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ideias A busca pela segurança jurídica na jurisdição e no processo sob a ótica da teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann Leonardo Grison

ano 8 · nº 133 · 2010 · ISSN 1679-0316


Os Cadernos IHU ideias apresentam artigos produzidos pelos convidados-palestrantes dos eventos promovidos pelo IHU. A diversidade dos temas, abrangendo as mais diferentes áreas do conhecimento, é um dado a ser destacado nesta publicação, além de seu caráter científico e de agradável leitura.


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A busca pela segurança jurídica na jurisdição e no processo sob a ótica da teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann

Leonardo Grison ano 8 - nº 133 - 2010 - 1679-0316


UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS Reitor Marcelo Fernandes de Aquino, SJ Vice-reitor José Ivo Follmann, SJ Instituto Humanitas Unisinos Diretor Inácio Neutzling, SJ Gerente administrativo Jacinto Aloisio Schneider Cadernos IHU ideias Ano 8 – Nº 133 – 2010 ISSN: 1679-0316

Editor Prof. Dr. Inácio Neutzling – Unisinos Conselho editorial Profa. Dra. Cleusa Maria Andreatta – Unisinos Prof. MS Gilberto Antônio Faggion – Unisinos Profa. Dra. Marilene Maia – Unisinos Esp. Susana Rocca – Unisinos Profa. Dra. Vera Regina Schmitz – Unisinos Conselho científico Prof. Dr. Adriano Naves de Brito – Unisinos – Doutor em Filosofia Profa. MS Angélica Massuquetti – Unisinos – Mestre em Economia Rural Prof. Dr. Antônio Flávio Pierucci – USP – Livre-docente em Sociologia Profa. Dra. Berenice Corsetti – Unisinos – Doutora em Educação Prof. Dr. Gentil Corazza – UFRGS – Doutor em Economia Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel – UERGS – Doutora em Medicina Profa. Dra. Suzana Kilpp – Unisinos – Doutora em Comunicação Responsável técnico Antonio Cesar Machado da Silva Revisão Vanessa Alves Secretaria Camila Padilha da Silva Editoração eletrônica Rafael Tarcísio Forneck Impressão Impressos Portão

Universidade do Vale do Rio dos Sinos Instituto Humanitas Unisinos Av. Unisinos, 950, 93022-000 São Leopoldo RS Brasil Tel.: 51.35908223 – Fax: 51.35908467 www.ihu.unisinos.br


A BUSCA PELA SEGURANÇA JURÍDICA NA JURISDIÇÃO E NO PROCESSO SOB A ÓTICA DA TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS DE NIKLAS LUHMANN Leonardo Grison

1 Introdução O tema da segurança tem importância ímpar para a reflexão da jurisdição e do processo, pois remete a reflexões de cunho teórico, que necessariamente abordam questões atinentes ao Direito como um todo. Mais que isso, percebe-se que a segurança jurídica traduz-se em preocupação essencialmente moderna, e que imprime sua marca em todo Direito Ocidental produzido nesse período. O tema permanece atual, pois a jurisdição e o processo ainda permanecem incluídos na mesma lógica que forjou o Direito Processual Moderno. Se o Direito não é o mesmo da modernidade clássica, isso não ocorre no que atine à segurança jurídica, pois ela ainda imprime sua marca. A segurança jurídica, entendida como a busca por um Direito previsível, racional, surge por interesse da burguesia emergente como busca de garantia frente às arbitrariedades dos príncipes, ou da jurisdição dos nobres, porém, permanece atualmente, mesmo com a consolidação da burguesia, especialmente pela entrada em cena de outros atores sociais, igualmente interessados na segurança jurídica, bem como pela sempre presente influência do racionalismo. Assim, para melhor compreensão do fenômeno, é preciso que se faça uma análise transdisciplinar. Dessa maneira, como sugere o título da linha de pesquisa “Hermenêutica, Constituição e Concretização de Direitos” do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos, é impossível uma discussão do tema que não passe por um viés necessariamente constitucional, bem como da temática do Estado, através de uma análise filosófica do paradigma racionalista, no que é pertinente à segurança jurídica, bem como uma análise sociológica do fenômeno (nesse caso, em especial, destaca-se a sociologia jurídica de Max Weber).


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Para melhor compreender o tema, privilegiou-se uma abordagem de cunho histórico no primeiro capítulo, procurando estudar as origens históricas da busca pela segurança jurídica, dando destaque para os fundamentos sócio-econômicos que sustentaram sua inserção no Direito, bem como uma reflexão filosófica acerca do tema, especialmente no que atine ao racionalismo filosófico. Já no segundo capítulo, parte-se para uma análise do estado da arte na jurisdição e no processo na contemporaneidade, para se verificar em que medida permanecem os pressupostos que orientaram a construção da moderna ciência do Direito, bem como da ciência processual, para se verificar se eles ainda permanecem e se ainda satisfazem os anseios sociais em relação ao processo. 2 A moderna busca do Direito pela segurança jurídica A grande busca da Modernidade, no que concerne aos temas relacionados ao Estado, é a segurança. Para o Direito, em especial, interessou a segurança jurídica, correlato da própria ideia de segurança, entendida como a qualidade do ordenamento jurídico que tem como característica a certeza, previsibilidade e garantia de estabilidade. Tal como se nos apresenta, é cooriginária da burguesia, dos ideais liberais e do racionalismo. Isso porque a ascensão do valor segurança é uma busca burguesa. Por derradeiro que não só a ela interessa a previsibilidade do ordenamento jurídico, mas é especialmente com a burguesia que a segurança jurídica é elevada ao status de prioridade.1 Essa busca era, em verdade, a busca de uma classe até então oprimida, que queria se livrar dos arbítrios do príncipe, arbítrio que por vezes se dava em favor da nobreza, como no feudalismo, ou em favor de um estamento, onde se tinha estrutura de um estado patrimonial.2 Lutava-se pela “exclusão dos meios de prova irracionais, insuportáveis

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A ideia é da sociologia do Direito de Max Weber. Nas palavras do próprio autor: “Naturalmente, cabe sobretudo aos interessados burgueses exigir um Direito inequívoco, claro, livre de arbítrio administrativo irracional e de perturbações irracionais por parte de privilégios concretos: Direito que, antes de mais nada, garanta de forma segura o caráter juridicamente obrigatório de contratos e que, em virtude de todas estas qualidades, funcione de modo calculável. A aliança entre os interesses principescos e interesses de camadas burguesas foi, portanto, uma das forças motrizes mais importantes da racionalização formal do Direito”. (WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília. Universidade de Brasília, 1999, v. 2, p. 123.) Sobre as influências da tradição patrimonialista no Brasil, ver FAORO, Raymundo. Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro. 3. ed. São Paulo: Globo. 2001.


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para a burguesia, especialmente do duelo, o que constituía a maior força de atração dos tribunais reais”.3 Apesar do que possa sugerir uma leitura apressada, o valor segurança não surge apenas com a Revolução Francesa, na Modernidade. Ele deita raízes na Idade Média, quando há surgimento e ascensão da burguesia, que busca no Direito uma garantia para seus negócios. “Também a moderna apetência de saber tem origem no racionalismo da Idade Média, mais precisamente no nominalismo da escolástica tardia”.4 Com a Revolução Francesa, o que se tem é a consolidação de um projeto que inicia na Idade Média, com a vitória de uma classe social que finalmente conquista seu poder político, impõe o racionalismo como modelo de pensamento, desvencilhando-se do teocentrismo, para deslocar o eixo para o antropocentrismo. No plano político, institui-se o Liberalismo. Essa é apenas uma das revoluções burguesas ocorridas, a mais conhecida, e talvez a única que dê para se considerar realmente revolução. O berço do capitalismo, onde ocorre a Revolução Industrial, a Inglaterra, também é caso digno de nota. A revolução gloriosa talvez mal possa se chamar de revolução, de tão conservadora que foi. Os revolucionários, com a possibilidade de instaurar um regime democrático, como fariam posteriormente os franceses, decidem pela manutenção da monarquia, com o seguimento da linhagem patriarcal para sucessão do Rei. Apenas trocam um rei pelo outro, este último, protestante.5 Se a mudança parece insignificante, é de ressaltar que através dela foi possível instaurar os valores burgueses na monarquia inglesa6, especialmente a ideia de segurança jurídica. Contudo, a maneira é completamente diversa do movimento que ocorre na Europa central. Como se sabe, o Direito inglês, nesse caso, a Common Law, não se baseia na lei. É um direito consagrado historicamente, e que surge inicialmente como um direito costumeiro. O juiz julga cada caso isoladamente, com uma decisão orientada para o caso singular. Como ter segurança e previsibilidade então? Através do precedente judicial. Na 3 4 5

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WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília. Universidade de Brasília, 1999,

v.2, p. 119. WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 42. O argumento era, mais uma vez, a segurança: “Em vez de um direito de escolher nossos governantes, o Parlamento declarou que o estabelecimento da sucessão na linhagem protestante, descendente de Jaime I, era condição necessária ‘da paz, da tranquilidade e da segurança do Reino’, e que também era indispensável ‘manter, no que concerne à sucessão, uma regra fixa, à qual os súditos possam recorrer para sua própria proteção’” (BURKE, Edmund. Reflexões sobre a revolução em França. Brasília. Universidade de Brasília. 1982. p. 58). Sobre a importância do protestantismo para a ascensão burguesa, ver WEBER, Max. A Ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.


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Common Law7, casos iguais são julgados iguais. A retórica dos juristas, que no sistema continental se restringe à lei, lá fica restrita a casos já julgados. Os ideais racionalistas irão incidir com a mesma força. Já para os franceses, dos quais somos herdeiros diretos8, ao contrário da transição lenta e gradual dos ingleses, ocorre a ruptura. A revolução é radical, e rompe com os laços do antigo regime.9 A resistência vem com o movimento da restauração, a contrarrevolução francesa. Paradoxalmente, nesse contexto, surge o código civil francês, o Code Napolèon. É uma das grandes conquistas da burguesia, e pelo amparo social que ela representa, ainda permanece em vigor. Foi fruto das inspirações iluministas, mormente o Racionalismo. O racionalismo contempla a ideia de que é possível chegar à verdade através da razão, e somente por ela. Essa autonomia da razão é uma superação dos fundamentos teológicos da idade média, e cosmológico da antiguidade. Comumente se indica René Descartes, tido como fundador da modernidade, como primeiro pensador do racionalismo.10 Para estabelecer esse primado da razão, Descartes parte de uma dualidade entre corpo e alma/razão. Um dualismo tal qual ocorre em Platão, à exceção de que o dualismo cartesiano precisa do corpo.11 Com Aristóteles, temos a delimitação entre filosofia teórica, que pergunta pela verdade ou falsidade, e a filosofia prática, que pergunta pelo cer-

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Na Inglaterra, os feudos não prosperaram, ao menos não no aspecto jurídico, como ocorria no restante da Europa, onde cada feudo possuía sua jurisdição. “A Coroa inglesa conseguiu impor que ali não surgisse um direito feudal como direito especial, como ocorreu na Alemanha, mas que ele fosse integrado na lex terrae geral, a common Law”. (WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília. Universidade de Brasília, 1999, v.2, p. 117.) 8 Nas palavras de Leonel Severo Rocha, “Devido à influência francesa na Constituição, o que não ocorre inicialmente no Direito Privado, que continua inspirado pelo sistema português, foi que entrou, no Brasil, a ideia de codificação conforme o modelo napoleônico: o Direito Civil é entendido como um sistema codificado da legislação”. (ROCHA, Leonel Severo. Sistema do Direito e Transdisciplinaridade. In COPETTI, André. STRECK, Lenio Luiz. ROCHA, Leonel Severo. (orgs.) Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: do Advogado, 2006, p. 184.) 9 Na análise de Tocqueville: “A Revolução, cujo objetivo real era abolir, por toda parte, as instituições da Idade Média, não explodiu nos países onde estas instituições, melhor conservadas, faziam sentir ao povo com mais força seu rigor e sua opressão” (TOCQUEVILLE, Alexis de. O antigo regime e a revolução. 2. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1982, p. 71.) 10 Ovídio Araújo Baptista da Silva, no entanto, inicia sua análise das influências do racionalismo no processo pela obra de Francis Bacon. Ver SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 5-7. 11 Nesse sentido, ver TAYLOR, Charles. As Fontes do Self: a construção da identidade moderna. São Paulo: Loyola, 1997, p. 193.


