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1 Ano 5 - Nº 143 – 30 de maio de 2005

Clonagem terapêutica O ser humano é o seu próprio experimento? INDICE EDITORIAL .............................................................................................................................. 2 MATÉRIA DE CAPA .............................................................................................................. 3 “Trabalhamos agora na diferenciação de nossas 11 linhas celulares”......................... 3 Por Woo Suk Hwang.................................................................................................. 3 O ser humano é o seu próprio experimento...................................................................... 5 Por Marc Jongen......................................................................................................... 5 Clonagem terapêutica pode ser a tentação de Fausto ................................................... 12 Entrevista com Angelo Scola................................................................................... 12 A Igreja Católica e a clonagem ....................................................................................... 15 Entrevista com James Watson ................................................................................. 15 Teilhard e a Teoria da Evolução ..................................................................................... 18 Entrevista com George Coyne................................................................................. 18 As revoluções causadas pela Teoria da Relatividade .................................................... 19 Entrevista com Armando Lopes de Oliveira .......................................................... 19 Dialética para entender a cultura ................................................................................... 22 Entrevista com Paulo Margutti................................................................................ 22 Teoria da Relatividade: uma leitura filosófica............................................................... 28 Entrevista com Manfredo Araújo de Oliveira ........................................................ 28 DESTAQUES DA SEMANA ................................................................................................ 31

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2 ENTREVISTA DA SEMANA....................................................................................................... 31 O filósofo da moda ....................................................................................................... 31 ANÁLISE DE CONJUNTURA .................................................................................................... 36 Planalto sem projeto vende a alma pelo poder, diz Cristovam.................................. 36 DEU NOS JORNAIS .................................................................................................................. 39 FRASES DA SEMANA ............................................................................................................... 43 EVENTOS IHU....................................................................................................................... 44 III C ICLO DE ESTUDOS SOBRE O BRASIL ............................................................................... 44 IHU IDÉIAS ............................................................................................................................ 45 O Brasil é o campeão mundial de crimes homofóbicos ................................................. 45 Entrevista com Luiz Mott ........................................................................................ 45 ENCONTROS DE ÉTICA ........................................................................................................... 48 HIV/AIDS: fragmentos de sua face oculta ................................................................. 48 Diálogo e intolerância: lidando com as diferenças..................................................... 49 QUARTA COM CULTURA UNISINOS ....................................................................................... 49 Ciclo de Estudos sobre o Brasil................................................................................... 49 ESTUDANDO AS RELIGIÕES X................................................................................................ 49 CADERNOS IHU ..................................................................................................................... 49 Adam Smith: filósofo e economista ............................................................................ 49 CADERNOS IHU EM FORMAÇÃO ........................................................................................... 50 Emmanuel Kant. Razão, Liberdade, Lógica e Ética................................................... 50 IHU REPÓRTER.................................................................................................................... 51 MÁRCIA JUNGES .................................................................................................................... 51 ERRAMOS ............................................................................................................................... 54

EDITORIAL No último dia 20 de maio, Woo Suk Hwang e sua equipe da Universidade Nacional de Seul, Coréia do Sul, assombraram o mundo com a obtenção de 11 linhas celulares por clonagem terapêutica. Trata-se somente do primeiro passo. “Estamos trabalhando agora na diferenciação de nossas 11 novas linhas celulares em células betapancreáticas [produtoras de insulina], neurônios e outros tipos de células", declarou no dia 24, Hwang ao jornal espanhol El País. Para James Watson, que, juntamente com Francis Crick, encontrou, em 1953, a dupla hélice do DNA, isso “simplesmente, mostra que a clonagem terapêutica é possível, de modo que deveríamos seguir adiante e ver até aonde podemos chegar”, segundo entrevista que reproduzimos nesta edição. Tudo isso é a manifestação de que, no início do século XXI, o ser humano “está em condições de manipular a origem de sua própria vida, de modo a desencadear processos que podem se tornar incontroláveis e conduzir ao desaparecimento da

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3 própria espécie humana”. E a pergunta que emerge é: “Que garantia nós temos de que não surja uma vontade potencial a tal a ponto de desencadear fenômenos que cheguem até a abolição da própria humanidade”. Por outro lado, uma outra corrente, os assim chamados “transumanistas” perguntam, com o jovem filósofo da ciência, o alemão Marc Jongen: “Qual é o argumento principal daqueles que querem estabelecer limites morais e (por conseguinte) jurídicos para a intervenção técnica do ser humano sobre o ser humano?” E mais: “É preciso perguntar se os desafios que estão à nossa frente ainda podem, afinal, ser processados na modalidade da ética, na medida em que estão intimamente associados com isso os veneráveis fantasmas da liberdade da ação moral e da autonomia do sujeito”. Ou seja, para ele, “precisamos dar fim a esta história milenar do homem como sujeito pessoal e aceitar, de uma vez por todas, que o homem é o seu próprio experimento”. Esse é um dos temas que o IHU On-Line desta semana discute com a reprodução de entrevistas com Woo Suk Hwang, cientista coreano, com James Watson e Angelo Scola, patriarca de Veneza, e um artigo de Marc Jongen, filósofo alemão. Dando continuidade ao tema de capa do boletim da semana passada, Teoria dos Sistemas, Auto-organização e Caos entrevistamos os professores Armando Lopes Oliveira, físico, professor na UFMG, Manfredo Araújo de Oliveira, filósofo, professor na UFCE e Paulo Margutti, filósofo, professor na UFMG. No Ciclo de Estudos sobre o Brasil, o Prof. Dr. Luiz Mott, da UFBA, apresentará e debaterá o seu livro Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Trata-se de mais uma etapa que busca aprofundar a compreensão do impacto de séculos de escravidão na formação socioeconômica, política e cultural da sociedade brasileira. Ele, que é o decano do movimento homossexual brasileiro, também, proferirá a conferência Sexualidade, Raça e Direitos Humanos no evento IHU Idéias desta quinta-feira, dia 2 de junho. Neste boletim, publicamos uma entrevista com ele que vale a pena ser conferida. A todas e todos, uma ótima semana e uma excelente leitura! (Voltar ao índice)

MATÉRIA DE CAPA “TRABALHAMOS AGORA NA DIFERENCIAÇÃO DE NOSSAS 11 LINHAS CELULARES” Por Woo Suk Hwang Traduzimos e reproduzimos o artigo a seguir, publicado pelo jornal espanhol El País, em 24 de maio de 2005. Nele, o coreano Woo Suk Hwang anuncia que tentará obter neurônios e células pancreáticas. A obtenção de 11 linhas celulares por clonagem terapêutica, que deixou o mundo assombrado no último dia 20 de maio, é só o primeiro passo da investigação do Woo Suk Hwang e sua equipe da Universidade Nacional do Seul (Coréia do Sul). Quando escolheram pacientes com

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4 diabetes e lesão celular como doadores do núcleo celular já tinham claro o passo seguinte: "Estamos trabalhando agora na diferenciação de nossas 11 novas linhas celulares em células betapancreáticas [produtoras de insulina], neurônios e outros tipos de células", declarou Hwang, no dia 24 de maio, ao jornal El País. A clonagem terapêutica consiste em pegar um núcleo de uma célula da pele do paciente (que contém o genoma completo) e introduzi-lo em um óvulo que se privou de seu núcleo (por isso os cientistas preferem chamá-la transferência nuclear). Depois de uma semana, o óvulo se converte em um embrião em fase de blastócito, do que se extraem as células mães. Estas células são geneticamente idênticas ao paciente, e a esperança é que possam converter-se em diversos tipos celulares que possam transplantar-se ao doador sem gerar rechaço. No experimento que apresentou na sexta-feira, Hwang utilizou 11 pacientes. Um tinha diabetes, e outro, uma enfermidade imunológica, mas chamou a atenção que os outros nove sofressem de lesão medular. A razão fica clara agora: Hwang quer controlar a diferenciação das células mães embrionárias e células nervosas, com a esperança, ainda que longínqua, de transplantálas para reparar a lesão que paralisa seus pacientes. Um comprido caminho. Ninguém espera uma solução rápida. Todos os cientistas, incluindo Hwang, sabem que controlar a diferenciação das células mãe e células e tecidos específicos é um longo caminho, e que, no melhor dos casos, a técnica não poderá chegar à prática clínica sem superar, antes, todo tipo de testes em animais. O governo coreano decidiu pelo campo das células mãe, consciente de que Hwang está muito à frente dos Estados Unidos e as demais potências científicas. O cientista coreano dispõe de 1,6 milhões de euros ao ano, sobretudo de seu governo. Mas os experimentos de clonagem terapêutica só consumaram a décima parte, 160.000 euros. O resto foi distribuído para projetos de outros laboratórios de seu país, centrados, principalmente, nas mencionadas investigações sobre diabetes e lesão medular. Há também outra área de trabalho. As linhas de células mães geradas por Hwang já podem ser usadas para estudar as enfermidades dos pacientes que aportaram seus núcleos celulares. No caso da lesão medular, isso será de pouca utilidade, mas as linhas celulares de diabetes e enfermidade imunológica hereditária são um valioso material para estudar, detalhadamente, as causas destas enfermidades. Pensa o cientista abordar também estes projetos? "Sim", responde Hwang em um correio eletrônico. "Planejamos utilizar estas pesquisas celulares para investigar a patogêneses, os fundamentos biológicos destas enfermidades. Mas também estamos dispostos a ceder nossas pesquisas a outros cientistas". Hwang é um investigador que joga limpo. A semana passada, enquanto as notícias de seu laboratório eram divulgadas por todo o mundo, o cientista coreano estava no Instituto Roslin do Edimburgo, visitando o Ian Wilmut, o “pai” da ovelha Dolly. Wilmut é o segundo cientista britânico que consegue permissão para investigar clonagem terapêutica, e Hwang foi a seu laboratório para ensinar-lhe todos os truques técnicos, a fim de que a transferência nuclear (a técnica que inventou o próprio Wilmut) funcione com eficácia “coreana” no ser humano. Hwang não dorme mais de quatro horas por dia, e parte de sua equipe, altamente qualificada e especializada, trabalha em turnos para cobrir as 24 horas. Não há fins de semana nem festas. A reunião para preparar o trabalho do dia começa às 6h30 da manhã. No ano passado, quando este jornal perguntou ao Hwang se aspirava ao Prêmio Nobel, o cientista teve um ataque de riso que durou dois minutos. O que opina agora? "Ainda continuo rindo", responde Hwang. "Limito-me a fazer meu trabalho".

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O SER HUMANO É O SEU PRÓPRIO EXPERIMENTO Por Marc Jongen Traduzimos e reproduzimos, a seguir, o artigo de autoria do filósofo Marc Jongen, da Staatliche Hochschule für Gestaltung em Karlsruhe, Alemanha, publicado no jornal alemão Die Zeit, no dia 9 de agosto de 2001. Se Friedrich Nietzsche1 disse que o filósofo precisa ter a coragem de mexer com milênios, hoje, tal gesto teórico escancarado só pode ser feito ainda com a coragem do desespero. Face ao tempo de semidesintegração cada vez menor do conhecimento num mundo que se transforma sempre mais depressa, todo grande projeto dessa espécie se encontra diante da necessidade e, ao mesmo tempo, da impossibilidade de embutir em seu próprio design teórico seu destino futuro como moda intelectual do passado. Não obstante essa aporia, a produção de uma distância não-cotidiana em relação aos acontecimentos e diálogos de hoje continua sendo constitutiva do pensamento filosófico. Com isso, esses acontecimentos e diálogos são, involuntariamente, colocados num sentido de dimensões mais amplas. Por mais escandaloso que pareça tal distanciamento artificialmente induzido no tocante ao debate atual sobre clonagem terapêutica e reprodutiva, manipulação genética, diagnóstico de pré-implantação e assuntos afins, ele é necessário e inevitável justamente neste caso. A voz frágil e afônica do humanismo Com a convocação do Conselho Nacional de Ética pelo chanceler alemão Schröder2, com o discurso feito pelo presidente da República em Berlim e com o debate sobre bioética travado no Congresso, a disputa em torno da genética atingiu a máxima atenção dispensada pela mídia. No que se segue, eu gostaria de defender a tese de que essa disputa em torno da genética precisa ser compreendida como sintoma de uma mudança de mentalidade de dimensões memoráveis. O patos se impõe, com base na própria questão que está em pauta – basta observar o peso filosófico dos conceitos empregados na disputa. Qual é o argumento principal daqueles que querem estabelecer limites morais e (por conseguinte) jurídicos para a intervenção técnica do ser humano sobre o ser humano? Escreve Robert Spaemann 3 (Die Zeit, n. 4, 2001): “A objeção ética a isso é clara: trata-se de uma violação da dignidade humana, a qual proíbe que se submetam seres humanos exclusivamente como meios aos fins de outros seres humanos.” Não é preciso ter “ouvidos atrás dos ouvidos” à la Nietzsche para ouvir aqui a voz do humanismo, mais precisamente uma

Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) foi um influente filósofo alemão, filho de um pastor evangélico, que morreu cinco anos depois, sendo que Nietzsche cresceu em um ambiente completamente feminino, dominado pelo pietismo protestante. Ao filósofo Friedrich Nietzsche foi dedicado o tema de capa da edição 127 do IHU On-Line, de 13 de dezembro de 2004. (Nota do IHU On-Line) 2 Gerhard Fritz Kurt Schröder, nascido em 7 de abril de 1944, na cidade de Mossenberg, na Alemanha, ocupa, desde 1998, o cargo de Bundeskanzler (Chanceler Federal e chefe de governo ou primeiro-ministro) da República Federal da Alemanha. (Nota do IHU On-Line) 3 Robert Spaemann, filósofo alemão, é professor de Filosofia nas universidades de Munique e Salzburg. É autor de, entre outros, Felicidade e benevolência: ensaio sobre ética. São Paulo: Loyola, 1996. (Nota do IHU On-Line) 1

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6 de suas manifestações clássicas, parafraseando o imperativo categórico de Kant. Mas será que se percebe também quão frágil e afônica ficou essa voz que antigamente era tão poderosa? Para um ouvido filosófico-musical não há dúvida: essa voz não se sustenta mais. Longe de fundamentar-se numa “razão” supratemporal, o poder de persuasão do paradigma humanístico baseava-se unicamente num estado mental que lhe correspondia e atualmente está se desfazendo em toda a parte. O discurso de Spaemann é digno, seus motivos são nobres – e isso é dito sem qualquer resquício de ironia! –, ao passo que os de Craig Venter4 não o são. Mas e daí? A naturalidade com a qual Spaemann compreende a “violação da dignidade humana” como uma “objeção ética”, isto é, como razão impreterível para deixar de fazer as ações às quais ela se refere, há muito já não é, por sua vez, natural. O assoalho sobre o qual se assentavam as tábuas de valores cristão-humanísticos já passou por um processo de erosão tal que todo recurso a ele torna visível, primordialmente, o abismo que entrementes se abriu debaixo dele. Isso se tornou particularmente claro no discurso de Johannes Rau 5 sobre a biotecnologia, mesmo que a dignidade de seu cargo e o tom sacerdotal tenham devolvido por um momento aos frágeis argumentos humanísticos seu brilho quase sacro. O fato de também aqueles que apóiam a melhoria humana por meio da tecnologia genética ainda se servirem, em sua maior parte, da antiga gramática e procurarem, de certa forma, parecer ser os humanistas melhores – a réplica de Reinhard Merkel6 a Spaemann (Die Zeit, n. 5, 2001) foi um exemplo disso, assim como a reação do chanceler ao presidente da República – não deve ocultar o fato de que, na imagem radicalmente anti-humanística do ser humano, da qual eles são propagandistas mais ou menos conscientes, o conceito “dignidade humana” só representa ainda uma área semanticamente contaminada. Abordar abertamente essa questão um tanto sinistra ainda é perigoso, principalmente na Alemanha, porque, numa época de grande mudança de paradigmas, ainda é forte o reflexo por parte da mentalidade declinante no sentido de responsabilizar o portador da nova mensagem pelo conteúdo desta – ainda temos na memória as reações, de histéricas a denunciatórias, ao discurso feito por Peter Sloterdijk7 em Elmau –, mas é apenas um imperativo de honestidade

Craig Venter é considerado um dos mais importantes cientistas do século 21 por suas contribuições inestimáveis à pesquisa no campo da genética. Ele é o pioneiro na decodificação do genoma desde micróbios até do ser humano. Atualmente é Presidente do Center for Advancement of Genomics. É formado em bioquímica e obteve Ph.D. em fisiologia e farmacologia na Universidade da Califórnia em San Diego. Em 1992, fundou o Instituto de Pesquisa Genômica, onde ele e sua equipe se tornaram os primeiros a decodificar o genoma de um organismo vivo, a bactéria Haemophilus Influenzae. As técnicas do Dr. Venter foram utilizadas na esmagadora maioria dos seqüenciamentos de genomas realizados em todo o mundo. Em 1998, fundou a mundialmente conhecida Celera Genomics para decodificar o genoma humano usando o Seqüenciamento Shotgun, novos algoritmos matemáticos e novas máquinas automatizadas para seqüenciar DNA. Craig Venter é autor de mais de 200 artigos de pesquisa e recebeu inúmeros diplomas honorários e prêmios científicos. Entre eles, citamos o Prêmio Internacional da Fundação Gairdner em 2002, o Prêmio Paul Ehrlich e Ludwig Darmstaedter de 2001 e o Prêmio Científico Rei Faisal. (Nota do IHU On-Line). 5 Johannes Rau, nascido em 1931, foi o presidente da Alemanha de julho de 1999 até junho de 2004. O atual presidente do país é o economista Horst Köhler, ex-diretor do FMI. (Nota do IHU On-Line). 6 Reinhard Merkel, nascido em 1950, é professor de direito criminal e de filosofia do direito, sendo especialista na área de jurisprudência na Universidade de Hamburgo, Alemanha. (Nota do IHU On-Line) 7 Nascido em Karlsruhe, em 1947, Peter Sloterdijk estudou Filosofia, germanística e história em Munique e Hamburgo. Autor de Crítica da razão cínica, que alcançou sucesso imediato, tornando-se o mais vendido livro de Filosofia na Alemanha, no último meio século. Além das obras editadas no Brasil — A árvore mágica. O surgimento da psicanálise no ano de 1785, tentativa épica com relação à filosofia da psicologia. Casa Maria Editorial, 1988, Mobilização copernicana e desarmamento ptolomaico (Tempo Brasileiro, 1992), No mesmo barco. Ensaio sobre a 4

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7 para um pensamento que queira estar à altura de seu tempo. A objeção repetidamente apresentada de que esse pensamento se submeteria acriticamente ao espírito da época e associaria o diagnóstico desse espírito de maneira ilícita com pretensões normativas – a verdade continuaria sendo verdade, mesmo que ninguém mais acreditasse nela ou se orientasse por ela – subestima muito a profundidade metafísica da mudança de épocas que está em pauta, na medida em que a própria concepção de tal “verdade” transcendente, independente do tempo, também está sendo aposentada. Se é que ainda se pode manter esse conceito venerável, isso só pode ser feito nos moldes (heideggerianos) de uma história de desocultação (verdade no sentido do termo grego aletheia, o desoculto), cujo transcurso futuro pode ser pressentido e só, em pequena medida, também prognosticado, mas não pode ser observado e muito menos ditado a partir de algum lugar transcendente. A ascensão de um novo tipo de ser humano Em seu ensaio intitulado Máquina, alma e história universal, de 1980, Gotthard Günther8 constatou a ascensão de um novo tipo de ser humano, cuja mentalidade se distingue substancialmente daquela do tipo antigo, chamado civilizacional. Ao passo que o europeu antigo moldado pelo cristianismo e humanismo se defronta com preocupação e relutância com toda e qualquer intervenção técnico-mecânica em sua subjetividade – Günther fala da reprodução feita pelo computador de atividades que antes eram subjetivas, mas podemos enquadrar a manipulação genética no mesmo fenômeno –, para o novo tipo de ser humano, essa inovação técnica nem pode ocorrer com rapidez suficiente. Günther continua dizendo: “A reação mental do primeiro tipo, do conservador, indica que se trata aí de portadores de história psiquicamente colapsados, cuja existência histórica genuína já passou e que, desde o advento da máquina, não enxergam mais nenhum futuro à sua frente. A impaciência do outro – chamemo-lo de “tipo americano” por amor à brevidade – faz com que se suponha que aí esteja começando a se expressar uma mentalidade que só vai se desenvolver plenamente na era vindoura do ser humano”. Os seres humanos são completamente autopoiéticos É supérfluo dizer como se deveriam enquadrar, em termos de tipos ideais, as posições de Spaemann e de Merkel – traduzidas para a política: as de Rau e Schröder – segundo esse esquema. Entretanto, a menção de Gotthard Günther contém uma indicação da dimensão metafísico-histórica da mudança de paradigmas que está em pauta, e é só levando-a em conta

hiperpolítica (Estação Liberdade, 1999), Regras para o parque humano. Uma resposta à carta de Heidegger sobre o humanismo. (Estação Liberdade, 2000) —, publicou ainda, de uma extensa lista: Der Denker auf der Bühne – Nietzsches Materialismus [O pensador no palco – O materialismo de Nietzsche], 1986; Weltfremdheit [Desassossego do mundo], 1993; Der starke Grund, zusammen zu sein. Erinnerungen an die Erfindung des Volkes [O grande motivo de estarmos juntos: anotações sobre a descoberta do povo], 1998; Luftbeben: An den Quellen des Terrors [Aeromotos: Nas fontes do terror], 2002. É autor da recente trilogia intitulada Esferas, cujo volume I é Esferas I. Burbujas. Madrid: Siruela, 2003, e o volume II é Esferas II. Globos. Macrosferología. Ediciones Siruela, 2003. O volume III, ainda não traduzido ao espanhol, intitula-se Sphären III: Schäume, Pluralistische Sphärologie (Esferas III: Espumas, Esferologia Pluralista). Frankfurt: Suhrkamp, 2003. De Peter Sloterdijk publicamos uma entrevista no IHU OnLine número 56, de 22 de abril de 2003, outra entrevista no número 47, de 16 de dezembro de 2002, e trechos de outra entrevista no número 25, de 8 de julho de 2002. (Nota do IHU On-Line). 8 Gotthard Günther (1900-1984): filósofo alemão. (Nota do IHU On-Line)

