IIelbo Marcus Lobo de Souza é professor do PPG de Doutorado da UNISINOS. É Doutor pela University of London, UL, London, Inglaterra, com tese intitulada: Customary International Law in Theory and Practice, with Special Reference to the Exclusive Economic Zone (O direito internacional costumeiro na teoria e prática, com referência à zona econômica exclusiva). Seu Mestrado(UNB) foi em Relações Internacionais, com dissertação sob o título A Questão das Ilhas Falkland/Malvinas, o Conflito de 1982 e as Repercussões no Sistema Interamericano. A graduação foi em Direito, pela Universidade Nacional de Brasília – UNB. É autor de inúmeros artigos, que abordam o direito internacional. Em 2001, publicou o livro Direito Internacional Costumeiro. Porto Alegre : Sérgio Antonio Fabris, 2001.
Atualmente, é Diretor do Centro de Ciências Jurídicas da UNISINOS.
IHU On-Line — O que está em jogo, quando olhamos o tema ALCA sob o ponto de vista do Direito Internacional? Ielbo M. L. de Souza — O fato de se criar a Área de Livre Comércio para as Américas será a celebração de um Tratado Internacional que regerá a operacionalização, inclusive os procedimentos em torno da interpretação e aplicação do tratado. Neste sentido, o direito é um instrumento. Do ponto de vista prático, o Brasil estará assinando uma obrigação, podendo ser demandada por qualquer outro país. O tratado vai formalizar as negociações políticas. Por isso, o fundamental é o processo de negociação política. Há uma corrida pelo acesso ao mercado latino-americano, tanto pelos EUA quanto pela Europa. IHU On-Line — O jurista Fábio Konder Comparato afirmou que a participação do Brasil nas negociações visando à criação da ALCA é inconstitucional. Cito as
palavras do jurista: "O art. 4º, parágrafo único, da Constituição Federal determina que o Brasil busque a 'integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latinoamericana de nações' ". Ielbo M. L. de Souza — Não posso concordar com o Fábio Comparato. O Mercosul procura essa interpretação apontada pelo jurista, mas o artigo 4º não pode ser tomado para excluir uma participação mais ampla. A ALCA deverá coexistir com outros processos subregionais, que não desaparecerão.
IHU On-Line — Tens ressalvas quanto à ALCA? Ielbo M. L. de Souza — Destacaria dois pontos. Primeiro, a assimetria entre as partes negociadoras, onde cedemos mais do que ganhamos. O Brasil, inteligentemente, procurou contranegociar em bloco com os outros países. Segundo, a fragilidade econômica e política dos países da América Latina. Os novos governos de alguns países estão adotando posições pró-ALCA, e o perigo é que o Brasil se isole.
CICLO DE ESTUDOS SOBRE ALÇA INICIA HOJE Inicia hoje o Ciclo de Estudos sobre a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), organizado pelo comitê sobre ALCA do IHU. O Governador Olívio Dutra será o palestrante desta noite e abordará o tema ALCA e o papel do Estado. O Cilco de Estudos tem por objetivo conscientizar a comunidade universitária sobre as conseqüências da aprovação da ALCA para o Brasil. Este Ciclo de estudos dará elementos para a reflexão e posterior decisão no plebiscito popular que acontecerá em todo o País de 1.º a 7 de setembro. Na UNISINOS, o plebiscito sobre a ALCA está sendo organizado pelo DCE, que espera a participação de 15 mil alunos. Para mobilizar e informar os estudantes da Universidade, os integrantes do DCE estão visitando todas as salas de aula com material informativo com o lema Tô na luta contra a ALCA. O plebiscito é uma iniciativa de amplos setores da sociedade civil brasileira, entre as quais o Setor Pastoral Social da CNBB. IHU On-line conversou sobre o plebiscito com os estudantes e integrantes do DCE Alexandre Belló, Conselheiro Universitário, estudante de Ciências Sociais, e Juliana Leal, Assessora de Imprensa do DCE e estudante de Jornalismo. No final da entrevista, confira, mais uma vez, a programação completa do Ciclo de Estudos sobre a ALCA. IHU On-Line- Como vocês avaliam o trabalho de conscientização sobre a ALCA que está sendo realizado na UNISINOS e quais seriam, na visão de vocês, os maiores prejuízos para a Universidade, caso o acordo seja realizado? Juliana- Na nossa avaliação, o grupo ALCA da UNISINOS, formado pelo DCE, IHU, ADUNISINOS, AFU e SINPRO, está realizando um bom trabalho de divulgação do que se trata o Plano ALCA e quais serão os efeitos que esta aliança vai gerar para todas as áreas abrangidas pelo plano, como tecnologia, meio ambiente, cultura, economia e outras.
Alexandre- A implantação da ALCA causaria danos ao meio ambiente e à educação. Além de abalar a estrutura político-econômica e social da América Latina, a ALCA retiraria a obrigatoriedade do governo em garantir ensino público e gratuito, devido à mercantilização da educação. IHU On-Line- Como está sendo a reação dos alunos e qual é a expectativa de vocês para o plebiscito? Juliana- Muitos estudantes sabem desta aliança e dos prejuízos que ela trará para os países de estrutura econômica em desenvolvimento, como é o caso do Brasil? Alexandre- A expectativa neste momento é boa, pois um bom trabalho de divulgação está sendo feito na UNISINOS, além do objetivo de informar e conscientizar o estudante. O plebiscito é um meio de colocar à prova, o que a população em geral acha desta aliança que destrói muitos e ajuda poucos. Nós esperamos que 15 mil estudantes se manifestem no plebiscito. DATA TURNO AUDITÓRIO 12/08 Noite Central - C.1 segunda- 19h45min –22h feira
TEMA ALCA e o papel do Estado
13/08 terçafeira
Manhã 8h45min – 11h
Central - C.1
ALCA e direitos humanos
14/08 quartafeira
Manhã 8h45min - 11h
Sérgio Gomes C.6
ALCA, meio ambiente e desenvolvimento sustentável
14/08 quartafeira
Noite Sérgio Gomes 19h45min -22h C.6
ALCA, tecnologias e dependências
15/08 quintafeira
Noite Centro 3 19h45min -22h
ALCA, mídia, informação e cidadania
16/08 sextafeira
Noite Centro 4 19h45min -22h
ALCA e processos de integração e comércio
PALESTRANTE - Olívio Dutra - Ielbo Marcus Lobo de Souza – C.4 - Luis Goulart - Rodrigo Stumpf Gonzalez -C.4 - Magda Renner - Heraldo Campos - C.6 - Demétrio Luis Guadagnin - C.2 - Renato de Oliveira – Secretário de Ciência e Tecnologia - Heloisa Jochims Reichel – PPGH - Renato Saul – PPGCSA - Daniel Herz - Valério Brittos - C.3 - Alberto Efendy Maldonado - C.3 - Francisco Milanez ECOFUND - Álvaro Garcia - C.5 - Elaine Ramos da Silva C.4
22/08 quintafeira
Noite Anfiteatro 19h45min -22h Pe. Werner
O plebiscito, eleições presidenciais e a ALCA
Inácio Neutzling Milton Viário (coord.regional do Movimento contra ALCA)
Com este número o IHU On-Line inaugura uma nova editoria: Análise de Conjuntura. Semanalmente publicaremos artigos, entrevistas, análises que contribuam na discussão e debate da conjuntura política, econômica, social e cultural do país e/ou do mundo. Hoje, iniciamos debatendo o novo acordo do Brasil com o FMI. Publicamos o artigo de Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, professor no Instituto de Economia da UNICAMP, síntese da reportagem do jornal espanhol El País, 10-8-02, as conclusões do artigo de Walter Molano é analista para a América Latina da corretora BCP Securities e algumas frases. A editora Civilização Brasileira acaba de publicar o livro Depois da queda de Luiz Gonzaga Belluzzo e Júlio Gomes de Almeida, Rio de Janeiro: 2002, 412 p.
ACORDO COM O FMI SALVA CREDORES E DEIXA PAÍS MAIS PERTO DA RECESSÃO –
Por Luiz Gonzafa Belluzzo – Artigo publicado na Agência de notícias Carta Maior, 9-8-02.
"Anunciado o novo acordo com o FMI, a patuléia ficou à mercê do clima de euforia e de celebração promovido pela mídia oficialista e pelos economistas chapa branca. Os senhores Armínio Fraga e Pedro Malan fizeram questão de exibir suas reluzentes dentaduras em meio a declarações triunfais sobre “o reconhecimento da correção da política econômica e a credibilidade do País junto à comunidade financeira internacional”. É desnecessário dizer que o novo acordo stand by de US$ 30 bilhões veio para socorrer uma economia quebrada. Sim senhor, a palavra é exatamente esta. Em condições normais, já não era fácil obter o bilhão de dólares semanais, indispensável para atender às necessidades de financiamento do balanço de pagamentos. A tão proclamada vulnerabilidade externa da economia ficou exposta de corpo inteiro num momento em que o crédito vem escasseando nas praças financeiras de maior reputação e se torna ainda mais raro nos países que prometem demandar somas elevadas nos próximos anos. Peço licença e desculpas para um momento de imodéstia: antes do acordo prognostiquei que o governo Bush iria fazer o que fosse preciso para impedir que um default brasileiro desse o golpe de misericórdia na fragilizada arquitetura financeira global. Bush abandonou todos os princípios conservadores da gestão republicana que recomendam ou recomendavam “soluções de mercado” para as crises cambiais e financeiras na periferia, sempre causadas pelos destemperos dos investidores gananciosos. Infectious greed.