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to e pelo errado.12 Mais do que distintas, elas são separadas. Lançavam-se as bases para as distinções entre teoria e prática que ainda nos acompanham, bem como os outros dualismos. Descartes, em suas investigações filosóficas, chega à conclusão de que não podemos acreditar nem mesmo nos nossos sentidos, pois, por vezes, eles nos pregam peças. É a ideia de que “as aparências enganam”. Assim, o filósofo adota como método duvidar de tudo, até mesmo daquilo que vemos e sentimos. Chega à conclusão de que pode duvidar de tudo, menos de que é um ser pensante. E se pensava isso, era porque era um ser pensante. Ou seja, “Penso, logo existo” (cogito, ergo sum).13 Portanto, é um Eu pensante, e este eu pensante é, inclusive, mais real que o mundo físico que percebe através de seus sentidos. Ele entende que existem duas coisas, a res cogens e a res extensa.14 Ou seja, a primeira é uma consciência pura, uma alma, uma razão, que não ocupa lugar no espaço, e que portanto não pode ser decomposta em unidades menores. Já a matéria é uma extensão do pensamento, ocupa lugar no espaço, pode ser fragmentada, e não possui consciência. Esse acaba sendo o dualismo cartesiano que, tal qual o platônico, separa o corpo da alma, porém, leva ao solipsismo, pois a realidade acaba sendo menos importante que o eu que compreende tudo, já que possui uma razão privilegiada, que não se encontra em lugar nenhum, e, portanto, em todos os lugares ao mesmo tempo. É o pressuposto filosófico da segurança, já que só através da razão se pode chegar a um conhecimento seguro. O filósofo irá então buscar um método que seja tão seguro quanto o das ciências naturais, tão em voga na época. Para isso, no elemento matemático (racional) o substrato necessário.15 Dentro desse espírito, iria se construir a revolução. No mesmo sentido se dá o Código Civil francês. Sua versão final é de 1804, mas seus planos datavam da Revolução.16 O código pos12 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em Direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2009, p. 416. 13 Para uma breve síntese do pensamento cartesiano, ver GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: Romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras. p. 252-61. 14 Para maior aprofundamento na obra do filósofo, ver DESCARTES, René. Discurso do método. Tradução de Elza Moreira Marcelina. Brasília: EdUnB; São Paulo: Ática, 1989. 15 Sobre a importância do elemento matemático no pensamento cartesiano, e sua importância para o direito ver SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Hermenêutica Filosófica e Direito: O exemplo privilegiado da boa-fé objetiva no Direito Contratual. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 126-7 e OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in) determinação do Direito. Porto Alegre: do Advogado. 2008. p. 98-9. 16 De acordo com Franz Wieacker “Com a ideia de uma nação única e indivisível, que se encontrara pela primeira vez representada nos Estados Gerais reunidos conjuntamente de 1789, liga-se imediatamente a exigência, já longamente pre-


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suía, inicialmente, uma influência jusnaturalista. Entende-se que “é natural o Direito capaz de ser entendido e estabelecido de modo sistemático pela razão”.17 Quanto ao Direito, a concepção que se tinha é de que as leis deveriam ser simples e claras, pois o verdadeiro Direito estava por trás delas, e era de ordem natural.18 Seria possível chegar até ele através da razão (por isso chama-se jusnaturalismo-racionalista ou jusracionalismo). O valor segurança ganhava ares democráticos, pois tinha presente a ideia de que as leis poderiam ser compreendidas por qualquer pessoa. Na síntese de Bobbio, “a simplicidade e a unidade do Direito é o Leitmotiv, a ideia de fundo, que guia os juristas que nesse período se batem pela codificação”.19 No Code Justiça e Segurança, fundiam-se: “é precisamente a crença jusracionalista na possibilidade de um Direito justo em absoluto (numa certa situação histórica) que faz crer ao legislador que é possível regular de uma vez por todas qualquer situação pensável”.20 A polêmica surge então entorno de seu art. 4°, que, da sua leitura, restava incontroversa a obrigação do juiz em decidir todos os casos que lhe são apresentados. Dever-se-ia, para isso, buscar elementos exteriores ao ordenamento jurídico, ou apenas interiores, foi a controvérsia.21 Como se sabe, a Revolução é marcada pela desconfiança em relação aos juízes, remanescentes do Antigo Regime.22 Assim, pelo medo de de cisões contrárias ao Direito da lei, preponderou a tese de que o juiz deveria se restringir ao ordenamento jurídico para decidir todos os casos.

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parada do ponto de vista cultural pela publicística do último período da monarquia, de substituir o antigo particularismo feudal por um Direito geral dos franceses baseado na razão. A luta da revolução contra o antigo regionalismo corporativo transformou essa exigência num programa quotidiano, que já é reconhecido pela Constituição de 1792” (WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 386.) OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in) determinação do Direito. Porto Alegre: do advogado. 2008. p. 96. Justamente pela clareza, defendeu-se que não mais seria necessário debater questões de Direito, somente questões de fato. Nesse período que se cogita a criação dos tribunais populares, já que pela simplicidade qualquer um poderia compreender o Direito. Nesse sentido, ver BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995-1999. p. 67. BOBBIO, Norberto. Op cit. p. 57. WIEACKER, Franz. Op cit. p. 379. As duas correntes eram chamadas, respectivamente, de “Hetero-integração do ordenamento jurídico” e “Auto-integração do ordenamento jurídico”. Ver BOBBIO, Norberto. p. 74. Segundo Tocqueville: “Na verdade, os nobres franceses só exerciam a administração pública num setor: a justiça. Os principais dentre eles conservaram o direito de ter juízes que decidiam determinados processos em seu nome e ainda faziam, vez ou outra, regulamentos de polícia nos limites da senhoria.” (TOCQUEVILLE, Alexis de. O antigo regime e a revolução. 2. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1982. p. 73-4.)


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Consagrou-se a ideia de que o juiz deveria ser apenas a “boca da lei”.23 Dali surge a doutrina interpretativa chamada de “escola da exegese”. Exegese, ao contrário de uma contemporânea hermenêutica, contempla a ideia de retirar o sentido existente. Era uma doutrina que buscava “descobrir” a “intenção do legislador”.24 Ela baseava-se, igualmente, na separação de poderes. O mesmo movimento ocorre na Alemanha no séc. XIX.25 Entretanto, aqui há uma peculiaridade: a unificação tardia (1870). Não havia, portanto, como impor um código único da nação, como os franceses fizeram. A busca pela segurança jurídica parte então da escola histórica alemã. Ela tem importante função na história do Direito, pois lança as bases para o positivismo jurídico.26 Sua grande influência filosófica será o pensamento de Kant.27 O filósofo terá grande influência de Descartes, porém não atribuirá tanto poder à razão. Mais uma vez, manterá o dualismo, que será o da razão prática e o da razão pura.28 A primeira, fundada no dever. Uma moral autônoma, já que o ser racional obedece somente à lei que ele impõe a ele mesmo, pois, de outra

23 A expressão guarda influência da famosa passagem de Montesquieu ao observar a Constituição inglesa: “Os juízes da nação não são, conforme já dissemos, mais do que a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que desta lei não podem moderar nem a força e nem o rigor” (MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo, Martin Claret. 2007. p. 172.) 24 BOBBIO, Norberto. Op cit. p. 77. 25 Na análise de Orlando de Carvalho: “Entre o Code Civil e a pandectística alemã não há, no fundo, uma diferença de projetos: servem os interesses da mesma e única classe” (CARVALHO, Orlando de. A teoria geral da relação jurídica: seu sentido e limites. 2. ed. Coimbra: Centelha, 1981, p. 43.) 26 A análise é de Bobbio: “Para que o Direito Natural perca terreno, é necessário um outro passo, é preciso que a filosofia jusnaturalista seja criticada a fundo e que as concepções ou, ainda, os ‘mitos’ jusnaturalistas desapareçam da consciência dos doutos. [...] Foi precisamente no quadro geral da polêmica antirracionalista, conduzida na primeira metade do século XIX pelo historicismo, que acontece a ‘dessacralização’ do Direito Natural”. (BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. Op. cit., p. 45.) 27 Nas palavras de Franz Wieacker: “A fundamentação ética desta convicção foi extraída por Savigny e pelos seus contemporâneos da teoria jurídica de Kant, segundo a qual a ordem jurídica não constitui uma ordem ética, mas apenas a possibilita, tendo, portanto, uma ‘existência independente’”. (WIEACEKR, Franz. Op cit. p. 492.) 28 Em certa medida, os dualismos ainda convivem atualmente. Segundo Ovídio Baptista da Silva, “Com a separação entre teoria e prática, as classes dominantes conseguiram dois resultados significativos: (a) sujeitaram os magistrados aos desígnios do poder, impondo-lhes a condição de servos da lei; e (b), ao concentrar a produção do Direito no nível legislativo, sem que aos juízes fosse reconhecida a menor possibilidade de sua produção judicial, buscaram realizar o sonho do racionalismo de alcançar a certeza do Direito, soberanamente criado pelo poder, sem que a interpretação da lei, no momento de sua aplicação jurisdicional, pudesse torná-lo controverso e, portanto, incerto.” (grifos nossos) (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 36.)


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maneira, sua razão não seria considerada um fim em si mesma, e, portanto, não teria dignidade. Kant tentava superar o debate entre a imanência do conhecimento (influencia do racionalismo, cartesiano, que colocava o processo de conhecimento inteiramente a cargo da razão) e o empirismo de David Hume, que via a mente humana como uma folha em branco a ser preenchida pelas experiências.29 Para Kant, na ética, ao contrário do Direito, as normas devem ser estabelecidas por aqueles que irão cumpri-las. Ou seja, cada pessoa é um legislador de si próprio. As normas jurídicas são normas objetivas e heterônomas, ao contrário da lei moral, na qual prevalece a autonomia de cada indivíduo. Tanto é assim que, ao contrário de autores clássicos como Aristóteles, para Kant, não é necessário que os indivíduos achem correto ou alegrem-se em cumprir as leis do Estado, mas unicamente que as cumpram. “A política kantiana não exige virtudes subjetivas, mas só o cumprimento público da lei que delimita o exercício externo da liberdade”.30 Sua razão prática, portanto, irá propor a separação entre o Direito e a moral, e sua crítica à razão pura irá destruir os fundamentos jusnaturalistas. “A introdução da coisa em si literalmente destruiu os fundamentos metafísicos do Direito Natural (Direito Ideal), sobrando apenas o Direito Histórico, real”.31 Ora, se a “coisa em si” é inatingível pela razão, o mesmo serve para os fundamentos “naturais” do Direito. Portanto, são elevados à condição de mera ideia da razão, não merecendo serem objetos de reflexão filosófica. A verdade passa a ser considerada apenas uma construção da razão. A escola histórica irá se apropriar do pensamento de Kant para mostrar que o Direito é um produto da história. Ele se constrói historicamente, muitas vezes guiado por elementos irracionais. O Direito é previsível na medida em que é sedimentado pelo tempo. Esse é um dos motivos que leva Savigny, principal integrante da escola, a se posicionar de maneira contrária às codificações na Alemanha. 29 Jostein Gaarder, a par da característica de texto didático que consagrou sua obra clássica, consegue, nesse ponto, imprimir análise profunda e inovadora sobre a obra de Kant, razão pela qual seu romance tornou-se um clássico e respeitado na comunidade acadêmica. (GAARDER, Jostein. Op cit. p. 344-64). Ainda sobre Kant, importante mencionar artigo de José Roque Jungues (JUNGUES, José Roque. O respeito à dignidade humana como fundamento de todo humanismo. In: Teologia e Humanismo Social Cristão: traçando rotas. Nº 1, Unisinos: São Leopoldo). As pesquisas aqui esboçadas também partem das leituras de Kant (KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2003.) 30 BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 62. 31 OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in) determinação do Direito. Porto Alegre: do Advogado. 2008. p. 105.


