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A UNISINOS E O BEM C O MU M ALOYSIO BOHNEN:

A UNIVERSIDADE DEVE DEBRUÇAR-SE SOBRE O BEM COMUM

Nas vésperas da abertura do Simpósio Nacional do Bem Comum e Solidariedade. Por uma ética na Política e na Economia, IHU OnLine conversou com o Reitor da UNISINOS, Pe. Aloysio Bohnen, um dos maiores impulsionadores do evento. IHU On-Line- Qual é a importância da realização do Simpósio Nacional do Bem Comum na Universidade? Aloysio Bohnen- O evento é muito importante. O tema diz respeito a todos os cidadãos, e a Universidade deve, necessariamente, debruçar-se sobre essa realidade. Segundo o Papa Pio XII, o bem comum é a realização durável daquelas condições exteriores necessárias ao conjunto dos cidadãos que o desenvolvem, das suas qualidades, das suas funções, da sua vida material, intelectual e religiosa. Não podemos cair no pensamento do liberalismo que, segundo Adam Smith, se baseava no interesse geral. Aqui o

bem está em oposição ao egoísmo, portanto é o bem humano. IHU On-Line- A partir do Simpósio Nacional do Ensino Social da Igreja, no ano passado, a Universidade resolveu fazer um Simpósio cada ano. O Sr. tem muito a ver com essa decisão? Aloysio Bohnen- Eu sugeri ao Diretor do Centro de Ciências Humanas, José Ivo Follmann, e ao Coordenador do Instituto Humanitas Unisinos, Inácio Neutzling, um evento anual que abordasse temas sobre o bem comum e sobre a Doutrina Social da Igreja, já que o solidarismo é a alma dessa doutrina. IHU On-Line- Que resultados o Sr. espera deste evento? Aloysio Bohnen- As minhas expetativas são que se torne um chamado para as pessoas despertarem para a responsabilidade e co-responsabilidade. Disso depende o futuro da própria humanidade.


IHU On-Line- Acha que o Instituo Humanitas Unisinos pode ajudar nessa tarefa? Aloysio Bohnen- O IHU foi instituído para refletir e discutir os grandes temas da atualidade que afetam a cosmovisão e a antropovisão, por isso ele está buscando respostas para todos estes novos desafios. IHU On-Line- E o Simpósio de 2003 já está sendo encaminhado?

Aloysio Bohnen- No próximo ano, o Simpósio será sobre recursos hídricos, o assunto será visto, necessariamente, sob o prisma do bem comum, o que é indispensável para a qualidade de vida. E por isso a sociedade precisa se organizar e defender esse bem, para que não seja, irresponsavelmente, entregue a interesses particulares com o perigo de poluir esse recurso.

O bem comum e o direito é a oficina dirigida pelo prof. Ms Antonio Carlos Nedel – UNISINOS. Antônio Carlos é graduado em Direito, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS, Brasil. Mestre em Direito Ciências Jurídico-Filosóficas, pela Universidade de Coimbra, Portugal. Atualmente, o professor é vice-diretor do Centro de Ciências Jurídicas da UNISINOS e doutorando em Direito pela UNISINOS. IHU On-Line conversou com Antonio Carlos sobre seu trabalho no Simpósio Nacional do Bem Comum e Solidariedade. IHU On-Line- Por que uma oficina sobre Direito no Simpósio Nacional do Bem Comum e Solidariedade? Antonio Nedel- Historicamente, a missão do Direito deve ser propícia à materialização da justiça na vida social. Quando alguém se sente atingido no Direito, usa a expressão "vou entrar na Justiça". O Direito parece estar do lado da Justiça. A pergunta da qual vamos partir na realização dessa oficina é: Qual é o imaginário que há por trás do Direito, das leis, dos profissionais do Direito? Provavelmente, a resposta seja negativa. Mas, se as próprias instituições que trabalham com o Direito são chamadas de Justiça, por que é visto como instrumento dos que promovem injustiça? Os menos favorecidos têm a imagem de que só prendem os pobres, ladrões de galinhas estão presos enquanto os de colarinho


branco estão soltos. Por que no imaginário popular há uma visão negativa e nos estratos mais altos da sociedade a imagem do Direito é mais positiva? IHU On-Line- E o Sr. poderia adiantar-nos a resposta a essa pergunta? Antonio Nedel- O Direito, até o momento, está baseado num paradigma do positivismo jurídico, do Direito dominante que identifica o Direito com a Lei. Estamos diante do esgotamento teórico desse paradigma, ele é expressão do Direito a serviço do grande capital. A base desse conceito está na neutralidade da lei no plano formal e coerente. Esses princípios de igualdade e liberdade da Revolução Francesa, que é um avanço, embora seja só no plano formal. Formalmente, todos são iguais perante a Lei. A novidade do Direito seria levar essa formalidade à prática. Vencer a distância entre o formalismo e a imanência da prática. IHU On-Line- Diante disso, como deve ser o Ensino Jurídico na academia? Antonio Nedel- Na faculdade, os alunos só estudam a Lei sem desdobramentos sociológicos. Sem analisar se essas leis são justas, se fomentam o bem social. O ensino é completamente acrítico, porque esse paradigma do positivismo é metajurídico e só se importa com o cumprimento da Lei. Os outros aspectos ele passa adiante. Temos de trazer mais para dentro do Direito reflexões de ordem sociológica, axiológica e até teológica. Por isso, na prática, o Direito não busca o bem social. Essa arraigada concepção positivista está gerando uma forte discussão no Centro de Ciências Jurídicas. IHU On-Line- Então a história do Direito abunda em exemplos que são legais e ao mesmo tempo injustos? Antonio Nedel- Tudo o que Hitler fez, tudo o que Stalin fez foi legal. Esse tipo de episódio levou a refletir seriamente. Os grandes latifúndios são legais, mas são justos? Quando os sem-terra invadem uma fazenda, o primeiro ato do dono é invocar a lei. Não estou dizendo que devem ser invadidas todas as fazendas, essa é a lógica do formalismo abstrato. A metodologia se reduz a simples interpretação literal dos artigos de lei. IHU On-Line- Quais são as resistências diante desta visão inovadora do Direito? Antonio Nedel- Quando se abordam estes assuntos, o grande medo é o abalo da segurança, mas quem tem certeza de segurança por mais dobermans que coloquem na sua casa? Na Constituição Brasileira, por exemplo, todo trabalhador tem direito ao salário mínimo que deveria cobrir as despesas com escola, saúde, segurança, lazer, etc. A Constituição Brasileira é um paraíso formal, mas o país é um inferno concreto, e ninguém questiona essa contradição.


Jackson Müller é professor no Centro de Ciências da Saúde, biólogo, com mestrado na área de bioquímica, pela UFRGS, especialista em Metodologia de Ensino pela UNISINOS. Prof. Jackson falou com IHU On-Line sobre a possibilidade de um Brasil ecologicamente sustentável, tema que abordará numa das oficinas do Simpósio Nacional do Bem Comum e Solidariedade, no dia 27. IHU On-Line- Como tornar o Brasil um País sustentável? Jackson Müller- Não precisa muito. O Brasil é extremamente rico, é um dos maiores do planeta desde o ângulo da biodiversidade e dos recursos naturais, por exemplo, mas o que estamos fazendo com tudo isso? O País insiste em copiar velhos modelos que não deram certo. IHU On-Line- A lógica do lucro está devastando a natureza, mas cuidar da natureza não daria lucro? Jackson Müller - A literatura científica mostra que, em cem hectares de floresta protegida, podemos obter mil vezes mais divisas econômicas, por meio do turismo ecológico e do turismo sustentável, do que das divisas da venda das árvores. Além disso, poderiam ser exploradas milhões de substâncias que serviriam como medicamentos. O grande problema é que outros descobrem essas substâncias antes que nós, exploram-nas e depois as vendem para nós mesmos como medicamentos. Teríamos uma farmácia natural nessa floresta, mas nossa farmácia está sendo saqueada. A perereca, por exemplo, tem um veneno muito perigoso, mas, se essa substância recebesse um tratamento, se converteria numa droga para combater a trombose, o câncer e tantas outras doenças. A Amazônia é um paraíso de espécies inexploradas, mas o Sistema de Vigilância Amazônico está entregando minerais que nem sequer conhecemos. IHU On-Line- Qual a consciência ecológica no RS? Jackson Müller – Por um lado, o panorama é negativo, porque o RS tem, por exemplo, 75% dos municípios com lixões abertos. Por outro lado é positivo, porque também temos grandes riquezas naturais. Um exemplo disso é o Aqüífero Guarani, temos mais água aqui, embaixo de nossos pés, na UNISINOS, que na Amazônia inteira. Mas é necessário reverter a qualidade da água que corre na superfície. Outro sinal é que as crianças estão recebendo informações sobre o cuidado da natureza, que nós não recebemos. Acho que, daqui a duas gerações, o Brasil se torna um país sustentável.


