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Ética e emoções morais Thomas Kesselring

Juízos ou emoções: de quem é a primazia na moral? Adriano Naves de Brito

ano 4 - nº 52 - 2006 - 1679-0316


UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS Reitor Marcelo Fernandes de Aquino, SJ Vice-reitor Aloysio Bohnen, SJ Instituto Humanitas Unisinos Diretor Inácio Neutzling, SJ Diretora adjunta Hiliana Reis Gerente administrativo Jacinto Aloisio Schneider Cadernos IHU Idéias Ano 4 – Nº 52 – 2006 ISSN: 1679-0316

Editor Prof. Dr. Inácio Neutzling – Unisinos Conselho editorial Profa. Dra. Cleusa Maria Andreatta – Unisinos Prof. MS Dárnis Corbellini – Unisinos Prof. MS Gilberto Antônio Faggion – Unisinos Prof. MS Laurício Neumann – Unisinos MS Rosa Maria Serra Bavaresco – Unisinos Esp. Susana Rocca – Unisinos Profa. MS Vera Regina Schmitz – Unisinos Conselho científico Prof. Dr. Adriano Naves de Brito – Unisinos – Doutor em Filosofia Profa. MS Angélica Massuquetti – Unisinos – Mestre em Economia Rural Prof. Dr. Antônio Flávio Pierucci – USP – Livre-docente em Sociologia Profa. Dra. Berenice Corsetti – Unisinos – Doutora em Educação Prof. Dr. Fernando Jacques Althoff – Unisinos – Doutor em Física e Química da Terra Prof. Dr. Gentil Corazza – UFRGS – Doutor em Economia Profa. Dra. Hiliana Reis – Unisinos – Doutora em Comunicação Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel – Unisinos – Doutora em Medicina Profa. Dra. Suzana Kilpp – Unisinos – Doutora em Comunicação Responsável técnico Laurício Neumann Revisão Mardilê Friedrich Fabre Secretaria Caren Joana Sbabo Editoração eletrônica Rafael Tarcísio Forneck Impressão Impressos Portão Universidade do Vale do Rio dos Sinos Instituto Humanitas Unisinos Av. Unisinos, 950, 93022-000 São Leopoldo RS Brasil Tel.: 51.35908223 – Fax: 51.35908467 www.unisinos.br/ihu


ÉTICA E EMOÇÕES MORAIS Thomas Kesselring

Por muito tempo, as emoções foram negligenciadas pela ética. Uma das razões desta negligência é a influência que o pensamento de Kant desempenhou na filosofia prática e continua desempenhando até os nossos dias. Uma ação moralmente boa, ensinou Kant, é uma ação racional. Mais exatamente, ela é uma ação realizada simplesmente porque deve ser realizada, enquanto um ato que executamos para satisfazer algum prazer se baseia numa inclinação, portanto não tem qualidade ética. Por conseguinte, a maior parte da pesquisa no âmbito da ética evitou tocar no tema dos sentimentos. É verdade que sempre havia grupos minoritários que não hesitaram em tratar do papel das emoções na ética (por exemplo, Friedrich Schiller no século XVIII/XIX e Max Scheler no século XX). No entanto, a filosofia acadêmica das décadas passadas ignorou quase completamente estes autores. Na sombra da teoria kantiana, até as pesquisas clássicas sobre o desenvolvimento das capacidades morais na criança e no adolescente (teorias de Jean Piaget e de Lawrence Kohlberg) evidenciaram uma orientação unilateral, limitando-se à indagação do seu lado intelectual: os protagonistas da pesquisa no âmbito da psicogênese moral apenas se interessaram pelo papel do juizo moral. Afinal de contas, a consideração sistemática das emoções também foi descuidada na educação. Nesta área, a redescoberta das emoções é de particular urgência. Nos últimos anos, tanto na ética quanto na psicologia do desenvolvimento, o interesse da comunidade científica voltava para o lado dos sentimentos. Esta reviravolta, sem dúvida, foi incentivada pela pesquisa do cérebro humano – pesquisa que focaliza particularmente o funcionamento biológico e neuronal dos sentimentos.1 Por conseguinte, redescobre-se cada vez 1

Veja, por exemplo, as diversas obras do médico português Antônio Damásio, que distingue sentimentos e emoções da seguinte maneira: As emoções têm a ver com a motivação que incentiva qualquer conduta humana. Como tal, ela pode ser percebida por outras pessoas. A conduta deve-se a movimentos corporais que por sua parte é acompanhado pela ativação de um conjunto


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mais a importância do papel dos sentimentos e das emoções na vida social. Um sinal disso é o número rapidamente crescente de livros e artigos sobre esse tema. O psicólogo norte-americano Martin Hoffman, por exemplo, mostrou que a teoria de Kohlberg sobre o desenvolvimento do juízo moral, sem maiores dificuldades, pode (e deve) ser ampliada por uma consideração sistemática do papel que os sentimentos morais e a empatia desempenham no desenvolvimento da conduta moral na criança2. A redescoberta das emoções na ética contemporânea ocorre tarde, mas de forma decisiva. Já se pode observar que a tarefa de justificar normas, regras, costumes e direitos básicos (direitos humanos) etc., está começando a perder peso e arrisca a sair completamente do foco da filosofia prática. Com a minha abordagem do tema dos sentimentos morais, eu viso a duas finalidades: primeiro, queria chamar a atenção do leitor para uma área na qual as emoções desempenham um papel central, quer dizer, a área da interação social. Segundo, queria lembrar a relação estreita entre interação social e ética. E finalmente, tentarei mostrar que a análise do papel que as emoções desempenham na ética, não contribui muito para fundamentar a ética – tarefa que, mesmo na época atual pós-moderna, não deve ser abandonada. Começarei, então, com uma breve análise das emoções na vida social (1), baseando-me na obra do filósofo escocês Adam Smith (1723-1790), para depois (2) discutir o que significa aprovar ou desaprovar a conduta de outra pessoa – ainda segundo a teoria de A.Smith. Em seguida, vou analisar o papel das três emoções básicas na moral: indignação, rancor e sentimento de culpa (3). Nesta parte, baseio-me em algumas obras recentemente publicadas do filósofo alemão Ernesto Tugendhat e, mais adiante (4), num ensaio de Adriano Naves de Brito em que reconstrói e critica a abordagem de Tugendhat. 1 O papel das emoções na vida social Vale a pena dar uma olhada na teoria de Adam Smith, teoria com a qual o filósofo escocês não pretendeu fundamentar a mo-

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complexo de neurônios no cérebro. Segundo Damasio, o sentimento é nada mais e nada menos de que o “mapeamento” deste conjunto de neurônios. A emoção, portanto, antecede a conduta, e a conduta antecede o sentimento por milésimos de um segundo. A emoção é observável por outras pessoas, enquanto o sentimento apenas é acessível ao próprio agente. Dessa forma, Damasio reconduz os sentimentos aos neurônios no cérebro que são suscitados pela emoção, ou seja, pelo comportamento desencadeado por esta. No que segue, eu não volto a esta distinção entre sentimentos e emoções. Para facilitar a leitura, trato destes conceitos como se fossem sinônimos. HOFFMAN, Martin. Empathy and Moral Development. Implications for Caring and Justice. Cambridge (Mass.); London: Cambridge Univ., 1991.


