A Construção da Telerrealidade: O Caso Linha Direta Sonia Montaño
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Sumário
Resumo............................................................................................................................................................
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Introdução........................................................................................................................................................
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1 Televisão e realidade .................................................................................................................................... 1.1 A sociedade transparente ............................................................................................................... 1.2 A telerrealidade.................................................................................................................................... 1.2.1 O telejornalismo ...................................................................................................................
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2 TV e sociedade no Brasil ............................................................................................................................. 2.1 O Brasil pós-64. A televisão e a TV Globo................................................................................. 2.2 O Brasil na Globo........................................................................................................................... 2.2.1 A cena brasileira na teledramaturgia ..................................................................................
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3 Telerrealidade no telejornalismo da Globo..................................................................................................... 3.1 O Padrão Globo de Qualidade ..................................................................................................... 3.2 O telejornalismo na Globo ............................................................................................................ 3.2.1 O programa Linha Direta .....................................................................................................
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4 Telerrealidade no Linha Direta......................................................................................................... 4.1 Elementos enunciadores do programa ........................................................................................ 4.1.1 Introdução ............................................................................................................................. 4.1.2 Abertura ................................................................................................................................. 4.1.3 As vozes no Linha Direta ..................................................................................................... 4.1.3.1 Vozes do programa ................................................................................................ 4.1.3.2 As vozes “reais” ...................................................................................................... 4.2 Linha Direta, jornalismo e notícia..................................................................................................
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Considerações finais..........................................................................................................................................
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Referências bibliográficas ..................................................................................................................................
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A autora é jornalista formada na UNISINOS e atua no Setor de Comunicação do Instituto Humanitas Unisinos.
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Resumo
Através desta análise cheguei a perceber um modelo de sociedade concebido pela Globo. Um único enunciador com diversos enunciados sobre a justiça, sobre a emissora, sobre a sociedade, sobre a mídia e a tecnologia, sobre as instituições tradicionais e sobre os poderes públicos; sobre o público e o privado. Linha Direta é, portanto, um espaço de muitas vozes, de muitos ruídos, mas também é exatamente nesse ruído que acontece o silenciamento das histórias e das pessoas referidas, cujos relatos e depoimentos não conseguem ser suficientemente “poderosos” para concorrer com a tecnologia que atinge mais eficazmente os sentidos do telespectador. Um resumo deste trabalho foi apresentado no evento IHU Idéias do Instituto Humanitas Unisinos, no dia 20 de março de 2003, e posteriormente publicado na terceira edição de Cadernos IHU Idéias, sob o título O programa Linha Direta: a sociedade segundo a TV Globo.
A construção da telerrealidade: o caso Linha Direta é o Trabalho de Conclusão do Curso de Ciências da Comunicação, habilitação: Jornalismo, de minha autoria, finalizado em novembro de 2002, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, sob a orientação da Profa. Dra. Suzana Kilpp. O objeto deste trabalho é o estudo da realidade televisiva, ou telerrealidade, nos modos como aparece especialmente no programa Linha Direta, um programa veiculado pela TV Globo, desde maio de 1999. O trabalho situa a TV na sociedade brasileira, e a sociedade brasileira na TV, mais especificamente na emissora de maior audiência, a Rede Globo de Televisão. Analisa a forma de a Globo retratar o Brasil na teledramaturgia e no telejornalismo e, de maneira especial, analisa um determinado programa do Linha Direta, desde as teorias do jornalismo e da notícia, até os conceitos de drama e espetáculo.
Sonia Montaño
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Introdução
de? Qual é a sua lógica? Através de que mecanismos ela é construída na tevê brasileira? Como objetivo geral, delimitei o estudo dos mecanismos usados pela Rede Globo de Televisão para criar a telerrealidade no programa Linha Direta, programa da emissora que, baseado em casos reais de crimes não resolvidos pela polícia, realiza em torno deles uma construção cheia de elementos ficcionais. O projeto encaminhava a pesquisa para descobrir como e por que o programa realizava aquela construção. Além de analisar as estéticas e mecanismos usados no programa Linha Direta para construir sua telerrealidade, me propunha, também, com este trabalho, situar a importância da televisão na história recente da sociedade brasileira e estudar a forma de fazer televisão e de fazer telejornalismo da Rede Globo de televisão. Ao longo de alguns meses, diversos autores, conversas e sobretudo a observação da TV e seus programas me ajudaram a me aproximar muito mais dessa telerrealidade e conhecer, um pouco mais, seus mecanismos, suas estéticas, suas possibilidades e suas pretensões. O resultado dessa reflexão foi estruturado ao longo das próximas páginas da seguinte forma: O primeiro capítulo tenta fazer algumas relações entre televisão e realidade. Nele são abordadas uma série de características que dão à TV absoluta visibilidade e, portanto, a ilusão de uma sociedade transparente completamente visibilizada na tela. Ainda neste capítulo, tento abordar alguns dos mecanismos da telerrealidade: como é construída; como acontecem as relações de tempo e espaço nela e como são os habitantes dessa telessociedade. Essa telerrealidade inclui diversos gêneros e discursos, por isso ainda neste capítulo é abordado o telejornalismo, espaço televisivo por excelência para mostrar (ou mais bem construir)
Ao iniciar esta pesquisa, o fiz com a intuição de que a realidade mostrada na televisão não era um simples reflexo de acontecimentos externos a ela (no caso do telejornalismo) ou internos a ela (programas como os de entretenimento, telenovelas, etc). A intuição era de que haveria alguma coisa a mais, um macrodiscurso que envolveria esses e todos os programas, algo próprio da televisão, uma realidade em si mesma, construída pela TV. Uma realidade complexa, com uma lógica própria, mas que, ao mesmo tempo, investia muito (e nessa época não sabia quanto, como e por que) na pretensão de ser reflexo fiel da realidade, ou mais ainda, levada à máxima perfeição técnica, pretendia ser “a” realidade. Minha curiosidade girava especialmente em torno da Rede Globo de Televisão cuja liderança absoluta parecia transcender uma simples concorrência com suas pares. Além de ter mais audiência que as outras emissoras, a impressão era que ela ia muito mais longe, no sentido de concorrer também com outras entidades que, de alguma maneira, formulam, explicam ou constroem a sociedade e fazem o Brasil. Por outro lado, o fato de eu ser estrangeira me dá um certo estranhamento e distância com o Brasil apesar de estar nele, distância que, por estar cheia de afeto por sua gente, se transforma em curiosidade e tentativa de compreender o País, suas histórias, suas culturas, sua gente. Junto com toda essa auto-observação, notei que uma das tentativas mais fortes, mais claras (ou transparentes) e mais insistentes de “explicar-mostrar” o Brasil era a da Globo. Ao tentar transformar essas intuições em projeto de pesquisa, assinalei como problema a existência dessa realidade criada pela televisão que defini como telerrealidade e tomei como objeto com a perspectiva de saber: O que é a telerrealida-
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no “material” com o qual é construída a telessociedade Global. O capítulo aprofunda ainda a forma de construir a notícia no telejornalismo da emissora. Neste capítulo é apresentado o programa Linha Direta, sua história, suas características, aqueles elementos que são comuns a todos os programas da série e que são fruto da comparação de seis programas exibidos ao longo de 2002. O quarto e último capítulo consiste numa análise do programa exibido no dia 25 de abril de 2002, no qual tento examinar o programa desde os capítulos anteriores especialmente no que se refere à relação entre realidade e ficção, a construção da notícia desde as diversas vozes que se debatem na arena do telejornal, desde as teorias do jornalismo, do drama e do espetáculo. Finalmente, enumero algumas considerações finais, ainda que não definitivas pois as que ficam em aberto dariam muitas páginas a mais, ou até novos trabalhos.
a sociedade. Este gênero é estudado aqui desde as diversas teorias do jornalismo e da notícia. O segundo capítulo relaciona o Brasil e a televisão brasileira. Ele parte de uma tentativa de situar a sociedade brasileira nas décadas em que chegou a televisão ao País, mas especialmente a partir do regime militar, com o grande impulso que ele deu ao desenvolvimento da TV para criar, através dela, um imaginário de Brasil unitário. Essa construção é assumida e levada à prática pela Rede Globo de Televisão, que se transforma no lugar onde acontece o “novo” Brasil e que cria cenas de um sentimento de brasilidade que é alimentado com diversas referências à realidade brasileira citadas em sua programação. Aqui há um olhar especial para a cena brasileira na teledramaturgia da Emissora. Já o terceiro capítulo aborda a forma de a Rede Globo construir sua telerrealidade. De maneira geral, o Padrão Globo de Qualidade, marca industrial e identidade visual da Rede, constitui-se
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1 Televisão e realidade
O vídeo da TV já é o único olho do homem, e disso deriva o fato de que a TV é a realidade, e que a realidade é menos que a TV. (do filme Videodrome, de Cronenberg)
Trata-se da tentativa de realizar, com a câmera, uma perfeita ilusão do mundo perceptivo. Já Benjamin (1987, p. 189) descrevia em detalhes o potencial do cinema de mostrar o imperceptível com a dinâmica de seus décimos de segundo que fez saltar o mundo carcerário de nossos bares, de nossos escritórios e habitações, de nossas estações e fábricas, que pareciam aprisionar-nos sem esperança. E agora empreendemos, entre seus escombros dispersos, viagens de aventuras. Barbero e Rey (2001, p. 27) avaliam que o crescimento do sentido para o igual no mundo do qual o cinema fazia parte estava triturando a aura de um tipo de arte, que era o eixo do que as elites tenderam a considerar cultura. Para Lúcia Santaella (1989, p. 90), se o cinema já permite um aprofundamento da percepção e utiliza instrumentos destinados a penetrar mais intensivamente no coração da realidade, os materiais e técnicas da televisão elevam esse potencial a uma grandeza inimaginável. Mas, nessa tentativa de relação entre cultura visual e realidade, o cinema e a televisão encontram semelhanças e diferenças. Quando o cinema nasceu foi em forma documental. Contudo, as imagens de Lumière estão longe de ser simples recriações da realidade. Apesar de os assistentes das primeiras projeções dos irmãos Lumière terem fugido apavorados diante do trem que “avançava” até eles, assim como outras anedotas que mostram o espanto dos espectadores diante dos “homens em pedaços” quando assistiam pela primeira vez o primeiro plano, esses fatos não mostram outra coisa do que o estranhamento diante do desconhecido, uma percepção ainda
A televisão não é um simples espaço de passagem da realidade. Ela cria uma realidade própria que, ao mesmo tempo em que escolhe maneiras de representar a realidade dentro da tela, interage com os acontecimentos externos a ela, na sociedade e na história. Através de um ritmo frenético e incessante de sucessão de fragmentos encadeados, a TV desperta um encantamento que faz com que as pessoas assistam TV antes de assistir aqueles programas por ela veiculados. Para muitas pessoas, a programação televisiva funciona – como podia ser antes com outras instituições – como um marcador de tempo. Um relógio que serve para definir compromissos profissionais e sociais (depois da novela das oito, antes do Fantástico, etc). A tevê apresenta um efeito de realidade que não está dado somente por algumas semelhanças que o mundo televisivo tem com o mundo fora da tela. Trata-se de uma forma de visibilização da sociedade que parece estar toda ali, na tela, muito mais do que fora dela. A tevê, dessa forma, concorre com a realidade. Nas próximas páginas, tentarei abordar alguns dos mecanismos televisivos que são usados para construir a telerrealidade.
1.1 A sociedade transparente A cultura visual, de maneira especial no cinema e na televisão, apresenta o desejo de reconstruir, de alguma forma, a realidade a partir de dentro. 6
mas poucas dúzias, com as quais forma uma imagem. McLuhan (Ibid, p. 352) atribui a esse fato a criação de uma participação convulsiva e sensorial por parte do espectador. Mas o caráter auto-evidente das imagens nada tem a ver com o grau de sua definição. A visibilidade televisiva é uma construção técnica e estética. Nessa construção, há um primeiro aspecto a assinalar: para atingir o grande público, é preciso facilitar a compreensão. Os acontecimentos devem apresentar-se em sua máxima visibilidade, ou seja, que se reduza ao máximo sua complexidade. O objetivo da visibilidade não é o conhecimento, e sim o reconhecimento. E, para favorecer esse reconhecimento, a imagem deve perder sua complexidade e se tornar transparente. Haveria, então, uma sociedade transparente, que poderia ser totalmente vista (e, portanto, compreendida) na televisão. O regime da visibilidade televisiva supõe um hipotético acesso ao mundo por uma transparência deste, graças ao poder da imagem e, especialmente, da transmissão ao vivo, que abordarei mais adiante. A visibilidade procura colocar o espectador na situação de “testemunha” dessa sociedade transparente. Haveria uma identificação entre o ver e o compreender, como se a simples presença do sujeito frente a um acontecimento determinado bastasse para compreendê-lo. No fundo, essa idéia reivindica uma confiança absoluta na tecnologia. Muniz Sodré (2002, p. 21) considera que a estética televisiva é uma estética das aparências, porque a representação é apresentativa. Isso significa que o mundo e o seu fluxo estão vinculados e estão quase presentes dentro de nossos olhos. Seguindo sua hipótese, o autor avalia que a dimensão crítica e a dimensão argumentativa desaparecem, enfraquecem nessa nova constelação da representação apresentativa. Nem todos os autores concordam com a idéia de que seja essa a
não desenvolvida . E como disse Canevacci (2001, p. 134), os espectadores normais precisaram modificar seu modo de percepção e de interpretação.1 Lumière inventou os efeitos de realidade. Suas imagens seduziam por suas minúcias, por sua capacidade de captar uma grande quantidade de detalhes, como a perfeição com que se percebe o vento agitando as folhas das árvores, a fumaça, os reflexos. E precisamente essa minuciosidade ultrapassa a realidade e, portanto, distingue-se dela. Para José Luis Fecé (1998, p. 4), a semelhança entre o universo filmado e o mundo real, produzida pelo mecanismo da câmera cinematográfica, outorga credibilidade a esse espaço virtual, distinguindo-se este da realidade filmada, sem atraiçoá-la, ainda que se apoiando nela. Segundo o autor, essa distância, que não permite confundir os dois espaços, é construída com elementos como, por exemplo, o “forado-campo”, que é o lugar do potencial, do virtual, mas também da desaparição e da ausência: lugar do futuro e do passado, sendo o campo o lugar do presente (Ibid)2. O que interessa destacar é que os efeitos de realidade coexistem com efeitos de ficção, e que estes têm a ver com esse espaço virtual, não visível na tela, embora presente na mente do espectador, que constitui o fora-do-campo. Dito de outro modo, o cinema não funciona completamente sobre a absoluta visibilidade, sobre a evidência da imagem, mas a televisão, sim. De que maneira, então, acontece essa visibilidade? A pergunta é especialmente válida quando se pensa na classificação de McLuhan (1964, p. 351) da TV como um meio frio, de baixa definição, o que não parece corresponder a uma auto-evidência, já que a imagem deve ser completada por um alto grau de envolvimento do telespectador. A luz que atravessa um anteparo forma uma imagem de três milhões de pontos por segundo, (imagem-chuveiro). O telespectador, ao recebê-los, capta algu-
1 Esses fatos, longe de mostrar uma equivalência entre realidade e ficção por parte do espectador, são o indicativo de um processo histórico particularmente violento naquela época, que interferiu nos modos de percepção do real. 2 Para compreender, posteriormente, a visibilidade na qual a televisão se constrói, é interessante prestar atenção nesse fato: a vista de Lumière institui um campo visual e, com ele, um fora-de-campo, um “mais além” da imagem. E essa é a imagem do cinema, uma imagem “imperfeita”: sua presença impõe igualmente uma ausência.
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com que eles entendem e resolvem seus dilemas que, do nosso ponto de vista, ali não pode haver “profundidade”, apenas “superfície”. São seres de ação, comunicativos e simpáticos. O centro valorizado do sistema é a relação, não o indivíduo (Ibid, p. 169).
conseqüência da representação apresentativa da TV. Lúcia Santaella (1990, p. 89-90), por exemplo, acredita que o potencial de aprofundamento da percepção da TV seja tão grande que, para enxergá-lo, é preciso ler o modo como essa linguagem se articula e transforma os mecanismos de apreensão e reação diante da realidade. Para ela, mais do que a dimensão crítica enfraquecer ou desaparecer, esses mecanismos de apreensão e reação diante da realidade estão mudando e, no meu entender, exigindo uma nova forma de crítica através do próprio ver, como sugere Canevacci.
Talvez, na construção do perfil dos habitantes da telerrealidade, a criação do primeiro plano tenha ajudado muito, e o protótipo desse perfil seja Joan Collins, da forma como a descreve Canevacci (2001), produto dos eternos primeiros planos do vídeo: eternos, imóveis, estupefatos. Sua vídeo-máscara não faz a propaganda de mais nada, porque não esconde mais nada... verdadeira máscara moderna, foi esvaziada de todos os aspectos de internalização e interioridade, como um animal empalhado. Para ela, existem somente internos. Ao laicizar a beleza de Joan Collins, temos o triunfo da cultura do vencedor, de toda governabilidade “pérfida” ou da perfídia de todo e qualquer governo.
Seria uma posição sensível não tanto à semiótica, à estética, à comunicação, quanto ao ato “passivo” de ver. “Fazer-se ver” (...) no sentido de desenvolver qualidades sensitivas fundadas nas percepções do olhar, na sensibilidade do ver, do transformar-se além do sujeito-em-visão, do mudar-se em ver, em coisa-que-vê. Tornar-se olhar, tornar-se olho, fazer-se (...) (2001, p. 14).
Voltarei ao primeiro plano mais adiante. Estabelecidas algumas diferenças entre a televisão e o cinema em relação à visibilidade e transparência das imagens, seria de grande utilidade ver alguns aspectos em comum nos quais a visibilidade televisiva compartilha algumas características formais com o realismo cinematográfico, especialmente com o surgimento do cinema direto. Essa corrente cinematográfica, que surgiu nos anos 60 e consolidou-se durante os anos 70 e parte dos 80, aparece hoje como antecedente desse “realismo” midiático fundamentado na máxima visibilidade do mundo. Segundo Gilles Marsolais (apud Fecé, 1998, p. 8), o cinema direto designa um tipo de cine que capta de modo direto (“sobre o terreno”) a palavra e o gesto, graças a um material (a câmera e o magnetófono) ligeiro, vale dizer, um cinema que estabelece um contato “direto” com o homem, que procura conectar-se da melhor maneira possível com a realidade. Para Fecé (Ibid, p. 9), esse tipo de cinema não pretende mostrar a realidade de forma idealizada, mas, sim, delinear o problema da verdade no nível das relações humanas. Para o cinema direto, já não é necessário falar ou comentar as imagens registradas pela câmera. A realidade se mostra e se enuncia. Fecé
Para o autor, esse “fazer-se ver” significa treinar a auto-observação enquanto se observa. Seria estar totalmente dentro e totalmente fora dos fluxos visuais. Abrir as mercadorias visuais para dissolver seus fetiches a partir do processo comunicativo. Fora esse esclarecimento, extremamente útil para a hora de analisar qualquer mercadoria visual, volto a tentar compreender a sociedade transparente desde um ponto de vista mais antropológico. Os habitantes dessa sociedade também se regem pelas mesmas regras de extrema visibilidade e transparência da realidade televisiva. Para o antropólogo social Everardo Rocha (1995, p. 99), a complexidade inexiste para as pessoas que vivem dentro da tela. Tudo é simples, pois seu destino, mais que isso – obrigação – é a de falar absolutamente claro. Entre si e para fora. Para ele, os atores sociais que desfilam dentro da tela parecem substancialmente mais preocupados com a dimensão relacional da existência. O foco principal não está em qualquer investigação mais profunda a respeito de sua dimensão interna. O “espaço interno” de cada um deles não oferece nenhuma espécie de problema que não possa ser solucionado com rapidez e precisão. É tamanha a facilidade
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Vague, Eric Rohmer, substitui a noção de realidade pela de espaço. Para Rohmer, a essência do cinema não reside em uma hipotética relação estática com a realidade, mas, sim, na construção de um espaço virtual. Tanto Bazin quanto Rohmer distinguem a objetividade mecânica (da câmera) do realismo psicológico. A “realidade” não se faz na película, mas na consciência do espectador e do cineasta, vale dizer, do sujeito. O autor (Ibid, p. 3) encerra sua reflexão, lembrando que toda imagem (fotográfica, cinematográfica ou videográfica, e eu acrescentaria a imagem captada pelo olho humano) desvela uma realidade preexistente capturada e manifesta também a presença de um pensamento, de uma subjetividade. Uma forma de criticar a transparência das imagens, como sugeria Canevacci, poderia ser como Deleuze (1987, p. 36-37) a recomenda:
(Ibid, p. 6) interpreta esse enunciado como se já não fosse necessário transformar o “mundo”; basta vê-lo, observá-lo. Essa concepção está muito perto da atitude intrínseca ao espetáculo, à platéia. Eu vejo uma certa oposição entre duas atitudes até aqui abordadas e nelas encontro a diferença do distanciamento crítico. A primeira seria a sugerida por Canevacci através do ver e se ver vendo; a segunda é a apontada por Fecé e seria um ver restrito a mero espectador. Se esse tipo de cinema pretende combater os juízos prévios e as concepções apriorísticas, reivindica, talvez inconscientemente, uma sociedade transparente3. Na medida em que o cinema e a TV falam em “realidade”, poderiam estar entrando no terreno ético, já que a “realidade” traz implícita uma busca de um ideal de verdade. Não são todas as tentativas de um ideal de verdade no cinema e na TV que passam por esse caminho. Exemplos disso, analisados pelo autor, são o Neo-Realismo Italiano ou o Cinema Novo Brasileiro. Segundo Fecé, ambos buscam um ideal de verdade, mas não têm nada a ver com essa forma de ilusionismo que procura fazer o espectador crer que é possível conseguir uma suposta transparência da representação. Esses movimentos questionam a plenitude, a evidência das imagens. O cinema moderno propõe uma interpretação entre o real e a ficção, uma subversão da realidade e também uma erosão das convenções ficcionais. Crítica da transparência, mas também busca da possível transformação da sociedade (Ibid, p. 11). Diante de tantos recursos que apresentam a sociedade da imagem como uma realidade inapelável, têm especial sentido as palavras de André Bazin (cineasta que esboçara a teoria realista do cinema) (apud Fecé, 1998, p. 11) sobre as relações entre a imagem e a realidade. Recorda Bazin que o ato de filmar, na medida em que é uma atividade humana, supõe uma subjetividade, uma interpretação (por exemplo, através do enquadramento) da realidade. Segundo ele, o crítico e diretor de cinema e um dos pioneiros do Nouvelle
Às vezes, se necessita restaurar as partes perdidas, reencontrar tudo o que não se vê na imagem, tudo o que se subtrai dela para fazê-la “interessante”. Mas, às vezes, pelo contrário, há que fazer furos, introduzir vazios e espaços brancos, rarefazer a imagem, suprimir dela muitas coisas que se lhe haviam incorporado para nos fazer crer que se via tudo. Há que dividir ou construir o vazio para reencontrar o inteiro.
Voltando ao cinema direto, como antecessor da visibilidade televisiva, podemos encontrar mais uma chave de leitura dada por Canevacci (2001). Para ele, o cinema direto reflete a realidade com um leque de metodologias diferentes. Em todas elas, o autor chama a atenção para o uso da voz em off como um recurso que ajuda a construir a auto-evidência do mostrado. O recurso cumpre a função de invisível autoridade externa; possui, com freqüência, o poder de apresentar-se com a força auto-evidente de uma objetividade incontestável, de tal forma que o ponto de vista ético estabelece uma relação ambivalente com o visível, em que o observado é muitas vezes relegado a mero pano de fundo de documentário (Ibid, p. 167).
Ou seja, para o autor, o recurso cria um ambiente que coloca o caráter incontestável da ima-
3 Por que a sociedade desconfiaria de um cinema que não toma partido e se contentaria em restituir tudo aquilo que a câmera registra? O cineasta da evidência, do mesmo modo que o repórter, tende à invisibilidade.
