CAPÍTULO PRIMEIRO Prova de identidade Um tesouro maia Seqüestro Boa intenção
Por toda luz, a que proporcionava uma pequena lâmpada de base flexível, que dava diretamente sobre o carro da máquina de escrever, na qual via-se uma folha de papel escrita até a metade. O teclar era velocíssimo, suave, ouvindo-se apenas no luxuoso escritório o leve zumbido elétrico do motor da máquina quando as teclas ficavam momentaneamente em repouso. Sobre o teclado, duas mãos belíssimas, esguias, de um tom que parecia nácar dourado. As unhas não eram muito longas e pareciam recortadas em madrepérola, magnífico remate de uns dedos afilados, ágeis, perfeitíssimos. Em todo o escritório, um perfume sutil, que sugeria o de uma rara flor não existente em nenhum lugar do mundo. Sobre uma poltrona, na penumbra, um diminuto cãozinho de raça “chihuahua”, enroscado, dormitava, vez por outra movendo as agudas orelhas. No princípio da página escrita estava o titulo daquele rascunho, que depois se converteria num grosso volume, num verdadeiro tratado que forçosamente seria muito interessante, pois que a pessoa que o escrevia tinha mais conhecimentos que ninguém sobre o assunto, O titulo era “Decálogo do Espião”. Eis o que estava escrito: Em nosso tempo, a espionagem torna-se uma atividade cada vez mais comum. Estende-se por isso a necessidade sempre crescente por parte de
países, empresas particulares e até mesmo pessoas, ele possuir informações a respeito de outras pessoas, seus projetos suas idéias, suas tendências. Deste modo, existe a espionagem política, militar, industrial, científica. Tendo-se em conta o progresso considerável verificado em todos os setores da atividade humana, compreende-se que a espionagem sela utilizada como arma poderosa, capaz de fazer triunfar ou fracassar aquele.s que, de um ou de outro modo, dependem não só de suas possibilidades ou talento, mas da capacidade dos demais em qualquer ramo do conhecimento. Como conseqüência dessa vigilância mútua estabelecida em torno de qualquer criação ou ideologia, surge uma concorrência desleal generalizada. Assim, por exemplo, a descoberta de determinada vacina num país pode provocar um surto de espionagem, mais ou menos intenso segundo a importância atribuída à dita vacina. De um modo geral, o espião tem como missão básica a obtenção de informações para o país que paga seita serviços; ou, também, para seu país de origem, considerando-se a existência de espiões que ainda trabalham pelo que se chama idealismo. De qualquer forma, o espião profissional deveria reger-se por um decálogo, por dez regras normalizadoras de sua atuação. Tais regras, no meu entender, são as que se seguem.
Primeira: a morte não é, necessariamente, um... A discreta batida na porta do escritório fez com que parasse o teclar. Por cima das mãos belíssimas, ouviu-se a voz da exímia datilógrafa, em tom levemente irritado. — Entre, Peggy! A porta se abriu e a graciosa empregada única da maior espiã de todos os tempos surgiu no limiar. — Uma visita, miss Montfort. — Eu disso que não estava para ninguém, Peggy. Tenho trabalho. — Eu sei... Mas o cavalheiro que quer vê-la assegura que o motivo de sua visita é da maior importância. Disse, também, que vem da parte de um grande amigo seu. — Que amigo? — Isso ele não disse. — Ele... Está armado? — O detector não acusa a presença de arma alguma. — Bem... Está bem... Que entre. Mas se dentro de cinco minutos não tiver saído, venha avisar-me que estou sendo esperada com urgência no Jornal. Entendido? — Entendido. Peggy desapareceu. Voltou segundos depois acompanhada de um homem, o qual recebeu em cheio a luz da lâmpada, quando as bonitas mãos a dirigiram para a porta. Era um homem de trinta anos, cabelos pretos, olhos da mesma cor, boca bem desenhada e simpática, embora de expressão tristonha, queixo sólido, firme. De estatura elevada, era delgado e tinha ombros estreitos. Parecia um pouco ossudo e de modo algum parecia que o esporte fosse
sua atividade favorita. Corretamente vestido, exibia uma elegância natural, inata: um desses homens que, vistam o que vestirem, estão sempre bem. — Señorita Brigitte Montfort? — perguntou em castelhano. — Así es — respondeu ela no mesmo idioma. — Lhe agradeceria que fosse breve, señor... — Amadeo Torrealba. Lamento tê-la interrompido... — Eu também lamentarei se o motivo de sua visita não for tão importante quanto disse. Faça o favor de sentar-se. O chamado Amadeo Torrealba voltou-se um tanto timidamente para Peggy. Segurou a porta, olhou para ela e fez menção de fechar. Peggy compreendeu e, como não houve contra-ordem por parte de Brigitte, afastou-se. O visitante fechou a porta, sentou-se numa poltrona e ficou olhando para trás da lâmpada, lugar onde devia encontrar-se a dona da casa. — Hmmm... Antes de mais nada, devo dizer-lhe que não venho à procura de miss Montfort, mas da agente “Baby” da CIA. — Não sei se o compreendo, señor Torrealba. — Acredito que sim. A coisa é muito simples: estou em grande dificuldade e um amigo comum assegurou-me que só uma pessoa me poderia ser de auxilio. — Eu? — Quero dizer a espiã chamada “Baby”. — Quem é esse amigo comum, señor Torrealba? — Chama-se Nataniel. Mas quando o conheceu, em Capri, seu nome era Nathan1. 1
(ver UM EPISÓDIO EM CAPRI)
— Creio que não sei o que está dizendo, señor Torrealba — mentiu Brigitte. — Nataniel advertiu-me que não seria fácil convencê-la. Entretanto, se me permite, tentarei. Quer dizer, o próprio Nataniel o tentará por meio de uma carta que trouxe comigo para entregar-lhe. — Uma carta para mim ou para essa agente “Baby”? — Leia a carta — sorriu Amadeo Torrealba. — Depois poderemos prosseguir com o assunto. Está de acordo, señorita Montfort? — Acho que não perderei muito tempo lendo uma carta. Uma das bonitas mãos apareceu na luz, apanhou a carta apresentada por Torrealba e desapareceu. Depois, no escuro, viu-se um delgado raio de luz violácea, que percorria lentamente as bordas do envelope, bem como o brilho de uma poderosa lupa de forma circular. — A carta não foi aberta nem falsificada — explicou amavelmente o visitante. — Asseguro-lhe que é genuína sob todos os aspectos. Ouviu o rasgar do envelope. Depois uma folha branca apareceu na luz, em cima da máquina de escrever. E ouviuse a voz da espiã da CIA: Querida “Baby”: Envio-lhe um amigo autêntico, um homem que merece quanto auxílio você lhe puder prestar. Seu nome é Amadeo Torrealba. Incluo sua fotografia e impressões digitais, assim como um trecho de carta por ele escrita, para que você possa fazer as devidas com provações. Ele está ao corrente de nossa amizade e das circunstâncias memoráveis
em que esta nasceu. Poderá responder a todas as suas perguntas. Se der alguma resposta errada, não se tratará de Amadeo Torrealba, por muitas que sejam as provas em apoio dessa pretensão. Uma vez dito isto, fica bem claro que minha confiança nele é total e ilimitada. Também posso garantir que Amadeo Torrealba jamais trairá a agente “Baby”. Peço-lhe, que uma vez comprovada sua identidade, confie nele como o faria em mim mesmo, e que o ajude desse modo... diabólico que a distingue de qualquer outra espiã. Compreendo que lhe acarretemos grande incomodo, mas você bem sabe que eu faria o mesmo por “Baby”, se a situação fosse inversa. Naturalmente, também eu sou um espião magnífico, mas não posso ausentar-me de meu pais, no momento, já que se estão realizando reuniões políticas da maior importância, que exigem toda a minha atenção. Só em você me atrevo a confiar e peço-lhe que, se nada puder fazer por Amadeo, comunique-me imediatamente a fim de que eu possa ajeitar as coisas da melhor modo possível para ajudar meu grande amigo. Sempre seu, com amor, NATANIEL — Parece-lhe convincente? — perguntou Torrealba. — Sem dúvida. Quanto à fotografia, é sua evidentemente. Tenha a bondade de escrever alguma coisa neste papel.
Amadeo Torrealba apanhou a folha, sacou uma caneta e escreveu qualquer coisa, rapidamente. O papel desapareceu na sombra atrás da limpada e novamente soou a voz de Brigitte: Só falta confrontar minhas impressões digitais. Estou as suas ordens, “Baby”. Muito obrigado. Amadeo Torrealba — São palavras muito infantis, não acha? — sorriu o visitante. — O que interessa é a forma, não o conteúdo. Tenha a bondade de colocar os dedos sobre este vidro, apertando suavemente. Torrealba viu aparecerem agora as mãos e os braços, após ouvir o clássico deslizar de uma caixa. Comprimiu os dedos contra a lâmina de vidro, depois se recostou na poltrona. A luz da lâmpada dirigiu-se à caixa com tampo de vidro, sobre a qual foi assestada a mesma poderosa lupa. Junto à caixa, uma folha de papel na qual estavam claramente impressas dez impressões digitais. — Parece mesmo que o senhor é Amadeo Torrealba. — Sem nenhuma espécie de dúvida. — Bem... Passo a ouvir. A luz da lâmpada se apagou e, simultaneamente, acendeu-se a do escritório, iluminando tudo. Amadeo Torrealba, que se dispunha a acender um cigarro, ficou Imóvel, com a boca aberta, olhos arregalados, olhando para a lindíssima jovem que tinha reflexos de ouro em sua pele e que sorria para ele, do outro lado da mesa, ataviada unicamente com um sumaríssimo biquíni vermelho. — Santo Deus!
— Surpreendido, se fiar Torrealba? Não lhe disse Nataniel que eu era a mulher mais bonita do mundo? — Sim... Disse, sim... Mas pensei que fosse exagero... — E agora? — Bem... Agora vejo que Nataniel não soube descrever sua beleza... — Muito amável — riu Brigitte. — Quer tomar alguma coisa? — “Perignon 55”, talvez, señorita Montfort? — Oh... Muito bem: primeiro ponto a seu favor. Tomaremos champanha. — Muito gelada, não é isso? — Ótimo — aprovou “Baby”. — Já marcou dois pontos... Ouviu-se a batida na porta. Brigitte autorizou a entrada e Peggy tornou a aparecer. — Miss Montfort, é hora de... — Esqueça isso, Peggy. E traga-nos champanha. — Imediatamente. A porta fechou-se. Torrealba deixou de olhar para lá e fitou o diminuto “chihuahua”, que também parecia observálo, espetando as orelhas. — Suponho que seja o “Cícero” — comentou. — Terceiro ponto, señor Torrealba — sorriu “Baby”. — Mas não exagere: um excesso de conhecimentos sobre minha pessoa poderia fazer-me desconfiar. Qual é o caso? Suponho que terá alguma importância política... internacional. — Lamento. Trata-se apenas de uma questão interna de meu país. Seja qual for seu desenlace, tudo continuará igual no mundo. Entretanto, preferia que o resolvesse de modo
que, embora só em beneficio de meu país, continuasse havendo paz. — Uma formosa palavra. Já há alguns anos venho lutando para que seja uma realidade. Espero que não se engane a meu respeito, señor Torrealba: meu aspecto de mocinha simpática não significa nada. — Sei muito bem que, se o achasse justo, me mataria tranqüilamente, sem hesitação. Nataniel explicou-me sua personalidade. Está disposta a ajudar-me? — Ao senhor ou a seu país? — A mim. Será o mesmo que ajudar a meu país. — Compreendo. Qual é esse país, señor Torrealba. — Maia Caribe... Já ouviu falar? — Muito pouco. É um pais pobre, perto do México, no litoral do Caribe. Sem intenção de ofendê-lo, señor Torrealba, suponho que seja um país insignificante. — Não para mim, miss Montfort. — Naturalmente. Que acontece em seu país? — Mmmn... Certamente, já ouviu falar dos Maias... — Mais que de seu país — riu Brigitte. — Imagino que em Maia Caribe existam alguns milhares de índios maias, ainda um pouco primitivos... Não é exato? — Não tão primitivos, miss Montfort. Pelo menos, compreenderam a importância que tem para o país, e para eles mesmos, uma melhoria do sistema nacional de direitos. — Ah... Está-me dizendo que seus índios compreenderam a vantagem que para eles representaria serem autênticos cidadãos de Maia Caribe, legalmente reconhecidos, com direito a voto etc... etc...? — É exatamente o que estou dizendo.
Ótimo, eles estão preparados para ser cidadãos com plenos direitos? — Se não estão, bem que o merecem. De qualquer modo, receio que os lese um pouco... É claro que tenciono assinar o pleno reconhecimento de seus direitos, mas a riqueza que dão em troca não creio que lhes traga os benefícios que esperam. — Que riqueza? — A que colocaram à minha disposição. — Não estou compreendendo, desculpe... Já percebi que o senhor é o chefe nacional de Maia Caribe, e que pensa favorecer os índios de seu país. Acho isso uma grande idéia... Mas, entendi mal, ou disse-me que eles possuem uma riqueza? — Algo assim como dez milhões de dólares. Brigitte ficou espantada. — Seus índios possuem dez milhões de dólares? Incrível! — É um tesouro. — Um...? — Data de vários séculos. Um desses remotos e discutíveis tesouros dos índios maias, que permaneceu oculto em certo lugar: ouro, pedras preciosas, pérolas... — Ora, vamos, señor Torrealba, por favor... — Eu o vi. — Viu? — Com meus próprios olhos — sorriu Torrealba. — Pode crer, miss Montfort: vi esse tesouro, toquei-o com minhas mãos. Garanto-lhe que existe. É só ir buscá-lo. — E deseja que eu o vá buscar?
— Não. Eu o colocarei em suas mãos e lhe pedirei que o leve a um lugar que ainda não me foi indicado. — Acho que o senhor está começando pelo fim. Ou então estou num de meus dias opacos, pois não consigo compreender... — A história é simples: os índios maias enviaram-me dois emissários, dois chefes da maior categoria, que me pediram audiência e falaram do tesouro que me queriam entregar, porque sabiam que eu era bom e seria justo com eles. Queriam... ajudar-me a erguer o país. — Com dez milhões de dólares? — estranhou Brigitte. — Tudo é relativo neste mundo — sorriu Torrealba. — O que para uns é uma insignificância, para outros pode ser vital. Neste caso, seria realmente importante para Maia Caribe um ingresso de dez milhões de dólares. Além disso, considerado como uma coleção de peças de arte maia, esse tesouro poderia ser vendido por um preço bem maior. — Compreendo. E estou de acordo. Continue, por favor. Entregaram-lhe o tesouro? — Mostraram-me onde está. Como disse, resta apenas ir buscá-lo. — Muito bem. Mas não vejo nenhum problema, francamente. — Tenho um irmão, miss Montfort. Chama-se Carlos. É um rapaz algo extravagante... Mas, repito, tudo é relativo: talvez Carlos seja considerado extravagante unicamente pelo fato de ser eu demasiado circunspeto... Peggy entrou com a bandeja que continha um balde de prata e duas taças. No balde, entre cubos de gelo, a garrafa de champanha. Amadeo Torrealba permaneceu em silêncio
enquanto ela enchia as taças, depois estendeu a mão para receber a sua. Brigitte sorveu um gole da bebida geladíssima, olhos atentamente fixos no inesperado visitante. — Prossiga. Estava dizendo que seu irmão é extravagante, ou que produz essa impressão porque o senhor é demasiado circunspeto. Que mais? — Bem... O fato é que tenho grande estima por ele. — É natural. — Na verdade, é meu meio-irmão, filho da segunda mulher de meu pai. — Não importa. Continua sendo natural. Eu não tenho família, entretanto, gosto de todo o mundo. Um irmão por parte de pai é... muito irmão. Que acontece de especial com ele? — Desapareceu. Houve um rápido clarão de surpresa nos maravilhosos olhos azuis de “Baby”. Tomou outro gole de champanha, antes de murmurar: — Desapareceu... E tem Isso alguma relação com o caso do tesouro mala de que me falou? Amadeo Torrealba assentiu sombriamente. — Há três dias recebi uma mensagem: em troca da vida de meu irmão, era-me pedido o tesouro maia. Brigitte entrecerrou os olhos, talvez por não querer que Torrealba percebesse o interesse profundo com que o estava escutando. — Assombroso... — murmurou. — Raptaram seu irmão e, como resgate, pedem-lhe um tesouro maia no valor de dez milhões. Bem, isto parece uma questão de... decisão própria, señor Torrealba. O senhor tem o tesouro maia e
alguém tem seu irmão. Sabe onde está, ou quem o seqüestrou? — Não. Receberei instruções dentro de dois ou três dias. — Quantos anos tem seu irmão? — Vinte e cinco. — Oh... Bem, não sei que dizer, señor Torrealba. Veio, talvez, pedir-me um conselho? — Não. Como bem disse, para tomar essa decisão não necessito de conselhos de nenhuma espécie. Quero... quisera que encontrasse meu irmão antes de que eu me veja obrigado a entregar o tesouro maia, que tanto beneficiaria meu pais. — Quer salvar o seu irmão e o tesouro maia... É isso? — Exatamente. Fui a San Nataniel para entrevistar-me com Nataniel. Sei que ele seria capaz de encontrar Carlos. Mas, realmente, está muito ocupado atendendo a questões importantes em seu pais, de modo que, sem hesitar, disseme que aqui viesse pedir seu auxilio. Assegurou-me que “Baby” só não é capaz de conseguir o que não se propuser. — E deseja que me proponha livrar seu irmão de seus raptores antes de se ver obrigado a entregar o tesouro maia. — Sim. Brigitte ficou pensativa uns segundos, antes de indagar: — Compreende, seriar Torrealba, que seu procedimento é irregular fazendo esta solicitação a uma agente da CIA? — Sugeriu-me Nataniel que lhe pedisse para considerar isto como um... trabalho particular. Não vejo motivo para a CIA intervir no caso. Mas “Baby” sozinha, sem comunicar a ninguém, de um modo inteiramente particular... Suplicolhe: não me negue sua ajuda. — Compreenda que isto me coloca numa posição...
— Nataniel disse-me que nem a CIA, nem mesmo os Estados Unidos têm para “Baby” uma importância... especial: que luta a favor de ambos porque o merecem, de acordo com seus pontos de vista. Mas que, acima de tudo, a agente “Baby” luta sempre a favor de quem tem razão... Não lhe pareço merecedor de sua ajuda? — Para lhe ser franca, não sei. Qual é exatamente a sua intenção? — Salvar a vida de Carlos, ajudar meu país e, ao mesmo tempo, ajudar alguns milhares de índios, que por meio de seus chefes mais respeitados decidiram formar realmente parte de Maia Caribe. Isso significa que eles viverão melhor em todos os sentidos. Se eu não puder dispor desse tesouro mala, miss Montfort, as coisas continuarão como até agora... — Ou seja, muito ruins. Não? — Para os habitantes de Maia Caribe de um modo geral... e para os índios em particular. Eles o necessitam muito mais que os brancos mestiços: um novo sistema de vida, de educação, de trabalho... Dois de seus chefes deram o primeiro passo e eu... não gostaria de ludibriá-los. Seria como... roubar-lhes esse tesouro que durante tanto tempo mantiveram oculto. Não sei se compreende o que significa, em toda a sua extensão, o fato de que eles tenham decidido entregar-me essas relíquias... — Em primeiro lugar, significa que estão vendo muito de perto as vantagens da civilização. Além disso, é evidente que confiam de um modo absoluto no senhor, em sua palavra, em seus planos para o futuro, em sua bondade para com eles... Colocaram no senhor toda sua confiança. Numa palavra, esperam do chefe de Maia Caribe sua própria salvação.
