Desenho em ação: a poética gestual de inscrever performativos

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YARA DE PINA MENDONÇA

DESENHO EM AÇÃO A POÉTICA GESTUAL DE INSCREVER PERFORMATIVOS

GOIÂNA,2008


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YARA DE PINA MENDONÇA

DESENHO EM AÇÃO A POÉTICA GESTUAL DE INSCREVER PERFORMATIVOS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Artes Plásticas da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás para obtenção do título de Bacharel em Artes Plásticas. Área de concentração: Poéticas visuais Orientadora: Professora Doutora Bianca Knaak

GOIÂNA,2008


2

YARA DE PINA MENDONÇA

DESENHO EM AÇÃO A POÉTICA GESTUAL DE INSCREVER PERFORMATIVOS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Artes Plásticas da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, para obtenção do título de Bacharel em Artes Plásticas, aprovado em ______ de dezembro de 2008, pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:

Professor Ms. Paulo Veiga Jordão / UFG Presidente da Banca

Professora Dra. Priscila Rossinetti Rufinoni/ UFG

Professora Ms. Manoela dos Anjos Afonso / UFG


3

AGRADECIMENTOS À professora e orientadora Dra. Bianca Knaak cuja parceria, organização e dedicação foram essenciais para

a

À mestranda e pesquisadora portuguesa Lara Soares pela troca de informações por e-mail;

realização desta pesquisa. Também, sou grata por todo estímulo, paciência e generosidade que teve comigo durante as etapas em

A Ricardo Mendes por enviar a cópia do livro “Los gestos” de Vilém Flusser;

que trabalhamos juntas.

Aos professores e colegas do Curso de Artes Plásticas; Aos funcionários da Faculdade de Artes Visuais;

À professora Dra. Priscila Rossinetti Rufinoni pelas

À minha família, aos parentes e amigos pela paciência e

conversas e orientações. Ao namorado Sérgio Evaristo Martins pela colaboração durante os diversos momentos que precisei de seu apoio;

compreensão durante essa trajetória a qual dediquei intensamente e que, por muitas vezes, me afastou dessas pessoas tão queridas; Aos autores e artistas que me fizeram conhecer e entrar

Ao amigo e colega Carlos Henrique pela generosidade e parceria durante a produção de nossos trabalhos; Ao colega de trabalho e arquiteto Sérgio Jacarandá pelo apoio e contato com o artista Marcelo Solá; Às colegas Veramar e Cristina por contribuírem com suas máquinas fotográficas nos registros dos trabalhos; Ao artista Marcelo Solá que gentilmente emprestou os catálogos de sua produção artística; À Galeria Nara Roesler por fornecer o artigo de Frederico de Morais “Doze notas sobre o desenho”;

em contato com o lado performativo da linguagem, da vida e da arte.


4

“Desenhar é um verbo” Richard Serra, 1977


5

RESUMO

ABSTRACT

Desenho em ação é uma pesquisa em poéticas visuais que envolve a inscrição de atos performativos no desenho. O performativo, cuja origem é a filosofia da linguagem, é explorado como repertório híbrido que abranje ações não só da linguagem, mas também da arte e do cotidiano. Nesta experimentação, os atos performativos também são explorados como inscrição física de uma ação visível onde o gesto propõe registrar a cinética e marcar a intensidade com que o corpo atua. No memorial descritivo, descrevo as ações do fazer do desenho e seus efeitos sobre a matéria, o suporte, o tempo e o espaço. Num outro momento, discorro sobre o deslocamento de contexto das ações e, também, a transferência de uso que atingem os materiais tradicionais do desenho. Por último, uma lista de verbos apresenta as ações fazer. O enfoque desta parte é propor uma reflexão mais aprofundada sobre as ações do fazer, ou seja, investigar os gestos requisitados para realizar essas ações e as relações que mantêm com o processo de criação do desenho.

Drawing in action is a research in visual poetics that wraps inscription of performative acts in drawing. The performative, whose origin is philosophy of language, is explored like hybrid repertoire that involves actions not only from language, but also from art and daily life. In this experimentation, performative acts are explored like physical inscription of visible action where gesture proposes to register the kinetic and to mark the intensity that body acts. In descriptive memorial, I describes the actions of doing of drawing and its effects on matter, support, time and space. At another moment, I propose to talk about dislocation of context of actions and also the transference of use that reach traditional materials of drawing. For last, a verb list presents actions of doing. The approach of this part is to propose a deeper reflection about actions of making, in other words, investigating the gestures requested to carry out these actions and the relations they maintain with the process of creation of drawing.

Palavras chave: desenho como ação; desenho gestual; desenho performativo; desenho contemporâneo.

Key-words: drawing like action; gestural drawing; performative drawing; contemporary drawing.


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LISTA DE DESENHOS DESENHO 1 SEM TÍTULO (1). 2007. ______________________________________________________14 DESENHO 2 SEM TÍTULO (2). 2007. ______________________________________________________14 DESENHO 3 SEM TÍTULO (3). 2007. ______________________________________________________15 DESENHO 4 VARREDURA LAMINADA. 2007. __________________________________________________16 DESENHO 5 TERÇA-FEIRA, 9 DE SETEMBRO DE 2008. 11H23-11H33 ____________________________24 DESENHO 6 SEGUNDA-FEIRA, 14 DE JULHO DE 2008.10H45-11H19 _____________________________25 DESENHO 7 TERÇA-FEIRA, 28 DE OUTUBRO DE 2008.11H13-11H22 _____________________________27 DESENHO 8 TERÇA-FEIRA, 21 DE OUTUBRO DE 2008.10H21-10H32 _____________________________29 DESENHO 9 TERÇA-FEIRA,11 DE JULHO DE 2008.10H31-10H48 ________________________________33 DESENHO 10 TERÇA-FEIRA, 21 DE OUTUBRO DE 2008.09H47-10H03 ____________________________34 DESENHO 11 SEGUNDA-FEIRA,08 DE JULHO DE 2008.8H18-11H17. _____________________________38 DESENHO 12 DÚBIO INTERNO,2008. _______________________________________________________39 DESENHO 13 QUARTA-FEIRA, 27 DE AGOSTO DE 2008.10H52-11H07. ___________________________41 DESENHO 14 TERÇA-FEIRA,9 DE SETEMBRO DE 2008.10H18-10H41 _____________________________45


7

DESENHO 15 TERÇA-FEIRA, 28 DE OUTUBRO DE 2008. 9H23-9H38 _____________________________59 DESENHO 16 TERÇA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 2008.9H49-10H03 ____________________________60 DESENHO 17 SEGUNDA-FEIRA,14 DE JULHO DE 2008.09H51-10H09 _____________________________61 DESENHO 18 TERÇA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 2008. 9H49-10H03 ___________________________62 DESENHO 19 SEGUNDA-FEIRA, 28 DE JULHO DE 2008. 12H20-12H40 ___________________________63 DESENHO 20 RETORCENDO UMA PÁ VAZIA, 2008 _____________________________________________64 DESENHO 21 SEM TÍTULO (4), 2008 ______________________________________________________65 DESENHO 22 SEM TÍTULO (5), 2008 ______________________________________________________66 DESENHO 23 SEM TÍTULO (6), 2008 ______________________________________________________67 DESENHO 24 SEM TÍTULO (7), 2008 ______________________________________________________68 DESENHO 25 PARA VALER DE UM SÓ, 2008 _________________________________________________69


8

LISTA DE ARTISTAS ARTISTA ARTISTA ARTISTA ARTISTA ARTISTA ARTISTA ARTISTA ARTISTA ARTISTA ARTISTA ARTISTA ARTISTA ARTISTA

1: TRISHA BROWN. IT’S A DRAW. 2008. ______________________________________________26 2: MONIKA WEISS. _________________________________________________________________26 3: JORDAN MACKENZIE. SEM TÍTULO. 2003. _____________________________________________26 4: CY TWOMBLY. VENUS, 1975. ______________________________________________________32 5: MARCELO SOLÁ, 2002. ___________________________________________________________32 6: LEONILSON. DA POUCA PACIÊNCIA. S.D. ______________________________________________35 7: LUCIO FONTANA. CONCEITO ESPACIAL, 1960. __________________________________________35 8: KÁSSIA OLIVEIRA. ILUMINADAS, 2005. ______________________________________________35 9: WILLIAM ANASTASI. SEM TÍTULO (13/11/2001), 14H50, WYNN KRAMARSKY __________________42 10: MARCELO SOLÁ, SEM TÍTULO.2008. ________________________________________________42 11: JASPER JOHNS. FOOL’S HOUSE, 1962. ____________________________________________48 12: RICHARD SERRA. VERB LIST. 1967/1968. __________________________________________48 13: LUCIO FONTANA EM SEU ESTÚDIO.___________________________________________________51


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SUMÁRIO 1.INSCREVER DE DUAS FORMAS__________________________________________________________ 11 2.INSCREVER O DESENHO NO PERFORMATIVO _______________________________________________ 17 3. AGIR NO DESENHO _________________________________________________________________ 27 3.1 3.2 3.3 3.4

DESGASTAR E IMPREGNAR A MATÉRIA _________________________________________________28 MARCAR E VIOLAR O SUPORTE _______________________________________________________30 OCUPAR E COMPOR (N)O ESPAÇO _____________________________________________________36 REGISTRAR E MEDIR O TEMPO _______________________________________________________40

4. RECORDAR AÇÕES __________________________________________________________________ 42 5. INSCREVER PERFORMATIVOS NO DESENHO _______________________________________________ 45 5.1 CATALOGAR O REPERTÓRIO____________________________________________________________48 APAGAR ______________________________________________________________________________49 BATER _______________________________________________________________________________49 CORTAR ______________________________________________________________________________50 ESCREVER ____________________________________________________________________________51 ESFREGAR ____________________________________________________________________________53 FURAR _______________________________________________________________________________54


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INSCREVER ___________________________________________________________________________55 PINCELAR ____________________________________________________________________________56 RABISCAR ____________________________________________________________________________57 SOBREPOR ____________________________________________________________________________57 6. OBSERVAÇÕES FINAIS ______________________________________________________________ 59 REFERÊNCIAS ________________________________________________________________________ 73 BIBLIOGRAFIA _______________________________________________________________________ 75 VIDEOGRAFIA ________________________________________________________________________ 77


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1.INSCREVER DE DUAS FORMAS Este estudo é uma pesquisa em poéticas visuais que

Por um lado, havia fases do processo da gravura que me

relata o testemunho da minha experimentação com o desenho

agradavam. Como na xilogravura em que eu podia dar golpes e fazer

realizada durante o Curso de Artes Plásticas da Faculdade de Artes

incisões na madeira através de instrumentos metálicos. Mas, por

Visuais entre os anos 2007 e 2008. Durante o percurso acadêmico,

outro, tinha aqueles que me deixavam angustiada. Estou me

percebi que a passagem por algumas linguagens foi importante para

referindo à morosidade de certas práticas da gravura que envolve o

compreender minha opção pelo desenho como fazer artístico. Dentre

preparo da matriz, da impressão, dentre outras.

elas, destaco principalmente a gravura.

