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Capa: Composição no. III com vermelho, amarelo e azul por computador, 2020 Página 1: Composição no. III com vermelho, amarelo e azul por computador, 2020 Página 2: Piet Mondrian, 1926 Fotografia de André Kertész
Texto original por Susanne Deicher Edição original: 1994 Benedikt Taschen Verlag GmbH www.taschen.com Resumo por Fábio Novo Paccola Universidade do Vale do Itajaí ,2020 Balneário Camboriú, Santa Catarina Tradução: Maria Conceição Vieira, Lisboa Capa: Fábio Novo Paccola
Ă? n d i c e 7 Os anos da juventude 11 O desejo de ser um grande pintor 19 A partida para Paris 29 A vitĂłria sobre Picasso e suas consequĂŞncias 37 O nascimento do estilo abstrato 48 As pintura da idade madura
Piet Mondrian, um dos criadores do movimento moderno holandês De Stijl, é reconhecido pela pureza de suas abstrações e pratica metódica pela qual as alcançou. Ele simplificou radicalmente os elementos de suas pinturas para refletir o que ele via como a ordem espiritual subjacente ao mundo visível, criando uma linguagem estética clara e universal em suas telas. Em suas pinturas mais conhecidas da década de 1920, Mondrian reduziu suas formas a linhas e retângulos e sua paleta a fundamentos básicos, trazendo suas antigas referencias para o mundo exterior através da pura abstração. Seu uso de equilíbrio assimétrico e um vocabulário pictórico simplificado foram cruciais no desenvolvimento da arte moderna. Mondrian evocou diversas vezes o ritmo dos seus quadros, os quais não queria estáticos, mas animados e em movimento, trazendo como referência seu estilo musical favorito, o jazz, e podemos compreender seus quadros como improvisações sobre a temática das cores, com uma serie interminável de variações livres. O artista de fato trabalhava num mesmo quadro durante vários meses, aplicando sempre novas camadas, indo e voltando na composição até se encontrar satisfeito com o resultado.
Auto-Retrato, cerca de 1900 Óleo sobre tela, montada em pedra, 55x39cm
Em 1914, no tempo de suas exper clássica a pintura moderna, com tas conversava sozinho com os v grande problema da pintura de s muitas vezes, parecem simplesm ção com o novo, e a arte abstrata grade pintura dos séculos anter Pieter Cornelius Mondriaan, na terior, que como muitas outras c grande passado do século XVII, e o fanatismo religioso já teria escola primaria, pertencia a es destinada a servir a Igreja Pro de Mondrian estava muitas veze apenas oito anos de idade. Supõe
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riências mais exóticas, anunciou que gostaria de tornar mparável à “arquitetura dos gregos antigos”. Nas suas novelhos mestres: “Rembrandt, estávamos errados ou não?” O sua época, segundo ele próprio, é que os quadros abstratos, mente ornamentos. Mondrian gostaria de combinar a tradia deveria parecer, nesse aspecto, como uma continuação da riores. asceu em 1872, em Amersfoort, uma pequena cidade de incidades antigas da Holanda, parecia ainda sonhar com o o século dourado. Porém, no final do século XIX, a pobreza am se instalado na pequena cidade. Seu pai, professor de sses fanáticos religiosos, sua vida estava em grande parte otestante. Não podia oferecer conforto a sua família, a mãe es doente e sua jovem irmã Johanna cuidava da casa com e-se que Pieter tenha perdido prematuramente a confiança
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Desenho Para a Igreja de St. Jacob, cerca de 1898 Carvão sobre papel 50x36cm
no mundo e no ser humano. Tal como sua irmã, ele jamais contraiu matrimonio e sempre temeu pelo seu equilíbrio psíquico, e, abrindo mão de sua infância e proximidade, ele tomou pra si o mundo imaginário da arte, no qual encontrou uma “nova vida” como frequentemente dizia. Mondrian contava como o pai, que gostava de realizar litografias edificantes para a igreja, lhe ensinou desde cedo a desenhar, e em 1892, quando se matriculou na Academia de Belas-Artes de Amsterdã, conseguiu lhe um quarto na casa de amigos protestantes ricos e influentes, e que provavelmente também os convencera a pagar seus estudos.
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Nos tempos de Mondrian, alguém que alimentava ambições artísticas não dispunha de qualquer privilégio social. Ninguém pedia então ao artista que compreendesse o mundo, e tampouco alguém suspeitava que aquele jovem provinciano austero poderia mudar a arte do século XX. Não só era pobre e pouco instruído, como também era frágil no plano psíquico com tendência para se concentrar sobre si próprio. Em 1897 passou todo o ano na casa de seus irmãos no campo. Entre o outono de 1898 e o verão de 1899, é pela primeira vez artisticamente muito produtivo. Em series completas surgem vistas da pequena cidade de Winterswijk. Ele gosta especialmente da vista sobre a torre da igreja natal (cena rural com igreja de st. Jacob). Com o bloco de desenho sentava-se em frente da sebe do jardim dos pais, seus desenhos convertiam-se em aquarelas bem resolvidas, que mostram camponeses nas ruas ainda aldeãs da cidade. Durante essa época, Mondrian parece ter estado completamente obcecado pela ideia de representar a natureza numa calma imobilidade. Em muitos pintores holandeses desse momento há poses imóveis, mas em nenhum as encontramos apresentadas de forma tão pura e sem vestígio de tristeza como em Mondrian.
Na sua juventude, reuniu com o pai pequenos quadros edificantes de bonitas formas e ricamente ornamentados, sem se preocupar com o realismo de tais composições. Cerca de 1900, pintava ainda rostos engraçados, como por exemplo no Retrato de Rapariga com Flores, que se aproximam da vulgaridade das gravuras dos álbuns religiosos. Como tinha experiência na reprodução de tais trabalhos, Mondrian conseguia ceder mais facilmente do que os outros a nova artificialidade da pintura.
