EDUCAÇÃO Da aprendizagem por projetos à exploração de temas, materiais e espaços não convencionais
ENVELHECIMENTO Ações intergeracionais, protagonismo e preparação para a aposentadoria
SUSTENTABILIDADE Educação socioambiental para formar cidadãos críticos
2018 ISSN 2594-5823
O DESAFIO É CRIAR UM NOVO AMBIENTE EDUCATIVO
V Fórum Sesc de Educação: pesquisador português António Nóvoa defende a atuação coletiva de professores para um ensino individualizado na escola pós-revolução digital PÁGINA 4
02.
2017
ISSN 2594-5823 O conteúdo dos artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores.
DIRETORIA Luiz Carlos Bohn
Presidente do Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac
Luiz Tadeu Piva
Diretor Regional Sesc/RS
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COORDENAÇÃO TÉCNICA DE EDUCAÇÃO COMPLEMENTAR, CIÊNCIAS E HUMANIDADES
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EDUCAÇÃO NO CENTRO DAS DECISÕES
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“Temos a responsabilidade de promover um novo ambiente educativo, simbólico e cultural”. Esta fala do pesquisador português António Nóvoa resume muito do compromisso que temos, no Sistema Fecomércio-RS, com a área da educação. Nóvoa é o entrevistado desta 2ª edição da Revista EducaSesc e compartilha com os leitores o seu conhecimento em torno da educação contemporânea. Entendemos que o Brasil evoluirá a partir do momento em que a Educação estiver no centro das grandes decisões. Trata-se de um direito fundamental que ajuda não só no desenvolvimento de um país, mas também de cada indivíduo. O educar está presente em todas as ações do Sesc/RS, contribuindo para o crescimento integral das pessoas, proporcionando a compreensão completa do meio em que vivem e incentivando a valorização das identidades culturais com o fomento de valores éticos e cidadania.
EXECUÇÃO E PRODUÇÃO EDITORIAL Andréa Costa
andrea@pubblicato.com.br Direção de Criação e Atendimento
Vitor Mesquita
Direção Editorial e de Criação Design Gráfico e Edição de Arte
Os artigos e relatos presentes nas próximas páginas desta publicação abordam temáticas que nos instigam a olharmos para todos como agentes de transformação. Seja ela uma visão específica da área da Educação ou dos eixos do Envelhecimento e Sustentabilidade, assim como em outros momentos apresentamos o olhar sobre o Esporte e a Recreação.
Clarissa Eidelwein (MTb nº 8.396) Edição e Reportagem
Patrícia Lima
Revisão de Texto
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Luiz Carlos Bohn
Luiz Tadeu Piva
Presidente do Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac
Diretor Regional do Sesc/RS
SUMÁRIO ENTREVISTA
ANTÓNIO NÓVOA
Na era da revolução digital, o modelo da escola atual é incompatível com a transmissão de conhecimento aos 4 alunos
PRÁTICAS DOCENTES: O USO DO TABLET COM CRIANÇAS AUTISTAS 32 INVESTIGAÇÕES NOS ESPAÇOS NÃO ESTRUTURADOS NA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL 26
ESTIMULAR A LEITURA É FORMAR CIDADÃOS CRÍTICOS 30
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ENCANTAMENTO COMO BASE DO CONHECIMENTO SOCIOAMBIENTAL E CULTURAL 46
A ETNOMATEMÁTICA NA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Reflexões sobre as dificuldades encontradas no ensino da matemática nos dias atuais
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ECO TRILHA: DA EDUCAÇÃO À SUSTENTABILIDADE 48
OS SONS DO COTIDIANO
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DIREITOS HUMANOS: UMA LONGA E BONITA CAMINHADA 22
CIDADANIA EM MOVIMENTO: DIREITOS HUMANOS E PROTAGONISMO DA PESSOA IDOSA 42 PROGRAMA DE PREPARAÇÃO PARA APOSENTADORIA: PROCESSO DE VIDA E SAÚDE 44
EDUCAR É UM EXERCÍCIO MÁGICO 10
A sonoridade presente em diferentes contextos que permeiam o cotidiano infantil
PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO E CIDADANIA: A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NO CONTEXTO DE UM PROJETO SOCIAL 39
DA EXPERIÊNCIA DE VIVENCIAR ESTUDOS SIMULTÂNEOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL 34
O DESAFIO ENTRE A FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES E O DESEJO 24
ENTREVISTA
ANTÓNIO NÓVOA
ESCUTE A ENTREVISTA
ANTÓNIO NÓVOA DEFENDE UM NOVO AMBIENTE EDUCATIVO NO V FÓRUM SESC DE EDUCAÇÃO PARA O PROFESSOR, REITOR HONORÁRIO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA, O MODELO DA ESCOLA ATUAL É INCOMPATÍVEL COM A TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO AOS ALUNOS NA ERA DA REVOLUÇÃO DIGITAL
PALESTRA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA: A SINGULARIDADE DO DESENVOLVIMENTO INTEGRAL
1 www.youtube.com/watch?v=_KKp2e8MNYQ
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“Educação contemporânea: a singularidade do desenvolvimento integral” foi o tema do V Fórum Sesc de Educação, que trouxe a Porto Alegre, em 23 de agosto, o professor português António Nóvoa. Defensor de uma escola centrada nas individualidades dos alunos em relação ao ritmo e forma de aprendizado, Nóvoa diz que estamos vivendo apenas a terceira grande revolução da História da Humanidade. A primeira foi a invenção da escrita, há cinco mil anos, e a criação do livro impresso, a segunda, há 500 anos. Atualmente, vivemos a revolução digital. Para o professor catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e embaixador de Portugal na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), entidade da qual também é e vice-presidente do Conselho Executivo, é preciso pensar uma nova escola, que seja desafiadora para essa geração de alunos de polegar hábil, denominada thumb generation, partindo de um ambiente educativo que permita ao professor ensinar não mais disciplinas, mas linguagens que possibilitem trabalhar em projetos de pesquisa. Em sua formação acadêmica, Nóvoa tem dois doutorados: Ciências da Educação na Universidade de Genebra, na Suíça, e História na Universidade Sorbonne, em Paris. Foi reitor da Universidade
de Lisboa entre 2006 e 2013, período em que se concretizou a fusão desta com a Universidade Técnica de Lisboa, tornando-se reitor honorário dessa nova instituição. Nessa entrevista exclusiva concedida à Revista Educa Sesc, Nóvoa, que tem acompanhado de perto a criação do Complexo de Formação de Professores na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), discorre sobre os desafios para tornar a escola desafiadora para crianças e jovens, além de cumpridora de seu papel de ensinar. Para o professor, isso só será possível se a escola tiver autonomia e os educadores atuarem coletivamente. QUAL O PONTO CENTRAL DE UMA EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE E EM QUE DIFERE DA EDUCAÇÃO TRADICIONAL? Há um aspecto na tradição que é absolutamente central: o conhecimento. O que é próprio de uma educação escolar é o conhecimento. Uma educação social ou uma educação familiar podem ter outros objetivos. Mas uma educação escolar sempre busca trabalhar o conhecimento. O que difere muito a educação tradicional da educação contemporânea é o que eu designo, metaforicamente, como uma forma de tentar encontrar uma palavra simples para algo muito complexo,
como o novo ambiente educativo. Precisamos de um novo ambiente educativo. Se pensarmos no ambiente tradicional da sala de aula, com quadro negro e carteiras, percebemos que não é um ambiente em que seja possível a educação contemporânea. Tudo o que pensamos ser a educação contemporânea não cabe ali. Não é possível a autonomia dos alunos em uma estrutura tão engessada, não cabe a diferenciação pedagógica, e a educação tem que ser ao ritmo e à medida de cada criança, não pode ser uniformizada. Não cabe a ideia de cooperação entre os alunos nem de uma pedagogia da comunicação. É no processo de comunicação que se aprende. Não cabe a ideia da pesquisa, não cabe a criação. Isto é, tudo que são os elementos centrais de uma educação contemporânea não cabe naquele espaço. Não é possível, de costas uns aos outros, comunicar uns aos outros; não é possível, olhando todos para um mesmo lugar – o quadro negro – o professor construir uma outra forma de trabalhar, do ponto de vista pedagógico. Por isso, eu tenho a segurança de dizer que o nosso desafio é reconstruir os ambientes educativos. É ter um outro tipo de escola em que seja possível trabalhar o que é próprio da educação, que é o conhecimento. Mas dizer isso não é a mesma coisa que dizer que a escola deve ser uma sucessão de aulas mais
eu sei. Escrevem com erros, eu sei. Escrevem com aquelas figurinhas horríveis, eu sei. Mas o potencial para a comunicação está lá. Compete a nós, COMO ENTRAM AS INOVAÇÕES professores, transformarmos isso em TECNOLÓGICAS NESSE CONTEXTO? uma lógica da aprendizagem daquilo O debate das tecnologias tem dois que entendemos que é importante os aspectos, um que me interessa alunos aprenderem. Nessa dimensão muito, outro que me interessa pouco. da revolução digital o conhecimento O que me interessa muito é que a sobre as novas tecnologias interessa revolução digital mudou tudo nas muito porque elas são imprescindíveis. nossas vidas. Mudou a forma como Já um pensamento sobre as novas nos relacionamos uns com os outros, tecnologias em uma perspectiva como acessamos o conhecimento, instrumental, se deve utilizar ou não, como nos relacionamos. Foram parece um debate irrelevante. Desse mudanças imensas. O filósofo francês ponto de vista, é a mesma coisa que Michel Serres, autor de Polegarzinha, uma caneta, um papel, um livro, que sobre a geração que pensa com o uma biblioteca. Não parece um debate polegar, argumenta que a revolução que mereça se passar muitas horas digital foi apenas a terceira grande discutindo. Sobre as consequências da revolução da História da Humanidade: revolução digital certamente que sim. a primeira foi a invenção da escrita, há cinco mil anos; a segunda foi a QUAL É O GRANDE DESAFIO DOS invenção do livro impresso, há 500 EDUCADORES? anos; e a terceira é revolução digital. Serem capazes de construir novos Em cada uma delas, temos uma ambientes educativos. Parece muito relação diferente com o tempo, com a simples, mas para construir isso toda memória, com os outros, uma maneira a estrutura da escola é colocada em de comunicar, uma relação diferente pauta: da organização do espaço e do com o conteúdo, mas sobretudo tempo, da distribuição dos serviços e aprendemos de maneira diferente do trabalho dos professores. antes e depois desses adventos. Por É sobretudo a ideia de que precisamos isso, as nossas crianças hoje aprendem de forma diferente do que eu aprendi, que meus pais, avós... Ao mesmo tempo em que as crianças não usam a cabeça da mesma maneira, não processam o conhecimento da mesma maneira, não utilizam as mesmas zonas do cérebro que a nossa geração. Elas constroem e reconstroem o conhecimento de outra forma. Têm uma maneira completamente distinta de comunicar, e a educação não pode deixar de perceber isso. Ela tem que ser coerente com essas novas gerações, em termos de perceber que podemos aproveitar o seu potencial para construir uma educação contemporânea. Há um potencial imenso, elas passam 24 horas por dia escrevendo no smartphone. Escrevem mais em um dia do que meus avós escreveram a vida toda. Não escrevem poesia ou literatura,
trabalhar coletivamente. Não há espaço para o trabalho individual. A ideia do professor que trabalha individualmente – eu vou organizar muito bem as minhas aulas e dar muito bem as aulas para meus alunos – não existe mais. Se eu quero ser um professor responsável e competente, não tenho que me questionar sobre como eu vou organizar as minhas aulas para os meus alunos, mas como vou trabalhar com meus colegas professores para organizarmos um espaço que permita aos alunos sua aprendizagem e seu trabalho. É uma mudança radical da função do professor. É um tempo da metamorfose da escola, e essa mudança da forma ocorreu pela última vez em meados do século 19. Há 200 anos. Nossa geração é a que vai promover a metamorfose da escola e o trabalho do professor vai ser totalmente reconfigurado em função disso. O professor deve pensar sempre como equipe a organização do espaço pedagógico para que seus alunos trabalhem e estudem. Esse é ponto. Aliás, é o que acontecia antes de existir escola. Havia estudo, mas não aulas. Acho que vamos ter que voltar a essa ideia. O importante é estudar, trabalhar, pesquisar, desenvolver projetos e resolver
problemas a partir de determinados temas de investigação. Isto que é verdadeiramente essencial. Eu insisto nisso porque eu acho que, no Brasil, isto por vezes está mal compreendido. E dizer isso não é desvalorizar o conhecimento, pelo contrário, é dizer que o núcleo central é sempre o conhecimento. EM TEMPOS EM QUE TUDO QUE SE BUSCA PARECE QUE JÁ ESTÁ PRONTO NA INTERNET, COMO FAZER PARA ENSINAR A PENSAR? Tivemos nos últimos 200 anos uma estrutura curricular baseada essencialmente em disciplinas, organizadas no século 19. Do ponto de vista científico também, todo o movimento positivista que hoje conhecemos estruturou suas disciplinas no século 19: matemática, física, história, geografia etc. Primeiro na ciência e só depois foi para dentro do currículo escolar, que é uma reprodução simplificada da estrutura científica, tal como ela se consagrou no final do século 19. Essa ideia hoje não faz sentido, nem na ciência e nem na escola. O que faz sentido é um desdobramento em duas linhas de frente: o aprender as linguagens – e João Castro
aulas mais aulas. A escola deve ser um lugar onde se trabalha em conjunto o conhecimento.
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João Castro
Precisamos é conhecer as linguagens para ter uma visão crítica. EDUCASESC 2018 6
não as disciplinas – e saber utilizálas para desenvolver projetos. Não é aprender matemática, é aprender a linguagem matemática, a linguagem histórica, aprender as bases do conhecimento de uma determinada área e ser capaz de utilizar essas bases para desenvolver projetos. As crianças são colocadas em situações de ter problemas, de ter projetos e questões a resolver, trabalhos a realizar, em que eles têm que utilizar essas linguagens para resolver um conjunto de dificuldades. Pode demorar um dia ou um mês, pode ser feito individual ou coletivamente. Ao dizer isto, digo que, no século 19, as pessoas cultas se distinguiam pela acumulação de conhecimentos, o erudito era conhecido por ser uma pessoa enciclopédica, uma espécie de enciclopédia viva. Hoje isso é completamente irrelevante, a enciclopédia está toda no smartphone. É inútil este conhecimento enciclopédico. O que precisamos é conhecer as linguagens para ter uma visão crítica, para distinguir todo o lixo que está aqui (no celular). As falsas informações, todas as coisas erradas que estão neste aparelho. Eu diria que, em vez de disciplinas, linguagens e os projetos. Este é o desafio dos professores: serem capazes de transmitir aos alunos essas linguagens e de os colocar em situação de desenvolver esses projetos. Tudo isso é totalmente diferente de dar aulas para alunos que tomam notas e tiram apontamentos. ESSE SERIA UM PONTO PARA TORNAR A ESCOLA INTERESSANTE PARA OS ALUNOS E CUMPRIDORA DO SEU PAPEL DE ENSINAR? Eu diria que interessante é uma palavra muito difícil, que pode remeter à ideia de brincadeiras e flexibilidade, o que é muito prejudicial às novas correntes pedagógicas. Eu diria uma escola que seja motivadora, desafiadora, uma escola da qual as crianças gostem, na qual se sintam mobilizadas, com vontade de se envolver, de trabalhar, de fazer esforço,
não mecânico, mas o esforço pela motivação. Há duas coisas que vêm de uma tradição pedagógica muito antiga e que continua atual, e que sem elas nada se consegue: motivação e atenção. Se não houver motivação ninguém aprende, não vale a pena. Eu sou contra as pedagogias autoritárias porque não levam a nada. Não adianta imaginar que a criança vai aprender pelo autoritarismo. Pelo contrário, cria um bloqueio. Sem motivação não há aprendizagem. Por outro lado, atenção. Vivemos em uma sociedade em que há uma grande dispersão. As crianças estão muito dispersas. Conseguem fazer o que eu não consigo, que é duas ou três coisas ao mesmo tempo e esse tema, relacionado à importância da atenção, é uma das questões centrais dos últimos estudos sobre o cérebro. Então o professor tem que ser capaz, utilizando a motivação, de fazer com que a criança foque a sua atenção em um determinado projeto, um determinado tema. COMO FAZER O ALUNO SE CONCENTRAR COM ESSA TENDÊNCIA DA ATUALIDADE QUE É A DISPERSÃO? Por que crianças e jovens, que muitas vezes dizemos que têm dificuldades de aprendizado, são capazes de se concentrar por muitas horas em uma determinada tarefa e não são capazes de passar cinco segundos em uma tarefa escolar? Observei um jovem colega de aula do meu filho. Era mais velho porque tinha sido reprovado várias vezes e totalmente irrequieto, todos os professores se queixavam, não se concentrava em nada nem por poucos segundos. Mas esse jovem praticava esporte. E quando praticava ficava concentrado de duas a três horas, às vezes, até o limite da sua força física, em um exercício, um treino. E não digo que aquilo seja interessante, jogar bola pode ser interessante, mas fazer um exercício repetitivo não é fácil. Por que ele conseguia fazer aquilo por três horas e não conseguia se concentrar cinco
segundos em uma tarefa escolar? Essa é a pergunta que temos que nos fazer. Como conseguimos que a tarefa escolar seja suficientemente desafiadora e motivadora para ter a atenção das crianças? Eu acho que isso tem a ver com os ambientes educativos. Se conseguirmos reconstruir o ambiente educativo, poderemos conseguir muita coisa que não conseguimos no atual ambiente. É muito difícil conseguir essa mobilização da criança.
30 e, quando se inventa isso, há uma uniformização, uma padronização, uma normalização que teve fatores positivos, como a possibilidade de expandir o ensino da tão propagada escolaridade obrigatória. Nos tornamos capazes de levar a escola a todos, mas sem qualidade e sem conseguirmos atender a essas dinâmicas individuais. Hoje o nosso desafio é a individualização e, por isso, o professor deve ser um organizador do trabalho, um espécie de tutor e estar extremamente VOCÊ É UM CRÍTICO DA atento em sala de aula. Um grupo PADRONIZAÇÃO, TANTO NO está fazendo uma coisa, outro grupo ENSINO COMO NOS MÉTODOS outra, um aluno estuda sozinho DE AVALIAÇÃO, E DEFENDE UM um outro projeto, e o educador ENSINO INDIVIDUALIZADO E AO deve estar extraordinariamente MESMO TEMPO COLABORATIVO. atento para ver quem precisa de um COMO FAZER ISSO ACONTECER? acompanhamento especial, uma Um dos grandes temas da palavra ou se precisa eventualmente pedagogia, desde sempre, mas muito sair da sala. Este é o papel de mal concretizado, é a ideia que cada organizador, de tutor, e muito menos criança aprende no seu ritmo e na de um preletor. sua lógica de desenvolvimento, ou seja, não existe duas crianças iguais. Há 100 anos dizemos isso. O psicopedagogo suíço Édouard Claparède (1873-1940) dizia que não entendia como dávamos o mesmo ensino a todas as crianças se não damos os mesmos sapatos a todas as crianças. Cada sapato tem que ser à medida do pé da criança. É tão disparatado dar o mesmo ensino a todas as crianças quanto dar o mesmo sapato, alguns vão ficar largos, outros pequenos etc. Isto é o que designamos diferenciação pedagógica, que tem como tema absolutamente central um ensino adaptado a cada criança. Mas como fazer isso com a estrutura do ambiente escolar formatado em sala de aula, que foi uma invenção notável no século 19 para ensinar a muitos como se fossem um só? Até então só havia o ensino tutorial. Temos registros de imagens em que 20 ou 30 alunos em uma sala aguardam sua vez de falar com o professor, que está sentado numa cadeira. Ninguém havia pensado que se podia falar ao mesmo tempo para
O professor deve pensar sempre como equipe a organização do espaço pedagógico para que seus alunos trabalhem e estudem.
MUITOS CRÍTICOS DEFENDEM QUE HÁ FALHAS NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES, ENTRETANTO, PARECE QUE A TEORIA DA ACADEMIA NÃO CHEGA NA SALA DE AULA. COMO APRENDER A ENSINAR? A questão central e decisiva é a organização do tempo do professor. Há uma reconfiguração do trabalho do professor, que tem que estar presente também na sua formação, tanto a inicial quanto a continuada. Parece que hoje há uma espécie de buraco negro, um vazio, na formação do professor, porque repetimos os erros há 100 anos, e temos que repensar isso. Há muitas boas experiências localizadas, especialmente no Brasil, como as que acompanhei em Minas Gerais e na cidade catarinense de Blumenau. Porém, a mais estruturada está para ser lançada: o Complexo da Formação de Professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É uma grande inciativa, com muito apoio da reitoria e a da direção da Faculdade de Educação, mas que envolve toda a universidade. O projeto parte do princípio que não se consegue uma formação de professores apenas dentro da academia, porque não há o contato com as escolas, com a profissão, com outros professores. Mas as escolas por si só também não formam, porque são rotineiras, voltadas demais para a prática e, às vezes, são muito conservadoras. São pouco estimulantes do ponto de vista do lugar. Precisamos criar o que na literatura chama-se um terceiro lugar. Um lugar entre a universidade e a escola, que é esse complexo de formação de professores, onde está a universidade e onde estão algumas escolas diferentes que aderiram ao projeto e que, portanto, estão disponíveis para se organizarem de outra maneira, para ter outro tipo de pedagogia, transformando-se em escolas formadoras. Da junção dos universitários com essas escolas formadoras surge o espaço que é mais propício para a formação de professores. EDUCASESC 2018 7
Esse espaço é muito parecido com o que significa os hospitais universitários para os médicos. Do hospital universitário, que não deixa de ser um pouquinho da universidade, espera-se que seja um lugar onde há mais pesquisa, mais capacidade de reflexão e mais inovação, do ponto de vista clínico. No fundo, o que se está tentando fazer é, sem ser no espaço físico, uma rede que desempenhará para a formação de professores a mesma função do hospital universitário para os médicos. Eu considero isso essencial para mudarmos o sistema educacional. Se a UFRJ conseguir levar isso em frente, será uma referência na formação de professores no plano mundial. É uma ruptura enorme que implica uma grande energia interna, com os poderes tradicionais, as escolas estaduais. Tem uma dimensão política muito forte. Será uma coisa extraordinária, se tiver continuidade.
dos professores por disciplina, se cada professor tiver que dar tantas horas de aula e outras imposições, não é possível. Se a escola não tiver autonomia para reorganizar o tempo de serviço dos professores e os professores não tiverem autonomia, tudo isso é uma ilusão. O que está acontecendo no Brasil é muito preocupante, porque o país tem tradicionalmente uma estrutura burocrática muito forte na carreira docente, em que os professores são obrigados a cumprir um conjunto de tarefas, com pouca possibilidade de sair desse padrão burocrático. Em cima dessa burocracia, tem uma espécie de constatação geral que os professores são mal preparados, que não têm conhecimentos suficientes. Que são frágeis, não têm competências. Cresceu em cima dessa burocracia um tipo de negócio de preparar materiais, programas, coisas para que os professores não façam
QUE PAPEL A FALTA DE AUTONOMIA DOCENTE EXERCE NOS BAIXOS ÍNDICES DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, EM COMPARATIVOS DE DESEMPENHO COM PAÍSES DESENVOLVIDOS? Acho que isso é uma das razões, mas há também questões históricas, sociais, culturais, de muita ordem, e temos que ter muito cuidado para não ter um discurso de culpar os professores. Antes dos professores, tem as políticas educativas, os investimentos. O conhecimento desses fatores deve nos servir para termos uma melhor consciência das coisas, mas não servir como desculpa, porque, se não se pode fazer nada, todos vamos embora, seguir outra profissão. Quando falamos no que os professores podem fazer, um aspecto central tem a ver com a autonomia também da escola, que deve ter uma determinada autonomia para se organizar. Obviamente, tudo que eu falar sobre os ambientes educativos, se a escola for obrigada pelo Estado ou pelo município a distribuir o trabalho
Temos que pensar a formação continuada sempre a partir de uma reflexão do coletivo de professores na escola.
