Ano XVI No 2 Março - Abril 2015
INTERVALO ANALITICO
MATÉRIA DA CAPA
FAZENDO PARTE DA NOSSA HISTÓRIA
A PSICANÁLISE DA CORRUPÇÃO
EM QUE PONTO VOCÊ ESTÁ?
“`Compramos a fonte de Freud!’ Fonte em que Freud se inspirou? ... Logo soube que o termo se referia à caligrafia, à fonte cursiva surpreendida na correspondência e, especialmente, na assinatura a nós tão familiar...”
“Na corrupção, um pouco diferente do que ocorre na perversão, transgride-se um valor simbólico estabelecido como referência e compromisso.”
Entrevista com Luis Áquila. “Se fôssemos inteiros, não precisaríamos de arte.”
Fernanda Marinho
Entrevista com Carlos Motta, médico psiquiatra que iniciou sua formação em 1986. “Penso que alguém para ser psicanalista tem que ter vivido intensamente suas próprias questões e emoções no que elas trazem da emergência do inconsciente.”
página 3
página 4
página 7
Carlos Pires Leal
Marina Tavares página 10
EDITORIAL
MATÉRIA DA CAPA
Freud: a comunicação através do tempo A comunicação é abertura para o outro e o Intervalo Analítico se apresenta como veículo de circulação do pensamento psicanalítico, debate, informação e reflexão. Freud foi um grande comunicador e escritor, o disseminador da peste. Com sabedoria e grande estilo literário, o nosso mestre soube proporcionar a descoberta intelectual aliada a uma resposta emocional e colocar em debate suas ideias, divulgá-las de forma abrangente, a ponto de facilitar a difusão da psicanálise por vários continentes, mesmo com algumas traduções tendenciosas, biologizantes e desumanizadas. No próximo número da Revista Calibán, abordando as Ferramentas do psicanalista, será debatido também (na seção Vórtice) o tema Tradução em Psicanálise, quando serão aprofundadas, em vários textos, as controvérsias ao redor da questão. Freud se referia à alma quando usava a palavra Seele, em alemão, e não à mente, que enfatiza o intelecto. Essa riqueza criadora de um método de aproximação ao inconsciente nos serve de fonte de inspiração e transformação até os dias atuais. A matéria da capa tem como tema a Fonte Freud, adquirida pela SBPRJ e tão bem sustentada no texto de Fernanda Marinho. A psicanálise é uma disciplina que transita entre o passado que desperta no presente e aponta para o futuro na luta con-
tra a repetição estéril. Os analistas, através dos tempos, buscam a interlocução com outros campos do saber e com a cultura. Mas ainda lutamos contra certo silêncio nas questões contemporâneas que nos atingem. Por isso, o IA tenta focar no debate, mesmo que não traga respostas, mas suscitar perguntas, sobre, por exemplo, o tema da corrupção, que vocês poderão ler no trabalho de Carlos Leal: “A Psicanálise da Corrupção”.
“A comunicação é abertura para o outro...”
As colunas permanentes, conforme segue neste número, trazem novidades: Revista Trieb, da SBPRJ, em fase de transformação e novo visual para o próximo lançamento; Fazendo Parte da Nossa História – entrevista com Carlos Motta; Psicanálise e Cinema sobre o filme “Terapia Intensiva”; Psicanálise e Arte – Em que ponto você está?, entrevista com o artista plástico Luiz Áquila; Divagar é Preciso – dica literária sobre o livro “Uma Duas”; agenda dos eventos do Conselho Científico no Vai Acontecer; Notícias do Ins-
tituto de Ensino e Formação Psicanalítica e Espaço dos Membros Provisórios do Instituto, com as impressões sobre a Aula Inaugural “Liberdade, humor e fé – o muro que separa e a ponte que une”. A mesa foi composta pelo cartunista Chico Caruso e pelo antropólogo Luís Fernando Duarte; Notícias do Site; e Notas do Conselho Diretor. Além desse interessante conteúdo, inauguramos o Caderno D, do Departamento de Difusão da Formação Psicanalítica, com apresentação da diretora Simone Wenkert Rothstein e matéria sobre os Grupos e Núcleos psicanalíticos ligados à SBPRJ. Retornando à valiosa fonte freudiana, com os desdobramentos que outros pensadores trouxeram à nossa disciplina, esperamos contribuir para que a psicanálise do séc. XXI não só repense as bases que a sustentam, para fortalecer a construção de sentidos na intimidade do par analítico, mas que também possa incluir na sua prática a comunicação e a divulgação constante de suas reflexões, contribuindo, assim, para o entendimento dos impasses contemporâneos que levam à violência, à destrutividade e ao vazio de ideais humanistas das sociedades narcísicas. Boa leitura! Lúcia Palazzo Editora
CONSELHO DIRETOR 2015-2016 Presidente: Miguel Calmon du Pin e Almeida; Vice-Presidente: Fernanda de Medeiros Arruda Marinho; 1º Secretário: Carlos Alberto Quilelli Ambrosio; 2ª Secretária: Maria Elisa Alvarenga; 1º Tesoureiro: Cláudio Frankenthal; 2ª Tesoureira: Cristiane Paracampo Blaha Rangel / Conselho Científico: Wania Maria Coelho Ferreira Cidade (Diretora), Sandra Maria de M. Gonzaga e Silva (Secretária) / Conselho Profissional: Margaret Rose C. Waddington Binder (Diretora), Sonia Cecília Bromberger (Secretária) / Clínica Social e Centro de Estudos Psicanalíticos: Maria Teresa Naylor Rocha (Diretora), Maria Teresa Silva Lopes (Secretária) / Departamento de Publicação, Biblioteca, Arquivo e Divulgação: Lúcia Maria de Almeida Palazzo (Diretora), Eloá Bittencourt Nóbrega (Secretária) / Departamento de Difusão da Formação Psicanalítica: Simone Wenkert Rothstein (Diretora), Sônia Eva Tucherman (Secretária) / Instituto de Ensino e Formação Psicanalítica: Celmy de A. A. Quilelli Corrêa (Diretora), Ruth Lerner Froimtchuk (Vice-Diretora), Maria Cristina Brandão Lobato Cunha (Secretária) / Site: Luciana Carvalho
