS AND ISSUES ON CONTEMPORARY DANCE IN ASIA By Helly Minarti
Sadayakko — do livro Madame Sadayakko, de Lesley Downer (Gotham Books, 2003). / from the book Madame Sadayakko, by Lesley Downer (Gotham Books, 2003). idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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Helly Minarti é pesquisadora e agente de artes independente em Jacarta, na Indonésia, cursa doutorado em estudos de dança na Roehampton University, Reino Unido. Está coescrevendo uma série de livros sobre a história da dança na Indonésia.
A prática de dança contemporânea na — e da — Ásia é mais como um desejo fugaz, ainda não enraizado no campo de uma grande variação de modernidade imbuída nas metrópoles asiáticas. Invariavelmente, por toda a região, artistas de dança contemporânea precisam negociar com a tradição, com alguma linhagem de estética moderna ou influências euro-americanas infiltradas por meios como a educação in / formal em dança ou a mídia de massa. Ainda precisam interpretar sua historiografia interconectada, tanto por dentro quanto por fora. Pairando, na maior parte, às margens da sociedade, a prática da dança contemporânea também está visivelmente se esforçando para descobrir como ocupar melhor espaços públicos dominados por motivações capitalistas, voltados para a comercialização e, ainda assim, um lugar onde o neoliberalismo e a democratização são constantemente contestados. Os artistas estão na periferia em relação ao discurso euro-americano de dança e também são marginalizados localmente, diante de circunstâncias difíceis nas quais o patrocínio da arte está largamente dividido em: 1) políticas públicas de financiamento que tendem a optar por revitalizar formas tradicionais de arte; ou 2) financiamento privado que estimula principalmente projetos comercialmente viáveis. Na superfície, as coisas podem parecer mais envernizadas em alguns países asiáticos desenvolvidos que se aventuram idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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Helly Minarti is an independent researcher and arts manager based in Jakarta (Indonesia), currently taking a MPhil / PhD programme at Roehampton University, UK (dance studies). She is co-writing her first dance book series on Indonesian dance history.
The practice of contemporary dance in — and from — Asia is more like a fleeting desire, not yet rooted on the ground of a great variation of modernity pervading the Asian metropolises. Invariably, across the region, contemporary dance artists have to negotiate with either local tradition, some local lineage of modernist aesthetics, or Euro-American influences infiltrated through mediums such as in/formal dance education or mass media. It has yet to construe its interconnecting historiography within, and without. Mostly hovering at the margin of its society, contemporary dance practice is also overtly still very much grappling with how to best occupy public spaces dominated by capitalist, commercial-driven motives and yet, a site where neo-liberalism and democratisation are constantly contested. Whilst peripheral vis-à-vis the dominant Euro-American dance discourse, locally they are also marginalized in the face of already harsh circumstance when the existing arts patronage is broadly split into 1) government-funding policy with tendency to opt for revitalizing the traditional art forms or 2) privately-generated ones which mainly fuel commercially viable projects. On some surface, things may seem glossier when it comes to a few developed Asian countries, which venture out to create an impromptu market or ‘hub’ for the idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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a fabricar mercados improvisados ou uma “central” para as artes performáticas da região, incluindo a dança. Por algum tempo, eles incorporaram a arte contemporânea em sua estratégia político-cultural, mas, por mais variadas que sejam suas abordagens, ainda estão simplistamente movidos pelo futuro imaginado da economia regional na política global. Enquanto isso, nos países em desenvolvimento, ainda se debatendo com questões como a erradicação da pobreza e/ou democratização (como a Indonésia ou até mesmo a China), a resposta imediata parece ser simplesmente aproveitar a nova tendência de globalização sob o pretexto da “economia criativa” (com seus termos e planos de trajetória variáveis). Com um desejo tão fraturado, com essa complexa constelação, que dança contemporânea pode surgir na (e da) Ásia? Não há um caminho único para resolver. Discursos precisam ser expandidos e interconectados, mas isso precisa ir além de simplesmente questionar a representação. Este ensaio não pretende, nem finge, dar uma fórmula para as problemáticas mencionadas. O que vem a seguir é simplesmente uma maneira de localizar as raízes do problema, na esperança de oferecer alguns caminhos para o futuro próximo. 1 MAPEANDO UM DISCURSO Copiando, deliberadamente, o título de uma conferência internacional que coconvoquei e co-organizei em março de 2008 (cujo título foi Dança contemporânea na Ásia: idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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ted five key questions addressed in the conference. At the end of the conference, the most essential questions were elaborated by the presentation of Martha Savigliano in her yet published paper, “Dance In Asia, Dances From Asia (On World-ing Asian Dance)”, italics from her. First, it is the problem of presentation and representation of dance (and dances) in and from Asia in the globalised world, which entitles the re/presentation of Asianess vis-à-vis the global dance market onto whose map the earlier still tends to be projected as the ‘Other’. The second is the emergence of Choreography or what Savigliano specifically refers to as ‘Choreographic Exclusion’’. It is “… [a practice] that is beyond dance, … it has no particular form to keep, and yet makes dance possible. Choreography stands out as a processor of differences. It operates as an exclusion (from World Dance) that includes all dances, and as an exception that rules the dance archive. World Dance is thus composed of traditional, ethnic and some fusion dances, “other” to Ballet, Modern and Postmodern dance (traditionally Western, but practiced worldwide).” Many dance practices in and from Asia can be traced 1 MAPPING OUT A DISCOURSE back to their origin as a form of cultural practice (be Deliberately mimicking the title of an international confer- it ritual or social in nature). When some of these cultural ence that I have co-convened and co-organised in March practices were historically (and in some cases, dramati2008 (titled Contemporary Dance in Asia: Mapping out a cally) transformed into an aesthetic language — thus discourse)1, I would like to go back to some of the formula- becoming a choreographic practice in a sense of modern era — it raises the fundamental question as to whether 1 See http://dance.kunci.or.id the identities formerly attached to the dance can be
region’s performing arts, dance included. For a while, they incorporated contemporary arts into their working politico-cultural strategy, but however varied their approaches are, they are still very much simplistically driven by the imagined future of regional economy in global politics. Meanwhile, in the developing countries still grappling with issues such as poverty eradication and/or democratization (like Indonesia or even PR China), the quick answer seems to simply be tapping into the new globalising trend under the pre-text of ‘creative economy’ (with its variant terms and trajectory plans). A desire so fractured with this complex constellation, what contemporary dance (in and from) Asia can make ado? There is no single way to resolve. Discourses need to be expanded and interplayed, but it has to go beyond the merely questioning of re/presentation. This essay does not intend nor pretend to give a formula for those mentioned problematics. The following is simply a way to locate the roots of the problems, in the hope it can offer some routes to take in the near future.
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Espetáculo Bruise Blood, de Shobana Jeyasingh. Foto de Nuno Santos. / Shobana Jeyasingh’s show Bruise Blood. Photo by Nuno Santos.
mapeando um discurso),1 gostaria de voltar a algumas das cinco questões centrais formuladas na conferência. Em seu final, as questões mais essenciais foram elaboradas na apresentação de Martha Savigliano em seu ensaio, ainda não publicado, “Dance in Asia, Dances from Asia (on world-ing Asian dance)” (“Dança na Ásia, danças da Ásia, sobre a dança asiática mundializada”), itálicos dela. Primeiro, há o problema de apresentação e representação da dança (e danças) na e da Ásia no mundo globalizado, que determinam a re/apresentação de características asiáticas diante do mercado global de dança, em cujo mapa a primeira ainda tende a ser projetada como o “Outro”. Segundo, há a emergência da coreografia ou o que Savigliano especificamente menciona como “exclusão coreográfica”. É “(...) [uma prática] que vai além da dança, (...) não tem uma forma particular a manter e mesmo assim faz com que a dança seja possível. A coreografia se destaca como um processador de diferenças. Opera como que uma exclusão (da world dance) que inclui todas as danças, e como uma exceção que rege o arquivo da dança. A world dance é, assim, composta de danças tradicionais, étnicas e fusões ‘outras’ que não balé, dança moderna e contemporânea (tradicionalmente ocidentais, mas praticadas em todo o mundo).” A origem de muitas práticas de dança na e da Ásia pode ser rastreada como formas de prática cultural 1 Ver http://dance.kunci.or.id
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the historical figures etched to this canon, whilst the rest of the world (not only Asia, but also Africa and Latin America) is barely consolidated discursively, despite each great potential to contribute to the expansion of this historiography into historiographies. It is as if this dominant dance historiography denied the fluidity of early modernity — the mammoth engine that fundamentally changed how imagination was created, worked and triggered the emergence of dance aesthetic at the turn of 20th century — which is somehow lost in this chronicle. The closest inclusion of dance ‘in and from’ Asia into this historiography was merely through the acknowledgement of some Orientalism practice applied by the early modernist (for instance in the choreographic practice of artists like Ruth St Denis or Maud Adams; see Desmond: 1991). I would like to argue there are much more historical materials that could be used to reconstruct 2 MODERN DANCE: the discourse. ALTER/NATIVE HISTORIOGRAPHIES There is no mentioning, for instance, of the young, In my research practice, I have been struggling to trace twenty three year old Isadora Duncan visiting Paris and map out the many histories of dance practices in the region of Asia. I am fully aware of the limitation of for the first time with her mother and brother where she watched a performance of Sadayakko — the first using such boundaried term as “Asia”, and yet I have Japanese geisha who performed onstage with Kawakami decided it can still be a useful tool to use. theatre troupe, overseas, for the first time. “One great As far as dance scholarship is concerned, the current established global narrative of modern dance historiogra- impression remained with me of the Exhibition of 1900 — the dancing of Sadi Yacca [sic], the great tragic dancer phy is firmly set towards this aforementioned ballet / of Japan. Night after night Charles Halle and I were modern / postmodern continuum, drawn predominantly thrilled by the wondrous art of this great tragedienne,” from Euroamerican experiences of modernity. Names like Isadora Duncan or Martha Graham are now among reminisced Duncan (Downer: 2003).