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ralidade nem discutir a maneira como os seres humanos devem ou não devem agir. Ele apenas quis esclarecer o papel que as emoções desempenham na comunicação humana. Analisando a maneira como os seres humanos interagem cara a cara, Smith sublinhou dois fatos que facilmente passam despercebidos: primeiro, o fato de que qualquer comunicação direta entre duas pessoas é acompanhada por uma interação tácita no plano emocional, e segundo, o fato de que, consciente ou inconscientemente, nós quase sempre submetemos o comportamento de outras pessoas a uma avaliação ou aprovação moral. A seguir, tratarei de ambos os fatos. Para começar com o primeiro, é preciso distinguir três planos da interação humana. O primeiro é o da conduta humana; quer dizer, o plano dos movimentos físicos que compõem a conduta, das emoções que a acompanham e da intenção que a guia. Um aspecto essencial da interação é a observação mútua, pelos atores envolvidos, da conduta própria e alheia. Imaginemos duas pessoas, A e B, que se comunicam. Imaginemos, além disso, que a pessoa A chegou tarde num compromisso com a pessoa B, e B reage a este atraso com sentimento de decepção, até com um pouco de rancor. A pessoa A percebe isso, mostra surpresa e até preocupação com a reação emocional de B e explica a razão pelo seu atraso: o ônibus teve problemas com o motor e se atrasou. Com esta explicação, B consegue acalmar A, cuja reação emocional, por sua vez, faz B também se acalmar. Como esse exemplo mostra, a interação entre duas pessoas não é uma troca iterada de ação e reação etc., como ela ocorre em eventos físicos, mas sim um processo tacitamente acompanhado por emoções, que têm um caráter reativo e ao mesmo tempo influem na maneira como a outra pessoa reage. Nesse processo, as emoções se transformam permanentemente, ganhando ou perdendo força e alterando continuamente as suas qualidades. Na base destes processos, todos operam a chamada empatia (que A. Smith chama de sympathy). A empatia não é um sentimento nem uma emoção, e sim a capacidade básica que nos leva a compartilhar das emoções dos nossos pares, a compará-las com as nossas próprias emoções e, finalmente, a submetê-las a uma avaliação, na qual a dimensão moral ou ética sempre desempenha um papel importante. Já na primeira frase da sua Teoria dos sentimentos morais, Adam Smith fala da função da empatia, sem nomeá-la explicitamente: “Por mais egoísta que se suponha o homem, evidentemente há alguns princípios em sua natureza que o fazem interessar-se pela sorte de outros, e considerar a felicidade deles necessária para si mesmo, embora nada extraia disso senão o prazer de assistir a


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ela”3. Deixamos agora o primeiro plano da interação humana e prosseguimos para o segundo, ao qual podemos atribuir a regulação das nossas emoções4. Para compreender o funcionamento desta regulação, é preciso saber que os agentes envolvidos numa interação se dão conta das suas emoções – das próprias como também das dos outros – e submetem-nas, consciente ou inconscientemente, a uma avaliação. Em nosso exemplo, a pessoa A percebe (na voz, na cara, nos gestos, na atitude do corpo) que B está decepcionada; nota na pergunta de B um tom crítico, repreendedor; considera este tom exagerado, pois ela não se atrasou por negligência. Por isso a voz da pessoa A também se altera, quando explica a causa do seu atraso (os problemas com o ônibus). Quer dizer que a pessoa A, quando percebe o descontentamento de B, sente empatia com B e começa a compreender o descontentamento de B, quando se dá conta de que B não conhecia as razões pelas quais A tinha se atrasado. Por conseguinte, a voz de A perde o tom repreendedor, o que leva, do lado de B, à diminuição e até o desaparecimento do seu descontentamento. Nesse exemplo, é nítido o que finalmente leva os dois parceiros a um estado de harmonia. Para que tal estado se estabeleça, é preciso que as emoções de A se acomodem às expectativas de B e vice-versa. Tal harmonia emocional leva a avaliação mútua das emoções envolvidas a uma correspondência quase que ideal. No entanto, a interação entre seres humanos nem sempre ocorre desta maneira. Muitas vezes, as emoções de A não correspondem às expectativas de B nem à sua compreensão emocional, ou vice-versa. Se isso acontecer, há uma discordância entre os agentes, baseada na diferença entre a conduta emocional de A e a compreensão desta conduta por B, ou vice-versa. Neste caso, abre-se um abismo emocional entre os parceiros. Um ou outro se torna arrebatado ou se retira emocionalmente. Se isso acontecer freqüentemente, então a separação ou o divórcio é programado. A.Smith considerou explicitamente tal possibilidade: Mas se não tens nenhuma solidariedade para com o meu infortúnio, ou nenhuma que seja proporcional à dor que me assola; ou se não sentes nenhuma indignação pelas ofensas que sofri, ou nada que seja proporcional com o ressentimento que me arrebata, já não poderemos conversar sobre esses temas. Tornamo-nos insuportáveis um ao outro. Não posso tolerar tua companhia, nem tu a minha. Ficarás confuso ante minha violência e paixão, e eu, irado com tua fria insensibilidade e falta de sentimentos5.

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SMITH, Adam. Teoria das emoções morais, primeira parte (p. 5). SMITH, Adam, ibidem, seção 1, cap. 3 e 4. SMITH, Adam, ibidem, p. 21.


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Analisando o que ocorre no segundo plano, chegamos, então, à conclusão de que a maneira das respectivas pessoas interagirem emocionalmente depende de duas coisas: primeiro, da percepção que cada parceiro tem das emoções do outro (o que nos dois lados pressupõe empatia) e da avaliação destas emoções; segundo, da regulação das emoções próprias. Empatia e conseguir regular as emoções são capacidades essenciais das quais depende o êxito da interação. Smith chama estas capacidades de sensibilidade (sensibility) e autodominio (selfcommand). São capacidades não-inatas, mas sim adquiridas na socialização. Em outras palavras, são atitudes no sentido que Aristóteles deu a este conceito (héxis, na língua grega = atitude, hábito). A sensibilidade como o autodomínio são essenciais pela chamada “troca de papéis” – quer dizer, a transferência imaginária na pele do outro. Quem consegue dominar as suas emoções e harmonizá-las com as expectativas de outras pessoas com as quais ele convive, mostra o seu autodomínio. E quem se abre pelos sentimentos dos seus pares e sabe influir positivamente neles, evidencia a sua sensibilidade. No terceiro plano,6 as pessoas vão além da interação como tal. É o plano do “observador imparcial”. Este plano é imaginário, o que não impede que a capacidade de tomar a posição do observador imparcial faz parte da competência comunicativa que nós nos atribuímos mutuamente. Não apenas os adultos, mas também já as crianças a partir de determinada idade (de oito anos em diante, aproximadamente) são capazes de considerar uma relação interpessoal de fora, do ponto de vista de um observador não-atingido. Assumir tal ponto de vista significa superar o egocentrismo em que cada agente permanece quando não se submete à reflexão sobre si mesmo e sobre o seu papel na interação. Se as pessoas envolvidas numa interação permanecem aquém desta perspectiva externa, elas apenas se dão conta de que há harmonia ou dissonância emocional entre elas. No caso de harmonia, elas se sentem bem, e no de dissonância, mal; cada um pretende ter razão e acusa o parceiro de distorcer os fatos. No entanto, logo que entram na perspectiva do espectador externo, elas enxergam mais e vêem a posição própria relativizada. Assumindo a perspectiva do observador imparcial, os parceiros avaliam suas emoções à luz dos valores morais, compartilhados pelos membros da sociedade. Em caso de discordância, há três possibilidades: (1) a posição de A é mais acessível ao observador imparcial (talvez B costume reagir de forma exagerada, enquanto A fica quieto) ou (2) a posição de B é mais acessível ao observador neutro ou (3), ambas as posições são igualmente acessíveis ou igualmente não-acessíveis ao espectador

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SMITH, A., ibidem, primeira parte, seção I, cap. 4 e 5.