A pressão exercida pelos bancos americanos, revelada pelos jornais daquele país, sugere que há risco de um colapso sistêmico: sob o angu da euforia dos anos 90 e das fraudes empresariais, jaz uma montanha de créditos podres. Há quem imagine que o sistema bancário americano está adquirindo feições japonesas. Quando a situação aperta, os mercados perdem o rumo. Em pânico os protagonistas costumam tomar decisões defensivas que reduzem a liquidez e estrepam o conjunto da obra. Sem um “emprestador” público de última instância, a vaca vai para o brejo. Ainda assim, o socorro do Fundo, arquitetado em conluio com o segundo time da equipe econômica – o chefe da turma é o ex-esquerdista Amaury Bier – preparou uma armadilha para o próximo presidente. Primeiro, o óbvio: trata-se de um empréstimo que deve ser pago ao cabo de 15 meses. Segundo, a redução do piso das reservas para US$ 5 bilhões representa um risco considerável para o País. Por estas duas razões, caso as linhas de financiamento privado para o Brasil – tanto as de curto quanto as de médio e longo prazo – não sejam restabelecidas nos volumes adequados e os espertos aproveitem a oportunidade, com aconteceu em 1998, para se mandar com o dólar mais barato, vamos ficar de calças na mão. É importante que o Banco Central não permita uma valorização “excessiva” do real: seria prejudicial para as exportações e facilitaria o envio de recursos para o exterior. Terceiro, o presidente eleito não terá outra alternativa senão aceitar as condições impostas pelo acordo no primeiro ano de mandato – sob pena de ser devastado pela “desconfiança dos mercados”. A estratégia do Fundo Monetário é clara em todas as intervenções: a prioridade é salvar os credores, seja qual for o sacrifício imposto ao devedor. Assim foi na década 80 e agora não será diferente. Em 1985 as equipes econômicas da Nova República encontraram o País paralisado pela crise da dívida que desatou uma barafunda fiscal e monetária intratável. Os programas de ajustamento do FMI só fizeram agravar a situação. É ainda pior a herança que os sábios do tucanato deixam a seus sucessores: uma economia travada pela combinação entre taxas de juros elevadas, aumento da carga tributária e superávit fiscal. Em sua entrevista à Folha de S. Paulo desta sexta-feira (9), John Willianson, o pai do Consenso de Washington, disse o que os seus sequazes brasileiros não têm coragem de denunciar: não é possível exigir superávits fiscais elevados em uma economia que apresenta sintomas claros de recessão. Disse mais: aprendeu com a experiência dos anos 90 que é preciso controlar a entrada de capitais. Vamos providenciar bolsas de reciclagem no Instituto de Economia Internacional de Washington para os sábios de bico grande".
Síntese do artigo publicado no jornal espanhol El País, 10-8-02: Com o título ‘La banca internacional planea recortar su inversión en Brasil pese al crédito del FMI’ (Os bancos internacionais planejam diminuir suas inversões no Brasil apesar do crédito concedido pelo FMI), o jornal espanhol El País, 10-8-02, inicia a reportagem afirmando que “a enorme ajuda prometida pelo Fundo Monetário Internacional – FMI – ao Brasil servirá para blindá-lo contra a crise, mas também para proteger os interesses dos bancos internacionais presentes no país. Grandes entidades dos EUA, como o Bank of America e o Citigroup, estão reduzindo fortemente a inversão na dívida brasileira para minimizar o risco, e
planejam seguir fazendo esta redução nos próximos meses. Esta decisão complica as coisas para o Governo brasileiro e sugere que parte dos 30 bilhões de dólares de ajuda servirá para que os bancos possam retirar-se do país sul-americano. As entidades financeiras internacionais não parecem nada dispostas a renovar os empréstimos concedidos aos brasileiros, tanto privados como ao Governo. Os banqueiros dizem que o novo crédito do FMI não é suficiente para lhes persuadir de que ponham em perigo o seu dinheiro”. Os ganhadores e o perdedor do acordo com o FMI
Pacote é derrota para próximo presidente Com o título ‘Pacote é derrota para próximo presidente’ Walter Molano, analista para a América Latina da corretora BCP Securities, analisa, na Folha de São Paulo 11-8-02, o acordo do Brasil com o FMI. Reproduzimos a conclusão da sua análise: “Em resumo, o pacote foi proposta vencedora para todos os envolvidos nas negociações. Foi uma vitória para o Tesouro dos Estados Unidos porque minimiza o uso do dinheiro dos "encanadores e carpinteiros" que vai parar em contas na Suíça. Foi uma vitória para o Departamento de Estado porque causou a impressão de que os Estados Unidos estão dispostos a apoiar seus aliados latino-americanos. Foi uma vitória para o Departamento de Comércio porque permite o avanço das negociações da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas). Foi uma imensa vitória para FHC porque permite que ele encerre seu mandato sem grandes embaraços. Foi também um ganho extraordinário para os bancos de investimento, porque permite que liquidem suas posições de curto prazo e realizem "hedge" para as demais. Infelizmente, foi uma derrota para o próximo presidente do Brasil, porque deixou a ele o ônus de manter superávit fiscal primário de 3,75% do PIB durante a maior parte de seu mandato. Embora diversos analistas tenham elogiado a adoção desse percentual, ele é muito superior ao superávit primário obtido por FHC durante seu primeiro mandato. A equipe de FHC vem trabalhando com uma meta de superávit primário de 3,75% há apenas algumas semanas. Além disso, o novo governo terá de enfrentar inspeções trimestrais do FMI. O pacote do FMI autoriza o governo em fim de mandato a limpar os cofres do Banco Central e a deixar as contas para a próxima administração. Portanto, a probabilidade de moratória brasileira é maior agora do que no passado. É hora de sair da festa. Aproveite a oportunidade criada pela demanda por papéis brasileiros e procure a saída mais próxima. A conta, por favor”.
Frases da semana sobre o acordo com o FMI: “Com o pacote, o FMI está permitindo aos credores externos - principalmente os bancos- escaparem do risco e tirarem seu dinheiro do Brasil. Se eu fosse um investidor no Brasil e tivesse que tomar uma decisão agora diria: "oba, me deram a chance de tirar meu dinheiro em termos mais favoráveis". Além disso, o país fica com uma dívida maior” - Allan Meltzer, professor de economia Universidade Carnegie Mellon e ex-assessor econômico de George W. Bush em entrevista à Folha de São Paulo, 9-8-02.
“No site cbsmarketwatch.com, Paul Erdman escreve que ""o pacote de ajuda ao Brasil também ter dado uma grande ajuda ao Citigroup e à FleetBoston, que, juntos, tinham quase US$ 20 bilhões em risco no Brasil, dificilmente passará desapercebido na hora de levantar fundos para campanhas eleitorais entre a elite de Wall Street" – Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA) e colunista do jornal "The New York Times em artigo publicado na Folha de São Paulo, 10-8-02, explicando a causa da sua intranqüilidade com a ajuda do FMI ao Brasil.
Com o Auditório Central lotado, aconteceu, no dia 8, o debate em memória de José Lutzenberger há quase três meses de sua morte e em preparação à 3ª Cúpula da Terra, a assim chamada ‘Rio +10’, que acontece em Johannesburgo, de 26 de agosto a 4 de setembro. Estiveram presentes, no debate, o educador ambiental da Prefeitura de Porto Alegre, Jacques Saldanha, a presidente de honra do Núcleo Amigos da Terra, Magda Renner, o assessor de Comunicação do Pró-Guaíba, jornalista Roberto Villar e o professor João Larocca e Silva, biólogo, do Centro de Ciências da Saúde. O LUXO DO LIXO Durante a semana passada, dentro da homenagem a José Lutzenberger, aconteceu a exposição O luxo do lixo no Espaço Cultural. Montada a partir de materiais reciclados, a mostra foi uma parceria do IHU com o Centro de Educação Ambiental da Vila Pinto de Porto Alegre. O Centro abriga cem famílias da Vila, que trabalham na triagem de lixo seletivo, prensagem e vendas. O projeto começou em 1996 e é um local de pesquisa para estudantes de pós-graduação de diversos cursos e universidades. "Acredito que o evento é extremamente válido e promovê-lo é obrigação de uma Instituição de ensino que se propõe a formar profissionais. Precisamos ter mais eventos, mais debates e parcerias entre os órgãos atuantes na UNISINOS, aproximando realmente os acadêmicos e profissionais da situação atual do mundo. Devemos, também, debater a maneira como a UNISINOS atua na concretização das idéias e questões que nos traz. A UNISINOS não deve ser só “ambientalmente correta” nas propagandas que faz, mas principalmente na maneira como utiliza e trata os recursos naturais”. Potira Preiss/estudante de Biologia “A única forma de mudarmos a condição atual em que se encontra nosso Planeta é partir da mudança de nossas atitudes e valores, e isso se inicia com discussão, esclarecimento, divulgação e ética. Eventos como este deveriam ser semanais e
multidisciplinares. Somente desta maneira, podemos começar a observação do nosso “ambiente”. Anamaria Strarz/estudante de Biologia. "Um aspecto marcante do debate foi a reunião de três gerações de ambientalistas, cada qual com sua experiência e relação com a trajetória e o legado de José Lutzenberger. O público pôde perceber que a militância ecológica, apesar de ter construído vitórias políticas importantes, ainda é incipiente na sociedade contemporânea e precisa ser ampliada. Também foram muito positivas as intervenções críticas da platéia e a receptividade com que elas foram comentadas pelos convidados, numa demonstração de como a pluralidade de opiniões pode conduzir a caminhos comuns na defesa da biodiversidade." Henri Figueiredo/ Estudante de Jornalismo "Achei bárbaro! O tema ecologia precisa ser discutido, porque as pessoas não se dão conta dos graves problemas nesta área. Eu tenho consciência de que, com meu trabalho no reciclagem de lixo, na Vila Pinto de Porto Alegre, posso ajudar a resolver alguns problemas em minha volta. Considero-me uma médica do Planeta". Marli Medeiros/ Líder comunitária de Porto Alegre.