simply dissolved onto the new aesthetic terms, i.e. so the ‘new’ dance is viewed as a body (and a self) moving in space and time (for discussion on post-identitarian in dance scholarship, see Burt: 2000). This debate has just started, but the underlying fact is that this debate can not be carried out well until we have sufficient documentation to build a shared knowledge of the new (modern, contemporary) choreographic practice outside the ballet/modern/postmodern continuum (a term coined by Savigliano, 2008). The origins of dance have to be first mapped and critically analysed (what is ‘dance’ in such and such context?), only then a discursive formation can be laid out, on which previous debate can be launched. All of which leads to my next pointers as follows:
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(de natureza ritual ou social). Quando algumas dessas práticas culturais são historicamente (e em alguns casos, dramaticamente) transformadas em linguagem estética — tornando-se, assim, uma prática contemporânea no sentido da era moderna —, levanta-se a questão fundamental sobre as identidades anteriormente ligadas à dança poderem ser simplesmente dissolvidas nos novos termos estéticos. Isto é, a “nova” dança seria vista como um corpo (e um self ) movendo-se no espaço e no tempo (para uma discussão sobre a pós-identidade em estudos de dança, ver Burt, 2000). Esse debate apenas começou, mas o fato fundamental é que essa discussão não pode ser levada adiante antes que tenhamos documentação suficiente para criar um conhecimento compartilhado da nova (moderna, contemporânea) prática coreográfica fora do continuum balé / moderno/contemporâneo (termo cunhado por Savigliano, 2008). As origens da dança devem ser primeiramente mapeadas e analisadas criticamente (o que é “dança” em tal e tal contexto?). Só assim pode ser desenvolvida uma formulação discursiva na qual debates anteriores podem ser lançados. Tudo isso leva aos meus próximos tópicos, como segue abaixo:
das limitações de usar um termo tão circunscrito como “Ásia” e, ainda assim, decidi que é uma ferramenta útil. No que tange a estudos da dança, a atual narrativa global consagrada pela historiografia da dança está firmemente direcionada para o já mencionado continuum balé / moderno / contemporâneo, tirado, predominantemente, de experiências euro-americanas da modernidade. Nomes como Isadora Duncan ou Martha Graham estão agora entre as figuras históricas gravadas nesse cânone, enquanto o discurso no resto do mundo (não só na Ásia, mas também na África e na América Latina) mal está consolidado, apesar de cada iniciativa com grande potencial para contribuir com a expansão dessa historiografia em historiografias. É como se essa historiografia dominante da dança negasse a fluidez da primeira modernidade — o gigantesco motor que transformou fundamentalmente a forma como a imaginação era criada e trabalhada e desencadeou o surgimento da estética da dança no começo do século XX —, o que é perdido de alguma forma nesta crônica. A inclusão mais próxima da dança “na e da” Ásia nessa historiografia foi simplesmente o reconhecimento de algumas práticas orientais aplicadas por alguns moder2 DANÇA MODERNA: nistas (por exemplo, as práticas coreográficas de artistas como Ruth St. Denis ou Maud Adams; ver Desmond, HISTORIOGRAFIAS ALTER/NATIVAS Na minha prática de pesquisa, tenho me esforçado para 1991). Eu gostaria de argumentar que há muito mais material histórico que poderia ser usado para reconstruir traçar e mapear as muitas histórias de práticas de dança na região da Ásia. Estou plenamente consciente o discurso. idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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Yakko’s performance in Paris — already a complex cultural mistranslation — is merely confined as an artistic momentum in her biography. Later that year, both dancers had gone touring together to Berlin under the auspice of their producer, Loïe Fuller, another American modern dancer. But there is no further investigation about their performances at this particular historical juncture. Another crucial early transnational encounter was between Uday Shankar and the ballerina Anna Pavlova, which in turn inspired Shankar to create his new dance. But Shankar’s story was soon enveloped by the next dance movement in India — the revival of bharata natyam. It was not until recently that dance scholars started to dig up the archive and theorize this collaboration of dance-making as one of early precursors of dance modernism in India’s context. The now documented practice of dance modernism taking place in some parts of Asia undoubtedly reveals a complex constellation, indicating how it had been constantly formulated in flux, involving traveling of talents and ideas. Whilst Sadayakko — the first geisha performed on stage and more, overseas; which made her performance was not only uprooted spatially but also historically — had informed the young Duncan, later it was another Japanese artist, Shijingmo, who was influenced by Duncan and Laban among others, and in turn taught the Shanghai-based Wu Xiao Bang (a.k.a Zu Pei). Yet such inter-connectivity — in bodily terms, not only in its transnational exchange of bodily ideas — as a way idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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of construing an alter / native historiography has yet to be widely incorporated in the ongoing, mainstream dance discourse. I am not suggesting that we have to construct a PanAsia dance historiography, although more understanding about it would bring more insights, but I would like to offer modernity discourse as a thread or tool that can be useful to unfold the stories and histories on how the new traditions of dance-making took place, whether through rupture or smooth, seamless transition. By referring to modernity, I would like to borrow Dilip Parameshwar Gaonkar’s summary (1999): “Born in and of the West some centuries ago under relatively specific sociohistorical conditions, modernity is now everywhere. It has arrived not suddenly but slowly, bit by bit, over the longue durée — awakened by contact; transported through commerce; administered by empires, bearing colonial inscriptions; propelled by nationalism; and now increasingly steered by global media, migration, and capital. And it continues to ‘arrive and emerge’, as always in opportunistic fragments accompanied by utopic rhetorics, but no longer from the West alone, although the West remains the major clearinghouse of global modernity.” Starting with Baudelaire and climaxing somewhere in Appadurai’s theory of rupture and the global multiscapes, modernity is indeed an epoch — “… the transient, the fleeting, the contingent; it is one half of art, the other being the eternal and the immovable” one (Baudelaire). Yet it is also an attitude of questioning the present within
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Não há menção, por exemplo, de como a jovem Isadora Duncan, aos 23 anos de idade, ao visitar Paris pela primeira vez com a mãe e o irmão, assistiu a uma apresentação de Sadayakko — a primeira gueixa japonesa a se apresentar em um palco no exterior com a trupe de teatro Kawakami. “Uma forte impressão ficou comigo da Exposição Universal de 1900 — a dança de Sadi Yacca [sic], a grande dançarina trágica do Japão. Noite após noite Charles Halle e eu ficamos maravilhados pela incrível arte dessa grande dançarina de tragédias”, recordava Duncan (Downer, 2004). A apresentação de Yakko em Paris — o que já era, culturalmente, um erro de tradução complexo — está meramente confinada a um ímpeto artístico em sua biografia. Mais tarde, naquele ano, ambos os dançarinos haviam partido em turnê a Berlim sob os auspícios de sua produtora, Loïe Fuller, outra dançarina moderna americana. Mas não há uma investigação profunda sobre suas performances nessa conjuntura histórica especificamente. Outro encontro transnacional histórico crucial foi entre Uday Shankar e a bailarina Anna Pavlova, que, por sua vez, inspirou Shankar a criar sua nova dança. Mas a história de Shankar foi logo englobada pelo movimento seguinte de dança na Índia — o reflorescimento do bharata natyam. Apenas recentemente estudiosos de dança começaram a revirar os arquivos e teorizar sobre essa colaboração com uma das precursoras do modernismo em dança no contexto indiano. idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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the confine of its Janus-face paradox. Hence, any attempt of (re)historicising modern dance should consider the historical trajectory of modernity itself in order to understand the complexity of how the big narratives of modern civilisation — commerce, colonialism, nationalism — played a role or an agency in transforming what was once known as a cultural practice into an aesthetic language or form, not seldom through a complex juxtaposition between the old and new. The modernisation process that arrived in Asian metropolises — from Shanghai to Chennai — in the height of Western colonialisation and imperialism in the previous century had stimulated dance artists to create their own dancing language, probably not so different from the way their Euroamerican counterparts had to negotiate, as detailed by Ramsay Burt (2000). Dance became a cultural practice that was constantly deconstructed or reconstructed, at the same time going through different agencies and patronages: from court, commerce, colonials to nationalists. Asian dance artists migrated, not only crossing geographical borders but also artistic ones, during which the dance identity was shifted, reinvented or re-contextualised along the way. Some examples. In the case of Indian dance, the reconstruction of bharata natyam from sadir (a ritual temple dance) via nautch (a term given by the colonial British) reveals the complexity of how a cultural practice had gone through a massive transformation into a certain aesthetic language later identified as a form idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
A agora documentada prática de modernismo na dança realizada em algumas partes da Ásia indubitavelmente revela uma complexa constelação, indicando como foi constantemente formulada em fluxo, envolvendo viagens de talentos e ideias. Enquanto Sadayakko — por ser a primeira gueixa a se apresentar no exterior, em palcos e além deles, tornou sua performance desenraizada, não apenas espacialmente, mas também historicamente — levou informações à jovem Duncan, mais tarde foi outro artista japonês, Shijingmo, que foi influenciado por Duncan e Laban, entre outros, e por sua vez, deu aulas a Wu Xiao Bang (também conhecido como Zu Pei), em Xangai. Mesmo assim, tal interconectividade — em termos corporais, não apenas em seu intercâmbio transnacional de ideias corporais —, enquanto maneira de criar uma historiografia alter/nativa, precisa ainda ser amplamente incorporada ao atual discurso dominante da dança. Não estou sugerindo que devemos construir uma historiografia de dança pan-asiática, embora uma maior compreensão sobre ela pudesse trazer novas perspectivas. Mas gostaria de oferecer o discurso da modernidade como um guia ou uma ferramenta que pode ser útil para desvelar as histórias de como se deram as novas tradições de criação da dança, seja por meio de ruptura ou de transição suave. Ao me referir à modernidade, gostaria de tomar emprestada a descrição de Dilip Parameshwar Gaonkar (1999): “Nascida no e do Ocidente há algum tempo, sob algumas condições socio-históricas relativamente
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of classicism 2 . The term “revival” is a drastically reductive linguistic summary of a complex process — a deliberate selection from among many possibilities — which cries out to be examined from more than one point of view (Allen: 1997). Whilst the “revival” certainly involved a re-vivification or bringing back to life, it was equally a re-population (one social community appropriating a practice from another), a re-construction (altering and replacing elements of repertoire and choreography), a re-naming (from nautch and other terms to bharata natyam), a re-situation (from temple, court, and salon to the public stage), and a re-storation (as used in Schechner 1985:69, a splicing together of selected “strips” of performative behaviour in a manner that simultaneously creates a new practice and invents a historical one) (all from Allen:ibid). From being inaugurated as the national dance par excellence, bharata natyam (which literally means dance from India) was soon followed by its fast ascendancy to be a transnational form, a move that renders another layer to its already complex historiography. The problem is, this contextual knowledge does not always evenly spread to accompany its stage presentation across the world. It was not until recently that dance scholars started to circulate a more thorough view on the particular form. Moreover, contestations are on call upon the form being established as Indian dance par-excellence in the face of other local dance forms (such as kathak, kuchipudi, Manipuri 2 See Allen (1997), Balasaraswati (1978), Meduri (1988), O’Shea (2008) on bharata natyam; Lopez y Royo (online) on classicism.
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específicas, a modernidade está agora por toda parte. Chegou não de repente, mas lentamente, pouco a pouco, a longo prazo — despertada por contato; transportada pelo comércio; administrada por impérios, carregando inscrições coloniais; impulsionada pelo nacionalismo; e agora, cada vez mais, guiada pela mídia global, pela imigração e pelo capital. E continua a ‘chegar e emergir’, como sempre em fragmentos oportunistas acompanhados por retóricas utópicas, mas não mais apenas do Ocidente, apesar de o Ocidente continuar sendo o principal agenciador da modernidade global.” Partindo de Baudelaire e alcançando seu ápice em algum ponto na teoria de ruptura e de multipaisagens de Appadurai, a modernidade é, de fato, uma época: “... o transitório, o fugaz, o contingente; é uma metade de arte, sendo a outra, o eterno e o imutável” (Baudelaire). É também uma atitude de questionar o presente dentro de seu confinamento no paradoxo da dupla face de Jano. Assim, qualquer tentativa de (re)historicizar a dança moderna deve considerar a trajetória histórica da própria modernidade para compreender a complexidade de como as grandes narrativas da civilização moderna — comércio, colonialismo, nacionalismo — cumpriram um papel ou um agenciamento na transformação daquilo que foi um dia conhecido como prática cultural em uma linguagem ou forma estética, não raro por meio de uma complexa justaposição entre o velho e o novo. O processo de modernização que chegou às metrópoles asiáticas — de Xangai a Chennai —, no ápice da idança.txt Vol. 1 – Set 2010
2 Ver Allen (1997), Balasaraswati (1978), Meduri (1988), O’Shea (2008) sobre bharata natyam; Lopez y Royo (on-line) sobre classicismo.
