Revista Nonada - 1°

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NONADA edição 1 - ano 1 - n° 1 22 de Dezembro de 2017

REPORTAGEM

LIVROS O VOO DA GUARÁ VERMELHA

JADNA ALANA, A JOVEM ESCRITORA CAMPINENSE

MARIA VALÉRIA REZENDE LITURGIA DO FIM

MARILIA ARNAUD

EM CENA: LOURDES NUNES RAMALHO


EDITORIAL

EXPEDIENTE

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Rillary Martins Repórter e editora

Pedro Silva Repórter e editor

Leandro Pedrosa Produtor e editor

Luiz Felipe Bolis Repórter e editor

Ava Romanovsky Iustração de capa

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onada é uma palavra criada por Guimarães Rosa em seu romance mais célebre: Grande Sertão-Veredas. A palavra que abre o livro, aparecendo mais seis vezes, tem como significado “coisa de nada, de pouco ou nenhum valor”. Grande Sertão é finalizado com o simbolo do infinito. Com esse nome queremos então passar a ideia de que a literatura, conteúdo predominante em nossa publicação, permeia vários âmbitos e pode ir do nada ao infinito, numa sucessão de possibilidades. É por isso que no logotipo está presente o símbolo do infinito. A nossa revista é como uma narrativa, repleta de ínicio, meio e fim surpreendente. Desprenda-se de si mesmo. Mergulhe no vasto manancial das palavras reveladas ao longo destas páginas. Crie-se e recrie-se com os personagens que compõem a ficção e a realidade, tornando-as uma só. Apaixone-se pelos livros, pelo som do enunciado, pelo mundo, pela Nonada. Nesta edição, a primeira que publicamos, somos levados a conhecer o fantástico universo da literatura através da escritora Jadna Alana, autora de séries como A Princesa de Ônix e A Saga dos Sete Portais. Reverenciando a nova e a tradicional geração de amantes do ato de escrever no estado da Paraíba, as obras de Lourdes Ramalho também são um forte motor deste produto jornalístico, ao qual muito orgulhosamente denominados Nonada. Utilizamo-nos de elementos e de abordagens simples por acreditarmos de na ingenuidade das expressões de encontram as belezas mais sublimes. Seja uma menina que sente-se atraída a entrar em uma abertura de uma árvore e, assim, descobre um novo mundo; ou uma família sertaneja que se vê obrigada a migrar a uma terra outra, sob a promessa da prosperidade e da sobrevivência; ou uma repórter em busca da literatura da vida real e as publica em forma de livro, revelando as nuances e o perfil de sujeitos comuns do dia a dia, com histórias simples e incríveis, a combinação perfeita para quem ama uma boa obra. Os livros mencionados, respectivamente: Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll), Vidas Secas (Graciliano Ramos) e O Olho da Rua (Eliane Brum) são apenas uma gota d’água no infinito universo da literatura. Infinito… ou simplesmente Nonada. Envolva-se, por inteiro, e boa leitura. Equipe Nonada.


INDICE CO

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Conto de Pedro Silva revela uma infância homosseuxual sofrida.

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E AG T OR

Jovem escritora campinense tem mais um romance publicado.

Maria Valéria Rezende e Marilia Arnaud têm suas obras resenhadas.

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AT RO

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CAPA

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Exposição no MAAP homenageia a dramaturga Lourdes Nunes Ramalho.


REPORTAGEM

Em cena: Lourdes Nunes Ramalho W Dramaturga recebe homenagem do Museu de Arte Popular da Paraíba Pedro Silva & Rillary Martins

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om dezenas de prêmios na bagagem por sua contribuição cultural ao teatro e à literatura, Lourdes Ramalho considerada a dama do teatro nordestino - ganha exposição no Museu de Arte Popular da Paraíba, em Campina Grande, e tem sua vida e obra revisitada pela curadoria de Joseilda Diniz e fica disponível até maio de 2018. Inaugurada no mês de junho, a exposição intitulada “Em Cena: Lourdes Ramalho” encontra-se atualmente disponível para a visitação pública. O visitante encontra alguns dos objetos que fizeram parte da vida escritora, incluindo sua antiga máquina de datilografia, manuscritos originais, prêmios e até mesmo documentos que provam que algumas de suas obras foram censuradas durante a ditadura militar do Brasil, um dos períodos mais complicado para os artistas. Lourdes Nunes Ramalho nasceu no dia 28 de agosto de 1923, na cidade de