IHU On-Line- Por onde começa a discussão para chegar a sustentabilidade de uma cidade? Jackson Müller- São Paulo é o oposto de uma cidade sustentável. Devemos buscar modelos de cidades menores, mais administráveis. Primeiro devemos nos perguntar que tipo de cidade queremos, com que tamanho. O Brasil tem 5.561 municípios. A Alemanha, que tem o tamanho de RS e SC juntos, tem 18 mil municípios. A discussão teria de passar pela maneira como pode ser a vida das pessoas que vivem em situação de risco e em condições menos humanas, em vez de colocar em mãos do capital estrangeiro a energia e as telecomunicações e discutir a privatização da água. Há que investir no humano essa forte tendência ao individualismo. Um país e uma cidade sustentável passa pela solidariedade. IHU On-Line- Haverá algum manifesto ou gesto concreto como resultado da oficina? Jackson Müller- A oficina vai levar a pensar na qualidade de vida que queremos. Que tem a ver a forma como eu vivo com a Floresta Amazônica, por exemplo? Faremos primeiro uma reflexão pessoal a partir de algumas bases que serão colocadas, fatos concretos que a pessoa possa mudar. Depois poderemos nos abrir a outros elementos como sustentabilidade social, econômica e cultural. IHU On-Line- Também a questão cultural ajuda na reflexão da sustentabilidade? Jackson Müller- Na questão cultural, nossa riqueza é enorme. A grande riqueza do Brasil é a variedade. No Brasil, falam-se mais de 150 idiomas, 90% indígenas. Os índios mantiveram em perfeito cuidado a natureza com toda sua sustentabilidade, por que não copiar deles, em vez de copiar dos americanos? Podemos aprender olhando para nós mesmos.

O papel da universidade na construção de um projeto para o Brasil é o assunto que será discutido numa das oficinas, no dia 25 de junho, terça-feira, das 14 às 16h30min. A profª. Dra Ione Maria Ghislenne Bentz, da UNISINOS será a ministrante. Ione é Diretora do Centro de Ciências da Comunicação na UNISINOS. Graduada em Letras Português/Inglês pela Fundação Universidade de Bagé, Especialista em Literatura Portuguesa pela Fundação Calouste Gulbenkian, Calouste, Portugal. Mestre em Lingüística e Letras pela PUCRS,


Doutora em Lingüística pela Universidade de São Paulo – USP e Pós-Doutora pela Université de Paris IV. IHU On-Line conversou com Ione Bentz a respeito da oficina.

IHU On-Line – Qual será o ponto de partida da sua reflexão? Ione Bentz- Há uma intenção de incluir a educação na Organização Mundial do Comércio, isto é, considerar a educação como serviço, como negócio, liberando-a das questões legais. Se isso ocorrer, perderíamos a especificidade da universidade na construção de um projeto de País. A missão da universidade não é se preocupar meramente com a educação. Então o ponto de partida será a reflexão sobre essa possibilidade de uma educação-serviço e suas conseqüências. IHU On-Line- No momento atual, quais os maiores problemas para que a educação realize sua missão na construção da sociedade? Ione Bentz- Hoje vivemos os efeitos da política neoliberal na área de educação dos últimos oito anos. Efeitos como a desqualificação do ensino, sucateamento do ensino público, estimulação da educação como negócio, desvios no comportamento dos órgãos que deveriam cuidar da educação. Sem conhecimento, não há presente nem futuro, não há pesquisa nem educação. O ensino deve ser mais qualificado com professores mais criativos e especializados. IHU On-Line- Como reverter essa situação? Ione Bentz- Para reverter essa realidade deve haver um movimento político, porque a sociedade, de certa forma, não foi poderosa para enfrentar o que foi acontecendo contra a boa concepção de ensino. A sociedade deve enfrentar politicamente a Organização Mundial do Comércio. Vivemos um momento estranho. Talvez, em poucos momentos, a Universidade Privada tenha sido tão pautada pelo poder público como agora. Eles abrem espaço para a Universidade Privada e a pautam. A universidade tem autonomia, entre aspas, e nunca foi tão pautada pelo poder público. Em outros tempos, quando o poder público estava mais presente, havia mais autonomia. O objetivo é redigir um pequeno manifesto, carta, resultado do trabalho sobre o que diríamos à sociedade.

No dia 17 de junho, aconteceu no Centro de Pastoral da PUCRS a reunião da Equipe de articulação do Regional Sul da ABESC (Associação Brasileira de


Escolas Superiores Católicas), referente a Pastoral das Universidades, com a finalidade de preparar o Encontro Nacional de Pastoral da Universidade, que acontecerá de 7 a 10 de agosto, em Recife, com o tema Universidade em Pastoral, desafios e articulação. Atualmente a coordenação da equipe da ABESC está a cargo da Universidade de Pelotas. No encontro, participaram a PUCPR; PUCRS; UNILASALLE e UNISINOS. Pela UNISINOS, estiveram presentes a profa. Ms. Vera Regina Schmitz , coordenadora adjunta do IHU; profa. Âgueda Bichels; Ir. Vanderlei Backes, Lauro de Souza, profa. Rosa Maria Serra Bavaresco, todos do Setor 3 - Religiões, Teologia e Pastoral do IHU e a profa. Mardilê Fabre, da Equipe de Comunicação do IHU.

No dia 20 de junho aconteceu o encontro do Grupo Permanente de estudos e reflexões com lideranças representantes religiosos locais, do Programa Gestando o Diálogo Inter-Religioso e o Ecumenismo (GDIREC). Foram abordados temas como Os aspectos da história do Protestantismo, com o Pastor Mário Tesmann da IECLB e Os fundamentos da Igreja Episcopal Anglicana, com o Pe. Jessé Castro Ramos.

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Pérolas da MPB, compostas por Tom Jobin, serão interpretadas por Marcelo Delacroix, acompanhadas pelo piano de Paulo Dorfmann. Entre as canções do roteiro estão Águas de Março, Wave, Retrato em Branco e Preto e Chovendo na Roseira. O que: Recital: Jobim Outros Tons Dia: 25 (Terça-feira) Local: Anfiteatro Pe. Werner. Horário: 18h

Trinta e cinco crianças e adolescentes do grupo Baturidança apresentarão um espetáculo que mescla dança de rua com percussão. Tanto os dançarinos quanto os percussionistas participam do Projeto Escolinhas Integradas (PEI), projeto de Extensão da UNISINOS, que acolhe um público das periferias de São Leopoldo. O grupo tem a direção da coreógrafa Margit Kolling e do percussionista Fernando Doó e conta com a parceria do Instituto Airton Senna, da Audi AG e da Secretaria


Nacional de Esportes. A apresentação do grupo Baturidança abrilhantará o lançamento do livro O Ensino Social da Igreja e a Globalização. O que: Grupo Baturidança da Unisinos Dia: 26 (Quarta-feira) Local: Anfiteatro Pe. Werner. Horário: 17h às 18h30min

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Danças gauchescas, apresentadas por crianças e adolescentes do Grupo Candeeiro da Unisinos abrilhantarão o lançamento do livro Um copo d’Água. Na oportunidade será lançado o Simpósio Internacional Água bem público universal. O que: Grupo de Danças Mirim Dia: 27 (Quarta-feira) Local: Anfiteatro Pe. Werner. Horário: 17h às 18h30min

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A Rádio Unisinos FM, conforme já noticiamos anteriormente e segundo entrevista concedida ao IHU on-line por Paulo Torino, diretor da Rádio Unisinos FM, transmitirá o Simpósio Nacional Bem Comum e Solidariedade. Por uma ética na economia e na política do Brasil, on-line. Pois a Rádio Unisinos FM ampliará a partir do dia 25 de junho sua cobertura informativa e jornalística de forma exclusiva através da criação da RÁDIO 2. A nova emissora, estará disponibilizada no site www.raidounisinos.com.br e se destinará ao acompanhamento de shows, palestras, seminários e entrevistas em tempo real. Este serviço, exclusivo da 103.3, visa ampliar a divulgação dos principais eventos da UNISINOS, possibilitando que professores/as, funcionários/as e interessados/as em geral, possam acompanhar, dos lugares mais remotos do planeta, os eventos aqui realizados. Para inaugurar a nova emissora, escolhemos, escreve o diretor da Rádio Unisinos FM, o Simpósio Nacional Bem Comum e Solidariedade. Por uma ética na economia e na política do Brasil, promovido pela UNISINOS. As transmissões iniciam às 8h do dia 25 de junho, diretamente do Anfiteatro Padre Werner, cobrindo todas as palestras nos três dias do evento.


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! , O ENSINO SOCIAL DA IGREJA E A GLOBALIZAÇÃO

Cecília Osowski & José Luiz Bica de Mélo (org.), O Ensino Social da Igreja e a Globalização. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2002. Este livro será lançado no dia 26 de junho, no Anfiteatro Padre Werner, às 17h. O livro trata das temáticas apresentadas no Simpósio internacional, realizado em setembro de 2001, apresentando os seguintes capítulos: Riccardo Petrella, “A urgência de um contrato social mundial face aos desafios da mundialização atual: para além das lógicas bélicas”; Inácio Neutzling, “Sociedade do trabalho e sociedade sustentável: algumas aproximações”; Henri Madelin, “A crise civilizacional e os desafios para o Ensino Social da Igreja”; Marcelo Fernandes de Aquino, “O serviço da fé e a promoção da justiça no ensino universitário da Companhia de Jesus no Brasil”. Publicamos, a seguir, a apresentação do livro de autoria do prof. Dr. José Luiz Bica de Mélo e da profª Dra. Cecília Osowski. Os subtítulos são nossos.