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O desej o de ser g rande pi nt or
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Uma fotografia datada de 1905 mostra-nos Mondrian no seu atelier de Amsterdam. Sentado, com o chapéu pendurado ao canto do cavalete, como se acabasse de entrar na sala. Segura a paleta na mão, o pincel posicionado. A qualquer momento vai retomar o trabalho incompleto da natureza morta, que está no cavalete. De momento, examina-o, espera pela inspiração, mas seu pé colocado mais a frente deixa antever que está prestes a entrar em Ação. Como mostra a fotografia, Mondrian acabava seus quadros no atelier, mas suas obras representavam exclusivamente o que ele vira e desenhara na natureza. Cerca de 1905, a maioria dos admiradores de arte acreditava que os velhos mestres tinham assim procedido e também só queriam comprar os quadros que reproduziam em formas harmoniosas a experiência da realidade. Não sendo reconhecidas as qualidades artísticas de Mondrian, as suas telas quase não se vendiam. Uma longa serie de fracassos motivaram-no a se mudar, em 1902 e 1903, para o campo daqueles que combatiam ativamente a sociedade existente. Frequentava então um grupo radical de esquerda e teria participado num “complô anarquista”, como lhe chamou insensatamente seu melhor amigo Albert van den Briel. Em 1903 teve lugar na Holanda uma grande greve dos ferroviários, que foi esmagada de forma sangrenta. Mondrian, que temia ser afetado por tais conflitos latentes, deixou a política e abandonou a cidade em 1904, e se entrincheirou no campo e no isolamento, e começou a pintar quadros, que apointavam para uma nova forma de arte.
Piet Mondrian em seu atelier, 1905
Nas telas dos anos 1906-07, encontramos pela primeira vez a técnica de pintura, posteriormente tão característica de Mondrian, aparentemente descuidada e pouco profissional. O artífice comentaria: um pouco mais de solvente e uma demão menos apressada, e daqui surgiria uma linda e plana margem do rio. Mondrian, que tinha passado por uma formação técnica de base na Academia, esqueceu metodicamente o que havia apreendido. Esta “negligência” na execução sublinha o que lhe importa desde então: o quadro como experiência. Moinho à Luz do Sol: O Moinho Winkel, 1908 Óleo sobre tela, 114 x 87 cm A partir de 1905, Mondrian retoma os temas antigos da pintura paisagística holandesa. Mas essa atividade aparentemente convencional serve para evidenciar que as novas experiências formais e a utilizacão da cor pura pertencem ao passado glorioso da arte bem como ao seu futuro.
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Floresta Perto de Oele, 1908 Óleo sobre tela, 128 x 158 cm
Mondrian torna-se rapidamente famoso na Holanda com suas paisagens coloridas. A partir de 1909, quando passa o verão na costa do mar do norte em Zeeland, executa vários quadros sobre dunas e sobre o mar, nos quais se constata uma evoluçào: aos quadros com dunas de formato pequeno, de alegre colorido pontilhista de 1909, seguem-se composições de formato grande, em 1910, muito mais abstratas. Página 15: Esboço de Duna em Laranja, Rosa e Azul, 1909 Óleo sobre cartão, 33 x 46 cm
Na sua produção agora em crescendo, Mondrian abandona-se livremente cada vez mais as sensações de êxtase que as cores luminosas na tela nele provocavam. A obra-prima deste período é Floresta Perto de Oele. Nela toda a pintura parece compor-se de traços coloridos longos e largos, de vez em quando sinuosamente retorcidos. A cor luminosa azul, amarela, violeta e vermelha desce parcialmente em gotas, e pedaços sem pintura do quadro deixam perceber o material da tela. Todavia, não conseguiu conciliar, como desejava, o novo com o antigo. A Floresta perto de Oele, divide-se em duas componentes: os traços coloridos não se unem completamente dando o aspecto duma floresta, tal como a conhecemos. Mondrian parece ter sentido este paradoxo impossível de resolver e recorreu, portanto, a um processo tradicional. Modificou as formas das arvores em Floresta perto de Oele, que ele fixara no seu pequeno estudo a óleo: elas curvam-se agora de ambos os lados a volta do disco solar, de maneira que o todo lembra a forma dum vitral gótico com a sua rosácea.
Mondrian utilizava fórmulas antigas para justificação da sua arte, mas pouco se preocupava em transpô-las para seus quadros. E se Vincent van Gogh tinha elaborado, com este objetivo, uma teoria das cores para seu uso pessoal, Piet Mondrian, contudo, utilizou as cores vermelha, azul e amarela, tal como saíam da bisnaga, no quadro Moinho à Luz do Sol em Winkel, 1908. São obras como esta que, de repente, em 1909, tornaram Mondrian famoso na Holanda. Ele agora era o expoente da vanguarda e começou a vender inúmeros quadros. O sucesso deve tê-lo encorajado a tentar estabelecer uma existência burguesa e, também, uma família, casando-se, no mesmo ano com Greet Heybroek. Esta ligação, em breve, fracassou. Em 1909, ano do início do seu êxito, a morte súbita de sua mãe, ainda jovem, perturba-lhe o equilíbrio. Este acontecimento desencadeou um impulso autodestruidor em Mondrian e dentro de pouco tempo perdeu as graças do público, pelas quais durante tanto tempo havia lutado.
Página 14: O Moinho Vermelho, 1911 Óleo sobre tela, 150 x 75 cm Página 15: Torre de Igreja em Domburg, 1911 Óleo sobre tela, 114 x 75 cm Ambos os quadros foram expostos em 1911, na exposição do Morderne Kunstkring, em Amsterdão. A simplicidade das formas e das cores utilizadas por Mondrian dá-lhes um aspecto monumental.
Bruscamente vê desaparecer a tonalidade clara e alegre que havia dominado as suas telas de pinceladas coloridas e leves realizadas durante uma longa estada de verão no litoral do mar do norte, em Zeeland, Esboço de Duna em Laranja, Rosa e Azul foi, possivelmente, pintada nesse verão e é, sem dúvida, uma pequena obra-prima. No quadro parece sentir-se verdadeiramente o calor do verão, que vibra na luminosidade dos tons vermelho-alaranjados da pintura. Tonalidades rosa acentuam o aspecto artificial do quadro, mas evocam, ao mesmo tempo, as curvas suaves de um corpo feminino.
