CONFERÊNCIA
MUNDIAL SOBRE O DESENVOLVIMENTO SU S T E N T Á V E L A Cúpula 2002 de Johannesburgo - Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável -, que acontece de 26 de agosto a 4 de setembro na cidade sul-africana, vai reunir centenas de participantes, entre chefes de Estado, delegações nacionais, líderes de organizações não-governamentais e grupos empresariais com o objetivo de discutir os desafios mundiais de conservação das fontes naturais e melhoria da vida humana. Apelidada de Rio+10, ela acontece por ocasião dos dez anos da Eco-92 ou Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, realizada em junho de 1992. Dela resultou um plano de ação global sem precedentes, a Agenda 21, que atacou problemas decorrentes de poluição, desmatamento, superpopulações e pobreza por meio de ambiciosos projetos. Marco da política ambientalista mundial, a Eco-92 reuniu delegações de 166 países e representantes da sociedade civil com o objetivo de diminuir a dependência de combustíveis fósseis, o combate à desertificação, regulamentos mais severos para diminuir lançamentos de dejetos nos oceanos etc. Suas metas, porém, não foram integralmente implementadas. No dia 8 de agosto, às 20h, no Auditório Central, o Instituto Humanitas Unisinos promove o evento Rio+10: um debate em memória de José Lutzenberger. Debatedores e debatedoras estarão discutindo o que está em jogo nesta importante Cúpula de Johannesburgo. No dia 1o de agosto, abrindo a programação do IHU Idéias do segundo semestre 2002, o jornalista Aldem Bourscheit Cezarino apresentará o tema “O impasse globalizado: a Rio + 10 em Johannesburgo” e no dia 8 de agosto, sempre dentro da programação do IHU Idéias, o prof. Henrique Carlos Fensterseifer, apresentará o tema “Preservação ambiental na bacia do Camaquã – Ciência e Relações Humanas”. Assim, a UNISINOS participa ativamente dos importantes debates que afetam a comunidade internacional. A seguir publicamos um artigo de M. Gorbachov e de Fábio Feldmann sobre o significado da Rio+10 a ser realizada em Johannesburgo.
POUCO TEMPO PARA SALVAR A TERRA Com este título, o jornal italiano La Stampa 13-7-02, publicou o artigo de Mikhail Gorbachov, sobre a importância e o significado da reunião de Johannesburgo. Traduzimos e publicamos o artigo na íntegra. “Para o encontro de Johannesburgo – a segunda ‘cúpula da Terra’- falta, aproximadamente, um mês e meio. Há uma grande esperança por este evento: de fato, nele falar-se-á das prospectivas do nosso futuro comum. Mas, mais passa o tempo, e mais aumentam também as preocupações. Preocupações legítimas. A primeira ‘cúpula da Terra’ realizou-se no Rio de Janeiro, há dez anos. Lá se produziram documentos importantes que diziam respeito às inquietações da humanidade pelo estado do nosso planeta. Os documentos continham também importantes reflexões e bem concretas sobre as ações a serem tomadas para, pelo menos, diminuir a degradação do ambiente, reconstituir uma relação aceitável entre o homem e o resta da natureza. Na década passada, houve outras cúpulas mundiais. Em Kyoto, houve a cúpula sobre os problemas do aumento da temperatura e do clima. Em Haia, sobre o agudo problema do déficit de água potável. Em Monterrey, sobre o problema da pobreza. Em Roma (cúpula da FAO) sobre o problema da luta contra a fome. O debate tem sido importante, muitas vezes também áspero. Foram aprovados documentos. Mas o que tem produzido tudo isto? Na prática, nada. A situação não só não melhorou, mas continua a piorar. Tem razão Kofi Annan quando diz que devemos estar ‘cheios de vergonha’. Sim, foi uma década perdida. Agora estamos no século XXI. E nos rendemos conta que está na hora de romper o círculo vicioso dos debates sem conseqüências. Sem resultados concretos e reais. Isto se torna ainda mais importante tendo em vista que o processo de globalização, jogando para as urtigas as suas potencialidades positivas, até o momento não fez mais que agravar os problemas existentes. O perigo cresce. Recentemente – e todos os jornais italianos falaram disso – os cientistas se perguntaram se a humanidade poderá sobreviver ao ano 2050. Os interesses da humanidade, de todos os cidadãos do nosso planeta, até as suas próprias vidas e a dos seus filhos e netos, estão ameaçados. Este perigo nunca pode ser ignorado. A passividade está se tornando um crime. Os interesses coletivos dos seres humanos impõem que se passe para a ação. Mas alguns têm dúvidas e se perguntam se tutelar a Terra, a sua natureza, não estragarão os seus interesses privados, especialmente os da comunidade dos negócios. Estas dúvidas não têm fundamento. Com uma aproximação correta e racional os interesses privados podem (e devem) ser harmonizados com os interesses globais. É evidente que isto pressupõe esforços e até sacrifícios. Mas estes esforços e sacrifícios serão recompensados e serão vantajosos para todos nós. Mas o que acontece na realidade? Pessoalmente, estou muito preocupado: as iniciativas reais se encontram no ponto zero, ou quase. Às vezes se vai até para trás. Eis um exemplo. A raiz de muitos problemas modernos – da ecologia ao terrorismo – está na terrificante pobreza na qual vivem bilhões de pessoas. Mas a
ajuda dos países ricos aos países pobres, na última década, reduziu-se de 0,35% para 0,22% do PIB dos países ricos. É verdade que na reunião do G-8 em Kananaskis se disseram muitas palavras oportunas sobre a necessidade de incrementar a ajuda aos países pobres. Mas, até o momento, cabe-nos somente esperar que às palavras correspondam gestos concretos. Mas preocupam as observações que acompanham as boas palavras. Por exemplo, que se deve ajudar somente aqueles que aplicam políticas de liberalização e privatizações. Ou, que é preciso ajudar somente os países ‘democráticos’. Em outras palavras, ao contrário de ajudar a todos, se colocam condições para receber a ajuda. Mas não é, por acaso, evidente que sem a vitória sobre a pobreza, sobre a fome, sobre a ameaça de morte pela desnutrição, não é possível nenhum processo de desenvolvimento, quanto menos democrático? Os preparativos para a cúpula de Johannesburgo continuam. Mas como? O encontro preparatório na Indonésia, na ilha de Bali, que deveria ser decisivo, não produziu resultados visíveis. O que significa isto? Significa que muitos não se deram conta da necessidade de mudar o modelo de desenvolvimento existente. Um modelo que destrói o nosso ambiente, que piora as condições da nossa existência. Isto significa também que a cúpula de Johannesburgo pode terminar sem resultado. Consciente deste perigo, na qualidade de presidente da Cruz verde internacional, enviei uma carta a setena chefes de Estado e de governo. A mensagem é simples: o fracasso da cúpula de Johannesburgo seria um desastre e por isso é inadmissível! Hoje, no entanto, vejo que alguns chefes de Estado e de governo, inclusive dos países que têm uma grande responsabilidade na poluição, parecem prontos a não participar do encontro de Johannesburgo. Trata-se de um sinal importante e negativo. Estamos novamente no umbral do risco. Risca-se o fracasso da cúpula e, o que é mais preocupante, teme-se que, no melhor dos casos, tudo se limitará a novas palavras, boas e corretas, mas sem nenhuma conseqüência prática. Repito: o tempo das palavras acabou. Permanecer com as mãos no bolso significa dar um passo para o abismo. Em Johannesburgo é preciso que os problemas fundamentais da modernidade sejam examinados: a pobreza, o déficit da água potável, a ameaça das ulteriores mudanças negativas do clima. Mas um exame não basta. É necessário chegar a decisões concretas. O século XX, com as suas tragédias, foi um século de inquietantes admoestações. O século XXI pode tornar-se o século das respostas aos desafios do nosso tempo. Não podemos nos permitir de não dar estas respostas, pois o contrário seria tornar o século apenas começado o último na história da humanidade”.