A fonte de Freud
“Compramos a fonte de Freud!” Fonte em que Freud se inspirou? Fonte que Freud nos legou? Como comprar uma fonte? Lembrei-me do velho patriarca de uma tradicional família de pescadores de Búzios que falava comigo, enquanto lavrava a terra: “Dona, ‘tão’ cercando o mundo!”, com um largo gesto de braço que abarcava a extensão das pastagens e terras de pequeno cultivo que se avizinhavam da imensidão das areias e mares a perder-se no horizonte. Referia-se às cercas que marcavam os territórios recém-adquiridos, cada vez mais numerosas e restritivas ao livre movimento de pessoas e animais que começavam a mudar a paisagem e os costumes locais. Logo soube que o termo se referia à caligrafia, à fonte cursiva surpreendida na correspondência e, especialmente, na assinatura a nós tão familiar
Freud e seus manuscritos
Marca única, inconfundível, intraduzível, selo de identidade, um dos registros daquilo que é irredutível no indivíduo. Temos aí um paradoxo: algo tão singular, tão próprio de um, abrigado em um termo que aponta para a indeterminação, para o infinito. Se vamos ao texto de Freud defrontamo-nos com uma estrutura polissêmica, fonte inesgotável de desdobramentos que nos alimenta continuamente. Mas não é a identidade, por sinal um termo que não se encontra nos escritos de Freud, algo que em si mesma só se dá no encontro com o Outro, que exige o estranho, sendo a “estrangeiridade” a ela inerente? E, neste sentido, um devir e um porvir em aberto, uma fonte? Fonte, origem. O. Bion cita Milton ao referir-se a O, realidade última, a coisa em si, incognoscível, inefável, do domínio do ser em evolução para o domínio do conhecer:
“O mundo erigido de águas escuras e profundas, conquistado do infinito vazio e informe” (em tradução livre. Paradise Lost, III. 11-12). A fronteira, o limite, o solo, o não além deste solo são termos recorrentes na linguagem de Derrida, como se a impossibilidade de delimitar um território estável onde o pensamento pudesse se estabelecer fosse instigadora do próprio pensamento. O aspecto errante da fonte se reflete na possibilidade ilimitada do pensar; mas esse espaço em aberto, vivido como um abismo infindável que desperta o temor reverencial, leva-nos à ânsia pelas amarras, por ancorar em território definido e definitivo de que temos a posse indiscutível. “Escrever do próprio punho”, a origem da fonte cursiva nas palavras do alemão Harald
#1
#3
#2
#4
INTERVALO ANALÍTICO Editoras: Lúcia Maria de Almeida Palazzo, Eloá Bittencourt Nóbrega / Colaboradores do Departamento de Publicação, Biblioteca, Arquivo e Divulgação: Cláudio Frankenthal, Cristiane Rangel, Fernanda Lorenzon, Lúcia Moret, Luciana Carvalho, Magda Costa, Marina Tavares, Mônica Aguiar, Roberto Franco e Samantha Nigri / Secretária: Celyne Maués / Projeto Gráfico e Editoração: Fantastico Studio di Design
Geisler, um amante da caligrafia, idealizador do projeto que permite aos comuns o acesso à expressão na forma da letra manuscrita de gênios como Einstein e Freud, esta, em seu dizer, “letra quase agressiva, quase feroz de tão expressiva”. Geisler nos conta que, ao viver o rompimento de um namoro, o seu maior sofrimento não foi a perda das juras apaixonadas que permeavam a sua troca epistolar, mas “o rito, o ato de pegar a caneta para escrever do próprio punho”; paradoxalmente, o projeto por ele desenvolvido prevê como um de seus fatores constitutivos a abolição deste ato apaixonante, a escrita do próprio punho. Lançados em terreno dos opostos, abrimo-nos para a pausa, a caesura, aquilo que une na descontinuidade, algo em comum na visão sob vértices antagônicos; entreabre-se a possibilidade de transcender um sistema cristalizado de crenças sem diluir as diferenças, mantendo as tensões a elas inerentes e, ao mesmo tempo, tolerando a ambiguidade, a incerteza, a pluralidade de sentidos constitutivos de um pensar criativo ou profundamente humano, que evoca um intervalo analítico. Fernanda Marinho fernandaamarinho@globo.com
Sigmund Freud Typeface #1, #2, #3 e #4. Cada versão foi baseada em uma das quatro variações da caligrafia de Freud identificadas por Harald Geisler.
2
INTERVALO ANALÍTICO
Março - Abril 2015
INTERVALO ANALÍTICO
3
FAZENDO PARTE DA NOSSA HISTÓRIA
BIBLIOTECA MARIALZIRA PERESTRELLO
Entrevista com
Conhecendo
Carlos Motta
nossa biblioteca
Serviços Fotocópias / Impressão preto e branco / Encadernação / Pesquisa Bibliográfica / Revisão Bibliográfica Todos os serviços solicitados à Biblioteca deverão ser enviados para biblioteca@sbprj.org.br
O Intervalo Analítico, nesta edição, dá continuidade à coluna “Fazendo parte da Nossa História” com o colega Carlos Fernando dos S. Motta, que gentilmente nos concedeu esta entrevista. Graduou-se médico psiquiatra, iniciando a sua formação psicanalítica em 1986.