Por uma cidadania mundializada

Que tal começarmos a exercer o jamais proclamado direito de sonhar? Que tal delirarmos um pouquinho? Vamos fixar o olhar num ponto além da infâmia para adivinhar outro mundo possível. (Eduardo Galeano, Um convite ao vôo). Em setembro de 2001, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos promoveu, como parte de sua missão de formação da pessoa humana, o Simpósio Internacional: o ensino social da Igreja e a globalização: limites e possibilidades, do qual incluímos, neste volume, os textos que serviram de base para as conferências.

Significados da mundialização atual

A urgência de um contrato social mundial face aos desafios da mundialização atual: para além das lógicas bélicas, do economista italiano Riccardo Petrella, constitui vigorosa análise das profundas transformações – em múltiplas esferas – pelas quais passa o mundo em que vivemos, com lugar especial para as transformações tecnológicas e seus impactos. Aliando a solidez da análise econômica e política aos princípios éticos, aborda os diferentes significados da mundialização atual e apresenta diversos desafios a serem enfrentados, para que se possa efetivar o desenvolvimento científico e tecnológico, não em


benefício do capital e da acumulação da riqueza material, mas do bem-estar social e coletivo. Nesse texto do professor Petrella, encontramos inspirações para pensar em uma mundialização, na qual a segurança do ser humano em suas diferentes dimensões – física individual, de grupo, militar e ambiental, alimentar, econômica e das liberdades – tornese efetiva por meio de um grande contrato social mundial.

T r ab al h o e so ci ed ad e su st en t ável

Em Sociedade do trabalho e sociedade sustentável: algumas aproximações, Inácio Neutzling, SJ, teólogo e pesquisador do mundo do trabalho, realiza uma profunda análise crítica sobre o mundo do trabalho, detendo-se naqueles aspectos desafiadores tanto da esfera científica quanto da atuação cidadã, que dizem respeito à produção da riqueza e à produção da miséria em um mundo perpassado por contradições e pela desestruturação do mundo do trabalho e suas implicações: desemprego, sobretrabalho, desassalariamento, informalidade, precarização, decréscimo da participação da renda do trabalho, desregulamentação e flexibilização. Além desses aspectos abordados, tomando por base o Brasil dos anos 1990, o autor amplia seu horizonte de análise para além das relações entre capital e trabalho, portanto da esfera social, para deter-se na crise das relações entre os homens e a natureza, ou seja, a crise ecológica, cuja superação seria possível, segundo sua argumentação, mediante a superação da sociedade do trabalho assalariado, libertando-se o pensamento e a imaginação dos lugares-comuns do discurso social dominante, ousando pensar as potencialidades de outras experiências exemplares que apostam, efetivamente, em outros modos de cooperação produtiva, de troca, de solidariedade, de vida. Propõe, assim, uma nova sociedade na qual a socialidade alternativa constitua semente de novos direitos e de uma nova liberdade.

Crise Civilizacional

Seguindo a perspectiva de análise das transformações e dos desafios pelos quais passam as sociedades de nosso tempo, Henri Madelin, SJ, cientista político francês, apresenta em A crise civilizacional e os desafios para o ensino social da Igreja, importantes pontos de reflexão sobre o processo de globalização em curso, que, segundo ele, constitui processo complexo, formado por diferentes tipos de mundializações: dos mercados, da comunicação, política, cultural e ideológica. Nesse mundo de transformações, como o cristão pode se situar? Quem somos nós? Para onde vamos? Essas são algumas das questões cruciais analisadas por Madelin, apontando o ensino social da Igreja, em cujo núcleo encontram-se os valores do direito à vida e da solidariedade, como possibilidade aberta para a compreensão de um universalismo cristão que propõe a instauração de uma ecologia verdadeiramente humana, que, ao pensar nas gerações futuras, tudo fará para deixar aos homens e às mulheres do amanhã uma terra habitável, digna de se viver, onde seja possível o assombro diante do ser e da beleza, que leva a ler, nas coisas visíveis, a mensagem do Deus invisível que as criou.

F é e j u st i ça

Encerrando esta publicação, Marcelo Fernandes de Aquino, SJ, teólogo e filósofo, aprofunda a análise, a partir de documentos da Igreja, sobre a relação entre o serviço da fé e a promoção da justiça como fundamentos intrínsecos à missão da Companhia de Jesus. O serviço da fé e a promoção da justiça no ensino universitário da Companhia de Jesus no Brasil constitui importante e apropriada reflexão nestes tempos de turbulência, de injustiça e descrença, para demonstrar a todos os homens e mulheres, principalmente


àqueles cuja tarefa é promover um ensino que tenha a liberdade do homem como fundamento e os princípios de justiça como orientadores da ação, que o ensino social da Igreja considera o agir econômico do homem à luz do conceito de pessoa, a partir do qual esclarece os binômios trabalho e capital, trabalho e propriedade. Tomando por base os mais importantes documentos da Igreja, por meio dos quais esta explicita suas preocupações sociais, desde a encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII (1891) até Centesimus Annus do Papa João Paulo II (1991), Marcelo de Aquino apresenta, com clareza e pertinência, as possibilidades de pensarmos o bem comum como “forma do nosso existir e agir em comum”, que se exprime na lei justa. Afirma que o “serviço da fé” como conhecimento teológico da ação de Deus no mundo e na história a partir da experiência do dom e da solidariedade se expressa no diálogo inter-religioso em torno das causas maiores da humanidade. As diferentes tradições e confissões religiosas são chamadas a se pronunciar em favor da vida, em favor da justiça social, em favor da solidariedade com as gerações futuras, em favor da paz. Um n o v o o l h a r Com esta apresentação convidamos você para uma reflexão que, ao tomar diferentes olhares sobre a sociedade de nosso tempo, possibilita ver os pontos em comum em torno das idéias de homem e mulher, de desenvolvimento sustentável, de ética e compromisso do cidadão, como demonstração clara de que é possível construirmos nós mesmos – e nos reconstruirmos também por meio de uma reconversão do olhar e do agir solidário – uma outra mundialização, onde sejamos sujeitos do amanhã. Agradecimentos Queremos agradecer o convite dos coordenadores do Simpósio Internacional: o ensino social da Igreja e a globalização: limites e possibilidades para que organizássemos esta publicação e dizer do privilégio em poder contribuir para o debate e a difusão das idéias que buscam construir um mundo mais justo e solidário. Nossos agradecimentos especiais à coordenação de Inácio Neutzling, SJ, Laurício Neumann e Vera Regina Schmitz, ao acompanhamento e estímulo do professor José Ivo Follmann, SJ, ao apoio dos professores Domingos Armando Donida e José Moacir Gomes Pereira, bem como aos demais participantes desse simpósio. Lembramos, de maneira especial, o trabalho de Mari Luci de Oliveira, que secretariou o evento. Agradecemos, também, aos demais integrantes das mesas e oficinas que tornaram possível esta publicação, mesmo considerando que não pudemos atender, aqui, a divulgação de todos os textos e debates que se fizeram presentes naqueles momentos. Incluímos, também, aqueles que apresentaram suas comunicações e participaram do evento, pois sabemos que, se hoje algumas das idéias ali discutidas já passam a circular entre nós, é porque encontramos referenciais para sustentar a construção, na sociedade atual, de culturas que respeitem a vida em suas mais diferentes formas. Incluímos ainda nos agradecimentos Vanice Dresch pela tradução e Inácio Neutzling, SJ, pela revisão técnica dos textos dos professores Petrella e Madelin, assim como a FAPERGS, que viabilizou esta publicação. São Leopoldo, março de 2002. Texto de autoria de Cecília Osowski e José Luiz Bica de Mélo do livro, contido no livro “O Ensino Social da Igreja e a Globalização”, organizado pelos mesmos.


Cecília Osowski é doutora em Educação, professora e pesquisadora do Programa de PósGraduação em Educação. Centro de Ciências Humanas/UNISINOS. José Luiz Bica de Mélo é doutor em Sociologia, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas/UNISINOS.