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a cultura da vida quotidiana, transformando-a em comunicação. Parece que o indivíduo contemporâneo não tem uma dimensão subjetiva, familiar ou amistosa, a não ser que seja mediada por imagens visuais. Pelas razões mencionadas até aqui, posso concordar com Fecé (1998) que o discurso sobre a visibilidade ou a sociedade transparente e, implícito nele, o discurso sobre a confiança absoluta na tecnologia, deveriam se contrastar mais freqüentemente com outros que questionassem a plenitude, a evidência das imagens. O autor lembra que, se as ficções do visível proporcionam ao espectador a ilusão de que é possível ver tudo, na realidade as instituições selecionam e autorizam tudo aquilo suscetível de ser mostrado.
gem em primeiro lugar, e o que é mostrado na imagem, em segundo lugar. No cinema direto, apesar de que a preocupação esteja voltada para a representação da realidade, a relação fundamental se estabelece entre sujeito e objeto (a câmera do sujeito que filma com seu ponto de vista e o objeto da tomada). Para Canevacci, o que determina essa relação são os movimentos de câmera, enquadramentos e montagem, mas tudo isso pode encontrar, na voz em off, a expressão mais clara do desnível em favor da subjetividade da câmera. Dessa premissa, deduzimos que a voz em off, para além do que diz, nos “fala” da relação que o observador deseja estabelecer com o observado, do ponto de vista do sujeito sobre o objeto (Ibid, p. 162). Uma das metodologias possíveis no cinema direto, segundo o autor, é o cinema direto ficção. Através da ficção, se constroem cenas da vida real como se não fosse um fingimento. Esse recurso é freqüentemente usado no telejornalismo. Essas observações do antropólogo visual serão muito valiosas para a desconstrução do programa que é objeto de análise neste trabalho. Até aqui poderia se concluir que, se Lumiére foi elogiado por conseguir imagens e sons realistas, a televisão injeta nas imagens efeitos de realismo. Seria muito mais realista partir de que as imagens só falam de si mesmas. Nesse sentido, Canevacci (Ibid, p. 345) fala de novas e mutantes formas de ideologia que se recusam a submeter o todo à parte e a justificar esses mecanismos para achatar-se dentro dos fragmentos da nova cultura visual. Esse “todo” televisivo esconde algo essencial da TV: seu caráter de mediação, ou seja, sua escolha permanente de enquadramentos que revelam opções estéticas e éticas. O fato de mostrar que essas escolhas são tais revelaria que seriam possíveis outras escolhas e, retomando Canevacci, reverteriam a ideologia televisiva. O fato de o discurso da comunicação televisiva não apresentar ao espectador realidades mediadas e sim “verdades indiscutíveis” faz com que ele acesse o mundo através dessas representações que aparecem como verdadeiras. De acordo com a hipótese de Canevacci (Ibid, p. 245), as imagens midiáticas em movimento estão envolvendo toda
1.2 A telerrealidade O surgimento da televisão coincide com uma época de tentativas teóricas de compreensão das massas. Martín-Barbero (1997) enumera diversas leituras que os teóricos europeus fazem do fenômeno. Tanto os de esquerda como os de direita, embora com pontos de vista bem diferentes, mostram um sentimento de degradação e depreciação pelas massas. Para os teóricos norte-americanos dos anos 40-50 (no contexto dos EUA pós-guerra, onde o eixo da economia se desloca de lugar e desloca sua reflexão), a cultura de massas representa a afirmação e a aposta na sociedade da democracia completa. A síndrome de “liderança mundial” que os norteamericanos adquiriram por esses anos tem sua base, segundo Hebert Shiller, na fusão da força econômica e do controle da informação, e ao mesmo tempo na identificação da presença norte-americana com a liberdade; liberdade de comércio, de palavra, de empresa (Ibid, p. 57).
A nova sociedade é possível a partir da revolução do consumo, que liquida a velha revolução no âmbito da produção. O que está mudando não se situa no terreno da política, mas da cultura, entendida como o código de conduta de um grupo ou povo. Os Estados Unidos lançavam, assim, um estilo de vida (o deles), que, no século XX, seria a 10
durante uma entrevista perguntaram a Joanne Woodward qual a diferença que sentia entre ser uma estrela de cinema e uma atriz de TV. Ela respondeu: “Quando eu trabalhava no cinema ouvia as pessoas dizendo: Lá vai Joanne Woodward. Agora elas dizem: Acho que conheço aquela moça”. Os fãs do velho cinema queriam ver como eram seus favoritos na vida real e não nos papéis que encarnavam. Os fãs do meio frio da TV querem ver seus astros nos papéis que representam.
matéria-prima para o imaginário dos meios de comunicação e, especialmente, da televisão. Esse pano de fundo dos últimos 50 anos é fundamental para compreender o veículo e a realidade por ele criada. A telerrealidade é a realidade televisiva que legitima a ilusão de uma sociedade transparente. Ela se apóia na absoluta visibilidade e tem como antecessor o cinema direto. As palavras de Suzana Kilpp (2002, p. 103) poderiam ser usadas aqui como tentativa de definição da telerrealidade, quando ela diz que os programas e a programação (especialmente em fluxo) de TV tendem a estruturar-se como um gênero televisivo, em cujo interior e na perspectiva do gênero, ficção e realidade se hibridizam tecnicamente, engendrando uma realidade televisiva: simétrica e equivalente a uma ficcionalidade televisiva. A telerrealidade, então, pode ser uma realidade televisiva tanto quanto uma ficcionalidade televisiva, uma nova realidade em que não existem as categorias separadas de realidade e ficção, deixando essas categorias como próprias de uma sociedade pré-televisiva, pré-tecnológica, pré-moderna. Essa telerrealidade sai da tela sem sair, incorporando-se ao olho humano. Nas palavras da personagem O”Blivion do filme Videodrome, de Cronenberg, citado por Canevacci (2001, p. 234), o vídeo da TV já é o único olho do homem, e disso deriva o fato de que a TV é a realidade, e que a realidade é menos que a TV. A tevê parece a porta de acesso à existência. A TV é mais que a realidade, porque a realidade fora das câmeras interage com a telerrealidade, e por mais que ambas se influenciem mutuamente, parece que o reconhecimento último de todas as coisas está no seu registro diante da câmera. A realidade televisiva se constrói e se sustenta com diversos recursos e mecanismos. Um dos recursos que fazem com que a imagem televisiva exerça uma forte atração sobre as pessoas, transformando um novo estilo de vida em familiar e cotidiano, é a invenção do primeiro plano. O primeiro plano entra nas casas de forma tal que constitui os rostos próximos e familiares. McLuhan (1964, p. 357) comentou a familiaridade que o primeiro plano traz com o seguinte exemplo:
Para McLuhan, é o envolvimento do telespectador com o meio que faz com que o papel do artista de televisão seja mais fascinante do que sua vida privada. Canevacci (2001, p. 146) oferece algumas pistas que ajudam a compreender mais o envolvimento referido. Segundo ele, a monotonia da imagem visual dá à percepção aquela sensação de vertigem, de hipnose, da qual nasce a dificuldade em separar-se por parte do espectador. Para ele, no excesso do primeiro plano, os rostos se imobilizam e viram o macroobjeto da tela. Através das cirurgias plásticas, os rostos viram um eterno presente, idênticos a si mesmos. A imobilidade do rosto tem uma gramática muito própria do primeiro plano: são abolidos os contrastes, os gritos, os excessos. São muitos monólogos civilizados e urbanos, próprios do mundo urbano da televisão. É justamente no primeiro plano que pode ser observada uma grande diferença entre o cinema e a TV. Seria esse (o primeiro plano) o grande terreno de choque entre ambos, nas palavras de Canevacci (Ibid, p. 148). O autor observa que o que no cinema é uma articulação de planos espaciais diferentes que “movimentam” o vídeo e “tocam” o espectador nos momentos tão raros quanto precisos, na montagem televisiva, torna-se, pelo contrário, uma soma, uma justaposição de cabeças cortadas falantes. Para ele, essas cabeças falantes se tornam onipresentes, imutáveis, insubstituíveis, indestrutíveis, dando a sensação de furar o vídeo. Esse efeito não seria no sentido de deixar o telespectador entrar na tela, mas de realizar o último desejo da produção televisiva: manifestar-se junto ao espectador, em cima dele e sempre mais dentro de suas interioridades (Ibid), movimento contrário ao pretendido pelo cinema. 11
Para o autor toda cultura visual gira ao redor do corpo, e o corpo é o rosto por excelência. Canevacci atribui o sucesso mundial dos seriados americanos e das novelas brasileiras ao uso do primeiro plano. O valor dramatúrgico dos primeiros planos consegue comunicar, à forma transcultural, uma seqüência de paixões, todas reduzidas a um módulo elementar. Há, portanto, uma conexão muito estreita entre a acentuação dos planos de seqüência e a proliferação dos primeiros planos nesse gênero da comunicação televisiva, o que pode parecer que empobrece a gramática visual, enquanto a globaliza e multiplica sua produção de sentido emitida pelos mais micrológicos traços faciais (Ibid, p. 131). Esses códigos com os quais se expressa o primeiro plano televisivo trazem uma forma de falar mais “abstrata”, macia, asséptica, bastante não influente (código verbal); uma tipologia de expressões “naturais” que o rosto emite enquanto puro “estar”, puro fenômeno visível. Trata-se de um sistema de objetos que envolvem o rosto em primeiro plano, que servem de pano de fundo, como num quadro, e que, geralmente, são sinais reconhecíveis de uma extrema modernidade (computadores, arranha-céus, roupas da moda (...) códigos da civilidade (Ibid, p. 142). Martín-Barbero (1997) ajuda a compreender a televisão como espaço de encurtamento das distâncias de tempo (pela retórica do direto) e espaço (pela simulação de contato). A sua abordagem da tevê é desde os lugares de mediação, ou seja, lugares dos quais provêm as construções que configuram sua materialidade social e expressividade cultural. Para ele, os três lugares de mediações seriam a cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência cultural. Neste momento, interessa o primeiro, a cotidianidade familiar, que, segundo o autor, é o que dá à TV esse aspecto tão próximo e familiar. Isso acontece, fundamentalmente, através de dois dispositivos que a TV copia da família: a retórica do direto e a simulação de contato.4
A retórica do direto é esse dispositivo que organiza o espaço da televisão sobre o eixo da proximidade e a magia do ver. O espaço da televisão está dominado por uma proximidade construída mediante uma montagem não-expressiva, mas funcional com base na “tomada direta”, real ou simulada. Na televisão, a visão predominante é a que produz a sensação de imediatez, um dos traços que fazem a forma do cotidiano (Ibid, p. 298).
Quero fazer aqui um amplo parêntese para falar da tomada direta e da transmissão em tempo real. Não devemos confundir a retórica do direto com a possibilidade televisiva de transmissão ao vivo, em tempo real, embora a primeira inspire-se na segunda. Essa possibilidade é muito valorizada por Arlindo Machado (2000, p. 126). O autor reconhece que a operação em tempo presente constitui a principal novidade introduzida pela televisão dentro do campo das imagens técnicas. Para ele, as condições ao vivo parecem contaminar o restante da programação televisual e imprimir nela as suas marcas de atualidade. O excesso e a incompletude do tempo real, segundo o autor, opõem-se ao tratamento que a indústria cultural dá a esse mesmo tempo, impondo uma espécie de controle de qualidade sob a forma de uma certa assepsia, uma certa purificação do produto de todas as suas marcas de trabalho. Haveria, por parte da indústria cultural, uma hibridação dos tempos. O ao-vivo copia da edição gravada seu acabamento, e a programação pré-gravada copia do ao vivo seu efeito de tempo real, chegando a um produto asséptico e bem apresentado, “completo”, que sempre parece estar sendo transmitido em tempo real com o acabamento dos programas gravados. Machado chama a atenção para o fato de o tempo real ser o alvo da crítica de alguns intelectuais5. Para o autor, o tempo real é um dos tempos mais democráticos do veículo. Ele discorda do filósofo francês Paul Virílio (apud Machado, 2000, p. 129), dizendo que a transmissão ao vivo
4 Segundo o autor, apesar das transformações sociais da instituição familiar, a família, como espaço das relações curtas e da proximidade, é tomada pela televisão e reproduzida. 5 Segundo ele, essa escolha é para que a crítica não possa se estender a outros vizinhos “mais nobres”, como é o caso do cinema.
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não faz a guerra chegar às nossas casas trop tard (como teria declarado o filósofo), mas em condições tais de atualidade que ainda torna possível a intervenção. Em outras palavras, como o processo chega ao telespectador quando está em andamento, permite com que ele ainda possa interagir sobre o fato e modificá-lo. E essa possibilidade de participação enquanto as coisas estão acontecendo é o que faz a televisão, como disse McLuhan (1964, p. 359), favorecer mais a apresentação de processos do que produtos. A inclinação do meio da TV pelos temas que envolvem processos e reações complexas favoreceu um novo desenvolvimento para os filmes documentários. Com a TV, o western adquiriu nova importância, pois o seu tema é sempre “vamos erguer uma cidade”. A audiência participa da formação e do processamento de uma comunidade a partir de reduzidos e modestos componentes. Para o autor, a imagem de TV gera formas de inter-relação do tipo “faça você mesmo”. Quiçá uma das formas de as empresas de TV canalizarem essa característica do veículo é através da “interatividade” na qual o telespectador é convidado a se manifestar entre duas ou mais possibilidades, ou para escolher o final da história, para eliminar alguma pessoa do reality show, etc. Esse recurso está sendo usado atualmente por diversos tipos de programas, sejam eles de humor, telejornais, debates, etc. Em sua crítica, Machado lembra que Bourdieu acusa a televisão de não favorecer o pensamento porque ela é construída sob o signo da urgência, da velocidade e da simultaneidade do tempo presente. Para Pierre Bourdieu (1997, p. 40-41), a velocidade é o contrário do pensamento.
Arlindo Machado (2000, p. 127) avalia o pensamento de Bourdieu como perigoso, já que ele defende a idéia de que, em situação de urgência, a única coisa que se pode fazer é repetir um conhecimento já cristalizado, o lugar comum, o conceito estereotipado, o pré-conceito. Implica dizer que quem pensa não está em condições de agir, ou que quem age não está em condições de pensar. Esses “portanto”, “em conseqüência”, “dito isto”, “estando entendido que”... entendendo-os como nexos que, de alguma maneira, explicam e argumentam a procedência das premissas, são próprios de uma experiência cultural anterior à pós-modernidade, caracterizada – esta última – pela desordem e fragmentação, pela diferença da racionalidade moderna. O macrodiscurso televisivo tem uma lógica diferente, já que está formado por uma colagem de imagens e sons que iguala todos os discursos. Na lógica televisiva, há pequenos tempos mortos que são eliminados no que Fernández (1997, p. 113-114) chama de “elipses de montagem”, instaurando o ritmo da narrativa. Há uma nova continuidade que o autor chama de Raccord e seria o ajustamento das seqüências para dar continuidade ao relato, feito na mesa de edição. Para Fernández, é direto quando não omite nenhum detalhe e, quando é indireto, é sempre lógico. Essa nova lógica da narrativa produzida na edição é diferente da lógica do pensamento linear próprio de uma época mais racionalista. Poderia pensar-se a partir disso que essa desordem cultural introduzida pela experiência audiovisual influencia os modos de perceber e de pensar. Para Barbero e Rey (2001, p. 33-34), essa desordem atenta fundamentalmente contra o tipo de representação e de saber no qual esteve baseada a autoridade. Mais do que buscar seu nicho na idéia ilustrada de cultura, a experiência audiovisual a repõe radicalmente: desde os próprios modos de relação com a realidade, isto é, desde as transformações de nossa percepção do espaço e do tempo. Então, a lógica do pensamento linear que precisa do tempo confronta-se com a desordem cultural de um tempo não linear, portanto um pre-
Pode-se pensar com velocidade? Será que a televisão, ao dar a palavra a pensadores que supostamente pensam em velocidade acelerada não está condenada a ter apenas fast-thinkers, pensadores que pensam mais rápido que sua sombra...? (...) Ao contrário, o pensamento é, por definição, subversivo: deve começar por desmontar as “idéias feitas” (...). É preciso desenvolver uma longa cadeia de proposições encadeadas por “portanto”, “em conseqüência”, “dito isto”, “estando entendido que”... Ora, esse desdobramento do pensamento pensante está intrinsecamente ligado ao tempo.
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pectador, está apelando a um interlocutor consciente, amigo, companheiro, quase que um co-protagonista capaz de se posicionar e responder. Esse recurso é muito usado em situações em que se busca uma resposta ativa do telespectador, como os casos em que ele é convidado a colaborar com o programa de alguma maneira. Assim, a televisão hoje dá ao telespectador uma forma muito específica de “participação”, dando a ilusão de real incidência do público na sua programação. Esse mecanismo pode ser uma forma de substituir a aspiração real de participação social (no sentido de incidir na construção da sociedade) própria de toda pessoa, além de um rendimento lucrativo importante para as emissoras que atraem audiência e anunciantes. Martín-Barbero (1997, p. 203), ao levar em conta que a televisão é a irrupção do mundo do espetáculo e da ficção no espaço da cotidianidade e da rotina, fala da importância do apresentador para realizar a mediação entre as diversas partes. Segundo o autor, a televisão especifica seu modo de comunicação, organizando-se sobre o eixo da função fática, isto é, sobre a manutenção do contato, e, para realizar essa passagem, a TV usa duas mediações fundamentais: a figura do apresentador e um certo tom coloquial.
sente que não é uma consecução do passado e que coloca todas as coisas em um mesmo plano. Finalmente, Machado (2000, p. 129) questiona: como pode a transmissão ao vivo ser tão nociva aos olhos dos intelectuais e, ao mesmo tempo, tão perigosa aos olhos das autoridades, dos censores e guardiões das mídias? (...) Não por acaso, em situações políticas perigosas, a maioria das lideranças políticas e autoridades militares evita dar depoimentos ao vivo, preferindo o conforto do material pré-gravado (e evidentemente, censurado).
De fato, em tempos de governos ditatoriais de qualquer tendência política, o que menos há na TV é transmissão ao vivo. A tendência a imitar o ao-vivo é tal que, de fato, fica muito difícil saber quando uma programação é ao vivo e quando é pré-gravada. Muitas vezes, os telespectadores ligam para a emissora com a certeza de que o programa que estão vendo está acontecendo naquela hora, e nem sempre é assim. Segundo Umberto Eco (1984), um dos sinais do ao-vivo (que era muito usado na programação gravada para dar a ilusão de tempo real, na época em que Eco escreveu esse livro, na década de 80) é o olhar do apresentador fixo na câmera. Os que não olham para a câmera estão fazendo algo que se considera (ou se finge considerar) que aconteceria mesmo que a televisão não existisse, enquanto, no caso contrário, quem olha para a câmera estaria sublinhando o fato de que a televisão existe, e que seu discurso acontece justamente porque a televisão existe (Eco, 1984, p. 186).
O apresentador-animador na televisão – que se encontra presente nos programas informativos, nos concursos, nos musicais, nos programas educativos e até nos culturais, para sublinhá-los –, mais do que um transmissor de informações, é, na verdade, um interlocutor, ou melhor, o que interpela a família, convertendo-a em seu interlocutor. Por isso, seu tom coloquial e a simulação permanente de um diálogo que não se restringe a um arremedo do clima “familiar” (Ibid, p. 294).
Mesmo que hoje esse recurso esteja superado, e existam outras formas de os programas imitarem o tempo real, acho válido o comentário de Umberto Eco, não tanto para marcar duas formas de mostrar os tempos da telerrealidade, e sim duas estratégias diferentes para aproximar o telespectador. Aquela que aconteceria como se o telespectador não estivesse apela à sua curiosidade e voyeurismo, colocando-o em situação de espião, testemunha ou cúmplice. Quando o apresentador ou outro personagem televisivo olha para a câmera, sublinhando a presença do teles-
Se a mediação do apresentador garante a unidade, uma das características mais facilmente constatável do discurso televisivo é sua fragmentação. González Requena (1999, p. 25), quando se refere ao discurso televisual, fala em uma estrutura programática, unificadora das estruturas autônomas. Para ele, os programas carecem de autonomia pela sua fragmentação, que introduz no seu interior mensagens estranhas, spots publi-
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citários, informações de última hora, advertências sobre futuros programas, etc6. Portanto, para Requena (1999, p. 33), há uma submissão de cada discurso parcial ao discurso global programático e a seus próprios critérios de funcionalidade. A continuidade atua de imediato como o procedimento que religa os fragmentos em função às exigências, não dos textos parciais de origem, e sim à estrutura geral da programação. Nos encontramos assim com uma sistemática da fragmentação em que cada um dos fragmentos elementares, por sua carência de totalidade e autonomia, termina por converter-se em elementos recorrentes de continuidade que atuam como conectores dos fragmentos com que se justapõem (Ibid, p. 36). O autor aborda o discurso televisual como um texto que tem uma coerência textual de superfície, no qual as aberturas, vinhetas e propagandas funcionam como elementos de pontuação e copulativos (semelhante às conjunções lingüísticas). Para Arlindo Machado (1988, p. 108), a fragmentação faz parte da linguagem televisiva, porque ela tem necessidade de se organizar de tal forma a prender e interessar o espectador eventual, que está de passagem por aquele canal e que precisa de imediato entender o que está se passando. Nesse sentido, ele descreve uma montagem televisiva com três cortes.
Machado demonstra como os relatos televisuais são descontínuos e fragmentários, fruto de uma estruturada, quebrada e solta tomada do folhetim, enquanto o cinema incorporou a estrutura orgânica do romance oitocentista. Essa colagem de imagens fragmentadas é um dos pontos que mais merece críticas por parte de alguns intelectuais com um certo ideal de cultura mais “ordenada”. Barbero e Rey (2001, p. 33) criticam essas posturas e vêem nessa colagem uma similitude com a forma das metrópoles modernas. Segundo eles, o fluxo televisivo constitui a metáfora mais real do fim dos grandes relatos pela equivalência de todos os discursos – informação, drama, publicidade ciência, pornografia, dados financeiros –, pela interpenetrabilidade de todos os gêneros e pela transformação do efêmero em chave de produção e em proposta de gozo estético. Mas, segundo os autores, essa nova experiência remete aos novos “modos de estar juntos” na cidade, às sociabilidades cotidianas que o caos urbano suscita, uma vez que, ao mesmo tempo em que desagrega a experiência coletiva, impossibilitando o encontro e dissolvendo o indivíduo no mais opaco dos anonimatos, introduz uma nova continuidade: a das redes e dos circuitos, a dos conectados.
Para os autores (Ibid, p. 31), então, dá-se uma diversificação de formatos ao mesmo tempo que se vive um profundo desgaste dos gêneros e uma crescente debilidade do relato e a extinção do relato como fruto das trocas de experiências (aquele que vem de longe). O relato seria asfixiado pelo novo modo de comunicar: a informação. Substitui-se a experiência pelo relato do cronista. Os gêneros foram um grande motor e ponto de ancoragem da indústria cinematográfica no “aparato” perceptivo das massas. Lembra Martín-Barbero (1997, p. 249) como Hollywood inventou alguns gêneros e recriou outros. Segundo ele, o gênero pode ser aplicado ao cinema como mecanismo a partir do qual se obtêm os reconhecimentos – enquanto chave de leitura, de decifra-
O primeiro é a montagem interna do programa. O segundo é a montagem em termos da macroestrutura da televisão (um telejornal, uma telenovela) com os breaks comerciais e outras interrupções, além de amarrar cada capítulo ou unidade com sua continuidade no dia seguinte. O terceiro é a montagem que o espectador realiza, com sua unidade de controle remoto, de um programa a outro; de uma emissora a outra. Essas três grandes estruturas de montagem se interpenetram e agem umas sobre as outras (...) A amarração das imagens é o resultado de uma grande colagem que faz “casarem”, mesmo que de forma desconcertante, o pranto da mulher “traída” pelo vilão com o sorriso da modelo que escova os dentes com a pasta X e fragmentos de um incêndio que está acontecendo naquele momento no centro da cidade (Ibid, p. 109).
6 Algumas dessas formas de fragmentação se dão através de programas com limites temporais bem precisos, mas que carecem de autonomia temática, porque seu único objeto é remeter - anunciar, apresentar, publicitar - outros programas da emissora. Outros que fazem referência, do interior de um deles, a outro(s) programa(s) da própria emissora, etc.
