Jornal imperio

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ImpérioRetrô Diálogos entre arte, moda e sociedade

Marilyn Monroe na Guerra da Coreia

Em janeiro de 1954, os Estados Unidos enviaram à Coreia um dos principais símbolos do entretenimento norte-americano: Marilyn Monroe. À ÉPOCA, Marilyn estava casada com seu segundo marido, o jogador de beisebol Joe DiMaggio. DiMaggio permaneceu na América enquanto Marilyn, sozinha, empreendia sua turnê por uma Coreia devastada pela guerra. O conflito dividiu a península em dois países – Coreia do Norte, apoiada pela União Soviética e a República Popular da China, e Coreia do Sul, apoiada pelo Reino Unido e EUA. A JOVEM atriz foi responsável por entreter cerca de 100 mil soldados americanos com dez shows em que interpretava canções de seus filmes. O sucesso da turnê contribuiu para aumentar os ciúmes de DiMaggio, levando à separação do casal, oito meses mais tarde. A VISITA de Marilyn Monroe à Coreia causou furor entre os militares americanos e a população nativa, garantindo a influência ocidental sobre aquela região da Ásia e consolidando a imagem da atriz como sex symbol. “Eu estava com um grupo de garotos da Marinha na Base Aérea de Daegu quando vimos Marilyn fazendo um

show ali”, relata Ted Sherman, um dos soldados presentes na ocasião da visita da atriz. “Convencemos a nosso piloto a achar alguma coisa errada com nosso transporte R4D e conseguimos atrasar por uma noite o voo de retorno ao nosso navio na Baía de Tóquio”. EM FEVEREIRO de 1954, o jornal Stars and Stripes publicou: “Muitos fãs marcavam seus assentos nas fileiras sete horas antes do início da performance. Havia outros que assistiam enrolados em cobertores, enquanto a senhorita DiMaggio enfrentava o frio em um vestido de verão”. A TURNÊ ajudou Marilyn a superar o medo dos palcos. “[A viagem] foi a melhor coisa que me aconteceu. Eu nunca tinha me sentido verdadeiramente como uma estrela antes. Foi tão maravilhoso olhar para baixo e ver um rapaz sorrindo para mim.”

IMPERIORETRO Vel. 01 Num. 01 JUN 12, 2014 DESIGNER ZIONE SANT’NÃ

MATÉRIAS POR RAFAELLA BRITTO

RAFAELLA BRITTO – Paulistana de 19 anos, estudante, jornalista, professora e crítica de cinema. Desde 2010 comanda o blog Império Retrô, onde discorre acerca de temas como cinema clássico, música, literatura e feminismo, e aborda o pensamento de moda atrelado ao pensamento artístico e histórico-cultural. Paralelamente, é colunista no site Universo Retrô e no jornal digital Jornal d’aqui.

