Lugares - Itapuã

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LUGARES




EXPEDIENTE

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Faculdade de Comunicação Social (Famecos) Reitor Joaquim Clotet Vice-reitor Evilázio Teixeira Pró-reitora Acadêmica Mágda Rodrigues da Cunha Diretor da Famecos João Guilherme Barone Reis e Silva Coordenador do curso de Jornalismo Fábian Chelkanoff Thier Realização da disciplina Projeto Experimental IV – Editorial Gráfico Professores responsáveis Alexandre Elmi, Aline Custódio e André Pase


Edição Keila Fumegali e Victoria Fonseca Equipe fotográfica Ana Szevcynski, Gabriela Klaus, Jéssica Wolff, Júlia Bernardi Victoria Fonseca e Yasmin Luz Reportagem Ana Szevcynski, Gabriela Klaus, Gisele Vargas, Jéssica Wolff, Joveline Carvalho, Júlia Bernardi, Luciano Kaminski e Yasmin Luz Coordenação gráfica Keila Fumegali e Victoria Fonseca Projeto gráfico e Diagramação Keila Fumegali e Victoria Fonseca Endereço Avenida Ipiranga, 6.681 Prédio 7 - Porto Alegre (RS) - Brasil www.pucrs.br/famecos itapua.atavist.com


INDÍCE

Cultivo de hortigranjeiros, pesca e criação de gado e búfalos se destaca na cidade e emprega 45% dos habitantes do distrito.

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Hospital guarda lembranças dos trabalhadores que cuidam dos ex-hansenianos e pacientes psiquiátricos da região.

Vilarejo, rodeado por verde e águas transparentes, sobrevive principalmente do turismo dos ambientes naturais de Viamão

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Vias esburacadas e sem pavimentação prejudicam veículos e a rotina de quem percorre os trajetos entre Porto Alegre, Itapuã e Viamão.

Aos 61 anos, arquiteta aposentada vive na companhia de dezenas de bugios, aves, coelhos, ovelhas e espécies resgatadas.

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84 76 Parque existente na região há mais de duas décadas atrai cientistas de diferentes universidades e países .

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FUGIR PARA OUTRO LUGAR

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ânsia de contar histórias e desbravar memórias intocadas: esse foi o motivo de escolher Itapuã, lugar desconhecido para muitos. A vontade de escrever sobre a localidade veio após uma visita ao Hospital Colônia no auge do inverno gaúcho. 26 de agosto de 2014. Nós (Júlia e a Yasmin) adentramos, pela primeira vez, nos caminhos distantes e obscuros desse bairro quase perdido nos trilhos gaúchos. Ainda no Laboratório de Jornalismo Editorial J resolvemos realizar uma grande reportagem sobre o Hospital. O local, na década de 1960, foi espaço de segregação para pessoas que possuíam hanseníase. O objetivo, na época, era contar a história, a situação e levar ex-repórteres para reviverem as circunstâncias que passaram, retratando as vidas de Itapuã. O trabalho não deu certo. Várias tentativas foram feitas, mas não chegamos à conclusão.

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Por que contamos aqui uma história sobre Itapuã há dois anos? Outro momento: 10 de março de 2016. Nós nos encontramos novamente para produzir um conteúdo na disciplina de Projeto Experimental (Editorial/Gráfico). A proposta dos professores era a produção de uma revista, totalmente feita pelos alunos. Éramos três pessoas nas primeiras aulas, e o grupo foi tomando forma para somar os dez estudantes que realizaram esse material rico em detalhes, fotografias e histórias emocionantes. A disponibilidade de enfrentar os quilômetros de esquecimento e a oportunidade de abordar novos vieses foram fundamentais no processo de criação dessa publicação. Nossa primeira ideia foi fazer uma publicação sobre Lugares. Lugares em Porto Alegre e região. Lugares em Viamão. Pelo Brasil. Lugares com histórias, com pessoas comuns, e memórias instigantes.


J ú lia B er n ar d i e Y asmin L uz

Lugares que atraiam. A primeira sugestão foi valorizar Itapuã. Recomendamos para a turma. “É difícil, é longe, é complicado”, foram os argumentos usados pelos colegas. Mas, não desistimos. Discutimos. Conversamos. Refletimos. Ficou decidido: o bairro Itapuã seria o primeiro lugar a ser contado pela disciplina. Entretanto, a ideia que move o projeto é a variação. Cada número da revista terá uma temática diferente que contempla as diversidades do local visitado. Isso inclui uma proposta editorial e gráfica específica para cada região escolhida. Paleta de cores, tipo de papel, formas geométricas que melhor se adequem ao conteúdo, fotografias: tudo que represente as narrativas expostas pensando na curiosidade do leitor. Embarque nessa aventura, afinal, a vida não foi feita para ser vivida em um só lugar.

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TRABALHADORES DA ANTIGA CASA DOS MORTOS VIVOS Hospital guarda em prédios envelhecidos lembranças de trabalhadores que cuidam dos exhansenianos e pacientes psiquiátricos

Texto: J ú lia B er n ar d i e Y asmin L uz Fotos: G ab r iela Klaus

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e os funcionários do Hospital Colônia Itapuã pudessem ser comparados aos órgãos do corpo humano, uma enfermeira de cabelos brancos seria o cérebro: ela controla as atividades vitais necessárias à sobrevivência. Rita Sosnoski Camello, funcionária há mais de 20 anos na casa de saúde, dedica a vida a cuidar dos enfermos e é uma das principais servidoras do local. Agrega à voz calma, dedicação e carinho aos pacientes. “Rita, olha como meu braço está melhor”, comenta um deles para a mulher, que sorrindo concorda, feliz pelo jovem morador. Ela e mais de cem empregados trabalham no Hospital Colônia, localizado na Rodovia Frei Pacífico, nº 500, na zona rural de Viamão. Milhas de esquecimento, preconceito e dedicação separam o silêncio de Itapuã do movimentado centro da capital gaúcha. Para chegar ao local são cerca de 60 quilômetros de um trajeto cheio de retas em meio à vegetação onde a quietude e a calmaria têm vez. Os trabalhadores sabem que estão chegando quando passam os últimos 3,8 quilômetros de via sem asfalto, até dobrar a esquerda, e, após mais 1,6 mil metros, o destino aparecer. Entre a Lagoa Negra e o Lago Guaíba, fica uma cidade escondida. Para chegarem ao trabalho, os funcionários – habitantes dos arredores, da Vila de Itapuã e da área central de Porto Alegre – são transportados num ônibus particular pago pelo Estado. Diariamente, o

coletivo sai do Hospital São Pedro, no Bairro Partenon, na Capital, em dois horários: por volta das 7h, retornando ao meio-dia, e às 13h, regressando depois das 18h. No dia em que a reportagem visitava a área rural, o veículo não apareceu até as 9h. Era a primeira vez que o coletivo falhava com os trabalhadores, que tiveram de unir alguns carros para chegar à labuta. Naquele dia, as atividades começaram depois das 10h30min. Ao contrário dos servidores diários, a maioria dos médicos e enfermeiros é plantonista e dorme nas dependências. Maria Izabel Santos de Souza, ou Negrinha, como é conhecida por todos, trabalha há mais de 35 anos na instituição. Em função do afazer, ela fica de prontidão 24 horas por dia: “Se houver necessidade de saídas eventuais com algum paciente eu vou. Os funcionários que moram aqui ficam sempre de sobreaviso”. O Hospital Colônia Itapuã é uma muralha que segregou um povo desde a década de 1940. O local abrigou quase duas mil pessoas que possuíam hanseníase, ou lepra como era chamada – tida por alguns como um castigo de Deus. A doença era temida não só por ser uma enfermidade que destruía o corpo, mas também por ser um mal social. As chagas desenvolvidas desfiguravam o adoentado e o odor causava náusea. Acredita-se que a debilidade tenha surgido no Oriente e se espalhado pelo mundo por tribos nômades. Antigamente era associada ao pecado, à impu-

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“A GENTE TEM DIFICULDADE COM AS NOSSAS ESTRADAS. TENHO CASA NA VILA E TEMOS COMPLICAÇÃO DE ACESSO A ELA”. MARIA ISABEL DOS SANTOS DE SOUZA

reza, à desonra. As instruções para os leprosos eram minuciosas: não podiam entrar em igrejas, hospedarias ou casas, nem podiam tocar objetos de uso comum sem luvas. Eles ainda usavam uma vestimenta especial e carregavam sinetas, que anunciavam sua presença. Os doentes podiam pedir esmolas desde que fossem colocadas num saco amarrado na extremidade de uma longa vara. A Vila de Itapuã, que compõe a região atual, era desabitada e formada apenas por uma área indígena e uma colônia japonesa. Como os primeiros funcionários tiveram necessidade de morar perto do trabalho, iniciaram habitações nas redondezas. Assim formava-se um bairro de Viamão, onde antes era uma zona rural. A reforma agrária, pós 1945, trouxe novos ares para o crescimento territorial. Hoje, o hospital abriga 27 ex-hansenianos e 35 doentes psiquiátricos do Hospital São Pedro. Em meio à calmaria dos 1.251 hectares, os que ganham a vida ali proporcionam dignidade e respeito aos que, por escolha ou obrigação, permanecem afastados da sociedade. Os moradores ocupam uma estrutura mantida por 110 servidores estaduais e terceirizados que se intercalam nos plantões. Parte do conjunto de 172 prédios está desativada e pouco mais de 15 residências ainda têm habitantes. Rita, que já foi coordenadora do Programa de Controle da Hanseníase no Rio Grande do Sul, relembra de uma história marcante que acon-