— É bem como diz, miss Montfort. Vai-me ajudar? Brigitte terminou sua taça de champanha em silêncio e, durante alguns segundos, permaneceu pensativa. Por fim, olhou para Torrealba: — Diga-me uma coisa: entendo que o senhor, para salvar seu irmão, entregaria esse tesouro maia? — Sim. Receio... receio que sim. — Em cujo caso, seu país continuaria impossibilitado de progredir... e alguém se transformaria num milionário do dia para a noite. — Sem dúvida... — Está bem. Temos ainda muito que falar, señor Torrealba. E amanhã a agente “Baby” partirá para Maia Caribe animada da boa intenção de salvar esse tesouro maia.
CAPÍTULO SEGUNDO Uma cabana no meio da mata Espionagem indígena Uma idéia melhor?
Conforme o combinado com Amadeo Torrealba numa conversa que durou quase até a uma da madrugada, a agente da CIA profissionalmente conhecida como “Baby”, em missão de caráter estritamente pessoal, chegou ao aeroporto de Ciudad Caribe num avião misto de carga e passageiros, já que tão-somente aparelhos desta classe faziam escala na capital. O que era facilmente compreensível: apenas uma vez em cada dez dias saltava um passageiro para ficar. E assim, pelas cinco e meia da tarde, Brigitte Montfort encontrou-se sozinha ao pé do avião, esperando que descarregassem sua bagagem. Um empregado do aeroporto lhe informou que poderia recebê-la na Alfândega. Dirigiu-se para lá, levando na mão a mágica maleta de couro vermelho com pequenas flores azuis, dentro da qual se podia encontrar desde o banalíssimo microfone até um par de alfinetes cuja cabeça era uma miniatura de emissor que facilitava sua localização, estivessem onde estivessem, por meio de um detector... que também estava na maleta. Na Alfândega não houve dificuldade alguma. Um mestiço de vasta cabeleira gordurosa sorriu para ela, autorizou a entrada da única mala, após olhar seu passaporte, e não perdeu de vista suas belas pernas quando a forasteira encaminhou-se para a saída do aeroporto, recusando sorridente o oferecimento de um carregador que desejava incumbir-se da bagagem.
E efetivamente, diante do pequeno e modesto edifício do aeroporto, estava à espera um carro preto, cujo modelo datava de uns seis anos atrás, pelo menos. Havia um homem sentado no volante, fumando, com a cabeça voltada para a saída. E apenas viu Brigitte, jogou fora o cigarro, adiantando-se pressuroso. — Señorita Brigitte Montfort? — Sim. — Eu sou Álvaro... Por favor, sua mala. Deixou-a no chão para abrir a porta do carro. Depois, colocou-a sobre o assento a seu lado e voltou a tomar o volante, sem dizer palavra. O carro pôs em marcha imediatamente. “Baby” acendeu um cigarro e, por ambas as janelas, dedicou-se a olhar a paisagem. Apos algumas curvas, a cidade tornou-se visível, ao fundo, junto do mar. Uma cidade branca e vermelha, pequena, com cintilantes manchas verdes que eram copos de palmeiras. Brilhava ainda um formoso sol, mas ao longe, terra a dentro, viam-se espessas nuvens negras que certamente, dentro de pouco tem~, provocariam uma das clássicas tempestades tropicais. O carro ia a boa velocidade, apesar de seu motorista não parecer muito hábil. Quando, e em outra curva, Brigitte tornou a ver a cidade, compreendeu que não se estavam aproximando desta, mas afastando-se para o interior. Contraiu ligeiramente as sobrancelhas, mas conteve-se. Continuou fumando tranqüilamente, enquanto com a maior naturalidade sua direita abria a maleta, introduzindo-se nesta. Os dedos afilados tatearam a pistola de coronha de madrepérola, enquanto os ingênuos olhos azuis observavam os do motorista, fixos nela pelo espelho retrovisor.
— Não nos estamos afastando da cidade? —perguntou sorrindo. — Não... A estrada é assim mesmo, señorita... Dá muitas curvas. — Mas não vejo por que dar curvas para o interior — a mão de Brigitte apareceu, empunhando a pistola. — Tenha a bondade de fazer a volta. — Sinto muito, mas não posso. — Está bem. Vai sentir muito mais quando eu apertar o gatilho, de modo que, ou faz o que lhe digo ou... — Não apertará gatilho nenhum... — sorriu o homem. — Veja: estamos beirando um precipício... Não é lá muito perigoso, mas com um pouco de má sorte qualquer um pode morrer aqui. Guarde a pistola, por favor: garanto-me que somos seus amigos. — Somos? Você... e quem mais? — Não faça perguntas, señorita. De nada lhe adiantará saber o que não é de sua conta. Falando com franqueza, nós achamos que não devia ter saído dos Estados Unidos. — Álvaro se você não... — Meu nome não é Álvaro — riu o homem. — Oh, compreendo... Pois bem, amigo, seja você quem for: se não parar o carro imediatamente e saltar, acho que nós dois vamos cair nesse precipício. — Olhe: vou parar logo depois da terceira curva. Aqui seria difícil para fazer qualquer manobra. Este é um país pobre, de estradas estreitas, aeroporto pequeno, uma velha ferrovia para a Guatemala e o México... Não é um lugar para a señorita. — Já estive em piores. Quem é você e o que está tramando?
— Só lhe posso dizer que somos amigos. Não precisa temer nada de nós, pois só queremos que se mantenha afastada deste assunto... Não é fácil? — Muito fácil. A que assunto se refere? — Ao do tesouro maia! — riu o homem. — Por favor, não nos julgue tão idiotas, señorita Montfort. É claro que se eu fui esperá-la no aeroporto, em lugar de Álvaro, é porque sabemos o que está acontecendo, e o que... o que nós queremos. Comportando-se bem, não sofrerá nenhum dano e dentro de poucos dias poderá voltar aos Estados Unidos sã e salva. Bem... O carro já está parado. — Salte. — Vejo que não entendeu, señorita. Não parei o carro onde lhe convinha, mas onde convém a mim... Não é verdade, Pancho? Pela outra janela apareceu um homem hirsuto, de dentes branquíssimos sorridentemente à mostra. Tinha os olhos muito pequenos, negros, vivos, um enorme bigode e um revólver não menos enorme na mão que introduziu pela janela. — É linda a señorita, Benito — comentou. — Muito linda. Não atire, salvo se ela quiser atirar... Mas estou certo de que é bastante inteligente para compreender nossa atitude, que será sempre amistosa enquanto ela não preferir o contrário. Quer guardar sua pistola, señorita Montfort? Repito-lhe que somos seus amigos. Brigitte franziu graciosamente a testa e encolheu os ombros.
— Está bem — sorriu, guardando sua pequena arma. — Seria uma estupidez se me deixasse matar em circunstâncias que não beneficiariam a ninguém. O do volante olhou-a com simpatia. — Antes de morrer, poderia matar-me — lembrou. — E que ganharia com isso? — Boa pergunta. Estou vendo que nos entenderemos muito bem, señorita Montfort. Serão poucos dias... E pode ter certeza de que a respeitaremos em todos os sentidos, pois sabemos muito bem de suas boas intenções vindo a Maia Caribe. Sente-se junto dela, Pancho. E... É necessário que o Pancho fique lhe apontando o revólver durante a viagem, señorita Montfort, ou dá-nos sua palavra de que não tentará nada? — Será melhor que o Pancho fique me apontando o trabuco — respondeu Brigitte, sorrindo suavemente. — Nunca prometo nada que não estou disposta a cumprir. — Sinto por você, Pancho: terá que manter os olhos abertos, mas bem abertos. Vamos. Pancho tinha-se sentado junto de Brigitte e o carro pôsse novamente em marcha antes que ele soubesse onde colocar seu vastíssimo sombrero de palha. Benito vestia-se corretamente, com muita sobriedade, mas Pancho usava umas calças brancas esfiapadas e sua camisa terminava por um nó à frente do estômago: tinha o aspecto clássico do bandolero centro-americano, mas sua expressão era simpática e amável. Não obstante, os olhos miúdos não se desviaram de “Baby”, e o grande revólver permanecia firme em sua mão nodosa e morena. — Entendo que não pretendem matar-me? — indagou Brigitte.
— Não, por Deus! — exclamou Pancho. — A não ser que nos obrigue a isso — apressou-se a acrescentar Benito. — Para quem vocês trabalham? — Para a pátria — riu Pancho. — Não é verdade, Benito? — Claro que sim, Pancho. Mmm... Será melhor você levar a maletinha da señorita. É onde ela guarda a pistola e não sei o que... Não abra! — Por quê? — sobressaltou-se Pancho, a ponto de fazêlo. — Porque às vezes, abrindo coisas que não são nossas, podemos levar um susto. Não é verdade, señorita Montfort? — É verdade — sorriu Brigitte. — Parece que entende um pouco de espionagem, Benito. — Não, não... Que nada! Tudo quanto nós dois sabemos de espionagem aprendemos em alguns filmes... Não é mesmo, Pancho? — É. E alguns são muito bons... Diga, Benito: você não gostaria de ser um espião? — Mas não somos? — riu Benito. — Bah! Nós somos uns pobres-diabos com vontade de fazer grandes coisas. Isso tem seu mérito, não? — Claro que tem. Sabe alguma coisa de espionagem, senõrita Montfort? — Um pouquinho — sorriu “Baby”. — Deve ser emocionante! Isso de nunca se saber quem é amigo e quem é inimigo... E todos os truques: microfones, bombas-relógio, armas secretas... Costuma usar tudo isso, senõrita? — Eu? — pestanejou Brigitte. — Muito raramente...
— Mas sabemos que é uma agente secreta e que veio meter o nariz no que não é de sua conta, numa terra que não é sua. — Se sabem tanto, deverão saber também que não estou aqui por um capricho pessoal. — Sabemos, claro. E de certo modo, agradecemos suas intenções. Não é verdade, Benito? — É verdade, Pancho. — Quem é seu chefe? — perguntou Brigitte. Pancho e Benito puseram-se a rir e, naturalmente, não responderam. O carro continuou rodando durante quase uma hora, afastando-se cada vez mais da cidade, terra adentro. Por fim, enfiou por um estreito caminho, entre grandes árvores. Pouco depois, detinha-se diante de uma cabana pouco menos que derruída, com paredes de taipa e teto de palha, oculta entre o cerrado arvoredo, em meio à sombra. Pancho saltou do carro, sempre apontando o revólver para “Baby”, que compreendeu dever saltar também. Benito fez o mesmo, e reuniram-se os três a um lado do veículo. Agora ele sacou seu revólver, que também apontou para Brigitte. — Eu me encarrego dela. Você, do Álvaro. — Bem. — Para a cabana, senõrita Montfort. Será seu lar durante alguns dias. Sinto muito não poder oferecer-lhe as comodidades a que está acostumada, sem dúvida. — Arranjo-me perfeitamente em qualquer lugar... Não poderei sair da cabana? — Oh, sim. Quando quiser dar um passeio, nós a acompanharemos. Pancho e eu estaremos sempre aqui. E se
precisar de alguma coisa, peça. Faremos o possível para servi-la, de acordo com as ordens do chefe. Não é mesmo, Pancho? Mas Pancho não respondeu. Estava muito ocupado, tirando um cadáver do porta-malas, o que de modo algum Impressionou Benito. E menos ainda, apesar do inesperado, à agente “Baby” da CIA. — Como pesa o maldito! — bufou Pancho. Por fim, o cadáver caiu no chão. Ele agarrou-o por um pé e começou a puxá-lo para o denso bosque que rodeava a cabana. — Está morto — disse Benito. — Oh... Sofreu um acidente? — Não, não... Tive que matá-lo com dois balaços. Depois, Pancho me ajudou a metê-lo aí dentro, pois no momento não se podia fazer outra coisa. Então fui buscá-la no aeroporto e disse-lhe que era Álvaro. — Mostrou que possui grande astúcia — sorriu Brigitte, com ironia. — Está satisfeito com seu trabalho, Benito? — Por que não? — Sente-se contente por ter assassinado um homem? — Diga, antes: um traidor. — Que espécie de traição tinha ele cometido? — Bem, não sei exatamente, eis a verdade. Mas se o chefe disse que Álvaro é um traidor... — Era. — Era — sorriu Benito. — Enterre-o bem fundo, Pancho — gritou. — Bem. Brigitte olhava para um e outro, bastante perplexa. Tinham morto um homem, iam enterrá-lo em qualquer lugar
e continuavam falando e agindo com a maior tranqüilidade. A única explicação que davam era que Álvaro, o enviado de Amadeo Torrealba para recebê-la no aeroporto, era... tinha sido um traidor. Ele traíra a quem? E que eram realmente Benito e Pancho? Pela frieza com que aceitavam a morte de Álvaro, pareciam dois espiões experimentados. Entretanto, além de ser evidente, eles próprios se declaravam dois pobres-diabos metidos a espiões... Naturalmente, sentia-se interessada, sobretudo considerando que Pancho lhe assegurara estarem ambos trabalhando para a pátria... Como podiam estar trabalhando para a pátria homens que matavam uma pessoa de confiança de Amadeo Torrealba, chefe do país, e que pretendiam retê-la para que não pudesse ajudar em nada? Claro que estavam contra Amadeo Torrealba. Entretanto, diziam trabalhar para a pátria. Então... — Vamos à cabana, senõrita. Olhou curiosamente para Benito. Era simpático e amável, e parecia certo que não pensavam fazer-lhe o menor dano. Uma delicadeza da parte do “chefe” desconhecido, sem dúvida. Claro que, conforme estavam as coisas, Brigitte podia desfazer-se dos dois ‘‘espiões” quando bem entendesse. Podia, Inclusive, ensinar-lhes alguns truques que os pobrezinhos não tinham aprendido no cinema. Pancho tinha desaparecido entre o arvoredo, e Benito e ela estavam sós, a caminho da cabana. Benito parecia esperto, mas só isto não era o suficiente para que pudesse enfrentar uma espiã de categoria internacional, que dezenas de vezes arriscara sua vida em muitíssimo piores circunstâncias.
Quando entraram na cabana, Benito moveu circularmente o revólver. — Terá que se contentar com isto durante alguns dias, lamento. — Está bem. Posso arrumar minhas coisas? Benito hesitou visivelmente. — Não... — terminou por negar. — Desculpe, senõrita Montfort, mas sabemos que na bagagem dos espiões há coisas que não convêm a pessoas como Pancho e eu. — Bombas e coisas assim? — sorriu Brigitte. — Mais ou menos. Compreendo o incômodo que lhe acarretará esta situação, mas peço-lhe que aceite tudo com a melhor boa vontade. São contratempos que lhe prejudicam menos do que a morte, não acha? — Isso não sei: nunca estive morta. Benito soltou uma gargalhada. Parecia divertido, no íntimo. E olhava com absoluta simpatia para aquela preciosa boneca de olhos azuis. Com tanta simpatia, que Brigitte compreendeu: a despeito de qualquer advertência que tivesse recebido, Benito não acreditava uma só palavra a respeito da periculosidade que ela pudesse apresentar. — Sabe que é uma excelente prisioneira, senõrita Montfort? — exclamou ele. — Com exceção de suas coisas, poderá pedir o que quiser. Se não tivermos, tentaremos conseguir. Pancho e eu somos pessoas afáveis. — Bem... Na verdade, causaram-me esta impressão, Benito. E tendo em conta a amabilidade, procurarei não ser muito severa com vocês. — Muito severa? — espantou-se Benito. — Quero dizer que não os matarei, se puder evitá-lo. Agora, Benito estava boquiaberto.
— Matar-nos...? Olhe, senõrita Montfort, quem está com o revólver sou eu, de modo que seja sensata o não procure fazer como no cinema, porque se sairia mal. Tenha paciência, durma todo o tempo que quiser e, dentro de poucos dias, poderá voltar para seu país, sã e salva. Não é uma boa idéia? — Muito boa. Mas tenho outra melhor. — Qual? — Fazer as coisas a meu gosto, não ao seu. Benito abriu a boca disposto a dizer alguma coisa. Sem dúvida, o que menos esperava era que, depois daquelas palavras, a delicada boneca de olhos azuis se atirasse contra ele com tal ímpeto que ficou entre seus braços. Assim, o revólver de Benito apontava agora para a parede, simplesmente. E quando quis encolher o braço, uma daquelas mãos de nácar rosado se aferrara a seu pulso. E de imediato, após uma eletrizante sensação de dor no braço, ele foi projetado de cabeça contra a parede. Bateu nesta com tremenda força, caiu no chão e, quando quis reagir, encontrou-se com a ponta de seu revólver pouco menos que metida no nariz. — Quieto, Benito. Não dê lugar a que eu revele meu lado desagradável. — Minha... minha cabeça... — Isso não é nada... — sorriu Brigitte. — Um pequeno galo sem importância. Agora, sente-se comodamente, de costas para a parede... e pense que quem está com o revólver sou eu. Alguma dúvida? Benito obedeceu. Ficou olhando turvamente para Brigitte, aplicando a mão à parte dolorida da cabeça. — Que espera para matar-me?
— Tenho sistemas muito diversos desse — informou Brigitte. — Não vou bancar a boa moça, Benito, mas em geral, antes de apertar o gatilho, procuro possibilidades para meus inimigos. Quem o mandou? — Não vou dizer. — Foi o próprio Amadeo Torrealba? Os olhos de Benito se arregalaram. Evidentemente, não era um espião profissional. E como amador, era dos mais deficientes. — De acordo — sorriu Brigitte. — Não foi Torrealba. Quem foi? Benito apertou os lábios. Certamente, tinha visto tal expressão num filme, e isso obrigou Brigitte a sorrir outra vez. — Não estou brincando... — advertiu. — E pela ultima vez dou-lhe o conselho de não se fiar em meu sorriso de garota inofensiva. Quem o mandou? — Vá para o inferno, espiã! — grunhiu Benito. “Baby” empunhava o revólver na mão direita. Moveu-a como se fosse golpear Benito na cabeça e, quando este ergueu os braços para proteger-se, recebeu o impacto da mão esquerda de Brigitte em plena garganta. Emitiu uma espécie de ronco... e foi só. Caiu de lado, perdendo instantaneamente os sentidos. “Baby” se incorporou e aproximou-se da porta da cabana, olhando para o exterior. Viu apenas o carro preto, ainda com o porta-malas aberto. No chão, a marca deixada pelo cadáver de Álvaro ao ser arrastado para o bosque. Tirou os sapatos, deixando-os cuidadosamente a um lado da porta. Depois, deslizou com rapidez para fora da cabana,
rumo ao arvoredo, paralelamente à trilha deixada pelo corpo do morto. Em poucos segundos encontrou-se no meio das árvores. Permaneceu imóvel por algum tempo, até orientar-se sem possibilidade de erro em direção ao ruído que estava escutando, para sua esquerda. Caminhou para lá, no mais completo silêncio e, pouco depois, numa pequena clareira, viu Pancho cavando um buraco no chão. Junto de uma árvore, o cadáver de Álvaro. Três minutos mais tarde, Pancho terminava de abrir a cova. Sacou um lenço enorme, muito sujo, e passou pelo rosto suado. Depois, olhou para o céu, respirou com força e deslocou-se para o lugar onde ficara o cadáver. Estava passando novamente o lenço no rosto, quando por trás dele soou a voz: — Agora, Pancho, tire o revólver, jogue-o para a cova e não se preocupe com mais nada. Após uns segundos de imobilidade, Pancho perguntou: — Que fez com Benito? Matou-o? — Não. E se você se portar bem, tampouco morrerá. — Não tenha dúvida: me portarei bem. — Ótimo. Em primeiro lugar, jogue o revólver na cova. Pancho sacou o grande revólver, hesitou, olhou de relance para trás e, finalmente, fez o que lhe mandavam. — E agora? — Agora, diga-me uma só coisa, e tudo irá bem. Por minha parte, poderemos continuar sendo amigos... — Que coisa tenho que dizer? — Quem é o chefe de vocês? Pancho foi muito menos delicado que Benito. Lançou uma cusparada.
