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SABERES POPULARES PRODUZIDOS NUMA ESCOLA DE COMUNIDADE DE CATADORES: UM ESTUDO NA PERSPECTIVA DA ETNOMATEMÁTICA

Daiane Martins Bocasanta

Introdução A pesquisa1 que apresento aqui resumidamente teve como intuito identificar e examinar saberes matemáticos produzidos em processos sociais de que participam os sujeitos da pesquisa, estabelecendo relações com os conhecimentos que configuram a matemática escolar, considerando a centralidade da cultura nesses processos. Como solo teórico, utilizei alguns estudos produzidos no campo da Etnomatemática. A Etnomatemática tem suas origens no Brasil, em estudos realizados por Ubiratan D’Ambrosio, na década de 70 do século passado (KNIJNIK, 2000). Segundo D’ Ambrosio (1998, p. 5) a etimologia da palavra Etnomatemática é a seguinte: etno é hoje aceito como algo muito amplo, referente ao contexto cultural, e portanto inclui considerações como linguagem, jargão, códigos de comportamento, mitos e símbolos; matema é uma raiz difícil, que vai na direção de explicar, de conhecer, de entender, e tica vem sem dúvida de techne, que é a mesma raiz de arte e de técnica.

D’Ambrosio (1998, p. 5-6) ainda completa, dizendo que, a partir desta conceituação, “poderíamos dizer que etnomatemática é a arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais”. Ele nos diz também que a Etnomatemática constitui-se em um “programa que visa explicar os processos de geração, organização e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais e as forças interativas que agem nos e entre os três processos” (Ibidem, p. 7).

1 Pesquisa realizada em 2006, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pedagogia na Unisinos. Essa pesquisa foi intitulada “Saberes matemáticos produzidos por estudantes da Escola Santa Marta: um estudo na perspectiva da Etnomatemática” e orientada pela Profa. Dra. Fernanda Wanderer.


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Atualmente, Knijnik (2004, 2006a, 2006b, 2006c, 2007), apoiada nas perspectivas pós-estruturalistas, vem realizando significativa produção acerca dos estudos no campo da Etnomatemática. Em seus últimos trabalhos, a autora tem utilizado o campo da Etnomatemática como uma “caixa de ferramentas” que possibilita: • estudar os discursos eurocêntricos que instituem as ma-

temáticas acadêmica e escolar; • analisar os efeitos de verdade produzidos pelos discur-

sos das matemáticas acadêmica e escolar; • discutir questões da diferença na educação matemática,

considerando a centralidade da cultura e as relações de poder que a instituem; • examinar os jogos de linguagem que constituem as diferentes matemáticas produzidas por distintas formas de vida (KNIJNIK & WANDERER, 2007).

Seguindo esse entendimento, pode-se sinteticamente dizer que a Etnomatemática engendra discussões que problematizam os paradigmas que situam, na área da matemática, quem pode/é capaz de produzir conhecimentos e quais conhecimentos podem/devem ser legitimados como tal. Portanto, podemos dizer que a Etnomatemática envolve questões mais amplas do que conhecer e entender saberes matemáticos produzidos por diferentes grupos culturais. Destaco a importância da Etnomatemática, ao se propor a examinar os saberes matemáticos produzidos por diversos grupos culturais e analisar os processos de classificação e hierarquização operados na área da Educação Matemática, capazes de denominar alguns conhecimentos como “corretos” e “puros”, ao mesmo tempo em que “varrem para baixo do tapete” qualquer fragmento que “suje” essa ciência que consagrou-se pela assepsia e beleza de suas formas exatas. Esse processo trata do que Emmanuel Lizcano (2006, p. 134) chama de “apagar vestígios”, uma operação que já os gregos utilizavam para coibir qualquer “contaminação” em seus modos de pensar e fazer matemática. Knijnik (2000), analisando a matemática acadêmica e escolar, destaca ainda que, apesar de ser significada como um campo de saber marcado pela neutralidade e assepsia, constitui-se com marcas eurocêntricas, branca e urbana. A matemática acadêmica, que estrutura também os conhecimentos que serão ensinados na escola, assume posições e características que a situam como ciência exata, neutra, asséptica e inquestionável. Tudo que não estiver revestido dessa aparente neutralidade e assepsia é considerado como o “outro”, sendo assim desvalorizado. Aqui, recorro a Bauman (1998, p.


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14), que diz que “não são as características intrínsecas das coisas que as transformam em ‘sujas’, mas tão-somente sua localização na ordem das coisas idealizadas pelos que procuram a pureza”. Portanto, entendo que os saberes matemáticos produzidos no cotidiano de diversos grupos culturais são desconsiderados em contextos acadêmicos ou escolares não porque sejam inferiores, mas por representarem a “sujeira” que teima em contaminar o que usualmente se considera como matemática nesses contextos. Ainda que este não tenha sido o objetivo principal dessa investigação, minha inserção como pesquisadora no lócus da pesquisa provocou também questionamentos acerca de práticas escolares que ocorriam na instituição, como a fila, os horários, a distribuição espacial dos indivíduos, entre outros. Nesse ponto, utilizei para a análise algumas ferramentas foucaultianas, como a noção de poder disciplinar presente na obra Vigiar e Punir e que apresento mais a diante. Para a realização da pesquisa, foram utilizados alguns instrumentos metodológicos de cunho etnográfico, como entrevistas, observações e análise de documentos escolares, atividades pedagógicas e cadernos de seis alunos e alunas de 2ª série. 2 Contextualizando a pesquisa Sempre há um número demasiado deles. “Eles” são os sujeitos dos quais devia haver menos – ou, melhor ainda, nenhum. E nunca há um número suficiente de nós. “Nós” são as pessoas das quais devia haver mais. (BAUMAN, 2005, p. 47) [Grifos do autor]

A escola onde realizei esta pesquisa localiza-se no bairro Arroio da Manteiga, Vila Santa Marta, no município de São Leopoldo. Esta vila encontra-se em um terreno inclinado, sendo que em sua parte mais alta, atrás da escola, foi construído o Loteamento Tancredo Neves. As pequenas casas de madeira ou alvenaria, onde famílias numerosas dividem o pouco espaço existente, contrastam com o prédio escolar, amplo e novo. As cores vibrantes das casas do loteamento, que variam entre laranja, amarelo e azul, diferem muito das roupas desbotadas penduradas nos varais. Há no ar um cheiro azedo, acentuado nos dias quentes que precedem as chuvas, que é uma mistura dos odores que vêm do lixo em decomposição no aterro sanitário ou depositado nos pátios das residências, do arroio poluído e das criações de animais, que vão desde cachorros e gatos, até porcos, galinhas e gado. O mesmo lixo que emana o cheiro da miséria – ou do luxo


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em seu estado terminal – acaba sendo o tesouro e a fonte de renda da maioria dos moradores da Vila Santa Marta. Desse modo, um dos destaques da vila, que serve de referência para sua localização e para o sustento de boa parte de seus moradores, é a Usina de Reciclagem de Lixo de São Leopoldo. Na Usina atua uma cooperativa de trabalhadores, composta essencialmente por moradores da Vila Santa Marta e do Loteamento Tancredo Neves. Para esses trabalhadores, o caminho até a Usina é árduo, com subidas íngremes, em ruas estreitas, de chão batido, por onde escorre uma água suja, provavelmente esgoto das casas, em que crianças brincam de batalhas navais, dão banho em suas bonecas, lambuzam seus pés. Esses trabalhadores e trabalhadoras são pais, mães, avós, tios e tias das crianças que estudam na Escola Santa Marta e alguns alunos e alunas também. A Usina de Lixo de São Leopoldo recebe atualmente todo o lixo recolhido diariamente na cidade, algo em torno de 180 toneladas. Chegando na Usina, o caminhão de lixo é pesado e descarrega sua carga no pátio. Uma máquina, com uma espécie de “garra”, coleta o lixo e o coloca na esteira, onde trabalhadores dispostos lado a lado separam os materiais que podem ser reciclados: plásticos, papéis, papelões, jornais, vidros e latas. O que não será reaproveitado segue na esteira até cair na caçamba de um caminhão localizado abaixo de um tipo de “funil”. Nesse momento do processo, muitas coisas rejeitadas e jogadas no lixo por outros cidadãos, como roupas, brinquedos, materiais escolares, comida vencida ou estragada, frutas e legumes ainda “possíveis” de se consumir, são recolhidos e guardados pelos trabalhadores e trabalhadoras para serem levadas para casa ao final do expediente. Além desses “extras”, coletados na esteira, seguidamente caminhões de grandes redes de supermercado levam para a Usina alimentos de todos os tipos que estão com a data de validade vencida ou próxima do vencimento. Estes alimentos não chegam até a esteira. Eles são divididos entre os trabalhadores e trabalhadoras, que se alegram em levar para seus filhos e filhas iogurtes, pães, biscoitos, chocolates e outros produtos, mesmo que estejam fora do prazo de validade. Assim, quando muitas crianças aparecem na escola com determinado tipo de alimento, da mesma marca, no mesmo dia, sempre sabemos que o caminhão do supermercado “visitou” a Usina. Muitas vezes, esses alimentos também estão presentes nas prateleiras dos estabelecimentos comerciais do bairro, a preços bem mais baixos que os praticados fora da vila. O que é rejeitado pela Usina, ou seja, não é reaproveitado pelos trabalhadores e trabalhadoras, ou separado para a reciclagem, vai direto para o aterro sanitário. O cheiro exalado pelo lixo