Beleza e enigma: o glamour discreto das escritoras Genesis e Peter


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BELEZA E ENIGMA

o glamour discreto das escritoras brasileiras

Quando se fala em literatura brasileira, nos vêm à mente nomes masculinos, como Machado de Assis, José de Alencar, Castro Alves e Lima Barreto. Não há muito tempo desde que a literatura deixou de ser considerada um ofício de homem:as mulheres, durante séculos, viveram à sombra de seus maridos, e nasciam já cientes de seus destinos de mães, esposas e servas. Jamais poderiam dar-se ao luxo de se preocupar com questões políticas ou filosóficas. É no século 20 que a mulher começa a conquistar seu espaço na literatura brasileira. Em outras partes do mundo, isso aconteceu mais cedo: no Japão, já no início do século 11, a aristocrata Murasaki Shikibu lança “A História de Genji”, considerado o primeiro romance literário do mundo; na Inglaterra, entre os séculos 18 e início do século 20, vemos mulheres como Jane Austen, Mary Woolstonecraft e sua filha Mary Shelley, as irmãs Charlotte, Emily e Anne Brontë, Virginia Woolf, Agatha Christie, entre outras, consolidandose no panteão da literatura universal. Acredita-se que a primeira poetisa brasileira tenha sido Bárbara Heliodora, ativista política conhecida como a heroína da Inconfidência Mineira. Tal afirmação, porém, é controversa, pois muitos escritos atribuídos a ela não tiveram sua historicidade comprovada. Em 1853, a educadora Nísia Floresta publica o livro “Opúsculo Humanitário”, onde critica os sistemas de educação que visam transformar meninas em esposas submissas. Esta foi a primeira manifestação do pensamento feminista na literatura brasileira. Nas décadas seguintes, escritoras como Cecília Meireles (uma das mais importantes vozes líricas em língua portuguesa de todos os tempos), Rachel de Queiroz (a primeira mulher a tornar-se membro da Academia Brasileira de Letras) e Nélida Piñon (a primeira mulher a ser presidente da Academia Brasileira de Letras) afirmam-se, através da literatura, como porta-vozes de sua geração. As escritoras também se fizeram notáveis

por sua beleza e estilo pessoal. Inspire-se no charme das damas cultas da literatura brasileira. Pagu A revolucionária Patrícia Galvão foi uma das mais famosas mulheres do Brasil nos anos 1920 e 30. Jornalista, poetisa, desenhista, dramaturga e diretora teatral, suas atitudes libertárias abalaram o conservadorismo vigente: em tempos em que a mulher batalhava por melhores

condições de atuação na sociedade, Pagu atirou-se às letras e escreveu “Parque Industrial”, o primeiro romance proletário brasileiro. Em fins dos anos 1920, a musa do modernismo iniciou um romance proibido com o poeta Oswald Andrade – à época, casado com a pintora Tarsila do Amaral -, que veio a público quando o casal protagonizou uma polêmica fuga. Pagu encontrou-se na militância comunista, e estampou as manchetes dos principais jornais de seu tempo ao ser a primeira mulher presa por razões políticas no Brasil. Feminista e sem papas na língua, Pagu contrariava todas as ordens estabelecidas: as mulheres tinham que ser recatadas? Pagu dizia palavrões, fumava em público, vestia saias curtas, usava batom preto e transformava ursinhos de pelúcia em bolsas. A moda eram cabelos curtíssimos? Os de Pagu eram longos e cheios. “Pagu tem os olhos moles/Olhos de não sei o quê/Se a gente está perto deles/A alma começa a doer” – escreveu o poeta Raul Bopp.

Lispector

A ULCRÂNIANA CLARICE LISPECTOR partiu de sua terra natal

ainda durante os primeiros dias de sua vida e fincou raízes definitivas no Brasil. Contista, ensaísta, poetisa e romancista, Clarice tornou-se célebre por obras como “Perto do Coração Selvagem”, “Laços de Família”, “A Paixão Segundo G.H.” e “A Hora da Estrela”, que a consagraram como a maior escritora judia desde Kafka, e um dos mais importantes nomes da literatura universal. Paralelamente a sua carreira literária, Clarice, no início da década de 1940, foi uma das primeiras mulheres a exercer a carreira de jornalista no Brasil. Clarice escrevia colunas direcionadas ao público feminino, onde dava dicas de comportamento, beleza e moda. Para ela, as mulheres eram mais femininas no inverno. A autora considerava a cor preta como símbolo de “inexistência”, e já se posicionava contra os padrões de beleza: “O sofrimento da jovem africana na ceva tem seu contraponto no da modelo, de quem se costuma exigir que seja ‘cabide humano’.” Clarice destacava-se por seu olhar enigmático e seu estilo clássico composto por peças de alfaiataria. Sua dica de beleza: “Cerque sua presença de um halo de perfume e você estará se cercando de seu próprio mistério. Você não estará mentindo, estará dizendo a verdade de um modo bonito”.