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and odissi) (see Chatterjea: 2004). On the other side, the discourse has expanded and complicated through the emergence of diaspora figures such as Shobana Jeyasingh and Akram Khan. Their complex identities and cultural locus has added another layer of discussion of global dance practice. Jeyasingh, for instance, is of Indian origin from Malaysia who immigrated to the UK and established herself first as an Indian classical dancer before reinvented herself as a contemporary choreographer whilst Khan is of Bangladeshi parentage, born and bred in the UK. Their choreographic practice is transitional as they are reformulating their aesthetic in different contexts (communities, British dance, global dance market). Another extreme example is People Republic of China. Modern dance was flickered in the 1930s cosmopolitan Shanghai through the work of Wu Xiao-bang (1906–1995) and Madam Dai Ai-lan — a former ballerina trained in Royal Ballet UK who in her return to China, helped revive a local drum dance of a particular ethnicity. This shortlived desire was soon dissolved by the political upheaval that had swept the country for the next four decades. It was not re-flickered until 1987 when a twist in the country’s political life took a contrast turn towards the strange hybrid of socialist-capitalism system under which China re-emerged as one of the future super power. If Xiaobang attempted — so some historians describe his work 3 3 I have to admit and highlight that my source for Wu Xiao-bang is minimal and requires more investigation. Here I cited it from an unpublished paper by Feng Shuang-bai, presented at the Asia-Dance Forum in 2002. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
colonização e do imperialismo ocidental do século passado, estimulou artistas da dança a criar sua própria linguagem, provavelmente de forma não muito diferente da maneira como seus pares euro-americanos tiveram que negociar, conforme detalhado por Ramsay Burt (2000). A dança tornou-se uma prática cultural que foi constantemente desconstruída e reconstruída, passando, ao mesmo tempo, por diferentes agências e mecenatos: de corte, comércio e colonos a nacionalistas. Artistas de dança asiáticos imigraram, cruzando fronteiras, não apenas geográficas como artísticas, e a identidade da dança foi sendo deslocada, reinventada ou recontextualizada ao longo do caminho. Alguns exemplos. No caso da dança indiana, a reconstrução do bharata natyam a partir do sadir (a dança ritual de templo), por meio do nautch (termo atribuído pelos colonos britânicos), revela a complexidade de como a prática cultural passou, através de uma transformação maciça, para uma certa linguagem estética, mais tarde identificada como uma forma de classicismo.2 Enquanto o termo “reflorescimento” envolve certamente uma ideia de revivificação, ou de trazer de volta à vida, foi igualmente um repovoamento (uma comunidade apropriando-se da prática de outra), uma reconstrução (alterando ou substituindo elementos de repertório ou coreografia), uma renomeação (de nautch e outros termos para bharata natyam), uma ressituação (do templo, da corte
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— to use movements from daily life and material arts, and applied Labanesque modern dance, Shijingmo’s visual emphasis to Chinese music and theme — through his dance studio, the 1987’s revival started off by literally importing the ideas of American modern dance — through educational and funding alliances — by bringing it to the academy in Guangzhou, far from the central Beijing. A group of Chinese professional dancers — most trained either in ballet or some traditional forms of Chinese dances — were introduced to a different approach of movement and dance-making by (North) American teachers (among them from the US, Canada and Sweden) with American funding. It somehow coincided with China’s new Open Door policy — hence in Guangzhou, one of the three cities that gained a special economy status in the dawn of China’s new socialist-capitalist system — which gives an intricate and delicate hint of the entry of modern dance as a new aesthetic worth-to live. In the 2000s, China’s cosmopolitan cities such as Beijing and Shanghai are thriving with the newly-made prosperity — thanks to the express ride towards progress — and this has changed the patterns of cultural productions, gradually shifting it from heavily state-sponsored to commercialism. Once again, Chinese dance artists have to negotiate with such extreme polarisation driven by zapping economy growth and ever prevalent political censorship (one of the old regulation that applied at least until 2004 was that to perform onstage in the government-owned official theatre, an artist had to be part of a
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e do salão para o palco público) e uma restauração (como dito por Schechner, 1985, p. 69: uma emenda de “tiras” de comportamento performático de um modo que cria uma nova prática e inventa outra, histórica, simultaneamente (tudo de Allen, 1997). Após ter sido inaugurada como a dança nacional por excelência, o bharata natyam (que significa, literalmente, dança da Índia) foi logo seguido por sua rápida ascensão a uma forma transnacional, uma passagem que acrescenta outra camada à sua já complexa historiografia. O problema é que esse conhecimento contextual nem sempre se desdobra de forma uniforme para acompanhar sua apresentação em palcos pelo mundo. Apenas recentemente estudiosos de dança começaram a circular uma visão mais abrangente sobre a forma, especificamente. Ademais, há lugar para contestações sobre o fato de essa forma de dança ser considerada a dança indiana por excelência, em detrimento de outras formas locais (como kathak, kuchipudi, Manipuri e odissi) — ver Chatterjea, 2004. Por outro lado, o discurso tem se expandido e complicado por meio do surgimento de figuras de diáspora, como Shobana Jeyasingh e Akram Khan. Suas complexas identidades e locus culturais acrescentaram mais uma camada de discussão sobre a prática de dança local. Jeyasingh, por exemplo, é da Malásia, de origem indiana, migrou para o Reino Unido e estabeleceu-se, a princípio, como bailarina clássica indiana, até se reinventar como coreógrafa contemporânea, enquanto Kahn tem pais oriundos de Bangladesh, nasceu e foi idança.txt Vol. 1 – Set 2010
3 Devo admitir e enfatizar que minhas fontes sobre Wu Xiao-bang são mínimas e precisam de mais investigação. O que citei aqui está no trabalho ainda não publicado de Feng Shuang-bai apresentado em 2002 no Asia-Dance Forum.
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registered group / troupe). Money is aplenty, but market (and politics) dictates the aesthetic even more than before. Very few contemporary Asian dance artists manage to break into the global mould. With a clear national agenda and cultural policy, a company such as Cloud Gate from Taiwan built an international presence, whilst the likes of Saburo Teshigawara are left to find their own footing by falling into some niche in the international market. Some moved to the West, like the early Guangzhouschool alumni Shen Wei, who bases his company in New York or Sankai Juku in Paris — wherever a cultural scene is relevant to accommodate their aesthetic, thus validating their presence. But once again, even these international, world-class Asian artists have been circulating their work without being accompanied by a critical discourse in regards to each context going parallel. Except Lin Hwai-min (the founding artistic director of Cloud Gate) — who attracted at least four Taiwanese scholars to write a doctoral dissertation about his ouvré, some for universities in Europe or the US — the rest remain to be obscure in critical analysis of dance or performance scholarship, apart from those of critics and reviews by major international media. Meanwhile, the historiography of Indonesia modern dance has yet to be articulated critically even within the dance institutions itself, as it is also the case of many cultural practices in Southeast Asia. Various local traditions — court, folk dances or martial art — remain a focal idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
criado no Reino Unido. Suas práticas coreográficas são transitórias, já que estão reformulando suas estéticas em diferentes contextos (comunidades, dança britânica, mercado global de dança). Outro exemplo extremo é a República Popular da China. A dança moderna despontou na Xangai cosmopolita dos anos 30 por meio do trabalho de Wu Xiao-bang (1906–95) e Madame Daí Ai-lan — uma ex-bailarina treinada no Royal Ballet que, ao retornar à China, ajudou a reavivar uma dança local de percussão, de etnia específica. Esse desejo fugaz foi logo dissolvido pela convulsão política que varreu o país nas quatro décadas seguintes. Não foi reacendido até 1987, quando uma reviravolta na vida política levou o país a um estranho sistema híbrido, socialista-capitalista, sob o qual a China reemergiu como umas das futuras superpotências. Se Xiao-bang tentou — como alguns historiadores descrevem seu trabalho 3 — usar movimentos do cotidiano e das artes plásticas e aplicou a dança moderna de Laban, a ênfase visual de Shijingmo foi na música e nos temas chineses. Em seu estúdio de dança, a renovação de 1987 começou por importar, literalmente, ideias da dança moderna americana ao trazê-la para a academia em Guangzhou, longe da central Pequim, por meio de alianças educacionais e de financiamento. Um grupo de dançarinos profissionais chineses — mas treinados tanto em
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point for modern artists to launch their work, but the state cultural agenda at different times has to be taken into account as reflected through some traces in aesthetic interventions. The emphasis of projecting the Java-Balinese cultures as the main cultural commodity at least in the forty years, for instance, had created a tension even among the other cultural groups. The funding distributed nationally through some administrative hierarchy — such as the annual inter-provincial dance competition — has set a direction of what ‘choreography’ should constitute. Such deeply transplanted ideology in aesthetic is truly hard to break in Indonesia, even until now. There are many strands of historical discourse that remain yet to explore. The ongoing historiography of dance modernism in Indonesia’s context still focuses on certain figures, but even the works of the most heralded to-date pioneer of modern dance, Sardono W. Kusumo, has not been discursively analysed, in the sense that it is enough to start building a constitutive canon of Indonesian experience. The works of other historical figures each representing a particular approach — of other local cultures or a reinterpretation of some forms of classical ballet — are dissolved into their life stories and other biographical aspect instead of being looked at critically as an aesthetic practice. Meanwhile, for a dance artist in Cambodia — mostly trained in court dance — creating a new dance was still a risk even until recently, since the whole idea of
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balé como em algumas formas de dança chinesas tradicionais — foi introduzido em uma abordagem diferente de movimentos e modos de dançar promovida por professores americanos (dos EUA, do Canadá e da Suécia) com financiamento americano. Coincidiu, de certa forma, com a nova política chinesa de portas abertas — por isso Guangzhou, uma das três cidades que ganharam um status econômico especial na alvorada do novo sistema socialista-capitalista chinês —, o que dá uma dica intrincada e delicada sobre a emergência da dança moderna como uma estética relevante. Nos anos 2000, as cidades cosmopolitas da China, como Pequim e Xangai, estão florescendo com a nova prosperidade — graças à viagem expressa rumo ao progresso — e isso mudou os padrões de produção cultural, cujo patrocínio fortemente estatal tem sido gradualmente substituído pelo comercial. Mais uma vez, os artistas de dança chineses precisam negociar com uma polarização extrema, trazida pelo rápido crescimento econômico e a sempre prevalecente censura política (uma parte do velho regulamento, que era aplicado pelo menos até 2004, dizia que, para se apresentar em um palco do Estado, era preciso fazer parte de um grupo/trupe cadastrado). Dinheiro há bastante, mas o mercado (e a política) dita a estética até mais do que antes. Pouquíssimos artistas de dança asiáticos conseguem penetrar no molde global. Com claras motivações nacionais e de política cultural, uma companhia como a Cloud Gate, de Taiwan, construiu uma presença internaidança.txt Vol. 1 – Set 2010
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choreographing a dance simply does not fit into the norms as it has been passed on by the tradition she / he has been a performer for many years. All these examples at glance call for the urgency of producing alter/native dance historiographies. 3 DISCOURSES AND INSTITUTIONS This goes back to the state of discourse which ideally is rooted in the tradition of critical scholarship, within and without the academia and formal institution. Dance scholarship has a lot to catch up, not only in the core activity such as research but also the dissemination of the result and its integration to the ongoing practices. Festivals do create a momentum for a broader exchange to take place, but it always lacks the intensity needed for more in-depth investigation. Modes of knowledge production as it should have permeated in various dance practices are often still not well-developed, let alone published or institutionalised. Good level, well-distributed dance criticism has yet been established. In 1998, Goethe-Institut Hong Kong had organised a workshop on Asian Theatre and Dance Criticism during which practitioners from various countries in Asia engaged for a week, but such forum takes place randomly. The practice of dramaturgy, for instance, is not critically applied, not to mention the handling of the managerial aspect, which ideally has to attend to both the local and global situations. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
cional, enquanto alguns, como Saburo Teshigawara, precisam achar sozinhos seu lugar em algum nicho do mercado internacional. Alguns mudaram para o Ocidente, como o ex-aluno da escola de Guangzhou Shen Wei, cuja companhia está estabelecida em Nova York ou Sankai Juku, em Paris — em qualquer lugar onde a cena cultural é relevante para acomodar sua estética, validando, assim, sua presença. Mais uma vez, porém, mesmo os artistas asiáticos internacionais têm circulado seu trabalho sem um discurso crítico em relação a cada contexto em paralelo. Exceto Lin Hwai-min, diretor artístico e fundador do Cloud Gate — que atraiu pelo menos quatro estudiosos tailandeses para escrever uma tese de doutorado sobre sua obra, alguns em universidades na Europa e nos EUA —, o resto continua obscuro para a análise crítica da dança ou estudos de performance, longe das críticas e resenhas da grande mídia internacional. Enquanto isso, a historiografia da dança moderna da Indonésia precisa ainda ser articulada criticamente mesmo dentro de instituições de dança, como é o caso de diversas práticas culturais no sudoeste da Ásia. Muitas tradições locais — corte, danças folclóricas ou artes marciais — continuam sendo um ponto de partida para artistas modernos lançarem seu trabalho, mas a política cultural estatal diversas vezes precisa ser levada em conta, ao ser refletida através de alguns traços de intervenção estética. A ênfase em projetar as culturas java-balinesas como a principal mercadoria cultural em pelo
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4 PRESENTATIONS AND REPRESENTATIONS Presentations (including productions) and representations are the two threads of problems that call for no easy solution. Who actually needs dance? And, which dance? If only a very few of Asian dance artists made it to the global scene, what does that tell us? A close scrutiny is needed before a strategy can be even drafted as it entails a spectrum of different cultural policy across the region. Whilst some Asian metropolises brand themselves as the performing arts market or creative industries hub, what about the case of each localities? If a city like Beijing boasts quite a handful big theatres (at least 1000-seat) and almost none for a black box, scarce funding for dance outside the familiar genres (meaning: classical ballet, classical Chinese or other folk dances of its ethnic minorities) and a rigorous but rigid curriculum for its best dance academy — the result as reflected by the current scene is not at all surprising. But on the other side, a more relaxed regulation on staging a performance made it possible for the contemporary dance artists who have been on the fringe for all those years to create a new, fresh platform. As it occasionally happens, limitations always produce creative individuals who are attuned to the slight change that presents a certain opportunity. Such detailed, contextual information should be distributed. As representation is concerned, it can not escape the urgency of circulative discourse and production of knowledge — which expectedly requires a long range of actions.