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teceu em 1985 e envolvia a última portadora de hanseníase que deu entrada no Hospital. A paciente descobriu que tinha lepra quando estava na sala de parto. “Ela disse, 'Rita, o médico pediu para eu chamar minha irmã, que meu filho não seguiria comigo. E eu teria que ir para o leprosário'”, conta a enfermeira. A mulher chegou a pé ao Hospital Colônia e era vista como louca pelos outros doentes. Por várias vezes, a hanseniana achava que estava grávida, mas quando ia para a ginecologista na vila, obtinha a resposta de que a gravidez era psicológica. A mulher finaliza a história: “Uma vez enquanto eu fazia curativo nela, ela me disse, ‘sabe dona Rita, hoje meu filho está fazendo 21 anos’. Eles podem não saber o dia que nasceram, mas sabem o dia que entraram aqui e até a roupa que vestiam”. Para alguns, ser levado à região de Itapuã era um castigo, embora muitas vezes fosse encarado como somente essa a opção. O único emprego que Negrinha teve desde jovem traz alegrias diariamente, as quais relembra com emoção. Com 59 anos, conta que chegou ao vilarejo para ficar com o pai: “Ele era separado e morava sozinho. Para fazer companhia para ele, vim para cá”. Agente administrativa do Estado e cuidadora dos pacientes psiquiátricos há 16 anos orgulha-se da vida que construiu. Ela é moradora da antiga área limpa do Hospital há 11 anos junto ao filho de dez anos. A área limpa era o espaço em que as pessoas saudáveis podiam transitar “Atualmente, vivo a 100 metros do trabalho, mas a gente tem dificulda-


de com as nossas estradas. Tenho casa na vila e temos complicação de acesso a ela”, afirma. Negrinha se refere à estrada de chão irregular com quilômetros de descaso e malcuidado do governo estadual e da Prefeitura de Viamão. Os servidores do Hospital comentam que a complexidade em melhorar é pela área de preservação, nas redondezas Parque Estadual de Itapuã, a qual possui árvores nativas e animais silvestres. O acesso não é pavimentado, e a movimentação é pequena, o que aumenta a sensação de esquecimento. Sentimento compartilhado com os segregados. Negrinha confessa que tinha a opção de trabalhar em Itapuã ou em Porto Alegre, mas o deslocamento diário e a distância para a Capital a fizeram escolher pela vida no vilarejo. “Para mim aqui é o paraíso. Como a minha família toda é oriunda daqui, trago esse apego com o ambiente”, explica. Olhar acolhedor e calos nas mãos, ela conta histórias emocionantes. “Já perdi pacientes, isso acontece”, diz ela, em meio a um suspiro. “Lembro-me de um episódio que aconteceu de um (morador) que faleceu em um pronto-socorro segurando minha mão”, relembra. Ele a chamou pelo apelido, segurou a mão da mulher e teve uma parada cardiorrespiratória. “Tem paciente psiquiátrico que me chama de mãe. Aqui é um espaço de convivência e afinidade”, comove-se. Por idade, já poderia estar aposentada, porém está em abono permanência há quatro anos. Entretanto, deixa bem claro em sua fala: “Coração fala mais alto que a razão aqui”.

O acompanhante terapêutico do Hospital Jairo Medeiros de 51 anos, trabalha há 31 no espaço. “Já tive proposta para sair, porém não vou deixar de trabalhar com os pacientes legais para fazer trilha. Aqui eu sou um pai”, conta. O homem, que por onde passa é cumprimentado por todos que cruzam o seu caminho, iniciou como atendente de enfermagem, se transformou em monitor e foi trabalhar na Morada Itapuã. A intenção, segundo o próprio, é tentar melhorar um pouco a vida de cada um dos pacientes com problemas psiquiátricos internados no lugar. “Vamos conversar na minha sala que é mais tranquilo”, salienta Medeiros, ao mesmo tempo em que conduz a equipe da reportagem até um pavilhão que fica depois do pórtico. Diferentemente do esperado, o café da manhã na cozinha fica dinâmico com a presença de seis dos 35 pacientes psiquiátricos, que circulam livremente pelo Hospital. “Jairo, quero ouvir música gaúcha”, pede um deles, enquanto pula de alegria e circula no corredor que leva até uma sala. Na mesa comprida do cômodo, todos se acomodam lado a lado, e entre xícaras e conversas os que se aproximam contam suas angústias e histórias. Porém, a tranquilidade dá espaço ao som de uma gaita: os mais tradicionalistas conseguiriam perceber que a troca de palavras foi cortada pela música de Os Serranos chamada de Criado em Galpão. “Se eles querem escutar música gaúcha, a gente coloca, aí vem outro e quer ligar a TV, a gen-

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te faz isso também; perguntamos para eles, o que querem fazer aqui, isso que importa”, relata Medeiros. Morador da Vila Itapuã, com casa de frente para a beira da praia, Medeiros trabalha de segunda a sexta-feira no Hospital Colônia, das 8h às 18h. “Os meus patrões são os pacientes, meu dia a dia é com eles. Esse café eu faço há 15 anos, os conheço pelos olhos e a forma que falam”, conta. De férias, deixou a função para uma colega que trabalha em conjunto na melhora da qualidade de vida dos hospitalizados. O grupo fica espalhado pelo pátio em dias de sol e a função dele é ocupar o tempo com o que eles querem fazer, inclusive quando as atividades são realizadas fora do Hospital. Uma vez por semana os leva para Porto Alegre. “Vamos ao centro, Mercado Público, cinema, shopping, museus”, enumera. Medeiros conta que sempre vão de ônibus de linha. “Não querem socializar? Então vamos de coletivo. O Tadeu, surdo-mudo, quando fica muitos dias sem sair começa a gritar tanto que se escuta de longe”, conta. Na casa que ele tem na Vila, há espaço para mais de 20 pessoas, com direito a churrasqueira e fogão a lenha; o local também é usado para confraternizar com os internos. “Quando é o próximo churrasco, Jairo?”, questiona um dos moradores, Joaquim. Passeios, visitas, festas e churrascos são unanimidade entre os residentes como atividades inesquecíveis. “Eles estão comendo carne e perguntando

sobre quando será a próxima, não esquecem”, enfatiza Medeiros. Fernando Duarte, 55 anos, é outro que tem sua vida e formação escolar ligadas ao Hospital. “Eu vim ‘piá’, estudava na escola da área limpa e desde então não sai mais daqui”, relata o homem que é funcionário do local há 32 anos. Para ele, o lar sempre foi Itapuã e não havia como, nem porque sair. “Meu primeiro emprego foi aqui como atendente de enfermagem, mas, hoje, fico na chácara cuidando do gado”. Em uma quinta-feira gelada no inverno gaúcho, Duarte estava abaixo de terra e lama para fazer o trabalho diário. “Pretendo me aposentar e morar na região”, conta. O convívio e a delicadeza de Duarte com o local passam pelos pais, que trabalharam por mais de 38 anos no Hospital. Ele compreendeu o mundo e a vida a partir dos moradores. “Quando era pequeno tinham mais hansenianos, mas nós não podíamos atravessar o pórtico e ir depois da administração e da padaria. Só os adultos tinham permissão”, comenta. A ligação do homem continuou mais firme com o Hospital: a esposa também é filha de funcionários e, atualmente, trabalha no lugar. “Desde criança convivíamos. Nosso filho mora em Porto Alegre, mas ainda estamos aqui”. Para o servidor, a cada dia há uma história diferente para contar. Ainda mais agora que fica em contato direto com os pacientes psiquiátricos. “Olha, estamos praticamente 24 horas de prontidão, se precisam da gente estamos lá”, relata.

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Outro funcionário conta que Duarte passou por várias histórias durante a infância. Como não havia conhecimento específico sobre a lepra, o convívio era quase nulo e o medo da doença, iminente. Certa tarde, os hansenianos jogavam futebol, como costumavam, e a bola sobrou para Duarte, que fez o gol. Em comemoração, os moradores correram atrás do menino para abraçá-lo e beijá-lo. Entretanto, ele correu em outra direção, assustado. O receio era tanto que mesmo em um momento de alegria havia uma segregação pelo desconhecido. As lembranças não são exclusivas de uma criança que viveu pelo Hospital. O espaço físico e sentimental agora é habitado e também pode ser visitado. Trabalhadora pela vida, Rita se transformou em uma batalhadora da memória. A partir das vivências que teve e presenciou, a enfermeira começou a produzir uma série de entrevistas e pesquisas com os moradores para que as histórias não fossem perdidas. Em setembro de 2014, foi consolidada a construção do Memorial do Hospital Colônia Itapuã, localizado na antiga casa das irmãs franciscanas que moravam no recinto na década de 1940. Um artista plástico gaúcho foi o curador de todos os utensílios, equipamentos, vestimentas e objetos encontrados, com auxílio de moradores e funcionários. Mais de 15 salas e ambientes divididos em dois andares relembram a história da doença e do espaço. Visitas de escolas e universidades são bem-vindas no final de semana, quando há uma

aula, não somente sobre o antigo leprosário, mas relatando as vidas que por ali passaram. Rita é responsável por apresentar o lugar com outros olhos para os visitantes. O memorial apresenta recortes que ficariam perdidos na lembrança de cada morador e das irmãs. As peças de coleção são como testemunhas silenciosas de uma época marcada pela falta de conhecimento e pelo medo de uma doença. Entre os exemplos, estão máquinas arcaicas, que eram responsáveis pela confecção dos primeiros comprimidos que tentavam tratar a lepra e uma pomada de hamamélis, que era uma das possibilidades, mas que nos anos seguintes mostrou-se sem eficácia. Enquanto isso, a hanseníase crescia pelo mundo. “O Rio Grande do Sul foi o último Estado a ter um Hospital Colônia. São Paulo já tinha mais de cinco”, explica a enfermeira Rita. A doença se disseminava sem esperança de cura até a década de 1970. Em 2006, havia no Brasil ainda 33 Hospitais Colônia. Os moradores continuaram no local por não conseguir reinserir-se na sociedade. Em Itapuã, Frei Pacífico e 19 freiras cuidavam do ambiente na época. O Frei era considerado o apóstolo dos leprosos, que evangelizou por mais de 18 anos. Com o medicamento correto, a transmissão é interrompida 48 horas após o início do tratamento. Mais de um milhão de pessoas no mundo inteiro são portadoras da doença. O Brasil concentra o maior número de casos no mundo, mesmo tendo tratamento disponível