Experimentei também outras modalidades que, por sua

Passei rapidamente pela gravura no mesmo período em

vez, se mostraram ainda mais lentas, tais como, a litogravura e a

que experimentava o desenho. Nessas duas linguagens, meus

gravura em metal. Nesta última, por exemplo, para agilizar o

primeiros trabalhos podiam ser vistos como uma combinação de

processo e não ter que passar pela fase de acidulação do metal,

grafismos e garatujas, em outras palavras, “bad drawings”1. No

substitui a chapa de cobre pela folha de papelão, aplicando camadas

entanto, a gravura e o desenho demonstravam o processo das obras

de verniz sobre a superfície para poder trabalhar com ponta-seca.

por vias diferentes. Se com o desenho conseguia obter um fazer

Consegui obter um resultado positivo, bem próximo ao da gravura

instantâneo e uma liberdade gestual mais intensa na hora de agir -

em metal e, principalmente, bem mais rápido. Apesar disso,

isso se tornou ainda mais claro depois que comecei a desenhar sobre

encontrava obstáculos para realizar ações do gesto devido a algumas

a parede – com a gravura percebia que o processo era bem mais

características inerentes ao papelão e aos instrumentos que

moroso.

utilizava, como no caso da ponta-seca em metal. Com a pouca experiência que obtive com a gravura, pude perceber que o que realmente me interessava era o processo de

1

Bad drawing é um trocadilho com a expressão bad painting aplicada à pintura graffiti neoexpressionista americana dos anos 80. Cf. Fabbrini (2002, p. 59).

desenhar e agir diretamente na estrutura física da matriz, onde


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podiam ser exibidos os sinais das ações, e não os resultados que

parte, faço um breve relato do processo de recordação das ações,

eram vistos nas impressões. Através de pontos de vistas diferentes, o

investigando quais fatores contribuíram para a identificação dos

desenho e a gravura me ensinaram que o meu fazer era um processo

gestos. Na quinta, proponho discutir o deslocamento de contexto das

instantâneo e que o caráter expressivo do meu processo de criação

ações e, também, a “transferência de uso” (HOWELL, 1999) que

brotava principalmente do gesto inscritivo.

atingem os materiais tradicionais do desenho.

Em seguida,

Esse estudo é a continuidade dessa experimentação que

apresento as ações do fazer organizadas em uma lista de verbos.

deu seguimento somente ao desenho. Além da instantaneidade,

Diferentemente do memorial descritivo, o enfoque desta parte é

optei pelo desenho como linguagem pelo fato de dar maior liberdade

propor uma reflexão mais aprofundada das ações do fazer, ou seja,

de atuar, ou seja, se manifestar. Ao explorar o desenho como

investigar os gestos requisitados para realizar essas ações e as

linguagem e não em função de outras linguagens, pude compreender

relações que mantêm com o processo de criação do desenho. Boa

que o fazer era resultado de diversas ações em que a gestualidade se

parte dos trabalhos desenvolvidos para essa pesquisa foram

tornara um dos elementos predominantes na minha criação.

registrados

Essa experimentação surge, portanto, da necessidade de

e

publicados

no

blog

“Desenho

em

ação”

(http://yarapina.blogspot.com)2.

aprofundar conceitual e plasticamente o desenho como ação e

Durante a experimentação, busquei analisar e descrever

referência ao fazer, o poïen do qual Valéry (1991, p. 188-189)

as problemáticas e os efeitos identificados na realização de gestos e

destaca a ação que faz do que a coisa feita, ou seja, a obra se

atos performativos durante o fazer do desenho. De que forma os

fazendo e não a obra como produto final.

materiais e o suporte são explorados? Quais as configurações que as

As

pesquisas

prática

e

teórica

ocorreram

inscrições assumem? Quais as relações que mantêm com o tempo e o

concomitantemente onde conceitos e teorias foram sendo retirados

espaço? Qual o universo dessas ações: a linguagem, o cotidiano, a

das problemáticas do processo. A abordagem poética teve como

arte?

principal referência dois Diários (2007 e 2008) com anotações sobre o processo de criação das obras. O memorial descritivo apresentado na terceira parte é uma reestruturação desses escritos. Na quarta

2

O percurso da produção também poderá ser verificado nos trabalhos disponibilizados no apêndice eletrônico - em CD-ROM – que está localizado no final do trabalho.


13

A seguir situo o desenho dentro da proposta poética e do campo do performativo citando passagens da história da arte e analisando conceitos que contribuíram na análise do meu processo de criação. Cabe destacar que não se trata de um texto sobre história, crítica ou teoria da arte, ainda que essas tenham oferecido conteúdos relevantes para a compreensão do processo. Mas, um texto que foi escrito de forma diferente do historiador, do teórico ou ainda do crítico de arte, pois, estes estudam a obra como produto final, a obra pronta, e o “artista-pesquisador”

3

que utiliza a

primeira pessoa para falar da obra como processo.

3

“O perfil interessante do ‘artista-pesquisador’ não seria aquele do ‘artista-devanguarda’ isolado em seu pioneiro e historicista ‘laboratório de pesquisa de ponta’, mas sim aquele permeado por uma inquietação na produção de passagens produtivas e ritmos relacionais entre diversos campos e papéis”. (BASBAUM, 2000, p. 71)


14

DESENHO 1 SEM TÍTULO (1). 2007. DESENHO 2 SEM TÍTULO (2). 2007.


15

DESENHO 3 SEM TÍTULO (3). 2007.


16

DESENHO 4 VARREDURA LAMINADA. 2007.


17

2.INSCREVER O DESENHO NO PERFORMATIVO A partir do momento que decidi dar continuidade apenas

escultura como categorias exclusivas se deve à ampliação do campo

à experimentação com o desenho, também optei em explorá-lo

da arte através da contaminação entre as diferentes linguagens e,

como linguagem que se auto-processa e não como uma “atividade

também, da aproximação com a realidade através da incorporação

meio” (MORAIS, 1995, p. 1) como era feito na gravura. Em meu

de objetos e materiais do cotidiano.

processo, lanço mão do desenho como linguagem que declara o seu

Esse

período

marcado

por

experimentações

e

fazer com ações ao mesmo tempo em que explora o gesto como

transformações acaba por atingir o desenho, pois, à maneira da

meio de deixar marcas e resíduos dessas ações. O desenho que deve

pintura e da escultura, contamina e deixa ser contaminado, sai em

ser compreendido como processo físico, marcado pela presença do

busca

artista que atua deixando inscrições físicas de seu corpo devido aos

caligráfico, lançando mão de materiais não-tradicionais e ampliando

registros criados pela ação do gesto.

seu campo com a fotografia e as novas tecnologias. Devido à

Na história da arte, o desenho passa a ter maior evidência e repercussão como linguagem artística a partir da década

da

tridimensionalidade, se torna pictórico, gestual e

hibridização, o desenho passa a ser definido e valorizado também em função de sua assimilação por outras linguagens e vice-versa.

de 60, período marcado pelo surgimento de novas linguagens e a

Em meus trabalhos, desenhar significa deixar o corpo agir

hibridização na arte. Pois, é nessa época que o desenho começa a se

durante o processo de criação, ou seja, desenhar é fazer ações.

firmar como linguagem, servindo a si próprio, deixando de ser

Trabalhar o desenho como ação é fazer com que essa linguagem

subordinado ao processo de criação e, portanto, ao fazer de outras

assuma certas características performativas ao privilegiar a ação do

linguagens, tais como, a pintura, a escultura e a gravura. Nesse

fazer ao invés do resultado final. “Desenho em Ação” é uma

contexto, enquanto o desenho se mostra como seu próprio fazer, a

pesquisa em poéticas visuais que envolve a inscrição de atos

pintura e a escultura, por sua vez, são tratadas como categorias

performativos no desenho.

tradicionais e, portanto, modernistas. A superação da pintura e da


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O conceito de performativo tem suas origens na filosofia

Dessa forma, podemos dizer que quando um sujeito

da linguagem. Em 1955, durante conferências realizadas pela

profere um performativo ele não está representando a realidade,

Universidade de Harvard, o filósofo britânico de linguagem John

pelo contrário, ele está agindo na realidade através da linguagem.

Lanshaw Austin (1990, p. 26) emprega o termo performativo para

Como podemos verificar, o que caracteriza principalmente o

designar o proferimento de certas palavras (dentro de circunstâncias

performativo, enquanto presentificação, é que o proferimento

apropriadas e estando sujeitas a situações de felicidades e

realizado pelo sujeito equivale à própria ação. Por isso, o tempo do

infelicidades e não de verdadeiro ou falso) como “uma das

performativo não é o passado, nem o futuro, é o presente.

ocorrências, senão a principal ocorrência, na realização de um ato”.

No entanto, Austin deixa bem claro que performativos

A linguagem como ação não é representar o que está se

acontecem apenas no dia-a-dia e, portanto, em situações ordinárias.

dizendo, mas sim fazê-lo. Fazer algo pronunciando sentenças, só é

Mas, se um proferimento é realizado no teatro ou escrito em um

possível devido a características de certas palavras que possuem

poema, por exemplo, não deve ser levado a sério, pois, nas palavras

qualidades de realizar ações dentro do campo da linguagem: os

do Austin se trata de um ato parasitário. Ao fazer isso, o filósofo da

verbos performativos. “Eu aceito esse homem como meu legítimo

linguagem exclui automaticamente o performativo do universo da

esposo”, “Eu aposto cem Reais”, “Eu confesso o crime”, “Eu

arte.

prometo pagar a dívida” são algumas declarações performativas em

No pós-modernismo, o performativo irá conquistar novos

que a ação é realizada ao se pronunciar a sentença. De acordo com

campos ao ser disseminado e aplicado em diferentes áreas e,

as palavras de Austin, ao proferir uma dessas frases - seja ela

portanto, em outras atividades humanas além da linguagem. Isso se

“apostando dinheiro”, “confessando o crime” ou ainda “prometendo

deve, principalmente, à ampla repercussão que obteve nas novas

pagar a dívida” – estou realizando uma ação e não simplesmente

análises de lingüistas, antropólogos, sociólogos, além de outros

dizendo algo. Se digo: “Eu aceitei um empréstimo do banco” ou “Ele

estudiosos. Dentre eles, podemos citar Jacques Derrida e Judith

me

Butler.

indicou

um

restaurante”,

não

estou

fazendo,

representando, descrevendo uma ação minha ou de outrem.

estou

Enquanto

Judith

Butler

traz

o

performativo

para

problemáticas que envolvem a construção de gênero, Jacques Derrida, dentro de um outro enfoque, dá uma nova roupagem para


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abordagem de Austin afirmando que todo ato de linguagem envolve

“performatividade” têm significados bem amplos. Às vezes são usadas de forma precisa. Mas, são utilizadas com maior freqüência de forma imprecisa para indicar algo “como uma performance” sem na verdade ser uma performance no sentido ortodoxo ou formal do termo. “Performativo” é tanto um substantivo quanto um adjetivo. Como substantivo indica uma palavra ou sentença que realiza algo. Como adjetivo flexiona o que ele modifica com qualidades parecidas a de uma performance, tal como a “escrita performativa”. (SCHECHNER, 1990, p. 110, tradução nossa)

a iteração (repetição) e, portanto, a citação. Ao ganhar novas abordagens, o performativo conquista seu campo também nas artes. E qual seria o efeito do performativo na arte?