O MEIO AMBIENTE DO PLANETA Reproduzimos, com o título abaixo, na íntegra, o artigo de Fábio Feldmann, secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, publicado na Gazeta Mercantil, 21, e fim de semana, 22 e 23 de junho de 2002, página A-3. “Dez anos se passaram desde que representantes de 179 países reunidos na histórica Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92, definiram uma agenda de compromissos para conter a degradação ambiental do planeta. Havia, ao término da conferência, a sensação coletiva de que se firmava um pacto pela transformação do mundo, no sentido de garantir o direito de futuras gerações ao desenvolvimento com mais eqüidade. Hoje se constata que o marco estabelecido na Rio 92 não foi suficiente para que o mundo passasse por tal transformação. Muitos daqueles compromissos são hoje questionados no campo conceitual, ainda que a maior parte nem sequer tenha sido implementada. O melhor exemplo é o Protocolo de Kyoto, que fixou metas para a redução dos gases do efeito estufa que, mesmo insuficientes, teriam sido significativas. Mas a resistência dos Estados Unidos, o maior emissor mundial de carbono, impediram a sua colocação em prática. Para avaliar o que aconteceu – e não aconteceu – depois da Rio 92, outra conferência, a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, extraoficialmente chamada Rio +10, deverá reunir em Johannesburgo, na África do Sul, de 26 de agosto a 4 de setembro, governos nacionais, agências das Nações Unidas, organizações não-governamentais, associações empresariais. Se na Rio 92 se definiram marcos conceituais, trata-se agora de estabelecer ações efetivas. E sempre que se trata de mudanças de retórica para mudanças de ação enfrentam-se barreiras maiores. Essas dificuldades estiveram presentes em todo o processo de negociação, durante as quatro conferências preparatórias de Johannesburgo, a última realizada em Bali no começo do mês. Mais preocupante ainda é a onda liderada pelos EUA, no sentido de rever metas de sustentabilidade. O Brasil tem a responsabilidade de manter o legado do Rio. Nesse sentido, esforça-se para enfrentar a pouca liderança que é a marca principal de todo o processo preparatório de Johannesburgo. O Brasil liderou a realização da Iniciativa Latino-Americana e Caribenha, da qual resultaram iniciativas semelhantes de outros blocos geográficos. Está organizando um grande evento internacional sobre desenvolvimento cujo objetivo é avaliar os 30 anos desde Estocolmo, sede da primeira conferência mundial, que serviu como marco da preocupação ambiental do planeta. O objetivo do Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Sustentável: de Estocolmo a Johannesburgo, que começa no dia 23 de junho, no Rio, é sinalizar que um eventual fracasso em Johannesburgo é inaceitável, e não se pode correr o risco de repensar os conceitos da Rio 92. Para isso, o governo brasileiro convidou representantes das Nações e de vários países, como o bispo Desmond Tutu, e o organizador da Rio 92, Maurice Strong, entre outros, para responder algumas perguntas.
Quais os resultados positivos obtidos no contexto do desenvolvimento sustentável nos últimos dez anos? Qual o cenário ambiental nos próximos dez anos? Quais as expectativas para a conferência de Johannesburgo? É inaceitável um retrocesso em Johannesburgo”.
Nos dias 13 e 14 de junho, aconteceu o II Encontro da Rede de Homólogos de Educação da Associação de Universidades Confiadas à Companhia de Jesus na América Latina (AUSJAL), em Caracas, Venezuela. Decanos ou diretores das Faculdades de Educação dos Jesuítas de 13 instituições estiveram presentes com 25 representantes. Pela UNISINOS, participou o Diretor do Centro de Ciências Humanas, Prof. Dr. José Ivo Follmann. Segundo ele, foram dois dias de troca de informações sobre a situação de cada Instituição. Também foram abordadas quatro temáticas centrais: Pedagogia Inaciana; Qualidade da educação e formação integral; Currículo e compromisso social e Proposta de pesquisa. Esta última é uma iniciativa que partiu do Movimento Fé e Alegria, que trabalha com educação popular. A pesquisa se propõe a conhecer a situação da educação básica na América Latina. Dessa forma, a AUSJAL consolida mais uma rede, a dos decanos de educação, que, junto com a rede de pesquisa da pobreza e globalização e a rede dos decanos de administração, vai abrindo novos horizontes para as Universidades Jesuíticas. Ainda, no encontro, foi escolhida a coordenação da rede, que ficou assim constituída: Profa. Dra. Silvana Campagnaro (Venezuela) - coordenadora geral; Prof. Dr. Rafael Campo (Colômbia) - coordenador da região Norte; Prof. Dr. Juan Eduardo Garcia (Chile) coordenador da região Sul; Prof. Dr. José Ivo Follmann - coordenador da região Brasil. O evento contou com a presença de Luis Ugalde, presidente da AUSJAL e Xavier Gorostiaga, secretário executivo. O prof. Dr. José Ivo Follmann apresentou o trabalho da UNISINOS, dando um especial destaque ao Instituto Humanitas Unisinos. Segundo ele, os participantes, e de maneira especial o presidente e o secretário executivo da AUSJAL, ficaram com muita expectativa sobre o trabalho do IHU.