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O que eles fazem então? Voltam-se para um sistema historicamente concluído: o Direito Romano. Das compilações de Justiniano, as pandectas passam a extrair princípios gerais que se deduzem. A ideia era criar uma ciência do Direito, aos moldes das ciências naturais, com seus métodos. Desse movimento, surgiram os princípios que guiariam as futuras codificações. Por isso, essa escola também é chamada de “pandectística” alemã.32 Enquanto não houve um código civil na Alemanha, era ela quem fornecia substrato para um Direito seguro e previsível.33 Criam uma verdadeira dogmática jurídica.34 Passam a ser comentadores, e seus comentários são lidos de maneira dogmática. A função que cumpre o Code Napoleòn na França, na Alemanha, é exercida pela doutrina. A partir disso, irão construir uma ciência jurídica, ao molde das ciências naturais, com conceitos que se deduzem a partir de si mesmos, tal qual no elemento matemático. Essa é a receita de que irá se valer o positivismo jurídico no séc. XX. Junte-se a isso a herança do Estado Absolutista, a lei, instrumento objetivo para a solução de conflitos, entendida nesse contexto como expressão da vontade do soberano. Isso que a torna jurídica, e não o seu conteúdo. “Ou seja, ela pode ser ‘justa’ ou ‘injusta’ sem que isso afete a sua qualificação jurídica”.35 Entretanto, como já se disse, a vitória da burguesia só se dá com o Estado Liberal. Nele, há a vitória da segurança, que, nesse caso, é a garantia do indivíduo, e sua segurança resguardada contra o próprio Estado. Para se livrar dos arbítrios do subjetivismo dos juízos de valor, e dos mandos e desmandos do príncipe, o positivismo irá buscar a separação entre Direito, Polí-

32 Nas palavras de Wieacker: “ela tornou-se – de acordo com o título dos seus manuais mais característicos – numa ‘pandectística’ ou ‘ciência das pandectas’. Prosseguiu, assim, a orientação formalista, aberta por Anselm Feuerbach e pela teoria metodológica do jovem Savigny, e que transportou para a matéria do direito comum a construção sistemática e conceitual do anterior jusracionalismo.” (WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno, op. cit., p. 491.) 33 Segundo Franz Wieacker: “Na situação especial da Alemanha de então, coube também à pantectística uma missão no âmbito da prossecução da unidade política nacional. No particularismo jurídico que persistia durante a Liga Alemã e nos primeiros tempos do Império de Bismarck, ela garantiu a unidade da dogmática jurídica, do ensino do direito e da jurisprudência científica e, para além disto, do domínio da vigência do direito comum. Ela antecipou assim, a unidade jurídica do Código Civil.” (WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno, op. cit., p. 505.) 34 Acrescenta Weber que “O único outro caminho, além da codificação principesca, para a ‘sistemática’ entrar no direito costuma ser constituído pelos produtos didático-literários, particularmente, os ‘livros de direito’, que muitas vezes alcançam autoridade canônica, dominando a justiça da mesma forma que uma lei”.(WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília. Universidade de Brasília. 1999, v.2, p. 126.) 35 BARZOTTO, Luiz Fernando. O positivismo jurídico contemporâneo: Uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: UNISINOS. 1999. p. 14.


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tica (eficácia, poder) e Moral (justiça, valores). Assim, “Norma jurídica não é a norma justa ou a norma eficaz, mas a norma válida”.36 Os positivistas irão então equiparar validade com vigência. Tal qual o elemento matemático no pensamento de Descartes, o jurídico irá se fundamentar a si mesmo. Deve se advertir que não se ignora a origem política do Direito, portanto, a separação entre Direito e Política se dá no sentido de que existe um poder fático e um poder jurídico. A lei não é uma mera expressão do poder, mas sim expressão do poder legitimado pelo próprio Direito. Ou seja, a norma é válida porque encontra seu fundamento em outra norma. Seu fundamento último será a norma fundamental (Kelsen).37 Seu objetivo era buscar um conceito autônomo de Direito, que o afastasse da sociologia e da ciência política. Assim, Kelsen opera uma cisão de dois níveis. O Direito, como tal, enquanto sistema de normas, não estaria livre de influxos políticos e morais, porém, a ciência jurídica, ciência que tem como objeto de estudo as normas, tem de ser uma ciência pura.38 Desse modo, tem-se os operadores do Direito, aos quais cabe uma função operacional, técnico-burocrática, que consiste no cotidiano forense, e aos juristas cabe uma função epistemológica, de reflexão dogmática no seio da ciência jurídica. O que passa a existir nesse segundo nível é o que se chamará de Teoria do Direito. “A necessidade da filosofia quase desaparece, com a consagração do Direito como ciência positiva.”39 Desse modo, sob a égide do racionalismo, a modernidade buscou um ideal de segurança jurídica, calcado numa separação entre o Direito e a moral, bem como a política, e através da construção de uma ciência jurídica, de função principalmente epistemológica, e que opera através de um cálculo matemático, tal qual nas ciências de medir e pesar. É preciso questionar se ela se sustenta sem os pressupostos racionalistas que a sustentaram. Com a crise do racionalismo, entra em crise o processo, restando em cheque a segurança jurídica.

36 Ibidem, p. 20. 37 Refere Barzotto que “é necessário abordar rapidamente a referida função teorética da norma fundamental. A norma fundamental cumpre, na epistemologia kelseniana, o papel de condição de possibilidade do conhecimento jurídico. Com seu auxílio, pode-se interpretar um dado ordenamento social como ordenamento jurídico. Ela é utilizada assim, prioritariamente, por aqueles que se dedicam à ciência do Direito: os juristas. Dando ênfase ao papel gnoseológico, Kelsen quer evitar a sua caracterização como uma norma de caráter ético-político.” (BARZOTTO, Luís Fernando. Op cit. p. 68.) 38 Nesse sentido, ver WARAT, Luis Alberto. Epistemologia Jurídica e Ensino do Direito. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1985. 39 OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a (in) determinação do Direito. Porto Alegre: do Advogado. 2008 p. 94.


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3 A crise da ciência processual contemporânea: o reflexo da herança racionalista Vivemos um período de crise, crise que não é do Direito, mas se reflete nele, especialmente na jurisdição e no processo. Infindáveis discussões se alastram discutindo se o que se vive é uma pós-modernidade, hipermodernidade, modernidade líquida40, sociedade de risco, ou simplesmente modernidade. Algo é incontroverso: muito do moderno ainda subsiste, porém não satisfaz. Já é cediço o discurso de que a Modernidade não cumpre as suas promessas. Nos últimos tempos, a crítica sobre a Modernidade tem sido grande, impondo um repensar sobre muitos de seus pilares. O que primeiro se apontou foi uma crise da racionalidade. A crença de que o homem é um animal racional, dono de si, senhor de seus atos, cunhada no espírito iluminista, cai por terra com críticas como a de Marx, Freud, Darwin e Heidegger.41 A construção da identidade moderna parece ser marcada por uma razão descolada. Uma razão que é descolada da realidade, e até mesmo do próprio corpo, como se observa em pensadores como Descartes.42 Uma razão que não está em nenhum lugar ao mesmo tempo em que está em qualquer lugar, privilégio do observador, que a tudo pode observar e conhecer perfeitamente o 40 O sociólogo polonês explica a sua denominação, referindo que “os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluídos, por assim dizer, não fixam o espaço nem prendem o tempo. [...] para eles, o que conta é o tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar; Espaço que, afinal, preenchem apenas por um momento”. (Grifos do autor). Em vez de cindir a modernidade, o sociólogo prefere entender que vivemos um período fluído, líquido, diverso daquele período “sólido” do começo da modernidade. Assim é que se dão as relações sociais atualmente, marcadas pelo individualismo e pela fragilidade dos laços sociais, que Bauman analisa em sua obra Amor líquido. Portanto, o que ocorreu foi um processo de “derretimento” dos “sólidos” modernos. “Os primeiros sólidos a derreter e os primeiros sagrados a profanar eram as lealdades tradicionais, os direitos costumeiros e as obrigações que atavam pés e mãos, impediam os movimentos e restringiam as iniciativas. [...] ‘Derreter os sólidos’ significava, antes e acima de tudo, eliminar as obrigações ‘irrelevantes’ que impediam a via do cálculo racional dos efeitos.” (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2001. p. 8-10; BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2004.) 41 Marx irá submeter à razão humana às relações materiais, Freud ao inconsciente, Darwin ao aleatório, o inesperado, imprevisível, que perpassa a vida e marca a evolução das espécies, enquanto que Heidegger irá situar a razão historicamente, concretamente, e irá mostrar como ela se subordina, primeiramente à linguagem, bem como a uma pré-compreensão que sempre lhe é anterior e sempre se antecipa. Sobre este último filósofo, consultar o breve trabalho “Repersonalização do Direito Privado e fenomenologia hermenêutica”.(GRISON, Leonardo. Repersonalização do Direito Privado e fenomenologia hermenêutica. In Cadernos IHU. São Leopoldo: Instituto Humanitas Unisinos. 2008.) 42 Sobre a construção da identidade moderna, consultar: TAYLOR, Charles. As Fontes do Self: a construção da identidade moderna. São Paulo: Loyola, 1997.


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sentido que é próprio das coisas, e que por isso pode instrumentalizar tudo a sua volta. Esta razão instrumental, que a tudo consegue observar com distanciamento, até ela própria, reduz tudo a uma equação de custo/benefício.43 Essa razão irá se associar a outros fenômenos bem próprios da modernidade, como é o caso do individualismo, do qual muitos autores se ocuparam. Todos esses fenômenos, que inicialmente se mostram como dádivas em relação ao medievo, irão ser duramente criticados na modernidade. Essas características, quando acentuadas, levam a uma situação de crise. Quando a razão moderna entra em crise, vai a reboque um modelo de processo que é ancorado nessas bases. Jânia Saldanha, ancorada no pensamento de Boaventura de Souza Santos44, mostra como nosso modelo de processo foi cunhado nesses moldes, e tende a rejeitar tudo aquilo que não se encaixa nele. É exemplo, em nosso processo, a uniformização dos ritos processuais, que se poderia chamar de paradigma da ordinariedade. É a crença na segurança e na certeza do Direito, que se poderia atingir, no plano dos direitos materiais, pela certeza na utilização

43 Sobre a razão instrumental, conceito que possui influências de pensadores clássicos, como Max Weber e Max Horkheimer, Charles Taylor explica que “By ‘instrumental reason’ I mean the kind of rationality we draw on when we calculate the most economical application of means to give end. Maximum efficiency, the best costoutput ratio, is its measure of success. (…) once the creatures that surround us lose the significance that accrued to their place in the chain of being, they are open to being treated as raw materials or instruments for our projects.” Em nossa tradução: “Por ‘razão instrumental’, tenho o tipo de racionalidade que nós utilizamos quando calculamos a maior rentabilidade de meios para um dado fim. Máxima eficiência, melhor relação de custo, é a medida do sucesso. Uma vez que as criaturas que nos cercavam perdem o significado acumulado na cadeia do ser, elas se abrem para serem tratadas como matéria-prima ou instrumento para nossos projetos” (TAYLOR, Charles. The Ethics of Authenticity. Cambridge: Harvard University, 2000, p. 5.) 44 Optou-se por não se adotar o referencial teórico do autor pela reduzida extensão desse trabalho, bem como as implicações em termos de pesquisa que seriam necessárias para se manter a consistência teórica do trabalho, dada a complexidade do referencial teórico, e a necessária escolha que é preciso fazer quando se faz um levante bibliográfico. Igualmente, entende-se que esse referencial teórico já está muito bem trabalhado no artigo de Jânia Maria Lopes Saldanha. A própria autora explica o referencial teórico do sociólogo português: “O autor critica a razão indolente, dividindo-a em razão impotente, arrogante, metonímica e propléptica. Propõe a sua superação por uma outra que denomina de razão cosmopolita, na qual se funda em três procedimentos sociológicos: a sociologia das ausências e das emergências e o trabalho de tradução. Por razão metonímica entende aquela que se reivindica como a única forma de racionalidade, ignorando qualquer outra que possa existir. Tal fenômeno se opera no campo das experiências. Já por razão propléptica entende aquela que não se preocupa em pensar o futuro, pois acha que sabe tudo a respeito dele. Essa razão acontece no âmbito das expectativas.” SALDANHA, Jânia Maria Lopes. Da teoria geral do processo à teoria da tradução. In STRECK, Lenio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de. Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: do Advogado. 2007. N° 4, p. 28.


