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LIXO POETICO FRANCISCO PROVID NCIA 04.09 25.09 2020


Foi o desenho que desenhou o Homem, que o desenhou desde os primórdios, sob a dupla condição de representar o que existia (ganhando consciência de si) e de representar o que desejava (ganhando domínio sobre o futuro). São assim as gravuras rupestres na foz do Côa. Daqui veio o signo, o símbolo e a palavra e tudo o que somos hoje. Uma construção de pensamentos traduzidos em imagens e fonemas. Ao confrontar-se com o nada, o Homem discursa a possibilidade. O pensamento é um falar. Mas não é o homem quem fala, mas a “fala” (linguagem) que fala nele (Heidegger), sob duas consequências:

A trivialização kitsch da representação de flores (medíocre, no sentido em que sacrifica a sua função estética pela adequação democrática), apresenta-se como mais um lixo poético. Embora as flores sejam o órgão sexual das plantas mais recentes (e por isso mais evoluídas) da história natural, não são senão uma estratégia biológica para eficiência reprodutiva, uma armadilha para fazer dos insetos agentes polinizadores — a que o Homem emprestou o significado de belo, enquanto manifestação singular de ordem, cor e aroma, produzindo-lhe encantamento — e que, por isso, o Homem industrializou.

O Homem é um “fala-barato”, reproduzindo um Mas o que aqui importa será menos o motivo balbuciar estereotipado, que serve o propósito floral do que o modo como foi apropriado, nesses de manter agregados os membros de um grupo; minutos de ação criativa (ou poietica) ao serviço do nada (lixo). O “nada” garante, garantirá, a O Homem cala-se para ouvir no seu interior, a desocultação da verdade e a convocação da poesia que dá realidade ao ser, que lhe dá diferença, dispositivo que, como identifica Michel existência, que é a “casa do ser” (Heidegger). Foucault e explica Deleuze, é um sistema de enunciação, uma máquina de fazer ver e de fazer Mas quem fala a Fala que o Homem ouve? falar que, a partir de uma “fratura” se traduz em A própria linguagem, radicada no corpo de saber, poder e subjetividade — e essa é a condição memórias e preservada em formas (palavras ou para que se transforme o lixo em luxo. imagens), com que imaginamos o futuro do ser. Se usamos a linguagem que herdámos, Mas poderemos trocar o desejo de repetição preservamos o passado (transmissão), se a (ou “felicidade” como lhe chamava Kundera), pelo reinventamos, construímos o futuro (interpretação). sacrifício da diferenciação (resistência contra a indiferença e condição de inovação)? As formas do desenho são uma metáfora significante, uma luta ancestral entre a mancha e a linha, entre sensação e pensamento, entre a liberdade do gesto e a precisão da fronteira, Porto, 4 de setembro de 2020 entre a mão simiesca e a máquina de desenhar. Francisco Providência


LIXO POÉTICO FRANCISCO PROVIDÊNCIA

FICHA TÉCNICA Curadoria Fernando Gaspar Francisco Providência Paulo Neves Mário Marnoto Design Providência Design Impressão Oficina Digital, Aveiro © 2020, Aveiro 250 exemplares

CATÁLOGO 20 desenhos no formato 20 x 20 cm









FRANCISCO PROVIDÊNCIA

Francisco Providência (n. 1961) formou-se em Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto em 1985 e doutorou-se na Universidade de Aveiro em 2012. Professor nas Belas Artes e na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, integrou a partir de 1997 a Universidade de Aveiro onde é professor associado e membro eleito para o Conselho Geral. Foi diretor do programa doutoral em Design e cofundador do ID+ (Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura), unidade de investigação acolhida pelas Universidades de Aveiro e Porto e Politécnico do Cávado e Ave, onde coordena o grupo MADE.PT.

Membro do comité acessor, em representação de Portugal na BID — Bienal Iberoamericana de Diseño, venceu o prémio internacional Red Dot 2008. Foi galardoado com prémios nacionais de design (nas áreas de comunicação, equipamento e ambiente). A sua museografia recebeu a nomeação para o Melhor Museu Europeu (Prémio EMYA), com os Museus Municipal de Penafiel e do Dinheiro (BdP), e a distinção de Melhor Museu Português (Prémio da APOM — Associação Portuguesa de Museologia). Com escritório de design desde 1985, tem colaborado com diferentes empresas no desenvolvimento de produto, comunicação, ambientes e museografia.


microarte

Alicerçada na experiência da Arte e da partilha agregadora de artistas e amigos e na pura vontade de fazer da farmácia um local de encontro, expressão e fruição, a Farmácia Giro criou, no reduzido espaço do seu interior, uma micro galeria sabendo, por experiência própria, do potencial que têm as matérias comprimidas e a grandeza das coisas pequenas. A microarte Giro liga as pequenas e as grandes coisas que cada um de nós tem para dar, transformando a matéria dos dias iguais, em experiências gratificantes e únicas.

Estritamente dedicada ao pequeno formato, este espaço exíguo ganha a escala de um enorme compromisso que, cada obra de Arte, pela sua misteriosa natureza, constituirá a enorme manifestação da nossa dimensão criadora. Com o limite máximo estabelecido de vinte por vinte centímetros, cada peça constitui-se como um desafio para quem faz e para quem vê, tangenciando o desejo de começar ou dar continuidade a uma coleção de Arte, valorizável, representativa e acessível em todas as suas dimensões.

Fernando Gaspar


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