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8 que nossa observação adquire a necessária profundidade. O que se aproxima de seu fim definitivo, junto com essa mudança, não é nada menos do que o ciclo metafisicamente codificado e civilizacional da história humana; trata-se, portanto, de um espaço de tempo agora medido em milênios. Hoje está se tornando claro que a característica principal dessa época consistia no fato de o ser humano encontrar-se no mundo como sub-jectus [sujeito], isto é, como sujeitado de um ser objetivo plenificado em si, “perfeito” no duplo sentido desta palavra. O que correspondia a isso em termos afetivos era, ou a admiração (da Antiguidade) frente à physis sensorialmente presente, ou a humildade (cristã) frente ao Deus transcendente, em todo caso uma disposição mental de sujeição frente a um objeto com poder superior em princípio, isto é, de acordo com seu valor lógico e epistemológico relativo. Talvez não seja um exagero considerar a filosofia e a religião em seu conjunto como derivados dessa disposição mental. É principalmente a partir desse lado afetivo que se obtém acesso à essência da “era vindoura do ser humano”, pois sempre que se levantam as ondas da indignação quando o assunto é a tecnologia genética – o que acontece cada vez com menos intensidade –, isso é a reação natural da antiga alma européia à aparentemente corajosa falta de piedade ou respeito do “tipo americano”, com a qual este se sente vocacionado a recriar a criação deficiente. Nada é mais característico nesse sentido do que o assombro com que Spaemann vê “nossas visões causadoras de horror” – a saber, uma fabricação de seres humanos, ditada pelos desejos do cliente – sendo ainda constantemente ultrapassada pela realidade. Para os transumanistas californianos, reunidos em torno de Max More9, Ray Kurzweil10 e Marvin Minsky11, em cujo Extropy Institute12 o novo tipo de ser humano tem, atualmente, seu endereço mais destacado, a irrestrita tomada do poder técnico sobre si mesmo por parte do ser humano não é apenas uma visão causadora de horror, e sim uma perspectiva da terra prometida. Os humanistas europeus fariam bem em não considerar os “extrópios”, uma seita bizarra por causa da ingenuidade

Max More é um futurista estratégico internacional reconhecido por escrever, palestrar e organizar eventos sobre os desafios fundamentais das tecnologias emergentes. More defende que nossas potencialidades tecnológicas estão distantes da nossa maneira padrão de pensar sobre as possibilidades futuras. More é co-fundador e o atual presidente do Instituto de Extropia, no Texas, Estados Unidos – uma rede de diversos pensadores inovadores comprometidos a criar soluções para os problemas humanos. (Nota do IHU On-Line) 10 Ray Kurzweil: tecnólogo que estuda inteligência artificial na “vida real”, foi o inventor da primeira máquina de leitura para cegos e de outras tantas invenções. A que o tornou mais famoso, no entanto, foi um software capaz de entender a voz humana e transformá-la em texto. É autor de, entre outros, The Age of Spiritual Machines: When Computers Exceed Human Intelligence (1999) e The Age of Intelligence Machines (1990). Suas idéias e trabalhos estão disponíveis em www.kurzweiltech.com e www.kurzweilcyberart.com. (Nota do IHU On-Line) 11 Marvin Lee Minsky é catedrático Toshiba de Artes e Ciências da Mídia, e professor da Engenharia Elétrica e Ciências da Computação no Massachusetts Institute of Technology. Suas pesquisas levaram a avanços teóricos e práticos em inteligência artificial, psicologia cognitiva, redes neurais, e a teoria das funções recursivas e máquinas de Turing. Ele deu grandes contribuições aos domínios da descrição gráfica simbólica, geometria computacional, representação do conhecimento, semântica computacional, aprendizagem simbólica e conexionista. Esteve também envolvido com muitos estudos de tecnologia avançada para a exploração do espaço. O Professor Minsky foi também um dos pioneiros da robótica mecânica baseada em inteligência e telepresença. Ele elaborou e construiu uma das primeiras mãos mecânicas com sensores táteis, scanners visuais, e seus softwares e interfaces de computadores. Também influenciou muitos projetos de robótica fora do MIT, e elaborou e construiu a primeira tartaruga mecânica para o LOGO. Desde 1950, Marvin Minsky tem trabalhado usando idéias computacionais para caracterizar processos psicológicos humanos, bem como para desenvolver máquinas inteligentes. Em 1959, Minsky e John McCarthy fundaram o que se tornou o Laboratório de Inteligência Artificial do MIT. (Nota do IHU On-Line) 12 Conferir nota de rodapé anterior, sobre Max More, presidente do Extropy Institute. (Nota do IHU On-Line) 9

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9 filosófica dos princípios deles. Neles se articula – ainda que de modo provisório e ingênuo – a vanguarda de uma humanidade que está em vias de se erguer da condição de “sujeito” para a de “projeto” (Vilém Flusser13), isto é, que começa a levar, radicalmente, a sério a percepção de que os seres humanos são completamente autopoiéticos, que se geram a si mesmos, que se projetam a si mesmos. Não só refletir humildemente na consciência o ser que se encontra na natureza – como o faz até mesmo a ciência que busca “leis naturais” –, mas considerá-lo matéria imperfeita e ainda “carente de informações” que serve de ponto de partida para recriações futuras – tão logo essa mudança fundamental de mentalidade entrar em sua fase de implementação técnica não será mais exagero falar de uma nova era mundial. Naturalmente, uma revolução de dimensões epocais como essa tem uma longa pré-história. Em retrospecto, fica, particularmente, visível a cabeça de Jano do humanismo clássico, que, notoriamente, tinha de exercer uma função de ponte psicoistórica: em seus documentos filosóficos fundantes do Quatrocentos a dignitas hominis [dignidade humana] ainda é fundamentada, de maneira bem medieval, com a concepção do ser humano como imagem de Deus, mas esta última não é vinculada a determinadas propriedades, mas – explicitamente no pensamento de Pico della Mirandola 14 – à potencialidade, ao poder criador como tal, o qual não representa mais um privilégio divino. Sob o título de “criatividade” ele fará uma carreira secular brilhante na Era Moderna. Com essa reinterpretação, com conseqüências sérias, da antiga figura teológica da analogia foi colocada irreversivelmente em movimento uma translatio imperii [transferência de poder] (na acepção literal) de Deus para o ser humano, em cujo decorrer o novo soberano teve de aprender paulatinamente a trazer de volta “o reino, o poder e a glória” da eternidade para o tempo, da transcendência para a imanência, ou, usando uma fórmula de Peter Sloterdijk, a “se assumir”. Não temos mais a liberdade de não querer o que podemos e sabemos fazer Constitui o aspecto paradoxal dessa auto-assunção humana o fato de que ela, longe de produzir um feliz proprietário de si mesmo, significa, junto com o progressivo êxito, ao mesmo tempo a dissolução “do ser humano” , sua virtualização. Como “animal não fixado”, o ser humano está condenado a se inventar, na medida em que encontra o caminho para si mesmo, pois ele não “é” outra coisa do que esse inventar a si mesmo. Esse impulso para a autotranscendência, baseado na “essência do ser humano” constitui o cerne sóbrio e lógico da famigerada doutrina de Nietzsche acerca do super-ser humano; só hoje, no horizonte de sua possibilidade de implementação técnica, ela está desenvolvendo seu potencial profético pleno. (“Mais ou menos por volta do ano 2000 as pessoas poderão me ler”.)

Vilém Flusser (1920-1992): judeu nascido em Praga, veio para o Brasil em 1940. Nos primeiros vinte anos, dedicou-se principalmente a atividades empresariais, mas como era autodidata e exímio conhecedor de línguas, estudou sozinho no período. Entre 1958/59 decidiu abandonar as atividades comerciais e se engajar na comunidade filosófica brasileira através dos membros do IBF, apesar de discordar de como era feita a filosofia no Brasil. Tornou-se professor convidado da Escola Politécnica da USP, lecionando a disciplina de Filosofia da Ciência. Foi um dos fundadores do curso de Comunicação Social da FAAP, membro do IBF e colaborador regular da Revista Brasileira de Filosofia, do Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo, de uma coluna diária chamada Posto Zero no jornal Folha de S. Paulo, e da Frankfurter Allgemeine Zeitung. Em 1972 mudou-se para a Europa, morando em muitos lugares até se estabelecer em Robion, na França, onde permaneceu até a sua morte em 1992. (Nota do IHU On-Line) 14 Giovanni Pico della Mirandola (1463-1491): humanista italiano. Destacou-se pela precocidade e pela extensão de seus conhecimentos, bem como pela audácia das suas teses em filosofia e teologia: queria provar a convergência de todos os sistemas filosóficos e religiosos para o cristianismo. (Nota do IHU On-Line) 13

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10 O que se segue de tudo isso? O que se segue disso, principalmente, para a pergunta à qual, afinal, um Conselho Nacional de Ética para Tecnologia Genética há pouco criado deve sua existência: O que devemos fazer? Inicialmente, deve-se registrar que não podemos fazer nada. Não temos mais a liberdade de não querer o que podemos e sabemos fazer. O “complexo técnico-industrial”, originalmente erigido para libertar o ser humano de coações do destino, supostamente dadas na natureza ou decretadas por uma instância acima do mundo, transformou-se, há muito, numa segunda fatalidade, face à qual toda e qualquer ética da recusa, do tabu ou da conversão significa um quixotismo desajeitado. A superação do ‘ser humano’ humanístico Mais ainda: é preciso perguntar se os desafios que estão à nossa frente ainda podem, afinal, ser processados na modalidade da ética, na medida em que estão intimamente associados com isso os veneráveis fantasmas da liberdade da ação moral e da autonomia do sujeito. A armação – para usar o termo técnico cunhado por Heidegger – não reage a recomendações morais, mas, quando muito, a impulsos de comando inteligente. Isso não significa que estejamos condenados à realização prática de toda e qualquer monstruosidade que seja tecnicamente possível; decerto significa, porém, que fatalmente permanecerão estéreis e ineficazes todas as intervenções éticas que não levarem em conta – ou só o fizerem na forma de negação – o nível operacional técnico já alcançado. Se tiverem sido feitas as pazes com essa perspectiva nos aspectos fundamentais, resulta – além da salutar desopressão da permanente exigência moral excessiva – um deslocamento significativo na economia das preocupações pessoais: o que causa inquietação não é mais a possível “criação de super-seres humanos”, e sim a perspectiva iminente de que ela poderia ser realizada segundo critérios do “último ser humano”. “O último ser humano é o que mais vive” – esta profecia de Nietzsche encontraria, dessa maneira, seu cumprimento mais pérfido. Se, por exemplo, Reinhard Merkel15 defende a clonagem terapêutica, apelando a “objetivos éticos elevados” – e sob esse termo ele entende, evidentemente, a prevenção de sofrimento individual, isto é, a felicidade da maioria –, precisa ser permitido, não obstante todo o respeito por esses valores, levantar a objeção cética e perguntar se podemos colocar desse modo processos de relevância para a história do gênero humano sob a orientação de um eudemonismo massivo – usando palavras de Arnold Gehlen16. Quem participa ativamente da superação do “ser humano” humanístico, ao querer abrir sua subestrutura natural a intervenções corretivas, não pode tirar as máximas,segundo as quais isso deve acontecer justamente do último grau de definhamento histórico da moral humanística. A aporia e hipocrisia desse procedimento afloram de maneira mais aguda ainda na tentativa de legitimar a biotecnologia feita por Gerhard Schröder17, que, como se sabe, destacou a “dimensão ético-social” da garantia de trabalho e prosperidade. Ocorre que as gerações futuras, cujo trabalho e prosperidade a biotecnologia deverá assegurar, devem sua própria existência e suas próprias características, em grau crescente, a essa mesma biotecnologia! O etos burguêshumanista de produção e de consumo coloca em movimento um circuito de produção humana que consome – literalmente – o próprio humanum. Na questão a respeito de como o “fator humano” – que se tornou menor, mas cuja competência em termos de comando ainda não foi negada – deve ser aproveitado da melhor maneira

Reinhard Merkel: sobre ele, conferir nota de rodapé anterior, nesse mesmo artigo. (Nota do IHU On-Line) Arnold Gehlen (1904-1976): sociólogo e filósofo alemão. (Nota do IHU On-Line) 17 Conferir nota de rodapé anterior sobre ele, neste mesmo artigo. (Nota do IHU On-Line) 15 16

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11 possível na máquina autopoiética formada por natureza e cultura, nessa questão dificilmente se poderá esperar ainda uma resposta das éticas clássicas da civilização que passou. No entanto, certas indicações decerto poderiam partir de uma tradição dissidente e esotérica do Ocidente, cujo lema antecipou, de modo assombroso, o tema e programa da era mundial que está despontando: “O que a natureza iniciou precisa ser consumado pela arte.” Isso se refere à theia techne, à “arte divina” da alquimia hermética, cuja atualidade filosófica reside menos na fabricação, tantas vezes citada, do homúnculo – que constitui um aspecto secundário da pesquisa alquímica –, e sim, antes, em seu opus magnum [obra magna]: a obtenção da pedra dos sábios. A lapis philosophorum [pedra dos filósofos], inteiramente material e, ainda assim, inteiramente mental, representa, em seu simbolismo paradoxal, a tentativa de conceber sob condições metafísicas aquilo que é chamado de informação moderna. Hoje estamos descobrindo o enigma da propriedade da pedra que a tudo transforma ao aprender a registrar a “substância” do ser humano como código genético (variável) e, com isso – tanto na teoria quanto na prática, pois a distinção torna-se caduca – a cumprir a antiga exigência alquímica de nos transformarmos em “pedras filosofais vivas”. Do ato de tomar conhecimento desse fato que revoluciona fundamentalmente o pensamento tradicional (baseado em dois valores) – a saber, que a informação está no mundo e constitui uma classe de ser à parte – depende, aliás, também a possibilidade de que a atual disputa categorial em torno do embrião – pois é isso que está em pauta na disputa em torno de sua “dignidade humana” – chegue ao nível do que, atualmente, há muito já é possível pensar. Então se mostraria rapidamente que no tocante ao embrião unicelular a alternativa pessoa ou coisa está simplesmente colocada de maneira errônea e que, por exemplo, a mais recente proposta de Jürgen Habermas18 de tratá-lo antecipadamente como parceiro pessoal de discurso parece grotescamente contra-intuitiva justamente porque aí estamos diante de um erro categorial. Pode-se constatar isso sem, por esta razão, incorrer numa coisificação do ser humano tão logo estejam concedidos à informação, como terceiro ao lado da pessoa e da coisa, ao lado do sujeito e do objeto, seus direitos ontológicos. Em sua propriedade informadora e informativa cabe ao genoma no embrião pré-pessoal uma forma específica de dignidade, que não pede sua transformação em tabu ou sua estilização em fetiche, e sim, antes, uma espécie de “processamento de informações” que não ofenda a complexidade dessa maravilha dando -lhe um preço baixo demais. Deus é um cibernético A tarefa de aprendizagem diante da qual se encontra o gênero humano em seu imenso experimento consigo mesmo e que irá e precisará levar a saltos quânticos da inteligência consiste em informar-se sobre os hipercomplexos processos, interdependências, laços de reação daquela “obra magna”, da qual a natureza e a técnica participam de igual maneira, de

Crítico da doutrina positivista e da ideologia dela resultante, o tecnicismo, o filósofo alemão Jürgen Habermas é um dos mais ilustres representantes da segunda geração da Escola de Frankfurt. Jürgen Habermas nasceu em 1929, em Düsseldorf, na Alemanha. De 1956 a 1959, foi colaborador de Adorno no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Em 1971, Habermas dirigiu o Instituto Max-Planck, em Starnberg, Baviera. Em 1983, transferiu-se para a Universidade Johan Wolfgang Goethe, de Frankfurt. Seus estudos voltam-se para o conhecimento e a ética. Publicamos dois artigos sobre o encontro entre Habermas e Ratzinger, ocorrido em 19 de janeiro de 2004, na Academia católica da Baviera, em Munique, nas edições de número 128ª e 138ª do IHU On-Line, de 20 de dezembro de 2004 e 25 de abril de 2005, respectivamente. (Nota do IHU On-Line) 18

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12 modo inextricavelmente e necessariamente cooperativo. Aquilo com que a alquimia, num cosmo de imagens poéticas que só permitia uma recepção intuitiva na modalidade de uma “sabedoria” em forma de pressentimento, de certa maneira sonhou antecipadamente precisa agora ser registrado com exatidão e tornado capaz de operar. Como dizem os prudentes entre os principais geneticistas, está se abrindo, com crescente clareza, um abismo do (ainda) não-compreender no tocante à determinidade genética de propriedades humanas complexas. Visto que estas últimas são, elas próprias, sumamente requeridas na pesquisa de suas condições genéticas, neste caso o espírito e a natureza entram num feedback de aprendizagem mútua que torna supérfluas as regras, corretivos e sobretudo proibições recomendadas pelos portadores de restrições éticas, na medida em que as faz emergir a partir de sua própria lógica, por assim dizer como mais-valia do processo de pesquisa. O único deus que pode nos salvar – para usar mais uma vez palavras de Heidegger – não é um deus ex machina moral, mas dormita exatamente nos próprios laços ou circuitos de aprendizagem cibernética que aparecem no labor. Neste sentido deve ser entendido também o “conselho ético” que considero o melhor no caso da tecnologia genética: investir em inteligência criativa. (Voltar ao índice)

CLONAGEM TERAPÊUTICA PODE SER A TENTAÇÃO DE FAUSTO Entrevista com Angelo Scola Traduzimos e reproduzimos, a seguir, a entrevista realizada pelo vaticanista Marco Politi com o cardeal Angelo Scola,cardeal-arcebispo e patriarca de Veneza. A entrevista foi publicada no jornal italiano La Repubblica, em 23 de maio de 2005. “É a tentação de Fausto, é como a proliferação incontrolável das bombas atômicas”. O patriarca de Veneza, Angelo Scola, reage alarmado às notícias sobre a clonagem terapêutica que, da Coréia do Sul e da Grã Bretanha, invadem a Itália às vésperas do referendum italiano sobre a procriação assistida. Cardeal Scola, por que este alarme? Acontece que, no início do século XXI, o homem está em condições de manipular a origem de sua própria vida, de modo a desencadear processos que podem se tornar incontroláveis e conduzir ao desaparecimento da própria espécie humana. Realmente desaparecimento? Se não "recebo" mais a vida, seguindo a forma natural, que desde sempre tem permitido ao homem vir à luz, se entro na ótica faustiana de considerar-me como o artífice que produz a vida, então, que garantia nós temos de que não surja uma vontade potencial a tal a ponto de desencadear fenômenos que cheguem até a abolição da própria humanidade?. Onde o senhor vê emergir a tentação de Fausto?

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13 Na formulação de um jovem filósofo da ciência, o alemão Jongen 19, que diz: "Devemos dar um fim a esta história milenar do homem sujeito pessoal e aceitar, de uma vez por todas, que o homem é o seu próprio experimento". Isso é muito perigoso. E ao invés? Temos o dever de respeitar a vida humana desde a sua concepção até a morte natural. Esta é a advertência que chega até nós com base nos inaceitáveis experimentos da Coréia do Sul e da Inglaterra. Eminência, uma parte da opinião pública não acredita que se possa equiparar o óvulo fecundado há cinco minutos a uma pessoa. Temos que voltar à experiência humana elementar. Não tem nada a ver com laicos e católicos, todos devemos meditar. Há um dado de fato: hoje eu sou Angelo Scola, um homem de sessenta e quatro anos, porque, desde a concepção, sempre fui aquele embrião. É inegável. Porém, há alguns estágios na evolução. Um belíssimo artigo de Romano Guardini20, de 1949, coloca em evidência o elemento de totalidade orgânica, que caracteriza, desde a concepção, cada indivíduo como “aquele indivíduo”. Um só, de alma e de corpo, para usar as palavras da Gaudium et Spes21, desde o início. É claro que há alguns graus, mas eles se colocam no interior de uma unidade orgânica dinâmica, por isso, não se pode negar a dimensão pessoal do concebido e a existência de uma lei que leve em consideração os seus direitos, como direitos de pai e mãe. A opinião pública está atenta a tudo o que pode combater graves doenças. Precisamos estar atentos às implicações negativas que podem vir da sociedade da imagem. É evidente que, se mostro um doente grave de Alzheimer, sentado em uma cadeira de rodas, e o coloco em confronto com um invisível embrião, crio falsas comparações, emotivamente intensas, mas logicamente fracas. O senhor não acredita que, com o tempo, não se possa deter a pesquisa científica? Não se pode falar de forma abstrata. Precisamos distinguir entre ciência, técnica, tecnologia e cientista. A síntese é feita pela pessoa, o cientista, um homem que está no contexto humano, que vive, ama, luta, sofre, tem filhos, quer bem a uma mulher. É ele, como homem no sodalício da família humana, que deve aceitar os valores compartilhados e auto-regular-se, compreendendo o que, para um efetivo progresso, é praticável ou não. Em respeito à lei, obviamente.

Marc Jongen: filósofo alemão, professor na Staatliche Hochschule für Gestaltung em Karlsruhe, Alemanha. Confira nesta edição um artigo de sua autoria. (Nota do IHU On-Line) 20 Romano Guardini (1885-1968) foi teólogo,filósofo, pedagogo e literato. De origem italiana, sua formação foi totalmente germânica. Lecionou na Universidade de Bonn e na Universidade de Berlim, onde permaneceu até a década de 1930, quando o Terceiro Reich impediu suas atividades docentes. Em 1945, reassumiu na Universidade de Tübingen, passando, pouco depois, à de Munique. Escreveu muitas obras, entre elas, De La Mélancolie. Traduzida por Jeanne Ancelet-Hustache, Paris: Points, 1953. La Fin des temps modernes. Paris: Seuil, 1952. (Nota do IHU On-Line). 21 Gaudium et Spes é a constituição pastoral do Concílio Vaticano II, de 1965. Sobre ela, conferir o n.º 124 do IHU OnLine, de 22 de novembro de 2004, sobre os 40 anos da Lumen Gentium. (Nota do IHU On-Line). 19

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14 Cientistas responsáveis sustentam que as células estaminais embrionárias, sendo muito potentes, poderiam ser mais úteis do que as outras. Voltamos, assim, aos problemas de fundo da fecundação assistida ou da clonagem terapêutica: o princípio basilar é que o concebido nunca pode tornar-se um instrumento para salvar outra vida humana. São interrogativos complexos. Qual é a sua perspectiva? No fundo, emerge a questão se nós, homens de hoje, estamos dispostos a reconhecer a beleza e a profundidade do fato que há na presença de um Pai, do qual somos filhos, do qual dependemos e do qual temos uma necessidade enorme, em virtude da fragilidade que nos circunda. E aqui se abre um espaço enorme para os homens de todas as religiões, chamados a testemunhar a beleza e o fascínio da presença de Deus, porque, como dizia o teólogo De Lubac22, podemos construir uma sociedade sem Deus, mas, em tal caso, corremos o risco de construir uma sociedade contra o homem, e os exemplos trágicos do século XX nos devem fazer refletir a todos. O próximo referendum propõe quesitos específicos. Por que se abster? Quase ninguém lembra que é um referendum ab-rogativo. Portanto, mais do que se pronunciar a favor ou contra, é igualmente digno decidir não levar em consideração a proposta. Neste caso, frente a uma questão atual e na presença de quesitos bastante obscuros, me parece ser um exercício formalístico de democracia pretender que milhões de pessoas se expressem sobre problemas tão complexos com um simples sinal sobre uma cédula. Devemos trabalhar para ter uma democracia substancial, valorizando os corpos intermediários. A indicação de não votar favorece o amadurecimento da questão, em uma sociedade democrática e plural como a nossa. O quesito sobre os três embriões a implantar não me parece alheio à escolha de um cidadão. Em uma matéria tão ampla, cada aspecto diz respeito a todos os outros, por isso, o referendum ab-rogativo é inadequado como instrumento. É preciso evitar congelar embriões. É uma coisa trágica para quem, como eu, pensa que cada embrião é vida humana. Não se trata de um número: três, cinco ou sete. Insistindo na abstenção devido à complexidade da matéria, a hierarquia eclesiástica não está difundindo a imagem de um povo burro, incapaz de compreender e de decidir? Exatamente o contrário. É a defesa do povo, da experiência elementar de cada homem. Uma experiência comum a mim, e que teria sido comum a minha mãe ou a meu pai, caminhoneiro que freqüentou somente o ensino básico. Nesse sentido, as indicações dos bispos querem ser um eco da experiência elementar do povo. E eu sou um homem do povo. O fato de ser patriarca é totalmente secundário, até mesmo acidental. Os intelectuais não devem ser vanguardistas, isto é, pensar pelos outros e identificar objetivos pelos outros. Eles também devem escutar a experiência elementar do povo.