Os anos de formação Terminei a formação em 1992 e creio que vivi uma época de muitas mudanças. Quando iniciei, havia um grande prestígio social da psicanálise e também das sociedades ligadas à IPA. Contudo, no decorrer da formação o panorama foi mudando, com a agudização da crise econômica, a proliferação de instituições lacanianas sustentadas por um discurso de contraponto à IPA e, somado a isso, o fortalecimento da psiquiatria organicista com forte influência norte-americana, com seus manuais de diagnóstico que pulverizavam a nosologia freudiana. Novas medicações eram introduzidas com promessas de cura e felicidade. Eram comuns slogans como o irônico “escutando o Prozac” ou “Freud está morto?”. Convivíamos com isso, a maioria sem se deixar abalar em sua relação com a importância da psicanálise. Mas a crise trouxe um avanço que sem ela provavelmente não teria ocorrido, que foi como que uma análise da nossa idealização da psicanálise e do nosso narcisismo como psicanalistas. Acho que esse choque de realidade trouxe muitos benefícios e levou a psicanálise a repensar o seu lugar, sua hierarquia, seus limites e sua relação com outras áreas e saberes. Em 1991, comecei a dar aulas de Freud numa pequena instituição e passei a estudar muito. Após terminar a formação, criei coragem e ofereci um curso eletivo na SBPRJ, ao qual se seguiram outros. A transmissão em seminários foi e continua sendo uma das experiências mais gratificantes para mim. Qualidades para ser psicanalista Penso que alguém para ser psicanalista tem que ter vivido intensamente suas
4
INTERVALO ANALÍTICO
próprias questões e emoções no que elas trazem da emergência do inconsciente. Acho que a intimidade com a “loucura pessoal”, tê-la experimentado na carne e tê-la em constante elaboração, é a condição primeira para o desejo de ser analista. É o chegar a um solo comum a partir do qual nos dedicamos à singularidade de cada analisando. Uma outra qualidade que acho inerente à prática analítica é o saber escutar sem se precipitar, sem usar o saber analítico como defesa e, assim, dirigir ou obliterar a análise. Afinal, o saber de que se trata, caso a caso, constitui-se no próprio processo.
“Penso que alguém para ser psicanalista tem que ter vivido intensamente suas próprias questões e emoções no que elas trazem da emergência do inconsciente.” Questões atuais O tratamento de pacientes psicóticos me traz sempre muitas questões. Acho uma conquista para ambos ter com o paciente que, às vezes, rompeu com tudo, com um vínculo, frágil que seja, mas que fique parcialmente fora da certeza do delírio. Um vínculo transferencial a partir do qual se possam construir novas soluções e defesas
Horários Segunda a quinta-feira: das 19h às 22h / Sexta-feira: das 8h às 17h
menos radicais. Tenho da psicose uma concepção trágica, de alguém submetido a forças que o ultrapassam em função de uma fragilidade estrutural, e apesar da necessidade da medicação, acho que a psicanálise traz instrumentos e referências fundamentais para ajudar o paciente em sua luta para sobreviver como sujeito, até porque uma das questões cruciais na psicose é o risco da alienação e da dessubjetivação. Experiência singular na clínica Houve um período no qual tinha em análise muitas pessoas idosas. Foi uma experiência que me fez questionar a recomendação freudiana de que as pessoas mais velhas não teriam a plasticidade psíquica necessária para uma análise. Talvez o percurso de toda uma vida e a proximidade da morte traga em algumas pessoas uma abertura surpreendente para a transferência e uma correlata atualização do inconsciente. Lembro em especial de uma senhora que, em análise há três anos e numa forte transferência, a partir das associações de um sonho bastante simbólico e complexo, foi surpreendida pela “lembrança” de uma cena infantil de um trauma sexual. Essa representação que surgiu no contexto transferencial lhe provocou muita angústia, mas também uma série de ressignificações de sua vida sexual e conjugal. Como se algo que lhe fora sempre aversivo e enigmático se abrisse. Como se ela, a partir do ponto inicial dessa representação, criasse um sentido, mas, simultaneamente, já pudesse, também, se haver com o impossível de ser simbolizado sem precisar recorrer mais à defesa que a cristalizara.
Projeto do Departamento de Publicação, Biblioteca, Arquivo e Divulgação que tem como proposta disponibilizar a base de dados e a memória científica da SBPRJ abrindo o intercâmbio com vários campos do saber e com a comunidade. Sigmund Freud (1856 – 1939), em sua biblioteca em Viena, possuía mais de 2.000 títulos. Eram obras de todos os gêneros. A Biblioteca da SBPRJ conta com um acervo em torno de 3.000 livros, 80 títulos de revistas, gravações, vídeos e uma base local de dados bibliográficos com mais de 36.000 registros destinados à psicanálise. Esse material é prioritariamente reservado aos membros da SBPRJ, podendo atender também ao público externo. Parte do acervo será digitalizado para melhor atender aos pedidos que deverão ocorrer, preferencialmente, através de e-mail.
Recentemente foi adquirida e incluída em nosso banco de dados a tese de doutorado “Funcionamento Autístico e Desenvolvimento da Linguagem”, do psicanalista Carlos Tamm, desenvolvida na Clínica Tavistock e na Universidade de East London, apresentada em 2014, em Londres. O autor apresenta um estudo baseado em sessões de psicoterapia com crianças dentro do espectro autístico e que utilizam a linguagem de forma atípica. O material clínico é analisado pelo método chamado “Grounded Theory”, com apoio de uma versão da “Grade” de Bion. Através da relação transferencial é possível acompanhar as ansiedades e
Março - Abril 2015
Museu de Freud em Viena, Áustria
defesas que interferem na capacidade verbal das crianças. É analisada a evolução do uso da linguagem em paralelo com o desenvolvimento emocional das crianças no contexto de suas psicoterapias e são formuladas algumas hipóteses sobre as oscilações no seu funcionamento mental e emocional. A oscilação no estado emocional, no uso da linguagem e nos processos de pensamento é estudada em termos de uma flutuação geral entre três diferentes estados mentais que são descritos no trabalho. Breves vinhetas das análises de adolescentes e adultos com traços autísticos são incluídas no capítulo final para ilustrar esse aspecto.