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“asneiras”. Como se diz em Portugal, se prepararmos a papinha toda, e colocarmos certinho nas mãos dos professores livros, materiais didáticos e apostilas, eles seguem aquela cartilha, não necessitam pensar muito e não fazem asneiras. Isso é trágico porque é um negócio imenso que reduz a autonomia dos professores. Isso está acontecendo muito em países africanos. Grandes fundações, entre elas a do Bill Gates, instalam todos os materiais didáticos em pequenos computadores e entregam aos professores. O argumento de que os professores são mal preparados e é preciso dar uma controlada no trabalho é até válido em um curto prazo. No médio prazo, destrói completamente a profissão docente, o professor passa a ser um técnico, um aplicador de tutoriais. Temos que pensar a formação continuada sempre a partir de uma reflexão do coletivo de professores na escola e criar os instrumentos para que seja possível ensinar, em vez de inventar discursos e disponibilizar materiais. Vamos colocar a nossa energia para decidir como melhorar e como criar condições compatíveis com a realidade de cada escola, com uma rotina de trabalho coletivo, criar pensamentos, trazer alguém que possa contribuir, discutir. Isso deveria ser o foco da formação continuada. Claro que é mais fácil um pequeno grupo de burocratas decidir em 15 minutos a criação de 100 cursos, com lista dos contatos, espanhóis, portugueses, americanos... Não é este caminho.
que é teórica. Não faz sentido essa espécie de oposição entre o acadêmico e o técnico profissional. O que hoje importa é aprender as linguagens, é o que permite ler, interpretar e estar no mundo. Imaginar um ensino médio em que as matérias relacionadas com a filosofia não têm uma grande importância é completamente absurdo. Na última reforma educativa francesa, apenas uma matéria é obrigatória em todas as áreas: a filosofia. E não deixa de ser curioso. Hoje, nos Estados Unidos, entre as grandes universidades, as mais clássicas, incluindo a da Pensilvânia, Harvard, a que se destaca pelo departamento de Artes, Humanidades e Ciências Sociais é o MIT (Massachussetts Institute of Technology), que é uma escola de engenheiros. Eles sabem que não é possível engenharia sem a dimensão filosófica, social etc. Essas oposições entre parte acadêmica e parte profissional e conteúdos mais culturais ou mais sociais não faz sentido nenhum. Costumo dizer, enganam-se todos aqueles que acham que a missão de um professor de matemática é ensinar matemática. Não é. A função de um professor de matemática é formar um aluno através da matemática. E dizer isso não é dizer que a matemática não interessa. Estou dizendo que não há formação do aluno sem matemática. Mas a missão do professor é formar o aluno e não ensinar matemática. Quando dizemos isso, estamos juntando as dimensões do conhecimento com as dimensões QUAIS OS GARGALOS DA sociais, as dimensões pessoais, da EDUCAÇÃO NO BRASIL E O RISCO formação. Outra dicotomia que para DE SE RETIRAR DO CURRÍCULO mim é insuportável é entre conteúdos DISCIPLINAS COMO ARTES E e cidadania. Cidadania são os FILOSOFIA, POR EXEMPLO, EM conteúdos e conteúdos é a cidadania. DETRIMENTO DE UM ENSINO MAIS Irritado com esta dicotomia, uma vez TÉCNICO, PROFISSIONALIZANTE? fiz uma palestra em que o título era: Sempre que pensarmos na área de Não há cidadania sem matemática. educação ou pedagogia ou a escola Precisamos compreender as questões a partir de uma dicotomia as coisas básicas da aritmética, do raciocínio correm mal. A dicotomia teoria-prática lógico para sermos cidadãos. não faz nenhum sentido. Há muita Quando falei anteriormente em teoria que é pratica e muita prática projetos, me referia à maneira como a
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ciência está organizada, atualmente, não mais em física, biologia e matemática, não há grandes centros como havia. Há centros de alterações climáticas, sobre água, sobre as mobilidades. Envolve os físicos, mas também sociólogos. Como discutir sobre os problemas da água sem perceber as implicações sociais que envolvem a água, os rios, o mar, as alterações climáticas. A ciência disciplinar mudou para o que chamamos de ciência da convergência e temos que promover essa mudança na escola. Da mesma forma como copiamos a ciência há 200 anos, temos que copiar novamente a ciência atual e nos organizar por grandes temas. E insisto: isso não é diminuir o conhecimento, não quer dizer que os alunos não têm que saber matemática, física e história. É óbvio que têm saber, se não a escola não serviria para nada. E este tem que ser o foco da escola, mas nessa perspectiva de mobilizar os conhecimentos para compreensão e leitura do mundo. Na fase da vida que estou não acredito em nenhuma reforma educacional. Nunca deram em nada no passado e não vai dar em nada no
futuro. Reforma da educação é uma forma dos políticos se entreterem, deixarem uma marca, dizerem que fizeram alguma coisa para colocar no currículo. Não funciona. Não é por aí que se muda a escola e a educação. Temos que pensar como se cria as condições para construir novos ambientes educativos que permitam o trabalho conjunto entre os professores e uma nova atitude dos alunos na escola. Isso que é central para dar vida novamente à escola, fazer com que respire curiosidade, vontade de saber. Hoje parece algo morto, se entra e só espera que termine, que venha o recreio. Como é que damos vida outra vez à escola? É o grande tema e tem a ver com reconstruir os ambientes educativos. Brincando com as palavras, estamos tentando fazer no ambiente escolar uma coisa que não é possível fazer lá dentro: autonomia e diferenciação pedagógica. Podemos dizer que se eu quiser que as crianças nadem, eu não as solto do 12º andar, porque de lá elas só podem voar. Assim como não podem voar dentro de uma piscina. O ambiente tem que estar preparado.
O que hoje importa é aprender as linguagens, é o que permite ler, interpretar e estar no mundo. Imaginar um ensino médio em que as matérias relacionadas com a filosofia não têm uma grande importância é completamente absurdo. EDUCASESC 2018 9
Acervo pessoal
EDUCAR É UM EXERCÍCIO MÁGICO POR LILO DORNELES
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RESUMO Esse artigo tem o propósito de lançar o olhar sobre o encantamento e sobre a magia no ambiente educacional. A cortina de fundo desse estudo será a arte mágica como metáfora de transformação da vida. Para isso, vai-se refletir sobre os vilões que matam a utopia, o espetáculo e a magia nas mentes daqueles que adentram esse grande palco chamado escola, onde, por vezes, encontram-se crianças e adultos que já não acreditam mais na ilusão e no poder da imaginação. Por meio da figura da “varinha mágica” se poderá pensar nos sonhos e nos desejos que habitam esse imaginário. Já na arte do impossível se resgata o entendimento acerca da crença na mágica, que ocorre na mente e no coração das pessoas quando se deparam com momentos especiais. Na sequência, desvendando os segredos, o estudo aborda a importância do sigilo enquanto mistério que instiga, provoca e desperta o interesse em querer saber, descobrir e construir hipóteses que levam ao conhecimento. Ao abrir as cortinas, é hora de fazer o show. Como será a performance do artista na frente dos alunos? Sua postura, suas atitudes, a motivação e a qualidade do seu conteúdo farão diferença nesse momento, pois é quando as coisas de fato acontecem. Portanto, educar como exercício mágico é tornar melhor o mundo de alguém, produzir a mágica da vida como professores. É fazer os sujeitos acreditarem em si e no seu poder de mudança. EIXO TEMÁTICO: educação. PALAVRAS-CHAVE: arte mágica, educação, encantamento, ensino. INTRODUÇÃO Ao perguntar às professoras e aos professores – o que é mágica? – o que essa palavra te lembra? –, imediatamente alguns termos começam a ser pronunciados e um brilho nos olhos lança luz sobre as lembranças, remetendo a tempos e fases da vida guardadas num lugar muito especial. São resquícios de uma época marcante. Acontecimentos diversos e sensações que se tornaram inesquecíveis. Em resposta a essas perguntas, são ditas expressões como: alegria, mistério, desafio, criatividade, riso, infância, surpresa, encantamento, ilusão, fantasia, excelência, satisfação, disciplina, concentração, treinamento, habilidade, truque, vida, imaginação, aprendizado e muitas outras falas que, de forma geral, despertam emoções inexplicáveis e resgatam memórias fantásticas.
As capacidades de jogar e de se iludir são inerentes à própria constituição do pensamento. São manifestações que retratam o sentido de poiésis, ou seja, de atividade criativa, de um fazer educacional que estimule leituras diversas nos caminhos da vida, da construção histórica ao protagonismo nas escolhas que cada sujeito precisa empreender no cotidiano. São palavras mágicas que apontam caminhos pelos quais os alunos serão conduzidos no seu tempo/ espaço educacional, encontrando mais sentido e interesse nos estudos, nas relações construídas e nas descobertas do conhecimento. Por outro lado, quando o ambiente escolar não materializa os estímulos representados nas palavras em que a metáfora da mágica se sustenta, fica o vazio de significados e de motivação. E o que seria Ilusão? Buscando uma definição de sua origem, vê-se que ilusão vem da palavra latina illusio. Esta, por sua vez, deriva de ludere e illudere, cujo significado é jogar, transpor. Em sua gênese, o termo se liga à ideia de jogo, de lúdico e de transposição, capacidades inerentes ao homem, responsáveis pelo desenvolvimento de sua linguagem, de sua comunicação e de sua sobrevivência. Conforme o pesquisador Harada (2012), liga-se também à capacidade imaginativa, pela qual é possível agir e viver sob o regime do “como se”. Ou seja, algo que poderá vir a ser. Pois tal capacidade envolve a criação de expectativas e a transposição de funções e significados em toda e qualquer experiência. As capacidades de jogar e de se iludir são inerentes à própria constituição do pensamento (p. 95).
CAMINHOS PERCORRIDOS Nesse ponto, surge a problemática sobre a qual este estudo vai tentar refletir: por que a escola vem perdendo a magia e o encantamento com o passar do tempo? O objetivo geral do trabalho foi fazer um paralelo entre educação e a arte mágica, ajustando o foco para o potencial de transformação e encantamento dessas duas artes. E os objetivos específicos que nortearam essa caminhada foram: utilizar a mágica como metáfora para pensar a educação de forma criativa e resgatar o olhar sobre o poder transformador da educação. Esse trabalho seguiu o método da pesquisa qualitativa. É importante saber que essa metodologia assume diferentes significados no campo filosófico e das ciências sociais. [...] a pesquisa qualitativa tem suas raízes nas práticas desenvolvidas pelos antropólogos, primeiro e, em seguida pelos sociólogos em seus estudos sobre a vida em comunidades. Só posteriormente irrompeu na investigação educacional (TRIVIÑOS, 1987, p.120). Entre os autores que embasaram as reflexões estão Ricardo Harada, Rubem Alves, Maurizio Manzioli, Paulo Freire e outros. ALGUNS VILÕES DA MAGIA NA EDUCAÇÃO Os professores e professoras têm vivido dias difíceis profissionalmente. O ruído nas salas de aula está cada vez pior. Alunos se agridem, falam palavrões e não demonstram o menor respeito ao profissional que está em sala, salvo algumas exceções. Desde os primórdios, as crianças brincam reproduzindo o seu dia a dia. Na contemporaneidade, em que a violência está expressa cotidianamente nas mídias, a convivência com a corrupção, com o crime e com as drogas passa a ser entendida como normal e corriqueira. Nas escolas, as crianças reproduzem, em suas brincadeiras, os comportamentos que estão acostumadas a assistir diariamente em seus programas favoritos, ou nos jogos online, carregados de uma grande dose de violência e agressão. Sob essa influência, chegam às vias de fato nas instituições de forma intensa contra professores e colegas. Também se percebe a falta de interesse em aprender o conteúdo que está sendo trabalhado em sala. Esse comportamento distorcido provoca um desgaste e exige cada vez mais energia dos profissionais. Não bastasse isso, as tecnologias móveis, ao mesmo tempo em que abrem portas para o mundo e facilitam a pesquisa e a comunicação, têm se tornado EDUCASESC 2018 11
Serão homens que não saberão pensar, duvidar, criticar as convenções do conhecimento, transformar o conhecimento vigente, interpretar criticamente os fenômenos, produzir ideias com originalidade, preservar os direitos humanos, repensar a si mesmo, reciclar o autoritarismo e a rigidez intelectual (KERBER, 2009, p. 76). Os alunos, de forma geral, têm demonstrado certa dependência desses equipamentos e principalmente da conexão com a internet. É uma geração muito hábil nos teclados, mas que tem grande dificuldade em interpretar comportamentos alheios quando estão frente a frente. É preciso problematizar o uso das tecnologias, propondo a transição para uma consciência mais crítica em relação a isso. Outro tema recorrente é a desvalorização profissional. O fato é que os professores precisam cumprir uma carga horária cada vez maior, trabalhando em várias escolas a fim de melhorar seus salários. A VARINHA MÁGICA Quem não sonhava, quando criança, com a varinha mágica para apontar, aparecer, desaparecer, transformar e fazer coisas incríveis acontecerem? Essa fantasia habita o imaginário da infância, pois é a fase mais criativa do ser humano. É o momento em que a criança pega um objeto qualquer e o transforma em tantas outras coisas apenas usando a imaginação. Essa passa a ser a sua realidade e a sua verdade. O universo totalmente lúdico, brincalhão e ao mesmo tempo sério é, em essência, a vida da criança. Portanto, o mundo em que ela vive é mágico por natureza. Produzir educação é parte dos sonhos dos magos da vida. Após ter cumprido a primeira etapa da preparação profissional, que é a formação em determinada área do conhecimento, nos vemos dentro de uma sala de aula e sonhamos com alunos ávidos por ouvir os aprendizados que serão compartilhados. Imaginamos estudantes participativos, produtivos, tecendo comentários sobre o quanto gostam das aulas. Além de ver a turma empenhada, realizando as atividades, sentiEDUCASESC 2018 12
la feliz e engajada nas propostas é o que almejamos como professores. Outro sonho importante, que mostra a direção na qual deve ser apontar a varinha mágica, é sobre o reconhecimento da sociedade em relação à nobreza da profissão. Esse, talvez, seja o maior desejo de todos. Queremos ser vistos como sujeitos capazes de transformar realidades, tanto individuais, quanto coletivas. Mudar a mentalidade de uma pequena comunidade, ou de uma nação, e ter o mérito de nossa função respeitado por todos. Seria muito bom se uma varinha mágica conseguisse, com apenas um toque, potencializar esses desejos e sonhos. Embora saibamos que não é tão simples, continuamos cheios de esperança. Conscientes que, como diz Paulo Freire, ter esperança não significa cruzar os braços e esperar. A varinha sozinha não faz a mágica acontecer. É preciso a habilidade do mágico, bem como seu conhecimento e domínio sobre a arte, para que o efeito aconteça. Nesse contexto, a mágica passa a ser real. O encanto se dá diante dos olhos da plateia, que fica surpreendida. Assim é no dia a dia da educação. A mágica vai acontecendo lentamente e, quando se percebe, a aprendizagem aconteceu. Num abracadabra, num passe de mágica que poderá levar um ou vários anos, com dedicação dos mestres, por vezes até com sofrimento em suportar a pressão. E quando Acervo pessoal
vilãs dentro e fora das salas de aula, tirando o foco dos alunos e seduzindo-os para as ideias rápidas e prontas. Conforme Kerber (2009), este será o século do paradoxo da informação. “Temos alta combinação de informação e baixa capacidade de pensar criticamente” (p. 76). O autor aponta que os alunos contemporâneos
a vontade de desistir aparecer, é preciso persistir um pouco mais nessa magia da vida, que é real e verdadeira. Cada dia vem como uma nova etapa para o sujeito que constrói o conhecimento, que poderá mudar a sua história, tornando-a fascinante. É aquele momento em que o aluno descobre que está aprendendo. Dá o start e ele vibra: – Ah! Agora eu sei! Pronto, a varinha mágica funcionou. Nesse caso, às vezes, até se perde a noção do tempo. Na verdade, durante o momento mágico, o tempo perde sentido e, por instantes, deixa de existir. Passa a ser um presente muito especial, porém frágil na medida em que escapa veloz, como escreveu Quintana no seu poema Seiscentos e sessenta e seis, quando se vê, ele já passou. A ARTE DO IMPOSSÍVEL Em mais de cinco mil anos de história, a mágica é vista como a arte do impossível, pois ela “rompe com as vicissitudes da vida ordinária, justamente por realizar o impossível” (HARADA, 2012), o que é ousadamente concretizado por meio da ilusão. Esta palavra está intimamente ligada aos sonhos, às fantasias humanas e, porque não, àquela que é o verdadeiro tapete mágico: a imaginação. Na mágica, tudo o que acontece está na dimensão da arte e, dessa forma, sob o controle total do artista. A arte do mágico reside na sua inteligência e no modo como articula as situações para produzir a ilusão do impossível. Em sua
tese, Harada afirma que para produzir assombro e maravilha diante de um “milagre”, a mecânica e a engenhosidade devem ser obrigatoriamente invisíveis (p.22). Há casos em que a mecânica é tão genial que acaba chamando mais a atenção do que o próprio efeito. No caso da arte mágica, o detalhe desconhecido é a causa do fascínio e da admiração. É o desafio do incompreensível. A partir do século 17, a arte mágica começa a se distanciar do conceito de bruxaria, os artistas passam a fazer uso dos movimentos da era das luzes, aproximando-se do racionalismo e da ciência. Saem das ruas e passam a frequentar os ambientes fechados. Porém, engana-se quem pensa que aprender mágica e realizar um espetáculo é um exercício apenas de ilusão. Pelo contrário, é trabalho duro, disciplina, persistência e criatividade. Para se tornar um grande mágico, talento é importante, mas o olhar, a dedicação e o treinamento fazem toda a diferença. “Quando não conseguimos ver com clareza como a experiência e o treinamento levaram uma pessoa a um nível de excelência acima da média, nossa reação automática é declarar que essa pessoa tem um dom inato” (DUCKWORTH, 2016, p. 49). Essa autora, no livro Garra: o poder da paixão e da perseverança, afirma ainda que desempenho e trabalho árduo, no fim das contas, são mais importantes que capacidade intelectual (p. 33). Na verdade, é com muito trabalho e dedicação que se conquista um bom capital cognitivo. O mágico David Blaine, em uma entrevista publicada no mesmo livro, explicou emocionado o seguinte: Como mágico tento mostrar as pessoas coisas que parecem impossíveis e acho que a mágica é muito simples, seja ela prender a respiração ou embaralhar cartas. É prática – treino (soluços) experimentação (soluços) enquanto suporto o sofrimento para ser o melhor que posso. Isso é o que a mágica é pra mim (p.136). De certa forma, tornar-se referência no exercício profissional não é consequência de um passe de mágica. Na educação, suportar a pressão gera um sofrimento capaz de preparar o profissional para a excelência e para resultados eficazes. Entendendo essa postura, a mágica acontece. Ou seja, aquilo que parecia impossível no primeiro momento, transforma-se em algo real. Vidas sendo transformadas pelo poder mágico do processo de ensino/aprendizagem.
DESVENDANDO OS SEGREDOS Em certos casos, professores tornam-se seres imortais. Como afirma Rubem Alves, Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais (ALVES, 1994, p.04).
Por fim há o secreto, que mantém vivos o mistério, a curiosidade e as possibilidades ilimitadas em cada acontecimento. É aquilo que instiga e provoca. É o local em que os devaneios da mente humana passeiam e brincam. Como no momento em que, na infância, se procura algo que está escondido. Sabemos que está em algum lugar e não desistimos de procurar até encontrar. E quando se encontra, eis a mágica!
É quando acreditamos no poder transformador da profissão que os nossos ensinamentos perpassam as gerações e deixamos um legado para a humanidade. Harada (2012) diz ainda que “o discurso da Arte Mágica se pauta em três aspectos gerais, em torno dos quais gravita seu imaginário e sua poética: o impossível, a ilusão e o secreto”.
No livro Criando Magia, escrito por um alto executivo da Disney, há o relato de um pequeno diálogo entre um médico e sua filha.
Na educação, assim como na mágica, o impossível está na dimensão do incompreensível, que desafia a capacidade de raciocínio lógico dos espectadores, chegando a gerar um estado de tensão, insegurança e incerteza acerca daquilo que os olhos veem. Nessa dimensão está o proibido desejado. É onde está a pergunta: por que não?
O pai pondera: – Mas querida, você não gostaria de ser médica, como eu? Os médicos são muito importantes. Se eles não existissem, muita gente ficaria doente e sofreria. – Mas, papai, sem professores não haveria médicos! (COCKRELL, 2009, p.124).
Já a ilusão remete às fantasias, à criatividade e ao sonho. Remete àquilo que move o ser humano, como o momento da infância protegida no coração de cada sujeito. Na infância, transformações incríveis eram possíveis, como virar um super-herói e fazer de um pedacinho de madeira brinquedos e brincadeiras fantásticas por horas sem fim, alimentando a alegria e os encantos da vida.
Pergunta o pai: – Filha, o que você quer ser quando crescer? – Professora, papai.
A cada vez que a cortina se abre e a aula começa, essa é a visão necessária. Manifestar a grandiosidade e o empoderamento do ofício de professor, sem esquecer do compromisso da qualificação e da excelência no seu fazer pedagógico. É preciso superar o negativismo e o desânimo que têm imperado na profissão. É triste ver profissionais desmotivados, por vezes até falando de forma pejorativa de seu trabalho. Essa postura lança o ofício cada vez mais no abismo.
[...] aquilo que parecia impossível no primeiro momento, transforma-se em algo real. Vidas sendo transformadas pelo poder mágico do processo de ensino/aprendizagem. EDUCASESC 2018 13
CONSIDERAÇÕES FINAIS Há quem diga que mágica não existe. Há aqueles que já não acreditam mais na magia da vida. Geralmente são os sujeitos que se tornaram sérios demais para acreditar em brincadeiras ou em coisas consideradas infantis. Citando Rubem Alves:
De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra.