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CULTURA

A ARTE DE SONIA DELAUNEY Sonia Delaunay é influência atemporal para a moda. Conheça Vida e Obra

SONIA DELAUNAY é influência atempocontou a artista. “Um poeta que não escre- puras da música. O termo diferenciava o ral para a moda: figura inconfundível na via com palavras, mas com cores”. (1) grupo de pintores que, cada vez mais, dishistória da arte do século 20, homenageada ORFISMO , Utilizando-se do conceito da tanciavam-se do cubismo e aproximavampor estilistas como Jean-Paul Gaultier, Rei irracionalidade da arte, Sonia Delaunay se da abstração. Os orfistas consideravam a Kawakubo, Junya Watanabe, Miuccia Prada, confeccionou uma colcha em patchwork, cor a principal forma de expressão artística. entre outros, a artista franco-ucraniana hoje parte do acervo do Museu de Arte O movimento pretendia a analogia entre inovou o conceito da geoa abstração e a música metria abstrata na pintura, na através da sensação de moda e no design de interiritmo. Outros nomes desta ores. corrente são Fernand OS PRIMEIROS ANOS NasLéger, Marcel Duchamp, cida Sarah Ilinitchna Stern, Frank Kupka e Francis em Hradyzk, Ucrânia – então Picabia. pertencente ao Império Russo EM SUA obra “Le Peintres -, em 14 de novembro de Cubistes”, o crítico de arte 1885, ainda criança mudou-se Guilherme Appolinaire para São Petersburgo, sendo definiu o orfismo como adotada pelo tio, o influente “a arte de pintar estrutuadvogado judeu Henri Terk. Os ras novas com elementos Terks introduziram a pequena emprestados não da realiSarah ao mundo da arte visidade visual, mas inteiratando museus e galerias ao mente criados pelo artista redor da Europa. e dotados por ele de uma AOS 18 anos, Sarah muda-se potente realidade”. (3) para a Alemanha e ingressa na DURANTE A Primeira Academia de Belas Artes em Guerra Mundial, Sonia e Karlsruhe, onde permanece Robert Delaunay mudaaté 1905, quando decide fixar Sonia Delaunay à direita de uma de suas modelos, posando com peça de sua autoria ram-se para a Espanha (Foto: Reprodução) residência em Paris. Lá, ingrese, posteriormente, para sa na Académie de La Palette, Portugal. A artista entrou e seus primeiros trabalhos artísticos são Moderna em Paris. Críticos apontam que em declínio durante a Grande Depressão e influenciados por pintores pós-impres- a obra marca a transição de Delaunay do retornou à pintura, vindo a falecer em 1979, sionistas como Van Gogh, Henri Rousseau naturalismo para a abstração. “Por volta de aos 94 anos. 15 anos antes, em 1964, foi a e Gauguin, e os fauvistas Derain e Matisse. 1911, eu tive a ideia de fazer para o meu primeira artista a receber uma retrospecEM 1908, Sarah casa-se por conveniência filho, que havia acabado de nascer, uma tiva no Museu do Louvre ainda em vida. (4) com o negociante de arte Wilhelm Uhde. colcha composta por retalhos, semelhante A MODA , Versátil, Sonia Delaunay incurO casamento era somente para que Sarah às que eu via nas casas dos camponeses sionou pelas diversas possibilidades criaconquistasse independência de seus pais e ucranianos. Quando terminei, percebi que tivas, desenvolvendo figurinos e cenários Uhde mantivesse em segredo sua homos- a disposição dos retalhos parecia evocar para filmes e espetáculos, dentre eles o balé sexualidade. conceitos do cubismo e tentamos aplicar russo “Cleópatra”, com direção de Sergei NO ANO seguinte, conhece o artista o mesmo processo a outros objetos e pin- Diaghilev e cenários de Robert Delaunay. plástico Robert Delaunay, e logo tornam- turas”. (2) PARA SONIA Delaunay, “cor é a pele do se amantes, iniciando uma intensa parceria ROBERT E Sonia Delaunay são expoentes mundo. [...] Aquele que sabe apreciar as que culminaria em casamento em 1911. do orfismo – também chamado “cubismo relações de cor, a influência de uma cor Sarah torna-se, então, Sonia Delaunay. “Em lírico” -, movimento artístico surgido em sobre outra, seus contrastes e dissonâncias, Robert Delaunay eu encontrei um poeta”, 1912 e cunhado a partir do mito grego de possui uma visão infinitamente diversa.” Orfeu, o poeta-cantor que busca as formas (6).