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ção, Comunicação e Jornalismo (Souza 192, p. 182) está contraposto à ficção, que seria um gênero literário baseado em fatos imaginários. Para Soledad Puente (1999, p. 165) a separação radical entre ficção e não-ficção no telejornal não é tão necessária. Ela reconhece que fundamentalmente a diferença acontece quando o telespectador senta na frente da TV para assistir um informativo. Ele o faz por diversos motivos. Pode ser desde um motivo mais prosaico – sua admiração para com o apresentador, por exemplo –, até outro mais louvável, como a necessidade de conhecer a realidade. Mas haveria uma diferença a grosso modo em relação ao fato de que alguém que procura determinada informação sobre algum aspecto da sociedade, prefere um telejornal a um programa de entretenimento. Embora, para a autora, o telejornal procure também fazer as pessoas passarem um bom momento. Isso pode ser notado, entre outras coisas, na linguagem verbal dos telejornais. Os manuais recomendam que ela seja adequada às características da oralidade própria do veículo, como se o apresentador estivesse sentado na sala do telespectador numa conversa de amigos. A linguagem deve ser simples, direta, objetiva, com a maior clareza possível, coloquial. (Maciel, 1995, p. 31). Segundo Rezende (2000, p. 54), o verbal no discurso televisivo assume uma natureza que se torna perfeitamente afinada e compatível com as imagens. Para o autor, a oralidade é o canal de transmissão da TV. A linguagem oral, acompanhada de recursos expressivos complementares gestuais, faciais, vocais, etc, ao contrário da escrita, lança mão de freqüentes seqüências justapostas, omitindo muitas vezes os operadores de conexão. Nesses casos, o tom da fala, as hesitações, as pausas importam mais do que o uso irretocável das normas gramaticais. A palavra falada é mais apropriada para comunicar emoções. Segundo o autor, essa simplificação da linguagem oral é mais aplicável ao jornalismo informativo, que é dirigido a um público maior que o opinativo, já que ele se dirige geralmente a um público mais especializado. Uma pergunta antiga no jornalismo informativo é aquela que busca definir a notícia. Para Má-
ção do sentido e enquanto “reencontro” com o mundo. É um registro temático, um repertório iconográfico, um código de ação e um campo de verossimilhança. Na TV, os gêneros apresentam-se de outra forma. González Requena (1999, p. 37) situa-os dentro do discurso televisivo heterogêneo. Ou seja, o macrodiscurso televisivo tem capacidade de integrar no seu interior uma multidão de gêneros, tanto em relação a seus referentes (ficção, realidade – documentários – culturais, espetaculares, etc), como a suas características discursivas ou registros genéricos (dramáticos, informativos, musicais, cômicos, etc.). Para o autor, isso não significa uma crise dos tipos de gêneros tradicionais; eles se mantêm perfeitamente reconhecíveis, aumentando a velocidade e a intensidade de sua fragmentação e combinação múltipla. O que Requena (1999, p. 38) destaca é a aparição de novos tipos ou “formatos” de programas, caracterizados pela presença em seu interior dessa heterogeneidade de gêneros que distingue o discurso televisivo dominante. 1.2.1 Telejornalismo Ao tentar compreender a relação da televisão com a realidade, como é o caso deste capítulo, se faz imprescindível falar de telejornalismo, já que seria ele, por excelência, o espaço para informar sobre fatos reais. No Brasil, o telejornalismo é garantido por lei. O decreto lei 52.795 de 31/10/ 1963 trata do regulamento dos serviços de radiodifusão e estipula que as emissoras dediquem cinco por cento do horário da programação diária ao serviço noticioso. Esta lei, assim como vários autores (Puente 1999, p. 166; Maciel, 1995, p. 30) estão apoiados no pressuposto de que o telejornal é necessário para ajudar as pessoas a tomarem melhores e mais informadas decisões. Para o Dicionário Técnico da TV (Roiter e Tresse, 1995, p. 113), o telejornal é o programa jornalístico que apresenta as notícias pela televisão. Pode ser local, regional ou em rede (nacional). A “realidade”, enquanto fatos e acontecimentos que sucedem na sociedade, seria a matéria-prima do telejornalismo, que no Dicionário de Informa16
notícia é possuidor de uma subjetividade. Para ela, a notícia é uma série de escolhas feitas pelo jornalista. A notícia é explicada como um produto da pessoa e das suas intenções; é quase exclusivamente psicológica. Uma terceira análise é chamada de teoria organizacional; insere o jornalista em seu meio e acentua o fato de ela absorver a visão da empresa em busca de recompensa, evitando punições. O ponto de partida é que os jornalistas absorvem por osmose ao longo do tempo a política editorial da empresa e suas normas. Essa teoria valoriza a importância da cultura organizacional mais do que a cultura profissional. No jornalismo de televisão, por exemplo, a teoria considera que a lógica “mais audiência, mais receita publicitária” é um fator de decisão da notícia. Por outro lado, a questão dos custos de produção é decisiva para a hora de escolher a que notícias dar cobertura. Na década de 60, tenta-se explicar a notícia com as teorias de ação política. Elas são semelhantes à teoria do espelho, já que partem do princípio de que é possível reproduzir a realidade. Para elas, a notícia deve refletir a realidade “sem distorção”. Manejam elementos como “objetividade” e o que se aceita como seu oposto “parcialidade”. O que as diferencia da primeira teoria é que os veículos de comunicação são vistos de forma instrumentalista, sejam de esquerda ou direita. O jornalista é uma pessoa que “procura a verdade” no papel de “cão de guarda”, de “contrapoder”, “herói do regime democrático”. Só que os jornalistas fariam isso com “parcialidade”, no sentido de “distorcer a realidade” (Ibid, p. 93), seja para difundir suas opiniões anticapitalistas (na visão de alguns autores), seja para se submeter aos grandes interesses políticos e econômicos, fazendo da notícia propaganda que sustenta o capitalismo (segundo outros autores). Para estes, haveria uma relação direta entre o resultado noticioso do veículo e a estrutura econômica da empresa jornalística. Segundo Traquina, essa teoria apresenta algumas limitações. Uma delas, é sua metodologia que é de análise de conteúdo. Ela não é suficiente para compreender as intenções dos produtores ou os processos de produção. Mas o problema central
rio Erbolato (1991, p. 53), é impossível definir o que é notícia. O autor enumera uma série de situações diversas que seriam notícia, mas o que todas elas podem apresentar em comum é o despertar o interesse nos leitores, telespectadores, ouvintes, etc. A história do jornalismo mostra uma diversidade muito grande (e um amadurecimento) em relação ao imaginário sobre a notícia. Nelson Traquina, em seu último livro sobre teorias do jornalismo (2002, p. 74), enumera sete teorias que tentam responder de maneiras diferentes (mas não necessariamente excludentes) à questão de por que são as notícias como são. O autor salienta uma mudança de paradigma no século XIX: o jornalismo é concebido fornecendo fatos e não opiniões. A primeira teoria mencionada pelo autor é a teoria do espelho (Ibid, p. 74-77). É a primeira que surgiu na tentativa de explicar a notícia. Mesmo que hoje seja unanimidade dizer que ela é insuficiente para explicá-la, ainda restam alguns dos seus defensores. Muitas vezes, a teoria do espelho está presente na prática jornalística, numa espécie de “senso comum” com que muitas pessoas enxergam o jornalismo, talvez, em grande parte mantida pelos próprios veículos que se beneficiam com o mito da imparcialidade jornalística. A teoria basicamente diz que as notícias são como são porque a realidade o determina. A notícia seria um espelho da realidade, e o jornalista, um comunicador desinteressado. Essa teoria afirma que haveria um método científico para elaborar a informação que garante o acesso à objetividade e a neutralização da subjetividade do repórter. Dessa forma, alimentou-se a crença de que os jornalistas são imparciais porque o respeito das normas profissionais lhes assegura o trabalho de recolher a informação e de relatar os fatos, sendo simplesmente mediadores que “reproduzem” o acontecimento na notícia. Essa teoria pode ser facilmente posta em causa sem que isso signifique pôr em causa a integridade do jornalista. Uma segunda teoria chamada da ação pessoal ou do gatekeeper, embora também com grandes limitações, parte da idéia que aquele que constrói a 17
plica a notícia como a percepção, seleção e transformação de uma matéria-prima (os acontecimentos) num produto (as notícias) (Ibid, p. 106). Para essa teoria, os acontecimentos estão todos ali à espera de serem julgados dignos de ter noticiabilidade. Ao mesmo tempo, o jornalista e as empresas vivem sob a pressão do espaço (a notícia pode surgir em qualquer lugar) e do tempo (os acontecimentos podem surgir a qualquer momento, e o jornalista tem uma hora de fechamento). Dessa forma, a notícia é uma forma de as empresas e os jornalistas colocarem uma ordem no espaço e no tempo. Até aqui, poderíamos, a grosso modo, ver dois grandes grupos em relação à forma de conceber a notícia: aqueles que a interpretam como um reflexo da realidade (“objetivo” ou não, parcial ou não, com maior ou menor autonomia do jornalista, etc) e aqueles que vêem nela uma outra construção (re-construção, um outro acontecimento, um contar histórias, etc...). E se buscamos algo em comum, isso seria a referência a acontecimentos que sucedem numa margem de tempo e espaço. No desenvolvimento deste trabalho que parte desde o início do reconhecimento da telerrealidade como uma outra realidade que acontece na TV e não está como um lugar de passagem da “realidade”, a opção não pode ser outra que a concepção construtivista: a notícia é uma construção, uma narração, ou um outro acontecimento. Para Arlindo Machado (2000, p. 102-104), as notícias e o telejornal não podem ser encarados como um simples dispositivo de reflexão dos eventos, de natureza especular, ou como um mero recurso de aproximação daquilo que acontece alhures, mas antes como um efeito de mediação.
da teoria está na visão determinista dos jornalistas e da mídia. Com a teoria construtivista (Ibid, p. 94-100), surge, na década de 1970, pela primeira vez, uma teoria que concebe a notícia não como espelho ou distorção da realidade e sim como uma construção com uma realidade interna própria. Ela traz um novo paradigma considerando a notícia como uma construção. Em primeiro lugar, a teoria não parte da dicotomia entre realidade e as mídias que devem refletir essa realidade, porque esses meios estão dentro da realidade e ajudam a construí-la. Em segundo lugar, defende que a própria linguagem não é uma transmissora direta dos significados inerentes aos acontecimentos, porque a linguagem neutral é impossível. Em terceiro lugar, é da opinião de que: a mídia noticiosa estrutura inevitavelmente a sua representação dos acontecimentos, devido a diversos fatores, incluindo os aspectos organizativos do trabalho jornalístico, as limitações orçamentais, a própria maneira como a rede noticiosa é colocada para responder à imprevisibilidade dos acontecimentos (Ibid, p. 95).
Essa forma de compreender a notícia não nega o valor de as considerar como correspondentes da realidade exterior, e, enquanto abordagem narrativa, não se nega o teor informativo das notícias. Para o autor, a notícia, como todos os documentos públicos, é uma realidade possuidora da sua própria realidade interna. A teoria chama a atenção para todos aqueles elementos que dão significado à notícia, de forma tal que poderia haver outros significados do mesmo fato. Segundo a teoria construtivista, a notícia revela informações sobre o que faz sentido, sobre o que importa, sobre o tempo e o lugar em que vivemos. As coisas são noticiáveis porque representam a natureza conflituosa do mundo. Elas trazem os fatos ao horizonte do “significativo” (Ibid). Há duas teorias que se baseiam na construtivista: a estruturalista e a interacionista. A primeira, tal como a teoria da Ação Política, vê nos media a reprodução da “ideologia dominante”, mas reconhece uma certa autonomia do jornalista que está no meio de uma série de estruturas que o direcionam. Já a teoria interacionista ex-
O telejornal é, antes de qualquer coisa, o lugar onde se dão atos de enunciação a respeito dos eventos. Sujeitos falantes diversos se sucedem, se revezam, se contrapõem uns aos outros, praticando atos de fala que se colocam nitidamente como o seu discurso com relação aos fatos relatados. O telejornal é uma montagem de vozes, muitas delas contraditórias, e sua estrutura narrativa não é suficientemente poderosa para ditar a qual voz nós devemos prestar mais atenção, ou qual delas deve ser usada como moldura para, através dela, entender o resto.
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forma de esconder sua condição de mediação. Em alguns casos, trata-se de recursos narrativos de ficção audiovisual (por exemplo, música “dramática” na trilha sonora e até mesmo reencenação dos acontecimentos com atores). Outro formato aplicado nos telejornais na construção da notícia são os chamados por Bordieau (1997, p. 23-24) de “fatos-ônibus”: são fatos que, como se diz, não devem chocar ninguém, que não envolvem disputa, que não dividem, que formam consenso, que interessam a todo mundo, mas de um modo tal que não tocam em nada de importante. Nestes casos, a notícia se aproxima do espetáculo, forma que abordarei em seguida; antes, farei algumas observações sobre a notícia como drama. Para Soledad Puente (1999) a notícia está ligada à mudança. O homem e seu entorno vivem numa alteração própria de sua liberdade, que na maioria das vezes implica progresso. Se não há mudança, não há notícia. As notícias são os relatos dessas mudanças. Puente distingue notícia de informação e de novidade; a primeira inclui informações recentes, e a novidade tem como característica a atemporalidade (algo que já existia, mas não foi trazido ao horizonte do interesse ou da compreensão), mas se constitui em notícia na medida em que interessa a um grande número de pessoas. Um dos critérios para que um fato seja notícia é a proximidade. O que mais interessa no mundo a todo ser humano é ele próprio e, depois, as coisas próximas a ele, a seu corpo e sua mente: seu trabalho, sua saúde, sua casa, sua família, seus amigos, associados, clubes, Igreja, hobbies, recreações e entretenimento (Ibid, p. 44). Esta proximidade teria também um outro significado no tempo: aquilo que ocorreu recentemente; o imediato. Embora este valor se tenha acrescentado à notícia na medida em que foram crescendo suas possibilidades técnicas de cobertura quase instantânea. Seguindo o pensamento da autora, talvez poderíamos dizer que o veículo, especialmente através do telejornalismo, leva o telespectador a querer ver e ouvir o que está acontecendo, em definitivo, com ele próprio e tudo o que “ele” abrange. Mas, muitas vezes, a proximidade
Ao colocar em circulação e em confronto as vozes que “relatam” ou “explicam” um conflito, ao tentar encaixar as vozes umas “dentro” das outras, o que faz mais exatamente o telejornal, na opinião de Machado, é produzir uma certa desmontagem dos discursos a respeito dos acontecimentos. Num certo sentido, podemos dizer que o telejornal é uma colagem de depoimentos e fontes numa seqüência sintagmática, mas essa colagem jamais chega a constituir um discurso suficientemente unitário, lógico ou organizado a ponto de poder ser considerado “legível” como alguma coisa “verdadeira” ou “falsa”. A questão da verdade está, portanto, afastada do sistema significante do telejornal, pois, a rigor, não é com a verdade que ele trabalha, mas com a enunciação de cada porta-voz sobre os eventos (Ibid, p. 111).
Ao analisar o acontecimento, Adriano Duarte Rodrigues (1993, p. 28) diz que a mídia produz ao mesmo tempo um novo acontecimento, que ele chama de “meta-acontecimento”. Os metaacontecimentos são aqueles acontecimentos que englobam as ocorrências produzidas frente às câmaras de televisão ou perante os repórteres. Eles são regidos pelas regras do mundo simbólico, o mundo da enunciação, articulando as instâncias enunciativas do sujeito-repórter, objeto-fato, agentes e atores. As mídias, relatando um meta-acontecimento, produzem além do acontecimento relatado, o relato do fato, como um novo acontecimento que vem integrar o mundo. Para Rodrigues, os meta-acontecimentos discursivos são parte do real, narrado sob o ponto de vista do enunciador; com isso, pressupõem a existência de juízos de valor. Dessa forma, as notícias são construídas a partir de acontecimentos dispersos. O autor define o discurso do acontecimento como anti-história, uma mera representação dos fatos interpretados pelo sujeito-repórter, o que possibilita uma aproximação entre ficção e realidade. Para ele, a fusão de ficção e realidade foi uma das alternativas encontradas pelas tevês comerciais para atrair a atenção e o interesse da audiência, tanto nas narrativas ficcionais, quanto no jornalismo de televisão. Já Arlindo Machado (Ibid, p. 107) vê no uso de mecanismos ficcionais nos telejornais uma 19
za uma exploração comercial das situações de miséria humana, Soledad Puente propõe a estrutura do drama para a notícia como alternativa à forma da notícia televisiva de seu país (Chile) que, para ela, não se adapta totalmente ao veículo e, portanto, não obtém todo o papel social, o índice de audiência e o faturamento econômico que poderia se revisasse a forma de contar e o que contar na notícia. Ela propõe uma estrutura que resgate as histórias humanas, e que considere o pouco tempo no qual a televisão permite dizer a notícia e a necessidade de prender a atenção do espectador do início ao fim e tornar aquela realidade acessível ao grande público. Por isso, a autora propõe a notícia como drama seguindo sua clássica estrutura: apresentação de uma situação, introdução de um desequilíbrio, clímax e resolução. O drama, da forma como foi abordado até aqui, se diferencia do espetáculo como estrutura narrativa. O primeiro é uma estrutura que desde a distração e o entretenimento traz os fatos para o horizonte da inteligibilidade, em um único movimento. No caso do espetáculo, da forma como a ela estou me referindo na notícia, usa mecanismos para centrar a atenção do telespectador, fazendo com que os fatos não tenham outros significados. Para Guilherme Rezende (2000, p. 25), a preocupação com a audiência é um fator determinante ao estruturar a narrativa jornalística como espetáculo. O formato espetacular, comum às emissões de ficção e realidade, representou a fórmula mágica capaz de magnetizar as atenções de um público tão diversificado. Na sua tentativa de teoria do espetáculo, González Requena (1995, p. 66) fala de dois tipos de espetáculos: aquele que se articula sobre a relação dual, imaginária, especular, que vincula um sujeito que olha e um corpo que se oferece a seu olhar – nessa categoria entraria o espetáculo televisivo –, e aquele outro que inclui um terceiro elemento que é o símbolo.
segue o caminho inverso, isto é, uma proximidade conseguida através de repetição do fato e assim ele acaba interessando. A autora parte da definição do jornalista como um narrador de histórias e chama a atenção para dois elementos da notícia: o que é contado e como é contado. Nesse sentido, Puente encontra elementos em comum entre a notícia e o drama. Não é o mesmo um incêndio sem chamas que com chamas. Para ela, essa noção está tão presente na ficção quanto na não ficção, o que mostra sobretudo que jornalismo e drama se unem na ação: o drama imita e o jornalismo mostra essa ação (Ibid, p. 57). Na apresentação da notícia em televisão, Puente critica o método da pirâmide invertida7, tão usado na imprensa escrita e no rádio, mas que, para a autora, é inapropriado para TV. Ela propõe uma maneira diferente de entregar as notícias em televisão, construída desde as similitudes entre notícia e drama. Definido como relato de histórias do ser humano, o drama, no cinema e na TV, não busca tanto reproduzir a vida quanto intensificá-la. Por isso, o cineasta Hitchcock (apud Puente, 1999, p. 32) dizia: não filmo nunca um pedaço da vida, porque isso as pessoas podem encontrá-lo muito bem nas suas casas, ou na rua, inclusive na porta do cinema. Não tem necessidade de pagar para ver um pedaço da vida. Por outra parte, rejeito também os produtos de pura fantasia, porque é importante que o público possa reconhecer-se nas personagens.
Reiven Frank (apud Puente 1999, p. 68), produtor dos telejornais da NBC, foi o primeiro a dizer, em 1960, que a notícia de televisão deve estar estruturada como minidrama, com um problema e seu desfecho; um princípio, um meio e um final. Para o jornalista, essa seria a estrutura da notícia que permitiria ao público seguir o acontecer sem perceber as notícias como tema para iniciados. Longe de considerar o drama como adjetivo que ressalta tragédias ou menos ainda que reali-
7 A pirâmide invertida é uma forma de estruturar a notícia na qual é seguida a seguinte ordem: fatos culminantes; fatos importantes ligados à entrada; pormenores interessantes e detalhes dispensáveis.
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É necessário que o símbolo recubra o corpo para que este, além de exibir-se – oferecer-se – se manifeste portador de um determinado sentido, de um determinado mistério. O gesto deixa, pois, de se esgotar na exibição, na oferta especular para quem olha e o introduz e certa opacidade simbólica, uma certa resistência que assinala em outra direção.
A característica dessa forma de espetáculo é o posicionamento da câmera na hora da filmagem, pois é prefigurado o lugar virtual, esencialmente concêntrico, que depois ocupará o espectador. “As diferentes posições de câmera concretas adotadas durante a rodagem se fundirão depois em um único lugar material, o ocupado pelo espectador, onde haverão de convergir as múltiplas imagens rodadas”. Para o autor, é realizado assim o projeto de visão absoluta, “que se achava perfilada na novela decimonônica, na qual o narrador todo-poderoso brindava o leitor com a capacidade de, sem se deslocar, estar, em todo momento, no lugar mais candente e gozar a cada instante, da mais significativa informação” (Ibid, p. 72). O espectador consegue ver tudo, não porque esteja no melhor ângulo de visão e sim porque tem acesso, pelo menos potencial, a todos os ângulos de visão.
O autor explica melhor sua teoria, analisando diversos modelos segundo o lugar que eles dão ao espectador em relação ao espetáculo que lhe oferecem e às limitações que tal posicionamento lhe impõe. Esses lugares vão do mais aberto, como o modelo carnavalesco em que não há muitos limites entre o lugar do espetáculo e do espectador, pois um se converte no outro a qualquer momento, passando por outros modelos até chegar ao “modelo da cena fantasma”, no qual Requena inclui o espetáculo televisivo, e que dão ao espectador um lugar fechado.
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2 TV e sociedade no Brasil
Falar de televisão é falar do Brasil Eugênio Bucci
2.1 O Brasil pós-64: A televisão e a TV Globo
O Brasil é um país de contrastes: riqueza e pobreza, modernidade e arcaísmo, sul e norte, litoral e interior. É dentro desse contexto de contrastes que pode ser compreendida a presença maciça da televisão em um país situado na periferia do mundo ocidental. Presença maciça, porque o coloca como único no hemisfério sul que integra o grupo de oito países que concentram 3/4 dos telespectadores do mundo e quarto país em número de aparelhos televisivos. A história da TV no Brasil está muito unida à história de industrialização do País e, portanto, à história da formação e expansão de um grande mercado de consumo. Segundo dados de AcessoCom, 81% dos brasileiros assistem TV todos os dias numa média de 3,5 horas. E, do total da audiência, 52%, segundo Anuário Mídia 2000, assistem a Rede Globo de Televisão. Por tudo isso, torna-se necessário nos aproximar, neste capítulo, da telerrealidade, analisando a relação entre a sociedade brasileira e a “sociedade” televisiva, mais especificamente na Emissora de maior audiênca que, além de concentrar a maior parte da audiência, estabeleceu um padrão que se tornou modelo para as outras emissoras e, segundo Maria Rita Kehl (1979-1980, p. 13), influenciou as outras formas de arte que pretendem atingir o grande público. Para compreender melhor o sucesso da televisão no Brasil, vejo necessário traçar alguns aspectos da história do País que permitiram o rápido desenvolvimento do veículo. O contexto do Brasil pós-64 e a TV Globo são importantes para compreender seu papel na história brasileira e na construção de um imaginário nacional.
Com 175 milhões de habitantes, segundo o Censo 2000, o Brasil ocupa quase a metade da América do Sul, e seu povo é resultado de muitas e diferentes raças e culturas. Durante vários séculos, o Brasil foi um país rural, onde as fronteiras pareciam acabar nos limites regionais, mais ou menos marcados pelas culturas tipicamente regionais. No ano de 1950, inicia-se uma série de transformações no País que, entre outras coisas, derrubam essas fronteiras regionais. É necessário contextualizar essas mudanças, porque criam um novo estilo de vida que nos ajuda a compreender a televisão, não só como produto dele, mas também como característica primordial da “sociedade” que existe dentro da tela. Durante a década de 50, vivia-se no Brasil uma série de transformações industriais, econômicas, tecnológicas e sociais tão radicais que, segundo Cardoso de Mello e Fernando Novais (1998, p. 560), a sensação dos brasileiros ou de grande parte dos brasileiros era a de que faltava dar uns poucos passos para finalmente nos tornarmos uma nação moderna. A incorporação de padrões de produção e consumo, próprios de países desenvolvidos, entre 1945 e 1964, leva a um importante processo de industrialização, com a instalação de setores tecnologicamente mais avançados, que exigiam investimentos de grande porte. As migrações internas e a urbanização ganham um ritmo acelerado.
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A penetração de valores capitalistas dentro da família não teve maiores obstáculos. A casa continua a ser o centro da vida social, só que a vida em família não é mais governada pelo passado, pela tradição, senão que pelo futuro, pela aspiração a ascensão individual, traduzida, antes de tudo pela corrida ao consumo (Ibid, p. 605).