Mágica não existe! Mágica só existe nos contos de fadas. Engano. Mágica existe sim. Os contos de fadas falam a verdade. A mágica é quando a palavra entra no corpo e o transforma. Desde que nascemos, continuamente palavras vão sendo ditas, elas entram no nosso corpo e ele vai se transformando. Virando outra coisa. Diferente do que era. EDUCAÇÃO É ISTO. O processo pelo qual os nossos corpos vão ficando iguais às palavras que nos ensinam (ALVES, 1994, p.27). Para que o ensino surta seus efeitos, é preciso acreditar que o outro vai aprender. Por isso, a mágica acontece primeiro na mente e em seguida no coração das pessoas. É quando ela se sente tocada, desafiada e, por fim, encantada. Eis a aprendizagem! Eis a transformação! Eis a mágica! Nesse sentido, temos que acreditar na possibilidade de resgatar o valor, a grandiosidade e a magia da arte de educar. E esta precisa começar pelo profissional que está dentro da escola. Afinal de contas, como diz Paulo Freire (1921-1997), “se a Educação sozinha não pode transformar a sociedade, tão pouco sem ela a sociedade muda.”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Rubem. A Alegria de Ensinar. São Paulo: Ars Poética, 1994. COMENIUS, J.A. Pampaedia. Heidelberg: Quelle & Meyer, 1965. DUCKWORTH, Angela. Garra: o poder da paixão e da perseverança. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2016. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2000. HARADA, Ricardo Godoy. A Tentativa do Impossível: a arte mágica como tentativa poética da cena teatral (tese de doutorado). Campinas: Unicamp, 2012. KERBER, Roberto. Espiritualidade nas Empresas: uma possibilidade de humanização do trabalho. Porto Alegre: AGE, 2009. KOCKERELL, Lee. Criando Magia. Rio de Janeiro: Sextante, 2009. MANCIOLI, Maurizio. O Executivo Artista: como suas habilidades artísticas podem mudar sua vida e o mundo corporativo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. QUINTANA, Mario. Nova Antologia Poética. 9ª ed. São Paulo: Globo, 2003.
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Educar é um exercício mágico quando recebemos o abraço carinhoso de um aluno dizendo: – Profe que saudade! Quando o mundo de alguém se tornou melhor, porque, como professores, produzimos a mágica de fazê-lo acreditar em si e no seu poder de mudança.
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Educar é um exercício mágico quando, como diz Comenius, “que todos os homens sejam educados plenamente, em sua plena humanidade” (1965, p.16). E educados em todos os aspectos: não para pompa e exibição, mas para a verdade, para serem mais afetivos e sábios, racionais e honrados, verdadeiramente, felizes e abençoados.
LILO DORNELES, Pedagogo – Supervisão e Administração Escolar (Feevale) e mágico profissional, também graduado em Sociologia (UNIP) e pós-graduado em Filosofia (UCAM). Tem especialização em Biodança pela Fédération Internationale d’Education Phisique (FIEP), em Foz do Iguaçu/PR, onde reside. Pesquisador e escritor, tem dois livros publicados e dois CDs com coletânea de músicas do folclore infantil e músicas para brincar. [lilodorneles@gmail.com] [www.educareumexerciciomagico.com.br]
A ETNOMATEMÁTICA NA PRÁTICA PEDAGÓGICA POR ROMÁRIO NUNES LIMA E MARIANA SOUZA GOMES GUIMARÃES RESUMO O presente artigo tem como objetivo fazer uma reflexão sobre as dificuldades encontradas no ensino da matemática nos dias atuais. Apresenta como um dos pressupostos teórico-metodológicos a etnomatemática e procura promover discussão sobre a prática pedagógica à luz de suas principais pressuposições. O Programa Etnomatemático busca delinear alguns possíveis caminhos que valorizam os desejos, a cultura e o meio social dos alunos, considerando que o discente poderá usar de forma mais adequada os conhecimentos matemáticos quando promover relações entre o que já é de seu conhecimento e os novos saberes construídos no âmbito escolar. EIXO TEMÁTICO: educação. PALAVRAS-CHAVE: etnomatemática, matemática, educadores, escola, ensino-aprendizagem. INTRODUÇÃO A escrita desse artigo parte principalmente da motivação em refletir e trazer para a discussão a prática pedagógica do ensino da matemática. Procuramos, a partir dos conhecimentos da formação profissional, tanto inicial como continuada, e das experiências vividas em sala de aula como professor de matemática da Escola
Sesc Siqueira Campos, em Aracaju/SE, e como pesquisadora na área de pedagogia, deter-nos sobre o papel do professor e o processo educativo, tarefa que, em nosso ponto de vista, ultrapassa a transmissão de conteúdos. É necessário pensar em como mediar os conhecimentos científicos e provocar no aluno o interesse e a vontade de aprender temas que, muitas vezes, não estão vinculados diretamente com suas atividades cotidianas. Elegemos para isso duas situações que serão apresentadas como forma de ilustrar as opções didáticas defendidas neste texto. A matemática, como campo de conhecimento, surgiu e se constituiu a partir das necessidades humanas e tem sido marcada pela busca de soluções de problemas no decorrer da história. Segundo Prado (2000), “a Matemática está presente no cotidiano e é importante para solucionar e interpretar problemas nas mais diversas áreas. Contudo, o rendimento dos alunos não é proporcional a sua importância, isso se dá porque os conteúdos matemáticos estão distantes de seu cotidiano, sendo desnecessários tais conhecimentos para a sua vida” (p.18). A proficiência dos alunos em matemática em Aracaju tem mostrado uma grande dificuldade
na aquisição dos conhecimentos da disciplina. Do total de 500 pontos possíveis de serem atingidos na Prova Brasil, a média obtida pelos estudantes foi de 244,14(1), considerando as escolas federais, estaduais, municipais e particulares. Tal número ilustra a situação do ensino da disciplina no município e impõe a reflexão da necessidade de mudanças nos processos de ensino e aprendizagem estabelecidos nas escolas. A partir do espaço ocupado, como docente da disciplina de matemática na Escola Sesc de Sergipe e pesquisadora de pedagogia, propomos a reflexão constante sobre a importância da contextualização do ensino para os alunos e do papel do professor enquanto mediador do processo de aprendizagem. Pensando nisso, buscamos a aproximação de uma linha de pensamento conhecida como “etnomatemática”, que procura trabalhar o aluno inserido em seu meio cultural, social e político, adicionando saberes científicos a sua prática diária, partindo da valorização dos conhecimentos que o adolescente traz para a sala de aula. Com base na discussão sobre o ensino da matemática travada a partir do referencial teórico da etnomatemática, apresentamos a seguir atividades realizadas com turmas de sétimo e sexto anos do segundo segmento do Ensino Fundamental. O objetivo é tomar essa prática como foco de reflexão para contribuir com a discussão sobre o ensino da matemática e com a possibilidade de, com exemplos práticos, mostrar como nós, professores, podemos apostar em outros caminhos que tenham relação com a vida dos alunos e que não sejam aqueles exclusivamente traçados pelos livros didáticos. Dessa forma, entendemos que o docente passa a assumir um papel de mais autonomia no que diz respeito ao seu planejamento, constituindo-se como autor de sua prática pedagógica. Esse papel do professor que escolhe seus próprios caminhos e busca a interação com os alunos como forma de construção do conhecimento se afasta da visão de docente na qual a função principal é de transmissor de um
1 Dado obtido através do site do INEP: http://provabrasil.inep.gov.br/web/guest/educacao-basica/saeb/resultados, acessado em 21/08/2018
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conhecimento de outros, teoricamente mais “sabidos”. Como afirma Geraldi (2010): Deste ponto de vista, o processo de educação se dá como se um de seus agentes, o professor, executasse uma partitura. O professor não precisa ser douto, mas saber tudo o que deve fazer, e este “tudo” lhe é dado nas mãos pelos doutos, que preparariam o que ensinar e como ensinar (p.85). O presente artigo distancia-se dessa visão de docente executor de manuais de instrução, que professam o conhecimento alheio, e aproxima-se da ideia de docente como portador de saberes únicos relacionados a sua profissão. Esse amálgama de saberes, constituídos por saberes disciplinares, curriculares e da experiência (Tardiff, 2001), forjam a identidade de professor reflexivo, autor de seu próprio planejamento e de sua prática pedagógica. CONTEXTUALIZANDO A MATEMÁTICA Antes de partir para a análise de situações cotidianas, consideramos relevante realizar uma breve contextualização de princípios da etnomatemática, para deixar claro os pressupostos teóricos que nos norteiam. Quando iniciamos o conteúdo com a turma, primeiramente abordamos uma situação comum do cotidiano escolar e propomos a resolução de problemas ao modo do aluno, sem a preocupação com nomes científicos ou cálculos matemáticos, instigando assim também o raciocínio lógico. É perceptível, nesse momento, que os estudantes utilizam estratégias respaldadas em seus próprios
[...] a Matemática está presente no cotidiano e é importante para solucionar e interpretar problemas nas mais diversas áreas. saberes cotidianos para a resolução dos problemas, baseando-se no que lhes fora ensinado em seu meio familiar e cultural. Partindo do conhecimento que o aluno traz consigo, discutimos coletivamente sobre uma possível organização de seu pensamento matemático, ampliando seu repertório de conhecimento com uma outra linha de raciocínio, para que ele utilize aquela que achar mais conveniente, sem deixar de conhecer a existência de outros métodos possíveis na resolução dos problemas. Nota-se aqui que não há um saber mais importante do que o outro, mas estratégias diferentes para chegar ao objetivo final da atividade. Por outro lado, é papel da escola também ampliar os conhecimentos dos alunos para que possam decidir qual é mais adequado em cada situação-problema que precisem resolver. Nas atividades propostas, os alunos não são vistos como meros receptáculos de informação, sujeitos vazios que aguardam passivamente a
transmissão do professor. Ao contrário, entendemos que, através de seus conhecimentos prévios, é possível encontrar a solução para uma questão. O papel do professor é mediar a aquisição de novos conhecimentos, considerando o acervo de saberes das diversas áreas que o aluno já construiu ao longo de sua experiência escolar e de vida. Consideramos importante também utilizar uma linguagem próxima ao seu cotidiano, por exemplo, “uma pitada”, “um maço”, “uma xícara” etc. As ações docentes aqui discutidas como possibilidades para o ensino da matemática estão fundadas em pressupostos teóricos que as orientam. No caso específico desse artigo, discutimos a prática pedagógica a partir dos pressupostos da etnomatemática. Como afirma Fiorentini (2004): Por trás de cada modo de ensinar, esconde-se uma particular concepção de aprendizagem, de ensino e de educação. O modo de ensinar depende também da concepção que o professor tem do saber matemático, das finalidades que atribui ao ensino da matemática, da forma como concebe a relação professor-aluno e, além disso, da visão que tem de mundo, de sociedade e de homem (p.38). A seguir, serão relatadas duas atividades diferentes desenvolvidas com turmas do segundo segmento do Ensino Fundamental na Escola Sesc Siqueira Campos, em Aracaju/SE, a fim de tecer relações entre a teoria e a prática, evidenciando os pressupostos teóricos que nortearam todo o processo. ATIVIDADE COM CARTAS DE BARALHO Em uma aula ministrada no 7º ano do segundo segmento do Ensino Fundamental, ao iniciar o conteúdo de números inteiros, foi proposta uma atividade sem anunciar o assunto que seria
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sobre tais doenças; levou ao questionamento dos hábitos alimentares e do modo de vida dos alunos e, principalmente, houve uma emersão de ideias matemáticas de maneira contextualizada, ou seja, tornou-se uma educação escolar numa perspectiva etnomatemática. O aluno foi o protagonista nesse processo de ensino-aprendizagem interdisciplinar, e todas as pesquisas giraram em torno de seus interesses, valorizando seu convívio social e cultural. Houve também um resgate de conhecimento popular, na medida em que buscavam receitas com seus familiares. Os estudantes trabalharam com autonomia na pesquisa matemática e na superação das eventuais dificuldades em sua prática e tiveram, de fato, experiências que proporcionaram a aquisição de conhecimentos de forma significativa. trabalhado. A turma era dividida em dois grandes grupos e cada grupo recebia um baralho comum, no qual as cartas que saíssem vermelhas seriam o valor da própria carta como ponto perdido, e as cartas pretas como pontos ganhos (sendo o ás igual a 01, o valete igual a 11, a dama igual a 12 e o rei igual a 13 pontos). Cada equipe tinha um representante responsável por anotar a pontuação de 10 cartas retiradas de cada rodada, no total de três rodadas. Além disso, outro representante era responsável por passar o baralho para que as cartas fossem coletadas pelos integrantes sem serem vistas antes de serem retiradas. Esses representantes eram substituídos a cada rodada. Feito isto, os alunos faziam o saldo de pontos ao final de cada rodada. Nessa atividade, foi possível inserir conhecimentos a respeito do conteúdo, tais como: noções da existência de números negativos, que podem representar na atividade em questão a perda; sua localização na reta numérica, posicionando-se à esquerda do zero; valor relativo e absoluto desses números; comparação, além das operações de soma e subtração. Ao fim da atividade, ficou evidente que tudo aquilo que havia sido abordado e discutido não era novidade para os alunos, pois fazia parte de situações práticas do cotidiano. Aquele jogo, inclusive, não era desconhecido nem estava fora do cotidiano dos discentes, já que eles se envolveram com entusiasmo, participando discursivamente. Segundo D’Ambrósio (1998), “é importante recuperar a presença de ideias matemáticas em
todas as ações humanas, pois há a necessidade de descobrir que existe uma forma matemática de estar no mundo” (p.21). OBESIDADE E SEDENTARISMO: UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR Na turma do 6° ano do segundo segmento do Ensino Fundamental, preocupados com o grande número de alunos obesos e sedentários e percebendo também o interesse deles pelo assunto, os professores das disciplinas de Matemática, Ciências e Educação Física desenvolveram um projeto sobre obesidade e diabete infantil. Os alunos pesquisaram sobre as doenças em centros especializados, internet, bibliotecas e consultaram familiares e amigos. Os conceitos de obesidade e diabete e suas prevenções foram abordados na área de Ciências; na Educação Física foi desenvolvida a conscientização sobre a importância da prática esportiva para um corpo saudável; e na área da Matemática foi feita uma pesquisa estatística a respeito dos dados da população, além de outra pesquisa de receitas culinárias saudáveis, trabalhando com medidas de massa, volume, capacidade, transformações e relações dessas medidas a partir das medidas usadas diariamente pelos alunos como “um dedo de”, “uma colher de”, “uma xícara de” – conceitos que não são valorizados na escola. Dessa maneira, a atividade alcançou os objetivos de fazer com que os alunos buscassem a prevenção e a conscientização de seus familiares
CONSIDERAÇÕES FINAIS A matemática tornou-se para os alunos, ao longo do tempo, uma disciplina complexa, distante da realidade e destituída de prazeres, dificultando o aprendizado e a compreensão dos conteúdos matemáticos, tão úteis e necessários a nossa vida. Procuramos propor uma nova forma de tratar a matemática no dia a dia das escolas. Dessa forma, a etnomatemática valoriza o conhecimento que o aluno traz para a sala de aula, proveniente de seu convívio social, fazendo-o tomar consciência do saber que adquire nas diversas experiências que vive nos ambientes em que interage. Podemos citar como exemplo os vendedores, pedreiros, artesões, pescadores, enfim, diferentes sujeitos cujas práticas sociais utilizam matemática, apesar de não institucionalizada, mas proveniente da sabedoria popular. Cada indivíduo tem na vida suas próprias raízes e heranças culturais. Normalmente, quando esse indivíduo chega à escola, há uma valorização dos conhecimentos escolares e uma desvalorização dos saberes populares aprendidos nos demais contextos sociais. Nesse cenário, a etnomatemática funciona como um processo de reconhecimento e valorização de culturas, procurando estudar os processos de geração e troca de conhecimento. Além disso, busca interligar os conteúdos matemáticos com a realidade dos alunos. E, por ser uma forma de recuperar e valorizar a cultura de cada povo, a etnomatemática é de fundamental importância para o ensino-aprendizagem da matemática. EDUCASESC 2018 17
D’Ambrósio (1998) explica que, “é necessário modificarmos a imagem que a matemática possui, de funcionar como uma máquina seletora que determina quais alunos concluirão cada estágio escolar. Devemos discutir a importância da matemática para construção da cidadania, com ênfase, principalmente, na participação crítica e autônoma dos alunos, proporcionando-lhes o estabelecimento de conexões da matemática com outros temas de sua vida cotidiana” (p.13). Certos de que há muito a se questionar sobre o fracasso no ensino da matemática na vida dos educandos e sobre o que se pode fazer para amenizar esse grave problema educacional, encontramos caminhos que devem ser trilhados para tornar a disciplina mais agradável e estimulante. Dessa forma, pode-se despertar, tanto nos educandos como nos professores, a importância que a matemática tem na vida cotidiana e como ela pode se tornar aprazível para
todos se for trabalhada de forma contextualizada, distanciando-nos da ideia de que se trata de uma disciplina para os gênios ou que é sinônimo de fracasso para a grande maioria. A etnomatemática deve ser inserida no debate sobre o ensino da matemática e traz à tona a reflexão sobre a importância do professor, que precisa estar em constante busca para encontrar novas formas de ensinar e não se deter apenas ao estudo da disciplina propriamente dita. O processo de ensino e aprendizagem precisa estar em foco, pois como diz Paulo Freire, Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu “distanciamento” epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise, deve dela “aproximá-lo” ao máximo. Quanto melhor faça esta operação tanto mais inteligência ganha da prática em análise e maior comunicabilidade exerce em torno da superação da ingenuidade pela rigorosidade. Por outro lado, quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de ser de porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemológica. Não é possível a assunção que o sujeito faz de si numa certa forma de estar sendo sem a disponibilidade para mudar. Para mudar e de cujo processo se faz necessariamente sujeito também (FREIRE, 1996, p. 18). Por fim, este artigo procurou refletir, a partir de duas situações práticas, sobre questões do ensino da matemática, tendo como principal referencial teórico a etnomatemática. Esta escrita poderá ser, junto com escritas de outros docentes, um fio para tecer uma rede em que professores falam e se ouvem. Foram evidenciadas práticas para que outros professores olhem e se vejam neste texto. Dessa forma, haverá contribuição para o fortalecimento e valorização dos saberes docentes, tornando-os objeto de reflexão para novas práticas e para um novo saber pedagógico, construído na e pela escola, em diálogo com os conhecimentos acadêmicos. Buscamos, assim, sair do paradigma de reprodutores de conhecimentos vindos de um universo distante da sala de aula,
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em que manuais didáticos nos ditam o que deve ser ensinado e no qual cabe a nós docentes, alienados do processo de construção de nossos próprios conhecimentos, apenas o papel de transmitir palavras alheias. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática: arte ou técnica de explicar e conhecer. 5ª Ed. São Paulo: Editora Ática, 1998. D’AMBROSIO, Ubiratan. Sociedade, Cultura, Matemática e seu Ensino. In: Revista Educação e Pesquisa, Vol. 31. São Paulo, 2005, p.99-120. FIORENTINI, D. Rumos da Pesquisa Brasileira em Educação Matemática: o caso da produção científica em cursos de pós-graduação (tese de doutorado). Campinas: Faculdade de Educação, Unicamp, 1994. GERALDI, João Wanderley. A Aula como Acontecimento. São Carlos: Pedro e João Editores, 2010. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. PRADO, Ivanildo. Ensino de Matemática: o ponto de vista de educadores e de seus alunos sobre aspectos da prática pedagógica (tese de doutorado). São Paulo: 2000. TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis: Vozes, 2014.
ROMÁRIO NUNES LIMA, licenciado em Matemática pela Universidade Tiradentes, especialista em Educação Especial e Libras pela Faculdade São Luiz de França, atualmente é professor de matemática da Escola Sesc, no segundo segmento do Ensino Fundamental, em Aracaju/SE. [romarionl@hotmail.com] MARIANA SOUZA GOMES GUIMARÃES, licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestranda pelo Programa de Pós-graduação da UFRJ, é analista de Educação no Departamento Nacional do Sesc. [msguimaraes@sesc.com.br]
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conhecer e preservar a cultura da humanidade, explorando, criando e ampliando os caminhos e os recursos para o fazer musical atento à diversidade. RESULTADOS E DISCUSSÕES Foi necessário que, na condição de educadoras, nós tivéssemos a compreensão de que a música pode ser vista como todos os sons que permeiam os nossos ouvidos, inclusive os sons do corpo e o silêncio. Isso também foi sentido pelas famílias das crianças, o que proporcionou um aprofundamento sobre a música na escola, ampliando a compreensão das possibilidades de expressar pensamentos, emoções e diversos sons. Partindo dos pressupostos de que a música é tudo aquilo que produz som ou não, e de que existem momentos de tocar, de esperar, de respirar e de pausar, as crianças começaram a perceber a necessidade de estarem mais atentas aos sons emitidos em nosso cotidiano, na rua, em casa, na escola etc. Sendo assim, iniciamos com momentos de escuta dos sons da natureza presentes no espaço externo da escola, prestando atenção nesse universo múltiplo. Paralelamente, as crianças experimentaram ações com grafismos, poesias, brincadeiras de roda, dança e instrumentos musicais de diferentes culturas.
Bincando com as mãos , “nós inventamos a música, profe”
OS SONS DO COTIDIANO POR CAREN FRANCIELE DA FONSECA KUHN DE PARIS, LIANE DA SILVEIRA E MAURA CRISTIANE SANTANA CARNEIRO EIXO TEMÁTICO: educação. PALAVRA-CHAVE: sons, corpo e movimento, educação infantil. INTRODUÇÃO Este trabalho consiste em um relato de experiência a partir de pesquisas realizadas com crianças de quatro e cinco anos, da Escola de Educação Infantil do Sesc de Novo Hamburgo, sobre a sonoridade presente em diferentes contextos que permeiam o cotidiano infantil. O objetivo foi observar as relações que elas estabelecem com objetos sonoros como sementes, colheres, latas, potes, vidros, e a manipulação e exploração de alguns instrumentos musicais e também do próprio corpo. REFERENCIAL TEÓRICO Como referencial teórico utilizamos: a Proposta Pedagógica da Educação Infantil do Sesc (2015); a Formação Continuada do Sesc com o arte/educador
Diewerson do Nascimento (2018); os trabalhos de Teca Alencar de Brito (2003 e 2010) e de Dulcimarta Lemos Lino (2010); e o trabalho Segni Mossi, de Alessandro Lumare e Simona Lobefaro (2018). METODOLOGIA As vivências musicais foram articuladas e registradas pelas instrutoras pedagógicas a partir de uma metodologia ativa, em que a aprendizagem rítmica e a exploração dos sons que habitam a escola estivessem próximas ao movimento e à corporeidade. Dentre os repertórios que permearam a vivência musical, destacam-se três canções populares estrangeiras: Il coccodrillo come fa (Oscar Avogadro; Pino Massara – Itália); Banaha (Anônimo – Congo/África) e Frère Jacques (Jean-Philippe Rameau – França), levadas ao conhecimento das crianças, dando início à proposta. De acordo com Brito (2003), a ampliação de repertórios com intencionalidade evidencia um outro modo de
A curiosidade acerca dos sons iniciou um segundo movimento, que contou com a participação das famílias. Perguntamos se possuíam algum instrumento musical em casa, e se poderiam trazer para escola. Aos poucos foram surgindo violões, acordeom, escaleta, pandeiro, berimbau, chocalho, flauta. Alguns instrumentos já tínhamos na escola. As batucadas desordenadas foram compondo uma nova sonoridade, que também contou com apoio das instrutoras como regentes dessa orquestra brincante. Segundo Lino (2010), a musicalidade produzida pelas crianças possui relação direta com a brincadeira, com o jogo e com o barulhar, que com o auxílio dos educadores vão qualificando esses momentos. Um terceiro momento foi a montagem da coleção de objetos sonoros. As famílias também foram convidadas a arrecadar “utensílios do cotidiano” com os quais pudéssemos pesquisar e produzir diferentes sons. Foram trazidos diversos itens da cozinha (pratos, copos, talheres), que somados aos instrumentos musicais da escola proporcionaram uma brincadeira de reconhecimento de altura do som pelo contraste entre graves e agudos e também dos timbres que cada objeto possui. EDUCASESC 2018 19
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Experiência de escuta dos sons da chuva e do barulho da pisada na poça de água
Riscos e rabiscos, a bola vai e vem
Nossas pesquisas deram origem a vários questionamentos: podemos tocar, cantar, silenciar, perceber, inventar, somente dentro da sala de referência? Não! Então sugerimos às crianças que fôssemos fazer tudo isso na rua, na pracinha ao ar livre. O resultado foi parceria, integração, novos repertórios musicais e muita felicidade. A música, em nossa percepção, agiu como elo e como criação de improvisações entre as crianças, independente das idades. Com a junção de canções e instrumentos, percebeu-se que a curiosidade do grupo aumentava. Certa vez, ao recebermos um violão na sala, o desejo de manipular ocasionou uma roda experimental repleta de olhares atentos, ouvidos afiados e muita concentração, uma quietude em cada olhar esperando a sua vez de tocar.
os vidros externos da escola se transformaram em uma grande pauta musical e renderam uma brincadeira muito rica. Os jogos de mãos também começaram a surgir nos momentos em que estávamos no ambiente externo da escola e se desenrolaram de inúmeras formas, ritmos e improvisações.