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imparcial. Entretanto, pode ocorrer também que os dois agentes se harmonizam emocionalmente, sem que o observador imparcial possa simpatizar com as emoções que estão em jogo. Numa tal situação, ele talvez chegue à conclusão de que os agentes em questão são ambos excêntricos. Como mencionei antes, autodomínio (selfcommand) e sensibilidade (sensibility) não são emoções, mas sim atitudes (hábitos), e mais exatamente atitudes que qualquer sociedade valoriza, ou seja, virtudes. Há 2300 anos, Aristóteles elaborou uma teoria das virtudes, na qual facilmente se insere a análise que Adam Smith propôs do autodomínio e da sensibilidade. No entanto, Aristóteles definiu o autodomínio como a capacidade de dominar os seus afetos, enquanto Adam Smith apontou o papel do autodomínio nas relações interpessoais. Aristóteles relacionou as atitudes principalmente com a função de regular as nossas ações, enquanto A.Smith atribuiu a elas mais a tarefa de moldar e canalizar as nossas emoções, indicando que o autodomínio e a sensibilidade facilitam a interação humana e a tornam agradável. É verdade que nem todas as emoções enquadram-se numa função social – o nojo, por exemplo; porém, as emoções não diretamente relacionadas a uma função social são exceções. O que mais importa, contudo, é que cada comunicação humana e cada interação cara a cara é acompanhada por uma vibração emocional. É claro, então, que as emoções definem uma área de altíssima importância ética. 2 Aprovar e desaprovar, segundo Adam Smith O que significa aprovar ou desaprovar a conduta de outras pessoas? E em que consistem os atos de aprovação ou desaprovação das condutas humanas? Antes de tudo, tal ato baseia-se na empatia (a qual Smith chama de sympathy). Além disso, a aprovação da conduta de alguém implica dois aspectos: (1) Nós imaginamos que teríamos as mesmas emoções que a pessoa em questão, se estivéssemos no lugar dela. Aprovar a conduta de alguém implica concordar com os motivos subjacentes à conduta respectiva. (2) Em segundo lugar, aprovar moralmente uma ação significa compreender ou intuir as emoções que esta ação suscita em pessoas que são atingidas por ela. O que neste caso interessa particularmente é a gratidão e a sensação de vingança (rancor forte). Consideremos uma ação da pessoa A cujo resultado traz alguma vantagem para a pessoa B. Imaginemos que aprovamos moralmente esta ação. Isso quer dizer que nós compreendemos a gratidão de B perante A. No entanto, a gratidão da pessoa B depende de dois pressupostos: Primeiro, a pessoa B deve, evidentemente, aproveitar da ação executada por A. Segundo, o ato de A deve basear-se em bons motivos. (se for permitido lembrar um exemplo atual, é duvidoso se o hábito


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de determinados políticos pagarem terceiros, ou cobrarem deles, um “mensalão” ou um “mensalinho” satisfaz esta condição). Na sua análise do ato de aprovação, Smith vai além do plano puramente descritivo e toca o plano normativo. Isso não é um acaso, pois a aprovação de uma conduta sempre transcende a sua descrição. Aprovar algo implica valorizá-lo, e aprovar moralmente uma conduta significa desculpá-la, a não ser recomendar a outras pessoas que sigam o exemplo dado com a conduta em questão. Mais de que isso: Imaginemos um sadista que tortura um masoquista: podemos assumir que há harmonia emocional entre eles, mas isso não justifica tal tipo de interação. Pode ocorrer, então, que algumas pessoas aprovam mutuamente as suas emoções, enquanto um observador imparcial chega à conclusão de que estas pessoas estão todas altamente neuróticas ou são excêntricas de modo que a conduta delas não é inteligível para terceiros, portanto não pode ser justificada. O exemplo mostra que é preciso discutir sobre os critérios de qualidade ética de uma conduta. De fato, Adam Smith enumera quatro condições às quais a aprovação moral deve corresponder. Já mencionamos a primeira e a segunda, pois ambas têm a ver com o plano descritivo, enquanto a terceira e a quarta, com o plano normativo. Estas até aludem à idéia da universalização. Smith escreveu: Primeiro, simpatizamos com os motivos do agente; segundo, participamos da gratidão dos que recebem o benefício de suas ações; terceiro, observamos que sua conduta obedece às regras gerais por meio das quais essas duas simpatias geralmente agem; e, por último, consideramos tais ações como parte de um sistema de conduta que tende a promover a felicidade do indivíduo ou da sociedade (...).

Para que se possa aprovar a conduta de uma pessoa, é preciso que tal conduta satisfaça dois critérios gerais: deve corresponder às regras vigentes na respectiva sociedade e partilhar de um sistema de condutas ou regras que aumentem (ou, como podemos acrescentar, pelo menos não diminuam) o bem-estar tanto do indivíduo quanto da sociedade. Adam Smith não discute profundamente a questão das regras que as nossas emoções morais devem seguir. Ele não se interessa pela discussão normativa da ética; muito mais, com a sua análise do costume de aprovar ou desaprovar mutuamente a nossa conduta, ele mostra claramente que não se pode abstrair dos juízos de valor que implicitamente influem qualquer ato de (des)aprovação. Sendo tais juízos acompanhados por uma pretensão de verdade, a análise fenomenológica do ato da (des)aprovação nos leva a considerar explicitamente o plano normativo, e até o plano ético, no qual ocorre a disputa sobre a fundamentação dos nossos juízos morais.


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Passo agora para a terceira parte da minha abordagem, tentando me aproximar da questão da aprovação moral sob um ângulo diferente. 3 Indignação, rancor e sentimento de culpa, segundo Ernesto Tugendhat Há mais de vinte anos, o filósofo alemão Ernesto Tugendhat dedica-se à apuração de questões da ética. O que particularmente interessa a ele são os jogos de linguagem no âmbito da ética. Nos últimos anos, Tugendhat esforçava-se por esclarecer o “jogo” da nossa conduta moral, quer dizer o “jogo” da aprovação ou desaprovação mútua, no sentido moral, das nossas ações e emoções7. Segundo Tugendhat, esta (des)aprovação ocorre mediante as nossas emoções morais. Antes de explicar a função destas emoções, o filósofo alemão analisa o contexto no qual estas emoções desempenham o seu papel. A moral, explica Tugendhat, é um sistema de regras pelas quais a conduta dos membros de um grupo ou de uma sociedade está sendo regulamentada. Essas regras podem ser implícitas ou explícitas. Nelas espelham-se as expectativas mútuas dos membros como também a maneira como eles avaliam mutuamente a sua conduta e os motivos subjacentes. A infração das regras suscita reações emocionais peculiares, que podemos interpretar como sanções espontâneas. Há três tipos de tais reações: a indignação, o rancor (ou o ressentimento) e o sentimento de culpa. Como todas as emoções, estas três também têm duas faces opostas uma da outra: Por um lado, baseiam-se num juízo de valor. No caso da indignação, esse juízo contém um enunciado como: “A conduta do Fulano de Tal moralmente não é boa.” Apesar desse juízo não se oferecer a uma formalização lógica, ele tem o caráter de um sinal, com todas as implicações que nós lhe atribuímos: o juízo implícito numa emoção tem um significado aberto à leitura, à compreensão, à interpretação e até a uma resposta que, por sua vez, também tem o caráter de um sinal. É verdade que as emoções são sinais não-lingüísticos, ou melhor, pré-lingüísticos. Aparentemente, tanto na filogênese da nossa espécie quanto na psicogênese da criança, a troca de sinais emocionais antecede a comunicação lingüística. Por outro lado, a emoção surge espontaneamente, apesar de depender das nossas experiências anteriores e da nossa identidade social. Portanto, se alguém bate numa outra pessoa, 7

Cf. particularmente, TUGENDHAT, Ernesto. Was heisst es, moralische Urteile zu begründen. In: ______. Aufsätze 1992-2000: Frankfurt: Suhrkamp 2001a; TUGENDHAT, Ernesto. Wie sollen wir Moral verstehen? In: ______. Aufsätze 1992-2000: Frankfurt: Suhrkamp 2001a; TUGENDHAT, Ernesto. Das Problem einer aufgeklärten Moral. Frankfurt: 2005.