— Aí tem a resposta! — Não quer dizer? — Nem que me taça em pedaços, peste! Por muito que... doe! Pancho recebeu o golpe de culatra em plena cabeça. Caiu de joelhos pesadamente, e então recebeu outro, que o atirou de bruços. Brigitte apareceu por trás dele e olhou-o com certa simpatia. — Uma dupla de idiotas. Se eu quisesse, diriam agora mesmo o que me interessa, mas tenho uma idéia que pode dar melhores resultados. Agarrou Pancho por um pé, tal como ele fizera com o corpo de Álvaro, e arrastou-o para a cabana. Depois o amarrou solidamente com uma corda que encontrou no carro. Fez isso de tal modo, que ficaram os dois atados com a mesma corda. Ou se desatariam ambos, ou nenhum. E para desatar-se, teriam trabalho para mais de um dia, com sorte, pois “Baby” recorreu aos seus melhores conhecimentos s obre o assunto, saindo da cabana, ela foi a demanda de Álvaro e olhou-o por alguns segundos. De fato, o melhor que se podia fazer pelo coitado era enterrá-lo. Mas às vezes o que à primeira vista parece bom pode depois se revelar muito ruim. Pensou mais um pouco. Sim. Decididamente, sua última idéia era a melhor.
CAPÍTULO TERCEIRO Quatro personagens maia-caribenses Um cadáver ao volante Delineia-se um triângulo amoroso Alguém está jogando sujo
Quatro pessoas estavam reunidas naquela pequena vila, situada nos arredores de Ciudad Caribe, quase à beira do mar. E as quatro revelavam preocupação, cada uma à sua maneira. Quem estava mais inquieto, sem dúvida alguma, era Amadeo Torrealba, que não parava de olhar pela janela para o caminho que, vindo da cidade, rodeava a vila por trás e terminava diante do grande pórtico adornado de colunas brancas. Em inquietação, seguia-lhe a, única mulher do grupo: Mercedes Gutierrez. Vinte e dois anos, grandes olhos negros, lábios vermelhos e polpudos, corpo fino e elástico, elegante, longos cabelos negros suavemente ondulados. Esteban Zorrilla, talvez por sua idade, era o que parecia dominar melhor suas reações. Movia-se lentamente, com naturalidade, e nem uma vez sequer olhava pela janela. Tinha um sorriso amável, sereno, e parecia convencido de que nada poderia acontecer. Seus cabelos quase completamente brancos contrastavam com o tom bronzeado da pele. Usava óculos aparentemente destinados a protegerlhe a vista contra o sol, já que a cor de suas lentes situava-se entre o marrom e o azul, mas de qualquer modo seriam lentes de grau, pois do contrário as teria tirado ao anoitecer. Parecia homem inteligente, afável, tranqüilo. O mais frio, de rosto duro, seco, impenetrável, era o general Juan de Diós Martinez. O muito jovem general
Martinez, que tinha alcançado as quatro estrelas aos trinta anos, quer dizer, dois anos atrás. Moreno, de aspecto viril, tinha uns olhos escuros de brilho intenso que denunciavam o vigor de sua vontade. Maxilar sólido, bigode bem recortado, mãos possantes, era de estatura regular, embora parecendo menor devido à robustez dos ombros. Foi precisamente Juan de Dias Martinez quem, após esgotar o seu copo de rum, Insistiu, ornando para Torrealba: — Não me custa nada ir ao aeroporto indagar, Amadeo Torrealba afastou-se da janela, movendo negativamente a cabeça. — Não. Ela chegará mais cedo ou mais tarde. Mercedes Gutierrez, com uma faísca de raiva em seus bonitos olhos, voltou-se para o jovem general do Exército de Maia Caribe: — Sentiria muito se ela não viesse, general? Juan de Diós franziu a testa, entrecerrando os olhos, como se incomodado pela fumaça do grosso charuto que tinha entre os dentes. — Não quero discutir, señorita Gutierrez. E menos ainda com uma mulher. Desculpe-me. — O senhor preferiria que essa mulher não chegasse jamais a Maia Caribe? Realmente, a única pessoa que a espera com autêntica ansiedade sou eu! No fundo, o que os três desejam é que tudo saia mal, que esse tesouro não possa ser entregue... e que Carlos não volte nunca mais! Esteban Zorrilla limitou-se a olhá-lo com tolerância. Juan de Diós Martínez fez um gesto de resignação e continuou fumando. Amadeo Torrealba empalideceu e colocou-se nervosamente diante da jovem. — Mercedes... como pode dizer semelhante coisa?
— Eu seu — Não discuta com ela, Amadeo — aconselhou muito sensatamente Juan de Diós. — Está nervosa e assustada. É bem capaz de acusá-lo, e a todos nós, do rapto de seu noivo. — Pois é uma idéia que já me ocorreu, general Martinez! — quase gritou a bela Mercedes. — Estão vendo? — sorriu Juan de Diós. — E diga-me, señorita Gutierrez, que ganharíamos nós aqui presentes com tudo isso? Se entregarmos o tesouro maia, perderemos uma oportunidade única para promover o progresso de Maia Caribe; se não o entregarmos, provavelmente matarão Carlos... Quem aqui sai ganhando com qualquer das duas coisas? Eu, acaso? Mercedes Gutierrez mordeu os lábios, apertou as mãos quase histericamente e nada encontrou para dizer. Esteban Zorrilla aproximou-se dela, passou o braço por seus ombros e conduziu-a a um sofá. Fê-la sentar-se, sentou a seu lado e acariciou-lhe as mãos fidalgas. — Calma, Mercedes, calma... O general tem razão: todos gostamos de Carlos e todos queremos ajudar Maia Caribe. Por isso, a idéia de Amadeo foi a melhor: pedir a intervenção de alguém que pudesse agir mais objetivamente, com mais isenção do que nós. Não ganhamos nada discutindo, a não ser aborrecimentos. — Mas essa mulher não chega! Já devia estar aqui há mais de duas horas! — Bem... Isso é verdade. Talvez alguém a tenha considerado... perigosa, julgando melhor privar-nos de sua colaboração. Se assim é, tudo continuará do mesmo modo: organizaremos uma expedição para transportar o tesouro ao
lugar que nos for indicado. Todos estamos ansiosos pelo regresso de Carlos... Não é verdade, cavalheiros? Uma cintilação irônica, fria, passou pelas escuras pupilas do jovem general Martinez. Por sua vez, Amadeo Torrealba inclinou a cabeça um instante, no que pareceu um gesto de assentimento. — Naturalmente — disse Martinez. — Todos desejamos seu regresso. De um modo especial, é lógico, sua noiva. E seu irmão, está claro. — Tudo acabará bem — disse Zorrilla à moça, tranqüilizando-a. — Não tenha nenhuma dúvida a esse respeito. — Para quem? — perguntou incisivamente Martinez. — Para todos... Não? — O senhor quer dizer, sem dúvida, que tudo acabará bem para nós, que estimamos Carlos Torrealba... e para os que ficarem com o tesouro maia. Mas eu pergunto: é essa uma solução feliz para Maia Caribe? Os três olharam fixamente para Juan de Diós. Por um instante, pareceu que a jovem ia dizer alguma coisa, mas optou por calar. Todos sabiam o que estavam sacrificando por um só homem... O que estavam dispostos a sacrificar. E a sensação de culpa, de remorso ante aquele egoísmo pessoal, emudeceu os três. Juan de Diós continuou fumando, um duro sorriso imobilizado no rosto. Olhou seu copo vazio, depois o armário aberto onde se viam garrafas de licor, e levantou-se. Tinha a cintura fina e a túnica lhe cala esplendidamente, acentuando a amplitude de seu peito. — Alguém quer mais? — ofereceu. — Ssst! Não fale, Juan de Diós! — exclamou Torrealba.
Ficaram todos imóveis. Torrealba apontava para fora, os olhos quase fechados, com a expressão de que era todo ouvidos. E, realmente, ouviu-se a chegada de um carro. Quando isto foi uma certeza, todos se precipitaram para a janela. E viram deter-se um carro preto. Não diante da casa, mas uns doze metros mais além, sob um frondoso plátano. — É ela! — exclamou Torrealba. — Eu vou...! A mão de Juan de Diós pareceu cravar-se no braço do Chefe de Estado de Maia Caribe, imobilizando-o. — Fique aqui, Amadeo. Eu irei ver quem é. — Mas...! — Ele tem razão — disse Esteban Zorrilla, sombrio. — Esse carro devia ter parado diante da casa. Álvaro sempre faz assim. Pode ser uma cilada, Amadeo. — Uma cilada? Absurdo... Se temos que entregar o tesouro maia, ninguém nos fará nenhum mal até... — Eu irei — cortou secamente Juan de Diós. Desabotoou seu coldre militar, deixou o copo e o charuto e abriu a porta. Saiu ao pórtico e caminhou até a extremidade deste. O carro continuava, silencioso agora, sob o grande plátano. Testa franzida, Juan de Diós hesitou uns segundos antes de decidir-se a avançar mais, o que fez já com o revólver na mão. A poucos passos, reconheceu Álvaro, sentado ao volante do carro. Deteve-se de chofre, contraindo as pálpebras. Apontou o revólver e perguntou: — Álvaro? Este não se moveu. Nem sequer deu resposta. Continuou imperturbável, apoiado ao volante.
Ouvia-se o rumor do mar, muito próximo. Juan de Diós Martinez aproximou-se mais... e mais... Cautelosamente, a arma pronta na mão. Por fim, parou junto do carro. Viu que Álvaro tinha, os olhos fechados, o rosto rígido e lívido. Tocou-o com um dedo, passando a mão por cima da porta, cujo vidro estava baixado. Álvaro deslocou-se para o lado, tombando sobre o assento. Martinez olhou-o confuso, intrigado. Tanto, que durante alguns segundos manteve-se estático, incapaz de tomar qualquer iniciativa. Afastou-se um pouco do veiculo, olhando para todos os lados. Naturalmente, não fora Álvaro quem o trouxera até ali. Mas era evidente que quem o tinha feito não pensava deixar-se ver. Sem dúvida, naquele momento estava se afastando a toda apressa... — Amadeo! — chamou Martínez. Torrealba apareceu no pórtico e precipitou-se para o carro. Mercedes Gutierrez saiu atrás dele e Zorrilla veio por último, com mais calma... Os quatro reuniram-se no mesmo lado do carro. — Que...? — Trouxeram o Álvaro. — Como? Trouxeram...? Mas... Juan de Diós abriu a porta e todos viram Álvaro caído de lado sobre o assento, o jovem general agarrou as pernas do cadáver, levantou-as e puxou, fazendo-o deslizar para fora. Zorrilla e Torrealba agarraram-no cada um por um braço, antes que batesse rudemente com a cabeça no chão. Mercedes tinha retrocedido uns passos e tinha as mãos diante da boca, olhando apavorada para aquele corpo.
— Vamos para casa — disse Martinez. — E depressa. Ainda não estou certo de que isso não seja uma cilada. — Mas... que cilada? — murmurou Amadeo. — Não é normal enviar cadáveres. Fizeram-no com algum propósito determinado. Depressa. Dirigiram-se apressadamente para a casa, seguidos de Mercedes, que parecia não poder desviar os olhos do cadáver de Álvaro, do trágico balançar de sua inerte cabeça... Entraram na casa, ofuscados, atentos ao exterior, temendo ainda alguma coisa. — Feche a porta — disse Juan de Diós. Naquele momento Mercedes soltava um grito. Tinha deixado de olhar para Álvaro e agora seus olhos, mais arregalados ainda, estavam fixos em algo ou alguém que estava atrás dos três homens, que se voltaram sobressaltados. Juan de Diós Martinez largou os pés de Álvaro e sacou rapidamente o revólver, o qual ficou apontado para a formosa jovem que, sentada numa poltrona, as magníficas pernas cruzadas, tinha na mão uma taça de champanha e nos lábios maravilhosos um amável sorriso. Ao ver-se olhada por todos, ergueu um pouco a taça e disse: — Agradeço-lhe a delicada atenção, señor Torrealba. Suponho que o balde de gelo com a garrafa de “Perignon 55” estavam à minha espera. Amadeo Torrealba passou a mão pela testa suada. — Miss Montfort... Que... que...? Brigitte tomou um gole de champanha, inclinou levemente a cabeça para um lado e comentou:
— Exatamente como eu gosto: geladíssima. Não vai guardar o revólver, general Martínez? — Juan de Diós olhou para Torrealba. — É ela? — perguntou. — É... é ela, sim... Mas não compreendo... — Não se assombre com o espetacular de minha chegada, señor Torrealba. É que estou um pouquinho desconfiada. — Desconfiada de quê? — perguntou abruptamente Juan de Diós. — De tudo, general. E de todos. — Oh... — Juan de Diós sorriu secamente. — Esta é formidável! Suponho que me inclui nesse “todos”. Brigitte sorriu, desviando o olhar para Esteban Zorrilla, que se adiantara alguns passas. — As explicações — disse ele amavelmente — deveriam começar pelas apresentações. Sou... — Esteban Zorrilla, conselheiro político de Amadeo Torrealba. Sei de tudo, señor Zorrilla. Ela é Mercedes Gutierrez Inclán, noiva de Carlos Torrealba. O general chama-se Juan de Diós Martinez e é um brilhante militar... dentro das possibilidades que oferece, neste campo, um pequeno país como Maia Caribe. O senhor Torrealba teve a gentileza de informar-me sobre todos quando me visitou, já que minha primeira entrevista ao chegar a Ciudad Caribe seria com os quatro. Juan de Diós olhou quase ironicamente para Torrealba. — Não sei se ela conseguirá o que você espera. Amadeu... Mas, pelo menos, tenho que admitir que é simpática e inteligente. — Muito obrigada, general.
— Não há de quê — Inclinou-se elegantemente Juan de Diós, sem contudo abandonar sua atitude irônica. — Mas creio que os aqui presentes merecem uma pequena explicação... — Sobre meu atraso? Ou sobre a morte de Álvaro? — Sobre ambas as coisas... que suponho sejam relacionadas. — A señorita matou Álvaro? — perguntou Zorrilla. — Não. — Que pena, señorita Montfort! — exclamou Juan de Diós. — Isso lhe rouba um pouco de minha admiração. — Juan de Diós — estranhou Torrealba — que está dizendo? — Não vai querer que eu lamente a morte de Álvaro, hem, Amadeo? Faz tempo que não confiava nele. — Que não confiava em Álvaro? — Em absoluto. E espero que miss Montfort, com suas explicações, me dê razão. — Pois temo que esteja enganado, general — disse Brigitte, após tomar mais um gole de champanha. — Realmente, não poderia acusar ninguém, de nada. Receio que minha explicação possa parecer-lhes surpreendente, ambígua... diria mesmo que quase incrível. Pelo menos, julgo-a assim. Torrealba tinha aproximado outra poltrona e sentou-se perto de Brigitte, olhando-a bastante excitado. — Bem... Que aconteceu? — Cheguei ao aeroporto e, após passar pela Alfândega, dirigi-me para a saída, onde, de acordo com o combinado, deveria estar à minha espera um carro cujo motorista seria
um homem chamado Álvaro... Não era isso, señor Torrealba? — Sim, sim... Continue, por favor. — Bem... Com efeito, lá estava o carro com o homem. Disse que se chamava Álvaro, recolheu minha bagagem e partimos. Em pouco tempo, percebi que não estávamos vindo para a cidade, mas que seguíamos para o interior. Suspeitei de alguma coisa, apontei-lhe minha pistola e disse-lhe que parasse o carro e saltasse. Concordou e parou o carro pouco depois. Então apareceu outro homem, que me apontou um enorme revólver, de modo que me pareceu melhor não lutar, quanto mais que, ao mesmo tempo, compreendia que não pretendiam prejudicar-me seriamente. — Quem eram esses homens? — perguntou Juan de Diós. — Chamavam-se Benito e Pancho... Conhecidos? Olhou-os um por um, rapidamente, ao fazer a pergunta, mas a negativa foi unânime. — Que queriam? — Indagou Torrealba. — Não sei exatamente... Entendi que deviam levar-me para algum lugar e reter-me lá por alguns dias. Vendaramme os olhos e o carro prosseguiu. Depois, deteve-se, talvez meia hora mais tarde... Disseram-me que saltasse e levaramme para uma cabana... — Não disse que lhe vendaram os olhos? — interrompeu Juan de Diós. Brigitte olhou-o amavelmente e continuou como se não tivesse sido interrompida: — ... para uma cabana onde, segundo me disseram, teria que passar uns quantos dias. Deixaram-me lá e saíram. Então, tirei a venda dos olhos. Esperei um pouco e, como
não ouvia nem via nada, resolvi sair da cabana. E como já não tinha mais os olhos vendados — olhou sorridente para Juan de Diós Martinez — pude vê-la perfeitamente. O carro estava ali perto. Entrei nele, regressei ao aeroporto e, então, recordando as indicações do señor Torrealba, vim até esta vila onde me esperavam os quatro. Detive o carro no caminho, pois queria ver se minha bagagem não tinha sido roubada e estava no porta-malas. Estava. Bem como o cadáver de um homem que imaginei fosse Álvaro. Isso me deixou perplexa... e positivamente não me agradou. De modo que pouco antes de chegar aqui, temendo alguma cilada, sentei Álvaro ao volante. Ao chegar, sai do carro e, enquanto todos se dirigiam para lá, entrei na, casa. Já lhes disse que sou um pouquinho desconfiada. E isso é tudo, senhores. Os quatro personagens ficaram olhando-a incredulamente. — É tudo? — murmurou Torrealba. — Sim. — Mas... Mas é absurdo! Primeiro matam o Álvaro e levam-na a uma cabana, depois deixam-na escapar tranqüilamente... — Bem lhe disse que minha explicação podia parecer incrível. — Não tem a menor lógica — acentuou Juan de Diós. — Estive pensando... Talvez Benito e Pancho tenham sofrido um contratempo e por isso não estivessem lá quando resolvi sair da cabana... — Não os tornou a ver?
