Trololó Literário
Trololó Literário
Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: José Antônio Hüntemann Serviços Editoriais: Livros A turma que não escrevia direito, Fama e Anonimato, sítio Digestivo Cultural Colaboração: Pedro Coli, Giovanna Chinellato Impressão: Postmix Junho de 2012
Florianópolis, 15 de junho de 2012
O Jornalismo de ouro não existe mais Movimento que revolucionou a literatura dos EUA dura sete anos e acaba após decepção política no país
O
título A turma que não escrevia direito, fora de contexto, sugeriria uma abordagem gramatical sobre um determinado grupo que não seguia os parâmetros corretos da língua-mãe para se comunicar. Porém, a obra de Marc Weingarten, lançada em 2005 nos Estados Unidos e em 2010 no Brasil, trata dos principais escritores – Tom Wolfe, Jimmy Breslin, Gay Talese, Hunter S. Thompson, Joan Didion, John Sack, Michael Herr - que na década de 60 apresentaram uma nova fórmula ao jornalismo e à literatura dos Estados Unidos. O autor entrevistou esses escritores que percorreram as principais publicações americanas da época e em 390 páginas traça um perfil daqueles que inovaram a forma de contar histórias. O movimento, chamado de Novo Jornalismo, surgiu numa era de muitas mudanças culturais e sociais no país. As tradicionais ferramentas de reportagem eram inadequadas para mostrar tudo pelo qual os Estados Unidos passavam. A fórmula “Quem? Quando? Onde? Por quê?” não colocava em ordem o caos provocado pelo rock, hippies, Kennedy, Nixon e uma guerra. Marc Weingarten trata o livro como
um “relato de uma uma era de ouro do jornalismo norte-americano, em que os autores/repórteres não apenas cobriam matérias, mas aprofundavam-se nelas, e o jornalismo não apenas contava o que eram os Estados Unidos, mas ajudava a construí-los”. Denominar o Novo Jornalismo um “movimento” foi criticado pelo jornalista Luiz Rebinski Junior, em sua coluna Jornalismo literário: a arte do fato?, do sítio Digestivo Cultural. Para ele, o Novo Jornalismo americano não é um “movimento” ou “corrente literária” porque “isso não foi algo planejado e que nasceu de um conluio de três ou quatro cabeças que pensavam de forma parecida. Pelo contrário, os membros desse clubinho imaginário não poderiam ser tão distintos.” Weingarten, ainda na introdução, diz que não seria um movimento no sentido Kerouc-Ginsberg – escritores pertencentes à chamada Geração Beat
do final da década de 50, que disseminavam a contra-cultura americana – nem no sentido expressionista abstrato. Mas como parte do melhor jornalismo do século XX foi escrita nesse período de sete anos, poderia ser considerado sim como “o maior movimento literário desde o renascimento da ficção americana nos anos 20.” Em 1973, Tom Wolfe elaborou uma antologia intitulada The New Journalism, apresentando artigos de escritores como Gay Talese, Hunter Thompson, Joan Didion e Norman Mailer. A partir desse título, deu ao jornalismo da época uma declaração de independência em relação a todos os tipos de jornalismo que o haviam precedido. Wolfe foi criticado por tentar rotular uma técnica que existia há mais de 200 anos. Os críticos sustentaram que não havia nada de novo no Novo Jornalismo e definiram o movimento como a antítese da bem organizada pirâmide invertida.
A não ficção criativa era o gênero que caracterizava os Novos Jornalistas. John Hersey, em 1943, escreveu um texto que é precursor do Novo Jornalismo. Joe Is Home Now foi escrito sem a mínima pretensão de ser uma história factual. “Acho que desde o início eu tinha a ideia – e a experimentava um pouco nos artigos que fazia para a Life – de que o jornalismo podia ter mais vigor com o uso de instrumentos da ficção”, disse ele à Paris Review em 1986. O texto, que foi criado a partir de 43 entrevistas de Hersey com soldados que voltavam da guerra, é um trabalho de ficção baseado em fatos. A ascensão do gênero se deu então entre as décadas de 60 e 70. Os jornalistas da época uniram a narrativa jornalística com a ficção e de forma despretensiosa, como relata Tom Wolfe na antologia The New Journalism, “provocaram pânico, roubaram da novela o trono de maior dos gêneros literários”. Gay Talese defende no prefácio de Fama e Anonimato que, “embora muitas vezes o Novo Jornalismo seja lido como ficção, não é ficção. Ele é, ou deveria ser, tão fidedigno quanto a mais fidedigna reportagem, embora busque uma verdade mais ampla que a obtida pela mera compilação
de fatos passíveis de verificação.” A turma que não escrevia direito aborda com lucidez o gênero. Quem espera um panorama detalhado do jornalismo literário, depara-se com uma investigação quase aprofundada do estilo. Porém, o autor deixa claro que o foco é apenas um período específico do jornalismo literário, o Novo Jornalismo. Embora com alguns erros pontuais de tradução, a não tradução ou a falta de contextualização de alguns termos e a repetição de palavras em um curto período de tempo, o livro escrito por Marc Weingarten apresenta de forma clara o New Journalism e os personagens que através do gênero sacudiram as redações dos Estados Unidos durante sete anos. O último dos 13 capítulos apresenta a amarga decepção de todos os jornalistas que acreditavam, realmente, que poderiam testemunhar um grande despertar político do país nos anos 60. Porém, Nixon foi reeleito, a Nova Esquerda despedaçou e desapareceu e uma nova revolução estava a caminho. Tom Wolfe a definiu o como o terceiro grande despertar americano, que surgiu das experiências com drogas e com a vida em comunidade na década anterior. Em suma, a Década do Eu.