O encontro Rio+10 Brasil, nos dias 23 e 25 de junho, foi a última reunião internacional de preparação para a Cúpula Mundial da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+10), na África do Sul. Promovida pelo governo brasileiro, a reunião ocorreu no Museu de Arte Moderna, no Rio, procurando afinar as posições dos países em desenvolvimento para a reunião de 26 de agosto a 4 de setembro, em Johannesburgo, na África do Sul. Técnicos e representantes de cerca de 50 países buscaram uma sintonia entre os países em desenvolvimento, para que a reunião de Johannesburgo não fique apenas no aspecto da pobreza, podendo trazer retrocesso no que já foi conseguido dez anos atrás, na Eco-92.
Denominado “Rio+10 Brasil”, o encontro no Museu de Arte Moderna foi a última grande reunião preparatória da conferência mundial de Johannesburgo.
Confira as atividades no IHU Idéias do mês de Agosto de 2002. Todas as quintas-feiras das 17h30min às 19h, na sala 1C103. Dia
Assunto
Convidado
1/08
O impasse globalizado: a Rio + 10 em Johannesburgo
Jornalista Aldem Bourscheit Cezarino
8/08
Preservação ambiental na bacia do Camaquã – Ciência e Relações Humanas
Prof. Ms. Henrique Carlos Fensterseifer.
15/08
O mundo do trabalho a partir do ´Germinal´, de Émile Zola
Prof. Dr. Lauro João Dick
22/8
O homem cordial: Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda
Profª. Drª. Eliane Cristina Deckmann Fleck
29/8
A crise da água
Prof. Dr. Leonardo Maltchik Garcia.
O FUTURO DA VIDA WILSON, Edward Osborne. O futuro da vida: um estudo da biosfera para a proteção de todas as espécies, inclusive a humana, (título original: The future of life, Alfred A. Knopf, Rondon House, Inc, 2002) tradução de Ronaldo Sérgio de Biasi – Rio de Janieiro: Campus, 2002. No final, nossa sociedade será definida, não pelo que criamos, mas pelo que nos recusamos a destruir. John C. Sawhill (1936-2000)
Edward O. Wilson é autor de dois livros ganhadores do Prêmio Pulitzer, On Human Nature (1978) (Da Natureza Humana – publicado em português pela T. A Queiroz Editora) e The Ants (1990, com Bert Hölldobler) – As formigas - além de muitos outros trabalhos pioneiros, entre eles Naturalista e A Unidade do Conhecimento, publicado pela Editora Campus. Ganhador de muitos prêmios de ciência e defesa da natureza, é atualmente professor na Universidade de Harward e Curador Honorário de Entomologia do Museu de Zoologia Comparativa de Harward. Reproduzimos a ‘orelha’ do livro e a entrevista concedida pelo autor a uma revista americana. “Esta é uma obra extremamente importante e oportuna, escrita por um dos cientistas mais influentes do mundo (e duas vezes ganhador do Prêmio Pulitzer): um grito apaixonado a favor de medidas rápidas e incisivas para salvar o tesouro biológico da Terra e um plano para conseguir este objetivo. Hoje sabemos que nosso mundo é infinitamente mais rico do que se pensava; entretanto, tem sido tão devastado pelas atividades humanas que metade das espécies poderá se extinguir até o final deste século. Essas duas verdades contrastantes – uma riqueza inesperada e um perigo subestimado – só vieram à luz nas últimas duas décadas de pesquisas no campo da biodiversidade. Neste livro inteligente e, em última análise, otimista, Wilson descreve os tesouros do mundo natural que estamos prestes a perder para sempre – em muitos casos, animais e plantas que acabamos de descobrir e cujo potencial para nos alimentar, proteger e curar nossas doenças é imprevisível – e o que podemos fazer para salvá-los. No processo, discute os fundamentos éticos e religiosos do movimento de defesa do ambiente e desmente o mito de que a política de proteção do ambiente é contrária ao crescimento econômico, mostrando de que forma os novos métodos de conservação podem assegurar o progresso econômico continuado. O Futuro da Vida é uma realização magistral: ao mesmo tempo uma descrição comovente de nossa biosfera e um manual para a proteção de todas as espécies que abriga, incluindo a humanidade”.
Entrevista com o autor Reproduzimos na íntegra a entrevista que o cientista norte-americano Edward Osborne Wilson concedeu a John Glassie da Salon e que foi reproduzida pela Folha de São Paulo, 17-02-02, no Caderno Mais. Os subtítulos são nossos. Salon: Como será a vida daqui a cem anos? Edward Wilson: Se as tendências atuais se mantiverem, o resultado será o empobrecimento irreversível das espécies. No ritmo em que estamos indo hoje, perderemos metade das espécies animais e vegetais da Terra até o final do século. Salon: Mesmo assim, ainda teremos milhões de espécies, certo? Edward Wilson: Mas a perda é para sempre, e essas espécies têm centenas de milhares de anos de vida, em muitos casos milhões de anos, e estão perfeitamente adaptadas a seu ambiente. Cada espécie é uma obra-prima da evolução, algo que a humanidade jamais conseguiria reproduzir, nem mesmo se, com a ajuda da engenharia genética, conseguíssemos de alguma maneira criar organismos novos. A perda maciça de espécies prejudicaria a estabilidade do ambiente mundial. Além disso, vamos perder bibliotecas vivas de informação genética, que poderiam ser de enorme utilidade para a humanidade no futuro.
Para concluir, há o argumento moral, segundo o qual existe algo de muito errado em destruir a Criação.