! Num projeto de estudo de Pós-doutorado em educação, o prof. Dr. Danilo Streck esteve na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA) EUA, a fim de aperfeiçoar seu projeto de livro sobre a Pedagogia do Novo Contrato Social, tendo como referências Rousseau e Paulo Freire e o Orçamento Participativo no RS como contexto empírico. Além de buscar elementos para esse trabalho, Danilo Streck pôde sentir diferentes aspectos dos Estados Unidos. Danilo é autor do livro Pedagogia no encontro de tempos – Ensaios inspirados em Paulo Freire (Vozes, 2001). A seguir, os leitores do IHU On-Line podem conferir mais detalhes do projeto de livro e aspectos sobre os Estados Unidos. IHU On-Line - Como surgiu a idéia de ir para Los Angeles? Danilo Streck – A Universidade da Califórnia é um centro de pesquisa importante e, na área da educação, vários pesquisadores conhecidos entre nós, como Peter MacLaren e Carlos Alberto Torres, trabalham lá. Além disso, eu já tinha conhecimento de que, na Universidade, funciona um Centro Latino-Americano muito bem estruturado. Chegando lá, constatei que este mesmo Centro faz parte de um Instituto de Estudos Internacionais. Há um conjunto de centros de estudos de várias partes do mundo: América Latina, África, Sudeste Asiático, Oriente Médio, Europa. Esses Centros promovem programas de formação, ciclos de palestras e debates, trazem professores e pesquisadores convidados e articulam pesquisas e pesquisadores. Estive lá na condição de pesquisador visitante, vinculado mais
diretamente com este Centro Latino-Americano e com a Escola de Pós-Graduação em Educação. IHU On-Line - Quais os países ou enfoques que recebem mais atenção em termos de estudos sobre a América Latina? Danilo Streck - Da América Latina, a maior ênfase é dada ao México e à América Central, pela proximidade geográfica e pelo número de pessoas desses países que lá vivem, muitas delas “ilegalmente”. Há uma luta histórica de trabalhadores da agricultura e de outras áreas de serviços pelo reconhecimento de cidadania. Por outro lado, não deixa de haver, por parte do poder público, certa vantagem em manter estes imigrantes na clandestinidade, uma vez que, pelo fato de não existirem oficialmente, estão fora do sistema de saúde, de educação e de assistência. Além, é claro, de serem mão-de-obra barata. IHU On-Line - Descobriste uma série de estudos sobre as insuficiências do moderno Contrato Social. Como foram aparecendo esses contatos? Danilo Streck – Ao chegar, me deparei com muitos estudos nessa área que ajudaram na reflexão que vinha fazendo. Um dos primeiros contatos foi com Carole Pateman (no Brasil estão publicados os livros Participação e teoria democrática (Paz e Terra, 1992) e O contrato sexual (Paz e Terra, 1993), que analisou o contrato social moderno do ponto de vista da mulher, denunciando o fato de que, por trás dessa grande narrativa da modernidade, se esconde, de saída, a exclusão da metade da humanidade. A mesma denúncia é feita em termos do “contrato racial”, com os massacres dos povos indígenas e a escravização dos negros. Claro que sabemos de tudo isso há muito tempo. O problema é como essas coisas acontecem no contexto de uma teoria que prega a liberdade e a igualdade. IHU On-Line - Por que optaste pela temática do Novo Contrato Social? Danilo Streck - A escolha do tema está relacionada com discussões anteriores, em grande parte inspiradas no Fórum Social Mundial. Tanto no primeiro quanto no segundo Fórum, muito ouvimos falar da necessidade de outro Contrato Social. Sabe-se que o Contrato Social moderno não dá mais conta das relações do trabalho, das relações de gênero, das relações humanas com a natureza e das relações internacionais. Visto sob estes prismas, emerge a necessidade de um Novo Contrato Social, sabendo que esse “Novo” comporta todo tipo de interpretações. IHU On-Line – No teu estudo, como relacionas a Pedagogia e o Novo Contrato Social? Danilo Streck - Alguns clássicos do contrato social, como Locke e Rousseau, são, ao mesmo tempo, referências clássicas da ciência política e da educação. Rousseau escreve o seu livro pedagógico, o Emílio, mais ou menos junto com o Contrato Social. Com isso quero sinalizar que a questão pedagógica estará necessariamente imbricada em qualquer tentativa de “construir” um outro contrato social. Cada proposta de contrato social vem misturada com uma proposta de formação. Se tomo por referência o Orçamento Participativo no Estado do Rio Grande do Sul, é porque quero compreender como os processos sociais são também processos pedagógicos. Parto do pressuposto de que o “novo”, socialmente falando, tem a ver com a conquista de novos espaços de cidadania, como é o caso da discussão sobre o orçamento público.
IHU On-Line - No teu estudo, contrapões Rousseau e Paulo Freire. Por que essa contraposição e que tipo de imagens ou idéias fortes de educação surgem? Danilo Streck – Em primeiro lugar, porque os dois se encontram nas duas pontas do contrato social moderno. Rousseau é um dos articuladores deste contrato, uma figura central em sua origem e solidificação. Paulo Freire se encontra no outro extremo, quando se vê que este mesmo contrato produziu um mundo vergonhosamente desigual e injusto, com uma concentração de recursos e de poder jamais vistos antes na história da humanidade. O cidadão do lado de lá do Atlântico tem muito a ver com o subcidadão do lado de cá. O trabalho de Paulo Freire consiste, sobretudo, em mostrar como homens e mulheres são sujeitos na história, a começar pela sua própria formação. Enrique Dussel chegou a dizer que o educando de Freire representa o antiemílio. IHU On-Line – Em que ajudou o fato de estar nos EUA? Danilo Streck – Em primeiro lugar, o distanciamento de um cotidiano que tende a nos envolver e absorver é sempre importante, mesmo que seja por períodos menores. O fato de ter mais tempo disponível, ajuda a “cozinhar” melhor algumas idéias. Estar nos Estados Unidos (neste caso, na UCLA) significa, sobretudo, acesso a uma incrível quantidade de fontes de todo o mundo. Não me refiro apenas a livros e revistas, mas à circulação de pessoas e de produção cultural de todas as naturezas. Ao mesmo tempo, estar nos Estados Unidos, neste momento, permite experimentar mais de perto o que significa ser o centro de um império que hoje age livremente em todo o mundo e se coloca acima de quaisquer regras internacionais que não lhe servem. IHU On-Line - Como percebeu a leitura que os americanos fazem do 11 de setembro? Danilo Streck – Há uma evidente sensação de vulnerabilidade, o que se verifica na quase obsessão pela segurança. A maioria apóia a retaliação aos “terroristas”, o que se nota na (ainda, imagino) grande popularidade de Bush. No entanto, para alguns setores, o 11 de setembro é o sinal de um mundo que deu errado e que o papel norte-americano de xerifes do mundo não é aceito com unanimidade. Eles percebem o uso ideológico desta tragédia, tornando a guerra um estado permanente –o Presidente Bush preveniu que se trataria de uma longa, longa guerra -, borrando, com isso, os próprios limites entre o que costumavam ser tempos de guerra e tempos de paz. Como sempre, os tempos de guerra exigem sacrifícios, permitem ações unilaterais e, sobretudo, requerem controle. Nestas leituras críticas, o 11 de setembro aparece como uma data emblemática, que representa o esgotamento de um modelo de globalização. IHU On-Line - A consciência de serem centro de um império assusta os americanos ou lhes dá/confirma a “missão” de continuarem no mando? Danilo Streck – A maioria parece feliz com o que a sorte lhe reservou, e os meios de comunicação de massa (principalmente a TV) reforçam a ideologia desta missão, com o óbvio direito de sempre empreenderem ações de “defesa”, seja no Afeganistão, seja na Colômbia, seja nas Filipinas, etc. Essa missão tem a ver com orçamentos militares astronômicos (de mais de 200 bilhões de dólares), que, por sua vez, beneficiam indústrias e centros de pesquisa, especialmente na área da tecnologia. Na realidade, o “resto” do mundo parece muito distante. Assim como as “bombas espertas” matam em operações cirúrgicas, assépticas, a distância, assim os
efeitos, por exemplo, do mercado financeiro sobre um país como a Argentina não chegam a afetar a normalidade da vida. IHU On-Line - Há contrapontos a essa visão de predestinado ao mando? Danilo Streck - Com certeza. Conhecemos os protestos de Seattle e mais recentemente os de Nova York. Há pessoas que vêem os efeitos perversos deste capitalismo selvagem para boa parte da população no país e para outros povos. Também, na academia, há uma auto-reflexão sobre o que significa este tipo de hegemonia que vai concentrando os recursos, em desrespeito aos mais elementares princípios éticos como mostram as falcatruas da Enron, da Worldcom e de outras grandes companhias. A eleição do Presidente Bush está neste contexto de críticas, sendo denunciada abertamente como uma grande fraude. IHU On-Line - Seria possível desenvolver iniciativas como a do Orçamento Participativo (OP) num contexto americano? Danilo Streck - Acredito que seria muito difícil. Ao falar sobre o OP, pude perceber que eles o associam à sua experiência de tradição comunitária: famílias ou comunidades ou conselhos, organizando-se em prol dos seus interesses. Há estudos que mostram ser isso uma concepção bastante conservadora, uma vez que se centra nos interesses mais imediatos e locais. O OP, por outro lado, surgiu no contexto dos movimentos populares e acabou se constituindo numa bandeira de partido político. Ou seja, há, no OP, mesmo que seja aplicado localmente, uma visão da sociedade como algo mais que a soma de comunidades locais. Se vejo dificuldade para a implantação do OP nos Estados Unidos, é porque não sinto haver, ao menos por enquanto, uma vontade política por parte de nenhum dos dois partidos, que se revezam no poder, de ter uma participação popular que pudesse colocar em xeque o modo como se exerce o poder. Nota do IHU On-Line: Publicamos recentemente uma resenha do livro da filósofa espanhola Adela Cortina, Alianza y Contrato. Política, Ética y Religión, Madrid: Editorial Trotta, 2001 que aborda questões correlatas às tratadas na entrevista acima. Cf. IHU On-Line 27º p. 11-12. O livro de Adela Cortina pode ser consultado uma vez feita a solicitação na secretaria do IHU.
