A rotina dos caçadores de celebridades JORNAL LABORATÓRIO DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO DA UFRJ
- número 18
BASTIDORES
O dia-a-dia de um jornal popular A eficácia das ações de cidadania dentro das favelas Quem é quem na coluna de Ancelmo Gois A dura realidade de quem trabalha em feiras livres Mil e uma histórias da insone Vila Mimosa Uma forma diferente de fazer política com o corpo Uma escola pública e os mistérios da sétima arte Por baixo dos panos de uma coleção de moda A rotina da tripulação de um voo internacional Globocop: por trás dos rotores e das câmeras A hora do rush sobre trilhos A paixão que nutre os jogadores de rugby Notícias verdadeiramente falsas Um dia no Mercadão de Madureira O que não se vê no futebol para cegos A competição por um lugar do mercado de trabalho A arte circense das crianças da Baixada
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Por trás dos tablóides
EDITORIAL A disciplina de Jornal Laboratório é sempre uma das mais procuradas do curso de Jornalismo. Não é para menos. Trata-se de uma rara chance de os alunos explorarem todas as etapas de produção de um veículo impresso: pauta, pesquisa, reportagem, entrevistas, fotografia, redação, revisão, diagramação, segunda revisão. Ao longo de um semestre, discutimos e preparamos as matérias que vocês vão ler aqui. De todas, a etapa mais divertida certamente é a pauta. Não é fácil encontrar um tema que se desdobre em dezenas de matérias diferentes. A definição da pauta geral é uma guerra. Cada futuro repórter sugere um ou dois temas gerais, que são devidamente anotados e depois vão para a votação. Enquanto alguns defendem veementemente sua proposta, advogados do diabo tentam derrubá-la por todos os meios. Pesando os prós e contras a turma elege seu tema preferido em meio a várias rodadas de votação. Mas isso é só o começo. Depois, cada um tem que pensar numa pauta individual. Neste número, o desafio foi criar diferentes reportagens que se encaixassem no tema “Bastidores”. Investigamos o que há por trás de mercado como o de Madureira, ou da Vila Mimosa, o treinamento de jogadores de futebol cegos, a rotina de um barraqueiro de feira livre ou de um paparazzi, como se faz uma das mais importantes colunas do jornalismo brasileiro, ou um site de humor, ou um mesmo um jornal sensacionalista. Quer saber? Aqui está a chave.
EXPEDIENTE Universidade Federal do Rio de Janeiro Reitor Aloisio Teixeira
Escola de Comunicação Direção Ivana Bentes Coordenação do Curso de Jornalismo Cristiane Costa
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A rotina dos jornalistas dos cadernos ‘culturais’, os caça-celebridades Raquel Gonzalez Os bastidores de um jornal diário já costumam atrair a curiosidade de muitos leitores. Gente correndo para lá e para cá, jornalistas nervosos e ansiosos, data de fechamento apertada. Imagina a rotina do caderno de cultura, que trata de celebridades, fofocas, escândslos, etc? É de deixar as unhas ruídas. Como é telefonar diariamente para tantos artistas? Eles são simpáticos como aparece na TV? E lidar com os horários deles para marcar entrevista e foto, será que é muito difícil? “Não é fácil. Alguns artistas já são muito pé atrás com a imprensa. Outros são chatos mesmo. E o pior são umas pseudocelebridades que já se acham o último pacote do biscoito”, revela a repórter Priscilla Costa, que trabalhou cerca de um ano e meio na editoria de polícia do jornal O Fluminense, de Niterói, e está há 3 meses no caderno D, do jornal O Dia. A jornalista conta que já está se acostumando com os foras. “Outro dia liguei para um ator que virou chef de cozinha e foi supergrosseiro porque eu não sabia como fazer uma bruschetta. É de matar, mas você acaba se habituando.” A repór-
ter tem uma técnica para sobreviver aos ataques: “É fingir que não ouviu, respirar fundo e continuar a entrevista”. A coleguinha (“apelido” utilizado entre os jornalistas) Camilla Gabriela, que já foi do D e hoje trabalha na revista Isto É, desabafou no twitter, o problema vivido pelos cadernos culturais: “Seria tão bom se o artista compreendesse que repórter só cumpre ordens. #prontofalei”, tuitou. “É muito mais difícil entrevistar celebridade
porque o artista tem o ego muito inflado. Antes de perguntar determinadas coisas, você precisa massagear, agradar e depois ir em cheio na questão”, ensina a repórter do jornal carioca. Quem está lendo essa matéria já deve estar pensando que os cadernos culturais são o inferno em forma de jornalismo. Também não é assim. Como os seres humanos normais, existem celebridades mais ou menos simpáticas, que acordam de bom ou mau Foto e Ilustração: Raquel Gonzalez
Núcleo de Imprensa Elizabete Cerqueira coordenação executiva Cecília Castro programação visual
número 18 - 2010/2 Informativo produzido pelos alunos da Escola de Comunicação da UFRJ Coordenação Acadêmica Cristiane Costa Coordenação gráfica e design Cecília Castro
Este número foi produzido com matérias elaboradas pelos alunos da disciplina Jornal Laboratório. TIRAGEM: 500 exemplares distribuição GRATUITA
Priscilla Costa, repórter do Caderno D, do Jornal O Dia, mostra seu dia-a-dia
humor. É uma questão de sorte para o jornalista. “Ontem entrevistei o Di Ferrero, o vocalista do NX Zero, e o achei um fofo. Ele foi super do bem, me explicou com paciência os detalhes do novo projeto da banda, falou da vida pessoal. No fim, ainda me convidou para ir ao show. Fiz uma coisa que não sei se é certa, mas confessei que adorava uma música dele (risos)”, revela a repórter e tiete Priscilla. Em um caderno que possui seis repórteres, duas estagiárias, duas editoras e uma subeditora do sexo feminino, quatro gays e apenas três homens heterossexuais, há de se imaginar que a rotina, além de normalmente estressante, também é bastante engraçada. Na última quarta, o dia do pescoção no caderno D (termo utilizado para o dia de adiantar o fechamento de mais de uma edição, e que, por isso, costuma acabar muito tarde), uma repórter que prefere não ser identificada comentou: “É difícil manter o casamento sendo jornalista. Ontem cheguei em casa tarde, hoje vou chegar às 1h, amanhã também nem
sei. Como fico com o marido? A solução é fazer as coisas de manhã, mas eu nem gosto. Sabia que tem explicação científica para as mulheres preferiram transar à noite? Sério! Li numa reportagem”, contou a repórter, em meio às risadas dos colegas cansados. E, se os artistas têm o pé atrás com a imprensa, conforme afirmou a repórter Priscilla, a recíproca também é verdadeira. “Isso é curioso porque sempre tem coleguinha fazendo comentários maldosos sobre os entrevistados. Fulano é antipático, gay, pegador. Tem sempre um ponto de vista sobre eles”, conta a jornalista. O que não faltam são opiniões da parte de cá, que não têm nada de imparcialidade. “A Monique (Evans) afirmou que não tem medo porque o máximo que vão fazer é tirar a vida dela (sobre ameaças que sofreu no twitter). Que louca! A gente publica isso?”, questionou ao editor, a subeditora. E ouviu como resposta: “Publica, ué. Ela não falou? Estou vendo que vai ser a próxima a tomar sopa com chumbinho.”
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Por trás da coluna de Ancelmo Gois
Quem são as pessoas que escrevem num dos espaços mais disputados do Brasil?
O colunista Ancelmo Gois em sua mesa de trabalho: uma bagunça decorada com presentes de amigos e dos leitores fiéis
Daniel Barros Bernardo de la Peña é um jornalista de 35 anos que tem um vasto histórico de serviços prestados ao jornal O Globo no campo de política e economia. Ele já venceu o Prêmio Esso duas vezes, em 2001 e 2002. Hoje é uma sextafeira, exatamente o dia em que é preciso fechar as edições de sábado e de domingo. Pelo olhar compenetrado em direção ao computador, imagina-se que Bernardo esteja, mais uma vez, correndo contra o tempo para levar ao leitor uma notícia envolta pela seriedade que os assuntos de política e economia requerem. Que nada. Ele estava buscando, avidamente, a imagem de um selo de Tuvalu para sair do lado direito da coluna de Ancelmo Gois no domingo, 19 de setembro de 2010 Mais tarde, Ancelmo iria sair de sua pequena
sala, a mais ou menos três metros da mesa de Bernardo, para dizer: “Sabe o lado direito do domingo? Eu quero uma ilustração tropical, o cara que planta bananas, uma coisa assim tipo Tropicália. A única foto é o selo, o resto eu preferia que fossem desenhos.” Ancelmo descreve a ilustração de sua preferência com gestos engraçados, entrelaçando os braços como uma Carmen Miranda desengonçada. O conteúdo da nota em que trabalharam Bernardo e o setor de arte continuou enigmático para mim. Faltando poucos minutos para a meia noite, com a redação quase vazia, Aydano André Motta, que fazia as vezes de editor da coluna (Marceu Vieira, o real editor, estava de férias), vai à impressora da redação buscar uma cópia de altíssima qualidade da coluna de domingo para mostrar ao chefe. No lado direito, estão três notinhas falando sobre
os lugares mais exóticos onde o presidente Lula construiu embaixadas: Tuvalu, arquipélago situado na Oceania, Uagadugu, capital de Burkina Faso, e Saint George’s, capital da ilha caribenha Granado. A ideia veio de Ancelmo e demonstra o brilhantismo e criatividade que faz de sua coluna uma das mais lidas do país e a página de anúncios mais cara do Globo. Os quatro jornalistas comandados por Ancelmo Gois são considerados por ele “a melhor equipe de coluna do Brasil”. Marceu Vieira, editor da coluna do impresso, Aydano André Motta, editor do blog, Bernardo de la Peña e Ana Cláudia Guimarães realmente se complementam. Marceu e Aydano são dois cariocas típicos. Amigos desde os tempos de faculdade, os dois dividem a paixão pelo futebol e pelo samba. Marceu, inclusive, acaba de lançar seu CD
de música brasileira sob o título Edição do autor. Aydano adora relembrar o dia em que foi cobrir o desfile do grupo E do carnaval carioca e, como Lula, costuma fazer metáforas futebolísticas. Bernardo não é muito fã de futebol, mas é fundamental para a coluna por seus conhecimentos de política e economia. Ana Cláudia trata de dar o toque feminino que não pode faltar. Para Ancelmo, ela é a “pitbull da notícia”. “Poucos jornalistas são tão fuçadores de notícia como ela”, elogia o chefe. Tratar de assuntos variados é uma lei seguida à risca. Ancelmo conta que prefere, por exemplo, ter três notas boas de um assunto e uma não tão boa de outro, do que quatro ótimas notas de um assunto só e deixar de tocar em alguma área de interesse. “Na coluna tem que se fazer uma mistura que você ache que vai agradar todo tipo de lei-
tor. O leitor fascinado por televisão vai ver amanhã uma foto das pessoas de televisão, o que é fascinado por política vai ter uma ou duas notas, o que gosta de economia também, enfim, o sucesso da coluna é botar um pouco de cada”, explica o colunista. Ancelmo Gois é um indivíduo estranhamente relaxado para o ambiente frenético de um jornal. Ao chegar à redação, por volta das 15h, logo o vejo sentado em uma cadeira reclinável, de pernas cruzadas, lendo a Folha de São Paulo. Ele costuma chegar à redação entre 10h e 11h e nunca sai antes da 21h. Aydano, meu tutor na redação do Globo, interrompe a leitura de Ancelmo para apresentar-me a ele. Sem hesitar, Ancelmo me estende a mão para um cumprimento, externando, logo no primeiro contato, toda a gentileza que é sua marca registrada: “Seja
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bem-vindo! Fique bem à vontade aí!” Depois que terminou de descansar após o almoço, o dono da coluna voltou para a sua sala. Naquele momento, Ana Cláudia Guimarães abria espaço na mesa que estava dividindo com Aydano para sua quentinha de risoto de camarão. Já eram quase 15h30 e Ana ainda não havia almoçado. Quando Aydano pergunta se está tudo bem, ela responde que sim, mas que ainda não conseguiu nenhuma nota. Apesar de raramente ir às ruas em seu trabalho para a coluna, Ana se divide entre o telefone e o e-mail em busca de informações valiosas que vêm de suas tantas fontes. A rotina, naturalmente estressante, se agrava ainda mais quando ela precisa resolver, por telefone, os problemas escolares de seu filho Francisco, de 7 anos. Ana diz que não sente falta de ir às ruas, explicando que de vez em quando faz reportagens para outras editorias. Duas semanas antes de conversarmos, ela havia feito uma matéria para o caderno “Ela”. “Viro amiga das pessoas por telefone. Tenho uma fonte há dez anos, mas a gente nunca se viu”, conta a única remanescente dos tempos em que a coluna pertencia a Ricardo Boechat. A identidade dessas fontes é cuidadosamente protegida. “Você não está anotando o nome das pessoas que aparecem no meu e-mail não, né?”, pergunta ela com um olhar de preocupação. Todo esse cuidado vem de cima: Ancelmo é meticuloso em seu ofício. Ele checa os fatos várias vezes e não revela algumas de suas fontes nem aos que trabalham com ele na coluna. A título de exemplo, Aydano conta o que aconteceu no dia em que eles publicaram a informação que mais rendeu acessos ao blog da coluna: as sedes da Copa de 2014 no Brasil. No dia 29 de maio de 2009, uma fonte ligou para Aydano de Nassau, nas Bahamas, onde a Fifa decidia as cidades brasileiras que sediarão a Copa em 2014, e contou que as três cidades que faltavam ser
divulgadas seriam Cuiabá, Manaus e Natal. Eis então um grande furo. Mas Aydano esbarrou na desconfiança do chefe. Ancelmo ligou para uma de suas fontes secretas para confirmar a informação, mas mesmo com ela confirmada hesitou em publicar, com medo de errar. Convencido por Aydano, a nota foi ao ar no blog da coluna às 18:17h, horas depois de receberem a informação. A coluna foi a primeira a publicar o fato que, dois dias depois, foi confirmado pela Fifa. De sua mesa, decorada com miniaturas de per-
dizendo: “Um beijo no seu coração”. As reclamações da leitora não tinham fundamento, afinal, a informação era verdadeira, mas o colunista surpreende pela gentileza, carinho e simplicidade (ele pergunta o nome dela e depois diz “Oi, querida. Meu nome é Ancelmo”, como se ela não soubesse com quem falava). A forma carinhosa pela qual Ancelmo trata Marceu, Aydano, Bernardo e Ana Cláudia é certamente um dos principais motivos para que os quatro queiram trabalhar na coluna
critor e compositor. Não é novidade que ele lide bem com as palavras. Para Ancelmo, mais do que isso, o seu texto é um dos melhores da imprensa brasileira. Ancelmo Gois tem um jeito único. Ele senta em sua cadeira e começa a analisar os vários papéis amontoados sobre a mesa. Ao descartá-los, ele os joga para debaixo da mesa, no chão, sem qualquer cerimônia. Quando Aydano confirma com ele a imagem de sábado, Ancelmo diz, de um jeito jocoso que lhe é típico, “Vai ser um negócio desses aí, um
A turma da coluna trabalhando silenciosamente: tensão do fim do dia
sonagens que ele adora, como Padre Cícero e Cartola, Ancelmo explica a origem de seus cuidados: “80% do tempo da gente é dedicado a segurar a pressão lá de fora. Eu recebo mais de mil e-mails por dia.” Não só pela rede. Segundos antes, Ancelmo havia falado no telefone com uma mulher que, de acordo com ele, estava muito nervosa por conta de uma nota que saiu na coluna naquele mesmo dia sobre o despejo de sua família, “inquilina do estacionamento e da antiga bilheteria do Hipódromo da Gávea”. Com uma doçura desconcertante e seu sotaque que demonstra a origem nordestina (especificamente de Frei Paulo, no Sergipe, cidade frequentemente mencionada na coluna), Ancelmo pede que ela ligue depois. Ele chega a ouvi-la um pouco, repete “Entendi” uma dezena de vezes e se despede
em vez de ir às ruas fazer reportagens. Marceu, por exemplo, diz que não sabe se gostaria de trabalhar na coluna caso seu chefe não fosse Ancelmo. Eles trabalham juntos há mais de 20 anos. Além do Globo, eles estiveram juntos na Veja e no Jornal do Brasil. O carinho é recíproco. Ao detalhar as qualidades de sua equipe, Ancelmo cobre Marceu de elogios. Para ele, a graça da coluna devese muito ao seu editor. Vide a palavra “saliência”, muito usada na coluna. A palavra, como várias outras expressões, vem do repertório de Marceu. Ancelmo, em uma visita à Academia Brasileira de Letras, foi agraciado com uma condecoração por resgatar a expressão antiga. Ele, é claro, fez questão de dar os créditos a Marceu. Outro elogio que Ancelmo faz é à qualidade do texto de Marceu Vieira. Além de jornalista, Marceu é es-
bicho desses...” Mas não confunda sua peculiaridade com desleixo. Na hora de escolher a figura de verdade, Ancelmo se reúne com seu time de repórters e dá palpites, pede a opinião de um, de outro, e toma a decisão final, sempre sua. Essa pequena reunião costuma acontecer por volta das 19h. As imagens da coluna de Ancelmo são, 90% das vezes, colaboração do leitor. Colaboração, inclusive, é uma palavra fundamental para o fazer jornalístico. E colaborar para a coluna de Ancelmo Gois não só é uma honra como um prazer para muita gente. Ancelmo anda com desembaraço na redação onde trabalha há nove anos. É respeitado e adorado por seus colegas. Seu nome transmite prestígio. Por exemplo: no sábado, dia 18 de setembro, Ancelmo publicou no alto do lado esquerdo de sua
coluna, com chamada na primeira página do jornal, a informação de que em Janeiro de 2011 o governo do estado do Rio de Janeiro ocuparia a Rocinha para implantar uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Essa informação veio de um modo curioso. Na reunião que define a capa do jornal do dia seguinte, Helena Celestino, editora executiva do jornal, conta que o governador Sérgio Cabral, que havia ido ao prédio do Globo naquele dia para ser sabatinado, disse a ela que a Rocinha seria ocupada em janeiro do ano seguinte. Depois de contar, Cabral pediu que ela guardasse segredo. “Eu não contei para ninguém”, explica ela “Só para o Ancelmo!” “Aqui no Globo eu sou muito mimado”, conta um Ancelmo Gois sorridente. Ao mesmo tempo, Marceu Vieira, que nessa ocasião já havia voltado das férias, fixa no computador o mesmo olhar compenetrado de Bernardo de La Peña. Dessa vez, ele não buscava um selo de Tuvalu. Ele estava selecionando no acervo de fotos do jornal uma imagem de Beth Carvalho, uma daquelas pessoas que Ancelmo adora colocar na coluna porque representa bem o Rio de Janeiro. Enquanto toda a mídia dava foco a Dilma Rousseff no ato de apoio de artistas e intelectuais à sua candidatura à Presidência da República, Ancelmo notou que lá no meio estava Beth Carvalho, ainda em cadeira de rodas, fazendo sua primeira aparição pública em um ano e dois meses. No lado direito da coluna do domingo, 24 de outubro, lá estava a fotografia de Beth Carvalho e uma entrevista feita por Marceu Vieira, em que a sambista explica os problemas de saúde que a fizeram ficar fora dos palcos por tanto tempo e fala sobre o futuro da carreira. Mais uma vez, a ideia é fruto dos olhos atentos do experiente jornalista de Frei Paulo que imprime todos os dias nas páginas do jornal O Globo o seu jeito carinhoso e engraçado e seu amor pelo Rio de Janeiro. Que a criatividade do pessoal da coluna nunca acabe .