Henri du Lubac desenvolveu, em seus livros, a fórmula Nova Teologia, criada pelo Pe.Garrigou-Lagrange para designar o pensamento nascido da obra de Blonde. (Nota do IHU On-Line). 22

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15 Todavia, a Conferência Episcopal Italiana (CEI) chegou até mesmo à indicação técnica do que o eleitor deve fazer. O que resta da autonomia do laicato católico? Quem pensa desta maneira esquece o ensinamento de Jacques Maritain, grande filósofo da política, o qual sempre disse que há um terreno intermediário entre os princípios ideais e as soluções práticas e que, quando se põe em jogo a aplicação de princípios fundamentais - como a defesa da vida -, é impensável que não haja uma indicação por parte de quem, na Igreja, tem a tarefa de assegurar comunhão e unidade. Nós dizemos: ´Atenção, porque abolir esta lei, que também tem limites do ponto de vista católico, significa cair no far west legislativo. E a liberdade de consciência do fiel? Liberdade de consciência não significa afirmação individualista de si mesmo, ou que a consciência inventa a verdade. Eu, cristão, sou convidado pela minha fé a avaliar cada coisa, tendo em mim o pensamento de Cristo, na comunidade cristã, e fazendo referência a quem a guia, mesmo que, ao final, isso seja decretado pela minha decisão pessoal. Deste ponto de vista, estou contente por constatar que as agregações de fiéis, nesta ocasião, estão colaborando entre elas. É um sinal importante para a Igreja e para o País inteiro. O católico que vai votar é estúpido ou traidor, como foi dito por algumas pessoas? Prefiro dizer que é ingênuo. Devido à natureza do referendum ab-rogativo e à questão do quorum, quem fosse votar não cometeria uma ingenuidade, porque é evidente que, com o quorum, venceria o sim. Não gostaria de usar outros termos, pois tenho muito respeito pela liberdade de cada um. Na multiplicidade das visões religiosas e éticas, não deve ser tutelada, em última análise, a laicidade do estado? Nós, católicos, consideramos muito isso, e esta seria uma boa ocasião para fazer amadurecer, na Itália, a laicidade do estado, fora dos esquemas de clericalismo e anticlericalismo. Devemos nos dar conta de que, na sociedade civil, após 1989, o homem pós-moderno está vivendo um calvário, no qual se abre a possibilidade, para o cristianismo, de interceptar as perguntas constitutivas da existência, que estão à flor da pele de todos. Nesse sentido, seria bom aceitar uma laicidade que não fosse, para citar Hegel, uma noite na qual “todos os gatos são pardos”, mas um âmbito de construção da sociedade em que todas as subjetividades possam expressarse. Incluídas as religiões, sem pretensões de descontos ou de privilégios, mas no reconhecimento da sua legitimidade pública e da sua capacidade de contribuir para a edificação de uma vida boa. (Voltar ao índice)

A IGREJA CATÓLICA E A CLONAGEM Entrevista com James Watson Traduzimos e reproduzimos, a seguir, a entrevista com James Watson, publicada no jornal El País de 24 de maio de 2005. Watson é co-descobridor da dupla hélice de DNA. Em 1953, com a publicação do artigo de Francis Crick e James Watson na revista Nature sobre a estrutura do DNA,a gramática dos seres vivos começava a ser melhor compreendida. Os cientistas e sua descoberta foram tema de capa da 62ª edição do IHU On-Line, de 2 de junho de 2003, que teve como título DNA: 50 anos Uma nova gramática dos seres

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16 vivos. Sobre esse tema, conferir também a carta do professor Áttico Chassot, publicada no IHU On-Line, n.º 63, de 9 de junho de 2003. Na mesma edição consta outra carta, que foi lida no evento IHU Idéias, de 5 de junho de 2003, cujo tema foi DNA: potencialidades e polêmicas 50 anos depois, apresentado pela professora Jaqueline Rodrigues, da Unisinos. Ainda na edição 110, de 9 de agosto de 2004, na editoria Memória, em razão da morte de Francis Crick, publicamos o artigo de Luca Tancredi Barone, um depoimento do cientista italiano Carlo Alberto Redi, que o conheceu pessoalmente, e um artigo de Lisa Masier, sobre a importante contribuição de Rosalind Franklin. Uma manhã de sábado de 1953, enquanto embaralhava, em seu laboratório de Cambridge, umas cartolinas com as quatro letras do DNA (A, C, G, T), o jovem Jim Watson achou a chave da dupla hélice, o segredo da vida, provavelmente o maior descobrimento da biologia do século XX. Watson, que se manteve como um dos cientistas mais influentes do mundo, recebeu no dia 24 deste mês, em Barcelona seu primeiro doutorado honoris causa por uma universidade espanhola. James Watson (Chicago, 1928) foi um dos cientistas mais influentes do século XX. Em 1953, quando só tinha 25 anos, Watson encontrou, com o cientista britânico Francis Crick, a dupla hélice do DNA, o segredo da vida. Daquela descoberta essencial vem diretamente o projeto genoma, do que Watson foi o principal impulsionador, e o primeiro diretor até 1992. Está quase quarenta anos à frente de um dos melhores laboratórios de biologia do mundo, o Cold Spring Harbor, de Nova Iorque. Em 1962, recebeu o prêmio Nobel de Medicina e, em 1968, publicou A dupla hélice, um clássico da divulgação científica. Seu último livro, DNA, demonstrou faz uns dois anos que seu estilo direto, agudo e transparente segue em muito boa forma. Fala com lentidão e se interrompe freqüentemente para procurar um exemplo, ou conciliar um argumento ao ritmo de sua respiração agitada. Como avalia o experimento de clonagem terapêutica que os cientistas coreanos apresentaram a semana passada? Simplesmente mostra que a clonagem terapêutica é possível, de modo que deveríamos seguir adiante e ver até aonde podemos chegar. É obvio que o experimento não é perfeito. Por exemplo, os genes mitocondriais [que estão fora do núcleo, e portanto não pertencem ao paciente, e sim à doadora do óvulo] estão aí, e as células não são, portanto, um clone perfeito do paciente. Outro exemplo: para que funcione, é preciso usar óvulos de uma moça, e isso é um problema ético, porque a mulher poderia preferir usá-los para ter meninos. Mas esses não são obstáculos que não se podem vencer, e é muito bom saber que esse passo não era tão difícil. O que acontecerá em seu país, Estados Unidos, se o governo não aprovar recursos federais para a investigação com embriões e células mães? Bom, a partida orçamentária aprovada na Califórnia [3.000 milhões de dólares para os próximos dez anos] é provavelmente suficiente para fazer os experimentos necessários. O Reino Unido, por seu lado, está, há uns dois anos, atrás dos coreanos, em parte, porque, de momento, não há quase ninguém trabalhando nisso, e, em parte, porque não querem ofender certos setores. É uma linha de investigação polêmica e devemos proceder lentamente, mas seria uma estupidez renunciar a isso. Tenho a impressão de que os chineses também estão nisso. Poderia ser um campo científico dominado pelo longínquo Oriente. Poderia ocorrer?

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17 Sim. É muito duro renunciar a algo que pode fazer um bem com o argumento de que poderia ser mal usado. O que a Igreja Católica pensa sobre a clonagem pode ser um completo engano, e o único que pode conseguir é atrasar a medicina na Europa e nos Estados Unidos. Não sabemos se funcionará, mas nossa obrigação é tentá-lo. É necessário que a informação genética seja confidencial? Uma companhia de New Heaven, que seqüencia genes muito rápido, me pediu uma amost ra de meu DNA para decifrá-la. Disseram-me que levaria um ano e custaria um milhão de dólares. Respondi-lhes em brincadeira: “Façam-me todo o genoma, exceto o gene da apolipoproteína E". E isso? É que esse gene prediz a propensão ao Alzheimer, e não quero sabê-lo. Não quer sabê-lo? Não, não quero sabê-lo. Assim posso pensar o que me der vontade. E que me digam quais são meus talentos potenciais agora que tenho 77 anos, pois a verdade... Em geral, você quer saber todos os dados que podem melhorar a sua vida, mas não aqueles sobre os que não pode fazer nada, além de cair em depressão. Mas as seguradoras dizem: “Se você souber seus dados genéticos, eu devo sabê-los também”. Bom, antes de te fazer uma apólice, poderiam te perguntar: "Conhece você seu genoma?". Se você mente e diz que não, poderão te pedir ou te penalizar quando se derem conta do engano. Não sei, provavelmente deveremos facilitar a informação do nosso genoma às seguradoras. Todo o mundo aceita a seleção genética de embriões para evitar uma enfermidade ao próprio embrião. A Espanha acaba de aprovar fazê-lo para que o embrião seja compatível com um irmão doente e possa salvá-lo. Onde deverá ser colocado o limite? Não deve haver limite. A decisão deve ser dos pais, pois cada pai tem um limite diferente. Por exemplo, eu não vejo problema na escolha do sexo, se uma mulher, que já tem três filhos homens, quiser uma filha. Há risco de que volte a eugenesia? Acredito que a eugenesia está condenada a voltar em um sentido: que todas as pessoas querem ter filhos os mais saudáveis possíveis. E que sejam mais inteligentes? Pois isso também me parece uma boa coisa. Que não tenham propensão aos vícios ou à depressão? É difícil encontrar um bom argumento geral contra a idéia de fazer seres humanos melhores. É obvio, agora mesmo temos um muito bom: não sabemos como fazê-lo. Tudo o que podemos fazer agora é evitar que nasçam meninos com enfermidades horríveis. Talvez, dirá você, se evitarmos os genes de predisposição ao transtorno bipolar, ficaremos sem gênios criativos. Pode ser um argumento. Toda a família, em que acontecem casos, sabe que o transtorno bipolar é uma enfermidade terrível. Não acredito que o governo espanhol ou o americano

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18 possam decidir o que é bom para a família espanhola, ou para a americana. É uma decisão de cada família. (Voltar ao índice)

TEILHARD E A TEORIA DA EVOLUÇÃO Entrevista com George Coyne George Coyne, jesuíta, é estadunidense, nasceu em Baltimore, Maryland. Graduado em Matemática e licenciado em Filosofia, pela Universidade de Fordha e em Teologia pelo Woodstock College doutor em Astronomia pela Universidade de Georgetown. Foi chamado por João Paulo I para dirigir o Observatório Vaticano em 1978. Entre os mistérios celestes, ele se encanta em estudar o "canibalismo cósmico," um violentíssimo fenômeno em que os grandes astros devoram os pequenos. Coyne é também diretor associado da UA Steward Observator, entre outras funções que exerce, e membro da União Internacional de Astrônomos e da Sociedade Americana de Físico. Ele concedeu uma breve entrevista, por e-mail, ao IHU OnLine sobre a contribuição de Teilhard de Jardin. IHU On-Line dedicou a Teilhard de Chardin o tema de capa da edição 140ª de 9/5/2005. IHU On-Line - Como aparece a astrofísica no pensamento de Teilhard de Chardin? George Coyne – Somente em termos muito gerais. Ele não aborda nenhum dos detalhes científicos da astrofísica. Ele apresenta uma visão geral do mundo em evolução, que não contradiz a astrofísica científica. IHU On-Line - Qual é o principal legado de Teilhard? George Coyne – Uma visão muito positiva da evolução e uma cristianização do mesmo. Ele faz isso como paleontólogo, mas sua contribuição permanente é mais a sua visão mística do universo. IHU On-Line - Como podem os cientistas ajudar a adquirir uma consciência mais ecológica para a construção de uma terra habitável para a geração atual e as futuras gerações? George Coyne – Como cientistas nós poderíamos alertar que 95% das espécies que sempre existiram na Terra estão extintas. A extinção é um ingrediente necessário da evolução e é incontornável. Isso não significa que o ser humano poderia não ter cuidado com a ecologia e os nichos ecológicos. Também nós seremos extintos um dia. IHU On-Line - De que modo Chardin dialoga com Darwin e com outros cientistas de seu tempo? George Coyne – Chardin não foi contemporâneo de Darwin, mas ele, certamente, edificou sobre a ciência de Darwin. Não tenho conhecimento sobre outros cientistas. IHU On-Line - Qual sua contribuição para a relação entre ciência e fé? George Coyne – Ele fez uma das maiores tentativas dos tempos modernos para integrar as duas. A meu ver sua fé, e especialmente a visão mística que teve, dominaram demais sobre sua ciência.

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19 IHU On-Line - Quais são os principais ensinamentos do pensamento de Teilhard que a universidade contemporânea e o fazer científico poderiam ou deveriam integrar em sua missão? George Coyne – Que o universo evolucionário revela um Deus Criador que deseja que o universo, e especialmente os seres humanos, participem em sua criatividade. (Voltar ao índice)

AS REVOLUÇÕES CAUSADAS PELA TEORIA DA RELATIVIDADE Entrevista com Armando Lopes de Oliveira Armando Lopes de Oliveira é professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É licenciado e bacharel em Física e mestre em Física pela UFMG. Ele é doutor em Física pelo Centro de Estudos Nucleares de Grenoble, França e pós-doutor pelo Imperial College (Londres). O físico coordenou, durante o Simpósio Internacional Terra Habitável, a oficina A estrutura do universo e os seus códigos físicos e ministrou o curso O caos dedilhado em planilhas Excel. O professor concedeu duas entrevistas ao IHU On-Line: na edição 142, de 23/05/2005, celebrando a memória do Padre Henrique Cláudio de Lima Vaz e na edição 141, de 16/05/2005, a entrevista com o título A imperiosa criação e recriação dos códigos de entendimento do Universo. A entrevista, a seguir, foi concedida pelo pesquisador por e-mail durante sua participação no Congresso Nacional DIA/2005. Armando de Oliveira abriu o citado congresso com a conferência Universo e teoria da relatividade. IHU On-Line - Quais as principais reflexões que o senhor apresentou na palestra Universo e teoria da relatividade, na abertura do Congresso? Armando Lopes de Oliveira - Minhas reflexões pretenderam levantar um pouco o véu do mistério, que a teoria da relatividade ainda costuma representar, como se estivesse condenada a ser uma espécie de visão do mundo acessível apenas aos físicos. E eis a questão, mais complicada ainda: como falar sobre relatividade de Einstein, num congresso de dialética, promovido por filósofos, se a dialética não constitui a ferramenta de trabalho da física? A tarefa, eu a encarei como desafiante e, ao mesmo tempo, estimulante. Felizmente, o grupo do professor Cirne Lima está envolvido com a Teoria de Sistemas, o que, em grande parte, facilita as coisas. As reflexões feitas foram centradas na quebra de réguas, relógios e massas clássicos, na vertigem do confronto de distâncias que se contraem, tempo que dilata e massa que se transforma em energia. IHU On-Line- Quais são as revoluções causadas pela Teoria da Relatividade? Como ela ajuda a compreender o universo? Armando Lopes de Oliveira- As revoluções causadas pela Teoria da Relatividade, no que têm de mais contundente, são totalmente estranhas à nossa vida quotidiana, na qual não ocorrem velocidades imensas nem temos o nosso planeta Terra turbilhonando na linha de horizonte dos buracos negros. Para que uma régua clássica de 1,00 m tivesse o seu comprimento reduzido para 44 cm, ela deveria estar dentro de uma nave espacial e apontando para o mesmo sentido do seu movimento, o qual deveria se dar a uma velocidade de 972 milhões de quilômetros por hora. Nada aconteceria com a largura da régua. Nesse caso, a pessoa que a estivesse empunhando, em pé dentro da nave, estaria transformada em uma réplica de si própria, com o próprio perfil emagrecido, para menos da metade do diâmetro da própria barriga, e nada lhe

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20 teria acontecido com respeito à altura. Seria uma espécie de dieta cósmica! Por outro lado, vamos supor que o passageiro da nave se chame João, e tenha largado na Terra um irmão gêmeo de nome Paulo. Os dias para João estariam dilatados para 537h 3’ e 36”, e, caso ele fosse portador de algum tumor maligno, o seu câncer evoluiria em ritmo diminuído também na mesma proporção. Mas seria um erro dizer que a teoria da relatividade não afeta em nada a nossa vida do dia-a-dia. Se no Sol, massa não se transformasse em energia, em reações de fusão nuclear, que apenas a teoria da relatividade explica, de há muito ele teria se apagado, o que vai acontecer apenas daqui a, aproximadamente, 12 bilhões de anos. Outra coisa, a tabela periódica dos elementos químicos tem propriedades que só a Teoria da Relatividade permite entender, de forma complementar à física quântica. Uma delas, a cor amarela do elemento químico ouro é um efeito relativístico. IHU On-Line- O que a Teoria da Relatividade não consegue resolver? Armando Lopes de Oliveira- A Teoria da Relatividade23 generalizada supõe o encurvamento do contínuo espaço-tempo. Continuidade não é uma propriedade topológica que se encaixe bem com os pressupostos da Teoria Quântica 24. Outra coisa é o seu determinismo, incompatível com o probabilismo quântico e, mais grave ainda, com o caráter errático da Teoria do Caos. Einstein25 dizia que não aceitava um Deus que jogasse dados. Niels Bohr26 uma vez lhe retrucou: “E quem é você para dizer o que Deus deve ou não deve fazer?” . Hoje os físicos vão mais longe ainda: dizem que Deus joga dados, e o diabo sacode a mesa!

A Teoria da Relatividade, que reformulou a concepção da gravidade, foi criada por Albert Einstein. Ela foi abordada nos boletim IHU On-Line, n. 130, de 28 fev. 2005, que recebeu o título Einstein: 100 anos depois do Annus Mirabilis. João Paulo II. Balanço e perspectivas, dedicado a Einstein, e no boletim n. 141, de 16 maio de 2005, que levou o título Terra habitável: um desafio para a humanidade. (Nota do IHU On-Line) 24 Teoria quântica é a teoria física baseada na utilização do conceito de unidade quântica para descrever as propriedades dinâmicas das partículas subatômicas e as interações entre a matéria e a radiação. As bases da teoria foram assentadas pelo físico alemão Max Planck, o qual, em 1900, postulou que a matéria só pode emitir ou absorver energia em pequenas unidades discretas, chamadas quanta. Outra contribuição fundamental ao desenvolvimento da teoria foi o princípio da incerteza, formulado por Werner Heisenberg, em 1927. Ela foi abordada nos boletim IHU OnLine, n. 130, de 28 de fevereiro de 2005, que recebeu o título Einstein: 100 anos depois do Annus Mirabilis. João Paulo II. Balanço e perspectivas, dedicado a Einstein, e no boletim n. 141, de 16 maio de 2005, que levou o título Terra habitável: um desafio para a humanidade. (Nota do IHU On-Line) 25 Albert Einstein (1879-1955), físico alemão naturalizado americano. Premiado com o Nobel de Física em 1921, é famoso por ser autor das teorias especial e geral da relatividade e por suas idéias sobre a natureza corpuscular da luz. É provavelmente o físico mais conhecido do século XX. O Boletim n. 135, de 4 abril. 2005, cujo título é Einstein 100 anos depois do Annus Mirabilis. João Paulo II. Balanço e perspectivas teve seu tema de capa dedicado a este importante físico. (Nota do IHU On-Line) 26 Niels Bohr (1885 - 1962): físico dinamarquês, que desenvolveu a teoria da natureza do átomo. O prêmio Nobel de física que ganhou em 1922 deve-se ao seu trabalho sobre estrutura e radiação atômica. Com a idade de 28 anos, Bohr publicou sua teoria que explicava, através da teoria quântica de Max Planck, os problemas surgidos com a descoberta da radioatividade. No dia 17 de maio de 2005, durante o Simpósio Internacional Terra Habitável, foi apresentada a peça Copenhagen. A trama do espetáculo remete-se a um misterioso encontro em 1941 entre Niels Bohr, e Werner Heisenberg, alemão encarregado do programa nuclear de Hitler. A montagem foi do Núcleo Arte Ciência no Palco, da Cooperativa Paulista de Teatro, com texto de Michael Frayn. Os protagonistas da peça, Carlos Palma (Werner Heisenberg), Oswaldo Mendes (Niels Bohr) e Selma Luchesi (Margarethe Bohr), foram entrevistados na edição 142ª do IHU On-Line, de 23/05/2005. (Nota do IHU On-Line) 23

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21 IHU On-Line - Como vai se construindo a ponte entre os grandes sistemas clássicos da dialética com as ciências contemporâneas? Por que o senhor considera important e esse diálogo? Armando Lopes de Oliveira - O diálogo não só é importante como imprescindível. Por outro lado, a Teoria dos Sistemas é uma boa ferramenta teórica para fazer a ponte entre os grandes sistemas clássicos da dialética e as ciências contemporâneas. IHU On-Line - Na apresentação do evento (Congresso Nacional DIA/2005) afirma-se que “a Teoria da Evolução, por sua vez - isso foi por nós demonstrado - está em conexão com a Teoria do Caos Determinístico e com a Geometria Fractal. Para poder expressar esta Totalidade em sua hierarquia de um Todo que está dentro de outro Todo, foi introduzida a Teoria de Sistemas”. Como explicaria esta afirmação para um público leigo? Armando Lopes de Oliveira - A afirmação é do professor Cirne Lima. Os fractais gozam de invariância com respeito à escala. Isso significa que, ao se aplicarem “zooms”, tantas vezes quantas quisermos, os detalhes podem mudar, mas os padrões se repetem, em um conceito que, em matemática, se denomina auto-similaridade. Teoria dos Sistemas é realmente muito afim com a dimensionalidade fractal. IHU On-Line - Quais as relações mais importantes realizadas neste evento entre dialética, tempo e natureza? Armando Lopes de Oliveira - Tenho proposições específicas, calcadas na Filosofia da Natureza, elaborada pelo Padre Henrique Cláudio de Lima Vaz27, de quem tive o privilégio de ser aluno. Muita coisa, entretanto, está inédita. O importante é que, na década de 1960, Lima Vaz elaborou uma extraordinária visão filosófica da natureza, incorporando o que havia de mais atualizado no campo da matemática e da física. O método dialético, por ele inaugurado, incluindo Indução Histórica, Redução Crítica e Elaboração Categorial, continua inteiramente atual e eficiente, podendo ser retomado para incorporar o que de lá para cá apareceu como novidade: fractais, sistemas complexos e caos. O mesmo se pode falar, em relação aos vertiginosos avanços das ciências biológicas, já em parte levados em conta por Lima Vaz, na sua última versão da Filosofia da Natureza, elaborada na década de 1980. Dialética, tempo e natureza têm vinculações que podem e devem ser explicitadas em lógicas ascendentes e descendentes, como acontece nas elaborações do grupo Cirne Lima e Eduardo Luft28. Existem, no entanto, densidades ontológicas subjacentes às grandes teorias matemáticas, físicas e biológicas da atualidade, as quais seria muito oportuno tentar reexaminar sob uma perspectiva vaziana. IHU On-Line - Como as mudanças das concepções de tempo e espaço provindas das novas tecnologias influenciam na compreensão do universo?