O l i m i t e q u e o p l an et a p o d e su p o r t ar
Salon: Qual seria o impacto sobre os seres humanos? Edward Wilson: As estimativas mais conservadoras prevêem que a população humana chegue ao pico de 8 bilhões ou 10 bilhões de pessoas até o final do século, e isso será praticamente o limite máximo que o planeta poderá suportar, a não ser que surja alguma maneira radicalmente nova de produzir alimentos ou gerar energia. As pressões sobre os recursos remanescentes – recifes de corais, florestas tropicais e tundra ártica – podem tornar-se totalmente devastadoras.
O est i l o d e co n su m o am er i can o exi g i r i a q u at r o p l an et as
Salon: E o impacto econômico? Edward Wilson: Vamos considerar que, de acordo com um estudo baseado em dados referentes a 1997, o mundo natural e todos aqueles milhões de espécies contribuam com estimados US$ 30 trilhões anuais em serviços totalmente gratuitos. É aproximadamente comparável ao PIB de todos os países do mundo juntos. E os especialistas acreditam que precisaríamos de mais quatro planetas Terra para sustentar toda a população do mundo nos níveis de consumo vigentes nos EUA. Precisamos melhorar a qualidade da vida, mas não com os modos de produção ineficientes e perdulários que hoje dominam o mundo desenvolvido. Salon: Digamos que o sr. fosse o presidente dos EUA. Qual seria sua pauta de prioridades ambientais? Edward Wilson: Uma nova forma de geração de energia sustentável, novos meios de transporte, a conservação dos recursos naturais e a melhora geral da qualidade da vida norte-americana, com uma simultânea redução no consumo per capita de energia e materiais. O presidente ou a presidente que exercesse esse tipo de liderança asseguraria seu legado por todos os tempos.
Duas perguntas incômodas
Salon: Mas não parece provável que algum presidente o faça, muito menos um presidente republicano. Edward Wilson: Na primavera passada, fui convidado a dar uma conferência numa das mais importantes instituições que reúnem pensadores conservadores. Formulei duas perguntas: qual é o fundamento do conservadorismo, se ele não abrange a conservação? E por que os conservadores abandonaram, de maneira desnecessária e destrutiva, a posição moralmente mais louvável no tocante a essa questão? Tivemos um debate animado. Basicamente, eles disseram que os progressistas são todos a favor do céu azul, são grandes faladores e sonhadores, enquanto os conservadores são pessoas práticas, voltadas à resolução de problemas, que mantêm as rodas girando e o mundo seguindo seu curso correto. Mas este problema eles não estão resolvendo. Com freqüência, eles nem sequer admitem que exista.
O s p r i n cí p i o s d a so ci o b i o l o g i a
Salon: Imagino que não tema ser visto como um dos tais malucos progressistas, comedores de granola. Edward Wilson: Não tenho medo nenhum de ataques nesse sentido. Meus escritos sobre sociobiologia, nos anos 1970, indicavam que o comportamento humano instintivo normal de fato possui um viés biológico, que, por sua vez, se originou da seleção natural, ao longo de períodos muito longos de tempo. Na época, a esquerda
acadêmica incluía muitos cientistas sociais que baseavam seus programas e seu raciocínio sociais na premissa de que os humanos são uma tábua rasa. Assim, eu me tornei um dos alvos preferidos da esquerda. Hoje, por promover a conservação com tanta ênfase quanto eu faço, às vezes sou alvo da direita. Vejo isso como uma realização considerável para um acadêmico. Espero que, algum dia, me dêem crédito por isso. Salon: Mas os princípios da sociobiologia – a idéia de que os comportamentos pessoais e sociais são movidos pelas forças da evolução – não devem ser muito bem aceitos pelos criacionistas, por exemplo. Edward Wilson: É verdade. É muito curioso o fato de que eu nunca tenha sido criticado pela direita nessa questão. A única razão que pude imaginar é que os principais pensadores da direita religiosa, incluindo os antievolucionistas, que seriam os mais atingidos, simplesmente não tinham conhecimento da sociobiologia. Ela era teórica demais, complexa demais. Mesmo hoje, os criacionistas dirigem seus ataques principalmente contra as evidências fósseis de que a humanidade se desenvolveu a partir de formas semelhantes ao macaco. Eles não mergulham nas minúcias da neurociência ou do comportamento.
A n o ção car t esi an a d e d u al i sm o en t r e co r p o e al m a est á m o r t a p ar a sem p r e
Salon: Falando em neurociência, o Sr. acredita que a própria consciência também seja uma adaptação evolutiva? Edward Wilson: Sim. Para prová-lo, será preciso dispor de muito mais informações sobre, por exemplo, os neurocircuitos, a natureza da memória e os insumos emocionais do raciocínio. Uma vez que tivermos compreendido tudo isso, acredito que ficará claro que a consciência é uma adaptação darwiniana. Salon: Quais são as implicações disso para o conceito de alma? Isso significa que o Sr. não acredita na existência dela? Edward Wilson: Sim – não acredito nela no sentido religioso. Acho que a noção cartesiana de dualismo entre corpo e alma está morta para sempre. Sinto muito, mas é assim. E isso é mais uma razão para nos lançarmos numa reflexão profunda sobre os valores humanos e para onde queremos que a espécie caminhe.
Darwinismo predador
Salon: Bem, é inegável que o fato de utilizar os recursos da Terra levou a espécie humana a crescer e prosperar. A pilhagem desses recursos seria, também, um exemplo irônico do darwinismo, da sobrevivência dos mais aptos? Edward Wilson: Infelizmente, sim. Sempre foi vantajoso para as pessoas, vantajoso num sentido darwiniano, converter terras para o uso na agricultura e na pecuária. Sempre foi vantajoso no curto prazo. Mas, a longo prazo, pode ser desastroso para a espécie. O bom dos humanos é que somos capazes de antever o futuro o suficiente para evitarmos tragédias, quando se trata de tragédias decorrentes de nossas ações. Salon: O que dizer sobre a evolução como solução de problemas ambientais? Não poderíamos evoluir biologicamente para nos adaptarmos a uma biosfera deteriorada? Edward Wilson: Eu já vi pessoas dizerem isso sem nenhuma ironia evidente. Mas a idéia de que deveríamos simplesmente seguir adiante, de maneira impensada - nos reproduzindo demais, destruindo o ambiente natural em que nossa espécie evoluiu e depois tentando mudar nossos genes, enquanto tudo vai acabando, é um pesadelo que nenhuma pessoa em sã consciência quereria cogitar seriamente. Salon: Os humanos ainda estão evoluindo?