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menos 40 anos, por exemplo, criou uma tensão até mesmo entre os outros grupos culturais. O financiamento distribuído nacionalmente por meio de uma hierarquia administrativa — como a competição de dança interprovincial anual — estabeleceu a direção para o que deve constituir uma “coreografia”. Uma ideologia estética tão profundamente transplantada é realmente difícil de romper na Indonésia, mesmo agora. Há muitas linhas de discurso histórico a serem exploradas. A atual historiografia de modernismo em dança no contexto da Indonésia ainda é focada em certas figuras, mas, mesmo os trabalhos do mais aclamado pioneiro da dança moderna, Sardono W. Kusumo, ainda não foi discursivamente analisado, no sentido de ser suficiente para começar a construir um cânone constitutivo da experiência da Indonésia. Os trabalhos de outras figuras históricas, cada uma representando uma abordagem específica — de outras culturas locais ou uma reinterpretação de algumas formas de balé clássico —, são dissolvidos em suas histórias de vida e outros aspectos biográficos, ao invés de serem vistos criticamente como uma prática estética. Enquanto isso, para um artista de dança no Camboja — em sua maioria, eles são treinados em dança de corte —, criar uma nova dança ainda era arriscado até recentemente, já que toda a ideia de coreografar uma dança simplesmente não se encaixa nas normas que foram passadas pela tradição seguida por esses artistas há tantos anos. De relance, todos esses exemplos demonstram a necessidade de produzir historiografias alter/nativas da dança. idança.txt Vol. 1 – Set 2010
3 DISCURSOS E INSTITUIÇÕES Voltamos ao estado do discurso que é idealmente enraizado na tradição de estudos críticos, dentro e fora da academia e de instituições formais. Os estudos de dança têm muito a colocar em dia, não só em sua atividade central, a pesquisa, mas também na disseminação dos resultados e em sua interação com práticas em andamento. Festivais criam oportunidades para que uma troca mais ampla aconteça, mas também não têm a intensidade necessária para uma investigação mais aprofundada. Modos de produção de conhecimento, como deveriam estar permeados em várias práticas de dança, frequentemente ainda não são bem desenvolvidos, menos ainda publicados ou institucionalizados. Uma crítica de dança de qualidade, bem distribuída, ainda precisa ser estabelecida. Em 1998, o Goethe-Institut de Honk Kong organizou um workshop de uma semana sobre dança asiática e crítica de dança do qual praticantes de vários países da Ásia participaram, mas tais fóruns acontecem aleatoriamente. A prática da dramaturgia, por exemplo, não é criticamente aplicada, sem falar no manuseio de aspectos gerenciais que, idealmente, precisam atender a situações locais e globais. 4 APRESENTAÇÕES E REPRESENTAÇÕES Apresentações (incluindo produções) e representações são duas linhas de problemas que não suscitam uma solução fácil. Quem realmente precisa da dança? E de qual
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Espetáculo Tri_K, de Dick Wong, Takao Kawaguchi, Koichi Imaizum. Foto de Hiroki Toguchi. / Dick Wong, Takao Kawaguchi and Koichi Imaizum’s show Tri_K. Photo by Hiroki Toguchi. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
dança? Se apenas pouquíssimos artistas asiáticos de dança conseguem alcançar a cena global, o que isso nos diz? É necessária uma observação minuciosa antes que uma estratégia possa ser esboçada, já que implica um espectro de diferentes políticas culturais por toda a região. Enquanto algumas metrópoles asiáticas se autodenominam mercados de artes performáticas ou centrais de indústrias criativas, qual seria o caso de cada localidade? Se uma cidade como Pequim ostenta um punhado de grandes teatros (com, pelo menos, mil lugares) e quase nenhuma caixa preta, escasso financiamento para dança fora dos gêneros mais conhecidos (como: balé clássico, chinês clássico ou outras danças folclóricas de minorias étnicas) e um rigoroso e rígido currículo para suas melhores academias de dança — o resultado refletido na cena atual não é, de modo algum, surpreendente. Por outro lado, uma regulação mais relaxada para encenar um espetáculo possibilitou que artistas contemporâneos de dança que ficaram à margem por todos aqueles anos criassem uma plataforma nova, fresca. Como acontece ocasionalmente, limitações sempre produzem indivíduos criativos, antenados com a mais sutil mudança que apresenta uma certa oportunidade. Uma informação tão detalhada e contextualizada deveria ser distribuída. No caso da representação, ela não pode escapar da urgência do discurso circulante e da produção de conhecimento — que, como era de se esperar, requer um conjunto de ações. idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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5 CONTEMPORANEITY AS A LANGUAGE The last issue I would like to touch upon is the idea of ‘contemporary dance’ itself, which invites many interpretations within the Asian context. Between the three Asian languages which share a pictorial system — Chinese, Japanese and Korean — the characters that describe the ] and ‘contemporary’ [ ] have words ‘modern’ [ a different take on meaning for each context. In turn, it is not only confusing (as much as it is amusing) but also, potentially misleading. Language is a construct and in terms of dance, it comes back to the first question of the identity of the dance itself: is there anything like the ontology of the form? A dance scholar once threw a question in her class whether we have to start categorising a certain movement technique such as aramandi in bharata natyam as a plié, and not so much to be bothered by the entangled history behind its transformation from sadir to nautch to bharata natyam (literally means Indian dance). If we do so, does it mean we bend ourselves by accommodating a cultural specificity to the already familiar language perceived as something ‘universal’, to make it more accessible? Another question to exercise is: do the rise of bharata natyam and kathak as a form of classicism due to the fact that both forms render a line so clear it provides a linear connection to the classical ballet? With the absence of historiographies of dance modernism outside the dominant ballet / modern /postmodern continuum, the task of formulating what constitutes idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
5 CONTEMPORANEIDADE COMO LINGUAGEM A última questão que eu gostaria de abordar é a ideia de “dança contemporânea” propriamente dita, que suscita muitas interpretações dentro do contexto asiático. Dentre as três línguas asiáticas que compartilham o mesmo sistema de ideogramas — chinês, japonês e coreano — os caracteres que representam as palavras ] e “contemporâneo” [ ] têm “moderno” [ diferentes significados para cada contexto. Isso não é apenas confuso (tanto quanto curioso), mas, também, potencialmente enganoso. A linguagem é uma construção e, em termos de dança, voltamos para a questão inicial da identidade da própria dança: existe algo como a ontologia da forma? Uma estudiosa da dança lançou uma vez uma questão em sua aula, perguntando se devemos começar a categorizar certas técnicas de movimento, como definir o aramandi no bharata natyam como um plié, e não nos preocuparmos tanto com a enredada história por trás da transformação de sadir para nautch, para bharata natyam (que significa, literalmente, dança indiana). Se assim fizéssemos, isso significaria que estaríamos nos curvando, ao acomodar uma especificidade cultural para a linguagem já familiar, percebida como algo “universal”, para torná-la mais acessível? Outra pergunta para exercitar: seria a ascensão do bharata natyam e do kathak como formas de classicismo uma consequência do fato de ambas apresentarem uma linha tão clara que traz uma conexão linear com o balé clássico?
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‘contemporary’ is actually rather contra-productive, since there is a risk it will bounce against the established, dominant discourse. But some hints to follow are: apart from the attitude of questioning the present, contemporary dance-making entails the artists’ engagement to notions of the self and embodiment, not to mention a critical approach of choreography as a discursive practice. It is indeed a massive homework, a matter of unfolding a muddle of issues surrounding the contemporary dance with(in) the Asia context. It is a matter of rehearsing this flickering, fleeting desire.
REHEARSING DESIRE: INSIGHTS AND ISSUES ON CONTEMPORARY DANCE IN ASIA, by Helly Minarti
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Com a ausência de historiografias de modernismo em dança fora do continuum balé/moderno/pós-moderno dominante, a tarefa de formular aquilo que consiste em “contemporâneo” é, na verdade, contraproducente, já que corre o risco de ricochetear no discurso estabelecido, dominante. Mas algumas pistas a serem seguidas são: fora a atitude de questionar o presente, o ato de fazer dança contemporânea implica o engajamento dos artistas em noções do “eu” e de “incorporação”, para não falar de uma abordagem crítica da coreografia como prática discursiva. É, de fato, um enorme dever de casa, uma questão de desdobrar um caos de problemas envolvendo a dança contemporânea dentro do contexto asiático. É o caso de ensaiar este desejo cintilante, fugaz.
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COLABORAÇÕES por Manuel Vason
Manuel Vason é fotógrafo, italiano, e atualmente vive em Londres. Desenvolve trabalhos em estreita colaboração com artistas da dança e da performance. Muito longe de simplesmente documentar peças e espetáculos, ele cria performances que são pensadas para a câmera, refletindo sobre a própria ideia de registro de obras cênicas. Desde 1999, Vason já colaborou com alguns dos mais importantes e instigantes artistas contemporâneos e teve suas fotos publicadas nas revistas L’Uomo Vogue, ID, Dazed and Confused, Flash Art, Frieze, Contemporary, Tate Magazine e exibidas nas galerias Tate Liverpool, ICA London, Whitechapel Gallery London, Tramway Gallery Galsgow, Arnolfini Gallery Bristol, VB Museum (Finlândia), Museo delle Papesse (Itália). Para saber mais sobre seu trabalho, visite o site do projeto Art Collaboration — http://www.artcollaboration.co.uk.