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a nossa reação indignada é uma manifestação do fato de que nós somos e nós nos sentimos como um membro de uma sociedade que admite como regra moral a proibição de bater em outras pessoas. Podemos assumir que nunca, na história da humanidade, houve grupos que não tivessem criado um tal sistema de regras. Em outras palavras, em todo o lugar onde seres humanos conviveram e convivem juntos em paz (ou onde eles se esforçam para conviver pacificamente), eles aderem a um tal sistema de regras morais, sistema no qual as três emoções morais desempenham um papel central: com indignação, reagimos para exprimir a nossa desaprovação moral perante uma conduta cujos efeitos não nos atingem. Com rancor ou ressentimento, reagimos, quando desaprovamos uma conduta que nos prejudica ou nos ofende8. E reagimos com sentimento de culpa, quando desaprovamos moralmente um ato que nós mesmos cometemos. O fato de que todos os grupos humanos, dos quais temos conhecimento, possuíram ou possuem uma moral no sentido descrito, não significa que a moral seja igual em todos estes grupos. Evidentemente há muitos sistemas morais diferentes, muitos conjuntos de regras morais diferentes. Atualmente as diferenças entre a moral cristã e a moral muçulmana, por exemplo, estão sendo intensamente discutidas. E já entre tribos diferentes há uma variedade de sistemas morais. No entanto, as três emoções morais são conhecidas por todas as sociedades: Dependendo do sistema das regras morais, nem todas as sociedades costumam desaprovar as mesmas condutas. Entretanto, perante as condutas moralmente desaprovadas, em todas as sociedades, costuma-se reagir com indignação, rancor e sentimento de culpa. Tugendhat continua a sua análise discutindo as razões pelas quais o homem adere a uma moral. A esta questão muitas respostas foram dadas pela filosofia. Uma resposta, por exemplo, parte do fato de que o indivíduo vive melhor dentro em vez de fora de um grupo, e o grupo vive melhor com uma moral do que sem ela. Conforme outra resposta, a moral é um ingrediente da religião. Segundo uma terceira, a vida social é mais pacífica com moral do que sem ela, etc. Apesar de nenhuma destas respostas filosóficas serem erradas, continua Tugendhat, também nenhuma delas explica os verdadeiros motivos, pelos quais um indivíduo se submete a uma moral. No entanto, estes motivos são triviais: Cada indivíduo nasce em determinado grupo e aprende as regras implícitas nas expectativas mútuas dos seus membros, quer dizer, as regras que regulam a interação entre eles. Com isso, o indivíduo aprende também o que significam a

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O desejo de vingança nasce de um ressentimento não refletido.


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indignação, o rancor e o sentimento de culpa. Finalmente, ele aprende a reagir contra as infrações de normas morais, mostrando ele mesmo tais sentimentos. Assim, ele manifesta implicitamente a sua identificação com a moralidade do grupo ao qual pertence. Por princípio, o indivíduo pode escolher livremente o sistema moral em que ele quer viver, mesmo se esta escolha não seja baseada numa decisão explícita. Tugendhat parece até admitir a possibilidade de o indivíduo tomar uma decisão contra qualquer sistema moral e conduzir uma vida solta e amoral. 4 Indignação e sentimento de culpa segundo Adriano Naves de Brito As teses do filósofo alemão foram aprofundadas e criticadas por Adriano Naves de Brito9. Adriano acentua três pontos: 1) Nós não temos livre escolha de entrar no sistema de regras morais ao qual pertencemos. Nós não somos membros de um grupo moral por decisão autônoma. Por decisão individual, nós apenas podemos sair do grupo do qual nós nos tornamos membro porque nascemos nele e nele recebemos nossa educação. Ninguém sai voluntariamente do sistema normativo em que foi criado, a não ser numa situação de crise. O fato de uma tal saída não ser impossível é muito mais um risco, uma ameaça do que uma chance, pois quem sai do seu sistema moral corta ou enfraquece seriamente os liames emocionais com os outros membros do seu grupo, perdendo, desse modo, o apoio deles. A forma mais plausível de despedida do “seu” sistema moral é ligada à adesão a um outro sistema moral – seja pelo casamento, seja pela migração. O caso da conversão consciente, deliberada, é ligado a situações de desespero ou grande insegurança existencial. Sem conhecimento detalhado do “novo” sistema, a não ser intimidade com ele, tal conversão parece impraticável. Quanto à questão, se nós podemos nos liberar de toda moral – possibilidade que Tugendhat afirma – Adriano nega-a de forma decisiva: temos liberdade apenas diante da escolha de viver segundo um dos sistemas morais que já conhecemos (se de fato conhecemos tais sistemas). 2) Segundo Adriano não é preciso fundamentar a moral moderna como moral universal e igualitária, pois ela já nos é dada de antemão, porque, mediante às nossas emoções morais, avaliamos mutuamente as nossas condutas. Quer dizer que nós nos movimentamos num plano igualitário não apenas quando participamos num discurso argumentativo, como Jürgen Habermas aponta, senão quando interagimos com outras pessoas, incitando emoções morais no lado delas e respondendo às suas 9

BRITO, Adriano Naves de. The Role of Reasons and Sentiment in Tugendhat’s Moral Philosophy. [Manuscrito ainda não publicado]


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ações e emoções com a manifestação das nossas emoções morais... Mesmo os súditos de um ditador estão, no plano moral, igual a ele: avaliam moralmente a sua política e as suas ordens, pondo-o, assim, no patamar do juízo moral, igual para todos. Adriano vai mais longe, afirmando que um dos sentimentos morais, a indignação, é de porte universal. Quando uma pessoa transgride uma norma, os adeptos dessa norma reagem com indignação. Nós reagimos indignados não apenas perante aquelas pessoas que partilham do nosso sistema moral, como também perante qualquer outra pessoa que infringe uma regra à qual nós aderimos, mesmo se tal pessoa não concordasse com a nossa condenação moral. 3) Há uma assimetria entre a indignação por um lado e o sentimento de culpa e a vergonha por outro10. Quer dizer que nós sentimos culpa ou vergonha apenas se os membros do nosso grupo nos criticam, enquanto não sentimos nem culpa, nem vergonha, se somos criticados por alguém que adere a uma moral diferente da nossa; em outras palavras, se nós discordamos com a leitura que tal pessoa faz da nossa conduta. Por exemplo, eu sinto indignação com a maneira como os muçulmanos tratam as mulheres, mas se um muçulmano se sente indignado com meu agnosticismo, eu não sinto nem culpa nem vergonha. Depois desta recapitulação das principais teses de Adriano Naves de Brito, submeto-as a uma avaliação crítica. Incluo nesta avaliação também a teoria de Tugendhat, tão claramente resumida por Adriano. Faço a minha avaliação sobre a teoria da aprovação e desaprovação moral de Adam Smith por partes. Queria previamente chamar a atenção do leitor para a inversão que ocorre entre as análises da (des)aprovação moral segundo Adam Smith por um lado, e segundo E.Tugendhat e Adriano Naves de Brito, por outro. Segundo Adam Smith, a aprovação moral consiste basicamente num juízo sobre emoções, enquanto, segundo Ernesto Tugendhat e Adriano Naves de Brito, ela consiste numa emoção moral na qual se manifesta um juízo pré-lingüístico. De acordo com Smith, um juízo reflete uma emoção, para Tugendhat e Adriano, pelo contrário, uma emoção reflete um juízo. Este contraste é surpreendente, mas ele não deve ser sobreestimado, pois ambas as interpretações coincidem num fato importante: Ambas apontam a relação entre dois planos – o plano das emoções e dos juízos racionais –, relação baseada num ato de reflexão. Como vimos na ocasião do exemplo discutido no primeiro parágrafo, na interação emocional de fato alternam-se emoções e juízos, como numa lasanha se alternam as camadas de massa e de carne. Os autores citados indicam

10 Adriano não menciona nem o rancor nem o ressentimento.


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todos nesta estrutura complexa da interação humana, mesmo que todos se limitam à descrição de apenas duas camadas. Voltando à análise das emoções morais por Adriano Naves de Brito, quero discutir agora dois pontos com os quais não concordo totalmente. 1) Adriano escreve: “Existe aqui uma assimetria peculiar [a saber entre a indignação e o sentimento de culpa] a qual, penso, é essencial pela estrutura da moralidade como sistema unificado de demandas recíprocas”11. Parece-me que esta assimetria não é essencial pela moralidade, pois ela tem a sua origem num outro fato. Nós todos somos, até determinado ponto, egocêntricos, e não o somos apenas na moralidade, como também em nossa visão da sociedade e em nossa visão do mundo em geral. Chamo de egocentrismo uma atitude que absolutiza a perspectiva pela qual enxergamos e interpretamos as coisas. O egocentrismo é ligado à inconsciência sobre a pluralidade de perspectivas. Tal inconsciência manisfesta-se tanto no âmbito da representação do espaço quanto naquele da representação das relações sociais; tanto no âmbito da visão do mundo quanto na lógica e na matemática. Um exemplo famoso de Jean Piaget12: Uma criança de quatro ou cinco anos, sentada diante de uma mesa na qual ela vê uma pequena paisagem de papel com três montanhas, não consegue imaginar que uma boneca (ou uma outra criança) sentada no lado oposto da mesa, vê as três montanhas sob um ângulo visual diferente. Uma criança um pouquinho mais desenvolvida antecipa que a boneca deve ter uma outra perspectiva, mas ela não consegue apontar direitinho a fotografia (ou o desenho) que corresponde a esta perspectiva. A atitude de tal criança é egocêntrica, mas desta vez o egocentrismo é atenuado. Uma criança de 9 ou 10 anos, finalmente, consegue reconstruir a perspectiva da boneca e aponta a fotografia ou o desenho certo, manifestando, dessa forma, que superou completamente o egocentrismo na sua representação do espaço visual. Piaget chama esta atitude de descentração. Quero continuar mostrando que a assimetria ente a indignação e o sentimento de culpa, que Adriano defende, é apenas aparente. A indignação, pretende Adriano, implica uma posição universal. Será que isso é verdade? Confesso que posso concordar apenas parcialmente. Concordo apenas com o fato de que, às vezes, a indignação parece ser universal. Isso ocorre, quando a pessoa indignada passa por uma fase de egocentrismo moral (mais adiante vou diferenciar outras condições nas quais a indignação evidencia uma atitude generalizadora). Se uma pequena criança guarda, em casa, um 11 BRITO, Adriano Naves de, ibidem, p.11. 12 PIAGET, Jean; INHELDER, Bärbel et al. La représentation de l’espace chez l’enfant, cap.8.