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Em 1910 começou a pintar telas gigantescas e sombrias. Formas facetadas, irregulares e tons escuros verde-lilás em amontoados formais estáticos são o tema da Paisagem de Dunas. No tríptico EVOLUÇÃO, a obra principal dos anos 1910-11, Mondrian pintou pela primeira vez figuras nuas. A obra não foi bem aceita pelos críticos. Apelidou-o de um “verdadeiro irmão”, querendo significar com isso a proximidade ideológica do tríptico com os ensinamentos da sociedade teosófica, à qual Mondrian aderira em 1909. O tema do quadro é o surgimento do ser novo que renunciou à experiência dos sentidos. A “evolução” biológica deve ser substituída por puro desenvolvimento “espiritual”. A ascensão da mulher do painel da esquerda, florido e cheio de alusões sexuais, que se tornou a entidade andrógina luminosa e fria do painel central, pode ser considerada como uma parábola ilustrando o caminho do ser material que se liberta do mundo para atingir o espírito. Em 1910, depois da morte da mãe, as lições do pai vêm-lhe à memoria e transforma as criações visionarias deste em corpos de mulher de posturas hieráticas velados pelas cores que lhes são próprias. Impossível não ver a explicação psicológica deste quadro no qual Mondrian exprime simbolicamente a sua interpretação do homem e do cosmos marcada pelas ideias teosóficas. Ela indica igualmente uma nova decisão do artista de ser o que já era: um pintor não do mundo real, mas da forma fria e abstrata.
Um ano mais tarde, Mondrian pa artistas de Amsterdam, Moderne artista estão habitadas por uma ou Moinho Vermelho assinalam b deixa Amsterdam e parte para p ele considera o maior pintor do s
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Evolução, cerca de 1911 Óleo sobre tela, painel central: 183 x 85 cm, painéis laterais: 178 x 85 cm
articipa da primeira exposição da associação de e Kunstkring, e todas as telas apresentadas pelo a nova austeridade. A Torre da Igreja de Domburg, bem a viragem na sua obra. No fim de 1911, Mondrian paris, onde quer agora aprender algo com o homem que seu tempo: Pablo Picasso.
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A p a r t i d a p a r a P a r i s
Quando Mondrian partiu para Paris, estava quase a completar 40 anos. A sua mudança para esta cidade marca o fim de uma juventude irrequieta e longa. A imensidade e a amplidão gigantesca e sombria de suas telas desta época parecem descrever os estados de alma extremos do pintor que está isolado, tanto no plano artístico como no plano privado. Em Paris, Mondrian conseguiu finalmente encontrar o equilíbrio, o estilo pessoal e um modo de vida conforma às suas aspirações. Pouco depois da chegada, anuncia a intenção de tomar um novo caminho ao renunciar ao nome pater no, Pieter Cor nelis Mondriaan e passou a chamar-se daí em diante Piet Mondrian.
Retrato de uma Senhora, 1912 Óleo sobre tela, 115 x 88 cm
A viagem para Paris, no fim do ano 1911, ajudou Mondrian possivelmente a sair do seu isolamento meditativo. Ali ele não conhecia no momento ninguém, e também não se esforçava por se encontrar com Picasso e Braque. Bastava-lhe saber que eles viviam e trabalhavam na cidade, e que aí tinha a possibilidade de ver os seus quadros se o quisesse. Começou a elaborar um projeto visando “revolucionar a arte moderna” com artistas que partilhavam as suas ideias. Mondrian evitará por muito tempo o azul luminoso, o amarelo e o vermelho. Voltou ao trabalho de pormenor. Os seus primeiros quadros parisienses adotam as cores cinzenta, castanha e preta, correspondendo assim à paleta de Picasso e Braque. Nessa época, ambos os pintores cubistas desdenhavam a cor; eles analisavam a pintura tradicional nos seus elementos base e pensavam que tinham descoberto que na história da pintura a representação linear tem sido sempre mais importante que a representação colorida.
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Georges Braque Casas e Árvores, 1909 Óleo sobre tela, 64,5 x 54 cm
Pablo Picasso Nu Feminino de Pé, 1910 Carvão sobre papel, 48,3 x 31,2 cm
Picasso e Braque inventaram um elemento base composto de dois traços a negro que contamos agora em todos os seus quadros. Mondrian compreendeu imediatamente como deveria aproveitar esta ideia. Já em 1912 utilizava os traços pretos como uma grade que parece jazer sobre a superfície do quadro e enquadrar as formas isoladas da sua Paisagem com Árvores, de 1912, como as hastes de chumbo de um vitral. A diferença de Mondrian e os pintores franceses que admira é particularmente sensível no que se refere ao tratamento do retrato e do nu. Picasso gostava de afirmar que o pintor devia dominar a natureza e as mulheres. Os seus desenhos mostravam-no virtuoso na arte de compor ou construir à vontade a imagem de uma mulher. Mondrian dizia então: “A mulher é contra a arte, contra a abstração no íntimo do seu ser. (...) Um artista é, ao mesmo tempo, mulher e homem e não precisa, por isso, de nenhuma mulher.”
Paisagem com Ă rvores, 1912 Ă“leo sobre tela, 120 x 100 cm
Macieira em flor, 1912 Bloeiende Appelbloom, 1912 Óleo sobre tela, 78,5 x 107,5 cm
A rede dos traços negros preenche agora na sua obra a mesma função que outrora a forma amendoada. A partir de então, os traços negros vão caracterizar a sua visão íntima do mundo. No decorrer do ano de 1912 conseguiu fundir a rede linear com as imagens que a natureza oferece. Descobriu o tema da árvore, cujos ramos entrelaçados evocam os traços negros pintados na tela. No quadro A Árvore Cinzenta, de 1912, ele esforça-se por tomar notados, o volume da folhagem e o ar cinzento de neblina que caracterizava um jardim de macieiras. Se bem que possua uma estrutura linear nítida, A Árvore Cinzenta revela-nos a lembrança visual e olfativa de um verdadeiro pomar.