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em decomposição deixa o ambiente da Usina pesado, quase insuportável para quem não está acostumado. O trabalho com o lixo na Usina, no entanto, não é privilégio para todos. Muitas famílias que foram reassentadas em casas populares construídas recentemente no Loteamento Tancredo Neves já realizavam coleta e venda de materiais recicláveis como meio de sobrevivência. A maioria dessas famílias morava em ocupações de áreas irregulares mais próximas do centro de São Leopoldo, o que facilitava o trabalho de coleta. Com a mudança, muitos continuaram com a mesma atividade, porém o deslocamento para as áreas centrais onde realizavam essa atividade ficou prejudicado. Assim, no ano de 2006, notamos que muitas crianças começaram a faltar várias vezes à escola, principalmente porque saíam para “catar” com seus pais e não chegavam a tempo para estudar. Nesta busca pela sobrevivência, em que o lixo é moeda corrente, famílias inteiras são envolvidas. Adultos, jovens, idosos e crianças trabalham na coleta, separação e venda dos materiais recicláveis. Assim, o que é lixo para muitos torna-se sustento para outros, como para alguns alunos e alunas da Escola Santa Marta. Portanto, a epígrafe escolhida para abrir esta seção fala muito dos sujeitos que participaram desta pesquisa, ou seja, estudantes de 2ª série da Escola Santa Marta. Excluídos ou precariamente incluídos no jogo consumista, os sujeitos dessa pesquisa são as pessoas, de que há mais. São aqueles dos quais devia haver menos. Segundo Bauman (1998), o mundo pós-moderno é um mundo de estilos e padrões de vida livremente concorrentes. Um mundo em que o prazer é fortemente ligado ao consumo, tornando-se a tônica das relações. O próprio mercado é organizado em torno da procura do consumidor e visa a manter essa procura eternamente insatisfeita (Ibidem). Desse modo, nenhum hábito adquirido deve ser ossificado. Deve-se excitar permanentemente o apetite do consumidor para sensações cada vez mais intensas e novas (Bauman, 1998). Entretanto, para pertencer a esse mundo, é preciso passar pelo o que Bauman chama de teste de pureza, ou seja, ser capaz de se deixar seduzir pelas infinitas possibilidades de renovação e de prazer proporcionadas pelo mercado consumidor. Esta, no entanto, é uma prova pela qual poucos podem passar. Enquanto uma minoria é composta dos chamados indivíduos livres, ou seja, aqueles capazes de vestir e despir identidades e de viverem as mais inebriantes sensações, por possuírem o poder de escolha do consumidor (Ibidem), a maioria seria composta pelos chamados consumidores falhos, ou seja, pessoas que não podem se deixar seduzir pelos


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atrativos do mercado consumidor, porque são desprovidas dos recursos necessários para tanto (Ibidem). Acompanhando ainda o pensamento de Bauman (2005), esses consumidores falhos poderiam também ser considerados como “refugo humano”, isto é, os “redundantes”, os “desnecessários”, os “sem-uso”. Se antigamente o destino dos desempregados era retornar ao mercado de trabalho, hoje, o dos sujeitos considerados “refugos humanos” é se tornar um problema social e financeiro para o Estado (Ibidem). Segundo o autor, sendo desnecessário, ao refugo humano resta ser provido, alimentado, vestido e calçado, enfim, sobreviver das esmolas do Estado, ou ainda, buscar alternativas de sobrevivência, como viver dos restos mais afortunados. Outro aspecto que Bauman (2005) levanta é que não há um lugar específico para abrigar o refugo humano. Do mesmo modo que não há lugar para eles na sociedade que os refugou, não há lugar para armazená-los. Clandestinamente como o lixo espalhado nas ruas ou depositado em terrenos impróprios, em áreas periféricas, esses seres humanos vivem na fronteira entre ser humano e ser lixo. As leituras que venho empreendendo acerca das teorizações de Bauman (2007) levam-me a refletir as condições de vida a que estão submetidos os sujeitos que participaram desta pesquisa e de tantos outros com os quais interajo diariamente na escola onde trabalho. Muitos daqueles indivíduos, crianças ainda, já vieram ao mundo sob o estigma da redundância, do refugo, do consumidor falho, e as expectativas de reversão deste quadro são sombrias e remotas. Inseridas nesse contexto, cria-se a necessidade de, desde a mais tenra idade, aquelas crianças participarem da luta pela sobrevivência, bem como o envolvimento em atividades que usualmente consideramos pertencentes ao “mundo adulto”. Desse modo, mesmo antes da imersão no contexto escolar, esses indivíduos, buscando atender suas necessidades e as necessidades de sua família, acabam desenvolvendo saberes matemáticos, que são contingentes à sua cultura e diferenciados daqueles que conformam a matemática ensinada na escola. Podemos pensar, então, quais relações e implicações são possíveis de se estabelecer a partir dessa contraposição, não apenas para a Educação Matemática, mas também para a vida desses indivíduos. Entretanto, vou tratar dessa discussão mais adiante. A seção seguinte trata de uma breve análise do cotidiano escolar da Escola Santa Marta, visualizado a partir das lentes do pensamento de Michel Foucault presente na obra Vigiar e punir e de alguns de seus interlocutores.


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3 A Escola Santa Marta e o disciplinamento dos corpos dos sujeitos escolares2 A selvageria consiste na independência de qualquer lei. A disciplina submete o homem às leis da humanidade e começa a fazê-lo sentir a força das próprias leis. Mas isso deve acontecer bem cedo. Assim, as crianças são mandadas cedo à escola, não para que aí aprendam alguma coisa, mas para que aí se acostumem a ficar sentadas tranqüilamente e a obedecer pontualmente àquilo que lhes é mandado, a fim de que no futuro elas não sigam de fato e imediatamente cada um de seus caprichos (KANT, 2002, p. 13). [Grifos meus]

Há cerca de 200 anos, o filósofo Immanuel Kant já apontava para a função da escola como espaço disciplinador de corpos e, em poucas palavras, nesta epígrafe, descreve claramente quadros que observamos diariamente em escolas, com ações, tempos, espaços, narrativas e documentos que estabelecem paradigmas de condutas sociais. Como diz Veiga-Neto (2000, p. 9), Kant caracteriza a escola moderna como local privilegiado “do disciplinamento dos corpos infantis, em especial no que concerne aos usos que tais corpos fazem do espaço – denotado pela palavra sentadas – e do tempo – denotado pela palavra pontualmente”. Kant (2002, p. 16) diz ainda que “A falta de disciplina é um mal pior que a falta de cultura, pois esta pode ser remediada mais tarde, ao passo de que não se pode abolir o estado selvagem e corrigir um defeito de disciplina”. A escola, enquanto portadora de tarefa de civilizar as pessoas, “foi e continua sendo a principal instituição encarregada de construir um tipo de mundo que chamamos de mundo moderno” (VEIGA-NETO, 2003, p. 104). Durante a investigação, observei que, na Escola Santa Marta, há uma grande preocupação com o disciplinamento dos corpos dos estudantes. Essa preocupação encontra-se presente nos documentos escolares e nos dizeres de professores e professoras, como na fala anotada em diário de campo, resultado de uma conversa informal com uma professora dessa instituição: “Quando eles vêm para a escola, estão pedindo disciplina. Eles querem que toda a hora a gente chame a atenção: ‘Não faz fulano’. Mais do que ensinar qualquer coisa, a gente está aí para educar, para que eles aprendam a se comportar, a ser gente.” Assim, aos poucos molda-se os sujeitos de acordo com determinados ideais, pois “o homem não pode se tornar um verdadeiro 2 Esta seção é uma versão parcialmente modificada de parte do texto que apresentei no X Seminário Internacional de Educação da Feevale e que foi publicado nos anais do referido evento.


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homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação faz dele” (KANT, 2002, p. 15). Esse disciplinamento dos corpos, que leva à regulação das almas dos sujeitos, é analisado por Michel Foucault (1996), principalmente no livro Vigiar e punir: nascimento da prisão. Nesta obra, o filósofo analisa as formas utilizadas pelas instituições escolares para docilizar corpos, estabelecendo relações através das quais se “aprisionam” almas e tornam-se tanto mais úteis os indivíduos quanto mais dóceis e obedientes seus corpos. Segundo Foucault, a disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma capacidade que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada (1996, p. 127).

A partir desse entendimento, podemos inferir que o espaço escolar investigado constitui-se como local de disciplinamento dos corpos dos estudantes, regulando suas almas, constituindo-os sujeitos de determinada forma. O uso dos instrumentos disciplinares nesta escola, como a vigilância, a sanção normalizadora e o exame, permitem a realização do que Foucault (1996, p. 171) chama de “grandes funções disciplinares”. Essas funções disciplinares descritas por Foucault referem-se aos usos do tempo e do espaço nas instituições disciplinares. O autor nos mostra, também, como essas técnicas de poder centradas nos corpos dos indivíduos implicaram em resultados profundos e duradouros, até mesmo no âmbito macropolítico a partir do século XVII (VEIGA-NETO, 2005). Desse modo, apresentarei, a seguir, os três instrumentos disciplinares que emergiram do material produzido e analisado nessa investigação. 3.1 A vigilância Para falar da vigilância, Foucault recorre ao modelo do Panóptico, criado por Jeremy Bentham, no século XIX, descrevendo como essa máquina óptica é econômica, ao possibilitar que poucos fiscalizem a ação de muitos permanente e eficientemente, não importando se isso ocorre numa prisão, numa fábrica, num hospital, num asilo ou numa escola (VEIGA-NETO, 2005).