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“QUANDO EU ERA PEQUENO TINHAM MAIS HANSENIANOS, MAS NÓS NÃO PODÍAMOS ATRAVESSAR O PÓRTICO”. FERNANDO DUARTE


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PEÇAS DO MEMORIAL ILUSTRAM A VIDA DAQUELES QUE FORAM ENVIADOS DE FORMA COMPULSÓRIA A ITAPUÃ

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no Sistema Único de Saúde. Em 2014, segundo o Ministério da Saúde, 24.612 novas ocorrências foram identificadas. Os doentes vieram sem escolha, sem perspectiva, com muitas incertezas pelo caminho. Deixaram para trás a família, os móveis e a liberdade. Aliás, foram deixados ali porque outros tomaram a decisão do que seria melhor para eles. O mundo “lá fora” já não os pertencia. Ele começava depois de um pórtico. Essa nova vida fica clara nas fotografias expostas no memorial, que recriam a história de A. e E., que tiveram seus nomes preservados para não serem hostilizados por terem hanseníase. Eles se conheceram no local, casaram e viveram toda sua vida por lá; só tinham esse conhecimento sobre o mundo ao qual pertenciam. T. e JP. estavam há 44 anos juntos, mas a senhora faleceu em dezembro de 2015. Em fotos antigas, vê-se claramente a beleza das pessoas. “Não foi em todos que a doença deixou deformidades”, pondera a enfermeira. Caminhando pela área do Hospital não é difícil perceber marcas das pessoas que por ali passaram. Na rua de casas geminadas – local para onde os moradores que se casavam iam –, a primeira delas da fileira carrega um ar de solidão e não apenas pela vegetação crescida: o morador faleceu em 2015. Um funcionário que não quis ser identificado relata que o homem ficou desaparecido da família durante 30 anos. Após uma visita ao médico, foi diagnosticado e impedido de voltar

ao lar. Quatro anos atrás, em 2012, descobriram a real história. Uma assistente social estava cadastrando os moradores, localizou de que cidade o homem era e descreveu-o na rádio. Uma vizinha próxima ouviu, reconheceu e comunicou a família do morador. Passaram a visitá-lo, porém o homem permaneceu até o fim dos seus dias dentro da casinha que o abrigou. Não queria deixar a região que tinha transformado sua existência. Mesmo assim, a vida de quem estava segregado seguia a mesma normalidade daqueles que estavam fora do Hospital Colônia. Moradores que tinham mais de 18 anos votavam, porém as cédulas eram esterilizadas por uma estufa e mandadas para fora da área para serem carimbadas e validadas. A comunicação era precária, mesmo assim havia certo cuidado para que o contato não fosse perdido. Cartas enviadas pelos doentes eram lidas pelas freiras, que julgavam o conteúdo, e após a confirmação do assunto, eram desinfetadas e emitidas. Além disso, não utilizavam dinheiro, mas moedas que só funcionavam lá dentro. A Eberle, uma empresa metalúrgica gaúcha, produziu as unidades para que eles pudessem trocar mercadorias e vestimentas dentro da comunidade. Na antiga casa religiosa, um quadro mostra desenhos de animais e objetos diversos como tesouras e bolas. Rita conta que a maioria dos que chegavam era analfabeta, por isso, se precisassem de óculos, utilizavam essa técnica – em que mos-

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“NÃO FOI EM TODOS QUE A DOENÇA DEIXOU DEFORMIDADES”. RITA SOSNOSKI CAMELLO


travam os objetos – para mostrar até onde enxergavam. A hanseníase afeta a visão com o passar dos anos e era um cuidado ímpar das irmãs. O ambiente interno do Hospital Colônia funcionava como uma cidade normal, com relação às leis e normas. Casamentos aconteciam de forma tradicional, com padrinhos, convidados e festas. Como o comprometimento das mãos das noivas era demasiado devido à doença, elas confeccionavam luvas. A vestimenta usada na celebração do matrimônio sempre foi igual para todas elas, não só isso, o mesmo – e único – vestido, que agora está no memorial. Encompridado, encurtado, alargado e estreitado – dependendo da noiva que fosse usar. Branco como a neve, bordado a mão, com pérolas e detalhes, fez parte de muitas vidas. “Estou escrevendo a história dos moradores para deixar no Memorial. Um deles lá pelas tantas diz: ‘sabe Rita, imagina que o vestido era tão lindo, tinha pérolas’; ele via a beleza nela acima da doença”, descreve a enfermeira. Como qualquer casal, alguns tinham filhos. Porém, como as mães não podiam ter contato nem ficar com as crianças, os partos eram complicados. Rita conta em detalhes: “Uma maca como uma cadeira de ginecologista ficava em um quarto e uma freira do outro lado de um vidro em que somente teu ventre ficaria para fora. Com as pernas afastadas dá-se um jeito até que tragam o bebê ao mundo. Quando nascer, a irmã vai olhar

o sexo e dizer, para que escolha o nome e padrinhos. Logo ele era batizado e levado para o Amparo enquanto a mãe continuaria no quarto sendo ‘organizada’. O filho e a mãe separados por uma parede”. As mulheres que engravidavam no Hospital tinham os bebês, que em seguida, eram levados ao Amparo Santa Cruz, onde ficavam até os 18 anos. “Uma vez por mês, um ônibus estacionava em frente ao portão e uma freira, de dentro dele, apontava para os familiares o respectivo filho. Era o único momento para se verem, sem nenhum contato. E, na verdade, por mais que as mães sentissem a dor da separação, não queriam a vida que elas tinham para seus filhos”, explana Rita. Em uma viagem a um Hospital Colônia em Portugal, a enfermeira fez uma descoberta que auxiliou muitas mães em Porto Alegre. Um berço poderia ser a solução para o excesso de leite produzido. As genitoras não podiam criar seus filhos, mas o líquido continuava sendo gerado. Se embalassem o berço, como se estivessem fazendo uma criança dormir, o leite saía mais fácil das mamas. “A boneca do nosso Hospital recebeu o nome de Margherita dos Amparos”, relata. As igrejas luterana, evangélica e católica, que existem dentro da área do Hospital Colônia, de pé até hoje, precisam de cuidado. A primeira foi tombada como monumento histórico, mas aguarda recursos para restauração. A última ainda tem missas todo o domingo, quando um padre vai para o povoado relembrar os ve-

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MORADORES QUE TINHAM MAIS DE 18 ANOS VOTAVAM, PORÉM AS CÉDULAS ERAM ESTERILIZADAS POR UMA ESTUFA E MANDADAS PARA FORA DA ÁREA PARA SEREM CARIMBADAS E VALIDADAS. CARTAS ENVIADAS PELOS DOENTES ERAM LIDAS PELAS FREIRAS, QUE JULGAVAM O CONTEÚDO, E APÓS A CONFIRMAÇÃO DO ASSUNTO, ERAM DESINFETADAS E EMITIDAS.

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lhos tempos. Rita conta que cada doente tinha uma função: “Quando entravam cada um dizia qual profissão queria seguir, tínhamos a costureira, o barbeiro, o marceneiro. As vestimentas eram todas confeccionadas pelos próprios hansenianos e todos os móveis que estão nesse Memorial foram feitos na época”, declara. Mesmo trazidos à força pelo Estado, por outro lado, os trabalhadores do Hospital tentavam dar um mundo semelhante, sem diferenças, ao que tinham deixado fora. O cassino ou pavilhão de diversões era o principal ambiente de descontração, onde mais de mil pessoas cabiam em pé – para dançar – ou sentadas em cadeiras numeradas para exibir filmes. Rádios, violões e gaitas embalavam as madrugadas, em eventos sociais. No Memorial, troféus mostram as vezes em que os doentes foram campeões de futebol. Rita relata que havia um campeonato entre os Hospitais Colônia do Brasil. “Vinha um ônibus de Santa Catarina para ver quem era o campeão entre eles; depois nossos moradores iam para lá. Além de ser liberada, era estimulada essa interação”, comenta. Hoje os moradores têm mais contato com o mundo exterior, mas, pela distância, muitos ainda se sentem separados da sociedade. Medeiros, trabalhador há mais de 31 anos, leva, em datas especiais, os pacientes a sua casa para celebrar a vida. “É um momento especial para eles, porém já me aconteceu tanta história, uma delas foi a mais recente”, relata. O caso aconteceu pouco antes da Páscoa, e, um dos pacientes, Valdomiro,

que não costuma sair, estava com expectativa de que a família fosse visitá-lo. O morador aceitou sair do Hospital próximo do horário do churrasco. O evento acontecia de forma normal até quase a hora de ir embora. “Fui lavar a louça, cinco minutos de costas para eles, quando virei: ‘cadê o Valdomiro’, ninguém sabia dele”, relata. Medeiros correu pelo asfalto e pela beira mar, percorreu a costa – cinco quilômetros de lá para cá e nada. “Aquela noite fiquei até às 22h procurando, bati de casa em casa, conversei com algumas pessoas e envolvemos um grupo a cavalo para achar”, relembra. Passaram seis dias e seis noites, até que, finalmente, o telefone tocou: “Um homem de uma fazenda falou que tinha um alemão com as características de Valdomiro. Falei ‘segura ele aí’ e fui a cavalo, era longe. O Valdomiro ficou escondido em uma casinha no meio de um mangueiral”, relata Medeiros. Para o funcionário, o Hospital tem muitas coisas boas e deveria ser valorizado e visto por outros olhos. “Nossa responsabilidade é e sempre foi muito grande”, enfatiza. Essas pessoas permitem aos outros seres humanos liberdade absoluta, além de demonstrar amor na responsabilidade quase invisível. Ajudar e aprender a renascer, ressignificar e até reviver: os funcionários são memórias dos movimentos que nesse meio tempo compuseram o que os moradores chamam de vida. Esta que é valorizada diariamente pelos esforços dos que dedicam sua vida a Itapuã.