“O jornalismo podia ter mais vigor com o uso de instrumentos da ficção”
Os visigodos da mudança cultural
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Um tipo de texto que apresenta com detalhes uma única bertas tão úteis, nas mãos de Talese elas ganhavam pessoa, famosa ou não, foi muito utilizado pelos Novos Jorvida e mostravam a real identidade das ruas. nalistas e, para Sérgio Vilas Boas no ensaio A arte do perfil Jimmy Breslin acreditava que as melhores histópublicado na revista Especial Biblioteca Entrelivros, é um dos rias de Nova York estavam na classe trabalhadora gêneros mais nobres do Jornalismo Literário: O perfil. Para da cidade, naqueles que ganhavam salários baixos produzir esse texto biográfico – que não necessariamente é e mantinham a indústria funcionando. Ia de enuma biografia, pois se concentra apenas em alguns aspeccontro ao “jornalismo de consenso” que, em inglês, tos do personagem central e não em um extenso conjunto pack journalism, tem um sentido depreciativo e da vida do perfilado – o jornalista deve ir a fundo na vida refere-se à atitude de repórteres apoiarem-se uns de uma pessoa e é preciso, antes de mais nada, conhecê-lo nos outros para obter informações ou de depender de uma única fonte. Se um punhado de jornalistas bem. seguia freneticamente em uma direção, Breslin fuMuniz Sodré no livro Técnica de Redação: o texto no jorgia por outro caminho. Certa vez, observou que as nalismo impresso diz que “o repórter tem, via de regra, dois melhores ideias de reportagens eram aquelas que tipos de comportamento: ou mantém-se distante, deixando soavam boas depois que que o focalizado se pronuncie, a ressaca passava. ou compartilha com ele um Joan Didion se apedeterminado momento e passa gava aos detalhes mais ao leitor essa experiência.” delicados e ao mesmo O gênero aparece em peritempo evitava o adjetivo ódicos há mais de um século, ou verbos irrelevantes. mas foi a partir da década de Via desordem em cada 30 que jornais e revistas comeesquina da Califórnia: çaram a apostar mais no perfil, nos olhos vazios dos hiutilizando como protagonistas ppies atordoados pelas aqueles que se destacavam no drogas, nas donas de mundo das artes, da política, casa dos subúrbios, nos dos esportes e dos negócios. enclaves de concreto Hunter Thompson, Jimmy Breslin, Joan Didion, Gay Talese e Tom Wolfe Logo os perfis se tornaram torrados pelo sol. Quase marca registrada de revistas patologicamente tímida, não lidava bem com pesamericanas como a The New Yorker e a Esquire. soas. Dizia que a aparência de não fazer muito conAs revistas Realidade e O Cruzeiro foram as responsáveis tato provavelmente foi um dos motivos pelos quais por valorizar o tipo de texto no Brasil. Vilas Boas diz que começou a escrever. Em vez de pressionar e insnosso país está engatinhando em termos de Jornalismo Litetigar seus entrevistados, Didion deixava que eles rário e a maioria das produções do tipo perfil ainda é meio preenchessem os silêncios embaraçosos, anotando rasa. Para o jornalista, “bons sinais (do gênero) podem ser discretamente tudo em seu bloco de espiral. Assim, captados na revista Piauí” e, em breve, a revista Brasileiros alcançava um entendimento com seus personagens saltará do perfil “basicão” ao perfil “rico”. que iludia repórteres mais tradicionais. Pedro Coli
O estilo de fazer jornalismo era o mesmo, mas, além da técnica e da vontade de mostrar com clareza as mudanças culturais pelas quais os Estados Unidos passavam, os Novos Jornalistas não tinham muito em comum na forma como apuravam essas informações. De um lado, Tom Wolfe mantinha uma distância discreta dos fatos e nunca sujava seu terno. Se irritava com o estilo de apuração de notícias institucionalizado e sistemático e se recusava a seguir esses métodos, mesmo que fossem os adotados pela redação na qual trabalhava. Em jornais que incentivavam seus jornalistas a escapar do óbvio, a abordagem de Wolfe ainda se destacava. A forma com que ele “wolferizava” seus textos chamava a atenção dos outros profissionais. No outro lado, Hunter Thompson estava disposto a se enfiar nas brechas e arriscar seu bem-estar para conseguir a reportagem que desejava. Trapaceou para conseguir o cargo de editor no jornal Command Courier da Força Aérea e burlou o regulamento que proibia funcionários do jornal a assumir empregos civis ao se tornar editor de esportes do Playground News. Para não ser descoberto, usou os pseudônimos de Thorne Stockton e Cuublye Cohn. Ao ser dispensado da Força Aérea, acreditou que poderia seguir a carreira rica e rentável de um repórter profissional. Até as portas do mercado nacional se abrirem para Thompson, passou por dificuldades financeiras e necessitava da ajuda constante de amigos para se sustentar. Entre os dois extremos estavam Gay Talese, Joan Didion e Jimmy Breslin. Se todos caçavam detalhes, Talese era o mais meticuloso e o que mergulhava mais profundamente nos assuntos. De acordo com a descrição do jornalista no livro Fama e Anonimato, ele mesmo se definia como serendipitoso, ou seja, capaz de fazer, por acaso, descobertas felizes ou úteis. Mesmo que não fossem desco-
O estilo mais nobre da revolução