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Basicamente, a lógica do dispositivo panóptico se baseia em três elementos arquitetônicos: um espaço fechado, de preferência circular, todo dividido em celas e com uma torre central. Da torre pode-se enxergar todas as celas que a cercam; mas a recíproca não é verdadeira, visto que de cada cela não se deve enxergar quem está na torre e nem mesmo em outras celas. [...] pouco importa se a vigilância que emana da torre seja mesmo constante, esteja sempre ali; o que importa é que aquele que é vigiado saiba que está sempre à mercê do olhar vigilante, ainda que não saiba exatamente quando está sendo vigiado. (Ibidem, p. 79) [Grifos do autor]

Bauman (2001), em suas teorizações, tem buscado demonstrar as transformações pelas quais passam a sociedade, anunciando que, no estágio presente, a modernidade pode ser concebida como pós-Panóptica3. Entretanto, o modelo panóptico ainda sobrevive, pois podemos observar que diversas instituições disciplinares “possuem ainda hoje uma arquitetura panóptica, isto é, um espaço caracterizado, de uma parte pelo enclausuramento e pela repressão dos indivíduos, e, de outra, por um abrandamento do funcionamento do poder” (REVEL, 2005, p. 36). Isto é, instituições como a escola examinada nesse estudo. Assim, podemos inferir que a vigilância proposta pelo olhar hierárquico é perfeita, na medida em que todos podem ser observados, ao mesmo tempo, por um único ou por poucos olhares. Conforme Fonseca (2003, p. 57): A vigilância como instrumento da disciplina é que permite a essa estratégia de poder não necessitar recorrer à força para se realizar. Ela transfere a necessidade de qualquer limitação sobre o vigiado para ele mesmo. [...] Para o poder que vigia resta o papel de olhar, e não mais coagir pela força física. [...] Assim, o louco se força à calma, o operário ao trabalho, o aluno à aplicação, o criminoso à retidão de comportamento. [Grifos meus]

Nos regimes disciplinares, a vigilância controla mais do que a força física, pois, sob o olhar hierárquico, o indivíduo acaba transferindo para si a responsabilidade de limitar seus próprios 3 Para Bauman, com o advento da pós-modernidade, o poder pode se mover com a velocidade de um sinal eletrônico. O telefone celular é um exemplo disso. Não há mais a necessidade de acessar um ponto telefônico fixo para que uma ordem seja dada e cumprida. Não importa mais onde está quem dá a ordem, bem como a diferença entre “próximo” ou “distante”, ou entre espaço selvagem ou ordenado está desaparecendo. Ao contrário do Panóptico, em que o que importava era que os encarregados “estivessem lá”, próximos, na torre de controle, “o que importa, nas relações pós-panópticas é que as pessoas que operam as alavancas do poder de quem depende dos parceiros menos voláteis na relação podem fugir do alcance a qualquer momento – para a pura inacessibilidade” (BAUMAN, 2001, p. 18).


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atos. Esse instrumento disciplinar é tão eficiente que na nossa sociedade atual – a qual deixa de ser disciplinar para transformar-se em uma sociedade de controle4 – já estamos cercados por todos os lados por aparatos tecnológicos como câmeras fotográficas ou de vídeo, seja em estabelecimentos comerciais ou mesmo nas ruas. Mais do que proteger o cidadão, esses aparatos inibem ações consideradas ilegais, utilizando-se da vigilância irrestrita e involuntária dos indivíduos. Observei que, na Escola Santa Marta, esse instrumento disciplinar é considerado uma referência importante no sentido de manter a ordem na rotina diária da instituição, cabendo ao corpo docente sua utilização. No início do ano letivo de 2006, cada professor/a recebeu da direção da escola um documento em que eram descritas as atribuições docentes. Entre outras recomendações, destaco as seguintes: [...] 2. Ao sinal de entrada, tanto no início da aula como no término do recreio, os professores deverão assumir imediatamente suas funções, para evitar brigas e correrias entre os alunos, acompanhando-os em fila até a sala de aula. [...] 6. O professor não poderá sair da sala de aula deixando seus alunos sozinhos, pois durante o período de aula o aluno é de total responsabilidade do professor. 7. O professor deverá acompanhar os alunos até o refeitório e banheiro, mantendo a ordem. [...] (Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Marta, 2006) [Grifos meus]

Em síntese, entendo que a função implícita nessas atribuições é a de vigiar os/as alunos/as, para evitar que ocorram ações consideradas impróprias ao espaço escolar, como brigar ou correr. Não deixar os alunos sozinhos, mais do que evitar acidentes ou quaisquer males que possam acontecer entre eles, significa não deixar de vigiá-los. Sob a vigilância do/a profes4 Segundo Silvio Gallo (2005), Gilles Deleuze afirma que estamos transitando das sociedades disciplinares que Foucault analisou para as sociedades de controle, que certamente engendrarão novas instituições e que provocarão mudanças agudas nas que conhecemos. Para Deleuze, “são as sociedades de controle que estão substituindo as sociedades disciplinares. ‘Controle’ é o nome que Burroughs propõe para designar o novo monstro, e que Foucault reconhece como nosso futuro próximo. Paul Virilio também analisa sem parar as formas ultra-rápidas de controle ao ar livre, que substituem as antigas disciplinas que operavam na duração de um sistema fechado. Não cabe invocar produções farmacêuticas extraordinárias, formações nucleares, manipulações genéticas, ainda que elas estejam destinadas a intervir no novo processo. Não se deve perguntar qual é o regime mais duro, ou o mais tolerável, pois é em cada um deles que se enfrentam as liberações e as sujeições. Por exemplo, na crise do hospital como meio de confinamento, a setorização, os hospitais-dia, o atendimento em domicílio puderam marcar de início novas liberdades, mas também passaram a integrar mecanismos de controle que rivalizam com os mais duros confinamentos. Não cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas” (DELEUZE apud GALLO, 2005, p. 107).


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sor/a, subentende-se que os/as alunos/as dominam seus impulsos, evitam as comunicações desnecessárias e tornam seu tempo muito mais útil e produtivo. Nem mesmo nos banheiros os estudantes escapam da vigilância. As portas menores, instaladas de forma a deixar um espaço aberto na parte inferior, permitem aos indivíduos visualizarem as pernas de quem está usando o banheiro sem serem vistos. “Saber-se constantemente observado, sem nada poder observar e sem nunca poder se comunicar, é a garantia da manutenção da ordem dentro do modelo estabelecido” (FONSECA, 2003, p. 56). 3.2 A sanção normalizadora A sanção normalizadora, aliada à vigilância, funciona como um pequeno mecanismo penal, reprimindo comportamentos e desvios através da instituição de micropenalidades. Na escola, são as chamadas “medidas disciplinares” que visam a reprimir, às vezes mediante pequenas humilhações, as falhas cometidas pelos/as alunos/as. No documento “Regras de Convivência”, da Escola Santa Marta, ficam estabelecidas as seguintes medidas disciplinares: Aos alunos que não cumprirem as regras [...] ou que suas atitudes venham interferir insatisfatoriamente no trabalho coletivo e individual realizados no meio escolar serão aplicadas as seguintes medidas disciplinares: 1. Registro no caderno de ocorrência da turma, no qual o professor registrará as ocorrências disciplinares. 2. Após três ocorrências no caderno da turma, o aluno será advertido pela direção da escola. 3. Em caso de reincidência, o aluno só entrará acompanhado pelos pais ou responsável. 4. Em casos graves a escola se orientará pelo Regimento Escolar e buscará auxílio junto ao Conselho Tutelar. 5. Nos casos em que houver dano material, os pais serão comunicados, pois terão a responsabilidade de cobrir os prejuízos com dinheiro ou prestação de serviços à escola. (Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Marta, 2006)

Alguns/mas alunos/as são tão freqüentemente citados/as por suas faltas, pela indisciplina, que os/as professores/as já sabem quem são mesmo sem os conhecerem. É o caso do aluno João5 da 3ª série, que em 2006 ia à escola quase todos os dias, mas dificilmente sua professora conseguia mantê-lo uma tarde inteira em sala de aula. Entre outras ações que caracterizam a indisciplina na escola, João batia em muitos colegas, quebrava vidros de janelas e subia nos carros das professoras estacionados

5 Os nomes dos alunos são fictícios.


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no pátio da escola. Outro aluno conhecido pela indisciplina na escola era Diogo, que, além de bater nos colegas, freqüentemente pendurava-se no parapeito do segundo piso da escola, dizendo para sua professora que iria se matar. Muitos alunos que não conseguem adequar-se à Norma, se não deixam logo a escola, tornam-se um “problema” constante, aluno/a que “ninguém quer”. Para esses alunos, as penalidades impostas pela escola a quem não segue as regras acabam sendo usadas à exaustão, produzindo marcas que os diferenciam, comparam, classificam e excluem. Segundo Fonseca (2003, p. 59): O efeito conseguido pela punição disciplinar é a afirmação do poder da Norma. A normalização não é resultado de uma forma de repressão, mas técnicas de sanções voltadas para uma operacionalidade. Ela envolve a classificação e a qualificação de atos e comportamentos sutis, obriga à escolha entre valores, permitindo a diferenciação dos indivíduos e a mensuração de sua natureza e capacidade, põe em funcionamento um sistema de exercícios repetitivos de acordo com uma conformidade esperada e traça um limite entre os que estão de acordo com a normalidade e estabelece os que não estão.