Na editoria Memória, publicada na edição 142ª do IHU On-Line foi realizada uma entrevista com o próprio Armando Lopes de Oliveira celebrando o terceiro aniversário do filósofo. Henrique C. de Lima Vaz, filósofo, padre jesuíta, autor de uma vasta obra filosófica foi tema do IHU On-Line número 19, de 27/05/2002. (Nota do IHU On-Line) 28 Eduardo Luft é jornalista, mestre em Filosofia e doutor em Filosofia pela PUCRS e Universidade de Heidelberg, Alemanha. Autor dos livros Para uma crítica interna ao sistema de Hegel. Porto Alegre: Edipucrs, 1995 e As sementes da dúvida. São Paulo: Mandarim, 2001. (Nota do IHU On-Line). 27

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22 Armando Lopes de Oliveira - Dotam a humanidade da capacidade de avançar na compreensão da imensidade cósmica, até o limite de quintilhões de anos-luz, e mergulhar no abismo do coração da matéria, desvendando o que ocorre no universo dos quarks, cuja escala é de 10 quintilhonésimos de metros. E as possibilidades de recuo no tempo não são menos impressionantes, desvendando o big bang, o início do espaço-tempo, ocorrido há pelo menos 10 bilhões de anos. IHU On-Line – O senhor gostaria de acrescentar mais algum comentário que julgue pertinente? Armando Lopes de Oliveira- O efeito de sucção, postulado por Cirne Lima, em esforço honesto e persistente, para elevar, cada vez mais, o nível acadêmico da Unisinos, deve ser levado adiante com afinco, e é o que estou percebendo que estão fazendo desbravadores incansáveis, com quem tive o privilégio de trocar idéias, como os padres Marcelo de Aquino 29 e Inácio Neutzling 30. (Voltar ao índice)

DIALÉTICA PARA ENTENDER A CULTURA Entrevista com Paulo Margutti Professor de Filosofia do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Paulo Margutti trabalha na área de Lógica e Filosofia da Ciência. É membro do grupo de estudos em Dialética, liderado pelo Prof. Carlos Cirne Lima, da Unisinos. Graduou-se em Filosofia pela UFMG, e é Ph.D. em Filosofia pela University of Edinburgh, Scotland, UK. É autor de Iniciação ao Silêncio (Análise do Tractatus de Wittgenstein). São Paulo: Loyola, 1998 e Introdução à Lógica Simbólica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. No livro Dialética e Auto-organização (São Leopoldo: Unisinos, 2003), organizado por Carlos Cirne Lima e Luiz Rohden, publicado pela Editora Unisinos em 2003, escreveu o capítulo Dialética, Lógica Formal e Abordagem Sistêmica, em que discute as idéias de Cirne Lima. O filósofo concedeu uma entrevista ao IHU On-Line, na edição nº 83, de 10 de novembro 2003. A entrevista a seguir foi realizada na semana passada enquanto o pesquisador participava do Congresso Dia/2005, no qual apresentou o tema Dialética e tempo. IHU On-Line – Quais as reflexões que o senhor apresentou na palestra Dialética e tempo? Paulo Margutti – Tendo em vista que participo do GT Dialética como crítico das perspectivas que são oferecidas – sou um filósofo de tendência analítica, e normalmente os analíticos não se dão muito bem com a dialética, de modo geral -, eu trouxe uma contribuição um pouco diferente das passadas, já que esta é a terceira vez que participo deste evento. Nas vezes passadas, eu elaborei avaliações mais ou menos amplas da perspectiva oferecida pelo Prof. Cirne Lima. Desta vez, avancei um pouco mais, aproveitando certos trabalhos que estou fazendo nos estudos de pensamento filosófico brasileiro. Mostrei que a perspectiva que o Prof. Cirne Lima está oferecendo, baseada na transdisciplinaridade de tipo hegeliano, não explica tudo o que ele gostaria que fosse explicado. Parece-me que essa perspectiva é bem sucedida na biologia. Nas

Marcelo Fernandes de Aquino é vice-reitor da Unisinos e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade. (Nota do IHU On-Line) 30 Inácio Neutzling é diretor do Instituto Humanitas Unisinos e professor e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas da Unisinos. (Nota do IHU On-Line) 29

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23 comunidades dos seres vivos e, principalmente, nas comunidades humanas, onde entra a questão da linguagem e toda a problemática correspondente, tenho impressão de que a abordagem dele enfrentará muitas dificuldades. Minha proposta, então, foi apresentar um problema nesta área, mostrando que nela ainda não há elementos para chegarmos até o ponto referido, por mais boa vontade que tenhamos. É verdade que sou simpatizante da perspectiva transdisciplinar, embora não no viés hegeliano do Prof. Cirne Lima. Acho, por exemplo, que uma das boas idéias sobre essa abordagem apareceu com o Capra 31, no livro A Teia da vida. Mas, quando ele tenta explicar a sociedade, no último livro que escreveu, chamado As conexões ocultas32, falha. E demonstra que ainda há muita coisa por fazer. Desse modo, parece que a perspectiva transdisciplinar, no momento, pelo menos no que diz respeito à explicação de fenômenos mais complexos como a sociedade humana, ainda está mais numa fase programática do que, propriamente, numa fase de realizações. Em minha apresentação, trabalhei uma questão ligada ao problema da cultura, ligado, portanto, à linguagem, à comunidade humana e, pelo que me parece, essa questão não seria facilmente explicável por aquela perspectiva. Expus, ainda, que há outras maneiras de compreender a dialética que poderiam explicá-lo. A principal contribuição que trouxe para esse evento foi a tentativa de dizer que é possível fazer, por exemplo, uma interpretação da cultura brasileira, utilizando uma dialética muito pouco hegeliana, que, na verdade, se opõe a ela: a dialética de Kierkegaard 33. Essa interpretação teria algum fundo de verdade, e não seria facilmente explicável pelo viés transdisciplinar, porque está um pouco além do alcance desse viés. IHU On-Line – Quais as relações mais importantes que foram estabelecidas em dialética, tempo e natureza, neste evento? Paulo Margutti – Do ponto de vista da dialética, tempo e natureza, alguma coisa já foi feita, pelo menos no que diz respeito à explicação dos seres vivos. Desde a grande explosão até o aparecimento dos seres vivos, parece que há a possibilidade de explicar alguma coisa, utilizando o aparato que está sendo desenvolvido. Mas daí para a frente, fica difícil. Quando pensamos, por exemplo, no tempo da física, há uma possibilidade de essa perspectiva teórica explicá-lo; quando pensamos na natureza formada por seres vivos, mas não, propriamente,

O austríaco Fritjof Capra é físico, mas seu trabalho há muito transcende os limites desta ocupação. Cientista, ambientalista, educador e ativista, Capra surgiu para o mundo, após lançar O tao da física, no qual discorre sobre os paralelos, a princípio impossíveis, entre a física quântica e o misticismo oriental. Estabeleceu-se no posto de pensador holístico com O ponto de mutação, explorando as mudanças no paradigma social que acompanham as descobertas científicas. Atualmente vivendo em Berkeley, na Califórnia, Capra fundou o Center for Ecoliteracy, uma instituição que forma profissionais para ensinar ecologia nas escolas, e também é professor do Schumacher College, um centro de estudos ecológicos na Inglaterra. Em português, foram publicados, entre outros, os livros: Pertencendo ao universo. São Paulo: Cultrix, 2003. As conexões ocultas. São Paulo: Cultrix, 2002. O tao da física. São Paulo: Cultrix, 2000. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1997; Sabedoria incomum. São Paulo: Cutrix, 1995. O ponto de mutação. São Paulo: Cutrix, 1982. (Nota do IHU On-Line) 32 As conexões ocultas. São Paulo: Cultrix, 2002. (Nota do IHU On-Line) 33 Soren Kierkegaard (1813-1855): filósofo e pensador religioso dinamarquês, nascido em Copenhague. Kierkegaard é geralmente considerado um dos fundadores do existencialismo. Exerceu grande influência no pensamento religioso, na filosofia e na literatura. Suas diversas obras preocupam-se com a natureza da fé religiosa. De modo mais específico, ele se interessava pelo problema do que significa ser um verdadeiro cristão. Kierkegaard dirigiu críticas duras a todas as tentativas de tornar a religião racional. Sustentava que Deus quer que o obedeçamos e não que argumentemos com ele. (Nota do IHU On-Line) 31

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24 ainda, do ponto de vista das suas relações sociais, também há alguma possibilidade de nos apoiarmos na referida perspectiva teórica. Mas, principalmente, quando surge o problema da cultura, acho que a abordagem transdisciplinar se torna deficitária. Ela aponta na direção de uma explicação melhor do que aquela meramente física do que constitui o nosso universo, até a vida. Mas, acima dela, principalmente nas relações entre seres vivos e dos seres humanos entre si, a coisa se complica – neste ponto, a abordagem transdisciplinar está apenas na fase programática. IHU On-Line – Como mudanças das concepções de tempo e espaço, provindas de novas tecnologias, influenciariam na compreensão do Universo? Paulo Margutti – Acho que essas mudanças influenciam de uma maneira inteiramente revolucionária. Nesse aspecto, até mesmo a abordagem transdisciplinar ainda é precária para entender. Vou dar um exemplo, que pode ajudar a esclarecer alguma coisa. Se pensarmos no que acontece com a Teoria da Relatividade, veremos o seguinte: ela estabelece que, em vista de a velocidade da luz ser constante no Universo, significa que três observadores diferentes podem ver dois fenômenos em sucessões temporais completamente diversas. O observador A pode ver o fenômeno 1 como anterior ao fenômeno 2; o observador B pode ver os dois fenômenos como simultâneos; o observador C pode ver o fenômeno 2 como anterior ao fenômeno 1. Isso coloca em questão a própria sucessão temporal e a dialética, por exemplo, se baseia numa idéia clara de que o tempo caminha numa direção específica. Alguns autores sugerem, por exemplo, que a Teoria da Relatividade nos indica que, na realidade, existe um estoque de eventos no Universo. Assim, dependendo da posição em que o observador se encontre, aquele estoque de eventos vai aparecer para ele em uma sucessão temporal determinada. Mas isso vai fazer da sucessão temporal uma coisa que não é a mais importante de todas. Com efeito, se dois fenômenos podem ser observados como simultâneos ou sucessivos, inclusive em ordens inversas, fica difícil acharmos que o tempo tem alguma importância na estrutura do Universo. Ele pode ter importância para nós, como observadores particulares em uma determinada posição, o que não significa, porém, necessariamente, que esse tempo seja “o” tempo. Ora, a perspectiva dialética parte do pressuposto de que temos um tempo único, que é o tempo da história... IHU On-Line – Como um tempo absoluto...? Paulo Margutti – Isso, como um tempo absoluto. Além disso, parece que as mudanças afetam, nesse sentido, também a concepção do espaço. Einstein construiu um experimento mental, conhecido como o paradoxo de Einstein-Podolsky-Rosen 34, porque foram esses três autores

Para entender o Paradoxo de Einstein-Podolsky-Rosen, ou Paradoxo EPR, é preciso conhecer o motivo do seu surgimento. Einstein foi o fundador da teoria quântica. A partir dela surgiram correntes de pensamento e não era com todas que Einstein concordava. Dentre essas, encontrava-se a Escola de Copenhague, liderada por Niels Bohr. Essa escola apregoava que muitos eventos eram impossíveis de serem determinados, cabendo apenas à estatística defini-los. Einstein discordava disso, pois para ele tudo obedecia a certas regras e bastava descobrirmos essas "variáveis ocultas" para chegarmos exatamente ao resultado. Uma dessas incertezas que Bohr e seus companheiros propunham era que o elétron possui vários eixos de rotação e é impossível determinar em torno de qual ele irá girar, pois o próprio ato de medir já definiria o eixo. Para Einstein, bastava descobrirmos as "variáveis ocultas" que tudo estaria certo. Foi aí que, numa célebre polêmica à cerca da teoria quântica, Einstein propôs um paradoxo pensando em derrubar a teoria de Copenhague. Esse paradoxo ficou conhecido como Paradoxo de Einstein-Podolsky-Rosen, ou Paradoxo EPR. (Nota do IHU On-Line) 34

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25 que colaboraram neste problema, envolvendo o seguinte: se a mecânica quântica estiver certa, então dois fótons, emitidos de uma mesma fonte e que estão imbricados, encontram-se relacionados de uma forma tal que o que acontecer com um vai repercutir no outro, embora estejam a uma distância tão grande que não possa ser percorrida a tempo pela velocidade da luz. Como a velocidade da luz é constante no Universo e é a velocidade máxima que pode ser atingida, Einstein considerava isso uma prova de que a mecânica quântica estava equivocada. Mas já foram feitos experimentos, admitindo que, efetivamente, esses fótons gêmeos, assim chamados porque estão imbricados, são, realmente, emitidos a partir da mesma fonte, mesmo que estejam suficientemente longe um do outro, para que a comunicação entre eles exija uma velocidade superior à da luz, um repercute no outro. Se você efetua a medição num deles, o outro vai dar uma resposta, apesar de a informação que vai de um para o outro não conseguir percorrer a distância entre eles com a velocidade necessária, que teria de ser maior que a da luz. A resposta vai ser instantânea. Isso sugere a existência de relações não-locais entre esses objetos; não-espaciais, ou em alguma região “abaixo” do espaço. É o que geralmente se chama de “buraco de minhoca”, ligando dois pontos do espaço, na forma de um atalho, que poderia ser percorrido numa velocidade superior à da luz. Isso modifica profundamente a concepção de espaço. Eu não sei se a abordagem sistêmica dá conta dessas modificações, se ela seria a mais adequada. IHU On-Line – Como está ocorrendo a ligação entre os grandes sistemas clássicos da dialética com as ciências contemporâneas? Por que esse diálogo é importante? Paulo Margutti – Quem considera realmente importante essa ligação, essa ponte, é o professor Cirne Lima. Ele faz questão de mostrar que a Teoria dos Sistemas do Bertalanffy35, por exemplo, tem origem em Nicolau de Cusa36 e que esses autores estão ligados aos platônicos. Ele faz questão de mostrar isso, já que a própria filosofia hegeliana tem uma ligação muito grande com esses autores. Mas me parece que essa ligação é mais metafórica do que literal. O que aqueles autores disseram no passado pode, realmente, ter alguma semelhança com o que nós estamos dizendo. Pode até servir como fonte de inspiração. A maneira, porém, como a problemática está sendo tratada é muito diferente. Envolve toda uma mudança de perspectiva que não é facilmente explicável por estes sistemas clássicos. IHU On-Line – Envolve circunstâncias diferentes...?

Ludwig von Bertalanffy (1901-1972): autor do livro General systems theory – Essais on its foundation and development. New York. 1968. Tradução francesa: Théorie générale des systems: physique, biologie, psycologie, sociologie, philosophie. Paris. 1973. Publicou também The Theory of open systems, General System Yearboock. 1956. A primeira edição brasileira de Teoria Geral dos Sistemas foi publicada pela Editoras Vozes, de Petrópolis (RJ), em 1968. (Nota do IHU On-Line) 36 Nicolau de Cusa (1401-1464): teólogo alemão. Secundou a ação dos papas na Alemanha. Foi educado junto dos Irmãos da vida comum em Deventer, onde sofreu a influência do misticismo alemão; em seguida estudou na Universidade de Heidelberg, foco de nominalismo, e na de Pádua, onde aprendeu a matemática, o direito, a astronomia. Ordenado padre, teve parte notável no concílio de Basiléia (1432); foi, a seguir, legado pontifício, cardeal, bispo. Viveu seus últimos anos na Itália. As obras fundamentais de Nicolau de Cusa são três: De docta ignorantia, De conjecturis, Apologia doctae ignorantiae. As fontes prediletas e principais são o misticismo alemão (Mestre Eckart), o platonismo e o neoplatonismo cristão e os autores de tendência neoplatônica, em geral. (Nota do IHU On-Line) 35

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26 Paulo Margutti – Sim. E, sendo essas circunstâncias tão diferentes, eu sentiria certa dificuldade para fazer uma aproximação mais forte. Há ligações, mas elas talvez não sejam tão fortes como, por exemplo, o professor Cirne Lima pretende. IHU On-Line – Na apresentação do evento afirma-se que “a Teoria da Evolução, por sua vez – isso foi por nós demonstrado - está em conexão com a Teoria do Caos Determinístico e com a Geometria Fractal. Para poder expressa essa Totalidade em sua hierarquia de um Todo que está dentro de outro Todo, foi introduzida a Teoria dos Sistemas”. Como explicaria essa afirmação para um público leigo? Paulo Margutti –O que eu posso dizer a respeito da Teoria da Evolução é que, para que seja encaixada na perspectiva transdisciplinar, ela teria que ser pensada não como evolução – até essa palavra teria que ser trocada. Evolução significa que vamos do inferior para o superior, do pior para o melhor, implica, inclusive, uma forma de teleologia, algum finalismo, parece que o Universo foi projetado para um determinado fim e a evolução significa que o Universo está caminhando em direção àquele fim para o qual ele foi projetado. Na abordagem sistêmica, o máximo que nós podemos dizer, de acordo com uma das teorias existentes, é que o Universo surgiu de uma grande explosão; em que o espaço e o tempo teriam se originado. A explicação para isso é a de que é possível construir um modelo matemático que permite isso. Imagine algo em forma de um sino invertido. O ponto no vértice inferior do sino é a origem de tudo. Antes dele não há nada. Então, o espaço-tempo se desenvolve dessa grande explosão, expressa nesse modelo. Essa explosão gerou aquilo que poderíamos chamar de uma “deriva natural”. Ao invés de usarmos a expressão evolução, o nome mais adequado seria esse, conforme sugere Maturana 37. A explicação da evolução por esse viés poderia ser entendida com o auxílio de uma metáfora. Vamos imaginar uma montanha e alguém que joga água no cume. A água vai descendo e os caminhos que ela escolhe aleatoriamente para descer correspondem à deriva natural. Ela vai encontrá-los à medida que desce; se ela seguir por um lado vai encontrar tal desvio à direita ou à esquerda; se seguir por outro, vai encontrar um desvio diferente, etc. Mas são esses caminhos, que vão surgindo de uma maneira mais ou menos aleatória, mais ou menos caótica, determinariam o que seria a “evolução”, ou melhor, a deriva natural. Nessa deriva natural, apareceriam os sistemas auto-organizados como, por exemplo, uma estrela. Ela nada mais é do que o resultado da força gravitacional sobre uma quantidade muito grande de gás hidrogênio, por exemplo. As partículas de gás vão se atraindo mutuamente e, num determinado ponto, elas formam um aglomerado. Esse aglomerado vai atraindo mais partíc ulas, gerando uma compressão muito grande dos átomos que se encontram no interior, produzindo reações nucleares e gerando uma força de expansão. Se a força de atração for suficientemente grande para compensar a força de expansão, a estrela vai se manter equilibrada e produzirá luz e calor. Na sua evolução, num determinado momento,ela explode. Ela começa como uma estrela de hidrogênio, mas produz um elemento mais pesado, o hélio. Aos poucos, vamos tendo estrelas de outros elementos, e as explosões das estrelas vão gerando um conjunto de restos de explosões estelares. Estes restos é que vão gerar planetas, pela força da gravitação, e nesses planetas vão surgir estruturas dissipativas que seriam os seres vivos. Nesse sentido, a Teoria da Evolução estaria em conexão com a Teoria do Caos Determinístico. Para entender as estruturas dissipativas, que correspondem aos seres vivos, imaginemos uma outra situação. Se