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desenhavam os sons (com caneta especial para vidros) nas janelas da escola, destacando os percursos e nuances que a sonoridade expressava. As crianças tiveram contato com a intimidade que o som proporciona. Por fim,
Consultando o livro Quantas Músicas Tem a Música? Ou Algo Estranho no Museu!, em que a autora Teca Alencar de Brito (2009) lista um catálogo contendo 85 instrumentos musicais com os mais variados tipos de sons e histórias de suas origens, contextualizamos e aprofundamos o estudo sobre os instrumentos conhecidos das crianças. Franciele
Na Proposta Pedagógica da Educação Infantil do Sesc (2015), a música é destacada como uma linguagem potente, que gera reflexões e nos convida a sermos mais ouvintes e protagonistas do mundo. Por isso, oportunizamos um quarto momento, elencando o desenho e a corporeidade como possibilidades de fruir a música, buscando apoio no trabalho do Segni Mossi (2018) e fugindo do estereótipo de que para fruir música é preciso estar sentado e concentrado. Como mencionado anteriormente, nossa proposta busca uma aprendizagem ativa. Será possível desenhar o som? O estranhamento inicial das crianças ao nos questionarem porque trazíamos bolas e canetas para vivenciar uma experiência musical foi se transformando à medida que bolas, canetas, crianças e músicas se conectavam durante os momentos em que
Sons, corpo e movimento.
Escutando a natureza atentamente
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Desenhando ao som do violão
A musicalidade produzida pelas crianças possui relação direta com a brincadeira, com o jogo e com o barulhar, que com o auxílio dos educadores vão qualificando esses momentos.
Experiência com utensílios de cozinha
CONSIDERAÇÕES FINAIS O movimento causado pela música envolve e nos leva por caminhos cheios de descobertas. A partir destas experiências, demos início a um projeto sobre sonoridade e musicalidade que vem contribuindo de forma significativa para o desenvolvimento das crianças. As experimentações, o toque nos instrumentos, o tirar sons de objetos, do corpo, enfim, todo o contexto é um mundo de oportunidades que está apenas no início. Todas as propostas com a sonoridade tomaram diferentes formas no nosso cotidiano e o som ganhou espaço, tornou-se desenho e sensações que foram vivenciadas através da escuta dos sons da chuva, do vento, dos ruídos da rua. As crianças conseguiram organizar a escuta, o olhar e, principalmente, brincar e se divertir. A próxima etapa desse projeto será a confecção de um livro de músicas do mundo, a partir de diversos materiais. Além disso, será organizado um apanhado sobre as experiências vividas com as crianças com a descrição de cada atividade realizada. Será construída com as crianças também a “engenhoca dos sons”, objeto sonoro que ficará no pátio externo da escola. Acreditamos na pedagogia da escuta e do brincar, pois estamos atentas para a mágica que acontece quando surgem os interesses protagonistas das crianças. Logo, temos o start para novos caminhos, cheios de mistérios e aventuras. Priorizamos cada detalhe trazido por elas e que fazem toda a diferença no apontar de novas direções. O projeto não para, a música não acaba e seguiremos ouvindo, cantando e encantando.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRITO, Teca Alencar de. Música na Educação Infantil: propostas para a formação integral do indivíduo. São Paulo: Petrópolis, 2003. BRITO, Teca Alencar de. Ferramentas com Brinquedos: a caixa da música In Revista da ABEM, Porto Alegre, v.24, p.89-93, setembro de 2010. BRITO, Teca Alencar de. Quantas Músicas Tem a Música?. São Paulo: Petrópolis, 2009. LINO, Dulcimarta Lemos. Barulhar: a música das culturas infantis In Revista da ABEM, Porto Alegre, v.24, p.81-88, setembro de 2010.
CAREN FRANCIELE DA FONSECA KUHN DE PARIS, pósgraduada em Educação Infantil pela Unisinos, é instrutora pedagógica no Sesc/RS, Unidade de Novo Hamburgo. [ckuhn@sesc-rs.com.br] LIANE DA SILVEIRA, pós-graduada em Psicopedagogia pela Uniasselvi, é instrutora pedagógica no Sesc/RS, Unidade de Novo Hamburgo. [lisilveira@sesc-rs.com.br] MAURA CRISTIANE SANTANA CARNEIRO, pós-graduada em Psicopedagogia pela Faculdade Dom Bosco, é supervisora pedagógica no Sesc/RS, Unidade Novo Hamburgo. [msantana@sesc-rs.com.br]
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DIREITOS HUMANOS: UMA LONGA E BONITA CAMINHADA POR RALPH SCHIBELBEIN EIXO TEMÁTICO: educação. PALAVRAS-CHAVE: direitos humanos, história, conviver, ética Vivemos em uma sociedade cada vez mais apressada e conectada, em que muitas vezes a velocidade faz com que não percebamos o caminho que estamos tomando e a conexão seja somente em espaços virtuais. Como estratégia para refletirmos mais profundamente sobre um dos pilares da educação para o século 21, aprender a conviver (UNESCO, 2012), propus aos meus estudantes das séries finais do Ensino Fundamental o trabalho com a temática dos Direitos Humanos. Com objetivo de desenvolver diferentes habilidades e trabalhar com competências
acadêmicas como leitura, pesquisa e conceitos, mas também competências éticas e políticas, na esfera dos valores e atitudes, a atividade ainda se utiliza de diferentes artefatos que vão do livro às redes sociais. Valendo-se do contexto de violência e intolerância da atualidade, propondo ainda outros olhares e estratégias de resolução dessas problemáticas a partir dos Direitos Humanos, decidimos mergulhar juntos no tema. Partindo do histórico de ideias iluministas e da busca por mais racionalidade, justiça, igualdade e fraternidade, iniciamos uma jornada que atravessou os séculos e rendeu debates sobre qual o significado destes conceitos em cada período da História. A liberdade no processo de independência dos Estados Unidos da América é a autonomia do país em relação ao império inglês ou a abolição da escravatura? A igualdade no processo de proclamação do Brasil se resume aos cidadãos poderem votar ou à exclusão das mulheres
no processo de democracia? A justiça se faz na condenação de membros do nazismo alemão ou no combate ao discurso de ódio? Estudando como foi o processo para a consolidação dos 30 artigos que formam o documento Declaração Universal dos Direitos Humanos, lemos, pesquisamos, debatemos e conhecemos sua história, significado e importância. Contamos ainda com uma parceria com a Anistia Internacional que me forneceu material sobre a temática.(1) De posse do material que falava sobre os defensores dos Direitos Humanos, os estudantes, separados em grupos, foram investigar a vida das pessoas que dão a vida para defender os outros. De Nelson Mandela a Malala, cada qual a sua maneira, foi uma inspiração para nossas pequenas mudanças cotidianas. Após a pesquisa, os grupos selecionaram ativistas dos Direitos Humanos que atualmente lutam em diferentes regiões do Brasil e do mundo.
1 O material pode ser solicitado gratuitamente por qualquer educador. www.anistia.org.br
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Vivemos em uma sociedade cada vez mais apressada e conectada.
Depois de conhecerem e compartilharem suas histórias, causas e lutas, os estudantes escreveram cartas, e-mails e tuítes para essas pessoas. Sempre com palavras de incentivo e de agradecimento, os textos foram compartilhados nas redes sociais para também divulgar a causa e a história desses seres humanos que defendem nossos direitos. Saliento que o trabalho foi realizado com turmas de 8º ano nos períodos da aula de História durante todo um trimestre. Intercalando com aulas expositivas, seminários, vídeos, músicas e debates sobre os temas que dialogavam com os Direitos Humanos, fomos construindo as etapas do trabalho. Do contato inicial, os preconceitos e estereótipos que vinham de casa ou eram reproduzidos das redes sociais, passando pela pesquisa, leitura, investigação, discussões, escrita e apresentações, foi uma longa e bonita caminhada. A atividade extrapolou os muros da escola e, em meio ao mar de violência e intolerância que vemos nas redes sociais, pode ser compartilhada e auxiliar como meio de divulgação do significado e da importância dos Direitos Humanos. Uma forma de percebermos nitidamente que, através da educação, temos a arma mais efetiva para a micro revolução cotidiana que nos faz, partindo das palavras e atitudes, construir um caminho rumo a uma sociedade mais justa, igualitária, digna, fraterna e verdadeiramente humana.
Do contato inicial, os preconceitos e estereótipos que vinham de casa ou eram reproduzidos das redes sociais, passando pela pesquisa, leitura, investigação, discussões, escrita e apresentações, foi uma longa e bonita caminhada.
RALPH SCHIBELBEIN, professor de História e mestre em Educação. Leciona no Colégio Marista Graças, em Viamão. [rschibelbein@gmail.com]
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O DESAFIO ENTRE A FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES E O DESEJO POR KAREN ELOÁ SILVA MOREIRA RESUMO O presente artigo propõe uma discussão sobre a formação continuada dos professores de educação infantil a partir de pressupostos teóricos que consideram que a formação docente tenha como foco de estudo a escola, com suas especificidades, com seu cotidiano e com seus sujeitos. Dessa forma, será possível gerar reflexões e aprofundamento, possibilitando assim uma correlação entre formação e prática pedagógica. Portanto, mesmo que essa seja uma temática discutida há algum tempo, é necessário trazê-la à pauta do dia, já que pouco se avançou no sentido de tornar a escola um lugar de direito das crianças. EIXO TEMÁTICO: educação. PALAVRAS-CHAVE: formação continuada, educação infantil, relações, significados e prática pedagógica. INTRODUÇÃO Discussões sobre a formação inicial vêm provocando reformulações nos cursos de pedagogia a fim de que os currículos dialoguem com documentos oficiais do Brasil, como as Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação Infantil (DCNEI) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O objetivo é que a produção de conhecimento da academia possa realmente subsidiar a qualificação do campo da escola. Nesse cenário, pensar na formação dos professores é um grande desafio que está em pauta há muito tempo, mas que ainda continua atual e importante, porque pouco se avançou para que a formação reverbere nas práticas cotidianas com e para as crianças. EDUCASESC 2018 24
Formação continuada dos professores é entendida como todos os momentos de reflexão e análise de práticas pedagógicas, estudo e leituras de aportes teóricos referentes ao universo do trabalho do educador. Mas também é a provocação de estranhamentos do cotidiano, trocas e contrapontos com outros pares, escritas, narrativas dos percursos vividos na escola,
O objetivo é que a produção de conhecimento da academia possa realmente subsidiar a qualificação do campo da escola.
observações e escuta atenta dos processos das crianças. Enfim, ações que possam colocar esses adultos numa posição de autoria e responsabilidade pelo seu desenvolvimento profissional, como pontua Formosinho (1984), “ao definir o sujeito epistêmico como ativo construtor do seu conhecimento, obriga-nos a encontrar coerência entre o modelo de formação dos professores(as) e o modelo de atuação pedagógica para o qual os preparamos”. Sabemos que muitos, há muito tempo, vêm falando, escrevendo e pesquisando sobre formação de professores, mas acredito que de real, hoje, ainda pouco avançamos. Especialmente se pensarmos que a relação deve ser entre a formação ao longo da jornada de trabalho e o quanto desse conhecimento esteja refletido na docência diária. A formação ao longo da jornada de trabalho talvez seja uma possibilidade real de mudança e de qualificação dos professores e professoras, para que possam questionar as concepções que permeiam e definem sua docência cotidiana nas escolas infantis. A escola, com seus espaços, seus tempos, suas participações, suas relações, seus sujeitos e suas aprendizagens deve ser entendida como o próprio conteúdo dessas formações. Assim, possibilita a correlação entre a prática pedagógica e as abordagens teóricas, subsidiando as concepções de criança, de infância, de ser docente, de escola, de currículo e de cultura. Pensar na formação dos professores é pensar num lugar de autoria e de autenticidade, lugar habitado por sujeitos que, em parceria com as crianças, fazem a ação pedagógica cotidianamente nas escolas. Os professores são a prática, são os executores de uma docência, mas poucos registram a autoria sobre seus processos. REFERENCIAL TEÓRICO Pergunto: quem melhor que os próprios professores para falar da ação pedagógica? Porém, para além de falar, temos que produzir marcas, construir registros, narrar os processos vividos. Segundo o pedagogo italiano Lóris Malaguzzi, precisamos “dar testemunho cultural ou pedagógico de nossa profissão” (HOYEULOS, 2006).(1) E ainda conforme Freire (1996) “a escrita possibilita a materialização, dá concretude ao pensamento, dando condições de voltar ao passado enquanto se está construindo o presente” (p.22). O exercício da escrita não deveria ser difícil para os educadores, pois atuam em uma profissão que articula diferentes linguagens, que trabalha com práticas de leitura, de escrita artística e literária, com
o processo de ensinar e de aprender. Os professores da educação infantil, especialmente, são adultos cheios de poética, de ludicidade, de sensibilidade. Não seriam essas as condições importantes para produção autoral? Refletindo sobre essa questão, penso que o ato de escrever, por vezes, é visto como penoso e dispendioso, talvez por falta de prática, talvez pelo não entendimento da sua importância. Talvez ainda pelo receio de assumirmos compromissos, já que no momento de escrita expomos nossas concepções, nos responsabilizamos, nos revelamos, deixamos parecer nossos entendimentos e incertezas. Segundo Freire (1996), “não fomos educados para olhar pensando o mundo, a realidade, nós mesmos. Nosso olhar cristalizado nos estereótipos produziu em nós paralisia, fatalismo cegueira” (p.25). Precisamos criar nossas próprias histórias, trazer à luz nossas práticas, narrar a vida coletiva vivida entre professores e crianças nas escolas. Nesse aprendizado permanente de escrever e socializar nossa reflexão valendo-nos do diálogo com outros, sedimenta-se a disciplina intelectual tão necessária a um educador pesquisador, estudioso do que faz e da fundamentação teórica que o inspira no seu ensinar (FREIRE, 2008, p.80). O efetivo diálogo entre formação e prática pedagógica qualificada é urgente, para assegurarmos às crianças o direito de viver e conviver num espaço coletivo que as respeita, as escuta, as olha, as entende por meio das interações, brincadeiras, ludicidade e encantamento. Prática pedagógica qualificada aqui é entendida como relações de potência entre adultos e crianças, que se estabelecem cotidianamente através de respeito, empatia, igualdade e afeto. Conforme Freire (1995), “nessa concepção de educação, o educador é um leitor, escritor, pesquisador, que faz ciência da educação” (p.40). METODOLOGIA O que realmente traz efetividade, sentido e significado à formação e docência talvez seja algo relacionado ao desejo, à aspiração, ao querer, à vontade, à expectativa, ao enriquecimento dos sujeitos da ação educativa, os professores. E que com os desejos individuais e 1 HOYEULOS, 2006, p.194 apud FOCHI, 2015, p.47. 2 Malaguzzi (1989) apud Hoyuelos (2006, p.195), Fochi (2015, p.48).
coletivos possam construir pontes entre esses dois eixos, que aprofundem e valorizem as experiências e os percursos de adultos e crianças de forma potente, comprometida e plural. Os professores, munidos de seus desejos individuais, precisam investir em seu ato autoral e genuíno de serem pesquisadores de suas docências. Conforme dizia Malaguzzi (1989),(2) “é mais fácil que um caracol deixe rastros do seu próprio caminho, de seu trabalho, que uma escola ou uma professora deixe rastro escrito de seu caminho, do seu trabalho”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Acredito que o caminho é avançarmos para uma escola em que “a criança seja central, mas não o centro. As crianças vivem num mundo de interações. As crianças não são seres isolados, fazem parte de uma variedade de contextos humanos, sociais, culturais e históricos. O centro de ato educativo é uma rede intrincada de relações à qual a criança pertence” (FILHO, 2018). Que cada escola infantil seja um lugar de rede de relações entre adultos, crianças e famílias, para que
nesse lugar os desejos coletivos caminhem para a efetivação de uma prática pedagógica que gere aprendizagens significativas, contextualizadas, respeitosas e afetuosas com e para as crianças. Aproximando-se do que faz e pensa, o educador, sujeito pensante, começa a praticar a autoria de sua reflexão, assumindo (...) a condução do seu processo (FREIRE, 1996, p.23). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FOCHI, Paulo. Afinal, o que os bebes fazem no berçário? Comunicação, autonomia, saber-fazer de bebês em um contexto de vida coletiva. Porto Alegre: Penso, 2015. OSTETTO, Luciana Esmeralda. Registros na Educação Infantil. Campinas: Papirus Editora, 2017. Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, MEC, 2009. FREIRE, Madalena. Observação, Registro e Reflexão. Instrumentos Metodológicos I. 2ª ed. São Paulo: Espaço Pedagógico,1996. ZABALZA, Miguel A. Qualidade em Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 1996. KAREN ELOÁ SILVA MOREIRA, coordenadora técnica da Educação Infantil do Sesc/RS, graduada pela PUCRS em Pedagogia, com especialização em Alfabetização e Gestão Escolar pela FAPA/RS. [kesmoreira@gmail.com]
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INVESTIGAÇÕES NOS ESPAÇOS NÃO ESTRUTURADOS NA ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL POR BEATRIZ GISELE PALUDO RESUMO O presente relato busca, por meio das experiências que foram vivenciadas com crianças de cinco anos da Educação Infantil Sesc na Unidade de Carazinho/ RS, refletir sobre a importância dos espaços apresentados para as crianças em sala de aula. Espaços estes em que as crianças passam a maioria do seu tempo na escola e nos quais, muitas vezes, acabavam se repetindo os materiais durante a permanência delas na instituição de ensino. Tendo como base o pensamento de que os brinquedos prontos e industrializados muitas vezes restringem a criação dos alunos, foram inseridos materiais de largo alcance para essa faixa etária, que resultaram nos apontamentos deste texto.
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EIXO TEMÁTICO: educação. PALAVRAS-CHAVES: espaços, interações, materiais, observações. INTRODUÇÃO Quando iniciei minha trajetória como educadora na escola de Educação Infantil do Sesc, vivemos um período intenso de adaptações, repensando as práticas vividas até então e inserindo uma proposta pedagógica que compreendia o espaço como um terceiro educador (RINALDI, 2014). Nesse contexto que valoriza e vive a “cultura dos espaços”, em que as crianças são vistas como seres ativos e
participantes, não apenas como ouvintes, foi a primeira aprendizagem que construí. Conforme a Proposta Pedagógica do Sesc (2015), O ambiente é compreendido como algo vivo e em constante transformação. (...) As concepções de infância, de ensino e de aprendizagem estão presentes na organização do espaço destinado às crianças da Educação Infantil, mesmo que de forma implícita. Assim, pode-se observar na disposição do mobiliário e materiais a consideração ou não da criança como protagonista nas atividades e vivências que lhe são oferecidas (p.28).
Viver essa concepção é romper com muitas teorias. Nos seis anos em que estou como educadora da pré-escola na Escola de Educação Infantil do Sesc Carazinho, sempre tive uma preocupação com as crianças que estão na escola, em sua grande maioria, há três anos. Pensar na organização e nos espaços necessários para essa faixa etária é urgente. Mostro neste texto o relato do percurso que fui construindo junto com meus pares e com as crianças, as escolhas iniciais e as mudanças que fomos construindo ao longo desse tempo. As primeiras configurações foram pautadas por espaços mais estruturados como casinha, padaria, fantasias, jogos pedagógicos comprados, entre outros. Nesses espaços, muitas brincadeiras de faz de conta, interações, trocas, resoluções de conflitos e aprendizagens aconteciam, tanto para as crianças quanto para nós, educadoras, que aprendíamos com as crianças o que fazia sentido para elas. Os enredos que emergiam e as reconfigurações que se desenrolavam a partir dos contextos que organizávamos. Com o passar das nossas experiências com a configuração de espaços, sempre documentando a vivência das crianças, fomos percebendo que os brinquedos industrializados, com
formas e funções pré-definidas, possibilitavam brincadeiras mais dirigidas, direcionadas, restringindo de certa forma a criação e a invenção das crianças. Os brinquedos, por muitas vezes, eram os mesmos durante os três anos em que as crianças frequentavam a escola. Foi a partir dessas inquietações que começamos a nos mobilizar para pensar sobre os espaços que elegíamos como potentes para as crianças da pré-escola: o que poderia ser diferente na sala? Que materiais aguçariam a curiosidade das crianças? Como construir um espaço novo, desafiador, inovador? Aos poucos, após muitas conversas, reflexões, pesquisas e trocas entre os pares, nos desafiamos a (re)significar os espaços que estávamos até então propondo, trazendo materiais de largo alcance para a sala, e lançar o desafio para todos, crianças e adultos. Desde o momento de eleger os materiais, arrecadá-los em quantidades necessárias para possibilitar as brincadeiras, até o momento da organização, houve contribuições de todos da escola. Esse movimento fez com que pudéssemos perceber também o quanto é importante pensar em equipe, trocando informações e dando condições para que os educadores também tenham protagonismo, afinal de contas, a proposta foi lançada por nós, no desejo de ver o que iria acontecer.
OS ESTRANHAMENTOS INICIAIS Ao chegar à sala, as crianças e as famílias se depararam com arranjos de espaços diferentes daqueles que estavam habituados a ver na escola. Quando uma criança encontra um objeto novo, é possível que não brinque imediatamente. Verifica-se em suas ações uma progressão, que vai da descoberta e da simples manipulação até a sua utilização imaginativa. As propriedades físicas do objeto são encaradas como indicação de sua possível utilização, mas não constituem o início determinante do seu uso (KLYSIS; CAIUBY; FIGUEIREDO, 2004). Iniciamos disponibilizando para as crianças materiais como pedras, sementes de diversos tamanhos e formatos, pedaços de madeira, rolos de dimensões variadas, barbantes, potes, caixas, pinhas, embalagens, entre outros. De acordo com Horn (1998), “quanto mais rico e desafiador este espaço for, mais qualificadas serão as aprendizagens das crianças” (p.34). Conforme as crianças iam chegando, o estranhamento inicial foi dando lugar às descobertas, afinal de contas eram inúmeros materiais a serem explorados e, para muitos, isso tudo não era familiar, já que estavam habituados a brincar com brinquedos e espaços estruturados.