A ps i c anál i s e é d es t acad a como pr i n c i pa l b as e teór i ca e métod o d e i nve st i g ação d es te t r ab al ho. A Te o r i a d a s rel ações d e ob j eto re c e be u m d es t aq u e i mp or t ante d es d e, pa r ti c u l ar mente, a e vol u ção d o pe n s a m ento K l ei ni ano, rep res ent ad a pe l a o b r a d e B i on, p as s and o p or Wi n n i c o t e au tores q u e s e d ed i car a m a o Au t i s mo, como Fr ances Tu s ti n , D o n a l d M el t zer e D i d i er H ou zel. O tr a ba l h o s e ap oi a, ai nd a, nas form u l a ç õ e s d e Wi t tg ens tei n s ob re a fu n ç ã o s oci al d a l i ng u ag em. Lucia Moret luciamoretc@gmail.com
INTERVALO ANALÍTICO
5
A Psicanálise
NOTÍCIAS DO INSTITUTO
Corrupção. Fundamentalismo. Violência. Liberdade. Alteridade. A coluna do Instituto tem o prazer em apresentar dois textos que não têm medo de lançar um olhar psicanalítico sobre esses assuntos tão complexos e conseguem ser profundos e instigantes neste espaço exíguo. Carlos Pires Leal, membro efetivo da SBPRJ e coordenador científico e de ensino da Associação Psicanalítica de Nova Friburgo, fala sobre a corrupção, velha companheira da sociedade brasileira, hoje exposta, com todo seu horror, em praça pública. Monique Ribeiro de Assis, membro provisório da SBPRJ, dá um apaixonado testemunho do que foi a aula inaugural do Instituto de nossa sociedade. E mais não digo, pois os textos falam por eles mesmos. Quem quiser comentá-los, pode enviar um e-mail para a coluna, pois é nosso desejo fomentar discussões e estabelecer o diálogo com nossos leitores.
Cristiane Blaha Rangel cblaharangel@gmail.com
ESPAÇO DOS MEMBROS PROVISÓRIOS
Aula Inaugural: uma experiência estética Liberdade, humor e fé – o muro que separa e a ponte que une A aula inaugural do Instituto, que marcou o início dos cursos deste ano, trouxe para a discussão os temas da liberdade, do humor e da fé inspirada nos últimos acontecimentos em Paris, neste janeiro de 2015, que culminaram com os assassinatos de cartunistas e jornalistas do famoso jornal satírico Charlie Hebdo. Este jornal segue uma tradição francesa de uma imprensa ácida, questionadora e perturbadora, que não coloca limites para o humor e que, nos últimos tempos, teve como alvo de suas piadas o fundamentalismo religioso. A mesa foi composta pelo cartunista Chico Caruso e pelo antropólogo Luís Fernando Duarte, além dos anfitriões Celmy Quilelli Corrêa e Miguel Calmon. A proposta de discutir e refletir sobre temas tão complexos e, sem dúvida, do maior nível de abstração convocou a todos nós em nossa faculdade da razão a criarmos novas trilhas
para pensarmos e analisarmos, ancorados nas nossas teorias, os acontecimentos daquela quarta-feira em Paris. Conceitos como liberdade, religião, humor, tradições, cultura e amor foram pensados na perspectiva da alteridade e da reflexividade, olhar para si e para fora, encarar as mazelas de dentro antes de atacar, sordidamente, os de fora, suportando as diferenças. Psicanálise, antropologia e jornalismo se refestelaram de um banquete de saberes no melhor estilo “Festa de Babette”. O que poderia ter sido feito para que aquele dedo no gatilho fosse contido? Perguntamos nós, herdeiros de uma cultura ocidental eurocêntrica. Talvez, nunca tenhamos as respostas, talvez nunca sejamos capazes de nos despir dos nossos valores de liberdade, de hediondo, de vida e morte para nos aproximarmos da
intensidade das emoções que estavam em jogo naquele atentado. Nossas capacidades racionais não nos levam tão longe, só a arte nos possibilitaria este caminho, já nos dizia Nietzsche, e foi o que aconteceu. Apolo e Dionísio nos visitaram naquela noite de quinta-feira. É preciso que a sensibilidade e a afetividade se juntem à razão para que a experiência artística se presentifique e nos conduza a um fruir estético, um espaço de liberdade, no qual a noção de tempo e espaço se colocam a serviço do sublime. O que nos foi apresentado não foi uma aula, mas uma obra de arte... inaugural – potente o suficiente para rasgar as nossas carnes e nos possibilitar, em nós mesmos, a construção de novas pontes e a destruição de velhos muros. Monique Ribeiro de Assis monique_assis@uol.com.br
NOTÍCIAS DO INSTITUTO
da Corrupção
A corrupção transbordou sobre a Nação brasileira. Institucionalizou-se. Não receia mais a luz do dia. Pelo contrário, a ela se expõe despudoradamente. Não é nova, é verdade. Esta velha senhora, de hábitos costumeiramente sorrateiros e astuciosos, albergou-se sem pejo nos núcleos formais do poder da Nação – e se disseminou dentro deles. Na corrupção, um pouco diferente do que ocorre na perversão, transgride-se um valor simbólico estabelecido como referência e compromisso. Quando os agentes públicos violam ostensivamente o cumprimento de um compromisso pactuado, praticam a corrupção. O perverso é coerente com a sua lógica pervertida: não reconhecendo a lei desde o início, não a corrompe. É fiel e coerente com os seus princípios. Sem culpa e sem medo. Não se deixa subornar na consumação de seus atos: neste sentido é incorruptível! A corrupção-de-Estado desacredita e desnatura as funções política, social e jurídica do Estado degradando a sociedade. Hélio Pellegrino nos dizia há 32 anos (Pacto