Ao discutir o riso e a seriedade da Pedagogia e das instituições escolares, Larrosa faz uma interessante observação acerca daqueles que supostamente fogem do poder da Norma nas salas de aula: E é numa dessas aulas “sérias” que não se sabe o que fazer com o bufão ou com aquele que se faz de palhaço, com esses personagens irreverentes que tanto atrapalham, que colocam em perigo a estabilidade da aula, sua própria possibilidade. Seu riso é o sinal de que eles não entram no jogo. Às vezes se aproveitam do jogo, jogam ironicamente, sem acreditar no jogo, com uma certa distância irreverente, mas não participam como deveriam participar, com a seriedade que deveriam participar (LARROSA,1999, p. 172).

As inobservâncias às regras preestabelecidas, como o “riso” fora de hora, as conversas inadequadas ou que interferem nas atividades realizadas, as saídas da classe sem permissão e as brigas e correrias, são geralmente objetos de aplicação da sanção normalizadora. A punição, nos sistemas disciplinares, tem uma função muito mais corretiva do que vingativa. Segundo Foucault (1996, p. 163), a sanção normalizadora: Põe em funcionamento cinco operações bem distintas: relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço de diferenciação e princípio de regra


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a seguir. Diferenciar os indivíduos em relação uns aos outros e em função dessa regra de conjunto – que se deve fazer funcionar como base mínima, como média a respeitar ou como o ótimo de que se deve chegar perto.

Para potencializar a observação às regras, em muitas salas de aula da Escola Santa Marta, observei que são confeccionados cartazes com os/as alunos/as – na verdade, escritos pelo/a professor/a com “contribuições” dos/as alunos/as e assinados por estes/as –, em que são descritas as regras de convivência da turma. Os estudantes dizem o que seriam as regras e o/a professor/a anota no cartaz. No entanto, apesar de serem cartazes construídos por turmas para definirem suas próprias regras, geralmente, o que observamos são as mesmas regras para todos. Levantar o dedo para falar, pedir para ir ao banheiro, não gritar em sala de aula, não brigar com os colegas, respeitar colegas e professores/as, entre outras, são regras comuns a todas as turmas. Essa construção “coletiva” de um cartaz com regras obriga a todos se comportarem de acordo com a norma estabelecida, já que “ela foi criada e sancionada por todos”. A inobservância das “regras da turma” também sofre sanções, que nem sempre são as mesmas aplicadas pela escola. Por exemplo, se a saída dos/as alunos/as para formarem fila for muito ruidosa ou agressiva, o/a professor/a pode mandar todos/as sentarem-se novamente e pedir que repitam o gesto, porém de forma ordenada como esperava. Assim, se a fila de meninos não estiver tão “comportada” quanto a fila de meninas, ou vice-versa, o/a professor/a faz uma pequena observação do tipo: “Olhem como está a fila das meninas, não têm vergonha de não saber fazer fila?”. Ao chamar a atenção daqueles que não seguem a regra, destacando um comportamento positivo de quem segue, o/a professor/a põe em funcionamento um mecanismo de punição e recompensa, comparando a conduta dos/as alunos/as. Observo, na Escola Santa Marta, que situações como essas são corriqueiras e relacionam-se com a seguinte colocação de Fonseca (2003, p. 59): A aplicação de uma sanção, mesmo sendo direcionada para o exercício daquilo que se espera, é capaz de conseguir uma adequação de comportamentos antes desviantes. Mas a aplicação desse tipo sanção ao lado de um mecanismo de recompensas permite não só a adequação, mas também um conhecimento das índoles e valores, ou seja, paralelamente a um redirecionamento dos comportamentos, seria possível a sua qualificação. Isto porque a recompensa representa a criação de um pólo positivo ao lado do negativo, que é a inobservância. Há, dessa forma, a abertura de duas possibilidades para o direcionamento do comportamento: uma boa (recompensa) e uma má (desvio).


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Pelo exposto até aqui, entendo que a sanção normalizadora, ao mesmo tempo em que age sobre o nível individual, comparando, diferenciando, hierarquizando e classificando, produz também homogeneidade, ao buscar enquadrar a todos nas mesmas regras, nas mesmas condutas. Ao incidir sobre o campo individual, cria um sistema que atua no campo coletivo através do exemplo, seja ao punir, seja ao recompensar. A sanção normalizadora “não faz com que todos sejam iguais, mas sim que todos se pareçam, ao redor de um padrão de normalidade” (FONSECA, 2003, p. 60). 3.3 O exame Outro instrumento disciplinar descrito por Michel Foucault é o exame, o qual encontra na escola um de seus espaços privilegiados de produção, constituindo-se como uma combinação das técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza (FOUCAULT, 1996, p. 164). Geralmente ritualizado, exigindo um silêncio sepulcral dos/as alunos/as, separação das classes e vigilância cerrada do/a professor/a, o exame permite classificar, qualificar e punir. Busca-se, através do exame, uma espécie de diagnóstico da capacidade de aprender do/a aluno/a. Segundo Inês Araújo (2007, p. 33), “o exame não se limita a proibir ou reprimir, ele produz o escolar, a criança apta a aprender”. O exame capta e fixa os indivíduos, constituindo-se como um modelo de avaliação que cria toda uma documentação acerca dos resultados obtidos pelos/as estudantes. Na Escola Santa Marta, por exemplo, trimestralmente, os/as professores/as devem avaliar seus/suas alunos/as, através de diversos tipos de exames, devendo proceder, após, o registro dos resultados em pareceres descritivos e conceitos que situam os/as alunos/as como indivíduos I (insuficientes), S (suficientes) ou MS (muito suficientes). Podemos observar como são esses registros, a partir de pequenos trechos reproduzidos de pareceres de alunos/as de 2ª série, realizados no 1º trimestre letivo de 2006: Notamos que é um aluno bastante dedicado, porém lento. Apresentou um crescimento significativo na leitura e escrita de palavras. Nos cálculos de adição e subtração demonstra entendimento. Neste trimestre teu conceito foi insatisfatório podendo modificá-lo no 2º trimestre. Deves continuar participando das aulas de reforço. Tens condições de melhorar, é só querer e continuar se dedicando. Ao longo do 1º trimestre notou-se que o aluno é muito querido por seus colegas e professoras. Ele é muito participativo e prestativo. Reconhece sílabas, lê e escreve palavras de forma silábica-alfabética, efetua cálculos simples de adição e subtração e reconhece numerais até 20. O cuidado com seus materiais pode melhorar. Seu caderno está


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completo e sua letra é bonita. [...] Podes melhorar mais se estudar em casa e participar dos estudos de recuperação.[...] (trechos reproduzidos de pareceres descritivos de alunos de 2ª série da Escola Santa Marta, referentes ao 1º trimestre letivo de 2006) [Grifos meus]

Confere-se ao/à aluno/a um rótulo, que marca mais uma vez sua individualidade nesse processo, supondo uma extração dos saberes desses indivíduos. Porém, avalia-se uma parcela muito específica: o saber transmitido pela escola, não levando em conta uma multiplicidade de saberes que fazem parte das culturas desses mesmos indivíduos. Ainda assim, a leitura desses trechos de pareceres revela que não somente os resultados das avaliações acerca da aprendizagem marcam as narrativas que descrevem os indivíduos participantes dessa pesquisa, mas há uma dissecação maior do sujeito, que é decomposto em seus mínimos detalhes, desde seu tempo particular para realizar suas atividades até a precisão dos gestos que resultam em uma letra considerada “bonita”. “A vigilância detalhada e permanente consegue extrair um grande número de informações sobre o vigiado: seus hábitos, suas reações” (FONSECA, 2003, p. 61). O registro escrito dessas informações permite que cada indivíduo seja analisado e descrito em sua própria individualidade, estabelecendo o status que cabe a cada um (FONSECA, 2003). Sendo assim, o/a aluna/a pode ser, por exemplo, considerado/a querido/a porque é prestativo/a, ou distraído/a, porque não realiza as atividades propostas, ou, ainda, com aproveitamento insatisfatório, porque é lento/a. Cada sujeito transforma-se num caso, ou seja, “é o indivíduo tal como pode ser descrito, mensurado, medido, comparado a outros e isso em sua própria individualidade; e é também o indivíduo que tem que ser treinado ou retreinado, tem que ser classificado, normalizado, excluído etc.” (FOUCAULT, 1996, p. 170). Nesta seção, busquei descrever brevemente o cotidiano da escola onde foi desenvolvida a parte empírica desta pesquisa, baseando-me em referenciais teóricos foucaultianos, principalmente a noção de poder disciplinar. Na próxima seção, apresento as unidades de sentido que emergiram da análise do material produzido na pesquisa. 4 Matemáticas da vida x matemáticas da escola A análise do material de pesquisa, gerado sob as lentes teóricas escolhidas, fez emergir duas unidades. A primeira delas refere-se às marcas da contingência nas situações – problema da “vida” dos estudantes, gerando práticas matemáticas conectadas às suas culturas, contrapondo-se aos problemas propostos pela escola, enraizados em outras lógicas, que geralmente en-