Um dos efeitos resultaria na contaminação da arte com

ações ordinárias do cotidiano. Ações que, até então, não poderiam ser consideradas uma performance, mas que passaram a ser exploradas “como” uma performance na arte (SCHECHNER, 1990, p. 142). Se arte e vida se contaminam, simultaneamente, a fronteira

Aqui, as ações do fazer do desenho são executadas

entre elas se torna cada vez mais difícil de delimitar. Logo, a palavra performatividade surgirá como uma

“como” uma performance4 (SCHECHNER, 1990). É importante fazer

extensão para englobar o performativo na linguagem, arte,

esse destaque com as aspas à maneira de Schechner para deixar

antropologia, política, comunicação, sociologia, dentre outras áreas.

claro que a proposta dessa experimentação não é fazer do desenho

Sendo assim, a performatividade pode abranger desde ações

uma performance, tal como, uma linguagem híbrida de caráter

cotidianas simples como comer, sentar - passando pelas dança,

cênico5 que geralmente explora diversas mídias, sendo realizada (ou

música, artes visuais – até atividades esportivas, discursos políticos,

não) na presença do performer. Mas, uma poética na qual o desenho

além de questões que envolvem a construção de raça e gênero. Mas,

pode assumir certas qualidades de uma performance ao trabalhar

ao mesmo tempo em que o campo do performativo é ampliado para

com ações. No entanto, existem artistas que processam o desenho

diferentes áreas, sua definição se torna cada vez mais difusa. Como diria Schechner (1990), especialista em estudos sobre performance: Performatividade está em toda parte, no comportamento diário, nas profissões, na internet, na arte e na linguagem. É um termo muito difícil de definir. As palavras “performativo” e

buscando manter relações com a arte da performance – entendida, 4

Para Schechner (1990, p. 41, tradução nossa) “qualquer ação, evento ou comportamento pode ser examinado ‘como’ uma performance”. No entanto, o autor destaca que a diferença entre o que “é” performance e “como” performance está desaparecendo no século XXI. 5 Cf. Cohen (2002).


20

neste caso, como uma linguagem híbrida das artes plásticas. Dentre

Da mesma forma que Tormey (2005) e Weiss (2005), mas

eles, podemos destacar Trisha Brown, Jordan Mackenzie e Monika

buscando novos distanciamentos, o desenho performativo em meu

Weiss. A performance da coreógrafa americana Trisha Brown pode

processo será definido com base nos aspectos que o distingue de

ser vista como resultado da combinação de duas linguagens, isto é, a

uma performance. Portanto, meu enfoque será no desenho

dança e o desenho. Já o americano Jordan Mackenzie e a polonesa

explorado

Monika Weiss exploram a relação do desenho com a performance, a

“performativo” como adjetivo, isto é, que modifica o desenho com

instalação, a escultura além de outras mídias, tais como, o vídeo e a

qualidades de uma performance. Por outro lado, o “performativo”

fotografia.

no desenho também é processado como inscrição física de uma ação A aplicação do performativo no desenho é bem recente 6

nos textos da crítica, nos escritos e nas entrevistas com alguns

“como”

uma

performance

tomando

a

palavra

visível, isto é, como ações do universo da linguagem, da arte e do cotidiano.

artistas, tais como, a polonesa Monika Weiss7. O texto How to do

Assim como a performance, o desenho performativo deve

things with drawing da crítica Jane Tormey (2005) chega a propor

ser entendido como resultado de um evento, uma ação visível. Mas,

uma definição para a expressão “desenho performativo” buscando

enquanto a performance pode ser fruída no contato direto com o

8

manter analogias com a abordagem de Austin . Contudo, considero

público ou através de registros imagéticos, meus desenhos, por sua

tanto abordagem de Weiss como a de Tormey um tanto imprecisas

vez, deixam vestígios das ações do corpo realizadas durante o fazer

(utilizando as palavras de Schechner), ou seja, bastante vagas.

como sinais que remetem ao passado, à presença do artista. Portanto, ao invés de imagens que registram a ação do corpo, as

6

Durante a pesquisa só foram encontrados textos sobre o performativo no desenho na língua inglesa. 7 Ao falar de seu processo, durante uma entrevista realizada pela curadora Aneta Szylak, Weiss (2005, tradução nossa) prefere não utilizar a palavra performance que, por sua vez, implicaria um ato que possui início e fim, mas sim performativo que para ela seria um estado contínuo de vir a ser. 8 “O modelo de Austin fornece uma analogia interessante com o desenho, tanto no próprio procedimento, como na distinção entre o que poderia ser denominado um desenho 'constantivo', que representaria ou descreveria mimeticamente, e um desenho 'performativo', que pode ser visto como uma modificação de seus próprios termos, da maneira como se executa” (TORMEY, 2005, tradução nossa).

obras deixam traços das inscrições físicas como os únicos registros realizados pela ação do corpo. Este seria um processo diferente do que

fazem

apresentam

Brown, Mackenzie e Weiss, pois, e

registram

o

fazer

de

suas

esses artistas

obras

enquanto

“performam” seus desenhos, já os meus são registrados apenas após a realização do fazer.


21

Além desses fatores, o que difere meu processo de

Por outro lado, exploro atos performativos no desenho

criação de uma performance, é que esta última como linguagem

como inscrição física de uma ação visível onde o gesto propõe

geralmente

alguns processos pré-

registrar a cinética e marcar a intensidade com que o corpo atua.

estabelecidos, podendo ou não ser apresentada em público e ou

Além de trazer na ação o traço da presença do corpo, o ato de cada

registrada através de fotografias e vídeos. Inclusive, a performance

gesto configura uma marca, ou seja, cada gesto inscreve a

pode ser executada mais de uma vez e, também, em diferentes

“identidade” da ação que executa através de sua direção, força e

locais e momentos. Já o processo dos meus trabalhos não é algo

cinética.

é

algo

previsto,

com

planejado. Cada desenho é único. Jamais conseguiria fazer um desenho igual ao outro.

Noland (2004) considera o ato de inscrição – a produção de marcas - como uma variável da performance. Para ela, a

Para processar o desenho performativo lanço mão

inscrição revela “a força cinética responsável por depositar o traço

somente de materiais tradicionais (papel, grafite e giz de cera) para

que fica visível, evocando no espectador/leitor uma memória

realizar e combinar ações presentes no universo da arte, da

somática do corpo”.

linguagem e do cotidiano. Deste repertório híbrido, trago o ato de

Mas, qual seria a diferença entre um corpo em ação e a

inscrever, escrever, pincelar, esfregar, bater, furar, rabiscar, além

inscrição de um corpo em ação? Noland (2004, tradução nossa) não

de outros para o meu processo.

utiliza essas expressões, mas ela diferencia os sinais incorporados

Quando

realizo

atos

performativos

de

naturezas

dos sinais desincorporados. Enquanto que os sinais incorporados

diferentes apenas com materiais tradicionais do desenho consigo

empregam o corpo como suporte (dança, teatro e mímica), os

provocar deslocamentos de contexto e ou de função tanto dos

desincorporados dependem da marca como um suporte (desenho,

materiais da arte como das ações. Ao provocar esses deslocamentos,

escrita e pintura).

mergulho dentro do campo difuso do performativo, buscando discriminar as ações físicas que fazem parte do processo, suas implicações com o corpo e, também, com questões que envolvem aspectos do universo da arte e da natureza do desenho.

Quando o suporte do sinal é um corpo humano a relação temporal é imediata, o gesto se revela diante de nossos olhos, em tempo linear. Mas, quando o suporte do sinal é uma marca de algum tipo, um traço deixado para trás em uma superfície móvel ou estática, o sinal não


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necessariamente testemunha a quantia de tempo que passou para produzi-lo [...] Como tradicionalmente concebidos, os sinais desincorporados revelam pouco ou nada sobre os corpos necessitados para produzi-los, ao passo que os sinais incorporados são tomados para refletir na sua forma distintiva e na maneira de execução a particularidade dos corpos que servem de seu veículo (NOLAND, 2004, grifo nosso, tradução nossa).

dissociados do processo físico, do corpo inscrito. Se assim forem, as obras não passarão de meros objetos estáticos, ou seja, traços desmotivados. Em contrapartida, esses sinais jamais poderão tornar visível o fazer da obra, pois, somente o fazer pode ser resultado de ações. Cabe destacar, portanto, que sinais do fazer podem apenas sugerir, mas não revelar as ações do fazer da obra. Já que a

Considero a contribuição de Noland (2004) extremamente

obra é ação visível apenas durante seu fazer. Após a ação do corpo,

útil para a compreensão do meu processo. Pois, ao relatar que

a obra se apresenta como indícios de sua atuação. E é por isso que

“traços conservam uma intensidade cinética, e que esta intensidade

podemos ver os sinais da obra tanto como “imitação de seu fazer”

pode ser recuperada no próprio sinal” a autora também está se

(TASSINARI, 2001, p. 138) como também aquilo que resta do fazer da

referindo ao corpo inscrito, ao gesto motor que impulsiona a obra e,

obra, o resíduo que sobra das ações.

portanto, à presença física do artista agindo durante o processo. Nesse sentido, podemos dizer que o desenho como inscrição de um corpo em ação é, também, um desenho que deixa sinais de um corpo em ação. São sinais que, por sua vez, podem tornar indícios da energia gasta pelo corpo. Podemos perceber que

Se se deseja remontar os passos que originaram a obra, o que sempre se encontrará será uma imitação do fazer da obra, não o fazer da obra, pois, a obra em qualquer um de seus estágios, é sempre um conjunto dos sinais do seu fazer. (TASSINARI, 2001, p. 138).

algumas obras sugerem um traçar mais preciso e controlado.

Por fim, cabe destacar que não exploro o desenho

Enquanto que outras chamam mais a atenção pelo seu automatismo

performativo para representar imagens como, por exemplo, a

ou ainda pela intensidade do gesto. Isso quer dizer que existem

imagem de uma ação realizada em um determinado momento. Pois,

meios diferentes de deixar registros da “energia cinética” (NOLAND,

sua poética é fazer e não representar ações. Representar ou imitar é

2007) do corpo na obra. É importante que esses vestígios como

inerente de certas artes como é o caso da arte naturalista e não de

“sinais do fazer” (TASSINARI, 2001) da obra não sejam vistos como

uma arte performativa. Dentro do contexto do naturalismo, Tassinari


23

(2001, p. 63) relata que a pintura naturalista se vale da perspectiva “como um instante apreendido de um determinado ponto de vista” para representar uma ação. Dito de uma outra forma, a perspectiva imita uma visão que se tem de um instante de uma ação, mas não a ação. É importante citar essa passagem para deixar claro que há diferenças entre práticas artísticas que imitam a visão de uma ação através de imagens daquelas em que o fazer é a própria inscrição do ato performativo.


