A3
Revista de jornalismo científico e cultural da Universidade Federal de Juiz de Fora
E D I Ç Ã O
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www.ufjf.br/secom/A3
Salto na pós-graduação muda perfil da Universidade Pesquisa avalia impacto das hidrelétricas no clima
Adivinho nos planos da consciência dois arcanjos lutando com esferas e pensamentos mundo de planetas em fogo vertigem desequilíbrio de forças, matéria em convulsão ardendo pra se definir. Ó alma que não conhece todas as suas possibilidades, o mundo ainda é pequeno pra te encher. Abala as colunas da realidade, desperta os ritmos que estão dormindo. À guerra! Olha os arcanjos se esfacelando!
Universidade Federal de Juiz de Fora: há 50 anos fazendo parte do cotidiano dos mineiros.
Murilo Mendes
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C A R TA A O L E I T O R
2011.10
A3: compromisso com os pilares da universidade pública e de qualidade Christina Ferraz Musse*
É
tarefa das mais gratificantes apresentar a revista “A3”,
radouro, no cenário da instantaneidade, que caracteriza o mundo
resultado de um trabalho tão apaixonante, quanto ár-
contemporâneo, e diferenciado entre as centenas de produtos
duo, que envolveu a equipe da Secretaria de Comuni-
que são oferecidos à escolha do cidadão/consumidor. Isso não
cação (Secom) da Universidade Federal de Juiz de Fora
significa a sacralização do formato. Certamente, para além dos oito mil exemplares iniciais, teremos uma versão on-line, indispen-
(UFJF), nos últimos meses.
sável nos dias de hoje. Se não tivesse havido uma intensa mobilização da equipe, não se teria chegado até aqui. Desde as primeiras reuniões de pauta,
Por que uma revista de jornalismo científico e cultural? Há neste
sabia-se que o desafio seria grande. Não bastava apenas o envol-
projeto um compromisso com os pilares da universidade pública
vimento de jornalistas, produtores, fotógrafos e artistas gráficos
e de qualidade: contemplar o ensino, a pesquisa e a extensão. Mas
com o projeto, era preciso estender o entusiasmo à comunidade
a “A3” não é uma revista que pretenda promover o diálogo ape-
universitária, que deveria se sentir representada pela “A3”.
nas entre os pesquisadores e seus pares. Nossa pretensão é que esta publicação informe e promova o intercâmbio entre a Univer-
Para legitimar a revista, criou-se um Conselho Editorial, com
sidade e os diversos setores da sociedade que interagem com a
representantes de vários segmentos da instituição.
instituição, portanto, esta é uma revista marcada pela diversidade
Reunidos,
eles puderam comentar o projeto, questioná-lo e dar sugestões.
e pelo compromisso democrático.
A linha editorial foi debatida exaustivamente, como também o projeto gráfico.
Aqui não caberiam todos os agradecimentos, mas alguns se fazem indispensáveis: aos colaboradores que assinaram artigos pre-
Em seguida, foi instituída a Comissão Editorial, formada exclu-
ciosos, aos “coleguinhas” da revista “Darcy”, da Universidade de
sivamente por parceiros externos, cujo objetivo é proporcionar
Brasília (UnB), que muito nos inspiraram e foram extremamente
uma leitura exógena do produto final, posicioná-lo de maneira
generosos para a troca de ideias e informações, aos pesquisado-
relevante nos cenários regional, nacional e internacional.
res, e ao reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Henrique Duque de Miranda Chaves Filho, que nos incentivou e deu carta
Por que “A3”? Para além da mística da primeira letra do alfabeto
branca para a realização deste projeto.
e da simbologia associada ao número 3, temos aqui uma síntese da reflexão abstrata e do pragmatismo da Super Modernidade,
Boa leitura!
conteúdo crítico embalado por um projeto gráfico ousado.