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passarinho numa gaiola, e se um gato entra e mata-o, então a criança facilmente fica indignada com o gato. É bem menos provável, porém, que a mãe ou o pai também se indignem com o animal, pelo simples fato de que um gato não sabe como evitar a caça de pássaros e menos ainda segue normas morais. Ele não tem culpa. Nós até nem sempre nos indignamos com um assassino. Isso depende da informação que temos sobre o homicídio e os seus motivos. Se nós sabemos que o assassino é um psicopata incurável, não-imputável e portanto não-responsável, a nossa indignação torna-se infundada e desaparece, a não ser que ela fique contra o sistema policial ou penitencial que fracassou na prevenção do assassinato. No entanto, é claro que sentimos culpa quando transgredimos uma regra moral à qual nos ligamos, referindo-se o nosso sentimento de culpa apenas às nossas próprias transgressões morais e não às transgressões de qualquer outra pessoa, é evidente que ao sentimento de culpa falta o aparecer da universalidade. Também é claro que não precisamos sentir-nos culpados, se alguém reage indignado contra nós. Apenas sentimos culpa se estivermos convictos que infringimos uma regra moral ou se outra pessoa (a pessoa indignada) consegue nos convencer de que transgredimos tal regra. O caso da indignação é parecido: suponhamos que uma tribo (hoje talvez imaginária) pratique a antropofagia. Quando sabemos desse fato, nós talvez nos sintamos irritados; mas isso não significa que nós nos sintamos indignados. É mais natural acreditar que os membros da tribo em questão não sentem culpa quando praticam tal costume. Se, ao invés, eles sentem culpa ou se nós temos boas razões de assumir que eles deveriam sentir culpa, então sim, a nossa indignação é justificada. No entanto, quais são as regras implícitas no sentimento da indignação? Aparentemente estas regras são complexas, e não há uma regra só. Para descobrir em que condições nós nos sentimos indignados, proponho os seguintes critérios: • sinto indignação com uma pessoa quando ela transgrediu uma norma à qual ambos, ela e eu mesmo, aderimos (ou se o sistema de normas morais ao qual ela se vincula, é parecido àquele de mim mesmo). • sinto indignação se eu atribuo à outra pessoa o mesmo sistema moral ao qual eu mesmo me ligo neste caso, a indignação baseia-se numa atitude egocêntrica; • acontece que sinto indignação também contra pessoas que, sem o meu conhecimento, prendem-se a convicções morais bastante diferentes das minhas; a indignação implica a crença de que o transgressor pode, e até deve, perceber que as suas convicções morais estão tão erradas que ele melhor aderiria às minhas convicções; neste caso a indignação também pode ser baseada numa atitude pelo menos parcialmente egocêntrica.


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Ao invés, nós não sentimos indignação, se somos convictos de que a visão moral da outra pessoa é irreconciliável com a nossa própria, de tal maneira que ela não tem as condições de perceber o seu erro. Este caso tem semelhança com aquele do gato que matou o pássaro. 2) O segundo ponto sobre o qual discordo de Adriano segue esta análise: Nós não podemos explicar a posição universal da moral moderna com o mecanismo da indignação. Adriano escreve: “Através da indignação, a moral tende inevitavelmente à universalização, não por causa de um princípio, mas sim por causa da disposição fundamental que temos como seres humanos, capazes de ter sentimentos morais13”. Esta diagnose me parece pouco convincente. A posição universal da moral moderna tem um sentido bem diferente. O que é (ou deve ser) universalizável, segundo Kant, é uma máxima. No contexto presente, podemos substituir o conceito de “máxima” pelo conceito de “norma” ou “regra”: O critério para que uma norma ou regra seja moral é a sua aptidão para ser aplicada universalmente. Este critério, aliás, corresponde à primeira fórmula do imperativo categórico de Kant. Apesar desta fórmula ser a mais conhecida, o imperativo categórico não termina com ela14. Duas outras fórmulas são essenciais: Uma delas (a segunda) nos manda agir de tal maneira que não instrumentalizemos ninguém15. A outra fórmula (a terceira) mostra o nosso dever de tratarmos as pessoas como seres autônomos, capazes de aplicarem, eles mesmos, o imperativo categórico. Um objetivo desta terceira fórmula (em combinação com a segunda) é prevenir o uso egocêntrico da primeira fórmula. Isso significa que uma norma não satisfaz o critério da moralidade, se apenas eu mesmo posso desejar a sua universalização. Quando, além de mim, ninguém mais concorda com a idéia de universalizá-la, ela não corresponde ao imperativo categórico, por isso não se presta a uma norma moral. O imperativo categórico até é mais refinado ainda. Ele não apenas implica uma dupla universalização (uma na primeira e outra na terceira fórmula), como também combina ambos os tipos de universalização um com o outro. – Interpretada à luz da terceira fórmula, a primeira tem o seguinte sentido: “O teu desejo de universalizar a norma N tem apenas qualidade moral, se todos os atingidos, direta ou indiretamente, por esta norma têm boas razões para concordarem com esta universalização. ”Em

13 BRITO, Adriano Naves de, ibidem, p. 21. 14 Veja KANT, Immanuel. A Fundamentação da Metafísica dos Costumes; segunda parte. Na Crítica da Razão Prática, Kant apenas menciona a primeira fórmula. 15 Mais adequadamente, de tal maneira que não usemos de outras pessoas “apenas como meios”, em vez de considerá-las e tratá-las “sempre também como fins-em-si”.


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contraposição com isso, a terceira fórmula transmite, à luz da primeira, a seguinte mensagem: “Respeite as outras pessoas como autônomas, isto é, como capazes de averiguar que normas satisfazem a condição de que a aplicação delas é universalmente desejável”. Graças a esta estrutura complexa, o imperativo categórico prevê a possibilidade de alguém aplicá-lo de forma egocêntrica, baseando-se apenas na sua primeira fórmula. Ousei dar esta longa explicação, pois defendo a tese de que a indignação, em vez de constituir a causa da universalidade da ética, pelo contrário depende da nossa atitude ética: quem não considera a diversidade dos sistemas morais, torna-se mais freqüentemente indignado com outras pessoas do que quem considera esta diversidade. E quem segue apenas a primeira fórmula do imperativo categórico, impondo as suas convicções morais a todo o mundo, se indigna mais facilmente com os seus pares do que quem considera também as outras fórmulas. 5 Conclusões Contra as teses de Adriano Naves de Brito, eu defendo uma interpretação da indignação que escapa à atitude egocêntrica a qual Adriano me parece pressupor. Para ilustrar as implicações da minha interpretação, segui três passos: Primeiro, resumi a teoria da aprovação, segundo Adam Smith; segundo, lembrei a teoria da descentração em J.Piaget; terceiro, analisei as três fórmulas do imperativo categórico, segundo Kant. É claro que a superação do egocentrismo pressupõe ampla experiência e aprendizagem social. Mesmo que seja difícil descentrar completamente qualquer atitude egocêntrica, nós normalmente não nos recusamos a superar uma atitude completamente egocêntrica – nem no domínio das capacidades intelectuais nem naquele da conduta social e moral. Contra Adriano (e Tugendhat) queria defender a tese de que os nossos sentimentos morais seguem todos os nossos passos rumo à descentração.

