Capapdfx3

Page 1

2009-2PBok.indd 1

16/3/2011 16:37:15


2

NO 16 - 2009/2

Um santo chá?

Rituais para uso do daime se tornam cada vez mais comuns. Mas será que, por ser natural, não faz mal? Viviane Inojosa Em busca do desenvolvimento espiritual, um grupo de homens e mulheres, somando em média 60 pessoas, entre 20 e 68 anos, se reúne duas vezes por mês em uma espécie de refúgio arborizado dentro da região metropolitana do Rio de Janeiro para tomar o Santo Daime, um líquido proveniente da fervura entre duas plantas, também conhecido como ayuasca. Era mais um dia do trabalho (nome dado à cerimônia) de concentração, que costuma acontecer nos dias 15 e 30. As pessoas começaram a chegar por volta das 18h30. Uma hora depois elas se sentam, homens de um lado e mulheres de outro, e começam a rezar as orações do Pai Nosso e Ave Maria, para no final tomarem as primeiras doses do daime. Todos já estão de posse dos seus copos, mais ou menos do tamanho de um copinho de café, quando alguns integrantes do grupo servem o líquido de cor marrom. Depois da primeira dose, as pessoas começam a cantar hinos. A mudança de estado mental já é perceptível. O grau de concentração é demonstrado pela despreocupação com o que acontece ao redor. Todos parecem estar voltados para o que acontece dentro deles mesmos, com os olhos fechados. Não há nenhum contato físico nem de troca de olhares nesse momento. Depois de 30 minutos, é servida a segunda dose, que, segundo Zaíra Mendes, uma das integrantes do grupo há 13 anos, funciona apenas para manter o estado de elevação da consciência. Tudo parece correr bem, quando uma mulher, entre as cerca de 10 pessoas que tomavam o daime pela primeira vez, começa a vomitar. O resto do grupo não se abala e a mulher, de 26 anos, é

2009-2PBok.indd 2

O daime é servido várias vezes durante o ritual religioso

acompanhada por um dos fiscais, que fica observando a reação dos iniciantes, pois é normal haver efeitos colaterais no começo. “Algumas reações refletem necessidades de limpeza do corpo, a apuração dos sentidos provocada pelo daime. Ele pode causar choro, experiências mediúnicas e desarranjos intestinais. É por isso que fazemos uma entrevista antes e desaconselhamos pessoas com doenças psicossomáticas a tomar”, diz Zaíra. Apesar de ter passado pela entrevista antes do ritual de concentração e ter sido informada de que não poderia ir embora antes do término da cerimônia, ao melhorar do enjôo a moça quer sair, mas é contida. Bastante irritada, passa a discutir com o fiscal, com os olhos arregalados e muito pálida. “Preciso ir para minha casa, não estou me sentindo bem nesse lugar, por favor.” Mas o fiscal pede calma e diz que só quando a concentração acabar ela poderia ir. Enquanto isso, o restante do grupo toma a terceira dose e entra em estado de meditação, seguido de duas horas de silêncio. Ao despertar desse estado meditativo, às 2h da madrugada, as pessoas tomam mais

uma dose e começam a se cumprimentar apenas com sorrisos e olhares. Termina a concentração e a moça que passara mal finalmente pode ir embora. Estava mais calma, mas não muito satisfeita. “Esses casos acontecem, mas é uma regra da casa só deixar a pessoa sair no final do ritual, não podemos transgredir”, explica Zaíra. As outras nove pessoas que tomaram o daime pela primeira vez entraram no clima do ritual. Segundo um jovem de 23 anos que não quis se identificar, foi um momento de enxergar sua vida de outro ângulo. “É como se passasse um filme de toda minha história. Foi muito forte, realmente mexeu comigo, é preciso estar preparado para esse momento”, contou. Cada pessoa procura o daime por uma razão, mas, para a maioria, o motivo é o mesmo. E pode ser traduzido por uma das iniciantes de 31 anos: buscar explicação para a trajetória de sua vida. “Vivemos apenas para suprir necessidades materiais. Daí começa um vazio. Quando penso no que vim fazer na Terra, minha mente embaralha. Preciso encontrar o conforto dentro de mim e não fora”, diz a moça.

EDITORIAL A disciplina de Jornal Laboratório é sempre uma das mais procuradas do curso de Jornalismo. Não é para menos. Trata-se de uma rara chance de os alunos explorarem todas as etapas de produção de um veículo impresso: pauta, pesquisa, reportagem, entrevistas, fotografia, redação, revisão, diagramação, segunda revisão. Ao longo de um semestre, discutimos e preparamos as matérias que vocês vão ler aqui. De todas, a etapa mais divertida certamente é a pauta. Não é fácil encontrar um tema que se desdobre em dezenas de matérias diferentes. A definição da pauta geral é uma guerra. Cada futuro repórter sugere um ou dois temas gerais, que são devidamente anotados e depois vão para a votação. Enquanto alguns defendem veementemente sua proposta, advogados do diabo tentam derrubá-la por todos os meios. Pesando os prós e contras a turma elege seu tema preferido em meio a várias rodadas de votação. Mas isso é só o começo. Depois, cada um tem que pensar numa pauta individual. Neste número, o desafio foi pensar em diferentes ângulos para uma reportagem sobre a noite. Um foi para rodoviária, outro para uma blitz da Lei Seca. Um preferiu uma noitada de samba, outro um baile funk. Os contrastes da noite no Rio de Janeiro podem ser acompanhados aqui nesta edição. O enfoque inusitado escolhido pelos repórteres é a garantia de que não há a a menor chance de o leitor cair no sono.

EXPEDIENTE UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Reitor Aloisio Teixeira

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO Direção Ivana Bentes Coordenação do Curso de Jornalismo Cristiane Costa Núcleo de Imprensa Elizabete Cerqueira coordenação executiva Cecília Castro programação visual

número 16 - 2009/2 Informativo produzido pelos alunos da Escola de Comunicação da UFRJ Coordenação Acadêmica Cristiane Costa Coordenação gráfica e design Cecília Castro Apoio Divisão Gráfica da UFRJ Veja mais em http://jornalnzero.blogspot.com/ Este número foi produzido com matérias elaboradas pelos alunos da disciplina Jornal Laboratório. TIRAGEM: 500 exemplares DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

16/3/2011 16:37:16


NO 16 - 2009/2

O gigante que não dorme nunca

3

Rio-Niterói: repórter acompanha a vida de quem mantém acordada a maior ponte do Brasil

2009-2PBok.indd 3

135 mil veículos passam pela ponte Rio-Niterói todos os dias, controlados 24h por equipes Foto: Raquel Couto

Meia-noite. Enquanto o Rio de Janeiro dorme, um gigante de 14 mil metros fica acordado com 1700 lâmpadas acesas. Todas as noites, cerca de 100 funcionários ficam acordados cuidando da ponte Rio-Niterói. Virei a noite de 28 de novembro de 2009, sábado, nesta que é a maior ponte do Brasil e a sexta maior do mundo, para saber o que acontece sobre a Baía de Guanabara enquanto a maioria das pessoas está dormindo. “Quando algum veículo para, por exemplo, seja por acidente ou problemas técnicos, a gente avisa às equipes de resgate, tanto mecânico quanto médico, e eles têm até 8 minutos pra chegar ao local solicitado e ajudar quem estiver no veículo”, conta Fábio Cordeiro. Agente de atendimento e monitoramento trabalha das 18h às 6h no Centro de Controle de Tráfego (CCT). Sua função é monitorar as 20 câmeras que ficam instaladas ao longo da ponte e seus acessos, na subestação de energia, nas molas do interior do vão central e no canal do vão central. Fábio precisa avisar às equipes de resgate ou de manutenção, qualquer problema que venha perceber através das câmeras que captam imagens de todos os pontos da rodovia. Enquanto Fábio conversava, seu olhar estava atento a um ônibus parado em um recuo com todos os passageiros do lado de fora. Pelo rádio ele foi informado: “O motorista suspeitou de que um assaltante estava entre os passageiros, parou o veículo e acionou a polícia rodoviária federal. Todos os passageiros saíram do ônibus para a revista”. Duas horas da madrugada, ali dentro do CCT parece 10 da manhã, pela correria dos funcionários. “Rebocar veículo no vão central”, dizia no rádio Fá-

Foto de divulgação

Raquel Couto

bio Cordeiro para a equipe de atendimento mecânico. Além de monitorar as 20 câmeras, ainda tem que ficar atento ao rádio, telefone e computador. Ao longo de 24 horas, passam em média 135 mil veículos pela ponte. À noite, das 18h às 6h, passam apenas 30 mil veículos. Logo, os funcionários da noite teriam uma vida mais tranquila, certo? Errado. À noite, com a pista livre, os motoristas correm mais e, apesar de acontecerem menos acidentes, devido a quantidade menor de veículos, quando acontece alguma batida, ela é mais grave. Além disso, à noite, as equipes têm de ter maior atenção com o atendimento e a sinalização. “O atendimento tem que ser mais rápido porque o trânsito fica mais espaçado e os motoristas que estão atrás veem as equipes de atendimento muito em cima, o que pode acarretar até em outro

acidente”, conta Marcelo Salles, que é mecânico na ponte. O trabalho também é mais complicado. “Estamos cansados, com sono e temos que trabalhar à risca”, lembra. Equipes de mecânicos e médicos fazem cerca de 200 atendimentos, por dia. Apenas 70 acontecem no período de 18h às 6h. “Há um grande fluxo de caminhoneiros. Atende-

mos também muita gente voltando da noitada”, explica Salles, mecânico. Para não prejudicar o fluxo dos veículos, só é permitida a passagem de caminhões das 22h às 4h. Além dos caminhoneiros, o usuário que trafega pela ponte durante a noite tem um perfil diferente de outros horários. “De dia as pessoas estão mais ativas, indo para o trabalho,

VOCÊ SABIA... • O nome oficial da ponte Rio-Niterói é Ponte Presidente Costa e Silva. Ela é considerada a maior ponte, em concreto protendido, do hemisfério Sul e atualmente é a sexta maior ponte do mundo. • A ponte não flutua. É fincada no chão por tubulões enormes recheados de concreto e presos à rocha, no fundo do mar. • Existe no interior do vão central um conjunto molas e contrapesos em aço que totalizam 120 mil quilos. Sua função é reduzir a freqüência de oscilação da estrutura de 13 mil toneladas do maior vão em viga reta contínua do mundo, sob fortes ventos. • O vão central possui 72 metros de altura e foi feito para que os navios maiores possam passar por baixo da ponte.

resolver alguma coisa. À noite estão mais cansadas, muitas vezes alcoolizadas ou sob o uso de entorpecentes, para se manterem acordados, como é o caso de alguns caminhoneiros”, observa Carlos Eduardo Oliveira, agente de atendimento e monitoramento. O que muitos não sabem ou fingem não saber é que é proibido parar o carro na ponte. Desavisadas, muitas pessoas param para tirar foto e até namorar, dando mais trabalho às equipes. “A gente manda a equipe de resgate até o local e informa ao usuário”, conta Carlos Eduardo. Por volta das 4h um caminhão faz o serviço de limpeza da ponte. Marcos Dias, funcionário da equipe de limpeza da noite, só consegue dormir quatro horas por dia em média e fala da dificuldade. “É bem difícil me manter acordado. O olho fica lacrimejando e tomo café toda hora”, desabafa. Carlos Eduardo lembra que, por ser uma via muito movimentada, pode acontecer de tudo. “Já recolhi escrivaninha, geladeira, cobra, cachorro e até uma caixa d’água de 5 mil litros”. A ponte Rio-Niterói é administrada pela concessionária CCR. Controlador de pedágio, Alex Meira diz que é um desafio trabalhar de madrugada. “Tem gente que não gosta. Na primeira semana é mais difícil, eu parecia um urso panda de tanta olheira. Mas depois a gente acostuma. O telefone não para de tocar e você mesmo não consegue nem parar para pensar no horário.” Alex, que já foi arrecadador no pedágio da equipe da noite, lembra algumas situações que aconteceram em seu movimentado horário de trabalho. “Acontece de tudo, gente que passa pelo pedágio sem roupa, fantasiado, aqui na ponte não tem como prever nada”, diverte-se.

