Ouro Líquido
Vinhos doces
Muita gente vê os vinhos doces com maus olhos: por um lado, há exemplares simples, de qualidade às vezes duvidosa, com açúcar residual alto com o propósito de “seduzir” um público que não se dá muito bem com vinhos secos. Por outro, garrafas caras a ponto de assustar os curiosos. Muito mais do que vinhos de sobremesa, os vinhos doces são obras de arte, aperfeiçoadas com cuidado ao longo de meses e anos, para que mostrem riqueza e complexidade. São o resultado do trabalho apaixonado de produtores do mundo inteiro e merecem ao menos um pouquinho da atenção de qualquer apreciador de vinhos.
Nesta edição, descobriremos um pouco da riqueza dos vinhos de sobremesa sob os mais diferentes pontos de vista. Mais uma vez, cabe à Bianca Veratti preencher nossa “Ficha Técnica”, agora descrevendo as técnicas de _______________________________ produção mais comuns na elaboração dessas preciosidades engarrafadas.
Viviana de Oliveira, nova colaboradora da Prensa, traça com poesia o “Perfil” de uma das propriedades mais renomadas de Sauternes, nobre _________________________________________ região produtora de vinhos doces em Bordeaux, na França.
“Vinho e Cultura” nos apresenta livros sobre os vinhos do Porto, talvez os mais famosos embaixadores da categoria dos vinhos doces, escritos por um brasileiro que se tornou referência no assunto: Carlos Cabral. ______________________
Em________________________________________ “Comida”, descobrimos uma receita especial da renomada chef Roberta Südbrack, que há anos encanta o Brasil e fincou raízes – e restaurante – no coração da cidade do Rio de Janeiro.
Para fechar com chave-de-ouro, o ___________________________ “Laboratório” desta edição conta como foi uma experiência de harmonizar um menu inteiro exclusivamente com vinhos doces. Não deixe de conferir também o que há de novo no site através do www.prensa.jor.br e boa leitura! Bernardo Silveira, AIWS
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Ficha Técnica Vinhos de Sobremesa - Por Bianca Veratti
Vinhos de sobremesa
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inhos de sobremesa são, atualmente, raros exemplares entre as escolhas dos novos apreciadores de vinho. No entanto, já foram muito admirados em séculos passados e compõem a adega de qualquer conhecedor, pois são verdadeiros néctares que podem se tornar uma atração tão especial quanto os vinhos brancos ou tintos. Sua origem remete à Roma Antiga, quando o vinho era feito com uvas propositalmente desidratadas, com alto teor de açúcar. Durante a Idade Média, as prósperas cidades de Gênova e Veneza lucraram com o comércio de vinhos doces e, no século XVIII, os ingleses se tornaram grandes apreciadores quando descobriram os vinhos fortificados de terras ibéricas e italianas. A principal característica encontrada nestes vinhos é a significativa quantidade de açúcar, com considerável variação de graduação alcoólica decorrente da técnica de produção adotada. No entanto, a diversidade de estilos é tão ampla quanto as regiões que os produzem e iremos conhecer um pouco mais sobre alguns dos métodos usados a seguir:
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COLHEITA TARDIA
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base da produção destes vinhos está nas uvas, que apresentam alta concentração de açúcar devido seu período de amadurecimento nas vinhas ter sido maior do que o empregado para as uvas de vinhos secos. Como consequência, o suco obtido é muito denso com grande acúmulo de açúcar, extratos, perfumes e sabores, com exceção dos ácidos que tendem a diminuir neste período. Em geral, as variedades que oferecem os melhores resultados são as de grande potencial aromático e com elevada acidez para contrapor o açúcar do vinho, tais como Riesling, Gewürztraminer, Moscato, Sauvignon Blanc e Malvasia.