A Árvore Cinzenta, 1911 Óleo sobre tela, 79,7 x 109,1 cm
Árvores em Flor, 1912 Bloeiende Bomen, 1912 Óleo sobre tela, 60 x 85 cm
Mondrian descobriu em 1913 que o emaranhado de casas da cidade se prestava lindamente às suas aspirações, quando se trata de inscrever experiências cotidianas nas redes de representações cubistas.
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Quadro III: Composição em Oval, 1914 Óleo sobre tela, 140 x 101 cm
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Num esboço de 1913-14 podemos seguir a sua forma de proceder ao cobrir primeiro a superfície com segmentos lineares antes de aí colocar algumas zonas mais vastas. No QUADRO III, de 1914, essas superfícies são coloridas em tons vermelho-tijolo, cinzento e azul-celeste, as cores da cidade. Na época, o atelier de Mondrian encontrava-se perto da Estação de Montparnasse. Nos terrenos vagos da rue du Départ, podiam ver-se as paredes-mestras dos imóveis em demolição onde estavam ainda colados cartazes e restos de papeis pintados.
Andaime: Estudo para Quadro III, 1914 Carvão sobre papel, 152,5 x 100 cm
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As composições pictóricas outrora conseguidas por Mondrian, nas quais símbolos abstratos são distribuídos igualmente pela tela, significavam uma inovação poderosa na história da pintura. Até aqui, o quadro possuiria sempre um meio reconhecível, uma parte superior e inferior e um tema. O trabalho do pintor era a composição: esforçava-se por harmonizar as diferentes formas à esquerda e à direita, em cima e em baixo, umas com as outras e ordenar o todo do quadro. Mondrian, porém, deixava de lado a ordenação. Dispersava as suas formas como que acidentalmente sobre a superfície, sendo estas formas todas iguais. Um dia tomou-se claro para ele o que tinha conseguido. Tudo parecia agora possível: podia lançar redes abstratas sobre a tela branca ou então deixar emergir de novo do sistema de traços as imagens familiares da paisagem da terra natal. Pintava então quadros, que não reproduziam em nada a natureza e que, contudo, pareciam, ao mesmo tempo, tão inacessíveis e incompreensíveis, desoladores e grandiosos como um prado, o mar ou o céu estrelado.
Composição No. 6, 1914 Óleo sobre tela, 95,2 x 67,6 cm
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A v it ó r i a s ob r e P i c a s s o e s u a s c o n s e q u ê n c i a s A razão por que Mondrian deixou Paris no verão de 1914, quando se agudizava a crise política internacional, não é bem conhecida. Talvez quisesse visitar, na Holanda, o pai doente. O começo da guerra obrigou-o a permanecer no seu país por vários anos. Pintava cada vez menos. Isto estava relacionado com a drástica redução dos seus novos quadros aos elementos base, de tal modo que um único elemento parecia ser suficiente. Por quê continuar então a pintar traços negros abstratos sobre superfícies brancas? Supõe-se que Mondrian começou a procurar fora do atelier uma razão de ser para os quadros. Em Paris, Mondrian anotara por vezes reflexões no seu livro de esboços sendo agora a sua ambição elaborar teorias. Assim, tomouse sua ocupação favorita juntar ideias e expressá-las. Mudouse para Laren, uma colônia de artistas cuja tradição remontava ao século XIX, e mostrou-se aí muito interessado na vida e pensamento dos teóricos vanguardistas e dos artistas locais. Em breve conheceu o pintor e poeta de Leida, Theo van Doesburg, um teórico de arte erudito e versado na tradição alemã filosófica desde Kant e Hegel. Depois de Mondrian ter lhe comunicado o seu conhecimento da arte francesa mais recente, ambos se tor naram inseparáveis. Van Doesburg logo começou a pintar no estilo de Mondrian, enquanto este redigia um ensaio de grande envergadura sobre a nova pintura, para o qual se aconselhou de novo com o amigo. Ambos conseguiram mobilizar à sua roda um círculo dos melhores jovens artistas, arquitetos e designers da Holanda. Theo van Doesburg fundou uma revista intitulada De Stijl, publicada pela primeira vez em 1917 e que continha ao lado dos seus próprios escritos e dos de Mondrian também textos e projetos, por exemplo, do designer de mobiliário e arquiteto Gerrit Rietveld. A revista De Stijl lutava por uma nova unidade de todas as artes que deviam participar na elaboração das formas do mundo moder no. Van Doesburg formulou, segundo as ideias de Mondrian, que a natureza e o espírito, ou o princípio feminino e o masculino, o negativo e o positivo, o estático e o dinâmico, o horizontal e o vertical deveriam encontrar um equilíbrio na arte.
Auto-Retrato, 1918 Óleo sobre tela, 88 x 71 cm
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Os artistas reunidos à sua volta lembraram, possivelmente, a Mondrian os agrupamentos autônomos da sua igreja calvinista. Foi o único a não participar na elaboração de projetos arquitetônicos decorados no novo estilo. Porventura tornouse o mais importante e produtivo teórico do círculo. Com efeito o que escrevia para De Stijl era, no fundo, teologia pura e, mesmo que o nome de Deus já não seja pronunciado, em seu lugar foi introduzida uma variedade de forças superiores: a “essência” do universo, a “substância” de todas as coisas, o “espírito”, o “futuro” dos seres e o “eu profundo”, a sua psique e os seus desejos mais ardentes. Em 1916, Mondrian tenta de novo fazer do processo da criação plástica o tema do quadro abstrato. A forma não deve mais aparecer como o resultado de uma evolução natural, tal como acontecia nas representações de arvores de 1912. Procurou o sentido e a forma é deixada à imaginação do espectador. Para poder produzir esta ilusão era essencial deixar no quadro um espaço à fantasia. Os quadros de 1917 não mostram mais do que um fundo branco, barras negras e alguns quadrados coloridos flutuando livremente e traços negros no fundo branco, sendo a Composiçao em Cor A, um exemplo disso. Aos quadros mais belos de Mondrian pertence a Composição Com Superfícies Coloridas No. 3, nos quais se pôs de lado a rede de traços negros e os quadriláteros de cor pastel sobre o fundo branco parecem mover-se em ritmos ligeiros. Escreveu a Theo van Doesburg que estas pinturas estavam ligadas ao lugar do atelier em que surgiram, e que refletiam apenas a luz de um determinado dia.