24

DESENHO 5 TERÇA-FEIRA, 9 DE SETEMBRO DE 2008. 11H23-11H33


25

DESENHO 6 SEGUNDA-FEIRA, 14 DE JULHO DE 2008.10H45-11H19


26

Artista 1: Trisha Brown. It’s a draw. 2008. Fonte: http://www1.umn.edu

Artista 2: Monika Weiss. Fonte: http://www.galeriaopole.pl

Artista 3: Jordan Mackenzie. Sem título. 2003. Fonte: http://www.eflux.com/shows/view/3396


27

3. AGIR NO DESENHO Toda vez que inicio uma obra, não sei o que vou criar, mas sei que em toda obra me manifesto.

Em meu processo, “se

manifestar” significa explorar o gesto como principal meio de expressão. E como sabemos, os gestos “são movimentos corporais nos quais se manifesta a existência” (FLUSSER, 1994, p. 77, tradução nossa). Não projetar a obra é uma regra, já que ela deve ser criada no momento em que é feita. Tenho preferência em desenhar sobre a parede utilizando o papel branco na posição horizontal. Estar frente a frente com essa paisagem vazia é estabelecer um confronto direto entre corpo, matéria e suporte. Meu processo é instantâneo, porém, desgastante, se tornando em certos momentos doloroso. Tenho necessidade de deixar o corpo aparecer ou, melhor dizendo, exibir seu esforço físico na obra para mostrar que ali existem vários registros de sua atuação. Ações que não são executadas como linhas, mas como se fossem inscrições, fissuras, cortes, que cavam a superfície, se sobrepondo. Ou ainda, como fricções, batidas e outros golpes. O esforço físico também é desprendido com “energia cinética” (NOLAND, 2007), Desenho 7 Terça-Feira, 28 de outubro de 2008. 11h13-11h22. Papel riscado com giz. 115 X 91,5 cm Foto: Yara Pina

movimentos rápidos e intensos, verdadeiras pulsões.


28

3.1 DESGASTAR E IMPREGNAR A MATÉRIA A cor preta do giz, cinza escuro (quase negro) da grafite

suscetíveis a ação do gesto. Tenho preferência em utilizá-los pelo

e branca do papel são as predominantes em meu processo. No

fato de serem materiais que exigem um maior empenho do corpo

entanto, não vejo os pigmentos da matéria e da superfície pura e

para serem impregnados, isto é, penetrados no suporte. Mesmo

simplesmente como cor. Não desenho com a intenção de aplicar cor,

sendo

mas em desgastar e impregnar a matéria.

friccionados e pressionados com força se consomem. E isso parece

Após

experimentar

vários

materiais,

muitos

se

materiais

rígidos

que

resistem

ao

desgaste,

quando

justificar, ao menos em parte, o fato de abrir mão de instrumentos e

demonstraram inadequados para criação por não proporcionarem

materiais como pincéis e tintas.

liberdade permanente ao gesto. Já outros não resistiam a pressão do

penetrar o suporte, no sentido de causar incisões, e nem de

corpo e se rompiam.

consumi-los através da fricção.

De início, o lápis era o material mais utilizado. Depois de quebrar e consumir vários, fui percebendo que não era o mais adequado por dois motivos. Em primeiro lugar, bastava pressioná-lo com força sobre o suporte para que se rompesse. E isso ocorria em diversos momentos num curto espaço de tempo. Toda vez que a grafite do lápis se rompia significava que a obra tinha que ser interrompida. Segundo, porque se trata de um material que é consumido muito rápido no meu processo de criação. Conclusão: tive que sair em busca de materiais mais resistentes à pressão do corpo e, também, de maior durabilidade. Atualmente, trabalho principalmente com grafite integral (4B e 6B) e giz de cera por serem resistentes e, ao mesmo tempo,

Pois, com estes não conseguiria


29

DESENHO 8 TERÇA-FEIRA, 21 DE OUTUBRO DE 2008.10H21-10H32


30

3.2 MARCAR E VIOLAR O SUPORTE

suporte

Agir na parede é tomá-la, de certa forma, como o próprio

interferência, como inscrição e resíduo da ação do corpo. A violação

do

do suporte seria, então, um resíduo, ou seja, um vestígio da energia

desenho.

Isso

significa

também

explorar

satisfatoriamente o espaço do papel. Além da liberdade, a parede

da ação do corpo.

permite que o corpo concentre seu esforço físico sobre a matéria

No entanto, romper com o plano fez parte da proposta

para marcar o suporte. Contudo, tenho consciência dos riscos que

poética de vários artistas, tais como, o ítalo-argentino Lucio Fontana

submeto a obra quando agrido o suporte com muita força, sei que a

(1899-1968), e o brasileiro Leonilson (1957-1993). São artistas que

grafite e o suporte podem se romper. E sei, também, que quanto

lançaram mão de instrumentos não-tradicionais do universo da arte

mais me esforço, mais forte e mais visível pode se tornar uma

para atingirem essa finalidade. Lucio Fontana rompe com o plano da

marca. Neste caso, deixar uma marca é sempre correr um risco,

obra utilizando golpes de faca para causar furos e cortes. Leonilson

principalmente, quando a espessura do papel possui uma gramatura

recorta e queima o tecido de suas telas. Em suas pinturas de fogo,

muito baixa. E se, por acaso, vier a rasgar é em função de querer

Yves Klein (1966, p. 61) utiliza chamas para “gravar o traço

penetrar a matéria e não em função de rompê-lo, ou seja, a violação

espontâneo do fogo”.

do suporte – quando acontece – é um acidente e não uma finalidade

Mas, ao contrário desses artistas, e em um outro

alcançada. Inclusive, no meu entendimento e fazer, o gesto não

contexto poético, a artista brasileira Kássia Oliveira lança mão

deve ser interrompido, pelo contrário, deve continuar. Isso significa

somente da grafite, um material tradicional da arte. Sua instalação

que em tal caso o suporte ganha aspecto material e não

de desenhos pode ser vista como resultado de um “gesto insistente e

“superficial”, ou seja, apenas como uma superfície para a cor.

interminável” (OLIVEIRA, p. 3, 2005) onde o ato ritual propõe

Significa, também, que ao romper com o plano, o desenho tem seu

romper com a superfície do papel. Neles, a artista parece suspender

campo ampliado para a tridimensionalidade.

o gesto ao alcançar a violação, ou seja, podemos perceber que faz

Antes da intervenção do gesto, considero a superfície branca como matéria vazia, ou seja, intocada. E depois de sofrer

parte de sua poética romper a superfície do papel.


31

A borda do papel pode ser a fronteira do desenho, mas

graffiti é a sujeira da parede limpa” (KRAUSS, 1997, p. 115, tradução

não o limite para o gesto. Não é porque o desenho é feito sobre um

nossa). Se marcar e violar a parede consiste em fazer graffiti é,

plano retangular, um recorte dentro da parede, que esta não possa

porque, se trata de uma apropriação indevida, uma violação, já que

ser marcada pelo gesto. Da mesma forma a espessura do papel, ela

a parede não me pertence. Barthes (1990, p. 151-152) nos diz que o

não deve ser uma barreira que impede o contato do gesto com a

que faz o graffiti não é nem a inscrição, nem sua mensagem, mas a

parede. Ao invés de obstáculo, o papel seria então uma camada que

parede, ou seja, o fundo que não é próprio para essa finalidade.

permite tanto a penetração da matéria como da pressão do corpo para deixar marcas gravadas na superfície parietal.

Nos estudos de Barthes (1990) e Krauss (1994, 1997) o graffiti é abordado como prática performativa. Aqui, citarei um

Como já citado anteriormente, rasgar o papel ou marcar

pequeno trecho do artigo escrito por Rosalind Krauss (1994) sobre o

a parede não é uma finalidade, mas também não é algo que deva ser

graffiti do pintor expressionista abstrato americano Cy Twombly

evitado. O que estou tentando dizer é que não posso desenhar me

(1928). Neste texto, a autora define o graffiti como:

contendo para não rasgar o papel ou marcar a parede. Mas, devo desenhar sabendo que corro o risco de rasgar o papel e marcar a parede. Digo isso, pois, a ação do corpo não deve ser algo contido, pelo contrário, deve ser sempre resultado de um esforço físico visível, mesmo transgredindo a borda e a superficialidade do suporte, ou seja, atingindo aquilo que está além da fronteira e o que está por de trás do suporte: a parede. Marcar a parede também significa que estou sujando a parede, ou seja, que estou fazendo graffiti9 . Como se sabe, “o 9

Mantenho a palavra na grafia da língua italiana – graffiti é o plural de graffito que significa escrever com carvão, a mesma utilizada pela bibliografia consultada (KRAUSS, 1994; BARTHES, 1990; NOLAND, 2004) que, por sua vez, segue a forma adotada pela língua inglesa graffiti, sem fazer distinção entre o plural e o singular – e, também, para distinguir da grafite, o bastão de grafita.

[...] um meio de marcar que tem características precisas e inconfundíveis. Primeiro, é performativo, suspendendo a representação em favor da ação: Eu marco você, eu cancelo você, eu sujo você. Em segundo lugar, é violento: sempre a invasão de um espaço que não pertence ao criador, tira vantagem ilegítima da superfície de inscrição, violando, escoriando. Terceiro, converte o tempo do performativo no tempo passado do índice: é um traço de um evento, tirado da presença do criador. Leia-se: “Kilroy esteve aqui” (KRAUSS, 1994, tradução nossa)


32

seus sinais. Já que considero a obra como um espaço habitado e modificado pelo corpo. Então, não seria melhor dizer que além da área de trabalho do desenho, o espaço físico que o abriga também teria sido alterado pelo corpo agindo durante o processo? Talvez, eu tenha demorado um pouco a perceber tal relação do desenho com seu espaço físico. Perceber tal relação me chamou atenção para o fato de que os registros fotográficos das obras deveriam ser realizados exatamente no local em que foram criadas e também exatamente após o fazer delas. Infelizmente, muitas obras apresentadas neste trabalho foram registradas fora de seu espaço físico e também da temporalidade em que foram criadas. Isso fez com elas perdessem alguns de seus sinais para sempre.