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É dia de feira A diversão, as dificuldades e a realidade de quem trabalha em feiras livres
clientes começam a aparecer, perto das 7h. Entre três tipos de batatas, tomates, beterrabas, diversas abóboras, jilós, cenouras e ervilhas, são vendidos alguns legumes incomuns. Um jiló diferente e de tom bem escuro chamado de jiló preto, uns grãos de feijão avermelhado, conhecido como feijão corado, e outras coisas desconhecidas por quem está acostumado com fast foods.
A variedade de legumes é muita. Vários deles são desconhecidos dos jovens
Luiz de Oliveira atrás de sua barraca, entregando um saco de tomates para um frehguês regular da feira de domingo, em Bangu.
Carla Beatriz Araújo
Luiz com o pouco do sotaque português que ainda resta depois de 60 anos no Brasil. “Quem chega primeiro quer tudo fresco, quanto mais cedo, melhor a qualidade”.
“Nós acordamos antes do Sol e já me acostumei com isso” Maria das Graças, esposa e funcionária
Um pouco antes das 4h da manhã ela já está no caminhão seguindo para o centro de Bangu. Ainda é possível escutar as músicas das festas que acontecem no Bangu Atlético Clube e a rua está movimentada com pessoas voltando para casa ou procurando outros lugares para terminarem a noite. Alguns estão um pouco bê-
bados e outros, falam alto, brigam, brincam e é nesse clima que as barracas começam a ser armadas. Quando Luiz e Shirley chegam ao ponto de trabalho, alguns tabuleiros já estão montados. Existem outras pessoas que trabalham somente com a entrega das grandes peças de madeira que formam as barracas. Na feira de domingo, a Companhia Aguiar Galdino fornecem material para 100 das mais de 180 barracas. Por isso os trabalhadores chegam ao local da feira uma hora antes dos feirantes. “Eu venho pra cá muitas vezes sem dormir”, revela Felipe Oliveira, funcionário da companhia de tabuleiro. “Só depois de tudo montado é que vou pra casa dormir, aí no final da feira volto pra desmontar”, explica. Agora o trabalho é muito pesado. A barraca termina de ser montada, cerca de 70 caixas precisam ser descarregadas, abertas e os legumes colo-
cados nos seus devidos lugares. Luiz trabalha com quatro tabuleiros de 2,4 x 1 metro, um ao lado do outro. A barraca tem quase 10 metros de comprimento e um único suporte menor é montado na parte de trás. Entre uma barraca de verduras e uma de laranjas. e de frente a vendedores de carnes, temperos e bananas, Luiz monta uma das maiores barracas da feira de Bangu. O trabalho não para, Felipe e outros funcionários da firma dos tabuleiros ajudam a carregar as caixas. Por volta das 6h da manhã, finalmente com o sol aparecendo, a esposa de Luiz chega à feira para ajudar. Os três terminam a arrumação dos legumes, Maria das Graças limpa os repolhos e ensaca alguns legumes. Eles dão a opção do freguês escolher seus próprios legumes na quantidade que quiser ou comprar os sacos já fechados por um real cada. Um pouco antes de tudo ficar pronto, alguns
O dia segue com correria, muito trabalho, mas também alguma diversão. A maioria dos feirantes se conhece há anos. Luiz, por exemplo, faz a feira de Bangu há 39 anos. Muitos clientes são amigos, a fidelidade e o bom humor parecem ser a base das vendas. Todos são atendidos com um sorriso no rosto, falam sobre suas vidas, apresentam alguém novo. Avós, mães e filhas vão à feira juntas, jovens casais, mães e crianças, adolescentes, donas de casa,
Três tipos de batatas, tomate, cebola e repolho. Alguns dos muitos legumes vendidos na barraca do Luiz
aposentados, a clientela é incrivelmente variada, porém todos são tratados com igualdade. O freguês escolhe o que quiser, vai pra trás da barraca, faz piadas com o vendedor português, alguns bebem uma cerveja comprada na barraca do churrasquinho. O clima é bem descontraído. Perto de 1h da tarde o cenário começa a mudar. O movimento diminui, alguns feirantes vão almoçar, outros comem o que trouxeram de casa. Assim inicia-se a parte final de
um dia de feira. Duas e meia da tarde Luiz começa a guardar os legumes que – infelizmente – sobraram e a desmontar a barraca. Outros feirantes desmontam tudo e saem da feira antes das 2h, mas alguns poucos resistem na rua até depois da hora do almoço. Shirley Damasceno acredita que o patrão fica tempo demais na feira: “Acho que meio dia a gente podia começar a guardar tudo também. Depois dessa hora quase não tem mais movimento e tudo fica mais cansativo
porque o calor aumenta muito”, comenta a funcionária. Depois que tudo está novamente em cima do caminhão e quase não se veem mais barracas, a visão é aquela clássica que muitos esperam de uma feira: a sujeira na rua. Isso é inevitável, o trabalho é muito rápido e o que fica no chão são pedaços de produtos que não estão bons para serem vendidos. Já são 4h da tarde quando os ajustes finais são feitos no caminhão e Luiz começa a sair da fei-
ra com sua mulher. Ele já está há mais de 12 horas acordado e trabalhando. Agora, depois de uma feira boa, com muitos produtos vendidos, é hora de voltar pra casa, finalmente almoçar, tomar um merecido banho para espantar o calor de Bangu e descansar. Descansar muito, porque segunda-feira já é dia de Ceasa novamente e terça-feira tem feira em outro bairro. Para quem trabalha com isso, todos os dias são de feira e haja disposição para aguentar o ritmo.
O freguês tem sempre razão Paulo Roberto Guedes frequenta a feira de Bangu. Ele excplica porque não desistiu do comércio de rua. Fotos: Carla Beatriz Araújo
“Chega mais freguesa, aqui é mais barato!” “Pode vir, patrão, tá tudo fresquinho!” “Ó a laranja, melancia, abacaxi!” “Olha a verdura, dois é um real!” Escutando ou lendo essas frases é impossível não pensar em uma feira livre. Feiras são, quase sempre, associadas à sujeira, barulho, tumulto. Essa é a parte conhecida, que vemos sempre ao passar por alguma feira. Olhando embaixo das barracas, subindo no caminhão e desmontando as tendas, é possível conhecer o lado duro de uma das mais cansativas profissões. Um dia de feira começa numa madrugada na Ceasa (Central de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro S.A), onde os produtos são comprados. Feirante há pouco mais de 40 anos, Luiz José de Oliveira, de 65 anos, trabalha em quatro feiras por semana.
Domingo, a feira é no centro de Bangu. Na Rua Clemente Ferreira, começando na esquina do calçadão da Avenida Cônego de Vasconcelos e se estendendo até o cruzamento com a Rua Doze de Fevereiro. Um pouco mais de 250 metros de rua repletos pelas barracas de madeira e lonas vermelhas e brancas. Nas noites de sábado Luiz e sua esposa, Maria das Graças, de 61 anos, carregam o caminhão, prendem as lonas e alguns tabuleiros próprios e vão dormir o mais cedo possível. Às 3h da manhã, enquanto muitas pessoas ainda estão aproveitando a noite, o trabalhador acorda, toma café, se arruma e pega o caminhão para buscar a funcionária Shirley Damasceno – os dois trabalham juntos há 31 anos. “É muito cedo, mas é assim mesmo. Seis da manhã já chegam os primeiros clientes e tudo deve estar arrumado”, conta
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Frequentador assíduo da feira de domingo há mais de 10 anos, o comerciante Paulo Roberto Guedes, 65 anos, conta porque prefere a feira ao supermercado. O senhor não acha um esforço acordar cedo e vir aqui todo domingo? Não seria mais fácil comprar legumes, frutas e verduras em qualquer horário num supermercado? Algumas pessoas podem achar mais fácil, mas eu não acho que vale a pena. Em mercado sempre enfrento filas enormes no caixa, perco muito tempo. Aqui é mais rápido, pelo menos para mim, que sei exatamente onde vou comprar minha comida. E o mais importante é que na feira os produtos estão mais frescos, você sabe quando foi comprado, então a qualidade é melhor. Além do mais a gente já se conhece, então é garantido. O senhor sempre compra nas mesmas barracas? Claro! Feira é isso, você acaba virando amigo do cara que te vende. Depois de anos você sabe que ele não vai te passar um tomate velho pelo preço de um novo. A confiança adquirida aqui não acontece em grandes mercados, onde nem conheço o vendedor. Então, é mais do que só fazer compras? Muito mais, venho aqui também pra relaxar um pouco. Tomo uma cerveja com os amigos, compro um churrasco, levo um brinquedo ou um peixinho para os filhos e até uma flor pra minha esposa. Só por ser ao ar livre ajuda muito. A gente passa a semana toda trancado no trabalho, no final de semana é bom pegar um sol, ver gente diferente, passear. Por isso que só paro de fazer feira quando não puder mais andar.
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meninas que trabalham na Vila. Fernanda, de 35 anos, é uma figura conhecida na Vila Mimosa. Pouco receptiva no começo, se soltou entre um cigarro, um refrigerante e um farto prato de lasanha. Ela já trabalhou como segurança, auxiliar de escritório e ajudante de contador. Um belo dia, insatisfeita com o trabalho excessivo e a constante escassez de dinheiro ao fim do mês, se lançou na vida trabalhando em uma termas. Pouco depois veio para a VM. Aqui, teve uma cliente especial que se tornou sua esposa. Hoje, as duas dividem a gerência de dois bares e um trailer, que vende cerveja e cigarros, na Sotero dos Reis. Como
se a história já não fosse peculiar o suficiente, uma das filhas de Fernanda trabalha como garota de programa em suas casas. A mãe de família diz estar satisfeita com sua renda, que somada à da companheira, é de 5 mil reais por semana – quase 40 salários mínimos por mês. “Hoje, moro em uma casa própria com um quintal bem grande no Alto da Boa Vista, tenho até carro. Agora quero realizar meu sonho de conhecer a Bahia”, conta. Os dois bares de Fernanda têm 18 meninas fixas, entre elas, cariocas, paulistas e capixabas. Todas vieram por indicações de terceiros e a única regra para trabalhar em suas casas é não consumir drogas ou ser
alcoólatra. Polêmica, ela acredita que mulher gosta é de dinheiro e garante: “As feias fazem mais sucesso”. A única coisa que incomoda a empresária do sexo é a discriminação, “Na TV tudo é normal, na vida real não. Além disso, não batemos na porta de ninguém. Eles é que nos procuram”, desabafa. O grande benefício de se trabalhar na Vila Mimosa é a liberdade. As meninas não têm qualquer tipo de obrigação ou vínculo com os gerentes dos bares em que trabalham. São livres para entrar e sair a qualquer momento, podendo inclusive fazer programas em outras casas. Ao contrário de outras áreas de prostituição, ali não existem cafetões,
cada garota faz as suas próprias regras. Os dois filhos de Bruna não sabem o que a mãe faz para ganhar dinheiro, “Digo a eles que trabalho em buffet nos fins de semana”. Solteira, 37 anos, ela trabalhava em uma Delegacia de Polícia, quando ficou desempregada. “Uma amiga me convidou para entrar na vida, eu resisti. Mas quando meu filho me pediu um biscoito e eu não tive dinheiro pra comprar, aceitei o convite”, conta de cabeça baixa. Há cinco anos na profissão, chegou à VM em 2009. A escolha do nome que usa na noite tem uma explicação simples: “Era de uma inimiga minha, roubou meu namorado”. Bruna não tem Ilustrações: André de Virgiliis
Vila Mimosa, mais de mil histórias Garotas fazem até 20 programas por noite para atender demanda por sexo
André de Virgiliis Poucos negócios funcionam 24 horas por dia, 365 dias por ano. Na Vila Mimosa, uma das áreas de prostituição mais famosas do Brasil, no Centro do Rio de Janeiro, é assim: o trabalho não pára nunca. Aqui, cerca de mil mulheres ganham a vida como garotas de programa. Os 70 bares que servem como base para as meninas estão espalhados pela rua Sotero dos Reis e por quatro vielas que se esticam da rua para dentro do quarteirão. Um exército de homens e muitos vendedores ambulantes completam o ambiente sujo e mal cuidado, dominado pelo som do funk, no último volume, e pelas fartas doses de cerveja gelada. Para trabalhar em um dos bares da Vila existe uma única regra, ser mulher e maior de idade. Fora isso, vê-se de tudo, a variedade impressiona. É
possível escolher entre meninas de 18 anos e senhoras de 60; brancas, mulatas, asiáticas ou negras; vestidas ou nuas; gordas ou magras; do Rio Grande do Sul ou de Rondônia; loiras, morenas, ruivas ou até carecas. Um programa padrão tem duração de 20 minutos e sai por 30 reais. Todas as mulheres costumam cobrar a mesma quantia pelos serviços sexuais, independente de suas características físicas. Popularmente conhecido como VM, o movimento no complexo não conhece intervalos, mas o negócio fica quente mesmo entre a meia noite e o os primeiros raios de sol da manhã seguinte. Nas noites de sexta e sábado, o número de visitantes impressiona. Jovens procurando a iniciação no sexo se confundem com pais de família que conseguem aqui o que suas esposas não querem fazer em casa. A Vila é quase centenária, data do final da
década de 10. Foi fundada na Zona do Mangue, próxima à atual avenida Presidente Vargas, pelas chamadas “polacas”, mulheres de vários países do leste europeu em fuga da Primeira Guerra, que vieram parar no Brasil. Quando a prefeitura do Rio decidiu construir sua nova sede naquele local, as garotas de programa foram realocadas na Sotero dos Reis, rua bem próxima à Praça da Bandeira, onde estão há 14 anos. O comércio do sexo faz o dinheiro circular e gera renda na região. Ambulantes tiram seu sustento vendendo de tudo para os homens secos pelo prazer – refrigerantes, bebidas alcoólicas, salgados, churrasquinhos, cigarros, balas, sanduíches, caldos etc. As mulheres que trabalham no local também têm sua demanda. Há salões de beleza, vendedores de cosméticos, sapatos e roupas sensuais para as meninas.
Segundo a Amocavim, Associação dos Moradores do Condomínio e Amigos da Vila Mimosa, há 13 anos não é registrado um caso de AIDS no complexo. Alexandre
“Aqui na Vila Mimosa, são as feias que fazem mais sucesso” Fernanda
Santana, 39 anos, chefe de segurança na Vila, sabe o porquê e explica que a associação organiza, regularmente, palestras sobre sexo seguro para as garotas. Todas as terças as meninas podem ser atendidas gratuitamente em um posto médico no prédio da própria Amocavim e preservativos são distribuídos a qualquer hora, também sem custo. A Faetec, Fundação de Apoio à Escola Técnica, também ajuda as meninas oferecendo cursos de informática, línguas, corte e costura e de cabeleireiro. Alexandre, que acredita já ter visto de tudo, conta que o principal objetivo da associação é ajudar as mulheres a deixarem a prostituição. Enquanto isso não acontece, a intenção é tornar suas vidas um pouco menos sofridas. “Aqui fora, a gente ajuda na segurança, no quarto quem manda são elas”, completa o homem que conhece cada uma das
Vila Mimosa: Passado e Futuro Perto de completar 100 anos, a Vila Mimosa nasceu com a chegada de mulheres do Leste Europeu em fuga da Primeira Guerra, pobres e sem maridos. Nessa época, a Vila ficava na Zona do Mangue, próxima à atual Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio. Essas mulheres, conhecidas como “polacas”, misturaram-se às nativas ao longo dos anos, até desaparecerem completamente. Perseguidas pelas autoridades, mudaram de logradouro quase uma dezena de vezes, à medida que a cidade se modernizava. Antes de se fixar na Rua Sotero dos Reis, na Praça da Bandeira, a Vila Mimosa ocupava a área onde hoje existe a sede da prefeitura do Rio, na Cidade Nova. Quando o governo decidiu se instalar ali, a VM se alocou no prédio onde na década de 80 funcionara a TV RIO, também na Cidade Nova. Em 1994, quando a construção foi tombada, as meninas chegaram à Sotero dos Reis, onde estão até hoje. O projeto do trem-bala, que ligará o Rio à São Paulo, passa por essa área onde hoje se encontra a Vila Mimosa.
Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), porém, o trajeto só será oficializado após aprovação no Tribunal de Contas da União (TCU). Com a construção de ferrovia, moradores, pequenos empresários, ambulantes, garotas de programa e comerciantes da rua Sotero dos Reis e de seus arredores teriam que, mais uma vez, procurar um novo local para se estabelecer. A Associação dos Moradores do Condomínio e Amigos da Vila Mimosa (Amocavim) já tem um projeto pronto para a mudança de local e busca apoio para a construção. Já batizado de “Cidade das Meninas” pelas prostitutas, o projeto assinado pelo arquiteto Guilherme Ripado é dividido em dois complexos com cinco módulos, num total de 1.825 metros quadrados. Há espaços para anfiteatro, desfiles de moda, salas para cursos profissionalizantes, creche para 50 crianças, estacionamento para 70 carros, posto de saúde e escritórios. O terreno ainda não foi definido, mas a parte estrutural já está orçada em, no mínimo, R$ 3 milhões. O projeto é inspirado em traços de Oscar Niemeyer e explora a sensualidade feminina em suas linhas.
vergonha do que faz, mas ainda cria coragem para contar ao filho mais velho, de 15 anos. Sobre os programas, ela diz que já chegou a fazer 21 em uma única noite e acha graça enquanto conta alguns dos casos que considera mais bizarros: “A gente se acostuma, aqui o estranho é rotina”. O preço varia de acordo com a cara do cliente, mas normalmente 20 minutos saem por 28 reais, com oral e vaginal incluídos. “Não existe isso de escolher o homem, chegou aqui eu faço, só não aceito cara agressivo”, revela, enquanto calcula o que ganha. “Antes dava para tirar mil reais por fim de semana, agora tiro uns 500.” Bruna diz se cuidar, usa sempre preservativo e faz exame de HIV de dois em dois meses. Ao contrário de Fernanda, ela sonha em sair da vida. Já fez alguns cursos na Faetec e promete que dentro de um ano vai abrir seu próprio salão de beleza. E as garotas de programa também amam. Bruna tem um namorado, que é taxista. Ela o conheceu na VM enquanto trabalhava, ele era cliente. Seu plano é continuar com ele quando abrir seu salão, mas a situação não é tão simples. Ele é casado com uma outra menina da Vila, que já está desconfiada. Normalmente, Bruna chega à casa onde trabalha com mais três garotas, todas mais novas, às 7h da noite. Às 2h da manhã encontra o namorado que se esquiva das ligações da mulher enquanto a leva para casa em seu táxi. Descontraída durante toda a conversa, a loira de 1,70, se retrai diante da última pergunta e responde se escondendo atrás do copo de CocaCola quase vazio. “Pensar que estou indo trabalhar é a pior coisa do mundo.” O movimento na Vila Mimosa nunca cessa. E, enquanto você lê esta matéria, Bruna, ou uma de suas colegas, está em um quarto apertado vendendo seu corpo para algum desconhecido em troca de três notas de 10 reais. Quanto você gastou em seu almoço, hoje?