37 Humberto Maturana: biólogo chileno, criador da autopoiese e um dos propositores do pensamento sistêmico. (Nota do

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27 tivermos uma banheira fechada, com água, ela ficará parada. Se tirarmos a tampa do ralo, a água começará a descer e, espontaneamente, formará um redemoinho. Esse redemoinho é uma estrutura auto-organizada que se preserva até certo ponto, pois, se o atrapalharmos com um movimento da mão, ele compensará a perturbação e voltará a se formar. Ele é autoorganizado, com mecanismos de retroalimentação que o mantém naquele processo em redemoinho. Isso constitui o que Prygogine38 chama de estrutura dissipativa. Ela se mantém organizada através da dissipação de energia. Essa estrutura é um modelo interessante para entendermos a nós mesmos: seríamos estruturas dissipativas. Não somos redemoinhos de água, mas somos redemoinhos químicos. Somos estruturas que se organizaram oportunisticamente, neste Universo. Estamos dissipando energia mas, ao mesmo tempo, através da dissipação, estamos mantendo uma determinada estrutura constante. Ora, a noção de evolução, não como evolução, e sim como deriva natural, seria um modelo importante para explicar como chegamos a esse ponto. E para estudarmos essas estruturas dissipativas, precisamos de uma matemática especial, como a dos fractais, e de teorias especiais, como a do Caos... IHU On-Line – Nesse aspecto seria salutar que as diversas teorias convergissem na realização desse estudo? Paulo Margutti – Sim. Nós estamos chegando a um ponto em que, se as diversas perspectivas não convergirem na explicação, não se associarem, não vamos conseguir fazer muita coisa. IHU On-Line – O que a Teoria da Relatividade não consegue explicar? Paulo Margutti – Parece que há uma série de fenômenos, no nível quântico, que a Teoria da Relatividade não consegue explicar. Aliás, existe, nos dias de hoje, um conflito entre a Teoria da Relatividade e a Mecânica Quântica. Como os campos, os domínios de aplicação dessas teorias são diferentes, isso não está ainda criando um conflito maior, mas possivelmente irá criar uma dificuldade em se conseguir uma perspectiva única que seja capaz de unir as duas teorias. Isso talvez signifique um obstáculo muito difícil de ser transposto em relação ao que foi comentado na pergunta anterior, porque é preciso que as diversas teorias sejam capazes de convergir na explicação. Se não houver essa convergência, vai ser difícil. Nesse caso, vamos ter que nos contentar com uma pluralidade descritiva: mais de uma teoria, teorias alternativas para explicar campos, domínios da realidade diferentes, podendo ser um desses domínios aquele que a abordagem transdisciplinar explica. Em alguns outros aspectos, muito possivelmente a abordagem transdisciplinar não daria conta do recado. IHU On-Line – Mas isso não acabaria aumentando a fragmentação, que já é bastante grande, das áreas de conhecimento? Paulo Margutti – Possivelmente sim, mas o que se há de fazer? O ideal seria encontrar uma perspectiva integradora e, no momento, todos se esforçam nessa direção. Pessoalmente, simpatizo muito com a perspectiva transdisciplinar e penso que ela constitui a nossa melhor aposta no momento, em que pesem as suas dificuldades. Todavia, se nós não encontrarmos

Ilya Prigogine (1917-2003): cientista de origem russa, que recebeu o Prêmio Nobel de Química em 1977. Na 62ª edição, de 2 de junho de 2003, IHU On-Line dedicou-lhe a editoria Memória e, dele, publicou o artigo A dimensão ”narrativa” do universo, na 64ª edição, em 16 de junho de 2003. (Nota do IHU On-Line) 38

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28 uma perspectiva suficientemente ampla, integradora, que seja capaz de reunir tudo, vamos ter que nos contentar com as descrições parciais. O futuro dirá o que vai acontecer. (Voltar ao índice)

TEORIA DA RELATIVIDADE: UMA LEITURA FILOSÓFICA Entrevista com Manfredo Araújo de Oliveira O professor Dr. Manfredo Araújo de Oliveira, do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Ceará, esteve na Unisinos na última semana participando do Congresso Nacional DIA/2005 – Dialética, tempo e natureza, realizado de 23 a 25 de maio últimos. Ele ministrou a conferência Leitura filosófica da Teoria da Relatividade, na noite do dia 24 de maio. Manfredo é graduado em Filosofia, pela Faculdade de Filosofia de Fortaleza, mestre em Teologia, pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma (PUG), da Itál ia, tendo sua dissertação o título A concupiscência na teologia de Karl Rahner, e é também doutor em Filosofia, pela Universität München Ludwig Maximilian, da Alemanha, com a tese intitulada Subjetividade e mediação: estudos sobre o desenvolvimento do pensamento transcendental em Kant, E. Husserl e H. Wagner. É autor de, entre outros, Filosofia transcendental e religião. São Paulo: Loyola, 1984; A Filosofia na crise da modernidade. São Paulo: Loyola, 1989; Ética e racionalidade moderna. São Paulo: Loyola, 1993; Ética e economia. São Paulo: Ática, 1995; Diálogos entre razão e fé. São Paulo: Paulinas, 2000; Desafios éticos da globalização. São Paulo: Paulinas, 2001; Para além da fragmentação. São Paulo: Loyola, 2002; e Dialética hoje. Lógica, metafísica e historicidade. São Paulo: Loyola, 2004. Manfredo de Oliveira foi entrevistado pelo IHU On-Line na 93ª edição, de 22 de março de 2004, sob o título A herança de Kant: a vinculação radical entre razão, liberdade e ética. O professor concedeu uma entrevista ao IHU On-Line, em uma sala do Instituto Humanitas Unisinos, na última semana, comentando aspectos do evento em si e sobre sua contribuição para o mesmo. IHU On-Line – Qual é a leitura filosófica da Teoria da Relatividade? Manfredo de Oliveira - A minha abordagem é a posição de um professor alemão, Dieter Wandschneider39, que faz uma tentativa de ler filosoficamente a Teoria da Relatividade, dizendo o seguinte: a filosofia tem uma parte, que é seu núcleo central, que se faz por meio de uma reflexão sobre o puro espírito humano sobre si mesmo. Nesse momento, ela vai buscar chaves de compreensão do mundo, do universo, do homem e das coisas. Mas quando chega a hora de, com base nessas chaves de inteligibilidade que ele trabalhou no primeiro momento, compreender realmente o universo, ele não pode vir do puro permanente, tem que vir das ciências. Então a Teoria da Relatividade pôs em questão, não destruiu, pôs em questão, alguns conceitos fundamentais da física clássica, ou seja, a mecânica de Newton. E a partir daí elaborou uma visão do mundo natural que, em muitos aspectos, discorda da posição de Newton, portanto, abre o espaço para uma nova compreensão da natureza. Ora, a tese do autor que eu trabalho é que o filósofo, quando trata exatamente das coisas do homem, do universo, não pode fazer isso, fundamentado na pura reflexão, mas tem que, em primeiro lugar,

Dieter Wandschneider: formado em Física em Hamburgo, foi professor de Filosofia na Universidade Tübingen, Alemanha, na Universidade de Hamburgo e na de Padeborn. Desde 1988, é professor de Filosofia e teoria do conhecimento na Universidade de Aachen, situada na fronteira entre a Bélgica e a Holanda. Entre suas publicações citamos Das Problem der Dialektik (Studien zum System der Philosophie, Bd. 3), hg. von Dieter Wandschneider, Bonn (Bouvier) 1997. (Nota do IHU On-Line). 39

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29 considerar as ciências. Só que as ciências empregam conceitos para falar do mundo e não trabalham propriamente esses conceitos, elas trabalham com os conceitos o mundo. Ora, o filósofo teria como tarefa explicitar o que está implícito nos conceitos que as ciências trabalham e descobrir neles uma conexão. Isso significa dizer que filosofia do real, de agora em diante, não pode mais passar sem as ciências. Ela tem que partir das ciências e fazer todo o seu trabalho como uma espécie de explicitação de conexões necessárias que estão presentes no trabalho da ciência, mas não estão conscientes para o cientista. Já a preocupação dele é muito mais explicar como o mundo acontece, ou como as coisas acontecem no mundo. Não está preocupado com seus próprios conceitos, com a conexão de conceitos, etc. IHU On-Line – Qual é a importância da Teoria da Relatividade para compreender o universo? Manfredo de Oliveira - Veja bem, em primeiro lugar, é preciso notar o seguinte: foi espalhada pelo mundo a idéia de que se trata de uma Teoria da Relatividade, mas, na realidade, quando estudamos, vemos que Einstein combinou dois princípios: o princípio da relatividade dos movimentos dos corpos e o princípio absoluto da não-variabilidade da velocidade da luz. Portanto, a Teoria da Relatividade tem um princípio do absoluto da velocidade da luz e um princípio da relatividade dos corpos em relação ao princípio. Existe até um psicólogo alemão, Wertheim, que diz que a Teoria da Relatividade poderia ser chamada também de teoria da absolutidade, porque a própria relatividade do movimento só aparece quando você faz a referência de todos os corpos em movimento a algo que não tem referência a nada, que é exatamente o movimento absoluto neste sentido da luz. Então, o interessante da Teoria da Relatividade é como ela se esforça por pensar junto aquilo que, na física anterior, tinha ficado separado, por exemplo, movimento e repouso. A Teoria da Relatividade diz que é impossível pensar movimento sem repouso, é impossível pensar repouso sem movimento. Matéria e movimento. Antigamente se dizia que matéria é aquilo que não muda, e movimento é aquilo que muda; o movimento é um acidente, a matéria, substância. Com a Teoria da Relatividade, é impossível pensar o movimento sem algo que se movimenta, portanto sem a matéria, e é impossível pensar a matéria sem movimento. Trata-se de um esforço em pensar, de uma forma integrada, conceitos que, na física clássica, tinham ficado separados. Isso significa dizer que vamos na direção de uma visão muito mais integrada do mundo do que a física clássica poderia dar, embora a Teoria da Relatividade não é uma teoria do mundo, até porque Einstein teve muita dificuldade em aceitar a física quântica por uma série de razões. E hoje se diz exatamente que a Teoria da Relatividade ainda é uma física do macrocosmos, enquanto a física quântica é uma física subatômica, do microcosmos. E a teoria verdadeiramente unitária da realidade cósmica só apareceria, quando fôssemos capazes de juntar o micro e o macro, ou seja, em termos físicos, a Teoria da Relatividade e a Física Quântica. É o que tenta fazer hoje, por exemplo, a Teoria das Supercordas, que ainda está em embrião, surgindo, mas a intenção ou, por exemplo, teóricos do todo, como o físico Lee Smolin40, cujo livro A vida nos cosmos a

Lee Smolin é professor de Física na Universidade da Pensilvânia, EUA. Como físico teórico, tem contribuído com idéias-chave nas pesquisas pela unificação da Teoria Quântica com a cosmologia e a Teoria da Relatividade. Apresentamos no IHU On-Line, na 111ª edição, de 16 de agosto de 2004, do livro de Lee Smolin A Vida do Cosmos, publicado pela Editora Unisinos, em 2004, o prólogo e a introdução, escritos pelo autor do livro, que dão uma visão do alcance e do significado da obra. Também publicamos, na editoria Livro da Semana, da edição n. 130, de 28 fev. 2005, 40

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30 Unisinos acaba de traduzir, vai atrás de um elemento comum que perpassa tanto os seres anorgânicos quanto os orgânicos, mentais e a realidade social. IHU On-Line - Como se relacionam os grandes sistemas clássicos da dialética com as ciências contemporâneas? Manfredo de Oliveira - Hoje só podemos fazer essa relação se fizermos certas correções dos grandes sistemas dialéticos do passado. Se tomarmos sobretudo a referência deste congresso, que é Hegel, ele imaginava que o filósofo podia puramente a partir de reflexão, não só descobrir a estrutura do pensamento, as estruturas básicas de toda a realidade, mas pensar concretamente toda e qualquer realidade, puramente como se diz em filosofia, a priori, independentemente da experiência, por pura reflexão. Hoje, mesmo guardando o esquema hegeliano de dizer que a filosofia tem que buscar a inteligibilidade de todas as coisas, ela não pode ser reduzida apenas a uma teoria do espírito humano, que pensa o mundo, mas tem que fazer isso também, portanto, tem que pensar a racionalidade que está imanente em cada realidade, em cada coisa. Mesmo admitindo esse propósito, temos que dizer para Hegel e para os dialéticos do passado que, para fazer isso, precisamos ouvir as ciências. Hegel dividia a ciência em dois grandes campos. O primeiro é a filosofia lógica, que teria como tarefa tematizar essas grandes chaves de compreensão, os conceitos fundamentais com os quais nós podemos pensar o mundo. O segundo é a filosofia do real, em que o filósofo, com esses grandes conceitos, vai pensar a natureza e o homem. Só que Hegel pensava que isso podia ser feito puramente mediante a reflexão do pensamento sobre si mesmo. Nós, hoje, dizemos que isso é impossível sem ouvir o trabalho do cientista, ver como ele concatena seus conceitos para falar do real. IHU On-Line - Como a pesquisa no Brasil está levando em conta esse diálogo com os clássicos? Manfredo de Oliveira - Muito incipiente. Acho que a Unisinos é uma exceção, porque Cirne Lima sempre teve uma consciência clara de que essas correções com os grandes dialéticos do passado têm que ser feitas e que cultivou o conhecimento das ciências, de modo que ele pode, talvez mais do que qualquer outro filósofo no Brasil, fazer essas ligações necessárias hoje. Não só no Brasil, no mundo é coisa incipiente. Estamos saindo de uma época em que os filósofos achavam que as ciências não tinham importância para eles. IHU On-Line – Na apresentação do Congresso, afirma-se que foi demonstrado que a Teoria da Evolução está em conexão com a Teoria do Caos Determinístico e com a Geometria Fractal. Qual é sua opinião a respeito? Manfredo de Oliveira – Naturalmente, é um pouco de otimismo demais a expressão de que “está demonstrado”. Cirne Lima acha que demonstrou, mas está longe. Estamos todos no mesmo barco, mas não porque concordemos em tudo. Estamos na mesma busca. Inclusive do ponto de vista físico, essas teorias todas não estão mais conectadas entre si. Agora, é claro que ele disse que o nosso trabalho está consistindo nisso. O exemplo da Teoria da Evolução e da Teoria dos Sistemas é muito elucidativo. Você pega, por exemplo, uma semente que depois vai crescendo e desenvolvendo-se. Então, o universo, para um pensador como Hegel, embora

do IHU On-Line a resenha deste livro, de autoria do professor Dr. Ney Lemke, da Unidade de Ciências Exatas e Tecnológicas da Unisinos. (Nota do IHU On-Line)

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31 no tempo dele não havia isso, e ele só imaginava evolução no pensamento, ele não tinha idéia que a natureza mesma era um processo de evolução, isso não é difícil de acoplar, porque tem todas as bases filosóficas, sistemáticas que permitem essa história de pensar o real como evolução, porque, no fundo, é a mesma estrutura fundamental que vai se desenvolvendo. O desenvolvimento não leva à fragmentação, é isso que a Teoria dos Sistemas compõe e que é uma idéia fundamental de Hegel. O real constitui uma unidade na diversidade, são muitas realidades diferenciadas, mas todas estão unificadas, de tal maneira que viver é conviver, ou seja, uma realidade está sempre em relação com todas as outras. Nesse sentido, o que a Teoria dos Sistemas quer explicitar é que o real é uma totalidade, e que essa visão fragmentária, analítica ao extremo, que nós tivemos com as ciências modernas, por um lado tem grandes avanços, porque ela se tornou menos pretensiosa, no sentido que queria ver o campo da realidade, só aquele aspecto teve a condição de uma especialização enorme que permitiu a capacidade de manipulação desses campos muito grande. Mas o preço foi muito grande também, porque se perdeu a unidade do universo, e ficamos com a consciência totalmente fragmentada, separada, em gavetas, e isso é o que caracteriza o homem moderno, analítico, científico. IHU On-Line - Quais as relações mais importantes realizadas neste evento entre dialética, tempo e natureza? Manfredo de Oliveira - Há diferentes abordagens possíveis. A minha diz mais respeito à idéia de que não podemos pensar tempo sem espaço, nem espaço sem tempo. Eles constituem uma unidade indissolúvel, são aquilo que Hegel chamava de determinações reflexivas: uma não pode ser pensada sem a outra. E a matéria é aquele momento do repouso que está no movimento espaço-temporal. Assim, coisas que antes apareciam como realidades separadas, agora aparecem integradas. A dialética é exatamente a tentativa de pensar esses conceitos básicos que estão na física, espaço, tempo, matéria, vendo a sua mútua imbricação, ou seja, para retomar a idéia de que a natureza é essa totalidade de múltiplas faces. (Voltar ao índice)

DESTAQUES DA SEMANA Entrevista da semana O FILOSOFO DA MODA Reproduzimos, a seguir, uma entrevista com o pensador francês Gilles Lipovetsky, realizada por Carla Rodrigues e publicada no site No mínimo de 17-5-05. Gilles Lipovetsky, 59, é sociólogo, filósofo e escritor. Professor da Universidade de Grenoble - França, de onde concedeu entrevista ao IHU On-Line por telefone. Lipovetsky é autor de alguns livros como A era do vazio. Lisboa: Relógio de Água, 1989; La crepuscule du devoir. L' éthique indolor des nouveaux temps démocratiques. Paris: Gallimard, 1992 (O Crepúsculo do Dever: a ética indolor dos novos tempos democráticos. Lisboa: Pub. D. Quixote, 1994); A Terceira Mulher. Permanência e revolução do feminino. São Paulo: Companhia das Letras, 2000; O Império do Efêmero. A moda e o seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. Junto com

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32 Eliette Roux escreveu o livro Le luxe éternel: De l'âge du sacré au temps des marques. Paris: Editions Gallimard, 2003; Les Temps Hypermodernes (Os Tempos Hipermodernos). Paris: Grasset, 200441; e Metamorfoses da Cultura Liberal Ética, mídia e empresa. Porto Alegre: Sulina, 2004. Lipovetsky concedeu uma entrevista ao IHU On-Line, edição 105ª de 14/06/2004 com o título Moda, Luxo e hiperindividualismo. Com o livro O império do efêmero, o pensador francês Gilles Lipovetsky conseguiu a façanha de levar a filosofia para o mundo da moda. Adotado como leitura fundamental nas escolas de moda brasileiras, Lipovetsky é um filósofo disposto a discutir temas mundanos, como luxo, design e sofisticação. A tudo isso ele confere importância que, regra geral, a filosofia recusa. "A moda está um pouco por todos os lugares, não é mais um fenômeno periférico, atravessa toda a sociedade e está no centro do consumo", defende. Sofisticação e luxo serão os temas do seu próximo livro a ser lançado no Brasil – O luxo eterno, que a Companhia das Letras prepara para o segundo semestre. Freqüentador assíduo do Brasil, a ponto de saber que a política econômica de Lula não é diferente de seu antecessor, sua obra publicada aqui já vai além da discussão sobre o papel da moda na sociedade contemporânea. Pela Editora Barcarolla, lançou, no ano passado, Tempos hipermodernos, no qual defende a idéia de que falar em pós-modernidade dá a falsa impressão de que a modernidade morreu. "A modernidade não está morta, ao contrário, é cada vez mais potente." Ele explica por que nesta entrevista a no mínimo. O seu livro Império do efêmero é um grande sucesso nas escolas de moda do Br asil. Por que o glamour, a moda e o design estão tão em alta na sociedade contemporânea? Podemos analisar esse fenômeno a partir de diversos fatores. O primeiro é que, nos países desenvolvidos, a demanda por produtos essenciais já se esgotou. Para vender, é preciso trocar as coisas. A moda, hoje, é um elemento constitutivo da economia de mercado. A moda é o que permite ao mercado renovar as demandas, porque, nas sociedades ricas, o básico já está totalmente adquirido. Agora, o que faz vender é a aparência, o glamour, a moda, o design. É o que faz vender porque a sociedade de consumo oferece uma diversidade de produtos, e como, dentro dessa diversidade, os consumidores podem escolher entre produtos relativamente parecidos, é a aparência que acaba determinando a compra, a dimensão estética entra como critério determinante. O segundo grande fator é que, nas sociedades contemporâneas, existe uma estetização dos consumidores, do gosto dos consumidores. As pessoas não querem apenas uma casa, ou uma calça, ou um vestido. Ninguém quer apenas objetos utilitários. As pessoas vivem na sociedade do estímulo, elas querem coisas belas, que tenham charme, que apresentem qualidades estéticas. O senhor acredita que os indivíduos querem se distinguir dos outros, se diferenciar a partir desses objetos de consumo? Esta é uma explicação recorrente, e o que tentei fazer foi dar outra explicação justamente porque não estou totalmente seguro de que se possa explicar a moda, o desenvolvimento da moda unicamente a partir do desejo de distinção, de diferenciação dos indivíduos. Hoje, a moda está difundida em todo o sistema de produção. Não é simplesmente a motivação das pessoas

Em português: LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. Tradução de Mário Vilela. São Paulo: Barcarolla, 2004. (Nota do IHU On-Line) 41

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33 que explica o desenvolvimento da moda, é o desenvolvimento da produção e do capitalismo, que criou novas aspirações. As pessoas assistem à televisão, vêem a publicidade. A sensibilidade dos consumidores se estetizou. Neste contexto, acredito que a moda não é simplesmente o frívolo, mas também o sinal de uma estetização das demandas, de desejos. É o que se vê, por exemplo, na área da cosmética e da cirurgia plástica, ou no desenvolvimento da decoração dos apartamentos, mesmo na casa de pessoas modestas, que não são ricas, mas que têm um gosto sofisticado. Acredito que o consumidor de hoje se tornou mais exigente em matéria de estética. Por que o senhor acha que o desejo de distinção dos indivíduos não explica totalmente a moda? Porque não explica a totalidade do fenômeno, que é muito mais complicado do que isso. Foi isso que quis fazer nesse livro, e que continuo fazendo, porque essa é uma explicação quase evidente, mas que não permite entender o caráter global do fenômeno nem mesmo explica a motivação de homens e mulheres em relação à moda. Por exemplo: as mulheres, na burguesia ou na nobreza nos séculos anteriores, utilizavam o vestuário como forma de mostrar suas diferenças. Quando se era rico, era necessário ter vestidos de noite, ouro, e outros objetos caros para se distinguir dos pobres. Mas, atualmente, nos palácios, nos hotéis, as mulheres se vestem como na rua. A moda não é apenas uma forma de distinção, ela tem outras motivações. Mas não seria uma forma de resistência à massificação? Compreendo o seu argumento e concordo com ele. Mas os fenômenos sociais raramente têm uma explicação simples, é preciso multiplicar muitos fatores. O ser humano não se explica por um único fenômeno, na moda como em tudo mais. Hoje, quando uma mulher se maquia, não é para se distinguir dentro da sua classe social, é para ficar mais bonita, mais jovem. É uma lógica de personalização, uma forma de auto-estima, de se suportar, de vencer o tempo. São muitos fatores que não podem ser explicados apenas pela lógica da distinção. O que a moda tem a ver com a filosofia? Por que pensar a moda como uma questão filosófica? A moda hoje não é simplesmente vestuário, a moda está um pouco por todos os lugares: nos objetos, nos carros, no esporte, na aparência dos bens de consumo em geral. A moda não é mais um fenômeno periférico, mas atravessa toda a sociedade. Portanto, não é mais simplesmente um aspecto decorativo e minoritário, mas está no centro da sociedade de consumo. De fato, tradicionalmente, a moda não diz respeito aos filósofos, que consideram a moda apenas como aparência e futilidade. Afinal, a filosofia sempre pensou a questão do ser. Exatamente, os filósofos pensam o ser, não o futuro, sobretudo um futuro que é superficial, que não tem sentido. Mas eu não compartilho dessa opinião, eu acredito que a aparência e o frívolo são, sem dúvida, necessários à vida. E se são necessários à vida, como nós vemos há séculos, acredito que a filosofia deve se ocupar disso, deve se questionar sobre esse tema. A filosofia não deve apenas investigar o ser, o eterno, a metafísica, os grandes princípios fundadores, a filosofia deve também tentar compreender aquilo que lhe parece estranho, ou seja, o fútil, o frívolo, o lúdico, tudo isso que não tem sentido. Mas, de fato, a moda não tem sentido, e, no entanto, as pessoas demonstram um apetite, um amor por essas coisas. Creio que o ser humano não se define somente por seus aspectos mais nobres, como a verdade, a moral, a