VINHOS DOCES DE UVA DESIDRATADA
E
sta técnica é também conhecida como passito ou passerillé. Em geral, todas as características encontradas em uvas decorrentes de colheita tardia aparecem de maneira mais acentuada nestas uvas, já que as mesmas são submetidas à perda de água, tornando-as passas e ocasionando uma concentração ainda maior das substâncias. Tal desidratação pode ocorrer na própria videira ou após sua colheita, através de métodos forçados. Uma das técnicas mais tradicionais é o depósito dos cachos em esteiras de palha ou bambu, em salas cobertas e muito ventiladas, que favorecem a secura das uvas e, ao mesmo tempo, impedem o surgimento de fungos que possam comprometer a sua qualidade. A Itália é responsável por grandes vinhos obtidos através deste método com destaque para o Vin Santo, da Toscana, e o Moscato di Pantelleria, da Sicília.
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BOTRYTIS
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inhos originados pelo desenvolvimento do fungo Botrytis cinerea, causador da conhecida “Podridão Nobre”, apresentam maior complexidade e longevidade que os demais vinhos doces devido à contribuição que o fungo oferece. A raridade já surge na necessidade de condições climáticas específicas: manhãs úmidas e com neblina oriunda de rios e lagos, que favorecem a aparição do fungo, e tarde quentes e ensolaradas que auxiliam na desidratação das uvas. A Botrytis atua penetrando a casca das uvas maduras com pequenos filamentos e abrindo micro-poros, por onde a água evapora, ocasionando a concentração de açúcar e da acidez. Ao mesmo tempo, ele metaboliza componentes da uva contribuindo com aromas e sabores que não existiam anteriormente. A lista destes excepcionais vinhos incluem os cobiçados Sauternes, de Bordeaux, o Tokaji, da Hungria e os Beerenauslesen e Trockenbeerenauslesen da Alemanha e Áustria, e seu preço chega às alturas, tornando-os alguns dos vinhos mais caros do mundo.
ICEWINE ou EISWEIN
O
s Eiswein (originários da Alemanha e Áutria) ou Icewine (produzidos no Canadá) são feitos a partir de uvas congeladas, que amadureceram nas vinhas durante todo verão e outono. A colheita ocorre durante as madrugadas de inverno, sob temperatura de pelo menos -8ºC. A maior particularidade destes vinhos é o fato de toda água presente nas uvas estar em forma de gelo, tendo como consequência a concentração acentuada do açúcar, extratos e da acidez. Durante a maceração, a parte congelada é separada do restante, criando vinhos extremamente equilibrados, com coloração variando do dourado ao âmbar, perfumes de mel e frutas exóticas muito maduras, e sabor extremamente doce somado a uma refrescante acidez.
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FORTIFICADOS
A A
origem dos vinhos fortificados está relacionada à necessidade de estabilizá-los e evitar “problemas”, em geral em função de longas viagens. Tal feito ocorre, na maioria das vezes, através da adição de um destilado de uva ou de vinho ao mosto, o que inibe a ação das leveduras, devido ao aumento da graduação alcoólica, e as impede de consumir todo o açúcar, que permanece no vinho. As regiões onde são produzidos, em geral, dão nome aos vinhos, sendo os mais famosos o Porto e o Madeira (Portugal), Jerez ou Sherry (Espanha) e Marsala (Itália). Muitos irão concordar comigo que uma refeição não fica completa quando não a finalizamos com uma sobremesa. Da mesma forma, podemos dizer que algo estará faltando à nossa experiência no mundo dos vinhos, se não nos aproximarmos dos vinhos doces. Assim sendo, por que não usar a gastronomia como uma poderosa aliada nesta jornada, tornando cada harmonização num jogo extremamente delicioso, que oferecerá oportunidades para conhecer mais estas pérolas das enologia ou, apenas, garantir momentos de supremo prazer.