mais Por que um veículo impresso? Porque o pretendemos mais du-
Envie sugestões e críticas para revistaa3@secom.ufjf.br
* Secretária de Comunicação e professora adjunta da Faculdade de Comunicação da UFJF. Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
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ÍNDICE 06
caRta do pResidente do conselho editoRial
O
jurista
Paulo
Nader
aborda
a
necessidade
do
engajamento na imensa e multiforme onda de propagação das ciências, das artes e das técnicas
reVista de JornaLismo cientíFico e cuLturaL da uniVersidade FederaL de Juiz de Fora reitor Henrique Duque de Miranda Chaves Filho Vice-reitor José Luiz Resende Pereira
07
caRta do ReitoR
UFJF vai além da graduação e avança em setores de ponta
da pesquisa e da inovação tecnológica
conseLHo editoriaL Presidente Paulo Nader (Faculdade de Direito) Alexander Moreira (Faculdade de Medicina) Cícero Inácio da Silva (Instituto de Artes e Design) Cristiano José Rodrigues (Faculdade de Comunicação) Edimilson de Almeida Pereira (Faculdade de Letras) Heloísa D’Avila (Instituto de Ciências Biológicas) Jorge Mtanios Iskandar Arbach (Faculdade de Engenharia) Marcelo Carmo Rodrigues (Instituto de Ciências Humanas) Paulo Monteiro Vieira Braga Barone (Instituto de Ciências Exatas) Paulo Nepomuceno (Faculdade de Engenharia) Paulo Roberto Figueira Leal (Faculdade de Comunicação) Robert Willer Farinazzo Vitral (Faculdade de Odontologia) Sônia Miranda (Faculdade de Educação) Suzana Quinet (Faculdade de Economia) comissão editoriaL Anne Marie Autissier (Universidade de Paris VIII) Antônio Fernandes de Carvalho (Universidade Federal de Viçosa) Cláudio Soares (Fapemig) Luiz C. Wrobel (School of Engineering and Design - Brunel University - Middlesex, UK) Luis Felipe Feres Pereira (University of Wyoming – USA) Márcio Simeone Henriques (Universidade Federal de Minas Gerais) expediente editora-chefe Christina Ferraz Musse editora de textos Oseir Cassola reportagens Bárbara Duque, Carolina Nalon, Raul Mourão colaboradores Anne-Marie Austissier; Cícero Inácio da Silva; Cristiano José Rodrigues; Edimilson de Almeida Pereira; Eliardo França; Fernando Lobo; Flavio de Lemos Carsalade; Jorge Arbach; Jorge Felz; Laura Barbosa Campos; Márcio Scalercio; Mauro Halfeld; Paulo Nader; Paulo Nepomuceno; Renan Torres projeto gráfico Thiago Valério e Cléber “Kureb” Horta Fotografia Alexandre Dornelas, Rafael Prado e Marcelo Viridiano ilustração Charleston Hokama; Cléber “Kureb” Horta; Thiago Valério, Eliardo França; Jorge Arbach produção Marcelo Viridiano; Mariana Musse; Taís Marcato marketing Valéria Borges Costemalle revisão Rafael Costa Marques reVista a3 Rua José Lourenço Kelmer, s/n - Campus Universitário Bairro São Pedro - CEP: 36036-900 - Juiz de Fora - MG Telefones: (32) 2102-3967/ 3968/ 3997 E-mail: revistaa3@secom.ufjf.br Impressão: Gráfica América Tiragem: 8 mil exemplares
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meio ambiente
Referência mundial em estudos do ciclo do carbono em
ambientes aquáticos, Pós em Ecologia da UFJF realiza pesquisas nas principais hidrelétricas de Norte a Sul do país
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inovação
Investindo em tecnologias inovadoras, Universidade colhe
resultados contabilizando patentes e premiações nacionais e internacionais
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economia
Bolha no câmbio, exageros no mercado de imóveis, o que
fazer com o seu dinheiro? O difícil tema da previsão financeira é abordado pelo economista Mauro Halfeld
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teses e disseRtações
Pesquisadores
investigam
as
potencialidades
comunicacionais dos games
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encontRos possíveis
Os professores Maria Teresa de Assunção Freitas (UFJF)
e João Wanderley Geraldi (Unicamp/Universidade do Porto) dialogam sobre a importância da obra do russo Bakhtin para os educadores de hoje
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ÍNDICE
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olhaR estRangeiRo
“O evento, garantia de eterno presente?” é o tema do