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ORGANIZAÇÃO POPULAR É O NOVO PARADIGMA DA ECONOMIA MUNDIAL Prof. Armando de Melo Lisboa, doutorando em Sociologia Econômica, professor de Economia da Unirvesidade Federal de Santa Catarina – UFSC, estará pronunciando, dia 26 de junho, quarta-feira, a conferência A Economia e o bem comum. Por uma sociedade economicamente justa, dentro da programação do Simpósio Nacional Bem Comum e Solidariedade. Reproduzimos, a seguir, a entrevista que nos foi enviada pelo prof. Armando de Melo Lisboa e que foi publicada, originalmente, na revista Perspectivas Sindicais. Perspectivas Sindicais - Há quanto tempo se fala em economia solidária e o que motivou o seu surgimento? Armando de Melo Lisboa - A expressão “economia solidária” vem se impondo bem recentemente, na verdade nos últimos quatro anos. Mas, ela refere-se a práticas sociais e discussões mais antigas, as quais então não estavam enquadradas dentro deste conceito. Hoje cresce esta perspectiva da solidariedade dentro da economia por vários fatores, um dos quais é a crise do mercado de trabalho. Se o emprego nunca foi a realidade da maioria da nossa população, hoje, cada vez mais, ele nos abandona. Então, a saída solidária, cooperativa, é quase natural, é uma resposta a esta reestruturação produtiva destruidora das condições de vida das maiorias. Outro fator que impulsiona a economia solidária são as novas tecnologias, é a crescente afirmação de uma sociedade em rede, de uma economia onde as redes de pequenas empresas têm um papel fundamental, é uma lógica empresarial que precisa da cooperação e da criatividade dos trabalhadores, e isso é encontrado especialmente dentro do trabalho associativo e solidário. Mas não podemos esquecer do profundo mal estar da vida moderna, de uma grave crise civilizatória na qual ocorre uma abertura e sensibilidade para outras lógicas societárias, bem como fazem surgir novos paradigmas e referenciais teóricos. São muitas as pessoas (inclusive no mundo empresarial) que buscam uma vida mais humana, ética, fraterna. É nesta abertura moral, nesta afirmação da solidariedade como valor ético, que reside a principal sustentação da presença cada vez maior da economia solidária. P.S - Pode-se dizer, então, que a economia solidária vai além de uma alternativa ao desemprego consistindo numa vontade transformadora do modelo sócio-econômico vigente? Lisboa - O que diferencia a economia solidária do velho cooperativismo ou das empresas autogeridas é a busca de solidariedade ad-extra, ou seja, para fora da empresa e do próprio mundo empresarial. É um compromisso com o seu entorno sócio-ambiental, com a comunidade que a cerca. Portanto, a economia solidária busca viabilizar uma outra sociedade, um novo mundo onde a economia esteja a serviço das reais necessidades das pessoas, e não a colidir com a vida, destruindo-


a generalizadamente, como ocorre hoje na sociedade capitalista. Daí porque prefiro falar em sócioeconomia solidária, ou seja, de uma economia sobre o controle social. Na expressão “economia solidária”, encontramos uma combinação de palavras muito interessante e surpreendente. A “economia” está mais no campo da razão e do cálculo, enquanto “solidariedade” pertence mais ao mundo da sensibilidade e dos afetos. O que aparentemente seria paradoxal (e é!), revela-se de uma profunda complementaridade. Ou seja, por combinar razão e sensibilidade, a economia solidária tanto é uma realidade quanto um conceito que necessariamente rompe com a racionalidade produtivista e utilitarista moderna e abre espaço para uma outra lógica societária e civilizatória, enfrentando problemas que não se reduzem aos aspectos econômicos, por mais importantes que estes sejam. Aqui se conjugam simultaneamente o social com o econômico, o subjetivo com o objetivo, o estrutural com o pessoal, o masculino com o feminino. Não é por acaso que há toda uma vertente de gênero dentro da sócioeconomia solidária. P.S - Quem são os atores, ou agentes, que constroem essa nova economia? Lisboa - Os empreendimentos econômicos solidários normalmente surgem onde existe densidade de organização social, comunitária. Um dos principais atores são os setores populares organizados. Daí que também se fala muito em “economia popular solidária”. Evidentemente, os mais pobres (ou seja, uma grande parte da humanidade), até por falta de opção, mas também por uma dinâmica cultural onde subjazem elementos solidaristas, têm uma participação ativa na economia solidária. Estes são os maiores interessados em construir um novo mundo e uma outra economia. Mas também aqueles que, nem tão pobres assim, ficaram desempregados e se associam para poder sobreviver. Claro que isso pressupõe, em geral, relações de confiança construídas anteriormente ao desemprego, ou seja, sempre se faz necessário um lastro de organização sóciopolítico prévio. Um dos principais vetores da economia solidária são exatamente as empresas falidas que foram assumidas pelos ex-empregados sob formas autogestionárias. Aqui, no Brasil, existe inclusive uma importante organização representativa deste setor: a ANTEAG, Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão, surgida em 1994. Também temos de incluir aqui os pequenos artesãos e os pequenos empreendimentos em geral, muitas vezes de base familiar. Claro que nem todos eles estão imbuídos duma lógica solidarista, mas é imenso o potencial e as práticas solidárias já existentes no interior das empresas assentadas na família, particularmente no meio rural. Mas um ator central aqui são os consumidores conscientes, que se pautam por um padrão de consumo ético, solidário. São estes que alavancam e garantem praticamente um mercado cativo para os empreendimentos solidários. Outro ator muito importante são os sindicatos, ainda que eles também tenham muita resistência em assumir o projeto de uma economia solidária. A recente criação (final de 1999) da Agência de Desenvolvimento Solidário no interior da CUT indica um importante sinal de abertura da principal central sindical brasileira para o emergente setor de economia solidária. Vemos que aqui, no Brasil, as Universidades também têm desempenhado um papel importante para o fortalecimento da sócioeconomia solidária. Refiro-me às Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, que já existem em mais de 15 universidades brasileiras e se integram numa rede própria. Aqui, na FURB, em Blumenau, temos uma incubadora que é, inclusive, um paradigma, é exemplar para todos nós! P.S - Os negócios, gerados no modelo de economia solidária, conseguem competir com igualdade, num mercado estruturado por um modelo econômico conservador? Não existem deficiências nesse sentido?


Lisboa — Claro que a economia solidária não quer, nem pode, competir em pé de igualdade, com uma lógica perversa. Há que reconceituar o próprio conceito de competitividade. A economia solidária é uma ruptura com os padrões de competência espúria, e uma afirmação de uma competitividade sistêmica, que leva em consideração os aspectos sociais e ambientais. Mas, aqui está um nó fundamental. A sócioeconomia solidária ainda está brotando, ainda é algo frágil, enfrentando muitos problemas, carecendo de assessoria qualificada e de apoio financeiro. Na verdade, diria que a economia solidária é ainda uma aposta, algo em construção. Estamos começando a enfrentar o desafio da competição. Se os preços incorporarem custos sociais e ambientais, que hoje não estão computados, os empreendimentos solidários apresentam vantagens competitivas dentro de um mercado pautado por padrões éticos. A economia solidária conta com consumidores éticos, e não está simplesmente jogada ao sabor de um mercado abstrato e indiferenciado. P.S - Qual é hoje o panorama dos empreendimentos em sócioeconomia solidária em Santa Catarina? Em que ramos ela é mais presente/ativa? Lisboa - É no imenso conjunto da pequena propriedade familiar rural que temos hoje uma presença mais ativa da lógica econômica solidária. Tanto que são crescentes as experiências associativas e cooperativas verdadeiras neste campo, inclusive brotando com vigor as cooperativas de crédito que conformam o sistema Cresol. Mas também, no litoral, toda a Maricultura, por também estar fundada no empreendimento familiar e realizada dentro de uma comunidade e duma lógica de uso comunal dos mares (propriedade coletiva, mas gerida comunitariamente), é também grande o potencial associativo. É bom lembrar aqui que a Maricultura também ainda está em formação, pois surgiu há pouco mais de uma década, tendo, portanto, um grande potencial ainda por desabrochar. Nas periferias de nossas cidades, lá onde existe um trabalho prévio de conscientização política, bem como apoio creditício e técnico, também surgem inúmeros empreendimentos solidários, atuando especialmente no setor de alimentos e vestuário, mas também em serviços. Também em SC encontramos as empresas que foram assumidas autogestionariamente pelos antigos trabalhadores, como é o caso da Cooperminas e da Cristais Hering. P.S - Em que outras regiões brasileiras essas experiências se concretizaram? Lisboa - Por todo o país vêm surgindo inúmeras experiências. Destaco aqui o Rio Grande do Sul, onde a sinergia entre os setores sociais organizados e as políticas públicas de diversos municípios e agora do governo estadual, particularmente através do orçamento participativo, vem alavancando e possibilitando uma grande expansão do setor de economia solidária. Também deve-se mencionar o caso exemplar do bairro Palmeira, em Fortaleza, onde temos, como resultado dum grande e lento esforço de organização comunitária, um banco popular (Banco Palmas), uma escola de formação de empreendedores solidários (Palma Tech), uma confecção (Palma Fashion), uma moeda social por eles emitida (Palmares), um cartão de crédito comunitário (Palma Card) e centenas de empreendimentos. P.S – Verificam-se também formas de economia alternativa no exterior? Como são os modelos? Temos de ter cuidado com esta história de modelos. Aqui não há modelos. A diversidade é imensa, e corresponde com as diferentes realidades de cada lugar. Mas, vejo que, por todos os lados, cresce o setor de economia social, as cooperativas e as empresas de autogestão.


Um forte exemplo hoje vem da Argentina, com as 500.000 pessoas que lá participam de centenas de Clubes de Troca com moeda social sob o controle das pessoas. E isso tudo surgiu nos últimos 6 anos! Já, nos países mais ricos, crescem aceleradamente as redes de comércio justo, ou seja, cadeias de lojas onde se vendem produtos reconhecidamente produzidos sem exploração, especialmente aqueles produzidos de forma solidária, no terceiro mundo, o que amplifica ainda mais as possibilidades da economia solidária em nossas terras. Também nos principais países europeus existem fortes bancos cooperativos e éticos, que inclusive já apoiam financeiramente os nossos projetos aqui, no Brasil. P.S – Os sindicatos possuem mais algum papel importante na consolidação desse novo tipo de "mercado"? Como disse anteriormente, os sindicatos figuram como um dos principais atores do fortalecimento de uma economia solidária. Mas, um dos papéis que os sindicatos podem desempenhar, além de atuarem como animadores e impulsionadores de empreendimentos solidários especialmente junto aos desempregados na sua base sindical, é o de fiscalização e vigilância sobre as cooperativas, verificando se elas são realmente verdadeiras cooperativas, e não falsas cooperativas (“coopergatos”) que apenas cooperam com o capital.