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34 religião, mas que existe também uma outra dimensão do homem, a "parte maldita", que podemos chamar de prazer, o prazer das pequenas coisas da vida. Isso nos convida à reflexão porque é, afinal, bastante enigmático, e por isso deve mobilizar os filósofos. Na sua opinião, o que explica essa radical valorização dos artigos de luxo, exclusivos, singulares? Assistimos, atualmente, a um tipo de cultura do luxo, de amor pelas marcas, pelos objetos de luxo. Você utilizou a palavra "singular" e acho que isso significa muita coisa. Em primeiro lugar, acho que existe uma certa democratização do luxo, porque as pessoas não aceitam mais se sacrificar, não aceitam mais que a vida é para amanhã. Todos querem viver bem o agora, aproveitar as coisas o melhor possível. Dentro dessas condições, quase todo o mundo quer ter as mais belas coisas. Acredito que isso demonstra uma sociedade que dá muito peso, muita importância ao prazer, à busca do prazer nesta vida, não em outra. Por muito tempo, foi a religião que dominou as consciências, e a religião nos dizia que deveríamos aceitar ser pobres, que ser pobre era normal, e que era necessário viver assim neste mundo para ganhar o paraíso eterno, mas, atualmente, ninguém mais acredita nisso. As pessoas, mesmo as crentes, querem viver bem, querem aproveitar a vida, e o luxo é a expressão disso. Acredito que o amor ao luxo, hoje, é uma expressão da busca por experiências raras, sofisticadas, estéticas, e isso não significa apenas uma intensificação das rivalidades sociais. As pessoas querem aproveitar a vida sem esperar pelo futuro. O que isso tem a ver com o que senhor chama de ‘‘mundo neo-individualista"? Tem tudo a ver. O culto da vida presente, do bem-estar, da felicidade se liga também ao culto ao corpo. Isso, no Brasil, é muito importante: as pessoas praticam esportes, fazem cirurgias plásticas, são obcecadas com a saúde, não querem envelhecer, consomem produtos contra rugas. O neo-individualismo produz esse investimento no corpo, como antigamente se investia em algum tipo de paraíso. O corpo se transformou numa verdadeira obsessão, junto com a saúde e a beleza. Mas o neo-individualismo é também o culto à autonomia individual. As pessoas não querem mais ser controladas pelas comunidades às quais pertencem nem pela Igreja. Cada um quer construir livremente suas crenças, suas práticas. É o que se vê nos jovens, por exemplo, com o telefone celular. O comportamento dos jovens é muito mais livre. Até bem pouco tempo, era preciso falar ao telefone na frente dos pais, só havia um telefone em casa. Hoje, os jovens são livres para conversar, eles conquistam a autonomia das suas experiências, dos seus modos de vida. O mundo neo-individualista é a redução da dominação das regras comunitárias e da cultura de classe sobre os indivíduos. Mas existem características negativas nesse neo-individualismo? Sim, o mundo neo-individualista é também o da concorrência, da competição que acompanha a globalização, com o culto do dinheiro e do mercado. Tudo isso também faz parte do mundo neo-individualista, no qual cada um se torna responsável pela sua própria vida, e os indivíduos não acreditam mais nas grandes utopias da História, na revolução. Eles não querem mais morrer pela nação ou pela luta de casses. O que conta é viver sua vida, o que traz como conseqüência o fato de que, no mundo neo-individualista, há menos controle coletivo sobre os indivíduos. Um dos problemas é que as pessoas estão solitárias, uma solidão física que se vê nas grandes cidades, como Nova York, Paris e São Paulo. A vida se torna cada vez mais difícil, porque antes havia a religião e a tradição que nos ajudavam a viver. É por isso, por exemplo, que existe cada vez mais depressão, ansiedade. Existem as boas coisas também, por exemplo,

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35 durante muito tempo. os casamentos foram organizados pelos pais, pela família, e hoje em dia ninguém aceita mais isso. É muito positivo poder dispor de sua própria vida. Enquanto a maior parte dos pensadores fala em pós-modernidade, o senhor publicou um livro sobre a hipermodernidade. Por que escolheu esse tempo, por que se diferenciar da pós-modernidade? Porque o conceito de pós-moderno não é correto. Na realidade, as sociedades não estão assistindo ao fim da modernidade. O que há é simplesmente o fim de um certo elemento da modernidade, que desapareceu, que é o fim da revolução, da fé no progresso. Neste aspecto, existe alguma coisa que é um ultrapassamento da modernidade. Mas olhando no conjunto, a modernidade não foi ultrapassada, ela se radicalizou, ela passou a um estado superior de modernização. A idéia da pós-modernidade é falsa porque dá a impressão de que a modernidade morreu. A modernidade não está morta; ao contrário, é cada vez mais potente. É o que se vê com a tecnologia. A clonagem, a manipulação genética, a exploração do espaço, a nanotecnologia, tudo isso é hipermoderno. Megacidades como México ou São Paulo não são pós-modernas, são hipermodernas porque os indivíduos são completamente arrebentados, em todos os sentidos. Na linguagem, nós falamos em hipertexto, hipermídia, hipermercado. Enfim, o essencial é que a modernidade clássica se construiu dentro de uma oposição à modernidade, com a idéia de que a democracia e o mercado desapareceriam pela revolução, pelo marxismo, pela luta de classes, pelo nacionalismo. Mas tudo isso desapareceu e os princípios essenciais da modernidade são o individualismo, o pluralismo democrático, o mercado. Atualmente, não existe um sistema de mudança. O Brasil é um bom exemplo: o País tem um presidente e um partido político que chegaram ao poder. É um partido revolucionário e trotskista, mas, desde que Lula assumiu, ele faz a mesma política com o FMI. Ele compreendeu que não existe alternativa nem ao mercado nem à globalização. Podemos corrigir, retificar, regulamentar, não temos um modelo de substituição. Isso é hipermodernidade porque quer dizer que não existe alternativa à modernidade. O senhor afirma que o século XXI será das mulheres. Por quê? É uma das conseqüências da democracia. Atualmente, graças à democracia, mas também graças à contracepção, o lugar das mulheres mudou de maneira fundamental. Ninguém pode mais aceitar a idéia de que as mulheres devem permanecer dentro de casa, que a missão das mulheres é cuidar dos filhos e agradar ao marido. Atualmente, o ideal de igualdade não pára de progredir. Os pais querem que as filhas estudem para conquistar autonomia, para não viver prisioneiras de seus maridos. A revolução individualista conquistou também as mulheres, que querem gerir suas próprias vidas. O futuro das mulheres é atualmente aberto. Acredito que esta é uma revolução considerável que se operou nos últimos 30 anos. Na realidade, as coisas são um pouco mais complicadas, porque a política, por exemplo, ainda é controlada pelos homens, mas, ao mesmo tempo, as mulheres são mais numerosas nas universidades. Acredito que essa é uma força considerável que, no curso do século XXI, a democracia vai mudar ainda mais por esse movimento de mulheres, que não será mais um movimento feminista no sentido clássico de reivindicações coletivas das mulheres, mas muito mais por esse trabalho de autonomia das mulheres, que atualmente querem dirigir suas próprias vidas. Aos poucos, as mulheres estão entrando em todos os setores da sociedade, o que é muito positivo.

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36 Ao mesmo tempo em que o senhor afirma que vivemos no império do efêmero, o senhor também diz que nunca a sociedade se preocupou tanto com o futuro. Não é uma contradição? Sim, é uma contradição. De um lado, a sociedade da moda, do efêmero, do individualismo privilegia o presente. Queremos viver o agora. Existe uma espécie de egoísmo dos que pensam no presente. Mas não é verdade que vivemos, exclusivamente, centrados no presente. Somos uma sociedade do efêmero, é verdade, mas, ao mesmo tempo, as pessoas estão muito preocupadas com o futuro, com o futuro dos seus filhos, com a idade, a velhice. Os jovens pensam desde já no que vão fazer quando ficarem mais velhos. Existe uma nova forma de encarar o futuro. No livro, trato de um eclipse dessa idéia da vida sem me preocupar com o que vem depois. Acredito num individualismo reflexivo que, no fundo, é uma responsabilização de si. Estamos permanentemente atentos ao que comemos, ao esporte, à saúde. Portanto, não é verdade que vivemos, exclusivamente, o instante, o aqui e agora. (Voltar ao índice)

Análise de Conjuntura PLANALTO SEM PROJETO VENDE A ALMA PELO PODER, DIZ CRISTOVAM Reproduzimos, a seguir, uma entrevista concedida pelo Senador Cristovam Buarque ao jornal Folha de S. Paulo no dia 2/05/2005. Cristovam Buarque é Engenheiro Mecânico, pela Universidade Federal de Pernambuco, e doutor em Economia pela Universidade de Paris, Sorbonne, Cristovam Buarque foi eleito senador da República em outubro de 2002, com 60% dos votos, cerca de 461 mil, o mais votado da história do DF. Entre 1995 e 1998, foi governador do Distrito Federal, onde implantou o Programa Bolsa-Escola. Criou a ONG Missão Criança para promover a idéia da bolsa-escola no Brasil e no exterior. Desde 1979, é professor da Universidade de Brasília, onde foi reitor no período 1985-1989, como primeiro reitor eleito da UnB após o fim da ditadura militar. É autor de 19 livros. Entre eles, citamos: A Desordem do Progresso: o fim da era dos economistas e a construção do futuro. São Paulo: Paz e Terra, 1991; A aventura da universidade. Co-edição Rio de Janeiro: Paz e Terra e São Paulo: Unesp, 1994 (Prêmio Jabuti, 1995); A Revolução nas Prioridades. Da modernidade técnica à modernidade ética. São Paulo: Paz e Terra, 1994. Os tigres assustados - uma viagem pela fronteira dos séculos. Rio de Janeiro: Record, 1999; Admirável mundo atual. São Paulo: Geração Editorial, 2001; e Os Instrangeiros. A aventura da opinião na fronteira dos séculos. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. O senador Cristovam Buarque foi ministro da Educação no atual Governo Federal, no período de 1º de janeiro de 2003 a 27 de janeiro de 2004. O senador concedeu duas entrevistas ao IHU On-Line: uma sobre o papel da Universidade, publicada na edição n.º 90, de 1º de março de 2004 e a outra sobre Leonel Brizola na edição 107º, de 28/06/2004. Para o senador Cristovam Buarque (PT-DF), o PT perdeu sua marca e o governo está vendendo a alma em troca do "poder pelo poder". Sem capacidade de apresentar projetos "aglutinadores", a administração petista preenche o vazio com uma idéia de coordenação política baseada na "compra de voto". Preocupado com o marketing e com a reeleição, o governo é incapaz de pensar no longo prazo. Os sonhos foram abandonados e o descrédito da população em relação à classe política e ao Estado aumenta. Como ocorreu na Argentina e em outros países latino-americanos, também no Brasil pode crescer o sentimento de rejeição expresso pelo slogan "qué se vayan todos!". Ex-governador do Distrito Federal e ex-ministro da

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37 Educação do governo Lula, o senador acredita que a oposição do governo a uma CPI para investigar o escândalo dos Correios contribui ainda mais para erodir sua credibilidade. "Não estamos passando a confiança para o povo de que o nosso governo e os nossos políticos são de fato honestos", diz ele na entrevista que se segue. Folha - Por que o governo tem encontrado tanta dificuldade na coordenação política? Cristovam Buarque - Eu acho que é porque o problema não está na coordenação. Está numa coisa mais profunda, que é a incapacidade do governo de aglutinar. Se você não aglutina, você não coordena, você compra votos. Folha - E por que o governo não consegue aglutinar? Buarque - Por que não definiu objetivos concretos, metas de mudanças do País que permitam trazer pessoas que queiram apoiá-las. Juscelino aglutinou em torno da industrialização, de Brasília, da infra-estrutura. O nosso governo não tem projetos aglutinadores. Folha - Essa falta de projeto não vem desde o início do governo? Buarque - Vem desde o início. Nunca houve projetos claros, a não ser alguns formulados por ministérios. Mas aquele projeto que sai da alma do líder Luiz Inácio Lula da Silva nós não vimos ainda. O governo ficou preocupado apenas com a opinião pública, com o marketing, com o imediato, com o presente. Folha - Ou seja, com a reeleição. Buarque - A reeleição está atrapalhando, como atrapalhou o Fernando Henrique Cardoso. Pensa-se na próxima eleição e não na próxima geração. O Lula disse que não quer vender a alma. Só que tem uma coisa pior do que vender a alma: é vendê-la sem ser em torno de um projeto de nação. Folha - A impressão que se tem, na realidade, é que o grande projeto do governo é ficar no poder. Buarque - Tudo dá essa impressão. Nos textos literários, a alma é vendida em nome de alguma coisa, o problema é que hoje está sendo vendida em nome de nada, só do poder pelo poder. Você não deve vender a alma, mas você pode fazer alianças para retomar radicalmente o crescimento ou para dar um salto na educação, na saúde, na luta contra a pobreza. Como é o Brasil que desejamos no futuro? O que a gente sabe hoje é que o Lula deseja crescimento com estabilidade, que o País seja um grande exportador e que todo mundo coma três vezes ao dia. Mas é pouco. Crescimento econômico apenas, mesmo a taxas elevadas, o que não vai acontecer, não mudará o Brasil. O que vai mudar o Brasil é o uso eficiente e bem direcionado dos recursos. Folha - Hoje, o grande capital político do governo é a capacidade de comunicação do Presidente e alguns resultados na economia. Se vier a reeleição, não há risco de essa paralisia política continuar? Buarque - O segundo mandato tende sempre a ser pior do que o primeiro. Mas poderia mudar se o Presidente fizesse duas coisas: usasse sua capacidade de comunicação e liderança para transformar o País e convidasse a oposição para discutir propostas de Orçamento e de políticas capazes de promover mudanças. Em 2003, quando Lula levou para o Congresso as propostas de reforma Tributária e da Previdência, eu estava junto e disse: Presidente, faltou a terceira

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38 reforma, necessária ética e politicamente, que é a social. Essa reforma não veio. Lula vem usando a liderança dele para vender o projeto de FHC. Folha - Por que o PT não conseguiu nem formular nem implementar as mudanças que prometeu? Buarque - É um problema de mentalidade. Eu não vou dizer de ideologia porque seria um salto de qualidade. O PT é um partido dos trabalhadores do setor moderno. Não é ainda o partido do povo, dos excluídos. É um partido que acredita que o Brasil muda através de mais indústrias, mais exportações, empregos e melhores salários. É um partido que ainda está prisioneiro de reivindicações corporativas. Não é um partido de proposições nacionais. Folha - Mas o PT conseguiu se apresentar nas eleições como portador de um projeto nacional, não? Buarque - Sim, mas era uma soma. Uma soma dos interesses de corporações: o PT aumentaria o salário do funcionário público, criaria dez milhões de empregos, etc. Mas os sonhos de que o partido era portador, embora viáveis, não foram levados a sério. O nosso governo está criando uma dívida muito grande com aqueles que sonhavam, especialmente com os jovens. E hoje virou uma geléia geral. Não há mais diferença entre os partidos. Não há razões específicas para votar no PT. Folha - O PT perdeu a marca? Buarque - Perdemos uma imensa parte da nossa marca, e isso é trágico para o Brasil. Essa crise está fazendo o povo ficar impaciente com todos os políticos. Na Argentina, e agora no Equador e na Bolívia, temos visto o mesmo slogan: "qué se vayan todos!". E isso é perigoso, porque contamina todo o Estado. Folha - O senhor ainda crê numa futura aproximação do PT com o PSDB? Buarque - Eu continuo achando que o PT e o PSDB só não estão juntos porque são liderados a partir de São Paulo e disputam o mesmo espaço eleitoral. Eu digo que essa aliança é necessária para que o Brasil se renove, mas é impossível. Para que fosse viável seria preciso mais estadismo e menos eleitoralismo. Folha - E a política parece estar cada vez mais focada na questão eleitoral, e não em projetos. Buarque - Exatamente. Criamos uma classe política que age não com base nos seus sonhos e propostas, mas com base em pesquisa de opinião pública. Os políticos dão prioridade ao marketing, e não à verdade. Esse é o grande problema. E isso está gerando uma crise de credibilidade séria. Precisamos discutir a taxa de juros, mas precisamos elevar a nossa taxa de credibilidade. E de onde vem o descrédito? No que se refere ao governo, vem do fato de que não estamos nem cumprindo os compromissos de campanha, nem explicando convincentemente por que não os cumprimos. Não estamos fazendo as reformas sociais que o Brasil precisa e não estamos passando a confiança para o povo de que o nosso governo e os nossos políticos são de fato honestos. Eu não estou dizendo que não somos, mas não estamos passando essa imagem. Para mim, o mais grave de não apoiar a CPI do caso dos Correios é isso. Finalmente, o que dá credibilidade ao governo é a economia. Posso não gostar dessa política, mas não vejo outra. Só que ela não é mérito nosso.

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39 Folha - Ou seja, naquilo que seria próprio do PT, o governo fracassa? Buarque - Sim. E o mais grave é que não parece ser uma coisa circunstancial, mas intrínseca à alma do governo. "Com Dirceu, o diálogo iria piorar" Folha - O senhor acredita que trocar Aldo Rebelo por José Dirceu iria mudar alguma coisa? Buarque - Eu acho que se trocar vai ser pior, porque o José Dirceu não tem bom diálogo. Pelo que eu ouço no Senado, de pessoas em posições muito altas, é que essa troca poderia até quebrar o diálogo. Mas o fundamental não é esse ou aquele nome, mas a falta de projeto. A gente veio para dar assistência aos mais pobres, para administrar a economia com eficiência, para fazer uma política externa menos dependente, mas veio também para dobrar uma esquina, acenar noutra direção, construir um ciclo novo na história do Brasil. O Lula tinha que ser o primeiro presidente de um novo ciclo. Tinha que ser, mas não está sendo. Folha - Até que ponto as divergências entre o PT e o governo prejudicam? Buarque - O PT é para ser permanente, o governo é outra coisa. Foi por isso que eu defendi sempre que o PT deve que fazer parte do governo, mas entender que o governo é de coalizão. Mas essa coalizão tem que ter um objetivo. Não é só a coalizão em troca de cargos e de emendas de parlamentares. Quem entrar no governo pelo PTB tem que saber que está entrando para botar as crianças em boas escolas e para melhorar a distribuição da renda. Folha - Mas muitos se queixam de que o governo não sabe se comportar como coalizão. Buarque - Realmente, o que explica certos erros é que a equipe que dirige o governo, incluindo Lula, trata os partidos da base de apoio como o presidente do PT trata as tendências do PT. O grande êxito e o grande mérito de Lula, que foi fazer esse partido crescer durante 20 anos, estiveram ligados ao fato de ele se comportar como o centro de uma esfera. Lula nunca foi um líder de se colocar na frente do PT. Ele ouvia e dizia o que o PT queria ouvir. Mas agora ele é o centro de uma reta que vai da direita à esquerda, o que não é a mesma coisa. Folha - O senhor é a favor da política econômica, mas ao mesmo tempo parece ter consciência de seus limites. Não há nada a mudar? Buarque - Eu defendo a política econômica do governo, mas acho que o PT tem obrigação de começar a pensar alternativas. Folha - O senhor não acha que essa política já se esgotou? Buarque - Ela tende a se esgotar, mas hoje qualquer outra seria arriscada. É preciso, primeiro, construir intelectualmente uma alternativa. E isso não é tarefa do governo. O governo não é lugar de intelectual, é lugar de pessoas pragmáticas. É tarefa do partido. (Voltar ao índice)

Deu nos jornais

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40 Apresentamos abaixo uma síntese da atualização diária do sítio do IHU www.unisinos.br/ihu, veiculadas sob o título Notícias do dia. Ainda a eleição de Bento XVI, segundo vaticanista italiano “Bento XVI prepara-se para receber em audiência o cardeal Carlo Maria Martini. É o primeiro encontro com o seu ‘rival’ nas votações para a sucessão do papa Wojtyla. Mas quem conhece bem a história sabe que o ponto de mutação do último conclave consistiu propriamente no pacto que uniu os dois ‘grandes anciãos’ da Igreja Católica”, escreve Marco Politi no jornal La Repubblica, do dia 24-5-05. Segundo ele, lentamente, os detalhes da eleição papal começam a ficar claros e vai se confirmando que, no dia 18 de abril, após o almoço, na primeira votação da tarde, Martini ultrapassou efetivamente a Ratzinger. Aproximadamente 45 votos foram dados ao ex-arcebispo de Milão e uns 40 ao prefeito da congregação para a Doutrina da fé, enquanto o secretário de Estado Sodano totalizava uns 15 votos. Mas havia algo que não se enquadrava nesta ‘prova de força’. Ao candidato reformista foram dados, paradoxalmente, votos demais. Martini percebeu que estava em curso uma manobra para enfraquecer seja a opção Ratzinger seja a dos “liberais” para assim fazer passar um candidato que agradasse aos expoentes da cúria e ao setor mais conservador do grupo italiano. Foi assim que na manhã do segundo dia, Sodano fez convergir os seus votos no cardeal alemão e Martini pensou bem no sentido de orientar os seus votos a favor de uma solução de alto respiro. Agora os dois, diz-se no palácio apostólico, estão para se encontrar antes que Martini volte para Jerusalém. Martini acaba de sair do hospital Gemelli depois de um check up. Segundo fontes vaticanas, o encontro de Bento XVI e Martini inaugura um processo. Ou seja, Bento XVI seria o primeiro de um grupo de personalidades que ele quer ouvir sobre os grandes problemas do catolicismo. São quatro os temas que estão na agenda de Bento XVI e sobre os quais a contribuição de Martini pode ser importante. Em primeiro lugar o ecumenismo e, particularmente, a reaproximação com o patriarcado de Moscou. O segundo tema é a colegialidade. Bento XVI parece decidido a reformar o Sínodo dos bispos depois da sessão deste ano. Diz-se também que ele pretende revitalizar a conferência episcopal italiana restituindo-lhe o direito de eleger o seu presidente. Um outro tema do dia é a situação do clero. O quarto tema é o lugar dos leigos na condução das comunidades cristãs. Soja transgênica. Modificações no fígado, testículos e pâncreas Depois da publicação da matéria no The Independent sobre o milho transgênico, no dia seguinte, o jornal italiano La Repubblica informou sobre uma pesquisa feita pelas Universidades de Camerino e de Pavia sobre ratos alimentados com soja geneticamente modificada. “Confrontamos dois grupos de ratos”, explica uma das pesquisadoras, Manuela Malatesta. “O primeiro grupo teve uma dieta que compreendia 14% de soja transgênica, o segundo tinha uma alimentação standard. No primeiro grupo encontramos, usando microscópio eletrônico, modificações no fígado, nos testículos e no pâncreas dos ratos. Mudando a alimentação os órgãos voltavam ao normal”. Viva os transgênicos!, segundo o jornal O Globo Para o jornal O Globo, a transgenia na agricultura é irreversível, os agricultores adoram, faz bem para o meio-ambiente e desagrada somente alguns ambientalistas radicais. O jornal e o seu ‘fim da história’ em relação aos transgênicos se encontra no editorial de 23-5-05. Para sustentar a sua tese, o jornal diz que “de 1996 a 2004, a área cultivada em todo o mundo com lavouras transgênicas passou de 1,7 milhão para 81 milhões de hectares, e esse crescimento