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RENDA QUE VEM DO VERDE

Cultivo de hortigranjeiros, pesca e criação de boivinos e búfalos se destaca e emprega 45% dos habitantes do distrito

Texto e Foto: J é ssic a W olf f e A n a S ze v c y n sk i 32


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lém das belezas naturais e prédios que contam histórias, Itapuã também é um importante centro de produção de alimentos. Desde que foi reconhecida como distrito, no final do século 19, cresce o número de trabalhadores envolvidos no setor, principalmente, com o coletivo de hortigranjeiros, a pesca e a criação de gado e búfalos. Essas atividades são responsáveis por empregar quase 45% dos habitantes – cerca de 6 mil pessoas. Segundo Gladimir de Souza, engenheiro agrônomo na Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) de Viamão, a principal produção da região são as folhosas. “Grande parte das verduras vendidas na Ceasa de Porto Alegre é proveniente da localidade. O carro-chefe da região são os hortigranjeiros, cultivados pela colônia japonesa. Existe também um pouco de oliva e mel, porém é recente e tem pouca representatividade”, explica. A agropecuária em Viamão representa R$ 109,2 mil do Produto Interno Bruto (PIB) da cidade, segundo dados de 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Itapuã é a principal região do município que contribui para esse número, pois é responsável por 55% deste valor (R$ 60,1 mil, ao ano). A colônia japonesa, principal produtora de hortaliças do distrito, fixou as moradias ao longo das décadas de 1960 e 1970. Os imigrantes vieram para o Estado em busca de uma vida próspera e de

oportunidades de emprego. Itapuã foi uma das regiões escolhidas como destino, pois a possibilidade de trabalhar na agricultura poderia resultar no seu sustento. Iniciaram a produção em terras consideradas impróprias para cultivo pelos moradores locais, pois eram banhadas e precisavam de investimento na recuperação do solo. Antes do início da plantação, a terra foi adubada por cerca de cinco anos. Kazuaki Kamitoyo, 45 anos, segue o caminho do pai, já falecido. “Acabei me mudando com cinco anos, quando meus pais ocuparam essas terras e iniciaram o plantio. Desde pequenos, eu e meu irmão Kenji ajudávamos no sítio e nunca pensei em seguir em outra área”, conta. No sítio dos Kamitoyo, eles dividem funções com seis funcionários. Kazuaki é o responsável pela parte comercial da empresa, enquanto Kenji concentra sua atenção no campo. “Durante o ano inteiro, cultivamos quatro tipos de alface, que é o carro-chefe do negócio, beterraba, rúcula, mostarda, tempero verde e várias outras folhosas. Brócolis, couve-flor e pepino são mais sazonais”, explica Kazuaki. A produção é destinada à banca na Ceasa, em Porto Alegre, a mercados de Itapuã e a alguns restaurantes da Região Metropolitana. São 45 dias da plantação até a colheita dos alimentos. Os dias são divididos entre a roça e a estufa, que preserva os vegetais da chuva e do calor. De segunda a sexta-feira, o caminhão é carregado pela manhã com 200

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“GRANDE PARTE DAS VERDURAS VENDIDAS NA CEASA DE PORTO ALEGRE É PROVENIENTE DA LOCALIDADE”. GLADIMIR DE SOUZA


dúzias de folhosas, distribuídas durante o dia. “Chego às 7h para recolher e retorno à minha casa somente às 21h. O trabalho de cultivo e distribuição não é fácil. É um esforço diário, não temos descanso”, conta o produtor. Em relação à atual crise financeira no Brasil, os irmãos afirmam que a situação tem afetado a colônia. Os preços de manutenção e plantio subiram, deixando os produtos mais caros. “As pessoas não comem alface para comprar arroz e feijão. Diminuímos cerca de 20% da venda que tínhamos em relação a 2014 e, consequentemente, tivemos que aumentar em mais de R$ 1 o preço de venda”, explica Kazuaki. Para os produtores, a saída é reforçar os contatos comerciais e manter a qualidade dos produtos, o maior diferencial de sua produção. “Agregamos valor ao nosso alimento com a nossa dedicação no trabalho, tentamos fazer tudo o mais perfeito possível. Foi isso que nossos antepassados reforçavam quando éramos pequenos”, diz. Das mais de 20 famílias japonesas que chegaram à região, 12 ainda continuam em Itapuã. Porém, apenas metade segue produzindo. Segundo Kazuaki, isso ocorreu porque a cultura do cultivo passou somente para a geração de filhos homens dos japoneses. Entretanto, as famílias que continuam no negócio acabaram expandindo suas terras, o que evitou a queda na produção. “São 25 hectares para cada produtor. No nosso sítio, são 50 hectares porque acabamos comprando de

uma moça que não quis continuar com o negócio”, explica. A criação de búfalos também é forte na cultura da produção local. Segundo Clóvis Nascimento, criador há dez anos, a região acolhe 2% dos animais da espécie no Rio Grande do Sul. “A porcentagem é significativa por se tratar de um distrito pequeno. Porém, com grande produção. São mil cabeças, distribuídas em apenas três fazendas”, destaca. O lugar arrendado para a criação tem 250 hectares, com 350 búfalos e 52 bois que utilizam somente o pasto nativo. “Criamos mais bubalinos porque o custo com vacinas e medicamentos é cerca de 30% menor comparado ao gado”, conta. O abatimento precoce do búfalo, que ocorre quando o animal completa dois anos e seu peso chega a 400 quilos, também é uma vantagem. “O boi pode levar até quatro anos para estar pronto, isso aumenta os gastos”, explica. A carne dos búfalos é distribuída em poucos mercados de Itapuã e da Capital. “Mesmo não sendo uma carne tradicional no Estado, temos uma boa venda porque é muito mais macia e com menos gordura”, explica Clóvis. O público comprador costuma ser aquele que busca carne premium, por isso há o cuidado para que o búfalo engorde de forma natural, tornando o alimento mais saudável. “Pasto é a única alimentação. No inverno, os bovinos perdem peso, diferente dos bubalinos, que mantêm. Essa é outra vantagem desse tipo de criação”, finaliza.

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“O TRABALHO DE CULTIVO E DISTRIBUIÇÃO NÃO É FÁCIL, É UM ESFORÇO DIÁRIO, NÃO TEMOS DESCANSO”. KAZUAKI KAMITOYO


Apesar dos benefícios da comercialização da carne de búfalo, o gado e, principalmente, o leite bovino estão ganhando espaço em Itapuã. Gladimir conta que há cerca de cem produtores de leite no distrito. “Mesmo com os altos e baixos da valorização econômica do alimento, frequentemente, chegam novos investidores”, diz. Viamão possui uma produção diária de cerca de 45 mil litros, 70% desse número vem do distrito, e está entre os dez maiores produtores do Estado, segundo dados do IBGE. A colônia dos pescadores de Itapuã é a mais antiga do Estado, fundada em maio de 1922, e é uma das principais da Região Metropolitana. Na região, pesca-se bagre e tainha. Cerca de dez quilos diários são vendidos para moradores locais e comerciantes de Porto Alegre. Entretanto, a restrição da pescaria do bagre em 2015 ainda provoca transtornos. Paulo Ribeiro da Silva, presidente da colônia desde 2006, conta que essa situação reduziu em 80% a renda dos pescadores. “Os peixes são sazonais, eles entram e saem da Lagoa dos Patos e do Guaíba, pois não são típicos da região. A tainha pode ser encontrada durante sete meses no ano e demanda paciência, eles (pescadores) chegam a sair na segunda com os barcos e voltam somente no domingo”, explica. Os trabalhadores precisam pescar o máximo que podem entre março e setembro para comercializá-los entre outubro e fevereiro. O processo é artesanal, ou seja,

utilizam seus próprios barcos, seus equipamentos e fazem sua própria comercialização. Porém, ao longo dos anos, a pesca no local vem reduzindo e, atualmente, eles já buscam emprego na produção de outros alimentos. “O papel da colônia é auxiliar em eventuais dúvidas, credenciar esses profissionais e lutar por nossas causas, como a questão do bagre, para que todos se mantenham na pescaria. Estamos unindo outras associações no Estado para reverter a proibição e não prejudicar a renda das famílias”, conta. A oliva é um cultivo recente no distrito que, apesar de estar recebendo investimentos, ainda tem pouca representatividade para Viamão e Região Metropolitana. Segundo Gladimir, a oliva é uma das grandes apostas para os próximos anos, o que já está ocorrendo em outros locais do Estado “Os pomares ainda não estão em produção, pois tiveram início há pouco tempo. Por isso, é impossível dizer se o negócio vai engrenar e se tornar um diferencial para nós”, explica. No passado, o mel era uma das principais culturas de Viamão, com grande incentivo em Itapuã. Porém, com o passar dos anos, produtores enfrentaram problemas advindos do uso de venenos, que acabaram comprometendo a criação de abelhas. “O tóxico matou muitas colmeias e isso desestimulou sua produção. Hoje, com mais tecnologia, pequenos investidores estão voltando, aos poucos, a trabalhar com o mel”, conta Gladimir.