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Perfil Com uma biografia de mais de 200 anos, o Château Guiraud se tornou um grand cru de prestígio, consagrado em 1855 como 1° Cru Classé. Em 2006, a propriedade foi retomada por 4 personalidades: um industrial, Robert Peugeot, e três viticultores, Olivier Bernard (proprietário do Domaine de Chevalier e do Domaine de La Solitude), Stephan Von Neipperg (proprietário do Canon La Gaffelière e do Château La Mondotte) e Xavier Planty (enólogo do Château Guiraud desde 1982). O encontro desses 4 messieurs, por ocasião de um jantar em Paris, foi o marco fundador da nova equipe. O compartilhamento da paixão pelos vinhos, pela gastronomia, pela natureza, pela caça, em resumo, toda essa art de vivre, fez com que eles rapidamente entrassem em acordo sobre a ética da qualidade e a filosofia do Château Guiraud. Segundo Xavier Planty, a questão fundamental para a qualidade de seus vinhos não se resume em obter no vinhedo uvas perfeitamente maduras e sim na busca pela sublimação do fruto por meio da ação do botrytis: “O sabor de um grande Guiraud nunca é uma simples concentração de açúcares e de aromas. É a ação da podridão nobre que confere às uvas aromas complexos, como chá preto, pimenta branca, açafrão, notas queimadas, sabores ácidos e açucarados, muito intrigantes”.
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Château Guiraud Por Viviana de O liveira A vindima dos 100 hectares de vinhedos é unicamente manual: 120 pessoas, realizando passagens sucessivas (2 a 6 passagens são efetuadas por parcela) para colher os cachos de Sémillon e Sauvignon Blanc, inspecionam escrupulosamente cada cacho e somente os grãos suficientemente botrytizados serão colhidos; aqueles ainda pouco atingidos serão deixados no cacho até alcançarem o ponto ideal de contaminação. Por fim, não resta dúvida que conhecer o Château Guiraud – mesmo que metafisicamente, por meio de seus vinhos – é conhecer a morada de um ecossistema saudável, em perfeito equilíbrio. É também adentrar uma das paisagens mais encantadoras de todo o mundo e ter a oportunidade de experimentar um líquido cuja própria cor já denuncia a sua nascença em berço de ouro. Para conhecer mais sobre Sauternes e o Château Guiraud, visite a versão digital da Prensa: www.prensa.jor.br
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Vinho e por Bernardo S
ilveira, AIWS
Carlos Cabral
se tornou uma grande referência no mundo do vinho brasileiro graças a uma antiga e dedicada paixão à sua bebida predileta. Desde que recebeu de presente do sogro uma garrafa de vinho do Porto, nunca mais deixou de prestar cuidadosa atenção ao que se lhe colocavam na taça. Foi justamente o Porto o principal meio para este estudo e o grande alvo das suas aventuras literárias: em dois de seus livros, Cabral conta histórias e dá referên referências importantes sobre este clássico dos vinhos fortificados.
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Cultura “Porto – Um Vinho e sua Imagem”, conta a história do mais renomado vinho português desde o século XVII até os dias de hoje, através de uma raríssima e especial coleção de rótulos, recebida como presente por Cabral em 1982. Lindamente ilustrado, o livro guia o leitor por uma “exposição” escrita, dividida em salas como seriam verdadeiras exposições de arte baseadas nos rótulos de inúmeras companhias vinícolas da região do Douro.
O “Dicionário Ilustrado do Vinho do Porto” é um tesouro enciclopédico: nele, Cabral e o português Manuel Pintão organizam em verbetes termos importantes para a compreensão da ampla riqueza histórica e cultural tanto da região de produção, quanto dos vinhos – desde produtores e personagens de relevo até técnicas e equipamentos de vinificação comumente utilizados por ali, passando por sítios destacados e as principais variedades de uva. Duas raras preciosidades editadas em português e disponíveis no Brasil sobre o universo do vinho, a constar de qualquer biblioteca de um apreciador de vinhos do Porto!
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Comida Por Cristiano Panizza, do Vicolo Nostro
Por Bernardo Silveira
, AIWS
Há quem pense que Roberta seja carioca (por causa do recanto estabelecido no Jardim Botânico há quase dez anos), mas a verdade é que ela é gaúcha de Porto Alegre. Autodidata na cozinha, ganhou reconhecimento pelo talento com facas e panelas quando foi convidada a dirigir a cozinha do Palácio da Alvorada, o que fez com competência e maestria ao longo de sete anos. A cozinha inovadora e experimental de seu restaurante se encaixa a receitas tradicionais e ingredientes típicos, como vamos descobrir nesta receita de Pato Braseado, pensada para acompanhar vinhos brancos doces e untuosos, de acidez viva e sabores que se encaixam aos das frutas secas do prato. Bom proveito!