ços de atuação pública. Mas, para os autores, além da extrema desigualdade social, o regime constituiu uma herança de miséria moral, de pobreza espiritual e de despolitização da vida social. Cardoso de Mello e Novais (1998, p. 637-638) identificam, nesse período, a base do que eles consideram uma tragédia histórica que se enraizou nas profundezas da alma de várias gerações e foi possível graças a uma grande contribuição dos veículos de massa, especialmente da televisão. Para além da violência que empregou durante o período autoritário, a “revolução de 64" moldou uma outra forma extremamente eficaz de garantir duradouramente a dominação dos ricos e privilegiados. Forma até muito prazerosa, disfarçada de entretenimento, ou forma muito séria, revestida de informação objetiva: a indústria cultural. A indústria televisiva consegue, assim, o impulso decisivo, porque o Governo militar viu nela uma das formas mais eficientes para sua legitimação. É criado o Ministério das Comunicações que fez pesados investimentos em telecomunicações. Ao mesmo tempo, facilitou-se a compra de televisores a crédito. Exposta a esse impacto, a sociedade brasileira passou diretamente do analfabetismo à massificação, sem percorrer a etapa intermediária de absorção da cultura moderna. O Brasil, que manteve a escravidão até finais do século XIX, 80 anos depois, parece estar ingressando no “primeiro mundo”, mas, na realidade, constrói uma das sociedades mais desiguais do mundo. Diversos autores comentam as conseqüências de tamanho salto produzido pela industrialização e acentuado pela rápida difusão e pelo papel da televisão. Lúcia Santaella (1990, p. 79) considera que a entrada da TV nesse momento da sociedade brasileira provoca o salto abrupto da etapa folclórica da comunicação oral – de que essa população era agente – para essa espécie de folclore urbano, que são os meios de massa, de que essa população é paciente. Para Cardoso de Mello e Novais (1998, p. 640-641),
Dessa forma, com a predomínio da Cultura de Massa, a ditadura no Brasil foi fechando os espa-
quando a TV se expandiu na sociedade brasileira, esta não tinha desenvolvido ainda um nível de autonomia
Para os autores, o desenvolvimento econômico rápido da década de 50 criou uma ampla gama de oportunidades de investimento, especialmente no período do Governo Juscelino Kubitschek (1956-1960), que tinha como lema “50 anos em 5". Nesses anos, a industrialização trouxe mudanças de hábitos e costumes, além de produzir uma grande migração interna. Em 1964, o Governo militar (1964-1979) inaugura um novo “modelo” econômico, social e político de desenvolvimento. Mas essa mudança e, especialmente, as conseqüências negativas do novo modelo não eram fáceis de se perceber no momento, deixando uma sensação de continuidade essencial no “progresso”. Começa, assim, um deslocamento permanente para as cidades. O Estado construiu estradas de rodagem que facilitaram a migração e aumentaram o consumo da indústria automobilística. Também foi criada uma infra-estrutura econômica e social (eletricidade, polícia e justiça, escolas, postos de saúde, etc,) nas cidades que foram surgindo ou se renovando. O otimismo era alimentado com novas construções, novos produtos, novos hábitos e costumes. Construíram-se arranha-céus equipados com elevadores nacionais. Produziram-se automóveis, caminhões, ônibus, tratores. Surgiram as maravilhas eletrodomésticas, além dos supermercados e dos shopping centers (o primeiro foi o Iguatemi, de São Paulo, em 1966). É dessa época, também, o hábito de “comer fora”. Multiplicam-se os restaurantes elegantes, com comida italiana, francesa e portuguesa. Para quem não tem como usufruir desses lugares, são criadas lanchonetes, fast foods e pizzarias baratas. Os hábitos de higiene e limpeza também mudam, assim como surgem novos e modernos produtos de beleza.
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de juízo moral, estético e político, assim como os processos intersubjetivos mediante os quais se dão as trocas de idéias e de informações, as controvérsias que explicitam os interesses e as aspirações, os questionamentos que aprofundam a reflexão, tudo aquilo, enfim, que torna possível a assimilação crítica das emissões imagéticas de televisão e o enfrentamento do bombardeio da publicidade.
o fato mais importante para a integração nacional foi quando, em primeiro de setembro de 1969, surge o Jornal Nacional, primeiro telejornal a atingir praticamente todo o território brasileiro em tempo real. A TV Globo, paralelamente à aceleração da economia brasileira, organiza-se como uma indústria tipicamente capitalista, de acordo com uma mentalidade empresarial, que aprendeu junto ao grupo americano Time-Life. Segundo Homero Icaza Sanchez (apud Kehl, 1979-1980, p. 96), a TV Globo, nesse momento, não assume um projeto governamental, mas sim um papel de rede: rede, porque é um projeto econômico. Se não tem uma rede nacional, não se pode cobrar por um minuto de comercial o que se cobra. Então, a questão é econômica. Na década de 70, a entrada da TV a cores ajudou a mostrar um Brasil que vai “pra frente”: Novo, moderno, colorido, um país onde o sonho da ascensão social parece estar a um passo da realidade. Como constata Anahia Mello (1994, p. 33), nessa década, a “unidade nacional” passa por frases e fatos como “Brasil, ame-o ou deixe-o” e a transmissão ao vivo, via satélite, da Copa de 74, no México. O Estado fornecia cerca de 30% das verbas de propaganda. Pagava por algumas e exigia a exibição de outras, de graça. A televisão era o principal veículo para suas mensagens de propaganda. Dessa forma, aquele brasileiro ou brasileira que atravessara, na década de 50, a fronteira rural, expulso pela pobreza, passou por um rápido processo de desconstrução e de re-construção de um Brasil ao qual teve que se adaptar. O homem e a mulher desarraigados que perderam, em um curto período de tempo, a imagem de seu país tal como o concebiam dez ou quinze anos atrás (uma imagem carregada de valores rurais, ainda que defasados em relação à época), como lembra Kehl (1979-1980, p. 11), perderam ao mesmo tempo seus canais habituais de articulação com a comunidade – “canais” que vão do campinho de futebol de várzea à participação sindical, da festa de rua às eleições diretas. A esse brasileiro resta o consolo da festa Global, resta entrar em cadeia às oito da noite pelo Jornal Nacional ou assistir “com
Para Maria Rita Kehl (1979-1980, p. 21), os diversos fatores que estão em jogo vão apagando o regional. Uniram-se a busca de um público maior, a industrialização generalizada da produção de bens materiais no País e a penetração massiva da indústria cultural em todas as áreas de produção de bens simbólicos. Agora, o circuito pequeno, regional ou local, parece inútil. Segundo a autora, o fenômeno não é causado pela televisão, mas pelo desenvolvimento do País que incorpora novas e diferenciadas faixas sociais ao mercado de consumo cultural. O que ela, sim, atribui à TV é a diluição da contradição, contornando as barreiras de classe e de linguagem, transformando a qualidade em quantidade e estendendo a mão para os produtores de cultura. É nesse contexto que surge a TV Globo. Um ano depois do golpe militar, ela estava indo ao ar, no Rio, em 26 de abril de 1965. Roberto Marinho era o dono da emissora. Seu pai havia fundado o jornal O Globo em 1925, mas morreu logo depois. Aos 26 anos, em 1931, Roberto Marinho era o diretor do jornal. Na década de 40, ele deu início às transmissões da Rádio Globo. Em relação ao Governo militar, Marinho foi revolucionário de primeira hora e continuou a apoiar todos os governos da revolução, como dissera Armando Falcão, Ministro da Justiça de 1974 a 1979 (apud Anahia Mello,1994, p. 27). E como “revolucionário de primeira hora”, Marinho abraçou, com sua emissora, o objetivo do Governo militar: unificar o País e fazer dele um mercado, objetivo que só conseguiria através das grandes possibilidades tecnológicas. A introdução do videoteipe, na década de 1960, foi decisiva. As produções feitas no eixo Rio e São Paulo eram levadas para todo o País, o que favoreceu as redes nacionais em detrimento das produções locais. O País inteiro tinha que aprender a se reconhecer nos modelos de vida vindos de Rio e São Paulo. Mas 24
Globo apela a uma introdução permanente de elementos familiares à cultura brasileira ou a acontecimentos históricos do País. Segundo Kehl (1979-1980, p. 27), essa aproximação da realidade brasileira partiu das reivindicações por “mais realismo”, “menos fantasia”, “menos ilusão”, vindas de setores mais avançados do público e dos próprios críticos. Havia uma expectativa “progressista” de que a televisão fosse um espelho da realidade. A emissora, então, resolveu adotar esta estratégia. Colocar o “povo” no vídeo e não omitir nem mesmo os fenômenos criados pelas vanguardas da sociedade, abordados, evidentemente, com o devido cuidado, para que as tais massas não os considerem incompreensíveis. O “mergulho” (não muito profundo e maquiado) na realidade brasileira surge, segundo a autora, da constatação de que, melhor do que omitir os problemas e exigências da realidade social, é encapá-los sob a tutela da emissora de maior audência. Dessa forma, acontece uma integração harmônica até daqueles assuntos que poderiam ser ameaçadores para a ordem vigente. Nesse procedimento, foi fundamental a criação do Departamento de Pesquisa da Globo, por José Bonifácio Sobrinho (o Boni), em 1971. O setor funciona como auxiliar das áreas de programação e produção, analisando comportamentos, tendências e demandas dos espectadores. Para Kehl (1986, p. 221), foi esse departamento que fez com que a televisão fosse capaz de se antecipar às demandas em massa do público, captando o emergente através de suas pesquisas e transformando-o em mito via TV. A autora refere-se ao mito de acordo com a definição de Barthes9. O trabalho da equipe seria captar (roubar...) demandas (inconscientes?) ainda não transformadas em fala social, ainda latentes, ou não-expressas ou mal expressas ou expressas por minorias, e transformá-las na versão que a Globo (via Boni) considera ser a fala conveniente (Ibid). Essa, entre outras mudanças, faz parte do que a Rede Globo aprendeu com a Time-Life: um novo espírito de empresa para a produção de mercadoria massiva. A influência do grupo ame-
todo o Brasil” a novela do momento. Nessa situação, avalia a autora, resta a televisão como encarregada de reintegrá-lo sem dor e sem riscos à vida da sociedade, ou ao lugar onde as coisas acontecem. Esse lugar é o próprio espaço da imagem televisiva, e esse é o principal papel que a rede líder em audiência representou na década. Sobre esse “lugar”, que chamo neste trabalho de telerrealidade, especialmente sobre esse Brasil construído pela e na rede Globo, tratarei nas próximas páginas. 2.2 O Brasil na Globo O antropólogo social Everardo Rocha (1995, p. 96), falando do cinema e da televisão, afirma que a definição básica que a comunicação de massa oferece de si mesma é dizer que, lá dentro da tela, se processa uma existência em sociedade. A sociedade que se processa dentro da Rede Globo de Televisão é quase identificada com o “Brasil”. A emissora conseguiu forjar um Brasil que está em muitos imaginários, tanto no País quanto no exterior, como a imagem mais real do País e, às vezes, a única. De alguma forma, o publicitário Washington Olivetto (apud Mello, 1994, p. 26) confirma esse conceito, em um depoimento sobre a Rede Globo. Olivetto reconhece nela um Brasil telerreal. O Brasil, às vezes, me dá a sensação de não ter sido descoberto, e sim escrito. O Brasil é um país ficcional (...) E daí esse fascínio. A ficção invade a vida das pessoas a ponto delas se fanatizarem pelas novelas. A historiadora Maria Rita Kehl (apud Anahia Mello, 1994, p. 38) tenta perceber a interação entre o Brasil telerreal da Globo e a sociedade fora da tela. A impressão que eu tenho é que a Globo conseguiu, melhor do que qualquer política repressiva de proibição ou censura, alterar a consciência do brasileiro sobre sua condição. A naturalidade com que a televisão se incorpora à vida da sociedade8 é equivalente à naturalidade com a qual a sociedade é representada na tela. Na construção do Telebrasil, a Rede
8 Devemos ter em conta que a TV está (geralmente em um lugar de destaque) em 87,7% dos domicílios brasileiros. 9 Para Barthes, mito é uma fala roubada.
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simplificação das posições de câmera (plano/contra-plano; um abuso de closes e de planos médios); a casualidade tranqüila com que a montagem encadeia as ações com a mesma naturalidade com que se passa de uma fofoca a outra num papo de comadres (...) a própria naturalidade com que os comerciais se inserem entre cenas importantes, construídos com os mesmos recursos de câmera, montagem, expressão dos atores, etc, de modo a que pareçam ter uma relação de complementação com a novela; tudo isso cria a impressão de ausência de uma linguagem, de uma construção na telenovela. Pode-se entrar e sair da novela sem conflitos, o que dá a impressão de que a telenovela é como a vida.
ricano ajudou a Globo a criar um modelo empresarial próprio e sem precedentes nas empresas de comunicação, no qual adequava o modelo multinacional à realidade brasileira, com “a cara” do Brasil. Uma das mercadorias com as quais a Emissora melhor consegue atingir as massas e colocar o “Brasil” em cena seriam as telenovelas e minisséries. 2.2.1 A cena brasileira na teledramaturgia
A partir de 1969, importantes transformações na TV Globo atingiram a teledramaturgia, tendo em vista a consolidação da Empresa no ramo da comunicação e a construção de uma identidade nacional. Beneficiada pela implantação do sistema de telecomunicações da Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel), a programação da emissora, transformada agora em Rede Globo de Televisão, passou a ser exibida em outros estados. Foi o ano das mudanças no Departamento de Telenovelas. A novela, como hoje a conhecemos, surge no marco de uma preocupação da Globo com a “melhoria de qualidade” e o incremento da programação nacional em horário nobre, no início da consolidação da Rede. E resulta numa linha de programação que se firma por volta de 1973 com o advento da TV a cores no Brasil (que permite a melhoria de qualidade no padrão visual da publicidade, feita a cores já há mais tempo por motivos de definição da imagem, “puxando” por sua vez a qualidade visual dos programas) e coincidindo com o pico da euforia consumista das classes médias. Maria Rita Kehl (1986, p. 277) enumera uma série de razões pelas quais a novela é a forma preferida de entretenimento dos brasileiros.
Para Hamburger (1998, p. 449), as telenovelas da Globo modernizam sua linguagem nesse período. Elas ultrapassam definitivamente os limites impostos pelo ambiente dos estúdios e seus cenários restritos, pela tradição da formação teatral e da experiência de teleteatro, diálogos empolados, marcações rígidas, expressões exageradas – pela sua origem nos dramalhões mexicanos e cubanos diretamente chupados do gênero folhetim europeu do século XIX. A Globo passa, assim, a investir o talento de seus autores no lucrativo terreno da “realidade brasileira”. Em relação às tramas apresentadas pelas telenovelas, Carvalho (In Kehl 1979-1980, p. 55) disse que a maior parte dos conflitos partem de atitudes mesquinhas em torno da trama central de ascensão social através de algum romance. Essa forma de ver a vida reproduz continuamente a maneira como a ideologia explica os fatos históricos do mais corriqueiro problema doméstico à mais intensa paixão – apresentando-os como fatos consumados, naturais, inevitáveis. Em relação às personagens que interpretam essas tramas, eles tentam personificar o “povo”, mas, segundo a autora, não é a cara do povo do jeito como ela é. Tratando de Globo: o povo banhado, barbeado e, no mínimo, com a dentadura em bom estado (Kehl, 1979-1980, p. 69). A exibição, em 1967, da telenovela Véu de Noiva, de Janete Clair, ambientada nos subúrbios cariocas, marcou a introdução de uma nova linha da programação ficcional, voltada agora para uma temática contemporânea, assentada sobre a realidade brasileira, e mais identificada assim com o público. Afastada da emissora, a diretora de telenovelas Glória Magadan – que promovera a
Porque telenovela não é literatura e não exige mergulho, concentração, ruptura com o real imediato. Porque telenovela não é cinema e não solicita do espectador nada além de sua atenção mais superficial, um mínimo de sua inteligência e um investimento emocional seguro. Porque telenovela não é cinema, e, na sala acesa, entre mastigações, vai-e-vens e zunzuns, marca a continuidade do cotidiano, em vez de romper com ele. Porque telenovela “não tem linguagem”; a redundância e a
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deiras dos autores e diretores de telenovelas, que encontram, na imitação das aparências da realidade empírica, um elemento de sucesso, favorecendo ainda mais a identificação emocional dos espectadores com a problemática vivida e sofrida pelos personagens principais. Fala-se em “doses de realismo”, “nível de realidade”, “graus de aproximação com o real”, como se, num passe de contabilidade, a realidade para a televisão funcionasse como um tempero, um superaditivo a ser acrescentado em doses maiores ou menores à obra – que assim ocuparia um lugar medido numa escala de zero a dez, ou seja: da fantasia desvairada à realidade nua e crua. Consistindo a última, a reprodução perfeita da vida cotidiana pela TV, no ideal (inatingível?) a ser alcançado. Para a autora, a convivência com tão pedagógicas pretensões (pois trata-se de ensinar ao espectador das telenovelas como é a sua realidade ) mostra que as fórmulas que determinam o sucesso comercial das novelas permanecem mais ou menos intocadas. A incursão da Rede Globo em outros produtos ficcionais, tais como os seriados, na década de 1970, e as minisséries, a partir de 1982, reafirmou a mesma tendência expressa pelas telenovelas, no sentido de estabelecer uma verossimilhança, procurando trazer à tona temas ligados à realidade nacional e ao cotidiano do público, em linguajar coloquial. Novos temas foram sendo absorvidos, consoantes com as transformações políticas e sociais que se processaram ao longo desses anos, entre os quais o fim do regime militar e a mudança nos costumes, além da diminuição da censura, que contribuiu para uma maior liberdade no tratamento dos temas, sobretudo aqueles ligados a questões de ordem sexual. Com o mesmo tom voltado para aspectos da realidade brasileira, as minisséries brasileiras vêm se constituindo também um importante agente de construção de uma identidade nacional. Entre os diferentes temas tratados nessa linha de programação, destaca-se a representação da história brasileira recente. Mônica Almeida Kornis (2001) faz uma abordagem dessas minisséries, a partir de 1986, momento em que o País inicia um processo de redemocratização. Para a autora, é, assim,
adaptação de obras da literatura mundial, ambientadas num passado remoto, com um tratamento exacerbado e inverossímil, desde a criação da TV Globo em 1965 – foi substituída por Daniel Filho, abrindo espaço para a consolidação de uma nova tendência. A presença de Janete Clair na emissora e a contratação naquele mesmo ano de seu marido, o teatrólogo Dias Gomes, permitiu a construção de uma teledramaturgia voltada para uma temática brasileira através de uma linguagem “realista”. Essa linguagem “realista” opõe-se à melodramática, romântica e sentimental. O “realismo” das novelas é constituído pela estrutura do cotidiano, onde os elementos da realidade se constroem como representação do cotidiano vivido, numa busca de fidelidade máxima com o efeito de verossimilhança potencializado (Ibid). Busca-se distanciar, promover o apagamento estratégico da idéia de representação e de ficção que se dilui sob a realidade construída dramaturgicamente. Por outro lado, segundo Hamburger (1998, p. 440), a telenovela apresenta uma compreensão metaforizada da vida fora das telas. A vida, como a percebemos normalmente, é confusa e até incoerente. Andamos por uma rua, ouvimos pedaços de frases, vemos pessoas de quem não sabemos nada em atividades, cujo sentido nos escapa. Percebemos sons sem nem os escutar, cheiros, cores que irrompem; sentimos calor, frio, fadiga que resultam de carregarmos uma pesada carga nas costas. Cada uma dessas sensações pode predominar, uma depois da outra, dependendo da pessoa, do estado de espírito, do momento.
Escrever uma história ou um roteiro significa, então, pôr ordem nessa desordem: fazendo uma seleção preliminar de sons, ações, palavras; descartando muitas delas e acentuando ou reforçando o material selecionado. Significa violar a realidade (ou pelo menos, o que percebemos como realidade) para construí-la de outra forma, confinando as imagens num determinado enquadramento, selecionando a realidade: vozes, emanações, às vezes idéias. Segundo Carvalho (In Kehl: 1979-1980, p. 53), o “realismo”, “realidade brasileira”, “vida real” passam a ser, nessa década, as grandes ban27
ambientadas no que a autora denomina de “passado recente” foram produzidas em momentos diferentes dos últimos 15 anos, alternando sentimentos de otimismo e pessimismo no que diz respeito ao processo de consolidação de uma nova ordem – democrática – pós-regime militar. É no interior da programação das minisséries que será construída uma história do Brasil recente, lado a lado com produções que retratam outras fases da história nacional, além de aspectos da sociedade contemporânea. Realizam-se, nesse formato, trabalhos de caráter mais autoral, com um investimento maior na qualidade. Exibidas num horário de menor audiência para um público, em princípio, mais seletivo, as minisséries trazem a marca de um produto nobre, que será ainda beneficiado, ao longo da década de 1990, pela introdução de novos recursos técnicos que procuram, crescentemente, aperfeiçoar a verossimilhança.
numa conjuntura pós-regime militar, distinta daquela na qual a Empresa foi criada e teve o seu poder consolidado, que a história brasileira dos últimos 50 anos passa a ser representada em seis minisséries exibidas entre os anos de 1986 e 1998, no tradicional horário após as 22h. Partindo do pressuposto de que a Rede Globo torna-se uma narradora da história do Brasil recente, ao construir um discurso sobre a Nação em sua programação ficcional, essas minisséries, segundo a autora, são uma narrativa ficcional que constrói uma memória da história recente nacional, elegendo momentos específicos que permitem a abordagem de temas que se ajustam às demandas da conjuntura de produção e exibição. Para a autora, a forma como as minisséries falam do passado significa uma forma de falar sobre o presente, num processo de espelhamento típico de uma representação alegórica. As minisséries
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3 Telerrealidade no telejornalismo da Globo
porque a pessoa que cometeu o crime está foragida. Desde uma estrutura de drama numa construção de espetáculo, o programa adotou uma fórmula que é usada pelo restante da Emissora para abordar esse tipo de assuntos. Os acontecimentos são desconstruídos e novos acontecimentos são construídos com uma referência na realidade e uma grande quantidade de elementos telerreais.
A construção do Telebrasil teve um lugar importante através do telejornalismo da Globo, que por excelência é o espaço da emissora para “mostrar” o País. O material com que o Brasil da Globo é construído surge a partir da década de 60 e chama-se de Padrão Globo de Qualidade. Um padrão estético que consiste numa forma de organizar os diversos elementos dentro da produção da Emissora, que cria uma ambiência afetiva com os telespectadores e desenvolve um gosto. Esse padrão caracterizado pela limpeza e assepsia apresentou, ao longo dos anos, um Brasil clean. Através da apresentação de notícias, ao longo de três horas diárias, em programas que duram de dois a 45 minutos, a Rede adotou um modelo que relaciona diversas formas de apresentar a notícia como o drama, os faits-divers, os “fatos-ônibus” e, sobretudo, o espetáculo. O telejornalismo na Globo foi o primeiro a ter a possibilidade de transmissão em tempo real para todo o País. Esse fato e a forte retórica “brasileira” do telejornalismo e de toda a Emissora, junto com sua capacidade de transformar tudo em entretenimento e sua alta qualidade técnica, além de uma liderança absoluta, lhe deu uma certa identificação das imagens por ela veiculadas com o Brasil. E se “a realidade é TV e a TV é mais que a realidade”, o Brasil é a Globo (especialmente o Jornal Nacional, mas não só) e a Globo é mais (Brasil) que o Brasil. A partir de algumas experiências anteriores em telejornais que seguiram a mesma orientação, a Emissora colocou no ar, em 1999, um telejornal com características um pouco diferentes das mencionadas até aqui. O Linha Direta surgiu como programa de utilidade pública e com conteúdo “popularesco”. O programa mostra casos de crimes (geralmente assassinatos) que ainda não foram totalmente resolvidos pela justiça,
3.1 O Padrão Globo de Qualidade Boni foi um dos responsáveis por criar e implementar o Padrão Globo de Qualidade (PGQ), marca industrial e identidade visual da Rede. Segundo ele (apud Kehl,1986, p. 186), o PGQ é a forma da Globo se relacionar com o público e os patrocinadores. Para habituar o telespectador a ver nosso canal, precisamos colocar no ar um produto que você e o mercado estejam dispostos a consumir. E você e o mercado têm que confiar que, assim que aquele produto acabar, vai ser substituído por outro que mereça igual confiança. Na relação do hábito, passa a existir também a afetividade.