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cerram os significados da matemática escolar nela mesma. A segunda unidade de sentido vincula-se às marcas que constituem os saberes da matemática escolar, como o formalismo, a linearidade, a abstração, a exatidão e a escrita, em contraposição àquelas que formam os conhecimentos presentes nas culturas dos estudantes, como a estimativa, a decomposição e a oralidade. 4.1 Os problemas da vida x os problemas da escola O que usualmente temos chamado de “problemas” ou “histórias matemáticas” têm sido, na verdade, textos que, ao proporem uma situação hipotética, visam à efetivação de algum(ns) cálculo(s). São situações como as seguintes, reproduzidas do caderno de uma aluna de 2ª série da Escola Santa Marta: Resolve as histórias matemáticas: Dona Dulce fez 47 doces. Destes 11 caíram no chão. Ela jogou fora. Ainda tem ___ doces. Na festa de São João vieram 47 meninas e 52 meninos. Vieram ___ crianças. Durante a festa, Luana ganhou 11 brindes e Rafael 1 dúzia. Juntos os dois ganharam ___ brindes. Um feirante tinha 34 sacos de feijão. Já vendeu 14. O feirante ainda tem ___ sacos de feijão. Em uma árvore tinha 93 folhas. Veio um vento forte e derrubou 51 folhas. Sobraram ___ folhas. (Exercícios propostos para uma turma de 2ª série da E. M. E. F. Santa Marta, em 2006, reproduzidos a partir do caderno de uma aluna).

Apesar de algumas dessas “histórias matemáticas” tratarem de situações que bem poderiam ter sido vivenciadas por alunos e alunas da Escola Santa Marta, as situações-problema propostas para essa turma perdem seu significado ao serem apenas hipotéticas. O objetivo em atividades como estas não é instrumentar o/a aluno/a para a resolução de problemas da vida, mas sim descobrir qual operação efetuar e resolvê-la corretamente. Analisando textos desse tipo, Darlinda Moreira (2006), apoiada no pensamento de Paul Dowling (1996), diz que, mesmo que inicialmente apareçam cenários não-matemáticos nessas situações-problema, eles são rapidamente trocados por simbologia matemática, “tornando-se fictícios uma vez que do que se trata, efetivamente, são de tarefas matemáticas para efetuar” (Ibidem, p. 104). Trata-se de um processo diferente do que nos descreve Valerie Walkerdine (1995, p. 222): Quando as crianças, nas esquinas de qualquer cidade latino-americana (ou mais recentemente nas sinaleiras das intersecções movimentadas de Londres), vendem coisas e


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certamente fazem cálculos que os/as psicólogos/as ocidentais supõem que são muito avançados e complexos para elas, elas estão se envolvendo em atividades em que aquele cálculo é crucial. A sobrevivência da família pode depender disto. Dar o troco er rado, neste caso, não é apenas um engano, pode significar a diferença entre comer e passar fome. Este cálculo faz parte de todo um corpo de práticas de intersecções, nas quais o pensamento mesmo é produzido, incorporado, emocionalmente carregado. [Grifos meus]

Todos os dias, crianças da Vila Santa Marta, local onde situa-se a escola em que realizei a pesquisa, lidam com problemas “de verdade”, em que saber resolver corretamente uma conta pode ter o mesmo sentido apontado por Walkerdine: “pode significar a diferença entre comer e passar fome”. Portanto, reafirmo que o trabalho com a temática dos doces, dos sacos de feijões, do número de crianças que participaram de uma festa (onde se cobra ingresso), até seria válido, ao levar em conta uma situação presente na vida daquelas crianças, como a produção de doces caseiros para a venda, que por ventura algum familiar de aluno/a realizasse, por exemplo. Além disso, problematizar a quantidade de folhas caídas de uma árvore – proposta de uma das situações-problema mencionadas – também não tem sentido para essas crianças e nem para ninguém. Não conheço alguém que fique por aí contando folhas que caem de árvores. O caso da situação-problema dos brindes ganhos em uma festa também não se relaciona com as situações da vida daqueles estudantes. Ganhar 11 ou 12 brindes em uma festa junina da escola – como propõe a atividade – depende de dinheiro para participar de muitas brincadeiras, algo raro na comunidade onde está inserido esse espaço escolar. Levando em consideração o aspecto fictício que compõe as “histórias matemáticas” escolares, parece-me que a referência utilizada para o treino de cálculos torna-se irrelevante. Segundo Walkerdine (1995, p. 221), “o raciocínio lógico ocidental exige um certo discurso, no qual a referência é ativamente suprimida”. Sendo assim, numa prática que desconecta os significados da ação, em que a referência é suprimida ou mesmo “criada”, efetiva-se um processo de “esquecimento”. O “esquecimento” de que somos construídos histórica e socialmente, ao contrário das afirmações de Descartes, que supõe que temos a racionalidade como característica básica (Walkerdine, 1995). Portanto, ao separarmos o significado das ações, tornamo-nos homens e mulheres máquinas, treinados para agir de determinada forma, não para refletir sobre nossas ações. Em uma das entrevistas que realizei durante a parte empírica da pesquisa, um aluno de 2ª série deu-me uma lição a esse


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respeito. A mãe desse aluno possui algumas vacas e vende o leite produzido a moradores da Vila Santa Marta. Assim, como pesquisadora, vi neste aluno a possibilidade de gerar ótimos relatos que pudesse inserir em meus estudos acerca dos saberes matemáticos produzidos fora da escola. Comecei perguntando quantas vacas a mãe dele tinha, como ela vendia o leite, qual era a quantidade de leite produzido pelas vacas etc. Num dado momento da conversa, meu pensamento “urbano” e “eurocêntrico”, levaram-me a formular um “problema”: Se vocês têm x vacas e uma vaca dá x litros de leite por dia, quantos litros vocês tiram por dia? Aquela era uma oportunidade única. Poderia conhecer através da resposta desse aluno, quais estratégias ele usava para realizar mentalmente um cálculo de multiplicação, pois para mim, aquele era um “problema” facilmente resolvido dessa forma. No entanto, sua resposta desconstruiu todas as premissas que eu havia formulado como pesquisadora: Pesquisadora – Quantos litros vocês tiram por dia? Leonardo – Agora com seis (vacas), dá 20, 23, quando tinha 9, dava 50. Pesquisadora – Quantos litros cada vaca dá por dia? Leonardo – Às vezes tem umas que dão pouco, às vezes dão 8. Quando a vaca está velha, só dá um litro, não presta mais. Mas nem precisa matar, quando fica velha é que nem humano, elas morrem. As mais novas dão 8 litros por dia. Pesquisadora – Se vocês tem 6 vacas e uma vaca dá oito litros de leite por dia, quantos litros vocês tiram por dia? Leonardo – Depende, não é assim. Tem uma que dá 10 litros, uma que dá 6, outra que dá 8, outra que dá 5. As que estão com as “tetas” “estragadas” não dão nada. (Quando foi realizada a entrevista, o aluno contou-me que duas vacas estavam doentes e sua mãe não podia ordenhá-las devido à dor que estas sentiam.) Pesquisadora – E como a gente faz essa conta? Leonardo – Assim, ó: 6 mais 8 dá 14. Mais 10, dá 24. 24, faz o 4 mais 5 que dá 9, mais 20, dá 29.

Nós, educadores e educadoras, geralmente pensamos que podemos “ajeitar os problemas”, formulá-los em busca de uma única resposta e uma única forma de resolução. Entretanto, como nos mostra o exposto acima, uma única questão pode ter mais faces do que podemos imaginar. Geralmente, não levamos em conta “que nem todas as vacas produzem a mesma quantidade de leite por dia”, ou que há mais formas de se chegar a um resultado. Problemas conectados com as culturas desses sujeitos não se apresentam “ajeitados”, ou seja, não têm uma única forma de serem resolvidos. Para Knijnik (2000), quando os professores e as professoras “arrumam” os problemas pensam que estão ajudando seus alunos e alunas. Entretanto, dessa forma, tiram deles/as a opor-