16/3/2011 16:37:16


4

NO 16 - 2009/2

Que batida é essa que na balada é sensação?

Baile funk desce o morro e vira febre entre os jovens do asfalto

Thaís de Brito Da favela para os clubes. O baile funk já ocupou as manchetes das páginas policiais. Depois passou a ganhar espaço nos cadernos culturais. Agora já representa a atividade de lazer que mais atrai jovens no estado do Rio de Janeiro, de acordo com uma pesquisa pioneira do FGV Opinião (instituto de pesquisas da Fundação Getúlio Vargas). Nos 878 bailes realizados por mês em todo o estado, o número de pagantes chega a 1,230 milhão por mês (quase 14,5 Maracanãs lotados). Incluindo a arrecadação da bilheteria, movimentam um valor estimado de R$ 10,607 milhões por mês, entre aluguéis de equipes, venda de CDs e DVDs, os cachês de MCs e até ambulantes que trabalham nas proximidades. No início associados às comunidades pobres, os bailes estão dominando a noite carioca e conquistando cada vez mais os jovens das classes média e alta. Vários são os bailes feitos para atender a esse público. Um deles é o Castelo das Pedras de São Gonçalo, que acontece no Centro Cultural Porto da Pedra, todos os sábados à noite. A organização surpreende. Mas não escapa de cometer tropeços. No início do baile do dia 23 de outubro, no qual se comemorava o aniversário de nove anos da festa, a entrada franca para mulheres até meia-noite só foi liberada 15 minutos antes do fim do prazo. Resultado: somente em torno de 30 conseguiram o benefício. As mais de 100 restantes na fila não tiveram outra opção: recorreram a cambistas para comparar ingressos já que os da bilheteria haviam se esgotado. A informalidade não para por aí. Diversos

2009-2PBok.indd 4

DJ Marlboro é um dos líderes do movimento que gera milhões de reais por ano vendedores ambulantes ao redor aproveitam a chance para lucrar com o grande número de pessoas que aguardavam na fila. A venda de bebidas alcoólicas predomina. O

destaque é a tequila, a nova moda, oferecida em copos de plástico para café com limões cortados e sal. O elevado consumo do lado do fora dá até medo para quem nunca foi a um bai-

le, mas não é isso que se vê dentro. “O consumo básico não é dentro. É no lado de fora. Até porque lá dentro só quem tem muito dinheiro bebe. Alguns combos chegam a custar

R$179,00”, relevou a frequentadora Amanda Silva, professora, de 20 anos. Fim da espera e chegase à catraca. Os seguranças, sem nenhum critério aparente, solicitam a documentação de alguns que parecem muito novos. Afinal, a entrada para menores de 18 anos é proibida. Para outros, a passagem é liberada sem qualquer problema, sobretudo, no que se refere à ala masculina. Com o passar das horas, o rigor não se mantém. Depois que os agentes do Juizado de menores vão embora, os critérios mudam. Exemplo disso é a estudante P. C., de 15 anos, terceira vez no baile: “Tenho que esperar o juizado ir embora. Por eu ser menor, espero até 1h da manhã para entrar. Depois, a segurança libera o acesso tranquilamente”, explica. Sobre a ordem dentro do salão, não há do que se reclamar. Uma equipe de cerca de 50 profissionais consegue manter a paz

Preconceito foi fruto dos arrastões nas praias

Professor da UFRJ é pioneiro em usar o movimento como objeto de estudo acadêmico Poucos acadêmicos escolheram tratar do funk em seus trabalhos. Um deles foi o professor da Escola de Comunicação da UFRJ Micael Herschmann. Autor dos livros “Funk e Hip-hop invadem a cena” e “Abalando os anos 90”, dedicou-se a estudar o funk e hip-hop, no Rio de Janeiro e São Paulo, entre 92 a 98. Herschmann buscou entender a inserção da juventude de classe mais baixa na dinâmica cultural da cidade, além de discutir os motivos pelos quais o funk e o hip-hop são associados à violência. Para ele, os arrastões ocorridos em praias da Zona Sul carioca, entre 1992 e 1993, foram decisivos para o crescimento do preconceito ao funk.

“Os arrastões foram uma tentativa de reencenar uma prática que havia em alguns bailes, de rituali-

asfalto, em meados dos anos 90, o ritmo das favelas começou a ser tratado de forma ambígua, segun-

Bailes funk se tornaram programa para classe média

zação de uma luta. Só que eles acabaram produzindo um impacto negativo sobre o imaginário urbano.” Com o passar do tempo e a maior aceitação do

do Micael. “Ao mesmo tempo em que existia um discurso condenatório, havia outro de glorificação, que contribuiu para a abertura de um espaço

no mercado cultural”, esclarece. Segundo o professor, o preconceito contra o funk é, na realidade, voltado para a classe social que o tem como importante expressão social. “A discriminação contra o funk é, na verdade, contra toda a cultura e o universo que gira em torno dessas camadas menos privilegiadas da população.” O historiador lembra que isso também foi vivenciado por outros gêneros musicais produzidos nas periferias e nos morros: “Na verdade, o preconceito com o funk é alguma coisa que se reedita em situações que nós já assistimos na história do Brasil. O samba foi um exemplo disso”, explica.

16/3/2011 16:37:18


5

NO 16 - 2009/2

durante todo o baile. Para isso, revista os frequentadores na entrada. Cinco mulheres são responsáveis pela ala feminina. E seis homens pelo público masculino. Depois, o grupo muda o lugar de atuação e vai para plataformas que deixam os seguranças em um nível superior ao da plateia. Para o trabalho, só há espaço para os mais fortes e mal-encarados. Na noite da festa de aniversário de nove anos do baile, só uma briga aconteceu. Mas foi tão rapidamente controlada que só quem estava atento notou. Dentro, a decoração com bolas de gás pelo aniversário do baile destaca-se. Mas não tanto quanto a tenda branca desmontável que ocupa o centro do local, ao lado do espaço para o DJ Bráulio, que comandava a festa. No lugar, vários baldes de alumínio cheios de gelos envolvendo cervejas. Segundo informações de um dos responsáveis, que pediu para não ser identificado, essa “artimanha” ocorre porque o lucro do bar oficial tem que ser dividido com o dono e o centro cultural, enquanto que ali tudo é dos organizadores do baile. De qualquer forma, há espaço para ambos. Até porque depois de um tempo só o bar passa a reinar devido a estoque reduzido do “concorrente”. Mas até ele, depois de um tempo, precisa improvisar. Com a falta de baldes, entram em cena sacos de lixo preto, mas ninguém se importa. Impressiona também o tamanho reduzido do palco, incapaz de proporcionar uma boa visão para a multidão. Um quadrado de cerca de 2m x 2m, com

1m de altura, que contrasta com a enorme parede de caixas de som que fica atrás. De acordo com o motorista Adriano Marinho, de 33 anos, que freqüenta bailes há 16 anos, o investimento nos equipamentos de som nos bailes é o que mais melhorou com o passar dos anos: “O aparato de hoje é bem superior ao que era usado no início. Mas isso não quer dizer que a festa também seja, até porque, hoje em dia, é difícil ver um baile que representa realmente o ritmo, agora virou um comércio”, critica. Para o público que não está perto, os shows da noite só puderam ser vistos por meio de três telões, de onde se acompanhou a principal atração da noite, MC Sapão. Seja na pista ou nos seis camarotes. Quanto ao público, há muito mais homens do que mulheres. E não é só nisso que eles ganham. No dança, também. Calça jeans, camiseta, cordão de prata e tênis de marca compõem o traje para curtir o baile. Alguns deixavam a parte superior à mostra por causa do calor ou para exibir os músculos. Elas, com suas calças, blusas e vestidos justos, estavam mais tímidas. No contato entre eles, não prevalecia o que se ouvia nas letras recheados de referências ao sexo e até nas lendas urbanas que envolvem os bailes funk. Pelo contrário, a maioria optou por um comportamento mais comedido. Segundo a vendedora Marília Souza, de 28 anos, o objetivo principal no baile é dançar, e não beijar: “Estamos aqui por causa da música. Ficar com alguém é consequência”, afirma.

Dono da Furacão 2000, Rômulo Costa comanda baile

2009-2PBok.indd 5

É claro que é funk, meu irmão!