Edward Wilson: Não, pelo menos não em qualquer sentido direcional. Mas, em outro sentido, estamos nos modificando rapidamente. Estamos nos transformando num ‘pool’ genético mais homogêneo, uma tendência que, dentro de mais alguns séculos, pode resultar numa população humana bastante homogênea. Os genes que compõem as diferenças raciais tradicionais serão mais e mais compartilhados.
Colonizar o espaço?
Salon: Recentemente Stephen Hawking disse que a raça humana não vai sobreviver até o final deste milênio a não ser que comecemos a colonizar o espaço. O Sr. concorda? Edward Wilson: Admiro Stephen Hawking, mas acho que ele está totalmente enganado. Todas as evidências indicam que podemos, sim, fazer da Terra nosso lar permanente e seguro. Foi aqui que nossa espécie evoluiu. Foi para isso que nossa biologia se adaptou, até os mais mínimos detalhes - nossa fisiologia, o desenvolvimento de nossa mente. Salon: Que tal colonizar o espaço para aliviar um pouco a Terra? Edward Wilson: A grande maioria dos físicos e biólogos que vêm pensando sobre isso concorda que colonizar o espaço seria uma das maneiras mais destrutivamente caras possíveis de tentar aliviar a superpopulação humana. Não está no destino da humanidade pilotar veículos de fuga para escapar de uma Terra moribunda. Somos a primeira espécie a realmente possuir a habilidade de controlar o planeta, como força biofísica. Também somos a primeira espécie a enxergar longe no futuro e planejar nosso impacto sobre o planeta. Além disso, somos a primeira espécie a ter uma evolução baseada na vontade. Podemos nos transformar geneticamente no que quisermos.
Acredito na espécie humana
Salon: Poderíamos usar a bioengenharia para alterar a fisiologia humana e poder viver num ambiente deteriorado? Edward Wilson: Isso levanta a questão de sermos estúpidos a ponto de continuar a permitir que o ambiente se deteriore, sem nos preocuparmos com a questão, porque talvez pudéssemos nos modificar de modo a suportar um mundo mais quente, com mais poluentes atmosféricos e uma dieta diferente. Mas isso seria uma opção substancialmente distanciada daquilo que enxergamos como a condição humana natural. Salon: Se fizermos tudo o que estiver a nosso alcance para manter a vida na Terra, quanto tempo ainda teremos, como espécie? Edward Wilson: Acho que até o Sol morrer. Salon: O que acontecerá se continuarmos no mesmo caminho? Edward Wilson: É possível que Stephen Hawking acabe tendo razão. Salon: E, nesse caso, quanto tempo teríamos? Edward Wilson: É extremamente improvável que o Homo sapiens se extinga, mas até o final do século teremos perdido a maior parte do ambiente natural. Entretanto, não prevejo que isso vá acontecer. Vamos aprender a viver de maneira sustentável neste planeta. Salon: O sr. ganhou um prêmio Pulitzer por um livro intitulado Sobre a Natureza Humana. Acredita mesmo nisso? Edward Wilson: Sim. Acho que as pessoas possuem inteligência suficiente para agir no interesse global.
Modernidade Autodevoradora O artigo da semana: Robert Kurz, ‘Modernidade Autodevoradora’, Folha de São Paulo, Caderno Mais, 14 de julho de 2002, p. 11-12. “Presumivelmente a natureza já existia antes da economia moderna. Por isso a natureza é em si gratuita, não tem preço. Isso distingue os objetos naturais sem elaboração humana dos resultados da produção social, que já não representam a natureza "em si", mas a natureza transformada pela atividade humana. Esses "produtos", diferentemente dos objetos naturais puros, nunca foram de livre acesso; desde sempre estavam sujeitos, segundo determinados critérios, a um modo de distribuição socialmente organizado. Na modernidade, é a forma da produção de mercadorias que regula essa distribuição no modo do mercado, segundo os critérios de dinheiro, preço e demanda (solvência)”. É assim que R. Kurz inicia o seu artigo, partindo da intuição de Karl Polanyi, de que a mercadoria terra, trabalho e dinheiro são meras ficções. Kurz, no entanto, não cita Polanyi. Kurz mostra no artigo como “esse deus secularizado da modernidade, o capital como "valor que se autovaloriza" incessantemente (Marx), não aparece, porém, apenas na figura de uma coisificação irracional; ele é ainda muito mais ciumento que todos os outros deuses antes dele. Com outras palavras: a economia moderna é totalitária. Ela levanta uma pretensão total sobre o mundo natural e social”. A partir daí o autor analisa a privatização dos bens públicos. “Mas essa privatização total do mundo mostra definitivamente o absurdo da modernidade; a sociedade capitalista torna-se autocanibalística. A base natural da sociedade é destruída com velocidade crescente; a política de diminuição dos custos e a terceirização a todo o preço arruínam a base material das infraestruturas, o conjunto organizador e, com isso, o valor de uso necessário”. A lógica deste processo, segundo Kurz, terminará por fazer com que “logo também o sol não brilhará de graça. E quando virá a privatização do ar que se respira? O resultado é previsível: nada funcionará mais, e ninguém poderá pagar. Nesse caso, - conclui Kurz - o capitalismo terá de fechar tanto a natureza como a sociedade humana por "escassez de rentabilidade" e abrir uma outra”.
ALAIN CAILLÉ, O TRIUNFO DO ECONOMICISMO Entrevista de Alain Caillé publicada na revista Primeira Leitura, n. 05, 5-7-02. O AUTOR Caillé é professor de economia e sociologia na Universidade de Paris X-Nanterre, diretor do Geode (Grupo de Estudo e de Observação da Democracia) e autor de vários livros, entre eles Critique de la Raison Utilitaire (Crítica da Razão Utilitária) e Anthropologie du Don (Antropologia do Dom) (Desclée de Brouwer), que será lançado em breve no Brasil pela Editora Vozes.