A moda no Brasil colonial A moda contribui sobremaneira para o estudo e compreensão da formação das sociedades. A MODA contribui sobremaneira para o estudo e compreensão da formação das sociedades. E dentre os períodos da história brasileira, um merece especial atenção: a Colônia. Foi nesta época em que começou a delinear-se o que hoje conhecemos como a sociedade brasileira, resultado da fusão de elementos culturais diversos que influ-

“Por Rafaella Britto”

enciaram nosso agir, nosso falar e nosso vestir. Em 1500, os colonizadores portugueses aterrissaram em terras tupiniquins, habitadas por milhares de etnias indígenas. Os indígenas brasileiros (à época, denominados peles-vermelhas) andavam nus, e sua caracterização visual consistia em pinturas corporais feitas a partir de tintas naturais como o urucum e o jenipapo, e

adornos confeccionados com penas de aves. Em sua carta ao Rei de Portugal, o viajante Pero Vaz de Caminha observa: “Andam nus, sem nenhuma cobertura (...) Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como um furador. (...) E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas.” (1) OS EUROPEUS, escandalizados pelo modo de viver dos nativos, introduziram às novas terras as práticas ocidentais, dentre elas, o hábito de vestir-se. Data desta época o interesse pela indumentária como elemento cultural, e ilustradores europeus como

Wencelaus Hollar reproduziam em gravuras a moda dos índios americanos. ENTRETANTO, SOMENTE a partir de 1600 a Colônia ganha fisionomia própria e pode-se falar em uma identidade cultural brasilera.

Enciclopédia ilustrada do séc. 19 conta a história do vestuário ENTRE 1876 e 1888, o litógrafo e ilustrador francês Auguste Racinet lançou-se a uma empreitada, até então, sem precedentes: ilustrar a história completa do vestuário. O artista demonstrou interesse pela indumentária dos povos ao redor do mundo e publicou, em seis volumes, a enciclopédia ilustrada “Le Costume Historique”. RACINET APRESENTA cerca de 500 gravuras coloridas que ilustram desde a vestimenta dos antigos guerreiros romanos e povos das ilhas do Pacífico, até os luxuosos trajes da nobreza francesa do século 19. “Le Costume Historique” permanece como um dos mais abrangentes estudos sobre moda e indumentária já realizados.


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CINEMA E TV

A polêmica entrevista de Leila Diniz para O Pasquim Em novembro de 1969, chegava às bancas a edição de número 22 do jornal carioca O Pasquim, trazendo na primeira página a figura de Leila Diniz de cara lavada e toalha na cabeça, dizendo o que pensava sobre sexo, carreira e muito mais.