O dia 23 de setembro de 2009 entrou para a história do funk carioca, gênero musical perseguido desde o seu surgimento, na década de 70. Nesta data, o governador Sérgio Cabral sancionou duas leis pró-funk. A primeira foi a de número 5.543/09, que definiu o ritmo como manifestação cultural de caráter popular, exceto qualquer conteúdo que faça apologia ao crime. De autoria dos deputados Marcelo Freixo (PSol) e Wagner Montes (PDT), a lei pretende o assegurar a ocorrência dos bailes, além de diminuir o preconceito contra o ritmo. Com a nova lei, os assuntos relacionados ao funk passam a ser tratados pelos órgãos de cultura do estado e não de segurança, como antes. Na justificativa do projeto de lei, os dois deputados ainda reforçam que o funk possui um importante papel social nas favelas: “Para as comunidades, além de diversão, o funk é também perspectiva de vida, pois assegura empregos direta e indiretamente, assim como o sonho de se ter um trabalho significativo e prazeroso.” A segunda foi a Lei 5.544/09, que revogou as normas que dificultavam a realização de bailes funk e festas raves em comunidades do Rio. Desta vez em companhia do depu-

– somente serviram para aumentar o número de bailes funk ilegais. “A lei fez com que muitos clubes passassem a promover bailes na clandestinidade. Não queremos isso, queremos a legalidade justa, igualitária para todo tipo de evento”, defendeu na ocasião que os projeto das duas leis foram votados na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, em 1º de setembro de 2009. “Queremos A secretária de Cultura do Estado, Adriana Rattes, a legalidade também presente na votajusta, ção, considerou acertada a mudança na lei sobre os igualitária bailes funk. “Esta revogapara todo tipo ção fará com que o funk passe a ser enquadrado de evento” na lei que regula todos os DJ Marlboro eventos, de todos os estilos ou ritmos, sem distinção”, avalia. Rômulo Costa, dono o funk é um gênero musida principal equipe de cal bem definido, a ‘rave’ é um evento. Na prática, som Furacão 2000, foi ouas autoridades da área de tro que enxergou a nova Segurança Pública vinham lei como um importante interpretando de maneira passo para a consolidacompletamente extensiva ção do funk no cenário a categoria ‘bailes do tipo cultural: “O governo do funk’, considerando como Rio tomou uma decisão tais qualquer evento que histórica para a cultura: execute músicas identifi- revogou uma lei inconsticadas com o gênero”, jus- tucional, discriminatória e preconceituosa e aprovou tificam o projeto. De acordo com o DJ em seu lugar uma lei que Marlboro, um dos prin- reconhece o funk como cipais representantes do movimento cultural. O funk, as exigências – que funk sai agora da tutela da iam desde envio obrigató- polícia e entra no campo rio de documentos à Secre- da cultura”, disse em artaria de Estado de Seguran- tigo publicado no site do ça Pública à necessidade de Jornal “O Globo”, no dia monitoramento de câmeras 13 de outubro de 2009. tado Paulo Melo (PMDB), Freixo também assina o projeto de lei. Segundo os parlamentares, ela foi criada para solucionar a falta de definição do que seriam bailes e eventos de música eletrônica na Lei 5265/08, do deputado cassado e exchefe da Polícia do Rio, Álvaro Lins, de 18 de junho de 2008. “Ora, enquanto

16/3/2011 16:37:18


6

NO 16 - 2009/2

Vida noturna na melhor idade

Casal no auge da maturidade troca biriba e tricô pela diversão nos bailes voltados para sua faixa etária Ilustrador André Almeida

Camila Carelli Imagine um casal de idosos à noite. O que eles estariam fazendo? Assistindo a novela das oito, dormindo, fazendo tricô, tirando um cochilo na cadeira de balanço, ou talvez, jogando um “carteado” com os amigos da mesma idade? Nenhuma das alternativas anteriores descreve a vida noturna de Seu Adolfo e Dona Antônia. Aposentados e sem filhos, há mais de 20 anos os dois frequentam quase diariamente bailes para a terceira idade em vários pontos da Zona Norte. Na segunda, vão ao baile do Mackenzie, no Méier. As quartas, o destino é o América FC ou o Tijuca Tênis Clube, ambos na Tijuca. O baile do Sesc Engenho de Dentro fica para a sexta. E no domingo, depois da praia, a diversão fica por conta do Baile da Melhor Idade no Clube Municipal, na Tijuca. “Domingo eu não deixo de ir à praia de jeito nenhum, é sagrado! Depois, à tarde, a gente vai para o Municipal”, conta a baiana Dona Antônia, de 80 anos. As outras noites da semana são dedicadas aos compromissos religiosos de cada um. O casal também adora fazer excursões para o interior do Rio, ou para outros Estados, onde é claro, a dança não pode ficar de fora. “Uma vez fomos para um sítio, em Itaboraí, onde passamos o dia inteiro dançando, só paramos para almoçar”, lembra Seu Adolfo, 74 anos. Ele ainda tem aulas de dança de salão toda semana para não perder o “jeito” e fazer bonito nos bailes. Já Dona Antônia gosta mesmo é de conhecer bailes diferentes. Nada de aulas, prefere o improviso. Ao contrário do que possa parecer, o casal não se conheceu através da dança. Foi a demora de um ônibus no Méier, Zona Norte da cidade – bairro

2009-2PBok.indd 6

onde moram até hoje – que aproximou os dois. Durante a espera, iniciaram uma conversa que acabou no cinema. De lá pra cá, se passaram quase 50 anos e o cinema já virou igreja. Hoje, a diversão do casal fica por conta da dança de salão. Quem vê a empolgação de Seu Adolfo falando das aulas e festas não imagina que, no passado, ele nem gostava de dançar. Foi a mulher que o “levou para o mau caminho”, brinca. Hoje, sua presença nos bailes é muito mais frequente que a da esposa. Ele não perde um e nunca falta as aulas, apenas se ficar muito doente.

No último ano, Seu Adolfo foi muitas vezes sozinho às festas. Em uma das idas à praia de Copacabana, no início do ano passado, Dona Antônia foi atropelada e teve uma grave lesão no joelho. Desde então, ela tem ido aos bailes apenas para assistir e vivenciar o “clima gostoso”, como ela mesma descreve. Algumas vezes, até arrisca uns passos com o marido, mas não suporta muito tempo. Em dias mais frios ela acaba ficando em casa, porque as dores são intensas, mas não se incomoda que Seu Aroldo vá sozinho. “Quem ama confia!”, garante. Essa é a receita para o sucesso de

um casamento de mais de 40 anos. Os dois esperam continuar frequentando os bailes por muitos anos, até que se torne totalmente impossível. Dona Antônia brinca: “Só paro de vir se eu estiver presa numa cama, mas ainda é capaz de eu trazer a cama!!” Quem quiser conhecer o simpático casal, basta ir a um desses bailes. As festas estão sempre cheias, frequentadas por dançarinos de todas as idades, a maioria entre 40 e 70 anos. Os casados geralmente chegam juntos, os solteiros em grupo. É difícil alguém ir sozinho, embora quase

todos se conheçam. Isso porque esses clubes oferecem aulas de dança de salão. Os alunos usam os bailes para praticar o que aprendem todos os dias e se confraternizar com a turma. A troca de casais é comum, todo mundo dança com todo mundo, até os casados. Em geral, os velhinhos solteiros tiram todas as moças para dançar e nem pensar na dama negar, pega muito mal! Tem sempre uma banda tocando, ao vivo, diversos estilos musicais, desde canções românticas da década de 50, até os sambas mais atuais, de Alcione e Zeca Pagodinho. A ideia é fazer todo mundo dançar “agarradinho”, por isso, nada de músicas eletrônicas como rock e funk. Vale bolero, salsa, samba, só não pode deixar a pista ficar vazia. O clima é maravilhoso. É ideal para quem está aprendendo a dançar, porque os idosos são muito simpáticos e atenciosos. Não há como conhecer um baile desses sem querer se matricular em uma turma de dança de salão no dia seguinte. O clima realmente contagia. Para quem gosta de dança e alto-astral, vale a pena. E ainda por cima é um programa barato. Os preços variam de R$ 10 a R$ 15. Todos são bem-vindos. Inclusive, jovens de 20 e poucos anos como eu.

Bailes da terceira idade no Rio de Janeiro Clube Municipal “Baile da Melhor idade” Segunda, 16h às 20h End: Rua Hadock Lobo, Nº 359, Tijuca Tel:2569-4822

Clube Mackensie “Baile da amizade” Segunda, 18h às 22h End: Rua Dias da Cruz, Nº561, Méier Tel:2569-4822

Associação Atlética Vila Isabel “Dançando na Vila” Sábado, a partir das 18h End: Av. 28 de Setembro, Nº160, Vila Isabel Tel:2278-3347

América FC “Dançando na quarta” Quarta, 16h30 às 20h30 End: Rua Campos Salles,118 – Tijuca Tel:2569-2060

Tijuca Tênis Clube “Terça Dançante” Das 16h às 20h End: Rua Conde de Bonfim 451, Tijuca Tel: 3294-9300

Rio Sampa “Baile da Terceira Idade” Sábado, das 17h às 22h End: Rodovia Presidente Dutra, KM 177, Nova Iguaçu Tel: 3343-2000

16/3/2011 16:37:19


NO 16 - 2009/2

Uma noite no samba

7

Rute Alves, a porta-bandeira mais sarada do Rio, brilha como anfitriã da Vila Isabel Caroline Sá Ferreira Uma hora por dia, Rute Alves, uma bela mulata de 32 anos, corre em torno do Maracanã. Nada demais para uma estudante de Educação Física, não fosse também a porta-bandeira mais sarada do Rio de Janeiro, com direito a ensaio sensual no site Sambarazzo. Com corpo digno de rainha de bateria, Rute chama a atenção de quem frequenta a quadra da Escola de samba Unidos de Vila Isabel, que celebra 63 anos de tradição. Os bastidores dos ensaios, que começam assim que termina o carnaval impressionam os visitantes e os turistas que chegam em excursões. Ao chegarem à quadra da agremiação são recebidos por Rute. Perto dela a rainha da bateria, Gracyane Barbosa, perde seu reinado.