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Campanha nada convencional
Os bastidores da candidatura de Gabriela Leite, a “prostituta aposentada” que apresenta uma forma diferente de fazer política
O “Beijo pela vida” foi o símbolo da campanha de Gabriela Leite, candidata a deputada federal que luta pelos direitos das prostitutas
Fillipo Fabiano
U
ma reunião de amigos bem descont raída. Foi nesse ambiente que aconteceu o meu primeiro contato com a campanha para deputada federal de Gabriela Leite. No aniversário do ceramista Guilherme Toledo, a equipe da candidata organizou um bingo com amigos e conhecidos ,para arrecadar fundos para a empreitada. Entre comes e bebes, cigarros e muitas risadas, o anfitrião anuncia o discurso de Gabriela, que, bem à vontade, começa a expor os principais pontos de sua plataforma política. Gabriela Silva Leite, 59 anos, é socióloga e “prostituta aposentada”. Fundadora da ONG Davida e da grife Daspu, ela se destaca pela sua atuação em movimentos de defesa dos direitos humanos (principalmente das prostitutas). Nas eleições de 2010, concorreu ao cargo de
deputada federal pelo PV do Rio de Janeiro. Com o slogan “uma puta deputada” e grande atuação na Internet, a campanha de Gabriela repercutiu em jornais e sites de grandes veículos, gerando inclusive entrevistas em jornais europeus. A candidata defende pontos polêmicos: legalização do aborto, legalização da prostituição e do empresariado do ramo, união civil homossexual, nome social de travestis em documentos (o poder de usar o nome de mulher em documentos oficiais) entre outros. Os ouvintes fazem perguntas e expõem suas opiniões. “Estourou como uma mulher libertária. A quebra da hipocrisia. Ela representa tudo o que eu gostaria de ver no Congresso”, afirma Ariel Holmes, coordenador da campanha. Ariel trabalha voluntariamente na campanha, assim como todos os militantes da postulante à Câmara. Amigos e familiares formam a equipe
de panfleteiros, assessores, coordenadores. Tânia Ferreira, que acompanha as ações da candidata há mais de 30 anos, afirma que “o trabalho que ela faz é uma coisa muito sincera. Como deputada vai poder fazer muito mais”. Esse é outro ponto interessante da empreitada de Gabriela, a sua equipe é formada por pessoas que tem afini-
“Ela é diferente dos outros. É uma possibilidade de mudança” Ariel Holmes, coordenador da campanha
dade com seu trabalho e suas propostas. Enquanto alguns candidatos gastam milhões de reais em publicidade, a candidata só usou pouco mais de 800 reais, arrecadados no bingo realizado no início da campanha.
Foi a primeira vez que ela concorreu a um cargo público, mas Gabriela defende suas propostas com desenvoltura. A documentarista americana Laura Murray, que esteve no Brasil fazendo um filme sobre a campanha, diz que “é curioso porque ela é tímida, mas quando está em uma situação política é extremamente forte”. Fato que pude comprovar em uma panfletagem em Copacabana. Quando um eleitor foi abordado e começou a criticar os políticos, falando que eram todos iguais e só queriam ser eleitos para roubar, a pequena Gabriela, que muitas vezes precisa ser procurada por se misturar à multidão, respondeu energicamente: “Eu sou pobre, é a minha primeira candidatura”. No dia 2 de outubro, véspera das eleições, uma caminhada na Zona Sul carioca foi a ação escolhida para fechar a campanha. A ameaça de chuva e o atraso dos voluntários chegaram a
preocupar, mas enquanto aguardam a chegada dos outros membros da equipe, os militantes trabalham entregando panfletos e apresentando a candidata Gabriela, com um ótimo humor, mesmo quando suas tentativas de abordagem não eram bem-sucedidas. Tânia Ferreira tem seu desempenho reconhecido por todos os presentes. “Ela é a maior panfleteira do Brasil. Fica do lado da pessoa até convencer”, diz Ricardo Moreno. Cerca de uma hora depois, após a chegada das pessoas que faltavam, a caminhada começou. Assim como toda a campanha de Gabriela, a caminhada foi bem descontraída. Liderados por Ariel, com gritos de “Eu ando com minha candidata do lado” e “Uma mulher da vida para atender as mulheres da vida”, o grupo saiu divulgando as propostas de sua candidata. Um grupo de vendedores de chips de telefones celulares entrou na brin-
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cadeira e auxiliou Ariel nos gritos. As pessoas pararam, cumprimentam Gabriela. Os militantes se espalharam pela avenida Nossa Senhora de Copacabana, distribuindo panfletos, entraram em lojas, abordaram pedestres, até eu recebi um panfleto de Maurício Toledo, um amigo de Gabriela que chegou atrasado e não sabia que eu estava acompanhando a sua candidata. Por volta das 14h, o grupo faz uma pausa para almoçar. Enquanto recuperava o fôlego, Gabriela conversou com o marido e “militante número um”, Flávio Lenz. “É amanhã, agora que caiu a ficha”, refletia Gabriela, para dizer que não se arrependia de nenhum momento da campanha. Com o pensamento fixo na votação, garantia que sua eleição representaria uma reviravolta. Independentemente do resultado, pretendia continuar desenvolvendo ações políticas. “Vou entrar em umas ondas mais políticas, participar mais das coisas. Sendo eleita ou não, quero trabalhar com isso.” Após a parada, continuamos a empreitada, agora no sentido inverso. Mais gritos de Ariel, piadas e muitos panfletos distribuídos. São
mais duas horas de caminhada e quando todos já demonstravam sinais de cansaço, encontramos um grupo de militantes do PV que fazia campanha no mesmo bairro. Começou uma grande festa com gritos de Marina (Silva, candidata a presidência da república), canções do partido, fotos e muitos abraços. A aglomeração de pessoas chamava a atenção dos eleitores que circulam pela rua. Um amigo de Flávio que havíamos encontrado voltou e pediu mais cartões com o número de Gabriela para distribuir para parentes e amigos. Com “esperança até os fios dos cabelos, Ariel classificou a experiência como uma bela campanha. Acreditava que Gabriela teve uma boa visibilidade e muito apoio da militância do partido. Encerrou a campanha com o sentimento de dever cumprido, com orgulho de sua candidata. “Ela é diferente dos outros, não é um potencial, mas sim uma possibilidade de mudança.” O marido de Gabriela fortaleceu a opinião do coordenador: “Ela foi crescendo num pique bom. As pessoas ligam o nome dela à trajetória de vida”.
Gabriela Leite, 59 anos, ficou conhecida pela defesa também dos direitos humanos
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candidata diz ter gostado muito da experiência. Teve a oportunidade de andar por todo o Rio de Janeiro e de descansar um pouco das viagens que faz constantemente por causa de seu envolvimento com o movimento de defesa dos direitos humanos das prostitutas. “Eleita ou não, estou feliz. Mas quero muito ser eleita”,
concluiu com um sorriso. Mas Gabriela Leite não conseguiu ser eleita, ficou em 374° lugar na disputa de deputado federal do Rio de Janeiro. Teve 1.229 votos contra 73.185 de Alfredo Sirkis, o único candidato a deputado federal eleito pelo seu partido, o PV, e 13.018 de Jean Wyllys, deputado eleito com menor número de votos. Gabriela con-
tinuará na luta por seus ideais e, apesar de não ter alcançado o seu objetivo, mostrou uma maneira muito mais divertida de fazer política, quase sem recursos e com muita visibilidade. Afinal, como a própria Gabriela afirmou no dia em que a conheci: “Uma campanha engraçada é muito mais interessante que uma campanha séria”.
Gabriela festejando o dia Internacional da prostituição com amigos, prostitutas e travestis que apoiam sua candidatura
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Fotos: Divulgação
E o Oscar vai para…
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Uma escola pública de cinema revela os mistérios da sétima arte
À esquerda, a fachada simples da escola que ensina arte na periferia. À direita, estudantes discutem sobre um filme na sala de projeção
ma, melhores serão os resultados. O grande barato é que a criança não é mais simplesmente submetida ao produto pronto”, acrescenta o professor. “Ela passa a participar do processo de criação de algo que anteriormente apenas consumia.” Já os adultos têm aulas com caráter mais profissionalizante, que se dividem entre roteiro e animação. Para se tornarem
alunos, os interessados passam antes por um processo seletivo. Nesse ano, cerca de 350 pessoas concorreram às 40 vagas oferecidas anualmente. Cíntia Monsores, de 23 anos, foi aluna de uma das primeiras turmas da escola. A jovem confessa que não era muito fã de cinema. Pelo menos até conhecer a Escola Livre. “Aqui, aprendi e continuo aprendendo a entender melhor os filmes,
a ter um novo olhar”, diz Cíntia, que agora é bolsista e monitora do projeto. Por trás das câmeras Na Escola Livre de Cinema, a sétima arte é muito mais do que a simples apreensão do movimento, objetivo maior nos primórdios da realização audiovisual. Cinema é sinônimo de reflexão e transformação social. Um levantamento feito pela
direção da escola no início de 2009 mostra, por exemplo, que as atividades lá desenvolvidas melhoram o desempenho das crianças em sala de aula. De acordo com a pesquisa, os estudantes que frequentam as aulas de cinema têm um acréscimo de meio ponto na média escolar geral. Além de transformar o cotidiano das crianças e adultos que passam pela
Escola Livre, o cinema trouxe mudanças também para a cidade. Uma vez por ano, o município todo respira cinema, quando Nova Iguaçu abriga o Festival de Cinema Iguacine. No festival, a produção da escola é apresentada e acontecem mostras competitivas que reúnem filmes de todo o país. É quando cinema e periferia finalmente se encontram no telão.
Luzes, câmera, educação
Estudantes extraem do cotidiano da periferia a inspiração para os vídeos produzidos na Escola Livre de Cinema
Personagem confeccionado na aula de direção de arte foi usado para mostrar técnicas cinematográficas a alunos de região carente
Júlia Faria Um pequeno prédio de dois andares e fachada vermelha guarda os mistérios da sétima arte em um canto escondido, na periferia da periferia. Por trás da porta já com tinta gasta, adultos e crianças de origem humilde se tornam cineastas. Ali funciona há cerca de quatro anos a Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu, que tem mudado a rotina de moradores de um bairro carente da cidade localizada na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. Os estudantes assistem a filmes, discutem ideias, colocam histórias no papel. E, depois, partem para o processo de filmagem. A Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu é a primeira escola de audiovisual instalada
na Baixada Fluminense. O projeto surgiu a partir de uma parceria entre a ONG Reperiferia e a Prefeitura Municipal, em 2006. Inicialmente, os poucos equipamentos de filmagem ocupavam uma sala emprestada e apenas crianças podiam participar das aulas de cinema. Mas a história se espalhou pelo bairro e pela cidade: as crianças contavam para os pais, que contavam para os vizinhos. Em pouco tempo, jovens e adultos, surpresos com a oferta de cultura tão perto de casa, começaram a bater na porta da sala — também queriam participar do projeto. A coordenação da escola se viu, então, diante de um dilema: atender a grande e inesperada demanda com uma pequena verba destinada pelo governo
municipal. A solução foi buscar patrocínio. A prefeitura cedeu um novo espaço, maior e mais bem estruturado. Empresas da região ajudaram a custear os equipamentos. Hoje, a Escola Livre tem biblioteca, computadores e acesso à Internet, além de equipamentos de edição e filmagem.
“A câmera vira um lápis com o qual as crianças escrevem suas histórias” Barnabé, diretor da escola
A história da periferia Em uma sala escura, com as paredes pintadas
com tinta preta e porta e janelas bem vedadas para impedir a passagem de luz, grupos de crianças e adultos aprendem o que parecia improvável: fazer cinema. Anderson Barnabé, um dos diretores da escola, afirma que o objetivo principal do projeto é fazer com que os estudantes se conheçam melhor e façam descobertas também sobre o local onde vivem. “A grande preocupação da escola é que as crianças peguem a câmera e que essa câmera passe a ser um lápis na mão delas”, diz Barnabé. “Um lápis com o qual elas possam escrever as suas próprias histórias. A história da periferia não é contada.” Para contar essa história, as crianças têm aula de animação e realização fílmica. Os pequenos assistem a filmes clássicos
e recebem lições sobre a história do cinema. Criam histórias e aprendem noções de como elaborar um roteiro. Até pouco tempo, Jean Bernardo Nogueira, de 10 anos, não imaginava que, para chegar ao resultado final que ele vê na TV, um filme precisava ser trabalhado no computador. Hoje, o que ele mais gosta de fazer na Escola Livre de Cinema é editar imagens. “Eu gosto de mexer no Afterteffects [programa de computador para criar efeitos visuais], mexer com a imagem, colocar som no filme”, conta o menino. Segundo Diego Bion, professor das turmas infantis, a assimilação dos conteúdos varia de criança para criança, de acordo com a maturidade de cada uma. “Mas quanto mais cedo elas forem apresentadas ao universo do cine-
Uma praça abandonada. Uma velha fofoqueira. Um mercado chamado Casa do Sabão. Uma caça a rãs. Pequenos detalhes do cotidiano das crianças de Miguel Couto são a inspiração para os vídeos produzidos na Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu. Em A praça, as crianças fazem um protesto contra o abandono de uma praça localizada bem no centro do bairro. O que pode ser feito para ter um espaço mais bem cuidado? E para ter mais segurança em Miguel Couto? Segundo as crianças, há uma solução mais eficaz do que as câmeras de segurança para monitorar o cotidiano da região. É o que mostra a animação A Velha Fofoqueira. Já no vídeo A casa do sabão, as crianças tentam descobrir por que o mercado tem esse nome. Será que lá só vende sabão? Esses são alguns dos vídeos produzidos na Escola Livre de Cinema e que podem ser vistos no site Youtube.
Estudantes confeccionam personagens em massa de modelar para uma animação coletiva
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P o r b a i xo do s panos do Cantão NO 18 - 2010/2
Nossa repórter teve acesso ao escritório de uma das marcas brasileiras mais legais e
Arara de roupas de coleções passadas do Cantão: devido ao sigilo, as novas coleções não puderam ser fotografadas para a matéria
Cinthia Pascueto “Militarismo”, “navy”, “releitura do shape sessentinha”, “clogs”, “tons pastéis”, “floral liberty”. A cada desfile, as grifes apresentam o que será tendência na próxima estação. O que vai estar na moda nos próximos meses não depende apenas da mente inventiva dos estilistas, mas de todo um trabalho que demanda conhecimento da história da moda, viagens de pesquisas de tendências, tecidos, estampas e muitos outros. Para descobrir como é estruturado todo esse processo por trás das roupas apresentadas nos desfiles, visitei o escritório criativo – onde ficam os departamentos de estilo, programação visual e marketing – do Cantão, marca genuinamente carioca, criada em 1967 pelo então casal Leila Barreto e Peter Simon, com forte inspira-
ção no Flower Power, característica que é mantida até os dias de hoje. Desde o agendamento até o dia da entrevista, o clima foi de mistério e sigilo. Precisei seguir uma série de recomendações que protegiam as coleções futuras que já estavam sendo criadas, como fotografar apenas o que fosse permitido e sob supervisão. Assim, no horário marcado em uma terçafeira de outubro, cheguei um pouco receosa ao escritório – montado em um prédio escondido atrás de um muro bastante alto no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro – para conversar durante uma hora com os responsáveis pelos departamentos de criação da Cantão. A primeira pessoa com quem conversei foi o gerente de marketing, Rick Yates. A preocupação quanto à dificuldade em obter informações
que fossem interessantes para a matéria, depois de tanta recomendação recebida logo no agendamento, dissipou-se logo que Yates me atendeu em seu escritório. Uma das paredes de sua sala é ocupada por um painel com a missão da marca: “Cantão é moda de viver bem”.
Essa missão traduz satisfatoriamente a identidade de alegria, calor, leveza e sensação de liberdade que, segundo o gerente, a marca busca imprimir em suas roupas. Essas características estão relacionadas com o surgimento do Cantão na Cidade Maravilhosa, embora há alguns anos
venha sendo feito todo um trabalho de marketing para ampliar essa visão. “O Cantão está deixando de ser tão regionalizado, e tornando-se mais cosmopolita”, explicou Yates. A marca conta atualmente com 36 lojas em 12 cidades brasileiras, além de 820 pontos de venda. “É importante ter em mente
O gerente de marketing Rick Yates diz que “Cantão é moda de viver bem”
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expressivas do mercado para mostrar como é o processo de criação das peças-desejo essa abrangência e a imagem que a marca deseja passar ao consumidor ao elaborar uma nova coleção”. Foi considerando essa imagem de um Cantão cosmopolita que a coleção de verão 2011, apresentada na última edição do Fashion Rio, em junho, começou a ser desenvolvida. A primeira reunião entre as equipes de marketing e programação visual foi realizada no Parque Lage, quando foi pensado o primeiro mote da coleção: o realismo fantástico. “Ao levarmos o tema para o pessoal do estilo, eles sentiram a necessidade de um algo que fosse mais concreto, que pudesse ser traduzido em produto”, disse Yates. Nesse papo, surgiu o tema “Céu” – mas não um céu qualquer. “Precisava ser o nosso olhar particular, prezando nosso DNA, nossa autenticidade e originalidade. O tema então foi definido como o céu sob a ótica do realismo maravilhoso. Desde o catálogo e a campanha até o desfile, mantivemos essa atmosfera de sonho. Por isso nas estampas há uma brincadeira com a propor-
Quadro de referências de estilo para a coleção de inverno 2011 tinha animal print e jaquetas aviador
Cada coleção do Cantão produz em média 800 itens, que devem atender o gosto do consumidor
Entrada do escritório do Cantão: 820 pontos de venda
ção, a nuvem tem uma cor artificial”, descreveu o gerente. A definição do tema de cada coleção é fundamental para desenvolver os caminhos gráficos concebidos no departamento de programação visual da marca, comandado pela gerente Mariana Egert. Atualmente, esse setor conta com sete designers e é responsável por desenvolver toda a comunicação da marca, que engloba concepção de campanha, catálogo, embalagens, etiquetas, sinalização de produtos, botões, estamparia, anúncios e material de ponto de venda. Esse departamento parte da temática que será abordada e aponta os caminhos gráficos, trabalhando de uma maneira bem solta. A cada início de coleção, por exemplo, são feitos alguns brainstorms (em inglês, tempestade de idéias, que significa expor pensamentos aleatórios inspirados em determinado tema, até alcançar a idéia final) fora do escritório, para fazer sujeira, pintar, desenhar, ou fotografar coisas que
servem de matéria prima, bruta. “Nós vamos a campo, pesquisamos em livros e na internet, discutimos, filtramos e tentamos identificar quais os interesses e os caminhos a serem seguidos”, especificou a gerente. A estampa é o primeiro passo projetado pelo departamento de programação visual, pois demandam um tempo muito maior. “Depende da impressão das estampas no tecido para bater os testes. É um processo mais demorado e depois de tudo pronto é que o estilista começa a enxergar onde ele vai usar isso, onde ele vai usar aquilo”, explicou Mariana. São produzidas cerca de 30 estampas corridas por coleção, e uma média que varia de 60 a 80 estampas localizadas, dependendo da estação. Todas as estampas são criadas internamente, pelo próprio Cantão. A antecedência da programação visual é tanta, que o verão do ano seguinte já começou a ser pensado. “É tudo bastante acelerado. Como nosso departamento engloba várias
etapas, trabalhamos até três coleções ao mesmo tempo”. Em paralelo, o departamento de estilo trabalha a todo vapor, pesquisando as tendências de modelagem e cores mundo afora. Para a coleção de inverno, que não pôde ser mostrada até o fechamento desta edição, foram feitas viagens para Londres, Paris e Japão. Segundo o coordenador de estilo Guilherme Gaspar, o Cantão já definiu algumas macrotendências para o inverno, como o militarismo e a jaqueta aviador, que apareceu bastante em diversos desfiles internacionais. Cada coleção do Cantão produz em média 800 itens, que devem atender ao máximo o gosto e o desejo do consumidor. “Nossa é marca é de volume e é uma marca jovem, então não podemos vender um produto muito distante do consumidor. Por isso, precisamos viajar para as principais capitais da moda para ver para onde o mundo está indo, por mais que seja necessário manter a referência local”, explicou Gaspar.