UNIVERSIDADE SOLIDÁRIA No dia 7 de agosto, a profª Sinara Robin, juntamente com o grupo de estudantes que estiveram trabalhando no sertão sergipano, no mês de julho, apresentaram, no IHU Idéias Especial no. 1, as experiências vividas no Projeto UNISOL XINGÓ. O projeto foi desenvolvido entre os dias 8 e 30 de julho, na Cidade de Monte Alegre,
nos municípios do Baixo São Francisco, perto da construção da Hidrelétrica de Xingó. A professora e os estudantes partilharam, com preocupação, a realidade dos moradores da região, expondo a experiência como uma possibilidade singular, que questionou seus próprios critérios de vida e abriu a possibilidade de buscarem juntos possíveis soluções.
"Eu fui pela segunda vez a Monte Alegre, já tinha ido no ano passado com a profa. Flora Zeltzer, da Geologia. A troca de culturas traz um crescimento tanto pessoal como profissional, uma lição de vida. A realidade é muito triste, e a Universidade não nos prepara para trabalhar em comunidade. Chegamos com a idéia de dar palestra e transmitir conhecimentos, mas o fundamental é estar com eles, entrar nas suas vidas, conversar e ver qual é a melhor forma de chegar a uma solução, se houver forma de chegar a uma solução. Não há nada pronto que possamos dizer: "Isso é o melhor”. Eles mesmos buscaram, a partir da cultura deles, a melhor forma de lidar com as situações que apareciam e nós éramos facilitadores nessa busca. Eu fiz uma oficina com os agentes de saúde, que são o elo de ligação entre a comunidade e a unidade de saúde. Dessa forma, eles seriam agentes multiplicadores. Trabalhamos os temas que a secretaria de saúde nos tinha indicado como importantes. A importância da saúde, dengue, hansenismo, sexualidade, etc. O mais interessante foi quando eles se deram conta da importância do seu papel para a situação geral da saúde do município. Ao longo dos dias, foram descobrindo que realmente eles têm condições de fazer com que alguma coisa mude. Para mim foi muito forte, quando a Secretária de Saúde do Município me disse: “De alguma maneira, tu ficas bem presente aqui com a gente, mesmo indo embora”. É uma alegria muito grande “ fazer a diferença”. Quando fui pela primeira vez, conheci uma menina que não estava fazendo nada e não tinha perspectiva de fazer. Conversei muito com ela. Desta vez, encontrei-a estudando, trabalhando e fazendo artesanato. Fiquei feliz". Fernanda Margarida Griebeler/ Estudante de Enfermagem "Foi uma experiência muito boa. A primeira impressão foi encontrar aquele Nordeste verde, explodindo de vida, quando imaginava encontrá-lo seco. Eu trabalhei numa oficina de meio ambiente. Com um grupo de adolescentes, fazíamos caminhadas e íamos a lugares com degradação ambiental e perguntávamos a eles por que estavam assim, e eles davam as respostas. Foi uma oficina de quatro dias que envolveu umas 60 pessoas. O contato com a realidade faz com que muitas coisas passem nas nossas cabeças, e nada mais fica igual. A volta foi o mais difícil. Eu tinha vontade de ficar morando lá. Os primeiros dias aqui, voltar à sala de aula e à vida de sempre, me fazia sentir a sensação de estar no lugar errado. Por outro lado, a rotina universitária tem agora um novo sentido. Tentar suprir as faltas sentidas durante a estadia lá, para, em uma outra oportunidade, poder responder melhor". Renato Bidóia/ Estudante de Geologia "Ipactaram-me muito as pessoas de lá. São muito humildes, mas têm uma força incrível para batalhar. Apesar dos grandes problemas, têm uma felicidade que vejo em poucos aqui. Eu trabalhei numa oficina com 75 professores. Eles tinham pedido temas como repetência, avaliação, interdisciplinaridade e sexualidade. Especialmente um grupo que trabalha com educação de jovens e adultos conversou
conosco porque fazia seis meses que eles tinham iniciado esse curso, no turno da noite, mas não tinham tido uma preparação maior. Nestes dias, expuseram para nós suas angústias nesta caminhada. Lá pude viver o aspecto prático da teoria que estudamos aqui na Universidade. Isso me levou a pensar minha formação, ao mesmo tempo que lá, com eles, repensávamos a formação deles, que, na sus maioria, são estudantes de Pedagogia. Foi uma troca fantástica. Foi um impacto muito grande, que me fez pensar muito sobre minha vida pessoal e sobre o tipo de profissional que eu quero ser. Ficará para sempre em mim todo o vivido. Gostaria de voltar mais tarde para fazer alguma pesquisa de pós-graduação". Cristiane Böckel, 22, estudante de Pedagogia.
PRESERVAÇÃO AMBIENTAL NA BACIA DE CAMAQUÃ
No dia 8, o assunto do IHU Idéias foi Preservação ambiental na bacia do Camaquã - Ciência e relações humanas, com o prof. Henrique Carlos, que apresentou as riquezas da flora e da fauna das chamadas Áreas de Especial Interesse Ambiental, localizadas no Baixo Camaquã, RS. Trata-se de um convênio firmado entre o Programa Pró-Mar de Dentro, da Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul, e a UNISINOS. As duas áreas localizam-se, em parte, no denominado Parque do Camaquã, criado por legislação estadual, em 1975, porém nunca delimitado ou implantado. O objetivo do projeto é estabelecer mecanismos e processos para o manejo participativo e gestão integrada dessas áreas de especial interesse ambiental, dentro dos princípios de sustentabilidade. O professor Fensterseifer mostrou, através de slides, imagens da beleza natural e biodiversidade da Bacia, com paisagens e espécies únicas no Estado. “Achei muito interessante. Eu sou aluno do professor Fensterseifer e me interesso muito por este projeto. Também estou envolvido num projeto de avaliação das águas do arroio Peão, afluente do Rio dos Sinos”. Rogério Caron/ estudante de Geologia.