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do rito. “Sob essa ótica, não poderia mesmo ser diferente, visto que a cognição realizada por quem julga, sendo plena, permite as mais amplas alegações e defesas. Por isso, para os juristas tradicionais, ao menos no plano da teoria, tende-se a fornecer respostas certas e coerentes”.45 Um aspecto deflagrado pela autora nesse modelo, marcado pela ordinariedade, é que as peculiaridades do caso concreto acabam se imiscuindo. O Direito Material, assim como a realidade social, são marcados pela complexidade. Essa complexidade não encontra respaldo no Direito Processual, apesar de sua própria complexidade, com seus vários institutos, com sua dogmática jurídica apurada, que se entende como ciência jurídica autônoma, justamente porque submete a multiplicidade de possibilidades do Direito Material à unicidade de ritos do processo. Outro exemplo é dado por Jânia Saldanha quando se refere ao agravo de instrumento, que tem sofrido várias alterações “quando, ao contrário, dever-se-ia pensar na possibilidade de extingui-lo, aproveitando-se das experiências dos Juizados Especiais e da Justiça do Trabalho que não o admitem”.46 Isso ocorre porque as recentes reformas trabalham sempre dentro da mesma lógica, elas mantêm o mesmo paradigma, o paradigma racionalista.47 Nosso sistema recursal é um reflexo direto de nossas heranças históricas. Nele permanece intocado o medo em relação aos juízes, herdado da Revolução Francesa. O medo de que ele (o juiz singular) possa dar uma decisão inesperada (e que, portanto, fere a segurança jurídica) é reprimido, submetendo-se sua decisão a instancias superiores, sempre aptas a reformá-la. A unidade do Direito, que os franceses buscaram através de um 45 SALDANHA, Jânia Maria Lopes. Da teoria geral do processo à teoria da tradução. Ob cit. p. 30. 46 SALDANHA, Jânia Maria Lopes. Da teoria geral do processo à teoria da tradução. Ob cit. p. 33. 47 O problema é justamente o paradigma racionalista. De nada adiantam as reformas processuais, que acabam sendo “mais do mesmo”, se mantivermos a lógica do paradigma racionalista. (sobre as recentes reformas do processo civil, ver SILVA, Jaqueline Mielke; XAVIER, José Tadeu Neves; SALDANHA, Jânia Maria Lopes. A nova execução de títulos executivos extrajudiciais: as alterações da lei nº 11.382/2006. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. 351 p. e SILVA, Jaqueline Mielke; XAVIER, José Tadeu Neves. Reforma do processo civil: comentários às leis: 11.187, de 19.10.2005; 11.232, de 22.12.2005; 11.276 e 11.277, de 7.2.2006 e 11.280, de 16.2.2006. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. 253 p.) Para fugir dele, as mudanças precisam ser epistemológicas. Nas palavras de Jeferson Dytz Marin, “É a partir da aceitação de que o Direito não obedece a critérios lógicos, que é uma ciência da compreensão e, também, do reconhecimento da necessidade de afastar-se dos aspectos metafísicos que informam o método adotado pelas ciências jurídicas que se poderá estabelecer um novo paradigma”. (MARIN, Jeferson Dytz. Jurisdição e Processo: Reformas Processuais, Ordinarização e Racionalismo. Curitiba: Juruá. 2009, p. 33.)


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código unificador, e os alemães da escola histórica através de uma dogmática jurídica sólida e, como o nome já sugere, dogmática, que se consegue basicamente através de autores que são em verdade comentadores, no nosso sistema, alia-se a um terceiro elemento: a centralização das decisões. O sistema recursal faz com que a decisão sempre seja dada pelas instâncias superiores. Poderíamos chamar este fenômeno de “jurisprudencialização”. Essa tendência acentua-se principalmente no final do século XX. “Atualmente, raras são as petições forenses e as sentenças que invoquem lições de doutrina. Elas vêm recheadas de acórdãos catados na Internet. Praticamos um jurisprudencialismo normatizado, produzido em série, mas, de qualquer modo, jurisprudência livremente produzida, sem que o legislador interfira”.48Essa tendência tem impulsionado a criação legislativa no molde das cláusulas abertas.49 Um outro aspecto importante que se ressalta é a presença da oralidade. A oralidade possibilita uma dinâmica muito maior no processo. Ela é elemento central de formas autocompositivas 48 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Da função à estrutura. Disponível em http://www.baptistadasilva.com.br/. Acesso em 15 de Dezembro de 2009. p. 5. 49 É exemplo o ainda recente Código Civil, de 2002, que traz cláusulas como a da boa-fé objetiva. Essas cláusulas são marcadas por uma maior vagueza semântica em relação aos moldes tradicionais da legislação, cunhados na tradição francesa. Em função disso, dão maior abertura ao juiz e aos tribunais que irão construir o sentido. O sentido é construído socialmente (ciente da necessária tautologia). É necessária, portanto, uma nova postura hermenêutica. A postura de simples exegeta, cunhada no modelo francês, não atende às necessidades geradas por essas cláusulas. A criação do sentido se dá de forma livre e pelo intérprete da norma. Entretanto, essa criação não é arbitrária. Ela precisa possuir um lastro. Toda interpretação se dá quando há uma compreensão, e esta se dá sempre em uma pré-compreensão, que lhe é anterior e sempre se antecipa. Isso evidência que não há uma distinção entre os momentos de aplicação da lei e interpretação (Nesse sentido ver GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método: Traços Fundamentais de uma Hermenêutica Filosófica. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2002). Assim sendo, ao aplicar as cláusulas gerais, como a boa-fé objetiva, o intérprete, não tendo um sentido pronto e acabado na “letra fria da lei”, será obrigado a voltar-se para o caso concreto que tem diante de si para decidir. E nesse processo, pré-conceitos guiarão a formação do sentido. Alguns inautênticos. Outros, na linguagem, gadameriana, serão autênticos, eis que lastreado na tradição. A tradição se constrói historicamente, e é criada, no Direito, tanto pelos juízes, como advogados, professores etc. Interessante e oportuno citar a construção feita por José Carlos Moreira da Silva Filho, que aplica o conceito de pré-compreensão ao Direito, criando a categoria de pré-compreensão jurídica complexa, necessária para a construção do sentido na Boa-fé objetiva: “pré-compreensão jurídica complexa pressupõe não só a tradição dogmática, referente ao desenvolvimento jurisprudencial e doutrinário da dogmática jurídica, mas também a tradição jurídica pulverizada por todos os setores sociais, já que norma e fato estão ambos inseridos no mundo da vida conformado pelo grupo social, devendo considerar-se, igualmente, os elementos prévios que o próprio caso concreto traz;” (SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Hermenêutica Filosófica e Direito: O exemplo privilegiado da boa-fé objetiva no Direito Contratual. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 149-50.)


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como a conciliação e a mediação. Nela, o juiz ganha força, pois tem maior confiança, credibilidade. Nela, o juiz se vê aproximado do caso concreto. “Um processo predominantemente oral significa aproximar o juiz do fato, permitindo uma análise fenomenológica”.50 Ela carrega consigo algumas dificuldades. Uma delas é o preparo dos profissionais. No procedimento oral, não há tempo para se consultar os livros em busca do conhecimento. Nela tudo deve ser resolvido imediatamente. Entretanto, tais práticas sempre encontram entraves com os juristas. Frequentemente, a oralidade é tida como uma afronta à segurança jurídica.51 Segurança que nesse ponto se busca na estabilidade do papel, da escrita. A preocupação com a escrita surge também da necessidade, própria da cultura racionalista, iluminista, de extrair conceitos e princípios universais dos casos, para que possam ser aplicados a outros casos, sempre de maneira uniforme. “Como se sabe, a tradição oral, se não impede, dificulta a elaboração científica, na medida em que se prende à experiência singular de um lugar e de um meio. E, sendo assim, inverte a tradição escrita e sua lógica da conservação e da normalização”.52 A evidência desse apego à escrita se mostra quando se utiliza a oralidade, que por fim acaba sendo reduzida a termo.53 Esse aspecto guarda afinidade com o tratado anteriormente, já que só reduzindo-se a termo tudo que foi tratado durante a fase instrutória é que se permite a avaliação posterior, dos tribunais superiores, contribuindo para a lógica da centralização. O curioso é observar que a oralidade já é um elemento presente na legislação que trata da jurisdição comum, e de rito ordinário, tida como padrão. Entretanto restam esquecidos. É o 50 RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas atípicas. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 40. 51 Basta observar à valoração que é dada à prova testemunhal. Mesmo não existindo hierarquia entre as provas, considerando que nosso sistema contempla a livre apreciação da prova (art. 131 do CPC) ela é preterida, pelas várias dificuldades citadas em relação à oralidade. Segundo Darci Guimarães Ribeiro, “Tanto é isso verdade, que se costuma dizer que a prova testemunhal é considerada a prostituta das provas, em virtude de ser a mais fácil de se comprar. [...] Ademais, a própria lei, inc. I do art. 400 do CPC, a doutrina e a jurisprudência entendem que não cabe prova testemunhal para fato já comprovado por documento; mas a recíproca não é verdadeira”. (RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas atípicas. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 43-4.) 52 SALDANHA, Jânia Maria Lopes. Da teoria geral do processo à teoria da tradução. Ob cit. p. 36. 53 Esse princípio é típico da racionalidade moderna. Explica Weber, ao falar sobre a dominação legal: “Aplica-se o princípio da documentação dos processos administrativos, mesmo nos casos em que a discussão oral é, na prática, a regra ou até consta no regulamento: pelo menos as considerações preliminares e requisitos, bem como as decisões, disposições e ordenações finais, de toda espécie, estão fixadas por escrito. A documentação e o exercício contínuo de atividades pelos funcionários constituem, em conjunto, o escritório, como ponto essencial de toda moderna ação da associação”. (WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília. Universidade de Brasília. 2009. 4.ed. v.1 p. 143.)


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exemplo da “possibilidade de realização da audiência preliminar, de debates orais, pela autorização de interposição de recurso de agravo retido oral ou, finalmente, pela autorização de que o juiz tente a conciliação a qualquer tempo do processo”.54 Desses exemplos, um dos que mais chama atenção é a audiência preliminar.55 Ela é de grande valia para o processo, pois, além de oferecer a possibilidade de conciliação, eliminando-se o conflito, única parte do dispositivo que é comumente observada na praxe forense, possibilita uma maior celeridade da instrução. Isso ocorre porque nela estão previstas outras possibilidades, como fixar os pontos controvertidos, onde se determinará o âmbito da discussão. A possibilidade de determinar as provas a serem produzidas evita com que se perca tempo e dinheiro produzindo provas que são desnecessárias. Contudo, ressalta Ovídio Baptista que: Embora o legislador tenha ampliado seus poderes, com reflexos positivos na qualidade da prestação jurisdicional, os juízes, com o beneplácito dos advogados, limitam-se a dar à audiência preliminar o sentido de uma “audiência de conciliação”, além disso puramente protocolar, esquecendo a importante função saneadora, prevista no § 2° do art. 331. [...] Como era de esperar, esses poderes só raramente são utilizados por nossos juízes. As razões são inúmeras, dentre as quais, é bom não esquecer, está a permanente vigilância exercida pelas jurisdições “superiores”, burocraticamente legitimadas, sobre a jurisdição “inferior”.56

Para sua aplicação, a audiência preliminar necessita de uma “mudança de postura por parte dos operadores do Direito, acostumados a trabalhar sobre um processo de conhecimento anacrônico, calcado em princípios que já não espelham a reali-

54 Ibidem. p. 48. 55 O referido instituto está previsto no art. 331 do nosso Código de Processo Civil e tem a seguinte redação: “Art. 331. Se não ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas seções precedentes, e versar a causa sobre direitos que admitam transação, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo de 30 (trinta) dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer-se representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir. § 1º Obtida a conciliação, será reduzida a termo e homologada por sentença. § 2º Se, por qualquer motivo, não for obtida a conciliação, o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se necessário. § 3º Se o direito em litígio não admitir transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção, o juiz poderá, desde logo, sanear o processo e ordenar a produção da prova, nos termos do § 2º. 56 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Da função à estrutura. Disponível em http://www.baptistadasilva.com.br/. Acesso em 15 de Dezembro de 2009. p. 2.