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O sangue da editoria de polícia
Violência faz parte do dia-a-dia da cobertura de polícia no jornal O Povo do Rio
A reportagem aérea
Jornalistas cobrem apresentação de preso na 32ªDP: perguntas difíceis fazem parte do dia-a-dia da cobertura de polícia
da televisão mais à frente começam a fazer toda a sorte de perguntas ao preso, que se declara culpado. Sem piedade, disparam perguntas como: “Você estava drogado?”, “Se arrependeu do que fez?”, “Você se acha um monstro?”, “O que você teria a dizer à família da menina nesse momento?”. Favelas, delegacias e locais de tiroteios são os últimos lugares onde a maioria das pessoas gostaria de estar, ainda mais diariamente. Mas é a rotina dos jornalistas que cobrem a editoria de polícia. Eles ficam cara a cara com traficantes, estupradores, ladrões e outros criminosos e vêem de perto o sofrimento de vítimas e familiares. É necessário ter coragem, sangue frio e estômago. Mesmo assim, o trabalho de levar essas notícias a público divide opiniões. A editoria é às vezes é acusada de explorar a miséria, a desgraça e de ser apelativa. Se há um lugar em que o clichê “só notícia ruim vende jornal” não poderia ser mais verdadeiro, é na primeira página de um jornal popular. Diferentemente dos jornais mais elitizados, onde em geral, economia e política são consideradas editorias de maior importância, no
jornal popular esse status depois das 8h, e junto com cabe à editoria de polícia. o fotógrafo já desce as “A cobertura de polícia é escadas do prédio em direa nossa prioridade”, afir- ção ao carro reportagem. ma a chefe de reportagem Agora com o motorista, a do jornal O Povo do Rio, equipe está completa. Isso porque é fundamental que Paula Carvalho. Uma das primeiras a o fotógrafo, o motorista e o chegar à redação às 8h repórter trabalhem juntos da manhã, ela já vai mon- e em sintonia. Às vezes é tando uma pré-pauta na o fotógrafo quem sugere o cabeça com as notícias caminho mais rápido e ouque acompanha através do tras vezes o motorista se torna fonte de rádio no camiinformações nho. É preciso “As valiosas. Na também confepessoas são manhã do dia rir a internet e fazer a ronda, manipuladas 4 de novembro, Marcelo, ou seja, ligar e nem o motorista para todos os e o fobatalhões e percebem” Gaúcho tógrafo Caio delegacias de Marcelo Amy saem polícia para Fernandes para apurar verificar se duas pautas. há alguma Após um peocorrência que possa ser noticiada queno debate é definida a e checar e apurar as in- rota que o veículo seguirá, formações recebidas de aproveita-se o tempo da outras fontes. Em uma viagem para ler os jornais, cidade como o Rio de Ja- bater papo e fazer um neiro, onde a violência é lanchinho. Na delegacia de políconstante no dia-a-dia, notícias surgem o tempo cia da Penha (22ª DP), foi inteiro e pauta de polícia é registrada a apreensão de uma mochila com drogas, o que não falta. Marcelo Fernandes, fogos de artifício e equium dos repórteres do pamentos de rádio, feita jornal, há três anos na edi- por policiais do batalhão toria, conta que não houve de Olaria. Não haveria um dia sequer em que ti- apresentação do preso e vesse ficado na redação os dois PMs responsáveis pela ocorrência não fasem algo para apurar. Ele recebe as pautas lam muito a princípio. O assim que chega, pouco repórter pede permissão
para fotografar a mochila com os itens e sugere que seja colocado um papel com a identificação da unidade, “para dar uma moral para o batalhão”. Palavras mágicas proferidas, o fotógrafo Caio Amy faz alguns cliques enquanto o jornalista conversa com os policiais. Pronto, o jornal conseguiu uma foto exclusiva para matéria, que ganha mais destaque. A experiência, Marcelo explica, ensina alguns macetes. “As autoridades sempre querem mostrar serviço. Você faz um elogio, dá uma bajulada, infla o ego do informante e consegue uma informação exclusiva, uma fotografia. As pessoas são manipuladas e nem percebem.” O dia-a-dia exige esse tipo de astúcia, principalmente nas situações mais arriscadas. Nas ações da polícia a estratégia é ir pelos cantos e sempre atrás dos policiais. Para o fotógrafo esse tipo de circunstância é ainda mais perigosa, pois para conseguir “aquela foto”, a emblemática e impactante, que traduz perfeitamente o fato, esses profissionais acabam tendo que se aventurar mais. Caio Amy, já experiente nesse tipo de cobertura, no entanto, garante que sabe se cuidar.
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Conheça de perto o Globocop, a aeronave mais famosa do jornalismo brasileiro Lucas Conrado Silva
Beatriz Corrêa No dia 31 de outubro deste ano, o corpo de Camila Evangelista da Conceição, de 10 anos, foi encontrado enrolado em um lençol e jogado em uma lixeira no Morro da Providência. Ela foi estuprada e depois assassinada a golpes de faca. O crime chocou a comunidade e poucos dias depois Jonas Marcolino da Silva, de 35 anos, foi identificado como o autor do crime e preso pela polícia. No dia marcado para a apresentação do suspeito, a porta da Delegacia de Homicídios, na Barra da Tijuca, se encheu de repórteres de televisão, rádio, internet e jornal. Entre eles estavam o jornalista Marcelo Fernandes e o fotógrafo Pedro Teixeira, do jornal O Povo do Rio. Enquanto aguardavam na porta da delegacia, os profissionais da imprensa trocavam informações sobre os crimes e especulavam a possível apresentação de outro detido. Foi confirmado que além de Jonas, um soldado paraquedista acusado de assassinato seria apresentado. Alguns minutos depois, a polícia conduz os jornalistas a uma sala onde, na presença do delegado responsável, Felipe Ettore, os suspeitos seriam mostrados. Antes que chegue o primeiro, os repórteres apuram com o delegado os fatos do crime, as teorias da perícia e as informações sobre a pena. Enquanto isso, cinegrafistas e fotógrafos, já posicionados mais à frente, direcionam as lentes de suas câmeras para a porta. Ladeado por policiais, entra na sala Jonas Marcolino. Abaixando a cabeça ao máximo possível, ele dificulta o trabalho dos fotógrafos que se abaixam e se inclinam para conseguir uma boa foto de seu rosto. Com a permissão do delegado, os repórteres
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Quarta-feira, 25 de novembro de 2010. Uma coalizão das Polícias Civil, Militar e Federal com a Marinha do Brasil invadiu a Vila Cruzeiro, na Zona norte do Rio de Janeiro. A ação era uma resposta ao ataque de criminosos na capital e Baixada Fluminense. Havia mais de uma semana que bandidos praticavam arrastões, queimando carros e ônibus em diversos pontos da cidade, forçando o governo a tomar uma atitude drástica. No meio da tarde, a imagem de centenas de criminosos correndo pelo meio da mata chamou atenção de todo Brasil, levando o país para a frente da TV. Francisco de Assis, operador de câmera que estava a bordo do helicóptero de reportagem da Rede Globo, viu tudo do Globocop: “Nós estávamos voando quando recebemos a informação de que havia uma troca de tiros entre traficantes e a Polícia Militar. Começamos a procurar e verifiquei que havia traficantes atirando. Eram uns 15 ou 20. Quando fizemos a outra imagem, dos bandidos fugindo pela mata, carro e moto pegando traficante, eu falei ‘caramba, não existe isso!’ Era muito mais de 100 traficantes. Em comparação com essas imagens, aquela outra que fiz dos 15 ou 20 não era nada”. Não apenas em acontecimentos como a invasão da Vila Cruzeiro, mas também para noticiar o trânsito, acidentes e incidentes, partidas de futebol e até corridas de Formula 1, os helicópteros são uma importante ferramenta para as emissoras de televisão e rádio informarem o público de forma instantânea e mostrar um ângulo diferente dos fatos. Quando assiste ao noticiário, o público vê apenas as matérias finalizadas. Mas o que acontece por trás das câmeras? Como é a preparação do helicóptero, tripulação e repórteres?
Como é feita a reportagem aérea? Fomos à Central Globo de Jornalismo e ao hangar do Globocop, o helicóptero mais conhecido do televisão brasileira para desvendar essas e outras questões. Globocops Atualmente, existem três helicópteros equipados para reportagem à disposição da Rede Globo. Dois dele são o modelo mais conhecido do Globocop, o Eurocopter AS350-B2 Esquilo, ficando um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro. Além destes, existe ainda o Robinson R44, menor e utilizado quando o Esquilo está fora de operação. Ele também é usado em coberturas especiais, como as invasões ao Complexo do Alemão e Vila Cruzeiro em novembro e as enchentes no Rio de Janeiro. Apesar de estar a serviço da Rede Globo, os helicópteros são operados por uma empresa terceirizada, a Helisul. A função principal do Globocop é atuar na faixa Radar RJ, que, diariamente, mostra o trânsito na manhã do Rio de Janeiro. A faixa, que era independente, acabou anexada ao Bom Dia Rio, na última reforma por
Para fazer suas coberturas aéreas, a Rede Globo utiliza dois helicópteros: O principal é o Eurocopter AS350-B2 Esquilo e o secundário é o Robinson R44. Fabricado desde 1975, o Esquilo é utilizado por diversas emissoras de televisão e rádio, forças policiais, forças armadas e equipes de resgate no mundo inteiro. Atualmente, o Esquilo tem suas peças fabricas na Europa e montadas na Helibrás, uma das duas fábricas de helicópteros da América Latina, localizada em Itajubá, interior de Minas Gerais. O Globocop conta com seis câmeras, painéis para edição de vídeo e som, gravador e antenas de transmissão de imagens.
qual o jornal passou. Além amostra de combustível, do Bom dia Rio, o helicóp- para verificar se está livre tero pode ser utilizado em de água e impurezas. Deoutros programas, como os pois o motor é aberto e os noticiários da Globo News, mecânicos avaliam se não programas esportivos e até ocorre nenhum vazamenmesmo o Mais Você, apre- to de óleo ou combustível sentado por Ana Maria e se todas as peças estão Braga. Juarez Passos, chefe bem apertadas. Para fade Reportagem da Editoria cilitar a manutenção, o Rio da TV Globo, explica: motor é dividido em di“Fora do factual, há todo versos módulos, partes um planejamento de maté- removíveis e substituíveis. ria em que os produtores já “Se um desses módulos solicitam com antecedência der problema, você o retira o helicóptero. Essa solicita- e envia para a fábrica, que ção vem com um roteiro empresta outro, para que o descrevendo as imagens helicóptero não fique inutilizável”, explica que precisam Sandro. Após e, na hora da gravação, um “Quando os motores, os mecânicos produtor vai fizemos a verificam as junto”. hélices, proimagem dos curando por Um dia traficantes defor m a ç õ e s comum Às 5h da na mata, eu ou trincas que podem derrumanhã, faltandisse: Isso bar o aparelho. do mais de duas Essa operação horas para o conão existe!” leva entre 45 meço Bom Dia minutos e uma Rio, a equipe de hora. mecânicos do Enquanto o helicóptero Aeroporto de Jacarepaguá trabalha no Globocop. O é levado do hangar para o helicóptero passa por uma pátio do aeroporto, o resérie de revisões para que, pórter chega e sobe para às 5h45 esteja na pista para uma pequena sala, onde se decolar. O mecânico San- maquia e revisa no comdro Henrique explica que putador a pauta do dia. a inspeção começa com “O repórter que sobe no a coleta de uma pequena Globocop passa por um
Conheça o Esquilo
Capacidade: 1 piloto e 6 passageiros (3 no caso do Globocop) Peso máximo de decolagem: 2.250 Kg Peso vazio: 1200 Kg Velocidade Máxima: 287 km/h Velocidade de Cruzeiro: 246 km/h Teto de serviço: 4600m Comprimento: 10,93m Altura: 3,34m Diâmetro do rotor: 10,69m (fonte: http://www.helibras.com.br/produtos_det.php?id=2)
treinamento”, explica Juarez. “Ele sai uma semana no helicóptero treinando as funções que desempenhará no ar e se acostumando com a máquina. Muitos acabam não se acostumando, passam mal, têm medo. O treinamento do repórter é mais simples, o operador de câmera é quem treina mais”. Isso porque cabe a ele operar as duas câmeras externas do helicóptero, a mais poderosa localizada no bico da aeronave e outra menor, perto do rotor de cauda. Apesar de o Esquilo ter capacidade para carregar até seis pessoas, o Globocop leva entre três e quatro. A tripulação normal é composta pelo piloto, operador de câmera e o repórter. Em ocasiões especiais, um entrevistado é convidado a voar com a equipe. Atualmente, existem diversos repórteres que se alternam na cobertura aérea da TV Globo, no Rio. No dia em que a matéria foi feita, Fernanda Grael estava escalada para o voo. Fernanda Grael é repórter desde 2004. Após atuar como estagiária, foi efetivada como repórter pela Globo News. Ela ficou no canal por assinatura até o início de 2010, quando
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Foto: Lucas Conrado Silva
migrou para o RJTV. Fernanda começou a treinar no Globocop quando completou seis meses na TV Globo. “Dentro do helicóptero tem alguns botões para o repórter controlar a imagem, o som, ter acesso às imagens das câmeras do Globocop e aquelas que vão ao ar. Você controla isso, saí três dias para treinar”, explica. Mas, a maior dificuldade que Fernanda teve ao começar as matérias a bordo do helicóptero foi outra: “Por mais que você conheça o lugar, perde algumas referências quando o vê de cima. Você demora a entender que aquela rua pela qual passa todo dia é assim vista de cima”. Além disso, a repórter explica que diariamente o helicóptero passa por lugares que ela não conhece, o que a força a estudar muito o mapa da cidade. Mas nem tudo é dificuldade na cobertura aérea: “O mais legal é que é tudo dinâmico. Por exemplo, a gente está na Barra da Tijuca (Zona Oeste do Rio de Janeiro) e o rádio nos passa que houve um acidente na Linha Vermelha, perto da Ilha do Fundão (Zona Norte, a aproximadamente 25km da Barra da Tijuca). Em cinco minutos a gente está lá ao vivo! Por isso o Globocop faz tantos fla-
grantes, porque é muito rápido. O que é desafiador. As vezes você fala que o trânsito está lento em certa parte da cidade e, no tempo até chegarmos lá para mostrar a lentidão, ele já flui com facilidade. Isso exige atenção e poder de improvisação”, conclui. Para fazer essas imagens em tempo real e em alta definição, o Globocop recebeu uma série de equipamentos. Além das duas câmeras externas, existem mais quatro câmeras instaladas no interior do helicóptero, que podem filmar o repórter sozinho ou acompanhado do entrevistado. As imagens passam por um equipamento para gravação no próprio Globocop e também são transmitidas por microondas para a Central Globo de Jornalismo, no bairro do Jardim Botânico, de onde são transmitidas para todo o Brasil. Além disso há controles de corte de imagens e sons para o repórter e o operador de câmera. Juarez explica que o Globocop tem uma dupla função. Além de transmitir as notícias que vão ao noticiário, as imagens em off (que não vão ao ar) servem para mostrar aos editores dos jornais a situação que estão cobrindo de um ponto de
vista mais amplo, podendo, inclusive, interferir na cobertura dos repórteres em terra.
O Globocop obedece às regras que regem o voo dos demais helicópteros. Existem horários, locais e condições meteorológicas que impedem o voo. Segurança O Globocop é uma importante ferramenta na cobertura jornalística, mas não deixa de ser um helicóptero, no sentido em que é regido pelas mesmas regras dos demais helicópteros da cidade. Por estar baseado no Aeroporto de Jacarepaguá, segue as mesmas normas das outras aeronaves dali. Em dias de tempo ruim, a decolagem é proibida. “Já aconteceu do helicóptero decolar, mas ter de voltar porque o tempo não ajuda-
va”, explica Juarez. O chefe de reportagem afirmou que em Jacarepaguá, os pilotos têm um mapa do Rio de Janeiro que mostra os lugares por onde podem voar e onde é proibido. Em favelas ocupadas por traficantes, o perímetro onde estão expostos às balas dos fuzis é marcado nas cartas aéreas como um local fechado. Na cobertura das ações policiais na Vila Cruzeiro, em novembro de 2010, houve um cuidado especial, como conta Assis: “Aquela área é perigosa, até porque a gente já tem uma passagem triste por ali, que foi a perda de um jornalista da TV Globo, o Tim Lopes”. Em 2002, enquanto fazia uma reportagem sobre a exploração de crianças e adolescentes em bailes funk, o jornalista foi descoberto, torturado e morto por traficantes locais. Sua morte trouxe uma série de modificações na forma de se fazer reportagens, visando uma maior segurança dos repórteres. Além das regras de segurança, o Globocop segue outras regras da Anac. Em áreas residenciais, como o Jardim Botânico, onde está localizada a Central Globo de Jornalismo, helicópteros só podem decolar entre as 7h e as 22h, impossibilitando a decolagem a tempo de
fazer o Bom Dia Rio. Por esse motivo, a base do Globocop fica no aeroporto. Ali, entre as 5 e 22 horas, existe uma equipe de plantão para decolar em até 10 minutos e fazer uma reportagem aérea. Fora desse horário, caso precisem fazer uma cobertura com o Globocop, um carro da emissora leva o repórter de plantão do Jardim Botânico para Jacarepaguá, onde o helicóptero o espera. Mobilidade e velocidade são duas características importantíssimas da cobertura aérea, mas não são as únicas. Se fossem, o helicóptero, cuja manutenção é cara, perderia espaço para os flagrantes cada vez mais comuns registrados por câmeras digitais e celulares. “Essas imagens não servem para o factual porque, apesar de recebermos com rapidez, a qualidade em geral é baixa e precisamos convertê-las para um formato que permita transmitir, o que leva tempo”, afirma Juarez. “Além disso, o cidadão está em terra. Nós filmamos de cima, num ângulo diferente e mais amplo”, completa. Como o voo é restrito a poucas pessoas, a função do Globocop e de outros helicópteros de reportagem estará assegurada por um bom tempo.