GERMINAL EM IHU IDÉIAS: A UNISINOS CELEBRA O CENTENÁRIO DA MORTE DE ÉMILE ZOLA Na quintas-feira, dia 15 de agosto, o Prof. Lauro Dick estará apresentando O mundo do trabalho a partir do "Germinal", de Émile Zola (1840-1902). Na ocasião, será exibida parte do filme Germinal. A pesquisa feita pelo prof. Lauro Dick partiu do seu interesse pelo livro nos aspectos de trabalho e ideologia que são apresentados ali. O pano de fundo do livro é uma mina de carvão, onde o autor conviveu ao longo de seis meses para escrever a obra. No livro, o autor apresenta, por meio de suas personagens, o socialismo utópico, o anarquismo e o evolucionismo. Cada uma tem sua visão frente ao mundo e ao trabalho nas minas de carvão, onde acontece a ação. Émile Zola criou o Naturalismo, com romances de cunho social e destacou-se como jornalista no caso Dreyfus. O prof. Lauro Dick é Doutor em Lingüística e Letras, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS. Especialista em Lingüística, pela Universidad de La Republica, Uruguai. Especialista em Lingüística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
O TRABALHO NO GERMINAL de Émile Zola “ Convidado pela coordenação do curso de Letras a me dedicar à pesquisa da linguagem no e para o trabalho (ou à pesquisa de linguagem e trabalho ou de linguagem é trabalho), acabei descobrindo o núcleo local da UNITRABALHO, ao qual me associei, passando, desde então, abril de 2000, a participar das reuniões semanais do grupo e, anualmente, de encontros internos, da Casa, e externos, da Região Sul. Nessa condição, voltei-me inicialmente para histórias de trabalho, no que prossigo, de olho e mente, agora, nos volumes homônimos da prefeitura de Porto Alegre, e, num segundo momento, comecei a observar o trabalho na literatura. Em janeiro de 2002, Inácio Neutzling deu impulso a essa opção, sugerindo-me ler, junto com outros profissionais, inter ou multidisciplinarmente, numa ótica laboral, Vítor Hugo - quem sabe, Os miseráveis (1862) ou Os homens do mar (1866) ou... É que, nascido em 1802, o autor completa 200 anos de vida (imortais, obviamente, não morrem). Acontece que, na oportunidade, já decidira trabalhar, com meus alunos de Ética e Literatura, do Centro 3, e de Leitura e Produção de Textos, do Centro 1, o Germinal (1885), de Zola, do qual também se festeja uma data: o centenário de seu falecimento ou do começo de sua imortalidade, em 1902. De como foi essa atividade em aula, com os universitários, e a que buscas e reflexões ela me levou a mim mesmo, é o que relato às cinco e meia de quinta-feira, 15 de agosto, na 1C103 do IHU. Vítor Hugo terá de esperar a sua vez. Em tempos de “religação dos saberes” (Morin, 2002), nos quais começa a crescer a consciência de que, “sem saber, você bebe o universo numa gota d´água da chuva” (p. 35) - quanto mais, numa obra literária -, há de se entender que um lingüista procure pesquisar um tema sociológico na literatura. Tema sociologicamente literário. Tema literariamente sociológico”. Prof. Dr. Lauro Dick
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% MORALE EN DÉSORDRE. UN PLAIDOYER POUR L’HOMME.
O livro da semana: Paul VALADIER, Morale en Désordre. Un plaidoyer pour l’homme. Paris: Seuil, 2002. 214 p.
SOBRE O AUTOR
O autor: Paul Valadier é padre jesuíta, professor de Filosofia do Centro Sèvres de Paris e diretor da prestimosa revista Archives de Philosophie. É conhecido no mundo intelectual francês por sua tese doutoral publicada com o título Nietzsche l' athée de rigueur. Paris: Seuil, 1989 e por ter sido diretor da revista Études. Morale en Désordre. Un plaidoyer pour l’homme foi resenhado pelo vespertino francês Le Monde e publicado no dia 31 de julho de 2002. Traduzimos e publicamos esta resenha juntamente com a tradução do prefácio do livro, que pode ser consultado na secretaria do IHU. A Editora Unisinos está traduzindo o livro. Trata-se de leitura indispensável para todos os professores e professoras das matérias do humanismo social cristão. A resenha é assinada por Benoît Lobet. As notas são do IHU.
RESENHA DO LIVRO
“O padre Paul Valadier é conhecido: jesuíta, professor de filosofia no Centro Sèvres, em Paris, antigo diretor da revista Études(1)e atual diretor da revista Archives de philosophie, ele desenvolve há quase trinta anos um pensamento vigoroso no qual o cristianismo se arrisca na escuta e na acolhida da modernidade e da pós-modernidade. Uma audácia que o fez inúmeras vezes cruzar os textos de Nietzsche(2), a partir de uma tese que se tornou célebre. Num ensaio com o subtítulo Un plaidoyer pour l’homme (Uma defesa apaixonada da pessoa humana), o jesuíta se faz polemista, buscando desmascarar a complacência da nossa época em matéria de moral, que se caracteriza mais por uma espécie de modismo libertário do que de um rigor intelectual. “A opinião comum é que as decisões políticas devem seguir as expectativas da opinião pública e que o direito deve se conformar com a evolução dos costumes. Dito de outra forma, a referência essencial não está do lado do poder político, mas do lado da sociedade e das suas ‘evoluções’ “. Num grande jornal diário francês, nas vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais, um editor e escritor reconhecido explica da seguinte maneira o seu voto futuro: “Eu voto em Noël Mamère(3) pela simples razão que, no programa dos Verdes, consta a despenalização de todas as drogas, o que , enfim, acabaria com o ferrolho imposto por Nixon em 1968 contra a revolução! No segundo turno, votarei em branco, já que considero Jospin de direita, ou seja, de extrema-direita”. Valadier poderia ter integrado este exemplo para a sua demonstração. Ou seja, a história recente sanciona a pertinência e a urgência do seu livro.
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.- Revista mensal francesa, editada pela Companhia de Jesus, com mais de cem anos de existência. O atual diretor da revista é Henri Madellin, que esteve participando aqui na UNISINOS, do Simpósio Internacional Ensino Social da Igreja e Globalização, cuja conferência foi publicada no livro, com o mesmo título, recentemente lançado pela Editora Unisinos. (nota do IHU On-Line) 2 .- Paul Valadier é autor de um livro importante sobre Nietzsche. 3 .- Noël Mamère foi o candidato dos Verdes nas últimas eleições presidenciais francesas. Ele participou, em 2002, no Fórum Social Mundial em Porto Alegre.
Mas há algo mais grave: a esta ‘desordem das práticas’ se acrescenta uma ‘desordem dos pensamentos’. O autor aponta para três intelectuais: Sloterdijk(4), Singer(5) e Rorty. As suas obras, sob a cobertura da filosofia, exaltam a seleção, o utilitarismo ou o etnocentrismo cultural, e as reivindicam, senão como progresso, ao menos como avanços inevitáveis. Tomemos Peter Sloderdijk. Sob a cobertura de um ‘autêntico’ nietzsheanismo (o enésimo), este filósofo alemão ataca de frente o humanismo, admitindo e postulando uma nova seleção nos critérios de pertença à raça humana, para distinguir esta das raças animais. Donde vem o engodo de certas teses, qualificadas por certa crítica como “a mais ambiciosa e mais original descrição fenomenológica do ser-no-mundo, nunca antes tentada desde Ser e Tempo?(6)” Valadier, velho combatente do pensamento, denuncia a derrapagem sinuosa: “É precisamente em nome deste humanismo que se é autorizado a descartar as perspectivas da domesticação da humanidade por uma elite dirigente biologicamente selecionada”. Enfim, o autor nos convida a reaprender a dizer ‘não’ às modas, aos conformismos libertários, que são mais conformistas ainda que os outros e fomentam uma insidiosa desordem incapaz de levar a sociedade para a sua felicidade. O autor do livro Eloge de la Conscience(7) se teria, por acaso, transformado num reacionário? Não, ele faz o seu métier, querendo retomar as questões pela base ou nos seus fundamentos, sem se afastar da sua conhecida afeição pela liberdade de consciência, juiz último da culpabilidade. Mas ele deve, também, com urgência, reabrir o dossiê da reflexão moral contemporânea, a propósito do qual nós nos admiramos de ver o que está escrito sobre algumas teses: o dossiê do famoso ‘direito natural’. Bem entendido, não se trata da natureza tal qual ela se dá, mas de um conceito construído que postula a necessidade se não de uma objetividade, muito menos de uma objetivação de um horizonte onde existem “o bem e o mal”. Leiamos Valadier: “Não podemos deixar de nos perguntar: em nome de que justiça, de que direito ou de que concepção da vida comum devemos nos inspirar para discriminar o justo do injusto, o permitido do proibido, o bem do mal? Ora, é 4
.- De Peter Sloterdijk, o IHU On-Line nº 25 publicou algumas frases, polêmicas, extraídas de uma longa entrevista concedida pelo autor, por ocasião do lançamento do seu último livro à revista Magazine Littéraire, mars 2002, p. 98-103.(A entrevista pode ser lida na secretaria do IHU). Ele acaba de publicar o primeiro volume da trilogia Esferas. Em italiano, acaba de ser traduzido deste autor o livro L’ultima sfera. Breve storia filosofica della globalizzazione (A última esfera. Breve história filosófica da globalização), Roma: Carocci, 2002. Gianni Vattimo fez uma resenha do livro publicada na revista italiana L’Espresso, 4-7-02. Professor de Filosofia e de Estética, Sloterdijk tem publicados, no Brasil, os livros Crítica da razão cínica e o polêmico Regras para o parque humano (Estação Liberdade), que lhe rendeu uma briga de repercussões internacionais com o pensador alemão Junger Habermas. P. Sloterdijk estará no final do mês de agosto participando do ciclo de debates Civilização e Barbárie, organizado por Adauto Novaes e que se realizará simultaneamente no Rio de Janeiro e São Paulo. 5
.- Peter Singer é o autor do recém-publicado, em português, livro Vida Ética. Os melhores ensaios do mais polêmico filósofo da atualidade. Deste livro, o IHU On-Line publicou um amplo debate sobre o livro no no. 29, p.1-15. 6 .- Trata-se da importante obra Sein und Zeit de M. Heidegger. (nota do IHU On-line). 7 .- Este livro foi traduzido e publicado pela Editora Unisinos. Cf. Paul VALADIER, Elogio da Consciência. São Leopoldo: Unisinos, 1994. 275 p.