“VOCÊ PODE amar muito uma pessoa e ir pra cama com outra. Já aconteceu comigo”, declarou a atriz. Suas falas eram entremeadas por palavrões, que foram substituídos por asteriscos (*). PORTA-VOZ DA contracultura, o jornal O Pasquim revolucionou a imprensa brasileira pela maneira sarcástica e irreverente com que tratava de comportamento e política, tornando-se um dos principais veículos de oposição à ditadura militar. A POLÊMICA entrevista de Leila Diniz tornou a atriz pioneira da liberação sexual feminina no Brasil e representou um ataque à moralidade pública: pouco após a publicação da edição, foi criada a Lei de Imprensa, apelidada de Decreto Leila Diniz, que impunha censura prévia aos meios de comunicação. A estrela do clássico “Todas as Mulheres do Mundo” teve sua carreira arruinada, vindo a falecer tragicamente em 1973, aos 27 anos. LEILA DINIZ é chapinha d’O PASQUIM e sua entrevista é mais do que na base do muito à vontade. Durante duas horas ela bebeu e conversou com a equipe de entrevistadores numa linguagem livre e, portanto, saudável. Seu depoimento é o de uma moça de 24 anos que sabe o que quer e que conquistou a independência na hora em que decidiu fazer isto. Leila é a imagem da alegria e da liberdade, coisa que só é possível quando o falso moralismo é posto de lado.

Confira a íntegra da controversa entrevista de Leila Diniz para O Pasquim. SÉRGIO CABRAL - Qual é o ator com quem você gosta de trabalhar? LEILA - Paulo José. Essa é mole de responder. TARSO DE CASTRO - Seu primeiro filme foi o do Domingos não foi?

LEILA - Todo mundo pensa que, de repente, o Domingos botou essa mulherzinha lá pra trabalhar e foi a glória da vida. E realmente o Domingos foi a glória da vida, foi porreta paca fazer o

filme. Mas antes eu fiz dois filmes: aquele alucinante “O Mundo Alegre de Helô” e um da Sílvia Pinai, do Alcoriza. Um que eu fazia a empregadinha. Como é que chama? Do Luiz Alcoriza, aquele cara que foi assistindo Buñuel. O filme era uma (*) incrível. O nome era “Jogo Perigoso”. Tinha dois episódios e eu fazia um deles. Quando Domingos resolveu fazer “Todas as Mulheres do Mundo”, eu já estava existindo mais como atriz. TARSO - Mas você passou muito tempo sendo a mulherzinha do Domingos, professorinha, etc. LEILA - Não foi muito tempo, não. Eu comecei com o Domingos lá por 62, fins de 61. Me lembrar de data é (*) pra mim. Eu era professora mas zoneava bastante por aí. Eu conheci o Domingos porque namorava um rapaz de teatro, o Luis Eduardo. Naquela época , ele estava fazendo a peça do Domingos, “Somos Todos do Jardim de Infância”. Eu estava voltando ao namorinho com o Luis Eduardo mas conheci o Domingos e dei aquela decisão. Durante a peça, eu já estava na do Domingos, não é? Daí a gente juntou, teve aquela zorra toda... Porque eu sou solteira, não é? Sou casada (*). Eu fiquei com o Domingos sendo professora, e ainda estudando porque estava fazendo o clássico à noite. Eu ensinava de dia. Fiquei com o Domingos uns três anos, durante um ano e meio eu ainda era professora, depois já era atriz. Como a gente era muito duro, o Domingos escrevia para a “Manchete”, jornal, (*) a quatro, escrevia peças e aquelas coisas, a gente não ganhava dinheiro nenhum e eu ganhava pouco também como professora, então eu fui fazer anúncio. Trabalhei numa agência de modelo e fiz figuração de filme pra (*), aqueles filmes americanos todos alucinantes. Fiz anúncio de Coca-Cola, andei de Volkswagen, usei desodorante Van Ess na (*), todas aquelas coisas alucinantes. Ganhava um dinheiro por fora. Não foi através do Domingos. Entrei fazendo ponta em Grande Teatro Tupi, Teatrinho Trol etc. Puxa! Teatrinho Trol naquela época! Eu acho que estou ficando velha. Bem, aí fiz “Todas as Mulheres do Mundo”; quando a gente fez o filme, já estava separado. TARSO - Você prefere fazer cinema ou novela de televisão? Porque cinema é meio chato, demorado. LEILA - Que é isso? Você está falando isso pra me provocar ou acha mesmo? Cinema é a glória. Olha, Tarso, às vezes, as pessoas gostam de dizer: isso não tem sentido. Eu acho que eu é que não tenho sentido. Eu gosto pra (*) de fazer novela e de fazer cinema. Pra mim, não tem a menor importância representar Shakespeare, Glória Magadan ou o que for, desde que me divirta e ganhe dinheiro com isso. JAGUAR - Você acha que teatro é um saco? LEILA - Acho que teatro é um saco. Mas não posso dizer isso porque nunca fiz um troco porreta em teatro. Só fiz papelzinho, papel pequeno. Eu comecei em teatro. Eu comecei com a Cacilda. Ela veio ao Rio fazer “O Preço de um Homem”, o Vaneau fez teste e eu fiz. Foi em 64. Eu vou fazer 5 anos de