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UM LUGAR PARA MORAR E ENCANTAR

Vilarejo, rodeado por verde e รกguas transparentes, sobrevive principalmente do turismo dos ambientes naturais de Viamรฃo

Texto: L uc ian o Kamin sk i e Y asmin L uz Fotos: Y asmin L uz

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istante das áreas pulsantes da cidade e rodeada por mais de 100 quilômetros de areia e praias, Itapuã tem cerca de 15 mil habitantes e uma diversidade de lugares a serem explorados por quem aprecia o verde, a Laguna dos Patos e a parte limpa do Guaíba. Assim como os moradores, turistas acabam atraídos pelo lugar onde o silêncio só é interrompido pelo chacoalhar das folhas. Se entre abril e novembro são poucas as pessoas caminhando pelas ruas do vilarejo, no verão cresce o número de frequentadores. Cercada por campos, matas, dunas, lagoas, praias e morros, a região sobrevive essencialmente do turismo, incentivado pelos principais atrativos do local: as praias de águas límpidas e a vegetação nativa. Nos finais de semana da alta temporada, floresce o turismo por água no distrito. A busca por tranquilidade e sossego em meio à natureza e a oportunidade de conhecer as praias gratuitas do Parque Estadual de Itapuã – uma das últimas amostras dos ambientes naturais de Viamão – motivam pessoas de todo o Estado a visitar o vilarejo. Ao todo, Itapuã abriga seis praias: duas pequenas, na vila; e quatro maiores – Praia de Fora, da Pedreira, das Pombas e do Tigre –, na área do Parque. As regras para os banhistas dentro do parque, no entanto, são rígidas e nem todas as praias estão abertas à visitação. “Das quatro praias do Parque, três são abertas para visitação e uma está sempre fechada: a Praia de Fora, a maior delas”, conta Roger de Mo-

raes, condutor ambiental da reserva ecológica. Além das praias, é possível fazer quatro trilhas ecológicas no Parque, percorridas com acompanhamento de um guia. Além do verão, as atrações no vilarejo dividem-se entre a pesca, organizada pela Colônia de Pescadores de Itapuã, e as próprias trilhas interpretativas, criadas para aproximar o homem da natureza e que podem ser feitas durante todo o ano. Há 20 condutores habilitados, a maioria vive na região do Extremo Sul, para acompanhar os visitantes. A atividade inclui caminhada e observação da flora, fauna e bioma. Com um pouco de sorte, os visitantes ainda podem avistar animais, como o bugio-ruivo ou o gato-maracajá, que habitam a mata nativa. Indo pela Rodovia do Frei Pacífico para chegar até O Butiá, restaurante de propriedade do fazendeiro Henrique Moller, é preciso muita atenção. São cerca de quatro quilômetros que o separam do centro da Vila de Itapuã. Os que transitam pela via e não conhecem passam despercebidos pelo grande portão de madeira escondido atrás da vegetação. São 200 hectares, parte deles de mata nativa, onde Moller cresceu com a família. “Me criei aqui e me dava pena ver um local tão grande sendo pouco aproveitado, aí resolvi assumir a fazenda e em 2013 surgiu a ideia de criar O Butiá”, comenta. O restaurante funciona durante o ano inteiro, aos sábados, domingos e feriados, das 12h30min até o pôr do sol, exceto em dias que chove. O almoço é servido até as

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“QUERÍAMOS PROPORCIONAR PARA AS PESSOAS O QUE A GENTE SENTIU: UM LUGAR DE CONTEMPLAÇÃO E ACOLHEDOR”. MARCELA DONINI

14h30min, justamente para os visitantes aproveitarem os espaços e as atividades propostas. O preço da refeição ao meio-dia parte de R$ 115 por pessoa e inclui couvert, duas entradas, prato principal e sobremesa, tendo também opções vegetarianas e pratos especiais para crianças. A bebida não está inclusa. O restaurante tem, no total, 20 funcionários, sendo todos da região de Itapuã. Outra característica são os insumos utilizados , que são produzidos no distrito. Em um campo aberto, rodeado por uma imensidão de verde, em um espaço que mistura gastronomia e natureza, a fazenda também serve de inspiração para o amor. Aos sábados, segundo Moller, é comum ter casamentos para 150 a 350 pessoas. O custo é de R$ 130 por pessoa pela alimentação e mais R$ 6 a 8 mil para ceder o espaço do O Butiá. A decoração e as bebidas ficam sob responsabilidade dos noivos. O restaurante oferece estrutura, além da louça para o evento. Pela propriedade estão espalhados cinco decks panorâmicos, além de espreguiçadeiras e móveis feitos no próprio local. A fazenda ainda oferece passeio de barco a motor passando pelas praias, aulas de stand up paddle e trilhas pela propriedade. Para curtir a vista das águas por outro ângulo, o passeio de barco, que dura uma hora, tem o valor de R$ 90 por pessoa. A visita ao O Butiá só pode ser feita mediante reserva no site obutia.com, devido à capacidade limitada do local. Após a solicitação, uma senha de acesso e o endereço do lugar são enviados.

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Marcela Donini e Moreno Osório não planejavam fazer uma festa de casamento até 2013, quando foram ao show da Marmota Jazz no O Butiá. A prioridade do casal era uma cerimônia ao ar livre, num lugar em contato com a natureza, desfrutando da energia e da beleza natural. E foi como num típico cenário de filme, com a luz do entardecer ao fundo, que eles se casaram, dois anos depois daquele show de jazz. Para amenizar a distância, os noivos disponibilizaram transporte aos convidados e distribuíram mapas para quem decidiu ir no próprio carro. Os 150 presentes aproveitaram a festa até 3h30min. “Queríamos proporcionar para as pessoas o que a gente sentiu: um lugar de contemplação e acolhedor”, explica a noiva, que não cansou de contemplar a vista para o Guaíba. Desfrutando do mesmo cenário, mas situada a 50 metros da areia está a Pousada dos Quiosques. O lugar começou com um camping, há 19 anos, e tornou-se conhecido pela proximidade com o Guaíba. Jorge Luiz de Abreu Cirne, 50 anos, é o proprietário da hospedaria. Ele conta que o silêncio do lugar é perfeito: “A pessoa chega aqui cansada e vai embora com outro semblante. Dinheiro nenhum paga por esta satisfação”. A pousada também oferece café da manhã, redes de descanso no jardim, fogão à lenha, churrasqueira e pracinha para as crianças. No total, são 12 quartos, que acomodam até quatro pessoas. A diária varia de R$ 140 a R$ 170. “Na alta temporada a gente aumenta uns R$ 20 ou R$ 30.


Estamos sempre buscando melhorias para a pousada. O pessoal que vem quer ver novidades”, comenta Cirne. Mesmo na alta temporada, durante a semana, sempre há vagas disponíveis. A maior procura, no entanto, é no final de semana. Quem se hospeda aproveita momentos de conforto e tranquilidade em contato com a natureza. É o caso de um casal de idosos, que todos os anos passa o verão na pousada. Desde o final de dezembro até os últimos dias de fevereiro, eles ocupam o quarto de acessibilidade da pousada, pois os dois têm limitações físicas. Mas isso, segundo Cirne, não é motivo para deixar de aproveitar os dias mais quentes do ano. “Eles são hóspedes especiais e adoram curtir a tranquilidade da pousada e principalmente a praia”, conta o proprietário. O que poucos sabem é que durante a Copa do Mundo no Brasil, em 2014, torcedores australianos se hospedaram no local. “Eles encontraram a pousada pela internet e entraram em contato com um guia, que veio até aqui e fechamos o pacote. Eles ficaram por seis ou sete dias, saíam de manhã nos dias de jogos e iam para os bares de Porto Alegre”, relata o proprietário da pousada. Por conta da distância dos grandes centros, as famílias empreendedoras na região acabam trabalhando em parceria. A tranquilidade da Vila conquista o coração dos habitantes, que se estabelecem no local e ficam para sempre. “Me perguntam o porquê de eu ainda estar morando aqui neste fim de mundo, como meus co-

nhecidos dizem. Mas eu gosto do fim do mundo. Só saio daqui para ir para o cemitério, onde já tenho o meu lugar ao lado da minha esposa”, diz Ivoli Soares Barbosa, de 81 anos. Quem vê o último comércio da estrada de chão antes de chegar ao Parque Estadual de Itapuã, um armazém pintado de rosa desbotado, com dois cachorros na frente, não imagina quanto de história o proprietário Ivoli tem para contar. Com os olhos desconfiados, ele espia o carro desconhecido parar na frente do estabelecimento. Na quinta-feira pela manhã, o armazém está vazio e a única companhia do idoso é uma televisão. “Aqui na minha casa sou eu e Deus”, comenta. Seu Ivoli é viúvo há um ano e meio. A esposa, dona Maria Luiza Maria José, faleceu aos 75 anos, vítima de um câncer. Ambos nasceram no interior do Rio Grande do Sul e levavam uma vida simples antes de se estabelecerem em Itapuã. “Eu nasci em Jaguari e a minha esposa em Santiago. No ano em que nos casamos, meus pais vieram para cá porque minha mãe ficou grávida. Aí nós nos mudamos também”, conta. O nome do mercadinho, Três Marias, é em homenagem ao filho e à mulher. “Juntamos os dois Marias dela com o sobrenome Maria do filho”, relata. Por mais afastado que seja o armazém, ele abre de segunda a segunda, a partir das 7h da manhã. O lucro mensal no período do verão, conforme o proprietário, é três vezes maior do que em épocas de baixo movimento. “Em um dia com bastante gente eu vendo uns R$ 300, R$ 400,