Unidos de Vila Isabel

2009-2PBok.indd 7

Foto:Rute e Julinho /Fonte: Site Rota do Samba

Casal de merstre-sala e porta-bandeira é o destaque dos ensaios na quadra da escola

som do samba enredo vencedor para o carnaval. Em 2009, a Escola escolheu “Noel, a presença do poeta da Vila”, homenagem ao poeta Noel Rosa, que nasceu e morreu no bairro e que completa seu centenário aniversário em 2010. Esse samba, que junto à bateria do mestre Ávila e na voz do intérprete oficial Tinga faz a quadra tremer, vale o ingresso. Nos ensaios, os componentes parecem soldados marchando em busca da mais perfeita sintonia. Depois da segunda vez, a cantoria na quadra é geral. As alas, a rainha da bateria, o mestra sala,

Rute, a bateria, enfim todos buscam interagir com o público e trocar energia. Numa espécie de retroalimentação, o público dança, pula, sua, vibra, e se envolve com a agremiação, antecipam a dimensão do grande espetáculo que está por vir. A quadra se torna um grande estádio de futebol, onde um grupo heterogêneo e sem preconceito se reúne com o único intuito de se divertir. “Na quadra não existe o pobre, o negro, o gordo, o feio, todo mundo se mistura e vira um só”, exalta Rute. Basta colocar os pés na quadra da Vila Isabel para sentir

que escola de samba é apaixonante e proporciona sensações únicas de libertação. Muitas marcações, repetições e técnica são transmitidas por profissionais já acostumados com o caos do universo carnavalesco. Os ensaios da Vila terminam antes do dia raiar e os foliões saem acabados de tanto dançar e beber, com o samba enredo na ponta da língua, sorriso no rosto e querendo mais. Uma noite na Vila é sinônimo de quadra lotada, a musa Rute desfilando e diversão garantida. Os ensaios são abertos ao público a R$ 3 o ingresso. Foto: Yuri Graneiro / Fonte: Sambarazzo

Fundação: 4 de abril de 1946 Presidente: Wilson Vieira Alves Vice-presidente: Evandro “Bocão” Quadra: Avenida Boulevard Vinte e Oito de Setembro, nº 382 Vila Isabel. Carnavalesco: Alex de Souza Intérprete: Tinga 1º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Julinho e Rute Mestre de Bateria: Mestre Àtila Rainha da Bateria: Gracyane Barbosa Componentes: 3.600 foliões www.gresunidosde vilaisabel.com.br

Como todos sabem, a porta-bandeira é vista, admirada e julgada pela capacidade de se dançar e levar, com classe e leveza, a bandeira da escola. O público em geral não costuma gravar os nomes e os rostos das portasbandeira, mas no caso da Vila Isabel é ela que brilha entre os foliões e os jornalistas presentes nos ensaios. Escutam-se os gritos na quadra “Ruteeeee! Você é tudo!”. Receptiva e animada, ela reflete junto ao seu companheiro, o mestre-sala Julinho, o clima dos ensaios, da agremiação e dos membros da comunidade. Rute, que desfila há cinco anos como 1ª porta-bandeira, escolheu a Vila entre tantas escolas por dois motivos: “A forte tradição de sua comunidade e a beleza do samba”. Foi lá que conheceu o marido Evandro “Bocão”, vice-presidente da Vila Isabel, que está sempre animando o público e presente em todos os ensaios. Os ensaios acontecem duas vezes por semana, às quartas-feiras (de 19h à 1h da madrugada) e sábados (de 19h à 4h da madrugada). Sempre com a casa lotada, ao

Ensaio fotográfico da porta-bandeira revela formas esculturais de deixar muita madrina de bateria com inveja

16/3/2011 16:37:19


8

NO 16 - 2009/2

Lei seca pelo lado de dentro Saiba o que acontece nos bastidores das blitzes na madrugada carioca

Natassja Menezes

2009-2PBok.indd 8

uma sirene policial. Um rapaz, de aproximadamente 25 anos, foi pego dirigindo bêbado na Gávea e mal consegue ficar em pé. Ele se recusa a fazer o teste do bafômetro e liga transtornado para seus amigos, perguntando se haveria algum sóbrio para buscar seu carro. Após vários telefonemas sem sucesso, não vê outra opção senão pedir socorro para a mãe. Vale lembrar que não são apenas os bêbados punidos na Lei Seca, mas todo aquele que tiver algum teor de álcool no sangue. Motoristas flagrados

com mais de 0,2 grama de álcool por litro de sangue pagam multa de R$ 957, perdem a carteira de habilitação e têm seus veículos retidos. O valor-limite pode ser atingido com uma única lata de cerveja ou mesmo dois bombons de licor. Acima de 0,6 grama, a punição inclui prisão de seis meses a três anos, sendo afiançáveis por valores entre R$ 300 e R$ 1200. Impaciente, o bêbado da Gávea cambaleava xingando com todos os palavrões possíveis. Cansa e decide esperar sentado dentro de seu carro. Quan-

do acha que os policiais estão distraídos, tenta fugir, mas é repreendido. Tirada da cama, duas horas depois, a mãe chega e agradece emocionada à equipe: “Obrigada, vocês salvaram a vida do meu filho. Eu apoio o trabalho de vocês, está absolutamente certo”. Dois casos diferentes, o do rapaz e o da menina indo para Barra, uma mesma pena. “Há cada vez mais gente se recusando a fazer o teste, mas o motorista alcoolizado se engana pensando que isso não terá consequências”, alerta o capitão Edson. O bafô-

Foto da Imprensa Oficial do Estado do RJ

“Mulher bebe muito mais do que homem”, afirma Edson dos Santos, capitão de equipe da Operação Lei Seca, poucos minutos antes de parar um carro com duas jovens. Ele já testou passar dez minutos parando apenas homens em uma blitz e depois só mulheres. Coincidência ou não, foram elas que comentaram mais ilegalidades, como a motorista que se dirigia à Barra da Tijuca. Ela nem saiu do automóvel para assinar sua recusa ao teste de bafômetro, mas teve que descer para entregar a carteira de habilitação, que foi suspensa. Desde junho de 2008, dirigir sob efeito de álcool é considerado crime, com punições de multa a cadeia. A noite de uma blitz na Zona Sul do Rio de Janeiro começa às 23h na 15ª Delegacia Policial, na Gávea. Ao mesmo tempo, três outras equipes são montadas em outro pontos da capital, duas no interior e uma na região metropolitana. Carros oficiais saem enfileirados em sentido a São Conrado. Em poucos minutos, cones espalhados reduzem o fluxo da estrada Lagoa-Barra a uma única pista, policiais se posicionam estrategicamente nas extremidades e uma tenda é montada para testes e documentação. Suspenso o balão “Operação Lei Seca”, é dada a largada para o início das abordagens, por volta de meia noite e meia. Os primeiros veículos são logo parados pelos policiais militares, responsáveis pela seleção. Olhos vermelhos, direção agressiva e linguagem corporal são fatores observados. Funcionários da Secretaria Estadual de Governo (Segov), de dedicação exclusiva à operação, acompanham os motoristas abordados até a tenda com testes de bafômetro. Poucos minutos de tranquilidade até se ouvir

Grande blitz na Avenida Brasil mobiliza todas as equipes da operação

metro não é obrigatório, já que constitucionalmente ninguém pode ser forçado a produzir uma prova contra si. No entanto, o condutor que se nega sofre a mesma punição destinada a pes-soas comprovadamente alcoolizadas. A diferença é que poderá responder em liberdade a processo na Justiça, ciente de que o testemunho do agente de trânsito ou policial rodoviário sobre sua sobriedade tem força de prova diante do juiz. Indecisão é um sentimento frequente entre os parados na madrugada. Fazer o teste significa correr o risco de ser pego. Não fazer, significa ser processado, mesmo sendo praticamente inocente. A auto-avaliação é difícil já que o álcool demora para sair do organismo. Para instruir a população, a blitz conta com ao menos um membro da Liga de Traumatologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). São estudantes de medicina bolsistas, especialistas em lidar com acidentes e promover sua prevenção. É para eles que os motoristas correm quando querem se informar sobre o tempo de permanência do álcool no organismo. “Não há padrão, ele varia de uma pessoa para outra e é influenciado se a pessoa está acostumada a beber, se comeu algo ou praticou atividades físicas nas últimas horas”, explica a estudante Natália Silva. Em geral, um copo de cerveja ou um cálice de vinho demoram seis horas para serem eliminados pelo organismo. “Prendemos uma vez um rapaz que tinha bebido duas caipirinhas na hora do almoço, ele fez o teste tranquilo, nunca imaginou que o acusaria. O mesmo aconteceu com uma senhora já idosa, que tinha bebido à tarde um copo de whisky”, conta Luis Felipe Pedra, coordenador da blitz. Um típico caso de indecisão: um casal que tinha

16/3/2011 16:37:21


9

NO 16 - 2009/2

2009-2PBok.indd 9

Vítimas de acidentes fazem conscientização em bares

Mostrar que álcool e volante não combinam é a proposta do projeto de conscientização da Operação Lei Seca. Trinta cadeirantes, vítimas de acidentes provocados por bebida, contam suas histórias e distribuem panfletos em blitzes e nas ruas. Uma noite acompanhando atividades na Orla de Copacabana ajuda a entender a seriedade do trabalho. “Eu tinha 18 anos, saí no final de semana para curtir a noitada com meus amigos. Precisava estar à 7h na escola, então fui direto virado. Peguei minha moto e bati num caminhão, fiquei paraplégico e passei anos sem sair de casa ou poder estudar”, conta Bruno Dutra, dez anos depois do acidente. Há um misto de choque e curiosidade na reação das pessoas abordadas. “E você ficou assim mesmo por causa da bebida?”, é a pergunta mais ouvida. A resposta já está estampada nos folhetos “Eu também bebia antes de dirigir”, impressos também em inglês. Os informativos trazem estatísticas assustadoras: o número de vítimas fatais de acidentes de trânsito no Brasil em 2008 chega a ser dez vezes maior do que o total de mortos na guerra do Iraque. Estima-se que 8 milhões de pessoas se envolveram de alguma forma em colisões e atro-

Foto da Imprensa Oficial do Estado do RJ

ido a um churrasco à tarde e bebido algumas cervejas não sabia se o exame acusaria álcool no sangue à 1h da manhã. A estudante de medicina informou que era provável que não, sem se responsabilizar. Angustiado, o casal andava em círculos em frente à tenda, fazendo alguns telefonemas para pedir conselhos. Enquanto isso, Natália conversava com mais um jovem que havia assinado a recusa e revoltado dizia não ver problema em ter bebido, contanto que não estivesse bêbado. Finalmente, o casal decidiu encarar o bafômetro. O sopro tenso do motorista foi seguido de um suspiro de alívio, passou com êxito no teste. Comemorou antes do tempo, já que seu carro foi rebocado para Curicica, por estar com a vistoria atrasada. “Claro que o governo está faturando, mas não estamos fazendo nada além de cumprir a lei”, alega uma funcionária do Detran que não quis se identificar. A determinação entrou em vigor em junho do ano passado, mas apenas em março de 2009, com a criação da operação, a lei teve uma repercussão maior. Com blitzes diárias, o departamento de trânsito aumentou consideravelmente sua arrecadação. Segundo matéria do jornal O Globo, até outubro 102.099 motoristas foram abordados, 20.212 deles receberam multas, e 3.700 veículos foram rebocados. Pesquisa da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-Rio) revela que o número de acidentes com vítimas na cidade caiu 7,32% comparado ao período entre janeiro e agosto de 2008. A Operação Lei Seca é apontada como um dos fatores para os resultados positivos. “O mais importante é a diversidade da blitz, a Lei Seca é a única que reúne funcionários de tantos órgãos diferentes, isso enriquece o trabalho em equipe com a especialidade de cada um e garante que não haja ilegalidades ou impunidade. Aqui é o único lugar que você vê desembargador ser punido”, valoriza o capitão Edson.