Edípico e Pacto Social, 1983) que “a ruptura do pacto social , em virtude de sociopatia grave – como é o caso brasileiro – pode implicar a ruptura, ao nível do inconsciente, com o pacto edípico”. Destruindo-se o significante paterno, o Nome do Pai, aniquila-se o lugar da Lei e promove-se a delinquência no plano público ou privado. É uma das formas de compreendermos a pilhagem do bem público (patrimonial e simbólico) em benefício privado. Rompido o pacto social, o pacto edípico fica ameaçado fazendo emergir os impulsos pré-edípicos, predatórios, parricidas, homicidas e incestuosos. Os protestos nas ruas e os panelaços indicariam ventos auspiciosos? E as iniciativas do Judiciário prenunciariam a recomposição de um novo pacto social? Não necessariamente. É perigosa a aposta na purificação da sociedade através da eliminação dos corruptores. A psicanalista francesa Marie-Laure Susini (Elogio da Corrupção, 2010) alerta para o perigo da crença no incorruptível. As maiores atrocidades foram cometidas ao longo da história baseadas no ideal de regeneração da pretensa natureza virtuosa, ino-
cente e pura do homem: acabar-se-ia com o corrupto restituindo-se a pureza do homem. Homo homini lúpus: corromper e ser corrompido é uma propensão humana. A renúncia a ela dependerá da restauração de ideais coletivos pelos quais paguemos o preço coletivo do sacrifício. Carlos Pires Leal carlospiresleal@gmail.com
NOTAS DO CONSELHO DIRETOR Homologações da AGO de 16/03/2015 Qualificação como membro Efetivo: Ana Maria Sabrosa G. da C. Nogueira / Qualificação como membro Associado: Maria Piedade Malerba / Pedido de desligamento do membro Associado: Sonia Constantino / Representantes externos / Delegados da SBPRJ junto à Federação Brasileira de Psicanálise – Febrapsi: Miguel Calmon du Pin e Almeida e Fernanda Marinho / Delegados da SBPRJ junto à Federação Psicanalítica da América Latina – FEPAL: Miguel Calmon du Pin e Almeida e Wania Maria Coelho Ferreira Cidade.
NOTÍCIAS DO SITE A partir de reuniões em que nosso grupo de trabalho estabeleceu as mudanças necessárias para que nosso site se modernizasse e se atualizasse, contratamos o Fantastico Studio di Design, comandado por Fernanda e Leo Mangiavacchi, que já traçou as metas necessárias e iniciou o trabalho de construção do novo site. Acreditamos que dentro de, no máximo, dois meses estaremos apresentando o novo site. Estamos junto com o Departamento de Publicação e Divulgação, buscando novas formas de comunicação com os membros da Sociedade em particular e com a comunidade em geral, dinamizando o Facebook e usando vídeos para divulgar atividades. Se você tem alguma sugestão, entre em contato conosco através do e-mail lucianac@globo.com.
Luciana Carvalho
6
INTERVALO ANALÍTICO
Março - Abril 2015
www.sbprj.org.br
INTERVALO ANALÍTICO
7
CADERNO D
Departamento da Difusão da Formação Psicanalítica Com alegria estreamos este espaço: o Caderno D. Aliás, novos espaços são destinos vitais para o Departamento de Difusão da Formação Psicanalítica. Este departamento, que inicialmente buscava exclusivamente dar suporte a novos grupos de estudo, foi ampliando seus objetivos e compreendendo que a psicanálise pulsante se faz no intercâmbio com a cultura. E entre a visão da psicanálise social e da psicanálise porosa a outros saberes, abrimos portas e janelas, vamos produzindo bons encontros e ótimas parcerias, desde os programas de rádio Escutar & Pensar, atualmente Janela Lilás, e o Perguntar & Pensar, produzidos na Rádio MEC-AM, passando pela utilização destes como promotores de reflexão em escolas, hospitais, penitenciárias, entre outros, seguindo pelas noites no Centro Cultural Midrash, onde a psicanálise se abre a um público muito interessado, oferecendo riquíssimos diálogos da psicanálise com a arte, com a antropologia, com o cinema e com a história. Compreendemos a psicanálise para além de nossa clínica privada, como um instrumento de reflexão sobre o sujeito na cultura, agente de saúde pública e de transformação social. Neste primeiro número, debruçamo-nos sobre o trabalho com os Grupos de Estudo Psicanalíticos, nas palavras de Diana Raquel Carvalho e Ney Marinho.
vas de levar colegas para lá até agora foram frustradas. As condições econômicas da cidade, muito diferentes das de grandes centros, como Rio e São Paulo, podem ter sido um empecilho, embora o custo de vida seja muito menor. Novas maneiras de desenvolver o núcleo estão sendo pensadas e serão em breve discutidas e divulgadas. No questionário que enviaremos em breve a todos os membros dos núcleos e colegas que trabalham fora do Rio, investigaremos mais as condições de trabalho em Salvador. Em nenhum lugar foi fácil criar uma sociedade de psicanálise. Tal empreendimento sempre pediu o trabalho apaixonado de nossos pioneiros, como das colegas que hoje dirigem os núcleos.