Ou seja, o hábito de uma programação fixa e repetida por parte da Emissora – aquelas pessoas estão sempre naquele horário nas nossas casas, sem falhar – cria o afeto nos telespectadores, que, ao mesmo tempo, reforça seu hábito e sua “fidelidade” à Emissora. Essa nova visão levou a Globo a uma série de mudanças, adotando em sua grade de programação a horizontalidade e verticalidade inventada pela TV Excelsior, para criar espaços permanentes nos quais alimentou essa relação afetiva com o telespectador e comercial com o patrocinador. A Rede burocratizou suas decisões artísticas, criando diretores de núcleo, diretores gerais de
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hoje se conhece como a “linguagem da televisão”, foi o que deu a grande diferença com a linguagem teatral. Com o VT, a Globo adquiriu fórmulas e vícios. A improvisação e a espontaneidade foram desaparecendo. Limpeza visual tornou-se sinônimo de boa qualidade. A ausência de ruídos, acidentes, interferências, pequenos momentos em “branco” e imperfeições. Foi esse um dos primeiros passos para a construção de um Telebrasil limpo, com brilho, sem ruídos, sem “brancos”, sem acidentes nem interferências, sem cortes na edição, portanto, transparente, um Brasil “real”. A presença de malabarismos visuais, a utilização obrigatória de música, a impossibilidade de silêncios, a voz em off anunciando o próximo programa, enquanto os créditos e a música-tema do programa que apenas terminou ainda estão no ar, o plim-plim junto da logomarca e o “Globo e você tudo a ver” de antigamente, ou o “A gente se vê por aqui” de hoje. Tudo isso compõe a marca do PGQ. Padrão que se torna mais forte que o conteúdo de sua programação na determinação da preferência (e da formação de hábito) do espectador. A Globo se transforma, assim, numa emissora “séria”, que promete não dar baixaria (e realmente não dá... baixaria técnica), como avalia Kehl (1986, p. 247), sendo que ela se transforma numa emissora à altura de participar do ambiente da nova sala-de-estar, onde o ouvinte de classe média dos anos 70 brinca de futuro executivo de sucesso, enquanto acompanha os comerciais de cadernetas de poupança. Diversos autores concordam que o PGQ foi quem resolveu de vez os grandes problemas brasileiros de miséria e desigualdade econômica, social e cultural – dentro da telerrealidade Global –, é claro. Para Valter Avancini (apud Kehl, 1979-1980, p. 99-100), o PGQ tornou-se um parâmetro de “perfeição”, de “eugenia”, de “limpeza de imagem”, o que concorreu, tanto quanto a censura oficial, para abortar ou alterar projetos de veiculação da realidade brasileira. Para Suzana Kilpp (2001, p. 34-35), nessa linguagem/formato efetuou-se uma:
departamento e por aí a fora. Isso acarretou uma homogeneização de estilo, como lembra Gilberto Braga, um dos criadores de novelas globais (In Almeida-Araújo, 1995, p. 29). Dessa forma, o PGQ, um padrão que se constitui na marca visual da Emissora, foi incorporado em 1973. Mas não foi essa mudança que a transformou em líder de audiência. A Globo já tinha conquistado a audiência através de programas de cunho popularesco. Nos primeiros anos, buscou todas as formas de comunicação da época sem nenhum pudor, igual às outras emissoras. Ela mantinha programas como O homem de sapato branco; e apresentadores como Longras; Sílvio Santos; Dercy; o Chacrinha, e as novelas mexicanas da Glória Magadan. O padrão estético da Globo, até então, era marcado pelo grotesco, da mesma forma que o das outras emissoras. Depois, a TV Globo começou a escolher um público privilegiado, um público consumidor dos novos e mais sofisticados produtos dados ao consumo, como automóveis e eletrodomésticos. A partir daí, começou a se estruturar não em termos de mudar a qualidade de sua programação, mas em termos de estética. Dessa forma, foi criando uma nova grade de programação, perpassada por uma estética da classe média, mantendo o mesmo nível de qualidade, como lembra Valter Avancini (apud Kehl, 1986, p. 244). No entender de Avancini, a programação da Globo teria sido vestida pela eletrônica, pela alta qualidade tecnológica. Com isso, nós passamos a ter mais cuidado com a programação, ou seja, a vestir os programas (...) Ela tem uma linguagem que foi determinada pelo equipamento, ou seja, a eletrônica criou a imagem da Globo. A sua linguagem é representativa do tipo de câmera que ela tem, do tipo de croma que ela usa. O resto é igual... Não é o profissional criando a partir do equipamento, é o equipamento se impondo, e ele mesmo sendo a linguagem.
Nessa tecnologia de ponta, o VT foi o primeiro a possibilitar uma linguagem muito diferente da antiga programação ao vivo. Os cortes na edição permitem muito mais agilidade na seqüência das imagens; o mosaico visual ininterrupto, que
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despolitização das imagens, uma diluição das diferenças e desigualdades num universo de imagens assépticas e folclorizadas de um Brasil (pobre, mas) moderno e unitário, todo ele belo, jovem e bronzeado em Copacabana. Esse imaginário, tecnicamente forjado em estreita vinculação com o marketing, o apoio do Governo e das agências de propaganda, deslegitimou todas as demais linguagens/formatos de imagens televisivas.
nas quais o público vê a TV. Já que, como lembra a autora, para entrar no mundo da tevê, as pessoas não precisam mais criar um ambiente, como a sala escura (assim era quando a TV tinha pouca nitidez de imagem, depois os aparelhos se aperfeiçoaram). Não precisa criar um clima “sacro” de silêncio diante do vídeo, (apesar de que ela ocupa um lugar no centro das atenções). Pode-se conviver com os barulhos do jantar, do telefone, das crianças. Ao mesmo tempo que a televisão não exige nenhuma ruptura com o real imediato (como o cinema, a literatura, o teatro, o museu), ela envolve completamente o telespectador sem ele sair do mundo “real”.
Para Maria Rita Kehl (1979-1980, p. 13), a linguagem Global não só influenciou as outras linguagens televisivas, mas também toda a produção artística de massa.
Na Rede Globo, como em outras emissoras também, esse converter tudo em entretenimento e espetáculo está, muitas vezes, perpassado de mediocridade e banalização, como se fossem uma única linguagem. É como se a Emissora tentasse dizer, em grande parte de seus produtos, que o massivo (e o comercial, que as massas consomem) só pode acontecer nivelando-se no mais baixo. Essa retórica de que a banalização é um atributo do massivo parece ser compartilhada por, inclusive, emissoras educativas, que o assumem pelo outro lado, quase demonstrando que a “qualidade” em televisão só é possível desnaturalizando o veículo, no sentido de deixar de lado o entretenimento e os recursos tecnológicos. Como se programas de qualidade levassem, necessariamente, a pouca audiência e a uma linguagem racional, abstrata e excludente. Seguindo esse raciocínio, parece que só há dois caminhos: a opção pela banalização massiva e altamente tecnologizada, ou a qualidade racionalista altamente excludente e com pouca tecnologia10. Portanto, com seu PGQ, e mais no geral, a Rede Globo optou por uma estética primeiro-mundista, uma estética clean. Um dos exemplos mais claros do uso do clean está na logomarca da Emissora, o globo virtual de Hans Donner, cujo movimento é seguido pelo toque sonoro do plim-plim eletrônico. Segundo Esther Hambur-
Essa imagem glamourizada, luxuosa ou, na pior das hipóteses, antisséptica (quando é imprescindível mostrar a pobreza, convém, ao menos desinfetá-la: em vez de classes miseráveis, um povo “humilde porém decente”, para não chocar ninguém) contaminou a linguagem visual de todos os setores da produção cultural e artística que se propõem a atingir o grande público.
Eu acrescentaria que essa linguagem/formato, além de contaminar as outras emissoras e a produção artística de massa, em maior ou menor medida, contaminou o gosto dos brasileiros, além de sua forma de ver/interpretar o Brasil. Um outro aspecto a ter em conta na hora de falar do sucesso da Emissora, é que o grande mérito inovador da Globo foi ter percebido, antes das outras emissoras, que um programa de televisão pode se dar ao luxo de tratar de conteúdos mais ousados, mais atuais, mais “realistas”, se souber transformar tudo em objeto de distração. Para Kehl (1979-1980, p. 14), distração é, literalmente, aquilo que o público consome distraído, entre um comercial e outro, entre a sobremesa e o cafezinho, entre o noticiário esportivo e as chamadas para a próxima novela. Essa predisposição privilegiada do veículo para o entretenimento e para a distração está dada pelas condições ambientais de máxima exposição, na qual a TV desenvolve sua relação com o público, e pelas condições de intimidade
10 A própria Globo contradiz essa premissa com diversas exceções, apresentando produtos massivos de muita qualidade tecnológica e social. Existem, de vez em quando, na Emissora, obras de alto valor social, no sentido em que Walter Benjamin (1985) entendia o valor social de uma obra de arte: maior será o valor social da obra quanto menor é a distância entre fruição e crítica.
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vo do objeto visado. Ou seja, não propicia apenas uma privada percepção sensorial do fenômeno, mas principalmente o descobrimento público e reeducativo do que nele se tenta ocultar. É, assim, um recurso estético para desmascarar convenções e ideais, ora rebaixando as identidades poderosas e pretensiosas, ora expondo de modo risível ou tragicômico os mecanismos de poder abusivo (Ibid, p. 69). A Rede Globo, sem deixar de ser clean e sem abandonar seu PGQ, que dá sua reputação de “qualidade” em todos os produtos, tem adotado, em alguns dos seus programas, o grotesco chocante, especialmente desde que as outras emissoras ganharam audiência com essa estética. Sodré e Paiva (2002, p. 139) comparam a televisão do grotesco chocante a uma feira pública de variedades e, ao mesmo tempo, questionam: por que essas variedades têm necessariamente tal padrão? O que condiciona o tal “contrato de leitura” da tevê com seu público? Eles respondem a essas perguntas, dizendo que a TV não é espelho de realidade nenhuma, exceto de si mesma, e que o que o espectador de TV consome é o ato de ver, de espiar, de satisfazer-se escopicamente. O que se poderia chamar de “desejo audiovisual” é esse movimento de espiar o mundo ou as imagens, somente pela pulsão do olhar, independentemente dos conteúdos ou dos significados. A mirada concentra-se sobre o chocante na televisão do mesmo modo que sobre o malabarista de feira pública ou sobre o acidente na beira da estrada. Os autores sintetizam sua teoria, dizendo que as emissoras tendem a seguir apenas a lógica da captação do olhar, por mais grosseira e rebativa que seja. Para os autores, o uso dessa estética na TV atua sobre o imediatismo da vida cotidiana e incorpora-se à idéia que o indivíduo tende a fazer de si mesmo e de seus pares. Nesse contexto, a ótica do grotesco suscita o riso cruel, massivo, pretensamente democrático, em que antigos objetos de indignação (miséria, opressão, falta de solidariedade, descaso dos poderes públicos, etc) recaem na indiferença generalizada (Ibid, p. 132). O grotesco chocante permite rir do sofrimento, da dominação, da brutalidade, do ridículo alheio – como se fosse passada a mensagem
ger (1998, p. 448), a vinheta da Globo se posiciona entre iguais (à diferença do indiozinho da TV Tupi, por exemplo, com uma antena de cocar, feito à mão livre, que indicava apropriação de uma tecnologia exógena). A logomarca manifesta a intenção de quem está perfeitamente atualizado e apto não só para receber imagens com autonomia, mas também para emitir imagens para o mundo. Os tons metálicos da vinheta high-tech expressam sua disposição positiva para com a modernidade que o meio televisivo “antena”. O plim-plim sugere a inclinação a dominar as regras da globalização (Ibid).
Para Sodré e Paiva (2002, p. 34), uma categoria estética é um estado afetivo, uma forma de organizar os diversos elementos artísticos dentro da obra. Os mesmos elementos, diversamente combinados, produzem efeitos artísticos diferentes em sua qualidade própria. Um sistema coerente de exigências para que uma obra alcance determinado gênero (patético/trágico/ dramático, cômico/grotesco/satírico) no interior da dinâmica da produção artística. A categoria responde tanto pela produção e estrutura da obra quanto pela ambiência afetiva do espectador, na qual se desenvolve o gosto, na acepção da faculdade de julgar ou apreciar objetos, aparências e comportamentos. Conforme os autores, em televisão, predominam hoje duas categorias estéticas, padrões de programação que não necessariamente são excludentes: o “de qualidade”, ou seja, esteticamente clean, bem comportado em termos morais e visuais e sempre “fingindo” jogar do lado da “cultura”; e o do grotesco, em que se desenvolvem as estratégias mais agressivas pela hegemonia da audiência. Ao mesmo tempo, poderíamos diferenciar duas modalidades expressivas diferentes do grotesco. O primeiro é o grotesco chocante, tão próprio da televisão brasileira, voltado apenas para a provocação superficial de um choque perceptivo, geralmente com intenções sensacionalistas. Esse tipo de grotesco é definido por Sodré e Paiva (Ibid, p. 139) como um particular rebaixamento de padrões e valores num espaço televisível. Haveria uma outra modalidade de grotesco, o grotesco crítico. Ele dá margem para um discernimento formati32
tonia com o Governo da época, a identidade do telejornalismo da Emissora: “O Jornal Nacional da Rede Globo, um serviço de notícias integrando um Brasil novo, inaugura-se neste momento”. A Globo gasta 40% de seu orçamento em jornalismo. A Emissora tem sucursais em Londres, Nova York e mantém mais de 2 mil jornalistas profissionais ganhando altos salários por conta de alguns importantes programas. O Bom Dia Brasil, de manhã; o Jornal Hoje, ao meio-dia; o Jornal Nacional, no horário nobre; e à meia-noite, o Jornal da Globo. Semanalmente, tem ainda o Fantástico, aos domingos, e o Globo Repórter, nas sextas-feiras. No conjunto, embora as 89 emissoras afiliadas à TV Globo tenham que apresentar notícias locais todos os dias, a programação é produzida no Rio e em São Paulo. Na sua concepção de notícia, a Globo criou um novo modo de apresentação, que incutiu no telespectador uma forte ligação entre jornalismo e espetáculo, forma construída tecnicamente e fortalecida pela entrada da cor na TV. Num estudo comparativo entre telejornais de diferentes emissoras, Rezende (2000, p. 269) apontou algumas diferenças no telejornalismo Global. Segundo o autor, no JN, por exemplo, a figura do editorialista e do entrevistador não existem, assim como o tempo dedicado às sonoras (quando falam os personagens da notícia) em função de maior número de apresentadores das notícias. As referências a outros telejornais e programas da emissora e as matérias ligadas à prestação de serviços de utilidade pública foram mais freqüentes no JN que nos jornais de outras emissoras. Ribeiro e Botelho (In Kehl, 1979-1980, p. 93-102) fazem uma descrição dos elementos que redefinem o conceito de notícia para a Globo. Segundo eles, a boa imagem passou a representar um dado importante no critério de seleção do noticiário, ou, pelo menos, influir no tempo de duração da matéria: se o filme tinha bom contraste, belas cores, foco perfeito, então valia a pena estender a reportagem. A maneira com o telejornal organiza o mundo é comandada pela tecnologia. Cobrindo um fantástico volume de assuntos, o Jornal Nacional se
sub-reptícia de que nada de humano pode mais se esperar do Outro, e de que a seriedade indignada não leva a parte alguma. Para os autores, a impotência humana, política ou social de que tanto se ri é imaginariamente compensada pela visão de sorteios e prêmios financiados pelos patrocinadores dos programas. Em face do sentimento crescente de que nenhuma política de Estado promete ou garante mais o bem-estar coletivo, a desesperança das camadas mais baixas das classes periféricas é amenizada por jogos que envolvem a providência e o destino.
3.2 O telejornalismo na Globo O telejornalismo da Rede Globo de Televisão é um dos espaços fundamentais de construção do Brasil da Globo. A Emissora criou um padrão telejornalístico tão forte que estabeleceu-se como novo modelo de telejornal, que as outras emissoras querem alcançar, e também transformou-se em referencial para a produção acadêmica e para a formação de jornalistas na área de televisão. Além de unificar o País em tempo real, o jornalismo, na Globo, tornou-se uma escola de interpretação e tratamento do real, uma espécie de formato para aplicar na realidade, uma forma de ver e interpretar – numa única ação – os fatos. Sem fugir da linguagem Global, os telejornais, como os outros programas combinam realidade e ficção. Eles usam os artifícios das emoções para obter um telespectador mais seduzido, assim como também estão perpassados do clean e, em algumas ocasiões, do grotesco chocante. Também o telejornal constrói uma ambiência, um “relacionamento” afetivo e próximo do interlocutor; o objetivo é, como em toda a programação, conquistar a atenção do telespectador para que permaneça ligado à Emissora. O telejornalismo Global, na forma em que hoje o conhecemos, remonta ao primeiro jornal emitido em tempo real para todo o País. Em 1º de setembro de 1969, o Jornal Nacional (JN) estreava, em rede, para todo o Brasil. Sua frase de impacto na abertura mostra, além de sua fina sin33
madamente um minuto e vinte segundos. Mas diante da tela o espectador não tem essas preocupações. Ele é capaz de contar, com detalhes, como aconteceu um assassinato porque viu uma reconstituição. Ainda há outras fórmulas usadas pelo telejornalismo da Globo, como, por exemplo, o uso de notícias fait-divers. Esse formato é facilitado pela emoção que a tevê permite passar aos telespectadores. Até as notícias aparentemente distantes, como as informações internacionais, podem ser atrativas, se relatarem tragédias. O Fantástico, por exemplo, tem uma forma muito definida de trazer a notícia para dentro do seu espetáculo. Ele fornece um bom exemplo dessa grade de fait-divers aplicada à leitura de acontecimentos reais. Um de seus responsáveis estabelece uma espécie de pauta geral na qual se baseiam para selecionar assuntos e temas fantásticos; o programa é especialista em noticiar coisas que acontecem de fato, mas sem importância relativa no contexto dos acontecimentos sociais. Os fait-divers, na televisão, têm essa característica: tornam-se o próprio modelo de interpretação dos fatos. Os espetáculos noticiosos da Globo estão sempre comandados por um “mestre de cerimônias”, interlocutor que estabelece um contato familiar com os telespectadores. Foi o Jornal Nacional quem afirmou a importância do âncora. Ele acostumou milhões de telespectadores com um rosto, uma voz, uma forma de dizer a notícia. O Jornal Nacional esteve indelevelmente ligado durante trinta anos à imagem de seu locutor-mestre. O homem especialmente trabalhado para dar “credibilidade à notícia”, tal como credibilidade é entendida segundo o padrão Global, foi Cid Moreira: risonho, bem vestido, bonito, segundo um estereotipado padrão de beleza, que, respeitosamente, entrava todas as noites de terno e gravata em 90 por cento dos lares brasileiros, digno da maior confiança. Para Elisabeth Carvalho (In Kehl, 1979-1980, p. 33), Cid Moreira caracterizava o novo estilo de telejornalismo da década de 70: este porta-voz impecável e quase sempre imune à emoção fez parte, na
marcou também pela fragmentação da informação. Dizem sobre isso os autores que um depoimento de 40 segundos no ar, por exemplo, era considerado extremamente longo. O padrão estético adquirido pela Emissora também incidia sobre a notícia, sendo que pessoas com defeito físico ou de ar muito miserável deveriam a todo custo ser evitadas no vídeo. No Jornal Nacional, o povo era bonito e bem alimentado. O otimismo, a idéia de um Brasil grande e decididamente unificado, riscado da lista dos países subdesenvolvidos e agora encabeçando, graças ao “milagre brasileiro”, o bloco dos intermediários, quase roçando o desenvolvimento – esta era a imagem que o principal telejornal do País deveria alimentar (Ibid, p. 33).
Além disso, é preciso considerar que a Globo é líder na utilização de recursos ficcionais. A Emissora categoriza as formas de remontagem do cotidiano em três tipos: simulação, versão e reconstituição. Segundo Marilene Mattos (2001, p. 8), há diferenças claras entre as três formas. As simulações são baseadas em apenas uma hipótese e sem dados concretos de como aconteceu o episódio na realidade, isto é, as cenas exibidas são imaginadas pela Emissora, e o uso de simulações é mais freqüente no programa Linha Direta, como veremos no próximo capítulo. Já a versão é para os casos de histórias conflitantes, em que prevalecem mais de uma hipótese, como as cenas exibidas sobre o assassinato de PC Farias. Na época, a Rede Globo mostrou como aconteceu o crime em várias versões, todas com presença de atores. Já nos casos em que as informações são incontestáveis, a denominação dada é reconstituição. Segundo a autora, apesar dos cuidados técnicos para distinguir as imagens captadas a partir de uma reconstituição daquelas feitas sem necessidade de encenação, a reconstituição continua sendo atraente para o espectador enquanto espetáculo. Ele não tem preocupação em saber que tipo de “realidade” há atrás da encenação, se os gestos feitos pelos atores correspondem à ação dos envolvidos no verdadeiro fato. O ritmo da televisão faz com que o veículo concentre as informações em um tempo curto, de aproxi34
ela quem garante o equilíbrio e estabelece o nexo entre os mais variados assuntos abordados pelo telejornal. É um ponto de referência, um nexo entre todos os assuntos apresentados: de fato, é ele ou ela a quem a câmera retorna após cada reportagem. São pessoas equilibradas, sérias, muito bem apresentadas, de idade média; não há louras nem louros apresentando telejornais, sugerindo que os morenos sejam de maior credibilidade (na Emissora, há uma divisão bastante clara nesse sentido: as morenas de cabelos lisos apresentam os telejornais – com a ecepção de Glória Maria, apresentadora do Fantástico, que é negra –; as louras apresentam programas infantis ou atuam em programas de humor: a associação poderia estar relacionada ao imaginário da “loira burra” já que elas aparecem sempre associadas a um papel que não precisa de desempenho intelectual). A seriedade e a credibilidade são construídas por formas de vestir, por cores, por tons de voz, gestos e luzes... A forma da Globo de fazer telejornalismo e de abordar os acontecimentos, descrita até agora, influenciou as outras emissoras. Segundo Carvalho (In Kehl, 1979-1980, p. 39), diante desse modelo de telejornal apresentado pela líder em audiência, as demais emissoras, na ânsia de reconquistar um público que maciçamente transferiu sua preferência para a programação global, cairiam fataImente na cópia. E, como nenhuma delas jamais conseguiu dispor de condições técnicas capazes de levar ao ar o show telejornalístico iluminado pelo brilho de paetês e nacarados, a cópia era invariavelmente ruim, mal-acabada e pobre. No que se refere à literatura sobre telejornalismo, também foi influenciada pelo jornalismo da Globo. Obras de referência, sobretudo, para o ensino de Telejornalismo nos cursos de Comunicação Social e para o iniciante na prática do jornalismo em televisão, parecem ter sido inspiradas na obra em que também se baseou o Manual da TV Globo (outra consulta recorrente para estudantes e professores de graduação), Television News, de Irving Fang. Publicado em 1972, o livro poderia ser considerado o “Manual dos manuais”, já que traz uma série de recomen-
verdade, de todo um projeto que caracterizava o novo estilo de telejornalismo. Segundo Rezende (2000, p. 173), a substituição de Cid Moreira e Sérgio Chapelin por dois novos apresentadores – William Bonner e Lílian Witte Fibe – (deixando Cid Moreira com a função dos editoriais do JN), tinha um significado de mudança na linha editorial do programa: a mudança representava o fim da era dos locutores e a valorização da presença dos jornalistas na busca para assegurar maior credibilidade ao noticiário. Para Mauro Porto, pesquisador da UNB, a Globo iniciou uma mudança no telejornal como tentativa de resgatar a credibilidade, processo que ainda está a caminho. Em recente entrevista à Agência Carta Maior, o pesquisador salienta a maior cobertura dada pela Emissora às últimas eleições presidenciais como parte dessa estratégia. Em 1995, as Organizações Globo iniciaram um movimento de recuperação de credibilidade de seu telejornalismo para tentar deter a queda da audiência. Foi quando Alberico Souza Cruz, dono de relações íntimas e promíscuas com o ex-presidente Fernando Collor, foi substituído por Evandro Carlos de Andrade no comando do Jornal Nacional. Evandro engendrou o afastamento da dupla de “locutores” Moreira/ Chapelin (Carta Maior, 4/11/2002).
Segundo o pesquisador, na época as pesquisas mostraram que o público reprovou a mudança dos locutores pelos jornalistas, mas o fato de a Emissora não ter recuado é um claro indício de que estava em curso um plano de mudança na linha editorial do programa. Porto vê no processo uma mudança não linear devido não tanto a convicções quanto a adaptação às exigências da sociedade civil. A mudança vai devagar, em 1997 e 1998, a emissora optou pela diminuição da cobertura política em seus telejornais por acreditar que a mesma vinha provocando quedas na audiência dos programas. Foi quando as notícias superficiais imperaram no JN. A cobertura do nascimento da filha da Xuxa foi uma espécie de clímax desse tipo de jornalismo.