Colaboração com Uninvited Guests. Bristol, 2006. Foto: Manuel Vason. / Collaboration with Uninvited Guests. Bristol, 2006. Photo: Manuel Vason.
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COLLABORATIONS by Manuel Vason
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Manuel Vason is an italian photographer currently living in London. He develops works in close collaboration with dance and performance artists. Far from simply documenting dance shows, he creates performances that are conceived for the camera, reflecting upon the very idea of recording performing art works. Vason has collaborated with some of the most important and innovative contemporary artists and had his photos published on magazines L’Uomo Vogue, ID, Dazed and Confused, Flash Art, Frieze, Contemporary,Tate Magazine and exhibited at Tate Liverpool, ICA London, Whitechapel Gallery London, Tramway Gallery Galsgow, Arnolfini Gallery Bristol, VB Museum (Finland), Museo delle Papesse (Italy). Visit the website Art Collaboration — http://www.artcollaboration.co.uk — to learn more about Manuel Vason’s work.
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Colaboração com Oriana Fox. Londres, 2008. Foto: Manuel Vason / Collaboration with Oriana Fox. London, 2008. Photo: Manuel Vason
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Colaboração com Helena Vieira. Rio de Janeiro, 2008. Foto: Manuel Vason / Collaboration with Helena Vieira. Rio de Janeiro, 2008. Photo: Manuel Vason
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Colaboração com Doran George, no contexto do projeto Exposures*. Foto: Manuel Vason / Collaboration with Doran George as part of the project Exposures*. Photo: Manuel Vason idança.txt Vol. 1 – Set 2010
* Projeto Exposures: publicado pela editora Black Dog Publishing, o projeto Exposures (2002) foi desenvolvido em colaboração com a Live Art Development Agency, e financeiramente assistido pelo Arts Council of England. / Published by Black Dog Publishing, Exposures (2002) was developed in collaboration with the Live Art Development Agency. Financially assisted by the Arts Council of England.
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Colaboração com Claudia Vicuña e Alejandro Caceres. Montevidéu, 2009. Foto: Manuel Vason / Collaboration with Claudia Vicuña and Alejandro Caceres. Montevideo 2009. Photo: Manuel Vason idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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Colaboração com Aaron Williamson, no contexto do projeto Exposures. Foto: Manuel Vason / Collaboration with Aaron Williamson as part of the project Exposures. Photo: Manuel Vason idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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Colaboração com Ernst Fisher. Londres, 2008. Foto: Manuel Vason / Collaboration with Ernst Fisher. London, 2008. Photo: Manuel Vason
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Colaboração com Helen Spackman. Londres, 2004. Foto: Manuel Vason / Collaboration with Helen Spackman. London, 2004. Photo: Manuel Vason
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Colaboração com Ronald Munroe, no contexto do projeto Exposures. Foto: Manuel Vason / Collaboration with Ronald Munroe as part of the project Exposures. Photo: Manuel Vason idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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O MEU CORPO, A MINHA IMAGEM por Tiago Bartolomeu Costa
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MY BODY, MY IMAGE by Tiago Bartolomeu Costa
Espetáculo Jérôme Bel, de Jérôme Bel. Foto de Herman Sorgeloos. / Jérôme Bel’s show Jérôme Bel. Photo by Herman Sorgeloos.
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Tiago Bartolomeu Costa é crítico de artes performáticas baseado em Lisboa, onde edita a revista de artes performáticas OBSCENA. Colabora com o jornal Público (Portugal), as revistas Mouvement (França) e Ballettanz (Alemanha) e o site idança.net (Brasil), entre outros veículos. Desde 2005 é membro do Conselho Consultivo Internacional do Divadelna Nitraw Festival, na Eslováquia.
O coreógrafo francês Jérôme Bel disse um dia que devíamos acreditar na “morte do espectador”, reconhecendo, aliás, que, apesar de a desejar, seria sempre necessário encontrar elementos de identificação que ajudassem o espectador a reconhecer nos outros o seu próprio corpo. Em um diálogo que, em 2006, manteve com a crítica Bojana Cjévic, no âmbito do TanzQuartier, em Viena, explicava, a propósito da utilização de uma mulher de 60 anos no espetáculo Jérôme Bel, de 1997: “Com uma mulher mais velha no palco apercebi-me de que muitos velhos ficavam felizes, sentiam-se mais envolvidos enquanto espectadores.” E Cjévic perguntou-lhe: “Isso quer dizer que o objetivo político do seu discurso é emancipar um espectador burguês do século XIX que vai ao teatro para se ver representado ao identificar e reconhecer o sublime da representação?” Bel respondeu: “Não, porque eles ficam irritados precisamente porque não há nada sublime.” Mais tarde acrescentaria: “As pessoas que me dizem ‘faça o que você faz na rua’ nunca iriam assistir na rua.” Ou seja, Bel aponta aqui para aquela que será a situação atual da criação: o paradoxo da verosimilhança. Como ser verdadeiro sem ser real? O modo como, nos últimos anos, os espetáculos de Pina Bausch ou Bob Wilson começaram a dividir o público, uns reclamando o regresso às leituras radicais idança.txt Vol. 1 – Set 2010
O MEU CORPO, A MINHA IMAGEM, por Tiago Bartolomeu Costa
Tiago Bartolomeu Costa is a performing arts critic based in Lisbon, Portugal, where he edits OBSCENA performing arts magazine. He is also a collaborator of newspaper Público (Portugal), magazines Mouvement (France), Ballettanz (Germany) and the website idança.net (Brazil), among others. Since 2005 he is member of the International Consulting Board of the Divadelna Nitra Festival, in Slovakia.
French choreographer Jérôme Bel once said we should believe in the “death of the spectator”, acknowledging that, although he desired it, it would always be necessary to find elements of identification that could help the spectator recognize his own body in other bodies. In a dialogue he kept in 2006 with critic Bojana Cjévic, during TanzQuartier, in Vienna, he explained the casting of a 60 year old woman in the show Jérôme Bel, from 1997: “I realized that many elderly people were happy with an older woman on stage, they felt more involved as spectators”. And Cjévic asked him: “does this mean the political goal of your discourse is to emancipate a 19th century burgeoise spectator, who went to the theater to see himself represented, as he identifies and recognizes the sublime in representation?” Bel answers: “no, because they get annoyed precisely because there’s no sublime”. And he would later add: “the people who tell me ‘go do what you do on the streets’ would never see it on the streets”. That is, Bel points to that which will be the current situation of creation: the paradox of verisimilitude. How to be true without being real? The way Pina Bausch or Bob Wilson shows started to divide the audience — some claiming the return to radical and confrontational interpretations, others, conceiving and assimilating a path of contemplation and appeasement idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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Espetáculo Jérôme Bel, de Jérôme Bel. Foto de Herman Sorgeloos. / Jérôme Bel’s show Jérôme Bel. Photo by Herman Sorgeloos.
69 — creates another paradigm for the relationship between spectacle and spectator. But, between the helplessness of some and the extreme dedication of others, I dare say even the spectacle is lacking. In the always dedicated management of the legacy offered to us, authors seem to have followed a path different than ours. And we seek the same answers in them, as if we wanted to make the doubts of then coincide with question of now. Because we base the interpretation of a show on the level of involvement and emotion, we either accept the crystallization or conceive that the existing communication between us and a show is made of notes that are circumstantial and perfectly identifiable by the time and place in which we experience this show? Do we become aware of our capacity to build our own discourse or do we remain dependent on what is handed down by others? To what point can we trust creators? I launch the problem of representation’s credibility. That is, the fact that shows, which present themselves to us as proposals for interpretation of the world, are only acknowledged if we, the spectators, validate them as such; shows that, therefore, claim our intention. This problem is materialized and it exists only in the eyes of the beholder, a legitimizing gaze that guarantees the sequence of the object. We are the ones who define what can or cannot be “space”, just as it is us who define what fits into this space and therefore what we take from it. In 1986, Pina Bausch started a series of pieces that originated from her relationship with a certain topology,
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Espetáculo Jérôme Bel, de Jérôme Bel. Foto de Herman Sorgeloos. / Jérôme Bel’s show Jérôme Bel. Photo by Herman Sorgeloos.