artigo assinado pela pesquisadora Anne-Marie Autissier, do Instituto de Estudos Europeus da Universidade de Paris VIII
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geopolítica
A revolta árabe, que surpreendeu o mundo neste ano, na
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visão do professor Márcio Scalercio (PUC-RJ)
saÚde
Docentes realizam pesquisa inédita no Brasil sobre os
relatos de experiências de quase-morte
32
tecnologia
Alunos de Engenharia transformam teoria em prática na
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montagem de aeromodelos e veículo off road
cinema
Em “Um cinema de sensações”, o professor Cristiano
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Rodrigues (UFJF) aborda o premiado documentário “A poeira
pesquisa e pós-gRaduação
Universidade
consolida
e
internacionaliza
e o vento”, realizado por Marcos Pimentel na região do Parque seus
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Estadual de Ibitipoca (MG)
mestrados e doutorados
juventude
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Docentes dos Institutos de Ciências Humanas e de Artes e
veste para a modernidade”, a importância do registro da história
Design da UFJF defendem a ruptura com o estereótipo de que a
revelada nas páginas de “Ornamento, ponto e nó”, lançado por
juventude é violenta
Marcos Olender (UFJF)
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mundo digital
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lançamentos
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além da palavRa
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ensaio FotogRáFico
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A “geração Z” e seus tablets, smartbooks, smartphones...
A interação entre palavra e ilustração revelada pelo
designer gráfico Jorge Arbach
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pensaR a univeRsidade
Novo planejamento de compras torna mais transparente e
eficaz a gestão orçamentária
liteRatuRa
Flavio Casardale (UFMG) aborda, no artigo “Juiz de Fora se
Confira os mais recentes lançamentos da Editora UFJF
A preservação da memória de Juiz de Fora nos anos 60 e
70 captadas pelas lentes do fotógrafo Roberto Dornelas
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leia-me
O talento literário de Edimilson Pereira (UFJF) em “Les
hommes-bêtes”
Na foto da capa, de Marcelo Viridiano, foi utilizada a técnica
A contracapa, ilustrada pelo artista
lightpainting, realizada pelo
plástico Eliardo França, tem como
estudante Renan Torres.
cenário a Praça Cívica da UFJF
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C A R TA D O P R E S I D E N T E D O C O N S E L H O E D I T O R I A L
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Ampliar a divulgação de ensino, pesquisa e extensão é nossa meta Paulo Nader*
O
conhecimento científico e a aptidão para
os pesquisadores é fundamental, pois o esforço isolado
as artes e tecnologia estão em permanente
praticamente inviabiliza o desenvolvimento cultural.
devenir. A visão de hoje leva o selo da provisoriedade, fato que induz os cultores do
A publicação da “A3” representa um engajamento na
saber a uma contínua busca das atuais possibilidades
imensa e multiforme onda de propagação das ciências,
científicas e de aperfeiçoamento, além de um estado de
das artes, das técnicas. Não constitui o primeiro esforço
vigilância sobre os novos rumos e transformações, para
da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mas
não perderem o ritmo da história.
uma contribuição renovada na forma e no conteúdo. É um periódico destinado ao jornalismo científico, cujo
Cabe às universidades, em grande parte, a responsabili-
compromisso é servir aos estudiosos: aos iniciantes,
dade pelo avanço das ciências, das artes e das técnicas
com o descortino de temas desafiadores de sua com-
aplicadas nas mais diversas esferas do conhecimento. A
preensão; aos mestres e cientistas, com ângulos diferen-
elas compete, também, a divulgação das recentes expe-
ciados de interpretação do mundo cultural e de leis da
riências, fazendo chegar às comunidades científicas e ao
natureza.
meio acadêmico em geral as descobertas alcançadas. Não lhes basta, assim, a prática do ensino e da pesquisa.