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Organizar a sala a partir dessa perspectiva possibilitaria ao grupo descobrir e explorar novas possibilidades de brincadeiras, experimentar o toque e o uso dos materiais. O objetivo era criar intervenções no espaço para que as crianças pudessem se ambientar às narrativas de diferentes maneiras, ao mesmo tempo em que se alimenta a interação, a criação e a expressão de sentimentos e ideias.
São as crianças quem nos mostram os caminhos para que possamos elaborar planejamentos repletos de significados.
Tendo consciência de que, nos dias de hoje, as crianças têm poucas oportunidades de criar seus próprios brinquedos, construir, reconstruir e planejar sua brincadeira, pensamos que organizar os contextos nesse formato era uma experiência nova e enriquecedora, pois seriam, ao nosso olhar, momentos de criações. Nos primeiros encontros com estas novas materialidades, vivemos grandes desafios. As crianças exploravam tudo o que estava disposto. Em um tempo curto, transitavam de um material para outro e, nesse movimento, os materiais ficavam pela sala. De um espaço convidativo, a sala passou a ter um aspecto de “desorganização” para nós adultos, mas para as crianças era um processo importante, afinal eram suas primeiras experiências com esses novos contextos e elas precisavam ter intimidade, testar, movimentar. Depois disso, precisávamos pensar junto com as crianças a organização do espaço. Aos poucos, elas foram percebendo e conseguindo experimentar outras lógicas, participando das decisões e pensando soluções para todas as questões que emergiam no convívio com as materialidades. O momento passou a ser muito pedagógico. Assim, deixamos à disposição na sala, como parte do espaço, também uma vassoura e uma pá, que em um primeiro momento eram de manuseio exclusivo dos adultos, mas que com o passar do tempo já eram utilizados pelas próprias crianças, que ajudavam na organização quando necessário. Como tínhamos os materiais armazenados em vidros, a pergunta que mais se ouvia era: – mas estes vidros não vão quebrar? Era uma pergunta pertinente, porém, era um risco que deveríamos correr, “pagar para ver”. E como sempre as crianças nos surpreenderam e, para a alegria de todos, os vidros permaneciam intactos. Saber como manusear esse material foi também uma aprendizagem para todos, afinal de contas, em cada vidro havia algum material diferente, o que gerava uma nova percepção no manuseio de formas e pesos. Foi através de uma escuta atenta e sensível que observamos as brincadeiras que aconteciam, EDUCASESC 2018 28
documentamos diversos enredos que ora emergiam, ora retornavam. Com isso, percebemos as inquietações e os desejos das crianças por determinados temas. Entre eles, os principais foram: costura, pescaria, construção de jogos e a lenda de um gigante. Estar atenta às pistas que as crianças deixam fez toda a diferença neste momento. A temática da costura surgiu a partir da pergunta da Isadora (cinco anos): – Prô, quando vamos ter Barbies na nossa sala? A partir dessa provocação trago as bonecas e começamos nossas produções. Construímos casas, fizemos oficinas com mães de alunos da turma para confeccionarmos roupas com os mais variados materiais, visitamos estilista e produzimos todos os materiais do espaço com o que havia na sala. Quem inquietou para as pescarias foi Augusto (cinco anos). Todos os dias, pegava o mesmo material e pedia para fazer um anzol e, ali com os demais colegas, passava brincando de pesca. Percebi que poderíamos passar a investigar um pouco mais sobre o tema e assim começamos: tipos de peixes de água doce, salgada, mar, rio, açude, relatos das famílias que pescavam junto com o registro de filhos e pais pescando. Convidamos a turma para passar uma tarde no pesque-pague da cidade e, para a nossa surpresa, quais foram as famílias que participaram deste momento? As famílias dos meninos envolvidos com o tema na escola.
A lenda do gigante surgiu a partir de uma história que a educadora Fernanda Eger, da turma 3, sempre narrava ao passar por uma pedra na calçada no trajeto entre a escola e a Unidade do Sesc, nas ocasiões em que temos aulas de ginástica infantil ou atividades no Espaço Saber e Lazer. Cada vez que passávamos por ali, alguém subia na pedra, que é bem grande, e assim surgiu “a lenda do gigante”. O tema rendeu inúmeras histórias nas turmas da escola: cada uma construiu seu gigante e, na nossa turma, confeccionamos também o espaço do gigante, uma réplica da calçada pela qual as crianças passam com um galho simbolizando a árvore que tem lá e até uma pedra enorme ao seu lado. Para acomodá-lo no espaço de maneira mais confortável, convidamos as famílias para produzirem poltronas de caixas de leite. Jogos aparecem todos os anos nessa faixa etária. Acredito que jogando, muitas relações são estabelecidas no grupo. Como não poderia ser diferente, lançamos o desafio de transformar os objetos que havia na sala em jogos variados, sempre explorando todos os materiais não estruturados disponíveis nas prateleiras. OUTROS DESAFIOS Depois que as crianças viveram muitos enredos, cenários e investigações, me deparei com a reflexão que ter na sala somente materiais de largo alcance era ir de um extremo ao outro. Foi então que,
em 2017, inseri nos espaços outros objetos que mobilizaram enredos simbólicos, como as Barbies, animais de borracha e alguns carrinhos. Em 2018, nessa nova reorganização, percebi que estar atenta ao grupo que recebemos a cada ano, suas necessidades, interações com o espaço e suas materialidades é fundamental para seguir suas pistas. Porque na ânsia de querer investigar tudo, acabamos “sufocando” nossos grupos, que nem sempre querem fazer pesquisas propriamente ditas, e sim vivenciar o lúdico. O simples fato de construir e reconstruir muitas vezes o mesmo elemento com novas formas e detalhes é uma forma de pesquisa. Foi assim que surgiram na turma desse ano as naves com blocos de madeira e, junto com elas, os registros fotográficos realizados pelas crianças, que, ao perceber que estamos o tempo todo documentando suas experiências, questionam sobre o que estamos fazendo e se desafiam a fotografar as construções dos colegas. Aconteceram também muitas transições de materiais: tiramos algumas coisas, incluímos novas, reestruturamos os espaços o tempo todo. O objetivo é pensar que as crianças precisam de espaço para suas criações e para transitar e criar com o que temos disposto ali. Trabalhar cm essas materialidades me fez
repensar as escolhas que estava fazendo para compor os contextos e espaços. Posso afirmar que trabalhar com espaços já estruturados é viver numa zona de conforto, ao contrário de propor essa nova configuração, que desafia crianças e adultos. Percebi que precisamos estar muito mais atentos e, principalmente, que são as crianças quem nos mostram os caminhos para que possamos elaborar planejamentos repletos de significados, com sentido para todos. Não somos nós quem devemos dar os sinais, mas sim elas. Foi ouvindo as falas das crianças que aprendi a olhar a minha prática com outros sentidos. São as crianças que me inspiram a seguir dia a dia. CONSIDERAÇÕES FINAIS Perceber a maneira como os materiais de largo alcance proporcionam momentos de trocas e de investigações faz com que se possa cada vez mais investir nesse tipo de proposta com as crianças da Educação Infantil. Os assuntos vão surgindo tão naturalmente e a interação entre as crianças é tanta que percebemos o quanto vale a pena inovar, afinal de contas é na escola que elas passam a maior parte de seus dias. Sendo assim, precisamos propor sempre algo novo a fim de potencializar as relações entre os grupos. Foram tantas possibilidades de exploração e investigações que nada se repete. A cada dia que passa algo novo surge, até mesmo
sobre o mesmo tema. Com o aprofundamento das criações, ampliando assim o repertório de brincadeiras e interação entre as crianças. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS HORN, Maria da Graça Souza. Montaber: o cotidiano de uma creche. Revista do Professor. Rio Pardo: Ano 14 n.53 p.33-37, jan-mar/1998. KLYSIS, Adriana; CAIUBY, Renata; FIGUEIREDO, Vera Cristhina. Construções Lúdicas. Revista Avisa Lá, 2004. Disponível em: <https://avisala.org.br/index.php/ assunto/tempo-didadico/construcoes-ludicas/>. Acesso em: 20 ago. 2018. RINALDI, Carla. O espaço da infância. In: RINALDI, Carla. Diálogos com Reggio Emilia: escutar, investigar e aprender. São Paulo: Paz e Terra, 2014. SESC/Serviço Social do Comercio – Departamento Nacional. Propostas Pedagógica Educação Infantil. Rio de Janeiro 2015.
BEATRIZ GISELE PALUDO, graduada em Pedagogia pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA – Campus Carazinho), é instrutora pedagógica do Sesquinho Carazinho/RS. [bpaludo@sesc-rs.com.br]
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ESTIMULAR A LEITURA É FORMAR CIDADÃOS CRÍTICOS POR DAIANE PUJOL GARCIA CAVASSA
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RESUMO O presente estudo consiste em análise e reflexão sobre a prática da leitura e seu incentivo nas escolas e no ambiente familiar. O objetivo é, portanto, constatar como a leitura é utilizada nesses ambientes e de que maneira pode-se estimular e motivar o aluno. Para a realização da pesquisa, foram utilizados instrumentos como entrevistas semiestruturadas e observação direta no âmbito escolar. As informações coletadas foram examinadas a partir da técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). Em síntese, a pesquisa mostra que os professores, juntamente com a família, devem proporcionar à criança frequentes e diversificados momentos de leitura. Devem motivar e incentivar o hábito e o gosto pela leitura desde cedo, para que se perpetue por toda a vida. EIXO TEMÁTICO: educação. PALAVRAS-CHAVE: leitura, motivação, hábito. INTRODUÇÃO O trabalho a seguir analisa a importância da leitura como canal de informação e, principalmente, de formação do educando. Mas como despertar no aluno o gosto pela leitura? Essa tarefa nem sempre é fácil. Nosso papel como educadores é mostrar caminhos e estimular, motivar e administrar a curiosidade, tanto a nossa, como a de nossos alunos, promovendo a formação de leitores que sonham, acreditam e realizam mudanças para a construção de um mundo melhor. REFERENCIAL TEÓRICO – O ATO DE LER Ler nos permite conhecer, viver, experenciar, experimentar e aprender sobre diversos assuntos, reais ou fictícios. O ato da leitura propõe uma viagem do imaginário a lugares extraordinários, irreais, que se tornam verossímeis à medida em que o leitor arrisca-se nessa aventura. O ato de ler possibilita o aprendizado a partir de interpretações do mundo real, porém, de uma forma mais aprazível do que somente pela relação direta professor-aluno. A leitura é uma atividade permanente da condição humana, uma habilidade a ser adquirida desde a infância e que continua em processo de construção para o resto da vida. O grande desafio da escola é incentivar a leitura, despertando nas crianças o gosto e o desejo de ler. O desafio é formar praticantes da leitura e da escrita e não apenas sujeitos que possam ‘decifrar’ o
sistema de escrita. É – já o disse – formar leitores que saberão escolher o material escrito adequado para buscar a solução de problemas que devem enfrentar e não alunos capazes apenas de oralizar um texto selecionado por outro (LERNER, 2002, p.27). Fonte primordial de educação, a leitura é a maior herança legada da escola aos alunos. De acordo com Chartier (1999, p.23), “restringir a leitura nas atividades escolares, ao mundo e cultura da criança, é uma forma de negar aquisição de novos conhecimentos”. As escolas, até certo ponto, abandonaram o hábito de leitura, tanto silenciosa quanto em voz alta, nas salas de aula. O incentivo à leitura, consequentemente, diminuiu. A concorrência com atividades mais dinâmicas, motivada pela magia dos computadores, da internet e de outras ferramentas tecnológicas, é real. Se essas ferramentas não forem bem trabalhadas, induzem ao desinteresse pela leitura, pois é mais cômodo e divertido visualmente ver o filme do que ler uma obra escrita. Para transformar alunos em bons leitores, desenvolvendo mais do que a capacidade de ler, mas o prazer da leitura, é necessário que a escola se mobilize internamente para rever as condições, muitas vezes restritas, que oferece aos seus alunos. Sendo assim, cabe à escola adotar métodos construtivistas e práticas que despertem o interesse dos estudantes, de forma democrática, independentemente de idade e classe social.
Ler nos permite conhecer, viver, experenciar, experimentar e aprender sobre diversos assuntos, reais ou fictícios.
É prioridade da escola proporcionar aos alunos os aprendizados da leitura e da escrita, valorizandoos igualmente, pois ambos estão interligados. Logo, devem ser oportunizadas todas as formas e condições para que a criança tenha um contato positivo com o livro, colocando a sua disposição materiais de leitura variados. Sabemos que a leitura assume um papel fundamental na aprendizagem de todos os conteúdos escolares e que o sucesso depende do domínio dessa habilidade. Porém, a escola, com algumas exceções, continua reproduzindo um modelo de leitura tradicional, com fins didáticos, em que o predomínio da razão supera a magia, o encanto e o prazer de ler. Segundo Lajolo (2002), lemos para entender o mundo e para melhor vivermos nele, apreendendo dos autores suas percepções sobre o mundo e sobre a vida. Em seu livro Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo (2002), a autora analisa depoimentos de professores sobre a leitura de seus alunos. Segundo os relatos, os alunos, por não terem o hábito da leitura, só leem quando obrigados, outros não leem nem obrigados e, ainda, a maioria prefere assistir TV. A leitura, portanto, não deve ser vista como uma obrigação, dever ou tarefa cumprida, e sim como fonte de aprendizado em que o aluno possa construir seus conhecimentos, além de deleitar-se, descobrirse, encantar-se. Torna-se fundamental repensar o ensino e buscar uma nova dinâmica de leitura, voltada para suas mais diversas interfaces e não apenas para a busca de informação. Dessa maneira, é possível despertar no aluno o prazer de ler, base fundamental da atividade. A escola deve abrir as portas para o novo, valorizando as diversas formas de cultura, retirando o aluno do isolamento de textos repetitivos e dando a ele a possibilidade de selecionar suas leituras de acordo com seu próprio gosto e necessidade. Dessa forma, ele poderá expressar-se melhor e posicionar-se como cidadão. É fundamental que a leitura se constitua como uma prática social de diferentes funções, pela qual o educando percebe que precisa ler não apenas para aprender e compreender informações, mas também para se comunicar, interagir, socializar, ampliar os horizontes e conhecimentos. Toda criança que lê e tem acesso a livros tem maior facilidade em aprender e conhecer o mundo. EDUCASESC 2018 31
A leitura facilita a compreensão dos conteúdos estabelecidos, trazendo benefícios para toda a comunidade escolar, pois quanto maior for o entendimento e conhecimento, mais poderá o professor avançar e aguçar a curiosidade dos alunos para que busquem as suas respostas nos livros como ferramentas de pesquisa. Assim, o professor deverá ser capaz de escolher livros de acordo com os interesses do leitor, disponibilizar vários gêneros de leitura, conhecer os temas preferidos e o nível de desenvolvimento e contexto social da criança com a qual trabalha. Conforme Bamberger (2000, p. 42), “a falta de adequação entre a obra e o interesse do aluno poderá acabar com a motivação do pequeno leitor”. Com essa ideologia na prática pedagógica, os professores poderão propor alternativas de promoção de leitura, despertando o interesse e
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a vontade de ler por parte dos alunos. Iniciativas como hora do conto, teatro com participação dos alunos, leitura de histórias em quadrinhos, interpretações de músicas, trabalho com jornais e revistas, exploração de receitas culinárias, cantinho da leitura, trabalho com rimas e poesias, visitas constantes à biblioteca e feiras do livro são exemplos de atividades de incentivo à leitura. Por outro lado, é em casa, ou deveria ser, que se estimula o primeiro contato da criança com a leitura, ainda antes da escola. É a família quem deveria apresentar e cultivar o hábito de ler. A criança que ouve histórias desde cedo, que tem contato direto com livros e que seja estimulada, terá um desenvolvimento favorável ao seu vocabulário, bem como o hábito de ler (BAMBERGUER, 2000, p.71). Logo, quando o incentivo à leitura se dá desde os primeiros anos
de vida, fase em que os bebês já demonstram seu interesse pelas histórias, batendo palmas, sorrindo, sentindo medo ou imitando algum personagem, são grandes as chances da criança desenvolver o hábito da leitura e descobrir o prazer que ela proporciona. Conforme Silva (1991, p.57), “bons livros poderão ser presentes e grandes fontes de prazer e conhecimento. Descobrir estes sentimentos desde bebezinhos poderá ser uma excelente conquista para toda a vida”. Além disso, outro fato relevante é o vínculo afetivo que se estabelece entre o contador das histórias e a criança. Contar e ouvir uma história aconchegado a quem se ama é compartilhar uma experiência prazerosa, na descoberta do mundo das histórias e dos livros. Portanto, tornar o livro um objeto “amigo”, oportunizando o contato com o belo, com o
imaginário e com a arte da palavra, são condições que reforçarão o estabelecimento do hábito de ler por prazer e por entretenimento, seja em casa ou na escola. METODOLOGIA O presente estudo resulta de uma pesquisa qualitativa com caráter descritivo, produzida a partir de leituras de livros, artigos, notícias e sites sobre o tema leitura. Como foco de pesquisa, foram observados professores, alunos, situações e acontecimentos referentes à prática de leitura na sala de aula. A abordagem é de cunho etnográfico, com os participantes sendo observados no seu ambiente natural. Segundo Bodgan; Biklen (1994, p. 14), “o interesse do pesquisador ao estudar um determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas”. Procurou-se, portanto, fazer observação direta e entrevistas abertas e fechadas na realidade escolar, considerando os diferentes pontos de vista dos participantes e suas atuações nas práticas dentro da sala de aula, para posterior análise e interpretação dos fenômenos estudados. Os dados da pesquisa foram tratados pela técnica de análise de conteúdo de Bardin (1977), com algumas adaptações. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa procurou responder: como despertar o gosto pela leitura e o hábito nos alunos? Desde logo, acreditava que essa não é uma tarefa simples e fácil de conquistar. Portanto, tive como objetivo principal analisar e refletir sobre a prática de leitura nos contextos escolar e familiar. A leitura contribui para a aprendizagem do mundo real, oportunizando uma bagagem de conhecimentos amplos e propondo que o leitor encontre nos livros a resposta para muitas de suas perguntas, inquietações e curiosidades. Além disso, possibilita viajar, transportar-se para um mundo imaginário e vivenciar as mais diversas aventuras e fantasias. Por meio da leitura, formam-se também valores considerados necessários nos dias atuais. A criança identifica as atitudes e personalidades dos personagens, podendo avaliar e refletir sobre as ações contadas no decorrer da história. Assim, quando a leitura é bem explorada e conduzida pelo educador, o leitor terá desenvolvido sua criticidade, expondo suas opiniões e pontos de vista, além
A criança identifica as atitudes e personalidades dos personagens, podendo avaliar e refletir sobre as ações contadas no decorrer da história. de criar conceitos de certo e errado, de atitudes que valem a pena (ou não), contribuindo, dessa maneira, para a formação de um cidadão crítico, consciente de suas atitudes e ações na sociedade em que está inserido. Portanto, se o professor e a família acreditarem que, mais do que informar, a leitura tem importante papel na formação da criança e do adolescente, além de oportunizar momentos prazerosos, estes terão mais chances de desenvolver o hábito e o gosto de ler para a vida toda. Quanto mais numerosos forem os estímulos oferecidos aos alunos, com vários e diferentes tipos de leitura, maior será o seu envolvimento e encanto. Diante disso, posso concluir que não há uma fórmula que faça o aluno gostar de ler e criar um hábito permanente da leitura. O que existe são recursos, maneiras, métodos que podem ser criados e executados para estimular o aluno a desenvolver esse hábito, de forma prazerosa. Isso depende da boa vontade do adulto, da família e dos educadores em criar oportunidades de diferentes experiências, motivando a criança a querer ler continuamente. Sabe-se, entretanto, que muitos fatores diminuem significativamente o prazer pela leitura: trabalhar
sempre o mesmo tipo de texto, propor leituras apenas com interesse didático ou solicitar leituras somente para responder perguntas de interpretação são alguns desses fatores. Dessa forma, despertar o gosto pela leitura e cultivar o hábito nos alunos não é algo que se consegue da noite para o dia. É um processo contínuo e permanente, que deve iniciar na infância e ter continuidade durante os anos escolares. Isso exige que escola e família acreditem no valor da leitura para além de informar, mas para formar leitores com hábitos, atitudes, valores e opiniões. Logo, cidadãos com vontade de mudar o mundo e contribuir para o seu progresso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAMBERGER, Richard. Como Incentivar o Hábito da Leitura. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2000. BOGDAN, Robert; BIKLEN Sari. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto Alegre: Porto Ed., 1994. CHARTIER, Roger. A Aventura do Livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Unesp, 1999. LAJOLO, Marisa. Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo. 6ª ed. São Paulo: Ática, 2002. LERNER, Delia. Ler e Escrever na Escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002. SILVA, Ezequiel Theodoro da. De Olhos Abertos: reflexões sobre o desenvolvimento da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1991. DAIANE PUJOL GARCIA CAVASSA, professora e orientadora pedagógica na rede privada e pública de Uruguaiana/RS. Pedagoga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela UNINTER e especialista em Educação Especial e Inclusiva pela FAEL. [daiane.pujol@hotmail.com] [www.facebook.com.br/leitoresnapraça]
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DA EXPERIÊNCIA DE VIVENCIAR ESTUDOS SIMULTÂNEOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL POR RÚBIAN CÂNDIDA GLIENKE EIXO TEMÁTICO: educação. PALAVRAS-CHAVE: educação Infantil, pesquisa, estudos simultâneos, protagonismo infantil. As vivências com as crianças da Escola de Educação Infantil Sesquinho de Ijuí/RS se desenvolvem a partir dos interesses e das curiosidades apresentadas por elas próprias, o que proporciona muitas explorações e trocas. Quero compartilhar um pouco dessa experiência vivida em minha turma, contando o que foi estudado pelas crianças, que têm entre cinco e seis anos. Nossas experiências iniciam quando observo que algumas crianças da turma vinham demonstrando interesse por assuntos específicos. Quando, em suas falas e brincadeiras, trocam informações e realizam suas próprias pesquisas. Como afirma a nossa proposta pedagógica: Por meio do posicionamento da escola e da observação, mediação e intervenção cuidadosa do professor, tem-se condições para criar espaços de convívio em que as crianças possam – desde pequenas – ser parte ativa da vida coletiva, e ter sua opinião e voz como elementos fundamentais para construir modos de vida satisfatórios para todos. (SESC, p.18) Assim fui percebendo que se formavam grupos que se aproximavam na busca de mais informações. E isso estava acontecendo na turma envolvendo simultaneamente, até aquele momento, três assuntos para estudo. Pensando em dar ênfase aos interesses específicos, mas procurando envolver todas as crianças da turma, iniciei a proposta com uma sessão, para a qual dispus imagens, livros e objetos relacionados aos assuntos presentes nas EDUCASESC 2018 34
conversas entre as crianças. Esses temas já haviam sido registrados em nossos painéis informativos ou foram percebidos nas brincadeiras e explorações. Livremente, elas puderam circular e explorar o que estava disposto. Com ajuda de outra educadora, anotávamos falas e registrávamos o momento. Percebemos que assim cada criança se aproximou do assunto pelo qual mais se interessava, tornando-se protagonista de suas escolhas. Além disso, ressalto a importância da escuta dos educadores nesse momento, como afirma Mello (2017, p.58): A escuta é uma atitude receptiva que pressupõe uma mentalidade aberta, uma disponibilidade de interpretar as atitudes e as mensagens lançadas pelos outros e, ao mesmo tempo, a capacidade de recolhê-los e legitimá-los. Penso que esse movimento foi fundamental para aproximar cada criança do que mais lhe interessava estudar. Barbosa (2008, p.62) afirma que: Após a investigação, são necessários momentos coletivos, nos quais a constelação de elementos trabalhados ao longo do projeto são reinventados, passando de matéria-prima para uma reconstituição narrativa da experiência. Essa constituição de narrativa se dá quando, num segundo momento, nos reunimos em pequenos grupos, que chamo de “grupos de interesse”, e conversamos sobre as hipóteses e afirmações que traziam sobre os assuntos. Isso motivou as crianças a realizarem pesquisas com as famílias e houve momentos em que elas mediaram as conversas, compartilhando aquilo que pesquisaram.