Alain Caillé é o organizador, juntamente com Christian Lazzeri e Michel Senellart, da obra Histoire Raisonnée de la philosophie morale et politique. Le bonheur et l’utile, Paris: La Découverte, 2001. Esta obra está sendo traduzida para o português pela Editora Unisinos. (Confira a resenha publicada na sética edição de IHU On-Line, no dia 4 de março). É também o fundador da importante Revue du M.A.U.S.S. (Movimento Antiutilitarista em Ciências Sociais)1. Os subtítulos e grifados são nossos. O TRIUNFO DO ECONOMICISMO Primeira Leitura: O Sr. é um enérgico combatente da visão economicista do mundo. Como o Sr. Analisa isso nas sociedades de hoje? Alain Caillé: Hoje vemos a vitória geral do economicismo no mundo inteiro, na Europa, por toda a parte. É uma vitória ao mesmo tempo prática e teórica. Na prática, ela é evidente: é o que chamamos aqui de mundialização e, na América Latina e nos países anglo-saxões, de globalização. Ela faz surgir um novo tipo de capitalismo, um megacapitalismo, que se tornou verdadeiramente internacional. Até que ponto é algo passível de discussão. O volume e o poderio das empresas alcançaram níveis nunca vistos. Outro traço fundamental desse megacapitalismo, um pouco menos visível, é que ele começa a se assemelhar ao que Marx descrevia no século 19: o mercado começa a englobar todas as esferas da existência. Há cerca de 15 ou 20 anos, ainda subsistia uma autonomia relativa da esfera política, intelectual, científica, artística, esportiva. Essa autonomia está sendo suprimida, e todas essas atividades se tornam mercantis. Isso é novo e coloca novos problemas. É o triunfo prático do economicismo. A biotecnologia, debate fundamental nos dias de hoje, também se torna uma atividade mercantil. O que não se percebe – e aqui acredito que o trabalho do M.A.U.S.S é importante – é que o triunfo do megacapitalismo foi precedido pela evolução maciça das idéias, preparada nos anos 60-70, no que diz respeito, primeiro, às ciências econômicas e, depois, ao conjunto das ciências sociais, da filosofia, da moral e da política. Nesse contexto, ocorreu uma grande mudança, fundamental, que foi mal notada no seu conjunto. Essa mudança deve ser analisada se quisermos ter armas intelectuais, ideológicas, para tentar reconquistar a autonomia e a liberdade em relação a esse economicismo geral. Tudo se reduziu ao Homo oeconomicus Primeira Leitura: O Sr. vê um tipo de pensamento único do economicismo? Alain Caillé: É um pensamento único. Até os anos 60-70, reinava um tipo de divisão do trabalho intelectual entre as diferentes disciplinas, num sistema de equilíbrio. A primeira das ciências sociais foi a economia política, que considerava ter um objeto importante e particular: o estudo das relações de mercado. Para estudar o sistema econômico, os economistas se apoiavam em representações simplificadas do ser humano, o Homo oeconomicus, puramente racional, egoísta, calculista, etc. Até os anos 60-70, os economistas consideravam que essa hipótese simplificadora do sujeito humano era útil para estudar o que se passava na economia, mas não acreditavam que era realmente verdadeira nem que poderia ser 1
A Revue du M.A.U.S.S surgiu em 1981 através de um grupo de intelectuais franceses insatisfeitos com os rumos das discussões nas ciências sociais. A crítica se direcionava a subsunção do debate ao econômico e a uma visão meramente instrumental da democracia que se fazia. O nome da revista é uma referência ao sociólogo Marcel Mauss, crítico do utilitarismo que inspirou a escola sociológica francesa após Émile Durkheim.
válida para a análise de outros campos. Para se estudar a economia do século 19 e 20, por exemplo, se utilizava o Homo oeconomicus, mas se sabia igualmente que havia um Homo politicus, um Homo ethicus, um Homo religiosus. Mais tarde, os economistas mudaram completamente sua visão das coisas e passaram a afirmar que seu modelo econômico do homem valia não apenas para o estudo do mercado, mas para tudo que se referisse às relações sociais. O surpreendente é que a afirmação do Homo oeconomicus – do imperialismo do pensamento econômico – não somente conquistou os próprios economistas, mas também foi aceita por quase todo mundo, principalmente pelos sociólogos, que passaram a um individualismo metodológico. Isso vale, mais moderadamente, para a antropologia, a biologia e toda a filosofia política contemporânea, que caiu nessa linguagem da teoria da ação racional. Há uma proliferação de escolas, diferentes etiquetas, mas, no fim, todas dizem a mesma coisa: a única verdade da relação social é o mercado. O marxismo reproduz uma leitura economicista da sociedade Primeira Leitura: Houve contribuição tanto da direita como da esquerda para isso. Alain Caillé: De certa maneira, sim. O que nos chocou quando criamos o M.A.U.S.S, há 20 anos, é que essa evolução em direção ao economicismo era obra de pensadores tanto liberais como marxistas. O marxismo sempre teve uma relação bastante ambígua com o econômico. É ao mesmo tempo economicista e anticapitalista. É economicista nas versões simples do marxismo, que dita que só os interesses materiais movem o mundo. O que é surpreendente neste período é o trabalho do sociólogo Pierre Bourdieu que se apresentava como uma economia geral da prática. Ele também assumiu a sociologia como uma generalização do modelo econômico. ‘Como civilizar o capitalismo’? Primeira Leitura: Como lutar contra esse economicismo que o Sr. denuncia? O Sr. sugere a criação de uma ‘sociedade civil internacional associativa’. Do que se trata? Alain Caillé: É preciso compreender que o núcleo do capitalismo existe há milênios. Não é algo novo. A possibilidade de reduzir a sociedade ao jogo da acumulação de bens materiais também não é nova. O que vemos ao longo da história é que essa dinâmica de acumulação infinita de poder – militar, econômico, técnico – é contrabalançada por outras considerações – políticas, éticas, religiosas etc. O fundo do problema é saber como civilizar o capitalismo, que é uma força selvagem. Há dois séculos, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental – mas mais raramente na América Latina –, o capitalismo foi civilizado pela reivindicação democrática. Houve expansão do capitalismo sobre a democracia, mas também o contrabalanceamento do capitalismo pela democracia. O problema é que a exigência democrática já não consegue fazer contrapeso à extensão do capitalismo. A principal razão é que a democracia, até hoje, sempre se definiu em uma base nacional. O jogo político tinha sua arena, seu campo, na escala da nação. Hoje, o capitalismo é mundial. O debate político nas últimas eleições francesas foi totalmente irreal porque ninguém ousou evocar a questão da internacionalização da Europa e do mundo. Além disso, as forças democráticas se encontram impotentes e decompostas diante dessa enorme mercantilização, e me parece que elas só conseguirão reconquistar poder e influência se forem redefinidas não somente em escala nacional, mas também internacional. Acho que estamos