UPP: a nova geração policial
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Policiais do Santa Marta fazem das ações de cidadania dentro das favelas uma rotina Bianca Mina “Uma rotina como outra qualquer”, descreve o Sargento Gilson o trabalho na Unidade de Polícia Paciicadora (UPP) do Santa Marta. Ele chega de manhã, faz as rondas e passa o serviço para os colegas. No entanto, o “bom dia”, o “boa tarde” demonstram que algo mudou. Em tempos de atuação nas zonas de conflito, chegar em casa vivo era um alívio, hoje uma certeza. Para o Cabo Damião, policial da UPP no Santa Marta há 3 anos, a tensão de ser policial em uma área em que o entorno não tinha segurança e ainda era tomado pelo trafico não pode ser comparada ao dia-a-dia na comunidade de Botafogo. Ao contrário do que ocorreu na Vila Cruzeiro, onde atuava no projeto Grupamento de Policiamento em Áreas Ambientais (GPAE), no Santa Marta o policial se sente livre pra ir e vir. Chegar de madrugada na comunidade não representa mais uma ameaça. Santa Marta é uma favela localizada no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro e que se tornou famosa por ter sido palco do clipe They Don’t Care About Us de Michael Jackson, que foi “autorizado” pelo Marcinho VP, na época um dos traficantes mais procurados pela polícia. A comunidade, que viveu momentos de terror no final dos anos 80, se encontra ocupada pela Policia Militar do Rio de Janeiro desde 2008. Dentro de um programa de ocupação permanente da região, a favela transformou-se em um laboratório de políticas de segurança pública e sociais. Os índices de violência despencaram e os tiroteios não existem mais. Apesar disso, ainda há um extenso caminho a percorrer para a total integração e urbanização da comunidade. Em quase três anos de atuação, a UPP passou a conhecer bem os problemas que fa-
Policias no Santa Marta em sua maioria jovens comandados pelo Cabo Damião (2ª da esquerda para a direita)
zem parte de uma comuni- balas e sempre com a mão dade historicamente mar- nas pistolas. A favela está ginalizada e que teve que em paz, mas não é difícil criar suas próprias regras perceber a tensão. A intede sobrevivência. gração da Polícia Militar O Santa Marta ainda é com os moradores no Santa considerado uma área ver- Marta traz resultados, mas melha. O tráfico armado o Sargento Gilson admite acabou, mas ainda não se que a presença policial ainpode afirmar que o con- da gera desconfiança por sumo e a venda de drogas parte da comunidade. também se encerraram. A idéia de que na favela Além do mais, a comuni- só tem bandido tem mudade ainda sofre forte in- dado gradativamente com fluências do poder paralelo. a mentalidade de que a Pessoas que antes tinham policia só entra para matar. alguma ligação com a cri- Hoje o projeto Santa Marta minalidade ainda perma- não é só bom para o moranecem como dor, de certa moradores forma asse“Pessoas da região. Os gura também 120 policiais, passando mal, a integridade os cinco Pospara o poliparturientes e tos de Policia cial. Nesse C o m u n i t á - brigas de casal sentido, a ria (PPCs), equipe de são hoje as s e g u r a n ç a s a patrulha que circula em ocorrências formada 24 horas e a sua maioria mais aproximação por recrutas dos policiais juntamente frequentes” com a comucom alguns nidade reflete policias anparadoxalmente a insegu- tigos foi fundamental para rança e a ameaça de que promover um policiamento o Santa Marta faça parte mais humano. apenas de um projeto poNo lugar da repressão, o lítico com data e hora para trabalho comunitário e asacabar. sistencial. Pessoas passanPoliciais com fuzis fa- do mal, parturientes e brizem a cobertura, um em gas de marido e mulher são cada ponta do grupo. PMs hoje as ocorrências mais acompanham os visitan- frequentes. Quando existe tes com coletes a prova de algum tipo de problema na
comunidade, os moradores entram em contato com a major Priscilla, que possui uma linha direta com o presidente da associação, facilitando o trabalho dos policiais dentro da favela. O Morro Santa Marta como primeira comunidade a receber uma Unidade de Polícia Pacificadora estreou também a UPP Social, projeto com o objetivo de reintegrar as favelas à cidade do Rio. A secretaria de segurança, juntamente com outros órgãos subiram o morro com o objetivo de aliar segurança a garantia de direitos básicos do cidadão. A base dos projetos sociais é na UPP, mas eles acontecem em toda a comunidade. O foco do Dona Marta são as crianças. O morro recebeu uma creche reformada, um campo de futebol, adaptação para internet comunitária além de um Centro de Educação Tecnológico e Profissionalizante (Cetep), que oferece diversos cursos gratuitos. Com a tomada de morros pelas Unidades Pacificadoras, é cada vez mais comum observar o envolvimento dos policiais com projetos sociais. No Morro da Providência, por exemplo, adolescentes de 15 anos viveram um dia de princesa em um baile de
debutantes organizado por um capitão da Unidade de Polícia Pacificadora. Na comunidade de Botafogo, um dos projetos foi movido pelo Soldado Faria que ministra aulas de karate. Quando foi instalado o projeto na própria da sede da Upp, havia pouco mais de cinco crianças, hoje o projeto conta também com adolescentes e falta espaço para todas elas. Na sede da UPP, localizada no ponto mais alto do morro, um senhor questiona: “Gostaria de saber se vai ter realmente segurança?” A pergunta referia-se a um passeio organizado pela própria polícia comunitária, um projeto para o dia 12 de outubro que levaria crianças da comunidade para conhecerem pela primeira vez o Maracanãzinho. Segundo o Sargento Gilson, dificilmente seria possível isso acontecer na época do domínio do tráfico. Para Andréia Miranda que mora há 30 anos no morro, a chegada da UPP representou diversos avanços sociais. Saber que os filhos poderão ter um futuro melhor é um conforto. Em tempos em que admitia cuspir no chão ao ver um policial, hoje abre as portas de casa e pergunta: � Quer tomar um café?
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Por trás de um voo internacional
Tripulação de vôo Paris-Rio mostra a rotina dos comissários e pilotos nos aviões Julia Güttler São 6 horas da tarde. No horário em que a maioria da população está voltando do trabalho, Jean-Michel Martin segue de trem em direção ao aeroporto Charles de Gaulle em Paris. Está escalado para trabalhar em um vôo que decola as 23h20 com destino ao Rio de Janeiro. Como a grande maioria dos comissários de bordo da companhia Air France, Jean Michel não mora em Paris e por isso sua rotina de trabalho começa mais cedo. Ao chegar no aeroporto ele se dirige a sede da empresa onde, de modo a atender as exigências rigorosas em relação a imagem de seus funcionários, faz a barba e passa seu uniforme impecavelmente branco. Uniformizado, insere seu crachá em um terminal que faz uma espécie de check-in online, confirmando, assim, sua presença no vôo para o qual foi escalado. Também é neste terminal que o comissário é informado da sala em que será realizada a reunião que antecede todas as decolagens. Na rotina aérea, tanto os comissário quanto os pilotos recebem a escala de vôos apenas no final do mês anterior. Caso precisem faltar, uma equipe que está no chamado período de reserva é acionada para substituí-los. Os funcionários em reserva ficam baseados no aeroporto com uma espécie de pager, e são acionados a qualquer momento para partir em direção um dos destino proposto pela companhia. Uma vez por ano, todos os funcionários experimentam esse período e a incerteza do destino dificulta a preparação da mala ou mesmo a organização da vida pessoal. “É um época em que nada é certo, você pode decolar, ou passar três dias em Paris, o que para mim é muito pior, pois eu moro em Lyon”, diz Jean-Michel,
que, durante essa fase do ano, fica hospedado em um hotel do aeroporto. São 21h20; começa o briefing dos comissários. São nessas reuniões que a equipe é apresentada e as tarefas e horários de repouso divididos entre eles. Nos vôos da Air France não há postos fixos, os comissários podem trabalhar em todas as classes e exercer divisões de trabalho diferentes. Na vida aérea também não há equipes fixas e cada vôo significa lidar com pessoas diferentes, fato que Jean-Michel Martin avalia como positivo: “Se você trabalhou com alguém insuportável um dia, é quase certo que no próximo vôo não encontrará essa pessoa”. Cerca de 14 mil comissários de bordo e 5 mil pilotos trabalham para a companhia francesa e, por isso, não é tão comum encontrar pessoas com as quais já se trabalhou anteriormente. As tarefas divididas entre os comissários são preparação da comida, serviço ao público na classe econômica, executiva ou primeira. Os clientes variam muito em função de sua cultura. Pascale Lavoir, chefe de cabine da empresa há sete anos, diz que um vôo para o Brasil, por exemplo, é muito mais cansativo do que um vôo para o Japão. “ Os brasileiros não dormem, falam muito e se levantam o tempo todo, enquanto os japoneses são mais calmos e ficam sentados em seus assentos, o que facilita muito o trabalho.” O posto na classe econômica também é considerado mais cansativo em função da quantidade maior de passageiros. São 21h40 e, enquanto os comissários de bordo organizam seu trabalho, o briefing dos pilotos está ocorrendo em outra sala. Nele são discutidos essencialmente aspectos técnicos referentes ao equipamento, à rota e à
meteorologia. Além disso, é calculada a quantidade de combustível necessária em função do percurso e do peso total da aeronave. No final as duas reuniões convergem e toda a equipe é apresentada. Às 22h30, após os briefings, a equipe se dirige
ao ônibus que irá levá-la diretamente para o avião. Pilotos e comissários passam pelo mesmo processo de segurança que os passageiros normais como Raio-X e alfândega, porém em áreas diferentes do embarque. Ao entrar na aeronave a equipe já en-
contra tudo limpo e preparado para o vôo. Um outro grupo de funcionários encarregado da limpeza e do abastecimento da cabine com os alimentos e kits viagens já passou por lá. Inicia-se a verificação dos instrumentos de segurança e do sistema de comu-
Pouca gente sabe ou já viu, mas os voos internacionais possuem uma câmara reservada com camas destinadas ao repouso da tripulação
Jean-Michel prepara as refeições: brasileiros demandam mais atenção do que japoneses
nicação. Também é feita uma vistoria do espaço para verificar que todos os compartimentos estão livres de qualquer ameaça terrorista. Agora basta esperar a entrada dos passageiros. Às 23h25, o embarque feito e com todos os passageiros sentados, iniciase a contagem e os procedimentos de segurança. Cabe aos comissários verificar se as portas estão devidamente fechadas e todas as travas de controle estão funcionando. Enquanto isso, na cabine de comandos (chamada de cockpit pelos pilotos) estão, durante pouso e decolagem, todos os pilotos e co-pilotos escalados. Em vôos com destino ao Brasil, por terem duração de mais de 10 horas, é obrigatória a presença de no mínimo três pilotos/co-pilotos. A decolagem é feita manualmente, amparada por controladores aéreos, após a autorização da torre de comando. A comunicação entre a torre e o avião é essencial para que um vôo ocorra bem, diz Florent Dumas que, assim como outros pilotos da Air France, aprendeu a pilotar no Exército. Contratado pela empresa em 1991, foi só então que fez curso de pilotagem para o avião comercial Airbus A300. Segundo o piloto, o mais importante após a decolagem
é manter o contato com os órgãos de controle e monitorar os equipamentos de bordo. Também é essencial antecipar problemas e possíveis soluções: ao sobrevoar os continentes, por exemplo, os pilotos fazem um planejamento constante de possíveis locais para pousar em caso de emergência. Segundo Dumas, entre os problemas mais comuns estão pássaros sugados pelo motor, fogo na turbina e defeitos de pressurização. Apesar de nunca ter passado por uma situação altamente desesperadora, o piloto confessa ter ficado abalado após o acidente aéreo da Air France de 2009. “Não saber precisamente as causas do acidente, é perturbador”, diz . São 23h50. Após a decolagem, a movimentação dos comissários na cabine de passageiros é intensa. Inicia-se a preparação do serviço, que consiste em esquentar as refeições servidas a bordo e preparar os carrinho que serão usados para transportá-las. Os comissários consideram essa fase do trabalho extremamente cansativa: “Os carrinhos são muito mais pesados do que parecem, causando problemas de coluna entre os comissários”. Além disso, o espaço de preparação é restrito e por isso é neces-
sário muita organização para que tudo ocorra bem. O serviço varia de acordo com as classe e com a destinação. Enquanto na econômica a refeição é servida em uma etapa, nas classes executiva e
“Se você trabalhou com alguém insuportável um dia, é quase certo que no próximo vôo não encontrará essa pessoa” Jean-Michel primeira há três serviços: entrada, prato principal e sobremesa. A refeição também pode variar de acordo com o destino do vôo. Em função dos costumes, a oferta aos passageiros varia. “ Em um vôo para o Brasil não pode faltar adoçante, refrigerantes dietéticos, nem guaraná”, diz Pascale. É somente depois do serviço a todos os passageiros e aos pilotos que os comissários irão comer. A paciência é uma virtude importante para a profissão. Segundo JeanMichel, “um comissário
passa sua vida esperando e retardando fome, sono etc”. Outro ponto de reclamação entre a classe é a falta de privacidade: “O meu escritório é o avião, onde não existe separação entre os clientes e a tripulação. Muitas vezes, desisto de comer porque me incomoda fazê-lo em meio a todos os passageiros, às pessoas que esperam na fila para ir ao banheiro”, diz Pascale. À 1h, após o jantar, a maioria dos passageiros dorme e os tripulantes iniciam seus turnos de repouso que, em um vôo como o AF442 para o Brasil, chega a ser de 2 a 4 horas. Uma câmara com quatro camas, separadas por cortinas, fica em um espaço que, por ser localizado acima do motor, é também muito barulhento. Mesmo assim, é crucial aproveitar esse momento para descansar. Longos períodos sem dormir e o jetleg são aspectos que atingem todos aqueles que vivem uma rotina aérea. O piloto Dumas acredita que aprender a dormir a qualquer momento seja imperativo para aqueles que trabalham nesse setor. “Mesmo que você chegue em um país cujo fuso seja completamente diferente da França, é importante fechar os olhos e conseguir fazê-lo, pois você sabe que no vôo de volta
terá que ficar acordado muito tempo e seu corpo precisa descansar.” No período da noite, com os passageiros cansados, a intensidade do trabalho diminui, e os comissários que não estão de repouso entram no período de ronda, ou seja, ficam à disposição de solicitações que venham a ocorrer e alertas à manutenção dos banheiros e da bandeja de comidas. Passada a noite, o trabalho de serviço recomeça e, em seguida, a equipe prepara-se para a aterrissagem, cujo procedimento se assemelha ao da decolagem. Às 8h, já em solo brasileiro, após a saída de todos os passageiros, a equipe se dirige ao controle de passaportes, em guichê destinado exclusivamente à tripulação. Suas malas são as primeiras a serem desembarcadas e rapidamente a equipe exausta se dirige ao ônibus da Air France que aguarda na saída do aeroporto. Foram mais de 12 horas de vôo e, contando o tempo que antecede ao trabalho, alguns tripulantes estão há mais de 18 horas em função. O ônibus segue silencioso. Depois de um trabalho exaustivo, eles se dirigem ao hotel de luxo Sofitel em Ipanema. Ficarão duas noites e, em seguida, tudo se repetirá em sentido inverso.
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A hora do rush sobre os trilhos
Viajar de trem nas horas de pico é uma tarefa complicada até para os mais dispostos. Supervia vira alvo de reclamações de clientes insatisfeitos Ricardo Porto Na hora do rush, milhares de pessoas correm para pegar o trem anunciado pelos alto-falantes. Cada passo que se dá no contra-fluxo da multidão é um transtorno. Ponto de partida para outras 88 estações, a Central do Brasil reúne indivíduos ansiosos para chegarem às suas casas o mais rápido possível. Aqueles que ainda não sabem em qual composição embarcar olham atentamente as TV’s de plasma que indicam as próximas viagens previstas. Nas plataformas, há espaço para brigas entre usuários que desejam conseguir um espaço nos bancos. Quase impossível um visitante novato saber se virar diante de tal confusão. No entanto, quem adotou tal aventura como rotina dá pouca importância para esse excesso de estímulos. Segundo o blog da Supervia, empresa responsável pela operação comercial e pela manutenção da malha ferroviária na região metropolitana do Rio de Janeiro, a Central do Brasil “é mais do que uma estação hoje em dia”. Ela é um shopping aberto que recebe cerca de 600 mil pessoas por dia interessadas no comércio e nos serviços disponíveis no local. Dessas, 110 mil embarcam nas bilheterias. O maior fluxo se dá em dias úteis das 17h às 19h30. Esse período concentra o maior número de reclamações por parte dos clientes da empresa. Trens lotados, atrasos, cultos religiosos e tantas outras situações são motivos de insatisfação, exprimida de diversos modos: seja pelas reclamações em alto tom ou pelo silêncio da impotência. “Por que você está tão nervosa? Isso acontece sempre”, disse
uma senhora a Ana Carolina Correia, usuária do ramal Japeri, quando ela deu um ataque no final do ano passado. Na ocasião, o trem em que estava parou logo após a saída da Central do Brasil e ficou por cerca de duas horas no mesmo lugar, sem eletricidade. Ana Carolina conta que o maquinista mantinha pouco contato com o público. Boa parte dos passageiros desceu por conta própria e andou até a estação mais próxima, sem acompanhamento e com grande risco de acidente. Assim como outros, ela preferiu esperar. Ligações para Corpo de Bombeiros, Polícia e até mesmo jornais, a fim de denunciar o descaso, foram em vão. “Eu me senti esquecida pela empresa. Imagina se tivesse uma grávida ou alguém passando mal?”, desabafa Ana Carolina. Após horas, o trem retornou para o ponto de partida e não completou seu percurso. “Tive que pegar um táxi depois. O prejuízo foi grande”, relata a cliente.