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dade da moderna ciência processual”.57 Isso porque é preciso lidar com a oralidade e sua inerente incerteza, e aparente insegurança, frente à certeza da escrita. Outro problema é a quantidade de processos com que se vê o magistrado. Isso faz com que não haja tempo hábil para se estudar o processo antes da audiência, “resumindo-se a ler o processo no início da sessão. [...] Como pode fixar os pontos controvertidos, sem conhecer pormenorizadamente os fatos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos?”58 Darci Guimarães Ribeiro é enfático, e argumenta que “sendo as normas referentes ao procedimento de interesse público e de natureza cogente, seu desrespeito gerará uma nulidade absoluta”.59 Por isso, e por ser instrumento a favor da celeridade processual, hoje valor consagrado constitucionalmente, seu desrespeito causa prejuízo as partes, e deveria gerar dever de indenização por parte do Estado. Ao contrário da grande maioria dos juristas, Ovídio Baptista considera que o processo funciona e muito bem para aquilo que foi concebido. Afirma o autor que “ainda não se demonstrou que nosso sistema processual fora programado para andar rápido”. Prossegue o autor defendendo que “ao contrário, ao priorizar o valor segurança, inspirada em juízos de certeza, como uma imposição das filosofias liberais do Iluminismo, o sistema renunciou à busca de efetividade - que nossas circunstâncias identificam com celeridade -, capaz de atender à solicitação de nossa apressada civilização pós-moderna”.60 De acordo com o autor, isso acontece porque temos um modelo de jurisdição declaratória, onde a função do juiz é apenas dizer o Direito posto pelo legislador, ao final da causa, jamais antes, pois só pode julgar com base na certeza, como ocorria no procedimento da actio romana. Esse modelo gera um tipo de juiz “irresponsável”, pois ele não se sente obrigado a fundamentar suas decisões, já que não decide, apenas julga. A celeridade, junto com a justiça, são valores que foram esquecidos, para se dar lugar ao valor segurança, tão caro às nossas classes dominantes. Uma observação sociológica mostra que a “morosidade” do Judiciário ou a “lentidão” da Justiça não constitui um verdadeiro problema para o Judiciário, na medida em que a tentativa de sua resolução apenas legitima ainda mais a necessidade da existência desse, ao levar a discussão sobre a falta de prioridade à justiça e à necessidade de maiores recursos humanos e financeiros, o que

57 RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas atípicas. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 46. 58 Ibidem, p. 47. 59 Ibidem, p. 49. 60 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Da função à estrutura. Ob cit. p. 2.


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Leonardo Grison redunda na impossibilidade de responsabilizar o judiciário pela falta de solução desse problema. [...] As soluções para essa “questão” passam pelo aperfeiçoamento e pela consequente legitimação da instituição, sem que se procure realmente resolver questões como “justiça por atacado” ou a manipulação indireta das decisões, quando os auxiliares mais próximos sabem que o juiz não vai ler as peças a ele destinadas.61

Essa “justiça por atacado” também é aspecto ressaltado por Ovídio Baptista. O autor refere que “a extraordinária litigiosidade que caracteriza nosso tempo, obriga os magistrados a padronizarem suas decisões, praticando – com maior ou menor vocação para o normativismo abstrato – uma jurisdição ‘pasteurizada’, sem compromisso com o ‘caso’”.62 Também são referidos como fenômenos contemporâneos comuns o fato de que os julgamentos acabam sendo feitos privadamente, eis que quando vem a público, o acórdão já está pronto, restando os outros desembargadores a dizer “de acordo”. Isso obriga o advogado a tentar de tudo para mudar o julgamento, restando a sustentação oral como único instrumento, que, como bem salienta Ovídio Baptista, “é pura cena, porque o acórdão redigido de véspera está na tela do computador do relator, mantendo-se imperturbável”.63 Esses são apenas pequenos exemplos da influência do racionalismo na ciência processual contemporânea. São também exemplos da crise que vive hoje a jurisdição e o processo, crise que é reflexo de uma mudança de paradigma que vivenciamos. A crise de um paradigma racionalista ainda insistente, e a dificuldade de construção de um novo paradigma. 4 A segurança jurídica na teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann: uma possibilidade de superação do paradigma racionalista A teoria dos sistemas sociais, de Niklas Luhmann, é uma teoria da sociedade, e como se costuma dizer, é uma teoria do séc. XX (ou até mesmo desse início de séc. XXI). Isso quer dizer que ela é uma teoria que se insere no contexto de crítica aos pressupostos epistemológicos da modernidade. Um contexto pós-moderno, portanto, apesar de que o próprio Luhmann não utilizava esses jargões, referindo apenas que a sociedade contemporânea é uma sociedade marcada pela complexidade, uma sociedade que observa a complexidade que lhe é inerente. O que torna atual a observação luhmanniana é que ela se insere no

61 ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da Rocha. Sociologia do Direito: A magistratura no espelho. São Leopoldo: UNISINOS. 2002. p. 133. 62 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Da função à estrutura. Ob cit. p. 4. 63 Ibidem. p. 4.


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paradigma da linguagem, que tanto marcou o séc. XX.64 A partir dela, a observação que se tem da sociedade se torna diferente, e conceitos que num contexto de uma racionalidade moderna faziam sentido, como segurança e certeza jurídica, acabam não tendo o mesmo valor. Para entender a obra de Luhmann, é preciso compreender seus conceitos-chave, em torno dos quais se articula toda obra. São exemplos conceitos como “complexidade, o sistema e seu ambiente, a dupla contingência, o sentido, o ‘fazer experimentar’ (Erleben) e o agir, a comunicação, o tempo, a autorreferência...”65 Não há uma organização prévia desses conceitos, eles são apresentados ao longo da obra. A teoria se organizara em torno deles em uma lógica circular de temas e enunciados. Nesse movimento todo, fica patente a marca da interdisciplinaridade. Como refere Jean Clam, “Em verdade, Luhmann sempre insistiu em manter uma distância essencial em relação à filosofia”.66 O autor sempre rejeitou interpretações filosóficas de sua obra, eis que comprometido com a construção de uma teoria sociológica, com o pragmatismo que lhe é inerente. Para fugir do dogmatismo, a solução é a já comentada interdisciplinaridade da teoria, que bebe na fonte das mais variadas áreas do conhecimento humano.67 A autopoiese68, para Luhmann, amadurece em dois tempos. Num primeiro momento, sofre influência das “teorias lógicas que tentam superar o tipo de racionalidade científica dominante na lógica tradicional, epistemológica e filosófica ocidental desde Aristóteles até o positivismo do circulo de Viena”.69

64 Jean Clam refere, sobre a característica crítica da teoria, que se pode observar no pensamento luhmanniano “desde as primeiras obras jurídicas ou as primeiras críticas da teoria funcionalista dos anos 60, a transparência do projeto antimetafísico, assim como a consciência do seu alcance.” (ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 93.) 65 ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 93-4. 66 Ibidem, p. 95. 67 Complementa Jean Clam que “Em oposição à grande maioria das teorias antropológicas que, no mínimo, se encerram num empirismo sem interrogação ou se concentram em um assunto restritamente técnico, não conseguindo resguardar tal distância, a teoria luhmanniana é capaz de sustentar, por assim dizer, um resultado inverso ao da filosofia. Colocando-se à contribuição de saberes heterogêneos sob as trajetórias de mais a mais abstratas, ela desafia o apriorismo filosófico e se reserva da tirania conviccional da filosofia ética.” (ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 96.) 68 O tema da autopoiese é melhor trabalhado por Luhmann em LUHMANN, Niklas. Sistemas sociales: lineamientos para una teoría general. Barcelona: Anthropos, 1998. 445 p. 69 Ibidem, p. 97.


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Luhmann acaba por rejeitar as teorias lógicas que sustentam uma autorreferência não-desparadoxalizável. As teorias da cibernética também são outra referência importante para o autor, e constituem elemento central no amadurecimento do paradigma autopoiético. “É lá que são elaborados os conceitos da observação e de suas diferentes ordens de reflexividade (de uma observação do observador e de suas observações)”.70 Ao contrário das teorias sociológicas clássicas, esta reconhece os limites do conhecimento humano, e entende que tudo é uma construção do observador. Não se pretende descrever a realidade como ela “é”.71 Por isso, a teoria rejeita um conteúdo ontologizante. O observador sempre observa a partir de algum lugar, que é fundamental na análise. Um mesmo tema pode resultar em observações diferentes quando observado por um observador que seja do sistema jurídico, e um que esteja inserido no sistema econômico, por exemplo.72 “Observa-se o mundo a partir do sistema; que, finalmente, é o único ponto de partida que se pode ter. [...] Não se observa o mundo; só se observa o nosso mundo, sempre a partir de nossas perspectivas”.73 Das teorias biológicas, surge o conceito de autopoiese. Ele indica aquilo que se reproduz a partir de seus próprios elementos. O termo vem para rechaçar a ideia de que tudo seria conduzido por uma mera aleatoriedade. Ela pressupõe uma autonomia do sistema em relação ao seu ambiente. Tudo que se produz num sistema autopoiético provem dele mesmo. O sistema do Direito, por exemplo, é um sistema cujos pressupostos são criados pelo Direito. “Um sistema não poderia ser autopoiético [...] se é possível se encontrar nele e influenciar sua organização elementos que, por assim dizer, não sairiam de sua própria fábrica.”74

70 Ibidem, p. 97-8. 71 De acordo com Germano Scwartz e Arnaldo Santos Neto: “Uma vez que Luhmann desconstrói o paradigma cartesiano que separa rigidamente o sujeito cognoscente do objeto cognoscível (o esquema sujeito-objeto), sua teoria é mais sofisticada que uma “mera” descrição, uma vez que aquele que observa, também se auto-observa”. (SCHWARTZ, Germano. SANTOS NETO, Arnaldo Bastos. O sistema jurídico em Kelsen e Luhmann: diferenças e semelhanças. In Direitos Fundamentais & Justiça. Porto Alegre: HS Editora. 2008. Ano 2, n° 4. p. 188.) 72 Nas palavras de Jean Clam: “A realidade de uma coisa não é um conteúdo substancial mais ou menos inflexível pelas condições ou acomodações da penhora de um sujeito. Ela não é nada mais que a ‘diferença’ nascida da observação e que faz aparecer uma distinção sobre a qual se contorna, então, um conteúdo, que não é senão um derivado longínquo e tensionado da realidade original.” (ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 98.) 73 ROCHA, Leonel Severo. Observações sobre autopoiese, normativismo e pluralismo jurídico. In STRECK, Lenio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de (orgs.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: do Advogado. 2007. N° 4, p. 179-80. 74 Ibidem. p. 99.


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Os sistemas são formados pela diferenciação. Diz-se que um sistema é autopoiético quando ele consegue realizar o fechamento operacional, ou seja, quando consegue ser um sistema independente dos demais, quando cria um espaço próprio de criação de sentido e consegue operar através de um código. Jean Clam, na sua obra “Questões fundamentais de uma teoria da sociedade”, alerta para certas dificuldades de aplicação da teoria, e já adianta uma crítica: Pelo visto, o Direito está tão fortemente entrelaçado com o repertório semântico da moral e da política, que a representação de sua autoprodução parece ilusória. A autopoiese parece, então, ser um meio altamente contraintuitivo, exagerado e não plausível para a compreensão de sistemas sociais em geral e do sistema jurídico em particular.75

Essas dificuldades também são reconhecidas por Leonel Severo Rocha: “Cada vez que não se consegue observar o mundo a partir somente do Direito, surge irritação e ocorrem problemas de falta de eficácia e efetividade”.76 Isso pode se chamar de dificuldades autopoiéticas. É o contrário da autopoiese, a heteropoiese. “A ideia de autopoiese diz o seguinte: o sistema do Direito tem que autorreproduzir uma organização, para, a partir daí, ela definir seus próprios problemas, seus próprios limites e construir a sua verdade (que é sempre uma construção)”.77 Essa é a base da teoria, a construção do observador, influência das teorias cibernéticas, como já se referiu. Ao se operacionalizar no Direito, constrói-se uma realidade jurídica, independente dos demais sistemas. Nesse momento, os demais sistemas não importam, pois não se está apto a compreendê-los a partir da realidade de nosso sistema. Igualmente, os problemas são derivados do sistema, nunca exteriores, pois é preciso um sistema que os cause. Para o Direito, “Os problemas que não são parte do sistema do Direito não são problemas, não existem”.78 É a ideia de que tudo tem dois lados. O Direito é o sistema do lícito/ilícito. Só se compreende algo pelo seu contrário. Uma coisa só é o que é porque não é aquilo que também poderia ser. O sentido se constrói na diferença, e só compreendo uma coisa em contraposição com tudo aquilo que ela não é. Simplificando: só compreendo que uma pessoa é alta porque há pessoas que são baixas. O vermelho só existe porque existe também o azul. E quando percebo que uma cor é vermelha, percebo que assim o é porque não é nenhuma das outras cores existentes. O invisível torna o visível possível. “É indispensável aceitar esta circularida75 CLAM, Jean. Questões fundamentais de uma teoria da sociedade: contingência, paradoxo, só-efetuação. São Leopoldo: UNISINOS, 2006. p. 145. 76 ROCHA, Leonel Severo. Op cit. p. 180. 77 Ibidem, p. 180. 78 ROCHA, Leonel Severo. Op cit. p. 180.