Artigo enviado ao IHU em 11 de outubro de 2005.


JUÍZOS OU EMOÇÕES: DE QUEM É A PRIMAZIA NA MORAL? Adriano Naves de Brito16

Em setembro de 2005, o professor Thomas Kesselring proferiu uma conferência no evento IHU Idéias. A sua atenção foi dirigida ao papel das emoções na ética e logrou fazer uma instigante contribuição à redescoberta pela filosofia dos sentimentos na constituição moral humana. Relegada ao segundo plano das reflexões filosóficas, como o atesta de início o próprio Thomas, as emoções, nos recentes anos — e graças sobretudo ao desenvolvimento das ciências, notadamente a neurociência, a psicologia e a biologia — viram-se ocupando o centro do debate moral. Afinal, até que ponto somos moralmente determinados por nossa constituição emocional? Assim se poderia colocar uma das importantes questões que esse debate enseja. A conferência de Thomas, publicada neste número sob o título Ética e emoções morais, toca nesse ponto e discute criticamente algumas das teses que defendi num texto ainda inédito intitulado The Role of Reason and Sentiments in Tugendhat’s Moral Philosophy. Essa é minha réplica às ponderações de Kesselring, continuando em texto o debate que então iniciamos. A principal crítica de Thomas Kesselring à descrição do fenômeno moral que apresento no texto supramencionado diz respeito à explicação que dou da tendência universalizante da moral com base no sentimento de indignação. Para encurtar uma longa história, meu argumento se desenvolve assim. Considerando que não se disponha de um fundamento argumentativo para explicar a universalização de regras morais que deveras fazemos (ponto que tomo aqui como dado, mas que desenvolvi longamente no texto em tela), que explicação se poderia dar para o fato de que convicções morais tendem a ser universalizáveis por seus defensores? Minha sugestão é que a base para essa tendência universalizante da moral não deveria ser procurada em nossa capacidade racional, mas em nossa constituição

16 Os resultados apresentados neste texto foram alcançados no âmbito de um projeto de pesquisa financiado pelo CNPq e pela Unisinos.


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emocional. O fato de não sermos, do ponto de vista da moral, emocionalmente indiferentes às ações de quem quer que seja, mesmo que essa outra pessoa não partilhe nossas convicções éticas, mostraria que a base da universalização está nos próprios sentimentos morais, especificamente a indignação, e não em algum princípio que julgamos, mesmo que com boas razões, universalizável. A tese, note-se bem, é descritiva e não normativa. Isso quer dizer que não me propus, na parte construtiva do texto comentado por Thomas, a defender que deve ser assim, mas a descrever e explicar o que de fato se passa, já que, o que se passa, parece ser muito pouco esclarecido pelas teorias morais universalistas; todas, via de regra, normativas. Para Thomas, essa explicação é “pouco convincente” e duas razões me parecem ser as mais decisivas para a sustentação de sua opinião. De um lado, minha descrição prescinde de todo recurso a um princípio universalizável, o que a colocaria na contramão de toda a filosofia moderna, em especial da filosofia prática de Kant. Ora, o kantismo tornou-se profundamente hegemônico na filosofia contemporânea e, desse modo, minha tese estaria também na contramão de boa parte dessa filosofia. Com isso, a interpretação de minha posição careceria de um terreno propício para a sua compreensão, já que o terreno que temos está dominado por algum tipo de racionalismo moral; e Thomas, como veremos, não se coloca em solo muito diferente. De outro lado, e aqui faço uma autocrítica, a explicação que até aqui dei do fenômeno carece de desenvolvimento suficiente para dar a ela maior plausibilidade e capacidade elucidativa. A este respeito, esta réplica me pode dar a oportunidade de dar-lhe um acabamento melhor, pelo menos no que tange a alguns de seus aspectos. Embora Thomas tenha iniciado a sua conferência, recuperando a pouco freqüentada tradição do empirismo inglês mediante a exposição do cerne da teoria sobre os sentimentos morais de Adam Smith, as fortes raízes racionalistas de seu pensamento moral fazem uma permanente sombra sobre a sua reflexão. É muito revelador que, depois da parte expositiva de minha posição e antes de iniciar propriamente as suas críticas a meu texto, Thomas chame a atenção do leitor para uma “inversão” que colocaria a mim e a Tugendhat em posição oposta a de Smith. O trecho é revelador porque o movimento de seu pensamento nele denuncia suas próprias raízes, ao mesmo tempo que mostra as dificuldades que tem a tradição neokantiana de pensar as questões morais com base nos cânones de um empirismo descritivista. Diz Thomas: “Segundo Smith, um juízo reflete uma emoção, segundo Tugendhat e Adriano, pelo contrário, uma emoção reflete um juízo.” (KESSELRING, 2005. p. 8) O contraste, afirma ele, ainda que “surpreendente”, não deveria ser “superestimado”, pois ambas as posições concordariam que as relações entre juí-


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zo e emoções desenvolvem-se de modo complexo numa sobreposição permanente entre esses dois pólos. Ora, contra o que acha Thomas, penso que o contraste é absolutamente central no debate e assim deve ser analisado. A centralidade desse tema torna dramática para as críticas de Thomas o seu engano na classificação de minha posição, colocando-me, no que toca a esse tema, ao lado de Tugendhat. Um dos pontos centrais de minha crítica a Tugendhat diz respeito precisamente à primazia que ele confere aos juízos diante das emoções morais. Tugendhat é explícito em admitir que sem um correspondente juízo, uma emoção perderia o seu sentido de ser. Ele argumenta, a certa altura de suas Vorlesungen über Ethik, que esta seria a mesma posição já defendida por Aristóteles17 e a pressupõe então como correta. Meu argumento contra Tugendhat no tocante a isso é que esta dependência condiciona a entrada de alguém em um sistema moral a um tipo de procedimento de justificação, no sentido de “dar razões para”, que de fato não tem lugar, a não ser em relações mediatas por contratos. Desse modo, eu me perfilaria mais confortavelmente ao lado de Smith. Quando se trata de nosso pertencimento a sistemas morais, são as emoções que têm a primazia – notadamente o sentimento de pertença a uma comunidade, normalmente aquela na qual nascemos – e não os juízos. Thomas, ele sim, é que está aqui mais identificado com a posição de Tugendhat, e isso me parece claro em sua digressão sobre a filosofia kantiana e que se acopla perfeitamente à sua crítica à minha posição, caracterizada, então, com o auxílio da teoria de Piaget, como egocêntrica. Essa minha conclusão, porém, chega rápido demais e preciso voltar a esclarecer a teoria que defendo para que o que afirmei ganhe um sentido claro. Embora Thomas me tenha classificado ao lado de Tugendhat no tocante à primazia dos juízos sobre as emoções na moral, sua crítica à minha tese de que a indignação estaria na base do fenômeno da tendencial universalidade das convicções morais é também uma crítica à posição de Adam Smith, isto é, uma crítica a dar às emoções a primazia em questões morais. Este cruzamento: alinhar-me com Tugendhat e criticar-me ao lado de Smith, é revelador da dificuldade da filosofia prática contemporânea de cunho kantiano-contratualista em lidar com uma teoria empírico-descritiva. Para Thomas, o desenvolvimento psicológico humano – e é aqui que Piaget entra em cena – mostraria que a primazia emocional nas avaliações morais, embora seja consta17 Für alle Affekte überhaupt gilt, was schon Aristoteles in einer für die ganze Tradition maßgebend Klarheit gezeigt hat (Rhetorik, 2. Buch), daß es sich bei dem, was man Affekte nennt, immer um positive oder negative Gefühle handelt (Lust oder Unlust), die sich ihrem eigenen Sinn nach auf ein Urteil aufbauen, und zwar ein Werturteil. (TUGENDHAT, 1993. p. 20)