Aos que trabalham longe... O nosso ofício é solitário. Alguns (como Bion) acham que o sentimento de solidão que acompanha a introspecção, tanto no analista como no paciente, seria um dos elementos da psicanálise, ou seja: uma característica que assegura tratar-se o encontro de uma psicanálise e não de outra coisa qualquer. Assim, sabemos também a falta que faz o diálogo e o convívio entre colegas, a troca de experiências e o partilhar de emoções. Não temos a pretensão de suprir essa falta que, talvez, não seja para ser eliminada, como dissemos. Mas, desejamos oferecer aos colegas distantes o que pudermos para manter viva essa relação. Vemos também
essa proposta como a de uma via de mão dupla, uma vez que será extremamente enriquecedora para todos essa troca. Ney Marinho e Diana Raquel Carvalho
Simone Wenkert Rothstein Diretora do Departamento de Difusão da Formação Psicanalítica
DIVAGAR É PRECISO Em primeiro lugar, apresentamos um quadro geral dos Membros que trabalham fora do município do Rio de Janeiro. De nossos 303 Membros, 68 estão nessa condição e são, portanto, 22% de nosso quadro. Estão assim distribuídos: No Brasil: 58, sendo 16 no Estado do Rio de Janeiro (Friburgo 1, Macaé 1, Niterói 10, Petrópolis 3, Terezópolis 1) e 42 nos demais estados (AL 1, BA 1, CE 3, DF 1, ES 9, GO 1, MG 4, PE 3, PR 3, RS 4, SC 1, SP 12). No exterior: 10 (Espanha 2, França 1, Israel 1, Portugal 1, Reino Unido 3, EUA 2). “Núcleo Psicanalítico é a denominação dada a um grupo de psicanalistas filiados a
uma ou mais Sociedades do Brasil componentes da IPA ou profissionais que fazem sua formação psicanalítica por intermédio ou com assistência de uma ou mais Sociedades componentes da IPA existentes no Brasil, com o fim de atingir a condição de Grupo de Estudo e, posteriormente, Sociedade Provisória, quando será supervisionado diretamente pela IPA. A seleção, a análise didática, o curso teórico, as supervisões e a graduação dos componentes dos Núcleos Psicanalíticos serão da exclusiva responsabilidade da(s) Entidade(s) Federada(s) que aceitaram o grupo em questão para esse fim específico.” (Art. 38 dos Estatutos da FEBRAPSI).
A SBPRJ patrocina dois Grupos de Estudos: NUPES (Núcleo Psicanalítico do Espírito Santo) e o Núcleo Psicanalítico de Salvador (Bahia). O NUPES é dirigido por Iara Borges, tem oito membros, sendo quatro alunos do Instituto da SBPRJ. O NUPES tem promovido vários cursos abertos ao público interessado sobre diferentes temas com a abordagem psicanalítica. O Núcleo Psicanalítico de Salvador (Bahia) é dirigido por Maria Cristina Borja Gondim, com 13 membros que contribuem financeiramente e frequentam regularmente suas atividades. Seu principal problema é a ausência de analistas com funções didáticas em Salvador. As tentati-
Uma Duas
De Eliane Brum / 175 pág. / Ed.: Leya A relação mãe-filha é um dos temas de estudo mais bonitos e complexos da psicanálise. Quando a boa literatura se ocupa do assunto, então, é um prato cheio. Por indicação da colega Karla Loyo, cheguei ao livro UMA DUAS, romance de estreia da premiada jornalista gaúcha, Eliane Brum. Não é uma relação mãe-filha qualquer – nenhuma é – mas, nesta, o ódio se apresenta com tal intensidade que me fez correr a história em uma busca angustiada pelos sinais do amor escondido. Angustiada e, em muitos momentos, até nauseada, porque a autora parece escrever com as entranhas, tamanha a crueza com que descreve os fatos, afetos e fantasias das personagens. “O sangue saindo pela boca do braço. Quantas vezes eu já me cortei?... Era a voz da mãe no lado avesso da porta. Laura. Rasgo mais uma boca. Meu sangue garoa junto com a voz no piso do quarto. Laura. Minha mãe sempre foi assim. Ela sempre sabe o que estou fazendo... Começo a escrever este livro enquanto minha mãe tenta arrombar a porta com suas unhas de velha.
Porque é realidade demais para a realidade. Eu preciso de uma chance. Eu quero uma chance. Ela também... Quando digo a primeira palavra o sangue ainda mancha os dentes da boca do meu braço. Depois da primeira palavra não me corto mais. Eu agora sou ficção. Como ficção eu posso existir... Esta é a história. E foi assim que se passou. Pelo menos para mim.” Penso, agora, que este livro doeu em mim. E já nem sei se gostei tanto assim dele. Por que, então, recomendá-lo aos colegas? Talvez porque está muito bem narrado, pleno de metáforas, escrito com sangue. Em alguns trechos fazendo até lembrar de Clarice Lispector. Talvez pela maneira como a autora explora o mundo interno das personagens. Talvez porque eu pretenda espraiar para atenuar a angústia que senti com a leitura. Ou, mais simplesmente: porque o livro mexeu comigo. Não seria isso o que caracteriza um bom livro? Maria Noel Brena Sertã marianoel@globo.com
Paises e estados brasileiros onde trabalham membros da SBPRJ
8
INTERVALO ANALÍTICO
Março - Abril 2015
INTERVALO ANALÍTICO
9
EM QUE PONTO VOCÊ ESTÁ?