precisamente a moral propriamente dita que abre o horizonte destas questões: o horizonte, não necessariamente uma série de respostas bem ordenadas ou uma ordem inteligível na qual estariam inscritas o comportamento justo ou um código, transcrevendo o negro sobre o branco as respostas adequadas”. Trata-se da retomada do velho conflito, que acreditávamos extinto ou superado, entre o ‘natural’ e o ‘cultural’? Não, já que esta ‘lei natural’ “abre o questionamento no meio dos valores recebidos ou das regras de direito, portanto, numa cultura e numa historicidades reconhecidas (e não fora delas)”. É verdade que o uso – ou muitas vezes o abuso – que o Magistério da Igreja católica, muitas vezes, fez deste conceito, contribuiu para desacreditá-lo. Eis que chegamos ao cristianismo. Tudo o que precede, postula, para o teólogo, uma releitura da antropologia cristã. Nietzsche deverá continuar a lhe ensinar o afastamento de uma concepção na qual a religião aparece como uma concorrência entre o homem e Deus, este perdendo na medida em que ganha a sua criatura, ou o inverso. O Deus dos cristãos não é “inimigo do homem e das suas possibilidades”. Ele propõe uma Aliança e suscita uma liberdade chamada sempre a se desenvolver, sempre lúcida da grandeza do homem e também dos seus compromissos, sempre possíveis, com o mal. As últimas páginas do livro convidam a uma meditação rigorosa sobre a contribuição de um cristianismo contemporâneo à antropologia e à moral, no grande debate perpétuo e plural que caracteriza nossas sociedades ocidentais. O livro do padre Valadier é audacioso. Vivemos num país onde, sob a coberta da democracia, muitas vezes, estabelecemos que a maioria decide sobre o que é bom ou mal – como se a democracia se reduzisse a uma contabilidade aritmética. Com severidade, não sem criar polêmicas, mas com o rigor de um grande intelectual, o autor abre dossiês essenciais, e mesmo vitais, para a idéia que o ser humano se faz ou se fará dele mesmo, dos seus ‘valores’, do seu destino. Não nos contentaremos em apenas ler este livro. Teremos que trabalhá-lo”.
2.- PREFÁCIO DO LIVRO Publicamos o prefácio do livro Morale en Désordre. A tradução foi feita pelo prof. Dr. José Roque Junges e tecnicamente revisto pela profa. Mardilê Friedrich Fabre. “Em outros tempos, dizia-se que a natureza tem horror ao vazio. O mesmo podemos dizer das sociedades com respeito à ética e à moral. As referências tradicionais podem esfacelar-se, não impregnando mais as mentalidades nem inspirando as práticas, mas não faltarão outras que as substituam para não deixar que o vazio se instale. Apesar das crises reais ou pretensas das morais e das religiões, é necessário continuar vivendo, gerir seus bens e empreendimentos, conduzir suas atividades profissionais, estabelecer relações viáveis na vida matrimonial, educar os filhos e inculcar-lhes normas de comportamento, levar relações de boa vizinhança com o próximo e encontrar modos de conduta em relação ao futuro. Em outras palavras, mesmo quando os grandes sistemas morais e religiosos sofrem uma fragmentação, cada um precisa orientar-se na vida. E como fazê-lo sem procurar e encontrar ou dar-se, na medida do possível, referências e sinalizações? Assim funciona a vida moral prática que, na maioria das vezes, ridiculariza a especulação e suas perplexidades.
Ora, um sentimento largamente compartilhado, muitas vezes elevado ao nível de teoria por certos filósofos, defende a idéia angustiada de que nossas sociedades estão ameaçadas pelo declínio de suas referências morais e pelo obscurecimento de seus princípios. Não partilhamos esse sentimento nem adotamos essas teorias em nossa obra. Sustentaremos, ao contrário, que uma sociedade moderna, como a que se conhece na França e nos países chamados desenvolvidos, vai, aos poucos, impor-se uma nova ordem moral; ela instala-se pelas pequenas expressões e impulsos fragmentários, mas um olhar atento discerne, nessa mudança de decoração em relação a um passado recente, uma coerência bastante firme a qual é necessário restituir e na qual é necessário pensar. Essa ordem tem seus ideólogos, para não dizer seus pensadores, ela é sustentada por importantes forças sociais e populares, ela autoriza-se por um certo número de princípios liberais, como os direitos humanos e a liberdade, ela representa, ao menos em princípio, o debate democrático e invoca, de bom grado, a comunicação como lugar ético apto a construir consensos fortes e razoáveis. Isso acontece, no entanto, sem levantar graves problemas, notadamente pelo desvio de sentido que opera em relação ao conceito de dignidade da pessoa humana e com respeito à própria compreensão de “pessoa”. É necessário perguntar-se se um personalismo de fachada não serve, em realidade, para cobrir um individualismo feroz e se a invocação ritual da pessoa não é, no fundo, seu desprezo efetivo, já que a pessoa não responde mais a critérios “antropologicamente corretos”. Será que não é necessário, ao contrário, abandonar essa referência tão equívoca, ou melhor, perigosa? Se colocamos como título dessa obra “Moral em desordem”, é, por um lado, para enfatizar que as reflexões consignadas aqui não pretendem constituir um tratado de moral em forma correta e devida, mas recuperar o conjunto de dados que é necessário percorrer para fazer jus aos desafios. Trata-se de falar da moral em desordem à maneira de um bastão rompido, ou de evocar certas preocupações originadas de contatos esparsos e não estritamente ordenados da atualidade ética. Por outro lado, o título desse livro quer também evocar uma situação bem real que é antes desordem do que confusão. Um dos efeitos dos sistemas democráticos consiste em que a discussão pública autoriza as mais diversas e contrastadas (o que pode ser um bem) opiniões, mas, ao mesmo tempo, nivela o que é a favor e o que é contra, legitimando, por isso, as opiniões mais fantasiosas e até as mais anormais (o que tem conseqüências terríveis). Nesse sentido, a democracia pluralista é radicalmente desestabilizadora, embotando o sentido mais comum, inutilizando o debate, transformado em armadilha pelos demagogos ou sofistas, conseguindo sempre desembaraçar-se dos protagonistas sérios. Ora, como veremos, o desenvolvimento da argumentação organiza, de certa maneira, essa desordem no plano do pensamento, tanto da opinião pública quanto da filosofia: por exemplo, é razoável falar da pessoa para todo o ser humano? Não é necessário examinar novos tipos de seleção para uma cultura humana e até humanista nova? Essas questões não se impõem, posto que elas já acontecem nas práticas da procriação assistida, da interrupção da gravidez e das condutas eutanásicas? Será que o direito não precisa alinhar-se mais rapidamente à evolução social do que o está fazendo? Nossas referências morais ainda estão adaptadas à época da mundialização e em relação às tentativas audaciosas e originais para instaurar uma justiça internacional (tribunais mais do que direito de ingerência)? Não se encontrarão aqui discussões entre filósofos que encantam certos teóricos. Elas serão evocadas apenas de passagem e por alusão, sempre tendo em vista compreender a situação real que pesa sobre a decisão moral em nossos dias.
Uma reflexão, ela mesma em desordem, deverá ter o cuidado de analisar o que é atualmente a consciência moral e suas atribuições. Fazendo isso, não nos aventuramos no terreno das ciências sociais (não dispomos de instrumentos nem de seus métodos), mas tentaremos colocar certas questões filosóficas, manifestar orientações e tomar posição sem abrigar-nos sob a capa tranqüilizadora de uma escola fenomenológica, comunitarista ou outra. Fazemos unicamente apelo ao juízo do leitor. Mas expor-se ao juízo e à refutação do leitor benevolente sem calar suas perplexidades e dúvidas não é isso justamente filosofia?”
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% JOSEPH STIGLITZ
Publicamos, a seguir, a entrevista de Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia 2001, ex-vice-presidente do Banco Mundial, concedida ao jornal argentino Página 12, 4-8-02. Joseph Stiglitz acaba de publicar nos EUA o imponente livro Globalization and Its Discontents. Este livro já foi citado várias vezes no IHU Online. A tradução espanhola é citada na entrevista. Na secretaria do IHU pode ser consultada a tradução francesa intitulada La Grande Désillusion, Paris: Fayard, 2002, 324 pp. A tradução da entrevista foi feita pela profa. Mardilê Friedrich Fabre.