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de sem fundamento e os riscos de sua abstração para entrar na lógica de uma teoria sistêmica da sociedade”.79 Entretanto, não raras vezes, o conceito é mal compreendido. Imagina-se uma circularidade, como um solipsismo, que não sofre influência do ambiente, do entorno, o que não é verdade. A autopoiese se dá nas operações do sistema. A operação é como a fala em relação à linguagem. “O momento da ação ou simplesmente da fala – do ponto de vista saussuriano – é um momento de construção de realidades”.80 Ocorre em um determinado momento no tempo, e se desfaz em seguida81. “Um sistema pratica a autopoiese desde o momento em que ele é capaz de encadear as operações perfeitamente genuínas e indiferenciáveis de suas próprias operações”.82 O sistema não é um ente que tem desde seu início escrito seu programa e suas operações, como se fosse uma espécie de código-fonte, ou uma cadeia de DNA.83 Ele é, em verdade, paradoxal, pois não possui uma fórmula de unidade e finalidade. A unidade do sistema se dá pela sucessão de operações que ocorrem no seio do sistema. Elas é que constituem o próprio sistema e o estrutura. Essa evanescência factual que permite a abertura do sistema à contingência e a variação. A falta de rigidez do sistema que permite que ele se autoproduza. Vale dizer, a ausência de segurança. Como se disse, a operação é como a fala. Ou seja, a fala sempre ocorre em uma língua, em um contexto. Portanto, uma operação sempre se dá em um sistema. E para tanto, é necessária a comunicação entre dois agentes. Um juiz que profere uma sentença, por exemplo, realiza uma operação. Ela é uma fala, inclusive, em nosso ordenamento jurídico, é dada a oportunidade, em muitos casos, do juiz proferir em audiência. Ora, se essa fala é marcada por essa espécie de evanescência, na expressão de 79 Ibidem, p. 101. 80 ROCHA, Leonel Severo. Observações sobre autopoiese, normativismo e pluralismo jurídico. In STRECK, Lenio Luiz e MORAIS, José Luis Bolzan de (orgs.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: do Advogado. 2007. N° 4. p. 169-70. 81 Segundo Jean Clam: “A operação é, então, um acontecimento que aparece em um momento, para desaparecer, na inatualidade, no momento que o segue”. (ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 105.) 82 Ibidem, p. 103. 83 Nas palavras de Jean Clam: “Os sistemas autopoiéticos são conjuntos processuais que vivem numa continuidade de confirmações generalizantes. E não podem fazer de outra forma, simplesmente porque não dispõem de um início absoluto, onde teriam ‘escolhido’ as distinções fundamentais e decidido desenvolvê-las por elas mesmas. Trata-se, por consequência, de substituir o conceito de substância pelo da autorreferência”. (ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean. Introdução à teoria do sistema autopoiético do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p.105.) Ainda: “Formas e indivíduos não são dados originários do sistema”. (ibidem, p. 106)


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Jean Clam, e se desfaz em seguida, como garantir a “segurança” dessa operação? Colocada sob a perspectiva sistêmica, a pergunta parece inclusive não fazer sentido. Mas, durante muito tempo, essa foi a pretensão da modernidade. Em um primeiro momento, o recurso à escrita. Coloca-se esta fala em um papel. Entretanto, esse momento é passado já. Uma sentença, seguindo o exemplo, perde seu valor na hora que é interposto um recurso, pois, a partir de então, a decisão que passa a valer é a do colegiado que julgará o recurso, seja para manter a sentença, seja para reformar a sentença. Igualmente, a pretensão de “segurança jurídica”, a segurança do ordenamento jurídico, parece inalcançável, já que, como se disse, o próprio sistema internaliza paradoxos. Paradoxalmente, é isso que permite que o próprio sistema se autoproduza.84 Essa segurança, tão buscada no Direito durante a Modernidade, também foi objeto de várias teorias sociológicas. Entretanto, esse modelo entra em crise, com as já referidas críticas que se tem feito contemporaneamente, mormente às críticas do séc. XX, do paradigma da linguagem. Atualmente, tem se vislumbrado uma radical mudança na sociologia. O modelo baseado no que Raffaele De Giorgi chamou de “metafísica das grandes descrições” caiu por terra. Com essa afirmação, remete o autor à sociologia clássica, ancorada no racionalismo, com um modelo de observação baseado nas ciências naturais, e a pretensão de através da técnica obter uma descrição perfeitamente verdadeira da sociedade. Com essas grandes descrições, tinha-se a crença de controlar o futuro. Produz-se certeza no presente, e a “Certeza de que haverá um futuro e que é possível agir para a sua atualização”.85

84 Fenômeno dos últimos tempos que evidencia isto é o que se poderia chamar de jurisprudencialização. A busca pela segurança jurídica faz com que as decisões acabem vindo de cima para baixo. São os próprios tribunais que criam o Direito. Com a vênia do legislador, muitas vezes, que legisla através de cláusulas gerais. Sobre esse fenômeno, Ovídio Baptista argumenta que “Atualmente, raras são as petições forenses e as sentenças que invoquem lições de doutrina. Elas vêm recheadas de acórdãos catados na Internet. Praticamos um jurisprudencialismo normatizado, produzido em série, mas, de qualquer modo, jurisprudência livremente produzida, sem que o legislador interfira”. (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Da função à estrutura. Disponível em http://www.baptistadasilva.com.br/. Acesso em 15 de Dezembro de 2009. p. 5). Ressalvando-se de um mal entendido, salienta-se que a produção do Direito através do poder legislativo não é uma afronta à autopoiese, muito pelo contrário, pois a lei, enquanto fonte de Direito, faz parte do sistema jurídico, por mais que seja proveniente de um sistema político. Assim teríamos outros exemplos, como um contrato de compra e venda, que do ponto de vista econômico, uma observação a partir de um sistema econômico, portanto, é apenas uma relação monetária, a partir de uma observação jurídica se tem um contrato, com suas consequentes conclusões jurídicas. 85 GIORGI, Raffaele De. O risco na sociedade contemporânea. In BuscaLegis, Revista nº 28, ano 15. 1994. p. 1.


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Assim, para essa sociologia, não haveria risco, pois tudo era perfeitamente calculável. O futuro era conhecido, e se não o fosse, e algo desse errado, ainda assim se poderia atribuir isso a causas conhecidas, ou pelo menos conhecíveis. Através do método científico, estabilizavam-se as expectativas, fornecendo-se previsibilidade e segurança. A possibilidade de se obter uma resposta certa e concisa agora diminui. Não mais se acredita que por meio de um método (portanto através da razão) possa se chegar a descrições impassíveis de erro. Instaura-se a insegurança. Nas palavras de Raffaele De Giorgi: Se, numa primeira observação, a normalidade nos parece constituída de determinações, ou seja, de acontecimentos que ocorrem com uma certa regularidade e que permitem então fazer previsões do agir ou cálculos de natureza racional, numa observação mais profunda, a normalidade parece constituída de constelações de indeterminações.86

A única certeza que se tem é a da incerteza. A indeterminabilidade é a regra. O aleatório, mais do que o premeditado, está sempre presente. “O que nunca se verificou pode acontecer de improviso”.87Igualmente, sempre que tomamos uma decisão, há uma série de escolhas que poderíamos ter tomado e não o fizemos. Enquanto possibilidades, elas sempre existem, já que só posso decidir por uma coisa, pois não estou optando por todas as outras. Isso é complexidade. “Com complexidade queremos dizer que sempre existem mais possibilidades do que se pode realizar”.88 Sempre há que se fazer uma escolha. “Mas, uma vez estando escolhida, esta constitui a realidade (as outras possibilidades continuam existindo como ambiente)”.89 Da complexidade, que é fruto da própria linguagem, é que surge o risco. Desde os tempos mais remotos, o homem tenta antecipar o futuro, produzindo decisão no presente. As formas foram as mais variadas, dentre elas, a adivinhação, o tabu e o pecado, que são invenções do acaso e da probabilidade. Outra forma, que até mesmo a sociologia em muito se valeu, foram as estatísticas. Contudo, todas essas formas não apresentam soluções.

86 Ibidem, p. 3. 87 Ibidem, p. 3. 88 É o conceito Luhmanniano de complexidade. Nas palavras do autor: “O mundo apresenta ao homem uma multiplicidade de possíveis experiências e ações, em contraposição ao seu limitado potencial em termos de percepção, assimilação de informação, e ação atual e consciente. Cada experiência concreta apresenta um conteúdo evidente que remete a outras possibilidades que são ao mesmo tempo complexas e contingentes. Com complexidade queremos dizer que sempre existem mais possibilidades do que se pode realizar.” (LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. v. 1. p. 45.) 89 ROCHA, Leonel Severo. Op cit. p. 170.


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“O fato de se saber que um reator nuclear pode explodir a cada milhão de anos não exclui que isto possa acontecer amanhã”.90 O valor segurança que é posto em cheque. Reconhece-se que a única maneira de se ter segurança é estando de costas para o futuro e de frente para o passado. Assim, a sociedade contemporânea é a sociedade dos paradoxos. Numa sociedade que assume sua paradoxalidade e sua complexidade, resta difícil a aceitação de projeções lineares do futuro. A sociedade então assume o “risco”91 como forma de representação dos vínculos com o futuro. A temática do risco logo entrou na ordem do dia, e surgiu, historicamente falando, quando o homem, pela primeira vez, defrontou-se com a possibilidade de autoextermínio da espécie. Com o avanço das tecnologias, veio a incerteza. O risco não é nem uma condição existencial do homem, muito menos uma categoria ontológica da sociedade moderna, e tampouco o resultado perverso do trabalho da característica das decisões, uma modalidade da construção de estruturas através do necessário tratamento das contingências. É uma modalidade da relação com o futuro; é uma forma de determinação das indeterminações segundo a diferença de probabilidade/improbabilidade.92

O risco é elemento necessário à estrutura social e sua autorreprodução.93 O fechamento operativo faz com que seja impossível controlar o ambiente, tornando improvável a racionalidade, e, portanto, a certeza. O risco, assim como as outras formas já expostas, é uma maneira de construir o futuro, porém, esta possui um diferencial: é laicizada. O risco apresenta-se hoje na sociedade como um fato, que é observado por seus atores sociais. Cabe às teorias sociológicas uma observação de segunda ordem, observar como o risco

90 GIORGI, Raffaele De. O risco na sociedade contemporânea. In BuscaLegis, Revista nº 28, ano 15. 1994. p. 4. 91 É mister explicar que a temática do risco aqui não se confunde com a da teoria de Ulrich Beck. Para Luhmann não existe uma “sociedade de risco”, o que existe é a observação sociológica do risco. Para isso, Luhmann trabalha com a distinção risco/perigo. Para aprofundar nessa discussão, ver LUHMANN, Niklas. Sociologia del riesgo. Guadalajara: Universidad Iberoamericana Universidad de Guadalajara, 1992. 92 Ibidem, p. 7. 93 Risco é conceito que guarda afinidade com o conceito de contingência. “Por contingência, entendemos o fato de que as possibilidades apontadas para as demais experiências poderiam ser diferentes das esperadas; ou seja, que essa indignação pode ser enganosa por referir-se a algo inexistente, inatingível, ou a algo que, após tomadas as medidas necessárias para a experiência concreta, [...] não mais lá está. Em termos práticos, complexidade significa seleção forçada, e contingência significa perigo de desapontamento e necessidade de assumir-se riscos”. (LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. v1. p. 45-6.)