Conforme surgiam as curiosidades e as novas informações, fomos inserindo o material nos painéis informativos, nos quais tínhamos imagens, desenhos, anotações e recortes (reportagens, propagandas). Quando refletimos sobre documentação pedagógica, percebemos que os suportes (murais, expositores, prateleiras, dossiês...) existentes na escola também são importantes. Às vezes, os grandes painéis de madeira da escola se transformam em lousas em que, à medida que o projeto ou a experiência cresce, vamos anotando os fatos que vão acontecendo. Isso nos ajuda a tornar visível esta primeira síntese, envolvendo também crianças e famílias que vão enriquecendo a experiência ao longo do processo. (MELLO, 2017, p.35) Não havia dia marcado para conversarmos sobre cada assunto. Porém, fazia parte do planejamento abordar algumas informações relacionadas a um dos estudos em andamento. Como as crianças também traziam materiais, algumas vezes só era preciso organizálos nos painéis. À medida que novas informações surgiam, era momento de reunir os grupos de interesse para retomar o que já havia sido pesquisado e inserir a nova informação no painel. Fazia parte da rotina da turma algumas crianças se reunirem ou até mesmo se deslocarem a outro espaço para estudar o assunto específico, enquanto as demais realizavam atividade distinta com a outra professora. No decorrer dos estudos surgiram mais dois assuntos. Então tínhamos cinco assuntos sendo abordados simultaneamente na turma. Havia as crianças que estavam sempre presentes nos grupos de interesse de cada assunto, havia as que circulavam, havia as que participavam de uma ou outra pesquisa. E havia ainda crianças de outra turma que participavam de alguns grupos. O bacana de observar é que, apesar
de cinco estudos diferentes estarem acontecendo, todos manifestavam opinião sobre os assuntos. As trocas aconteciam naturalmente, por meio das informações que chamavam mais a atenção, ou por algo registrado nos painéis. Marcando este período, realizamos uma exposição para as crianças mostrarem e falarem aos seus familiares e colegas de toda escola sobre os assuntos pesquisados e estudados. Destaco que, mesmo quando não eram os protagonistas do estudo, tinham conhecimento e propriedade de todos os assuntos trabalhados. Por fim, quando reflito nas palavras de Rinaldi (2014, p.149), vejo que o nosso tempo é de transição, e a nossa geração é transiente. Nossa tarefa é viver uma “temporada de projetos”, na qual é impossível utilizar os velhos parâmetros e valores pedagógicos, arquitetônicos, éticos, sociais e educacionais e na qual, assim, tornase essencial aventurar-se no novo e fazer planos para futuros reais. Embora seja, com certeza, um momento de potencial desorientação e confusão, de incertezas muito difusas e de contradições, é também um momento emocionante, rico de possibilidades. Posso dizer que vivenciar o estudo desses assuntos simultaneamente é desafiador, mas ao mesmo tempo uma experiência rica de possibilidades. É perceber e sentir o quanto as crianças são potentes,
são capazes, sabem e precisam ser protagonistas de suas escolhas. Me desafiar, ou melhor, me permitir e também, em alguns momentos, me policiar, para que eu como “adulto” não interferisse no raciocínio ou nas hipóteses das crianças me fez refletir sobre a minha postura como educadora. As pesquisas e trocas de informações tiveram como temas: bergamotas; nozes; o que rola e não rola;
É perceber e sentir o quanto as crianças são potentes, são capazes, sabem e precisam ser protagonistas de suas escolhas.
medidas e tipos de medidas; galinhas (enquanto acompanhamos o crescimento dos pintos Café e Leite). Essa experiência certamente enriqueceu a minha prática e, com certeza, proporcionou às crianças uma experiência única, de descoberta, de pesquisa e de protagonismo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Maria Carmen Silveira; HORN, Maria da Graça Souza. Projetos Pedagógicos na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008. RINALDI, Carla. Diálogo com Reggio Emilia: escutar, investigar e aprender (tradução Vania Cury). 2ª Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2014. SESC. Proposta Pedagógica [da] Educação Infantil. Rio de Janeiro: Sesc, Departamento Nacional, 2015. MELLO, Suely Amaral; BARBOSA, Maria Carmem Silveira; FARIA, Ana Lúcia Goulart de (Orgs.) Documentação Pedagógica: teoria e prática. São Carlos: Pedro & João Editores, 2017.
RÚBIAN CÂNDIDA GLIENKE, graduada em Pedagogia – Magistério da Educação Infantil e das Séries Iniciais do Ensino Fundamental, habilitação para Educação Especial pela Unisinos; pós-graduada em Gestão Educacional pela Ulbra. É instrutora pedagógica na Escola de Educação Infantil Sesquinho Ijuí/RS. [rcandida@sesc-rs.com.br]
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PRÁTICAS DOCENTES: O USO DO TABLET COM CRIANÇAS AUTISTAS POR CÁTIA REGINA RAMOS DA SILVA RESUMO O objetivo principal desse trabalho é demonstrar que a utilização do tablet com crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) favorece o desenvolvimento dos precursores de linguagem, viabilizando o desenvolvimento das habilidades indispensáveis ao processo de alfabetização, tendo em vista que a maioria das crianças com autismo demonstra prejuízo no uso sustentado do olhar, na atenção conjunta e compartilhada, no uso do apontar, nas habilidades sociais, entre outros. Os estudos fundamentaram-se na pesquisa bibliográfica de Lévy (1994); Grandin (2017); Vygotsky (1993); Schmidt (2013); Orrú (2012) e Serra (2018). A aplicação prática ocorreu com a participação de duas crianças com autismo, de quatro e seis anos de idade, estudantes de um Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) localizado em Acari – bairro que possui um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do município do Rio de Janeiro. Os estudos levaram também à reflexão sobre a importância do uso da tecnologia,
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sobretudo do tablet, no desenvolvimento cognitivo, social e comportamental de pessoas com autismo, destacando o valor da ludicidade no processo de aprendizagem e a necessidade da inclusão digital de pessoas com deficiências nas comunidades mais carentes. EIXO TEMÁTICO: educação. Palavras-chave: autismo, tecnologia, inclusão. INTRODUÇÃO Esse artigo visa fornecer elementos para a reflexão sobre a prática da inclusão, especialmente de pessoas com autismo, a partir do uso do tablet, ferramenta tecnológica que costuma despertar interesse entre crianças, jovens e adultos, e que facilita o processo de aprendizagem. Dentro dessa abordagem, o artigo tem como objetivo ainda demonstrar a importância da inclusão digital nas comunidades em situação de vulnerabilidade. O interesse pela temática surgiu a partir de um curso oferecido pela equipe do Instituto Helena Antipoff (IHA) , no qual tive contato, pela
primeira vez, com a possibilidade do uso do tablet com crianças com autismo. O curso teve como embasamento teórico-metodológico os estudos de Temple Grandin, que entre outros títulos é PhD. em Zootecnia e professora de Ciências. Temple tem TEA e isso despertou ainda mais meu interesse pelo assunto, pois os conhecimentos compartilhados não ficavam só no campo da pesquisa teórica, mas tinham origem na prática e eram formulados por uma estudiosa com propriedade de causa para tratar do assunto. Temple destaca a importância do uso do tablet para a melhoria do olhar sustentado. Os tablets têm uma enorme vantagem sobre os computadores comuns, e até mesmo os notebooks: não é preciso tirar os olhos da tela. Em geral, digitar é um processo de dois passos. Primeiro olha-se para o teclado; depois para a tela para ver o que foi digitado. Isso pode ser demais para alguém com problemas cognitivos agudos (...) Nos tablets, porém, o teclado é parte da tela, então os movimentos oculares do teclado para as letras digitados são mínimos. (GRANDIN, 2017, p.86)
habilidades importantes em sala de aula, como cita Orrú (2012b, p.86) ao afirmar que “o autismo é uma síndrome comportamental que se apresenta antes dos três anos de idade, com comprometimentos nas áreas de comunicação, interação social e no uso da imaginação e sua função simbólica”, fato que ratifica a importância do uso da tecnologia. Mesmo para autismo de nível severo, é possível contar com o uso dessas ferramentas para o desenvolvimento de tais habilidades. Sob a perspectiva histórico-cultural, podemos refletir sobre o seguinte pensamento: “o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento, nos alerta para a importância de o professor interferir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos, sejam eles autistas ou não” (VYGOTSKY, 1993, p.65). Com base no fato de que o olhar sustentado é prérequisito para o processo de alfabetização de pessoas com autismo, o uso do tablet passa a ser um ótimo aliado para o desenvolvimento dessa habilidade. A experiência de trabalho que compartilho nesse artigo teve uma aplicabilidade prática de caráter qualitativo, que ocorreu no segundo semestre de 2017, na Sala de Recursos Multifuncionais – espaço destinado à complementação e suplementação das necessidades educacionais dos alunos da Educação Especial – do já referido CIEP, onde atuo com professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Teve uma duração aproximada de seis meses, contando com atendimentos que aconteciam duas vezes por semana, com duas horas de duração. Teve a participação de duas crianças com autismo, protagonistas nessa ação: Pedro (quatro anos) e João (cinco anos). Gabriel apresentava comunicação oral preservada. No entanto, necessitava de autorregulação comportamental por apresentar baixa tolerância às frustrações e inflexibilidade, especialmente nas mudanças de rotina. Apresentava ainda prejuízos nas relações sociais, uma vez que não aceitava as regras mínimas de convivência com seus pares, entre outras questões. Gustavo tinha dificuldades de fala, falta de atenção compartilhada e sustentada, uso inadequado do olhar, falta do apontar declarativo, dificuldade de autorregulação comportamental, baixa tolerância às frustrações e prejuízos nas relações sociais em relação aos seus pares, entre outros.
O AUTISMO E A TECNOLOGIA Apesar do ponto de partida para esse projeto ter sido o curso feito no IHA, foi necessário maior aprofundamento teórico sobre o assunto para garantir o êxito do projeto. Por isso, contribuições de autores como Pierre Lévy foram de fundamental importância, especialmente ao mencionar que: [Ao] Pensar a cibercultura: em geral me consideram um otimista. Estão certos. Meu otimismo, contudo, não promete que a Internet resolverá, em um passe de mágica, todos os problemas culturais e sociais do planeta. Consiste apenas em reconhecer dois fatos. Em primeiro lugar, que o crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas nos propõem. Em segundo lugar, que estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural humano. (LÉVY, 1997, p.11) Lévy, assim como outros autores, serviu-me de grande inspiração, principalmente por acreditar numa pedagogia de inclusão na qual sejam utilizados recursos tecnológicos nos espaços da sala de aula. Esses recursos são de grande interesse para as crianças, levando-as a se sentirem estimuladas e fazendo com que os educadores repensem suas práticas educativas. No caso específico do autismo, percebe-se uma carência pedagógica no desenvolvimento de
Mais uma vez é ratificada a importância de estarmos antenados aos novos tempos, lembrando que nossos “nativos digitais” estão ávidos por novos conhecimentos e novas tecnologias e isso ocorre não só com as pessoas atípicas, mas também com as neurotípicas. Se pensarmos dessa forma, proporcionaremos inclusão e contribuiremos para a diminuição do preconceito em relação às pessoas com deficiências. Schmidt (2013) cita as contribuições de Leo Kanner (1943) e de Hans Asperger (1944), que definiram o que hoje conhecemos como autismo. Por isso, não podemos deixar de registrar a importância dessas duas personalidades e mergulhar em seus estudos, por trazerem informações fundamentais e que são a cada dia ampliadas, graças aos seus estudos iniciais. Serra (2018) sugere que, antes de se iniciar o processo de alfabetização propriamente dito, deve-se desenvolver o que é chamado de “precursores de linguagem”, ou seja, os prérequisitos básicos que asseguram um bom desenvolvimento da alfabetização das crianças com autismo. Isso ocorre por que pessoas com TEA apresentam ausência de um ou mais desses precursores, que em síntese são caracterizados pela ausência do olhar sustentado, atenção conjunta e compartilhada, imitação arbitrária, apontar declarativo e imperativo, sorriso responsivo, vocalização, movimentos antecipatórios e fala referencial. Assim, o trabalho de utilização do tablet com crianças com autismo teve também grande e especial inspiração no trabalho da Dra. Dayse Serra, que há cerca de 30 anos pesquisa sobre autismo. O que se buscou no trabalho de utilização EDUCASESC 2018 37
desse instrumento tecnológico com as crianças foi justamente o desenvolvimento dos precursores de linguagem, fundamentais para o processo de alfabetização. A EXECUÇÃO DO TRABALHO Ao levarmos em consideração que as crianças participantes vivem numa comunidade carente e que não possuíam tablet, primeiramente, apresentou-se o instrumento tecnológico para que o explorassem. Foi ensinado como ligar o aparelho e os jogos disponíveis foram apresentados. À medida em que iam escolhendo um jogo ou outro, iam aprendendo como manipulá-los. A manipulação espontânea ocorreu por cerca de duas semanas. Nesse período, observou-se entre os participantes: desentendimentos na disputa pelo instrumento e pelos jogos nele contidos; desinteresse pelos jogos que abordavam conteúdos envolvendo letras e números; preferência por atividades estritamente lúdicas e competitivas ao invés de cooperativas. Enquanto um aluno estava com o tablet, o outro se afastava da mesa aborrecido e procurava outra atividade. No momento em que estavam executando as tarefas, desviavam o olhar e paravam de utilizar o instrumento sempre que eram expostos a estímulos externos, não retornando às atividades sem a interferência da professora. Ou seja, inicialmente, verificou-se dificuldades de interação social, falta de atenção conjunta e compartilhada e de olhar sustentado. Após essas observações, iniciaram-se as intervenções. Utilizando jogos como Pula-pirata, Cai não cai, Come-come, entre outros, começou-se a trabalhar a troca de turno, ou seja, cada um aguardava a vez para jogar. Trabalhou-se também a atenção conjunta e compartilhada e o olhar sustentado. À medida em que esses e outros aspectos se autorregulavam, aumentava-se o tempo e as dificuldades dos jogos. Além dos estímulos ambientais, foram utilizados estímulos provocados, como o uso do despertador do celular e o apagar das luzes. O objetivo era perceber se, após o contato com esses estímulos, os alunos retornavam à atividade, o que de fato ocorreu. A partir do momento em que já trocavam de turno, mantinham o olhar sustentado e atenção conjunta e compartilhada, entre outros aspectos, partiuse para as atividades envolvendo os numerais e as letras do alfabeto, utilizando-se para isso o Silabando, jogo composto por várias atividades lúdicas envolvendo os conteúdos citados. EDUCASESC 2018 38
Estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço. Como os alunos têm idades distintas, os objetivos foram específicos para cada faixa etária, indo desde o exercício da coordenação motora das letras e numerais até a leitura e escrita de palavras com fonemas simples. Assim, o aluno mais novo passou a identificar, nomear e cobrir corretamente as vogais e numerais. O mais velho não só identificou as letras do alfabeto e numerais acima de 10, como passou a ler e escrever palavras com fonemas simples até o final do período de execução desse trabalho. CONCLUSÃO O uso do tablet ajudou na regulação dos comportamentos inadequados, envolvendo aspectos sociais e de autorregulação. Isso ocorreu a partir de vários programas baixados no tablet e que eram do interesse das crianças. No caso do Gabriel, foram trabalhados ainda conteúdos ligados à alfabetização e aos conhecimentos matemáticos, memorização e concentração. Com o Gustavo também foram trabalhados o reconhecimento das vogais, numerais, atividades visoespaciais, visomotoras, entre outros. Os resultados foram surpreendentes. Gabriel tornou-se mais sociável, concentrado, tolerante e mais flexível às mudanças de rotina. Ao final do período, já lia e escrevia palavras com fonemas simples.
Gustavo, ao final do período, já apontava declarativamente, melhorou muito a sustentação do olhar e a atenção compartilhada. Tornou-se mais sociável, aceitando fazer trocas de turno – esperando a sua vez em relação aos seus pares – e melhorando bastante a autorregulação comportamental. Esse trabalho demonstrou também a importância da inclusão digital nas escolas, como ferrramenta não só para facilitar o processo ensino-aprendizagem, mas também para oportunizar a todos o acesso tecnológico. No caso dos alunos com TEA, o tablet mostra-se primordial no desenvolvimento dos precursores de linguagem, na autorregulação comportamental, flexibilidade, socialização, comunicação verbal e não verbal, entre outros. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: 34 Editoras, 1997. ORRÚ, Sílvia Ester. Autismo, Linguagem e Educação: interação social no cotidiano escolar. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012a. ___________. Estudantes com Necessidades Especiais: singularidades e desafios na prática pedagógica inclusiva. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012b. SERRA, Dayse. Alfabetização de Alunos com TEA. Vol. 1. Rio de Janeiro: E-nuppes Editora, 2018. SCHMIDT, Carlos (Org.). Autismo, Educação e Transdisciplinaridade. 2ª Ed. Campinas: Papirus, 2013. TEMPLE, Grandin; PANEK, Richard. Trad. Cristina Cavalcante. O Cérebro Autista: pensando através do espectro. Rio de Janeiro: Record, 2017. VYGOTSKY, Lev Semyonovich. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993. ZANARDES, Cássia Vânia Lucas. O tablet na aprendizagem das crianças autistas. In: Educere Congresso Nacional de Educação PUCPR, 12., 2015, Paraná. Anais eletrônicos. Paraná: PUC, 2015. Disponível em: <http://educere.bruc.com.br/ arquivo/pdf2015/19172_10231.pdf>. Acesso em: 22 mai.2018
CÁTIA REGINA RAMOS DA SILVA, licenciada em Pedagogia pela Universidade do Grande Rio (Unigranrio); pósgraduada em Psicopedagogia Institucional pela Universidade Cândido Mendes e em Educação Especial pela Universidade Católica Dom Bosco e pós-graduanda em Psicopedagogia Clínica, TEA e Neuropsicopedagogia pelo Instituto Sinapse. [catiaregina16@gmail.com]
PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO E CIDADANIA: A PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NO CONTEXTO DE UM PROJETO SOCIAL POR GISLAINE CRISTINA PEREIRA, SÍLVIA ZUFFO E ELIANA PEREZ GONÇALVES DE MOURA EIXO TEMÁTICO: educação. PALAVRAS-CHAVE: projeto social, cidadania, inclusão, família. INTRODUÇÃO Este trabalho considera a educação como ferramenta de promoção social e de formação humana, a partir do desenvolvimento do senso de cidadania, tendo por base o respeito pelas pessoas e pelos contextos socioculturais que se desenvolvem na convivência familiar. Os projetos educativos se configuram na implicação mútua entre juventude, comunidade e família, considerando esta última como espaço privilegiado de socialização e de promoção da prática da cidadania. O objetivo da pesquisa é refletir sobre a contribuição da participação ativa da família na construção da cidadania em jovens participantes do Projeto Pescar. EDUCAÇÃO, FAMÍLIA E JUVENTUDE NO ÂMBITO DO PROJETO PESCAR A educação se efetiva como ferramenta de promoção social e de formação humana a partir do desenvolvimento, nos sujeitos, do senso de cidadania. A base disso é o respeito pelas pessoas e pelos contextos socioculturais, juntamente com a ampliação das condições de liberdade de escolha frente a sua realidade (FREIRE, 1996). Para Freire, a educação deve colaborar para o desenvolvimento da autonomia do sujeito, estimulando espaços democráticos de participação. Sendo a família a rede primária na qual se estabelecem os primeiros vínculos e aprendizagens do sujeito, ela é reconhecida como espaço privilegiado de socialização e de promoção da prática da cidadania (FERRARI e KALOUSTIAN, 2002) – o que corrobora com a ideia de que a juventude não deve ser analisada
individualmente, mas no âmbito coletivo (ARIÉS, 1981; PERONDI, 2013). Assim, partindo-se da concepção que, conforme Medeiros (2012), os projetos educativos configuram-se na implicação mútua entre família, juventude e práticas de cidadania, o presente trabalho busca refletir sobre a participação ativa da família na construção da cidadania em jovens do Projeto Pescar. PROJETO PESCAR O Projeto Pescar atua há 40 anos diretamente com jovens de 16 a 19 anos, em situação de vulnerabilidade social. Presente em diversos estados brasileiros, bem como na Argentina, no Peru, no Paraguai e em Angola, na África, busca a
Os projetos educativos configuram-se na implicação mútua entre família, juventude e práticas de cidadania.
inclusão social do jovem no mercado de trabalho. O processo de formação tem base na metodologia definida pela Fundação Projeto Pescar, com 60% da carga horária investida em Desenvolvimento Pessoal e Cidadania e 40% voltados para a Iniciação Profissional do jovem. A missão do Projeto Pescar é promover espaços de desenvolvimento pessoal e qualificação profissional do jovem, na busca por sua inserção social e minimização das vulnerabilidades vivenciadas (FPP, 2015). JUVENTUDES É necessário esclarecer a definição de jovem sobre a qual trata o presente estudo, tendo em vista a multiplicidade de juventudes encontrada no contexto social, cada uma carregando seu estilo, sua história, sua cultura, suas representações e anseios. No entanto, é nítida a falta de consenso acerca do período de desenvolvimento que a juventude contempla. A Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal) defende que é “tarea compleja, tanto para el mundo acadêmico como para los gobiernos, delimitar una categoria de juventud que permita estabelecer cuales son los limites de esta etapa de la vida y como visibilizar sus particularidades sociohistoricas y necessidades” (2007, p.290). O que remete à multiplicidade de caracterizações da própria fase, demonstrando o quanto essa questão é complexa, diversa e digna de atenção. Para a Organização das Nações Unidas (ONU), a juventude é o período entre os 15 e os 24 anos. Já o Estatuto da Juventude, aprovado em 2013 no Brasil, afirma que essa fase vai dos 15 aos 29 anos. Há países que consideram que a juventude vai até os 35 anos. Flores (2016) enfatiza que, para além de questões biológicas, devem ser consideradas questões sociais e contingenciais que delimitam esse período. EDUCASESC 2018 39
Importa lembrar o cenário em que os jovens estão inseridos: uma sociedade em constante transformação, de múltiplas exigências, caracterizada por crises em diversas instâncias (BOCAYUVA e VEIGA, 1999). Nesse emaranhado global mutante e plural, a juventude tenta se adequar a sua realidade, criando seu próprio estilo de interagir com o meio. Ao mesmo tempo, reitera-se o que defende Mário Simão (do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro) quando defende que essa mesma juventude “carrega as marcas e os valores de uma sociedade” (2014, p.04). Ou seja, é compreendida como uma construção sociocultural, tendo por pilares uma gama de saberes e poderes, capazes de lhe sustentar enquanto categoria social (ABRAMO e BRANCO, 2008). Nesse sentido, a própria família também é reflexo dessa construção, sendo um espaço valioso para a formação humana do jovem. FAMÍLIA Na atualidade, segundo Oliveira (2009), a compreensão do termo família é foco de diversos modelos conceituais e explicativos. Corroborando com essa concepção, defendese que “ela se manifesta como um conjunto
de trajetórias individuais que se expressam em arranjos diversificados e em espaços e organizações domiciliares peculiares” (FERRARI e KALOUSTIAN, 2002, p.14). Nesse sentido, para fins dessa pesquisa, entende-se a impossibilidade de definição de um modelo único ou ideal de família, partindo do entendimento de que ela não representa apenas o somatório descritivo de comportamentos, anseios e demandas, mas acima de tudo representa um processo de interação da vida e da trajetória dos sujeitos que a compõe.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Houve relatos vinculando o conhecimento adquirido através de vivências, palestras e cursos aos momentos de encontro familiar e nos grupos comunitários, como mostram as falas a seguir:
METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa descritiva, de abordagem qualitativa, que consiste na análise de uma atividade realizada na Unidade do Projeto Pescar da Sulgás (Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul), em Canoas/RS. Tomando como base o “Encontro com a Família”, ação prevista na metodologia do projeto, utilizou-se o método de Observação Participante. Os dados foram avaliados por meio da Análise de Conteúdo, tendo como foco uma de suas técnicas, denominada Análise Temática (BARDIN, 1979). Assim, as respostas foram organizadas em eixos temáticos, vinculados aos objetivos da pesquisa.