“O FMI QUER UM CASTIGO EXEMPLAR PARA A ARGENTINA” Para Stiglitz, a diferença do que sucede com o Brasil e o Uruguai, que receberiam dinheiro de Washington, é que “o FMI quer ser muito duro com a Argentina”, para que sirva de exemplo a outros países e não se declarem "default". Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia 2001, esteve lá. Durante boa parte da década passada, primeiro como chefe de assessores econômicos de Clinton e logo como vice-presidente do Banco Mundial, fez parte do minúsculo grupo de homens que tomam decisões sobre política econômica que afetam todo o mundo. Mais interessante, ainda, como nunca tinha acontecido antes, Stiglitz “traiu” seus antigos companheiros de caminhada e contou os desmandos do Tesouro norte-americano e do Fundo Monetário, em seu desejo de impor um modelo econômico global. Seu último livro (El malestar de la globalización, según la edición local de Alfaguara), está repleto de interessantes anedotas – narradas sempre “de dentro” – que causaram comoção em Washington. Nesta entrevista telefônica concedida para a Página/12, analisa as proporções da crise financeira que faz cambalear a região e o questionado papel dos Estados Unidos. – Quais foram as principais causas da atual crise financeira da Argentina, do Uruguai e do Brasil? – O elemento comum é a instabilidade dos mercados de capitais. De alguma maneira, os problemas da Argentina começaram em 1997, com a crise asiática, quando as taxas de juros aumentaram muito para a Argentina, porque os investidores decidiram que os mercados emergentes eram mais perigosos. Hoje, os
investidores decidiram, repentinamente, sair do Brasil, não porque o Brasil esteja fazendo algo mal, mas pela histeria que caracteriza os mercados de capitais. – A extensão da crise do Brasil e do Uruguai é conseqüência do “contágio” dos mercados financeiros, ou está mostrando algo mais sério: o fracasso do modelo promovido pelo Consenso de Washington? – Ambos os aspectos estão corretos. O Consenso de Washington dizia que, se alguém aplicasse “boas políticas econômicas”, o mercado o recompensaria, baixariam as taxas de juros, haveria estabilidade e alto crescimento econômico. Isso não era verdade. A Argentina foi castigada em 97-98, simplesmente, porque, de repente, os investidores se tornaram mais avessos ao perigo e reclamaram maiores compensações para seguir financiando os mercados emergentes. Hoje, no Brasil, está acontecendo algo muito similar. É impressionante como os investidores estão decidindo sair do país. Não há nenhuma queixa sobre o que o governo fez até agora. Há somente preocupações sobre o futuro. Mas os mercados se preocupam com coisas com as quais não deveriam e não se preocupam com coisas com as quais deveriam preocupar-se. Isso se nota no caso do escândalo da Enron nos Estados Unidos. A situação atual se deve, em boa parte, à irracionalidade dos mercados. – Quanto da crise se deve às políticas equivocadas do FMI? – No caso da Argentina, as políticas do FMI têm muito a ver com os problemas atuais. O apoio entusiasta ao tipo de câmbio fixo, quando o FMI não deveria ter encorajado a Argentina para mover-se para esse sistema. A maioria dos economistas, que não foram da equipe do FMI, sabiam que não poderia sobreviver. A forma como as privatizações foram feitas, a privatização do sistema de previdência social, são todos elementos que agravaram os problemas. Finalmente, as políticas fiscais adotadas, quando a economia atravessava uma grande recessão, foram claramente equivocadas. Um ponto mais: as críticas à Argentina ultimamente, a pintura que fizeram da Argentina perante o mundo, foram injustas. Isso terminou por solapar a confiança e derrubar violentamente tudo. – Por que Anne Krueger (a número dois do FMI) é tão dura com a Argentina? – Posso especular que é o que guia sua visão crítica da Argentina. Uma possível explicação é que todo o mundo reconhece hoje o fracasso do FMI na Argentina. E então o FMI está muito ocupado, sugerindo que o problema não é dele, que é da Argentina. Assim, criticando a Argentina, Anne está tratando de desviar a responsabilidade do FMI. Foi o mesmo que fizeram no Sudeste asiático. Foi muito contraproducente, porque o objetivo deveria ser conseguir uma rápida recuperação do crescimento daqueles países. – A Argentina necessita do FMI para superar a crise? – A pergunta que se deveria fazer é: O que é mais importante para a Argentina hoje? Para mim, o mais importante deveria ser que a economia deslanchasse de novo. O que auxiliaria a economia a começar a recuperar-se? As exportações, que as empresas tenham capital de trabalho de novo para produzir, não para o consumo interno, mas para as exportações. Desafortunadamente, a maior parte do dinheiro do FMI não se destinará a esses fins, mas irá repagar os próprios créditos do FMI e do Banco Mundial. Foi interessante o caso da Rússia, depois da "default", em ‘98. Quando o FMI negociou com a Rússia, anunciou publicamente que os 4 bilhões de dólares que estavam negociando não era dinheiro que iria para a Rússia, mas era
dinheiro que voltaria para o FMI, para repagar dívidas. Portanto, não arriscaria nenhum papel na recuperação da Rússia, que se recuperou, porque seguiu seu próprio curso. Foi uma importante lição a Rússia se dar conta de que não iria receber dinheiro vivo. E que se colocou em uma posição dura de negociação. O mesmo vale para a Argentina. Se ela tiver de pagar um alto preço em termos de mais ajuste orçamentário e mais deflação, o acordo com o FMI não vale esse preço. – Esta semana (entre hoje e quarta-feira), o secretário do Tesouro, Paul O’Neill, viajará ao Brasil, Uruguai e Argentina. O que pode esperar a Argentina desta visita? – ... Será muito interessante. Espero que veja as conseqüências do que passou. Será muito difícil para ela não notar a resistência dos Estados Unidos e das políticas do FMI. Certamente, o que me preocupa é que tire a conclusão errada. A lição equivocada seria pensar que o país está assim, porque não fez as coisas corretamente. Quando a lição correta é que o país está sofrendo e necessita de apoio, incluindo a abertura do mercado norte-americano. – Paul O’Neill disse que temia que uma eventual assistência financeira à Argentina, ao Uruguai e ao Brasil terminasse em contas de bancos suíços. A que se referia? – Creio que ele se refere ao sucedido com os créditos do FMI à Rússia, durante a administração de Clinton. Uns 4 bilhões de dólares foram enviados para Moscou e, no dia seguinte, ou em dois dias, um montante equivalente de dinheiro foi transferido para contas em Chipre e em bancos suíços. Fazendo esta referência, ele salienta que o problema não é a maneira como o Tesouro ou o FMI administram a política econômica, e sim que o problema está na Argentina, no Brasil ou no Uruguai. Faz parte deste esforço colocar a culpa nesses países e desviar a atenção da responsabilidade que Washington teve na aplicação de certas políticas nesses países. – Por que o Brasil e o Uruguai estão recebendo dinheiro de Washington, e a Argentina seguirá esperando? – Uma interpretação é que, refletindo os interesses dos credores, o FMI quer ser muito duro com a Argentina para assegurar-se de que outros países na mesma situação não declarem a interrupção de pagamentos no futuro. Quer que os países saibam o que significa o perigo de "default". Esta é uma explicação que ouvi de pessoas que trabalharam inclusive no FMI. – É como um castigo? – É um castigo exemplar. Um castigo, não porque esteja aborrecido com a Argentina, e sim para que sirva de exemplo a outros países, para que não declarem "default". Desafortunadamente, a Argentina está pagando esse preço. – O novo consenso de Washington pode significar o aval a políticos ditatoriais para impor uma nova ordem social à América Latina? – Não creio. Há um reconhecimento crescente de que qualquer reforma na América Latina, para ter êxito, deve prestar muito mais atenção à persistente desigualdade que existe no continente. A estratégia das reformas durante os ‘90 simplesmente assumia que o crescimento atingiria os pobres, mas não foi assim: esse crescimento foi absorvido desproporcionalmente pelos mais ricos. Então, qualquer novo consenso deve basear-se no reconhecimento dos problemas sociais.