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which already passed by Europe, Asia and the Americas. The first stop was the Italian capital, then came Palermo, Madrid, Vienna, Lisbon, California, Hong Kong, Brazil and Seoul, balancing an interest for the particular universe of these contexts with the production conditions the theaters offered. Palermo resists, as an iconic element in Pina Bausch’s work, not only for the impact caused by the brick wall torn down in the beginning of the show, but also because of the possibility it gave to spectators to try and imagine which city the choreographer had visited in 1989. Leonetta Bentivoglio, an Italian essayist who has been following Bausch’s work closely, says: “the result narrates and screams a vision of Palermo. It does not take into account the outside data, the reproduction of facades, the art, the folklore, the romantic projections”. “I want to see people, a lot of people”, Pina Bausch will ask, while she writes in her work journal: “April 21: moon, earth, crap, get as much as possible”. And a month later: “not to do anything, in good will, something new, something old”. Just ideas that do not indicate the transformation of real events into fictional actions. Palermo Palermo, the piece that would premiere in 1991, “definitely” refuses, in the words of Antonio Pinto Ribeiro, the stage as “a place for representation of the world; the stage is a hidden ‘other side’, it is one tip of a star shaped world, grab the world by whichever tip (in this case, whichever scene) you wish”. Well, what would make a creator leave her studio and spend three weeks in a city, conceiving, and ambitioning, idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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70 that she could draw the necessary elements for the construction of a discourse? Would we be, in fact, before an object that dialogues with that city, with those spectators, or a pretext for the continuation of an aesthetic, therefore dialoguing with other spectators? I would say we will be forever hostages of what we know about a city and fascinated by what the choreographer gives us from it. A conflict with an impossible and frustrated resolution, in which only the author’s very personal fil rouge resists. How to look at that stage? As a metaphor of the city where she resided or as dislocation of images liable to contain multiple references, some from the city, others “from whoever catches them”? In his reflections about another one of Bausch’s piece, Noite de Dance II, “about” Madrid, also from 1991, Pinto Ribeiro would say that “more than metaphors, these episodes result from a re-arrangement of the world, seen by a choreographic culture”. For Bentivoglio, the show “is a pretext for ‘another’ interior ‘voyage’, a ritual that provokes and collects visions and subjects coming from the subconscious, transmitted to the choreographer in the long improvisations (…) It is a process of continuous reverberation (…) and there is an objectivity that, putting aside any emotional complacency, it tends to illustrate stylistic norms and coordinates with rarefied awareness”. We will never know which was the city Pina Bausch saw, or was introduced to, that is why we are left with “her” Palermo, a city translated into to her choreographic language. Therefore, the question arises as the
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e de confronto, outros concebendo e assimilando um percurso de contemplação e apaziguamento, cria outro paradigma na relação entre espetáculo e espectador. Mas entre o desamparo de uns e a dedicação extrema de outros, arrisco dizer que chega a faltar espetáculo. Na gestão, sempre dedicada, do legado que nos ofereceram, os autores parecem ter seguido caminhos diferentes dos nossos. E procuramos neles as mesmas respostas, como se quiséssemos fazer coincidir as dúvidas de então com as questões de agora. Porque baseamos a interpretação dos espetáculos no grau de envolvência e de emoção, admitimos a cristalização ou concebemos que a comunicação existente entre nós e um espetáculo se faz de apontamentos circunstanciais e perfeitamente identificáveis pelo tempo e lugar em que vivemos esse espetáculo? Tomamos consciência da nossa capacidade em construirmos um discurso próprio ou continuamos dependentes do que nos é dado pelos outros? Até que ponto podemos confiar nos criadores? Coloco, então, o problema no plano da credibilidade da representação. Ou seja, o fato de os espetáculos que se nos apresentam enquanto propostas de interpretação do mundo só serem reconhecidos se nós, espectadores, os validarmos enquanto tal; espetáculos que, portanto, reclamam a nossa intenção. Esse problema se concretiza, e existe, apenas no olhar de quem vê, olhar legitimador e garante de sequência do objeto. Somos nós que definimos o que pode ou não ser “espaço”, assim como somos nós que definimos o que cabe nesse espaço, logo que dele nos retiramos. idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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relationship with what is going on in the scene and not with what is outside the scene. But, to prove this relational impossibility, let´s use the example of Masurca Fogo, a 1998 piece inspired by Lisbon, presented at Festival dos 100 Dias, which preceded Expo’98. Pedro Almodóvar, the Spanish filmmaker who would use the most famous sequence of the piece to end his film Talk to her, said that when he saw the piece, he was surprised “by its vitality and optimism, its bucolic atmosphere and those unexpected images of painful beauty”. He wept “out of sheer pleasure”, he said. What Lisbon did he see in it, that he could not find in Madrid? Why choose another city if the choreographer had already done a show about the city Almodovar knows best? What kind of recognition did Masurca Fogo provoke? The show was thus described in Canada: “exuberant fantastic comedy and exotic tropical vacations, all in one. Performers and spectators are equals in the discovery of a sensual pleasure in the sea coast, but they are attracted to the cliffs of social rituals and the desire and rapture of human intimacy”. Afterall, is it Lisbon or anything else? Even the title, Masurca Fogo, comes from Cabo Verde and it is known that was what attracted Bausch the most were the many foreign communities in Lisbon, but, above all, the former colonial ones. Another critic, from Hong Kong, tried to contextualize it by taking the videos that are projected as starting point: “in the first part the spectators feel like they are watching a Latin Carnival, later they become passengers idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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Em 1986, Pina Bausch inaugurou uma série de peças que partiam da sua relação com uma certa topologia que já passou pela Europa, pela Ásia e pelas Américas. A primeira paragem foi a capital italiana, e seguiram-se Palermo, Madri, Viena, Lisboa, Califórnia, Hong Kong, Brasil e Seul, equilibrando um interesse pelo universo característico desses contextos com as condições de produção que os teatros lhe proporcionavam. Palermo resiste como elemento icônico do trabalho de Pina Bausch, não só pelo impacto provocado pela parede de tijolos derrubada no início do espetáculo, mas, principalmente, pela possibilidade que deu aos espectadores de tentarem imaginar que cidade era aquela que a coreógrafa alemã tinha visitado em 1989. Leonetta Bentivoglio, ensaísta italiana que há anos acompanha de perto o trabalho de Bausch, diz que “o resultado narra e grita uma visão de Palermo. Não leva em conta os dados exteriores, as reproduções de fachada, a arte, o folclore, as projeções românticas”. “Quero ver gente, muita gente”, pedirá Pina Bausch, ao mesmo tempo em que escreve em seu diário de trabalho: “21 de abril: lua, terra, porcaria, obter o mais possível.” E um mês depois: “Não fazer qualquer coisa, de boa vontade, algo de novo, algo de velho.” Apenas ideias que não indicam a transformação de acontecimentos reais em ações ficcionais. Palermo Palermo, a peça que estrearia em 1991, recusa “definitivamente”, nas palavras de António Pinto Ribeiro, o palco como “um lugar de representação do mundo; o palco é um ‘lado de cá’ escondido,
71 inside an automobile. In the second part, they are taken to a jungle where cows are grazing. And towards the end, they see waves bursting. It ends with Spring and flowers blooming”. Lisbon? The answer comes from London: “Masurca Fogo can be linked to Portugal and its historical relationship with Brazil, but it is more like a place imagined within Pina Bausch’s personal geography”. Maybe we — or the idea we have of the city — do not fit in that Lisbon, because contrary to what the co-producers wish and the spectators expect, Pina Bausch doesn´t want to know about Lisbon, just like she didn´t want to know about Palermo, Rome, Japan or Vienna. What she offers us is an imagined city. The only frontiers Tanztheater knows are those of its own discourse, which uses the city as pretext to create — which is exactly what it proposed. The only thing that cannot be extrapolated is the wish to see what is not there. As Loretta Bentivoglio said about Vicktor, the piece Pina Bausch took from Rome in 1986, “no explicit narrative restores this source: the lack of re-visitation or transposition of picturesque data is total. (…) [the] sensitive tourist travels through personal perspectives (…) either taking up from an ‘interior’ relationship with the object or adopting the ruthless detachment of the explorer, ready to describe the obscure side of the observed landscape.” In my opinion — and despite those advances and withdrawals in her appropriation of the “observed landscapes” — Pina Bausch is closer than anyone could assume to Peter Brook and his idea of empty space, which was used
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é uma extremidade de um mundo em forma de estrela, pegue-se no mundo por que ponta (nesse caso, por que cena) se quiser”. Ora, o que levará uma criadora a sair do seu estúdio e passar três semanas numa cidade, concebendo, e ambicionando, que dela pode retirar os elementos necessários para a construção de um discurso? Estaremos, de fato, perante um objeto que dialoga com aquela cidade, com aqueles espectadores, ou seria um pretexto para a continuação de uma estética, logo dialogando com outros espectadores? Diria que seremos para sempre prisioneiros daquilo que sabemos da cidade e fascinados por aquilo que a coreógrafa dela nos dá. Um conflito de impossível e frustrada resolução no qual só resiste o fil rouge pessoalíssimo da autora. Como olhar aquele palco? Enquanto metáfora da cidade onde residiu ou deslocamento de imagens pintadas a traços largos, passíveis de conterem referências múltiplas, algumas dessa cidade, outras “de quem as apanhar”? Pinto Ribeiro dirá, na sua reflexão acerca da peça Noite de dança II, “sobre” Madri, também de 1991, que “mais do que metáforas, esses episódios resultam de uma rearrumação do mundo, visto por uma cultura coreográfica”. Para Bentivoglio, o espetáculo “é um pretexto para ‘outra viagem’ interior, um ritual que provoca e coleciona visões e temas vindos do subconsciente, transmitidos à coreógrafa nas longas improvisações (…). É um processo de reverberação contínua (…) e há uma objetividade que, pondo de lado qualquer comprazimento emocional, idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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to refer to a naked space, without explicit references, a-historical. And for that reason, it depended on the per_ formers’ actions, which demand organization from the audience that could be linear or not and more or less identifiable. Therefore, it is a psychological space, or an interior one. Summoning dramaturge Patrice Pavis’ definition: “space exists as an attempt to represent a fantasy, a dream, a vision of the dramaturge or a character in the borderline between game and non-game, defined by each representation and scene”. We call for an intervention of the spectator, and his body, in the materialization of a show. But the demand for an intervention by the spectator, moreover, has become in the last years a rhetorical place that produced devastating effects in the show-audience relationship. For that reason, there is an urgent need for the establishment of communication platforms to restore the complicity relationship — natural, but consciously unbalanced —, between each other. Only a natural relationship, which brings about a discontinuity in reception, can contribute to this dialogue. There are options that resemble radicalization, that rather tackle the last truly personal and intimate frontiers. Felix Ruckert, a German choreographer who belongs to the same generation as the names I have been mentioning and is a former Pina Bausch dancer, weary of poetic metaphors and advocate for a dance closer to what is most human, proposed a provocative path, in the very least: the manipulation of the fictional limits of idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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tende a ilustrar normas e coordenadas estilísticas com lucidez rarefeita”. Nunca saberemos que cidade foi aquela que Pina Bausch viu, ou lhe deram a ver, e por isso resta-nos a “sua” Palermo, traduzida na sua linguagem coreográfica. A questão coloca-se, portanto, na relação com o que se passa na cena, e não com o que é exterior à cena. Mas usemos como exemplo, para provar essa impossibilidade relacional, o caso de Masurca fogo, peça de 1998 inspirada em Lisboa, apresentada no Festival dos 100 Dias, que antecedeu a Expo’98. Pedro Almodóvar, o realizador espanhol que utilizaria a mais famosa das sequências da peça para terminar o seu filme Fale com ela diz que quando viu a peça foi surpreendido “por sua vitalidade e otimismo, o seu ar bucólico e aquelas imagens inesperadas de beleza dolorida”. Chorou “de puro prazer”, disse. Que Lisboa vira ele que não encontrava em Madri? Por que a escolha de uma outra cidade quando a coreógrafa tinha já feito um espetáculo sobre a cidade que Almodóvar melhor conhece? Que espécie de reconhecimento provocava Masurca fogo? Do Canadá descreveram assim o espetáculo: “Comédia fantástica exuberante e férias tropicais exóticas num só. Intérpretes e espectadores são iguais na descoberta de um prazer sensual da costa marítima, mas são atraídos para as falésias dos rituais sociais, e a esperança, desejo e arrebatamento da intimidade humana.” Afinal, Lisboa ou qualquer outra coisa? O título Masurca fogo até vem de Cabo Verde, mas sabe-se que aquilo que mais
72 sexuality. Shows like Secret Service, from 2002, but above all United Kingdom, from 2006, sought to impose to the relationship of dependency between author and spectator mechanisms for exploring sensations, domains and powers related to sex and desire. Both shows dealt with the way there is, in sadomasochist relationships, a performing component that allows the illusion that what is being watched is not entirely real. The use of sex, or desire, was a deceiving weapon of seduction that would lead, through oblique games, to the creation of availabilities from secret ambitions. In Secret Service, spectators were conducted blindfolded and in underwear by a performer to the inside of a room. Inside, many other performers would take turns leading them, so they didn´t have any idea of the space or the number of performers. The performers were sadomasochists and professional dancers, thus allowing a constant cadence between action and interpretation. During twenty minutes, the performers chose who should go on to the next phase, without the spectator realizing it. This second phase was a hard version of the first one and explained the moaning and screams heard during the first part. Using fetishist toys, like handcuffs, chains, springs, whips, boots and other leather outfits, each performer was responsible for one spectator, in a total of six per session, also blindfolded. Then, the domination game took place between the two, in a transfer that could go as far as the spectator wished. The show ended when the spectator desired or when the performer decided.