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“ME CRIEI AQUI E ME DAVA PENA VER UM LOCAL TÃO GRANDE SENDO POUCO APROVEITADO”. HENRIQUE MOLLER

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porque eu vendo bastante cerveja. Agora com o Parque fechado não tem movimento nenhum”, comenta Ivoli. E o baixo movimento, segundo o próprio Ivoli, pode ser explicado pela criação do Parque. Em 1980, ele deixou o mercado que tinha em Alvorada para abrir um supermercado e dois mercadinhos em Itapuã. “Aqui rolava dinheiro, tinha muito movimento, mais de 30 pessoas. Aí depois abriu o Parque e matou tudo. Hoje tenho só um botequinho”. Ivoli conta que, logo após a sua chegada a Itapuã, a área que viria a se tornar Parque começou a ser desapropriada e muitos moradores foram retirados do lugar. O dono do Armazém Três Marias havia comprado duas chácaras na região e acabou perdendo tudo. “Com a assinatura do Parque, terminaram os negócios. Tinha duas chácaras, e as máquinas derrubaram tudo. Eles até avisaram, mas ninguém acreditava. Vieram e colocaram tudo abaixo”, lamenta. Com a criação do Parque, em 1990, o movimento diminuiu muito e seu Ivoli se viu obrigado a fechar os dois mercadinhos que tinha e a transformar o supermercado em um simples armazém. Ao lado da esposa, demitiu todos os empregados e decidiu recomeçar a vida sem nenhuma esperança de ser ressarcido pelas terras perdidas. Ivoli criou tantas raízes em Itapuã que o seu filho, atual subprefeito da região, também possui um comércio no local, reproduzindo a mesma história. O homem de 57 anos, formou a família na Vila e, assim como o pai, não pretende deixar as terras tão cedo. Esse é o mes-

mo caso da comerciante Susel Diniz, de 50 anos, proprietária do Restaurante Tropical. “Acabamos caindo de paraquedas há três anos”, brinca. O estabelecimento localiza-se na Estrada Nossa Senhora dos Navegantes, principal via da Vila. O trabalho é feito em família. Junto com Susel, trabalham na pizzaria e sorveteria, o filho, a nora e o marido, além de três funcionários. O estabelecimento, aberto de quarta a segunda-feira, serve prato feito durante a semana e buffet, aos sábados e domingos, quando recebe mais visitantes. A ideia inicial da família era abrir uma tele-entrega de lanches na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Porém, depois de passarem um verão em Itapuã, eles mudaram os planos. “Foi qualidade de vida que nos trouxe para cá. Temos segurança. Acabei com todos os vícios de fechar porta e de trancar portão. Não considero Itapuã um bairro, mas um povoado atípico”, diz Susel. O negócio funciona ainda como centro comunitário. “Nós temos nossos clientes fixos da semana e os turistas dos finais de semana. Em eventos que a comunidade não tem espaço, nós cedemos a área do restaurantes para fazer”, explica Susel, que nos meses seguintes a sua chegada se sentiu rejeitada pelo povoado. Quanto ao futuro, a mulher garante que, embora haja incertezas, se depender da família, Itapuã continuará sendo por muito tempo um local de trabalho e acolhimento. “Aqui a sensação é de liberdade. Então se eu puder, criarei raízes para ficar”, finaliza.

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“FOI QUALIDADE DE VIDA QUE NOS TROUXE PARA CÁ. TEMOS SEGURANÇA. ACABEI COM TODOS OS VÍCIOS DE FECHAR PORTA E DE TRANCAR PORTÃO. NÃO CONSIDERO ITAPUÃ UM BAIRRO, MAS UM POVOADO ATÍPICO”. SUSEL DINIZ

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COM AS MARCAS DO TEMPO

Trajetória de Itapuã é marcada por eventos importantes na formação do Rio Grande do Sul

Texto: I za b ela M ar tel 48


1741

Viamão é fundada em 14 de setembro. O território era sede de estâncias de criação de gado. Foi um dos primeiros núcleos de povoamento do Rio Grande do Sul.

1752

Os primeiros 60 casais portugueses provenientes da Ilha dos Açores desembarcaram no porto de Itapuã para colonizar a região. Eles se instalaram nas imediações do porto, que passou a ser chamado de Porto dos Casais (que, mais tarde, se tornaria Porto Alegre).

1763

Viamão torna-se a sede do governo geral da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. A transferência ocorre devido à invasão espanhola no Estado. Permanece como sede do governo até 1773, quando o título é transferido a Porto dos Casais.

1836

1841

Durante a Guera dos Farrapos – iniciada em 1835 – Viamão é nomeada como Vila Setembrina. Fortificações e trincheiras são construídas entre a área central, a Vila de Itapuã e o cerco a Porto Alegre. No ataque imperial, 32 soldados farrapos morrem e dez são feitos prisioneiros no Morro da Fortaleza, localizado dentro do Parque Estadual de Itapuã. Dois fortes farroupilhas são construídos: um no Morro da Fortaleza e outro no Morro de Itapuã.

Bento Gonçalves e os farrapos se retiram de Viamão. A cidade deixa de ser Vila Setembrina. A guerra termina quatro anos depois.

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1860

1880 1970 1999

2000

Farol de Itapuã é construído para auxiliar a navegação da Lagoa dos Patos e sinalizar o ponto de encontro entre as águas do Rio Guaíba, que dão acesso à capital gaúcha e à Lagoa dos Patos. Emancipação de Viamão.

Criação do Centro Agrícola de Reabilitação (CAR) para acolher pacientes com problemas psíquicos do Hospital Psiquiátrico São Pedro de Porto Alegre. Inauguração do Centro de Documentação e Pesquisa (CEDOPE) do Hospital Colônia de Itapuã. O objetivo do órgão é a preservação da história da instituição, entendendo que ele tem importância histórica na saúde pública do país. O CEDOPE se encontra desativado no momento. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) demarca a área de 22 hectares onde fica a aldeia Tekoá Pindó como território indígena. Antes disso, a área era uma plantação de eucaliptos. A partir dessa data, 16 famílias descendentes da tribo guarani-mbyá passaram a residir no local, vivendo de agricultura, pesca e artesanato.

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2010

2016

A antiga Igreja Evangélica do Hospital Colônia de Itapuã é tombada como patrimônio histórico e artístico do Rio Grande do Sul. Primeira Festa do Peixe de Viamão é realizada em Itapuã. O evento reúne milhares de pessoas anualmente e comercializa toneladas de tainhas assadas aos visitantes. A praia de Itapuã recebe provas do Circuito Gaúcho de Maratonas Aquáticas. A Federação Gaúcha de Desportos Aquáticos (FGDA) reuniu 55 nadadores em evento realizado em 16 de janeiro. Revista Lugares, da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da PUCRS dedica seu primeiro número a Itapuã, retratando em textos e imagens inúmeros aspectos do cotidiano de uma das regiões mais diversificadas do Estado.

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ÍNDIOS

Ensaio Fotográfico: Victoria Fonseca Crônica: Júlia Bernardi 54


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ções culturais, não quer conversa, pois precisa se preparar para a recepção. Mesmo assim, passa sorrindo entre os presentes, com carinho e alegria. Em um ensaio, a professora da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Nhamandu Nhemopua repassa as falas para o trabalho. A aldeia de 22 hectares recebia estudantes de diferentes escolas do Estado no dia da visita. A escola é só um auxílio, porque os alunos participam intensamente por meio da cultura de gestos, cantos, danças – é o ensino guarani. Dizeres como sustentabilidade, coloque o lixo no lixo e os nomes científicos de cada espécie de planta estão escritos em placas de madeira: tudo na linguagem nativa. Entre abraços e beijos começam a chegar os mais atrasados. “Onde está o teu irmão”, indaga. Uma índia adolescente responde em português: “Dormindo, professora”. Olha para trás e resmunga em guarani uma resposta para um amigo. Para conhecer a tradição, entrar no Galpão Cultural, é preciso silêncio e respeito. Uma criança de mais ou menos seis anos é o guardião. Como um portal, para entrar no ambiente é preciso se reverenciar para as memórias locais. Em mais de uma hora de cânticos e danças, todos são convidados a entrar. Um clima diferente relembra a cultura e a vivência de um povo que, em meio à civilização, permanece fiel a suas origens.

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AGUYJEVETE

A

guyjevete está na parede, nos rostos e na fala – a palavra, segundo os guaranis, é usada com o significado de gratidão. Em meio à pressa do cotidiano, a aldeia Tekoa Pindó Mirim é um abrigo próximo ao Hospital Colônia Itapuã. Até mesmo os passos lentos de cada um dos cerca de cem moradores e 21 famílias podem ser apreciados na entrada da área indígena. Com olhar baixo por respeito ou um sorriso no rosto em resposta a uma fotografia, as famílias se aglomeram em meio à tradição oral vivenciada na mata. De pés descalços e pouca roupa, mostram que, mesmo com as mudanças do homem branco, continuam vivenciando o respeito pela terra. “Podemos tirar fotos de vocês?”, a pergunta veio de uma estudante de Jornalismo que visitava o espaço. Uma das indígenas amamentava, as crianças riam e cercavam o grupo. Um garoto com, no máximo, três anos e a face pintada em tons vermelhos fez pose para a câmera. “B-e-m b-o-n-i-t-o”, ele fala pausadamente ao ver-se representado no visor. Os menores chegam na escola indígena não sabendo falar uma palavra em português e vão aprendendo com a vivência entre professores e mais velhos. No primeiro dia da 4ª Semana Cultural, as crianças e idosos vestem trajes, usam tintas e ensaiam cantos típicos. O cacique Arlindo, que se prepara para apresenta-


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UM CLIMA DIFERENTE RELEMBRA A CULTURA E A VIVÊNCIA DE UM POVO QUE, EM MEIO À CIVILIZAÇÃO, PERMANECE FIEL A SUAS ORIGENS

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COM OLHAR BAIXO POR RESPEITO OU UM SORRISO NO ROSTO EM RESPOSTA A UMA FOTOGRAFIA, AS FAMÍLIAS SE AGLOMERAM EM MEIO À TRADIÇÃO ORAL VIVENCIADA.