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Jardim do Seridó, no estado do Rio Grande do Norte. Aos 23 anos, em 1943, casou-se com Luiz Silvio Rama, pai de seus filhos. Juntos, viveram em diversas cidades, mas fixaram residência em Campina Grande - cidade em que Lourdes vive até hoje - no ano de 1958. Com mais de cem obras produzidas ao longo de sua trajetória, a dramaturga teve seus primeiros

contatos com o mundo da literatura ainda jovem, mas só começou a despontar pelo cenário teatral e literário brasileiro a partir da década de 1970 com a peça Fogo-Fátuo (1974), que lhe rendeu o prêmio de melhor texto no I Festival Nacional de Arte de Campina Grande, na Paraíba. Em 1975 seria a vez de “As Velhas” ganhar o primeiro lugar no III Festival de Teatro Amador do

Paraná, na cidade de Ponta Grossa. Com “A Feira”, no ano seguinte, recebeu o prêmio de melhor texto no Festival Regional de Feira de Santana, na Bahia. Sua produção sempre foi intensa, Lourdes tinha sempre uma nova ideia na mente. Em 1977, escreveu “Os mal-amados”. Dois anos depois, escreve “O arco-íris”, já em 1982, ela escreveu o monólogo

Foto: Pedro Silva


Foto: Pedro Silva

ela dedicou um maior tempo a partir da década de 90, chegando inclusive a escrever em versos como é o exemplo do “Romance do Conquistador”, levado em 1992 pela Embaixada da Espanha para representar o Brasil nos festejos de comemoração aos 500 anos da chegada dos Espanhóis à América. Em 2005, pela prefeitura Municipal de Campina, foi inaugurado, em sua homenagem, o Centro Cultural Lourdes Ramalho, local que oferece gratuitamente cursos de várias vertentes artísticas, como teatro, música, dança, e também é pal-

co de apresentações. As obras de Lourdes foram reconhecidas não somente no Brasil, mas fora dele. Além dos prêmios nacionais, ganhou vários internacionais. Muitas de suas peças teatrais tornaram-se clássicos das artes cénicas, como ‘A Feira’, que já foi representada em diversos teatros ao redor do país. Esse reconhecimento e sucesso não abalaram a humildade de Lourdes, que se mantém pé no chão até hoje. Foi o que percebemos durante a inauguração da exposição no MAPP, onde Lourdes esteve presente e se mostrou extremamen-

te sóbria e discreta em todo momento. Essa simplicidade da autora encanta a todos. No ano de 2011, a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), homenageou a autora na 2ª Jornada internacional sobre Poéticas da Oralidade: Lourdes Ramalho e o teatro popular, visando valorizar o trabalho da artista que é tão importante para a cultura popular nordestina. A Universidade também tem uma parceria com a família de Lourdes para reeditar a obra da pesquisadora e publicar esse material em breve.

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“Guiomar sem rir, sem chorar”, A peça “Charivari” é publicada em 2002. Além das peças, livros também foram lançados, como “Flor de Cacto: viagem ao ignoto” e “Raízes ibéricas, mouras e judaicas do Nordeste”, este último é fruto de um longo estudo feitos por Lourdes à respeito de sua genealogia. Um acontecimento importante marca o ano de 1994, Lourdes passa a integrar a Academia De Letras de Campina Grande. E não para por aí, em 2007 ela também toma posse na Academia Brasileira de Cordel, estilo de literatura ao qual

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CONTO

Caberia em mim? Pedro Silva

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u queria ter o tamanho do mundo. Eu queria ser imenso e abarcar todos os corações que sofrem de algum mal no mundo. Para isso teria que ser um gigante. Papai Noel poderia me trazer esse presente? Será que se eu encontrasse a lâmpada do Aladim, o gênio me concederia esse desejo? Isso era o que eu achava quando criança. Mamãe diz que tenho um gênio muito levado, e que penso demais nos outros quando devia pensar mais em mim. Mas não ligo quando me xingam de veadinho ou falam mal se eu sento com as pernas cruzadas. Papai mesmo nunca disse nada