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tunidade de aprender uma matemática que de fato faça diferença em suas vidas. Knijnik ainda reflete sobre a produção de leite em um assentamento do Movimento Sem Terra, dizendo que uma discussão que vale ser realizada sobre esse assunto é a noção de média. A questão, então, não é saber quantos litros de leite cada vaca produz, mas quantos litros de leite cada vaca produz “em média”, já que a produção diária de uma vaca depende de muitos fatores. Trabalhar com dados reproduzidos do cotidiano, tal qual se apresentam, sem “ajustes”, possibilitam o desenvolvimento de conhecimentos matemáticos significativos e contingentes aos grupos culturais que constituem o corpo discente de nossas escolas. Estudos baseados na Etnomatemática, como nos coloca Knijnik (2006c), têm nos mostrado que, ao contrário da matemática presente nos currículos escolares, aquela usada nas atividades cotidianas passa a ser vista como indissociável dos propósitos, da cultura da qual faz parte. As situações-problema não são separadas das operações matemáticas. Há, nesse caso, uma relação de imanência que não permite a separação entre as necessidades e os usos dos saberes matemáticos. Essa matemática contingente às culturas dos estudantes, da qual nos fala Knijnik, no entanto, tem passado longe das práticas escolares. Outros exemplos de problemas que não se conectam com essas culturas, reproduzidos de um livro didático, indicado em um curso para as professoras dos Estudos de Recuperação da Escola Santa Marta, são os seguintes: Completando e interpretando estórias Claudinha sempre acompanha sua mãe à padaria. Quando chega lá, vai logo procurando a prateleira de doces e balas. Ela sempre pega doces que custam R$ 5,00 cada e balas que custam R$ 2,00 cada. Sua mãe sempre lhe dá 2 notas de R$ 10,00 para suas pequenas compras. (Complete essa estorinha.) a) Onde Claudinha e sua mãe vão sempre juntas? b) Qual prateleira Claudinha gosta de visitar? c) Quanto custa cada doce que ela gosta? d) Quanto custa cada bala que ela gosta? e) Quanto sua mãe lhe dá para fazer essas compras? f) Cite algumas compras que Claudinha poderia fazer com esse dinheiro. g) Faça uma pergunta e responda-a. (DANTE, 1995, p. 100) Contando dinheiro Pedrinho tem 9 notas, num total de R$ 930,00. As notas são de R$ 10,00, R$ 50,00, R$ 100,00 e R$ 500,00. Quantas notas de cada valor ele tem? (DANTE, 1995, p. 102)


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Os fragmentos extraídos dos livros didáticos analisados permitem que se enuncie algumas considerações sobre a matemática escolar. Primeiramente, qualquer criança em idade escolar (ou até menos) perceberá que os valores da balas e doces apresentados, são relativamente altos. Além disso, ainda não temos notas de R$ 500,00, como nos indica o autor da obra no segundo “problema”. Adicionando-se o fato de a Escola Santa Marta localizar-se em uma das regiões menos favorecidas economicamente do município de São Leopoldo, entendo que essas situações-problema estão totalmente fora de contexto. Um exemplo da discrepância entre os valores apresentados nessas situações-problema e os problemas da vida dos alunos e alunas da Escola Santa Marta está nas falas de Augusto e de Débora: Augusto – Quando meu pai não quer gastar muito, ele compra o pacote pequeno de arroz. Pra economizar o dinheiro. Pesquisadora - Pra que a gente economiza? Augusto – Quando tem que pagar uma conta maior que 500 reais. Meu Deus, aí meu pai não tem dinheiro. Débora – Não é assim. A gente economiza pra quando falta, daí termina a comida, dá para comprar mais [...]

Essas falas nos direcionam para o entendimento de que, para esses estudantes, problematizar uma compra na padaria, em que uma criança ganha R$ 20,00 para suas pequenas compras, é uma situação sem sentido, pois não encontra eco em nenhuma experiência de sua vida cotidiana. Pelo contrário, valores como esse muitas vezes são superiores ao que a família dispõe para se sustentar até mesmo durante dias. Para crianças da classe média ou alta, talvez a resolução de problemas, como os citados anteriormente, constitua-se apenas em uma situação onde seja necessário empregar alguns conhecimentos matemáticos. Para crianças que vivem em uma situação econômica desfavorecida, como grande parte dos alunos e alunas da Escola Santa Marta, os significados vão além. Trata-se de mais uma confirmação de que seus saberes e sua posição social são inferiores. Pensando nas políticas de representação que permeiam o currículo, percebemos que os enunciados presentes nos exercícios escolares que anteriormente apresentei carregam marcas que posicionam a cultura dominante como referência, com alusões implícitas à classe social, modelo de família e práticas de consumo. Assim, todos os “problemas” apresentados tratavam de situações que envolviam quantias razoáveis em dinheiro, sendo que, na segunda situação, uma criança aparece como portadora de R$ 930,00. Considerando-se que o valor do salário mínimo atual (2007) é de R$ 380,00 e boa parte da população brasileira vive com renda até menor do que esta, trata-se aqui de um valor relativamente elevado. Quanto ao modelo de família,


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podemos dizer que, nesses enunciados, a mãe é posicionada como figura zelosa, que não deixa nada faltar aos seus filhos, responsável pelas compras de alimentos para a família – como no primeiro “problema”, em que Claudinha sempre acompanha sua mãe à padaria. Além disso, são referendadas práticas de consumo, em que a criança – consumidora precoce – “sempre ganha duas notas de R$ 10,00 para comprar doces de R$ 5,00 e balas de R$ 2,00”. Portanto, ao propormos tais “situações-problema” aos alunos e alunas, não estamos tratando ingenuamente de operações matemáticas e números neutros, desinteressados. O que está em jogo aqui são as relações de poder que posicionam desigualmente diferentes grupos culturais. Os grupos mais poderosos, ao produzirem significados sobre si, conseqüentemente produzem significados sobre os outros. Assim, Essa política de representação, ou seja, essa disputa por narrar “o outro”, tomando a si próprio como referência, como normal e o outro como diferente, como exótico, como “ex-cêntrico”, é a forma ou o regime de verdade em que são constituídos os saberes que fomos ensinados a acolher como verdadeiros, como “científicos”, como “universais”, e que inundam os currículos escolares, os compêndios, as enciclopédias, os livros didáticos, as cartilhas, deixando marcas indeléveis nos códigos normativos, na literatura e nas artes em geral, nas retóricas pedagógicas, familiares e religiosas, na mídia e em outros dispositivos culturais. Tais saberes são práticas, reguladoras e reguladas, ao mesmo tempo produzidas e produtivas (COSTA, 2005, p. 43).

São essas práticas, reguladoras e reguladas, produzidas e produtivas, que aos poucos posicionam hierarquicamente os diversos grupos culturais, garantindo a alguns o direito de terem suas idéias, suas concepções de mundo ou de como ele deveria ser inscritas na história. Enquanto alguns narram a si e aos demais, tantos outros não têm voz nem vez de se expressarem. Nesse sentido, poderíamos refletir quais são as conseqüências de práticas escolares, como as situações-problema citadas anteriormente na vida das crianças que participaram dessa pesquisa – e de tantas outras que vivem nas periferias do mundo –, contando, por exemplo, que juntam garrafas pet e latinhas de alumínio para vender e usam os centavos que ganham para comprar lápis, borracha ou pagar o ingresso de R$ 0,50 para assistir uma peça de teatro na escola. Ganhar duas notas de R$ 10,00 “para suas pequenas compras”, constituídas de doces de R$ 5,00 ou balas de R$ 2,00, como diz o primeiro “problema” que antes mencionei, talvez seja uma idéia que nem mesmo passe pela cabeça de crianças como a aluna Aline, que precisa


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pesquisar preços de pães para aproveitar melhor o pouco dinheiro que garante a alimentação de sua família: Aline – Lá na Alemoa eu compro 3 pães com R$ 0,50. Daí, com R$ 1,00, dá 6. Mas se eu vou no outro, ali em cima, eu pago R$ 0,50 por 4 pães e com R$ 1,00 dá para comprar 8 pães. Daí, vale mais a pena comprar no outro. Teve um dia que o pão estava R$ 0,05, mas era pão de um dia para o outro, que eles não venderam. Aí, com R$ 1,00 dava para comprar 20 pães.

Os currículos e as práticas escolares, aliados a todo aparato midiático ao qual estamos expostos, subjetivam os sujeitos de forma a produzir consumidores cada vez mais precocemente. Como mencionei anteriormente, para Bauman (1998) esse é mais um teste de pureza da sociedade pós-moderna, pois, para ser admitido nesta sociedade, é necessário ser capaz de se deixar seduzir pelo mercado consumidor e todas as sensações inebriantes que ele oferece. Todavia, nem todos/as passam por essa prova: são a “sujeira” da pureza pós-moderna. São pessoas que não passam pelo critério de pureza, que nada mais é do que a capacidade de consumir. São os consumidores falhos, os incapazes de se deixar seduzir pelos encantos do consumo, pois são destituídos dos recursos para tanto (Bauman, 1998). Aqui, se enquadram tantos alunos e alunas, solicitados a consumir, seja pela televisão, seja pelo rádio ou mesmo pelos “problemas” matemáticos. Portanto, podemos refletir como a escola e a sua matemática contribuem para a construção de discursos que posicionam desigualmente os sujeitos no interior da sociedade. A pretensa “neutralidade” da matemática escolar mostra-se como mais um artefato para encobrir as lutas de poder produzidas e produtivas que a instituem. Ao mesmo tempo, atento para a compreensão da contingência na resolução dos problemas da vida, que, constituídos de outras lógicas, produzem significados e motivações diferenciadas das produzidas pelos “problemas” da escola. Continuando essa discussão, a seguir, apresento a análise de algumas estratégias matemáticas perpetuadas nas atividades escolares e as estratégias que marcam as práticas matemáticas produzidas no cotidiano de alunos e alunas da Escola Santa Marta. 4.2 As estratégias da matemática da vida x as estratégias da matemática escolar Antes de lidar com números e numerais há que se seriar, classificar, comparar e ordenar muitos materiais. Depois, ninguém pode aprender o numeral dois, sem ter aprendido o numeral um e assim por diante. Na primeira série do Ensino Fundamental, não podemos passar do 99, já que a idéia de centena só