— Não. Nem me dei ao trabalho de procurá-los, naturalmente. Vi o carro, entrei e dei a partida... Nem eu mesma acreditava no que estava acontecendo. — Saberia voltar à tal cabana? — perguntou Torrealba. — Mmm... Creio que não. Fui-me orientando primeiro por uma pequena bússola de meu equipamento, depois pelas luzes da cidade para chegar até a costa, mas parece-me que me desorientei algumas vezes, errei caminhos... Gostaria de voltar lá para investigar bem, mas não o saberia fazer. Sinto muito. — É estranho tudo isto... — murmurou Zorrilla. — Esses dois homens não lhe disseram exatamente o que pretendiam? — Reter-me por alguns dias. É tudo o que sei. O que não me agradou, senhores, foi que soubessem meu nome, a hora de minha chegada, os propósitos de minha viagem a Maia Caribe... Sabiam também que um homem chamado Álvaro estaria esperando-me com um carro, já que um deles, o chamado Benito, fez-se passar por Álvaro... Talvez devesse descrever-me o Álvaro em nossa entrevista nos Estados Unidos, señor Torrealba. Foi um erro não o fazer. — Tem razão... Mas não me ocorreu que pudesse acontecer nada de semelhante... — Já não importa, realmente. O que importa é que alguém sabe de minha chegada a Maia Caribe e, se estou certa, não querem de modo algum que eu intervenha. Mas suponho que será fácil encontrar essa pessoa. — Fácil?— estranhou Torrealba. — Sem dúvida. Diga-me os nomes daqueles com quem comentou minha chegada e... Que se passa, senhores?
Olhou-os um por um. Todos eles, por sua vez, olhavamna fixamente, embaraçados. Mercedes Gutierrez pestanejava, atônita. Brigitte optou por terminar sua taça de champanha, esperando que reagissem de um modo ou de outro, mas tal não aconteceu. — Disse algo disparatado... ou ofensivo? — É que... — Torrealba passou a língua pelos lábios. — É que ninguém mais que nós quatro sabia de sua chegada, esta tarde, a Ciudad Caribe. Nem sequer Álvaro, que o soube apenas no momento de ir ao aeroporto com ordem de trazê-la a esta vila. Brigitte abriu um pouquinho mais os esplêndidos olhos azuis, revelando uma lógica perplexidade. Por fim, sorriu docemente. — Bem... Nesse caso, teremos que procurar por outro lado, não lhes parece? Suponho seja esta a vila na qual vou ficar alojada, señor Torrealba. — Oh, sim. Está à sua disposição. Amanhã lhe enviarei alguns empregados, para que seja atendida devidamente. Também pode dispor do carro. Quanto a esta noite, seria um prazer que aceitasse jantar comigo... — Estou tão cansada que tudo quanto me interessa é dormir doze horas seguidas. De qualquer modo, agradeço. E agora, se me permitem... Os homens levantaram-se. Juan de Diós olhou-a atentamente. — Não pensa fazer nada esta noite? — Penso dormir. Em minha opinião, não poderemos fazer grande coisa até que indiquem ao señor Torrealba onde e quando devemos levar o tesouro maia. Boa noite a todos.
A primeira a dirigir-se para a porta foi Mercedes Gutierrez. Amadeo Torrealba apressou-se a se despedir de “Baby”, saindo a toda a pressa atrás da jovem beldade. Esteban Zorrilla tomou delicadamente a mão de Brigitte, sorrindo como se estivesse muito fatigado. Juan de Diós Martinez, limitando-se a bater com os calcanhares, saiu por último, cenho carregado, aparentemente não muito de acordo com os métodos da “famosa” espiã amiga de Nataniel. Apenas chegou ao seu carro, ele levou a mão à cabeça, emitiu um resmungo e olhou para a casa. Hesitou um instante, mas caminhou para lá, esforçando-se por não olhar para o carro de Torrealba, junto ao qual Mercedes e Amadeo conversavam quase excitadamente. Subiu ao pórtico, empurrou a porta e entrou. Brigitte, de pé à janela, voltou-se para ele, sorridente. — Esqueceu alguma coisa, general? — Meu quepe. Está... espiando algo de interessante, pela janela? — Tudo é interessante. Vendo o señor Torrealba e a señorita Gutierrez, dir-se-ia que não se dão muito bem, embora devam tornar-se cunhados. Talvez não agrade a Amadeo tê-la como cunhada. Sem dúvida, ele a merece mais que Carlos. — Mmm... Não sei se o entendo, general. — Garanto que sim. São coisas que acontecem com freqüência. De qualquer modo, Amadeo é um cavalheiro, e um homem como melhor não poderíamos encontrar para governar Maia Caribe. Mercedes Gutierrez é... de mentalidade mais acanhada.
— Estão muito excitados... Ela parece recriminá-lo por alguma coisa. Espero que não lhe tenha ocorrido a idéia de que Amadeo quisesse descartar-se de Carlos para ficar com ela. Muito perspicaz sua observação, miss Montfort. — E acertada? — perguntou Brigitte. Juan de Diós foi à mesinha onde estava seu quepe, apanhou-o e olhou para a maleta vermelho com pequenas flores azuis, parecendo intrigado. Depois olhou para “Baby”, que sorriu cândidamente. — Nunca me separo dela: contém esses pequenos segredos que... toda mulher necessita. — Oh... Entretanto, não me parece das que recorrem com excesso à maquilagem e coisas assim. E devo admitir que isso não lhe faz falta alguma. — Inesperada amabilidade a sua, general — sorriu “Baby”. — Não estará procurando um modo de... ficar mais um pouco? — Claro que não — grunhiu Martinez, colocando o quepe quase raivosamente. — Também para mim o dia foi pesado, de modo que desejo o descanso mais que nenhuma outra coisa. — O senhor quase me humilha, general... Boa noite. E oxalá seu descanso seja perfeito. Juan de Diós olhou-a, já da porta. — Sempre é. Boa noite. Tornou a sair. Brigitte viu-o afastar-se quando novamente olhou pela janela. Mas prestou mais atenção a Amadeo Torrealba e Mercedes Gutierrez... Esteban Zorrilla já havia partido.
Quando Juan de Diós Martinez passou em demanda de seu carro, Mercedes afastou-se abruptamente de Torrealba e correu para o militar. Falaram uns segundos, Martinez parecendo hesitar... Torrealba meteu-se em seu carro e então o general prosseguiu para o dele, com a bela Mercedes. Estava claro que esta, de tão aborrecida com Torrealba, preferia regressar com Martinez à cidade próxima. Partiram os dois carros e Brigitte permaneceu ainda alguns instantes à janela, pensativa. Por fim, foi à sua maleta, abriu-a e sacou o detector de sinais dos diminutos emissores montados em cabeças de alfinete não maiores que meio grão de arroz. Pos em funcionamento o detector e, ato continuo, ouviu o sinal: bip-bip-bip-bip-bip... Esteve ouvindo-o ainda por mais de um minuto, com toda a clareza. Depois, o sinal foi baixando de tom, até que, segundos mais tarde, emudeceu completamente. Bem... Teria sido um prazer dedicar-se realmente ao repouso, mas não se podia permitir esse luxo quando tinha a possibilidade de Investigar, pelo menos, um dos personagens que intervinham no assunto do tesouro maia. Um dos quatro estava fazendo jogo sujo.
CAPÍTULO QUARTO Função macabra de um jovem general Tempestade no trópico Problemas maia-caribenses O antipático inimigo
O carro com placa militar deteve-se junto da cabana, fora do caminho, ficando quase oculto, sob as árvores. Juan de Diós Martinez sacou do revólver e, sem sair do carro, chamou: — Benito! Pancho! Ouvia-se o estridular dos insetos noturnos. Ao longe, roncavam alguns trovões, precursores da tormenta tropical suspensa há várias horas sobre Maia Caribe. E eram os únicos sons. O jovem general saiu por fim do carro, após esperar quase meio minuto, aproximando-se lenta e cuidadosamente da cabana de taipa. Parou diante da porta e, então, olhou para todos os lados, como se tivesse a esperança de enxergar na escuridão. Empurrou a porta, devagar, com a ponta do revólver, enquanto acendia a lanterna. Acabou de abrir bruscamente e o jato de luz penetrou súbito na cabana, projetando um circulo amarelento na parede fronteira. Depois, o circulo deslocou-se para a direita e para baixo, procurando... Depois, para a esquerda... A luz passou banhando os perfis de Benito e Pancho que, segundo parecia, estavam sentados no chão, costas contra costas. Fixou-se no perfil de Pancho; depois, no de Benito. O general Martinez aproximou-se deles, já sem afastar a luz do rosto de Benito. Tinha os olhos abertos e três grandes manchas de sangue no peito. Pancho tinha os olhos fechados, a cabeça um pouco inclinada para um lado e
um fio de sangue escorria de sua boca para o queixo e o peito; também em seu peito viam-se manchas de sangue. Juan de Diós Martinez tinha guardado o revólver e sua mão, algo trêmula, deslizou pela cabeça do simpático e sorridente personagem. — Pancho, pobre rapaz... Que fizeram, que fizeram com vocês... Estavam amarrados de costas um para outro. Amarrados com uma solidez e um conhecimento da arte de dar nós que, mesmo contando com a relativa vantagem de poderem usar as quatro mãos com certa liberdade, teriam precisado de dois dias para desatar-se. E depois de amarrados, tinhamlhes enchido o peito de balas... O general deixou-se cair sentado no chão e apagou a lanterna. — Foi ela... — murmurou. — Deve ter sido ela. A história absurda que contou... Foi essa Brigitte Montfort quem os matou. E mentiu porque espera que alguém venha vê-los, para em seguida lhe pedir contas. Então, saberá por quem foram mandados, pois estou certo de que vocês não lhe disseram. É uma armadilha contra mim. Se eu lhe pedir explicações, cairei nela, saberá que fui eu... É isso exatamente o que ela está esperando. Tornou a acender a lanterna, fazendo deslizar a luz por toda a cabana. Não havia ali nada que lhe interessasse. Saiu e esteve examinando o solo em frente à cabana. Viu a marca deixada por um corpo ao ser arrastado e, pouco depois, descobria a picareta e a pé. que Pancho tinha utilizado para abrir a cova destinada a Álvaro. Durante vinte minutos, dedicou-se a cavar unia fossa bem funda na terra esponjosa, enquanto as nuvens iam-se
amontoando cada vez mais. Brilharam alguns relâmpagos, a cuja luz podia ver-se o rosto tenso do jovem general, cavando com energia. Quando os cadáveres de Benito e Pancho desatados, já estavam dentro da fossa, lado a lado, começaram a cair as primeiras gotas, lentamente. Umas gotas enormes, mornas, que se foram espessando rapidamente, até, transformar-se em chuva torrencial. Em meio àquele verdadeiro dilúvio, Juan de Diós Martinez continuou imperturbável seu trabalho, lançando terra, já quase lama, em cima dos dois cadáveres. Dez minutos depois, completamente encharcado, entrava em seu carro, apanhava a túnica que havia deixado sobre o quepe, e enxugava as mãos e a cabeça. Depois, ligou o motor, o rosto viril fortemente crispado. — Não! — murmurou. — Não me espere, Brigitte Montfort. Terei toda a, paciência do mundo, não cairei em sua armadilha... Será você quem cairá na minha, juro! Era quase uma hora da madrugada quando deteve o carro à porta de sua pequena vila. A chuva caía intensíssima e o céu, cheio de relâmpagos, parecia ir partir-se em pedaços de um momento a outro devido ao retumbar incessante dos trovões. Juan de Diós saltou do carro, correu para o pórtico e parou um momento, procurando a chave no bolso. Abriu a porta, entrou, fechou e dirigiu-se diretamente a seu quarto. Atirou a túnica e o quepe sobre uma poltrona, ainda sem acender a luz. Depois, aproximou-se da janela através de cuja vidraça via-se a furiosa tormenta. Suas botas molhadas rangiam sonoramente. Tirou-as, tirou o cinturão com o coldre do revólver, e ficou pensativo..
— Alguma coisa não vai bem, general? Juan de Diós Martinez estremeceu violentamente e voltou-se em direção ao seu próprio jeito. Por um instante, pareceu incapaz de raciocinar, mas em seguida ergueu o cinturão, desabotoou o coldre e sacou rapidamente o revólver, apontando-o para a cama. — Não se mova! — ordenou. Estou-lhe apontando meu revólver. Foi ao interruptor e acendeu a luz. Efetivamente, era Brigitte Montfort. Trajava calças pretas, coladas na perna, e um jérsei também preto, muito fino que modelava primorosamente seu admirável busto. Estava sentada na cama, pernas cruzadas, costas apoiadas na cabeceira. Em sua mão brilhava a diminuta pistola com coronha de madrepérola. — Como vê — disse sorrindo — também eu estou-lhe apontando uma arma, general Martinez. — Que faz aqui? — perguntou ele, apertando ameaçadoramente as pálpebras. — Como conseguiu entrar? — Oh, por favor, essa é uma pergunta que não se faz a nenhum espião, general. Claro que entrei utilizando uma de minhas gazuas. Que faço aqui? Também é evidente: esperava-o. Creio que nos está reservada uma interessante conversa... Viu seus amigos? Os olhos de Martinez pareceram despedir um autêntico relâmpago. — Vi — admitiu surdamente. — Bem... Devem ter ficado muito satisfeitos por se verem desamarrados. Com semelhante tormenta, e numa cabana com o teto cheio de buracos, não lhes teria sido agradável passar a noite lá.
— Acha necessária essa ironia? “Baby” arqueou as sobrancelhas, surpresa. — Estou falando sério... — afirmou. — Sobre que poderia ironizar? — Sabe muito bem a que me refiro. Não creio que Benito e Pancho se preocupassem muito com o tempo. — Depende de estarem habituados a... — súbito, Brigitte parou de falar e olhou fixamente para Martinez. — Encontrou-os mortos? — Não me diga que isso a surpreende. — Não... — ela mordeu os lábios. — Não me surpreende. Talvez eu devesse ter imaginado... — De que está falando? Imaginado o quê? — Que poderiam matá-los. Um esgar, que queria parecer um sorriso, crispou os lábios de Juan de Diós Martinez. — Vai dizer-me que não os matou? — Claro que não os matei. Por quem me toma, general? Eram dois pobres-diabos... que terminei por achar simpáticos. Deixei-os bem amarrados e planejei toda a mentira que contei aos senhores. Queria saber para quem trabalhavam... e logo o soube. — Quando? Como foi que soube? — Pouco depois de conhecê-lo, general. Quando não hesitou em demonstrar seu desagrado para com Álvaro, e inclusive comentou que há tempo desconfiava dele. Ouvi isto, e sabendo que Benito e Pancho consideravam Álvaro um traidor, porque seu “chefe” o tinha dito, compreendi que esse chefe era o senhor. — Muito simples, não lhe parece?
— Todos em Maia Caribe são simples assim. Mas, além disso, quis certificar-me. Vou-lhe dizer como: cravei um pequeno alfinete dentro de seu quepe. A cabeça desse alfinete é um diminuto emissor, cujo sinal é captado por este detector. — Brigitte mostrou-o, fazendo-o funcionar, e de imediato ouviu-se um débil bip-bip-bip... — Pouco depois que o senhor saiu de minha vila, vim para cá, já que conheço seu domicilio, bem como os de Esteban Zorrilla e Mercedes Gutierrez... — Por informação de Amadeo. — Evidentemente. Antes de vir a Maia Caribe, fiz-lhe multas perguntas. Não vai imaginar que uma espiã viaje a um país desconhecido completamente no escuro. E quando lhe são mencionados alguns personagens interessantes, é lógico que trate de saber o mais possível a seu respeito. Sei tudo sobre sua pessoa. — Amadeo fala demais. — Só quando as perguntas são hábeis — sorriu Brigitte. — Além disso, se não me quisesse assessorar convenientemente, eu não teria aceitado vir a Maia Caribe. Mmm... Como estava dizendo, pouco depois que o senhor saiu de minha casa, vim à sua. Dissera que desejava recolher-se para descansar, mas meu receptor de sinais indicava que não estava aqui, nem a menos de uma milha de distância. Foi o último detalhe que me fez compreender quem era o “chefe” de Benito e Pancho. De modo que resolvi esperá-lo. — Sabendo que eu ia libertá-los? Não o quis impedir? — Para quê? Achei-os simpáticos e, sem intenção de ofendê-los, direi que não eram inimigos para mim. Pareceu-
me melhor que o senhor os libertasse... e aguardar sua próxima jogada. Mas agora estou... um tanto confusa, já, que segundo parece alguém mais intervém no caso... Como foi que os mataram? — Com três balaços no peito. Sem desatá-los, sem lhes dar a menor oportunidade. — Lamentável... — murmurou Brigitte. — Mas isso é algo que não deve surpreender a nenhum espião, general Martinez. Procuraremos os responsáveis. — Está mentindo... Quem os matou foi você. — Não diga tolices, Juan de Diós. E guarde esse revólver... Não compreende que se tivesse querido matá-lo você já seria cadáver? E tire essas roupas. Vista algo seco. Juan de Diós Martinez ficou não pouco espantado, mas seus olhos ainda revelavam desconfiança. Brigitte suspirou resignada. Saiu da cama, inclinou-se e tirou de sob a mesma sua maleta. Nela guardou o receptor de sinais e a pistola. Olhou para o general. — Por favor, seu quepe? Quero de volta o meu alfinete. Martinez não se moveu e “Baby”, com outro suspiro de cômica resignação, foi até onde estava o quepe, tirou o alfinete de seu forro, mostrou-o a Juan de Diós e depois o guardou na maleta. Por fim, olhou amavelmente para o militar, um sorriso quase lhe aflorando os lábios. — Estou em suas mãos... — disse. — Por obséquio, procure não me salpicar demasiado de sangue. É de maugosto. Juan de Diós resmungou, guardou o revólver, atirou o cinturão a um canto e foi ao armário. Apanhou um pijama e meteu-se no banheiro, de onde saiu um minuto depois, com ele vestido. Brigitte estava sentada na beira da cama,
fumando pensativamente. Ergueu a cabeça, sorriu e indicou o lugar a seu lado. Juan de Diós sentou-se e aceitou o cigarro que ela lhe oferecia. — Está bem... — murmurou. — Você não os matou. Quem foi, então? — Logo saberemos. Agora, querido general, diga por que não queria que eu interviesse. — Não quero que esse tesouro maia seja entregue. — Nem em troca da vida de Carlos Torrealba? — É uma vida que não vale nada. Carlos Torrealba estará mais bem morto do que vivo. Se o matarem, todos sairemos ganhando. Inclusive Amadeo. — Por quê? — Porque mais tarde ou mais cedo casaria com Mercedes. Mas não é só isso. Acontece que Carlos Torrealba é um sujeitinho sem escrúpulos, cínico, vivedor... O mais perfeito tipo de inútil, do irresponsável, do chantagista nato... — Não está sendo severo demais com ele? — É o menos que posso dizer desse patife. Não serve para nada, a não ser para dar desgostos a Amadeo. Perde dinheiro no jogo, persegue as mulheres casadas, embriagase, comporta-se escandalosamente, ri dos que levam a vida a sério e querem fazer alguma coisa em beneficio do país. É um fardo para todos nós... Naturalmente, sabe que o suportamos por causa de Amadeo, mas isso parece torná-lo ainda mais insolente. Não vale nada, nada. — Bem. Nesse caso, talvez seja melhor deixar que o matem, e não entregar o tesouro maia. — É o que eu penso. Mas se disser isso a Amadeo, ele é capaz de expulsar-me do Exército, apesar de sermos amigos
desde que nascemos. Eu poderia levantar o Exército em armas, porém não quero isso. Quero que tudo continue em paz e, sobretudo, quero que Amadeu continue governando Maia Caribe. É o melhor homem que já apareceu neste país. Sob sua direção, sei que minha pátria progredirá rapidamente. — Sobretudo, com o tesouro maia. — Claro, seria um magnífico auxilio. — E, portanto, você não quer que seja entregue como resgate de Carlos Torrealba. — Exato. Por isso, mandei Benito e Pancho interceptála. Queria retê-la naquela cabana até que tudo estivesse terminado. — Não compreende que Amadeo entregaria esse tesouro mesmo que eu não tivesse chegado? — Talvez não. Eu o estava... convencendo. Mas com você aqui, ele pensará que o pode entregar com tranqüilidade, já que você é capaz de recuperá-lo. Mas se você não tivesse chegado, ele temeria que se entregasse o tesouro nunca mais nele pusesse os olhos, e talvez resolvesse não o fazer. Embora eu duvide... O coitado adora o irmão. Seria capaz de qualquer coisa por ele. — Assim sendo, não é provável que o possamos convencer a não entregar o tesouro. Bem... Você acha que a morte de Carlos estaria... justificada? — Estou certo de que é um traidor. Como outros de que tenho conhecimento... que só esperam o pretexto para armar sua revolução. — E esse pretexto poderia ser a entrega do tesouro mala, que se supõe deva fazer parte do patrimônio nacional... Não é assim?