Embora excepcional, esse caso é um exemplo de deficiências que ainda existem no serviço ferroviário, mesmo após a concessão para o setor priva-
“Imagina se tivesse uma grávida ou alguém passando mal?” Ana Carolina Correia
do, em 1998. Até os anos 80, o transporte de massa era de responsabilidade do governo federal e, na época, atingiu seu auge de quantidade de passageiros: 1 milhão por dia. No entanto, com o posterior deslocamento de prioridade orçamentária para a malha rodoviária, houve queda de investimentos. Em 1994, o serviço passou para a esfera estadual, o que marcou a consolidação do abandono. Dos 130 trens da frota, 100 estavam em suca-
ta e os demais circulavam com riscos. Somente 30% das viagens cumpriam o horário. “Não havia uma cultura de pontualidade”, explica Thiago Nehrer, assessor de marketing da Supervia. Em novembro de 1998, a empresa que ganhou a licitação para a concessão do serviço começou a operar. De imediato, trens e estações foram reformados. A partir daí, o número de passageiros voltou a crescer de forma progressiva e, atualmente, o serviço transporta cerca de 500 mil pessoas por dia. A meta é retomar o patamar de 1 milhão de usuários em 2015. Mas, para isso, o trabalho deverá ser intenso e levado com seriedade. Na chegada à Central do Brasil, por volta de 18h45, ainda é possível ver uma grande movimentação. Devido à proximidade com o metrô, as bilheterias ficam mais cheias quando usuários fazem a baldeação de um serviço para o outro. Em um intervalo de uma hora, aconteceram oito atrasos,
que atingiram todos os seis ramais – Deodoro, Campo Grande, Santa Cruz, Japeri, Saracuruna e Belford Roxo. Segundo Nehrer, atualmente cerca de 10% das 718 viagens diárias sofrem atrasos: “Este ainda é um número considerável e as pessoas que passam por isso têm o direito de reclamar”. No entanto, ele defende que tal situação é comum até mesmo em países de primeiro mundo. “Há trechos do metrô de Londres que registram atrasos em até 11% das viagens”, disse. Segundo ele, os atrasos estão atrelados à quantidade de falhas técnicas que ocorrem nas composições, que tiveram queda vertiginosa após a compra de 10 novos trens coreanos, feita em 2005. Enquanto a pontualidade está em 90%, a regularidade (número de viagens programadas versus as realizadas) está em 99%. As pessoas olham atentamente os televisores de plasma que indicam as próximas viagens. Na tela, pode-se conferir o horário e a plataforma
A plataforma em que sairá cada trem somente é confirmada perto do horário de partida, para ansiedade dos usuários
entrar em um”, relata Ma- A explicação, segundo ria José de Brito, usuária Nehrer, é que atualmente do ramal Campo Grande. a normatização do tráfeTrens lotados estão go é feita por semáforos diretamente relacionados espalhados na malha feraos intervalos entre eles, roviária e os maquinistas possuem que, segundo a responSupervia, va“Confirmação total sabilidade riam entre sete e 30 minutos. de trem é igual pelo respeito à sinalização. “O número de a estouro de “Ou seja, deviagens é muivemos manto pequeno. Às boiada” ter intervavezes, espero Igor Soares los razoáveis muito tempo para evitar um trem chegar”, afirma Robson No- um acidente caso haja gueira, usuário do ramal imprudência”, explica o Belford Roxo. Para Maria assessor de marketing da José, a situação piora em Supervia. A empresa condeterminados momentos: clui neste ano a compra “Numa ocasião, fiquei 50 de um novo sistema suminutos na plataforma”. pervisor, chamado ATP (Proteção Automática de Trens, na sigla em inglês). Com previsão de implantação para 2011 e entrada Clientes elegem pontos turísticos que ficam perto das estações em operação para 2012, o A Supervia lançou no Supervia também há cultura Igreja da Penha, Quinta da sistema tem a função de mês de abril a campanha e lugares interessantes”. Boa Vista (em São Crisparar automaticamente o “Meu lugar preferido”, que Os estádios de futebol tóvão), Praça Jardim do trem quando houver risincentiva a visitação de pon- Maracanã e Engenhão en- Méier, Basílica Imaculado cos. Com ele, será possítos turísticos e atrações cul- cabeçam a lista. Na Baixada Coração de Maria (Méier), vel reduzir os intervalos turais que ficam perto das Fluminense, quem desem- Museu Aeroespacial (Deoentre viagens, que prolinhas de trem e são de fá- barca em Japeri pode conhe- doro), Bar Esquina do Chovavelmente ficarão entre cil acesso para os usuários. cer a Vista do Pico da Cora- pe e Praça Nossa Senhora três e 12 minutos. Numa enquete realizada no gem. A Praça de Nilópolis da Apresentação (ambos em A Supervia possui site da empresa e nas esta- (em bairro de mesmo nome) Madureira). uma frota de 160 compoções, os clientes seleciona- também faz parte da campaOs pontos turísticos da sições. Dessas, 20 foram ram 21 lugares favoritos. nha assim como a Praça dos Zona Oeste são o Shopping compradas entre 2005 e Segundo Thiago Nehrer, Eucaliptos, em Queimados. Bangu, o Parque Natural do 2006 e são consideradas a campanha surgiu devido Já em Mesquita e Nova Igua- Mendanha e a Praça Rio da as melhores da América ao preconceito que parte da çu, houve a indicação da Pra- Prata (ambos em Campo Latina, com sistema de população mantém com o ça Elizabeth Paixão e da Ca- Grande), o Grêmio da Esrefrigeração central. Outransporte ferroviário pelo choeira da Coreia. Próximo à cola de Samba Mocidade tras 18 foram reformadas fato de que sete entre 10 estação Duque de Caxias está Independente de Padre Mie também receberam arclientes são de classes C ou o Teatro Raul Cortez. guel, o Batalhão Villagran condicionado. Entretanto, D. “Queremos mostrar que Na Zona Norte, a Super- Cabrita (Santa Cruz) e a 122 trens ainda são monos bairros atendidos pela via estimula a visitação na Praça Padre Miguel. tivo de reclamações dos
na qual se deve embarcar. Enquanto esta última informação não é dada, os olhos não desgrudam do monitor. É preciso cuidado para não ser “atropelado” após o anúncio. “Confirmação de trem é igual a estouro de boiada”, brinca Igor Soares, usuário do ramal Japeri. A correria para conseguir lugar na composição é inevitável e gera confusão. “Às vezes, as pessoas se atropelam sem saber quem está na frente. Embora a Supervia deixe a desejar na prestação do serviço, muitos usuários são mal-educados e colaboram para aumentar os problemas”, relata Igor.
A plataforma de embarque de um trem para Nova Iguaçu, com previsão de partida para 19h09, foi anunciada dez minutos antes desse horário, porém a composição que faria a viagem não havia chegado. Quando isso aconteceu, o resultado era previsto: após a abertura das portas, um empurra-empurra entre usuários que desembarcavam e os que embarcavam nos carros. Tanta vontade em disputar um banco tem motivo: a superlotação. “Os trens estão sempre lotadíssimos. Para se ter uma ideia, deixo passar dois deles, pelo menos, até que eu consiga
Trem serve para visitar lugares legais
Clientes olham as televisões de plasma, localizadas perto das plataformas, que indicam as próximas partidas
23 usuários, seja pelo calor dentro dos vagões ou pelas condições de limpeza. “Alguns parecem latas velhas com cheiro de óleo queimado”, afirma Maria José. Para Igor Soares, há uma “discriminação” na distribuição dessas composições: “É perceptível que os ramais de Campo Grande têm mais trens novos do que Japeri ou Saracuruna”. Nehrer confirma a maior oferta de trens com refrigeração nas estações terminais consideradas “intermediárias” (Deodoro, Bangu, Campo Grande, Nova Iguaçu, Queimados e Gramacho). Segundo ele, isso é feito para que mais pessoas sejam atendidas. “Como o tempo de deslocamento para esses lugares é menor, o número de viagens realizadas e, consequentemente, o número de passageiros que desfruta desse serviço é maior”, explica. Essa seleção também é feita conforme a demanda dos ramais. Segundo dados oficiais da empresa, o ramal Deodoro é o mais utilizado (248 mil passageiros), seguido dos ramais Japeri (115 mil), Santa Cruz (81 mil), Saracuruna (51mil) e Belford Roxo (25 mil). Os trens que possuem “cheiro de óleo queimado” aos quais Maria José se refere são 49 composições, reformadas pouco tempo após a concessão, que ainda estão em circulação. Comparadas a um carro Fiat 147 por Nehrer, o assessor de Marketing garante que elas serão aposentadas em médio prazo. A ideia é substituí-las por 90 novos trens. Desses, 30 já foram adquiridos e, segundo a empresa, começam a chegar no segundo semestre de 2011. Além disso, há previsão de reformar outros 73 trens e, até 2015, ter uma frota de 200 trens com ar-condicionado central e boas condições de uso. “Vale lembrar que todos os trens em circulação possuem confiabilidade, embora reconheçamos que alguns não sejam confortáveis”, disse Nehrer. Em toda essa discus-
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Um jogo de cavalheiros
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Saiba por que paixão e disposição nutrem os jogadores de rugby brazucas
Não é uma briga em campo, mas parece: na verdade. o jogador do Niterói Rugby tacleia o adversário em disputada partida no campus da UFF
Mariana Ferrari
Nas bilheterias da Central do Brasil, a movimentação aumenta quando os usuários fazem a baldeação com o Metrô, especialmente no final do expediente
são, só há um ponto em que aparentemente a administração da Supervia e os usuários parecem concordar: o incômodo dos cultos religiosos nos trens. Prática existente há muitos anos, ela foi proibida pela 8ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, em liminar concedida ao Ministério Público, em setembro de 2009. Evangélicos escolhiam um determinado vagão para se reunirem e
fazerem suas pregações. Segundo Ana Carolina Correia, os “vagões dos crentes”, mesmo com a proibição, continuam existindo: “Uma vez peguei o trem na parte da manhã, em direção à Central, e cerca de um terço dos passageiros cultuavam”. Repreendêlos? Depende de suas crenças. “Foi engraçado porque ouvimos de uma mulher que, quando você reclama, eles jogam mal-
“Todos os trens em circulação possuem confiabilidade, embora alguns não sejam confortáveis” Thiago Nehrer
dição”, brinca. Por essas e outras, utilizar o trem pode ser uma aventura que começa no embarque e dura todo o percurso. Na hora do rush, na qual toda a cidade vive um caos em seus sistemas de transporte, a situação fica ainda mais difícil. Os usuários reclamam constantemente, enquanto a Supervia reconhece os problemas e promete melhorias. “Não tenho elogios à empresa,
mas o transporte ferroviário ainda é o mais rápido e seguro dentre todas as opções”, diz Ana Carolina Correia. Já Igor Soares concorda que o trabalho deve ser feito em conjunto. “É preciso melhorar o serviço, mas isso só vai acontecer quando a cultura do usuário também mudar, no sentido de manter a limpeza e evitar a degradação dos trens”.
O trem não é privado
Ao contrário do que os usuários pensam, o governo fez concessão e não privatização do serviço ferroviário Quem anda de trem há pelo menos 15 anos lembra da época em que o serviço era operado pelo governo federal (até 1994) e, posteriormente, pelo estadual. Em 1998, a Supervia passou a ser a empresa responsável por operar e manter a malha ferroviária fluminense. Entretanto, o governo do Estado do Rio de Janeiro continua a fazer investimentos principalmente na compra de novos trens, fato que gera dúvidas de clientes. Afinal, o serviço não foi privatizado? A
resposta é não. O que houve foi uma “concessão”. A principal diferença entre o modelo de privatização e o de concessão é que, no primeiro, o serviço ou empresa pública é completamente adquirido pelo setor privado. No segundo, o governo oferece a operação e manutenção de um serviço público a uma empresa privada por um determinado período. No caso da Supervia, ficou acertado nas cláusulas contratuais que ela seria responsável por assumir
todos os custos de operação e manutenção, além de arcar parte dos investimentos. Em contrapartida, o governo do Estado também investe, porém se isenta de outros gastos. “Antes da concessão, o governo tinha prejuízo com esse serviço, pois os gastos eram astronômicos”, disse Thiago Nehrer, assessor de marketing da concessionária. O contrato tem duração de 25 anos, com possibilidade de renovação pelo mesmo período. Nele, a Supervia se comprometeu
a investir R$ 600 mil até 2023. No entanto, segundo Nehrer, já foram alocados R$ 545 mi. Devido à intenção da empresa em fazer a compra de novos equipamentos de sinalização, bilhetagem eletrônica e trens novos, além da reforma de subestações de energia e estações, recentemente ela apresentou o interesse em já renovar a concessão para até 2048. Em troca, haveria mais investimentos da ordem de R$ 2,3 bi. De acordo com Nehrer,
as negociações estão avançadas e devem ser concluídas até o final do ano. Vale lembrar: como ela é concessionária, todo o patrimônio da Supervia pertence ao Estado e retorna a ele ao final do contrato, em 2048. “Após isso, o governo decidirá se opera novamente o serviço ou abre nova licitação. Se houver interesse dos acionários, a Supervia poderá concorrer novamente sem o menor problema”, explica o assessor.
À primeira vista parecia um simples jogo de futebol: gramado verde, homens de calção e camisa de seus times, usando chuteira, um juiz com apito e cartões amarelo e vermelho no bolso, bandeirinhas a postos para apontar quaisquer irregularidades. Na plateia, torcedores fervorosos. No entanto, reparando um pouco mais, dava para ver que todos os jogadores usavam protetor bucal, alguns também tinham uma faixa estranha na coxa, e outros não dispensavam uma espécie de “capacete”. Pois é, definitivamente, não era uma simples pelada o que estava rolando ali no campo da UFF (Universidade Federal Fluminense), naquela tarde de 28 de agosto. Por mais estranho que soe, o jogo brevemente descrito acima é de rugby, esporte inglês que tem mais adeptos no Brasil do que você pensa. Aliás, a partir dos jogos Olímpicos de 2016, ano em que o Rio de Janeiro sediará o evento, o rugby vai - definitivamente - ter seu lugar. Conhecer, essa modalidade esportiva vai não só tornar as partidas mais interessantes aos espectadores, como tam-
bém incentivar a equipe brasileira e aumentar suas chances de não fazer feio diante de seleções mais tradicionais. Se sua expectativa mudou ao saber que a partida era de rugby, vale a pena deixar a estranheza de lado e dar uma chance ao esporte. Nada melhor do que entender as regras do jogo. Aí vão as mais importantes: uma partida de rugby tradicional tem 15 jogadores em cada equipe; o “try”, que é o “gol” vale 5 pontos e acontece quando o jogador consegue apoiar a bola no chão do “in goal” – área após a “linha dos postes” - do adversário; a bola só pode ser passada com as mãos para os lados ou para trás – para frente só vale se for chute. Não é permitido bater no adversário, embora seja um jogo de muito contato físico. É válido, porém, derrubar o oponente no chão – “taclear” - com o objetivo de roubar a bola para o seu time. Geralmente são os “tacles” ou os “scrums” que mais chocam o espectador que assiste ao esporte pela primeira vez. Matias, estudante de Direito e jogador do Niterói, sabe bem como o rugby pode deixar lembran-
ças nada agradáveis após os jogos. “Se machucar faz parte do esporte. Cabe ao jogador saber lidar com isso. Eu sou uma pessoa propícia a se machucar, seja pelo fato da posição em que jogo (forward) ou pela vontade que entro em cada jogo. Já quebrei nariz, uns três dedos e a costela. Mas nada disso me faria parar de jogar. Apenas o trabalho conseguiu. E não foi para sempre!”, contou.
“Machucar faz parte do esporte. Cabe ao jogador saber lidar com isso” Matias Zerbino
Pronto, sabendo isso o jogo já fica mais divertido e emocionante. Outro fato curioso do rugby, e dessa partida a que assisti, é que a idade dos jogadores varia bastante. A equipe do Niterói, por exemplo, tem desde garotos de 18 anos a veteranos com quase 40. A diferença de gerações e tipos físicos parece estar ligada às duas posições
dos jogadores: “forwards” e “três quartos”. Os primeiros são responsáveis pela defesa e geralmente são mais pesados. Já os três quartos ficam atentos ao ataque, por isso precisam ser mais fortes e ágeis. Mas, pelo que deu pra perceber da partida, é o amor ao esporte que faz com que idades bem variadas sejam encontradas em campo. Depois dos dois tempos de 40 minutos do jogo, começa o terceiro tempo, que é uma confraternização organizada pelo time da casa. Nesse sábado, a festa ficou por conta do Niterói, mesmo tendo perdido de 6 a 16 para o São José. Segundo João Pedro, estudante de Gastronomia e jogador do clube, “o terceiro tempo é uma tradição do rugby, após as partidas os jogadores se reúnem para comer, beber, entoar musicas e discutir os lances polêmicos do jogo. É uma forma de integrar os jogadores de diferentes times, levando à troca de experiências e novas amizades.” E os contatos feitos ali podem te levar longe: “um velho companheiro do Búzios Rugby, onde joguei até os 18 anos, foi morar na Argentina e cursar faculdade em La Plata, por conta de
uma amizade fruto de um terceiro tempo com um time argentino!”, contou João. Os grandes ídolos do rugby são estrangeiros. Jonah Lomu, ex-jogador da seleção Neo Zelandeza, sem dúvida é um dos melhores do mundo nos últimos tempos: já ganhou esse título três vezes. Jogadores como o argentino Juan Martín Hernandez e o Inglês Johnny Wilkinson fazem os olhos dos amantes do rugby brilharem. Dica: para participar dos treinos do Niterói Rugby basta se apresentar no campus da UFF (ao lado das barcas), às terças e quintas, das 20h às 22h, e falar com o treinador Nei Vasconcellos. Os treinos ocorrem semanalmente, mesmo se chover, e são compostos por atividades físicas seguidas de treinos táticos. Para entender o rugby, uma dica é ver Invictus – conquistando o inimigo (2009, de Clint Eastwood, com Matt Damon e Morgan Freeman): baseado em fatos reais, mostra como o rugby contribuiu para unir a África do Sul e enfraquecer a mentalidade do Apartheid, que ainda reinava, mesmo com a eleição de Mandela.
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Jornal de mentira levado a sério A rotina do site de humor que conta notícias falsas como se fossem verdadeiras Leopoldo Mateus Sensacionalista: um jornal isento de verdade. Esse slogan já embaraçou portais de notícias verdadeiras no mundo inteiro. Ao reproduzir reportagens falsas publicadas pelo site, sem saber que o propósito do Sensacionalista é desinformar e fazer rir, The New York Times, Observatório da Imprensa e outras centenas de portais já foram responsáveis por grandes barrigas em 2010. A maior delas foi em maio. O site de humor publicou que um casal branco havia tido um bebê negro e a mulher teria justificado o fato dizendo que engravidou vendo um filme pornê 3D. O pai da criança, o soldado Erick Jhonson, estava servindo numa base militar no Iraque e, quando voltou para casa, encontrou um bebê de biotipo diferente do esperado. Sua mulher, Jennifer Stweart, de 38 anos, argumentou que a criança foi concebida enquanto ela assistia a um filme pornô em três dimensões. Ele teria acreditado. Essa notícia foi reproduzida por mais de 200 sites pelo mundo e fez com que Nelito Fernandes, repórter da Revista Época e criador do jornal, tivesse que mandar e-mails para sites em todos os idiomas, desmentindo a notícia. “Até hoje não entenderam que o nosso slogan é um trocadilho. As pessoas acreditam em qualquer coisa”, afirma. As várias notícias do site, publicadas como se fossem verídicas, chamaram a atenção do Fantástico da Rede Globo. A produção convidou os quatro jornalistas/humoristas que fazem o site para darem uma entrevista e esclarecer, de uma vez por todas, que é uma grande brincadeira. A matéria terminou com Nelito Fernandes, Martha Mendonça, Leonardo Lanna e Marcelo Zorzanelle gritando: “É mentiiiiraaaaa”! O quarteto é formado por jornalistas profissio-
nais. Martha é editora-assistente e Nelito repórter da Revista Época. Zorzanelle trabalha na Revista Alfa. Já Leonardo sempre trabalhou em sites de humor. “Estávamos cansados de relatar só a verdade e resolvemos começar a brincar de contar mentira”, diz Martha Mendonça. O site é construido dos dois lados da Via Dutra. Nelito e Martha moram no Rio. Leonardo e Marcelo em São Paulo. Eles se falam o dia todo por e-mail e telefone e vão trocando idéias para novas matérias. Nelito seleciona e faz a edição final. Ele mesmo publica em um template gratuito, que deu origem à plataforma gráfica do site. Assim, ele só vai “jogando” as matérias e elas vão entrando na posição em que ele quer.