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demais sobre. Sei que em seu interior há uma fagulha de decepção. Quando eu nasci o quarto era azul e branco. O chocalho que ficava pendurado no berço era cheio de bolas representando vários esportes: basebol, voleibol, futebol... E em minhas

erama conhecidos, no entanto, desde sempre foi nas minorias que me vi representado. Dizer que são minorias não é sinônimo de fraqueza, bem longe disso, pra ganhar espaço eles têm que sentir na carne viva os esforços necessários para atin-

“Podemos emagrecer e ficar com o estereótipo proposto pela grande mídia, aceita pela massa e ganhar autoestima, mas as feridas em carne viva se cicatrizam?” primeiras festas de aniversário tinham como temática super-heróis do tipo Batman, Super-Homem e Capitão América, quando eu queria a Mulher Maravilha, Super-gêmeos e até mesmo o Aquaman. Tudo bem que eles não

gir seus objetivos, ao contrário dos que já nasceram em uma posição de destaque. Foi cedo que aprendi isso, o primeiro “veadinho” a gente nunca esquece. Foi na segunda série – penso: eu já demonstrava ser as-

sim tão cedo? Não importa. O fato é que Guilherme me viu falando de forma espontânea e natural com a Cláudia, eu estava com um dedo levantado, dizendo que as meninas eram mais legais que os garotos. Eu achava realmente que sim. Ele me viu e falou “meu pai diz que quem anda com meninas e fala assim é veadinho”. Eu não sabia o sentido daquela palavra, mas notei no rosto da Cláudia que ela sim sabia e que estava envergonhada por minha causa. Eu, notando que era algo pejorativo, me reprimi e ao notar isso, a Cláudia empurrou o Guilherme que caiu na areia do pátio da escola.


neste padrão dito certo? De fato, como li em um grafite “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Hoje estou com 15 anos, adentrando o ensino médio, o que sempre quis. Do Guilherme, não tenho notícias desde a 4° série, mas lembro dele de vez em quando. Essa relação de opressor e opri-

m i do é tão constante que, mesmo com o desinteresse de um lado, não deixa de criar laços e ser uma relação. De certa forma, ele acabou me tornando mais forte, mesmo me levando a choros, me deixando pra baixo e me sentindo um lixo por não me enquadrar no esperado. Ainda não dei meu

primeiro beijo, ainda não sai com rapazes, ainda não sei se é realmente isso o que quero (ao menos tudo o que leio me diz que isso pode ser uma fase de descobertas). Mas

e u ainda queria ser do tamanho do mundo, caberia em mim todos os problemas, todas as mazelas e assim, penso, o mundo seria um local melhor.

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O que foi um erro, porque a partir de então, não pararam os abusos. Hoje penso que o Guilherme só fazia isso para inibir o preconceito que ele sofria em relação ao seu sobrepeso. Apesar disso, nunca o desmereci pelo peso que tinha, e sim por sua atitude machista de achar que eu era menos que ele, quando na verdade dividíamos o mesmo espaço, o mesmo ponto em um conjunto minoritário. Eu, por ser gay e ainda não admitir isso, e ele por ser gordo e querer ocultar isso. Mas você está pensando, gordura a gente perde! Claro que perdemos. Podemos emagrecer e ficar com o estereótipo proposto pela grande mídia, aceita pela massa e ganhar autoestima, mas as feridas em carne viva se cicatrizam? E é realmente necessário se enquadra

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REPORTAGEM

Estante de Ouro: O Fantástico Mundo dos Sonhos de Jadna Alana Luiz Felipe Bolis

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morada dos sonhos é também o reduto das conquistas. Neste lugar acessível aos que persistem pelo desejo de ultrapassar as fronteiras entre dois mundos diferentes: o querer e o fazer acontecer, Jadna Alana, 20 anos, estudante do curso de Letras-Português da Universidade Estadual da Paraíba, plantou a semente de um de seus projetos de vida: tornar-se escritora. Desde criança, Jadna, que é natural de Campina Grande e atualmente vive em Nova Palmeira - ambas cidades do estado da Paraíba, mostrava encanto pelos livros, frequentava bibliotecas e se divertia embarcando em novos universos, novas escritas, novas histórias e novas maneiras de enxergar as diversas realidades do mundo. Romance, contos de fadas, histórias de terror e outros gêneros literários sempre bateram à sua porta na intenção de serem lidos. No entanto, foi