— É. Quando Amadeo entregar esse tesouro, temo que haja uma revolução em Maia Caribe. Álvaro estava do lado deles... Conheço-os quase todos: Luis Estrada, Ministro da Fazenda; Juan López, Ministro do Exterior; Marcos Ruiz, Ministro do Exército... E tenho minhas suspeitas sobre Esteban Zorrilla. — Ora, vamos, Juan de Diós! — Faz tempo que Benito e Pancho trabalhavam para mim como... informantes. E também outras pessoas me informam de tudo o que voem e ouvem... — Deveria mandá-las a uma escola de espionagem — sorriu Brigitte, divertida. — Ou encomendar para elas uns cursos por correspondência. Em meu país, há meninos que são melhores espiões que Benito e Pancho. — Este não é o seu país — resmungou Juan de Diós. — Mas apesar disso não quero revoluções, nem mortes — disse tranqüilamente “Baby”. — Nem neste país, nem em nenhum outro. E tal não acontecerá enquanto eu estiver em Maia Caribe. Juan de Diós Martinez olhou-a francamente assombrado. — Se decidirem fazer uma revolução, gostaria de saber como você poderia evitá-la. — Estudaremos isso mais adiante. Por ora, terminemos de esclarecer o assunto Benito-Pancho. Segundo parece, foram assassinados por alguém que está a favor da revolução. Creio que se eu não me tivesse livrado dos dois por meus próprios meios, me teriam ajudado a escapar, já que lhes interessa que eu proporcione a Amadeo a suficiente confiança para entregar o tesouro maia. Certamente, não puderam impedir que Benito e Pancho matassem Álvaro, mas vigiavam-nos de perto, dispostos a vingar Álvaro e
deixar-me livre. Eu me libertei sozinha... E quando parti, os que querem a revolução mataram Bonito e Pancho. De acordo? — De acordo. — Ótimo. Agora, o que faremos será dedicar-nos a vigiar esses... revolucionários, enquanto esperamos instruções sobre o modo de entregar o tesouro maia... Há uma coisa que não compreendo, Juan de Diós: se todos gostam de Amadeo Torrealba em Maia Caribe, por que essa revolução? Entendo que o homem mais capacitado para promover o progresso do país, com ou sem tesouro maia, é Amadeo Torrealba. Por que derrubá-lo, então? — Porque pensa reivindicar para os maias certas zonas do país que até agora têm sido exploradas por uns quantos... privilegiados. — Ah! Bem, bem... Tudo isto é mais complicado do que Torrealba me deu a entender. — Amadeo não sabe nada. — E por que não lhe diz você? — Direi quando estiver resolvido o caso de seu irmão. Até lá, não estará em condições de ouvir-me com a. lucidez habitual. — Compreendo. E agora, esclareçamos um ponto: você está contra mim ou a meu favor? — Você não entendeu... — Entendi tudo muito bem. Carlos Torrealba é uma coisa-ruim que estaria melhor morto. Certo. Não vou discutir isso. Mas um amigo pediu-me um favor, e vou atendê-lo, ajudando Amadeo a entregar esse tesouro como resgate de seu irmão. Feito isto, garanto-lhe que recuperarei o tesouro maia pouco depois.
— Vejo que tem muita confiança em si mesma. Não conte comigo. — Inimigos, então? — sorriu Brigitte. — Já que você quer assim. — De acordo — suspirou Brigitte. — Eu quero entregar o tesouro e você quer impedir que o entregue. Veremos quem vence, meu amigo. Mas atrevo-me a fazer-lhe uma última sugestão: por que não deixa em minhas mãos o assunto do tesouro maia e passa a ocupar-se exclusivamente em vigiar essa revolução? Juan de Diás Martinez franziu a testa, primeiro. Depois pareceu bastante perplexo, quase sobressaltado. Esteve uns segundos olhando para Brigitte, enquanto pestanejava. — Não conseguirá convencer-me — resmungou. — Sinto por você, querido — sorriu “Baby”. Bom repouso. — Já vai? Está chovendo muito e... — Tenho o carro aqui perto e não me assusta molharme. Estava imaginando que eu queria passar a noite com você, Juan de Diós? — Tenho coisas mais importantes em que pensar — grunhiu ele. — Pois fique pensando — riu Brigitte. — Até ...... antipático inimigo.
CAPÍTULO QUINTO Pausa para o café O tesouro dos índios Rádio de bolso “Boa sorte, maias”
Haviam-lhe dito que no dia seguinte viriam empregados doméstico da vila, mas o certo foi que nem sequer teve tempo de conhecer tais personagens: logo às oito horas, insistentes batidas na porta tiraram-na da cama. Vestiu um leve peignoir, a toda a pressa, e saiu do quarto. Atravessou o simpático living onde tivera lugar a entrevista na noite anterior e, após esconder na palma da mão esquerda a. pistolinha de coronha de madrepérola, abriu a porta, colocando-se imediatamente a um lado. O primeiro a entrar foi Amadeo Torrealba, já abrindo a boca para dizer alguma coisa. Mas, não vendo ninguém à sua frente, conservou-se mudo. E quando voltou a cabeça para onde estava Brigitte, já tinham entrado também Esteban Zorrilla, Mercedes Gutierrez e Juan de Diós Martinez; os primeiros com expressão ansiosa, o último com sua habitual frieza. — Mmm... Miss Montfort: temos as condições! — Há café na cozinha? — perguntou Brigitte. — Hem? Sim, há um armário com tudo o que... Oh, por favor, estou dizendo que... — Entendi muito bem, señor Torrealba... Quer fechar a porta, general? Martinez fechou a porta e ficou olhando torvamente para aquela com quem, horas antes, tinha firmado um pacto de inimizade.
— Miss Montfort — retomou Torrealba: — esta manhã, encontramos um envelope na caixa de correspondência da Casa Presidencial... — Isso significa que os raptores de seu irmão madrugam muito... ou tresnoitam muito. Como lhes ocorreu abrir tão cedo a caixa de correspondência? — Foi aberta à hora normal. — A carta chegou pelo Correio Nacional de Maia Caribe? — Não, não... — Quer dizer que foi colocada na caixa por alguém diretamente interessado no assunto. Imagino, señor Torrealba, que essa caixa estaria devidamente vigiada. — Oh, não. Não... — Um erro tremendo... e infantil. — Mmm... É verdade... Eu não... — Posso ver a carta? O entusiasmo de todos parecia ter recebido um duro golpe. A excitação desapareceu ou, melhor, foi congelada pela frialdade da espiã profissional, que apanhou o envelope da mão de Torrealba, olhou-o por todos os lados e, por fim, introduziu os dedos pela abertura superior, já praticada pelo destinatário, sem dúvida. Sacou a folha de papel, desdobrou-a e ergueu as sobrancelhas, numa expressão algo impertinente de estranheza. — Isto é um mapa... Oh, vejo agora a explicação... Mmm... Posso ler em voz alta, señor Torrealba? — Pode... Claro! — Bem... “Señor Torrealba: Observe este mapa da parte norte do litoral do país. A linha pontilhada indica o itinerário que deverá seguir o portador do tesouro maia.
Presumindo o peso do mesmo, autoriza-se a presença máxima de três ou quatro pessoas, que o transportarão até o lugar marcado com um X. Lá, deverão entregá-lo. Vinte e quatro horas mais tarde, seu irmão, o senhor Carlos Torrealba, será devolvido a Ciudad Caribe são e salvo. Qualquer suspeita de que a entrega não será realizada nas condições estabelecidas dará lugar à morte imediata de seu irmão. Repetimos: três ou quatro pessoas, no máximo, que irão a pé, transportando o tesouro maia.” Bem... Não indica a data, nem sequer a hora da entrega. — Supõe-se que nos devemos por em movimento imediatamente, não é assim? — perguntou Zorrilla. — Certamente. Isto implica uma vigilância constante dessa zona por parte dos raptores de Carlos Torrealba. Ignoro a escala deste mapa... Qual a distância a percorrer? — Uns vinte quilômetros, depois de passado o Monte Atitcla. Até lá pode-se ir de jipe. Juan de Diós nos fornecerá um do Exército. Está pronta para partir? — Não. Primeiro, tomarei café. Além disso, antes de seguir para o lugar indicado no mapa, quero um de todo o país... Não. Ainda me pareceria melhor ter um detalhado, em grande escala, dessa parte do litoral. É possível? — Claro que sim. — Será também fornecido pelo general Martinez? — Fica por minha conta — prontificou-se Zorrilla. — Posso ir agora mesmo ao Serviço Cartográfico e obter um. — Ótimo, señor Zorrilla. Temos já o jipe, o mapa... Falta-nos uma caixa de primeiros socorros... — Para que isso? — estranhou Torrealba. — Nunca se sabe. Mas, por exemplo, se houver luta, é possível que desses primeiros socorros dependa a vida de
alguns dos componentes da expedição de entrega. Por outro lado, e é o detalhe mais importante, tenho plena certeza de que seu irmão, señor Torrealba, esteve todos estes dias prisioneiro na selva... É bem plausível que necessite de cuidados especiais. A menos que ele esteja acostumado com a vida agreste e... — Não... — Amadeo mordia os lábios. — Carlos não está acostumado com isso. — Irei providenciar os primeiros socorros — ofereceuse impetuosamente Mercedes Gutierrez. — Tudo completo, então — sorriu Brigitte. — Enquanto o señor Torrealba e eu tomamos café, laçam o favor de ir buscar tudo isso. Mas não esqueçam que o tempo é ouro... Poderá preparar o café enquanto me visto, señor Torrealba? — Com muito gosto... Brigitte assentiu com a cabeça e voltou para o quarto, enquanto os demais saiam a toda pressa da casa, dispostos a desincumbir-se cada um de sua tarefa. O chefe de Estado de Maia Caribe foi cumprir a sua, Isto é, preparar o café para a agente da CIA. Estava quase encontrando o pó, depois de alguma procura, quando “Baby” apareceu na cozinha, obrigando-o a quase dar um pulo ante a rapidez jamais vista com que vestira um “short” azul, e uma leve blusa cor de champanha. Deliciosas botas de camurça e um bonezinho azul que parecia de jogador de “baseball” completavam sua indumentária. — Pronto? — sorriu ela, maleta na mão. — Oh, não... Nem sequer encontrei o café. Sei que deve estar aqui, mas... — Querido Amadeo, pergunto-lhe se está pronto para partir.
— Pa-partir... partir? Mas os outros. — Esqueça os outros. — Mas... mas... — Tenho carro ai fora. Deixe essa tolice de café. Vamos depressa. — Mas... — Está preocupado com os outros ou com seu irmão? — Bem... Com meu irmão. Mas é que... Brigitte, agarrando-lhe um braço, puxou-o para fora da casa. Quando Amadeo Torrealba se deu conta, já o carro estava longe e, ao volante, a preciosa boneca de olhos azuis sorria algo irônica, um cigarro entre os lábios rosados. — Em primeiro lugar, vamos em busca do tesouro maia. Depois, veremos se é conveniente seguir o itinerário marcado. Quer guiar você mesmo, ou prefere ir dando-me as indicações? — É... Acho melhor eu mesmo conduzir... — Bem. Ela parou o carro, saltou, deu-lhe a volta e abriu a outra porta, olhando para o petrificado Torrealba. — Se não me dá lugar, terei que ir correndo atrás. — Oh... Desculpe! Desculpe estou tão... — Passe ao volante. Amadeo Torrealba encontrou-se ao volante do carro que na noite anterior tinha posto à disposição da agente “Baby”, ou seja, o mesmo que fora a esperar no aeroporto. Brigitte sentou-se a seu lado e suspirou com infinita paciência. — Seguimos hoje ou amanha, Amadeo? — Mmm... Hoje... Hoje!... ***
Três horas mais tarde, o carro se detinha numa diminuta clareira da selva. Amadeo Torrealba foi o primeiro a apear, suarento, o rosto afogueado pelo calor. O sol reverberava. A tormenta da noite anterior era já uma recordação longínqua. A última gota de chuva já tinha evaporado. Assim que ele saiu do carro, seis índios apareceram, rodeando-o em silêncio. Dois adiantaram-se confiantemente ao seu encontro, mas estacaram ao ver apear-se a mulher, que ergueu a mão direita, sorridente, numa saudação jovial. — Ela é amiga — apressou-se a explicar Torrealba, em espanhol. — Veio dos Estados Unidos e terá que decidir quanto vale nosso tesouro maia. Garantiu-me que pagará nada menos que doze milhões de dólares. A espera terminou. Os dois índios acabaram de aproximar-se de Torrealba e aceitaram a mão que este lhes estendia. Disseram qualquer coisa em língua maia e Torrealba respondeu-lhes na mesma. Estiveram conversando animadamente uns três minutos, sem que Brigitte pudesse entender uma só palavra. Por fim, Torrealba voltou-se para ela. — Vão trazer agora o tesouro. Eles são — indicou os dois índios mais altos e de melhor aparência, que a fitavam com seus olhos de águia — Motola e Cotilán. Já lhe disse que vieram oferecer-me o tesouro maia... — Lembro-me, é claro. Falam o espanhol? — Eles, sim. E uns poucos mais. Mas dentro de alguns anos, todos os índios de Maia Caribe falarão o espanhol e muitos serão capazes de ler e escrever. Dez anos... Dez anos apenas, e Maia Caribe terá mudado. — Amém... sorriu Brigitte. — Muito prazer, Motola e Cotilán.
Estendeu a mão. Os dois entreolharam-se, hesitando um momento, depois apertaram-lhe a mão como se tomassem cuidado para não machucá-la. Cotilán cravou-lhe seus olhos negríssimos. — Tu comprar tesouro maia por muito dinheiro. Não pouco. Estados Unidos: muito dinheiro, muitos dólares. Pagar muito. Maias querer ajudar Amadeo. Maias querer ser cidadãos. Tu comprar tesouro. Brigitte esteve a ponto de sorrir. Por um instante, teve a sensação de estar vivendo um filme de índios, dos clássicos do “faroeste”. Só que aqueles maias pareciam ter uma cor mais clara, uns traços mais nobres e finos, um olhar mais vivo e astuto. E uma mansidão que não a convenceu absolutamente. — Tragam tesouro maia — disse. — Eu direi o que posso pagar. Cotilán e Motola assentiram com a cabeça e voltaram-se para os outros índios. Todos eles usavam calças largas e camisas brancas, muito velhas e sujas; tinham cabelos compridos, machetes na cintura e pés descalços. Em menos de cinco segundos, desapareceram na selva. “Baby” voltou-se então para Torrealba e perguntou: — Eles sabem que os estamos enganando? — Não... — Não lhes disse a verdade? Então, que estiveram falando antes em maia? — Disse-lhes que teríamos que levar o tesouro para longe de Ciudad Caribe e que você se encarregaria dele, que era de confiança e pagaria melhor do que ninguém. — Amadeo, você tem certeza de que quer enganar esses índios?
— Eu... lamento de todo o coração, juro... Mas que faria você em meu lugar? — Não sei... — admitiu Brigitte. — Na verdade, não sei, Amadeo. Talvez fizesse o mesmo. Quando só se tem um irmão, creio que todo o dinheiro é pouco pare, conservá-lo. Mas... Não sei... — Embora percam seu tesouro, eles contarão a partir de agora com meu auxilio para tudo quanto necessitam. Não terá importância: de um modo ou de outro, farei tudo quanto puder em favor deles. Na verdade, os benefícios que receberão serão os mesmos, tal como se o dinheiro fosse empregado nos projetos que eu tinha em vista. — Bem... Ao menos você é um homem dotado de respeito humano. Suponho que seja isso o que o faz tão estimado em Maia Caribe. — Acham também que sou inteligente — sorriu com amargor Torrealba, como zombando de si mesmo. Brigitte tomou-lhe uma das mãos, sorridente. — Não se julgue culpado por ter sentimentos humanos, Amadeo. Além disso, devemos ter em conta que se trata da vida de seu irmão. Torrealba olhou-a fixamente. — Nataniel tinha razão... — murmurou. — Você parece uma pessoa excepcional. — E você também... — riu “Baby”. — Quer um cigarro? Suponho que teremos que esperar algum tempo nossos amigos maias. Nem sequer chegou a uma hora. Os maias apareceram de repente, em silêncio. Os primeiros foram Motola e Cotilán; atrás deles, dois índios hercúleos transportando um
grande cofre; depois o resto, formando um semicírculo atrás dos quatro. Deixaram o grande cofre diante de Brigitte e Amadeo. Brigitte segurou uma das argolas presas a seus lados e puxou para cima. Lançou um pequeno assobio, experimentando seu peso, que lhe pareceu superior a cinqüenta quilos. Depois, abriu-o e olhou seu conteúdo, que brilhava ofuscadoramente à luz do sol: objetos de ouro, mas não em grande abundância; o que mais havia eram esmeraldas e pérolas. Tudo aquilo formando objetos artísticos no mais genuíno estilo maia. Brigitte olhou para Torrealba com as sobrancelhas contraídas. — É na verdade magnífico, Amadeo... Mas você sabe que, intrinsecamente, isto não vale dez milhões de dólares. Ou não sabe? — Eu lhe disse que vendidos como objetos de arte... — Alcançarão preço muito maior, sem dúvida. Mas não garanto que consigamos os dez milhões. Além disso, até que vendamos tudo, decorrerá um bocado de tempo. — Bem... Pareceu-me que... — Pareceu-lhe muito mais simples, suponho. E não é tanto assim... Em todo caso, tenho amigos de toda espécie nos Estados Unidos e em todo o mundo. Faremos o possível para conseguir os dez milhões. Isso, supondo que possamos recuperar o tesouro depois de entregue. — Eu Confio em você, Brigitte. — Sem dúvida. Mas Isto é... fantástico! Quantos anos calcula que seus maias tenham conservado escondido este tesouro? — Não sei: quinhentos anos, mil... Não sei...