“Nos encontros da igreja, ele (meu filho), que antes não nos acompanhava, agora sempre tem assunto para contribuir. Quando os amigos perguntam de onde ele tirou as informações, ele, orgulhoso, fala: do Projeto.” (Família 10)
“O que o meu filho aprende aqui durante o dia, ele nos ensina à noite. Depois que ele entrou para o Pescar, a novela cedeu lugar para conversas em família [...] e são momentos maravilhosos.” (Família 1)
Os relatos representam momentos em que a participação ativa na família promove multiplicação do saber, tornando-o valor agregado, potencializando a construção da cidadania em todos, principalmente nos jovens. Destaca-se, aqui, a presença e a valorização do diálogo como via de comunicação na família, que se amplia para a comunidade, revelando
O que o meu filho aprende aqui durante o dia, ele nos ensina à noite. EDUCASESC 2018 40
a comunicação como promotora de uma melhor convivência entre os familiares e as demais pessoas (WAGNER, RIBEIRO, ARTECHE e BORNHOLDI, 1999). A importância da comunicação também é percebida em outros momentos, que também demonstraram a percepção dos jovens sobre o envolvimento da família no processo educativo, como os que seguem: “Minha avó e minha mãe não sossegam até eu dividir com elas o que vivenciamos aqui. Às vezes acabamos indo dormir bem mais tarde discutindo os mesmos assuntos que vimos em grupo durante a tarde.” (Jovem 08) “Eu costumava jantar sozinho no quarto, ou nem jantar e ficar com os amigos na esquina. Mas a rotina agora é comer na cozinha com toda a família e ver a opinião de cada um sobre os assuntos que estudamos no Projeto. Vejo que minha mãe sabe mais do que eu imaginava.” (Jovem 18) No transcorrer do tempo, as famílias acabam se interessando mais pela rotina dos jovens no Projeto Pescar. Ao questionarem os participantes do projeto, acabam também refletindo sobre as temáticas e fortalecendo o debate, o protagonismo e o desenvolvimento da cidadania. Esse fato é relevante porque a família exerce um papel importante na vida dos indivíduos (OSÓRIO, 1996), é a base no processo de constituição dos sujeitos e contribui significativamente com a formação da personalidade e do comportamento individual por meio de atitudes, concepções e medidas educativas realizadas no âmbito familiar (DRUMMOND e DRUMMOND FILHO, 1998). Durante os relatos em grupo, também foi possível verificar as práticas voltadas para a cidadania desenvolvidas em decorrência da relação do jovem e de sua família com o Projeto Pescar, como mostram as seguintes falas: “Aprendi no Projeto a importância do trabalho voluntário. Mas o melhor foi quando convenci minha tia e minha avó a colocarem em prática tudo o que falei. Faz dois meses que estamos indo no asilo perto de casa. Lá elas ensinam a bordar, conversam e pintam as unhas das idosas e eu danço e toco violão.” (Jovem 03) “Lá em casa aderimos à coleta seletiva de lixo depois que levei os papéis que explicavam como
fazer a seleção dos materiais. Agora um fiscaliza o outro e meu pai até já deu explicação para meu avô fazer também.” (Jovem 12) Nesse aspecto, é retomada a função social da família que, de acordo com Osório (1996), tem como função principal a transmissão da cultura vivenciada para os indivíduos, juntamente com a preparação destes para o exercício da cidadania na sociedade (AMAZONAS et al, 2003). Esse cenário é de extrema importância, pois, de acordo com Romanelli (1997), é justamente a partir do processo socializador que o sujeito desenvolve o reconhecimento de sua identidade e subjetividade. Conforme Drummond e Drummond Filho (1998) e Tallón et al (1999), sendo a família o centro da formação de valores, normas, crenças e padrões de comportamento, esta torna-se a via principal também de uma cultura cidadã na atuação junto à sociedade. Assim, tendo em vista que os valores, crenças e normas apreendidas no convívio familiar permanecem com o sujeito por toda sua trajetória, as vivências promovidas pelo Projeto Pescar podem atuar positivamente na personalidade, na tomada de decisões e no comportamento social. CONSIDERAÇÕES FINAIS Entende-se, assim, que o conhecimento, as trocas, discussões e reflexões realizadas com os jovens, o educador e as famílias no momento do Encontro com a Família refletem a importância dessa última no processo de construção cidadã. A análise da atividade destacou que os efeitos das vivências educacionais se tornam muito mais efetivos quando fortalecidos pelo núcleo familiar. Assim, a presente pesquisa aponta para a grande contribuição da família na construção da cidadania, por meio da participação ativa na rotina do jovem inserido na educação não escolar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMO, Helena W.; BRANCO, Pedro M. (Org.) Retratos da Juventude Brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2008. BOCAYUVA, Pedro; VEIGA, Sandra M. Afinal, que país é este? Recife: Editora Sepe, 1999. CEPAL (Comisión Económica para América Latina y el Caribe). La Juventude em Iberoamérica: Tendencias y urgências. Buenos Aires, agosto de 2007. DRUMMOND, M. & DRUMMOND FILHO, H. Drogas: a busca de respostas. São Paulo: Loyola, 1998.
FERRARI, M; KALOUSTIAN, S. Introdução. In: KALOUSTIAN, S. (Org). Família Brasileira: a base de tudo. São Paulo: Cortez; 2002. p.11-15. FLORES, Helen. A pesquisa e as redes de colaboração sobre juventudes nos programas de pós graduação de educação na região sul do Brasil. Disponível em <https://www.lume.ufrgs. br/bitstream/handle/10183/139113/000990118. pdf?sequence=1> Acesso em 18/06/2016 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011. ______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 13ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. FUNDAÇÃO PROJETO PESCAR (FPP). Relatório de Atividades. Porto Alegre: Fundação Projeto Pescar, 2015. MEDEIROS, Mariel de Souza Azevedo. Fatores que ocasionam as dificuldades de aprendizagem no processo de alfabetização: uma revisão bibliográfica. Monografia – TCC Psicopedagogia Institucional – AVM Faculdades Integradas, 2012. Disponível em https://www.avm.edu.br/docpdf/monografias_ publicadas/posdistancia/50645.pdf. Acessado em 10 de agosto de 2017. OLIVEIRA, Nayara. Recomeçar: família, filhos e desafios [online]. São Paulo: Editora Unesp, 2009. OSÓRIO, Luiz Carlos. Família Hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. WAGNER, A., RIBEIRO, L., ARTECHE, A. & BORNHOLDI, E. Configuração familiar e o bem-estar psicológico dos adolescentes. Psicologia: reflexão e crítica, 12(1), 1999, p.147-156.
GISLAINE CRISTINA PEREIRA Psicóloga, mestra em Psicologia, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social da Feevale, Novo Hamburgo/RS. [psigislaine@gmail.com] SÍLVIA ZUFFO Administradora, mestra em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela Feevale, Novo Hamburgo/RS. [silviazuffo@feevale.br] ELIANA PEREZ GONÇALVES DE MOURA Psicóloga, doutora em Educação e professora do Programa de Pós-Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social da Feevale, Novo Hamburgo/RS. [elianapgm@feevale.br]
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CIDADANIA EM MOVIMENTO: DIREITOS HUMANOS E PROTAGONISMO DA PESSOA IDOSA POR KARIN ALVES DO AMARAL ESCOBAR, PAOLA KARINA VIDAL ALVES E NATHAN DA CUNHA GONÇALVES EIXO TEMÁTICO: envelhecimento. PALAVRAS-CHAVE: direitos humanos, idosos, intergeracionalidade, protagonismo. INTRODUÇÃO O projeto de extensão universitária Cidadania em Movimento foi uma proposta pensada pelo curso de Serviço Social do Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA), em parceria com a Associação dos Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda (AAP-VR), no Estado do Rio de Janeiro. Surgiu da necessidade de aproximar estudantes da realidade dos idosos, possibilitando intergeracionalidade e compartilhamento de experiências. Segundo Leite; França (2016), a troca de experiências entre os mais jovens e os idosos permite um enriquecimento recíproco, contribuindo para a revisão de conceitos e preconceitos, em atitude que facilita a socialização. A Política Nacional do Idoso, Lei 8.842/1994, aponta para a importância da promoção de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso, que proporcionem sua integração às demais gerações. Com o envelhecimento cada vez maior da população brasileira, é necessário criar espaços para discutir os significados da velhice, os valores e estigmas atribuídos a ela, bem como as experiências e vivências dos idosos. A realização de atividades sociais, reflexivas e socioeducativas contribui para o desenvolvimento da autonomia, promovem sociabilidades e fortalecem os vínculos comunitários e familiares. Também previne situação de isolamento e violação de direitos, reafirmando os direitos da pessoa idosa. REFERENCIAL TEÓRICO A Associação dos Aposentados e Pensionistas é uma instituição de natureza filantrópica, certificada como EDUCASESC 2018 42
Entidade Beneficente de Assistência Social, com um trabalho direcionado para o público idoso através do Centro de Prevenção à Saúde do Idoso. As ações desse centro organizam-se de modo a fomentar o trabalho de grupo, objetivando prevenção, promoção, vivências, trocas culturais, fortalecimento de vínculos comunitários, desenvolvimento da autonomia, sentimento de pertença e de identidade, emancipação e protagonismo do idoso e prevenção de situações de risco social (CNAS, 2009). As atividades sociais têm função importante no enfrentamento dos problemas que podem ocorrer com o envelhecimento como perdas, isolamento e limitações. Dessa forma, a rede de apoio social contribui para estabelecer interações, trocas e satisfazer algumas das necessidades dos indivíduos do grupo (RODRIGUES; SILVA, 2013). A participação do idoso em grupos de convivência é fundamental para fortalecer o seu papel social, desencadeando nele e na comunidade uma mudança comportamental em relação aos preconceitos vivenciados nessa etapa da vida. Além disso, promove uma identificação com outras pessoas que se encontram na mesma fase, que podem se conhecer e se reconhecer coletivamente. Nos espaços em que a cidadania e a integração social são estimuladas, as pessoas se apropriam de suas capacidades, de suas forças de vida, fortalecendo a busca e a luta por seus direitos, o que contribui para mudanças no modo como se organizam em sociedade e na família, viabilizando a real inclusão (BULLA; SOARES; KIST, 2007). A vivência em grupo e as experimentações artísticas, culturais e de lazer são formas privilegiadas de expressão, interação e proteção social. A participação dos idosos em grupos de convivência os leva a um
aprendizado constante, já que têm a oportunidade de compartilhar ideias e realizar reflexões sobre seus cotidianos (RIZOLLI; SURDI, 2010). O sujeito, quando adquire informações e conhecimentos que levam a ressignificações de valores morais e princípios éticos, sob os quais se posicionará socialmente, desenvolvendo senso crítico e tornando-se protagonista de sua própria história, torna-se um indivíduo empoderado (BRASIL, 2014). O projeto teve como objetivos: promover discussões sobre temas contemporâneos que envolvem o idoso e o envelhecimento; estimular os idosos a refletir sobre seus direitos e papéis na sociedade, (re) construindo a percepção sobre a velhice e o processo de envelhecimento; promover intergeracionalidade e prevenir violações de direitos. METODOLOGIA As oficinas do projeto são realizadas com o grupo de convivência para idosos, em encontros quinzenais. A dinâmica compreende a abordagem de assuntos referentes à atualidade e às demandas
A participação do idoso em grupos de convivência é fundamental para fortalecer o seu papel social.
dos idosos. Inicialmente, são realizadas indagações acerca do conhecimento e vivência dos idosos em relação aos temas dos encontros, estimulando a participação destes no processo, proporcionado integração e participação ativa. Integram o projeto aproximadamente 55 idosos, quatro estudantes de Serviço Social, um coordenador do projeto (professor assistente social) e um psicólogo do serviço. Entre os temas trabalhados estão memória e trabalho, família e gerações, violência contra a pessoa idosa, cultura popular, igualdade de gênero, Estatuto do Idoso e atualidades como Reforma da Previdência Social, fake news e eleições. RESULTADOS E DISCUSSÕES Durante a observação participante foi possível identificar que as reflexões em grupo permitiram uma ressignificação do papel das pessoas idosas. Com a conquista da autonomia e o fortalecimento da autoestima, elas se sentiram mais valorizadas e capazes, re(construindo) suas relações com a família, filhos, enfrentando situações de viuvez e solidão. Os encontros resultaram na produção de esquete teatral, confecção de folder socioeducativo e mural educativo, que proporcionaram interação social dos idosos na instituição, contribuindo para se tornarem mais ativos. O espaço tem permitido levar para o ambiente acadêmico o debate sobre os direitos da pessoa idosa, sobre o valor dos idosos e de suas contribuições para a cultura, memória e sociedade, prevenindo o preconceito etário, contribuindo para a construção de uma sociedade que respeite e valorize todas as idades.
Para os idosos, tem possibilitado espaços alternativos de participação social, troca de experiência, debate intergeracional e fortalecimento do seu papel social. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o envelhecimento cada vez maior da população brasileira, é imprescindível o diálogo intergeracional para garantir que o idoso possa envelhecer tendo seus direitos garantidos, inclusive o de não sofrer discriminação em razão da idade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é clara ao sinalizar que todos são iguais perante a lei, sem discriminação de qualquer natureza. No que se refere à população idosa, o Estatuto do Idoso, Lei 10.741/2003, preconiza em seu artigo 4º que “nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei”. As ações intergeracionais e reflexivas com os próprios idosos contribuem para a prevenção de situação de violação e para a afirmação dos seus direitos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Conselho Nacional dos Direitos do Idoso. Orientações para as Conferências Municipais ou Regionais e Estaduais dos Direitos da Pessoa Idosa. Brasília, 30 de outubro 2014. BULLA, L.C; SOARES, E. S; KIST, R.B.B. Cidadania, Pertencimento e Participação Social de Idosos – Grupo Trocando Ideias e Matinê das Duas: cine comentado. Ser Social, Brasília, n.21, p.169-196, julho/dezembro 2007.
CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Resolução 109, de 11 de novembro de 2009. Tipificação dos Serviços Socioassistenciais. DEBERT, Guita. Gênero e Envelhecimento. Os Programas para a Terceira Idade e o Movimento dos Aposentados. Revista Estudos Feministas, v.2, 1994. LEITE, S. V., FRANÇA, L. H. F. P. A importância da intergeracionalidade para o desenvolvimento de universitários mais velhos. Estudos e Pesquisas em Psicologia. v.16, n.3., 2016. POLÍTICA NACIONAL DO IDOSO. Lei 8.842, de 4 de Janeiro de 1994. RIZZOLI, D; SURD, A. C. Percepção dos idosos sobre grupos de terceira idade. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia [em linea], 2010. RODRIGUES, A.G; SILVA. A.A. A rede social e os tipos de apoio recebidos por idosos institucionalizados. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Rio de Janeiro, 2013; 16(1): 159-170.
KARIN ALVES DO AMARAL ESCOBAR Mestre em Política Social pela Univesidade Federal Fluminense (UFF), Professora do Centro Univesitário de Volta Redonda (UniFOA), Assistente Social da Associação dos Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda. [karinseso@gmail.com] PAOLA KARINA VIDAL ALVES Graduanda em Serviço Social pelo Curso de Serviço Social do Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA). NATHAN DA CUNHA GONÇALVES Graduando em Serviço Social pelo Curso de Serviço Social do Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA).
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PROGRAMA DE PREPARAÇÃO PARA APOSENTADORIA: PROCESSO DE VIDA E SAÚDE POR ÂNGELA GOMES, CAROLINA GASPERIN, EDENILSON BOMFIM DA SILVA E LÍVIA RAMALHO ARSEGO
EIXO TEMÁTICO: envelhecimento. PALAVRAS-CHAVE: envelhecimento, aposentadoria, qualidade de vida. INTRODUÇÃO O Grupo Hospitalar Conceição (GHC), vinculado ao Ministério da Saúde, atende exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Coerente com sua visão institucional: “ser uma instituição reconhecida nacionalmente por acolher e cuidar com qualidade e segurança”, o GHC atua na rede de saúde pública com foco no aprimoramento constante para ser um pólo de atenção, ensino, pesquisa, gestão e controle social. Tem ênfase no cuidado humanizado e na EDUCASESC 2018 44
valorização dos empregados, tendo como base a saúde como direito fundamental e referenciando-se nos princípios e nas diretrizes do SUS para a qualidade do atendimento e dos serviços oferecidos à população. Atualmente, o GHC conta com mais de oito mil empregados (BRASIL, 2018). A proposta do Programa de Preparação para a Aposentadoria: processo de vida e saúde, promovida pela Gestão do Trabalho, Educação e Desenvolvimento (GTED) da Gerência de Recursos Humanos (GRH) do GHC foi idealizada para promover um diálogo entre os trabalhadores, em que estes refletissem sobre suas vidas no trabalho e planejassem o futuro.
O programa consistiu de uma série de atividades de formação relacionadas aos temas trabalho, processo de envelhecimento e preparação para a aposentadoria (FRANÇA, 2009). O objetivo do programa foi oportunizar reflexão, discussão e ação sobre o processo de envelhecimento e preparação para a aposentadoria. Oferecer acesso às informações necessárias à tomada de decisão, consciente e espontânea, quanto ao projeto de vida e de trabalho, preparando os trabalhadores do Grupo Hospitalar Conceição para assimilarem as transformações do curso da vida, minimizando os impactos, os temores e os riscos relativos à mudança (GASPERIN, 2016; GOMES, 2016; BRASIL, 2016).
METODOLOGIA O programa foi composto de oficinas sequenciais de, no máximo, 25 trabalhadores, nas quais foram trabalhados os temas: ciclo de vida; envelhecimento nos aspectos biológicos, psicológicos e sociais; os sentidos do trabalho; redes de apoio familiar e social; aspectos legais e planejamento financeiro envolvidos nos projetos de vida (FRANÇA et al, 2013; FRANÇA, SOARES, 2009; BEAUVOIR, 1990). As oficinas foram organizadas em palestras dialogadas e atividades de grupo para subsidiar a reflexão sobre os temas (MEYER, VASCONCELOS, 2013; NESPOLI, 2013). RESULTADOS Durante o ano de 2017 foram realizadas seis oficinas, com o total de 130 participações. Em 2018 já foram realizadas sete oficinas, com 175 participantes. Nas avaliações dos encontros, os trabalhadores explicitaram que o vínculo institucional foi responsável por diversos aspectos de suas vidas, como o reconhecimento pelo trabalho, o estabelecimento de relações sociais e a segurança financeira. No entanto, também foi responsável pelo desgaste no trabalho e pelo desejo de se aposentar, com a expectativa de dispor de tempo livre. A atividade de educação foi valorizada pelos trabalhadores, que avaliaram a metodologia como potente para a reflexão sobre as temáticas. Confirmou-se que a atividade introdutória do Programa foi importante para dirimir resistências, dúvidas e possíveis confusões com outros temas institucionais. DISCUSSÃO O envelhecimento populacional traz uma série de consequências e desafios para a sociedade.
Isso faz com que sejam necessárias mudanças na conduta social, política e econômica (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2005). Frente a essa realidade, o GHC, a partir do Programa de Preparação para Aposentadoria, possibilitou aos trabalhadores oportunidade de reflexão-discussão-ação acerca do processo de envelhecimento e da aposentadoria. Aos participantes das oficinas foi possível realizar uma análise do seu processo de viver e envelhecer, constituindo-se, assim, não apenas num projeto para os mais velhos, mas também num projeto em que cada um é chamado a refletir sobre o sentido da vida na velhice. Atualmente o programa foi incluído no plano pedagógico da GTED/GRH, com o nome Programa de Preparação para Aposentadoria: encontros com a vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais. Caderno de práticas de gestão de pessoas das empresas estatais federais. Brasília: Ministério da Saúde/DF, 2016. 113p BRASIL. Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição. Integração e Acolhimento: caderno de orientações. Porto Alegre, 2018. BEAUVOIR, Simone de. A Velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1990. FRANÇA, Lucia Helena de Freitas Pinho et al. Aposentar-se ou continuar trabalhando: o que influencia essa decisão? Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília/DF, v.33, n.3, p.548-563, 2013. FRANÇA, Lucia Helena de Freitas; SOARES, Dulce Helena Penna. Preparação para a aposentadoria como parte da Educação ao longo da vida.
O envelhecimento populacional traz uma série de consequências e desafios para a sociedade. Isso faz com que sejam necessárias mudanças na conduta social, política e econômica.
Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília/DF, v.29, n.4, p.738-751, 2009. GASPERIN, Carolina. Programa encontros com a vida: profissionais da saúde e a aposentadoria. 2016. 39f. Projeto de Intervenção (Curso de Especialização em Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde) – Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul, Fundação Osvaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública, Porto Alegre, 2016. GOMES, Ângela. Programa encontros com a vida: profissionais da saúde e a educação para o envelhecimento. 2016. 40f. Projeto de Intervenção (Curso de Especialização em Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde) – Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul, Fundação Osvaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública, Porto Alegre, 2016. MEYER, Dagmar Estermann; FÉLIX Jeane; VASCONCELOS, Michele de Freitas Faria de. Por uma educação que se movimente como maré e inunde os cotidianos de serviços de saúde. Interface, Botucatu, v.17, n.47, p. 859-71, 2013. NESPOLI, Grasiele. Os domínios da tecnologia educacional no campo da saúde. Interface, Botucatu, v.17, n.47, p.873-884, out./dez. 2013. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasil, 2005. SCHWARTZ, Yves. Conhecer e estudar o trabalho. Trabalho e Educação, Belo Horizonte, v.24, n.3, p. 83-89, set-dez. 2015a.