O sucesso fez com que Nelito resolvesse apresentar um roteiro de programa para o Multishow nos moldes do jornal virtual. O funcionamento seria simples. Uma bancada com dois apresentadores lendo notícias com a mesma entonação e seriedade dos noticiários comuns. Nas ruas, cinco repórteres se revezariam fazendo matérias sobre os mais diferentes temas. A única diferença para os noticiosos noturnos seria que, ao invés de ser um grande resumo de tudo aquilo que aconteceu no dia, o Sensacionalista seria um resumo de tudo o que não aconteceu. Assim como no site, notícias falsas seriam contadas com as mesmas técnicas e estruturas das verdadeiras. No começo, o Mul-
tishow ficou receoso. Eles não conseguiam imaginar como o programa ficaria no ar. “Eles não haviam entendido ainda o espiríto da coisa”, diz Nelito. Mas depois de várias conversas resolveram fazer um piloto. Foi feita uma seleção com diversos atores candidatos. Atrás dos apresentadores, uma redação pirata será montada para aumentar a “credibilidade”. Mas nem tudo são flores na relação entre diretores e redatores. Muitas pautas sugeridas pelos roteiristas são barradas pelos diretoes do canal por serem sexistas, racistas ou xenófobas. “No começo a gente não gosta, mas depois entende uma coisa: posso fazer um site que pouca gente lê e dizer o que eu quero, ou aceitar restrições e fazer um programa que todo
O Casal é de verdade Em casa, é o marido que manda na patroa Nelito Fernandes e Martha Mendonça são uma espécie de Willian Bonner e Fátima Bernardes do Sensacionalista. Casados há quatro anos, eles são naturalmente bem-humorados e brincalhões. Ela já escreveu dois livros e uma peça de teatro e no Sensacionalista é subordinada a Nelito. “É tranquilo. Ele aceita as idéias e procura aproveitar tudo que enviamos a ele”, diz. Em casa, eles se dedicam o tempo todo
a fazer com que o site faça ainda mais sucesso. Além de discutir novas pautas e ideias, eles twitam o dia inteiro através do @sensacionalista, o que faz com que os seguidores possam acompanhar as novas notícias e retwita-las bastante. “Quando faz sucesso no Twitter, já sabemos que vai bombar no site. É diretamente proporcional”, conta Martha.
mundo vê”, diz Nelito. A idade ensina que tem de se abrir mão de algumas coisas para se alcançar grandes objetivos. “A experiência aponta para a segunda opção”. Nelito, o redator-chefe e cabeça principal do novo programa, não entrou nessa de humorista de gaiato. Ele tem história. Em 1998, fez a oficina de roteiristas da Globo. Entre mais 10 mil inscritos para participar, ficou entre os 13 escolhidos. Permanceu na Globo até 2001. Trabalhou no Programa do Faustão, na Escolinha do Professor Raimundo, em grupos de projetos experimentais, no No Limite e, quando ia para o Caldeirão do Huck, pediu demissão. “Eu entrei para a TV querendo fazer humor, mas não tive espaço. Preferi sair”. Voltou para o jornalismo em 2001, e, ao mesmo tempo, montou um site chamado “EuHein”. Uma espécie de Kibeloco, mesclava montagens com piadas. O sucesso foi tamanho que Nelito foi entrevistado no Programa do Jô e ganhou cinco prêmios IBest, o Oscar da internter brasileira. Ele chegou a ter uma coluna de humor diária no jornal Extra. “Perdi a coluna o dia que fiz uma piada falando do Blitzcard, um cartão para pagar propina aos policiais.” O jornal foi processado por mais de 500 policiais e a defesa custou mais de 1 milhão de reais aos cofres da Infoglobo. “Até cego dizia que tinha lido”, diz, aos risos. Mas o sucesso do site fez sugir um convite para que Nelito fizesse o que sempre sonhou: trabalhar no Casseta e Planeta. Entre 2007 e 2009, ele fez parte do time de 15 roteristas do programa. “Não dei muita sorte. Não entravam muitas piadas minhas e acabei saindo depois de dois anos e meio”, afirma. Graças a sua saída, o Sensacionalista entrou ao ar. “Meu sonho é viver de humor. Talvez seja minha melhor piada”.
VENDE-SE Um dia nos corredores e bastidores do Mercadão de Madureira - Tratar com Saulo Pereira Guimarães -
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ende-se. Mas e antes disso? Primeiro, planta-se. Depois, colhe-se. Aí, coloca-se em caminhões. Até que chegue-se. Chega-se e descarrega-se. Arrumamse as gôndolas. Abrem-se as lojas. E aí sim, vende-se. Mas e depois disso? Então, embrulha-se e a partir daí, existe um leque de possibilidades. Dá-se de presente, come-se, bebe-se ou mesmo, sacrifica-se. Mas em algum momento, vende-se. Para esse momento, o lugar certo é o Mercadão de Madureira, o maior mercado popular do Brasil. 26 caminhões vieram dos mais diversos cantos. Eles descarregam produtos na rua Conselheiro Galvão, nº58, às 9h de uma
ensolarada manhã de outubro. Burros-sem-rabo e carrinhos de mão fazem o transporte até as lojas. Em meio à confusão de homens fazendo carga e descarga, camelôs ainda conseguem um espaço. Do lado de dentro, o zumzum-zum é mais intenso e barulhento do que aqui. O Mercadão está cheio, mas o clima é ameno. Num oito ou 80 diferente, os oito mil metros quadrados de comércio recebem bem 80 mil consumidores diariamente. São mais de 600 estabelecimentos nos dois andares e uma receita responsável por grande parte da arrecadação do ICMS no bairro. O espaço já faz parte da história da região – muito embora tenha sua
própria história – e atrai políticos, celebridades e principalmente fregueses para suas longas e largas galerias. As galerias são os corredores que abrigam as lojas. Cada uma é pintada de uma cor. A C é Salmão. A H, verde e a F, marrom. E há muitas outras. Elas formam esquinas e num determinado ponto, grande parte conflui formando uma espécie de praça, onde ficam as escadas rolantes. Há quem divida as lojas por setor e são os mais variados. Aviário, lanchonetes, lojas de ferragens, de impressão digital e até uma floricultura. Ela se chama Rio Bonito Paisagismo. Na verdade, trata-se de um quiosque,
na esquina da Galeria A com a F, no primeiro piso. Repleto de flores, plantas, duendes e outros enfeites de jardim, quem atende lá nessa manhã é Elaine, uma senhora de meia-idade. Ela afirma que o negócio vai bem e que o ponto é muito bom. “O nome é uma homenagem à cidade onde nasceu a minha sogra”, diz. Aqui, ao que parece, o mercadão é verde. Mas há muitas outras cores que ver nesse mar de gente e histórias. Mar ou selva, cheia de cheiros que se fazem sentir. A essência doce do fumo-de-rolo nas lojas que insistem em vendê-lo. A agradável e asséptica melodia olfativa da cânfora. O fedor clássico de gali-
nhas e companhia, vendidas vivas nos aviários. O odor enjoativo da gordura que vem das pastelarias e lembra que a hora é de almoçar. E mais: que para isso, não é preciso sair do Mercadão. O menu de hoje é refinadíssimo. Almondêgas, moela com batatas ou pernil com maionese a módicos R$ 6. Um delicioso Mocotó a R$ 8. A luxuosa carne seca a R$ 9,50. O Bar do Careca fica na esquina da H com a G, 2º piso. As mesas estão todas cheias. Como aqui, há outras cozinhas a todo vapor em vários cantos do Mercadão. Em cada canto, uma birosca ou mesmo um restaurante. Basta andar por aqui para ver.
28 A culinária mineira repousa na galeria C. O restaurante a quilo Mineirinho serve tutu de feijão, carne de porco e cachaça para quem tem saudades da terra onde nasceu ou pela qual se apaixonou. A globalização também não escapa na forma de fastfoods como Bob’s e outros menos prestigiados, que também marcam presença. Para exóticos amantes da gastronomia da Hélade, até o duvidoso churrasco grego encontra-se à venda na calçada. É comida para todos os bolsos e gostos. Quem não pode comer, fica do lado de fora. A forte presença dos seguranças por todos os lados intimida. A poucos metros dali, a opção dos pobres é o restaurante popular Tia Vicentina, mantido pelo governo. Lá, as refeições custam apenas R$ 1. Num país de tantos contrastes, eles não poderiam faltar no Mercadão. Para o mal, como no caso descrito. Ou para o bem, na pluralidade de ofertas lado a lado. A diversidade de produtos é uma marca do lugar. A loja dos Correios fica quase em frente ao quiosque da Sinaf, uma funerária, os dois tendo em comum somente o ofício da encomenda – ainda que de objetos diferentes. Em corredores paralelos, lojas de frutas e de roupas populares. Numa única galeria, as diferenças são tantas que terminam até passando despercebidas. Um mundo de produtos se descortina nas pequenas lojas. Corredor C, segundo andar, pouco depois das escadas rolantes. Lê-se: “Temos obi, orobo, essum e efum africanos.” São artigos utilizados nos terreiros que a Lua e Mar, nº221, comercializa para iniciados. Logo atrás, a moderna HB Carioca tem Jack Daniels a R$ 93,50 e Red Label por R$ 79,80. No 213, a Mercadão Pet vende Royal Canin para cães Yorkshire ao preço do segundo uísque. No meio do caminho, lasanhas a R$ 8,50 na Casa das Massas, nº 217. Uma proximidade inconcebível para espaços tão distantes no imaginário comum. Por todo Mercadão, multiplicam-se variados
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negócios para diversos fins. A loteria Mercadão da Sorte, na mesma galeria do obi, orobo e efum. O salão de beleza Betel, com estúdio de tatuagens num apertadíssimo sótão, em frente a uma loja de cestas
de café da manhã. Serly, da Sinaf, confirma o sucesso e diz que a saída é ótima, mesmo em seu fúnebre empreendimento. Mais distante, a Toca do Caçador vende bichos para sacrifício em rituais e tem
e-mail próprio. Lojas como essa também não são raras por aqui. Estamos em Madureira, há poucos metros da Serrinha do Jongo e no local de onde parte todos os anos a procissão de Iemanjá. É ine-
vitável sentir a energia que vem da porcelana dos ibás e dos santos, vendidos nas casas de artigos religiosos. As estátuas de olhos que fingem ser fixos e expressões vivas impõem respeito a todos e são passíveis de veneração por alguns. Uma mulher olha obstinada para uma dessas lojas. A umbanda e o candomblé têm aqui uma espécie de templo, onde encontram as oferendas para suas entidades. E a mulher, toda de branco, bem parece uma delas. Veste um boné que esconde seus olhos. Está cabisbaixa, como quem espera alguém. Os braços cruzados. Os passantes não a vêem. Ela segue impávida, com o rosto sério e desfigurado. É só mais um orixá que passa discreto e forte entre os homens nas galerias lotadas do Mercadão.
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CLASSIFICADOS
Dados engraçados, curiosos e inusitados sobre o Mercadão de Madureira
MORAR BEM
ANUNCIE-SE AQUI
Políticos das mais diversas matizes e procedências no Mercadão No mercado fundado por Juscelino Kubistchek, políticos sempre são bem-vindos. Sempre houve pelos corredores dezenas de personalidades, que ainda hoje vagueiam pelas galerias em tempo de eleição. Fernando Gabeira disse em seu blog que “visitar o Mercadão de Madureira é garantia de contato direto com os eleitores”. Esse foi o caso de velhos conhecidos como Domingos Brazão, Luiz Paulo e outros menos ortodoxos. A dupla do tetra, Bebeto e Romário, que se candidatou a cargos no pleito de 2010, passou por aqui. Isso sem falar no defensor da causa gay e ex-big brother Jean Willis que também militou por essas bandas. Num exemplo máximo de tolerância ideológica, o mesmo espaço recebeu o candidato evangélico Samuel Malafaia.
Vende-se apartamentos com 1 ou 2 quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. Valor: 60 a 65 mil reais. Localização: Em cima do Mercadão de Madureira
O Edifício Colima com seus 48 imóveis com as características descritas fica sobre o maior mercado popular do Brasil. O valor de compra dos apartamentos se equipara ao de alguns próximos a Ladeira dos Tabajaras em Copacabana. O aluguel custa em média, 400 reais. Num logradouro servido por 15 linhas de ônibus para os mais diversos cantos da cidade, a compra pode ser um ótimo investimento. Difícil é imaginar como é morar ali, mas quem lá for buscar um teto vai se surpreender: não há vagas. Com todos os apartamentos preenchidos, o condomínio só não tem uma vista das melhores, aos pés do morro São José. Vai encarar?
FESTA DE IEMANJÁ
Por todo Mercadão, variados negócios para diversos fins
HISTÓRICO
A história do Mercadão de Madureira A poucos metros daqui, em meio aos prédios e o asfalto, ainda planta-se. Trata-se da Vila das Torres, que todos chamam mesmo é de Horta. O que se vende aqui é fruto do que se colheu lá. Sementes de uma história que germinou há quase um século pelas terras do bairro. Naquele tempo, o Rio eletrificava-se pelos cabos da Light. A luz que vinha de longe rompia os subúrbios até chegar no centro da cidade, desapropriando terras à beira da linha do trem. Por aqui, os terrenos impróprios para morar foram arrendados a lavradores e donos de chácara portugueses. Logo, eles começaram a produzir e a comercializar seus produtos no espaço onde atualmente fica a quadra da Escola de Samba Império Serrano. O lugar ficou conhecido como Mercado de Madureira.
Um orixá passa discreto e forte entre os homens nas galerias lotadas Fim de tarde. “Em Brasília, 19h”, dizem todos os rádios. Hora de voltar para casa. Dessa vez, ao contrário da música, Madureira não chorou. Segue sorrindo de braços abertos para quem quiser lhe visitar. Na galeria L, Madureira é um velho botequim todo em azul e branco que poderia estar em sépia. O que de mais moderno nele existe são afrescos com losangos de Brasília. Num espaço que não se vende para um futuro que nunca chega, peço uma “água com gaz” – como consta na tabuleta – antes de dizer adeus.
Festa mobiliza comunidade nos fins de anos 29 de dezembro. Todos de branco, numa enorme procissão de paz. A Festa de Iemanjá é organizada há sete anos pelo Mercadão de Madureira. Durante todo mês de dezembro, um enorme barco é montado e recebe pedidos e oferendas. Alimentos são arrecadados e distribuídos entre instituições de caridades das redondezas, em troca de camisetas do evento. A imagem de 1,80m com vestido azul e coberta de contas vai ornada de flores até a orla de Copacabana. No dia, os ogans tocam e ouvem-se os cânticos antes da partida. Às 14h, os Filhos de Gandhi retiram das ofertas do mercado. A procissão sai às 15h, com um caminhão, ônibus e carros enfileirados, sempre acompanhada por uma ambulância e por batedores da Guarda Municipal. Na praia, após os rituais, libertam-se pombos brancos que simbolizam paz entre os homens e todas as religiões.
Durante todo mês de dezembro, um enorme barco é montado e recebe pedidos e oferendas
UMA ILUSTRE COMPRADORA
CALCULOUCOS
Mãe e filha falam sobre o caso de amor com as galerias do Mercadão
Mercadão x o maior shopping do Rio
Dentre as ilustres compradoras do Mercadão de Madureira, uma em especial se destaca: Minha mãe. Edna Pereira Guimarães é moradora do bairro e frequentadora assídua do espaço. “O mercadão é onde eu encontro minhas mercadorias, desde alimentos até enfeites para o lar.” Fã de carteinha dos preços baixos, ela admira a variedade de produtos disponíveis no lugar. É bem verdade que antes do incêndio que castigou o Mercadão no ano 2000, minha mãe não era presença muito frequente no local. Só com a mudança em aspectos como limpeza e acessibilidade, ela se sentiu mais à vontade para adotar o centro de varejo como ponto de compras. De lá para cá, os dois vivem uma lua-de-mel comercial sem precedentes.“Estou comprando as lembrancinhas dos 15 anos de minha filha lá”, diz dona Edna. A aniversariante - no caso, minha irmã - também é freguesa e não deixa de dar seus passeios por lá nos fins de semana, normalmente aos domingos, após assitir às missa na Igreja de São Brás. “É um local para o ano todo. Eu gosto muito do Mercadão de Madureira!”, afirma a tímida debutante madureirense. Uma freguesa da nova geração do nosso bom e velho Mercadão.
6,9 quilômetros separam o Mercadão do maior shopping da cidade, o Norteshopping. Porém, em termos práticos, os dois estão bem mais próximos. As 600 lojas espalhadas pelos 8 mil metros quadrados do Vovô de Madureira constratam com as 343 que ocupam os 245 mil do Garotão do Cachambi. Apesar de bem mais moderno e amplo, o shopping de 24 anos não chama mais público que o velho centro comercial suburbano. Os dois centros compartilham a média diária de 80 mil consumidores em seus corredores, numa curiosa e populosa coincidência.