Cadeirante distribui planfleto da Operação Lei Seca na Ponte Rio-Niterói pelamentos, das quais 140 mil sofrem lesões irreversíveis e 42 mil morreram. A ação é uma parceria do Estado com a Associação de Deficientes Físicos de Niterói (Andef). Os cadeirantes recebem R$ 1 mil pelo trabalho. Seis equipes trabalham diariamente com a conscientização. “Para mim, a conscientização é ainda mais importante do que as blitzes. É ali que temos tempo de explicar para a população o porquê da Lei Seca, de educar com casos reais”, avalia Moacir Monteiro, coordenador geral do projeto. Uma assistente social vai sempre à frente do grupo, pedindo autorização para os gerentes dos bares antes de qualquer aborda-

gem. A maioria apóia e já conhece a iniciativa. Alguns poucos negam, com receio de que atrapalhe a clientela. Os cadeirantes da equipe acompanhada pela reportagem eram todos jovens e bem dispostos. Brincavam entre si e observavam as meninas bonitas no calçadão. “Só pariticipam os que estão bem resolvidos com sua deficiência. Os dessa noite são jogadores profissionais de basquete e dão uma lição de superação”, valoriza Douglas Amador, gerente de convênio Andef. Quando questionados sobre a severidade da lei, se não seria exagerada ou injusta, os jovens cadeirantes não aceitam meio termo. “Nenhuma gota,

assim que tem que ser. Nós achamos que conhecemos nossos limites, até destruirmos nossas vidas ou a de alguém que amamos”, defende Gabriel Carvalho, de 33 anos, há dez sem os movimentos dos membros inferiores. O mais novo do grupo é um bom exemplo de que não é preciso grande quantidade de álcool para fazer grandes estragos. “Era a véspera do meu aniversário de 18 anos, em 2007. Sai à noite do trabalho e tomei três latinhas de cerveja com meus amigos enquanto combinava a comemoração. Na volta para casa de moto, cai numa curva, meu capacete rachou e nunca mais andei”, conta Jefferson Barcelos, que nem carteira de motorista tinha na época.

Twitter vira arma para driblar blitzes Com mais de 23 mil seguidores, o twitter Lei Seca RJ ganhou destaque como mobilização na rede burlando a operação. A página mapeia a localização das blitzes, sendo constantemente atualizada com informações dos participantes de diversos cantos da cidade. O objetivo oficial é permitir que os usuários evitem engarrafamentos. Na prática, é um espaço de contestação da iniciativa governamental. “Não somos contra a Lei Seca, mas contra os transtornos gerados pelas operações de fiscalização. Eles provocam enormes engarrafamentos para flagrar um percentual mínimo de motoristas alcooliza-

dos”, esclareceu o publicitário Eduardo Trevisan, um dos cinco organizadores da página no Twitter, em entrevista ao jornal O Globo. A internet se prova um espaço de discussão e questionamento do que é posto como obrigatoriedade à população. A iniciativa funciona também como serviço público, informando

o dia inteiro sobre as condições de trânsito, carros batidos ou enguiçados, ruas alagadas ou qualquer outro problema. A participação ativa de seus seguidores e eficiente mediação dos criadores prova o potencial das comunidades virtuais. A restrição do twitter de até 140 caracteres produz dados concisos

e facilita a leitura. O grupo tem até tutorial online explicando o padrão das postagens “QUA 22h52 #BOLS na Rua X, próximo a Y, sentido Z”. Há também um fórum de debates online sobre o assunto, com telefones de contato dos twitteiros idealizadores e relatos de quem já passou aperto nas blitzes. O slogan “Lei Seca, eu apoio” é parodiado em série de avatares provocativos disponíveis para download. Os criadores incentivam que os internautas apóiem a contracampanha fazendo adesivos para seus carros. Para conhecer a página, acesse http://twitter.com/LeiSecaRJ

16/3/2011 16:37:23


10

N

o palco, uma mulher faz um show de striptease interagindo com o público que a observa atentamente; nos sofás, alguns casais (e trios) fazem sexo sob o olhar atento de alguns solteiros; e, no meio da pista, algumas mulheres simplesmente dançam como se nada daquilo estivesse acontecendo a poucos metros delas. É com este tipo de cena que se depara quem vai ao Club Mix, casa de swing localizada na Praça XV (Rua do Mercado, nº 25). A casa tem festas regulares de terça a sábado e eventos especiais, que podem ocorrer nas noites de segunda-feira e domingo ou tardes de quarta. A linha de todas as festas é relativamente parecida: músicas e apresentações nas pistas de dança, e sexo podendo rolar onde, quando e como os frequentadores quiserem. Cada uma, porém, é pensada para um público específico, seja para interessados em sexo a três, na troca de casais ou até mesmo em transexuais. As apresentações vão de strip-teases a shows de bandas ao vivo, passando por massagens, tequileiras que distribuem bebida e brincadeiras. No campo musical, a ênfase é no hip-hop e no funk, ritmos populares e bem ligados à sexualidade, o que não impede que outros estilos possam ser tocados dependendo do público e do tema da festa. A 18A, por exemplo, faz um especial dedicado ao rock’n roll uma vez por mês. São cinco andares que oferecem as mais variadas

NO 16 - 2009/2

opções de entretenimento. Duas pistas de dança que não devem nada para outras casas de festa, um terraço que funciona como um bar onde as pessoas podem relaxar e dois andares dedicados exclusivamente ao prazer adulto. Primeiro piso: seja bem vindo A animação começa do lado de fora. O Club Mix faz fronteira com dois bares, nos quais é possível botar o papo em dia e tomar algumas cervejas antes de entrar na festa. Só não se pode tirar o olho do relógio e perder a hora, já que os diversos descontos duram só uma hora: da abertura da casa até às 21h. Na entrada, os clientes pegam os cartões e as pulseiras. Os cartões ficam no nome do solteiro, solteira ou casal, obrigando ambos a saírem juntos e impedindo que casais falsos se formem para aproveitar os descontos. As pulseiras servem para sinalizar o posicionamento de cada um ali na festa, identificando os solteiros e as preferências de cada casal. É possível dispensar a pulseira caso os parceiros prefiram descobrir o que o destino lhes reserva, afinal ela é apenas uma “proteção” contra abordagens de pessoas indesejadas. Homens sozinhos são obrigados a usarem a pulseira. Também é oferecida a chave de um armário para a pessoa guardar seus pertences e curtir a noite com mais liberdade. As festas ficam vazias até umas 23h e poucos

A noite do

sexo

liberal

aproveitam os descontos de fato. No primeiro andar, nada de incomum: uma ampla pista de dança com um pequenino palco ao lado da cabine de DJ e um bar no extremo oposto. O mais excêntrico desta pista é um computador localizado logo abaixo do telão. Pessoas que acabaram de se conhecer podem usá-lo para se adicionar em sites de relacionamento como o Orkut ou, mais frequentemente, em sites de swing como o Sexo com Café (www.sexocomcafé.com. br). Às quintas-feiras, um pequeno bufê de frios fica à disposição dos clientes ao lado da entrada e alguns garçons transitam

pela pista de dança oferecendo (insistentemente) bebidas. O erotismo aqui é pouco estimulado, ou é mais contido, que nos três andares superiores. É verdade que tudo depende muito da festa em questão. Em uma Sorriso do Coringa, foram seis strip-teases completos de homens e mulheres, enquanto em uma 18A as atrações do primeiro andar se resumiram a uma cover da Lady Gaga e uma banda ao vivo. O produtor, sócio da casa e DJ nas horas vagas Guilherme Gouveia toma o microfone e faz algumas brincadeiras com o povo da casa, que ele conhece pelo nome. Não é raro que Ali-

ce, sua esposa e promoter, e até o chefe da segurança, conhecido como Wolverine, subam ao palco para soltar o gogó. Tudo isso dá às festas um clima bem familiar. Apesar da “inocência” que domin\a esta pista de dança, é possível deparar-se com pessoas que escolhem prestar menos atenção nas atrações e mais em quem está ao lado. Enquanto a banda do especial de rock’n roll tocava, um grupo de cinco pessoas trocava carícias para lá de íntimas. Minutos depois, uma senhora (de uns 50 anos) que estava nesse grupo já podia ser vista praticando sexo oral em um outro homem.

Swing para não swingers

Banda S.A.D.I.C.A. anima a pista 1 da 18A, onde nem tudo é erotismo

2009-2PBok.indd 10

As casas de swing casa vez mais abrem suas portas para o público de fora. É o caso da Foxx Rock, que acontece na 2A2, e a Lust Party, no próprio Club Mix. Apresentando esses ambientes para gente nova, essas festas têm um importante papel na divulgação do sexo liberal e na renovação dos freqüentadores do meio. O público é bem mais jovem que aqueles com que a casa está acostumada, ficando homens e mulheres na casa dos 20 anos. O preço da entrada também cai bastante nessas festas, há menos diferenciação entre homens e mulheres e não existe valor de entrada específico para casais. Como tudo ali é novidade para a maioria, surgem algumas pedras no caminho de quem quer se divertir, como demonstrações de imaturidade e luzes sendo acesas onde não deveriam. Apesar disso, não é raro que alguns dos presentes se dêem bem e usem as dependências da casa para o propósito ao qual foram concebidas.

16/3/2011 16:37:24


l

11

NO 16 - 2009/2

masculino, pouco assumido, porém mais frequente do que se pensa, encontra aqui o seu local ideal de realização.