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A SOCIEDADE CONTRA O SOCIAL. A SOCIEDADE PRIVATIZADA Renato Janine Ribeiro. Reproduzimos, a seguir, o artigo A Sociedade contra o Social, publicado no livro A Sociedade contra o social. O alto custo da vida pública no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 19-25. Renato Janine Ribeiro, doutor em Filosofia e professor de Ética e Filosofia Política na USP, estará pronunciando a conferência A Política e o Bem Comum. Por uma sociedade politicamente democrática no dia 27 de junho, dentro da programação do Simpósio Nacional Bem Comum e Solidariedade. Por uma ética na economia e na política do Brasil. Ele é autor dos, entre outros, seguintes livros: A etiqueta no antigo Regime (Moderna), Ao leitor sem medo (Editora UFMG) e A última razão dos reis, este publicado pela Companhia das Letras, para a qual também organizou o volume de ensaios A sedução e suas máscaras.


A sociedade contra o social ou A sociedade privatizada1 O exame da linguagem corrente hoje, no Brasil, constata uma curiosa oposição entre os termos sociedade e social. Isso ocorre, em particular, no seu uso por parte de empresários, políticos e jornalistas – para começarmos por uma caracterização profissional. Mas também sucede, para passarmos a uma determinação política, que, porém, se sobrepõe à primeira, por parte dos setores mais à direita. Estes últimos anos, no discurso dos governantes ou no dos economistas, “a sociedade” veio a designar o conjunto dos que detêm o poder econômico, ao passo que “social” remete, na fala dos mesmos governantes ou dos publicistas, a uma política que procura minorar a miséria. Assim, “a sociedade” é ativa: ela manda, sabe o quer – e quer funcionar por si mesma, sem tutela do Estado. Corresponde, em boa medida, ao que, na linguagem marxista, se chamariam as classes dominantes. A confirmar essa leitura, podemos pinçar frases quase a esmo, tantas são elas: o modo de pôr fim à indexação da economia, disse Eliseu Resende, quando Ministro da Fazenda, “seria acertado com a sociedade”;2 na mesma ocasião, afirmava o deputado Delfim Neto – respondendo à tese de que o atraso na aprovação do Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira teria feito o governo perder 600 milhões de dólares por mês – que, “ao contrário, a sociedade ganha 600 milhões de dólares por mês”. Já o social tem, por melhor ocorrência no discurso político, o lema “tudo pelo social”, que serviu ao presidente Sarney para enunciar a intenção de acudir aos pobres, por meio de ministérios e agências que reduziriam a miséria absoluta – mas que acabou transmitindo uma imagem de franco fisiologismo e clientelismo. Essa política nunca deixou de ser assistencial, paternalista – ao oposto do que se entende por cidadania –, dado que apostava nos dispositivos da carência e da caridade. Assim se mede a distância que vai da sociedade ao social: este adjetivo indica tanto as carências quanto o socorro que, sem lhes pôr fim, apenas as minora. Fica na esfera do paliativo. A caridade pode ter mudado de alcance nas últimas décadas, mas permanecem alguns de seus traços essenciais. Estes são os que determinam uma hierarquia na sociedade como sendo desejada por Deus, determinada pela natureza (é o que dizia o pensamento tradicional) ou, pelo menos – assim hoje expressa o discurso dominante –, como resultado normal do jogo das relações sociais de mercado. E, em sua atuação efetiva, os órgãos do Estado que se ligam à assistência ou à caridade aparecem como não sendo nada sérios, mas – no melhor dos casos – corporativos, ou, com maior freqüência, corruptos. Já a seriedade fixou residência nos ministérios econômicos, que, dentre as várias instâncias de governo, são as que prevalecem3. A economia é séria e moderna; o social, perdulário e arcaico. É o que justifica priorizar o socorro a um banco ou à banca em geral, sobre as necessidades sociais. Torna-se imaginável um discurso que pretenda o fim do social, a fim de emancipar a sociedade. Não haveria, desse ponto de vista, grandes males em extinguir o que governos e políticos chamam o “social” (o que se associa, aliás, a um sonho 1

Uma primeira versão deste artigo saiu na Folha de S. Paulo, em 27/06/1993, p. 1-3. Folha de S. Paulo, 21/06/1993. O comentário de Delfim Neto data de dois dias depois, no mesmo jornal. 3 Sempre há vozes dissonantes dessa primazia econômica, até no interior do próprio governo, mas sistematicamente são derrotadas. Cito Adib Jatene, então Ministro da Saúde, em choque com o núcleo de poder, que, aliás, o acabou utilizando e vencendo: “Há uma visão diferente da área econômica e da área da saúde. Só que a área da saúde é prioridade de governo. Foi prioridade de campanha [ou seja, da campanha presidencial de 1994]” (Folha de S. Paulo, 22/06/1995, p. 1-6). Esse discurso tem lógica: nele, a economia é meio de assegurar escolhas políticas e/ou nacionais, as que o povo, como eleitor, efetuou. 2


que ronda o país, o de uma política sem políticos4). O problema, porém, é que entre “a sociedade” e “o social” se trava uma luta sem tréguas, por que não, de classes. Isso porque o social e a sociedade não se referem aos mesmos meios sociais, às mesmas pessoas, à mesma integração que tenham no processo produtivo, no acesso aos bens, ao mercado, ao mundo dos direitos. O social diz respeito ao carente; à sociedade, ao eficiente. Por isso a distância entre os dois se mostra quase intransponível. Não se trata apenas de passar do adjetivo ao substantivo, ou do passivo ao ativo. Simplesmente, não é possível ao objeto da ação social tornar-se membro integrante e eficaz da sociedade. A razão disso é que a diferença entre o social e a sociedade não é somente de perspectiva ou atitude: o social é aquilo que não pode tornar-se sociedade. Faltam, é claro, razões para justificar a cisão exposta, a esquizofrenia entre social e sociedade. Faltam argumentos para sustentar o formato do que a imprensa e os conservadores chamam de “a sociedade”. Por que aceitar tão facilmente que a forma por excelência de manifestar-se a voz coletiva seja a da economia, que as vozes a considerar sejam as dos “agentes econômicos”? Por que aceitar que se exclua o mundo da política, com seu pressuposto democrático da igualdade? Por que, na economia, supor que só tenha racionalidade para agir quem detém o capital? Numa sociedade democrática atual, o espaço público se delineia no conflito dos inúmeros discursos que o atravessam e constituem – incluindo os que tratam diretamente da política e da economia, mas também todos os que dizem algo sobre e para a sociedade, até mesmo, não raro, os religiosos. Ora, o que justifica reduzi-los para sobressair a voz da economia? Por que acreditar que ela fale por último, que seja sua a decisão soberana, como, na sociedade pré-democrática do século XVIII, a voz de Roma5 (que, uma vez que falasse, encerrava a causa ou discussão) ou o estrondo dos canhões, dos quais se dizia que constituíam a razão última, e definitiva, dos reis?6 Terá sucedido ao dogma religioso e à força armada, como discurso irretorquível, o da economia? Mas a irretorquibilidade não é, justamente, algo que nega, de forma radical, a democracia, na qual todas as posições – e por isso mesmo todas as falas – se espera que sejam retorquíveis ou cambiáveis?7 Com esse discurso se transmite, implícita ou subliminarmente, a convicção – pouco contestada – de que a sociedade é ativa enquanto economia, e passiva enquanto vida social. Remetem-se à carência, à passividade, assuntos importantes como a saúde, a educação, a habitação, o transporte coletivo. Ao modo de tratá-los, confere-se o selo do fisiologismo e do clientelismo. Aos profissionais dessas áreas se paga mal e se põe sob suspeita. Na verdade, “a sociedade” de que falo talvez seja herdeira do que o século XVIII chamava “la societé”, que gravitava em torno da corte (devo essa sugestão a Alfredo Bosi), ou daquilo que o XIX denominou “la bonne compagnie”, literalmente, a boa companhia, a sociedade dos cronistas sociais. Contudo, um acréscimo ocorre: a sociedade do século XVIII não se definia tão diretamente pela economia. Hoje, é o seu poder sobre a economia que a distingue. Ela negocia e decide. Seu conceito não está mais nas belas aparências, da vida