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tável, corresponderia a um estágio menos desenvolvido de nossa psique. Desse modo, quanto menos descentrado o indivíduo, menos ele faria depender suas avaliações morais de suas emoções. Quanto mais descentrado, quer dizer, quanto mais relativamente a outro indivíduo ele pudesse ver o seu próprio ego, mais ele daria aos juízos a primazia nas questões morais. É claro que “juízo”, neste contexto, estaria por “razão”. E é assim que Kant vem em socorro da adesão – não-declarada, é verdade, mas evidente – de Thomas ao princípio da primazia dos juízos sobre as emoções, pelo menos no indivíduo adulto e maduro. Ora, para usar a metáfora de Thomas, é claro que defendo com Smith e Tugendhat o modelo da lasanha no jogo entre emoções e razão no campo moral. Nesses termos, o jogo começa simples, mas tende a um alto grau de complexidade, num desenvolvimento que em tudo poderia ser descrito por uma teoria do tipo piagetiana. O ponto crucial, no entanto, não é o como nos desenvolvemos, mas de onde partimos, ou com que camada começamos. Se com a carne das emoções ou com a massa das razões. A questão não é se a razão madura mitiga ou não os impulsos emocionais, ou ainda se ela pode fazê-lo em graus diferentes a depender do desenvolvimento do indivíduo. A questão é se são esses impulsos que, em última instância, ativam a ação ou se, como propõe a moral kantiana, é a razão que deve motivar a ação sob pena de ela não ter valor moral. Em termos kantianos, o que está em discussão é se a razão é ou não prática, que é o problema central de sua segunda Crítica. Sobre esse problema kantiano não posso avançar mais aqui, mas já posso enfrentar o exemplo de Thomas a respeito da criança e seu bichinho. Se a criança transfere ao gato mais culpa do que lhe caberia por ter comido seu passarinho, isso se deve a que ela o inclua – indevidamente por certo, já que ele não pode retribuir simetricamente ao seu gesto moral – em sua comunidade, o que implica, no entanto, que ela também achará “indignante” se seu gatinho for morto pelo cachorro do vizinho. Tão logo a relação anímica com o mundo animal seja dissipada na criança pelo seu desenvolvimento em um ser humano adulto, ela não mais julgará moralmente o gato, tampouco o velará. Se, digamos, o gato fizer agora mal a um dos seus filhos, o indivíduo adulto poderá não hesitar em matá-lo. Assim, a indiferença moral é também indiferença emocional. Se não há indignação, também não há culpa. E como nos comportamos com aqueles que defendem outras convicções morais? Nossa tolerância para com a diferença tem limites óbvios e, eu diria, de bases profundamente emocionais. Ela termina no momento em que os “outros” ultrapassam os limites aceitáveis por nossa sensibilidade afetiva para com os “nossos”. Se, para sermos extremos, nos estupram as filhas, matam as mulheres e torturam os filhos e irmãos, não aplaca-


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mos nossa indignação, pior até, nossa ira, com alguma reflexão sobre a diversidade de convicções morais que nos separam. A compreensão madura e descentrada das razões do outro não mitiga, para além de certos limites, nossa consternação moral. A reflexão não nos faz emocionalmente indiferentes, embora nos possa fazer mais tolerantes e cautelosos. Em situações menos extremas, também queremos que nossos padrões morais sejam universalizáveis e isso se expressa em nossa indignação, contida ou irada, para com o comportamento dos outros. À diferença do gosto estético, o gosto moral não é indiferente ao que escolhe o outro. Pelo menos não inteiramente. A moral suporta graus de indiferença, mas não a absoluta indiferença. Se um homem for absolutamente indiferente à escolha de outros, então ele chegou ao que se pode chamar de barbárie. Ele pode matar o outro sem nenhum remorso, pois não lhe concede nenhuma humanidade. Nesse ponto, todo o tecido moral já foi desfeito. É importante notar então que, para tratar agora do exemplo que uso em meu texto e que Thomas retoma, embora um muçulmano possa não sentir culpa por ser criticado quanto a seus hábitos alimentares por um judeu, digamos, e vice-versa, se essa indiferença chegar ao grau de não-reconhecimento afetivo — como remorso ou culpa — da humanidade um do outro, então nenhum princípio pode vir em auxílio de uma suposta comunidade universal. Há pois, como mostra o caso dos hábitos alimentares acima referidos, uma assimetria entre culpa e indignação, mas isso não significa uma independência absoluta entre elas. Onde não há possibilidade de uma, não há também a possibilidade da outra. O psicopata, na medida em que é merecedor, como homem que é, de pena, também pode ser objeto de indignação, pois lamenta-se que ele não sinta a culpa que deveria sentir pelo ato cruel que eventualmente comete. A reflexão pode ajudar a compreender sua psicopatologia, mas se alguém chega, por um movimento psicológico autêntico, a retirar-lhe a humanidade, então para esse, o psicopata desaparece moralmente, é desumanizado e pode ser eliminado como se um inseto fosse, sem remorso. Quando se chega a isso numa relação entre indivíduos, já não se pode mais colocar outras camadas porque nos falta a primeira, a carne dos sentimentos morais, o reconhecimento afetivo da humanidade do outro. Volto, então, à conclusão já antecipada e que antecedeu os desenvolvimentos de minha posição que esta réplica me permitiram. Ao defender que a indignação é que “depende da nossa atitude ética” (p. 10) e não o contrário, Thomas perfila-se, com Tugendhat, entre os que fundam em razões a validade dos juízos e princípios morais, mas que também situam na razão o impulso fundamental da ação que pode ser dita moral. Se, porém, se procede assim, nesse caso, o fim tem de ser uma filosofia do


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tipo kantiana, para a qual o valor moral de uma ação está na proporção inversa de sua determinação pelas emoções. Uma tal teoria pode – e de fato julgo que é – muito relevante para destrinçar a noção de valor moral tal como expresso nos juízos morais, algo ainda pouco estudado no sentido específico que lhe dou aqui (isto é, isolado de uma teoria da ação), ou mesmo para entender-se os mecanismos das relações regidas por contratos. Tal teoria, no entanto, é totalmente inadequada para descrever o comportamento moral humano básico. Para esse fim, aproximações teóricas tais como a de David Hume e Adam Smith, sob a luz de cuja tradição a minha posição poderia ser mais bem compreendida, me parecem bem melhor aparelhadas. Referências bibliográficas BRITO, A. N. de. The Role Of Reasons and Sentiments in Tugendhat’s Moral Philosophy. Manuscrito inédito. 2005. KESSELRING, T. Ética e emoções morais. (publicado neste caderno). TUGENDHAT, E. Vorlesungen über Ethik. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993

Artigo enviado ao IHU em 09 de janeiro de 2006.



TEMAS DOS CADERNOS IHU IDÉIAS N. 01 A teoria da justiça de John Rawls – Dr. José Nedel. N. 02 O feminismo ou os feminismos: Uma leitura das produções teóricas – Dra. Edla Eggert. O Serviço Social junto ao Fórum de Mulheres em São Leopoldo – MS Clair Ribeiro Ziebell e Acadêmicas Anemarie Kirsch Deutrich e Magali Beatriz Strauss. N. 03 O programa Linha Direta: a sociedade segundo a TV Globo – Jornalista Sonia Montaño. N. 04 Ernani M. Fiori – Uma Filosofia da Educação Popular – Prof. Dr. Luiz Gilberto Kronbauer. N. 05 O ruído de guerra e o silêncio de Deus – Dr. Manfred Zeuch. N. 06 BRASIL: Entre a Identidade Vazia e a Construção do Novo – Prof. Dr. Renato Janine Ribeiro. N. 07 Mundos televisivos e sentidos identiários na TV – Profa. Dra. Suzana Kilpp. N. 08 Simões Lopes Neto e a Invenção do Gaúcho – Profa. Dra. Márcia Lopes Duarte. N. 09 Oligopólios midiáticos: a televisão contemporânea e as barreiras à entrada – Prof. Dr. Valério Cruz Brittos. N. 10 Futebol, mídia e sociedade no Brasil: reflexões a partir de um jogo – Prof. Dr. Édison Luis Gastaldo. N. 11 Os 100 anos de Theodor Adorno e a Filosofia depois de Auschwitz – Profa. Dra. Márcia Tiburi. N. 12 A domesticação do exótico – Profa. Dra. Paula Caleffi. N. 13 Pomeranas parceiras no caminho da roça: um jeito de fazer Igreja, Teologia e Educação Popular – Profa. Dra. Edla Eggert. N. 14 Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros: a prática política no RS – Prof. Dr. Gunter Axt. N. 15 Medicina social: um instrumento para denúncia – Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel. N. 16 Mudanças de significado da tatuagem contemporânea – Profa. Dra. Débora Krischke Leitão. N. 17 As sete mulheres e as negras sem rosto: ficção, história e trivialidade – Prof. Dr. Mário Maestri. N. 18 Um initenário do pensamento de Edgar Morin – Profa. Dra. Maria da Conceição de Almeida. N. 19 Os donos do Poder, de Raymundo Faoro – Profa. Dra. Helga Iracema Ladgraf Piccolo. N. 20 Sobre técnica e humanismo – Prof. Dr. Oswaldo Giacóia Junior. N. 21 Construindo novos caminhos para a intervenção societária – Profa. Dra. Lucilda Selli. N. 22 Física Quântica: da sua pré-história à discussão sobre o seu conteúdo essencial – Prof. Dr. Paulo Henrique Dionísio. N. 23 Atualidade da filosofia moral de Kant, desde a perspectiva de sua crítica a um solipsismo prático – Prof. Dr. Valério Rodhen. N. 24 Imagens da exclusão no cinema nacional – Profa. Dra. Miriam Rossini.