Nas casas de swing, tudo é permitido e nada é obrigatório Rodrigo Vaz Segundo piso: preliminares Logo em frente à escada, uma jaula com um “X” junto à parede, onde o “torturado” deve se prender. Ideal para preliminares e exibicionismos. Um pequeno e escuro labirinto fica bem ao lado deste pedaço sadomasoquista do segundo andar. Na verdade, é um corredor de forma próxima à de um “M” com uma divisória no meio. Esta parede possui alguns buracos, os famosos “glory holes”, por onde quem está de um lado pode apalpar quem está do outro. Na parede oposta ficam seis quartos; todos com cama e chuveiro. O primeiro deles é o único que pode ser trancado, mas possui uma janela de treliça na porta para o que se passa lá dentro ser visto por quem estiver do lado de fora. Como a janela é pequena e a treliça dificulta a visão, solteiros costumam acumular-se nesse ponto para observar a ação que se desenrola no interior do quarto e um funcionário precisa dispersá-los. No quarto

2009-2PBok.indd 11

seguinte, há porta, mas ela não pode ser trancada. Os próximos dois quartos nem isso possuem. O máximo de discrição que se tem lá dentro é poder controlar a luz, o que não impede que vários solteiros fiquem o mais perto possível para tentar ver alguma coisa enquanto se tocam e tentam participar da diversão do casal. Falando em solteiros, os dois últimos quartos deste andar são seus preferidos. A única luz vem de pequenas lâmpadas no chão para evitar acidentes e é proibido iluminar com celulares. Nesses dark rooms, as pulseiras perdem a importância e presume-se que ninguém ali dentro vai ficar escolhendo com quem interagir. É o lugar para pouco papo e muita ação. Assim que veem uma mulher entrando, sozinha ou acompanhada, os solteiros a seguem e suas mãos rapidamente se multiplicam. Às vezes a abordagem é cautelosa, testando até onde vai a permissão para contato, outras vezes chega a ser invasiva. O bissexualismo

Terceiro piso: a festa começa Se o andar de baixo era dedicado a preliminares e fetiches, aqui a festa se mostra em sua totalidade. Esta pista só abre mais tarde e funciona com DJ durante boa parte da noite. A exemplo da pista do primeiro andar, também acontecem apresentações no palco, com a diferença de serem bem mais adultas e interativas. Tequileiras esfregam seus seios no rosto dos homens, strippers brincam com a animada platéia e até sexo ao vivo é praticado no palco. Nos sofás das laterais da pista, algumas amadoras dão seus próprios shows, dançando e exibindo partes do corpo. É bem animado, mas é com o apagão que a coisa pega fogo mesmo. Durante dez minutos, a pista de dança fica iluminada apenas pelas telas azuis dos celulares. O clima de erotismo que pairava graças à música e às atrações não mais se contém e é só forçar um pouco a vista para ver tudo o que se passa. Uma mulher ajoelhada à frente de um homem na direita, outra sentada no colo de um rapaz enquanto é apalpada por outro na esquerda, duas mulheres beijando os seios uma da outra no meio da pista... A luz acende e ninguém para. Ao contrário, vendo que todos estão no mesmo clima, a timidez vai desaparecendo e a ousadia se torna cada vez maior. Aquela que estava com dois homens já mudou para uma posição menos discreta. No palco, quatro mulheres – uma das quais, completamente nua – se acariciam e beijam de forma tão empolgada que uma mera descrição não daria conta. São frequentadoras que se divertem como todos ali, não mais convidadas. É nesse momento que se pode comprovar o poder das pulseiras. Mesmo com a orgia acontecendo e todos loucos de vontade de participar, ninguém tenta nada com os casais da pulseiri-

nha roxa. Vários solteiros ficam perto – às vezes perto demais -, mas sem tocar ou falar com o casal. Alheias a tudo isso, várias pessoas (mulheres na maioria) dançam e conversam como em qualquer boate normal. Aí está o grande mérito do lugar: encarar o sexo como algo completamente natural. Para alguns, isso é muito fácil; para outros, como o casal de Recife que entrou por acaso na casa achando que era uma festa qualquer e foi embora às pressas, algumas coisas podem ser chocantes demais. Quarto piso: sexo “tradicional” Quem acha que já poderia ir embora depois de ver o terceiro andar está muito enganado. Os quatro quartos daqui são maiores e todos têm portas, mas apenas uma pode ser trancada. A exemplo do quarto com treliça do segundo andar, a suíte aquário é um espaço para os menos tímidos. Uma das paredes é de vidro e dá para uma salinha

com sofás onde o público pode observar atentamente o espetáculo. Infelizmente é comum que os solteiros, ávidos por detalhes, posicionem-se perto do vidro e bloqueiem a visão dos outros. Este andar possui ainda uma área que, em algumas festas, é reservada a casais. São duas suítes interligadas: uma com uma grande cama redonda, chuveiro e jacuzzi, e a outra com uma grande cama quadrada e chuveiro. Na entrada, uma funcionária avisa que homens e mulheres sozinhos não entram. É o porto seguro para casais que se cansam de ser abordados e vistos por solteiros e querem uma possibilidade maior de trocar com outro casal. Quinto piso: recuperando as energias Não há redbull que mantenha as pessoas na pista ou na cama a noite inteira. É preciso parar em algum momento para beber algo e conversar um pouco

Mandamentos do swing 1. Só cobiçar a mulher do próximo quando ele estiver realmente próximo: não agir pelas costas do marido ou da esposa. 2. Não cobrar: paga-se para entrar e o sexo é de graça 3. Fala, mas não pega: todos estão ali pelo mesmo motivo, então o segredo é deixar as coisas acontecerem naturalmente, sem forçar a barra. 4. Querer não é poder: paquerar ainda é importante. 5. Respeitar as pulseiras: elas indicam em que cada um está interessado. 6. Usar camisinha: no swing e em qualquer outra relação, segurança sempre.

16/3/2011 16:37:24


12 com os amigos, talvez até fazer um lanche. O quinto andar, com sua música baixa e ambiente iluminado, é o melhor lugar para isso. Sem a proteção da escuridão, é possível observar melhor as pessoas que estão à sua volta. Um grupo de meninas, todas com menos de 25, estava em uma das festas e surpreendeu-se com tudo que viu. Infelizmente para os solteiros, nenhuma delas era realmente bonita. Graças aos descontos (e bônus) oferecidos às solteiras e aos preços altos cobrados dos solteiros, é notável a diferença de nível entre os dois sexos. Eles são mais bonitos e arrumados, enquanto elas... nem tanto. O que elas não têm de beleza, compensam com disposição. Não esqueçam da senhora de 50 anos que transava com o segundo homem na pista de dança no começo da festa. Não é raro, porém, encontrar uma mulher extremamente bonita, jovem e bem animada. É só garimpar um pouco. A própria promoter da 18A, é linda e tem 26. Ainda assim, o mais comum são homens mais velhos, na casa dos 50 anos, e mulheres na casa dos 30. Um bom exemplo é o casal Ruy e Vani, que freqüenta a 18A desde seus tempos no motel Ibiza, antes de se mudar para o Club Mix. Ele vestia calça jeans e camisa social, enquanto sua esposa vestia um vestido curto com estampa de oncinha. Ela falava orgulhosa sobre seu filho adolescente e morria de medo de algum dia esbarrar com ele em uma das festas. Para preservar

NO 16 - 2009/2

Uma festa com a Champanhe e caviar não faltam na noite dos ricos Priscilla Prestes

Strip-tease interativo: table girl dança com uma meninda da platéia

Programação Club Mix

• Segunda: Programação variada. A mais freqüente é a Sorriso Coringa, festa hetero, mas com boa parte do público gls. • Terça: Festa A3. Para os adeptos do ménage, também conhecido como sexo a três. • Quarta: Festa Trans. Homens e mulheres pagam caro e o desconto é para transexuais. • Quinta: Festa 18A. A mais popular da casa. O foco são casais, solteiros e solteiras. • Sexta: Sexta VIP. Para casais que não curtem a presença de solteiros nas festas. • Sábado: Sexo Com Café. Festa promovida por um site semelhante ao orkut, só que para maiores.

Cores da alegria

• Azul: Solteiros. Indica quem está sozinho na festa. • Roxa: Pulseira da Invisibilidade. Casais que não querem ser abordados. • Laranja: Swing. Casais que só querem outros casais. • Verde: Sem preconceito. Casais que topam tudo.

sua vida “careta” (como eles mesmos chamam) é que muitos usam esses apelidos e nomes falsos nas festas. As fotos que circulam nos blogs e em seus perfis normalmente são editadas para esconder o rosto ou falsas (como Ruy e Vani, que usam

fotos de Luis Fernando Guimarães e Fernanda Torres no orkut). Desta forma, protegem o emprego, a família e os amigos de sua “identidade secreta”. Não que alguém que está ali se envergonhe do que faz, mas o mundo não está pronto.

Voyeurs observam através da parede de vidro os vários casais que se divertem dentro da suíte aquário

2009-2PBok.indd 12

A festa aconteceu no sofisticado Salão Victoria, situado em um dos pontos de encontro preferidos da high society carioca: o Jockey Club Brasileiro do Leblon, para o casamento de Andréa Pinhel e Victor Magalhães, no dia 6 de novembro. Horas antes da cerimônia, Narcisa Tamborindeguy ligou e confirmou sua participação, ou melhor, aceitou protagonizar a “Noite com a socialite” e levar como acompanhante uma universitária, esta que vos fala, a uma celebração entre amigos, para que mais tarde ela pudesse reportar o tipo de festa comum entre os grãfinos. A jornalista estava atrasada. Passado da hora marcada – o combinado era encontrar Narcisa na porta do salão entre 22h30 e 23 h e o relógio já havia tocado as 11 badaladas há algum tempinho – ela ligou para a jornalista e perguntou: “Meu amorzinho, cadê você? Nós marcamos um horário, né?” A repórter em questão mora em São Gonçalo e realmente já tinha passado do horário. Mas, como diz Seu Jorge, “morando em São Gonçalo, você sabe como é...”. Sem graça, ela explicou que estava a caminho e que dentro de meia hora estaria chegando. Narcisa, impaciente, reclamou: “Não sei se vou querer te esperar.” Tentando segurar a matéria, a menina pediu que sua anfitriã tivesse um pouquinho mais de paciência. “Ok! Venha logo, mas olha, você só terá uma hora comigo”, cedeu Narcisa. Três horas antes, às 20h30, Narcisa Tamborindeguy ligara para a jornalista para confirmar a entrevista que transcorreria no casamento, marcado para começar às 21 horas.

De acordo com a repórter, nesse momento, ela ainda estava no ônibus voltando do estágio. Na verdade, seria impossível chegar a tempo, mas era uma oportunidade que não podia ser desprezada. Calçada com as sandálias da insegurança, a estudante adentrou no luxuoso Salão Victoria, cenário ideal para um casamento impecável. Quando Narcisa ligou para saber de seu real interesse em ir a festa, ela não pode dar para trás. Como Narcisa poderia a qualquer momento desistir da entrevista, a opção era única: ir à festa. Mas que escolha tola. Afinal, o guarda-roupa da estudante não possui grandes trunfos da moda, ainda mais, um coringa para uma ocasião como esta. Tentando não transparecer desespero, a repórter perguntou com qual traje deveria ir à festa? “Querida! Põe um pretinho básico para não ter problemas. Ele é ‘A’ salvação”, brincou. E assim ela foi. Com o vestido chique que mais tarde confessou ser da mãe. O casamento Após algumas buscas mal sucedidas, tentando localizar a “anfitriã” desta reportagem, a jornalista enfim avistou Narcisa, que estava servindo-se num buffet para lá de gourmet, entre saladas e peixes que mais pareciam uma obra de arte. Ela se apresentou e pediu desculpas pelo atraso. A deputada estadual Alice Tamborindeguy, com um riso delicado e gentil, segurou suas mãos, e num ato, quase que de piedade, disse a menina: “Prazer em conhecê-la, querida. Mas eu não sou a Narcisa, sou a irmã dela”. Foram necessários alguns instantes para se recuperar do primeiro mico da noite. Após isso, Alice a levou até a irmã. Na verdade, não foi preciso andar muito. Pouco depois, as duas avistaram Narcisa. A verdadeira Narcisa. Deslumbrante.