Brigitte meteu a mão entre o ouro, as esmeraldas, as pérolas... — Incrível... — murmurou. — Simplesmente incrível! Se contar isto, meus amigos não acreditarão, enquanto não virem com seus olhos. Ninguém acredita nos tesouros maias... nem em tesouro algum. — Bem. Aqui está um deles, não? — Claro. Aqui está um... Precisamos partir imediatamente. — Que digo aos maias? — Mmm... Motola e Cotilán virão conosco. Precisarei deles. Os outros terão que ficar... e esperar. Diga-lhes que ponham o cofre no porta-malas. Abriu-o e os maias ali colocaram o cofre. Depois, segundo suas indicações, Motola e Cotilán ocuparam o assento traseiro, ela tomou o volante e Torrealba sentou-se a seu lado. Brigitte saudou com a mão os maias que ficavam e pos o carro em marcha, olhando pelo espelho retrovisor os dois que iam no carro, silenciosos, olhos fixos nela, trazendo na cintura os enormes machetes. Por volta das três horas da tarde, parava a menos de uma milha de Ciudad Caribe. Voltou-se para Torrealba: — Você salta aqui. Amadeo. — Que...? — exclamou Torrealba. — Já manejou alguma vez um rádio de bolso? — perguntou sorrindo. — Um rádio de espião, quero dizer. — Não... — É simples — abriu sua maleta e mostrou uma carteira de cigarros ao espantado Torrealba. — Está ouvindo este zumbido? — Sim... Mas não sei de onde...
“Baby” sorriu, sacando uma outra carteira de cigarros absolutamente idêntica da maleta. — Saiamos do carro. Você ficará a uns cinqüenta metros de mim e faremos algumas provas depois que lhe explique como funciona e o que desejo que faça. Saia. Saíram ambos. Amadeo afastou-se, seguido pelo olhar dos dois maias. Motola disse alguma coisa e Cotilán replicou, em maia, apontando para Amadeo. Os dois ficaram espiando pela janela a mulher bonita e o homem que admiravam e respeitavam. Viram-nos falar com aqueles maços de cigarros, afastando-se um do outro. Depois, reunirem-se e conversar alguns minutos. Por fim, os dois regressaram ao carro. Amadeo Torrealba abriu a porta traseira e olhou para eles. — Têm confiança em mim? Muita confiança? — perguntou. Motola e Cotilán assentiram com a cabeça, desviando um instante o olhar para a linda jovem. — Bem... — Torrealba indicou-a. — Eu vou ficar aqui. Ela irá com vocês. E lhes dirá sempre o que têm que fazer. Façam o que ela disser, seja o que for. Qualquer coisa que ela diga, seja o que for, obedeçam-na tal como se eu mesmo estivesse falando. E muito em breve, prometo-lhes que os maias terão tudo o que vocês pediram... Compreenderam bem? Os dois chefes tornaram a assentir. Amadeo estendeu a mão, apertando com força aquelas duas manoplas cobreadas, notavelmente maiores do que a sua. — Boa sorte, maias.
CAPÍTULO SEXTO Copocochitla Contato na selva Faíscam os machetes Gentileza do inimigo
De fato, o carro só pode chegar até o Monte Atitcla, depois de ter percorrido pelo menos duas milhas de caminho difícil. Talvez o jipe tivesse podido seguir adiante por mais uma milha, mas tendo em conta o resto da distância a cobrir a pé, pouco importava semelhante diferença. Brigitte abriu o compartimento de bagagens e indicou o pesado cofre. — Temos que caminhar a pé cinco ou seis horas — explicou em espanhol. — Vocês podem carregar o cofre todo esse tempo? Os maias não responderam. Cortaram um gamo delgado e flexível, mas fortíssimo, que passaram pelas alças do cofre. Depois, ergueram as extremidades da improvisada vara ao ombro e, um postado à frente do outro, olharam para “Baby”, que sorriu. — Muito bem. Avante. Caminharemos enquanto houver sol... Estão com fome? Os dois fizeram que não e ela comentou: — Sinto inveja de vocês, queridos. Eu bem que comeria alguma coisa... Em marcha. Caminhou à frente. A selva era espessa, mas felizmente não tanto que exigisse o uso do machete para ir abrindo caminho. A pouco mais de meia hora de caminhada, Cotilán apareceu junto dela com dois frutos que pareciam grandes maçãs.
— Come. Brigitte apressou-se a aceitar os frutos, lançando um grito de alegria. E ficou olhando-os, sem saber por onde comê-los. Cotilán sacou o machete, cortou a parte superior de um dos frutos e em seguida, após unia incisão vertical, abriu a pele bastante grossa, mostrando a polpa amarelada, suculenta e fresca. Brigitte cortou um pedaço, provou-o e exclamou: — Hummmm... o que é? — Copocochitla. — Copopoco... mas é ótimo, Cotilán. Obrigada. Os dois frutos acalmaram seu apetite e aliviaram-lhe de todo a sede, coisas ambas muito convenientes, já que a marcha era cada vez mais árdua e difícil. Com freqüência, “Baby” consultava o mapa que fora enviado a Torrealba, certificando-se de que seguiam o rumo exato por meio de sua pequena bússola. Ao anoitecer, desalentada, constatou que faltavam ainda pelo menos quatro milhas de caminhos para chegarem ao lugar assinalado com um X. Olhou para os dois maias, que suportavam imperturbáveis a marcha, embora o peso considerável do cofre que transportavam. Levantou a mão e deixou-se cair por terra, derreada. — Sinto muito... — murmurou. Tenho que descansar. Os maias pousaram o cofre. Motola desapareceu o retornou dez minutos depois com mais frutos, que deixou diante dela. Brigitte conseguiu galhardamente abri-los sozinha, enquanto os índios comiam chupando-os ruidosamente. Já quase não se ouviam os gritos estridentes dos pássaros selváticos e no céu já brilhavam algumas estrelas. A noite chega muito rápida no trópico e “Baby’
compreendeu que em menos de quinze minutos a obscuridade seria total. Acendeu um cigarro e ficou pensativa, contemplando a fumaça. Certamente que tudo aquilo seria absurdo se quem esperava receber o tesouro maia não contasse com um veículo apropriado para afastar-se rapidamente do lugar da entrega. Mas aquele lugar, a julgar pelo mapa e pelo que podia ver ao seu redor até muito além de’ quatro milhas, era selva. Tudo selva. Portanto, o único veículo que... Deu-se conta, subitamente, de que Motola e Cotilán olhavam como hipnotizados seu cigarro. Simulou não perceber. E alguns segundos depois, como se distraída, atirava o maço para Cotilán. — Fumem, se lhes agrada. Os grossos dedos dos maias sacaram a toda a pressa os cigarros, que puseram nos lábios, e ficaram olhando-a. Brigitte ofereceu-lhes a pequena chama de seu isqueiro, e logo eles começaram a tirar tais baforadas que os cigarros apenas duraram um minuto. Nem um segundo mais. “Baby” indicou o maço... e ficou com menos dois cigarros que foram acesos nas guimbas. Agora, os dois índios fumaram mais pausadamente, olhando-a com uma expressão que ela interpretou como sorriso. — Vamos dormir... — disse ela, quase bocejando. — Retomaremos a marcha assim que amanhecer. E espero que chegaremos lá em menos de duas horas. Foram três horas. Três horas depois do luminoso e veloz amanhecer, Brigitte Montfort e seus dois índios maias chegavam ao lugar marcado com o X. Não havia erro possível: lá estava o estreito arrolo, que corria quase oculto pela densa vegetação de suas margens. Uma centena de
metros mais além, juntava-se com outro, e isto fornecia a prova definitiva. Fez um sinal e os dois maias pousaram o cofre, sentando-se no chão, a ambos os lados. Brigitte aproximouse, abriu o cofre e olhou seu conteúdo. Bem... Como objetos artísticos talvez pudessem valer realmente dez milhões de dólares. Seria uma lástima não poder recuperar semelhante tesouro. Abriu a maleta, sacou um dos alfinetes de cabeça emissora de sinais e deixou-o cair no cofre, ante o olhar intrigado dos maias. Ofereceu-lhes cigarros, acendeu um para ela, após verificar que lhe ficavam quatro naquele maço e ainda outro maço inteiro, e resignou-se a esperar. — O fumo é bom — disse Motola, com aquela expressão que seria sorriso. “Baby” olhou-o amavelmente. — Não muito, Motola. Há quem diga que provoca o câncer. — Que é câncer? — M... Bem, espero que Amadeo ajude para que todos vocês logo saibam o que é o câncer. E outras muitas coisas. — Sabes muitas coisas? — Uma porção. Mas quanto mais se sabe, mais se ignora. Motola e Cotilán entreolharam-se. Certamente, não tinham compreendido aquilo. E levariam ainda muitos anos sem poder compreender. Ambos permaneceram em silêncio por uns minutos, até que subitamente Cotilán perguntou: — Quando nos darás os dez milhões de dólares? Brigitte olhou-o com simpatia.
— Não sei, Cotilán... Tem medo que eu não cumpra minha palavra? A cara do maia ficou muito séria. Moveu negativamente a cabeça. — Não. — Então, tenha paciência. Precisamos esperar. Uns homens virão aqui, não sei quando, e levarão o tesouro... — Eles trazem o dinheiro? — Não. Mas deixaremos que levem o tesouro. — Por quê? — Porque isso é o que convém fazer. — Isso será bom para os maias? — Espero que sim. Motola e Cotilán ficaram pensativos. Tampouco aquilo deviam compreender muito bem, o que a Brigitte pareceu bastante natural. Se eles entregavam seu velho tesouro, queriam ver o dinheiro. E, em seguida, ser cidadãos, dispor de escolas e casas na cidade e... Súbito, os dois saltaram de pé e os machetes surgiram em suas mãos. Os olhares de ambos permaneceram fixos num ponto da espessa mata. — Guardem os machetes — disse Brigitte. — Só haverá luta se eu disser. Olhou para o mesmo ponto. E em poucos segundos depois, apareceram uns quantos homens... Seis. Detiveramse do outro lado do segundo arrolo, contemplando Brigitte e os dois maias. Um deles adiantou-se uns passos, revólver na mão. — Diga a esses índios que guardem seus machetes, senão abriremos fogo agora mesmo.
Gritou em espanhol, de modo que os dois maias entenderam perfeitamente. Olharam para “Baby”, que assentiu com a cabeça. Eles guardaram os machetes na cintura e os seis homens aproximaram-se. Dois deles ficaram algo distanciados, apontando para ela e seus índios. Os outros quatro dirigiram-se ao cofre e um destes apressou-se em abri-lo. Lançou um assobio de admiração. — Era verdade! — exclamou. Os outros metiam as mãos naquela riqueza rindo, revolvendo tudo... — E o prisioneiro? — ouviram perguntar. Ficaram olhando para Brigitte, cada um em atitude diferente, dois deles ainda com as mãos mergulhadas no ouro e nas pedras preciosas. O que lançara o assobio sorriu ironicamente. Era um tipo barbudo, de olhos muito juntos, expressão maligna. Como os outros, usava calças esverdeadas, que lembraram a “Baby” a cor do uniforme de Juan de Diós Martinez, e botas grossas. Tinham todos o torso nu, estavam suados e com barba de vários dias. — O prisioneiro está bem — disse o homem. — Não esqueçam que dentro de vinte e quatro horas devem devolvê-lo. — Claro que não esqueceremos! Suponho que você é a espiã que Amadeo Torrealba foi buscar nos Estados Unidos. — Com efeito. — Bem... Pois é um bocado boa... Não acham vocês que ela é um bocado boa? Os outros olhavam-na agora em silêncio, olhos brilhantes, rostos crispados. Não havia dúvida de que todos
eles a consideravam “um bocado boa”. Durante uns segundos, o desejo daqueles seis foi Brigitte: um hálito quente, algo de tangível. Mas permaneceu firme, sem dar a entender que percebera nada. O chefe do grupo aproximou-se dela e olhou-a descaradamente da cabeça aos pés. Ergueu a mão e a passou, devagar, pelo rosto de “Baby”, depois pelo pescoço, o ombro... Ela afastou-a suavemente. — Se estão satisfeitos com a entrega, meus companheiros e eu voltaremos a Ciudad Caribe. — Sim. Estamos satisfeitos com a entrega. E você e seus índios logo voltarão para lá. Claro que antes precisamos ter certeza de que não há nenhuma armadilha. — Não compreendo. — Primeiro irão meus amigos, com o tesouro maia. Ficaremos dois com você e os índios, vigiando, para não poderem seguir meus companheiros. Não queremos que também saiba onde Carlos Torrealba esteve retido. — De acordo. Vocês são desertores do Exército? Ou além de desertores são também traidores? O homem olhou-a torvamente. Mas logo sorriu, querendo parecer amável. — É melhor que não fale tanto. Feliciano! — Diga, Ramón! — Você e eu ficamos vigiando esta gente... Os outros já sabem o que têm que fazer. Houve um murmúrio de protesto, mas o chamado Ramón, que ainda empunhava o revólver, fez cara feia e seu olhar pareceu vidrar-se. — Há alguém que não esteja de acordo? — grunhiu. — Homem, Ramón, todos temos direito a...
— Quando Feliciano e eu sairmos daqui, levaremos para vocês um presentinho. Ainda em boas condições, prometo... Houve agora um sorriso de satisfação. Quanto ao que ia constituir o presentinho ainda em boas condições, Brigitte não tinha a menor dúvida... E não lhe agradou ser considerada como algo que podia ser presenteado. Dois dos quatro homens que deviam partir encarregaram-se do cofre. Os outros dois, um rompia a marcha e o último cerrava-a. Cruzaram o arroio e pouco depois nem sequer se ouvia o rumor de sua caminhada através da selva. — Há uma boa distância até onde eles vão —explicou Ramón. — Indicamos este lugar para a entrega justamente porque se preparassem uma armadilha... — Só queremos que devolvam o prisioneiro. — Devolvemos, claro... Que leva nessa maleta? — Coisas de uso pessoal. — Deixe ver. — Não lhe importa o que eu... — Deixe ver! — Ramón arrebatou-lhe a maleta e jogoua no chão, sentando-se ao lado e abrindo-a, enquanto “Baby” fazia sinal aos índios para que permanecessem imóveis. — Bem... Isto parece uma pistola, não é verdade, belezoca? — É uma pistola. — E muito bonita... Mas muito pequena, hem? — Nem tanto. — Bem, vamos ver o que mais... Cigarros, uma piteira, pó de arroz, carmim... Moedas... Que é este... aparelho, ou o que seja?. — Um frisador de cabelo.
— Verdade? — Ramón ficou intrigado, volteando nas mãos o receptor de sinais de rádio. — Pois gostaria de experimentar... Ah-ah! Feliciano, você não quer frisar o cabelo? Feliciano pôs-se a rir, devorando Brigitte com os olhos. Ramón deixou tudo na maleta, levantou-se e lançou-lhe um pontapé, arremessando-a longe e espalhando alguns objetos pelo chão. — Bem. Vamos ao que serve. Já estão longe agora... Você vigia os dois índios. Ou mate-os já. Para que os queremos? — Isso digo eu: para, que queremos os índios? — riu Feliciano. Ramón guardou o revólver no coldre militar e aproximou-se de Brigitte, a qual recuou “tão assustada” que a interpôs entre Feliciano e os maias. Estes permaneceram imóveis, tensos, as negras pupilas fixas em Feliciano, que soltou um grunhido e moveu-se também. Ramón ergueu ambas as mãos, crispadas, diretamente para os seios de ‘‘Baby”. — Fujam! — gritou ela para os índios. E ao mesmo tempo agarrava com suas munhecas as sujas mãos de Ramón, pelos dedos, forçando-os para cima e para trás, de modo que ele, gritando, viu-se obrigado a prostrar-se de joelhos... Ou seja, a posição justa para receber uma joelhada no nariz, tão violenta, que quase o colocou novamente de pé pela força do impulso. Feliciano tinha também soltado um grito de surpresa, quando procurava a linha de mira para atirar nos índios. Ao ver aquilo, esqueceu-se instantaneamente deles e seu revólver voltou-se para Brigitte que, percebendo o perigo,
lançou-se sobre Ramón, buscando no corpo-a-corpo a proteção contra as balas de Feliciano, cuja arma passou a mover-se inquieta, tentando a difícil pontaria. Quando compreendeu que não poderia disparar contra aquela mulher que se abraçava estreitamente a seu companheiro, resolveu eliminar os maias e novamente voltou-se para eles... Quer dizer, para onde tinham estado os dois alguns segundos antes. Haviam desaparecido. — Vou ajudar você, Ramón. Mas não a mate! Guardou o revólver, correndo para Brigitte e Ramón. Este grunhia surdamente, tentando desvencilhar-se daquela agilíssima jovem que, não sabia como, apertando suas costas, estava quase o partindo em dois, deixando-o sem poder respirar. Feliciano não pode correr muito. Ouviu o grito à sua direita e virou-se, sobres, saltado. Um dos maias lá estava, brandindo o machete, gritando, como disposto a passar ao ataque... — Vou-te ensin...! Levou precipitadamente a mão ao revólver. Então, ouviu o zunido às suas costas... E foi tudo. Nem sequer teve tempo de voltar-se, nem de saber como morria. Isto é, com o machete de Motola fincado até o cabo entre suas omoplatas, com tanta força que o atirou de bruços, achatando-o contra o chão. Imediatamente ao ocorrer isto, “Baby” compreendeu que já não necessitava para nada do corpo-a-corpo com Ramón, que naquele momento, assoberbado pela intensa dor nas costas, quase perdendo os sentidos, cravava as mãos desesperadamente em sua garganta.
Um simples tapa de baixo para cima afastou aquelas mãos, mas, em compensação, ele deixou de sentir a dor paralisante nas costas. Ficou sozinho, de pé, cambaleando. Viu Brigitte diante dele, a menos de dois passos, e lançoume um violento soco ao rosto. Sua mão não alcançou o objetivo. Entretanto, aquela moça que levava “frisadores de cabelo” para a selva agarrou-a, pelo pulso, deu meia volta, colocando-se de costas para ele, e se inclinou bruscamente, Ramón saiu voando, emitindo um grito agudo. Rolou pelo solo até ir de encontro a uma grossa árvore. Levantou-se, não muito firme nas pernas, olhar turvo. Teve a visão confusa de “Baby”, que se aproximava. Não ia brigar a mão limpa. Sacou o revólver... — Não atire! Ramón esteve a ponto de rir, um pouco antes de compreender que ela dava aquela ordem em beneficio dele próprio. Quando o compreendeu, quando quis disparar de qualquer maneira, já era tarde. O brilho do machete foi como um clarão diante de seus olhos. Quis erguer as mãos para proteger a garganta, mas também para isso já era muito tarde. O machete de Cotilán, fortemente manejado por este, decepou-me o pescoço e cravou-se ainda quase meia polegada no tronco da árvore. Depois, a cabeça de Ramón, rolando pelo chão, já não podia compreender mais nada... Cotilán arrancou o machete do tronco, olhou para Motola, que já tinha arrancado o seu do corpo de Feliciano, depois ambos olharam para Brigitte, que desviava o olhar
da cabeça de Ramón, a qual havia ido parar perto de seu pés. Ela passou a mão pela testa e afastou-se uns passas, pálida. Chegou onde estava caída sua maleta, rodeada de objetos, e apanhou todos eles. Quando ergueu a cabeça, o dois maias estavam junto dela, olhando-a fixamente. — Suponho que vocês querem saber por que luto contra os homens a quem entreguei o tesouro... — murmurou. Os dois assentiram com um seco movimento de cabeça. — É um pouco complicado de explicar a pessoas como vocês... Quero apenas que saibam que estou fazendo o melhor. Ainda confiam em mim? Novo movimento afirmativo de cabeça. — Nesse caso, não perguntem nada e venham comigo. Sacou o receptor de sinais e acionou-o. O aparelho captou perfeitamente o sinal transmitido pelo alfinete que colocara no cofre e a agulha indicou a direção seguida pelos homens, que felizmente ainda não tinham percorrido uma milha. Levantou-se e, com o receptor na mão, mostrou o rumo. — Vamos. Agora caminharemos mais folgados, pois eles fizeram a gentileza de levar a carga.