PSICANÁLISE E CINEMA
Luiz Áquila
Terapia Intensiva
“Sou carioca em Petrópolis, casado, tenho filhos e netos . Sempre tive vontade de ser pintor. A pintura me puxou. São imperativos pessoais, a necessidade de pintar, a necessidade de manter a criação plástica em movimento “. Em que ponto você está? Vou voltar um pouco no tempo, retomando aquele depoimento de 2010... que lhe inspirou essa nossa conversa. Meu pai era arquiteto, um arquiteto modernista. Num determinado momento, a questão da aplicação da arte passou a ser crucial para ele e foi nesse momento que decidi ser pintor. Ele dizia: “Por que você vai
fazer uma coisa tão circunscrita, com uma forma de produção tão antiquada?”“Por que não faz cinema, como os seus amigos?” Quem sabe lhe estimulando a uma abrangência maior? Claro. Mas também questionando a função social das artes plásticas. Um exemplo: se a referência for o público, seja com obras
Filme franco-americano de 2013 lançado diretamente em DVD no Brasil
múltiplas ou seja com obras únicas, sempre estaremos na dependência da quantidade de pessoas que veem essas obras. Uma pintura, você pode ter gente vendo durante 100, 200 anos, e você vai somando essas pessoas, na verdade você terá muito mais público do que em outras manifestações artísticas voltadas para a produção múltipla. E você se tornou pintor e pintor abstrato sem culpa nenhuma...? Isso mesmo! Mas, na minha geração, não são mais as referências externas que contam. Aquelas pinturas mais abstratas da minha geração, em geral, não partem da natureza, nem mesmo de sua abstração; o assunto da pintura é a pintura, a sua própria forma. É forma e conteúdo e motivo, ao mesmo tempo. A cor é o elemento mais direto. A cor é um pouco, talvez, como o ritmo na música. A cor te toca imediatamente. E eu acho que a arte brasileira é, às vezes, um pouco tímida em cor. Às vezes, a arte brasileira tem uma vontade de ser fina e educada, europeia. Isso é histórico, vem desde o movimento modernista. Mudando de assunto, ou puxando brasa para a análise, como se dá a satisfação, nesse misterioso e surpreendente mundo? Podemos aproximá-lo um pouco mais? Eu acho que a arte cria pontes dentro do indivíduo. Pontes entre suas fragmentações. Ela amarra. Por isso que eu estava dizendo: se nós fôssemos inteiros, “satisfeitos”, não precisaríamos de arte. O artista é quem tem mais essa percepção de ser incompleto e mais a sensação do buracão que está na nossa frente. Marina Tavares marinatavares@terra.com.br
“Se fôssemos inteiros, não precisaríamos de arte... “
10
INTERVALO ANALÍTICO
Para ler a entrevista completa, acesse nosso site (www.sbprj.org.br) Obras/exposições/livros no site: www.luizaquila.com.br
O título original “Jimmy P. – Psicoterapia de um Índio das Planícies” esclarece que não se trata de UTIs, mas da psicoterapia diária de um índio aculturado da tribo Pés-Pretos. O terapeuta Georges Devereux publicou o caso em 1951 como Reality and Dream: Psychotherapy of a Plains Indian. Considerando que o roteiro lhe tenha sido fiel, o psicanalista atual fará ideia de como podia se dar uma terapia de base analítica no final dos anos 1940 nos EUA em ambiente institucional. Jimmy Picard lutara na II Guerra e sofria terríveis dores de cabeça e perdas temporárias de visão. Como havia sofrido um ferimento na região e desmaio, foi submetido a exames médicos que nada acusaram. Sendo ex-combatente, teve a sorte de ser internado no famoso hospital psiquiátrico dirigido por Karl Menninger, um “defensor de tratamentos humanistas para as loucuras”, segundo Roudinesco. Jimmy não conseguia comentar figuras mostradas nos testes psicológicos, mas mencionava outras imagens que lhe ocorriam. Pensaram em esquizofrenia – num quadro que o filme mostra como sendo de sugestivos sintomas conversivos. Menninger pediu , então, ajuda a Devereux, um etnólogo que havia feito pesquisas antropológicas entre índios Mohaves do Arizona. Seriam poucas consultas visando distinguir as alterações emocionais dos elementos próprios de uma cultura diferente da nossa. Os encontros se transformaram em sessões pautadas por esclarecimentos feitos ao paciente e que hoje podem parecer esquemáticos ou caricatos, havendo momentos que lembram uma “psicanálise selvagem”. Há também um conflito que interfere na “transferência positiva” do pacien-
Março - Abril 2015
Benicio Del Toro e Mathieu Amalric em uma cena de Terapia Intensiva
te devido ao ateísmo declarado de Devereux frente à religiosidade do índio que, além dos conceitos morais de sua cultura, considera-se católico. Mas importou mais o laço de respeito e consideração (concern) que se desenvolveu entre eles, lembrando o que Kohut dizia: o que cura em psicanálise é a empatia, não importando a escola teórica com a qual o psicanalista se identifica, mas que ele possa compreender o que lhe seria originalmente estranho na alteridade do analisando. Pena que no filme não fique tão explícito que Devereux também enfrentara diferenças culturais: nem era francês, como se anunciava, tendo nascido (1908) Gyorgy Dobo em região que já foi da Hungria e da Romênia. Judeu, se fez batizar como católico em 1932, tendo vivido situações de conflito entre a mãe germanófila e o pai húngaro que conversava com