Junho, 2014  IMPÉRIORETRO 5 JAGUAR - Com quantos anos você está? LEILA - Vinte e quatro. Bem: eu entrei com a Cacilda. Quando entrei, eu não manjava muito da coisa. Entrei porque não tinha ninguém mais. Era muito fácil fazer teste: não tinha ninguém mais concorrendo e eu passei. Entrei lá muito de alegre, chorava pra (*) em cada ensaio: “Não sei fazer isso, é (*)”, etc. Entrava em cena, morrendo de pavor, mas acho teatro chato: aquela coisa de fazer toda noite a mesma coisa. O que acho bacana em cinema e televisão é isso: eu me divirto muito, trabalhando. Geralmente, faço uma zona incrível onde eu trabalho e trabalho sempre com gente que eu gosto. O meu critério de escolha é esse: eu não escolho por peça, autor, diretor ou papel. Escolho pela patota e pelo que eu gosto. Por exemplo: fiz um filme de cangaceiro agora e muita gente disse: que é isso, Leila, filme de cangaço, troço cafona, você é louca. Pois foi a glória da vida. Eu tinha o maior (*) de fazer filme de cangaço. Achei sensacional. Trabalhar com Domingos, por exemplo, é divertidérrimo. “Todas as Mulheres” foi muito duro. A gente estava separado só há um ano, ainda estava naquela fase de se xingar: filho da (*), seu cornudo, foi você que foi culpado, não foi, foi você, aquela zorra. JAGUAR - Dizem que ele fez o filme com o objetivo de apanhar você de novo. LEILA - Não foi não. Não acredito. Foi uma coisa que o Domingos precisava botar pra fora. Realmente ele gostava de mim ainda, estava me querendo ainda – mas eu sabia que era melhor a gente ficar separado porque se a gente ficasse separado, a gente estava salvando um amor. Isso pode ser bonito demais mas é verdade. Tanto é que salvou: a gente ainda se ama, mas se estivesse junto, estava dando porrada um no outro, estava se odiando. SERGIO - No filme, você também é uma professorinha. Além disso, foi criado algum outro elemento biográfico no filme? LEILA - Mil coisas. Domingos usou troço paca. Coisas da vida da gente, fases da gente. No fundo, eu acho que foi por isso que o filme teve sucesso. Tudo que é muito fundo da gente, muito verdade da gente, funciona e passa, seja (*) ou não. Nãotem nada a ver com isso, mas agora eu me lembrei do Zé Mauro Vasconcelos. Está vendendo paca e eu resolvi comprar aquele Frei Abóbora da vida e ler. O negócio tá sendo aceito paca, você tem de saber por que. No início, achei chato, aquele negócio de Deus. Misticismo é um negócio que me cansa, acho porreta prós outros, mas não consigo entrar nessa. Mas depois eu vi que tem um negócio tão forte dentro do cara que deve ser verdade pra ele - e por isso passa pras pessoas. “Todas as Mulheres do Mundo” tem isso: é um filme ingênuo, uma história de amor que inclusive acaba bem, mas que tem muita verdade, de coração, de útero, do estômago, etc. E saiu. A gente se deu porrada paca pra fazer. SÉRGIO - Aquela festinha de aniversário no final, era o ideal da vida de vocês, do Domingos e sua? LEILA- SERIA, se a gente continuasse casado, tudo bacana. Meu, não foi tanto é que eu me mandei e não fiquei casada com ele. Se fosse eu estava lá e tinha sete filhos. Não tenho nenhum. Mas tem muitas coisas: aquela festa de Natal, por exemplo. Eu nunca tinha ido à festa de Natal; detesto. Eu não conhecia Domingos, conhecia só de Teatro Jovem, aquela badalaçãozinha. Eu soube que tinha um cara dando uma festa de Natal prós amigos, sem mãe, nem avô, nem tia chorando e resolvi ver. Cheguei às oito horas da noite e perguntei: É aqui que tem uma festa de Natal? Nunca tinha visto o cara, não é? Ele estava evidentemente sozinho que festa de Natal não começa às oito da noite, ele disse: tem mas não é agora, é depois, todo mundo vai à ceia com os pais depois vem pra cá. Eu disse: ah bom, se é assim vou ficar aqui e esperar. Ele disse: tá legal, eu vou sair, depois volto. Aí ele saiu, foi pra casa da mãe dele e eu fiquei, embrulhando os presentes dos amigos dele. Mais tarde, começou a festa e nós nem nos vimos. Ele galinhou com o mundo, eu galinhei com o mundo, não teve nada. A gente simples mente se encontrou. Às seis da manhã, eu estava inteiramente de porre dormindo numa poltrona, ele estava inteiramente de porre dormindo no chão. Como estávamos dormindo os dois, resolvemos dormir juntos.