CAPÍTULO SÉTIMO Trajetória do tesouro maia Rajadas de metralhadora O prisioneiro Oportunidade aos bons
Caminharam pelo menos duas horas até que o sinal começou a chegar com mais força ao receptor. Isto indicou a Brigitte que os quatro homens que transportavam o tesouro maia tinham-se detido, e que ela e seus dois índios aproximavam-se cada vez mais. Cotilán e Motola já tinham deixado de olhar com estranheza e certo sobressalto o aparelho que ela manejava, bem como tinham compreendido que, enquanto ela o levasse na mão, eles não precisavam dar-se ao incomodo de procurar as pegadas daqueles quatro homens que levavam o tesouro. O sinal tornava-se mais e mais forte e claro. E quando, segundo os cálculos de Brigitte, deviam estar a pouco mais de quinhentos metros do cofre, espalhou-se pela selva, de súbito, um som abafado, rítmico, velocíssimo, que fez emudecer uns segundos os pássaros de penas multicores. — Uma metralhadora... — murmurou “Baby”. — É o matraquear de uma metralhadora. Poucos segundos mais tarde, o mesmo som. Agora, em rajadas muito curtas, pouco espaçadas. Os maias olhavam expectantes aquela jovem que parecia ter solução para tudo, esperando uma de suas soluções, uma explicação. Mas a explicação era desnecessária: óbviamente, alguém estava lutando perto deles, disparando com arma de fogo.
Apesar da grande fadiga que sentia, Brigitte apertou o passo, sem deixar de olhar a agulha que indicava o caminho a seguir para chegar ao tesouro maia. Percorridos trezentos metros, o sinal tornou-se tão intenso que desligou o receptor e guardou-o na maleta. A partir daquele momento, bastaria a simples vista para localizar a qualquer instante o cofre com o tesouro maia. Motola tocou-lhe no ombro e indicou montanha acima. “Baby” demorou ainda uns segundos até distinguir o corte horizontal, que formava uma diminuta meseta na aba da montanha. — Um homem — disse Motola. — Pois vamos lá. Mas não deve estar só, Motola. Haverá, pelo menos, mais três. Não se esqueça. E não façam nada até que eu diga... Vocês saberiam usar os revólveres daqueles dois? Os maias moveram negativamente a cabeça. — É fácil. Já estão carregados. Segurem assim... Não... Não, não... Não é preciso apertar tanto, Motola... Bem, assim mesmo... E para disparar, só têm que apertar o gatilho. E o cano tem que estar apontado para o inimigo. É como se fosse um dedo indicando alguém... Mas não disparem, nem se deixem ver, até que eu diga. Entendido? Movimento afirmativo de cabeça. Depois, os três foram subindo, lentamente, silenciosos. Tão silenciosos Motola e Cotilán, que várias vezes o olhar de Brigitte os procurou, para convencer-se de que vinham perto. Logo chegaram à pequena plataforma. E viram o homem, que entrava arrastando o cofre com o tesouro maia.
Em seguida, viram os outros homens. Cinco, exatamente. Todos estavam ensangüentados, caídos em posições trágicas. Um deles, o mais próximo a Brigitte, tinha a cabeça torcida, a cara voltada para ela, os olhos muito abertos pelo espanto, a agonia. Era claro que tinham sido assassinados. E, lembrando-se das curtas rajadas ouvidas, “Baby” compreendeu que, conscienciosamente, haviam recebido tiros de misericórdia, um por Um. Seu olhar pareceu congelar-se quando novamente fixou o único sobrevivente daquela matança. Um único Sobrevivente que, pela lógica, tinha que ser quem matara os cinco. Assim começava a trajetória do tesouro maia? Já desencadeava ambições tão violentas? Cinco mortos... Seria um deles o prisioneiro? De fato, com o cofre em seu poder, para que precisava de seus companheiros o único sobrevivente, e, menos ainda, do prisioneiro. Naquele momento, o homem que ela estava olhando voltou-se, passando um braço pela testa suada, deixando de arrastar o pesado cofre. E Brigitte quase soltou uma exclamação. Aquele rosto estava barbudo, quase em chagas por efeito do sol, sob a cabeleira revolta... Mas tinha certeza de que era Carlos Torrealba. Amadeo tinha-lhe mostrado algumas fotos do irmão, e ela não confundia rostos. Aquele homem que estava só, arrastando penosamente o tesouro maia, era Carlos Torrealba, o prisioneiro que dera causa a todo o assunto. “Baby” incorporou-se. — Torrealba! — chamou de súbito. O barbudo voltou-se como um raio, apanhando a metralhadora de cima do cofre maia. Seus olhos giraram
rapidamente para todos os lados, procurando algo ou alguém Contra quem disparar. — Deixe essa arma? — gritou Brigitte. — Somos amigos! Fomos encarregados de trazer o tesouro maia para pagar seu resgate! Mandou-nos seu irmão! Era evidente que Carlos Torrealba não se mostrava fácil de convencer. Entrincheirava-se atrás do cofre, deixando ver somente a ponta do cano da metralhadora, quando se certificou de que não podia ver ninguém. — Fomos enviados por seu irmão Amadeo! — insistiu Brigitte. — Se são amigos, saiam dai com as mãos erguidas! Quantos são? — Três! Uma mulher e dois índios maias... Vamos sair, Torrealba. — Morrerão se tentarem alguma coisa! — gritou o prisioneiro, com acento raivoso. “Baby” fez um sinal aos maias e os três deixaram-se ver, aparecendo com as mãos levantadas, sem empunhar arma alguma. Foram-se aproximando até onde estava o cofre e, por trás deste, Carlos Torrealba, que mostrava apenas os olhos e o cano da metralhadora. Enquanto se aproximava, Brigitte olhava ao seu redor. Estava claro que ali fora estabelecido um acampamento vários dias antes. Viam-se papéis, latas vazias, restos de fogueira, relva e arbustos pisoteados, em alguns pontos cortados a machete. A um lado, um grande fardo de lona, que sem dúvida era uma tenda desmontada. — Aproximem-se mais! Mais! Obedeceram. E só quando estiveram bem à vista, com os braços bem levantados, é que Carlos Torrealba deixou-se
ver completamente. Parecia ainda desconfiado, movendo os olhos de um lado para outro. — Não lhe estamos enganando — sorriu Brigitte. — Seu irmão foi buscar-me nos Estados Unidos para ajudá-lo. — Você é Brigitte Montfort? — Sou. Como sabe disso? Carlos Torrealba baixou a arma, passou-a para a mão esquerda e estendeu-lhe a direita, relaxando-se prontamente. — Prazer em conhecê-la... e agradeço-lhe muito o que está fazendo pelos Torrealba. — Como sabe você de tudo isso... e meu nome? — Tinha um rádio aqui, de pilha... Está agora embrulhado na tenda. Mandavam noticias de Ciudad Caribe e da costa, quando passavam perto daqui com alguma embarcação. Assim, eles iam sabendo de tudo... Não ficaram dois com você? — Estão mortos agora. — Estimo muito saber. Malditos! Mantiveram-me preso todos estes dias, tomo se eu fosse um condenado...! — Acalme-se, Torrealba. — Vejo que nunca esteve em condições semelhantes! — Tudo está terminado — sorriu “Baby”. — Que aconteceu aqui? — Matei-os... Matei todos eles! — os olhos de Carlos Torrealba brilharam cruelmente. — Matei todos com suas próprias armas! Infelizmente, só tinham uma vida cada um! — Calou-se de súbito vendo a expressão de Brigitte. Acabou sorrindo. — Assusto-a? — Um pouco, señor Torrealba. Aos inimigos basta matar uma vez... Que aconteceu exatamente? — Agora?
— Sim. Refiro-me aos disparos que ouvimos não faz muito tempo. — Matei todos eles, como disse. Ah-ah! Todos! Deixaram um comigo, vigiando-me... Sempre me vigiando, como se eu fosse uma fera! Deixaram um com a metralhadora... E não sabiam que eu estava desatando-me com muita paciência, desde alguns dias... — Não o desatavam para comer? — Só uma das mãos. Mas tive paciência... Quando fiquei só com um deles, acabei de soltar-me, ataquei-o e venci-o. Bem que gostaria de estrangulá-lo, mas não queria que os outros suspeitassem. Deixei-o vivo, mas a metralhadora estava comigo. Os outros voltaram, confiantes. E quando estavam todos juntos: ra-ta-ta...! Matei todos eles! — E depois os rematou um a um? — Claro que sim! Você não teria feito o mesmo? Estou farto desta selva, de sujeira, de má alimentação, de dormir sobre uma manta... Quero o melhor, não o que eles me davam! Você não teria feito o mesmo? — Talvez — disse friamente Brigitte. — Bem, señor Torrealba, tudo terminou. Agora avisaremos seu irmão, para que venha buscar-nos e... — Veio mesmo sozinha? — interrompeu ele, meio incrédulo. — Com os dois maias. — Oh, dois asquerosos índios... Quase pior que sozinha, não lhe parece? “Baby” olhou gelidamente para Torrealba, pestanejando. — Conheço pessoas de cor melhores que muitos brancos.
— Pois eu não... Vieram só os três? Realmente? — Já lhe disse que sim. Mas seu irmão estará aqui antes de meia hora. — Vem seguindo-a? Com muita gente? — Não. Está esperando a uns quantos quilômetros daqui que eu o chame pelo rádio. Se seguiu minhas instruções, não andará longe e terá um helicóptero pronto para vir buscar-nos. — Não faça isso! Não o chame! — Por que não? — Porque se ele se aproxima, os traidores não virão. — Mmm... Não sei se estou compreendendo. — Eu explico... Verá: há uns traidores no governo de meu irmão, que querem rebelar o país. São os que estão esperando agora o tesouro maia, para comprar armas em Cuba. Meu irmão quer distribuir legalmente as terras de lavoura entre os maias. Isso significaria que tais homens perderiam milhares de trabalhadores mais ou menos gratuitos e a exploração também gratuita de terras que ninguém reclamou até agora. Esse grupo dirigente não aceita as perdas que sofreria em decorrência da política de meu irmão. Seus integrantes chegarão de helicóptero à praia, bem perto daqui, dentro de meia hora no máximo. Querem levar o tesouro maia e não só para comprar armas: farão saber aos índios que Amadeo Torrealba os enganou, que não pensa dar-lhes nada do que prometeu e que seu tesouro foi destinado à compra de armamento. Assim, esperam que os maias se juntem aos revolucionários. E com estes, os cidadãos que se sentirão lesados por um homem no qual tanto confiaram, pelo bondoso, inteligente, honesto Amadeo Torrealba...
— Compreendo. Esses homens são os chamados Juan López, Marcos Ruiz e Luis Estrada? — Sim! Eles planejaram tudo, ordenaram que me mantivessem prisioneiro para obrigar meu irmão a entregar o tesouro maia. Querem ser o Conselho Central do Maia Caribe... E o mais sujo de todos é Esteban Zorrilla. — O conselheiro político de Amadeo? — perguntou Brigitte. — Conselheiro político! É o mais imundo de todos os traidores! Ele quer governar Maia Caribe, deixando com que os outros constituam o Conselho Central de Estado! E para isto me utilizaram! A mim! Nunca lhes perdoarei estes dias terríveis. Quero matá-los. — Não é uma idéia genial, mas pelo menos parece acertada. Entretanto, creio que já matou bastante gente. As coisas poderão resolver-se de outro modo. — De que modo? — Não sei... Creio que seu irmão é quem deve decidir isso. É seu governo que está em jogo e esses homens são seus inimigos, não meus. — Mas meus também! — Isso por simples tabela. Na realidade, você não é ninguém em Maia Caribe. Ocupa algum cargo público ou particular? Dedica-se a alguma coisa? É de alguma utilidade para alguém? Carlos Torrealba passou a língua pelos lábios. — Vejo que lhe estiveram falando de mim... — E verifico que com bastante justiça. Chamarei seu irmão. — Espere... Espere, suplico-lhe... Tampouco você quer ajudar-me?
— Ajudá-lo? Como o poderia fazer? — Quero... quero demonstrar a Amadeo que... que... Durante todos estes dias tive muito tempo para pensar e... e creio que todos têm razão a meu respeito. Gostaria de provar que posso ser útil, que Amadeo pode confiar em mim a partir de agora... Gostaria de mostrar a todos que quando algo importante está em jogo posso deixar de ser um inútil, um boa-vida. Estou-lhe pedindo uma oportunidade para demonstrar a meu irmão e a todos de Maia Caribe que podem contar comigo quando se torna necessário um... um autêntico sacrifício. Peço-lhe isto! Os olhos azuis brilharam entre perplexos, desconfiados e vigilantes. A voz de Brigitte soou lenta, pausada, em tom aliás amável: — O que me pede exatamente, Torrealba? — Olhe... Contei-lhe o que sei. Você, agora, está sabendo de tudo. Não compreende? Teremos em menos de meia hora os culpados de tudo isto... Chegarão à praia, de helicóptero. Virão buscar o tesouro maia e, naturalmente, matar-me. Sei que não pensam deixar-me voltar vivo a Ciudad Caribe. Esses homens são os mesmos que querem tirar de meu irmão o governo do país, por ambições pessoais. Não tenho sido muito melhor do que eles até agora, mas creio que chegou o momento de provar a todos, e sobretudo a mim mesmo, que posso servir para alguma coisa, que posso ser útil à minha pátria. Não tanto Quanto Amadeo, bem sei. Mas não se pode dar mais do que se tem... — Isso é verdade... — murmurou “Baby”. — Mas ainda não me disse exatamente o que quer.
— Quero esperar esses homens. Sozinho, sem ajuda. Quero dar-lhes o castigo que merecem. Quero ser eu, Carlos Torrealba, quem os aniquile. Se prefere, não os matarei. Mas ficarão impossibilitados para qualquer outro intento político, para qualquer outra canalhice. É só o que peço: não chame meu irmão, deixe que eu resolva isto. E quando o tiver resolvido, chame-o, diga-lhe que seu inútil irmão fez algo de bom. É só o que quero. — De onde tirou toda essa coragem, Torrealba? — Não é coragem! — gritou Carlos. — É uma necessidade que tenho. Vou sentir medo, ou angústia, mas não importa. Quero fazer isso! Quero que Amadeo não se envergonhe mais de mim. Por todos os santos, Brigitte: peço-me que me compreenda! Novamente “Baby” pestanejou. Havia ali uma boa solução política, militar e humana. E de seu ponto de vista de espiã, aquela solução era demasiado humana para que, com toda sua humanidade e sentimentalismo, se atrevesse a recusá-la. — Posso compreender, Torrealba. E vou dar-lhe a oportunidade. Vamos os dois esperar esse helicóptero na praia. Teremos que levar o tesouro maia? — Não creio, O helicóptero pode chegar até aqui, para apanhá-lo. Acho que só estão esperando o sinal para descer. Supõe-se que pousará na areia, que Ramón os porá ao corrente de tudo, que depois virão aqui me matar e buscar o cofre. — Deixaremos aqui Motola e Cotilán, com o tesouro. Desceremos à praia... Mas exijo esta condição, Torrealba: nada, de matar. Quero que esses homens paguem seu delito político de acordo com as leis de Maia Caribe. Nós os
capturaremos, serão levados à cidade e julgados devidamente. Aceita? — Quero prendê-los eu... Se é assim, aceito. Brigitte assentiu com a cabeça. — Teremos que tirar algumas roupas desses mortos. Faça-os e se vista como iria vestido o Ramón. Temos o tempo justo para chegar à praia. Carlos Torrealba estava muito emocionado; tanto, que Brigitte pensou fosse demonstrá-lo efusivamente. Mas não foi assim. Ele afastou-se, nervosamente, começou a tirar a roupa de dois dos mortos. De um, a camisa; de outro, as calças. Enquanto se trocava, “Baby” esperava-o junto ao cofre do tesouro maia, pensativa, sob o olhar vigilante de Motola e Cotilán. — Ele não bom — disse Cotilán. — Nós maias saber. — É preciso dar oportunidade a todos Cotilán. — Ele não bom — insistiu o índio. — Não tem sido até agora, mas talvez endireite. — Não. O mau é mau, o bom é bom. Tu mulher boa, ele homem mau. Amadeo bom. Juan de Diós, general, bom. Mas ele mau. — Cotilán, você é índio e quer ser cidadão gostaria que não houvesse ninguém tão bom como Amadeo para lhe dar essa oportunidade? — Tu mulher boa. Amadeo homem bom. Maias índios bons... Mas ele — indicou Carlos Torrealba. — homem mau. — Se é mau de verdade, eu o matarei — disse tranqüilamente Brigitte. — Mas se não é mal, deixaremos que seja bom. Vocês esperam aqui.
CAPÍTULO OITAVO Sob um sol ofuscante As ambições de um jovem transviado Execução em massa Generosidade de uma espiã
A selva ia-se tornando menos espessa à medida que se aproximavam do mar. As grossas árvores seguiam-se esbeltas palmeiras e, por fim, apareceu a larga faixa de areia branca, fina, que brilhava ofuscante sob o sol intenso das primeiras horas da tarde, caindo quase a prumo sobre um mar que parecia de metal fundido. Carlos Torrealba deixou-se tombar junto a uma palmeira, ofegante, esgotado pela curta marcha que apenas tinha alterado o ritmo respiratório de Brigitte. O suor escorria por seu rosto, pelo pescoço, pelo peito. Sua camisa estava completamente empapada. No alto, o sol parecia um foco perverso que concentrava sua potência abrasadora sobre os dois personagens. — Estou... com uma sede espantosa... — Eu também — admitiu “Baby”, indiferente. — Você... está acostumada com isto, não negue. Para mim é um verdadeiro sacrifício... — Há anos aprendi uma coisa muito importante: a sobrevivência é, simplesmente, questão de adaptação. — Palavras... Nada mais que palavras. — E feitos, Torrealba. Ouviu-me queixar uma vez que fosse? Carlos passou as costas da mão, furiosamente, pela boca seca, rodeada de barba loura. Olhou para o céu, piscou e soltou um grunhido feroz.
— Não podem tardar... Se demorarem muito, ficarei louco com este sol. — Quer um cigarro? — sorriu Brigitte. — Se fumar, acho que minha boca ficará em fogo. — Tolice. “Baby” acendeu um cigarro, olhando para o céu. Tinha o rosto avermelhado e suarento. Também a pele de seu peito, revelada pelo decote, estava vermelha. Não fosse amante convicta e quotidiana do sol, estaria mais afogueada que Carlos Torrealba. Mas em suas diferentes missões, e em suas curtas temporadas de descanso, exibia sempre o corpo nu aos raios do astro-rei. Dai aquele tom dourado de sua pele deliciosamente brilhante e saudável. Durante alguns minutos, os dois permaneceram silenciosos, ela fumando imperturbável sob o sol, ele procurando encontrar a todo momento a mais diminuta porção de sombra. Afinal, ouviram o ruído de um motor. Torrealba ergueu vivamente a cabeça, olhando para todos os lados, desorientado. Para localizar o helicóptero, teve que seguir a direção do olhar de “Baby”. — Aí está... Vai descer! — exclamou Torrealba. — Assim parece, Vá para a areia. — Mas... — Se não pensarem que estão avistando Ramón, é possível que não desçam. Compreende? — Sim, sim, Compreendo... — Pois vá para a praia. E leve a metralhadora bem visível... Você tem que dar uma impressão de força, de segurança, parecer o chefe do grupo que detém o prisioneiro.