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41 acelerado não dá mostras de perder força”. Para O Globo, “no Brasil, a principal lavoura geneticamente modificada, que é a soja, foi adotada de maneira tão entusiástica pelos agricultores que o governo, em face da demora na aprovação de legislação adequada, viu-se obrigado por três anos consecutivos a aprovar o seu plantio por medidas provisórias”. Para o jornal a transgenia é também boa para o meio ambiente e chama de radicais o que se opõe a ela. Segundo o editorial, “por requerer menos uso de agrotóxicos, o cultivo da soja transgênica é mais barato e, portanto mais vantajoso. Naturalmente, é também melhor para o meio ambiente, embora ainda sejam levantadas dúvidas por ambientalistas radicais, que exigem testes e estudos adicionais”. O jornal e o seu ‘fim da história’: “O mesmo realismo que forçou o governo a liberar o plantio obriga a reconhecer que o progresso representado pela transgenia é irreversível”. O Ministério corta apenas os gastos sociais, mas não os juros, constata líder do MST “O Ministério da Fazenda corta apenas os gastos sociais, mas não corta os juros. No mesmo dia do final da marcha, o Banco Central aumentou os juros de 19,5% para 19,75%. Isso vai aumentar os custos do governo ate o final do ano em R$ 900 milhões só em juros. Mas nenhum jornal perguntou se o governo iria enviar medida para suplementação orçamentária para os bancos. Os jornais e seus proprietários sempre são críticos ao governo quando quer fazer gastos sociais, mas ficam calados quando aumentam os gastos com bancos e a transferência de lucros”. A constatação é de João Pedro Stédile em entrevista publicada pelo jornal Correio Braziliense, 22-5-05. América Latina vive "estresse" hídrico, aponta estudo da Cepal A América Latina e o Caribe, região com um dos mais fartos estoques de recursos hídricos do planeta, enfrenta uma situação extremamente paradoxal: sem dinheiro para investir em serviços públicos de saneamento e tratamento de água, uma quantidade crescente de áreas privilegiadas pela existência de rios perenes é afetada por riscos de desabastecimento e seus habitantes mal alcançam o patamar mínimo de consumo sugerido pela Organização das Nações Unidas (ONU). A notícia foi publicada no jornal Valor, 23-5-05. Países como Barbados e Haiti, uma grande parte do Peru e algumas zonas do México e da América Central se encontram em estado de "estresse hídrico", afirma a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) em estudo recém-divulgado. A disponibilidade de água nessas áreas não ultrapassa 1.700 m³ por habitante/ano. Normalmente, essa relação é de 38.200 litros por ano na América Latina - seis vezes mais que a média mundial. A ONU recomenda um mínimo de mil m³ por habitante/ano. 92% das matas originais na bacia do Rio Uruguai desapareceram, segundo a Cepal O Brasil não é citado diretamente como tendo áreas em situação de estresse hídrico, mas o estudo faz referência à eliminação de "bosques naturais" em importantes bacias hidrográficas, facilitando o assoreamento dos rios e abrindo espaço para o aumento dos níveis de poluição. No fim dos anos 90, haviam desaparecido 71% das matas originais na bacia do rio Paraná, 66% do rio São Francisco e 50% do rio Tocantins. Na bacia do rio Madalena (Colômbia), esse índice chega a 90%. No rio Uruguai, alcança 92%. Além do desmatamento, três fatores exercem pressão sobre a qualidade da água: a crescente urbanização, a expansão da indústria e a mecanização da agricultura. De acordo com o estudo de Fernando Sánchez Albavera, diretor da divisão de recursos naturais e infra-estrutura da Cepal, a confluência desses fatores leva à exigência de maior cobertura dos serviços públicos de saneamento e aumenta a

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42 necessidade de substâncias químicas para tratamento da água. A baixa capacidade de investimento dos governos da região, no entanto, compromete ações voltadas para melhorar a qualidade da água. A blogsfera contra a mídia “Os blogs se multiplicam numa velocidade vertiginosa. Há dois anos havia 100 mil. Hoje se contabilizam dez milhões, segundo o sítio americano Technocrati, que é uma autoridade na blogsfera. Alguns têm pretensões hegemônicas. Para eles, o jornalismo tradicional está ultrapassado. Outros se vêem como aguilhões ou mesmo um contrapoder ao quarto poder”, escreve Bertrand Le Gendre, num artigo publicado no jornal Le Monde do dia 25-5-05. Le Gendre pergunta: “Imprensa alternativa? Altenativa à imprensa? Por seu tom e o seu conteúdo, os blogs de informação reivindicam um estatuto de “altermídia”, como se fala de uma altermundialização. Eles se querem outra coisa. Diferentes mas preocupados, à sua maneira, em informar”. Apesar de enfrentar os mesmos desafios da imprensa que é recuperação, a mercantilização e a banalização, para o articulista, isso não impede “que uma nova forma de jornalismo se afirma, horizontal e não mais vertical. A informação, até agora, fazia o caminho da mídia instalada para o leitor-ouvinte-teleespectador. Hoje, ela circula diretamente de um ponto a outro sem intermediário o que é uma revolução em si. Um ecosistema inédito está se constituindo onde cada um busca o seu lugar pois ninguém mais está seguro”. Aposentados sustentam economia de 60% das cidades brasileiras Seis em cada dez cidades brasileiras dependem das aposentadorias para sustentar suas economias, revela pesquisa sobre o impacto dos benefícios nos municípios. São pequenos municípios onde a aposentadoria rural vale ouro. No entanto, é um benefício para o qual não houve contribuição anterior dos beneficiários, o que provoca um déficit crescente nas contas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Mais de 7 milhões de brasileiros dependem da aposentadoria rural. A cada ano, quase 1 milhão de novas aposentadorias do campo são pagas. A notícia foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 22-5-05. Embora tenha um peso elevado no déficit previdenciário, a aposentadoria rural é, ao mesmo tempo, um importante programa de redução da pobreza. Esse é um dos dilemas que precisam ser resolvidos no sistema de aposentadorias do País. No início do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o Congresso aprovou mudanças nas regras da aposentadoria dos servidores que devem aliviar, pelo menos em parte, o rombo previdenciário do setor público. Falta, porém, equacionar o problema da previdência privada, retratado no déficit do INSS, que chegou a R$ 33,5 bilhões no ano passado. Marxismo e psicanálise entraram em eclipse? A opinião de Sérgio Paulo Rouanet O marxismo e a psicanálise, dois pilares do pensamento moderno, são ainda válidos, hoje?, pergunta a revista gaúcha Aplauso, no. 67, que está nas bancas, ao filósofo brasileiro Sérgio Paulo Rouanet. “Muita gente acha que esses dois pensamentos teriam entrado em eclipse. É possível que isso esteja acontecendo, mas a minha impressão é de que se pode fazer uma leitura diferente”, responde Sérgio Paulo Rouanet. Segundo ele, “Walter Benjamin criou um conceito chamado índice de legibilidade, segundo o qual certos fenômenos históricos só se tornam realmente legíveis depois de passado seu auge. É como se cada fato histórico só se tornasse compreensível no futuro. O marxismo foi criticado em grande parte porque suas profecias não teriam se cumprido. Por exemplo, a profecia de que haveria uma pauperização crescente da classe operária ou a de que o sistema capitalista teria os germes de sua própria

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43 destruição. Mas essas profecias não deram certo no século 20 porque houve contratendências que impediram sua concretização. Hoje, a globalização removeu grande parte dessas contratendências. A mesma coisa acontece com relação a Freud. A globalização mostra que o campo de atuação da psicanálise não se esgota mais no consultório, mas nos megaproblemas que afligem a humanidade. É a cultura, a sociedade que estão deitadas no divã, e não mais personalidades individuais. Quem sabe se neste momento o marxismo e a psicanálise não teriam condições de finalmente passar a ter validade?” O papel da religião na sociedade contemporânea, segundo Rouanet O papel da religião não se esgotou, segundo Sérgio Paulo Rouanet. A opinião está expressa na entrevista publicada pela revista Aplauso acima citada. Para ele,”a separação entre Igreja e Estado tem de continuar havendo. Mas, como escreveu Habermas recentemente, talvez seja momento de rever certos conceitos da religião que ainda possam desempenhar algum papel em nossos dias. Quando o presidente dos Estados Unidos pede desculpas pela escravidão, será que é a mesma coisa que pedir perdão? Na medida em que certos conceitos da tradição religiosa foram recodificados na linguagem secular, será que alguma coisa não se perdeu nesse processo? Enquanto utopia, maneira de pensar uma transcendência com relação a um estado de coisas existentes ou de retificar os erros do passado, aí talvez haja lugar para a religião”. (Voltar ao índice)

Frases da semana Apresentamos abaixo algumas das frases publicadas na atualização diária do sítio do IHU www.unisinos.br/ihu veiculadas sob o título Frases do dia. O fantasma de 1954 e 1964 "Quando a direita tenta desestabilizar governos democraticamente eleitos, setores da esquerda funcionam como linha auxiliar. Estou alertando esses setores para que não caiam nessa armadilha e se lembrem do papel que tiveram, por exemplo, em 54 e em 64" – Aldo Rebelo, ministro da Articulação Política - Folha de S. Paulo, 24-5-05.

"São as mesmas forças que tentaram derrubar os presidentes Floriano Peixoto [1891-94], Getúlio Vargas, Juscelino [Kubitschek, 1956-60], Jânio Quadros [1961], João Goulart [1964]. Não vamos aceitar esse tipo de coisa” – Aldo Rebelo, ministro da Articulação Política ao comparar a atitude da oposição à das forças políticas que, no passado, promoveram golpes ou tentativas de golpe Folha de S. Paulo, 24-5-05.

Pragmatismo sim, mas não tanto... “Entendo que o exercício do poder pede mais pragmatismo, mas não pode significar esquecer o programa. Pede flexibilidade, mas isso não pode significar transigência ética. Está na hora de darmos um choque ético” – Chico Alencar, deputado federal - (PT-RJ) - Jornal do Brasil, 23-5-05. “O PT tornou-se uma espécie de PMDB dos anos 2000. Partido que se alia a qualquer bloco ou setor que possa trazer benefício. Acabou num processo de fagocitose: foi engolfado pelos aliados” – Ricardo Antunes, sociólogo, professor na Unicamp - Jornal do Brasil, 23-5-05.

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44 O pão-de-ló e o cafuné acabaram? "O alvo da oposição com essa CPI não sou eu nem o PTB. O PTB é escada; o objetivo é o presidente Lula e o PT. Por que vou empurrar o governo nessa crise?" – Roberto Jefferson, deputado federal e presidente do PTB - O Estado de S. Paulo, 25-5-05.

"Vai acabar o pão-de-ló e o cafuné para quem quiser jogar contra o governo" – Beto Albuquerque, deputado federal – PSB/RS -, vice-líder do governo na Câmara - Folha de S. Paulo, 25-5-05. "Vamos fazer um protesto formal dirigido ao líder do governo e pedir que ele o encaminhe ao presidente Lula. É inadmissível esse tipo de operação no governo" – Chico Alencar, deputado federal – PT/RJ – reagindo à declaração de Beto Albuquerque considerando-a ‘ofensiva’ e ‘desrespeitosa’ - Folha de S. Paulo, 25-5-05.

O conselho de Itamar: Lula, tire o Jucá e o Meirelles "Eu acho um erro fatal do presidente Lula ele não tirar (Jucá e Meirelles do governo). Tire. Não deu nada, volte, mas deixe ser apurado primeiro. Não estou dizendo que eles são culpados. Estou analisando o mérito." Itamar Franco, embaixador do Brasil na Itália - O Estado de S. Paulo, 26-5-05.

O PT vítima dos seus equívocos “O PT continuará a ser vítima de seus equívocos enquanto não se adequar, no poder, ao discurso que fazia na oposição. Contar entre seus coligados com o PP e o PTB é favorecer o pragmatismo em detrimento dos princípios. Isso tem preço. O lastimável é que o ônus não se restringe à esfera do poder. Recai pesadamente sobre a nação - em especial, sobre os mais pobres. Esses conhecem, na pele e no espírito, o que significa, de fato, a morte e vida severina” – Frei Betto, que já foi assessor especial do presidente da República e seu ardoroso defensor - Folha de S. Paulo, 30-5-05.

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EVENTOS IHU III Ciclo de Estudos sobre o Brasil Na quinta-feira desta semana, dia 2 de junho, será realizado mais um encontro do III Ciclo de Estudos sobre o Brasil. Na ocasião, o Prof. Dr. Luiz Mott, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), apresentará o livro de sua autoria Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993). O evento acontecerá das 14h às 17h, na sala 1G119, junto ao IHU. Luiz Mott é bacharel e licenciado em Ciências Sociais, pela USP, mestre em Etnologia, pela Sorbonne, doutor em Antropologia, pela Unicamp, professor titular de Antropologia na Universidade Federal da Bahia, pesquisador da categoria mais elevada do CNPq. Ele recebeu o Prêmio de Direitos Humanos da Comissão Internacional de Gays e Lésbicas de São Francisco; Prêmio Pesquisador do Ano em Ciências Humanas, pela Fundação

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45 de Amparo à Pesquisa e Extensão da UFBa; 1º Prêmio Incentivo Governador do Estado de São Paulo, área de Ciências Humanas. É autor de mais de 15 livros e 200 artigos em revistas científicas nacionais e internacionais sobre Direitos Humanos, Aids, Inquisição, Escravidão, Sexualidade; além de fundador do Grupo Gay da Bahia e Decano do Movimento Homossexual Brasileiro. Entre seus diversos livros, destacamos O sexo proibido: virgens, gays e escravos nas garras da inquisição. Campinas: Pairus, 1989; A cena gay em Salvador em tempos de Aids. Salvador: Editora Grupo Gay da Bahia/Ministério da Saúde, 2000; Crônicas de um gay assumido. Rio de Janeiro: Record, 2003; e Matei porque odeio gay. Salvador: Editora Grupo Gay da Bahia, 2003. O professor concedeu uma entrevista ao IHU On-Line, por e-mail, comentando aspectos da sua obra, que será apresentada, e sobre o tema que conduzirá no evento IHU Idéias, que ocorrerá também na quinta-feira próxima. Sobre esse evento, confira a nota a seguir.

IHU Idéias O professor Dr. Luiz Mott, da UFBA, após apresentar seu livro no III Ciclo de Estudos sobre o Brasil (ver nota anterior), conduzirá o tema Sexualidade, Raça e Direitos Humanos no evento IHU Idéias, do próximo dia 2 de junho, das 17h30min às 19h, na sala 1G119, junto ao IHU. O evento é gratuito e aberto à comunidade acadêmica e em geral. Confira, a seguir, a entrevista concedida pelo professor Luiz Mott, comentando as palestras que ministrará nos dois eventos promovidos pelo IHU na próxima quinta-feira:

O BRASIL É O CAMPEÃO MUNDIAL DE CRIMES HOMOFÓBICOS Entrevista com Luiz Mott IHU On-Line - Qual é a importância da obra Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil? Como essa obra ajuda a conhecer o Brasil? Luiz Mott – Passei, aproximadamente, dois anos de minha vida dentro dos principais arquivos do Brasil e Portugal. Copiei e resumi milhares e milhares de documentos sobre escravidão, sexualidade, inquisição, feitiçaria, etc. Sempre busquei revelar o cotidiano e as biografias de personagens esquecidos pela historiografia oficial: negros, mulheres, índios, homossexuais, excluídos em geral. De toda esta garimpagem, nunca encontrei uma história tão fantástica e impressionante como a da negra africana Rosa Egipcíaca, cuja biografia divulguei num livro de 750 páginas (Editora Bertrand, 1993). Desembarcada menininha como escrava, no Rio de Janeiro, nos inícios do Século XVIII, de prostituta em Minas Gerais, se transforma na maior santa do Brasil Colonial, adorada de joelhos por padres e senhores, fundadora de um recolhimento onde metade das religiosas eram “madalenas arrependidas”. Rosa Egipcíaca é a biografia mais completa de que se tem notícia no mundo sobre uma africana escrava, pois, além de suas confissões perante a Inquisição, ela própria escreveu uma dezena de cartas em que reconstrói suas visões e seu imaginário. A importância desta obra é revelar a grande plasticidade da sociedade escravista luso-brasileira, onde uma escrava africana pode chegar à glória de ser chamada por um membro do alto clero como “a flor do Rio de Janeiro”. IHU On-Line - Que aspectos cruciais da sociedade colonial brasileira, que podem interpelar a sociedade atual, a vida dessa ex-escrava africana revela? Luiz Mott - Rosa Egipcíaca é uma figura paradigmática, pois revela como uma pessoa da mais baixa condição social – mulher, negra, escrava e prostituta - porém dotada de inteligência

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46 superior e determinação férrea em atingir o sucesso e a felicidade, pode realizar, com sucesso, seu projeto individual, malgrado toda a discriminação e repressão exercidas pelos donos do poder. Mediante alianças estratégicas, tendo a argúcia de apropriar-se de elementos, símbolos e estratagemas de empoderamento, Rosa é um exemplo maravilhoso de uma self-madewoman, que chega ao máximo do prestígio e reconhecimento social. Infelizmente, exagerou na sua megalomania mística, tornando-se perigosa heresiarca: ao se proclamar esposa da Santíssima Trindade e futura mãe de um novo Cristo, ameaçou acintosamente a hegemonia da Igreja Católica, caindo nas garras da Santa Inquisição. IHU On-Line - Como estão intimamente relacionados, no dia-a-dia da sociedade brasileira, "sexualidade, raça e direitos humanos", tema que o senhor abordará no evento IHU Idéias? Luiz Mott - Minhas pesquisas como antropólogo e etnoistoriador, sobretudo examinando milhares de processos das vítimas do Santo Ofício, mostram, claramente, o quão importante e interpenetrado era o binômio raça e sexualidade na gênese do Brasil. Partindo da evidência etnológica que a sexualidade humana é uma construção cultural e dialética, observamos que, no Brasil Colonial, conviveram, promiscuamente, centenas de culturas sexuais que, apesar da dominância formal e legal da moral sexual imposta pelo cristianismo, os próprios colonizadores eram os primeiros a questionar e descumprir o Catecismo Romano. Isso sem falar nos “costumes imorais diabólicos dos pagãos”, praticados por centenas de etnias ameríndias e africanas, portadoras de culturas e práticas sexuais diversas e exóticas, muitas delas radicalmente contrárias ao heterossexualismo, pureza e monogamia impostas a fogo e ferro pelas justiças do Rei e da Igreja. A relação sempre tensa e repressiva entre raça e sexualidade somente nas últimas décadas tornou-se objeto dos direitos humanos, na medida em que se descriminalizou o adultério, o divórcio e a homossexualidade, muito embora ainda não seja consenso, mesmo entre nossos humanistas, sobretudo quando religiosos fundamentalist as, que direitos sexuais também são direitos humanos. IHU On-Line - Quais são os sinais de superação da homofobia no Brasil? Quais são ainda os principais desafios nesse sentido? Luiz Mott - A maioria dos brasileiros, inclusive de nível universitário, não sabe o que é homofobia, este medo e ódio irracional contra a homossexualidade. Embora exista cada vez mais uma sensibilização nacional, inclusive legal, na condenação do racismo, elevado à categoria de crime inafiançável, o mesmo não ocorre em relação aos crimes contra homossexuais. O Brasil é o campeão mundial de crimes homofóbicos: a cada dois dias, um gay, uma lésbica, um transgênero (travesti e transexual) ou bissexual (GLTB) é barbaramente assassinado, vítima do machismo e da intolerância anti-homossexual. Mais de cem assassinatos por ano, dos quais menos de 10% são esclarecidos e os autores condenados à prisão. Não há como não reconhecer que a homofobia é muito mais violenta e cruel que o racismo, o machismo e o anti-semitismo, posto que crianças e jovens homossexuais sofrem discriminação e até violência física no próprio lar e na família, não contando com o apoio de nenhuma igreja ou fundação governamental que defenda os homossexuais. Contudo, felizmente o Movimento Homossexual Brasileiro, mediante mais de 150 grupos GLTB espalhados por todo o País, tem conseguido vitórias cruciais para o reconhecimento da cidadania de mais de 17 milhões de brasileiros homossexuais: em maio de 2004, foi lançado oficialmente o Programa Brasil Sem Homofobia, envolvendo doze ministérios e uma centena de ações afirmativas, visando à cidadania homossexual. Educação sexual obrigatória em todos

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47 os níveis, legislação que puna a homofobia como o crime racial, e maior conscientização e mobilização reivindicativa dos próprios homossexuais são três medidas emergenciais para a superação da homofobia em nosso país. IHU On-Line - De que forma a justiça brasileira protege ou desprotege os direitos dos homossexuais? O que deveria mudar para garantir esses direitos? Luiz Mott - A justiça brasileira, sobretudo no Rio Grande do Sul, verdade seja dita, tem sido mais humanista e atualizada do que o Legislativo e o Executivo, já que em diferentes instâncias tem reconhecido de fato a legitimidade das uniões homossexuais, o direito à herança, á partilha de bens, o registro em cartório da união estável entre casais do mesmo sexo e, sobretudo, o status de família às uniões entre pessoas do mesmo sexo. Para que a justiça brasileira seja menos machista e homofóbica é fundamental que, nos cursos de formação de advogados, se discuta o direito alternativo e as modernas legislações e julgados dos países mais civilizados, como Holanda, Bélgica, Escandinávia e Espanha, nações que dispõem de legislação que protege as minorias sexuais, inclusive reconhecendo a união homoafetiva. E que da boa teoria, se passe à prática justa, reconhecendo o direito inalienável da igualdade de cidadania aos homossexuais. IHU On-Line - O senhor tem feito relações entre homossexualidade e cristianismo e homossexualidade e candomblé. Como é feita uma releitura das correntes religiosas a partir da cultura gay? Luiz Mott – Infelizmente, somos herdeiros de uma tradição religiosa extremamente homofóbica, que, baseando-se em interpretações equivocadas do Antigo e Novo Testamento, justificou, durante séculos, a perseguição homossexual como se fosse determinação divina. É a mesma visão fundamentalista da Bíblia que condena o divórcio, o sacerdócio feminino, o uso do preservativo e dos anticoncepcionais. As religiões de tradição abraâmica (judaísmo, cristianismo e islamismo) têm as mãos sujas de sangue de cada homossexual assassinado, já que os papas, bispos, pastores, aiatolás e rabinos, com sua condenação moral à livre orientação sexual, fornecem munição teológica para os homófobos de plantão. Alguns poucos cristãos, inclusive gaúchos, ousam questionar a homofobia dogmática da hierarquia religiosa, como o importante livro Uma brecha no armário: propostas para uma teologia gay, de André Sidnei Musskopf42, publicado em 2002 pela Escola Superior de Teologia de São Leopoldo. Quanto ao candomblé e demais religiões de matriz africana, apesar de a mitologia dos orixás associar diversos deuses e deusas ao homoerotismo, travestismo e transexualidade, infelizmente não há um discurso aberto e franco dos pais e mães-de-santo em defesa da livre

42 André Sidnei Musskopf é coordenador do Centro de Estudos Bíblicos (CEB/RS) e do Grupo de Celebração Ecumênica

Inclusiva. É bacharel em Teologia, pela Escola Superior de Teologia (EST), mestre em Teologia, pelo Instituto Ecumênico de Pós-Graduação (IEPG-EST) e doutorando em Teologia no mesmo Instituto. Atua como membro de várias organizações. Além do livro citado, publicou também: À flor da pele: Ensaios sobre gênero e corporeidade (org.). São Leopoldo: Sinodal/CEB/EST, 2004; A teologia que sai do armário: Um depoimento teológico. In: AULLOA (ed.). Teologias de Abya-Yala y formación teológica: Interaciones y desafios. Bogotá: CETELA: Editorial Kimpres, 2004; Queer: Teoria, Hermenêutica e Corporeidade. In: TRASFERETTI, J. (org). Teologia e Sexualidade. Campinas: Átomo, 2004. André Musskopf apresentou o tema À meia luz: a emergência de uma teologia gay: Seus dilemas e possibilidades no evento IHU Idéias, em 4 de novembro de 2004 e publicou um artigo com o mesmo título no Cadernos IHU Idéias, n. 32, de 2005. (Nota do IHU On-Line).