ele em francês. Oscilou entre ser escritor, médico, químico, matemático, sociólogo, até atuar como etnólogo e antropólogo antes de entrar para a Associação Psicanalítica Americana e a Sociedade Psicanalítica de Paris (1959). Nos EUA, França e Inglaterra ensinou etnopsiquiatria e etnopsicanálise, tendo publicado 400 trabalhos e estudado 130 casos de índios. Morto em 1985, suas cinzas foram dispersas segundo rituais mohaves, índios que davam muita importância aos sonhos: ele dizia que foi isso que o guiou até Freud. Como antropólogo e psicanalista, já em 1967 frisava que o observador sempre interfere no campo observado, antecipando questões intersubjetivas de nossa clínica atual, já imune ao suposto ideal de “objetividade”. Luiz Fernando Gallego luizgallego@gmail.com
INTERVALO ANALÍTICO
11
REVISTA TRIEB
A revista Trieb pode ser adquirida na sede da SBPRJ
A escrita psicanalítica é um tema de alta complexidade que envolve questões científicas (o que transmitir), éticas (compromissos), de estilo (como transmitir) e neste, especialmente, aspectos da subjetividade do autor. Como escreve Bernardo Tanis, ex-editor da Revista Brasileira de Psicanálise: “... o estilo conjuga a generalidade do gênero (da escrita) com a singularidade do autor... A quem se dirige o enunciado? Como o autor percebe e imagina seu destinatário? Mestres, discípulos, a comunidade científica, os opositores, os seguidores?” São inúmeras as transferências e contratransferências presentes em um trabalho psicanalítico escrito (aliás, em qualquer tipo de escrita). Portanto, os autores querem que seja bem-visto esse fruto gerado com doses diversas de dor e prazer. Então, enviam os seus trabalhos para publicação em uma revista psicanalítica, claro que a Trieb. E o que fazem os editores? Ao chegar pelo e-mail revistatrieb@sbprj. org.br, o artigo passa por uma primeira triagem para verificar se está dentro das normas: títulos, resumos e palavras-chave em português, inglês e espanhol, apresentação de acordo com as instruções e outros. Estando conforme as instruções aos autores (é de suma importância
que as leiam em nosso site antes de enviar seus trabalhos), os editores encaminham o artigo para apreciação de três pareceristas. Estes desconhecem a identidade do autor e vice-versa, no sentido de manter ao máximo a isenção na leitura. Os pareceristas avaliam os seguintes itens: enquadramento na linha editorial da revista, originalidade, argumentação, clareza na expressão das ideias, qualidade do material clínico (quando há), ortografia, bibliografia, título, resumos. A seguir, fazem uma avaliação geral que pode ser: 1) recomendado para publicação; 2) não recomendado para publicação; e 3) recomendado para publicação com modificações. Os autores são informados da decisão e na situação 3 as sugestões são enviadas para que providenciem o que foi solicitado. Após a aprovação total pelos pareceristas, é feita uma última revisão pelos editores. Novas solicitações podem ser feitas no sentido de adequação às normas de publicação, assim como tornar trechos mais claros no sentido de fluidez do texto e consistência argumentativa. Os editores têm um trabalho árduo e delicado, pois sabemos que estamos lidando com um produto interno e querido dos autores. Como o nosso interesse é mais artigos aprova-
dos dentro da qualidade científica da TRIEB, nas próximas colunas continuaremos essa conversa sobre questões ligadas à publicação de artigos. Aguardem para breve os dois números da TRIEB de 2014. E estão chegando de cara nova. Editores: Bernard Miodownik, Maria do Carmo Andrade Palhares e Maria de Fátima Amim Consultora Editorial: Munira Aiex Proença revistatrieb@sbprj.org.br
VAI ACONTECER Café Literário 08 de maio e 12 de junho, às 17:00 Coordenação: Sandra Gonzaga e Silva SBPRJ & Midrash – Ciclo Psicanálise, Arte e Criatividade: entre urgências e abrangências 14 maio, às 20:00 / R$ 40 A percepção do artista e o seu processo de transformação em objeto de arte Conversa com Anna Bella Geiger [artista plástica] e Lilian Krakowski Chazan [psicanalista] 09 de junho, às 20h30 / R$ 40 Apresentação Musical do músico Rafael Rocha e Bate-Papo com a psicanalista Sandra Gonzaga e Silva Local: Midrash Centro Cultural
12
Psicanálise & Cinema: Vagas Estrelas da Ursa 22 de maio, às 19:00 Coordenação: Luiz Fernando Gallego e Aida Ungier
Encontro com Giuseppe Civitarese – psicanalista italiano 27 e 28 de agosto Coordenação: Wania Maria Coelho Ferreira Cidade
Reunião Científica: “A propósito de um aparelho de linguagem” 28 de maio, às 21:15 / R$ 20 público externo Apresentador: José Renato Avzaradel Coordenação: Wania Maria Coelho Ferreira Cidade
Encontro com Luis Jorge Martin Cabré – psicanalista espanhol 31 de agosto e 01 de setembro Coordenação: Wania Maria Coelho Ferreira Cidade
“SBPRJ-Rádio MEC: 14 anos nas ondas do rádio” 30 de maio, às 10:00 Coordenação: Sonia Eva Tucherman
Compra ou reserva antecipada através do e-mail secretaria@midrash.org.br
Ciclo de debates Psicanálise e Psiquiatria 25 de junho “A psicanálise trata das psicoses?” Com Ney Marinho e o convidado Nelson Goldstein, psicanalista e psiquiatra
Fórum Livre de Psicanálise 21 de maio e 18 de junho, às 21:15 Discussão de artigos com temas de psicanálise contemporânea Coordenação: Bernard Miodownik
Psicanálise & Cinema: Hannah Arendt 26 de junho, às 19:00 Coordenação: Luiz Fernando Gallego e Aida Ungier
INTERVALO ANALÍTICO
Simpósio de Lançamento da Revista Calibán: Ferramentas do psicanalista 01 a 03 de outubro Local: Museu de Arte do Rio – MAR Coordenação: Lúcia Maria de Almeida Palazzo Winnicott: Integração e Diversidade. XXIV Encontro Latino-americano sobre o Pensamento de D. Winnicott 19 a 21 de novembro Local: Hotel Everest Ipanema – Rio Coordenação: Anna Lúcia Melgaço Mais informações na SBPRJ Tel: 2537.1115 / 2537.1333
www.sbprj.org.br