— Se me reconhecerem... me crivarão de balas... — De cima, todas as pessoas parecem iguais. Faça-lhes sinais, mas não levante a cabeça. De cima, tomarão você pelo Ramón. — Sim, claro... Está bem, eu vou... Empunhou fortemente a metralhadora e foi para a areia, até a beira do mar. O helicóptero estava dando uma volta que parecia de inspeção, baixando ligeiramente. Carlos Torrealba agitou os braços, erguendo bem alto a metralhadora. Quase imediatamente, o aparelho começou a descer, pouco menos que na vertical. De sua posição atrás de uma palmeira, Brigitte viu a rápida descida. Carlos tinha ficado imóvel no lugar de onde fizera o último sinal. Depois, quando o helicóptero pousou na areia, caminhou lentamente para ele. Antes que o alcançasse, já alguns homens estavam saltando. Quatro, ao todo. Era fácil compreender que se tratava de Marcos Ruiz, Luis Estrada e Juan López, os três revolucionários. O quarto homem, a menos que sua vista a enganasse, era, com efeito, Esteban Zorrilla. A traição estava em pleno auge. Viu Carlos Torrealba chegar junto deles, apontando-lhes a metralhadora. Os quatro personagens não pareciam muito impressionados. “Baby” abriu sua maleta, sacou a diminuta luneta que aparentemente era uma caneta esferográfica e olhou através das duas pequenas lentes que formavam o sistema ótico de aproximação. Esteban Zorrilla estava dizendo algo, quase sorrindo. Junto deles, os três homens que ela não conhecia... Foi examinando aqueles rostos, um a um. Nenhum deles expressava preocupação, ou temor. Parecia que estavam falando com Carlos Torrealba em tom bastante amistoso.
Possivelmente, estariam tentando convencê-lo de seu erro... Quando teve na luneta a imagem de Torrealba, viu-o movendo o braço esquerdo, num claro gesto de chamado. Baixou o pequeno instrumento e viu-o ao natural, menor e mais distante, insistindo no chamado com gesto largo. Bem... Indubitavelmente, havia-os dominado e considerava-se satisfeito com sua façanha. Tornou ainda a olhar durante alguns segundos, aproximando as imagens por meio da luneta, isto é, da caneta esferográfica. Esteban Zorrilla parecia sorrir e os outros continuavam sem dar qualquer mostra de medo ou preocupação. Lentamente, “Baby” Montfort guardou sua luneta. Mas permaneceu imóvel uns segundos ainda, sobrancelhas contraídas, um olhar desconfiado nas pupilas azuis. Finalmente, sacou uma piteira da maleta, colocou nela um cigarro, acendeu-o, fechou a maleta, segurou-a com a mão esquerda e levantou-se. Percorreu rapidamente o espaço que a separava daquele grupo. Já desde antes de chegar, captou os sorrisos irônicos dos quatro prisioneiros de Carlos, mas prosseguiu, imperturbável, rosto inexpressivo. E quando chegou, disse: — Bom trabalho, Torrealba. Os outros quatro soltaram uma gargalhada, em uníssono. Estavam-se divertindo extraordinariamente, era bem claro. — Sem dúvida — admitiu Carlos Torrealba. — Foi um magnífico trabalho, Brigitte. Tenha a bondade de deixar cair a maleta e colocar-se junto deles. — Como? — Julguei que entendesse bem o espanhol — disse ele, sarcástico.
— Mas isto não compreendo... — Eu explico... Coloque-se junto deles. — Bem... Obedeceu. Colocou-se junto de Esteban Zorrilla, que lhe dirigiu um olhar zombeteiro e fez um comentário: — É sempre exagerada a fama dos espiões profissionais, não lhe parece, miss Brigitte Montfort? — É possível — admitiu friamente “Baby”. — Na verdade, não compreendo o que está acontecendo aqui. — Muito fácil — disse Torrealba. — Os cinco vão morrer. A noticia não alterou absolutamente Brigitte, mas caiu como uma bomba entre os quatro homens, que olharam perplexos e assustados para Carlos Torrealba. — Foi o que eu disse! — positivou este. — Os cinco vão morrer! — Carlos... Um momento, Carlos... — murmurou trêmulo Esteban Zorrilla. — Um momento. O que nós combinamos foi... — Ora, deixe disso, Esteban! Sei muito bem o que combinamos. Mas sei ainda melhor o que realmente penso fazer. — Está Louco? Sem nossa ajuda, você jamais poderá governar Maia Caribe... — Vocês é que estão loucos — riu Carlos Torrealba. — Maia Caribe! Que me importa este pobre país, no qual dentro de alguns anos, de um ou de outro modo, milhares de índios serão cidadãos normais, com todos os direitos? — Em outros países da América Central, os índios já gozam de...
— Não me importa nada disso! Nem me importa governar esta miserável nação. Para quê? — Carlos... Pense bem! A revolução que organizamos... — A revolução! — tornou a rir Torrealba. — Tampouco me importa essa revolução! — O que é que lhe importa? — perguntou “Baby”, sem se alterar um só momento. — O dinheiro. Simplesmente isto: o dinheiro. Muito dinheiro, para poder ser livre e viver em qualquer lugar onde valha a pena. — Não em Maia Caribe? — insistiu ela. — Não! Não em Maia Caribe, está claro! Bem longe daqui! — Ah... Bem, continuo sem entender muito, Torrealba, poderia explicar-me? — Para quê? Dentro de alguns segundos, você terá deixado de existir... — É um favor pessoal. Eu já lhe concedi um. Não acha que tenho direito a uma retribuição, pelo menos uns poucos segundos antes de ser assassinada? — Bem pensado. Por que não? Olhe, Brigitte Montfort, tudo é muito fácil. A idéia de roubar o tesouro maia foi minha, aproveitando as ambições que já conhecia destes quatro senhores. Convenci-os de que o único meio de conseguir que meu irmão entregasse o tesouro seria “raptarme” e pedir o tesouro como resgate. Eu estava certo de que Amadeo daria qualquer coisa em troca de minha vida. De modo que vim a estas montanhas com uns quantos militares que estavam de acordo com a revolução. Naturalmente, não estive prisioneiro. Fui eu quem confeccionou o mapa para a entrega do cofre. Destaquei alguns para, ir buscá-lo e,
quando regressaram quatro dos seis, matei todos eles, como você já sabe. Deste modo, somente eu tenho o tesouro. Então, de acordo com o combinado, tinha que vir à praia para esperar o helicóptero que eu mesmo chamei pelo rádio, depois de matar aqueles cinco asquerosos. Supõe-se que estes senhores deveriam levar o tesouro, e eu podia aceitar duas alternativas: ficar em Maia Caribe para substituir meu irmão no governo, ou aceitar um milhão de dólares pelo tesouro e o trabalho que me ofereceriam estes senhores. A decisão era fácil: não me agrada mandar, nem complicar minha vida, de maneira que já que estes senhores foram bastante amáveis para trazer o milhão de dólares, fico com ele... — E entrega-lhes o tesouro maia? — Claro que não? Por que faria isso? Eles pensavam que se eu aceitasse o dinheiro partiria clandestinamente de Mala Caribe, deixando todos suporem que tinha morrido. Enquanto isto, eles voltariam com o tesouro, dispostos a comprar armas em Cuba para a revolução. Mas o que vai acontecer é o seguinte: eu fico com o milhão de dólares, fico com o tesouro maia, mato vocês cinco... e desapareço. — É um plano muito bom, Torrealba. Pensou em seu irmão? — Bem... Amadeo é inteligente. Saberá como contornar a situação, estou seguro. — Claro. Sem tesouro maia, sem irmão, amargurado com as acusações de Mercedes Gutierrez, com os maias indispostos contra ele, todo o país descontente... Oh, sim: tudo isto será fácil de contornar. — Bem sei que não! Mas, querida Brigitte Montfort, a mim não me importa em absoluto. O que eu queria, tenho: o
milhão de dólares que estes imbecis arranjaram e os dez milhões que vale o tesouro maia. O resto não me preocupa de modo algum. — Na verdade, Torrealba, poucas vezes tive o desprazer de assistir a um ato de traição e covardia semelhante. — Espera ofender-me? — riu Torrealba. — Não. As pessoas como você não se pode ofender de nenhum modo. Estão imunizadas por sua própria torpeza. — Palavras... Nada mais que palavras. O certo é que ganhei a partida, que enganei a todos, que vocês vão morrer e que dentro de poucos minutos partirei com um milhão de dólares em efetivo e dez milhões em objetos de arte maia. Não está mal, parece-me. — Ainda não tem o tesouro. — Terei. É só matar vocês, tomar o helicóptero, voltar até onde estão os dois asquerosos índios, matá-los com a metralhadora e levar o tesouro. — Não lhe será fácil vendê-lo, nem manejá-lo até que consiga efetuar a venda. — Também pensei nisso. Veja: tenho um milhão em dinheiro, lançarei ao mar, em determinado ponto, o tesouro maia. E dentro de uns anos, tranqüilo, como um “yachtman” qualquer que se dedica a dar a volta ao mundo, passarei pelo local exato, descerei ao fundo do mar, apanharei o tesouro e... pronto! Pensei tudo muito bem, querida amiga. Brigitte olhou o cigarro em sua piteira, já quase totalmente consumido. Extraiu-o e atirou-o fora, enquanto assentia sombriamente. — Devo admitir, Torrealba, que nenhum detalhe foi esquecido. Agora só me preocupa uma coisa. — Que coisa?
— Como direi a seu irmão que você morreu? — Que morri...? — riu Torrealba. — Não sei. Mas para que veja como sou amável, evito-lhe tão penoso encargo, eliminando-a agora mesmo.... — Oh, por favor, um momento! Brigitte voltou-se para Esteban Zorrilla, que, como os outros, estava lívido, paralisado de medo, sem compreender como aquela jovem tão linda podia aceitar com semelhante calma sua sentença de morte. Claro que ela não conhecia bem Carlos Torrealba... — Señor Zorrilla: os assassinos de Benito e Pancho obedeceram a ordens suas? — Deixe-me em paz! Que importa isso agora? — Curiosidade. Por favor, Carlos, diga-lhe que me responda. — Responda, Esteban — ordenou Torrealba, rindo. — Está bem: é verdade. Soube que Pancho e Benito tinham eliminado Álvaro e se apoderado de você, de modo que mandei três homens para libertá-la. Mas quando chegaram, você já tinha partido e Pancho e Benito estavam amarrados... — E então foram mortos. — Tinham assassinado Álvaro. — Sim... Bem, é tudo uma questão de considerar a vingança como coisa aceitável. E admito que também eu sou vingativa em certas ocasiões... O senhor, Zorrilla, queria que eu estivesse livre, é claro, para que Amadeo não hesitasse em entregar o tesouro, confiando em que cu pudesse recuperá-lo. Ao senhor interessava isto. — Sim.
— Bom. Tudo explicado. Santo Deus! E pensar que todo este enredo político e de espionagem foi obra de um homem que não vale nada! Olhou para Carlos Torrealba, o qual franziu a testa e apertou as mandíbulas, ameaçadoramente. — Quer ser a primeira a morrer? — Bem, se não lhe importa, preferia ser a última. Enquanto há vida, há esperança. Mas, antes que aperte esse gatilho, Torrealba, faço-lhe uma derradeira oferta: jogue fora essa arma, que eu o deixarei escapar... Não me lembrarei mais de você, nem você pensará jamais em Maia Caribe. — Esquecerei Maia Caribe, esquecerei você, esquecerei de todos... Mas será por que vou matá-los. Sua oferta não tem base, minha querida. — Esqueci de dizer que é em troca de sua vida. Carlos Torrealba pôs a rir. E foi-se animando sozinho. Ria cada vez mais... Súbito, apertou o gatilho e sua metralhadora começou a matraquear. Juan López, Luis Estrada, Marcos Ruiz, Esteban Zorrilla receberam o jorro de balas e foram arremessados de costas contra o helicóptero, sacudidos, cobertos de sangue, chocando-se uns contra outros e caindo em montão sobre a areia, que logo ficou manchada de vermelho. A parte da rajada que se destinava a Brigitte ricocheteou com sonoro tamborilar contra a fuselagem do helicóptero, pois que ela tinha-se deixado cair de bruços, enquanto soprava na piteira que durante todo o tempo mantivera presa entre os dentes. E os disparos cessaram naquele mesmo instante. O diminuto dardo impregnado de veneno fulminante cravou-
se no peito de Carlos Torrealba, justamente sobre o coração, matando-o de imediato, sem um gesto, sem um grito... Simplesmente, recebeu o dardo no peito e tombou fulminado. No silêncio que se seguiu, ficou como único fundo sonoro o rumor do mar, sobre o qual passava naquele momento um pequeno bando de gaivotas, rumo às águas mais alimentícias do porto de Ciudad Caribe. “Baby” revistou os cadáveres dos quatro homens que tinham chegado no helicóptero. Bastante estranho: apenas Marcos Ruiz trouxera um revólver; os outros estavam desarmados. Mas um revólver era suficiente. Empunhou-o e aproximou-se do cadáver de Carlos Torrealba, que jazia de costas, com os olhos abertos pela surpresa. Apontou-lhe o coração e disparou. A bala cravou-se surdamente naquele peito imóvel, chegando até o coração, sem dúvida. *** O helicóptero mal tinha pousado na areia quando os dois homens saltaram e correram, de inicio inclinados, para Brigitte Montfort, que esperava junto de outro helicóptero, tendo a seus pés cinco corpos estendidos na areia ardente. Amadeo Torrealba precipitou-se para o cadáver de seu irmão. Levantou-me a cabeça, apertando-a, contra o peito, os olhos brilhando de lágrimas que se esforçava inutilmente por conter. Juan de Diós Martinez, após olhar severamente para Brigitte, revistou com brevidade os quatro outros mortos, antes de plantar-se diante dela, carrancudo, irritado: — Espero que não lhe desagrade minha presença, miss Montfort.
— Já tinha imaginado que quando Amadeo voltasse a Ciudad Caribe você se juntaria a ele. Contava com sua presença, querido general. Sabia que chamando Amadeo pelo rádio, não deixaria de vir também. — Mmm... Admito que foi mais esperta que nós. Pode dizer-nos o que aconteceu? — Libertei Carlos Torrealba. Depois, ele quis ajudar-me e eu permiti. Disse que desejava mostrar a Maia Caribe, e sobretudo a Amadeo, que ele não era um covarde, nem um inútil. Aceitei sua ajuda, pois queria reabilitar-se... Enganamos os do helicóptero, que são os traidores, tal como você suspeitava. Queriam o tesouro mala para comprar armas em Cuba e fazer a revolução. Carlos Torrealba ficou desesperado quando soube disto e começou a disparar... Matou-os todos, mas... mas um deles pode ainda dar um tiro, que lhe acertou em cheio no coração. — Eu sabia... — gemeu Amadeo Torrealba, ainda abraçado ao cadáver de seu irmão. — Eu sabia, Juan de Diós... Um Torrealba jamais poderia ser um incapaz: tinha que fazer algo de grande e belo... Algo de bom para a pátria. E embora tardando vinte e cinco anos, ele fez... — E o tesouro maia? — perguntou o jovem general. — Está com Motola e Cotilán, a pouca distância daqui. Podem ir buscá-lo quando queiram. — Muito bem. Mandarei agora mesmo... Que se passa, tenente? Um rapaz de brilhante uniforme perfilara-se energicamente diante de Juan de Diós. — Meu general: há um milhão de dólares nesse helicóptero. — Um... milhão de dólares?
— Sim, meu general. — Bem... Bem... — Oh... — sorriu secamente “Baby”. — Pensavam utilizá-lo como pagamento inicial na compra das armas. Imagino que agora lhe seja dado melhor uso, Juan de Diós. — Tentaremos... — disse mordazmente o general. — Embora possa ter alguma sugestão a fazer, miss Montfort. — Eu? Não, não, nenhuma. Ocorre-me apenas que o tesouro maia, ao invés de dez milhões, poderá ser de onze. Juan de Diós Martinez assentiu com a cabeça. Aproximou-se de Amadeo Torrealba, que continuava junto ao corpo do irmão. Olhou a ferida no peito deste, da qual saía pouco sangue... Com a sobrancelhas e seu olhar sombrio dirigiu-se vivamente a Brigitte, que se limitou a sorrir da maneira mais suave. Martinez pestanejou, lentamente. Tornou a olhar a ferida, olhou novamente para “Baby”, depois para Amadeo e depois ainda para ela, que por sua vez o olhava tranqüila. — Amadeo — disse Juan de Diós — não há o que lamentar. Voltemos à cidade e digamos a todo o mundo que Carlos Torrealba salvou, para a pátria, o tesouro maia. E quando o jovem general tornou a olhar para a mais bela espiã do mundo, recebeu como prêmio um luminoso, cálido sorriso... e compreendeu que a espionagem é algo mais que intrigar e matar.
UMA PERFEIÇÃO A MAIS — Miss Montfort: um cavalheiro deseja vê-la. — Peggy, quantas vezes tenho que dizer-lhe que não estou para... Mas o cavalheiro em questão apareceu, muito descortesmente por certo, na porta do escritório de Brigitte, que após um instante de surpresa autorizou sua empregada a retirar-se. Depois, levantou-se, rodeou a mesa e estendeu ambas as mãos ao visitante. — Nataniel! Este lhe beijou as mãos, depois olhou com simpático descaramento aquela belíssima criatura, que vestia tãosomente um biquíni vermelho. — Sempre a mais formosa do mundo — afirmou. — Terminaram seus compromissos oficiais? —sorriu Brigitte. — Antes de ontem. E saí disparado para Nova Iorque mal foram resolvidos os últimos assuntos. Foi horrível: desfiles, assembléias, aniversários nacionais, reuniões de alto nível, recepções diplomáticas... Bem: está diante de você um Chefe de Estado disposto a divertir-se por alguns dias em Nova Iorque. — Isso é muito pouco sério... mas prefiro-o a que me envie outro cliente. — Ah! Juan de Diós contou-me que tudo foi admiravelmente bem resolvido. — Esse rapaz... Esse general, mostrou-se simpático, enfim. — Sem dúvida... Amadeo está muito contente, apesar da dor pela morte do sem-vergonha do Carlos.
— Nem tudo pode ser perfeito, Nataniel. — Não? — sorriu o ex-espião, atual chefe do pequeno Estado de San Nataniel. — Suponho que não sorriu inocentemente “Baby”. — Entretanto, a morte de Carlos Torrealba, na realidade, foi uma grande sorte para Maia Caribe, uma... perfeição a mais no excelente trabalho que você realizou naquele país. Tudo está muitíssimo bem agora, e ainda irá, melhor. Como foi que você conseguiu tão maravilhoso resultado? — Como sempre: pura sorte. — Querida “Baby”, eu não sou tão inocente como Amadeo, nem como Juan de Diós. Carlos Torrealba era um canalha e o seria toda a vida. Não queira enganar-me... Conheço você muito bem. Que se passou na realidade? Qual foi a sua sempre admirável solução humana? Brigitte sorriu docemente. — Que tal uma taça de champanha, querido? A seguir: MORTE FOTOGRAFICA (C) 1966 – LOU CARRIGAN 400612 – 400731