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48 orientação sexual, não obstante a presença marcante e não discriminatória aos gays e lésbicas dentro das casas de culto afro-brasileiro. IHU On-Line - Como descreveria o imaginário de sociedade: político, religioso, ético, que há por trás de suas lutas no movimento gay? Luiz Mott - O movimento homossexual tem o arco-íris como símbolo mundial. Não queremos um mundo limitado ao preto e branco. Queremos que todas as cores sejam respeitadas. Acreditamos e lutamos pela utopia de um mundo onde a diferença não implique desigualdade e dominação, onde haja respeito à livre orientação sexual, à diversidade e à liberdade de gênero. Mundo em que se respeite a intersexualidade, a bissexualidade, a ambigüidade sexual, o unissex, a pansexualidade, a homossexualidade, onde o heterossexismo se torne peça do museu dos horrores, ao lado do cinto de castidade, da prostituição como sinônimo de exploração sexual, da pedofilia como abuso sexual, da castração do direito à livre orientação sexual dos jovens e adultos. Que se torne realidade o vaticínio do príncipe dos poetas da língua portuguesa, Fernando Pessoa, ele próprio bissexual: “O amor é essencial, o sexo, um acidente: pode ser igual, pode ser diferente”.

Encontros de Ética HIV/AIDS: FRAGMENTOS DE SUA FACE OCULTA O evento Encontros de ética, em sua última edição, realizada dia 23 de maio, teve como tema HIV/AIDS: fragmentos de sua face oculta. As responsáveis pela abordagem do assunto com o público foram as professoras Dr.ª Petronila Libana Cechim e Dr.ª Lucilda Selli, da Unisinos. Confira a opinião de quem esteve lá e prestigiou: Ecos do evento É sempre bom pararmos um pouco a nossa correria acadêmica e participar de um encontro, com grandes professores e temas fundamentais. A ética faz parte do nosso cotidiano, mas, poucas vezes, paramos para refletir o que, na verdade, ela nos diz nas diversas áreas do conhecimento. Pude participar do encontro com as professoras e enfermeiras Petronila Libana e Lucilda Selli que ocorreu no dia 23 de maio de 2005, às 18 horas no IHU e trouxe discussões importantes sobre HIV/AIDS. Aproveito a oportunidade para parabenizar as palestrantes e lamentar o diminuído número de participantes, mas quem esteve lá, pôde apreciar as explanações e discutir o tema. Reforço o convite para os demais encontros que ocorrerão. Deise Karine Muller, Mestranda em Saúde Coletiva. Mesmo trabalhando com o mesmo tema, o evento foi enriquecedor para mim. Ambas as palestrantes estão de parabéns pela clareza e caráter humano ao abordar o tema. Debates como estes são um exercício de cidadania, no sentido de ajudar a sociedade a diminuir o preconceito em relação a HIV /AIDS. Sarita Gisele Rodrigues Brito, Estudante de Psicologia da Unisinos.

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49 DIALOGO E INTOLERANCIA: LIDANDO COM AS DIFERENÇAS A próxima edição do evento Encontros de Ética já tem data marcada. Será na segunda-feira, dia 6 de junho, das 17h30min às 19h, na sala 1G119, junto ao IHU. O tema Diálogo e intolerância: lidando com as diferenças, será conduzido pela Prof.ª Dr.ª Cleusa Maria Andreatta, da Unisinos. O evento é gratuito e aberto à comunidade acadêmica e em geral.

Quarta com Cultura Unisinos CICLO DE ESTUDOS SOBRE O BRASIL Está programada mais uma atividade do Programa Quarta com Cultura Unisinos, uma parceria entre o IHU e a Livraria Cultura, de Porto Alegre. No próximo dia 2 de junho, será realizada uma nova sessão do Ciclo de Estudos sobre o Brasil, com a apresentação e estudo do livro Rebeliões da senzala, de Clóvis Moura. O debate estará sob a responsabilidade do Prof. Dr. Diorge Konrad, do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O evento começa às 19h30min e vai até as 21h30min, na Livraria Cultura, localizada no Bourbon Shopping Country, em Porto Alegre. Graduado em História pela UFSM, Diorge Konrad é mestre em História do Brasil pela PUCRS, com dissertação intitulada 1935: A Aliança Nacional Libertadora no Rio Grande do Sul. O professor é também doutor em História Social do Trabalho, pela Unicamp, e sua tese leva o título O Fantasma do Medo: O Rio Grande do Sul, a Repressão Policial e os Movimentos Sociopolíticos (1930-1937). É a segunda vez que o professor apresenta essa obra no evento. A primeira vez foi no último dia 12 de maio, na Unisinos. Sobre o livro em questão, o professor Diorge Konrad concedeu uma entrevista ao IHU On-Line, intitulada O escravo não foi vítima passiva do seu destino, na 140ª edição, de 9 de maio de 2005.

Estudando as Religiões X A décima edição do evento Estudando as Religiões, promovido pelo Programa Gestando o Diálogo Inter-Religioso e o Ecumenismo (GDirec), acontecerá no próximo dia 1º de junho, das 19h às 20h30min, na sala 1G119, junto ao IHU. O tema a ser discutido é “Aspectos das Teologias Cristãs”. Todos são bem-vindos, pois o evento é aberto e gratuito.

Cadernos IHU ADAM SMITH: FILOSOFO E ECONOMISTA “Em Adam Smith e nos filósofos éticos do século XVIII em geral, estabeleceu-se a até então inconcebível possibilidade de conjunção entre interesses privados e interesse público, entre a busca do interesse próprio do indivíduo e o bem-estar social, entre o bem-estar de cada um e o bem comum a todos. A metáfora da mão invisível bem exprime essa conjunção. Algumas décadas antes, o filósofo holandês Bernard de Mandeville já havia sustentado, contra todas as aparências e desencadeando reações as mais indignadas, que vícios privados podem gerar benefícios públicos. Em sua alegoria, abelhas que cultivavam abertamente vícios, como a

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50 fraude, a luxúria e o orgulho, contribuíam, sem querer e sem nem mesmo imaginar que isso fosse possível, para a prosperidade da colméia em que habitavam”, escreve Ana Maria Bianchi no texto Adam Smith: filósofo e economista que acaba de ser publicado pelos Cadernos IHU Idéias, no. 35. Ana Maria Bianchi, professora na Universidade de São Paulo – USP – é autora do importante livro A pré-história da Economia – de Maquiavel a Adam Smith. São Paulo: Hucitec. 1988. Segundo Ana Maria Bianchi, “a ética da fábula de Mandeville é uma ética de resultados, de natureza teleológica, preocupada menos com o caráter da conduta do que com suas conseqüências. Adam Smith acusa Mandeville de “amoral”, mas à sua própria moda recria seu paradoxo: o que traz nosso jantar à mesa é o interesse de nossos fornecedores, não sua boa vontade; esse interesse com o qual nascem e que carregam até o túmulo. Apesar disso, o regime de livre mercado é capaz de conduzir ao bem-estar social, harmonizando os interesses individuais no interesse geral”. Para a professora, “o ponto mais importante de toda a discussão aqui promovida é a necessidade de entender aquilo que alguns consideram uma falácia de composição, ou seja, como a soma de interesses individuais pode ter como resultado o interesse geral. Este é o verdadeiro “nó da questão”, que continua a causar perplexidade entre os descendentes de Adam Smith e em seus leitores, ponto que nem sempre mereceu uma análise cuidadosa. Antes de chegar a ele, porém, vale a pena focalizar a questão do comportamento individual, tema ao qual nos voltaremos agora, em uma breve análise da primeira grande obra de Adam Smith, a Teoria dos Sentimentos Morais”. É co-autor do texto Adriano Tiago Loureiro Araújo dos Santos, mestrando em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Pesquisas Econômicas/IPE – USP. Os Cadernos IHU Idéias podem ser adquiridos na Livraria Cultural ou no endereço humanitas@unisinos.br

Cadernos IHU em Formação EMMANUEL KANT. RAZÃO, LIBERDADE, LOGICA E ÉTICA “Em 2004, o mundo acadêmico comemorou o bicentenário da morte de Emmanuel Kant. A força do pensamento kantiano, atestada por sua duradoura e vasta influência em diversas áreas das ciências humanas, teria sido justificativa suficiente para se ter adornado a data com honrarias e celebrações. As cerimônias que a data ensejou foram muitas, em diversos países e de modo algum circunscritas ao ano que passou. Seguimos, na filosofia, sob a égide das homenagens a Kant”, escreve o Prof. Dr. Adriano Naves de Brito, professor do PPG em Filosofia da Unisinos na introdução do segundo número dos Cadernos IHU em Formação que acaba se ser publicado com o título Emmanuel Kant. Razão, Liberdade, Lógica e Ética. “Pode Kant, filósofo cuja produção data do século XVIII, falar com pertinência aos homens do século XXI?”, pergunta o professor Adriano Naves de Brito. “Há algo de tão contemporâneo em Kant que possa vivificar o seu pensamento para o homem letrado deste século e não apenas para os acadêmicos de nosso tempo?” Segundo ele, “creio que a tônica deste número dos Cadernos IHU em Formação dedicado a Emmanuel Kant, está dada por estas perguntas”. No número 2 dos Cadernos IHU em Formação, são entrevistados o Prof. Dr. Manfredo Araújo de Oliveira – UFCE, Prof. Dr. Guido Antônio de Almeida – UFRJ, Prof. Dr. Ricardo Terra – USP, Prof. Dr. Valério Rohden – Ulbra e o Prof. MS Rogério Vaz Trapp. Os Cadernos IHU em Formação podem ser adquiridos na Livraria Cultural ou pelo e-mail humanitas@unisinos.br

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IHU REPÓRTER Márcia Junges A história de vida que contamos na edição desta semana é da jornalista Márcia Junges, responsável pelo sítio do Instituto Humanitas Unisinos. Márcia se define como uma pessoa muito sentimental e engraçada. “Quando eu vejo, já fiz uma palhaçada. Sou bem brincalhona”. A mestranda em Filosofia na Unisinos, que sonha um dia em ser professora na Universidade, revela que tem uma grande paixão pelos animais. “Quando encontro um bicho paro tudo e vou ao encontro dele”. Para Márcia, os animais são um exemplo, porque não pedem nada em troca do amor que oferecem.

Márcia e seu marido, Carlos Alberto Origens – Nasci em Santa Cruz do Sul, mas fiquei lá só até os 6 meses de idade. Depois, nossa família foi para Venâncio Aires, onde moramos até eu completar dois anos. Foi então que nos mudamos para Taquari, onde eu morei até o mês passado. Meu pai, o Roque, sempre foi torneiro mecânico, e minha mãe, Marie, dona-de-casa. Hoje ela tem uma loja de roupas. Tenho uma irmã cinco anos mais nova. A Marilene, ou Piba, como todo mundo a conhece, tem 23 anos e estuda Jornalismo aqui na Unisinos. Minha família é o esteio da minha vida. Dela trago o exemplo da honestidade, o incentivo para estudar e respeitar as pessoas pelo que elas são, e não pelo que elas têm. Lembranças da infância e valores - Minha infância foi muito bonita. Adoro me lembrar de coisas ótimas que aconteceram, a maioria, engraçadas. Eu era uma criança muito arteira, uma “pestinha”, que incomodava muito a mãe. De vez em quando, fugia de casa e, às vezes, levava minha irmã junto. Aconteceu um episódio em que eu e a Piba cortamos o cabelo uma da outra, e nos escondemos debaixo da cama, para a mãe não ver. Aprendi, desde cedo, a dar valor para as coisas. Tudo o que eu ganhava eu gostava, achava bonito. Eu não exigia dos meus pais o que eu sabia que eles não podiam me dar. Até hoje sou assim, tudo o que eu conquisto eu preservo. A amizade e as relações humanas também são coisas que eu gosto muito de conservar. Despertar para o Jornalismo – Quando eu era pequena, eu vivia dizendo que queria ter, um dia, uma máquina de escrever. O pai não tinha dinheiro para comprar, mas não esquecia que eu dizia que achava legal a tal máquina de escrever. Um dia ele apareceu com uma máquina em casa. Comprou uma usada, arrumou e me deu. Eu passava as madrugadas escrevendo com a máquina. Até inventei um jornal, que teve várias edições. Chamava-se A Patada, pela

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52 influência que eu tinha dos gibis do Tio Patinhas. Está tudo guardado até hoje, inclusive a máquina, que virou uma relíquia. Formação – Entrei direto na 1ª série do Ensino Fundamental, com seis anos, na Escola Estadual Antônio Leite Costa, na zona rural de Taquari, onde estudei até a 5ª série. Da 6ª até a 8ª série estudei em um colégio particular, de irmãs, chamado Nossa Senhora da Conceição. Fiz o primeiro ano do segundo grau em uma instituição que trouxe um curso novo, na área de informática a Taquari. A instituição era ITEC e o curso funcionava no prédio do Seminário Seráfico, dos franciscanos. Como comecei a trabalhar com 15 anos, troquei de escola e cursei o segundo, terceiro e quarto anos, no turno da noite, na Escola Estadual Pereira Coruja, me formando como técnica em química. Terminado o segundo grau, decidi fazer vestibular para Jornalismo, na Unisinos, e em Direito, na UNISC. Passei nos dois e optei pelo Jornalismo. Lembro-me do meu primeiro dia de aula aqui, achei o máximo aquele “mar de gente” invadindo a Universidade. Comecei o curso em 1995 e me formei em 2000. No ano seguinte, comecei a fazer um curso de especialização em Ciência Política, na Ulbra. Mas eu queria muito estudar Filosofia, área pela qual me interessei na época da graduação, nas leituras recomendadas pela professora Marta Cioccari. Terminei a especialização na metade de 2002 e comecei a estudar para ingressar no mestrado em Filosofia. Tentei na UFRGS, mas não deu certo, porque as linhas de pesquisa são diferentes do que eu queria. Então procurei a Unisinos e ingressei no mestrado em 2004. Atualmente, estou na reta final, escrevendo a dissertação. Se tudo der certo, termino até o final do ano. Estou bem animada, vendo que meu sonho pode se tornar realidade. Profissão – Quando eu tinha 15 anos, comecei a trabalhar como estagiária na Caixa Federal de Taquari. Fiquei lá por dois anos. No dia seguinte da minha saída, já comecei a trabalhar no estágio curricular do Curso Técnico em Química, durante três meses, na Satipel, uma indústria de Taquari. Da Satipel comecei a trabalhar na Unimed, atendendo ao público, durante seis meses. Saí da Unimed, porque a Satipel me chamou de volta, para fazer um trabalho na área da qualidade, da ISO 9000, e da comunicação interna da empresa. Trabalhei nisso de 1995 a 1999. Nesse ano, a Cooperativa CERTAJA43 me fez uma proposta para trabalhar como jornalista e eu aceitei, porque estava quase me formando. Trabalhar lá foi uma escola. Eu trabalhava com várias mídias diferentes: internet, rádio, jornal interno, jornal para associados, cobertura de eventos e assessoria de imprensa. Trabalhei lá até março, quando vim para a Unisinos. Entrada no IHU – Um dia eu estava no Instituto de Idiomas Unilínguas, antes da minha aula de alemão, e achei um boletim IHU On-Line, sobre Filosofia. Comecei a ler e fiquei encantada. Fiquei pensando na possibilidade de trabalhar nessa revista. Decidi mandar um currículo e deu certo. Abriu a seleção para a vaga de jornalista no site do IHU e estou trabalhando aqui desde o dia 9 de março. É uma alegria muito grande estar aqui. É uma aposta que estou fazendo e vejo que tem tudo para dar certo. Está valendo muito a pena.

Cooperativa Permissionária de Serviço Público de Energia e Desenvolvimento Rural Taquari Jacuí Ltda. Mais informações no site http://www.certaja.com.br (Nota do IHU On-Line) 43

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53 Casamento – Sou casada com o Carlos Alberto Britto Salamoni, jornalista da Fundação CEEE, de Porto Alegre, há dois anos. Nós nos conhecemos pela Internet, através de um cadastro que eu fiz no site Almas Gêmeas, do portal Terra 44. Fiz o cadastro em uma sexta-feira de manhã e ele, na noite daquela sexta-feira mesmo, me encontrou e me escreveu, dizendo que tinha gostado do meu perfil. Começamos a conversar por e-mail, trocamos fotos, falávamos por telefone. Dez dias depois do primeiro contato virtual, nos encontramos na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre. No terceiro encontro, começamos a namorar sério. Depois de um ano de namoro ficamos noivos, por mais um ano, e finalmente nos casamos, em uma cerimônia muito bonita em Taquari. Nossas ambições são muito parecidas. Gostamos muito de estudar, nos incentivamos muito. Filhos fazem parte dos nossos planos. Estamos planejando o nosso bebê. Autor – Friedrich Nietzsche, pela inquietação que ele me provoca, por ser um autor controverso. Livro – Genealogia da Moral, de Nietzsche (São Paulo: Companhia das Letras, 1998). Também gosto muito de Dostoievski, do qual destaco os Irmãos Karamazov e O Idiota. Filme – A Vila, de Night Shyamalan, é um filme extremamente inteligente, não-óbvio, que nos faz repensar quais são realmente as coisas em que acreditamos e o peso que damos para elas, questionando até que ponto nos deixamos conduzir por aquilo que nos ensinaram ser correto e verdadeiro. Presente – Livros e sapatos. Nas horas livres – Ficar em casa, aproveitando o tempo com o Beto. Adoramos olhar filme comendo pipoca. Também passamos bastante tempo lendo. Gosto de fazer esporte, principalmente musculação. Sonhos – Ter um filho e ser professora na Unisinos. Unisinos – Vejo a Unisinos não só como uma universidade. É um espaço onde as pessoas acabam tendo acesso a diversas outras coisas, além de obterem conhecimento. Um aluno aqui pode usar a Internet, uma biblioteca maravilhosa, fazer cursos de extensão e outras atividades que complementam a formação dele não só como profissional, mas como ser humano. Vejo a Unisinos como parte da idéia de democratizar o conhecimento. É uma universidade voltada para o crescimento cristão, que é muito importante, já que o ser humano fica vazio, vira uma casca, sem o viés espiritual. Instituto Humanitas Unisinos – O próprio nome do IHU já é bastante forte, pois demonstra que é com o papel humano que ele está preocupado. Nesses dois meses que estou aqui, já percebi que ele se compromete com os mais diferentes campos do saber, permitindo que as pessoas sejam mais completas, atuando de alguma forma, oferecendo algo para os outros. O

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Confira detalhes em http://almas.terra.com.br/ (Nota do IHU On-Line)

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54 IHU fornece a amplitude de conhecimento que falta em muitos outros locais, onde tudo parece tão operacional. (Voltar ao índice)

Erramos O nome de Ludwig von Bertalanffy foi grafado erradamente nas páginas 10, 11, 12 e 13 na versão impressa da última edição de IHU On-Line, de 23 de maio de 2005. Por um erro de diagramação, na versão impressa do IHU On-Line nº. 142, de 23 de maio de 2005, a partir da página 25, não aparecem as notas de rodapé. No entanto, elas podem ser consultadas na versão eletrônica do IHU On-Line, que está disponível na página www.unisinos.br/ihu E XPEDIENT E: IHU On-Line é uma publicação semanal do Instituto Humanitas Unisinos – IHU – , da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. Diretor do IHU: Prof. Dr. Inácio Neutzling (inacio@unisinos.br). Diretora Adjunta: Profª Dr.ª Hiliana Reis (hiliana@icaro.unisinos.br). Gerente Administrativo: Jacinto Schneider (jacintos@unisinos.br). Redação: Inácio Neutzling, Sonia Montaño (soniam@unisinos.br), Pedro Luiz S. Osório (posorio@bage.unisinos.br) Mtb 4579, e Graziela Wolfart (grazielaw@unisinos.br). Colaborou nesta edição a jornalista Márcia Junges. Revisão: Profª Mardilê Friedrich Fabre (mardile@unisinos.br). Consultoria: Agência Experimental de Comunicação (AgexCom). IHU On-Line circula às 2ªs feiras via e-mail e pode ser acessado no sítio www.unisinos.br/ihu. Sua versão impressa circula na Unisinos terças-feiras pela manhã, a partir das 8h. Endereço: Av. Unisinos, 950 – São Leopoldo, RS. CEP 93022-000 E-mail: ihuonline@unisinos.br . Fone: 51 591.1122 – Ramais 4121 ou 4128. E-mail do IHU: humanitas@unisinos.br . Ramais: 1173 e 1195.

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