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DIFÍCEIS IDAS E VINDAS Vias esburacadas e sem pavimentação prejudicam veículos e a rotina de quem precisa percorrer trajetos entre Porto Alegre, Itapuã e Viamão

Texto: G ab r iela Klaus e J ov elin e C ar v alh o Foto: G ab r iela Klaus 70


I

tapuã poderia ser um pequeno paraíso perto de Porto Alegre, se não fosse o problema de infraestrutura nas estradas e ruas que levam até o local. A acessibilidade preocupa moradores e visitantes, que exigem condições mais adequadas de deslocamento e pavimentação das vias para que tenham uma melhor qualidade de vida e o turismo incentivado. O distrito fica localizado em Viamão, a 57 km de Porto Alegre. Chegar e partir da cidade, porém, pode não ser uma tarefa fácil. Não só quem mora em Itapuã e trabalha em outros pontos da Região Metropolitana encontra dificuldades, mas quem vive na área também precisa sair do local em busca de serviços básicos. Conforme Anderson Fauri, secretário de Planejamento Urbano e Habitação de Viamão, o local conta com 15 mil moradores e 2 mil deles vivem na vila, a área urbana do distrito. A estrutura viária é composta basicamente por estradas de chão e apenas 10% das vias são asfaltadas. A manutenção do acesso principal de Viamão é feita a cada três ou quatro meses, através do nivelamento do solo. Jairo Antão Pires Medeiro, 52 anos, condutor ambiental do Parque Itapuã e morador da vila há muitos anos, é um apaixonado pela localidade e relata que, apesar das dificuldades, jamais deixaria de morar na comunidade. Serviços como hospital e posto de saúde estão disponíveis para

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a população, bem como Brigada Militar e um grupo de bombeiros voluntários que existe há três anos. Entretanto, há dificuldade quando é necessário ir ao banco, pois só existe uma subagência do Banrisul, que funciona das 10h da manhã até as 14h, e uma única casa lotérica. Farmácia também é um fator preocupante, pois só existem duas e nenhuma delas funciona 24 horas. Em virtude das condições das estradas, o deslocamento dos moradores é difícil mesmo quando a frota de veículos de transporte público está disponível. Os cinco ônibus foram renovados em setembro de 2013, um deles, o reserva, de modelo antigo. Os principais aprimoramentos são as cortinas que amenizam a luz do sol e o calor no verão, úteis durante o trajeto de aproximadamente duas horas e quase 50 quilômetros de percurso até Porto Alegre. Além disso, estão adaptados para cadeirantes, contam com maleiro para colocar objetos e os assentos são estofados com leves encostos para a cabeça. “Sinceramente, vou dizer, de ônibus a gente está bem servido, o problema são as estradas, é o acesso ao ônibus”, afirma o morador. Assim, a dificuldade das estradas desgasta os novos veículos, pois a rota do distrito até Viamão é feita sem pavimentação, diferente do trecho até Porto Alegre. Para Medeiros, “tu podes colocar um ônibus novo lá que nem a Viamão colocou, mas em pouco


tempo ele já não é mais novo, ele já está quebrando por causa da estrada”. Há asfalto nas ligações com a Capital, porém o caminho da Vila até o Hospital Colônia é formado por 15 km de estrada de chão. Quem vem de Viamão através do centro enfrenta 24 quilômetros nestas mesmas condições. Em dias de chuva, a pista fica escorregadia e os veículos derrapam e até mesmo atolam, além de formarem novos buracos. A consequência mais comum para quem usa o transporte público é o atraso no horário das linhas de ônibus que utilizam os trechos, o desgaste e a depreciação dos veículos, além de outros problemas enfrentados diariamente. Os maiores prejudicados são os passageiros, que ficam um longo período aguardando nas paradas de ônibus, muitas vezes sem bancos ou proteção superior em caso de chuva ou sol. Eles também utilizam veículos que, apesar de relativamente novos, já necessitam de reparos importantes para o conforto e a segurança. De acordo com a Empresa de Transportes Coletivos de Viamão a média de passageiros que fazem uso das linhas Itapuã/Porto Alegre e Porto Alegre/Itapuã é de 1,2 mil pessoas por dia, podendo variar aos finais de semana, quando ocorre um decréscimo para 600 aos sábados e até 300 aos domingos. Para atender a rota, uma equipe de dez motoristas e dez cobradores trabalha nos

cinco ônibus, com 15 horários de segunda a sexta-feira. O chefe de Departamento de Gestão de Transporte Metropolitano da Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), Danilo Rossi Lando, indica que a empresa Viamão está com prejuízo de R$ 205 mil ao ano devido ao baixo número de passageiros, mesmo com a tarifa de R$ 5,75. A solução é aumentar o valor da passagem, o que provocou a discussão na comunidade sobre eventuais prejuízos com esta situação. A possibilidade de reajuste no valor da tarifa é considerada abusiva pelos moradores, que não têm outra opção de locomoção. Outra solução considerada plausível pela Metroplan é a realização de uma nova licitação. O problema, porém, pode permanecer, pois não há empresas interessadas em fazer o transporte público na região. Uma eventual solução está no uso de catamarãs em rotas ao longo dos rios Guaíba, Sinos e Jacuí, ligando Porto Alegre (com paradas em Ipanema, Beira-Rio, Praia de Belas, Belém Novo e Lami), Itapuã e Gravataí, outra cidade com densa malha de estradas de chão. A Metroplan protocolou o projeto junto ao Ministério das Cidades para tentar a inclusão no orçamento do governo federal de 2017. A empresa conversou com as prefeituras para definir o início da operação, com estimativa de 15 anos para finalização no distrito de Viamão.

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“DE ÔNIBUS A GENTE ESTÁ BEM SERVIDO, O PROBLEMA SÃO AS ESTRADAS, É O ACESSO AO ÔNIBUS”. JAIRO ANTÃO PIRES MEDEIRO


COMO CHEGAR Vários caminhos levam até Itapuã. A rota de carro curta entre Viamão e o Parque começa na Avenida Antônio Batista e termina na Rua Reverência, passando pela Rodovia Tapir Rocha e a Rua Senador Salgado Filho. Quem parte de Porto Alegre pode encurtar o trajeto pela Avenida Professor Oscar Pereira, na Azenha, que levará à Estrada Itapuã. 73


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REFÚGIO CIENTÍFICO

Parque com mais de duas décadas de existência atrai cientistas de diferentes universidades e países

Texto: G isele V ar gas Fotos: Y asmin L uz 76


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ma das mais importantes unidades de conservação existentes no Rio Grande do Sul está em Itapuã. O Parque Estadual de Itapuã possui 5,5 mil hectares de mata atlântica, conserva mais de 300 espécies de vegetais e animais ameaçados de extinção. A área ainda abriga partes intocadas e outras em recuperação, por conta da ocupação antes de se tornar protegida. Conhecida pelo ecossistema único, atrai pesquisadores de todas as áreas – dispostos a explorar o ambiente rico em fauna e flora – e de diferentes países – desde que tenham a liberação dos organizadores do parque. Dayse Rocha, funcionária da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) e bióloga encarregada da parte ambiental do Parque, ressalta que Itapuã é a unidade de conservação com mais pesquisas científicas sendo realizadas. “Itapuã é completo. Aqui você encontra um mosaico de ecossistemas com grande diversidade, e está tudo muito próximo de Porto Alegre, facilitando o trabalho do pesquisador. Ele não precisa ir para outra parte do Estado procurar determinado tipo de ambiente, ele encontrará no parque o que necessita na fauna, na flora, na geologia, na geografia”, explica ela, citando a Lagoa Negra, com 1,8 mil hectares destinados à pesquisa e à preservação. Transformado em Unidade de Conservação em 1991, o local foi aberto para visitação em 2002

com o objetivo de promover a educação ambiental. A bióloga explica que, para os pesquisadores desenvolverem o trabalho dentro do Parque, é necessário estar cadastrado no Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade (Sisbio) – cadastro nacional que organiza as pesquisas no Brasil – e entregar os documentos exigidos: a solicitação de autorização de pesquisa padrão, fornecida pela própria Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), os termos de compromisso e de assunção de riscos e a autorização para coleta em casos excepcionais em unidade de conservação. A partir da inauguração do Parque, 162 pesquisas foram realizadas. Destas, 146 são da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Dentro das áreas de conhecimento, as mais estudadas são zoologia (68), ecologia (39), botânica (30) e genética (21). Ainda estão em andamento oito pesquisas da UFRGS, duas da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (FZB), uma da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), uma da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), uma da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), uma do Centro Universitário Metodista (IPA) e outra da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de São Paulo. Um dos estudos é o da mestranda em Biologia Animal da UFRGS Lídia Farias Martins, intitulado “Monitoramento e status