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Vejam-se, adiante, os artigos “O Brasil pela novela” e “Uma política sem políticos: Collor e Senna”. Roma locuta, causa finita. 6 Nos séculos XVII e XVIII, às vezes, se escrevia nos canhões “última razão dos reis”, para indicar que, não havendo mais diálogo ou arrazoado entre as partes, só restava a voz da guerra. Ver a apresentação de meu A última razão dos reis. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 7 É, por isso, incompatível a democracia com a ditadura militar e com a teocracia, não por acaso seus dois maiores antagonistas na segunda metade do século XX. 5


suntuária ou divertida dos cadernos de variedades dos jornais; está na seriedade, nas páginas de economia. Sabe-se, desde Freud, que as palavras não se usam de forma inocente e que carreiam, em especial quando mais parecem naturais, pressupostos indiscutidos e, por isso mesmo, fortes. Mas que preço paga uma sociedade como a brasileira (usando aqui o termo sociedade num sentido amplo, menos incorreto) ao cindir-se assim entre o substantivo e o adjetivo, entre o essencial e o dispensável, entre ação e carência? Desde que a vida social se amesquinha no fisiológico, e que a atividade econômica monopoliza a imagem da ação, da eficiência e da modernidade,8 vivemos uma espécie de esquizofrenia. É obvio que o país não está dividido em duas realidades, como os “dois Brasis” de que se falou em décadas passadas. O problema é esse discurso que de tão difundido se tornou dogma de fé, segundo o qual nossa economia está cindida de nossa vida social – como se uma não implicasse a outra. O grave está nessa exclusão a que são submetidos a vida social, o cotidiano, a teia das relações que se nutrem entre os homens – um tecido rico e fascinante, mas agora conotado pela imagem de coisa menor, atribuída por aqueles que se proclamam sérios, que se dizem a sociedade. A cisão entre o social e a sociedade, essa subordinação da vida social à econômica, cresce no discurso. Hoje está mais forte até do que no regime militar. Não estranha, então, a desconfiança de muitos ante o discurso que a imprensa e a área econômica – quer no empresariado, quer no governo – reiteraram ao longo da década de 1990, segundo o qual a privatização das empresas estatais ineficientes seria o primeiro passo para o resgate da dívida social. Elas foram privatizadas, e o débito social só aumentou. O problema é que, antes mesmo de se proceder à privatização de uma estatal ou outra, o discurso dominante em nossa imprensa já tinha privatizado “a sociedade”.9

PLENÁRIA GERAL SOBRE O PLEBISCITO DA ALCA Durante o mês de agosto, o IHU em parceria com o DCE e a ADUNISINOS, promove uma agenda intensa de discussão sobre a ALCA. Reproduzimos, a seguir, a nota que nos foi enviada pelo Setor Pastoral Social da CNBB sobre a Plenária do Plebiscito sobre a ALCA. Realizou-se em São Paulo, no Instituto Salesiano Pio XI, nos dias 3 e 4 de junho/2002, a 9ª Plenária Social da Campanha Jubileu Sul/Brasil. Em pauta, os acertos finais do Plebiscito 8

Adiante falarei da ação praticada com energia, no artigo sobre Collor e Senna. Em sua coluna semanal na Folha de S. Paulo, no dia 3 de julho de 1993, Antonio Callado comentou a versão anterior deste artigo. Depois de resumi-lo e de concordar com suas teses, o que muito me honrou, concluiu: “Quando terá começado a surgir essa designação de ‘a sociedade’? Eu me lembro de ouvi-la em discursos e entrevistas de Ulysses Guimarães. Mas a fala de Ulysses era agradável, meio patrícia e displicente, e a expressão me pareceu coisa sua, pessoal. De repente, ‘a sociedade’ ganhou força total. Ela se apresenta como sendo o Brasil inteiro, quando não passa daquela pequena parte do país que tem educação sofrível e conta bancária ótima, que toma banho todos os dias e faz várias refeições (Folha Ilustrada, p. 4-4). Outra explicação que ouvi, de um amigo, é que “sociedade” se teria fortalecido como abreviação para “sociedade civil”. Esse último termo teria os defeitos do comprimento e da carga conceitual difícil, tornado-se de compreensão mais restrita; já “sociedade” seria imediatamente legível. Pode ser: nos dois casos, é a simplicidade que conta, até mesmo para favorecer o triunfo de um termo que acaba tendo sentido bem distinto do que pretendia o próprio patrício Ulysses Guimarães (desaparecido, como se sabe, em fins de 1992), com sua idéia de “Constituição Cidadã”. 9


sobre a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), a ser realizado em todo território nacional, na Semana da Pátria, de 1º a 7 de setembro de 2002, em conjunto com o Grito dos Excluídos. Tanto o Plebiscito como o Grito procuram abordar a questão da soberania nacional – Soberania, sim, ALCA, não! Soberania não se negocia! são seus respectivos lemas. Participaram do encontro ao redor de 80 pessoas, representando entidades, movimentos, partidos, igrejas, pastorais, associações e ONG’s que coordenam a iniciativa, além dos representantes dos Estados. O Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e o Deputado Aldo Rabelo abriram a Plenária, aprofundando o tema ALCA na atual conjuntura nacional e internacional. Seguiu-se um momento de informes sobre a organização nos Estados, onde ficou evidente o entusiasmo e a força da mobilização popular. Na seqüência, um trabalho de grupos, seguido de um debate em plenário, foi o método utilizado para a definição dos assuntos que deverão ser abordados no Plebiscito. Após longa discussão, chegou-se a um acordo sobre as seguintes perguntas a serem colocadas na cédula de votação. Entretanto, a discussão sobre as perguntas ainda permanece aberta: 1. O governo brasileiro deve assinar o tratado da ALCA? 2. O governo brasileiro deve continuar participando das negociações da ALCA? 3. O governo brasileiro deve entregar uma parte de nosso território – a Base de Alcântara – para o controle militar dos Estados Unidos? Definidas as perguntas, passou-se a um novo trabalho de grupo sobre questões mais práticas, tais como elaboração de subsídios, divulgação da campanha, estrutura organizacional, calendário de atividades e continuidade, manual de votações – entre outras. A próxima reunião da coordenação ficou agendada para o dia 4 de julho/2002. A Fome no mundo – A Cúpula Mundial da FAO Divulgamos, no último número do IHU On-Line, algumas informações sobre a Cúpula Mundial da FAO, realizada em Roma, agora no mês de junho. Publicamos, a seguir, as observações de Roberto Malvezzi, que é da coordenação nacional da Comissão Pastoral da Terra – CPT – e que representou o Setor Pastoral Social da CNBB no evento. Marcos Conceituais importantes O que restou do Roma +5 – Embora a Cúpula Mundial da FAO tenha sido um fracasso - os poderosos do mundo esvaziaram a cúpula, porque a fome é negócio – embora o Fórum Paralelo da Sociedade Civil tenha sido problemático, há marcos conceituais importantes que precisamos assimilar, porque estarão na mesa de qualquer conversa daqui para frente. Soberania Alimentar: soberania alimentar, segundo pessoas das próprias ONGs, é um conceito assimilado e difundido pela Via Campesina. Significa a luta para que cada país,


cada povo, cada nação, tenha autonomia para decidir o que produzir, como produzir, como distribuir, como garantir, proteger e incrementar a alimentação de seu povo. Portanto, é uma relação praticamente de Estado para Estado. Opõe-se fundamentalmente à instrumentalização do mercado de alimentos em função e a partir dos interesses das grandes indústrias de alimentos e das nações que querem impor seus produtos ao mundo inteiro, mesmo que seja o “lixo alimentar”. Direito à alimentação: embora muitos confundam como sendo o mesmo conceito, não o é. É um conceito que normatiza a relação indivíduo-estado, cidadão-governo. É o direito que cada cidadão tem de ter, em quantidade e qualidade, o alimento necessário para uma vida digna. Se é direito do cidadão, é dever do Estado. Portanto, um dever do Estado de mover todos os esforços para que cada cidadão tenha acesso aos alimentos. É por isso que os EEUU são contra. Para eles os alimentos são mercadorias como quaisquer outras, estando disponíveis no mercado para o acesso de quem tiver recursos para adquiri-los. Acesso aos recursos: ficou claro no Fórum da Sociedade Civil, principalmente em algumas oficinas, que o principal meio de superar a fome é o acesso aos recursos: terra, água, bosques, biodiversidade, tecnologias apropriadas, crédito, etc. Sem eles, todos os demais esforços já estão comprometidos. A particularidade da água: foi uma contribuição nossa o destaque para a água, principalmente a água potável. Se 800 milhões de pessoas passam fome no mundo, 1,4 bilhões não têm acesso à água potável. O maior clamor veio da Ásia e da África abaixo do Saara. Ali está o mapa maior da fome e da sede. Aliamo-nos à luta internacional contra a mercantilização e privatização das águas. Também conseguimos colocar no documento do Fórum Civil a reivindicação para que os governos apóiem os esforços pela captação da água de chuva. Seqüência: no Brasil virão os desdobramentos da Cúpula Mundial. Vale lembrar que a CNBB estava presente (Pe. João Roque). Em Julho – 22 a 23 – haverá um seminário, convocado pela CNBB, para deslanchar o mutirão da superação da fome e da miséria. A Sociedade Civil presente em Roma estará presente em Brasília. Já o governo brasileiro, tentando dar uma resposta à sociedade, está convocando a sociedade civil para reorganizar, de alguma forma, o que foi o CONSEA, desativado pelo próprio governo.

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“Indiscutivelmente houve uma mudança no comportamento dos homens, não necessariamente uma evolução. Antes, o machismo se manifestava de forma inconsciente. Hoje, ninguém mais ignora haver um problema de desigualdade na relação entre os sexos. Não é para menos”. –

Advogada, escritora e feminista Rosiska Darcy de Oliveira ex-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em entrevista na IstoÉ, 14-6-02.