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Pouco divulgado, o futebol para cegos é inspirado no futsal, mas com regras especiais
Atletas cegos chamam a atenção do público pela desenvoltura no campeontato brasileiro de futebol de cinco, disputado com uma bola de guizos
Carolina Drago
quem enxerga) - facilita quem não vê: “Arremesso sua missão de descrever de meta para o ICB”, “Tiro para os companheiros as de canto para a Urece”. A condições de ataque, o Urece, por sinal, foi a equipe que escolhi posicionamenacompanhar to dos demais “Quando durante algujogadores e a mas semanas: direção do gol. estou dos treinos na Enfim, tudo jogando sede do Améo que seja possível – e futebol, eu rica Football Clube, na Tipreciso – ver: supero o juca, até a fase “Pode vir, gol à esquerda!”, adversário. eliminatória da Copa Brasil “Volta, defeA deficiência, de Futebol de sa toda aqui!”, nós Cinco de 2010, “Só você e Niterói. O o goleiro, superamos em time carioca, pode chutar!” lá atrás, que terminou Na arquio campeonato bancada, cegos quando em décimo e videntes presficamos lugar, disputa tam a mesma competições atenção. O narcegos” oficiais há rador, a cada dois anos. lance, situa a Marcos Lima, Por trás do partida: irreg u l a r i d a d e s , atleta e jogador que costumafaltas ou gols. do campeonato mos assistir em uma semana ou Do microfone, de futebol de menos de um sua função cinco campeonato é ambientar
cenário que se apresenta pronto e parece simples de se montar - existe, sim, muito trabalho. Treinos toda semana, poucos recursos, alguns improvisos. Mas as dificuldades dos jogadores vão além daquilo que nos parece mais óbvio - que é não ter visão: elas se escondem na falta de apoio ao esporte, nos desafios financeiros para preparar os atletas e na ideia amadora que se tem da modalidade. Por esse lado, é uma experiência diferente o bastante do futebol que conhecemos. Por outro, guarda em si os desafios comuns a todo atleta. “Nós, que praticamos esportes, abdicamos de muitas coisas na vida porque nos impomos metas, que devem ser cumpridas com cobranças e objetivos como faz qualquer outro atleta”, diz Marcos Lima, jogador da Urece e vice-presidente da ONG de esporte e cultura
O argentino Lucas Rogriguez foi o destaque da Urece na Copa Brasil
Urece: “nós não enxergamos obstáculos” Fonte: http://picasaweb.google.com/urece.ec
Silêncio na arquibancada. Nesse jogo, o barulho não deve vir de outro lugar senão da própria quadra. Seja na voz dos jogadores que se comunicam ou na do chamador que os orienta, seja na bola com guizo. Tampão e venda cobrem os olhos dos atletas de cada equipe, à exceção do goleiro, o único que enxerga em quadra. Enfim, está armado o cenário do futebol de cinco, modalidade de futebol de salão adaptada aos deficientes visuais. A bola fica sempre em contato com um dos pés. É como os jogadores a enxergam. A cada passo da corrida em direção ao gol ou a um dos companheiros, um toque rápido de um pé a outro. Com toques muito mais acelerados que no futebol tradicional, o futebol
de cinco exige dos atletas atenção redobrada. Trombar é normal, não há quem discorde. Mas preocupação mesmo, dos atletas e da própria arbitragem, é com o barulho de fora. Sim, os torcedores do futebol de cinco devem se conter. Afinal, eles sabem que ouvir a bola, o chamado de um companheiro ou a dica do chamador faz toda a diferença para os atletas. A audição, na prática nada mais é do que um sexto jogador. Ela é tão importante, aliás, quanto o chamador. Essa figura peculiar ocupa uma posição estranha à primeira vista: atrás do gol do time adversário. Mas sua tarefa é essencial para os cegos se orientarem durante a partida. A visão privilegiada desse atleta - sim, o chamador é também um atleta, vidente como o goleiro (na gíria dos cegos, vidente é
que a equipe representa. “Qualquer um dos times que estava ali pensava em vencer”, desabafou ao fim da competição. Como qualquer outro atleta. É exatamente como esperam ser vistos - e o que, de fato, são - os cegos em quadra. “Quando pisam nela, passam a ser jogadores”, confirma Ramon Pereira, técnico da seleção brasileira de futebol de cinco. Ele também treina crianças do Instituto Benjamin Constant como professor de Educação Física e explica que estimular a coordenação motora desde cedo faz toda a diferença no aprendizado do esporte. “Até os anos 90, era comum ver os cegos começarem a jogar por volta dos 30 anos”, lembra. “Faltava informação às famílias sobre a importância da educação motora das crianças.” Hoje, os atletas começam mais cedo. Nos jogos oficiais, a idade mínima é 14 anos. E não há idade máxima para competir no futebol de cinco: o atleta mais velho da competição tinha 41 anos. Muito além da idade, é sobretudo da vivência motora que depende o sucesso do atleta no seu primeiro contato com a bola. É por isso que não existe necessariamente diferença entre o tempo
Fotos: Alexandre Mota - Exemplus/CPB
Arte que não se vê
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Atleta da Urece dribla adversária em campeonato na Alemanha
A Urece é a primeira equipe a trazer um atleta de fora para jogar no Brasil - e ainda disputar a Copa: o argentino Lucas Rodriguez. Contratado especialmente para a competição, o craque de 29 anos que defende a seleção argentina já conquistou dois mundiais. Outra iniciativa do grupo foi a formação do primeiro time feminino da modalidade no Brasil. O futebol para mulheres cegas é reconhecido oficialmente há apenas três anos e as meninas do grupo já trouxeram uma medalha de ouro da Alemanha, em novembro de 2009. Foi esse campeonato, do qual a equipe saiu invicta, que motivou uma iniciativa especial: as clínicas de futebol para mulheres cegas, ou seja, oficinas para ensinar a modalidade para meninas e mulheres que nunca pensaram em praticar o esporte.
de aprendizado de quem nasceu cego e de quem perdeu a visão: “Esse tempo é muito relativo, depende mais de como cada um foi estimulado, pela escola ou mesmo pela própria família”, conta Ricardo Robertes, auxiliar técnico da Comissão Brasileira de futebol de cinco. Como dizem os profissionais especializados, o maior desafio por trás dessa assimilação é fazer do esporte parte da realidade do deficiente visual. É o que explica o técnico Ramon Pereira, ao avaliar que atletas cegos e videntes sem experiência não encaram o esporte da mesma forma: “Para alguém que nunca jogou, mas enxerga, a bola é uma motivação. Já para quem é cego, a bola representa um universo estranho, o medo é muito maior”. Desafios ou conquistas, não importa, são sempre grandes, como de todo atleta. As adaptações, para os jogadores cegos, são um mero detalhe. E as dificuldades são encaradas como problemas muito mais naturais do que nos parecem. “Como muitos de nós já praticamos algum esporte, fica mais fácil aprender o futebol”, lembra Marcos Lima. O goleiro da Urece Gabriel Mayr concorda. Mayr é também o treinador da equipe feminina de futebol de cinco - a primeira do país - e nota que ensinar as meninas exige mais atenção. Isso porque os atletas da equipe masculina chegam aos treinos conhecendo mais o futebol. “A primeira coisa que a gente faz com quem nunca jogou é descrever o local, mostrar as dimensões da quadra, o tamanho do gol”, diz o treinador da Urece. “Como os homens geralmente chegam sabendo o que é um gol, por exemplo, só precisamos que eles reconheçam, com o tato, o que já conhecem. Com as meninas costuma ser diferente, nós precisamos primeiro mostrar os elementos e depois ensinar para que servem.” Mas o desafio não de-
32 sencoraja. Ao contrário, é uma motivação ainda maior para os treinadores envolvidos. O auxiliar técnico Ricardo Robertes, que já treinou tanto equipes de cegos quanto de atletas sem qualquer deficiência, conta que os deficientes visuais tendem a assimilar com mais facilidade o que aprendem. “Como dependem mais de nós, já que somos uma referência importante de narração e orientação, os jogadores cegos sempre seguem o que dizemos”, conta. “Eles sabem que essa é a única forma de acertarem.” A mesma relação de confiança - na medida certa - deve existir entre os jogadores e a arbitragem. Para apitar uma partida da modalidade é preciso fazer um curso sobre o futebol adaptado, para se familiarizar com as diferenças nas regras. Nelson Luiz Glock, árbitro de futebol de cinco que já apitou em mundiais e paraolimpíadas, é um dos principais responsáveis pela formação desses novos profissionais. Visivelmente dedicado, Glock não esconde que esse trabalho da arbitragem não é valorizado como deveria: “Fora o que ele nos ensina, não há nenhum benefício extra para quem apita aqui”.
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Cursando um Novo Mundo
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Competição no mercado de trabalho leva alunos a entrarem na disputa pelas melhores vagas nas universidades. O cursinho é um “ás na manga” nessa corrida Thiago Carvalho
O especial do futebol de cinco • Os quatro atletas que jogam na linha entram em quadra com um tampão, sobre o qual é colocada uma venda. Todos são cegos, à exceção do goleiro e do chamador. • O chamador é como um guia: ele orienta o ataque da própria equipe de trás do gol adversário. • O goleiro tem a área de atuação limitada a uma pequena zona retangular de 2 x 5 metros.
Apitar nesse tipo de esporte, para o árbitro, além do compromisso, exige maior atenção aos detalhes. Isso porque os códigos dos atletas ce-
gos são diferentes dos convencionais: “O importante aqui, ainda mais que no futebol comum, é captar a real intenção do jogador, que às ve-
• Com a banda lateral, conjunto de compensados de madeira de 1,5 metro de altura que cerca a quadra lateralmente, a bola só sai pela linha de fundo, o que dá mais dinamismo ao jogo. • Guizos de ferro costurados aos gomos da bola substituem os sacos plásticos antes usados para improvisar seu som.
zes é diferente do que é visível para nós”, explica Nelson Glock. “Nós temos que ter sensibilidade para reconhecer quando um esbarrão é ou
Sob o lema “não enxergamos obstáculos”, atletas da Urece se preparam para entrar em quadra
não proposital, porque os deficientes visuais têm também os seus macetes.” Percepção, atenção à segurança dos atletas e ao silêncio fora de quadra são apenas algumas das preocupações de um árbitro de futebol de cinco durante um jogo. Para Glock, não a principal: “Para ser realmente um bom árbitro para cego, o mais importante é que não se tenha pena dele”. Nem “inferiores” nem “super-herois”. Foi a crítica que fez um dos atletas aos dois tipos de adjetivos com que costumam rotulá-los. Para além da percepção distorcida de videntes sobre superação, fica aqui a oportunidade de conhecer o que pensa e ensina - um atleta cego. “Em quadra, nós somos esportistas. Quando eu estou jogando futebol, eu supero o adversário”, diz Marcos Lima. “A deficiência, nós superamos lá atrás, quando ficamos cegos. E voltamos a superar, nas situações mais corriqueiras, todos os dias.”
São 9h da noite de sexta-feira e todos os colégios fecharam. Os prédios comerciais também. As luzes que se vê além dos postes são de pequenas salas em escritórios. Quase todas as pessoas estão em casa descansando, mas os cursinhos de vestibular funcionam a todo vapor. Luiza Rodrigues, 18 anos, terminou o ensino médio há pouco tempo e tenta o vestibular pela segunda vez. Ela quer passar em Medicina para uma universidade pública e, por isso, é uma das sete pessoas assistindo a uma aula de biologia dentro de uma sala apertada no Centro do Rio de Janeiro tarde da noite. Os alunos que buscam bom desempenho raramente descansam. De segunda à sábado – e por vezes domingo – correm atrás do sucesso. O objetivo é a aprovação numa boa universidade. Essa é também a meta do curso pré-vestibular: aprovação. As semelhanças entre cursinho e escola são poucas. As escolas são instituições voltadas para a formação ampla do estudante como cidadão. A estrutura exige espaço de convivência, salas de aula confortáveis e professores comprometidos com a construção do caráter do aluno. O cursinho é voltado apenas para o sucesso. Segundo o professor de Geografia Alexandre Silva, que é também coordenador de um colégio na Barra da Tijuca, “os cursinhos não precisam de muito. Como o foco é fazer o aluno passar em um exame acadêmico, o resto é superficial. Na escola, tudo é importante, desde a aparência das salas até a cantina”. Roberto Cantão, que é coordenador e professor de um curso pré-vestibular no Recreio dos Bandeirantes, justifica: “O aluno
Alunos do Bahiense: o esforço durante à tarde completa o aprendizado das aulas da manhã
que quer passar só precisa estudar. Por isso não faz sentido um pátio enorme para a prática esportiva, por exemplo”. Para os cursinhos, a infra-estrutura básica é suficiente: sala de aula, cadeiras, quadro e giz. Segundo ele, a estratégia que é mais comumente adotada é a de pequenos cursos se instalarem em prédios comerciais. “Isso diminui gastos de manutenção e facilita o acesso dos alunos que moram longe”, afirma o coordenador. Estar dentro de um centro comercial libera o cursinho de oferecer banheiros, cantinas, locais de lazer, máquinas fotocopiadoras. Os alunos podem usar os serviços do lugar. Outros estudantes O público de um pré-vestibular é amplo e variado. “Aqui temos muitas pessoas que já trabalham ou que já se formaram há muito tempo e querem tentar uma outra chance no ensino
superior”, conta Roberto. Ao contrário das escolas, que têm como clientes jovens que residem em bairros próximos, o cursinho atende a diferentes faixas etárias e regiões. Outro diferencial é o comprometimento dos estudantes. “Quem faz o vestibular de novo, sejam quais forem as razões, tem maior comprometimento. Logo, os alunos de cursinho costumam ser mais dedicados que os de escolas”, explica o professor Alexandre. Os alunos também pensam assim.“Foi no colégio que conheci meus melhores amigos. Quando saí, percebi que precisava de uma forcinha para entrar na faculdade. Procurei o cursinho”, diz a estudante Luiza, “Meu objetivo não era fazer novas amizades, mas passar nas provas.” Para atender à expectatva de alunos como ela, os pré-vestibulares oferecem programas de estudos diferenciados. Enquanto a
escola tem uma grade horária rígida, os cursinhos dão maior flexibilidade de horário. Cabe ao aluno montar a melhor rotina de estudos. Luiza, este ano, optou por cursar matérias não-específicas para a prova de vestibular durante a tarde e as específicas à noite. “De manhã preferi reservar o tempo para estudar sozinha”, conta. Os cursinhos também oferecem alguns “pacotes fechados” de aulas. Na maioria das instituições são três: extensivo, intensivo e intensivão. O primeiro ensina e revisa toda a matéria em um ano, o segundo em seis meses e o terceiro em um curso relâmpago de três meses de duração. O tempo de funcionamento de um pré-vestibular pode passar de 15 horas por dia. Apesar do ritmo corrido, são poucos os funcionários envolvidos. A alta rotatividade de alunos limita o dinheiro desses estabelecimentos. Para cortar custos, utiliza-se o
Uma forma de compensação
Os cursos pré-vestibulares surgiram por volta dos anos 60. Durante ess período, o Brasil já vivia um momento econômico de leve crescimento que prescedeu o “Milagre Brasileiro” na década de 70. O mercado de trabalho se aqueceu e aumentou a demanda por ensino superior de quanlidade. Faltavam opções de instituições de ensino e a disputa por uma vaga nas boas universidades públicas se acirrou. Como as faculdades particulares eram muito caras, o cursinho surgiu para ajudar alunos que não podiam pagar pelo ensino a entrar nas universidade gratuitas - porque quem havia estudado em bons colégios provavelmente seria bem sucedido.
mínimo de mão-de-obra. Figuras como o inspetor de corredor de não existem. A maioria dos cursos trabalha apenas com um quadro de professores e outro de funcionários de limpeza e afins. Os donos dos cursinhos muitas vezes exercem também a função de professor e administrador financeiro. “Pouco dinheiro e pouco aluno exigem menos organização. Apenas quando o curso começa a crescer e se tornar uma rede é que as demandas aumentam. Mesmo assim, as mudanças são poucas: por tradição, a organização do cursinho é simples” explica Roberto. O segredo é o mestre Apesar do funcionamento simples e da estrutura básica, o cursinho atrai muitos alunos graças aos professores. A importância deles é tanta que alguns são disputadíssimos no mercado de pré-vestibular. Enquanto a hora-aula em uma turma de 3º ano do ensino médio é de R$ 32,00, nos cursinhos os professores chegam a ganhar mais de R$ 20 mil ao mês. As aulas de professores famosos são verdadeiros shows. Eles cantam músicas, contam piadas, usam palavrões. Todos os recursos são válidos para fazer o aluno entender e lembrar o conteúdo da matéria na hora da prova. Márcio Freitas é professor de Física e dá aula nos dois tipos de instituições de ensino: “Nas escolas, a aula tem que ser mais séria. No pré-vestibular os professores têm mais liberdade para lecionar da maneira que acharem ser a mais eficiente”. Além do conteúdo disciplinar, também fazem parte das aulas os “macetes” e estratégias para fazer prova. “Queremos que o aluno passe e para isso ensinamos de tudo”, completa o coordenador Roberto.
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Respeitável público: o Circo Baixada chegou
Projeto social ensina a arte circense a crianças carentes da baixada fluminense Karen Araujo Platéia lotada, expectativa no ar. No meio do picadeiro, uma grande árvore espalha seus galhos pelos cantos do cenário. Ana Caroline de Jesus, uma menina de 9 anos, domina o tecido acrobático e vai até o alto da lona, a mais de dez metros de altura. Entre uma pirueta e outra o público, formado por muitas crianças e pais orgulhosos, a aplaude. Essa apresentação porém, não é de um circo qualquer. O Circo Baixada é um projeto não governamental para o auxilio de crianças e adolescentes do município de Queimados, Baixada Fluminense. De diferente, já começa pela faixa etária: todos os participantes do espetáculo têm entre 7 e 17 anos. A instituição foi criada em 2002 e já atendeu mais de 1.500 pessoas. Entre as oficinas de circo, encontramos aulas de malabares, cama elástica, monociclo e perna-de-pau. As oficinas são acompanhadas com atenção e interesse e, assim como em uma escola, têm chamada e tarefa de casa. Todos os menores presentes no projeto são de Queimados. Cerca de 15% deles são moradores do Fanchem, bairro onde o circo está localizado. Os outros 85% são formados por crianças afetadas por violência e abuso em casa, assim como menores de rua que moram em abrigos nos arredores do local. A ordem geral é incluir e, por esse motivo, não há período de inscrição. Assim que o menor chega ao Circo Baixada, ele é apresentado a uma série de oficinas em que pode participar. A instituição tenta também desenvolver a figura familiar fazendo reuniões com os pais e até mesmo intervindo junto ao conselho tutelar.
No Circo Baixada, os alunos tem regras e tarefas para fazer: O projeto tem o formato de uma escola As oficinas dão frutos para o futuro das crianças. Muitas delas ganham bolsa de estudos em outras instituições depois de fazerem 18 anos e alguns voltam para dar aulas no projeto. Sueny Nogueira, por exemplo, ficou anos como aluna e hoje dá aula de perna-de-pau. Ao mesmo tempo faz dança graças a uma bolsa de estudos que ganhou. O espetáculo que está em cartaz se chama “Brasil, a cara do mundo”. Ele fala sobre a mistura de raças que formou a cultura do país. A apresentação começou a ser planejada com seis meses de antecedência. A coreografia foi feita junto com os alunos do projeto. “É um trabalho coletivo, eles participam de tudo” diz Nilcilene Moreira, coordenadora geral do projeto. Já o figurino, cenário e maquiagens são deixados para o grande dia. “Crianças, figurinos e maquiagem não dão certo no ensaio. É a nossa surpresa
final” diz a arte educadora Ymara Rodrigues. Só no dia do espetáculo a surpresa acontece: as 50 crianças que participam do apresentação – escolhidas pelos instrutores pela vontade e pela habilidade adquirida durante as aulas – surgem em blocos conforme
suas especialidades. É um show de palhaços, acrobatas, equilibristas, malabaristas, bailarinas entre outros. A animação contagia o público que assiste àquelas pequenas crianças fantasiadas e maquiadas se dievertirem enquanto produzem “mágica” no picadeiro.
Entre a dissidência habitual, a instituição atende 150 crianças ao ano. Seu treinamento é coroado pelo espetáculo circense dessa noite, em que não importa o movimento mal-sucedido ou o erro na cambalhota, e sim a satisfação e a alegria de quem está participando.
Um circo sem animais e com mais luxo A arte circense teve que se adaptar a nova era das apresentações
O circo está mudando. Leis que proíbem a presença de animais nas apresentações estão forçando dezenas de circos a renovarem seus espetáculos. A PEA (Projeto Esperança Animal), uma entidade ambiental que defende a proibição, estima que há dez anos existiam 3.500 circos com animais. Hoje, muitos fecharam graças principalmente à lei de proteção promulgada em diversos estados como o Rio de Janeiro. Na esteira de um circo
mais humano, surgem novos movimentos como o do Circo de Soleil. Apesar de ainda se basearem nos dogmas circenses e viajarem o mundo fazendo espetáculos que misturam esquetes irreverentes e acrobacias, a companhia se tornou um negócio que ganha mais de US$ 600 milhões por ano. Jogando no Quintal e Teatro Mágico também se utilizam das técnicas lúdicas. O primeiro, uma trupe de palhaços que apresenta esquetes em teatros, o se-
gundo, um grupo musical que mistura letras e poesias a acrobacias. Essa reinvenção acaba atraindo novos admiradores. Se antes a definição de circo era de artistas de uma mesma família que por gerações trabalhavam sob a lona, agora diversas instituições ensinam malabarismo, perna-de- pau e inclusive a ser palhaço. É o surgimento de uma nova geração que entendeu que deveria se modernizar sem perder a essência do espetáculo.