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“AQUI VOCÊ ENCONTRA UM MOSAICO DE ECOSSISTEMAS COM GRANDE DIVERSIDADE”. DAYSE ROCHA


de conservação das populações de Liolaemus arambarensis, lagarto endêmico e ameaçado das áreas de restingas da Lagoa dos Patos, RS”. O trabalho está sendo desenvolvido com a ecologia populacional de um lagarto de areia ameaçado de extinção. Lídia conta que a área de ocorrência dessa espécie vai de Viamão (Parque de Itapuã) até São Lourenço do Sul, apenas pelas restingas da Lagoa dos Patos. “Trabalhei em três populações dentro da área de ocorrência da espécie e uma dessas populações se encontra na Praia de Fora no Parque de Itapuã. Constatamos que o mesmo status de conservação (a espécie está classificada como Em Perigo de Extinção segundo a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN) que é usado atualmente referente a sua distribuição restrita pode ser mantido também referente às estimativas populacionais”, explica Lídia. Segundo a mestranda, o interesse pela pesquisa no Parque Itapuã vai além da ocorrência da espécie neste local: Lídia considera a área fundamental para a preservação da fauna local. “O parque abrange diversos ecossistemas em uma mesma área (banhado, restinga, floresta). Se ele não existisse, com certeza o espaço já teria sido tomado por casas, comércios e estradas e não encontraríamos boa parte dos organismos que ainda encontramos lá, como o lagarto que estudo. Os projetos de pesquisa no Parque

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são essenciais para monitorar e entender melhor a dinâmica das espécies que ocorrem nessa área”, ressalta. Coordenador de Pesquisa e Manejo da Sema, o biólogo e técnico ambiental Felipe Kohls Rangel confirma a importância dessas pesquisas para a unidade de conservação. Ele destaca que estes estudos auxiliam na proteção e colaboram com a atualização de informações para futuras revisões do plano de manejo do Estado – documento que mapeia as zonas de um parque estadual e orienta as atividades a serem desenvolvidas. O último levantamento foi realizado há 30 anos e diz que os parques estaduais são “áreas dotadas de atributos excepcionais da natureza, criados com finalidade de proteção integral da flora, da fauna, do solo, da água e de outros recursos e belezas naturais, conciliando a utilização para objetivos científicos, educacionais e recreativos”. Segundo o plano da época, os mamíferos catalogados representavam 35% do total conhecido no Brasil (141), e as aves, 36% do total de espécies do Estado – três delas são raras e há outras migrantes do Hemisfério Norte. “Em um contexto mais amplo, muitas dessas pesquisas contribuem para a questão ambiental no Rio Grande do Sul, como o manejo de espécies exóticas em áreas de vegetação nativa, os estudos sobre a qualidade da água, os estudos epidemiológicos entre


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fauna nativa e animais domésticos”, destaca Felipe. Entre as pesquisas realizadas pela PUCRS está a do biólogo costarriquenho Óscar Chaves. De julho de 2011 a junho de 2014, ele observou as consequências da interação humana no comportamento dos bugios ruivos. A pesquisa estudou o estresse dos animais, o parasitismo, a dieta e a automedicação em primatas não-humanos – identificada como medicina da conservação de Alouatta guariba clamitans em um ambiente de qualidade de habitat, sob a supervisão do professor-titular da Faculdade de Biociências da PUCRS, Júlio César Bicca-Marques. Óscar conta que apesar de ser um local rico em recursos naturais e ideal para a realização de pesquisas, as dificuldades para iniciar os estudos são desestimulantes. “É preciso coragem para sair com a pesquisa adiante”, enfatiza. Segundo Óscar, a liberação para iniciar a pesquisa demorou cerca de dez meses. Quando finalmente conseguiu a permissão, ele deparou com a dificuldade de estabelecer um vínculo com os funcionários responsáveis pela segurança da área. Os guardas-parque acompanham, obrigatoriamente, os pesquisadores no trabalho de campo, uma vez que há revezamento por conta do limitado número de técnicos atuantes no Parque.

Apesar das dificuldades encontradas pelas questões burocráticas, Óscar diz que a riqueza natural do Parque Estadual de Itapuã é espetacular, e que o local deveria ter mais investimentos e incentivo a pesquisas. “São cinco pessoas na administração. Sabemos que o Rio Grande do Sul passa por dificuldades financeiras, mas com pouca gente fica complicado administrar, e o Parque merece essa atenção”, reflete. Dayse Rocha conta que a área é protegida por preservar espécies ameaçadas, como o lagarto que é o objeto de pesquisa de Lídia, e também por guardar a última amostra dos ambientes originais da Região Metropolitana. O Parque também carrega parte da história do Estado, como episódios da Revolução Farroupilha, a chegada dos casais açorianos fundadores de Porto Alegre e os sítios arqueológicos dos Guaranis. Com o passar dos anos, os loteamentos clandestinos geraram consequências ao ecossistema. A caça, a extração do granito rosa, os incêndios e o turismo desordenado debilitaram a região que concentra o parque. Hoje, apesar de significativa, a fauna existente representa apenas parte daquela que presentava antes do povoamento. “Com paciência e reeducação ambiental, vamos mudando a forma como a população enxerga e trata o Parque”, acredita Dayse.

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UMA VIDA DEDICADA AOS ANIMAIS Aos 61 anos, arquiteta aposentada vive na companhia de dezenas de bugios, aves, coelhos, ovelhas e outras espécies resgatadas na região

Texto e Fotos: Keila Fumegali 85


C “EU VI A NECESSIDADE DE ME MUDAR QUANDO MEU SÍTIO SE TORNOU PEQUENO PARA TANTO BICHO”. SILVIA BEATRIZ ANDRADE SAINT MARTIN

uidar de gatos, cachorros ou até mesmo passarinhos muitas vezes se torna uma tarefa complicada devido à atenção que eles exigem. Imagine, então, cuidar de 35 bugios, pregos e saguis, quatro papagaios, dois tucanos, uma arara, um ratão do banhado, quatro cães, três gatos, dois cavalos percheron, calopsitas, canários, coelhos, patos, marrecos, gansos, ovelhas, cabras, e quantos mais aparecerem. Essa é a missão da arquiteta e urbanista aposentada Sílvia Beatriz Andrade Saint Martin, 61 anos, que há 16 dedica a vida aos animais. Movida pela causa, ela decidiu se mudar de um sítio no Bairro Lami, no Extremo Sul de Porto Alegre, para uma área de 18 hectares em Itapuã. Vizinha do Parque Estadual, Sílvia mora em uma casa ampla a três porteiras e a cerca de 500 metros da estrada. O cheiro da mata é sentido já na primeira entrada da propriedade. Um casal de cachorros recebe quem chega. Ao lado da casa, um espaço se destaca: grandes gaiolas abrigam animais de várias espécies, cada um no seu devido espaço. Curiosos com os visitantes, os bugios são os primeiros a se movimentarem. Acompanhados pelos papagaios e pelas araras. É como estar em um zoológico, a diferença é que a maioria deles chegou à propriedade doentes ou resgatados com sinais de maus-tratos. “Cuido dos animais desde pequena. Sempre salvei as

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galinhas de macumba na rua. Resgatava os passarinhos dos meus gatos, atravessava as tartarugas que cruzavam a estrada. Eu vi a necessidade de me mudar quando meu sítio se tornou pequeno para tanto bicho”, conta Sílvia. Desde 2007, o espaço é regularizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e reconhecido como área conservacionista, que acolhe animais silvestres apreendidos pelas autoridades por posse ilegal, maus tratos e impossibilidade de reintegrarem-se à natureza. A criação de macacos, a partir de 2000, iniciou com o resgate de um filhote que estava sob os cuidados de uma comunidade indígena local. Silvia pagou pelo animal e acionou o Ibama. O criatório não recebe nenhum auxilio financeiro. Toda a estrutura é mantida com o salário de funcionária pública aposentada e com o trabalho de arquiteta que Sílvia faz nos horários de folga. Quando algum animal aparece machucado na região, Sílvia é acionada pelos moradores. As ocorrências mais frequentes são de bugios que levam choques nos postes de energia elétrica ou são mordidos por cachorro e atropelados. Nesses casos, ela conta com a colaboração de veterinários e biólogos do Ibama, que são responsáveis pela saúde e proteção dos animais. “A dedicação que herdei dos meus pais para cuidar dos bichinhos me toma


muito tempo. Às 8h, sirvo alface, couve e brócolis. São duas horas para atendê-los. A partir das 14h, começo de novo. É a hora de servir as frutas – banana, mamão, abacate e laranja. Um dia sim, um dia não, limpo os recintos, os bebedouros e conserto a área. E ainda preciso achar um tempo para a dedicação com o meu trabalho, já que dependo desta renda para manter tudo funcionando”, explica a aposentada. E assim, envolvida com o bem-estar dos animais que se comprometeu a cuidar, Sílvia passa os dias em uma zona tão próxima da Capital, mas pouco conhecida dos porto-alegrenses. Itapuã oferece à arquiteta algo de que muitos fogem, na atribulação dos nossos dias: espaço, sossego e distanciamento. E na companhia dos animais, diz ter tudo o que precisa para ser feliz.

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O desenvolvimento do projeto gráfico desta publicação buscou respeitar princípios de sustentabilidade. O papel usado é o Pólen, na gramatura 85 gramas, produzido por uma empresa com certificação FSC. A tinta para impressão é a base de água. A cola tem em sua composição óleos vegetais. Impresso na Gráfica Epece, que desde 2009 adota uma política de produção limpa, com aproveitamento de recursos e aumento na eficiência no uso de matérias-primas.

Leia a versão digital da revista Lugares em http://itapua.atavist.com




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