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a literatura fantástica que mais ganhou a atenção e o apreço de Jadna Alana, passando a inspirar os

sa de Onix, cuja sinopse retrata a história da princesa e bruxa Amie Bell, que ao completar o seu décimo oitavo

versos. “Eu sempre fui muito criativa, então a todo momento eu tô pensando em algo novo, e simplesmen-

Foto: Luis Felipe Bolis

enredos criados pela jovem em suas primeiras investidas enquanto escritora. Aos 18 anos, a jovem lançou o primeiro livro da série A saga dos seis portais, intitulado A descoberta. Dando continuidade à sua carreira com Os sete reinos de Olivarium, recentemente Jadna publicou a obra de número um da duologia: A prince-

aniversário é atingida por um feitiço que a leva a conhecer o que existe além dos muros do palácio onde viveu ao longo de toda a sua trajetória. Apaixonada pelo o que faz, a estudante do curso de Letras-Português conta que a sua imaginação tem a possibilidade de construir as ideias de suas obras em momentos e contextos di-

te flui. Eu tô tomando banho ou tomando café ou na universidade e as ideias simplesmente vêm.” Ela, que é fã de Cassandra Clare e de J.K. Rowling, já recebeu tanto elogios com ideias pré-concebidas sobre o seu trabalho. “No começo, eu ouvi muitos comentários como: ‘Eu comprei teu livro e achava que ia falar de uma menina


a todos os que querem tornar-se escritores a serem insistente e a não desistirem, tal como ela fez. Apegando-se aos seus sonhos, buscando torná-los realidade, a jovem brota no terreno paraibano como uma das mais jovem escritoras do cenário, ao lado de outros nomes que fincaram os seus nomes, tal como Augusto dos Anjos e José Lins do Rego. Sendo ela mesma, Jadna imprime ao seu modo de escrever a própria autoafirmação de seu estilo literário: o fantástico modo de criar as suas narrativas e partilhar com o mundo os enredos mais incríveis que crescem no seu imaginário.

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nordestina, da seca, sobre aquele mundo que a gente já sabe, e quando eu peguei o livro era totalmente diferente.’ No começo, eu não diria que foi uma coisa preconceituosa, mas aquela ideia estigmatizada. Mas é muito bom você ouvir comentários do tipo: ‘Eu imaginava que a sua escrita era assim, mas você inovou nessa área.’ Geralmente eu escuto coisas positivas.” Jadna torna real o irreal, faz arte com a vida e dá vida à arte de escrever. Como grande parte dos jovens, semeia uma enxurrada de sonhos dentro de si e de objetivos para a sua vida. “Costumo dizer que não existe um limite exatamente pra mim. Eu sempre tô querendo inovar. Antes o meu limite seria publicar um livro, mas eu já fiz isso, e não pretendo parar nisso. Quero que meus livros alcancem pessoas de outros países e novos comentários. Quero passar numa livraria e ter vários escritos meus. Eu almejo isso mas nunca acho que esse será o meu limite. A gente sempre pode inovar e alcançar mais.” Entre as rosas e os espinhos encontrados pelo caminho, Jadna Alana, estudante e professora, aconselha

Foto: Luis Felipe Bolis

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o Reino de Ônix, a princesa bruxa Amie Bell, acaba de completar dezoito anos de idade. Uma data que deveria ser comemorada com muita alegria, mas que acaba se tornando o pior dia da vida dela. Encurralada por um feitiço que deu errado, a jovem embarca em uma aventura onde descobrirá o que existe além dos muros do palácio onde viveu a sua vida inteira. Terá que despertar. Ficha técnica: Edição: 1ª Ano: 2017 Gênero: Fantasia

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RESENHA

A literatura de Marilia Arnaud em seu mais recente romance: Liturgia do Fim Pedro Silva

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sonagem que apesar de ter se dado bem na vida, alcançado uma formação e profissão, além de ter constituído família, nunca conseguiu esquecer o que aconteceu em seu passado. De certa forma ele é vítima e ao mesmo tempo carrasco de si próprio, martelando na mesma tecla e se ar-

car cabresto pelo pai. Marília Arnaud com Liturgia do Fim eleva a literatura paraibana a outro patamar. A escrita é bem poética e os diálogos são internos ao texto de forma a se tornar, apesar da divisão em dez capítulos, um texto mais corrido, não tão simples, mas compreensível e

sonagens de lembranças e momentos vividos sejam à sombra de uma árvore ou com o sinos de uma cascavel. Remete muito ao cenário paraibano e consequentemente nordestino. Foram dois anos até o romance ficar pronto, um trabalho cuidadoso da autora com o texto