Tanto no JN como em todos os telejornais da Globo, o âncora é uma figura essencial. É ele ou 35
construir cenas da infância do criminoso, bem como alguns de seus crimes. Essa reportagem, exibida no Fantástico do dia 22 de novembro de 1998, tanto quanto a criação do Linha Direta, enquadra-se, segundo o autor, nos esforços da Emissora para produzir índices de audiência. De fato, a reportagem deu 50 pontos de Ibope, muito mais que a média habitual de 36 pontos. Para Mendonça (2002, p. 55), Linha Direta foi inspirado no programa norte-americano 48 horas e 60 minutos, além de tomar inspiração também no rádio brasileiro – em programas como Rádio Patrulha, da rádio Globo, e Dial Paulista, com Gil Gomes – e na TV brasileira: o programa Aqui Agora, hoje extinto, do SBT, foi o grande inaugurador desse gênero na televisão, utilizando uma estratégia de representar assassinatos. O programa retoma também outras experiências televisivas como O Grande Júri, da TV Manchete, em que eram simulados todos os passos de um tribunal simbólico. Para Daniel Filho (2001, p. 341), o Linha Direta surgiu porque não havia na TV Globo nenhum programa popular com caráter de utilidade pública. Curiosamente fui pegar um programa antigo que havíamos feito em 1990: O Linha Direta: um programa forte, popular, que podia ser feito como utilidade pública e funcionar para essa determinada faixa de público. O “popular”, no caso do Linha Direta, além das características melodramáticas que o programa apresenta, mostra-se na dispensa de saberes prévios, o que o faz acessível a qualquer pessoa. Os peritos que aparecem no programa falam absolutamente claro e repetem idéias e palavras. Isso faz com que seja mais significativa sua presença do que suas palavras, e também porque geralmente seus depoimentos são antecipados ou retomados pelo apresentador ou pelo off. Um outro elemento que o faz “popular” é que, geralmente, com exceção dos casos como a morte de PC Farias, o seqüestro de Welington de Camargo (irmão de dois cantores conhecidos) e algum outro, os casos retratam dramas de pessoas comuns. Quiçá seja o único espaço da Emissora em
dações como o repórter ou redator deve considerar a audiência. Resultado da tese de doutorado do autor, é apresentada uma receita para escrever de forma clara as notícias de televisão, a ELF – Easy Listening Formula. No livro de Irving Fang, há ainda referências ao insucesso do método da pirâmide invertida no jornalismo televisivo e à utilização da repetição como recurso de linguagem e informação (Fang, 1977, p. 169). 3.2.1 O programa Linha Direta “Boa noite. Medo. Impotência. Desamparo. São sentimentos cada vez mais presentes no cotidiano de todos nós. Nós que vivemos no dia-a-dia cercados por uma violência cega, uma violência que nos oprime. A partir de hoje, você está em linha direta com seu direito, em linha direta com a cidadania”. Com essas palavras de seu âncora na época, Marcelo Rezende, o programa Linha Direta ia ao ar no dia 27 de maio de 1999, na TV Globo, iniciando com palavras que expressavam a matéria-prima que construiria um programa de utilidade pública, jornalístico e com um lugar reservado ao telespectador para ajudar a resolver os casos de criminosos que estão fugitivos da polícia. O programa chegou a estar em quarto lugar no Ibope da Rede, logo após a novela das 20h, o Jornal Nacional e o Fantástico. Kleber Mendonça (2002), em seu estudo sobre o Linha Direta, relaciona o programa à reportagem exibida seis meses antes, no Fantástico, sobre o “maníaco do parque”, o motoboy paulistano que confessou o assassinato de dez moças. Conduzida pelo repórter Marcelo Rezende, a reportagem misturou realidade, ficção, notícia e espetáculo. Tratava-se da intenção explícita da Emissora de experimentar um novo formato de abordagem dos temas da realidade. A matéria de 40 minutos foi dirigida por Roberto Talma, diretor de criação da Globo, com vasto currículo na teledramaturgia e na produção de shows, entre eles o Domingão do Faustão. As declarações do criminoso, dos parentes das vítimas e da polícia foram intercaladas ao som de uma trilha sonora macabra – com simulações que buscavam re36
que o palco se abre a esse tipo de pessoas. Claro que isso acontece nas condições demarcadas pela Globo. Por último, seguindo Canevacci (2001), o próprio excesso de off seria um elemento “popular”, porque esse excesso é próprio de mercadorias dirigidas a pessoas com pouca alfabetização visual, que muitas vezes coincide com pouca alfabetização escrita. O programa se apresenta, assim, como prestação de um serviço de utilidade pública conseguido através da participação do telespectador, explorando a abrangência e velocidade da Emissora, que a justiça não possui. Algumas vezes, tem acontecido de o foragido ser mostrado na chamada do programa e, quando ele vai ao ar, o criminoso já ter sido denunciado, no mesmo dia em que é mostrado pela primeira vez. Até o momento, 222 pessoas que foram mostradas no Linha Direta foram capturadas, embora não se saiba, ou não se especifique, quantos deles foram capturados por denúncias dos telespectadores e quantos pela continuidade do trabalho policial... Linha Direta é atualmente dirigido por Milton Abirached e apresentado pelo jornalista Domingos Meirelles. O programa conta com uma equipe de mais de 50 profissionais, além de equipes de infra-estrutura técnica, produção e pesquisa da Central Globo de Produções e Central Globo de Jornalismo. São onze repórteres e cinco unidades de produção independentes espalhados por todo o País. A construção do programa está dividida entre quatro núcleos específicos: a coordenação de jornalismo, responsável pela apuração dos fatos e redação do texto jornalístico; o núcleo de dramaturgia, que fica a cargo da direção artística; o núcleo de roteiro, responsável pelo texto final e pela organização das enquetes/reportagens; e a produção. A cada semana, o programa apresenta ao público duas enquetes/matérias sobre “crimes hediondos que chocaram a população”.11
Logo após o relato e sua ficcionalização, são transmitidas ao telespectador informações sobre o culpado ou suspeito, sendo os espectadores chamados a ajudar na solução, colaborando com alguma informação ou denunciando onde se esconde o foragido12. O apresentador veicula ao telespectador a vítima e as suas qualidades, até que aparece o vilão. Enquanto há a mudança na trilha sonora, trabalha-se o suspense e ajuda-se, juntamente com as imagens, na caracterização da maldade do criminoso, em oposição à bondade da vítima. A narrativa conduz o suspense de forma crescente até a execução do crime, antecipando e repetindo as imagens mais fortes no início dos blocos. Os roteiristas do programa entrecortam as simulações com as declarações dos parentes da(s) vítima(s), investigadores e promotores responsáveis pelo caso, assim como com material de telejornais que apresentaram alguma informação sobre o caso na época em que aconteceu. Tudo conduzido pela voz off e pelas aparições do apresentador, amarrando a trama, enquanto caminha por um cenário, que tem, nos fundos, uma tela onde está a imagem, ora da vítima, ora do foragido, e, do outro lado, o nome do programa. Outro fato que determina o encaminhamento das enquetes para o objetivo do programa – despertar a indignação do espectador e sua participação na denúncia dos culpados – é o modo como o passado dos envolvidos é apresentado. As vítimas têm sempre passado; em contrapartida, o acusado nunca tem13. Não é apresentada a família do acusado. Quando ela aparece, é apenas no contexto atual (após o crime) e acaba também sendo colocada no papel da vítima, seguindo que ele deve se entregar, que deve haver justiça e reforçando o caráter bárbaro do criminoso. Já as virtudes das vítimas são relatadas a partir de histórias da família e dos amigos, das fotos de infância, dos seus momentos de conquistas e vi-
11 A condição para fazer parte do programa é tratar-se de algum crime que não tenha sido solucionado, seja porque a justiça não pôde chegar a uma conclusão, seja especialmente porque o acusado, assassino ou suspeito encontra-se foragido. 12 É nesse aspecto que o programa pretende ser uma Linha Direta entre o cidadão e a polícia para a solução dos casos apresentados. 13 Os únicos acontecimentos a serem mostrados são antecedentes criminais, que contribuem para confirmar sua maldade.
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zados e, por vezes, extremamente redundantes, pouco informativos, sendo que a força da narrativa está muito mais presente nas simulações, nos off, nas trilhas, na rápida mudança de planos e nas participações do apresentador. Já o apresentador foge da tradicional linguagem jornalística. Sua voz nunca se mistura com a simulação. Seu posicionamento busca se identificar como o telespectador e a vítima, portanto deixa de lado a linguagem impessoal, própria dos apresentadores de telejornais. Meirelles se indigna diante da maldade da qual está sendo testemunha, e ele utiliza, seguidamente, adjetivos para descrever o criminoso, a vítima e as situações. Ou seja, ele é um interlocutor próximo, que reage indignado (sem perder a postura), como reagiria qualquer um dos telespectadores, se estivesse diante de um caso como esse. O programa apresenta, portanto, características singulares para estudar a construção da telerrealidade, porque está baseado em fatos que efetivamente aconteceram, inclusive estão ainda acontecendo porque o foragido ainda não foi justiçado – e é necessária a colaboração do telespectador. Mas, ao mesmo tempo, o Linha Direta, na sua construção, privilegia a ficção: é uma construção elaborada, intercalando a tal ponto telejornalismo e teledramaturgia que é impossível delimitar o território de cada um. Linha Direta tem uma forma muito específica de empacotar a realidade que o constitui num verdadeiro espetáculo visual. O programa é classificado na grade de programação da Rede Globo de Televisão como programa jornalístico. Seu formato inclui características de um documentário. A duração das reportagens é maior do que o tempo dado a um telejornal, mas são jornalísticas as diversas formas de abordagens utilizadas, como entrevistas, narração e simulação dos fatos. O núcleo jornalístico diz respeito à notícia tal como a entendemos classicamente no jornalismo. Trata da produção da reportagem, definição de pauta, apuração das informações. Nesse núcleo são reunidas as informações sobre o fato concreto e sobre o inquérito policial, além de serem, selecionadas as melhores
tórias. Nunca há erros por parte da vítima, sendo que essa leitura, muitas vezes, fica forçada. De maneira geral, toda atitude da vítima será compreendida e justificada, mas qualquer gesto do criminoso é suspeito. No fechamento, aparecem o sofrimento e o choro indignado dos parentes da vítima, em contraposição ao criminoso que escapa impunemente. O clima de desespero é acentuado ainda mais pela variação de densidade das imagens. Quanto maior a emoção dos parentes da vítima, mais o foco da câmera se aproxima, seja no close no rosto emocionado, no detalhe das lágrimas escorrendo, das mãos nervosas tremendo ou da boca, que, de tão emocionada, mal consegue articular as palavras. O programa como um todo simula um grande júri simbólico. As testemunhas aparecem de forma individual, sentadas, como acontece nos tribunais. A simulação (que seria a parte que careceria de verdade histórica, porque é construída com atores e tem a legenda “simulação” embaixo) é sempre veiculada junto com a voz em off, que não é a voz do apresentador. Há oportunidades em que aparece o off do apresentador, mas nunca é sobre a simulação, e sim sobre imagens de pessoas reais ou das fotos dela. A voz off, no entanto, nunca aparece nas imagens de pessoas ou fotos reais, ela está mais associada com a cena do crime. Isso, junto com a linguagem por ela usada em tempo presente e impessoal, “neutra”, que antecipa o que as personagens farão, descobrindo assim o conhecimento interno delas, cria em torno desse recurso uma espécie de ser onipresente e onividente: uma verdade inquestionável. Ela conduz a uma única leitura das imagens e, portanto, dos fatos. Com o recurso das semelhanças, a versão ficcional cria a ilusão de estar inteiramente subordinada à versão jornalística. Além das semelhanças físicas, os atores usam roupas semelhantes às das pessoas reais e outros recursos como frases ou gestos ditos pelas vozes reais e imediatamente ensinados pelos atores, o que dá a impressão de fidelidade aos fatos. Na realidade, os depoimentos dos familiares e testemunhas são desorgani38
estamos assistindo um acontecimento transmitido aqui e agora, em tempo real. Os cenários nos quais acontecem as simulações e os figurinos seguem o padrão Global e não se diferenciam muito dos cenários das novelas. Muitas vezes, eles não coincidem com o entorno de onde os familiares e as testemunhas falam, embora o ambiente real (casa, bairro, móveis) onde estão os familiares das vítimas tenda a ser ocultado com os closed. Nas simulações, há planos mais abertos e podem-se ver salas, banheiros, casa, móveis, etc. Em todos os casos, os tipos de crimes são sempre familiares-passionais, motivados por inveja, traição, taras, e praticados por psicopatas desequilibrados ou usuários de drogas. Não existem outras dimensões da vida das pessoas, que são as que dariam uma originalidade a cada programa. Os criminosos que se encontram foragidos nunca são “bandidos de carreira”, mas pessoas “comuns”, que acabam cometendo crimes cujas vítimas são ligadas por vínculos amigáveis, familiares ou afetivos. Isso possibilita um tipo de construção mais orientada para o entretenimento e o voyeurismo do que para a informação. A dramatização constrói a história a ser contada. É nela que está a real imagem com a qual o telespectador fica em relação ao crime, porque é nela que são mostrados e ditos os fatos que “realmente” aconteceram. A Emissora abre aqui um raro espaço para atores desconhecidos. Milton Abirached, diretor de Linha Direta, em entrevista à Revista da TV (5/5/2002), disse que o elenco é escolhido com todo cuidado pela produção do Linha Direta. Os atores precisam ser parecidos com os assassinos ou suas vítimas e, para não perder o realismo, não devem ser conhecidos do público. Se o Tarcísio Meira fizer um bandido, ninguém vai acreditar que aquele caso aconteceu. Kléber Mendonça (2002) chama a atenção para muitos casos em que são incluídas cenas impossíveis de comprovação (porque a vítima foi assassinada, e o assassino está foragido, e não houve testemunhas). Essas cenas, segundo o autor, são criadas para colaborar na construção de um determinado perfil do acusado. Há em todos
declarações dos parentes das vítimas, do delegado responsável pela investigação, dos juízes e promotores. É esse núcleo o responsável pelas declarações reais, pela seleção dos vídeos caseiros e das fotos das famílias, pelas reportagens anteriores sobre o crime (retiradas do arquivo da própria Emissora), enfim, de todo conteúdo tradicionalmente informativo, incluindo o texto do apresentador. Mesmo que seja o Departamento de Jornalismo quem elabora os textos do apresentador, o programa abre mão de alguns recursos básicos da linguagem jornalística, como o lead, a linguagem direta e o esquema da pirâmide invertida. Mas não abandona, em nenhum momento, o seu papel de “veiculador da verdade”, através de outros recursos. As pautas são elaboradas a partir de sugestões dos jornalistas, telespectadores e da própria polícia. No contato diário com delegacias e investigadores, acabam se detectando casos mal resolvidos, cujos detalhes são interessantes ao programa. Após ser definida a pauta, o Centro de Documentação fica encarregado de levantar todos os dados sobre os crimes: circunstâncias, histórias das vítimas, precedentes dos criminosos, testemunhas, pendências policiais, repercussão na comunidade. A partir de então, são montadas as histórias que farão parte da edição do programa. Já o núcleo da teledramaturgia constitui-se como o responsável pela produção técnica das imagens da simulação dos eventos que levarão ao crime e do próprio crime, a partir de uma linguagem melodramática, fundamentada no grotesco chocante. Nesse cenário, o bem e o mal se encontram, e o resultado será fatal para o bem, que será vencido pelo mal, até então impune. A encenação está baseada nos dados obtidos (e selecionados) pelo núcleo de jornalismo. Os atores, lugares, carros e placas, etc. são representados, o mais semelhantemente possível, com os reais, e as personagens são chamadas com os nomes das pessoas reais. Simultaneamente há um apagamento do tempo e, com ajuda do off, há um efeito de aparente autonomia das imagens em relação à sua construção midiática, dando a sensação de que 39
lise, identifiquei os elementos comuns nas diferentes edições do programa e, depois, escolhi o programa de 25 de abril para analisar mais especificamente. A escolha desse programa deve-se a que ele mostra os quatro momentos diferentes do programa com muita clareza. Em primeiro lugar, dois crimes que abordam situações particularmente preferidos pelo Linha Direta: o primeiro é violência contra uma criança, e o segundo, uma chacina, fruto de uma paixão não-correspondida. Após esses dois casos, um criminoso que já fora detido “porque você denunciou”, é mostrado e interrogado, além de serem repetidas as simulações já veiculadas em programa anterior, quando o foragido foi mostrado pela primeira vez. Há, também, um epílogo didático, ensinando o uso da internet, para que os telespectadores entrem em contato, denunciem e votem na interativa da semana. Poderíamos dizer, então, que essa é uma edição bastante expressiva da proposta editorial do Linha Direta.
os programas uma construção de um perfil, tanto do criminoso quanto da vítima, com características praticamente idênticas de um programa para outro. O recurso da simulação, embora eu ache que seja o mais diretamente responsável pelos detalhes da construção da personalidade do acusado e da vítima, colabora, sobretudo, para dar a ilusão de visibilidade total, de sociedade transparente. É a simulação que dá ao programa o caráter espetacular, no sentido de entretenimento, que gera tensão, seduz e concentra a atenção do telespectador. Da forma como se organizam seus elementos, o programa vai seduzindo a ponto de fazer com que o telespectador queira saciar uma curiosidade visual, ou seja, queira ver como foi que aconteceu o crime. Para realizar essa pesquisa, gravei seis edições do programa, exibidas nos dias 14 e 21 de março, 4, 18 e 25 de abril e 2 de maio de 2002, além de acompanhar quase todos os programas exibidos de março a outubro de 2002. Numa primeira aná-
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4 Telerrealidade no Linha Direta
Esse caso conta a história de uma mulher separada, com uma filha pequena, que é insistentemente assediada por um amigo da família a quem ela rejeita. O homem não correspondido descobre que a mulher que ama tem um romance com um amigo dos dois. O caso acaba no homicídio da mulher, de seu parceiro e de uma amiga dela, que na ocasião estava junto com eles. O assassino tenta também matar a filha dela, mas um vizinho consegue salvá-la. O criminoso está foragido, mas quase no fim do programa aparece uma legenda dizendo que ele se entregou à justiça pouco antes de o programa ir ao ar. Depois de acabar o segundo caso com as devidas chamadas à denúncia, é mostrado Macony Lima da Silva, um dos culpados pelo assassinato de um promotor de eventos, que fora apresentado no Linha Direta no início de 2002. É mostrada uma entrevista com o acusado, junto com as imagens da simulação já veiculadas quando foi abordado o caso. Para encerrar o programa, o apresentador, na tela que está no cenário, mostra a página na Internet do Linha Direta, explicando como usá-la e chamando os telespectadores a entrarem na página para pedir informações sobre outros foragidos, participar da enquete, etc. Para esta análise, abordarei, em primeiro lugar, a introdução geral e a abertura do programa como a mais clara apresentação da proposta editorial do Linha Direta em geral e deste programa em particular. Mas a atenção maior desta análise será colocada nos dois casos apresentados no dia, comparando diversos aspectos indicados por alguns autores. Na abordagem dos dois casos, seguirei a sugestão de Arlindo Machado (2000, p. 108) de verificar se existe alguma hierarquia entre as diversas vozes que se rivalizam na arena do telejornal, para saber o grau de polifonia que ele
O programa do dia 25 de abril de 2002 poderia ser dividido em cinco momentos: a introdução; a abertura; a apresentação dos dois casos; a entrevista com um homem que foi capturado após ser mostrado no programa, veiculada junto com as simulações do crime; e o convite a entrar em contato com o programa através de denúncias, de sugestão de casos ou para votar na enquete do dia, referida a um dos casos. Essa forma de dividir o Linha Direta em cinco momentos não está relacionada aos blocos do programa ou à duração desses momentos, mas sim à tentativa de abordar elementos diversos que o programa apresenta. Como introdução, aparece uma série de relatos (visuais e auditivos) de grande impacto, que constitui um resumo dos dois casos que serão apresentados e que, ao mesmo tempo, são uma colagem das cenas mais chocantes do programa. Essa introdução foi realizada em 30 segundos e em 17 planos. Logo após a introdução, acontece a abertura do programa. Em 12 segundos, gráficos computadorizados se misturam com imagens policiais, o nome do programa, o número da linha telefônica para denúncia e os créditos do programa. Imediatamente, é apresentado o primeiro caso. Mostra a história de um estudante de medicina que espanca um bebê de oito meses que foi hospitalizado por um caso de diarréia. A criança é hoje um adolescente que está cego e deformado. O criminoso está foragido. No fim do bloco, há um breve resumo do segundo caso, com imagens diferentes das mostradas no início. Antes dos comerciais, também são mostradas as imagens de um foragido capturado pela denúncia do público. Após o intervalo, começa o desenvolvimento do segundo caso.
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numa mulher, enquanto ela grita, pedindo socorro. Ao mesmo tempo, a voz off diz: “Um jovem resolve matar a quem encontra pela frente”. Na seqüência, aparece o apresentador Domingos Meirelles, no centro do cenário, em pé. Com o olhar fixo na câmera, ele diz: “A família das vítimas (...) pede justiça”. Aparece a imagem de um homem sentado numa cadeira, chorando, que diz: “Eu queria perguntar por que ele fez isso com meu irmão”. Novamente entra o apresentador em cena dizendo: “E ainda (...) crime no berçário”. Há uma imagem de uma sala de hospital e uma enfermeira olhando para dentro dessa sala enquanto grita aterrorizada: “Flávio!”. Um homem com roupas de médico está diante de um berço com um bebê. A voz off diz: “Um estudante de medicina é acusado de espancar um bebê internado num hospital”. Aparece a imagem de uma mulher sentada, do lado de uma mesa, com uma estátua religiosa. Ela diz: “É que meu filho nasceu perfeito”. Novamente a presença do apresentador dizendo: “O crime assustador (...) ainda continua sem punição”. Na seqüência, aparece um homem sentado na frente de estantes com livros. Ele diz: “Eu considero ele uma pessoa cruel, fria e calculista”. Encerrando, aparece o apresentador dizendo: “Tudo agora (...) em Linha Direta”. Nessa introdução foi colocado, inicialmente, o segundo caso a ser mostrado, que apresenta cenas mais chocantes e violentas e, em segundo lugar, o primeiro caso. Na edição desse material, foi impresso grande ritmo à narrativa. O trecho tem como fundo a trilha do programa que mistura ação e suspense. A trilha, junto com os ruídos usados, seja o tiro, os gritos, os ruídos de ambientes, etc., são fundamentais na marcação do ritmo e na produção de emoções, provocando reações e sensações no espectador. Não há silêncios. A maioria dos planos são fechados, o que mostra, junto com os elementos restantes citados, que prevalece a dramaticidade sobre a descrição; a ficção sobre a informação. O “realismo” do programa está mais fortemente ancorado na técnica do que na descrição de fatos históricos.
tem. Por isso, compararei as vozes ouvidas no programa e farei algumas considerações a partir dessa comparação. Dentro da tentativa de ouvir as vozes do telejornal, terei uma atenção especial para a voz off, como é entendida por Canevacci (2001, p. 162), um comentário externo empregado freqüentemente de forma autoritária e falsamente objetiva, ela “fala” da relação que o observador deseja estabelecer com o observado. Em segundo lugar, aplicarei as teorias do Jornalismo de Nelson Traquina (2001), numa tentativa de explicar a construção da notícia veiculada no programa e algo do que ela diz sobre o jornalismo, o programa, a emissora e a sociedade. Analisarei também o programa, a partir das teorias do drama e do espetáculo. O caminho que pretendo percorrer nesta análise, necessariamente, deixa de lado muitas outras abordagens que poderiam ser feitas, sendo estas páginas apenas comentários sobre algumas constatações que fiz através da minha percepção visual (o se “fazer ver” de Canevacci), um pouco mais desenvolvida, agora, pelo aporte dos autores que iluminaram este trabalho.
4.1 Elementos enunciadores do programa A seguir abordarei, numa primeira parte, aqueles elementos que de alguma maneira funcionam como vozes enunciantes dentro do programa. Farei uma breve descrição e análise da introdução e da abertura e, posteriormente, analisarei as vozes no Linha Direta, dividindo-as em vozes do programa e vozes “reais”. Dentro da primeira enquadram-se a voz do âncora, as simulações e a voz off presente nas simulações. As vozes “reais” são as dos familiares e amigos das vítimas e aqueles representantes da justiça ou das diversas instituições que têm alguma participação nestes programas. 4.1.1 Introdução Descrição: A introdução começa com uma rápida seqüência de imagens em que um homem está apontando uma arma e, finalmente dispara 42
foragido (ao ter aparecido no programa) já começa a ser ameaçada, ou seja, a captura já começou. A câmera ocupa, nessa introdução, o olho que ameaça a condição anônima do foragido. Cria-se a ilusão semelhante às cenas dos filmes policiais, em que o lugar onde se encontra o criminoso é cercado, e ele já não tem escapatória. As imagens apresentam uma série de elementos que misturam a alta tecnologia com o popular. A moldura gráfica que envolve todas essas cenas, elementos da urbanidade moderna, como os ambientes internos e os figurinos dos atores que fazem a simulação, convivem com os dois familiares das vítimas, pessoas simples, cuja simplicidade é reforçada com elementos mais característicos de classes populares, como o capacete de moto, bem visível sobre a mesa do irmão da vítima, ou a estátua da Aparecida, do lado da mãe da outra vítima. Visibiliza-se, portanto, nos primeiros momentos de programa, o contrato de leitura entre o Linha Direta e a audiência, que nesse caso, pauta-se com uma forte hibridação de tecnologia e elementos da cultura popular. O telespectador está agora confuso com tão rápidas emoções, mas profundamente curioso para ver como um médico pode chegar a ser tão desumano para espancar um bebê, e o que acontece dentro de um homem para começar com paixão e terminar em chacina, além de estar disposto a colaborar no caso e entrar em cena.