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poderá ser desenvolvida na série seguinte. Saber dividir antes de multiplicar ou subtrair antes de somar é impossível. Entretanto, o que ocorre quando crianças que nem mesmo estando em idade escolar dividem suas bolitas com os irmãos, realizam compras no armazém, vendem produtos diversos nas esquinas e semáforos, separam o material reciclável a ser vendido pela família, entre tantas outras atividades onde certos conhecimentos matemáticos são produzidos? A matemática ensinada na escola efetiva-se através de estratégias diferenciadas das praticadas em atividades matemáticas que ocorrem fora dela. Analisando cadernos de alunos e alunas de 2ª série e conversando com essas crianças, pude perceber algumas dessas diferenças. Primeiramente, observei que a matemática ensinada na escola segue uma certa ordenação. Assim, para cada período de tempo, são desenvolvidas atividades determinadas, sendo que os conceitos que carregam devem ser absorvidos pelos alunos e alunas antes que se passe para outros. Por exemplo: no início do ano, antes das operações matemáticas, as primeiras atividades dos cadernos desses/as estudantes eram exercícios de reconhecimento de numerais e quantidades e de seqüência numérica, como a seguinte:

Na escola, os conhecimentos matemáticos são estruturados de forma linear. Essa linearidade subentende, por exemplo, que o desenvolvimento de atividades de reconhecimento de números e numerais deve ocorrer de forma crescente, ignorando-se o que os alunos e alunas já sabem. Esse é o caso do aluno Leonardo. Enquanto em seu caderno, as atividades praticadas na escola davam conta do trabalho com números e numerais constituídos apenas de dezenas e unidades, na sua fala, ele demonstrava já estar familiarizado com números maiores, compostos também por centenas: Pesquisadora – Onde vocês vêem números fora da escola? Gabriela – Na frente da minha casa tem uns números, mas eu não sei dizer... Acho que é o 4, o 6 e o 3. Leonardo – Tu disse o 4, o 6 e o 3?


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Daiane Martins Bocasanta Gabriela – É... Leonardo – “Tá”, então o número da tua casa é 463. Se é nessa ordem... Só pode ser 463.

A tendência da matemática ensinada na escola é a de deixar de lado, ignorar o que ainda não foi/será articulado nela. Desse modo, se não foram desenvolvidas atividades com números maiores ainda, esses não aparecem nos cadernos, não são citados, são esquecidos até que se chegue neles. Entretanto, na vida, eles estão a nos esperar no mercadinho da esquina, na placa de numeração de nossas casas e carros, no CEP das ruas, nos ônibus, nos números dos candidatos, nos carnês de pagamento das contas da casa, no valor do aluguel etc. As necessidades imediatas da vida não esperam o próximo capítulo do livro didático ou a lição seguinte da professora. As respostas devem ser rápidas. Além disso, estudar os números e contas fora das situações presentes no cotidiano dos estudantes, como no exercício reproduzido anteriormente, pouco auxilia na instrumentação para a compreensão do mundo. Conforme Knijnik (2000, p. 2), “números e contas que têm sentido, ganham significado dentro das diferentes situações em que estão sendo utilizados”. Acompanhando ainda o entendimento da autora, tomo-lhe emprestado o exemplo do número 2: se atrasar dois minutos ao entardecer, para recolher o gado pode significar pouco; um atraso de dois minutos para pegar o ônibus pode significar a perda da viagem. O que observamos, porém, é que o ensino dos números, ao mesmo tempo em que obedece a lógicas que os ordenam e posicionam no pensamento dos sujeitos, são tratados como eventos isolados dos significados concretos onde de fato “vivem”. Ninguém fala, por exemplo, 53, sem se referir a nada, pois não tem sentido. Fala-se, sim, em 53 pessoas, 53 reais, casa 53, 53 alunos, 53 lápis, ônibus nº 53 etc. Ao desconectar os números e as práticas matemáticas dos significados assumidos no interior das culturas a que se destinam, “o que as escolas tentam ensinar as crianças a fazer é esquecer e suprimir esses significados, num esforço de universalizar o raciocínio lógico” (WALKERDINE, 1995, p. 224). Essa tentativa de “universalizar o raciocínio lógico” até mesmo limita a função dos números em nossa vida, conforme observamos no enunciado a seguir, reproduzido de um caderno de uma aluna de 2ª série da Escola Santa Marta: Copia: Os números Os números servem para contar coisas, objetos. Com eles dizemos a quantidade:


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1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20... Os números são infinitos. Então vamos escrever as dezenas até 90?

Há aqui, aquele “esquecimento”, do qual nos fala Walkerdine (1995). Sabemos que os números invadem nossa vida de tal forma que é impossível sairmos de casa sem nos depararmos com eles. Ainda assim, a escola lhes atribui apenas um significado: aquele que lhe interessa. Para atingir a abstração – princípio tão caro à Racionalidade ocidental –, o significado de “contar coisas” basta. Isso evita, talvez, mal-estares advindos de uma discussão acerca dos usos dos números nos computadores (que poucas escolas podem disponibilizar para seus alunos e alunas), ou sobre as desigualdades sociais advindas da má distribuição de renda. Para uma matemática pretensamente “neutra”, “científica” e “desinteressada”, ou melhor, interessada unicamente em promover a chamada abstração intelectual, essas discussões políticas e sociais não têm lugar. Walkerdine problematiza essas questões dizendo que: [...] o raciocínio abstrato não é o último pináculo do poder intelectual de abstração, o poder essencial ao domínio da ciência no mundo moderno, mas um esquecimento massivo, que cria a fantasia da onipotência de um discurso científico que pode controlar o mundo, ele mesmo uma gigantesca fantasia, dado o estado presente do ecossistema do mundo. Em outras palavras, o esquecimento, o significado, as práticas, o caráter construído do sujeito, produzem uma forma muito especial de poder e é esse poder, o poder da Racionalidade ocidental, que tem concebido a natureza como algo a ser controlado, conhecido, dominado (Ibidem, p. 225). [Grifos meus]

Para a escola, após o domínio do conhecimento dos números desconectados da experiência concreta, as crianças estão preparadas para realizar os cálculos, que seguem uma determinada ordem, sendo entendidos como conhecimentos cumulativos. Cada tipo de operação matemática só pode ser ensinada após o aprendizado de outra precedente. Assim, antes da subtração, há que se aprender a adição, para após passar para a multiplicação e só então para a divisão. Entretanto, Knijnik (2000) nos alerta para o uso de saberes concomitantes, indissociáveis, como a adição e o reconhecimento dos numerais. De acordo com a autora, a leitura de numerais não é uma tarefa fácil, devido à arbitrariedade dos símbolos numéricos que usamos, que em nada se relacionam às quantidades que representam. Além disso, a questão do valor relativo e o valor absoluto faz com que, conforme o posicionamento dos algarismos, os números assumam diferentes valores. Nas palavras da autora:


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Daiane Martins Bocasanta No número 789, para: entender que o 8 vale 80 é preciso que se saiba que esta posição é a das dezenas, dos “10” (daí vem o nome dezena) e que, portanto, um 8 neste lugar representa 8x10. O 789, para ser verdadeiramente entendido exige que se faça a seguinte decomposição: 789= (7x100) + (8x10) + (9x1). [...] Antes se pensava que primeiro deveria se ensinar o sistema de numeração para só depois se ensinar as contas. Hoje o que se sabe é que para ler e escrever os números é necessário se fazer contas, conforme vimos no exemplo do 789. Estas coisas estão juntas, e, portanto, precisamos trabalhar com elas ao mesmo tempo, pois saber as contas ajuda a saber os números, e saber os números ajuda a fazer contas (KNIJNIK, 2000, p. 5).

Knijnik (2006c) ainda nos direciona para os usos de variadas tecnologias que chegam, dia após dia, no mercado de trabalho e que exigem o domínio de símbolos matemáticos diversos, daqueles ainda tão presentes no ensino escolar. A autora nos alerta que o uso de variadas tecnologias, como os computadores, os microondas, aparelhos de DVD, calculadoras e relógios digitais, por exemplo, não utilizam o famoso dois volteado, aquele do “patinho”, que só sobrevive ainda na escola. Para ela, “ser numericamente alfabetizado implica necessariamente em saber ler estes novos modos de escrita” (Ibidem, p. 9). Observei nos cadernos que analisei que não havia nem mesmo menção ao uso dessas tecnologias, ainda que, em suas falas, os alunos e alunas entrevistados afirmassem saber lidar com calculadoras, celulares e controles de televisão. Mesmo que na escola, tais artefatos não sejam tomados como “dignos” de fazerem parte do currículo escolar de matemática, sorrateiramente, eles estão infiltrados nesse espaço/tempo. Em suas falas, os alunos e alunas evidenciaram o reconhecimento da calculadora como uma tecnologia que auxilia na resolução de cálculos, mas que nem por isso substituiria a “cabeça”. Para um dos alunos entrevistados, a suposta superioridade da “cabeça” frente à calculadora se daria “porque com a cabeça dá para guardar muito tempo”. Todavia, se nas práticas cotidianas que envolvem saberes matemáticos, “a cabeça” basta, na escola, os cálculos, ainda que se efetivem na “cabeça”, precisam seguir algumas regras para terem sua validade assegurada. A primeira regra é a escrita. O formalismo da matemática escolar impõe a escrita como via única para o reconhecimento dos saberes matemáticos. Knijnik (2006c) problematiza essa questão, estudando as relações entre a escrita e a oralidade, na matemática escolar. Segundo a autora: A escrita - marcada pelo formalismo das sentenças matemáticas, pelo formalismo dos algoritmos, [...] uma matemática escolar que, num processo de recontextualização,


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toma emprestado da matemática acadêmica - a produzida pelos matemáticos na academia - uma linguagem marcada pelo formalismo, pela abstração, aquilo que Rômulo Lins (2004) referiu como os “monstros de estimação” dos matemáticos. A oralidade - marcada pela distância com todos esses monstros; uma racionalidade contingente, que opera através de outras estratégias e que, exatamente por isto, a fronteira fortemente demarcada da matemática escolar toma por bem ignorar. É a supremacia da cultura escrita sobre a oral, uma supremacia produzida não por sua superioridade epistemológica (Ibidem, p. 4-5).