Artista 4: Cy Twombly. Venus, 1975. Fonte: http://www.nytimes.com

O trabalho do artista brasileiro Marcelo Solá é um desenho que também faz apropriação da parede. Só que o artista se propõe a isso, faz parte do processo da obra transgredir a fronteira do papel. A linha sai do papel, passeia pela parede e retorna ao desenho para novamente repetir o processo. No entanto, não se trata de uma apropriação indevida, já que o artista possui autorização para intervir no espaço físico que desenha. Quando

meu

gesto

transgride

a

fronteira

ou

a

superficialidade do papel para dar continuidade a um traço, tomo a parede como parte da obra. E, às vezes, me pergunto se a obra não ficaria incompleta ao ser deslocada da parede, ao perder alguns de

Artista 5: Marcelo Solá, 2002. Lápis e papel s/ parede. Dimensões variáveis. Fonte: SOLÁ (2002)


33

DESENHO 9 TERÇA-FEIRA,11 DE JULHO DE 2008.10H31-10H48


34

DESENHO 10 TERÇA-FEIRA, 21 DE OUTUBRO DE 2008.09H47-10H03


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Artista 6: Leonilson. Da pouca paciência. s.d. Acrílica s/ lona. 26 x 41 cm Coleção Daniel Senise, Rio de Janeiro. Fonte: LAGNADO (1998, p. 183)

Artista 7: Lucio Fontana. Conceito espacial. 1960. Tela cortada. 100.3 x 80.3 cm Fonte: http://www.moma.org

Artista 8: Kássia Oliveira. Iluminadas, 2005. Desenho escavado, grafite s/papel. 415 x 267 cm. Fonte: COMPANHIA... (2005, p. 3)


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3.3 OCUPAR E COMPOR (N)O ESPAÇO Ocupar e compor (n)o espaço são formas de processar a

marcas pouco visíveis, isto é, com pouca materialidade. Já que vejo

obra. Começar uma obra é sempre dar início à ocupação de seu

isso como sinônimo de pouco esforço físico, pouca atuação. Isso

espaço. No entanto, no decorrer do processo, nunca sei quando vou

torna o processo bem mais moroso e cansativo. Portanto, cansar

ocupar e compor, mas sei quando mudo da ocupação para

mais significa interromper mais vezes o processo.

composição e vice-versa. Em uma mesma obra, há certos momentos

Se por um lado a sobreposição dá maior visibilidade às

em que pareço estar apenas agindo sobre o plano buscando ocupar

marcas, por outro, restringe a ação do corpo a áreas muito pontuais

seu espaço. Já em outros, percebo que estou mais preocupada em

(ver Sobrepor). Isso significa que o gesto leva um certo tempo para

compor no espaço.

se deslocar de seu local – até que sua marca ganhe materialidade -

Tenho notado que o tamanho da área de trabalho às

para

ocupar

outros

na

superfície.

Dessa

forma,

explorar

vezes se torna determinante. A tendência dos espaços maiores é que

demasiadamente a sobreposição pode levar também a confinar a

sejam ocupados, ou seja, sofram menos com a interferência da ação

área de atuação de meus desenhos, pois, provoca um desgaste físico

do olho. Quando digo espaços maiores estou me referindo àqueles

muito rápido do corpo fazendo com que eu não consiga ir muito

em que o campo de visão não consegue abarcar com totalidade a

além. Por outro lado, meus gestos costumam ser resultados de

área de trabalho ao desenhar. Seria, portanto, o contrário do espaço

movimentos curtos e rápidos. Explorar movimentos gestuais com tais

menor no qual a visão consegue abarcar com totalidade a área de

características é uma forma de retomar mais rapidamente o ponto

trabalho.

de partida do gesto. Sendo assim, se um gesto possui um movimento Ocupar é justapor inscrições gestuais até que elas

saturem o espaço da obra. A ocupação de áreas extensas exige sempre mais esforço físico devido à sobreposição – repetição -

muito longo, levo mais tempo para sobrepor e dar materialidade à sua marca. Interromper

o

processo

é

sempre

um

problema.

excessiva a que submeto o gesto. Da mesma forma que não quero

Geralmente, quando isso acontece a obra “esfria”. Quando retomo o

deixar espaços intocados (em branco), também não quero deixar

processo após ter interrompido a obra é como se eu estivesse


37

fazendo uma outra obra, isto é, não me vejo dando continuidade ao

compor é deixar o olho atuar junto com o corpo no processo da obra,

trabalho que já havia iniciado, pelo contrário, é como eu estivesse

ou seja, compor é atuar com a percepção visual. Também, equivale

criando um novo.

a dizer que o olho consegue perceber que pode tirar proveito dos

Mas, quando se trata de cansaço físico ou dor, utilizo a

acasos do processo.

mão esquerda para dividir a sobrecarga com a mão direita. As duas

O que estou tentando explicar é que alguns desenhos

mãos podem tanto trabalhar simultaneamente como se revezar

quando ganham configurações me causam estranhamentos, não

durante o processo. Percebo que a mão esquerda ainda não tem a

como figurações ou imagens, mas como indícios que atingem a

mesma agilidade e segurança que a mão direita. No entanto,

memória e a percepção. Porém, não faz parte do processo pré-

desenhar com as duas mãos significa deixar de depender somente da

estabelecer que devam causar estranhamentos. Às vezes, a própria

direita. Para artista polonesa Monika Weiss (2005) desenhar com as

obra me surpreende com estranhamentos que só puderam ser

duas mãos é “questionar o controle do olho e da mão única”.

percebidos após o momento de sua execução ou até mesmo após

Realmente, consigo perceber isso. A mão esquerda ainda não sofre

dias, meses etc. Muitas vezes, esses estranhamentos acabam sendo

tanta intervenção do olho como a mão direita.

traduzidos para a linguagem escrita no suporte para fazer parte da

É mais comum compor em espaços pequenos do que em grandes. Aqui, a composição não deve ser confundida como um meio explorado pelo desenho ou pela pintura tradicionais.

composição da obra. (v. Escrever) Mas, já houve momentos em que o limite entre esses

Em meu

meios se tornou difuso, isto é, quando me perdia e não conseguia me

processo, tomo a composição como configurações que resultam da

situar nem na composição e nem na ocupação do espaço da obra.

combinação de diferentes inscrições gestuais. Equivale a dizer que

Muitas vezes chegava a interromper o processo de criação. Então,

essas inscrições gestuais estão de certa forma organizadas, ou seja,

me afastava da obra, ou seja, retirava dela a presença do corpo. Ao

estruturadas no espaço. Portanto, as inscrições do gesto não são

ver de longe, conseguia descobrir indícios e vazios na obra que até

exploradas apenas como marcas de uma ação, mas também como

então não podiam ser percebidos. Logo, percebia que a obra ainda

elemento plástico e visual na composição do desenho. Nesse sentido,

não estava pronta e lhe devolvia meu corpo.


38

DESENHO 11 SEGUNDA-FEIRA,08 DE JULHO DE 2008.8H18-11H17.


39

DESENHO 12 DÚBIO INTERNO,2008.


40

3.4 REGISTRAR E MEDIR O TEMPO Marcar o tempo de duração em meu processo é o meio de medir e registrar o presente, o momento exato em que ocorre a ação. Trata-se, também, de uma forma de conhecer a duração do processo, já que é difícil ter uma noção clara do tempo quando estou agindo no desenho. Passei, então, a registrar o dia, a hora e o minuto exato do início e do fim do fazer de cada obra10. Medir o tempo é registrar também a duração total de todas as ações do fazer desde aquelas que envolvem a atuação do corpo até os imprevistos que ocorrem, a grafite que quebra, a folha que desprega da parede, além de outros. Saliento que a duração do tempo não é algo agendado. Cada obra tem seu tempo, inclusive tempos curtos, doze, quinze, dezoito, vinte e três minutos... Medir e registrar o presente são operações muito recentes, mas que se tornaram necessárias. Nos últimos trabalhos, ao invés de utilizar a expressão Sem título, optei pelo registro do tempo, ou seja, do presente do fazer, como o próprio título da obra. O formato da data foi baseado nos modelos oferecidos pelos blogs da internet. Nestas ferramentas

da web, as informações são disponibilizadas dentro de uma cronologia invertida, do presente para o passado, isto é, da postagem atual para a mais antiga. No entanto, ao invés de trabalhar com horários, procuro registrar períodos do início e do fim do processo de criação das obras. Dessa forma, busco dominar o lapso do tempo do performativo, ou

seja, o intervalo da

temporalidade do presente. Alguns artistas trabalham a temporalidade de forma diferente em seus desenhos. Aqui, citarei o artista americano William Anastasi (1933) e Marcelo Solá (1969). Sentado num banco de metrô com um papel sobre as pernas, William Anastasi realiza seus desenhos portando uma caneta em cada uma de suas mãos atuando como um sismógrafo ao captar o ritmo dos movimentos do veículo. A ficha técnica da série “Desenhos de metrô” possui a indicação da data e do horário da criação de suas obras realizadas durante o trajeto do transporte subterrâneo. Dentro de uma outra proposta, Marcelo Solá insere os registros das datas como parte da visualidade e da plasticidade de seus desenhos. Inclusive, algumas delas estão deslocadas do presente. Em seus desenhos, “as datas inverídicas, adiantadas ou atrasadas, denunciam um choque no sistema de catalogação, falam do colapso na regulagem do tempo”

10

Pamela Lee (2004, xii, tradução nossa) define como ‘cronofobia’ “a preocupação quase obsessiva com o tempo e a sua medida”. Em seu livro, com título homônimo, a autora aborda a relação das artes dos anos 60 e a sua obsessão com o tempo e o advento das novas tecnologias.

(PASSOS, 2008, p. 47).


41

DESENHO 13 QUARTA-FEIRA, 27 DE AGOSTO DE 2008.10H52-11H07.


42

Artista 9: William Anastasi. Sem título (13/11/2001, 14h50. Wynn Kramarsky.) Caneta esferográfica s/ papel, 22,9 x 30,8 cm Fonte: http://www.moma.org

Artista 10: Marcelo Solá, Sem título.2008. Óleo, aquarela, lápis de cor e monotipia sobre papel. 100 x 120 cm. Fonte: http://www.fav.ufg.br/galeriadafav


43

4. RECORDAR AÇÕES Meu processo de criação possui um repertório11 de ações que sempre está em expansão. Algumas são mais recorrentes

que tiram mais vantagem da cinética e outras mais da pressão do corpo.

enquanto que outras surgem mais esporadicamente. Não existe uma

Também, descobri outras formas de recordar uma ação:

regra na escolha dessas, pois, as decisões devem ser tomadas

identificando sua marca (escrever, furar, inscrever, rabiscar), seu

durante o processo de criação das obras. Uma coisa é certa: toda

gesto (apagar, cortar, apagar, pincelar), ou ainda seu som (bater).

obra é resultado da combinação de diferentes ações.

Apenas uma ação me levou mais tempo para recordar.