Composição em Cor A, 1918 Compositie in Kleur A, 1918 Óleo sobre tela, 50,3 x 45,3 cm
Composição No. 3 com Superfícies Coloridas 3, 1917 Óleo sobre tela, 48 x 61 cm
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Em 1918 dros a s tetura. novo edi tângulo que dava rido, flu nos seus
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A monum afugent P. Bremm seus art castelos se esfor Mondria tão radi
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8, Mondrian empenhou-se a fundo para dar aos seus quasolidez estática que distinguia, especialmente, a arquiEm 1917, Theo van Doesburg desenhou um vitral para um ifício. Compunha-se de quatro partes preenchidas com reos coloridos, um negro colocado sobre o quadrado exterior, a forma ao todo e que poderia evocar um papagaio cololutuando no céu. O tema fascinou Mondrian que o utilizou s novos trabalhos.
o pictórico de Composição Com Grelha 3: Composição Com os, de 1918, está apenas preenchido com traços negros s. Pela primeira vez, Mondrian formou com elementos licubistas uma rede regular quadrada, que já tinha reuversas vezes numa rede sobre fundo branco, e apresenta mula das experiências pictóricas de Mondrian dos últimos oposição à ideia de uma transformação possível de todas as que procedia a criação das composições anteriores não contudo, ser maior. Não há já vestígio da imagem poétiundo branco lugar de nascimento das formas do artista. ra moderna, que se conhecia como espontânea, colorida e tica, nunca tinha sido vista em telas como esta.
mentalidade e a severidade das formas mondrianescas taram uma vez mais os novos admiradores do artista. H. mer e o mecena Kröller-Müller riscaram-no da lista dos tistas protegidos. Eles, que decoravam com quadros os s, casas de caça e novos museus, queriam que os artistas rçassem por realizar algo belo e digno de ser contemplado. an superou em 1918 tudo isso: nunca mais pintou de forma icalmente abstrata como nessa época.
Theo van Doesburg Construção Espaço-Tempo, 1923 Grafite e gouache sobre papel, 44 x 31 cm
Theo van Doesburg Composição em Vitral III, 1917 Vitral, 40 x 40 cm
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Composição B, 1920 Óleo sobre tela, 67 x 57,5 cm
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No verão de 1919, Mondrian voltou a Paris onde em princípio tudo pareceu inalterado. O seu atelier estivera fechado durante cinco anos; encontrou a sua colcha comida pelas traças, mas todos os quadros estavam intactos. Ao visitar, porém, as exposições mais recentes, tomava-se evidente que algo havia mudado. Em toda a cidade de paris não encontrou nada que se assemelhasse à sua nova forma pictórica. A cor e a seu poder sexual era então um dos temas em voga entre os teóricos de arte parisienses. Mondrian leu os seus textos e, possivelmente, foi essa uma das razoes porque aplicou diversas cores nas suas redes. De pouco a pouco tornou-se-lhe evidente que através do trabalho dos últimos anos conseguira aquilo a que aspirava desde 1912: ultrapassara Picasso e Braque e tornara-se o pintor mais abstrato e moderno da sua geração. A este triunfo em breve surgiu uma profunda depressão. Decidiu deixar Paris e como outrora Van Gogh mudou-se para o sul da França. Porém, Mondrian não acreditava já que a experiência das paisagens do sul pudesse devolver o caminho certo ao pintor moderno, desorientado. No começo de 1920 disse a Theo van Doesburg que queria fazer uma exposição de despedida para festejar o final da sua carreira de artista antes de se tornar vitivinicultor no sul da França.
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O n a s ci m e nt o d o e s t i l o ab s t r at o
O destino decidiu o contrário e Mondrian ficou em Paris. Os seus protetores holandeses asseguraram-lhe uma pensão modesta, mas regular. O colecionador Salomon Slijper conseguiu um comanditário para os seus quadros de flores, que mondrian começou a pintar então em grande número. Na entrada de seu atelier, Mondrian colocou sobre um móvel uma flor artificial cujas folhas verdes pintara de branco. Interrogado por um jornalista sobre o seu significado, respondeu, que a flor representava a mulher que faltava na sua vida, a qual consagrara totalmente à arte. Na primeira metade dos anos 20, Mondrian transformou gradualmente o seu atelier em teatro e este tomou-se um dos espaços que apresentam a decoração interior tal como a concebia o grupo mobilizado à volta de De Stijl. Guarneceu e pintou as paredes com grandes superfícies coloridas e pendurou entre elas os seus próprios quadros. Os quadros pareciam agora fazer parte da decoração mural e fundir-se num contínuo multicolorido, tudo para dar uma impressão global decorativa.
André Kertész Na Casa de Mondrian, 1926 Prova sobre gelatino-brometo de prata
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O artista passou os anos de 1919 e 1920 participando em acontecimentos sociais em Paris, fazendo amigos e elaborando textos teóricos. Em 1921 isolou-se de novo para trabalhar no seu atelier. Esse ano representa uma viragem decisiva na sua evolução, visto que conseguiu então desenvolver um novo estilo, a que chamamos o “estilo de Mondrian”, caracterizado por cores luminosas e puras: vermelho, amarelo e azul.