A oralidade que marca os processos de cálculo mental, ainda que a escola teime por deixar do lado de fora das salas de aula, se faz presente, contamina a assepsia que marca as práticas matemáticas produzidas na escola. Sempre há aqueles alunos e alunas que antes mesmo de terminar de copiar o exercício já perguntam: “precisa armar a continha?”. Esses/as estudantes muitas vezes já sabem o resultado das continhas de antemão, mas o formalismo da escola impõe a escrita como régua de medir conhecimentos. Saber “armar as continhas” e resolvê-las dessa forma é praticar matemática na escola. Isso pode ser percebido em exercícios como o seguinte, reproduzido de uma folha de atividades, propostas para uma turma de 2ª série da Escola Santa Marta:

Ainda assim, apesar de todo esforço para purificar e ordenar o currículo escolar, as práticas da matemática oral “fazem uma ocupação” na sala de aula, mesmo que, para isto, não tenham autorização de seus “proprietários” (KNIJNIK, 2006c). Dessa forma, subvertem, muitas vezes, as ordens que ditam como deve ser realizado um cálculo de adição:


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Daiane Martins Bocasanta Copia: Adição Somar é juntar partes. Os números se agrupam de dez em dez. Cada grupo de dez unidades chamamos de dezena. Ao calcular começamos pela unidade para depois somar as dezenas. Veja: DU 12 +11 ——— 23 (atividade reproduzida a partir de um caderno de aluno da 2ª série da Escola Santa Marta)

As práticas orais, que marcam as matemáticas praticadas por diversos grupos culturais, não têm uma receita, pois estão em constante processo de renovação e recriação. Já na matemática praticada na escola, a resolução de cálculos efetiva-se através das “receitas”, como a citada acima. Essas receitas, esse “lugar certo” das coisas do currículo, indica que, ao calcular, começamos pela unidade para depois somar as dezenas. Desse modo, não há lugar na escola, para aquelas estratégias de cálculos que os alunos e alunas usam quando fazem suas vendas e pequenas compras na vila. Essas estratégias, que geralmente se configuram através de outras lógicas, como o cálculo mental, a estimativa e a decomposição, são desconsideradas frente aos conhecimentos “científicos” que compõem a matemática escolar. Assim, os alunos e alunas precisam chegar na 5ª ou 6ª série do Ensino Fundamental – espaço e tempo considerado certo – para começarem a utilizar na escola os números decimais, enquanto que na vida os utilizam desde cedo, conforme podemos observar na fala de uma das alunas entrevistadas: Tamires – A minha mãe junta latinha e litro (garrafas pet). Daí, ela leva uma sacola dentro da bolsa dela para juntar latinha na rua, depois ela vende e dá 5 “pila”. Eu também tô juntando papelão. Junto tudo, até a caixa do café que a mãe compra. Pesquisadora – O que dá para comprar com esses 5 reais? Tamires – Eu compro as minhas coisas e junto para pagar o meu teatro. O teatro é R$ 0,50, mais R$ 0,50 do “salgadão” dá R$ 1,00. Ainda sobra R$ 4,00 e eu posso comprar assim... umas quatro cartelas de figurinhas e ainda fico com R$ 2,00. Pesquisadora – Como tu fizeste essa conta? Tamires – Ah, eu junto 50 mais 50, que dá R$ 1,00. Daí, para comprar as figurinhas, são R$ 0,50 cada uma. 50 mais 50 é R$ 1,00, mais R$ 1,00 dá R$ 2,00, já são 4 figurinhas. Sobra R$ 2,00 dos R$ 4,00. Não é isso, sora?


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As estratégias utilizadas por sujeitos como essa aluna diferem das que são legitimadas nas práticas matemáticas geradas na escola. O “lugar certo” das coisas do currículo, além da escrita dos algoritmos, não permite que, ao invés de iniciar a adição ou a subtração pelas unidades, se inicie o processo pelas dezenas, que se decomponha os números para efetuar as operações matemáticas, ou se realize “arredondamentos” como fazem esses estudantes. Dessa forma, ao desconsiderar esses saberes, a escola contribui significativamente para a construção de discursos como “a matemática é difícil”, “a matemática é para poucos”, “os alunos odeiam matemática”, “os alunos não se interessam por matemática”, entre outros que circulam pelos espaços escolares. Entretanto, penso que se torna difícil mesmo gostar, aprender algo que não encontra eco nas práticas matemáticas próprias de cada cultura. O que ocorre aqui é uma “operação” etnocêntrica, efetivada por aqueles que possuem o saber socialmente legitimado e que, por isso, caracterizam como sem valor o que não seja sua produção cultural (KNIJNIK, 2006a). 5 Considerações finais A matemática escolar, ao estabelecer-se como “norma” a ser seguida, é mais um entre tantos mecanismos de regulação e controle utilizados pelas instituições escolares, contribuindo sobremaneira para a produção de subjetividades. Ao participar dos processos de exclusão escolar daqueles considerados incapazes de “lidar matematicamente com o mundo”, a escola opera em dois sentidos, produzindo não apenas a identidade de quem exclui, mas reforçando as representações que instituem quem pode/é capaz de lidar com os conhecimentos matemáticos estabelecidos dentro de suas lógicas. Entretanto, autoras como Knijnik (2000, 2004, 2006a, 2006b, 2006c) e Wanderer (2006) alertam que a Etnomatemática, ao propor o exame das práticas matemáticas de diversos grupos culturais, destacando suas formas particulares de calcular, medir, estimar, raciocinar, inferir, enfim, de lidar matematicamente com o mundo, não está interessada em realizar uma ingênua apologia aos saberes populares, visando que esses substituam os conhecimentos produzidos pela matemática acadêmica. Como nos diz Knijnik (2000, p. 6), “a Etnomatemática, por entender o valor social que tem o conhecimento oficial, acadêmico, também está atenta para que mais alunos aprendam a lidar com ele, sentindo-se capazes de lidar matematicamente com as situações de suas vidas”. Ainda assim, penso que os conhecimentos produzidos nas atividades cotidianas dos diferentes grupos culturais não devam ser compreendidos como formas menos complexas da matemá-


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tica produzida pela academia ou escolar, como os “resíduos” desses saberes legitimados de que nos fala Lizcano (2006). Como espero ter evidenciado no relato da investigação que realizei, as práticas matemáticas produzidas pelas crianças da Escola Santa Marta fora do contexto escolar são marcadas por outras lógicas e estratégias, geralmente não privilegiadas na escola. Desse modo, ao analisar os “problemas” propostos pela escola em contraposição aos problemas da vida, bem como as estratégias matemáticas legitimadas pela escola e as utilizadas em outros contextos culturais, tomando a perspectiva da Etnomatemática como sustentação teórica, busquei problematizar o que usualmente tem sido considerado como conhecimento matemático e dar visibilidade a outras formas de se pensar matematicamente. 6 Referências bibliográficas ARAÚJO, Inês Lacerda. Vigiar e Punir ou educar?. In: Revista Educação Especial Focault Pensa a Educação. São Paulo: Segmento, 2007, Biblioteca do Professor, n. 3. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução de Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. BAUMAN, Zigmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. COSTA, Marisa Vorraber. Currículo e política cultural. In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. 4. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 37-68. D’AMBRÓSIO. Etnomatemática: arte ou técnica de explicar e conhecer. 5. ed. São Paulo: Ática, 1998. DANTE, Luiz Roberto. Didática da resolução de problemas de matemática: 1ª a 5ª séries para estudantes do curso de magistério e professores do 1° grau 7. ed. São Paulo: Ática, 1995. FERNÁNDES, Emmanuel Lizcano. As matemáticas da tribo européia: um estudo de caso. In: KNIJNIK, Gelsa; WANDERER, Fernanda; OLIVEIRA, Cláudio José (Orgs.). Etnomatemática, currículo e formação de professores. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006. p. 124-138. FONSECA, Márcio Alves da. Michel Foucault e a constituição do sujeito. São Paulo: EDUC, 2003. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da Prisão. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. GALLO, Sílvio. Deleuze e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. Tradução de Francisco Cock Fontanella. 3.ed. Piracicaba: UNIMEP, 2002.


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Daiane Martins Bocasanta (1981) é natural de São Leopoldo/RS. Possui graduação em Pedagogia, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Cursa o mestrado em Educação nessa mesma universidade, desenvolvendo suas atividades investigativas junto à linha de pesquisa “Currículo, cultura e sociedade”. Atualmente, também é professora da Rede Pública Estadual do Rio Grande do Sul e da Rede Municipal de São Leopoldo. Tem experiência na área de Educação, com ênfase nos processos educativos ligados às séries iniciais do Ensino Fundamental e à Educação de Jovens e Adultos.


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