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é observado atualmente. Não há um guia de como proceder frente ao risco. Na observação de Raffaele De Giorgi, “Segundo alguns, a catástrofe é iminente e inevitável. Segundo outros, apenas uma revolução universal pode salvar a sociedade. Outros, ainda, pedem o retorno a uma fé comum; outros suplicam que sejam salvas, pelo menos, a natureza ou as futuras gerações”.94 As pretensões de segurança jurídica da modernidade ficam em cheque com o reconhecimento do risco, inerente à nossa sociedade. Certeza e segurança, nos termos que a dogmática jurídica oitocentista os mostrou, apresentam-se como impossíveis de se alcançar. Isso também não quer dizer que a teoria sistêmica proponha uma total relatividade. Há sim estabilidade. As operações, quando acontecem de maneira reiterada, constituem o sistema. O sistema é autopoiético, o que permite reduzir a complexidade. Resta o problema das expectativas. A modernidade apostou que a melhor maneira de lidar com elas, na antecipação do futuro, seria apostar na segurança jurídica do Direito. A teoria sistêmica mostra que atualmente tem-se por muito mais adequada à temática do risco, como forma ideal de se lidar com o futuro. Uma sociedade que observa o risco não pode ter a pretensão de certeza e segurança (pelo menos não aos moldes tradicionais), pois segurança só existe quando se está de costas para o futuro e de frente para o passado (aliás, essa foi a atitude dos pandectistas alemães).95 O grande mérito da teoria luhmanniana é fugir do binômio segurança-risco. Ele mostra que, se a segurança buscada pela dogmática jurídica oitocentista é impossível, de outro lado, o risco enquanto enfrentamento do futuro também não constitui um relativismo completo. O que dá o fechamento do sistema, e, portanto, confere estabilidade, é a autopoiese. Para a teoria de Luhmann então, a segurança jurídica não é exatamente um problema, já que a estabilidade social é conferida pelo próprio fechamento operacional do sistema do Direito, que sempre se reproduz a partir de seus pressupostos.

94 Na observação de Raffaele De Giorgi, “Segundo alguns, a catástrofe é iminente e inevitável. Segundo outros, apenas uma revolução universal pode salvar a sociedade. Outros, ainda, pedem o retorno a uma fé comum; outros suplicam que sejam salvas, pelo menos, a natureza ou as futuras gerações” (GIORGI, Raffaele De. O risco na sociedade contemporânea. In BuscaLegis, Revista nº 28, ano 15. 1994. p. 8.) 95 Como se disse anteriormente, a obra luhmanianna é de difícil assimilação, pois tem conceitos que se apresentam ao longo da vida de Luhmann. O autor tenta dar um fechamento na sua teoria no livro “Sociedade da sociedade” publicada logo antes de falecer. LUHMANN, Niklas. Sociedade da sociedade. México: Herber. 2007


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Considerações finais A ciência processual contemporânea traz em si a marca do racionalismo. Suas raízes, entretanto, são mais longas do que podem parecer. Já no império romano, extraem-se modelos. De lá vem a ideia de jurisdição enquanto declaração de Direito, assim como os procedimentos da actio romana, e seu modelo ordinário. Sua retomada surge ainda na antiguidade tardia, e se consubstancia nas atividades da escola de Bolonha, primeira escola jurídica, que retoma o Digesto Justianeu. A esse período já se pode falar em um racionalismo, mormente pela influência da escolástica tardia. Na Modernidade, entretanto, este movimento toma novos contornos. A retomada dos textos antigos, que, no medievo, era marcada fortemente pelo cristianismo, agora tem como marca a influência iluminista. A leitura dos textos tem a tônica do racionalismo. Uma classe social impulsiona a racionalização formal do Direito: a burguesia. Porque formal a racionalização, irá interessar sobremaneira ao processo. Sua forma será a mais racionalizada possível, seus institutos muitas vezes irão ser buscados no Direito Romano. Entretanto, o momento atual é de crise, de transição. O racionalismo não mais dá conta daquilo que se propôs. A modernidade não cumpre suas promessas. As críticas radicais de autores como Marx, Freud, Darwin, Heidegger, dentre outros, fazem com que seja necessária uma mudança epistemológica. Com o declínio do racionalismo, perde o sentido tudo aquilo que nele estava ancorado. E, com isso, refere-se a todo um sistema processual. Um modelo calcado na uniformização dos ritos processuais (e que, portanto, ignora a complexidade e diversidade do Direito Material), marcado pela ordinariedade, com um sistema recursal centralizador de decisões, e que rejeita práticas que fogem da lógica massificadora, tão cara ao capitalismo como a oralidade, pois não se encaixam em uma racionalidade formal moderna. Com isso, tem-se que a crise é, em verdade, estrutural. Os juízes possuem instrumentos aptos a mudar este cenário, na própria legislação atual, como a audiência preliminar. Percebe-se, então, que valores como celeridade não são necessariamente uma busca dos magistrados. A efetividade, elevada ao status de valor constitucional, junto com a justiça, acaba sendo deixada de lado em nome da segurança jurídica. Insiste-se num modelo de jurisdição do tipo “justiça por atacado”, calcado em uma racionalidade moderna, que rejeita todas as práticas que lhe são diferentes. Somente através da construção de um novo imaginário, que supere o paradigma racionalista, se poderá ter um modelo de jurisdição e processo que atendam às necessida-


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des atuais da sociedade. Não basta modificar o modelo, é preciso mudar os pressupostos. Entretanto, se na modernidade a busca por segurança jurídica se traduziu em uma racionalização do Direito, como bem demonstrou Weber, que visava produzir estabilidade para os mercados, a quebra do paradigma racionalista não necessariamente impõe o abandono da ideia de segurança, substituindo-a por um relativismo completo. Aliás, o contrário se extrai de uma observação autopoiética, mormente pela teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann. Luhmann mostra como a segurança, tal como pretendida pela racionalidade moderna, é simplesmente inatingível. Uma ilusão, pode-se dizer. Como forma de antecipação do futuro, não pode mais ser utilizada em uma sociedade complexa. O risco se apresenta como antecipação de futuro mais adequada. Compreender a importância do risco é assumir a complexidade, fruto da multiplicidade de opções. Reconhecendo a complexidade inerente a qualquer sistema, é inevitável assumir o risco. Mas, como já se disse, isso não leva a um relativismo completo, pois o sistema alcança estabilidade no seu fechamento operacional, que não é total, mas é suficiente para conferir o fechamento necessário à própria constituição do sistema. É possível, portanto, que se vá para além da busca por segurança da racionalidade moderna, assumindo o risco inerente ao Direito, e reconhecendo que há estabilidade, por mais que haja complexidade, contingência e risco, no sistema, que se dá pela autopoiese. Referências BARZOTTO, Luiz Fernando. O positivismo jurídico contemporâneo: Uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. São Leopoldo: UNISINOS. 1999. BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995-1999. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 2001. BURKE, Edmund. Reflexões sobre a revolução em França. Brasília. Universidade de Brasília. 1982. CARVALHO, Orlando de. A teoria geral da relação jurídica: seu sentido e limites. 2. ed. Coimbra: Centelha, 1981. CLAM, Jean. Questões fundamentais de uma teoria da sociedade: contingência, paradoxo, só-efetuação. São Leopoldo: UNISINOS, 2006. COPETTI, André. STRECK, Lenio Luiz. ROCHA, Leonel Severo. (orgs.) Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Porto Alegre: do Advogado. 2006. DESCARTES, René. Discurso do método. Tradução de Elza Moreira Marcelina. Brasília: EdUnB; São Paulo: Ática, 1989.


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TEMAS DOS CADERNOS IHU IDEIAS N. 01 N. 02

N. 03 N. 04 N. 05 N. 06 N. 07 N. 08 N. 09 N. 10 N. 11 N. 12 N. 13 N. 14 N. 15 N. 16 N. 17 N. 18 N. 19 N. 20 N. 21 N. 22 N. 23 N. 24 N. 25 N. 26 N. 27 N. 28 N. 29 N. 30 N. 31 N. 32 N. 33 N. 34 N. 35 N. 36 N. 37 N. 38 N. 39 N. 40 N. 41 N. 42 N. 43 N. 44 N. 45 N. 46 N. 47 N. 48 N. 49

A teoria da justiça de John Rawls – Dr. José Nedel O feminismo ou os feminismos: Uma leitura das produções teóricas – Dra. Edla Eggert O Serviço Social junto ao Fórum de Mulheres em São Leopoldo – MS Clair Ribeiro Ziebell e Acadêmicas Anemarie Kirsch Deutrich e Magali Beatriz Strauss O programa Linha Direta: a sociedade segundo a TV Globo – Jornalista Sonia Montaño Ernani M. Fiori – Uma Filosofia da Educação Popular – Prof. Dr. Luiz Gilberto Kronbauer O ruído de guerra e o silêncio de Deus – Dr. Manfred Zeuch BRASIL: Entre a Identidade Vazia e a Construção do Novo – Prof. Dr. Renato Janine Ribeiro. Mundos televisivos e sentidos identiários na TV – Profa. Dra. Suzana Kilpp Simões Lopes Neto e a Invenção do Gaúcho – Profa. Dra. Márcia Lopes Duarte Oligopólios midiáticos: a televisão contemporânea e as barreiras à entrada – Prof. Dr. Valério Cruz Brittos Futebol, mídia e sociedade no Brasil: reflexões a partir de um jogo – Prof. Dr. Édison Luis Gastaldo Os 100 anos de Theodor Adorno e a Filosofia depois de Auschwitz – Profa. Dra. Márcia Tiburi A domesticação do exótico – Profa. Dra. Paula Caleffi Pomeranas parceiras no caminho da roça: um jeito de fazer Igreja, Teologia e Educação Popular – Profa. Dra. Edla Eggert Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros: a prática política no RS – Prof. Dr. Gunter Axt Medicina social: um instrumento para denúncia – Profa. Dra. Stela Nazareth Meneghel Mudanças de significado da tatuagem contemporânea – Profa. Dra. Débora Krischke Leitão As sete mulheres e as negras sem rosto: ficção, história e trivialidade – Prof. Dr. Mário Maestri Um itinenário do pensamento de Edgar Morin – Profa. Dra. Maria da Conceição de Almeida Os donos do Poder, de Raymundo Faoro – Profa. Dra. Helga Iracema Ladgraf Piccolo Sobre técnica e humanismo – Prof. Dr. Oswaldo Giacóia Junior Construindo novos caminhos para a intervenção societária – Profa. Dra. Lucilda Selli Física Quântica: da sua pré-história à discussão sobre o seu conteúdo essencial – Prof. Dr. Paulo Henrique Dionísio Atualidade da filosofia moral de Kant, desde a perspectiva de sua crítica a um solipsismo prático – Prof. Dr. Valério Rohden Imagens da exclusão no cinema nacional – Profa. Dra. Miriam Rossini A estética discursiva da tevê e a (des)configuração da informação – Profa. Dra. Nísia Martins do Rosário O discurso sobre o voluntariado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS – MS Rosa Maria Serra Bavaresco O modo de objetivação jornalística – Profa. Dra. Beatriz Alcaraz Marocco A cidade afetada pela cultura digital – Prof. Dr. Paulo Edison Belo Reyes Prevalência de violência de gênero perpetrada por companheiro: Estudo em um serviço de atenção primária à saúde – Porto Alegre, RS – Prof. MS José Fernando Dresch Kronbauer Getúlio, romance ou biografia? – Prof. Dr. Juremir Machado da Silva A crise e o êxodo da sociedade salarial – Prof. Dr. André Gorz À meia luz: a emergência de uma Teologia Gay - Seus dilemas e possibilidades – Prof. Dr. André Sidnei Musskopf O vampirismo no mundo contemporâneo: algumas considerações – Prof. MS Marcelo Pizarro Noronha O mundo do trabalho em mutação: As reconfigurações e seus impactos – Prof. Dr. Marco Aurélio Santana Adam Smith: filósofo e economista – Profa. Dra. Ana Maria Bianchi e Antonio Tiago Loureiro Araújo dos Santos Igreja Universal do Reino de Deus no contexto do emergente mercado religioso brasileiro: uma análise antropológica – Prof. Dr. Airton Luiz Jungblut As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes – Prof. Dr. Fernando Ferrari Filho. Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil Colonial – Prof. Dr. Luiz Mott. Malthus e Ricardo: duas visões de economia política e de capitalismo – Prof. Dr. Gentil Corazza Corpo e Agenda na Revista Feminina – MS Adriana Braga A (anti)filosofia de Karl Marx – Profa. Dra. Leda Maria Paulani Veblen e o Comportamento Humano: uma avaliação após um século de “A Teoria da Classe Ociosa” – Prof. Dr. Leonardo Monteiro Monasterio Futebol, Mídia e Sociabilidade. Uma experiência etnográfica – Édison Luis Gastaldo, Rodrigo Marques Leistner, Ronei Teodoro da Silva & Samuel McGinity Genealogia da religião. Ensaio de leitura sistêmica de Marcel Gauchet. Aplicação à situação atual do mundo – Prof. Dr. Gérard Donnadieu A realidade quântica como base da visão de Teilhard de Chardin e uma nova concepção da evolução biológica – Prof. Dr. Lothar Schäfer “Esta terra tem dono”. Disputas de representação sobre o passado missioneiro no Rio Grande do Sul: a figura de Sepé Tiaraju – Profa. Dra. Ceres Karam Brum O desenvolvimento econômico na visão de Joseph Schumpeter – Prof. Dr. Achyles Barcelos da Costa Religião e elo social. O caso do cristianismo – Prof. Dr. Gérard Donnadieu. Copérnico e Kepler: como a terra saiu do centro do universo – Prof. Dr. Geraldo Monteiro Sigaud