N. 25 A estética discursiva da tevê e a (des)configuração da informação – Profa. Dra. Nísia Martins do Rosário. N. 26 O discurso sobre o voluntariado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS – MS. Rosa Maria Serra Bavaresco. N. 27 O modo de objetivação jornalística – Profa. Dra. Beatriz Alcaraz Marocco. N. 28 A cidade afetada pela cultura digital – Prof. Dr. Paulo Edison Belo Reyes. N. 29 Prevalência de violência de gênero perpetrada por companheiro: Estudo em um serviço de atenção primária à saúde – Porto Alegre, RS – Profº MS. José Fernando Dresch Kronbauer. N. 30 Getúlio, romance ou biografia? – Prof. Dr. Juremir Machado da Silva. N. 31 A crise e o êxodo da sociedade salarial – Prof. Dr. André Gorz. N. 32 À meia luz: a emergência de uma Teologia Gay - Seus dilemas e possibilidades – Prof. Dr. André Sidnei Musskopf. N. 33 O vampirismo no mundo contemporâneo: algumas considerações – Prof. MS Marcelo Pizarro Noronha. N. 34 O mundo do trabalho em mutação: As reconfigurações e seus impactos – Prof. Dr. Marco Aurélio Santana. N. 35 Adam Smith: filósofo e economista – Profa. Dra. Ana Maria Bianchi e Antonio Tiago Loureiro Araújo dos Santos. N. 36 Igreja Universal do Reino de Deus no contexto do emergente mercado religioso brasileiro: uma análise antropológica – Prof. Dr. Airton Luiz Jungblut. N. 37 As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes – Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho. N. 38 Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil Colonial – Prof. Dr. Luiz Mott. N. 39 Malthus e Ricardo: duas visões de economia política e de capitalismo – Prof. Dr. Gentil Corazza N. 40 Corpo e Agenda na Revista Feminina – MS Adriana Braga N. 41 A (anti)filosofia de Karl Marx – Profa. Dra. Leda Maria Paulani N. 42 Veblen e o Comportamento Humano: uma avaliação após um século de “A Teoria da Classe Ociosa” – Prof. Dr. Leonardo Monteiro Monasterio N. 43 Futebol, Mídia e Sociabilidade. Uma experiência etnográfica – Édison Luis Gastaldo, Rodrigo Marques Leistner, Ronei Teodoro da Silva & Samuel McGinity N. 44 Genealogia da religião. Ensaio de leitura sistêmica de Marcel Gauchet. Aplicação à situação atual do mundo – Prof. Dr. Gérard Donnadieu N. 45 A realidade quântica como base da visão de Teilhard de Chardin e uma nova concepção da evolução biológica – Prof. Dr. Lothar Schäfer N. 46 “Esta terra tem dono”. Disputas de representação sobre o passado missioneiro no Rio Grande do Sul: a figura de Sepé Tiaraju – Profa. Dra. Ceres Karam Brum N. 47 O desenvolvimento econômico na visão de Joseph Schumpeter – Prof. Dr. Achyles Barcelos da Costa N. 48 Religião e elo social. O caso do cristianismo – Prof. Dr. Gérard Donnadieu. N. 49 Copérnico e Kepler: como a terra saiu do centro do universo – Prof. Dr. Geraldo Monteiro Sigaud N. 50 Modernidade e pós-modernidade – luzes e sombras – Prof. Dr. Evilázio Teixeira N. 51 Violências: O olhar da saúde coletiva – Élida Azevedo Hennington & Stela Nazareth Meneghel


Cadernos IHU Idéias: Apresenta artigos produzidos pelos convidados-palestrantes dos eventos promovidos pelo IHU. A diversidade dos temas, abrangendo as mais diferentes áreas do conhecimento, é um dado a ser destacado nesta publicação, além de seu caráter científico e de agradável leitura.


Thomas Kesselring (1948) é natural de Berna, Suíça. Especializou-se em ética na Universidade Pedagógica de Berna, instituição onde é professor desde 2001. Concluiu o Mestrado em filosofia em 1975 e o Doutorado em filosofia em 1979 na Universidade de Heidelberg, com a tese Entwicklung und Widerspruch. Ein Vergleich zwischen den Theorien Piagets und Hegels. Em 1987, obteve a Livre-docência pela Universidade Livre de Berlim. Algumas publicações do autor Entwicklung und Widerspruch. Ein Vergleich zwischen Piagets genetischer Erkenntnistheorie und Hegels Dialektik. [Desenvolvimento e Contradição. Uma Comparação entre a Epistemologia Genética de Piaget e a Dialética de Hegel]. Frankfurt: Suhrkamp 1981. 389 p. Die Produktivität der Antinomie. Hegels Dialektik im Lichte der genetischen Erkenntnistheorie und der fomalen Logik. [A Produtividade da Antinomia. A Dialética de Hegel vista sob a Perspectiva da Epistemologia Genética e da Lógica Formal.] Frankfurt: Suhrkamp 1984. 439 p. Jean Piaget. Munich: Beck 1988. 262 p. (2.edição, ampliada, abril 1999.) Tradução portuguesa: Petrópolis/Brasilien: Vozes 1993, 21994. 286 p. Ética da Ajuda pelo Desenvolvimento. Justição na Época da Globalização. Munich: Beck 2003. Freiheit und Determinismus in der Nachfolge Kants. [Liberdade e Determinismo na Sucessão de Kant.] In: Philosophisches Jahrbuch 1989/1, p.52-67.

Adriano Naves de Brito (1964) é natural de Anápolis/GO. É professor titular no Programa de Pós-graduação em Filosofia da Unisinos. É graduado em Pedagogia (1984) pela Universidade Católica de Goiás, mestre em Filosofia (1990) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e doutor em Filosofia (1998) pela UFRGS/Universitât Bielefeld. Sua tese de doutorado intitula-se Nomes próprios: semântica e ontologia.

Algumas publicações do autor BRITO, A. N. de. & HECK, J. (org.). Ética e Política: I° Simpósio Internacional de Filosofia Política no Centro-Oeste. Goiânia: Cegraf-UFG, 1997. BRITO, A. N. de. & VALE, O. (org.). Aspectos da Linguagem: filosofia e lingüística. Goiânia: Cegraf-UFG, 1998 BRITO, A. N. de & HECK, J. (org.). Interação comunicativa, sujeito e significado: aproximações filosófico-lingüísticas. Goiânia: Cegraf-UFG, 2000 BRITO, A. N. de. Nomes próprios: semântica e ontologia. Brasília: UnB, 2003. BRITO, A. N. de. Prescrição e descrição: o diálogo oblíquo entre ciência e moral. In: (org.) REGNER, A. & ROHDEN, L. São Leopoldo: Unisinos, 2005.


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