Composição com Superfície Grande Vermelha, Amarelo, Preto, Cinzento e Azul, 1921 Óleo sobre tela, 59,5 x 59,5 cm
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Em 1920 começou a aumentar as áreas pictóricas e a enchê-las com cores fortes. Como estas áreas eram em número reduzido, a tela parecia globalmente menos regular. Mondrian descobriu que a inclusão das cores na rede de retículos acentuava, de repente, a qualidade específica, a irradiação atmosférica e a não mobilidade aparente. Com efeito, dir-se-ia que a cor, apesar da sua limitação através da organização racional do campo pictórico, desdobrava a sua própria energia, e muitas vezes parecia capaz de mover de dentro para fora a estrutura desenhada.
Em 1921, Mondrian permanece fiel ao seu princípio: continua a aligeirar a trama e a dar-lhe uma dinâmica aparente. Mas as totalidades e o ambiente dos quadros mudaram interiormente em Composição Com Superficie Grande Vermelha, Amarelo, Azul E Preto, um grande quadrado vermelho brilha no centro superior esquerdo; à direita e à esquerda a cor amarela está espalhada sobre as áreas de retículos abertos até à margem da tela. Assim, a cor atinge a extremidade da área pictórica e parece continuar para fora dela. Uma inovação decisiva consiste em que os traços negros do reticulo nem sempre foram desenhados até à margem; é uma novidade decisiva, que gera a impressão de que a rede linear é uma continuação racional flutuando sobre uma extensão infinita de cores vivas.
Quadro 3 com Laranja-avermelhado, Amarelo, Preto, Azul e Cinzento, 1921 Ă“leo sobre tela, 49,5 x 41,5 cm
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Nesse ano, Mondrian exercita-se a produzir ilusões dramáticas com uma criatividade quase ilimitada. Em Quadro 3, áreas de cor luminosas laranja e amarelas expandem-se em sentido ascendente, os negros e azul-escuros tendem em sentido oposto. Nota-se pela primeira vez a intervenção de uma grande barra, que suporta todo o quadro sobre fortes eixos. Graças a ela, os movimentos das cores em sentido ascendente e descendente não dilaceram a imagem, antes lhe dão a aparência de uma unidade estirada em altura. A expressão narrativa que Mondrian procurara para estes quadros teve consequências para a sua prática profissional. Ele já não podia simplesmente colorir uma trama e considerar-se como um criador, deixando o acaso dispor as cores à sua maneira. Pintar uma tela tor nou-se um trabalho cada vez mais difícil, que exigia continuamente renovar tentativas, proceder a novas aplicações de cor.
Quadro 1 com Preto, Vermelho, Amarelo, Azul, e Azul-claro, 1921 Óleo sobre tela, 96,5 x 60,5 cm
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A textura dos quadros chama hoje a atenção do observador para o processo de criação, por vezes, moroso e que antecedeu a sua realização: profundos sulcos atravessam camadas de tinta secas com o tempo. Como as tintas de óleo demoravam a secar, Mondrian frequentemente utilizava o diluente improprio do ponto de vista tradicional, o petróleo. As superfícies de cor dos seus quadros dificilmente são limpas; muitas vezes dão a impressão de sujas e inconsistentes. Mondrian retirou-se da vida social. Agora trabalhava dura e ininterruptamente nestes quadros de aparência tão simples. Entrou assim na lenda que o apresenta, por vezes de maneira insuportavelmente caricatural, como um monge, um santo entre os artistas-pintores, um “padre a serviço da superfície branca”. Começou, então, por tomar sua própria vida uma lenda. Selecionava tudo o que dizia respeito à sua vida pessoal, destruindo toda a correspondência a ele dirigida e muitos documentos da sua juventude. A personalidade biográfica devia ceder o lugar a uma criação inédita. Na memoria do publico não ficaria nada senão a recordação da sua vida consagrada à forma pura. As telas executadas depois de 1921 revelam uma preferência crescente pela superfície branca, vazia. A representação de Mondrian do clássico na arte moderna funde-se com o ideal da objetividade. Os tons expressivos dos pequenos dramas coloridos nas telas de 1921 suavizam-se em configurações mais sublimes. Em Quadro 2 com Amarelo, Preto, Azul, Vermelho e Cinzento de 1922, as superfícies coloridas são empurradas para as margens do quadro. A rapidez dos seus movimentos é atenuada, pois, o quadrado azul na margem esquerda trava a ilusão do movimento de rotação. Todavia, a composição não parece imóvel, mas na realidade tem-se a impressão de um todo respirando calmamente. A vertical que percorre a margem direita dá estabilidade ao quadro e transmite através da larga margem entre as áreas coloridas uma impressão de grandeza e paz. No centro do quadro apresenta-se apenas uma superfície branca. Manifestamente esta tela não tem mais do que alguns traços e superfícies que se sobrepõem a um fundo branco também bem visível na margem inferior. Podemos assim afirmar que o caráter abstrato do todo nunca foi tão perceptível na obra de Mondrian.
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Quadro 2 com Amarelo, Preto, Azul, Vermelho e Cinzento, 1922 Ă“leo sobre tela, 55,6 x 53,4 cm
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Maquete de encenação para a peça de Michel Seuphor L’éphémere est éternel, 1926 (Reconstrução, 1964) Cartão sobre madeira, 53,3 x 76,5 x 26,5 cm
O artista executou também desenhos arquitetônicos. Na forma e estilo escolhidos no seu projeto para a biblioteca de Ida Bienert em Plauen se reconhece o caráter curiosamente diletante do trabalho: tem-se a impressão de ter um quarto de bonecas sob os nossos olhos. No pequeno teatro de Mondrian, na sua concepção tradicional do espaço havia poucas diagonais e nada de formas suspensas entrecruzando-se livremente no espaço, como se pode ver, por exemplo nos projetos arquitetônicos de Van Doesburg. O pintor no seu décor estava firme e calmamente no seu espaço clássico. Mondrian já não participava nos projetos de De Stijl.