Foto: Pedro Silva

dendo por não ter feito mais do que podia. De um lado temos a mãe de Inácio, figura submissa ao marido e em contra partida com posição oposta temos Ifigênia, a filha que não se deixa colo-

belo sem ser forçado. Me surpreendi mesmo com a capacidade descritiva da autora em transportar seu leitor a um universo rico de uma fauna e flora cheia de vida e que enche os pulmões dos per-

que resultou em sua qualidade ímpar. Para quem procura um leitura profunda e de escrita sublime, "Liturgia do Fim" é uma excelente recomendação.

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história gira em torno de Inácio, um escritor e professor que larga tudo para acertar uma pendência de seu passado com a família e principalmente com o seu pai que já está em uma idade avançada. Livros, esposa, filha e tudo o que tem é deixado de lado, quando já não faz mais sentido continuar vivendo com algo interno a corroer a alma. A família sempre viveu arraigada em um modelo familiar regido pela figura forte e patriarcal em uma região chamada Perdição. O ponto que queremos descobrir só vai sendo desvendados ao longo do romance, com pequenos detalhes compondo os martírios que acompanhou a vida de Inácio quando ele teve que deixar a família e construir um novo futuro na cidade. Inácio, o narrador-personagem, ao voltar para Perdição, sente as feridas do passado que vão ter os cascões revirados. Haverá perdão que trará de volta algo que nunca existiu dentro de uma família? Ele é um per-


RESENHA

O Voo da Guará Vermelha: obra que inseriu Maria Valéria Rezende na literatura Pedro Silva

O pedreiro acaba indo parar nos braços de Irene, e a partir desse encontro as histórias que ambos carregam são expostas um ao outro e ao leitor que acompanha avidamente o desenrolar da trama, como o Rei Shariar a esperar as histórias que a princesa Sherazade contava. Com o tempo, Irene vai dando significado as letras na tentativa de ensinar o homem a ler. Narrado em terceira pessoa, intercalado com vozes dos personagens principais que tomam as rédeas de suas histórias na hora de narrar, O Voo da Guará Vermelha traz temas duros e por vezes ignorados em nossas vivencias, como se alertasse nossos olhares para aquilo que presenciamos mas não nos damos

conta da profundidade da situação em questão... aliás, não só situações, mas também pessoas; há uma diversidade incontável de gente em nosso mundo, divididas entre pessoas boas e más e vemos que quando se trata da maldade, arrogância e soberba humana o problema é imenso. Irene não é dessas, mesmo na condição em que vive, é um poço de inocência e percebemos isso quando ela narra pra gente sua história com o sagui, o qual amava tanto que sem querer acabou o matando e isso deixa nela uma tristeza e a ensina a nunca fazer mal a criatura alguma. A escrita da autora é muito bonita, bem feita e diferente, como se as palavras fossem escolhidas a dedo para compor frases com mu-

sicalidade e poesia. Por essa construção, não é um livro que dá tudo de mão beijada ao leitor, sendo assim, ele requer mais atenção para pegar detalhes não ditos explicitamente, mas que estão ali e não se perder na narrativa do Rosálio, nem da Irene e muito menos na do narrador em terceira pessoa. Livro recomenda para quem, assim como Rosálio, tem fome, fome de palavras, fome de viver e sair por aí a contar histórias, sejam vividas, sejam inventadas ou sejam uma mistura de realidade com realismo fantástico e que realçam uma realidade social obscura, simples, por vezes injusta, porém, intensa e presenciadas por pessoas honesta.

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O

Voo da Guará Vermelha é um livro de uma beleza grandiosa, além de ser bastante singelo. Nele vamos conhecer dois personagens principais Irene e Rosálio. Sendo ele servente de pedreiro e ela uma prostituta doente, muito cansada e que precisa trabalhar nessa vida mundana para criar o filho. Rosálio é um pedreiro pobre, simples, a principio sem tantas perceptivas de vida e sem lembrança do passado genealógico. A única coisa que o Rosálio carrega é uma caixa com livros, livros esses que carregam histórias que ele um dia sonha poder conhecer, aprender, escrever (pra mode não esquecer) e espalhar ao mundo junto com as suas próprias.

Foto: Pedro Silva

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