(Foto: Reprodução)


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MÚSICA

Série de livros reúne imagens inéditas da cena punk Pioneira no mercado da música alternativa, a gravadora ZE Records contribuiu para definir as bases da cena punk e new wave: fundada em Nova York, em 1978, por Michel Esteban e Michael Zilkha, a ZE produziu importantes artistas de vanguarda, como Patti Smith, Tom Verlaine (Television), John Cale (Velvet Underground), Lizzy Mercier Descloux, Lydia Lunch, Kid Creole & the Coconuts, entre outros. AGORA, A ZE lança, em versão bilíngue (inglês e francês), a série de livros “Partners in Crime”, que conta com títulos como “Witt” e “The Night”, coletâneas de poemas de Patti Smith, e “Desiderata”, primeiro livro de Lizzy Mercier Desclox. A coleção possui, ainda, os livros “The N.Y.C Punk Scene” e “London Punk Scene”, que reúne registros inéditos das cenas punk inglesa e norteamericana, capturados por Michel Esteban entre os anos de 1975 e 1976.

“You’re So Vain”: Warren Beatty inspirou hit de Carly Simon sábado, setembro 03, 2016

the Stone Age e, mais recentemente, Taylor Swift, que cantou ao lado de Carly Simon em 2013 durante a turnê Red Tour. ÍCONE FEMINISTA, Carly Simon foi pioneira da liberdade sexual feminina, causando polêmica pela forma direta com que falava de corpo, trabalho e sexo: “You’re So Vain” (em português, “Você é tão convencido”), como mostra o refrão, é uma crítica direcionada a um amante egoísta: “You’re so vain/You probably think this song is about you” (“Você é tão convencido/Você provavelmente pensa que essa música é sobre você”). À ÉPOCA de lançamento, as especulações a respeito da identidade do amante que teria inspirado o hit rechearam as páginas das colunas sociais. Mais tarde, Carly Simon revelou que “You’re So Vain” não trata especificamente de um homem, e sim de três. “Os homens sempre fizeram parte das minhas canções”, disse. CARLY SIMON colecionou amantes de dentro e fora do show business: por mais de dez anos, foi casada com o cantor e compositor James Taylor; teve casos com os músicos Mick Jagger (que participa da gravação original de “You’re So Vain” como backing vocal), Cat Stevens, Kris Kristofferson e os atores Jack Nicholson e Warren Beatty.