“Os homens hoje vivem uma crise de identidade muito parecida com a que as mulheres viveram no passado”. - Advogada, escritora e feminista Rosiska Darcy de Oliveira, id.


As mulheres estão esgotadas “Durante muito tempo brigamos pela igualdade com os homens. Essa foi uma formulação totalmente equivocada, que comprometeu, em muito, nosso movimento. O correto teria sido a luta pela igualdade de direitos civis. Quando a minha geração negociou a entrada no mundo dos homens, falávamos do lugar da transgressão. No mundo do trabalho, dizíamos para nossos patrões: “Me aceite, você nem sequer vai perceber que sou uma mulher.” Na vida privada, dizíamos aos maridos: “Eu vou sair para trabalhar, e você nem sequer vai perceber que saí de casa. Nada vai mudar aqui dentro.” Queríamos garantir nossos espaços sem prejudicar o santo patrão nem o santo marido. Com esse discurso, ocultamos um fato social fundamental, que só agora está vindo à tona: as vidas pública e privada estão indissoluvelmente imbricadas. No momento em que a mulher conquista seu espaço no mercado e esconde que a vida privada dá trabalho e consome seu tempo, ela oculta que a vida privada prejudica o desempenho profissional. Na luta pela igualdade de oportunidades, é inevitável deixar claro que a vida privada é algo a ser negociado. Não negociamos, assumimos tudo e transformamos nosso tempo em algo elástico. É por isso que as mulheres estão esgotadas”. - Advogada, escritora e feminista Rosiska Darcy de Oliveira Mudar horários e a produção. A organização da sociedade “Precisamos mudar a organização da sociedade, seus horários e sua produção. Se queremos evitar que as crianças fiquem abandonadas na rua ou em frente à televisão, se queremos dar um contexto familiar para os idosos, a sociedade precisa fazer uma reengenharia de seu tempo. Quando eu era pequena, minha mãe se ocupava unicamente da casa. Hoje, os horários escolares são idênticos aos daquele tempo, só que maioria das mulheres trabalha fora. A escola não atentou para o fato de que suas crianças não têm mais uma mãe disponível 24 horas. A reengenharia do tempo é, para mim, o ponto número um de uma nova agenda do feminismo. Se não temos tempo para a família, mais cedo ou mais tard, vão aparecer as consequências, seja através de uma gravidez precoce, seja dos filhos drogados, e por aí vai. Quero deixar claro que não estou responsabilizando as mulheres por isso. Não são apenas as mulheres que estão precisando de tempo, mas toda a família”. - Advogada, escritora e feminista Rosiska Darcy de Oliveira

As luta das mulheres e a superação da sociedade industrial “Reestruturando o tempo social para que homens e mulheres, e não apenas as mulheres, possam se ocupar mais de suas famílias. Os filhos da classe média passam o dia na frente da televisão; os dos pobres, na rua. Essa situação não é mais sustentável. A jornada de oito horas é completamente anacrônica numa era virtual. A maioria esmagadora das situações de trabalho continua sendo a da sociedade industrial, cujo ritmo e as cadências eram dados pelas máquinas do século 19. Se a era virtual revoluciona o tempo e o espaço, existe uma possibilidade real de se pensar o uso de toda essa inovação tecnológica para reorganizar a sociedade. Isso só vai ser possível quando o tema constar da agenda política, e cabe às mulheres fazê-lo. Elas precisam denunciar o fato de que estão sendo extremamente exploradas”. - Advogada, escritora e feminista Rosiska Darcy de Oliveira.


A nutrição no tratamento de doenças mentais

No dia 20, das 17h30min às 19h, no Evento IHU Idéias, na sala 1C103, a profª Dra. Denize Righetto Ziegler apresentou a sua tese de doutorado intitulada: A nutrição como uma nova proposta no tratamento de doenças mentais. Denize é nutricionista, com mestrado e doutorado em Bioquímica e Neuroquímica, pela UFRGS. É vice-diretora do Centro de Ciências da Saúde da UNISINOS. A professora abordou a dieta Zetogênica, usada para a cura da epilepsia e dissertou sobre a importância da nutrição para evitar doenças no cérebro e sistema nervoso.

Sou apaixonada por essa área. A própria história nos mostra a relação entre forma de alimentação e saúde. Este espaço é muito bom e deve continuar. A interdisciplinaridade é algo muito importante hoje. Sonia Linden Professora do Curso de Nutrição Eu fiquei sabendo por um cartaz na Antiga Sede. Percebo que existem muitas doenças que podem ser combatidas através da educação. Achei muito agradável o clima do IHU Idéias. Cláudia Koch.Publicitária.

Há um mês faleceu, em Belo Horizonte, Henrique Cláudio de Lima Vaz. Padre jesuíta, foi um dos maiores filósofos brasileiros. Celebramos a sua memória na eucaristia celebrada na nossa capela universitária. Na vigília do Simpósio Nacional Bem Comum e Solidariedade. Por uma ética na economia e na política do Brasil, celebraremos a obra e o pensamento do Padre Vaz. Para esta sessão fazemos o seguinte convite: “A Coordenação do Instituto Humanitas Unisinos tem a satisfação de convidar V. S. para a sessão pública em homenagem à vida e à obra do Pe. Henrique de Lima Vaz, SJ, filósofo e humanista, recentemente falecido em Belo Horizonte, MG. A sessão contará com a presença, como conferencistas, do Prof. Dr. Marcelo Fernandes de Aquino, vice-reitor da UNISINOS e coordenador do PPG de Filosofia da UNISINOS, do Prof. Dr. Ernildo Stein, professor do PPG de Filosofia da PUC-RS e do Prof. Luiz Osvaldo


Leite, professor da UFGRS e pesquisador do pensamento filosófico do RS. A sessão será presidida pelo Prof. Dr. Inácio Neutzling, coordenador do Instituto Humanitas Unisinos e serão executadas peças musicais pelo Projeto Sinos Acorda da UNISINOS. O evento ocorrerá dia 24 de junho de 2002, às 20h, na Sala de Seminários I, da Biblioteca da UNISINOS”. A seguir publicamos a entrevista feita com o Prof. Ernildo Stein, um dos conferencistas da sessão pública. IHU On-Line — Quando o sr. tomou contato com o Pe. Vaz? Ernildo Stein —Desde 1960 lia os textos dele, lembro dos seus escritos sobre Hegel. Em 1962, seus comentários à obra de Álvaro Vieira Pinto. IHU On-Line — O que lhe impressiona no pensamento e obra do Pe. Vaz? Ernildo Stein — Destacaria vários pontos: a constância e continuidade de sua obra, a absoluta seriedade e profundidade dos estudos, a capacidade de escolher temas relevantes, o retratar a realidade humana e não apenas fazer filosofia abstrata, sua visão crítica da filosofia e o defender que existe ao menos uma verdade aproximativa na filosofia. IHU On-Line — Como o Sr. vê a repercussão do pensamento do Pe. Vaz aqui no RS? Ernildo Stein — Aqui o Pe. Vaz teve influência através de suas obras em vários setores. No trabalho de interpretação da filosofia (seus trabalhos sobre Hegel foram os mais trabalhados), sua interpretação do pensamento cristão e sua vinculação com os jesuítas. Admirava seu esclarecimento nas discussões ideológicas, principalmente na década de 60. Ele era radical nas discussões e moderado no ativismo.

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#$& Ética, Religião e Sociedade Sustentável

No dia 17 de junho, a coordenação do IHU se reuniu com o diretor do Centro de Espiritualidade Cristo Rei, Pe. Geraldo Kolling, SJ, com o prof. Dr. Marcelo Fernandes de Aquino, coordenador do PPG de Filosofia, e com o prof. Dr. José Roque Junges, do PPG de Saúde Pública da UNISINOS, para organizar o Curso de Extensão Universitária, a ser realizado no CECREI, no ano de 2003, tendo como tema Ética, Religião e Sociedade Sustentável.

Escândalos Sexuais - Pedofilia

No dia 17 de junho, a coordenação do IHU se reuniu com o prof. Dr. Mário Fleig, professor do PPG de Filosofia e diretor do Laboratório de Filosofia e Psicanálise, para discutir o


evento sobre os escândalos sexuais na Igreja e na Sociedade. Inicialmente, o evento, com a participação do psicanalista Contardo Caligaris, se realizará em setembro, p.f.

Simpósio Nacional Bem Comum e Solidariedade

No dia 18 de junho, a coordenação do IHU se reuniu com Alexander Penz Mendes e João Götz para acertar os últimos detalhes do evento Simpósio Nacional Bem Comum e Solidariedade.

IHU Idéias: Um copo d'água

No dia 27 de junho de 2002, às 17h, durante o Simpósio Nacional "Bem Comum e Solidariedade", e dentro do Programa IHU Idéias, será lançado o livro "Um copo d'água" de Gerôncio Rocha, 60, geólogo do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo. O livro de bolso, que descreve as condições da água no Brasil e as tentativas de sua gestão compartilhada, faz parte da Coleção Aldus da Editora UNISINOS. Gerôncio Albuquerque Rocha é graduado pela Escola de Geologia da UFRGS. Foi presidente da Coordenação Nacional dos Geólogos - CONAGE, membro do Conselho Diretor da Sociedade Brasileira de Geologia e organizador do livro Em busca do ouro - Garimpos e Garimpeiros no Brasil. Editora Marco Zero, 1984. Atualmente é Coordenador da Câmara Técnica de Águas Subterrâneas do Conselho Estadual de Recursos Hídricos de São Paulo e Coordenador, no Estado de São Paulo, do Projeto Aqüífero Guarani, para o Cone Sul. Local: Anfiteatro Padre Werner, Campus da UNISINOS, São Leopoldo (RS). Na oportunidade, o livro será vendido com 40% de desconto.