do a e s a r b to a P em frutas secas
por Roberta Südbrack
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Ingredientes Porção para 8 pessoas 8 coxas com sobrecoxa de pato 50g de ameixa seca sem caroço 50g de passas brancas sem caroço 50g de damascos secos
20g de tâmaras 2 litros de cerveja encorpada Sal Pimenta do reino moída na hora
Modo de preparo Pré-aqueça o forno a 180ºC. Tempere as coxas e sobrecoxas de pato com sal e pimenta do reino. Disponha as coxas e sobrecoxas em um tabuleiro ou refratário, acrescente as frutas secas e regue com a cerveja. Cubra com papel alumínio e asse por mais ou menos 2 horas, ou até que esteja macio. Sirva com as frutas secas e couscous simples. Descubra mais receitas no www.prensa.jor.br
Roberta Südbrack Rua Lineu de Paula Machado, 916 – Jardim Botânico Rio de Janeiro, Reservas pelo telefone (21) 3874-0139 www.robertasudbrack.com.br Estacionamento: Gratuito, com manobrista. Cartões: Mastercard, Diners Horário: Terça a quinta: 19h30 às 0h. Sexta: 12h às 15h e a partir das 20h30. Sábado, a partir das 20h30.
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Laboratório por Bernardo Silveira, AIWS
Vinho doce é para sobremesa, certo? Não? Pode servir como aperitivo? Sim, claro. E como digestivo também. Mas o que acontece se quisermos beber algo doce com a comida? A minha primeira reação, como a de muitos, é a de estranhamento – afinal, imaginamos que o dulçor pode ser enjoativo ou que não se encaixa aos sabores e ao gosto salgado da comida. É aí que entram as melhores características dos mais finos vinhos doces do mundo – em especial, a acidez. Vinhos como os Sauternes, os Tokaji, os Jerez, têm uma riqueza aromática tal que, associada com uma acidez viva e marcante, podem se encaixar aos mais variados pratos. E foi justamente este o exercício que fizemos em companhia de Xavier Planty, diretor técnico do Château Guiraud, há alguns meses em São Paulo. O menu foi elaborado no restaurante Eau, do hotel Grand Hyatt, pelo chef Rui Gomes em parceria com a sommelière Maria Angelica Carrasco e gerou surpresas e debates em torno da combinação de pratos delicados harmonizados com os vinhos do renomado produtor de Sauternes. Vejam só: O primeiro prato harmonizado com um Sauternes foi um Namorado assado com mini legumes, um leve toque de curry e uma espuminha de crustáceos. O vinho escolhido foi o levíssimo e delicado Dauphin de Guiraud, que se encaixou perfeitamente à textura macia do peixe. A delicadeza do curry da receita fez ressaltar as notas de curry do próprio vinho e o açúcar, que no Dauphin é discreto e equilibrado pela acidez, também se encaixou ao leve adocicado da carne do peixe e, especialmente, aos legumes frescos assados.
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Se o peixe surpreendeu pela harmonização bem-feita mesmo parecendo aos convivas uma escolha óbvia – afinal, “vinho branco vai com peixe” não é mesmo? –, o prato principal foi uma grande surpresa para a maioria: filé mignon de wagyu em uma crostinha de farofa de especiarias com batatinhas gratinadas no roquefort. A estrutura da carne raramente aparece no imaginário como uma opção para acompanhar vinho branco, mas os sabores aqui se encaixaram bastante bem – o wagyu tem uma carne naturalmente macia, que os especialistas chamam de “marmorizada”, já que a alta quantidade de gordura se espalha em meio à carne como os veios do mármore. O roquefort, tradicional companheiro dos vinhos doces, deu um toque especial e ajudou na harmonização. As opiniões se dividiram bastante com relação à carne, mas foram unânimes sobre a harmonização com o peixe. E você? Já experimentou vinho doce com pratos salgados? Visite o site do Prensa e conte pra gente!
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O VINHO MELHORA
sem soldados”
nho, COM “SemOviTEMPO QUANTO MAIS ENVELHEÇO, MAIS
GOSTO DELE (ANÔNIMO)
REALIZAÇÃO:
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