EM NOVEMBRO de 1972, a cantora Carly Simon lançava o hit que consagrou-a definitivamente em seu início de carreira: “You’re So Vain” ficou em primeiro lugar nas paradas de sucesso norte-americanas e vendeu mais de um milhão de cópias ao redor dos Estados Unidos. A música rendeu a Simon o prêmio Grammy e ocupa a 82º posição no ranking da Billboard de melhores canções de todos os tempos. AO LONGO das décadas, o hit foi regravado por inúmeros artistas, incluindo Liza Minneli, Marilyn Manson (com participação de Johnny Depp), Janet Jackson, Queens of

EM SUA autobiografia “Boys In the Trees: A Memoir” (sem tradução no Brasil), lançada em novembro de 2015, a cantora confirmou que Warren Beatty inspirou a segunda estrofe da canção.

« Astius publis etridet, consenim

Gabriel: moda e surrealismo nos primórdios do rock progressivo

EXPOENTE DA música mundial, a banda britânica Genesis marcou a história do rock no início da década de 1970. De maneira geral, conhecemos Genesis por sua mais recente formação, que tem como líder o ex-baterista Phil Collins. Com hits como “Invisible Touch”, o grupo conquistou grande sucesso comercial e afirmou-se no cenário pop dos anos 1980. MAS O que poucos sabem é que, inicialmente, o Genesis estava muito longe de ser mainstream: em seus primeiros álbuns, marcados pelo experimentalismo

e instrumentação elaborada, a banda narra histórias fantásticas de cunho poético, sombrio, filosófico e surrealista. Nos palcos, estas histórias eram ilustradas pelas performances teatrais do vocalista e frontman Peter Gabriel, que causou impacto pela criação de personas enigmáticas. A banda foi descoberta em fins da década de 1960 pelo produtor Jonathan King, e, em 1969, lançou “From Genesis to Revelation”. Neste primeiro álbum, os adolescentes estudantes da Charterhouse School já davam mostras de seu talento para a orquestração de sons revolucionários. Seguiram-se, então, os álbuns “Trespass” (1970) e “Nursery Crime” (1971). ENTRETANTO, OS primeiros discos foram fracassos comerciais. Esta série de insucessos levou a banda a explorar mais amplamente as experimentações instrumentais e encontrar sua identidade. Decididos a afirmarem-se no cenário musical, o Genesis lança “Foxtrot” (1972), álbum conceitual que possui obras-primas como a canção de 23 minutos “Supper’s Ready”. EM UM dos shows da turnê de “Foxtrot”, Peter Gabriel fez sua primeira aparição cênica nos palcos: personificando a

imagem da capa do álbum, Gabriel, sem que os outros membros da banda soubessem, surgiu em uma enorme cabeça de raposa e um vestido vermelho de decote profundo, que pertencia a sua esposa. O figurino fazia alusão a um dos trechos da música “Supper’s Ready”: “Open your eyes, it’s full of surprises/Everyone lies, like the fox on the rocks”. “ENQUANTO ELES ficavam afinando as guitarras de 36 cordas, eu ficava com o trabalho de preencher os longos silêncios dos shows”, contou Gabriel ao site Uncut, em 2012. “Eu achei que podia manter a atenção do público sem que todos saíssem entediados para o bar. Para entreter a audiência, eu contava histórias. Comecei a usar asas de morcego e outras coisas, e fui me tornando cada vez mais estranho. Então, na turnê de Foxtrot, eu usei uma cabeça de raposa e um vestido vermelho. Minha esposa, Jill, tinha um vestido de Ossie Clark que servia em mim e tínhamos uma cabeça de raposa customizada. A primeira vez que eu tentei isso foi em uma arena de boxe, em Dublin, foi um silêncio sepulcral. Você podia sentir o terror.”


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