O telespectador distraído, após assistir à novela das oito e às propagandas, se depara subitamente com um grande impacto. Em breves segundos, ele é “testemunha” de uma confusão enorme, cujo resultado foi uma mulher assassinada e uma criança torturada. O momento pode assemelhar-se a situações de violência, como assaltos ou acidentes que acontecem cada vez mais freqüentemente nas ruas das cidades. E, como nesses casos, quando é possível, atraídos pela curiosidade do olhar que o grotesco chocante provoca, o telespectador se aproxima para ver. A moldura gráfica que está ao redor de todas as imagens mostradas nesta introdução poderia estar sugerindo que aquilo que estamos vendo é só uma parte, e nos remete a ver tudo. Poderia ser uma associação com algo que se vê pela janela ao que se torna irresistível de se aproximar. Para fazer isso, deve-se acompanhar o programa. Nesses breves segundos de impacto, vejo dois elementos a serem destacados. Em primeiro lugar, o encurtamento do tempo e do espaço em que se sucedem os fatos na telerrealidade do Linha Direta. Em segundo lugar, a ilusão de eficiência criada pelo programa já desde os primeiros segundos. Ambos os casos estavam na justiça há vários anos. O do espancamento do bebê desde 1989, e a chacina das três pessoas desde 1996. Mas, em 30 segundos, o telespectador “viu” os crimes acontecidos, assistiu ao julgamento simulado, escutou o veredicto e sentiu-se chamado a participar na solução. O tempo do programa é ágil, efetivo, eficiente. O que na justiça leva muitos anos, para o Linha Direta é questão de 30 segundos. Todas as cenas estão marcadas por muito movimento. O movimento da curta duração dos planos, o movimento das pessoas dentro dos planos; o movimento de travelling da câmera diante do apresentador. Em seu conjunto, há uma ilusão de círculo em relação a um ponto comum do qual todos falam: o foragido. Aquele que até o momento se escondeu da justiça e hoje se esconde da câmera (não pode ser mostrado por ela), desde aquele momento em que “a sociedade” entrou em Linha Direta, está cercado, e sua condição de
4.1.2 Abertura Descrição: Depois de o apresentador dizer “Tudo agora (...) em Linha Direta”, inicia-se a abertura do programa. A moldura gráfica de cores alternadas entre o azul e o vermelho, que até o momento foi o marco das imagens da introdução, ocupa toda a tela. Os pequenos grafismos visuais se transformam em quadros azuis maiores. No meio da tela e desses quadros azuis, em forma horizontal, passa uma linha que, em pontos vermelhos, começa a formar o número de telefone para a denúncia. Parte dos quadros azuis são substituídos alternadamente por imagens que, ao mesmo tempo em que aparecem pequenas em algum canto da tela, surgem no tamanho da tela 43
A imagem da linha aberta, que poderia representar a efetividade do programa, a justiça, a ponte entre o foragido e a prisão, ou entre a sociedade e a justiça, é a que mais se repete em todo o programa. Os créditos e todas as legendas durante o programa são feitos em cima dessa linha; além de que, no fim e início de blocos e cada vez que há mudança de um caso para outro, aparece em sentido vertical ou horizontal essa mesma linha.
por baixo dos quadros azuis. As imagens em seqüência mostram uma série de cenas policiais. Uma mão disparando uma arma; mãos sendo algemadas; retratos de pessoas; um grupo de pessoas encapuzadas entrando num local, derrubando a porta e apontando uma arma, etc. Essa abertura dá à tela um dinâmico, limpo e criativo movimento, acompanhado pela trilha do programa e por finas linhas vermelhas que aparecem e desaparecem no fundo azul. Ao mesmo tempo, vão aparecendo os créditos do Linha Direta em lugares alternados. Dessa forma, a tela se divide entre o número de telefone, os créditos, as linhas vermelhas e as cenas que vão mudando de lugar. Termina com uma imagem de um homem de costas (plano americano) que, com as mãos levantadas, tem um machado que desce bruscamente sobre alguma coisa, mas, antes de a arma chegar a seu destino, entra a imagem com fundo azul e o nome (a logomarca) do programa em azul e vermelho, em que a palavra Linha está situada acima da palavra Direta. Na cena seguinte, aparece um efeito, como de explosão de ambos os “Is”, como se fosse uma parede se despedaçando, e fica, assim, um espaço aberto, uma linha na cor azul com diversas linhas vermelhas em movimento, como circulando dentro da linha maior, abrindo um canal que atravessa verticalmente a tela. A abertura, criada por Hans Donner, é visualmente atraente e inspira uma idéia que resume a proposta do programa. Considero que nesses 12 segundos, a Emissora conseguiu muito claramente mostrar a identidade pretendida para o Linha Direta. Essas últimas imagens, ao meu ver, são as mais fortes de todo o programa e as que mais expressam sua proposta. No final de cada bloco, quando se repete a vinheta, se omite a imagem da “explosão” dos “Is” e aparece diretamente a linha azul aberta com as linhas vermelhas em movimento dentro dela. De alguma forma, está mostrando como o programa abre um espaço que despedaça a impunidade que estava instalada e, por estar acontecendo o programa, não será necessário repetir essa imagem nenhuma vez mais nos seguintes blocos.
4.1.3 As vozes no Linha Direta Identificação: Para analisar as vozes que estão em jogo no Linha Direta, tentei verificar formas em que essas vozes mostrem uma hierarquia. Constatei facilmente essa hierarquia ao levar em conta o número de vezes que cada uma é ouvida no programa, o lugar que elas ocupam, a forma em que são mostradas e o grau de informações que elas dão. Ao todo, pode-se escutar, no primeiro caso, 17 vezes a voz off; 13 vezes a voz do apresentador (duas delas em off); 12 vezes a voz da testemunha N; quatro vezes as vozes do superintendente e da mãe da vítima; três vezes as vozes da segunda testemunha e do pai; uma vez as vozes do professor de faculdade do acusado, do delegado de polícia, do radiologista, do responsável do ambulatório, do psicanalista, de Alan (a vítima) e de Flávio (o acusado, em imagem de arquivo de telejornal da época). No segundo caso, há 20 participações da voz off; 15 do apresentador (cinco delas em off); dez da testemunha 1; quatro vezes a mãe de Tânia (uma das vítimas); duas vezes da promotora, do pai de Tânia e de uma irmã de Tânia; e uma da testemunha 2, da irmã de Jocemara (outra das vítimas), do irmão gêmeo de Jocemara e do irmão de Fabiano (outra das vítimas). Claramente pode-se constatar que o predomínio em participação, em ambos os casos, estaria dado pela voz off e a do apresentador. Não somente elas têm um número maior de intervenções que todo o resto, mas são também as únicas a cobrir todo o caso do início ao fim. São também elas as que antecipam ou retomam sempre as informações dadas nos depoimentos das ou44
que as situações apresentadas inspiram. Sua postura e seu olhar sempre fixo na câmera mostram autoridade. Por outro lado, sua figura parece um contraponto à dos criminosos. Ambos na faixa dos 20 anos, um deles negro, ambos com movimentos violentos, em oposição ao pausado e “respeitoso” ritmo dos movimentos e da fala do apresentador. Por outro lado, há também uma oposição com as vítimas que sempre são exageradamente inocentes, confiantes e distraídas (sobretudo na simulação), enquanto Meirelles não afasta em nenhum momento o olhar da câmera, por mais que esta esteja em movimento. O apresentador parece nunca ser tomado de surpresa nem pelo movimento da câmera que o está focando, nem pela troca de câmeras. Apesar da “neutralidade” que representa seu tom de voz e sua maneira de vestir, o apresentador mostra, na sua forma de avaliar os fatos e as pessoas, uma ruptura com a linguagem “objetiva” usada pela maioria dos apresentadores dos telejornais da Emissora, assemelha-se mais aos comentaristas. Exemplo disso é o seguinte comentário realizado pelo apresentador no primeiro caso, em que, mais do que descrever (informar), qualifica: “Mais alguns dias (...) e o bebê estaria em casa. Mas Flávio começou a agir não como um médico (...) mas como um monstro. Segundo as investigações da polícia, o estudante de medicina iniciou uma série de espancamentos (...) O bebê Alan nunca mais seria o mesmo”. O apresentador não aparece em nenhuma das outras cenas. Ele é visto exclusivamente no cenário do programa, ou seja, nos estúdios da Emissora. Além disso, é ele a única pessoa do programa que é vista pelo telespectador (na entrevista final ao criminoso capturado aparece a voz da repórter, mas ele não é visto). Esses elementos outorgam a Meirelles uma autoridade importante no comando do programa. Ao ser ele uma figura “real” e não estar representando (ele é jornalista, não é ator), ele é quem está em contato com a produção do programa, com a pesquisa anterior, com os estúdios e as câmeras, o que faz com que todo o espetáculo por ele co-
tras vozes. Portanto, o que diz respeito ao grau de informação que é oferecido no programa, ele é dado pelas duas vozes principais. De alguma maneira, então, todas as vozes estão subordinadas a essas duas. Ao longo destas páginas, farei uma distinção entre “vozes do programa” e vozes “reais”. Esse procedimento de análise é discutível, já que as vozes do Linha Direta são todas as formas que constituem a linguagem do programa, inclusive as “vozes reais”, as vozes dos depoentes. Elas são apropriadas e colocadas pela Emissora em determinado lugar e de determinada forma. Para compreender melhor a afirmação anterior, é bom lembrar que os depoimentos gravados já são meta-acontecimentos, ou seja, acontecimentos produzidos diante das câmeras e influenciados por elas e pelos repórteres. Portanto, o “real” deles deve ser visto desde esse ângulo. Por outro lado, na eleição dessas pessoas e não de outras, desses planos e não de outros, da cenografia de cada depoente, da edição de sua fala, do lugar do programa onde esse depoimento entrou, dos enunciados que introduzem e seguem aos depoimentos etc., em tudo isso, é a voz do programa dizendo alguma coisa. 4.1.3.1 Vozes do programa
As vozes por excelência do programa, como já foi dito, são a do apresentador, Domingos Meirelles, as simulações e a voz off. A fim de poder analisar melhor a participação de cada uma dessas vozes, farei alguns comentários separando-as, embora o sentido do programa seja dado pela costura destas três vozes e a forma como elas subordinam a si as outras vozes. ã Âncora
Domingos Meirelles lembra o tipo de apresentadores mais antigos, dos telejornais da Emissora. O homem de idade mais avançada, cuja credibilidade se apóia mais na sua própria pessoa do que no perfil profissional. Cabelos brancos, terno e gravata escuros, sério, Meirelles parece ser uma figura escolhida (ou construída) para neutralizar o sentimento de impunidade 45
A escolha das simulações privilegia elementos “fantásticos”, que mais sirvam para criar o espetáculo e não tanto a informação. Exemplo disso é, no primeiro caso, após o depoimento da mãe da vítima, em que ela disse que pedia para Jesus lhe mostrar o que estava acontecendo com a criança que estava toda machucada. Após esse comentário, aparece a cena da simulação do casal dormindo e uma imagem difusa (querendo representar um sonho), de um homem de branco batendo numa criança. A mulher acorda com um grito. Entre todas as informações – como disse o apresentador anteriormente – obtidas na justiça e com os familiares e testemunhas, o programa avaliou esse sonho como uma das “fontes autorizadas” que confirmassem a culpabilidade do criminoso. Ainda para reforçar a idéia, o apresentador retoma a cena dizendo: “O pesadelo de Perpétua (...) era o retrato da realidade (...) O homem vestido de branco (...) era Flávio ”. Uma afirmação que a psicologia discutiria longamente... As simulações constituem a imagem mais forte dos traços tanto da vítima quanto do acusado. Nos dois casos em questão, as imagens mostram as vítimas como pessoas felizes. Na simulação, pode-se ver a família feliz em torno de Alan que acaba de nascer. Um plano geral mostra uma casa bonita e os pais sorrindo junto do berço da criança. Na segunda cena simulada, os pais estão chegando com Alan ao hospital, mas continuam com a mesma felicidade do início. O fato de o filho estar doente não retira o clima festivo – o que não é muito freqüente –; a tragédia só começará quando se cruzam na simulação com Flávio, o estudante de medicina. A partir desse momento, muda a trilha sonora e começa a desgraça para aquela família que vai em declínio até o crime e continua hoje. No segundo caso, há imagens de Tânia feliz, rodeada de amigos, abraçada pela filha “após uma separação da qual começava a se recuperar”. Inocente, totalmente despreocupada, ela aparece assistindo o jogo do Brasil e comendo pipoca, festejando os gols junto com os amigos, sem se
mandado entre no clima de seriedade e credibilidade próprios de sua pessoa. É a voz do apresentador a que fornece as mais importantes informações sobre os casos. Ele apresenta os foragidos e as vítimas. Como nos seguintes exemplos: Flávio Ricardo Baumgart (...) aos 25 anos, no sexto ano de Medicina, começava a estagiar no Hospital Universitário de Taubaté (...), em São Paulo. Filho de um dono de shopping, Flávio (...) levava uma vida normal. O acusado de todos os crimes é este homem (...) João Valdelino Fernandes da Silva. Metalúrgico (...) 33 anos (...) e jogador de futebol. (...) João estava apaixonado por Tânia, quando descobriu o envolvimento dela com um amigo dele (...) Fabiano. Rejeitado, João decidiu se vingar (...) Matou Tânia (...) a amiga Jocemara (...) e o amigo Fabiano.
Nos dois casos a que estou me referindo neste trabalho, a voz do apresentador é escutada de três formas diferentes: com sua imagem no cenário do programa, em off sobre fotos e em off sobre imagens das pessoas reais. O apresentador antecipa, prepara, introduz e explica ao telespectador as situações que irão acontecer, fazendo com que a passagem de realidade à ficção e vice-versa seja inteiramente normal. Como mostram os seguintes exemplos: Mas João ainda ia se sentir mais rejeitado com a aproximação de Tânia e de um dos melhores amigos dele (...) Fabiano. A casa da irmã de Tânia (...) seria o cenário do crime. Nesta foto a filha de Tânia aparece abraçada a João (...) o futuro assassino da mãe. ã A Simulação (como voz do Programa)
Alternando os depoimentos e a condução do apresentador, estão as simulações. As imagens das simulações estão identificadas na parte inferior da tela com a palavra “simulação”. No entanto, o apresentador sempre lembra que as simulações foram construídas a partir das informações obtidas na justiça e com testemunhas e familiares, outorgando a elas toda a “seriedade” e a “objetividade” próprias de sua pessoa.
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dar conta de que o seu futuro assassino estava olhando o tempo todo para ela. As imagens que predominam no caso dos acusados são bem diferentes. O ator que representa Flávio é mostrado fundamentalmente através de quatro imagens. A primeira delas, que se repete diversas vezes, o mostra fazendo musculação na academia (sozinho em horário em que a academia estava fechada: é dito no programa duas vezes que o dono da academia era amigo dele e tinha lhe dado a chave). Essas imagens, especialmente, o mostram fazendo exercícios com os braços e medindo os músculos dos braços. Em segundo lugar, há várias imagens de Flávio andando no hospital com um olhar rígido e perdido, próprio de pessoas com problemas mentais. É mostrado também várias vezes do lado do berço do menino, batendo nele. E a quarta imagem dele que se repete são planosdetalhe das suas mãos tirando as luvas depois de espancar o bebê. Do ator que representa João, predominam as imagens dele brincando com a filha de Tânia, como forma de chegar à mãe. Em segundo lugar, ele se aproximando da própria Tânia e sendo rejeitado por ela. Em terceiro lugar, imagens dele bebendo ou jogando sinuca e olhando para as mulheres que passam na sua frente, sugerindo uma certa perversão nos seus gestos. Por último, imagens de planos detalhe do olhar com expressão de ódio para com Fabiano e Tânia. Em ambos os casos, se contrapõem a dureza, a frieza e a perversão dos acusados com o a pureza, ingenuidade e bondade das vítimas. As vítimas nunca estão sozinhas nas simulações, estão rodeadas de pessoas e objetos. Os criminosos são solitários, misteriosos, com gestos (nesses dois casos especialmente, destaca-se o olhar) que despertam suspeitas desde o início. Deles não são mostrados os familiares, seus bens, etc. Geralmente aparecem em terreno de outros (casa da família da vítima) ou lugares públicos (hospital, bar, local de trabalho).
ã A voz off
Inseparável das simulações e dirigindo sua compreensão, está a voz off. Trata-se de um comentário “descritivo” da situação e “neutro” na sua formulação. É como se fosse a única voz que está na cena do crime. A voz off fala sempre em presente, o que dá a ilusão de tempo real e a “ participação” do telespectador como testemunha: Flávio costuma trabalhar na hora do almoço para sair mais cedo. Sai do hospital e vai direto para a academia. Flávio se dedica a longas sessões de musculação, ele faz questão de cuidar do corpo. Ninguém sabe que se passa na cabeça do estudante.
No segundo caso: João insiste: vai matar Camila. O vizinho luta para salvar a menina. As falas da voz off só são construídas em passado quando ele fortalece mais a compreensão do presente, como no seguinte exemplo: O choro do bebê chama a atenção da auxiliar de enfermagem do setor de isolamento. Há 20 anos ela trabalha no hospital e nunca tinha escutado um choro como aquele.
4.1.3.2 As vozes “reais”
As vozes “reais”, a meu entender, têm uma função muito mais simbólica do que informativa. Em primeiro lugar, por se tratar de pessoas reais que estiveram próximas do crime por vínculos familiares com as vítimas (família, amigos); por vínculos institucionais (professor, colegas de trabalho, delegado e promotora); ou por causa do conhecimento especializado que justifica essa pessoa depor, explicando algum aspecto do crime (radiologista e psicanalista). A presença destes, assim como a presença de notícias sobre o caso veiculadas na TV na época em que ocorreu o crime, dão o caráter de documentário. Independente do que dizem, é o que elas são ou foram o que o programa mais utiliza. O fato de os depoentes aparecerem sentados e todos eles, em maior ou menor medida, com o
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por trás com livros nas mãos, diz que o criminoso parecia normal: “Levava uma vida normal, não tinha indícios de algum problema psiquiátrico. Ele sempre se mostrou uma pessoa absolutamente normal”. No depoimento dele, que imediatamente a voz off confrontará com a opinião das enfermeiras, mostra-se um tom de omissão. A forma em que o criminoso é representado nas simulações desde o início, com um olhar psicótico, misterioso e solitário, questiona qualquer pessoa que possa ter visto nessa aparência “uma pessoa normal”. Mas, além da simulação, disse o off: “As enfermeiras têm uma opinião diferente sobre o estudante de medicina. Ele acerta nos diagnósticos, mas atende aos pacientes com indiferença. Segundo as funcionárias, ele examina as crianças como se fossem objetos”. Além de uma forma de compreender o criminoso, o off indica quem serão as mais espertas colaboradoras da justiça. Fica o primeiro depoimento desacreditado, portanto, não por uma acusação de cumplicidade com o criminoso, – ele não tem cúmplices, está sozinho (o que reforça a ilusão de estar vigiado e prestes a ser descoberto) – mas, por uma atitude de omissão inconsciente, quem sabe pela complexidade das estruturas, um criminoso desse jeito não seja notado na Universidade. Depois de tudo, as primeiras a desconfiar são as pessoas comuns (enfermeiras) e quem vai denunciar o foragido serão, também, as pessoas comuns (telespectadores) e não as pesadas, estruturadas e lentas instituições. A testemunha N é uma enfermeira que aparece sem se identificar, sentada de perfil na frente de uma janela, onde está tudo escuro e entra uma pequena luz que permite ver a forma da cabeça e o corpo dela, o suficiente para ver que ela é morena como a atriz que a representa. Vejamos algumas de suas onze falas que mostram o lugar ativo da personagem: Para explicar o que ela ouvia quando o acusado entrava ao quarto da criança: “ Não era choro de fome, era choro de dor de alguma coisa. E a coincidência (...) Ele podia estar quieto (...) Flávio entrava (...) ele chorava forte". Quando ouviu que o médico estava batendo na criança:
olhar dirigido a alguém fora da câmera, contrasta com a postura do apresentador em pé, olhando sempre para a câmera. Há através das posturas uma designação de papéis passivos e ativos. Os depoentes não falam por iniciativa pessoal, eles respondem, são interrogados. A costura da trama está fora deles. A verdade (como clareza da totalidade dos fatos) está fora deles. Os depoentes, em maior ou menor medida, são redundantes. A informação que eles dão já foi antecipada pelo apresentador ou afirmada pela voz off. Se fossem tirados os depoimentos, as informações sobre o caso seriam exatamente as mesmas. Há algumas caracterizações que se repetem em ambos os programas na forma em que são significadas as vozes. No meu entender, haveria uma espécie de classificação e qualificação em que os depoentes são associados, em maior ou menor grau, a atitudes de mais ativas ou mais passivas e omissas em relação à resolução do crime. A proporção dessa qualificação parece ter uma relação direta ao institucional. Quanto menos ligação institucional, sem cargos representativos, mais espertos e ativos são os depoentes e maior participação eles têm nas suas falas e na representação. Os mais espertos (e menos institucionais) são também mais rápidos na hora de reagir contra o crime (na simulação) e na hora de fazer a denúncia (nos depoimentos). Alguns exemplos poderiam ser os seguintes: A testemunha N, do primeiro caso, é a voz predominante entre aquelas que depõem. Trata-se de uma enfermeira do hospital, a primeira a ver e denunciar o espancamento. Ela tem um lugar de destaque, uma postura ativa e esperta na costura com as diferentes vozes. Esse mesmo papel é assumido pela segunda enfermeira que foi testemunha do segundo espancamento. Ambas, na simulação, ocupam um lugar protagônico junto ao ator que simula o criminoso. A primeira voz “real” a falar no primeiro caso é um médico que foi professor do acusado. Ele é professor universitário e aparece num ambiente que, provavelmente, seja a universidade. Ele, em pé num pátio, com pessoas jovens que passam 48
Eu vi ele e pensei (...) aí vem o Flávio (...) Eu fiquei de olho (...) O bebê estava quieto. Quando ele entrou no quarto (...) eu escutei pá, pá, pá (...) comecei a desconfiar (...) Pensei (...) está acontecendo alguma coisa e passei a observar mais.
“Nós acreditamos naquela época que era a doença escorbuto (...) Mas hoje não teria dúvida em primeira hipótese (...) olha, escorbuto não existe". Ele volta a dizer: “Talvez o retardo do diagnóstico definitivo é porque a gente não acreditava que pudesse acontecer isso com qualquer aluno que estudava”. Após o primeiro espancamento, ele diz: “O estudante Flávio continuou acompanhando a criança”. No confronto de vozes, então, podemos ver uma desvalorização das instituições. Seria como uma espécie de lentidão natural que chega quase à impotência, sem condições de agilidade, eficiência e rapidez diante da possibilidade midiática que atinge todo o País e conta com milhões e rápidos colaboradores. A forma de a polícia aparecer não se enquadra dentro do mesmo perfil. Seja o delegado do primeiro caso ou a promotora do segundo, ambos falam com segurança e fazem descrições de algum aspecto do caso. O primeiro fala sobre o perfil do acusado, e a segunda disse a idade das vítimas numa oportunidade e, na outra, comenta algo sobre o momento em que foram encontrados os corpos. Suas palavras são as seguintes: “É um crime bastante bárbaro (...) três pessoas jovens (...) 22 anos tinha a Jocemara (...) 22 anos tinha o Fabiano (...) e 23 anos tinha Tânia". “É que, se a versão de João fosse verdadeira, haveria vestígios de luta, com certeza (...) E o Fabiano (...) o corpo estava ainda lá quando o perito chegou (...) morto. E a Jocemara (...) ainda estava lá (...) morta, e o ambiente ainda estava intacto (...) sendo preservado pela Brigada Militar”. Os depoimentos não trazem informações sobre os casos que não tenham sido ditas pelas outras vozes do programa, mas à diferença das outras, estas vozes aparecem mais firmes e ativas. Haveria aqui, na minha opinião, uma consideração da polícia como uma colaboradora no processo de vencer a impunidade que o programa leva em frente. Na construção do Linha Direta pareceria ter, com a presença das vozes policiais, uma espécie de auto-reconhecimento da justiça
Quando viu que o estudante estava batendo no menino: “Aí foi a hora em que eu vi batendo no menino (...) Dava soco com a mão fechada (...) A vez que eu vi foi com a mão fechada.” Ele socava no olho do menino (...) Já estava o hematoma inchado, aquela coisa horrível (...) Eu entrei e gritei: que é isso, Flávio? Pára um pouco (...), o menino está cheio de sangue (...) Ele diz: Sangue? (...) Sai, Flávio! (...) Não!, dizia ele (...), calmo como se não estivesse acontecendo nada.