Um copo d'água e Simpósio Internacional

No dia 27 de junho, no evento IHU Idéias, que debaterá o livro Um Copo d'água, será lançado o Simpósio Internacional Água: bem público universal, a ser realizado, na UNISINOS, de 20 a 23 de maio de 2003.

2004: Campanha da Fraternidade sobre Água

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB – acaba de aprovar o tema da Campanha da Fraternidade de 2004: Fraternidade e Água.

Ensino Social da Igreja e a Globalização No dia 26 de junho, dentro da programação do Simpósio Nacional Bem Comum e Solidariedade, às 17 horas, no Anfiteatro Padre Werner, será lançado o livro Ensino Social da Igreja e Globalização, que reúne as quatro conferências principais do Simpósio Internacional, realizado em setembro de 2001, no qual foi lançado o projeto do Instituto Humanitas Unisinos. O livro, um lançamento da Editora Unisinos, terá, na oportunidade, um desconto de 20%. O ato de lançamento do livro será abrilhantado pela apresentação do Grupo Baturidança da UNISINOS. Pastoral No dia 18 de junho, a coordenação se reuniu longamente com o grupo temático Pastoral, do Setor 3 do IHU, Religiões, Teologia e Pastoral. Participaram da reunião, além da coordenação do IHU, Ana Maria Formoso, Maria Helena Pastorino, Cláudia Acosta, Ir. Vanderlei Backes, Lauro Edeberto de Souza e Águeda Bichels.


Rio + 10 e José Lutzenberger

No dia 19 de junho, a coordenação do IHU esteve reunida com a profa. .Ms. Matilde Cechin BioNote, do Centro de Ciências Humanas da UNISINOS, e com Alden Bourscheit, assessor de imprensa da Associação Brasileira das Entidades Estaduais para organizar o evento Rio + 10. Um debate em memória de José Lutzenberger, a ser realizado no Auditório Central, no dia 8 de agosto de 2002.

Centro de Ciências da Comunicação

No dia 19 de junho, a coordenação do IHU esteve reunida com a profa. Dra. Ione Maria Ghislene Bentz, diretora do Centro de Ciências da Comunicação.

Mudanças no Mundo do Trabalho

No dia 20 de junho, Inácio Neutzling, coordenador do IHU, assessorou o II Congresso dos Municipários de Cachoeirinha, RS, promovido pelo Sindicato dos Municipários do mesmo município. Com a presença de 253 delegados, o tema abordado foi As Mudanças do Mundo do Trabalho e a Cultura da Solidariedade.

ADCE

No dia 20 de junho, Inácio Neutzling, coordenador do IHU, palestrou, em Porto Alegre, na Reunião Almoço da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa – ADCE – sobre o projeto do Instituto Humanitas Unisinos e o Simpósio Nacional Bem Comum e Solidariedade.

A Sociedade Sustentável, Hoje. Desafios e Perspectivas

No dia 20 de junho, a coordenação do IHU esteve reunida, pela terceira vez, com o prof. Demétrio Luis Guadagnin, do Centro de Ciências da Saúde/UNISINOS, com a profa. Matilde Cechin BioNote, do Centro de Ciências Humanas/UNISINOS e o prof. Alcido Anildo Arnhold, coordenador do Programa de Ação Social na Zona Sul de São Leopoldo/IHU, para organizar a semana de debates sobre A Sociedade Sustentável, Hoje. Desafios e Perspectivas, a ser realizada de 4 a 8 de novembro de 2002, no Auditório Central. Simultaneamente haverá uma ampla exposição no Espaço Cultural. O evento celebrará, entre outras, a memória de José Lutzenberger.

Direito do Consumidor

No dia 1 de julho de 2002, às 8h, no Auditório Prof. Dr. Maurício Batista Berni – Centro de Ciências Jurídicas, realizar-se-á a sessão pública de Defesa da Primeira Tese de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Direito, com o tema A Teoria da Ação Social e o Direito do Consumidor: A Responsabilidade Civil por Danos ao Consumidor Causados por Defeitos dos Produtos, de autoria do Doutorando Agostinho Oli Koppe Pereira.

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O entrevistado relâmpago desta edição é...

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José Ivo Follmann é diretor do Centro de Ciências Humanas e um dos grandes idealizadores e incentivadores do IHU. Jesuíta e padre, José Ivo é graduado, mestre e doutor em Sociologia. Um pouco de história- Nasci em Cerro Largo, sétimo de onze irmãos. Aos onze anos, fui para o Seminário, em Salvador do Sul, seguindo o caminho de dois irmãos meus. Nas férias de verão, ia para casa e trabalhava na roça com a família, aliás desde os cinco anos pegava firme na enxada. Depois fui para Florianópolis e terminei o segundo grau. Lá tive meu primeiro contato com o meio urbano. Aos 17 anos, fui a Pareci Novo para fazer o Noviciado. Tínhamos uma turma bastante rebelde. Saíamos com uma banda para tocar e cantar. Eu era cenógrafo. Depois fui para SP e comecei Filosofia e Ciências Sociais. Finalmente, vim para o Colégio Anchieta, em POA, onde continuei os estudos de Ciências Sociais na UFRGS. Lecionava no Anchieta e nas férias ia completando Filosofia em SP. Estudos- Em 72, terminei Sociologia e Filosofia e vim para fazer Teologia em São Leopoldo. No ano seguinte, estreei como professor de Sociologia na UNISINOS. Entre os anos 81 e 84, fiz o Mestrado em Sociologia na PUCSP e vivenciei de perto uma Igreja muito engajada socialmente. Isso enriqueceu minha percepção sociológica e eclesial. Orientei meus estudos para a Sociologia das Religiões. Em 90, fui fazer o doutorado na Bélgica. Essa experiência foi muito importante, porque me deu uma percepção mais plural do mundo. Autores- Teilhard de Chardin; Henri de Roche; Max Weber; Karl Marx; Alain Touraine;

François Houtart.

Livros- Se eu citasse alguns, seria injusto com muitos outros que também me marcaram. Cinema, música, literatura, arte- Eu gosto de apreciar e de curtir. Em geral não sou muito atento a quem é o autor disto ou daquilo. Em geral todos os gêneros me fazem muito bem. Tudo me faz "viajar"... Isto é muito bom. Parece que a gente sai de si, ou melhor, parece que o mundo cresce infinitamente ao redor. Nas horas livres- Gosto de caminhar despreocupadamente. Curtir uma boa música sozinho. Um presente- Adoro recebê-los, especialmente presépios em miniaturas, os quais coleciono.


Sociologia e religião- Tive oportunidade de ter contatos muito diversos tanto dentro do campo da sociologia quanto dentro do campo religioso. A minha trajetória fez-me alguém que tem uma grande facilidade de conviver frutuosamente com o diferente, curtindo profunda e gostosamente a diversidade. Talvez seja por isto que o "diálogo inter-religioso" tanto me apaixona. Unisinos- Faz parte de minha vida. No próximo ano, completo oficialmente 30 anos aqui. É um espaço no qual se pode dar uma boa contribuição à sociedade. Diretor do Centro 1- Sempre fui muito avesso a isso. Fiquei até surpreso com o convite. Mas, acho que é um papel importante para dar uma contribuição à Universidade. Duas contribuições importantes foram a elaboração de uma proposta de formação humanística de orientação cristã e a própria iniciativa de criar o IHU como presença forte. IHU- Muito boas perspectivas. É uma referência para muitas outras instituições universitárias da Companhia. Brasil- O País mais maravilhoso do mundo. E quem sabe, ainda, o Brasil não termine dando boas lições dentro do atual contexto econômico, político, internacional. Tenho boas expectativas de que Brasil possa exercer esse protagonismo. Simpósio- O Simpósio Nacional do Bem Comum e Solidariedade aborda uma temática muito oportuna e atual. Uma das questões mais desafiadoras é a ética na política, no contexto de um ano eleitoral. Um sonho- Ver a UNISINOS se transformar num espaço de vida para toda a população que nos rodeia, especialmente os mais pobres. Se acontecer isso, morreria feliz.

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Recebemos, por intermédio do Pe. Marcelo Fernandes de Aquino, a seguinte correspondência: "Causaram-me profunda impressão as homenagens prestadas ao Pe. Vaz na UNISINOS por ocasião de seu falecimento. Refiro-me à celebração da Eucaristia de 7o. dia e às extensas matérias, com depoimentos pessoais, publicadas em IHU-online, bem como à sessão solene no próximo dia 24 de junho. Gostaria também de mencionar a riqueza de informações da publicação IHU--on-line, que não conhecia". João A. Mac Dowell - reitor do Centro de Estudos Superiores - CES - Belo Horizonte – MG Envie sua opinião, pergunta ou sugestão. Ocupe seu espaço no IHU On-Line, escrevendo a humanitas@poa.unisinos.br


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