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atraiu Bausch foram as diversas comunidades estrangeiras, sobretudo as das ex-colônias, presentes em Lisboa. Um outro crítico, de Hong Kong, tentou a contextualização a partir dos vídeos que são projetados: “Na primeira parte os espectadores sentem que estão assistindo a um carnaval latino, depois tornam-se passageiros no interior de um ônibus. Na segunda parte, são levados até uma selva onde há vacas pastando. E, a caminho do fim, veem-se as ondas a rebentar. Termina com a primavera e o desabrochar das flores.” Lisboa? A resposta vem de Londres: “Masurca fogo pode ser relacionado com Portugal e a sua relação histórica com o Brasil, mas é muito mais um lugar imaginado no interior da geografia pessoal de Pina Bausch.” Naquela Lisboa talvez não caibamos nós — ou a ideia que fazemos da cidade — porque, ao contrário do que desejam os coprodutores, e do que esperam os espectadores, Pina Bausch não quer saber do que é Lisboa, como não quis saber de Palermo, de Roma, do Japão ou de Viena. O que ela nos oferece é a sua cidade imaginada. As únicas fronteiras que o processo do Tanztheater conhece são as do seu discurso, que usa a cidade como pretexto para criar — que é, aliás, aquilo a que se propôs. Só não pode ser extrapolada a vontade de querer ver o que lá não está. Como referiu Leonetta Bentivoglio a propósito de Vicktor, a peça que em 1986 Bausch roubou a Roma, “nenhuma narrativa explícita restitui esta fonte: a ausência de revisitação ou de transposição de dados pitorescos é total. (…) [a] turista sensível viaja idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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United Kingdom was a lot more complex. During four weeks a group of volunteers with different backgrounds gathered at Tacheles, a huge warehouse at the center of Berlin, where they were taught sadomasochist, bondage, domination and humiliation techniques that would later be used to dramaturgically structure a performance that required the spectator to allow him / herself to get involved in a game of control. Each of these volunteers would occupy many functions, hierarchically defined, ranging from court to common people. The roles were rotating and handed to those who better deserved them. There was system of punishments that could lead to the expulsion of the Kingdom. In this case, the relationship with the spectator is not as steady as it could occasionally be in Secret Service, but it is rather dependent on interaction. Each spectator was subject to a complex scheme of phases that forced them to prove their interest and honesty in participating in that kingdom. First, he / she was subjected to an interview where they could be refused by the interviewer, later, the ones who were approved were invited to take part in a ceremony of feet worship, trading places with the volunteers. In this operation, the outline of the final challenge started to be traced: the abolishment, in that scenic kingdom, of each one’s frontiers and roles. The third part of the show was a kind of orgiastic feast where the techniques the volunteers had previously learned were explored. Any excess was considered treason to the King, who had powers to banish the transgressor. idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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através de perspectivas pessoais (…), quer partindo de uma relação ‘interior’ com o objeto sonhado, quer adotando o distanciamento impiedoso da exploradora, pronta a descrever o lado obscuro da paisagem observada”. Pina Bausch estará, a meu ver — e apesar desses avanços e recuos na sua apropriação das “paisagens observadas” —, mais próxima de Peter Brook do que se suporia e da sua ideia de espaço vazio, usada para se referir a um espaço nu, sem referências explícitas, a-histórico. E, por isso, dependente das ações dos intérpretes, que exigem do público uma organização, podendo esta ser ou não linear e mais ou menos identificável. Um espaço psicológico, portanto, ou interior, convocando aqui a definição do teatrólogo Patrice Pavis: “O espaço existe enquanto tentativa de representação de uma fantasia, de um sonho, de uma visão do dramaturgo ou de uma personagem limite entre jogo e não jogo definido por cada representação e cena.” Reclama-se aqui uma intervenção do espectador, e do seu corpo, na concretização de um espetáculo. Mas a exigência de uma intervenção da parte do espectador tornou-se, aliás, e nos últimos anos, um lugar retórico que produziu efeitos devastadores na relação espetáculopúblico. Razão pela qual urge a necessidade de se estabelecerem plataformas comunicativas que restaurem a relação cúmplice — natural, mas conscientemente desequilibrada —, entre uns e outros. Só uma relação de naturalidade, que promova uma descontinuidade na recepção, pode contribuir para esse diálogo.
73 It is important to describe these two performances to try to explain how Felix Ruckert handled the idea of sharing and responsibility. By creating rules for the operation of both pieces, he integrated in them a disturbing, completely unpredictable element: the spectator. It thus changed their usual role in a show that depends on interaction, because it conditioned the action to the limits of the body of the spectator. Perceived as destabilizing potential, ignoring the many escape possibilities and sustained only by common sense, the spectator should be responsible for “his / her” show. Personal and not transferable. By conceiving the show would build itself based on the level of involvement they desired and, in many situations, endured, the spectator forced his / her body to resist, fictionalizing a comfort that would allow him / her to “keep playing”. They thus became performers of a dynamic that moved the show. That is, it was proved that the show could not go on unless he so desired, at the same time he conceived the body of the dancer as equal to his own. Both are at the service of a non-written and only projected dramaturgic structure. This foundation of honesty becomes essential to understand the relationship established between the body of the spectator and the body of the performer. The body of those who decide to participate is taught by the one who can guide them through the dramaturgic lines of the show. Both strive to establish a common base which relies on the acknowledgement of pain, control, sharing power, in loco experimentation of the practicability of
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Há opções que, se aparentam uma radicalização, trabalham antes as únicas fronteiras verdadeiramente pessoais e íntimas. Félix Ruckert, coreógrafo alemão da mesma geração desses nomes aos quais venho me referindo e ex-bailarino de Pina Bausch, cansado das metáforas poéticas e defensor de uma dança próxima daquilo que de mais humano existe, propôs um caminho, no mínimo provocativo: a manipulação dos limites ficcionais da sexualidade. Espetáculos como Secret Service, de 2002, mas sobretudo United Kingdom, de 2006, procuravam impor à relação de dependência entre autor e espectador mecanismos exploratórios de sensações, domínios e poderes relacionados com o sexo e o desejo. Em ambos os espetáculos trabalhava-se o modo como nas relações sadomasoquistas existe sempre um componente performativo que permite criar a ilusão de que aquilo a que se assiste não é inteiramente real. O uso do sexo, ou do desejo, era a arma enganadora de sedução que levaria, através de enviesados jogos, à criação de disponibilidades a partir de ambições secretas. Em Secret Service os espectadores eram conduzidos por um intérprete para o interior de uma sala, vendados e com roupa de baixo. Lá dentro vários outros faziam com que passassem de mão em mão, sem terem noção nem do espaço nem do número de intérpretes. Estes combinavam praticantes de sadomasoquismo com bailarinos profissionais, proporcionando assim uma constante cadência entre ação e interpretação. Durante esses 20 minutos, os intérpretes escolhiam quem deveria passar para idança.txt Vol. 1 – Set 2010
a fase seguinte, sem que o espectador se desse conta. Essa segunda parte consistia numa versão hard da primeira e explicava os gemidos e alguns gritos que se ouviam na primeira parte. Com a utilização de brinquedos fetichistas, como algemas, correntes, molas, chicote, botas e outra indumentária de couro, cada intérprete era responsável por um espectador, num total de seis por sessão, também vendados. Aí, o jogo de domínio era feito a dois, numa cadência que podia ir tão longe quanto o desejo do espectador. O espetáculo terminava quando o espectador assim o quisesse ou o intérprete assim o decidisse. Já United Kingdom era bem mais complexo. Durante quatro semanas um conjunto de voluntários com diversas formações juntou-se no Tacheles, um imenso armazém no centro de Berlim, onde lhes foram ensinadas técnicas de sadomasoquismo, bondage, dominação e humilhação que serviriam depois para estruturar dramaturgicamente uma performance que solicitasse ao espectador a predisposição para se deixar envolver num jogo de controle. Cada um desses voluntários ocuparia diversas funções, definidas hierarquicamente, indo da corte ao povo. Os papéis eram rotativos e entregues àqueles que mais os merecessem. Havia um sistema de punições que poderia conduzir à expulsão do Reino. Aqui, a relação com os espectadores já não era tão fixa quanto eventualmente poderia ser em Secret Service, mas dependente de uma interação. Cada espectador era sujeito a um complexo esquema de fases, que o obrigava
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Espetáculo United Kingdom, de Felix Ruckert. Foto de Mélanie Derouetteau. / Felix Ruckert’s show United Kingdom. Photo by Mélanie Derouetteau.
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movement. Therefore transforming the abstract into acknowledgement. Of course, this implicates a detachment regarding the use of the body that is not available to all. In none of the shows there was space for habitual sadomasochists, because they could easily deconstruct the dynamic of the game, taking it to a sexual dimension that was clearly postponed. It was rather a game of sensory exploration that reflected the way the body behaved when exposed to dramaturgy. To make it work, or to prove it, the only way was to effectively use the body of the spectator. Thus, a learning cycle that started in the bodies of the performers was closed. Regarding the idea that these shows require specific audiences, I only say that I am not certain they can do without the normal spectator because, as I said before, they seek to dialogue with the everyday body. Thus, there is a need to create re-learning systems that bring the bodies of the stage closer to the bodies of the audience. That is, we go back to the hypothesis of identification. When Pina Bausch uses the bodies of inexperienced elderly people to teach them a choreography, as in Kontaktof with man and women over 65 years old, in which it is more important to know that rebirth is an essential constant in life. Or when she uses Hungarian Ezter Salómon, who in Magyar Tánok, or Hungarian Dances, recovers traditional dances from her country to mix them with the lessons of classic ballet, seeking to understand which is her body. Or when Raimund Hogue idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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75 Espetáculo United Kingdom, de Felix Ruckert. Foto de Mélanie Derouetteau. / Felix Ruckert’s show United Kingdom. Photo by Mélanie Derouetteau. Abaixo: espetáculo Secret Service, de Felix Ruckert. Foto de Damblant-Hussenot. / Below: Felix Ruckert’s show Secret Service. Photo by Damblant-Hussenot.
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a provar o seu interesse e honestidade em participar daquele Reino. Primeiro era sujeito a uma entrevista em que poderia ser recusado pelo entrevistador; depois, os que passavam, eram convidados a tomar parte da cerimônia de adoração dos pés, trocando de papéis com os voluntários. Nessa operação começavam a desenhar-se os contornos do desafio final: a anulação, naquele reino, afinal, cênico, das fronteiras e dos papéis de cada um. A terceira parte do espetáculo consistia numa espécie de festim orgíaco onde eram exploradas as técnicas que os voluntários tinham aprendido anteriormente. Qualquer excesso era considerado uma traição ao Rei, que tinha poderes para afastar o transgressor. Importa descrever essas duas performances para tentar explicar o modo como Félix Ruckert trabalhou a ideia de partilha e responsabilidade. Ao criar regras para o funcionamento das duas peças, integrou nelas um elemento perturbador, de todo imprevisível: o espectador. Modificava, assim, o papel que lhe é normalmente atribuído num espetáculo dependente da interação, porque sujeitava a ação aos limites do corpo do espectador. Entendido enquanto potencial desestabilizador, desconhecendo as várias possibilidades de escape, e sustentando-se apenas no senso comum, deveria ser responsável pela definição do “seu” espetáculo. Pessoal e intransferível. Ao conceber que o espetáculo se construiria a partir do grau de envolvência que desejasse e, em muitas situações, suportasse, o espectador forçava o seu corpo a resistir, ficcionando um conforto que lhe permitisse idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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reveals himself, hunchbacked and abject, in an idealist confrontation with the statuesque body of Boris Charmatz, both performers in Charmatz’s Regi, an absolutely hypnotizing show about power and domination over the other. Or even when South-African Robyn Orlin uses Vera Mantero’s body in Hey Dude…to learn more about Portugal, we realize this approximation of the bodies must exist in the awareness of the limits of the spectator’s body. Philosopher José Gil calls it “opening the body”. In Movimento Total — o Corpo e a Dança, he writes: “the nature of energy that is bearer of movement is what decides the disruptive quality of dance. Well, dance is the art of movement that has the power to create another kind of movement (…) maybe it is the art of all movements, and therefore the art of all arts”. Thus, we can understand that which creators are doing is to return the question: And, that is why, the preliminary question to be asked in order to understand which body is being represented is: What is this body that watches? What is our stance before a show based on the body? How do we deal with this body in relation to another body? And what do we do to liberate ourselves from the expectation that was created? Erika Fischer-Lichte says that “the physical body of the actor and of the spectator is the existential foundation of all kinds of show — be it in everyday life, in the arts or a cultural performance. Which means the performing quality of culture cannot be, truthfully, investigated without idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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“continuar a jogar”. Passava, então, a ser intérprete de uma dinâmica que fazia avançar o espetáculo. Ou seja, provava-se que o espetáculo não podia prosseguir sem que assim o desejasse, ao mesmo tempo em que concebia o corpo do intérprete como igual ao seu. Ambos ao serviço de uma estrutura dramatúrgica não escrita e somente projetada. Essa base de honestidade torna-se fundamental para compreender a relação que se estabelece entre o corpo do espectador e o corpo do intérprete. O corpo de quem decide participar é ensinado por aquele que pode guiá-lo por entre as linhas dramatúrgicas do espetáculo. Tanto um como outro ambicionam estabelecer uma base comum que se sustenta no reconhecimento da dor, do controle, da partilha de poder, da experimentação in loco da praticabilidade do movimento. Portanto, transformando assim o abstrato em reconhecimento. Claro que isso implica um desprendimento em relação ao uso do corpo que não é acessível a todos. Em nenhum desses dois espetáculos havia margem para um praticante habitual de sadomasoquismo, porque este facilmente desconstruiria a mecânica do jogo, levando-o para uma dimensão sexual claramente postergada. Tratava-se antes de um jogo de exploração sensorial que refletia sobre o modo como um corpo se comporta quando exposto a uma dramaturgia. Para fazer funcionar, ou para prová-lo, a única forma era, efetivamente, usar o corpo do espectador. Fechava-se assim o ciclo de aprendizagem iniciado nos corpos dos intérpretes.