entrando num terceiro tipo de sociedade histórica. Até hoje, tivemos dois grandes tipos de sociedade. Uma sociedade fundada sobre relações interpessoais, movida pela obrigação de dar, receber e devolver, uma obrigação de generosidade, em pequena escala. Quando se sai dessa primeira sociedade, entra-se numa segunda, a grande sociedade. Nela, não há somente relações interpessoais, mas se faz sociedade com pessoas que não se conhece, e essa sociedade é submetida a uma lei comum. Há a lei religiosa, a lei política etc. Esse terceiro tipo de que falo seria a megassociedade, totalmente inédita, virtual. As relações se tornam virtuais. Penso que precisamos aprender a combinar raciocínios válidos para cada um dos tipos de sociedade. Não se trata de refutar qualquer uma delas. Se fazemos isso, é uma simples reação, somos reacionários, tradicionalistas, integristas. A tendência atual é refutar a primeira e a segunda sociedades em nome da grande sociedade do mercado mundial, o megamundo. E, nesse megamundo, todo mundo se perde, as identidades se dissolvem, as energias desaparecem. A questão é aprender nessas três escalas paralelamente. Viver ao mesmo tempo num pequeno mundo local, no mundo da nação e no grande mundo. No momento, o grande mundo é construído unicamente pelas mercadorias. É preciso aprender a construí-lo também política e eticamente e encontrar formas de democracia em escala mundial. Nesse sentido, deve-se tentar criar uma sociedade civil internacional, constituída, ao mesmo tempo, de organizações de economia solidária, da troca de opiniões e de uma ética em escala mundial. OS IDEAIS DA ESQUERDA SÃO UNIVERSALIZÁVEIS? Primeira Leitura: Aparentemente, ainda estamos bastante distantes disso tudo. Esse megacapitalismo que o Sr. descreve ainda parece ter muito fôlego Alain Caillé: É verdade que estamos ainda longe. As discussões de Porto Alegre são uma cacofonia. Há uma reunião de todas as ideologias, extraordinariamente discordantes, sejam cristãs, marxistas, social-democratas... Apesar de tudo, é um símbolo de esperança e, ao menos, traduz esse desejo de construir um mundo comum que possa escapar à dominação universal da mercadoria. Mas o que quer dizer economia solidária, conceito que começa a emergir? No Brasil, há cerda de dois anos se fala em economia solidária – antes se falava em economia popular. Para mim, foi uma surpresa ver que o significado não era o mesmo na França. No Brasil, com freqüência, o que se chama de economia solidária é simplesmente o que na França era a economia social do século 19, talvez com um pouco de ilusão sobre a força dos movimentos de cooperativas. A sociedade civil internacional pode ser de opinião, mas creio também que é preciso começar a criar relações de solidariedade econômica entre as diferentes regiões. Primeira Leitura: A globalização é um fato, mas não se podem ignorar as diferenças de modelos, como a americano e o europeu, por exemplo. Como o Sr. vê o Terceiro Mundo nisso tudo? Alain Caillé: Vejo cada vez menos presente. Um grande problema que vai ser colocado nos próximos anos é se os ideais da esquerda são universalizáveis. Podese tentar construir essa sociedade civil mundial em nome da esquerda, da democracia, dos direitos humanos ou não? É uma que tão bastante difícil. Tendo cada vez mais a pensar que a linguagem que utilizamos é européia demais, não facilmente universalizável. Pode ser que Lula e o PT ganhem as eleições com um programa social-democrata, absolutamente necessário e indispensável para o Brasil.
Se ele vencer as eleições, creio que isso terá uma importância realmente mundial. Será um retorno de esperança para países que foram paralisados pela onda ultraliberal. Mostrará que há algo que pode ser feito num país como o Brasil. Será um sinal verde para o pensamento da esquerda. Mas, mesmo nesse caso, não acredito que certa retomada do discurso da esquerda tradicional – seja pela forma mais radical ou pela forma social-democrata – seja suficiente para cimentar essa sociedade civil internacional, essa boa vontade que perpassa a América Latina, a Europa, a África e a Ásia. Há uma invenção teórica e ideológica a fazer. Qual? Um intelectual defendeu na Revue du M.A.U.S.S uma posição que considero interessante. Ele diz que houve essa grande religião mundial, capitalismo, egoísmo, individualismo etc. E a reivindicação da democracia e dos direitos humanos é a religião do Ocidente moderno. Não é um discurso universal que a Europa adotou; ele tem a forma particular de religião da Europa moderna, que, finalmente, não é mais universalizável do que as outras religiões. Há perguntas que devemos nos fazer. O que é universalizável hoje? Qual é o pequeno estoque de valores, de princípios fundamentais, sobre os quais não se pode transigir, que sejam universalizáveis e que, na vida cotidiana, possam ser opostos ao mercado universal? A ESQUERDA PRECISA SE RENOVAR RADICALMENTE Primeira Leitura: A Onda Rosa socialista cedeu lugar ao populismo de direita na Europa. Qual a influência disso no seu esquema de pensamento? O Sr. se diz não muito otimista com o futuro da Europa. Alain Caillé: Sim, sou bastante pessimista com o futuro próximo da Europa. O euro funciona razoavelmente bem, mas é evidente que a Europa se decompôs politicamente. Nas últimas eleições, o que ocorreu na França é uma tradução dessa decomposição política. O jogo político em todos os Estados-nação se torna cada vez mais fictício. Isso é extremamente perigoso. As reivindicações políticas – legítimas – das populações de assumir coletivamente seu destino não são atendidas pelo jogo político, o que alimenta vozes extremistas de direita ou de esquerda. Por outro lado, não vemos aparecer, no momento, discursos políticos alternativos com credibilidade. Todas as forças políticas européias vivem um impasse diante das grandes questões atuais. Há o problema da imigração, extremamente difícil de ser gerido. É um problema administrado de maneira moralizadora, e não política. Há o problema da construção da Europa, da relação com os Estados Unidos e com a globalização. A França, por exemplo, é um país engraçado. Curiosamente, acredito que a maioria dos franceses ficou satisfeita negativamente com o resultado das eleições. Todo mundo avaliou que a esquerda não estava à altura das questões impostas. Ela funcionava como nos desenhos animados, quando o personagem continua a correr quando já está no vazio. Ele está caindo, mas continua a correr, sem perceber que já está no vazio. A esquerda estava assim, e todos sentiram isso. Foi um forte alerta à esquerda, no sentido de tentar pedir que ela se renove radicalmente, profundamente. O problema é que não se vê quem poderia impulsionar uma união dinâmica para o nível europeu e internacional. Talvez se possa esperar algo dos intelectuais, que têm mais facilidade em se comunicar. Sou pessimista a curto prazo. Mas serei bastante otimista se Lula ganhar. Conto com o Brasil para salvar a esquerda e vencer a Copa do Mundo (risos).
