Uma vida dedicada a restauração de livros

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VITRINE DO

AÇO

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AS DUAS BÍBLIAS chegaram no mesmo estado, mas uma já está reformada. "Este trabalho de paciência é o que eu mais gosto"

Vinícius Ferreira REPÓRTER IPATINGA - Em uma em que os tablets começam a ganhar espaço e a cada mês surgem novos iPad's, Kindle's e outros leitores digitais, além de ebooks serem até mais comer cializados do que os livros tra dicionais, um senhor de 67 anos ainda dedica seu traba lho às encadernações em papel. Ele é um dos poucos "reforma dores de livros antigos" que restam no Vale do Aço. O nome sugestivo, "Hospital do Livro". É lá que Joaquim Barbosa passa quase todo o seu tempo, cer cado de livros, de máquinas antigas e colando, muitas vezes página por página, livros que são bem mais que histórias, pois carregam valor sentimen tal de seus donos.

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ão 43 anos dedicados ao trabalho com livros, com alguns pequenos hiatos dedicados para outras profissões (como os dois anos, dois meses e oito dias que ele trabalhou na Usiminas na década de 70). Nascido em Inhapim em 1943, Joaquim Barbosa Sobrinho aprendeu o que sabe sobre livros em uma editora de Manhumirim, a Dom Carloto, que pertence à diocese. Conheceu o local quando o irmão foi estudar para ser padre em 1962. "Eu era um cara da roça, mas apanhei gosto pelo trabalho na gráfica. Fui para o colégio de padres, mas não queria ser padre nunca. Mas ai o padre disse para eu trabalhar na gráfica", contou o restaurador, lembrando que nem o irmão se tornou padre também. APRENDEU NO MANUAL Em outubro de 1969 Joaquim veio para Ipatinga, conhecedor da profissão, mas ainda precisava aperfeiçoar mais seu trabalho. "Virei encadernador na editora por causa do Monsenhor Raul Motta, que na época era o padre da paróquia. Ele que me deu a maior força, me arrumou um manual e disse que o que eu precisava aprender da profissão estava ali, o resto era aperfeiçoado com o trabalho. Aí eu falei pra todo mundo que era encadernador, fui para uma banca e comecei a montar as revistas, colocar as folhas uma em cima da outra, e fui trabalhando", disse Joaquim. Cheio de histórias, ele se lembra de quando o pai do exprefeito Sebastião Quintão, Manuel de Oliveira Barros Quintão, o chamou para trabalhar. "Ele me perguntou se eu sabia mexer com livros, e eu respondi : 'Dou minhas cacetadas'. E foi neste momento que eu aprendi que tinha que melhorar ainda mais. Peguei os livros do cartório dele para fazer, e era um trabalho mais sério, não podia ser feito de qualquer forma. Fiz, ele adorou o trabalho e me levou para Coronel Fabriciano para cuidar de outros livros lá", relembrou. BÍBLIAS E LIVROS DE CARTÓRIO Livros de cartório são uma das principais demandas que Joaquim tem no Hospital do Livro. São cartórios de todas

VINÍCIUS FERREIRA

de seu estabelecimento é bem

UMA VIDA DEDICADA À RESTAURAÇÃO DE LIVROS Há 45 anos, Joaquim aprendeu a encadernar e reformar livros antigos em uma escola para padres. Atualmente, com tanta tecnologia e livros mais baratos, ele ainda ganha a vida cuidando das encadernações de papel as cidades da região mandando seus livros para ele, para serem reformados. Porém, mais do que livros de cartório (são os que têm a melhor remuneração para a empresa), o livro que as pessoas mais querem reformar são bíblias antigas. "Tem gente que não quer comprar uma bíblia nova. Tem aquela bíblia do avô, cheia de marcações, de notas, de significado, e pedem para que a gente restaure. Tenho um exemplo aqui desta bíblia comemorativa da visita do Papa João Paulo II, de 1980. Tenho duas para reformar aqui, uma já está pronta, chegou no mesmo estado que a outra", afirmou o reformador, mostrando as duas bíblias. O trabalho de reforma é mais caro, mais trabalhoso, mas o resultado final é surpreendente. O horário de trabalho de Joaquim é diferenciado, tudo para poder se dedicar ainda mais para a perfeição em sua reforma. "Além do horário comercial, tem dia que durmo às 19h, levanto às 23h, trabalho até as 03h e durmo novamente, para levantar às 06h. Porém, quando tem muito trabalho, vou das 03h até amanhecer o dia. Eu gosto do meu trabalho, de cuidar dos livros. Os funcionários que trabalham aqui comigo pegam os trabalhos que dão mais dinheiro, encadernar uma monografia, reformar alguns livros fáceis, mas os que gastam mais tempo, estes são os que eu mais gosto, os desafios mais difíceis", revelou o encadernador. A MÃE DO BARBOSINHA Joaquim lembrou a história de um amigo que chegou a trabalhar com ele em seus dois anos de Usiminas, o Barbosinha. A mãe de Barbosinha tinha um diário. Na verdade, era um conjunto de folhas que ela escrevia suas histórias, seus fatos, sua vida. Os filhos dela quase não viam este diário, só sabiam da sua existência. "A mãe dele não deixava ninguém pegar. Era algo que

ela gostava muito. Aí um dia o Barbosinha conseguiu pegar sem ela ver e trouxe para que eu o reformasse. Juntei as páginas, fiz uma capa dura, bem bonita, e ficou perfeito, muito bonito. Ele colocou no mesmo lugar, debaixo da cama dela, e ela nem percebeu que tinham tirado ele de lá. Depois ele foi falar com ela que ia levar o diário para ser reformado, mas ela falou que não era para mexer, mas ele insistiu, e foi caminhando em direção a cama dela, levantou o colchão, e quando ela viu o embrulho percebeu que tinha algo diferente. Então abriu e viu o novo livro. Barbosinha falou que nunca viu a mãe dele tão feliz, chorando de felicidade", disse Joaquim. "QUERIA PODER LER MAIS" Joaquim não sabe precisar o número de livros que já reformou, mas pretende continuar trabalhando com isto por muito tempo ainda. Em seu ateliê, junto com as prensas, máquinas da década de 70 que ele ainda utiliza para fazer o seu trabalho, há dois computadores para criação de algumas artes e acesso à internet. "Fiz um ano de curso, para aprender a lidar com o computador, e hoje faço a arte, não preciso pagar para ninguém", disse. Hoje, Joaquim é um dos últimos profissionais na região que aceitam pegar determinados livros para reformar. "Tem livro que dá vontade de deixar de lado, mas eu não consigo, tenho que resolver. E têm outros que não tem solução mesmo. Ai o dono acaba deixando ele aqui", contou Joaquim. Mesmo tendo uma vida dedicada aos livros, ele admite não ler tanto. "Queria poder ler muito mais, tem livro que eu abro, vejo o título, a página, e morro de vontade de continuar lendo, mas não posso, se for ler não vou terminar a reforma. Então, termino meu trabalho para que outros possam continuar lendo", finaliza o encadernador.


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