– Mas a intensidade da crise social pode terminar solapando as democracias... – O questionamento às democracias não deveria ser um tema. O problema é que as democracias não são tão fortes como poderiam ser se as forças democráticas trabalhassem mais efetivamente. Se assim fosse, também haveria demandas mais fortes para impor políticas mais igualitárias. O problema é a forma como o FMI se relacionou com muitos países da América Latina, ditando-lhes as políticas econômicas que deveriam seguir. O resultado disso foi que as democracias não o foram em um sentido completo. O FMI transmitiu a idéia de que a economia é demasiado importante para deixá-la exclusivamente em mãos democráticas. Do meu ponto de vista, este foi um gravíssimo erro. – Há perigo de hiperinflação na Argentina? – Em qualquer país sempre existe perigo de que alguém administre mal a política monetária. Mas creio que a preocupação sobre este assunto está sendo exagerada. Antes da crise brasileira, em 1999, algumas pessoas diziam que, se o sistema de faixas cambiais fosse abandonado, haveria hiperinflação. Mas eles instituíram um novo regime monetário, baseado nos objetivos da inflação, desvalorizaram bastante, e a inflação foi muito moderada. – A dolarização pode ser um caminho, como segue sustentando o expresidente Menem? – A Conversão não funcionou por estar o peso amarrado ao dólar. Com o dólar supervalorizando-se, era uma receita para o desastre. O mesmo sucede com a dolarização. Não foi a falta de confiança em um sistema que poderia haver funcionado, foi a falta de confiança em um sistema que não poderia funcionar. Portanto, dolarizar seria outro grande erro. – Você foi vice-presidente do Banco Mundial, quando Menem estava no poder na Argentina. Se o governo de Menem era visto como um corrupto por Washington, por que deram-lhe tanto apoio financeiro? – Eles não queriam enfrentar a realidade. Mais dramático que o caso da Argentina foi o do México. As pessoas falavam da corrupção e Washington simplesmente ignorou a enorme quantidade de informações que havia a respeito. Por quê? Porque o governo estava tão comprometido com o que chamava de reformas: privatizações, liberalização, a estratégia que estava aplicando seguia as normas dos Estados Unidos, e então o governo dos Estados Unidos se fez de distraído, porque pensou que as vantagens de apoiar compensavam as desvantagens. Mas isso não é novo, o governo dos Estados Unidos, no passado, apoiou pessoas como Pinochet, sabendo sua história com os direitos humanos. Todo o mundo sabia quão terrível era. Mas as empresas, os interesses financeiros e, a seguir, as políticas dos Estados Unidos foram mais importantes que os princípios. – Em seu livro, você fala da corrupção que existe em Washington e nos organismos internacionais. E cita o caso de Stanley Fisher, ex-número dois do FMI (antecessor no cargo de Anne Krueger), que, pouco antes de deixar o emprego no Fundo, passou a ser o principal executivo do Citicorp. Os bancos de Wall Street estão controlando o Fundo Monetário? – O assunto sobre o qual falo no meu livro é que o FMI reflete, de maneira desproporcional, a ideologia e os interesses dos mercados financeiros. Este perigo
está relacionado com a chamada “porta giratória”: gente entrando e saindo de postos chaves da administração pública para empresas privadas, vinculadas com as atividades que realizavam no Estado. Os Estados Unidos têm regulamentos contra esta classe de portas giratórias, que causam problemas não somente do ponto de vista das percepções, como também da realidade. Mas o Fundo Monetário, como instituição pública, todavia não adotou esta classe de regulamentos.
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% CRISE DO MERCADO OU CRISE DO SUJEITO? POR CONTARDO CALLIGARIS
Contardo Calligaris, “Crise do mercado ou crise do sujeito?”, publicado na Folha de São Paulo, 8-8-02. O psicanalista, que estará na UNISINOS no dia 9 de setembro, no evento ‘O que o pedófilo quer?’ promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos e pelo PPG de Filosofia, analisa a atual crise econômica do capitalismo a partir da categoria do sujeito que passa do ‘ser’, para o ‘ter’ e desde para o ‘parecer’. Sem citar, Guy Debord, aparece com toda força na aguda e fascinante análise de C. Calligaris. Texto ótimo para ser discutido e debatido. Quem não leu, não deixa de conferir! O texto pode ser consultado na secretaria do IHU.”
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% Ah! Se arrependimento matasse...
“Também eu acreditei em boa parte do Consenso de Washington, se não em tudo; mas agora, como diz Brad DeLong, de Berkeley, é hora de avaliar minhas crenças no mercado. Não há como deixar de enxergar a razão dos líderes políticos latinoamericanos que querem mitigar o entusiasmo pelos livres mercados, aumentando seus esforços para proteger trabalhadores e pobres” - Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA) e colunista do jornal The New York Times no artigo ‘É hora de avaliar minhas crenças no mercado’, publicado na Folha de São Paulo, 10-8-02, procurando entender a causa de tantos lideranças políticas na América Latina serem contra o FMI. Uruguai: um banco com praias “Desde alguns anos, o Uruguai deixou de ser um país para se converter num banco com praias” – Eduardo Galeano, escritor, no artigo ‘La Soga’, publicado no jornal argentino Página 12, 11-8-02, analisando o acordo do Uruguai com o FMI e os EUA. Uruguai e a soga “Um país de serviços ou um país que renuncia a ser país para entrar pela porta de serviço no mundo globalizado? Linda maneira de nos integrar no mercado que nos integra nos desintegrando. Os bancos se fundem, enquanto os banqueiros se enriquecem. O governo, governado, simula que governa. Fábricas fechadas, campos vazios: produzimos mendigos e políciais. E emigrantes” – Eduardo Galeano,
escritor, no artigo ‘La Soga’, publicado no jornal argentino Página 12, 11-8-02, analisando o acordo do Uruguai com o FMI e os EUA. O outro “Compreender o "outro" será o maior desafio social do século 21” – Charles Taylor, filósofo, autor do livro, entre outros, As fontes do self : a construção da identidade moderna São Paulo : Loyola, 1994-1997. 670 p. Frase publicada no artigo ‘A distorção objetiva das culturas’ Folha de São Paulo 11-8-02.
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" Vida Religiosa no Contexto Neoliberal Nos dias 5 a 7 de agosto, Inácio Neutzling, coordenador do IHU, assessorou a assembléia geral da Conferência dos Religiosos do Brasil – São Paulo, em Itaici, SP, com o tema ‘Vida Religiosa no Contexto Neoliberal’. Pedagogia Inaciana Nos dias 28 a 31 de julho, Vera Regina Schmitz, coordenadora-adjunta do IHU participou do Congresso sobre Pedagogia Inaciana, realizado em Itaici, SP. Pastoral Universitária Nos dias 7 a 10 de agosto, Rosa Maria Serra Bavaresco, coordenadora do Setor Religiões, Teologia, Pastoral do IHU, participou do III Encontro Nacional da Pastoral da Universidade realizada em Recife- PE, promovida pela Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas (ABESC). União Faz a Vida No dia 9 de agosto, a coordenação do IHU esteve reunida com o Pró-reitor Comuinitário e de Extensão, prof. Ms Vicente de Paulo Oliveira Sant' Anna, com a Diretora de Extensão Hayde Maria Hupffer, juntamente com o prof. José Ivo Follmann, diretor do Centro de Ciências Humanas e com os profs. José Odelso Schneider e Virgílio Perius discutindo e tomando decisões sobre o Programa ‘A União Faz a Vida’. Visita No dia 6 de agosto a coordenação do IHU recebeu a visita de Richard Ryscavage, Secretário dos trabalhos sociais e internacionais dos jesuítas nos EUA.
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A entrevistada relâmpago desta edição é...
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Ana Mercedes Sarria Icaza é coordenadora do Curso de Ciências Sociais e trabalha no Setor 2, Economia Solidária, Trabalho e Cooperativismo, do IHU. Ana Mercedes nasceu em León, Nicaragua e mora no Brasil desde 1995. Brasil- Em Julho de 1990, fui fazer o Mestrado em Sociologia em Lovaina Bélgica. Na época, havia várias pessoas da UNISINOS estudando lá, como José Ivo Follmann, Luiz Inácio Gaiger e o que seria meu futuro marido, Paulo Albuquerque, que estava fazendo doutorado. Em 91, Paulo e eu casamos e, quando terminamos de estudar, viemos para Porto Alegre, porque, na Nicarágua, as coisas estavam muito difíceis. Família- Nossa família é muito especial. São os meus, os teus e os nossos. Mariana (23) e Emília (21) são do primeiro casamento de Paulo. Ana Marcela (15) é do meu primeiro casamento, ela também é nicaraguense. Por último, Paola (8) nasceu na Bélgica e é filha do nosso casamento. Convivência- É muito rica. As meninas têm relações muito boas entre elas. É uma família de muita riqueza cultural e afetiva. A língua oficial é o português, mas os sotaques são variados. Todos se entendem. Todos aprenderam a dançar bolero, cúmbia, cha-cha-cha, ....Eu tive de aprender de forma mais acelerada a lidar com filhas adolescentes. Para mim é um desafio administrar uma família que tem jovens, adolescente e criança. São interesses, diferentes. Mãe e profissional- É possível. São diferentes níveis de realização pessoal. Brasil- Um país interessante. Por um lado, ele não está muito integrado com o resto de América Latina, mas é muito receptivo com os estrangeiros. Mostra curiosidade e simpatia para com os que chegam de fora. Autor- Edgar Morin, Pierre Bourdieu, Gabriel Garcia Marquez e Mário Benedetti. Livro- Cem anos de solidão, de Garcia Marquez e Poemas de outros, de Mário Benedetti.
Filme- A excêntrica família de Antônia, um filme holandês de Marleen Gerris. Nas horas livres- Partilhar com a família, ler e escutar música. Um presente- Livros ou flores. Um grande sonho- Ver uma sociedade melhor para minhas filhas, onde seja possível viver em comunidade. UNISINOS- Uma comunidade de projetos. IHU- Permite-me a relação com a construção de uma sociedade mais solidária. Uma paixão- O meio popular, construir, junto com as pessoas, a solidariedade.
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12/8 - Maria Clara Bueno Fischer clara@bage (PPGEDU) soniam@icaro 15/8 Sonia Montaño (Setor de Comunicação-IHU) 15/8 Pe. Isidro Sallet (Pastoral dos professores)
Aniversários Ramal 1166
Ramal 4128 5921574