16/3/2011 16:37:25


13

NO 16 - 2009/2

m a socialite Narcisa Tamborindeguy Foto de Ricardo Gomes

Narcisa gosta tanto de dançar que quando cansa pede para o motorista trazer um sapato baixo

Ela usava um vestido preto longo assinado por Thierry Mugler. O look ainda era composto por botas e bolsa Chanel. Além de grandes compridos brincos de brilhante. Lá estava ela, dançando. Para não sentir o mundo girar. De olhos fechados. Dançava. Para não sentir a vida sem sentido. Dançava. Foi aí que a jovem conheceu a real Narcisa, que estava com uma amiga de longa data, a gaúcha Thereza Ferrari, quem conhecera numa festa do Copacabana Palace. Conversaram por alguns momentos e lá foi Narcisa dançar de novo. Com um sotaque sulista bem forte, Thereza disse, “Tu sabes que ela é assim mesmo? Ela não para.”, dando uma brecha do que elas veriam ao longo da noite. Narcisa apresentou a jornalista a seus amigos como sua assessora, sendo

2009-2PBok.indd 13

fácil conversar com muitos deles. Um em especial era Franklin Toscano, um blogueiro social e político que costuma saber o que rola na alta sociedade carioca. Social, sim. Mas político? Pela quantidade de desembargadores, juízes e pessoas influentes a quem foi apresentada, ficou claro o porquê da política na auto-descrição do blogueiro. Um das frases mais engraçadas da noite, por sinal, foi a do colega de profissão. Conforme ele ia apresentado as pessoas para a novata, fazia uma breve descrição sobre suas vidas, como profissão, com quem eram casadas ou namoravam, entre outros. Entretanto, num determinado momento ele se virou para a estudante e disse: Tá vendo aquele ali? É casado com fulaninha. Quando ela perguntou qual a profissão do casal, ele se virou: “Ah! São

ricos! Rico não trabalha não, é profissão!”, disse. A decoração do salão estava linda. Entre as orquídeas e rosas que enfeitavam as mesas, as cores predominantes eram o branco e o verde. O ambiente principal do salão era escuro, pois abrigava a efervescente pista de dança comandada até o amanhecer pelo DJ Alexandre Kahi e de onde Narcisa não saía. Nossa protagonista tem 43 anos e é oriunda de uma tradicional família gaúcha. Filha mais nova do falecido deputado federal e empresário Mário Tamborindeguy e de Alice Maria de Souza Saldanha, nunca pensou em seguir o caminho político traçado pelo pai. Diferente de sua única irmã, a deputada estadual Alice Tamborindeguy, bem mais discreta que ela. Em alguns momentos, Alice olhava para a caçula, para ver se ela aprontava algo.

Narcisa é formada em Direito, pela Faculdade Cândido Mendes, e em Jornalismo, pela Faculdade da Cidade. Atualmente, trabalha como jornalista e escritora, tendo exibido há pouco tempo um quadro no Superpop, programa do horário nobre da RedeTV! apresentado pela ex-modelo Luciana Gimenez. Além disso, é madrinha da instituição de caridade “Lar de Narcisa” que ajuda a manter, através de doações próprias e de amigos, cerca de 750 crianças. Uma das razões que a faz sair de casa e ir a uma festa é encontrar os amigos e pessoas queridas. “Costumo ir a umas dez festas por mês. Mas a vida noturna não é minha preferência. Tudo depende de meu humor. Posso querer me divertir pela manhã, como querer sair para badalar à noite. Gosto mesmo é de encontrar com meus amigos”, disse. Num determinado momento da festa, as botas que ela usava, cederam a vez a sandálias mais baixas. Aliás, esse é um de seus segredos. “Quando percebo que vou ficar cansada, ligo para o meu motorista e peço para ele trazer outro calçado mais confortável”, contou Narcisa, que é adepta da natação para manter a forma e ganhar resistência física. Haja braçadas para isso. Porque para aguentar bailar ao som das carrapetas por tanto tempo, é preciso dar umas dez voltas na piscina do Copacabana Palace, onde ela nada com frequência. Conhecida pelas famosas festas que dá em seu apartamento, do Edifício Chopin, em Copacabana, ela contou um episódio bem curioso que aconteceu no dia do show dos Rolling Stones na praia. De acordo com seu relato, nesse memorável dia, entre garrafas de champanhe e uma galera bem animada um grande coro de músicas da banda saiu de seu apartamento.

“Na hora do espetáculo, já tinha tanta gente na minha casa que as paredes e os espelhos suavam. Resolvi sair. Fui assistir ao show lá embaixo, na areia da praia. Deixei o comando da festa com minha filha Marianna e com Lou de Oliveira”. Ela disse que sua sorte foi que um amigo judeu chamado Moisés controlou tudo até que ela voltasse. Mais tarde, ficara sabendo que o filho de um grande artista plástico acendeu um baseado e que um juiz amigo seu quis prendê-lo por isso. “Todos pediram que, pelo amor de Deus, ele deixasse de ser careta, que o menino só estava experimentando, que relaxasse e aproveitasse a festa. Finalmente, ele concordou, mas foi embora furioso”, relembrou a história que é parte de coletânea de seu novo livro “Ai, que Absurdo”, que está prestes a ser lançado. Em 1999, Narcisa lançou o livro “Ai, que Loucura!”, pela Editora Record, em que conta histórias curiosas e imperdíveis dos bastidores do jet-set carioca. Quando perguntada sobre o que significa loucura para ela, disse: “Sabe, loucura tudo o que faço e quero para minha vida. Não consigo me imaginar vivendo sem ela. A vida seria chata”. No final da noite para a repórter, já tendo passado bem mais de uma hora de ‘entrevista’, ela agradeceu o convite e se despediu da Narcisa, que a acompanhou até a saída e perguntou se eu ela queria levar a sandália que os convidados recebem ao longo da noite. “Ih, Narcisa, não sei se vou poder, não sou convidada, fica chato, né?”, disse a estudante. “Ah! não acredito. Você pode tudo querida, Pode tudo que quiser. Pode tudo”, disse enfática. E assim ela foi embora: tentando equilibrar as havaianas e os bem-casados que sua anfitriã pôs em suas mãos para que ela comesse em sua longa viagem de volta para casa.

16/3/2011 16:37:28


14

NO 16 - 2009/2

Rodoviária não fecha

Orkut revela histórias trágicas e engraçadas de quem perdeu o último ônibus para casa Natasha Ísis Fato número um: ninguém quer passar a noite em uma rodoviária. Fato número dois: parte considerável das pessoas que passam a noite nesse lugar acha toda a experiência muito interessante. Depois que já passou, é claro. Uma noite inteira em uma rodoviária é para algumas pessoas trabalho e para outras um problema inevitável, mas, surpreendentemente, divertido. Não é à toa que existam até mesmo comunidades na rede de relacionamentos Orkut como “Eu já dormi na rodoviária” e “A saideira é na rodoviária”, em que as pessoas comentam, com pitadas de orgulho, suas aventuras. É curioso notar que não é dado muito destaque ao medo normalmente associado à falta de vigilância do lugar. Pelo contrário: as declarações são embaladas por grande animação, com um tom de quem passou por muitos problemas, mas se divertiu bastante no final das contas.

De jovens mochileiros a trabalhadores, muitos são obrigados a passar a noite na rodoviária esperando o primeiro ônibus

De fato, não está nos planos de muita gente gastar horas em uma rodoviária, ainda mais quando essas horas são noturnas. No geral abandonadas pelo poder público, as rodoviárias apresentam falhas na infraestrutura, especialmente no que diz respeito à segurança. Mais que o desgaste físico da espera pelo ônibus, a preocupação

daqueles forçados (ou não) a lá pernoitar é se manter a salvo dos perigos. Porém, não é isso que chama atenção no relato daqueles que já dormiram numa rodoviária e saíram ilesos. Esses frequentadores são variados: é possível encontrar desde executivos “workaholics” aproveitando o tempo ocioso para trabalhar nos seus laptops

Sempre cheia de passageiros, a rodoviária tem movimento contínuo durante a noite

2009-2PBok.indd 14

até adolescentes embalados pela adrenalina de passar a noite fora de casa, passando por senhores de idade, bêbados, crianças hiperativas e funcionários malhumorados. Animados ou não, com o passar das horas o sono sempre chega, levando todos – exceto os trabalhadores, é claro – a se acomodarem do modo mais confortável possível nos duros bancos, cujas divisórias não permitem deitar. Para aqueles com sérios problemas de insônia, a praça de alimentação ou os botecos e camelôs dos arredores fornecem algumas distrações alcoólicas e gastronômicas. O fato é que as noites das rodoviárias sempre produzem boas histórias. O que leva as pessoas a passarem a noite nesses lugares? Por exemplo: programas noturnos terminados relativamente cedo na madrugada combinados com ônibus que partem somente com o nascer do dia. Foi o caso de Michelle Bernardi. “Fui a uma cidadezinha assistir um show que imaginei que acabaria pela manhã, mas começou de tarde. Terminou 22h e só tinha ônibus no outro dia de manhã”. Outra vertente é a dos viajantes, já acostumados a longas esperas. “Quando era adolescente, chegávamos de viagens antes das 5h e esperávamos o

metrô abrir para ir pra casa. Era bom demais”, conta Sonia Rabello. Para os mochileiros, a prioridade é não gastar dinheiro. Por isso, hotéis são rapidamente descartados; sempre há a rodoviária. Seja qual for o caso, a solução encontrada foi esperar na própria rodoviária, comendo, bebendo, conversando, ouvindo música ou dormindo. Muitos só querem cochilar até o embarque no primeiro ônibus. Outros veem mais sentido em aproveitar o tempo ocioso para dar continuidade à noite – nesse caso são de grande valia as barraquinhas e bares do lado de fora que ficam abertas madrugada adentro, recebendo os clientes após o fim do horário de trabalho da praça de alimentação. Finalizar o programa noturno junto aos ônibus é estranhamente comum e uma opção exaltada principalmente entre os mais jovens. Na comunidade do Orkut “A saideira é na rodoviária”, a descrição diz tudo: “Altas horas da madruga, o dia amanhecendo, os botecos fechados, está na hora de ir para casa, você está cansado... mas de repente alguém dá a idéia: “Vamos tomar a saideira na rodoviária? E você sempre se rende...” Como diz Glauco Cerqueira: “A noite não teve fim graças