De início, algumas eram realizadas automaticamente,

Estou me referindo ao gesto que desde o início esteve presente no

pois, executava o gesto sem me importar muito em saber o que a

meu desenho: girar a mão em sentido anti-horário. Por muito

ação significava ou porque fazia. Mas, a partir do segundo Diário

tempo, considerei como um gesto espontâneo. Eram movimentos da

(2008) passei a utilizar a linguagem como auxílio na descrição dessas

mão que não me pareciam estranhos, pelo contrário, percebia que a

ações. Tive a necessidade de nomear e escrever sobre elas. Nomear

mão já estava bem familiarizada com o ato. No entanto, o olho não

e descrever as ações são uma forma de recordá-las.

reconhecia nem o movimento e nem a marca deixada. Aos poucos

Percebi que recordar uma ação é, também, repeti-la

fui observando que talvez não seria espontâneo, mas um gesto

várias vezes. Ao repeti-las, percebo que umas deixam inscrições

habitual. Pois, não foi algo que tive que aprender a fazer no

mais fortes e outras mais suaves. Isso significa que existem aquelas

desenho, eu simplesmente fazia. É como se o corpo estivesse “recordando” algo que já é corriqueiro. Para Flusser (1994, p. 12,

11

Como diria Diana Taylor, especialista em estudos sobre as tradições performáticas na América Latina, “o repertório requer presença, pois, circula através de performances, gestos, narração oral, movimento, dança, canto, em suma, através daqueles atos que são considerados como saber efêmero e não reproduzível” (TAYLOR, 2004, tradução nossa). Assim como o arquivo (documentos, textos, vídeos, fotografias etc) o repertório também é um sistema de transmissão de conhecimentos e memória social (TAYLOR, 2004, tradução nossa).

tradução nossa), quando expressamos recordações por meio de gestos estamos realizando “recordamentos”. Com isso, comecei a desconfiar que o gesto pudesse estar deslocado de seu contexto. Schechner (1990, p. 45, tradução


44

nossa) nos diz que “mesmo quando nós achamos que estamos sendo

É certo que a maioria das cadeias que desenvolvemos desde que nos levantamos até que nos deitamos apenas exigem uma fraca intervenção consciente; elas desenrolam-se, não no âmbito do automatismo, em relação ao qual a intervenção da consciência seria nula, mas numa penumbra psíquica de que o sujeito só sai em caso de imprevisto no normal desenvolvimento das seqüências. (LEROI-GOURHAN, 1965, v. 2, p. 27)

espontâneos e originais, muito do que fazemos e exprimimos já foi feito ou dito anteriormente, inclusive por nós mesmos”. Logo, comecei a investigar e a ficar atenta às minhas ações rotineiras, aos meus hábitos corporais e também aos gestos que eram realizados nas mais diversas tarefas e operações do dia a dia. Percebi que girar a mão era um gesto que estava presente em diversas ações como, por exemplo, ao girar a colher no copo, ao limpar a mesa e ao

Após recordar e identificar as ações que fazem parte do

tomar banho. Com exceção desta última, nas outras atividades eu

repertório do meu processo de criação, cheguei a conclusão de que

girava a mão no sentido anti-horário.

elas podem ser encontradas no universo da arte, da linguagem e do

Um dia quando estava lavando louças, estando atenta aos movimentos que executava, me deparei fazendo o mesmo gesto ao esfregar o fundo de uma panela. Como reconheci o gesto? Não só pela direção, mas também pela intensidade com que o corpo executava a ação. Além do mais, percebia que se tratava de um gesto cinético que explorava demasiadamente a sobreposição (ver esfregar). Enfim, consegui reconhecer o gesto. Se esfregar é um gesto relativamente habitual no meu cotidiano, por que levei tanto tempo para reconhecê-lo? Para LeroiGourhan (1965, v. 2, p. 28), muitas das atividades que fazem parte do

nosso

cotidiano são

organizadas em cadeias de gestos

estereotipados. Gestos estereotipados, mas não automáticos.

cotidiano.


45

DESENHO 14 TERÇA-FEIRA,9 DE SETEMBRO DE 2008.10H18-10H41


46

5. INSCREVER PERFORMATIVOS NO DESENHO Se para Austin (1990, p. 26) o proferimento de certas

que o universo das minhas ações vai além da linguagem, pois,

palavras é realizar ações, para o especialista britânico em gesto

envolve também práticas da arte e do cotidiano. Em suma, o

Adam Kendon (2004, p. 225, tradução nossa) existem “gestos que

universo das minhas ações é a performatividade12, entendida como

parecem ser especializados em ações cuja própria performance pode

um repertório híbrido de ações. O que estas ações possuem em

constituir um movimento particular ou um ato de linguagem”. O

comum? O gesto como único veículo responsável na realização de

autor atribui a esses gestos a função de performativo: “Da mesma

atos performativos presentes no universo da arte, da linguagem e do

forma que um participante numa conversa, posso reclamar,

cotidiano.

discordar, recusar, ignorar etc” (KENDON, 2004, tradução nossa).

Com exceção do ato de escrever e rabiscar, todas as

Neste caso, dentro do campo da linguagem, fazer um gesto,

ações sofreram deslocamentos de suas funções convencionais para

também, pode significar fazer uma ação. Ou seja, em um ato de

serem executadas com materiais artísticos (giz e grafite) e não com

linguagem ao invés de usar verbos posso lançar mão de certos gestos

objetos e ferramentas que seriam próprios para a execução (por

para realizar um ato performativo. O autor dá um exemplo: a palma

exemplo, a faca que é utilizada pra cortar, um instrumento

da mão aberta pode indicar que estou oferecendo algo para uma

pontiagudo para furar, o estilete para sulcar, a borracha para

pessoa (KENDON, 2004, p. 154). Outros exemplos: apontar o dedo

apagar, a esponja para esfregar, o pincel para pincelar etc). Ao agir

para alguém, um local, um objeto pode significar que estou

assim, deixo marcas do gesto cortar, do gesto bater, do gesto apagar

indicando; mexer o indicador para os lados pode significar que estou

e assim por diante. Cabe destacar que deixar marcas do gesto

rejeitando. Assim como Austin, o enfoque de Kendon no gesto é apenas como ato de linguagem. Diferentemente de Austin e Kendon, o performativo em meu processo não é explorado apenas como um ato de linguagem. Já

12

Vale a pena conferir o blog “Desenho e performatividade” (http://desenhoe performatividade.blogspot.com) do Mestrado em Prática e Teoria do Desenho da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (Portugal). No programa, existem projetos que trabalham a relação do desenho com atos performativos do cotidiano além de práticas envolvendo a “transferência de uso” (HOWELL, 1999).


47

cortar, furar, pincelar, por exemplo, não é o mesmo que deixar

grafismos, pois, ao assumirem o lugar de algumas letras eles,

cortes, furos e pinceladas. Por isso, que essas ações sofrem

também, estão deslocados de seus contextos (v. Rabiscar).

deslocamentos, perdem suas funções convencionais.

Vejo a pintura-objeto - Fool’s House (1962) - do artista

Se em meus desenhos, a maior parte dessas ações não

americano Jasper Johns (Artista 11) como resultado de um ato

cumpre suas funções convencionais, portanto, não se deve buscar as

performativo que combina diferentes ações do universo da arte, da

finalidades práticas que cabem a elas. Digo isso, pois, não me

linguagem e do cotidiano - utilizando materiais tradicionais e não-

interessa as utilidades convencionais dessas ações, mas o gesto

tradicionais da arte. Ao analisar a pintura-objeto, Tassinari (2001)

requisitado para realizá-las. Quando desloco as ações de suas

identifica através dos sinais da obra - uma colagem, uma xícara

funções convencionais, faço com que a grafite e o giz sofram

pendurada, uma pincelada, as setas e as palavras escritas – não só

13

“transferência de uso”

(HOWELL, 1999, p. 137) ao ganharem uma

uma, mas diversas ações executadas: pendurar, colar, escrever,

nova função que é a de inscrever o gesto que “performa” a ação, ou

indicar e pincelar. Se tomarmos como referência o modernismo,

seja, o movimento do corpo requisitado para realizar o ato

algumas dessas ações – pendurar uma xícara ou uma vassoura e colar

performativo. Esses deslocamentos acabam provocando mudanças na

uma toalha na própria pintura - não seriam comuns ao universo da

anatomia de alguns gestos. Já que a realização dos movimentos tem

arte, mas praticadas no cotidiano. Nesta obra existe, portanto,

que ser adaptada tanto ao formato da grafite e do giz como da

“transferência de uso” de três objetos: da vassoura que foi utilizada

posição ereta do corpo.

como um pincel, da xícara pendurada e da toalha colada como

A “transferência de uso” só não atinge a escrita e os rabiscos, pois, a grafite é um instrumento tradicional do ato de escrever e de rabiscar. No entanto, coloco a escrita muitas vezes em risco de perder sua função de representação das letras ao sofrer com a ação do gesto (v. Escrever). Algo parecido acontece com os 13

A “transferência de uso” é definida por Howell (1999, xiii, tradução nossa) como um meio explorado pela performance para usar “algo que já se usou novamente, mas de um modo diferente daquele que se usou primeiro”.

elementos plásticos da obra.


48

5.1 CATALOGAR O REPERTÓRIO A seguir apresento uma lista de verbos que remete às ações realizadas durante o fazer das obras. Esse “método” que toma a linguagem como base também já foi utilizado por Richard Serra (1977, p. 52-53, tradução nossa) para “estruturar suas atividades em relação aos materiais que tiveram a mesma função de verbos transitivos”. Mas, diferente de Serra (Artista 12), reuni e descrevi essas ações conforme as relações que possuem não apenas com a matéria, mas também com o corpo, o suporte, o tempo e o espaço.

Artista 11: Jasper Johns. Fool’s House, 1962. Óleo s/ tela com objetos. 183 x 91 cm. Cf. Tassinari (2001) p. 44 e 72

Artista 12: Richard Serra. Verb list. 1967/1968. Fonte: http://www.monumenta.com


49

Apagar

Bater Ao contrário da borracha, que é utilizada para retirar a

Inscrever o ritmo e a intensidade da ação do corpo é o

grafite impregnada do papel, o gesto apagar, em meu processo, é

objetivo do gesto bater. Aqui, a intensidade do som denuncia a

explorado para impregnar a grafite na superfície. Esse gesto

pulsão do corpo, ou seja, o gesto bater é um gesto sonoro que deixa

consome a matéria através da fricção utilizando movimentos em

“respingos” inscritos na superfície através de seu compasso que ora

ziguezague – e não sobrepostos - para raspar a grafite. (Dificilmente,

se apresenta acelerado, ora desacelerado. (em processo)

a mão é suspensa na realização desse gesto). Desgastar de forma intensa a matéria significa não apenas ganhar materialidade, mas também pictorialidade.