Perspectiva Axonométrica com Chão, Cama e Mesa, 1926 Lápis e guache sobre papel, 37,3 x 56,5 cm
Perspectiva Axonométrica com Teto, Estante e Gabinete, 1926 Lápis e guache sobre papel, 37,3 x 56 cm
Pode se afirmar, porém, que na sua produção artística da segunda metade dos anos 20 se voltou de novo intensamente para o formato grande e a superfície branca, favorecendo decididamente a configuração simples.
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Composição em Losango com Dois Traços, 1931 Óleo sobre tela, diagonais: 112cm, lados: 80 x 80 cm
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A Composição em Losango com Dois Traços de 1931 or namentou em primeiro lugar a câmara municipal de Hilversum. Na realidade, Mondrian não fez mais do que esboçar com dois simples traços negros as direções principais, horizontal e vertical, que determinam o entrelaçado do quadro; como estas posições representam igualmente os traços essenciais da construção arquitetônica, estabelece-se assim da forma mais simples a ligação entre a pintura e a arquitetura, no contínuo de uma superfície branca que progride de modo imaginário para além dos limites do quadro e no espaço infinito construído matematicamente, com o qual contavam os arquitetos moder nos e todos os designers de vanguarda. A tarefa que lhe foi originalmente concedida, porém, não foi cumprida pelo quadrado branco, destacado: não decorava o espaço concreto da câmara. Em todo o caso, os habitantes de Hilversum não apreciavam a tela e venderam-na para Amsterdam. Dir-se-ia que nessa época, Mondrian contor nou as suas próprias teorias para permitir uma percepção global da paisagem, da pintura e da arquitetura, visto que destaca em particular o caráter abstrato dos seus quadros onde é abolida qualquer referência figurativa. Chega assim a um ponto da sua evolução que parece marcar o fim desta: poderia ainda pintar depois disto?
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A s p i n t u r a s d a
Em 1932 Mondrian completou 60 anos. Na ocasião, a imprensa rendeu-lhe homenagem e foi-lhe dedicada uma grande exposição no Stedelijk Museum de Amsterdam. Para muitos observadores, Mondrian tinha atingido a sua escrita pictórica definitiva. Entretanto, o publico habituara-se às formas, muito pouco variadas, das composições com vermelho, amarelo e azul. Além disso, os seus novos quadros brancos pareciam ter chegado a um “grau zero” da pintura. Num livro sobre a teoria da arte publicado em 1931, com o título Le Nouvel Art – La Nouvelle Vie: la culture des rapports purs (A Nova Arte – A Nova Vida: a cultura das relações puras), que completa um manuscrito iniciado em 1929, Mondrian anuncia o fim iminente da arte. Esse fim significará também o fim do mundo antigo, e o “mundo novo”, numa nova época utópica, poderá aproveitar energias utilizadas nos tempos obscuros da Humanidade para produzir obras de arte. Em 1932, Mondrian recebera uma encomenda para pintar um quadro representativo da sua posição artística, quadro que alguns amigos queriam oferecer ao Museu de Haia. Em 1933 completou a Composiçao em Losango com Traços Amarelos. Como antes nos quadros brancos reconhecemos aqui alguns traços que não se cruzam no campo pictórico e que, por isso, não formam nenhuma figura coerente. Surpreendentemente, Mondrian pintou-os num amarelo vivo. As extremidades dos traços, que parecem cortados pela margem do quadro, levam-nos a pensar, como já acontecia nos quadros brancos mais antigos, que poderiam continuar para além do quadro. Estes raios solares inéditos parecem entrecruzar-se fora do quadro. A criação de formas especiais de luz e sombra, de cor e desenho, ainda não tivera lugar.
i d a d e m a du r a
Mondrian no seu atelier pa com a Composição em Losan Quatro traços Amarelos e C com Quadrado Colorido, 193
arisiense ngo com Composição 34
Composição em Losango com Quatro Traços Amarelos, 1933 Óleo sobre tela, diagonal: 112,9 cm, lados: 80,2 x 79,9 cm
Na fotografia de 1933, que mostra Mondrian no seu atelier em frente a telas acabadas, pode ver-se ainda um trabalho surgido mais ou menos ao mesmo tempo a Composição com Quadrado Colorido. Nele observamos o segundo elemento novo experimentado na sua pintura desde 1932: o traço negro duplo. Parece representar uma espécie de forma híbrida entre a rede e os traços negros simples. Os traços têm forma, mas não se distinguem claramente como figuras específicas porque estão em duplicado. Nas formas grandes o quadro é simples, mas dá, apesar de tudo, a impressão de complexo, pois a sua estrutura não parece imediatamente evidente.
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Composição com Branco, Vermelho e Azul, 1936 Óleo sobre tela, 98,5 x 80,3 cm
A Composição com Branco, Vermelho e Azul data de 1936. Também ela tem um formato maior do que a maioria dos quadros dos anos 20 e é muito clara com as suas superfícies brancas divididas por poucos traços negros. Na margem estão colocadas duas manchas de cor simples muito afastadas, como se tivessem sido puxadas para fora, para os traços negros de ambos os lados. É difícil analisar a construção da estrutura negra, que apresenta três eixos verticais e três horizontais. Não sabemos sequer explicar por que razão os eixos verticais têm intervalos tão diferentes.