ÂNGELA GOMES Graduada em Educação Física, mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Técnico em Educação do Grupo Hospitalar Conceição (GRH). [angelag@ghc.com.br] CAROLINA GASPERIN Psicóloga, mestranda em Avaliação e Produção de Tecnologias para o Sistema Único de Saúde (SUS) pela Escola GHC. Psicóloga do Grupo Hospitalar Conceição (GRH). [gcarolina@ghc.com.br] EDENILSON BOMFIM DA SILVA Sociólogo, mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Técnico em Educação e coordenador da Equipe da Gestão do Trabalho, Educação e Desenvolvimento do GRH. [edenilson@ghc.com.br] LÍVIA RAMALHO ARSEGO Assistente Social, doutora em Serviço Social (PUCRS). Atua na coordenação da Equipe da Gestão do Trabalho, Educação e Desenvolvimento do GRH. [rlivia@ghc.com.br ]
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ENCANTAMENTO COMO BASE DO CONHECIMENTO SOCIOAMBIENTAL E CULTURAL POR ANY SHEILA MADEIRA E LETÍCIA ZABOT EIXO TEMÁTICO: sustentabilidade. PALAVRAS-CHAVE: educação socioambiental, educação cultural, ambiente. INTRODUÇÃO O Projeto Habilidades de Estudo (PHE) é oferecido pelo Sesc para crianças de seis a 12 anos, regularmente matriculadas do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental I. O caráter inovador da proposta considera cidadania social, ambiental e cultural como aquisição de relações da criança com o mundo a sua volta. Relações estas amparadas na diversidade local, no caso, o município de Erechim/RS, formando e desenvolvendo aspectos das sociedades humanas no tempo e no espaço, na cultura e na sociedade.
hábitos, com objetivo de aproximar educação e sustentabilidade. De acordo com Pereira: Cuidar de si, cuidar do outro, cuidar do seu ambiente, cuidar de sua casa, de sua rua, de sua cidade, de seu país e do seu planeta se aprende através de gestos simples que são iniciados no cotidiano da infância, quando a criança convive num espaço onde esse cuidado acontece de verdade... (PEREIRA, 2013). Viver experiências em ambientes naturais e aprender sobre a diversidade cultural conduz o indivíduo ao encantamento, que é o alicerce para o conhecimento, pois contribui para o equilíbrio emocional e intelectual, incentivando a participação de movimentos sociais transformadores.
O conjunto de valores e ações correspondentes aos processos comunicativos ambientais, apontados pelo diálogo, pela participação e pelo trabalho coletivo, marca questões sociais, culturais e ambientais, que são indissociáveis no fazer-pensar dos atos educativos e explicam o termo socioambiental. Foca-se no “como” se gera os saberes e “o que” se aprende na produção cultural, na interação social e com a natureza.
Nesse contexto, compreendendo o âmbito educacional como mediador de potenciais, propõese uma revisão da estrutura clássica de educação e difusão de conhecimentos, desenvolvendo os indivíduos, educando e educador. Os valores da sociedade são transferidos de geração para geração e se constroem em vivências individuais e coletivas, vinculando este processo às formações conscientes e reflexivas de se ensinar o que, de fato, se conhece.
A interação entre a prática educativa e os ambientes naturais apresenta potencialidades para a busca das relações sociais e para o contínuo melhoramento da relação homem-natureza. A promoção e a intensificação das relações entre os seres humanos e os ambientes naturais – entendendo-os como espaços educadores – desenvolverá e restaurará a consciência sobre as diversas responsabilidades e promoverá o cuidado com todas as vidas.
O exemplo é o elemento insubstituível e determinante na formação de atitude nesse período de desenvolvimento das crianças para uma educação
REFERENCIAL TEÓRICO O surgimento da proposta da educação socioambiental abrange diferentes segmentos da sociedade para uma transformação de valores e EDUCASESC 2018 46
que se destina a criar seres comprometidos com a construção de sua humanidade. É preciso que os adultos que se relacionam com a criança, pais ou educadores estejam vivendo em consonância com os valores que desejam reconhecer em seus filhos ou alunos (PEREIRA, 2013). As esferas social, política, econômica, ética e cultural, que sofrem as consequências da atual crise ambiental, precisam se basear em um paradigma novo, voltado ao desenvolvimento humano, que forme cidadãos comprometidos com as diversas formas de vida. Assim, os conceitos de conservação, sustentabilidade e performance crítica estarão presentes nos ambientes físicos e sociais. A estrutura tradicional e a fragmentação da sociedade degradam a aquisição de conhecimento e a promoção da diversidade cultural e histórica da sociedade. Por isso, conceitos como Educação Ambiental e Educação Cultural têm sido adotados como ações capazes de contribuir na transformação do padrão. Segundo Medeiros (2017, p.39), “a Educação Ambiental serve para educar e conscientizar as pessoas quanto às questões de preservação da natureza, buscando, dessa forma, formar cidadãos preocupados com o meio ambiente e com a construção de valores sociais e desenvolvimento de formas conscientes de crescimento da sociedade”.
METODOLOGIA Depois de conversas reflexivas sobre o tema Socioambiental e Cultural com as crianças participantes do PHE, todas aceitaram o desafio de se tornarem “Fiscal Mirim Socioambiental”. Semanalmente, realizam a fiscalização em todos os setores da Unidade Sesc Erechim. Fazem anotações, que serão lançadas em gráficos, com dados sobre luzes acesas em ambientes não ocupados, computadores ligados ociosos, ar condicionado ligado sem necessidade e torneiras abertas. Assim que saem de cada setor, se possível, conversam com os colaboradores sobre a importância desses cuidados e, ao final de cada trimestre, apresenta-se o resultado das visitas. É importante lembrar que durante o Jogos Estudantis do Rio Grande do Sul (JERGS), as arquibancadas do Ginásio Poliesportivo do Sesc ficavam com grande volume de lixo, produzido pelas equipes e pelos assistentes dos jogos. Ao término dos períodos, os Fiscais Mirins Socioambientais iam até o local para a limpeza e conscientização dos usuários. Também desempenhavam outras ações, como limpeza de praça pública e conversas reflexivas com familiares. Após passeios culturais e estudos sobre o centenário do município, realizou-se oficinas de fotografia, acompanhadas da fotógrafa Jaqueline Anhaya e equipe pedagógica. A partir do contato com o universo da fotografia, as crianças foram convidadas a (re)visitarem os diversos cenários de Erechim, propondo enquadramentos e pontos de vista que evidenciam o olhar infantil sobre a cidade. Elas apresentaram uma amostra da diversidade cultural revelada na arquitetura, nas paisagens do cotidiano, nos monumentos históricos e na arte urbana – elementos que contam história do município. As crianças observaram os detalhes encantadores, que muitas vezes passam despercebidos e invisíveis a olhares comuns dos adultos. Valorizou-se a história e o desenvolvimento da “Capital da Amizade”, contextualizando olhares infantis na celebração do centenário que passou e motivando-os ao protagonismo do próximo século. RESULTADOS E DISCUSSÕES O envolvimento dos participantes do projeto é crescente, plausível e significativo na formação de cidadãos conscientes. O engajamento se reflete na sociedade local, conforme depoimentos das próprias crianças e de seus familiares: “Eu gosto de ajudar muito o meio ambiente, pois as pessoas grandes não sabem colocar o lixo na lixeira.”
que a continuidade do projeto contribua para o desenvolvimento humano e para uma sociedade melhor no futuro.
“Fui passear com minha família e recolhi várias latinhas e papéis espalhados pelo chão.” “Se cada um fizesse sua parte e ajudasse a cuidar do meio ambiente, o mundo não estaria assim, com certeza viveríamos muito melhor.” “Tem adultos difíceis de ensinar, a gente conversa, ensina, e eles continuam maltratando o meio em que vivemos e que precisamos preservar.” “Lá em casa, toda a família agora tem o dever de separar o lixo e apagar as luzes quando não tiver ninguém.” “As oficinas de fotografia foram dias que adorei vir no PHE.” “Eu quero fotografar o Vale do Dourado, as paisagens são lindas.” “Esta pessoa limpando é o gari que faz a cidade ficar mais limpa, quero tirar uma fotografia dele.” O resultado desse trabalho, intitulado “Um olhar infantil por Erechim nos seus 100 anos”, ganhou exposição em centros culturais da cidade e também foi atração do 4º Agosto Cultural do Sesc Erechim. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante dos resultados do projeto, nota-se a transformação de atitudes cotidianas, já que as crianças desenvolveram o hábito de cuidar do meio ambiente. Também tiveram contato com conhecimentos interdisciplinares e influenciaram positivamente as pessoas a sua volta. Acredita-se
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO AMAR, Pierre-Jean. História da Fotografia. Ed. 70. Lisboa, 2001. BARBOSA, Ana Mae T. A Imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Perspectiva; Porto Alegre: Fundação Iochpe, 1991. DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e práticas. 9ª ed. São Paulo. MEDEIROS, Monalisa Cristina Silva. Meio ambiente e educação ambiental nas escolas públicas. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n.92, setembro de 2011. PEREIRA, Maria Amélia Pinho. Casa Redonda: Uma experiência em Educação. 1ª ed. São Paulo: Editora Livre, 2013. SIQUEIRA, J.C. de. Ética e Meio Ambiente. São Paulo: Loyola, 2008. ___. Pirenópolis: identidade territorial e biodiversidade. São Paulo: Loyola, 2004. ___. Ética e sustentabilidade ambiental. O social em questão. v.10, n.10. Rio de Janeiro, 2003, p.19-25. ANY SHEILA MADEIRA, licenciada em Pedagogia – Educação Infantil e Séries Iniciais pela Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac), com pós-graduação em Alfabetização e Letramento (Facinter, Curitiba/PR) e em Gestão de Pessoas (Uniplac); mestranda em Educação – Formação de Professores (Funiber). É instrutora pedagógica do Projeto Habilidades de Estudo (PHE) no Sesc Erechim/RS. [asmadeira@sesc-rs.com.br] LETÍCIA ZABOT Licenciada em Pedagogia pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), com pósgraduação em Educação Infantil e Séries Iniciais (EADCOM). É instrutora pedagógica do Projeto Habilidades de Estudo (PHE) no Sesc Erechim/RS. [lzabot@sesc-rs.com.br]
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ECO TRILHA: DA EDUCAÇÃO À SUSTENTABILIDADE POR CÁSSIA BEPPLER EIXO TEMÁTICO: Sustentabilidade PALAVRAS-CHAVE: Eco Trilha Sesc, educação socioambiental, desenvolvimento sustentável.
estão sendo poluídos diariamente em consequência dos atos dos seres humanos, seja pela falta de informação ou pela indiferença.
agridem o ambiente e otimizam o uso de energia elétrica, água, papel, entre outros insumos diariamente consumidos.
INTRODUÇÃO A educação para a sustentabilidade deve ser protagonista na era do consumo excessivo e da desvalorização do meio ambiente. Com o objetivo de contribuir para a disseminação de hábitos sustentáveis, o Sesc/RS, em 2016, deu início ao Projeto Eco Trilha Sesc. Atingindo um público de todas as idades, as práticas educativas e sustentáveis adotadas estimulam o contato com a natureza e o desenvolvimento da criticidade do sujeito perante as necessidades de preservação e do consumo consciente.
Tais atos levaram Lehman e Geller (2004) a acreditar que a solução para os problemas ambientais está associada, em maior parte, ao comportamento humano. Ao analisar esse comportamento, é possível obter informações que contribuem para o desenvolvimento de estratégias e para os resultados positivos e eficazes na preservação do meio. Ao entender a dinâmica do dia a dia e as necessidades da população, é possível traçar perfis e desenvolver projetos relevantes nas comunidades, criando uma rotina de hábitos sustentáveis.
REFERENCIAL TEÓRICO O consumo desenfreado, o descarte inadequado de resíduos e a retirada incessante de recursos naturais estão causando consequências negativas para o meio ambiente. Segundo o UN Documents (1972), os recursos naturais como ar, solo e água
Para que essas estratégias apresentem resultados promissores dentro e fora das instituições, a Educação para a Sustentabilidade deve estar presente na construção e no desenvolvimento de qualquer projeto. Essa prática contribui para a criação de espaços ecorresponsáveis, que não
A complexidade e a preocupação relacionadas a essas questões fez com que a Unesco (2016) desenvolvesse o projeto “Educação para o Desenvolvimento Sustentável”, com o objetivo de incentivar a inserção de temas-chave no ensino e na aprendizagem. Os currículos escolares foram reorganizados e o tema Meio Ambiente se faz presente transversalmente na prática educacional, englobando todas as áreas do conhecimento. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC (1997) enfatizam que a conscientização e a mudança de comportamento dos indivíduos são necessárias para que a conservação do meio ambiente se transforme em hábito, respeitando os recursos que a natureza oferece e que devem ser utilizados com parcimônia. A educação tem um papel de extrema importância para o desenvolvimento de hábitos sustentáveis, pois oferece um ambiente propício para a realização de debates, para a construção
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do conhecimento e para o desenvolvimento da criticidade em cada um dos educandos. A reflexão sobre direitos e deveres é importante e caracteriza, mais uma vez, a necessidade da educação para a sustentabilidade. Hamze (2012) também acredita que tais mudanças ocorrem quando os indivíduos participam da construção de objetivos e metas que pretendem atingir, quando relacionam e dão significado aos conhecimentos que já possuem e às novas informações obtidas. Reforçando a ideia, o Ministério do Meio Ambiente (2018) enfatiza que todo o ser humano tem o compromisso de preservar o ambiente. Todos têm, dessa forma, responsabilidade socioambiental, seja a empresa, o governo ou o cidadão. Essa responsabilidade pode ser associada ao ser sustentável, caracterizado por consumir produtos confeccionados com a menor quantidade possível de recursos naturais e que sejam passíveis de reutilização ou reciclagem. Ser sustentável é comprar o que realmente é preciso e ampliar o tempo de uso dos materiais sempre que possível. Para ser sustentável é necessário entender a necessidade de mudanças no cotidiano, utilizando menos insumos e gerando menos poluição. A multiplicação dessa necessidade é realizada pela Eco Trilha Sesc, com vivências e oficinas em meio à mata nativa, resgatando hábitos positivos em favor do Meio Ambiente. Esse projeto foi desenvolvido em 2016 pela Atividade de Educação em Ciências e Humanidades do Sesc/RS, contribuindo para a realização de projetos educativos voltados para a sustentabilidade. METODOLOGIA O Sistema Fecomércio-RS/Sesc desenvolve a Atividade de Educação em Ciências e Humanidades, que tem como objetivos a realização de projetos voltados à Educação Socioambiental e ações que visam a troca de experiências e práticas para o desenvolvimento sustentável. Tais ações contribuem para o processo de mudança na relação com o consumo de recursos materiais, com os investimentos financeiros e com o desenvolvimento social de forma harmoniosa (SESC, 2018). A Eco Trilha Sesc é um dos projetos desenvolvidos na Unidade Protásio Alves, localizada no bairro Petrópolis, na cidade de Porto Alegre. O local possui 24 hectares, sendo que 17 são formados por resquícios de mata nativa e sub-bosques recuperados, proporcionando a
O consumo desenfreado, o descarte inadequado de resíduos e a retirada incessante de recursos naturais estão causando consequências negativas para o meio ambiente.
realização de vivências em trilhas ecológicas, guiadas por uma bióloga. O objetivo é buscar, através do contato direto com a natureza, a prática e a reflexão sobre as ações sociais, econômicas e ambientais. Finalizando as trilhas, desenvolvem-se oficinas ecorresponsáveis como: construção de hortas verticais; reciclagem; separação de resíduos; reutilização de materiais; construção de composteira doméstica, entre outras. As atividades são elaboradas especificamente para cada faixa etária, desenvolvendo-se um trabalho de educação ambiental a partir da promoção de debates, conversas, oficinas práticas e formação de multiplicadores de hábitos ecorresponsáveis. Utilizam-se diversos espaços em meio à natureza para a realização das atividades. As casas de apoio da Eco Trilha foram projetadas com perfil sustentável, construídas a partir da reutilização de diferentes materiais. Há também um atelier com espaço lúdico e acolhedor, no qual são desenvolvidas oficinas práticas como construção de objetos reutilizando materiais, confecção de hortas verticais domésticas e reciclagem e separação de resíduos. As atividades no Espaço Botânico contam com tarefas realizadas diretamente no solo. Hortas orgânicas e composteiras domésticas são exemplos de aulas práticas que fazem parte da Eco Trilha. Habilidades olfativas também podem ser desenvolvidas caminhando pelo jardim de aromas, composto por diversas ervas e temperos, que dão suporte à prática proposta. RESULTADOS E DISCUSSÕES A Eco Trilha Sesc atende mensalmente uma média de 200 pessoas, entre educandos de escolas e universidades. Também são atendidos os colaboradores de instituições empresariais que apresentam uma visão sustentável ou que estão desenvolvendo projetos com o objetivo de mudar hábitos diários para contribuir com a preservação do meio ambiente. Líderes de grandes empresas vêm se posicionando a favor do tema em escala crescente, pois percebem a importância da sustentabilidade para alavancar os negócios e a competitividade no mercado. Corroborando, Almeida (2002) afirma que as ações e decisões tomadas pelos empresários devem ter o foco na eco eficiência, ou seja, o objetivo deve ser produzir mais e melhor, com qualidade e sem desperdício, diminuindo os índices de poluição e o uso de recursos naturais. Do contrário, é possível que diversas empresas não consigam permanecer no mercado, visto que ser sustentável não é mais uma opção, e sim uma necessidade. EDUCASESC 2018 49
O cuidado com o planeta deve ser repensado e novas atitudes devem ser postas em prática. O Sistema Fecomércio realiza diversos projetos internos e externos, multiplicando hábitos saudáveis entre seus colaboradores e entre a população em geral. Um dos exemplos dessa atuação sustentável é o Programa de Conscientização Ambiental 4Rs, que visa ações práticas como a redução de resíduos, reciclagem e reutilização de materiais de uso diário, permanentes ou não. Promover postura proativa perante os problemas ambientais e contribuir para o crescimento da educação socioambiental são alguns objetivos que contribuem para a preservação. A Eco Trilha Sesc se inscreve nesse propósito por meio da educação para sustentabilidade também no meio corporativo, realizando atividades voltadas ao consumo e ao descarte sustentável com os colaboradores. O cuidado com o planeta deve ser repensado e novas atitudes devem ser postas em prática. As consequências do consumo exagerado são tão graves que o ser humano excedeu a utilização do meio ambiente, a ponto de se ter consumido mais do que a capacidade de produzir. A ONG norte-americana Global Footprint Network criou o “Earth Overshoot Day”, Dia de Sobrecarga da Terra em português. O objetivo é alertar a humanidade sobre o uso indiscriminado dos recursos naturais. O 1º de agosto de 2018 foi considerado o dia em que se utilizaram mais recursos da natureza em um ano do que ela pode produzir (Global Footprint Network, 2018). Os estudos da organização apresentam o crescimento do consumo desenfreado desde 1970, chegando em 2018 com dados alarmantes e a necessidade de rever hábitos diários que estão degradando o planeta. A ONG também alerta que, até 2020, serão consumidos 75% dos ecossistemas, um percentual que ultrapassa a capacidade de regeneração. EDUCASESC 2018 50
CONSIDERAÇÕES FINAIS O Projeto Eco Trilha Sesc reflete a necessidade de se educar para ser sustentável. O respeito e a valorização do meio ambiente são temas desenvolvidos através de atividades que visam à mudança de hábitos e atitudes. É importante pensar no legado para as gerações futuras e planejar, de forma consciente, as metas a serem atingidas diariamente. O projeto oportuniza a retomada de atitudes ecorresponsáveis, assim como dá início a diferentes ações socioambientais, com o intuito de multiplicar informações sustentáveis na comunidade. O cenário atual é desafiador, mas recebe ajuda de projetos socioambientais que estimulam a sustentabilidade em todos os âmbitos da sociedade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Fernando A. O Bom Negócio da Sustentabilidade. São Paulo: Nova Fronteira, 2002. GLOBAL FOOTPRINT NETWORK. Earth Overshoot Day 2018 is August 1, the earliest date since ecological overshoot started in the early 1970s. Disponível em: https://www.footprintnetwork.org/2018/06/13/ earth-overshoot-day-2018-is-august-1-the-earliestdate-since-ecological-overshoot-started-in-theearly-1970s/. Acesso em: 25/08/2018. GLOBAL FOOTPRINT NETWORK. Ecological Footprint. Disponível em: https://www. footprintnetwork.org/our-work/ecologicalfootprint/. Acesso em 25/08/2018. HAMZE, Amélia. O Exercício da Interdisciplinaridade. Disponível em: http://educador.brasilescola.com/ trabalho-docente/exercicio-interdisciplinaridade. htm. Acesso em: 23.06.2018. LEHMAN, P.K., GELLER, E.S. Behavior analysis and environmental protection: accomplishments and
potential for more. Behavior and Social Issues, 13, 13-32. Virginia: Blacksburg, 2004. MARTINS, Adriano O. Por uma Educação para Sustentabilidade. Belo Horizonte: Veredas do Direito, v.9, n.17, p.61-78, 2012. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ livro01.pdf. Acesso em: 25/08/2018. MMA. Responsabilidade Socioambiental. Disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidadesocioambiental.html. Acesso em: 26/08/2018. MMA. Consumo Sustentável. Disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidadesocioambiental/producao-e-consumo-sustentavel/ conceitos/consumo-sustentavel. Acesso em: 26/08/2018. SESC/RS. Projeto de educação para a sustentabilidade. Disponível em: https://www. sesc-rs.com.br/educacao/sustentabilidade/. Acesso em: 18/07/2018. UN Documents. Gathering a body of global agréments. Disponível em: http://www.undocuments.net/unchedec.htm. Acesso em: 25/08/2018. UNESCO. Educação: a chave para a sustentabilidade. Disponível em: http://www.unesco.org/new/ pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/ education_key_to_sustainability-1/. Acesso em: 25/08/2018. CÁSSIA BEPPLER, graduada em Biologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), especialista em Psicopedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), mestra em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAMED/UFRGS). Atua como analista no Sesc/RS e como psicopedagoga no Programa de Déficit de Atenção e Hiperatividade (PRODAH) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). [cbeppler@sesc-rs.com.br]
SESC/RS. PROJETO DE EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE.
É importante pensar no legado para as gerações futuras e planejar, de forma consciente, as metas a serem atingidas diariamente. EDUCASESC 2018 51
ISSN 2594-5823
03. FALE CONOSCO revistaeducasesc@sesc-rs.com.br 051 3284.2000 / Ramais 2176 e 2067 Recebimento de artigos até 31 de julho de 2019 EDUCAÇÃO COMPLEMENTAR Educação Sustentabilidade Envelhecimento Humano Esporte e Recreação