Inscrição do gesto bater Detalhe do Desenho 24, p. 68

Inscrição do gesto apagar Detalhe do Desenho 8, p. 29


50

estava direcionada para baixo, agora ela se desloca para cima, de

Cortar

forma muito mais violenta, ou seja, ao invés de utilizar apenas uma O gesto cortar realizado em meu processo possui uma

mão, agora trabalho com as duas na realização do ato: a mão

anatomia muito próxima com a do gesto realizado por Lucio

esquerda segura o pulso direito e dessa forma ajuda impulsionar o

Fontana. Da mesma forma que o artista ítalo-argentino, meu gesto é

gesto, lhe dando maior força. Seja qual for sua direção, o gesto

um movimento que envolve todo braço sendo realizado de cima para

cortar também pode colocar em risco a integridade da grafite.

baixo. Contudo, não é um gesto meticuloso como Lucio Fontana parece executar em sua tela. Ao contrário de Lucio Fontana, não me proponho em fazer cortes na superfície. O que deixo na obra é a inscrição do gesto cortar, isto é, de um gesto cinético que desliza para baixo deixando rastros da cinética do corpo. Durante a realização desse gesto é muito comum transgredir a fronteira do desenho, ou seja, atingir a parede. Se por um lado corro o risco de transgredir a fronteira do desenho, por outro, posso colocar em risco a superfície do papel (ver Marcar e violar o suporte). Em alguns casos, o gesto chega a rasgar acidentalmente a superfície. Mas, se quisesse realmente cortar ou furar a superfície, talvez fizesse como Lucio Fontana ou Leonilson que lançaram mão de instrumentos pontiagudos e cortantes para romperem com o plano da obra. Ou ainda como Kássia Oliveira que busca com seu gesto atingir a violação do papel. Uma outra forma de executar o gesto cortar consiste em provocar o deslocamento de sua direção. Pois, se a cinética antes

Inscrição do gesto cortar (em sentido ascendente) Detalhe do Desenho 9, p. 33


51

Artista 13: Lucio Fontana em seu estúdio. Fonte: Fonte: http://www.moma.org Inscrição do gesto cortar (em sentido descendente) Detalhe do Desenho 8, p. 29


52

Com o tempo, a escrita também passou a permear o

Escrever

caminho do automatismo em meu processo. Em seu texto “O que é Em meu processo, o ato de escrever não explora

Surrealismo?”

André

Breton,

ao

se

referir

à

escrita

como

proferimentos performativos fazendo uso de certas palavras. Aqui,

automatismo, nos diz que é preciso escrever “depressa, sem assunto

escrever palavras não é fazer algo, mas o próprio gesto escrever já é

preconcebido, com rapidez suficiente para não memorizar nada nem

um ato performativo. Com isso quero dizer que o performativo na

ser tentado a reler o que escreveu” (BRETON, 1999, p. 418). Minha escrita também não parte de um assunto pré-

escrita não está relacionado à qualidade de alguns verbos, mas ao

concebido. Contudo, as palavras, as expressões, as frases, não

próprio gesto escrever. Nos primeiros desenhos, a escrita só estava presente nas

importa a mensagem escrita, são repetidas várias vezes, uma se

Palavras e expressões, então, começaram a

sobrepondo à outra. Com isso, acabo memorizando a mensagem

aparecer não apenas como elemento plástico visual, mas também

gráfica. Também, pode ocorrer que logo após a primeira frase

como títulos das obras. Quando escrevo, utilizo códigos gráficos,

escrita, uma nova surja sobre ela e assim por diante. Neste caso, as

porém, eles podem perder a função de representação das letras ao

frases não tiveram tempo de ser memorizadas. O resultado é um

sofrerem com a ação do gesto. Por isso, a legibilidade da escrita se

palimpsesto onde o gesto do ato de escrever pode ser reconhecido,

apresenta parcial ou até mesmo totalmente comprometida, isto é, a

mas a mensagem gráfica não.

palavras Sem título.

grafia das letras sempre corre o risco se dissolver em favor da ação.

Na escrita performativa, da mesma forma que uma

Às vezes chego a explorar tanto a sobreposição que a grafia das

palavra, uma frase inteira pode ser o resultado de um único gesto.

letras se torna irreconhecível. Com isso, quero dizer que exploro a

Isto é, não existe um espaço entre as palavras, mas um gesto que

escrita como ação porque quando atuo estou mais interessada na

une todas elas. Cabe destacar também que não há uma preocupação

sobreposição como forma de enfatizar o gesto do que em sua

com a legibilidade das palavras e nem com a formalidade de sua

ilegibilidade. A ilegibilidade é uma conseqüência, ou seja, o que

estrutura.

restou da escrita como ação.


53

das palavras correm o risco de serem fragmentadas e deformadas para se adaptarem ao espaço branco que sobrou na obra. Por isso, que muitas vezes a ordem das palavras do título diferem das palavras que estão presentes no desenho.

Esfregar Ao invés de impregnar a matéria, o gesto esfregar é responsável por impregnar a cinética do corpo, pois, sua proposta Inscrição do gesto escrever Detalhe do Desenho 17, p. 61

não é priorizar a pressão do corpo. Geralmente, sua inscrição costuma ser bem mais suave que a de outros gestos. Sendo assim, a

Mas, quando a

ilegibilidade se faz presente nas

base do gesto esfregar é girar a mão em sentido anti-horário dezenas

composições (ver ocupar e compor), não quero que algumas

vezes até que sua marca ganhe materialidade e visibilidade. Como

expressões corram o risco de caírem no esquecimento. Sendo assim,

já havia dito anteriormente, sobrepor torna o fazer da obra um

as elejo como títulos com o intuito de traduzir e preservá-las.

processo muito cansativo. Isso significa que se trata de um gesto que

Outras, porém, ao invés de denominá-las como título deixo

exige muito do corpo e, também, que explora demasiadamente a

permanecerem apenas como elemento plástico e visual para

sobreposição.

correrem o risco de não serem mais reconhecidas em sua grafia. Nas composições, a escrita, na maioria das vezes, ocupa o lugar que lhe resta na obra, ou seja, o espaço branco que lhe

Novos deslocamentos vêm sendo aplicados a esse gesto, tais como, mudar o sentido de sua direção e, também, o ponto de origem da sua partida.

sobra. Geralmente, o ato de escrever é a ação final. Ocupar o lugar

Mesmo sendo resultado de um movimento circular, a

que lhe resta também significa comprometer sua significação e sua

marca do gesto esfregar costuma assumir configurações muito mais

inteligibilidade. Pois, tanto a estrutura como a ordem das sílabas e

próximas da letra C do que propriamente de um círculo ou até


54

mesmo de uma espiral. Enquanto que esses últimos, em meu

Furar

processo, são resultados de um gesto contínuo, a marca do gesto esfregar, por sua vez, é resultado de gestos sobrepostos.

Na maioria das vezes, realizar o gesto furar é colocar

Da mesma forma que alguns grafismos (ver Rabiscar),

mais em risco a matéria – a grafite ou o giz - do que propriamente a

consigo introduzir a marca do gesto esfregar dentro do campo da

superfície do papel. Para executar esse gesto seguro a grafite com as

linguagem ao inseri-la, em alguns momentos, no lugar da letra C.

duas mãos e pressiono o corpo com toda força contra o suporte. Ou a grafite escapa - deslizando na superfície - ou a grafite quebra. Nos dois casos, a matéria não consegue resistir à pressão do corpo. Aqui, a matéria é pressionada contra o suporte e não desgastada, isto é, não é friccionada, mas podem restar pequenos fragmentos na superfície. Uma outra forma de realizar esse gesto é torcer ligeiramente o pulso da mão ao tocar a superfície.

Inscrição do gesto esfregar Detalhe do Desenho 6, p. 25

Inscrição do gesto furar Detalhe do Desenho 21, p. 65


55

densidade da cor. A densidade da matéria impregnada age então

Inscrever

como traços fundos, como se fosse a profundidade da fissura causada Ao contrário da linha, meu gesto inscritivo não prioriza o

pela força e a repetição do gesto. Em suma, são incisões que ao

traço contínuo, um início e um fim, mas o ritmo da sobreposição que

invés de tornar visível o fundo negro da superfície mostram a

traz à tona a materialidade da cor dentro da repetição do gesto.

materialidade densa da cor.

Quando digo que não traço linhas, mas faço incisões sobre o suporte, ou seja, traços inscritivos, é porque utilizo o giz e a grafite da mesma forma que estivesse portando um instrumento pontiagudo ou afiado para “arranhar e cavar” a superfície. Um gesto incisivo, penetrante, que tem o peso do corpo que arranha. É como gravar graffitis em muros. Não estou me referindo ao graffiti feito com spray, mas ao graffiti feito à “maneira antiga”, ou seja, uma inscrição parietal que faz uso de instrumentos cortantes14 para trazer ao longo da linha de incisão o fundo negro da superfície. Como

citado

anteriormente,

também

pude

experimentar o gesto inscritivo em certas modalidades da gravura, tais como, a xilogravura e a gravura em metal, em que o suporte realmente sofre incisões com instrumentos cortantes e pontiagudos. Mas, percebo que o gesto inscritivo tem efeitos diferentes no desenho. Se na gravura a pressão do corpo pode deixar cortes e sulcos profundos, no caso do desenho deixa materialidade e

14

Funari (1989, p. 40) relata que o estilete (graphio) era o principal instrumento utilizado pelos grafitistas da cidade de Pompéia (Itália, 70 d.C).

Inscrição do gesto inscrever Detalhe do Desenho 17, p. 61


56

Quando observo as obras vejo que as ações do gesto

O gesto pincelar não é um gesto penetrante, incisivo.

deixam resíduos de elementos pictóricos que, por sua vez, podem

Pelo contrário, trata-se de um gesto muito leve, nem cinético e nem

ser notados na densidade da cor, ou seja, em sua materialidade. O

intenso. Para realiza-lo, o corpo lança mão de pouca força para

que quero enfatizar aqui, é que não faz parte do meu processo

deslizar a grafite ao longo da superfície através de movimentos

manter diálogos com a pintura. Se de alguma forma a pictorialidade

ascendentes e descendentes, da direta para esquerda (e vice versa),

se faz presente, é como resíduo e não como processo. Este seria um

dentre outros.

processo avesso de alguns desenhistas. Refiro-me a Marcelo Solá que

Mas, não podemos tomar o gesto pincelar apenas como

não só mistura materiais tradicionais da pintura e do desenho em seu

uma ação do universo da arte. No cotidiano, o gesto pincelar faz

fazer artístico como também busca tornar a superfície um campo

parte de outras atividades práticas e funcionais: pintar uma parede,

difuso entre essas duas linguagens.

maquiar, dentre outras. Afinal de contas, qual é o universo do gesto pincelar?

Pincelar Como

citado

anteriormente,

os

materiais

e

instrumentos da pintura - pincéis e tintas - não são explorados no meu processo. Da pintura, exploro somente o gesto pincelar. Novamente, provoco uma transferência de uso, pois, ao lançar mão de um material tradicional do desenho para realizar o gesto da pintura desloco totalmente a finalidade do que convencionalmente se espera desse gesto: aplicar e espalhar a tinta na superfície. Já pincelar com a grafite é inscrever a marca do gesto pincelar, algo bem diferente do que seria pintar e, principalmente, fazer uma pintura.