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Composition No. I/Composition C, 1934-3 Composition (blanc et bleu) 1936, 1934-1936 Ă“leo sobre tela, 121,3 x 59 cm
A Composição III com Azul, Amarelo e Branco, igualmente executada, em 1936, assemelha-se nitidamente ainda aos pequenos quadros dos anos 20, mas além disso, apresenta um eixo duplo horizontal e ambas as áreas coloridas se situam no eixo vertical, encontrando-se no limite da superfície pintada, o que à primeira vista poderia fazer crer que a composição nascera através de construção matemática baseando-se na simetria axial. Uma análise aprofundada mostra que não é assim, o que não impede que este quadro pareça ser uma variante dos quadros anteriores, transformado por processo de duplicação e simetria. Uma linha dupla não preenche apenas a sua função clássica, que é a de marcar os contor nos num desenho, mas dá a impressão de ser a sua própria cópia. A sua despedida à “velha Europa” e à sua pintura exprimem-se também, pelo fato de que decide emigrar para a América. Em 1934, Harry Holtzmann, estudante de belas-artes em Nova Iorque, visita-o. Para Mondrian, o jovem parece personificar a possibilidade de poder começar tudo de novo. Em setembro de 1938 escreveu-lhe de Paris: “Sabe que eu sempre desejei ir para Nova Iorque para aó viver, mas que nunca quis me arriscar.” Em 1938, foi primeiro para Londres, onde se sentia seguro face à ameaça de um conflito. Porém, depois de uma bomba alemã ter explodido no jardim da sua residência de Hampstead, parte para Nova Iorque em 1940. Só depois da partida de Paris retoma a sua descoberta de 1933. Combinava agora os traços coloridos com os pretos, e imediatamente se perderam os efeitos sonoros e clássicos da sua pintura.
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Composição com Amarelo, Azul e Vermelho, 1937-42 Óleo sobre tela, 72,5 x 69 cm
Composição No. 9 com Amarelo e Vermelho, 1939-42 Óleo sobre tela, 79,7 x 74 cm
Em quadros como Composição com Amarelo, Azul e Vermelho e Composição N. 9 com Amarelo e Vermelho, ambas surgidas nos anos de 1939-42, reencontra-se o efeito do jogo, linhas de cor variadas cruzando-se geram efeitos luminosos óticos flamejantes. Em Nova Iorque,1941/Boogie Woogie, dir-se-ia que uma rede de traços coloridos, nascidos fora do quadro se encontra com a rede negra e com ela se liga. A oposição sistemática entre a cor e a não cor desaparece completamente. Mondrian dava agora aos seus quadros frequentemente o título de Nova Iorque. Nesta cidade nunca tinha demarcado um espaço vital rigorosamente separado da realidade, e foi sem dúvida lá que passou os seus anos mais despreocupados e felizes. Desligou-se da vida anterior como demonstra o fato de deserdar o seu irmão e instituir Harry Holtzmann como herdeiro universal da herança. Em 1941, redige um texto em prosa, que se quer autobiográfico Toward the True Vision of Reality (A Caminho da Verdadeira Visão da Realidade). Descreve a sua vida passada como se tivesse vivido desde o nascimento no atelier. Uma vida não vivida, uma vida ideal, que estilizou, para dela fazer uma obra de arte e fonte imaginaria da sua arte. Isso explica ainda melhor por que razão Mondrian com a idade pôde abandonar todas as construções auxiliares, as quais tinha ordenado com o decorrer do tempo, para assegurar o significado da arte abstrata. Estava agora certo de que era suficiente viver para pintar bem.
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New York City, 1942 Óleo sobre tela, 119,3 x 114,2 cm
New York City 1, (inacabado; detalhe) 1941 Óleo e tiras de papel pintadas sobre tela, 119 x 115 cm
Jackson Pollock Summertime: No 9 A, (detalhe) 1948 Óleo e esmalte sobre tela, 84,5 x 549,5 cm
Como “técnico da inovação”, interessava-se também pelas inovações no domínio dos meios de trabalho. Na época, apareceu no mercado, em Nova Iorque, pela primeira vez, a fita-cola colorida ainda em forma de tiras de papel com cola. Mondrian comprou alguns rolos, o que lhe permitia realizar muito mais rapidamente os seus quadros do que pelo longo processo de pôr camada por camada de tinta sobre a tela. Alguns destes esboços em fita-cola adesiva existem ainda, como por exemplo New York City 1 de 1941, e ele pôde executar pinturas preparadas com este método, entre elas New York City de 1942. Nenhum dos muitos pintores europeus residentes em Nova Iorque estava tão próximo da jovem pintura americana como Mondrian. Ele deve ter sido responsável pela descoberta de Jackson Pollock, um dos pintores mais importantes dos anos 50: Peggy Guggenheim, a negociante de arte de Mondrian, ficou perplexa frente ao enredo de linhas pintado por Pollock. Mondrian, porém, ter-lhe-á dito que já há muito tempo não via quadro mais excitante. Designamos hoje sob o termo “informal” este tipo de pintura cujo ideal era uma não figuralidade levada ao extremo. Mondrian que, desde sempre, tinha defendido a forma geométrica clara, procurou ligar de novo, nos seus últimos quadros, a trama multicor às superfícies de cor. O resultado devia ser como um tapete de pequenas partículas, cintilando e vibrando musicalmente.
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Broadway Boogie Woogie, 1942-43 Óleo sobre tela, 127 x 127 cm Página 59 Victory Boogie Woogie (inacabada), 1942-44 Óleo e papel sobre tela, diagonal: 178,4 cm
Aparentemente, não estava satisfeito com o resultado obtido em 1942-43 com Broadway Boogie Woogie onde havia incorporado pequenas superfícies de cor nas barras da trama. O Victory Boogie Woogie vai ainda mais longe: a dissolução da forma é avançada a tal ponto que mal se podem distinguir os traços das superfícies, e o ritmo selvagem produz um efeito flamejante. Mondrian, provavelmente escolheu o título ao pensar no fim esperado da Segunda Guerra Mundial. A vitória dos Aliados sobre o inimigo e a vitória privada do pintor sobre a antiga pintura europeia deviam fundir-se. Uma última vez devia manifestar-se a necessidade histórica da abstração. Mondrian deixou inacabada, em 1944, esta tela, com a qual queria abordar um novo mundo.
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Bibliografia http://havingalookathistoryofgraphicdesign.blogspot.com/2012/11/de-stijl.html https://www.theartstory.org/movement/de-stijl/history-and-concepts/#beginnings_header https://www.theartstory.org/artist/mondrian-piet/ https://www.tate.org.uk/art/artists/piet-mondrian-1651/mondrian-guide-life Susanne Deicher - Mondrian, Construção sobre o vazio (principalmente) Meyer Schapiro - Mondrian, a dimensão humana da pintura abstrata