N. 50 N. 51 N. 52 N. 53 N. 54 N. 55 N. 56 N. 57 N. 58 N. 59 N. 60 N. 61 N. 62 N. 63 N. 64 N. 65 N. 66 N. 67 N. 68 N. 69 N. 70 N. 71 N. 72 N. 73 N. 74 N. 75 N. 76 N. 77 N. 78 N. 79 N. 80 N. 81 N. 82 N. 83 N. 84 N. 85 N. 86 N. 87 N. 88 N. 89 N. 90 N. 91 N. 92 N. 93 N. 94 N. 95 N. 96 N. 97 N. 98 N. 99 N. 100 N. 101 N. 102 N. 103 N. 104 N. 105

Modernidade e pós-modernidade – luzes e sombras – Prof. Dr. Evilázio Teixeira Violências: O olhar da saúde coletiva – Élida Azevedo Hennington & Stela Nazareth Meneghel Ética e emoções morais – Prof. Dr. Thomas Kesselring Juízos ou emoções: de quem é a primazia na moral? – Prof. Dr. Adriano Naves de Brito Computação Quântica. Desafios para o Século XXI – Prof. Dr. Fernando Haas Atividade da sociedade civil relativa ao desarmamento na Europa e no Brasil – Profa. Dra. An Vranckx Terra habitável: o grande desafio para a humanidade – Prof. Dr. Gilberto Dupas O decrescimento como condição de uma sociedade convivial – Prof. Dr. Serge Latouche A natureza da natureza: auto-organização e caos – Prof. Dr. Günter Küppers Sociedade sustentável e desenvolvimento sustentável: limites e possibilidades – Dra. Hazel Henderson Globalização – mas como? – Profa. Dra. Karen Gloy A emergência da nova subjetividade operária: a sociabilidade invertida – MS Cesar Sanson Incidente em Antares e a Trajetória de Ficção de Erico Veríssimo – Profa. Dra. Regina Zilberman Três episódios de descoberta científica: da caricatura empirista a uma outra história – Prof. Dr. Fernando Lang da Silveira e Prof. Dr. Luiz O. Q. Peduzzi Negações e Silenciamentos no discurso acerca da Juventude – Cátia Andressa da Silva Getúlio e a Gira: a Umbanda em tempos de Estado Novo – Prof. Dr. Artur Cesar Isaia Darcy Ribeiro e o O povo brasileiro: uma alegoria humanista tropical – Profa. Dra. Léa Freitas Perez Adoecer: Morrer ou Viver? Reflexões sobre a cura e a não cura nas reduções jesuítico-guaranis (1609-1675) – Profa. Dra. Eliane Cristina Deckmann Fleck Em busca da terceira margem: O olhar de Nelson Pereira dos Santos na obra de Guimarães Rosa – Prof. Dr. João Guilherme Barone Contingência nas ciências físicas – Prof. Dr. Fernando Haas A cosmologia de Newton – Prof. Dr. Ney Lemke Física Moderna e o paradoxo de Zenon – Prof. Dr. Fernando Haas O passado e o presente em Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro de Andrade – Profa. Dra. Miriam de Souza Rossini Da religião e de juventude: modulações e articulações – Profa. Dra. Léa Freitas Perez Tradição e ruptura na obra de Guimarães Rosa – Prof. Dr. Eduardo F. Coutinho Raça, nação e classe na historiografia de Moysés Vellinho – Prof. Dr. Mário Maestri A Geologia Arqueológica na Unisinos – Prof. MS Carlos Henrique Nowatzki Campesinato negro no período pós-abolição: repensando Coronelismo, enxada e voto – Profa. Dra. Ana Maria Lugão Rios Progresso: como mito ou ideologia – Prof. Dr. Gilberto Dupas Michael Aglietta: da Teoria da Regulação à Violência da Moeda – Prof. Dr. Octavio A. C. Conceição Dante de Laytano e o negro no Rio Grande Do Sul – Prof. Dr. Moacyr Flores Do pré-urbano ao urbano: A cidade missioneira colonial e seu território – Prof. Dr. Arno Alvarez Kern Entre Canções e versos: alguns caminhos para a leitura e a produção de poemas na sala de aula – Profa. Dra. Gláucia de Souza Trabalhadores e política nos anos 1950: a idéia de “sindicalismo populista” em questão – Prof. Dr. Marco Aurélio Santana Dimensões normativas da Bioética – Prof. Dr. Alfredo Culleton & Prof. Dr. Vicente de Paulo Barretto A Ciência como instrumento de leitura para explicar as transformações da natureza – Prof. Dr. Attico Chassot Demanda por empresas responsáveis e Ética Concorrencial: desafios e uma proposta para a gestão da ação organizada do varejo – Profa. Dra. Patrícia Almeida Ashley Autonomia na pós-modernidade: um delírio? – Prof. Dr. Mario Fleig Gauchismo, tradição e Tradicionalismo – Profa. Dra. Maria Eunice Maciel A ética e a crise da modernidade: uma leitura a partir da obra de Henrique C. de Lima Vaz – Prof. Dr. Marcelo Perine Limites, possibilidades e contradições da formação humana na Universidade – Prof. Dr. Laurício Neumann Os índios e a História Colonial: lendo Cristina Pompa e Regina Almeida – Profa. Dra. Maria Cristina Bohn Martins Subjetividade moderna: possibilidades e limites para o cristianismo – Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva Saberes populares produzidos numa escola de comunidade de catadores: um estudo na perspectiva da Etnomatemática – Daiane Martins Bocasanta A religião na sociedade dos indivíduos: transformações no campo religioso brasileiro – Prof. Dr. Carlos Alberto Steil Movimento sindical: desafios e perspectivas para os próximos anos – MS Cesar Sanson De volta para o futuro: os precursores da nanotecnociência – Prof. Dr. Peter A. Schulz Vianna Moog como intérprete do Brasil – MS Enildo de Moura Carvalho A paixão de Jacobina: uma leitura cinematográfica – Profa. Dra. Marinês Andrea Kunz Resiliência: um novo paradigma que desafia as religiões – MS Susana María Rocca Larrosa Sociabilidades contemporâneas: os jovens na lan house – Dra. Vanessa Andrade Pereira Autonomia do sujeito moral em Kant – Prof. Dr. Valerio Rohden As principais contribuições de Milton Friedman à Teoria Monetária: parte 1 – Prof. Dr. Roberto Camps Moraes Uma leitura das inovações bio(nano)tecnológicas a partir da sociologia da ciência – MS Adriano Premebida ECODI – A criação de espaços de convivência digital virtual no contexto dos processos de ensino e aprendizagem em metaverso – Profa. Dra. Eliane Schlemmer As principais contribuições de Milton Friedman à Teoria Monetária: parte 2 – Prof. Dr. Roberto Camps Moraes Futebol e identidade feminina: um estudo etnográfico sobre o núcleo de mulheres gremistas – Prof. MS Marcelo Pizarro Noronha


Leonardo Grison é mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Bolsista CAPES/PROSUP. Possui graduação em Direito – Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Em 2005, foi bolsista de iniciação científica (Unibic – Unisinos) junto ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos, participando do projeto “Relações contratuais: em busca de um novo modelo jurídico a partir da ética da alteridade e da hermenêutica filosófica”. Em 2007, defendeu sua monografia com base nas mesmas pesquisas, intitula de “Repersonalização do Direito Privado e Fenomenologia Hermenêutica”, sendo aprovado com distinção. No mesmo ano, também estagiou junto à Defensoria Pública Estadual. Atua principalmente nos seguintes temas: Os problemas estruturais advindos da herança patrimonialista na administração pública brasileira. O problema dos Cargos em Comissão na administração pública; A segurança jurídica na jurisdição e processo; Repersonalização do Direito Privado; Fenomenologia Hermenêutica; Hermenêutica Filosófica. Algumas publicações do autor LIMBERGER, Têmis; GRISON, Leonardo. Políticas Públicas e Direito à Saúde: A Tensão entre os Poderes – A necessidade de estabelecer critérios judiciais para intervenção. Revista do Direito, v. 31, p. 150-172, 2009. GRISON, Leonardo. Repersonalização do Direito Privado e Fenomenologia Hermenêutica. Cadernos IHU (UNISINOS), v. Ano 6, p. 25, 2008.

N. 106 N. 107 N. 108 N. 109 N. 110 N. 111 N. 112 N. 113 N. 114 N. 115 N. 116 N. 117 N. 118 N. 118 N. 119 N. 120 N. 121 N. 122 N. 123 N. 124 N. 125 N. 126 N. 127 N. 128 N. 129 N. 130 N. 131 N. 132

Justificação e prescrição produzidas pelas Ciências Humanas: Igualdade e Liberdade nos discursos educacionais contemporâneos – Profa. Dra. Paula Corrêa Henning Da civilização do segredo à civilização da exibição: a família na vitrine – Profa. Dra. Maria Isabel Barros Bellini Trabalho associado e ecologia: vislumbrando um ethos solidário, terno e democrático? – Prof. Dr. Telmo Adams Transumanismo e nanotecnologia molecular – Prof. Dr. Celso Candido de Azambuja Formação e trabalho em narrativas – Prof. Dr. Leandro R. Pinheiro Autonomia e submissão: o sentido histórico da administração – Yeda Crusius no Rio Grande do Sul – Prof. Dr. Mário Maestri A comunicação paulina e as práticas publicitárias: São Paulo e o contexto da publicidade e propaganda – Denis Gerson Simões Isto não é uma janela: Flusser, Surrealismo e o jogo contra – Yentl Delanhesi SBT: jogo, televisão e imaginário de azar brasileiro – Sonia Montaño Educação cooperativa solidária: perspectivas e limites – Prof. MS Carlos Daniel Baioto Humanizar o humano – Roberto Carlos Fávero Quando o mito se torna verdade e a ciência, religião – Róber Freitas Bachinski Colonizando e descolonizando mentes – Marcelo Dascal Colonizando e descolonizando mentes – Marcelo Dascal A espiritualidade como fator de proteção na adolescência – Luciana F. Marques & Débora D. Dell’Aglio A dimensão coletiva da liderança – Patrícia Martins Fagundes Cabral & Nedio Seminotti Nanotecnologia: alguns aspectos éticos e teológicos – Eduardo R. Cruz Direito das minorias e Direito à diferenciação – José Rogério Lopes Os direitos humanos e as nanotecnologias: em busca de marcos regulatórios – Wilson Engelmann Desejo e violência – Rosane de Abreu e Silva As nanotecnologias no ensino – Solange Binotto Fagan Câmara Cascudo: um historiador católico – Bruna Rafaela de Lima O que o câncer faz com as pessoas? Reflexos na literatura universal: Leo Tolstoi – Thomas Mann – Alexander Soljenítsin – Philip Roth – Karl-Josef Kuschel Dignidade da pessoa humana e o direito fundamental à identidade genética – Ingo Wolfgang Sarlet & Selma Rodrigues Petterle Aplicações de caos e complexidade em ciências da vida – Ivan Amaral Guerrini Nanotecnologia e meio ambiente para uma sociedade sustentável – Paulo Roberto Martins A philía como critério de inteligibilidade da mediação comunitária – Rosa Maria Zaia Borges Abrão Linguagem, singularidade e atividade de trabalho – Marlene Teixeira & Éderson de Oliveira Cabral


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