16/3/2011 16:37:30


15

NO 16 - 2009/2

a rodo (rodoviária), no bar do Gilberto. Isso é que foi disposição”. “Quem nunca fez isso? É sagrado dar uma passadinha por lá”, afirma a comunidade “Já tomei saideira na rodoviária”. O importante para os 239 participantes dessas comunidades é não declarar o fim da noite – pelo menos até a hora de entrar no ônibus e tomar o caminho de casa. A socialização na rodoviária se torna hábito para alguns, chegando ao ponto de conhecerem o nome e a história de vida de todos os funcionários, moradores de rua e outros adeptos dessa atividade, As noites transformam-se em assunto para roda de amigos e histórias para contar para os netos. Comentários acerca do preparo das rodoviárias para receber o público são parte importante das discussões. Um tópico interessante na página “Já dormi na rodoviária” é o “Qual rodoviária você dormiu? Indique uma boa!”, em que membros da comunidade tecem comentários sobre os prós e contras daquelas onde já dormiram. As melhores têm bancos confortáveis e menos mosquitos. Mas os integrantes discutem até qual é a rodoviária mais fria e com maior número de vitrines para passar o tempo. Dicas sobre a localização da rodoviária também são dadas no Orkut: se o bairro é perigoso, se há comércio “complementar” do lado de fora, entre outros. Sem poder dormir, muito menos jogar conversa

No chão não pode: seguranças da rodoviária impedem cochilos fora dos bancos

fora em um bar nos arredores, os trabalhadores do turno da noite passam pela experiência de ver o dia nascer na rodoviária. Ao contrário dos clientes, eles não veem tanta graça. Na comunidade do Orkut “Bilheteiros de Rodoviária”, foi criado um ranking das três piores coisas existentes nesse trabalho. Entre elas está o horário noturno, junto do salário e dos passageiros chatos. O horário realmente é pesado. Marta, uma das caixas do banheiro da rodoviária Novo Rio, confirma: “Eu saio às dez da noi-

te, mas a menina que entra depois fica até 5h50”. É bastante tempo para ficar sentada atrás de um balcão, cobrando R$ 1,25 para usar o banheiro (exceto no banheiro público), R$ 4,25 para tomar banho, ouvindo reclamações quanto ao nível de higiene do local e tentando explicar o motivo da tarifa: “Todo lugar é obrigado a ter só um banheiro público”, explica. E é lá que a maioria das pessoas vai, aumentando a probabilidade de surgirem problemas. “Não existe diferença entre os banheiros”, ga-

rante a funcionária. Mas nisso é difícil acreditar. Principalmente quando são 22h15 e uma fila de mulheres começa a reclamar da falha na descarga no único banheiro público da Novo Rio. “Isso acontece. É que a descarga aqui é a vácuo e, como usam muitas vezes, de vez em quando ela para. Depois volta”, diz Marcos, o simpático rapaz que agora faz a cobrança das taxas do banho. “Desculpa, mas eu não posso entrar lá. A menina que fica aqui está chegando, eu falo com ela.”

O maior desafio para os funcionários é manter o bom humor. Nas férias, feriados e fins de semana, o número de pessoas que circula na rodoviária aumenta, o que normalmente significa mais confusão. Ronaldo, segurança do turno da noite na rodoviária Novo Rio, diz não ver muita diferença. “O movimento é quase sempre o mesmo. Os problemas de segurança são mais nos arredores. Aqui dentro as coisas são mais simples, como problemas com pagamento nas lojas, cartão de crédito, coisa assim. A gente consegue resolver facilmente.” Também é dever dos seguranças lidar com os frequentadores noturnos e garantir que não tenha ninguém dormindo no chão. Nos bancos é permitido, mas nada de se esticar para maior conforto. Nos arredores é que está também a salvação para a fome dos funcionários noturnos, taxistas e apreciadores da saideira na rodoviária. Como a praça de alimentação fecha por volta de meia noite, a solução é ir até a “feirinha” que existe do lado de fora. Diversos camelôs vendem bebidas, comidas (o famoso “podrão”) e todos os objetos que se pode necessitar. Responsável por uma das bancas, seu Zé diz que a feirinha não tem relação com a rodoviária. “A gente não está aqui por causa da rodoviária. Não tem a ver. Mas depois que começa a fechar tudo lá dentro o pessoal vem pra cá, sim. Aqui tem gente a madrugada inteira”, conta.

Uma nova rodoviária para o Rio Recém-reformada, a Novo Rio não parece nem um pouco com o antigo e degradado ponto de partida para diversos lugares do país. Hoje a rodoviária pode se dizer moderna e até mesmo ser comparada a um shopping ou um aeroporto. Com piso de mármore, banheiros e bancos novos (o que não significa mais confortáveis), ar-condicionado, elevadores, mais rampas, diversas lojas e praça de alimentação completamente reformulada, a principal rodoviária do Rio de Janeiro se tor-

2009-2PBok.indd 15

O aspecto sujo e decadente foi substituído por modernas instalações de mármore branco

nou um “bom” lugar para passar a noite. Televisões de plasma indicando o horário dos ônibus e novas placas foram colocadas. A reforma só não conseguiu afastar os camelôs localizados nas redondezas. Em pouco tempo, todos estavam de volta. Inaugurada em novembro, a reforma da rodoviária Novo Rio foi realizada pela empresa privada Socicam e fiscalizada pela Companhia de Desenvolvimento Rodoviário e Terminais do Estado do Rio de Janeiro (Coderte). O investimento chegou a R$ 10 milhões.

16/3/2011 16:37:32


16

NO 16 - 2009/2

A maratona dos cinéfilos

Odeon, onde o que conta pontos é assistir muitos filmes, comer, dançar e não dormir

Maratona terrestre: 42,195 km; aquática: 5, 10 ou 15 km; Maratona Odeon: 7 horas, sem obrigação de deslocamento. Para muitos, uma jornada cansativa, em que se buscam resultados por meio de superação, esforço e tempo de treinamento. Já para aqueles que vão ao Cinema Odeon toda primeira sexta do mês, o significado é bem diferente. Maratona, para estes, é ficar acordado de 23h às 6h, assistindo filmes na companhia de muita gente, dentro de uma sala que pouco se assemelha às de cinema convencionais. A Maratona Odeon, também conhecida como a rave dos cinéfilos, assim como as tradicionais maratonas, reúne pessoas de diferentes gostos e idades. O asfalto e as correntes marítimas são trocadas por um lugar fechado, que mais parece um grande teatro, com ar condicionado e cadeiras confortáveis. Além dos três longas, na maioria das vezes préestreias, o cinema oferece dois bares-café e uma pista de dança com DJ para animar as pessoas durante os intervalos de 20 minutos. “Dependendo do primeiro filme, a fila já começa a aparecer por volta das 10h da noite.”, afirma Flávio Salles, 45 anos, frequentador do evento desde o

Foto de Luana Severiano

Luana Severiano

A maratona de cinema do Odeon fez reviver os bons tempos da Cinelândia, movimentando a praça e os arredores a madrugada inteira

seu início, em 2002. “De acordo com a seleção dos filmes, o meu grupo pode ser de três ou 50”, conta Flávio. “Mesmo assim, costumo chegar sempre cedo para conseguir o meu lugar cativo no segundo andar.” Pulseira “passe vip” no braço, que dá liberdade aos participantes de sair e voltar ao cinema, e é dada a largada. Durante os filmes, aplausos, risos, vaias e comentários. Aqueles que frequentam a maratona afirmam que é uma experiência única. “O melhor da maratona é a interação do público, toda essa movimentação Fotos de divulgação

Durante os intervalos, o público come, bebe e dança (foto ao alto)

2009-2PBok.indd 16

que não acontece nos cinemas convencionais”, diz Gabriela Silva. Sem competição entre os participantes ou corrida contra o tempo, a única semelhança entre essa maratona e as outras talvez seja a luta contra o cansaço e a torcida para chegar até o final. Mas a famosa “parede” ou “murro”, momento de abatimento físico e mental durante as provas olímpicas, é facilmente superada com uma saída ao banheiro ou até mesmo com uma cochilada. O tradicional café é a reposição energética de muitos. “Tomo café para ficar acordado, além de ser viciado”, conta Flávio. Oferecida pelos próprios organizadores do evento, a trégua é aproveitada de maneiras diferentes. As opções vão das saidinhas para comer e beber alguma coisa nas barraquinhas que ficam do lado de fora à pista de dança no segundo andar, comandada pelo DJ Jorge Luis.

Flávio conta que quando ia sozinho e a seleção de músicas do DJ lhe agradava, além de ler, dançava um pouco e olhava as garotas. Agora que vai com os amigos que fez nas comunidades da Maratona Odeon e do CCBB (Centro Cultural do Banco do Brasil), no Orkut, nota que, durante o intervalo, muitos se dirigem à Lapa. Outros, os preg uiçosos e aqueles que trabalham na sexta, como ele, não vão. Ficam conversando, dormindo, comendo. A maioria vai à Loja Americanas primeiro e, nos intervalos, compra apenas bebidas e café, por ser mais econômico. Já Alex Turk, estudante de Filosofia, afirma que já aproveitou esse tempo para escrever histórias de ficção, conversar com amigos e namorar. Hoje, porém, vai sozinho e, não tendo mais inspiração para escrever, apenas ouve música, sai para beber, fumar, comer e lê. Faz tudo sem falar com ninguém a sua volta.

Como em uma prova de movimentos repetidos, a Maratona segue a seguinte sequência: três campainhas, filme, intervalo e mais três badaladas para anunciar a próxima atração. Algumas pessoas desistem e vão para casa. Depois das sete horas que caracterizam a Maratona, os participantes que resistem têm direito a um café da manhã com café, chocolate quente e bolo. Flávio, que sempre fica até as 6 da manhã, diz que nem sempre toma o café: “Às vezes é muito tumultuado. Melhorou agora que estão servindo chocolate. Bolo, sempre que dá pego um ou dois pedaços”. Sozinhos ou acompanhados, os que vão adoram e a maioria faz de tudo para não perder nenhuma edição. Flávio, apesar de dizer que a seleção de filmes e de música já foi melhor, afirma que o evento continua a ser o imperdível do mês. “É para estar com amigos e conhecer novos. Assistir a filmes como se estivesse em uma festa, com palmas, assovios, gritos, alegria e companheirismo.” Muito diferente de uma sessão de cinema tradicional e nada a ver com uma maratona olímpica.

16/3/2011 16:37:34


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.