: Ser historiador, segundo Sérgio Buarque de Holanda “Ser historiador é um privilégio. Não para o desfrute pessoal de quem estuda história, que vai sempre ser visto sob suspeita num país indisposto a acertar as contas com o passado. Mas por poder trazer de volta à cena e dar expressão a tudo e todos que foram relegados, excluídos ou silenciados. É isso que justifica o nosso ofício. É um trabalho árduo, mas, pelo componente de justiça, quanto mais zelosamente cumprido maior a satisfação que dá” – Sérgio Buarque de Holanda, cujo centenário de nascimento se celebra neste mês, em depoimento reproduzido pelo ex-aluno Nicolau Sevcenko, Carta Capital, 10-7-02, p. 14. O passado de um povo “Para estudar o passado de um povo, de uma instituição, de uma classe, não basta aceitar ao pé da letra tudo quanto nos deixou a simples tradição escrita. É preciso fazer falar a multidão imensa dos figurantes mudos que enchem o panorama da História e são muitas vezes mais interessantes e mais importantes do que os outros, os que apenas escrevem a História”- Sérgio Buarque de Holanda, cujo centenário de nascimento se celebra neste mês, em depoimento reproduzido pelo ex-aluno Nicolau Sevcenko, Carta Capital, 10-7-02, p. 14. Obs: Um IHU Idéias no 2º semestre celebrará a obra de Sérgio Buarque de Holanda.
Pedofilia e poder “A pedofilia é um pecado e um pecado grave, especialmente quando ele envolve a missão de um padre. Não é somente um problema sexual, mas um problema de poder sobre uma criança. Isto é o mais grave da sexualidade” – Cardeal Godfried Danneels, arcebispo de Bruxelles, Bélgica, em entrevista à revista italiana Il Regno, no. 12, 15 de maio de 2002. Irregularidades financieiras “É importante que na Igreja sejamos transparentes, mas sem cair em exageros, porque há outros crimes, dos quais nunca se fala ou se fala muito pouco. Por exemplo, das irregularidades financeiras” - Cardeal Godfried Danneels, arcebispo de Bruxelles, Bélgica, em entrevista à revista italiana Il Regno, no. 12, 15 de maio de 2002.
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O entrevistado relâmpago desta edição é...
Lauro Edeberto de Souza trabalha no Setor 3, Teologia, Religiões e Pastoral. Natural de Carlos Barbosa, onde morou até os 25 anos, Lauro é o nono de doze irmãos. Chegou a São Leopoldo, em 91 e em 93, começou a trabalhar na UNISINOS. Atualmente, cursa graduação em Teologia na UNILASALLE e é assessor do Movimento Paroquial Cenáculo, nas Dioceses de Novo Hamburgo e Osório. Inícios- Cursei o primeiro grau em Carlos Barbosa junto com o segundo grau em Barão, a sete km. Comecei a trabalhar na minha cidade, primeiro, na Isabella, em seguida, na Tramontina e depois, na metalúrgica Carlos Barbosa. Em 80, conheci o Pe. Afonso Birck, que trabalhava na UNISINOS e percorria algumas paróquias, levando o movimento Cenáculo. Foi ele quem me convidou para trabalhar na UNISINOS. Movimentos- Em 85, comecei a participar do Movimento Cenáculo e de outros movimentos da Igreja Católica. Fui coordenador do grupo de jovens em Carlos Barbosa durante quatro anos e coordenador da PJ em Caxias. Tenho levado para Carlos Barbosa, Videira (SC), região serrana e Torres movimentos como Cenáculo, EJA (Encontro de Jovens Amigos) para adolescentes e Onda para crianças. Autor- Augusto Cury Livro- O mestre dos mestres e O mestre da sensibilidade, de Augusto Cury. A águia e a galinha, de Leonardo Boff. Filme- A vida de Brian, de Monty Python Um grande sonho- Participar alguma vez da Jornada Mundial da Juventude. Nas horas livres- Passear, ler e estar com amigos. Um presente- Livros. Referenciais- Santo Agostinho, Santo Inácio e o Pe. Afonso Birck, SJ. UNISINOS- Grandeza de valores onde eu aprendo a ser ser humano IHU- Uma grande expectativa e esperança de transformação.
Momentos felizes- Os anos que convivi com minha mãe, antes de ela falecer, pela educação e o apoio que ela sempre me deu.
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)*, Inácio Neutzling, coordenador do IHU, assessorou o encontro estadual do Grupo de Religiosos e Religiosas Inseridas no Meio Popular, realizado em Porto Alegre, nos dias 13 e 14 de julho. O tema do encontro foi A Conjuntura Política das Eleições e a Dimensão Política da Vida Religiosa.
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Aniversários Parabenizamos os dois colegas aniversariantes, que no dia 14 de julho completaram mais um ano de vida: •
Carolina Cerveira
Carolina trabalha no setor 3, Religiões, Teologia e Pastoral, ramal 4124. •
Vergílio Périus
O Prof. Vergílio trabalha no Setor 2 Economia Solidária, Trabalho e Cooperativismo, Ramal 1191.