76 reaching for the physicality of all those who participate in the show. It is not the ideas, the concepts nor the senses that should be examined in the first place in order to give visibility to the performing quality of culture, but rather the specific physical bodies through which and among which a show is produced — the body of the actor who, by applying some techniques and practices, is able to occupy space and draw all the attention of the spectators upon him and his physical presence, just like the bodies of the spectator, that responds in a particular way to an experience of presence like this one”. So it happens that in the artistic reorganization of space the spotlight remains in the body and the possible interpretations it can provide to the spectator. The territory of confrontation, because it is the shock of the feeling of the foreigner, transforms into the territory of identification. Borrowing Bausch’s own words: “it is not about what people move, but what moves them”. Therefore — and as Laurence Louppe would defend regarding contemporary dance, but we can see applied to all performing creations that deal with the body — there is the idea that all techniques that “include a vision of the body moving by itself or by the eyes of others” do not necessarily implicate a full translation of what is being done, but rather an appropriation of what exists in everyday life and answers the doubts of the spectator. Louppe explains that “the structure of the body must refer to the memory for everything
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Quanto à ideia de que esses espetáculos pedem públicos específicos, digo apenas que não estou certo de que possam prescindir do espectador “normal” porque, como disse anteriormente, procuram dialogar com o corpo cotidiano. Daí a necessidade de criação de sistemas de reaprendizagem que aproximem os corpos do palco dos corpos da plateia. Ou seja, regressamos às hipóteses de identificação. Percebemos que essa aproximação dos corpos deve existir na consciência dos limites do corpo do espectador quando Pina Bausch usa os corpos de velhos inexperientes para lhes ensinar uma coreografia, como em Kontaktof com homens e mulheres de mais de 65 anos, onde importa mais saber como o renascimento é uma constante essencial à vida; ou quando a húngara Ezter Salómon, em Magyar tánok (Danças húngaras), recupera as danças tradicionais do seu país para as combinar com os ensinamentos do bailado clássico, procurando entender que corpo é o dela; ou quando o coreógrafo Raimund Hoghe se revela, corcunda e abjeto, num confronto idealista com o esculpido corpo de Boris Charmatz, ambos intérpretes em Regi, de Charmatz, num espetáculo absolutamente hipnotizante sobre o poder e o domínio do outro; ou ainda quando a sul-africana Robyn Orlin usa o corpo de Vera Mantero, em Hey dude…, para saber mais sobre Portugal. O filósofo José Gil chama-lhe “abrir o corpo”. Em Movimento total — O corpo e a dança, diz que “é a natureza da energia que é portadora do movimento que decide o caráter disruptivo da dança. Ora, a dança é a arte do idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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modernity in dance shifted in the body itself, knowing there were multiple dislocations, sometimes divergent and always dictated by the exasperated need to create or recreate a singular body from which a physical identity can make sense”. And I recall now the focus on the voice of a choreographic structure in Vera Mantero’s Até que deus é destruído pelo extremo exercício da beleza (2006), and the importance Felix Ruckert gives to the possibilities proposed by the use of desire and sexuality. Thus, we see possibilities of dialogue that turn limitation into their strength. I speak of limit, because it is about conceiving a will to advance a sharing relationship between those who make and those who watch. I am aware, however, that fortunately there will always be an uneven relationship between the two parts, above all, because the moment the answers start coming all from one side, shows will cease to exist. But I conceive an idea of limit, if we remove its finite quality that forces us into immediate classification. I thus speak of a limit hypothesis that transforms the body into a questioning object and opens itself, as José Gil would suggest, for a search for lines that both identify and propose new conceptions for such identification. And, in the end, I go back to Vera Mantero’s show Até que deus é destruído pelo extremo exercício da beleza. Those six performers, sitting in a row of chairs in front of us apparently still and non-performing during two and a half hours, would ask repeatedly: “are you feeling comfortable?” We are not. We never will be. If all goes idança.txt Vol. 1 – Sept 2010
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movimento que tem o poder de criar outro tipo de movimento (…) talvez seja a arte de todos os movimentos, e portanto a arte de todas as artes”. Assim, podemos entender que aquilo que os criadores estão fazendo é devolver a pergunta. E, por isso, a questão prévia que se deve colocar para se compreender que corpo representado é aquele será: que corpo é esse que assiste? Qual a nossa postura perante um espetáculo assente no corpo? Como lidamos com esse corpo na sua relação com um outro corpo? E o que fazemos para nos libertar da expectativa criada? Diz Erika Fischer-Lichte que “o corpo físico do ator e do espectador é a base existencial de todo tipo de espetáculo — seja na vida cotidiana, nas artes ou numa performance cultural. O que quer dizer que o caráter performativo da cultura não pode ser, a bem da verdade, investigado sem recurso à fisicalidade de todos os que participam do espetáculo. Não são as ideias, os conceitos nem os sentidos que devem ser examinados em primeiro lugar, para dar visibilidade ao caráter performativo da cultura, mas sim os corpos físicos particulares, através dos quais e entre os quais se produz o espetáculo — o corpo do ator que, ao aplicar algumas técnicas e práticas, consegue ocupar o espaço e chamar toda a atenção dos espectadores sobre si, a sua presença física, assim como o corpo dos espectadores, que respondem de forma particular a uma experiência de presença como esta”. Sucede que, na reorganização artística de um espaço, o foco permanece sempre no corpo e nas possíveis
77 well, we will always get into a show with the ambitious desire to be challenged. It is exactly in the uneasiness that the dialogue and the debate about the place of the body in relationship between author and spectator begins. It will be in this uneasiness, in that which seems recognizable but later eludes us, that the foundations will be built to allow us to identify what is fit for each part of the performance practice. If up to this point I have always talked about identification I did not mean to say that the sole purpose of the spectator would be to project him / herself on stage and thus carry out a regenerating, or even cathartic cycle. Quite the contrary. The same way the author conceives a body that seeks its place in a given reality, the spectator must also seek to build a body, or an idea of a body, that also integrates the proposal of the authors. Thus, it is not so important that he / she recognizes all the shapes that are presented to him/her, but rather that he/she conceives having domains of “unrecognizable awe” that can register and assimilate with time and with “movement” what critical dialogue proposes.
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leituras que este pode proporcionar ao espectador. O território de confronto, porque se imagina o choque do sentimento de estrangeiro, transforma-se em território de identificação. Usando as palavras da mesma Bausch: “Não é o que as pessoas movem, mas o que as move.” Portanto, e tal como Laurence Louppe defenderia a propósito da dança contemporânea, mas que podemos aqui ver aplicada a toda criação performativa que trabalhe o corpo, existe a noção de que todas as técnicas que “incluem uma visão do corpo em movimento por ele-mesmo ou pelo olhos dos outros” não implicam, necessariamente, uma tradução integral do que se faz, mas antes uma apropriação do que existe no cotidiano e responde às dúvidas do espectador. Louppe explica ainda que “a estrutura do corpo deve fazer remeter a memória para tudo o que a modernidade em dança fez deslocar no próprio corpo, sabendo que esses deslocamentos foram múltiplos, por vezes divergentes e sempre ditados pela necessidade exasperada de criar ou recriar um corpo singular a partir do qual uma identidade física pode fazer sentido”. E recordo agora a concentração na voz de uma estrutura coreográfica em Vera Mantero, em Até que deus é destruído pelo extremo exercício da beleza (2006), ou o peso que Félix Ruckert atribui às possibilidades propostas pelo uso do desejo e da sexualidade. Assistimos, por isso, a possibilidades de diálogo que fazem do limite a sua força. Falo de limites porque se trata de conceber uma vontade de fazer avançar uma relação de partilha entre quem faz e quem vê. Estou consciente, idança.txt Vol. 1 – Set 2010
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no entanto, de que, felizmente, haverá sempre uma relação desequilibrada entre as duas partes, sobretudo porque, no momento em que as respostas vierem todas, só de um dos lados deixarão de existir espetáculos. Mas concebo uma ideia de limite, se dele retirarmos o caráter finito que nos obriga à catalogação imediata. Falo, assim, de uma hipótese de limite que transforme o corpo num objeto questionador e se abra, como sugeria José Gil, a uma procura de linhas que tanto identificam como propõem novas concepções para essa identificação. E, para terminar, regresso ao início do espetáculo de Vera Mantero Até que deus é destruído pelo extremo exercício da beleza. Aqueles seis intérpretes, sentados numa fila de cadeiras à nossa frente, aparentemente imóveis e não performáticos durante hora e meia, perguntavam, repetidas vezes: “Are you feeling confortable?” “Estão se sentindo confortáveis?” Não estamos. Nunca estaremos. Se tudo correr bem, entraremos sempre num espetáculo com o desejo ambicioso de sermos contestados. É precisamente no desconforto que começa o diálogo e a discussão sobre o lugar do corpo na relação entre o autor e o espectador. Será nesse desconforto, naquilo que parece reconhecível mas depois nos escapa, que se construirão as bases que permitirão identificar o que cabe a cada uma das parcelas do fazer performático. Se até aqui falei sempre de identificação, não quis com isso dizer que o objetivo único do espectador seja o de se projetar no palco e assim fazer cumprir um ciclo regenerador e até catártico. Pelo contrário. Da mesma forma
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Espetáculo Até que Deus é destruído pelo extremo exercício da beleza, de Vera Mantero. Foto de Alain Monot. / Vera Mantero’s Até que Deus é destruído pelo extremo exercício da beleza. Photo by Alain Monot.
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que o autor concebe um corpo que busca o seu lugar numa realidade, também o espectador deve procurar construir um corpo, ou uma ideia de corpo, que integre as propostas dos autores. Assim, não é tão importante que reconheça todas as formas que lhe são apresentadas, mas, antes, que conceba haver domínios de “irreconhecível espanto” que possam registrar e assimilar com o tempo e com o “movimento” que o diálogo crítico supõe.
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Espetáculo Até que Deus é destruído pelo extremo exercício da beleza, de Vera Mantero. Foto de Alain Monot. / Vera Mantero’s Até que Deus é destruído pelo extremo exercício da beleza. Photo by Alain Monot.
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ISSN 2178-9800