As atitudes marcadas na enfermeira opõem-se a um certo ar de lentidão, torpeza e impotência que é atribuído às instituições em geral e, neste caso, ao hospital, reforçada especialmente na confrontação da voz do superintendente do hospital com as outras vozes e com a escolha das falas dele. Um exemplo disso é a fala do apresentador quando comenta, após a primeira testemunha ver o espancamento, que ela comunicou o que viu a sua colega e ao médico de plantão. Ele acrescenta: “O médico foi atrás de Flávio mas não o encontrou (...) Ninguém tomou nenhuma providência imediata”. Neste caso, quem deveria tomar alguma posição institucional foi omisso. As únicas que reagem e enfrentam o criminoso são as enfermeiras. O superintendente do hospital fala em quatro ocasiões. Elas são redundantes e até chegam a beirar o ridículo. As falas são: “Jamais nós, como pediatras (...) poderíamos esperar isso de um estudante de medicina (...) mesmo de um profissional que estava no final do curso de medicina (...) Talvez tenha sido isso uma das causas importantes na demora do diagnóstico definitivo”. O apresentador disse que, depois do espancamento, por causa dos hematomas, os médicos começaram um tratamento de vitamina C porque pensavam que era uma doença (escorbuto) por falta dessa vitamina. O superintendente disse:
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servirá para abrir uma discussão que é retomada na enquete na página da Internet no fim do programa, com diversas causas pelas quais uma pessoa poderia espancar uma criança. Após o apresentador dizer que, como conseqüência do primeiro espancamento, houve fraturas no bebê, aparece o radiologista sentado em um consultório médico, com umas radiografias de pernas e braços na parede. Ele diz: “A característica era fraturas múltiplas que normalmente não acontecem numa queda ou num acidente doméstico (...) digamos”. O psicanalista fala dos psicóticos em geral, tenta dar uma possível explicação para o caso. Está sentado numa poltrona vermelha e diz:
como parte do processo maior que, no entanto, só o programa é capaz de fazer. Há no programa uma simulação de novo julgamento, não só no sentido de elementos que lembram o tribunal, mas também no sentido de que o programa “abre“ um novo espaço para apresentar o caso (“como ele aconteceu”) e o próprio telespectador, a partir de elementos mostrados pelo programa, chegue a uma conclusão. Desta vez, o julgamento não é segundo os procedimentos tradicionais e sim os midiáticos. Aquela instituição que tradicionalmente interroga agora é interrogada. Os fatos em que mais se apóia a culpabilidade dos acusados são visíveis para o telespectador: gestos, olhares, etc. Olhando ainda para o tratamento dado às instituições, não se trata, no meu ver, de uma crítica social, algo que as instituições poderiam fazer e não fazem. Este tipo de postura, de certa forma mediadora entre o Estado e o povo, não faz parte do discurso e da visão de mundo da Emissora. Parece mais uma declaração de obsoletismo das instituições mais tradicionais pela onipotência, onividência e onipresença midiática. As instituições às quais se faz alusão em ambos os casos são públicas, ligadas à Saúde, à Educação e à Justiça. Poderia se ver também no tratamento dessas vozes uma espécie de pregação na prática, ou de visibilização de uma sociedade de Estado mínimo. Ainda dentro das vozes “reais” existe, no primeiro caso, à diferença do segundo, a presença de dois peritos: um radiologista e um psicanalista. Ambos os especialistas falam desde seus ambientes de trabalho. Nenhum dos dois faz alguma alusão a ter acompanhado o caso, é provável que ambos tenham sido informados e perguntados sobre o caso. Eles opinam sobre os fatos como autoridades científicas. Mas, também nestes casos, a presença é simbólica, dá seriedade à investigação e confirma “cientificamente” as informações. Além disso, especialmente o depoimento do psicanalista sobre o que poderia ter provocado o crime contra o menino, poderia estar sugerindo um programa que não se limita a resolver pontualmente os crimes, mas que também procura analisar as causas. O depoimento também
É uma pessoa que estava com psicose (...) afetada, saindo da realidade (...) E é muito comum, psicóticos com delírio de perseguição, se sentirem ameaçados pelo olhar de outras pessoas (...) É bem possível que aquilo foi se incorporando no delírio dele (...) e que aquela criança (...) cada vez que entrava em contato com ela (...) ele se sentia perseguido e começou a perder o controle (...) a bater e a tentar destruir aquilo que era a parte mais incômoda para ele, que é o olhar.
No que se refere às vozes da família, eles são aqueles que representam o mais popular do programa. Se vê nos símbolos que se usam do lado (um capacete, uma imagem religiosa, a cama, .....) Os planos nos quais eles são enquadrados são fechados, o que permite maior abertura na hora de traduzir os fatos às cenas de simulação na criação de ambientes. As falas dos familiares são as que mais mostram repetições e problemas de linguagem. Isso pode reforçar o nervosismo (que seria supostamente o natural...) e uma possível espontaneidade, além de dissolver a informação . Vejamos diversos casos. A mãe da vítima no primeiro caso disse: “Vejo que a tristeza dele hoje é a mesma porque (...) eu vejo que ele sofre na rua”. O pai de uma das vítimas no segundo caso disse, referindo-se ao assassino: Ele era amigo de todo o mundo (...) Era amigo de Tânia (...) era amigo meu (...) era amigo desse que morreu (...) era amigo de todo o mundo (...) Ele era um rapaz que (...) enganou a gente de uma coisa tão (...) dessa
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maneira que a gente nunca esperava. Quando bateu na minha porta para dizer que ele tinha feito isso (...) eu não acreditei.
existência de uma voz off que não é a do apresentador, nem do repórter, nem dos depoentes, todos eles recursos de ficção intercalados com a notícia, seriam procedimentos rejeitados pela teoria do espelho. A tentativa de ver o Linha Direta a partir da teoria do gatekeeper ou da ação pessoal se torna mais difícil porque ela aborda a notícia exclusivamente do ponto de vista das decisões psicológicas do jornalista. A teoria aponta uma seqüência de decisões que levam o jornalista a considerar algumas informações e deixar de lado outras. A existência de uma seleção permanente é facilmente constatável nos “cortes” do Linha Direta. As escolhas das pessoas que falam sobre o acontecimento e a edição de suas falas; os fatos que se escolhem para ilustrar a história das pessoas envolvidas, os argumentos escolhidos para “demonstrar” a culpabilidade do criminoso, enfim, os fatos apresentados que terminam no crime e a própria forma de mostrar o crime (palavras, gestos, ruídos e trilhas escolhidos) revelam, sim, a existência de decisões, portanto de uma subjetividade. Só que essa subjetividade está muito longe de ser a de alguma das pessoas que trabalham no programa. Essa subjetividade está dada pela linha editorial do Linha Direta expressa na fórmula idêntica, aplicada a cada semana para apresentar os casos. Além do mais, torna-se muito difícil (inclusive para o próprio jornalista) saber até onde as decisões estão dirigidas por razões pessoais, por normas profissionais, pelo peso da estrutura burocrática da organização, pela absorção inconsciente da linha editorial da empresa, ou por tudo isso junto. Talvez a Teoria Organizacional consiga levar mais em conta esses elementos, pois ela tem um olhar maior para o entorno do jornalista. Sua análise levaria em conta que Linha Direta é um programa da maior empresa de comunicação do País, o que implica menor grau de comunicação interativa entre as pessoas da empresa (ela é mais centralizada) e, portanto, menor grau de autonomia do jornalista, que nas empresas pequenas. A organização do programa dividida em quatro núcleos, com uma específica divisão de tarefas e a
O irmão gêmeo de Jocemara, uma das vítimas, disse: “Todo dia primeiro no caso eu faço aniversário e ela (...) ela sempre está chegando (...) sempre está chegando”. Os familiares manifestam uma atitude submissa. A indignação e a revolta está muito mais presente nas posturas do apresentador e nos atores que contracenam com o criminoso do que nas pessoas reais. Os familiares, com gestos trêmulos, olhares tímidos, choro, se limitam a pedir ajuda para que o foragido não faça com o telespectador o que fez com eles. Eles são apresentados como extremamente indefesos, necessitados e dependentes do programa, em primeiro lugar, e da ajuda do telespectador, em segundo.
4.2 Linha Direta jornalismo e notícia Trata-se agora de discutir o Linha Direta à luz das principais teorias do jornalismo, assim como desde a teoria do espetáculo e do drama já desenvolvida no primeiro capítulo deste trabalho. A análise tentará confrontar a teoria da notícia com as práticas do Linha Direta, aplicando alguns termos das teorias que me pareceram mais iluminadores para entender a notícia no programa em questão. Desde a Teoria do Espelho, que concebe a notícia como reflexo da realidade, no programa Linha Direta haveria um elemento decisivo para pensar que não há notícia no Linha Direta. Esse elemento é a utilização da ficção na construção do programa, já que para esta teoria há uma fronteira inviolável entre realidade e ficção, vista esta última como invenção e mentira que violam as normas jornalísticas. Portanto, os recursos de trilha sonora e ruídos no fundo da notícia; o recurso de simulação dos acontecimentos; a linguagem usada pelo apresentador mais próxima do opinativo ao descritivo, assim como o uso abusivo de planos fechados que acentuam a dramaticidade sobre a descrição; o ocultamento do repórter e a 51
textualização das histórias contadas sem um vínculo com a história sociopolítica nas quais elas acontecem seriam alguns dos aspectos a serem apontados. Ela avaliaria a forma como as deficiências das instituições públicas são representadas como uma maneira de construir a autopropaganda da emissora e da mídia baseada na eficiência da tecnologia. A teoria construtivista procuraria ler, nos mecanismos e dispositivos com os quais é construída a notícia no programa, as informações que eles revelam sobre o que faz sentido, sobre o que importa, sobre o tempo e o lugar em que vivemos. Um ponto de partida da teoria (assim como das outras duas que surgiram a partir da construtivista: estruturalista e interaccionista) seria a idéia de que o Linha Direta na construção dos dois casos apresentados está construindo dois acontecimentos diferentes dos que sucederam historicamente, mas esses novos acontecimentos encontraram nesses casos alguns enquadramentos. Ao mesmo tempo, a nova realidade criada revela informações sobre o tempo e o lugar em que o programa e a Emissora se inserem, porque não haveria uma dicotomia entre a realidade e as mídias que devem refletir essa realidade, já que esses meios estão dentro da realidade e ajudam a construí-la. A teoria chama a atenção para todos aqueles elementos que dão significado à notícia, de forma tal que poderia haver outros significados do mesmo fato. Dessa forma, chamaria a atenção do recurso da voz off na forma como ele dá significado às simulações, e das imagens simuladas (guiada pela voz off) na construção do sentido das figuras principais, assim como a presença do apresentador na construção do sentido dos depoimentos que aparecem. Seria mais forte no programa a presença de explicações e enunciados que dão sentido do que os próprios fatos e pessoas. Se as coisas são noticiáveis porque representam a natureza conflituosa do mundo, Linha Direta entra no cerne do noticiável, enquanto que os
rígida definição da linha editorial do programa, direciona a construção da notícia, sem deixar muita margem a decisões individuais, embora essa margem nunca seja totalmente extinta. Esta linha editorial, que poderíamos resumir como uma opção pela ficção e o dramatismo numa construção estética do grotesco, sob um revestimento de sério procedimento jornalístico, dando preferência a temas que despertem a indignação da população, direciona a construção da notícia e, segundo a teoria, é essa linha editorial que os trabalhadores da notícia absorvem por osmose e procuram realizar sem uma explicitação dessa linha por parte da Empresa e sim numa convivência diária ao modo recompensa-punição. A teoria levaria em conta também, na sua visão do programa, que, como toda empresa jornalística, há um negócio que está em jogo. Portanto, analisaria as tramas com sua forte influência da teledramaturgia (em um país muito acostumado à telenovela), com sua dose de romance e violência e seu grotesco chocante que procura manter o telespectador ligado à trama, e outros elementos em função de uma emissora que está concorrendo com outras na disputa pela audiência e pelos anunciantes.14 As teorias da ação política levariam a confrontar a notícia no Linha Direta com o papel social dessa notícia. Na concepção da teoria, o jornalismo pode (e deve) refletir a realidade de maneira parcial e objetiva, mas na prática – segundo a teoria – ele tende a ser imparcial, beneficiando certos interesses econômicos e políticos. A teoria (pelo menos a corrente desta teoria mais desenvolvida na apresentação, acima) analisaria o programa para ver a forma em que ele favorece os interesses econômicos e políticos da empresa e dos anunciantes em favor da ordem estabelecida, igualando notícia à propaganda dessa ordem e dessa empresa. Desde essa base, elementos como a personalização de ambos os criminosos e a descon-
14 É bom lembrar que o Linha Direta adquiriu essa especificidade de abordagem grotesca por causa da concorrência com as outras emissoras.
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ferência ao programa. Um telespectador distraído poderia dizer que é um programa que lhe faz sentir indignação pela injustiça, sendo que os mecanismos do Linha Direta se interpõem de maneira que o telespectador não tenha contato com essas realidades e, sim, com eles próprios. Como estrutura narrativa, o programa assemelha-se mais a estórias como Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Feroz e tantas outros relatos infantis ou não (só que essas histórias não tomam um referente real) com final feliz, do que ao drama, ou seja, histórias humanas. O final feliz do programa pode e deve ser ajudado a construir pelo telespectador quando seja preso o homem que cometeu o crime. No programa que foi objeto desta análise, é mostrado o “final feliz” de um outro caso, com a captura do foragido; e, no segundo caso, aparece a legenda de que o criminoso se entregou à justiça no dia anterior ao programa. A frase parece estabelecer uma relação do tipo causa-conseqüência, como se o programa tivesse tal autoridade e eficiência (onipotência) que bastaria agendar os casos e transformá-los em programas, para os foragidos se entregarem. O drama, da forma como foi tratado antes, daria um Linha Direta muito diferente. Permito-me aqui citar o cineasta inglês Alfred Hitchcock, autor e diretor de tantos dramas para cinema e televisão, em entrevista ao jornal The Saturday Evening Post, no dia 27 de julho de 1957 (In Altmann, 1996, p. 222). O cineasta explicou sua forma de construir o drama, deixando que a audiência saiba, por exemplo, onde a bomba está, mas não as personagens.
acontecimentos que usa como referentes mostram uma situação (a violência e o papel da justiça diante dela) que preocupa grande parte da população. E se as notícias trazem os fatos ao horizonte do “significativo”, tirando-os do anonimato, como acredita a teoria construtivista, o programa revela sua concepção do mundo na forma como dá sentido às informações que ele mesmo traz. Mas a teoria, no meu ver, deixaria evidente a inversão dessas duas premissas. A presença mais forte dos elementos que trazem o fato ao horizonte do significativo (apresentador, off, simulações) que a própria natureza conflituosa dos fatos. O programa subsitui o conflituoso do mundo que lhe serve de referência nos casos por um clima conflituoso provocado pelos efeitos especiais e pelo tom das vozes do programa. Em relação à estrutura de drama, já citada acima, ambos os casos analisados neste trabalho, apesar de mostrar em um clima dramático o tempo todo com o uso de elementos que dão dramaticidade, não seguem a estrutura do drama, assemelhando-se mais à fábula. Se levamos em conta a clássica divisão do drama em três atos como apresentação de uma situação, introdução de um desequilíbrio, clímax e resolução que estruturam as ações humanas, Linha Direta está longe de ser drama. Os dois casos partem desde o início de uma confrontação entre o bem e o mal, personificados em pessoas com os nomes de pessoas reais, mas que na realidade são telerreais. Essas pessoas, através de muitos sinais (mas geralmente os mesmos em cada caso) são identificadas, desde o início do programa, de tal forma que o telespectador esperará só coisas boas de uma e só coisas ruins da outra, sendo as outras vozes secundárias como breves ecos que reforçam a maldade de um e a bondade do outro. A tensão não está introduzida por uma ação e, sim, personificada em alguém e reforçada não por ações e, sim, por mecanismos visuais e auditivos. Longe de pretender que o telespectador se posicione (sinta indignação, revolta, compaixão, pena) em relação à história que está sendo (de alguma maneira) referida, busca-se que o telespectador sinta essas emoções sem uma referência, ou melhor, em re-
Você e eu estamos aqui batendo papo. Não precisamos conversar sobre morte ou qualquer outra coisa que tenha conseqüências sérias, mas se a audiência souber que há uma bomba debaixo de minha escrivaninha, pronta para ser detonada, o suspense mortificará a todos eles. Mas, se não contarmos nada a eles sobre essa bomba escondida, e ela explode, e nos reduz a pedacinhos, a única coisa que sentirão é um choque, um choque de um segundo, em contraposição a sessenta ou noventa minutos de uma expectativa de tirar o fôlego.
Apesar de Hitchcock não estar falando de histórias “reais”, elas realmente dão uma participa53
versíveis: o espetáculo televisivo nunca é palco para o telespectador, nem sequer ele aparece no palco quando denuncia, liga, ajuda a dar alguma pista sobre a pessoa que está foragida, como é solicitado pelo programa na apresentação final que Meirelles faz ao explicar o uso da página da internet. Mas o elemento que mais faz do Linha Direta um espetáculo – e aqui haveria exatamente uma definição oposta ao que é notícia em todas as teorias – é que o programa mostra e coloca o telespectador em contato exclusivamente e totalmente com o próprio Linha Direta, sem uma referência a outra realidade. Ele é a realidade: seus recursos técnicos, sua eficiência, seu apelo permanente a estar com ele.
ção ao telespectador que o programa Linha Direta lhe retira. É como se o programa em nenhum momento pudesse deixar sozinho o telespectador diante dos fatos e sempre recorresse à mediação dele próprio para toda e qualquer interpretação. Por último, então, haveria uma análise que precisa ser feita e que tem a ver com o lugar que o programa dá a si mesmo e ao telespectador. A teoria do espetáculo ajuda a fazer essa análise. O programa apresenta um único ângulo de visão, e isso não se refere exclusivamente à característica técnica que a TV tem de que os diversos ângulos (das diversas câmeras) chegam ao telespectador como uma única possibilidade de visão. O programa esgota-se na exibição, sem nenhuma opacidade simbólica. Os lugares são irre-
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Considerações finais
modo, esses conceitos como fatos totalmente materiais ou totalmente imaginários. Na história do jornalismo e da notícia, tendeu-se a se afirmar essa separação entre as duas, sendo que o real sempre esteve mais associado ao valor ético de verdade, e o ficcional ao de mentira. Desde aí, haveria um imaginário do jornalista associado a certos valores de realismo, objetividade e neutralidade. O bom jornalismo se manteria, segundo esse imaginário, longe dos recursos de ficção e do uso de gêneros como a dramaturgia para construir a notícia. A experiência descrita neste trabalho, porém, mostra que, na lógica televisiva, ficção e realidade não são inimigas, nem são por si mesmas verdadeiras ou mentirosas, nem dão um caráter mais ou menos ético à informação, ou um valor mais ou menos social à Emissora. A presença da ficção – que é comum a programas que são de grande valor social e a outros que não são – poderia ajudar a fazer a notícia mais acessível para o grande público, portanto, torná-la menos elitista ou excludente. Na sociedade brasileira, a televisão teve um papel importante na transformação de uma sociedade mais rural em urbana e “moderna”. A TV Globo teve nesse processo um lugar específico na forma dessa sociedade ver a si mesma; e na ilusão criada de ser o Brasil um país de primeiro mundo, mas ao mesmo tempo um país cujas instituições são impotentes ou corruptas; em definitivo, um país do qual só saem vencedores “sua gente” (só na medida em que são telespectadores) porque são lutadores, alegres e fraternos, entre outras coisas, e (como não podia ser de outra maneira) a Emissora; o lugar onde esses brasileiros podem viver felizes e protegidos. Essa idéia repete-se de diversos modos nos programas da Emissora, na forma como ela apresenta a si mes-
Ao concluir este trabalho, embora fiquem muitíssimas perguntas e sobretudo muito desejo de me aproximar mais e também de outras formas à telerrealidade, algumas considerações podem ser feitas a partir dos capítulos percorridos até aqui. Uma primeira e importante descoberta foi a da televisão como um espaço que permite um aprofundamento da percepção da realidade e possui instrumentos que lhe possibilitam penetrá-la intensivamente. Ela tem, portanto, um enorme potencial de aproximar o ser humano e o mundo dela mesma e pode fazer isso de uma forma muito natural e descontraída. Trata-se de um “lugar” no qual ficção e realidade, passado e futuro, o longínquo e o próximo, todas as linguagens e todos os discursos podem estar juntos e ser usados para dizer alguma coisa, ou simplesmente o fato de eles estarem juntos já diz alguma coisa sobre a realidade. É um lugar privilegiado para construir e contar histórias com formas de narrar originais e próprias do meio. A realidade televisiva traz uma nova (des)ordem na qual se destaca a condição de aparente igualdade de todos os discursos, e se assemelha às formas de convivência humana nas grandes cidades. Uma outra questão importante neste trabalho é a constatação da tendência televisiva a ocultar sua condição de mediação e aparentar a autonomia do que ela mostra, como se não fosse por ela construído e aparentemente ela simplesmente permitisse que o telespectador se coloque como “testemunha” diante dos fatos. No entanto, se bem que toda imagem desvele uma realidade preexistente, ela também mostra uma subjetividade que a captura. Portanto, o telespectador só pode estar diante da TV e de sua telerrealidade. Não há nada que seja inteiramente real ou inteiramente ficcional, entendendo, a grosso
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das pela justiça que foram capturadas (222 até o momento) é uma das cartas de apresentação nas quais o programa se escuda para justificar suas práticas e abordagens. Há uma fórmula que se repete a cada semana no Linha Direta e que se transforma em molde pelo qual passam os relatos dos diversos dramas familiares, sendo que os dramas, as histórias e as pessoas que aparecem no programa ocupam um segundo plano. Isto é, a notícia não está dada pelos casos que a cada semana aparecem no programa. Se as pessoas assassinadas foram uma ou mais, se ela era gaúcha ou nordestina, se os assassinos são brancos ou negros (geralmente são negros), se eles tinham razões contra a vítima, se as famílias estão hoje precisando de algo, seja econômica, afetiva ou psicologicamente, nada disso importa. O que importa ao programa, e nisso consiste sua fórmula, são os seguintes elementos: que o assassinato (da forma que tenha sido) tenha cenas chocantes que possam ser representadas logo no início do programa; que existam familiares que possam aparecer e, no final do programa (de preferência chorando), possam dizer que foi uma injustiça que deve ser vingada, porque essa pessoa solta pode – a qualquer momento – fazer algo semelhante com um familiar do telespectador; que os familiares e pessoas ligadas a instituições sociais confirmem a bondade da vítima, a maldade do assassino e a sua impotência para resolver o caso; que “o restante” fique a cargo do programa. O uso do grotesco chocante e o tratamento dado às histórias humanas e às pessoas reais que nele aparecem, procuram de fato chocar o telespectador. Entretanto esse choque não é dado pelo encontro do telespectador com o relato de uma realidade, mas pelo encontro dele com os mecanismos ficcionais usados pelo programa. Nesse sentido, o programa interpõe-se entre os sentidos do telespectador e as histórias relatadas: assim, o telespectador não se revolta com a vio-
ma, às pessoas e às instituições. As possibilidades tecnológicas da Globo lhe permitem uma imagem de altíssima qualidade na qual os brasileiros aprenderam a “se reconhecer”. Os programas Globais referem-se a elementos da realidade brasileira, falas, cenários, acontecimentos, etc., que mostram o cuidado da Emissora no efeito de verossimilhança, visto como mais “progressista” que outras formas e que permite uma maior identificação por parte dos telespectadores. A possibilidade da Emissora de entrar em rede com quase a totalidade dos municípios e lares brasileiros é aproveitada para reforçar esse sentimento de “brasilidade” em torno dela, além de sua auto-enunciação como uma instância única de comunicação real, efetiva e eficaz entre os brasileiros, sendo que a forma como eles são apresentados na tela está próxima de um fragmento muito pequeno da população. O programa Linha Direta apresenta-se como um programa, em primeiro lugar, de utilidade pública; em segundo lugar, é classificado na grade de programação como telejornalístico; em terceiro lugar (sem dizê-lo explicitamente), seria um dos programas mais “populares” da Emissora: a presença de pessoas simples que falam sobre dramas familiares e a participação de atores desconhecidos lhe dariam (lhe dariam?) esta classificação. A utilidade pública é apresentada no programa como um importante serviço que a Globo presta à sociedade: ela faz justiça. Esse recurso é aproveitado por ela para construir uma sociedade telerreal. Nessa sociedade, aparecem de uma ou outra forma instituições frustradas, e o programa (a emissora e a mídia) como um novo lugar social; um meio mais rápido, eficiente e efetivo que vem para resolver o problema da impunidade, que as instituições não conseguem resolver. Nessa sociedade, emerge o telespectador como um novo “cidadão”, que está ligado ao programa e ajuda15 a resolver o caso. Ao mesmo tempo, a utilidade pública e o número de pessoas procura-
15 A ajuda do telespectador, na gramática do programa, já inicia com o fato de ele assistir o programa, sentir a tensão, o medo e a revolta que o programa tenta produzir com seus efeitos especiais. Parece que a ilusão de estar dividindo o drama com a família já está ajudando.
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Linha Direta é, portanto, um espaço de muitas vozes, de muitos ruídos, mas também é exatamente nesse ruído que acontece um duplo silenciamento: o silenciamento das histórias e das pessoas referidas, cujos relatos e depoimentos não conseguem ser suficientemente “poderosos” para concorrer com a tecnologia que atinge mais eficazmente os sentidos do telespectador. Em Linha Direta, a grande notícia é que a tecnologia é a linha direta que a Globo estabelece com a notícia, a qual resolve os casos noticiados, via tecnologia de informação e comunicação ponta-a-ponta. Trata-se, portanto, de uma telessociedade de indivíduos sem sociedade. Nela, os efeitos são mais reais que a realidade e, a realidade é menos que a telerrealidade.
lência e o crime, ou se compadece com a desgraça da família que aparece. Ele é levado a um estado de tensão e revolta, sim, mas pelos efeitos sonoros e visuais quase que por si sós. Na arena do Linha Direta se ouvem muitas vozes, mas elas funcionam como ruídos que confirmam e reforçam a voz do programa. O que realmente o programa simula são as histórias reais. Há uma simulação de polifonia, mas na realidade há um único discurso, o do Linha Direta: um discurso único, absolutista, sobre várias coisas. Um único enunciador com diversos enunciados sobre a justiça, sobre a emissora, sobre a sociedade, sobre a mídia e a tecnologia, sobre as instituições tradicionais e sobre os poderes públicos; sobre o público e o privado.
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