Inscrição do gesto pincelar Detalhe do Desenho 18, p. 62


57

também são lineares. Ou seja, agem como uma caligrafia sem letras

Rabiscar

feita somente de gestos. Diferentemente da escrita que pertence a uma linguagem natural, meus grafismos não fazem parte de nenhum código visual ou gráfico, ou seja, não são “nem sinal, nem escrita e nem linguagem” (WEISS, 2006). Também, não são imagens, mas inscrições gestuais que retêm a cinética e a pressão do corpo. Seriam, portanto, inscrições do gesto motor que fazem parte de um repertório de atos performativos que, por sua vez, assumem configurações variadas. Ou seja, o gesto rabiscar não possui apenas uma, mas múltiplas marcas. Contudo,

percebo

que

alguns

grafismos

possuem

configurações muito próximas de símbolos presentes na linguagem, tais como, o triângulo, o quadrilátero, a espiral, a cruz, o tridente,

Inscrição do gesto rabiscar Detalhe do Desenho 20 , p. 64

dentre outros. Apesar dessas semelhanças, saliento que esses grafismos são explorados como inscrições gestuais e não como símbolos, figuras geométricas ou abstratas. No entanto, consigo tirar proveito dessas semelhanças quando deixo os grafismos tomarem o lugar de algumas letras, tais como, a “cruz” no lugar da letra T, o “triângulo” no lugar da letra A, a “espiral” no lugar da letra O. Quando isso acontece consigo inserir os grafismos dentro do campo da linguagem. Além desses, ainda existem grafismos que tomam apenas a “aparência” da escrita, pois,

Inscrição do gesto rabiscar Detalhe do Desenho 16, p. 60


58

Sobrepor

uma descarga energética do corpo, desgastando e, em certos momentos, levando-o à exaustão (ou até mesmo lhe causando dor).

Não vejo a sobreposição propriamente como um gesto,

A sobreposição também remete ao tempo como ritmo

mas como um dos principais meios explorados para tornar visível a

que marca a presença e a ausência do corpo durante o fazer, toda

presença do corpo. Sobrepor é fazer o corpo reaparecer na obra

vez que a mão toca a obra ou está suspensa. Ritmos curtos e rápidos

várias vezes, ou seja, é tirar o corpo da obra e devolvê-lo; é

que fogem do linear e, portanto, da “linha do tempo”. Já as marcas

suspender a mão em ritmos curtos e rápidos para retomar uma ação.

são resultados de gestos que procuram “extrair e concluir o traço do

Toda vez que um traço reaparece na obra, um novo indício é criado,

imediato” (KLEIN, 2006, p. 62). Toda vez que a mão é suspensa é

significando que mais uma ação foi executada, mais uma vez meu

como se ela zerasse o tempo para novamente tocar a superfície e

corpo “agiu aqui”.

realizar uma nova ação em um novo presente.

Com esse meio também posso concentrar ações que se repetem como meio de impregnar e acumular a matéria no suporte para tornar mais ativos e fortes os sinais do gesto. Tenho a sensação de que quanto mais sobreponho, mais consigo penetrar com a matéria no suporte e mais presente o meu corpo se faz na obra. Utilizo o gesto sobrepor não como meio de apagar ou ocultar o que foi feito, mas sim de acrescentar para reforçar os registros e dar maior visibilidade de suas ações. Algo semelhante a um palimpsesto, porém, sem raspar o que já estava escrito. Em outros momentos, utilizo a sobreposição como forma de concentrar determinadas pulsões, a “energia cinética” (NOLAND, 2007) que impulsiona movimentos e deixa rastros da agitação do corpo. Um automatismo gestual que dura alguns instantes causando


59

DESENHO 15 TERÇA-FEIRA, 28 DE OUTUBRO DE 2008. 9H23-9H38


60

DESENHO 16 TERÇA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 2008.9H49-10H03


61

DESENHO 17 SEGUNDA-FEIRA,14 DE JULHO DE 2008.09H51-10H09


62

DESENHO 18 TERÇA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 2008. 9H49-10H03


63

DESENHO 19 SEGUNDA-FEIRA, 28 DE JULHO DE 2008. 12H20-12H40


64

DESENHO 20 RETORCENDO UMA PÁ VAZIA, 2008.


65

DESENHO 21 SEM TÍTULO (4), 2008.


66

DESENHO 22 SEM TÍTULO (5), 2008.


67

DESENHO 23 SEM TÍTULO (6), 2008.


68

DESENHO 24 SEM TÍTULO (7), 2008.


69

DESENHO 25 PARA VALER DE UM SÓ,2008


70

6. OBSERVAÇÕES FINAIS Durante o período de experimentação percebi que passei

Se, como afirma Bachelard (1978, p. 296), “pensamos

por etapas diferentes de se processar o desenho. Tomo a primeira

porque temos mãos”, sair da “penumbra” também provocou

fase como período de “penumbra” (LEROI-GOURHAN, 1965, v. 2, p.

mudanças na forma de processar o desenho. Uma delas, foi explorar

27) no qual executava as ações do fazer sem propor uma reflexão de

os movimentos gestuais em direções e intensidades diferentes, o que

suas identidades e contextos. Ainda nesta fase, a ação do olho me

tem propiciado novas configurações das inscrições e também novos

levou em alguns momentos a entrar em conflito com o processo de

deslocamentos.

criação. Pois, enquanto o corpo demonstrava ação, o olho, por sua

Ao aprofundar a relação tempo-espaço, dentro do meu

vez, buscava estruturar as inscrições das ações no espaço do

processo de criação, percebi que o desenho só se faz obra enquanto

desenho. Percebia que havia uma certa incoerência entre o que o

está vinculado ao espaço físico e à temporalidade do seu fazer, ou

corpo fazia e o que o olho buscava na obra. Talvez, isso ajude a

seja, o tempo presente do performativo. O que resta, após a

explicar a maior incidência de composições nesse período.

criação, é a obra deslocada de seu tempo como inscrição física das

A segunda fase é quando começo a despertar dessa

ações do corpo. Nesse sentido, considero que o desenho só poderá

“penumbra”. Repetir as ações do fazer me levou a caminhar para

ser visto como “sinal do fazer” (TASSINARI, 2001) e resíduo da

fora dela criando relações das ações do meu processo com o universo

passagem de um corpo enquanto permanecer no local de sua

da arte, da linguagem e do cotidiano. Isso significa que comecei a

criação. Portanto, para que possa ser apresentado como produto

ver as ações do corpo não apenas como movimentos espontâneos,

final, o desenho deverá ser criado e exposto no próprio local de seu

mas como gestos performativos. Tomar as ações do corpo como tais

fazer.

equivale a dizer que passei a ter uma consciência maior da identidade e da significação dos mesmos em meu processo.

Mas, quando o caso envolve o deslocamento da obra de seu espaço físico, ela não só pode correr o risco de perder alguns de seus sinais como também sua espacialidade. Ora, se o fazer do


71

desenho consiste na própria obra, o que deveria então ser tomado

habituada, optei pelo papel sulfite vendido em rolo. Esta decisão

como produto final neste caso não é o desenho enquanto objeto

trouxe

artístico deslocado de seu local de criação, mas sim o registro

desvantagens consistem na baixa qualidade do papel que, por sua

imagético como indício do que ficou da temporalidade e da

vez, compromete o armazenamento e a conservação dos trabalhos.

espacialidade de sua criação. Ou seja, o registro do resíduo da

O papel sulfite também dificultou a impregnação da matéria do giz.

passagem de um corpo e, portanto, do que restou do ato de

Mesmo me esforçando muito não foi possível conseguir um resultado

inscrever performativos no local e tempo presentes. Cabe destacar,

equivalente ao obtido com o papel canson.

vantagens

e

desvantagens

para

meu

processo.

As

portanto, que não é o tempo presente do fazer do desenho que

Além desta, o papel sulfite propiciou novas descobertas

deverá ficar registrado pelas imagens, tal como a performance, mas

sobre meu gesto. Uma delas foi descobrir que ele poderia colocar em

o passado do fazer, isto é, as inscrições físicas que foram gravadas

risco a estrutura física do papel. Com este papel também pude

durante o tempo presente do performativo.

variar os tamanhos e os formatos das superfícies do desenho.

Um dos principais obstáculos enfrentados durante a

Mas, logo percebi que a intensidade e a repetição do

pesquisa foi o de desenhar em locais onde marcar a parede não

gesto poderiam ser os fatores que comprometeriam a exploração de

significava apenas uma apropriação indevida, mas também uma

grandes superfícies devido ao desgaste físico que o corpo era

agressão contra o espaço físico. Nesses casos, para não atingi-la, tive

submetido. No entanto, considero importante para o meu fazer

que conter a ação do corpo – algo que não faz parte do meu processo

enfrentar o desafio de explorar ainda as grandes superfícies.

- durante um período significativo da minha experimentação. Isso

Explorar atos performativos como inscrição física de uma

pôde ser resolvido quando passei a desenhar com maior freqüência

ação visível no desenho também propiciou outras descobertas sobre

no ateliê de pintura da Faculdade de Artes Visuais. O gesto então se

os gestos requisitados na realização das ações e as marcas que

expandiu e o corpo pôde se manifestar mais livremente.

restam na obra. A maneira como cada gesto é executado reflete na

Um outro obstáculo foi o de ter dificuldades em

sua marca, pois, gestos que priorizam mais a cinética deixam

encontrar no mercado papéis de grandes dimensões. Na ausência

inscrições pouco visíveis, de pouca materialidade. Ao contrário

destes e para explorar espaços maiores daqueles que já estava

desses, existem aqueles que exploram mais a pressão do corpo tendo


72

suas

marcas

mais

fortes

e,

portanto,

mais

carregadas

de

que nessa pesquisa, minha preocupação não tenha sido tanto a de

materialidade. Dessa forma, inscrever performativos no desenho

experimentar a arte semelhante à vida, mas, principalmente, a de

também me fez descobrir que os gestos podem ser identificados não

combinar ações da arte e da vida na criação de um repertório

apenas pelos seus movimentos, mas também pelas suas marcas.

performativo híbrido dentro da linguagem do desenho.

Inclusive, me dei conta o quão pouco sabia sobre meus gestos. Pouco conhecia sobre suas intensidades, suas direções e, também, suas anatomias. Penso que não só sabemos pouco sobre nossos gestos, mas também pouco sobre os corpos que dão forma ao gesto. Inscrever atos performativos no desenho também me fez conhecer a forma como utilizo meu corpo na realização das ações, ou seja, o corpo que impulsiona a obra. Sendo assim, acredito que se manifestar através do gesto e torná-lo o único veículo de atos performativos, é também inscrever o corpo que dá pulsão às ações. Acredito também que o gesto no desenho possui um campo tão amplo – e tão pouco explorado - quanto é o repertório dos atos performativos da arte, da linguagem e do cotidiano. Da mesma forma suas marcas. Sendo assim, explorar esse repertório híbrido, lançando mãos apenas de materiais tradicionais, foi uma forma de tornar difuso o campo performativo entre os universos da arte e do cotidiano no desenho. Nas palavras do performer e pintor americano Alan Kaprow (1986, p. 2, tradução nossa) “o artista preocupado com a arte semelhante à vida é o artista que faz e não faz arte”. Acredito


73

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