O lançamento desta revista foi precedido de um amplo
Corolário destas atividades há de ser a revelação das
planejamento da Secretaria de Comunicação, onde não
experiências para o auditório universal, formado por
faltou o diálogo com os membros do Conselho Editorial.
estudiosos de todas as partes e nacionalidades, indis-
Conseguintemente, se este periódico corresponder às
tintamente. Entre os centros de cultura deve haver a in-
expectativas de seus destinatários, o que esperamos e
tercomunicação, a mútua influência. É reprovável a con-
temos fé, não terá sido por acaso, mas como resultado,
duta do cientista ou do órgão que se limita a assimilar
em especial, da competência e dedicação de seus ide-
o saber, ensimesmando-se. O diálogo permanente entre
alizadores.
*Jurista, professor emérito da UFJF e membro titular da Academia Brasileira de Letras Jurídicas
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C A R TA D O R E I T O R
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Estamos em tempos de novos desafios Henrique Duque de Miranda Chaves Filho*
A
primeira edição da revista “A3”, de jornalismo científi-
vas e da efemeridade dos ideais.
co e cultural, é uma conquista da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A instituição, que acaba de
Mas, ao contrário do que muitos temem, a globalização também
completar 50 anos, mostra por meio desta publicação
traz inúmeras oportunidades e a afirmação das identidades locais
a pujança de sua produção intelectual e documenta os avanços
e regionais, que revelam as diferenças e singularidades do con-
em setores de ponta da pesquisa e da inovação tecnológica, além
texto cada vez mais valorizado da diversidade cultural.
de reafirmar sua tradição no ensino de graduação e nas ações de extensão.
Na visão da UFJF, não existe melhor momento para que a instituição ganhe visibilidade nos cenários estadual, nacional e inter-
“A3” é uma revista plural, no sentido de não se prender a uma
nacional. Temos mais de 20 mil alunos matriculados nos cursos
expressão da realidade monolítica e rígida. Chegou para dialogar
presenciais e a distância. Investimos na capacitação dos docen-
com o leitor, promover a reflexão, garantir a transparência espera-
tes e na qualificação dos servidores técnico-administrativos em
da para as ações de uma instituição pública, enfim, mostrar o que
educação. Aprimoramos a prestação de serviços às comunida-
é feito e submeter a intensa produção da UFJF ao olhar crítico do
des, expandimos o atendimento do Hospital Universitário, esta-
cidadão comum.
mos implantando o Parque Tecnológico e criando o Planetário e o Jardim Botânico.
Esta é a missão da Universidade, estampada em seu brasão, espargir luzes, ou em outras palavras, produzir conhecimento,
Estamos em tempos de novos desafios.
promover o debate, a inclusão social, enfim, o desenvolvimento integrado e sustentável.
“A3” é um projeto semeado em terreno fértil e, certamente, contribuirá não apenas para dar visibilidade às ações da UFJF, mas
No cenário atual, muito se fala da globalização, da dissolução de
para honrar a tradição do jornalismo e das letras desta terra, um
fronteiras, da aceleração do tempo, da fragmentação das narrati-
lugar, cuja tradição e inovação fazem parte da história da Nação.
* Reitor da UFJF, doutor em Odontologia Restauradora pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, professor da Faculdade de Odontologia da UFJF
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MEIO AMbIENTE
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pós em ecologia: referência mundial em estudos do ciclo do carbono pesquisas em hidRelétRicas bRasileiRas, Realizadas pelo laboRatóRio de ecologia aquática (lea) da uFjF, começaRam em 2003 e, agoRa, entRam no segundo ciclo, analisando os pRincipais ReseRvatóRios espalhados pelo país.
Foto: RobeRto Rosa/FuRnas
usina luiz caRlos baRReto de caRvalho, localizada no estado de minas geRais
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M eio am b iente
2011.10
foto: Rafael Prado
Recursos financeiros oriundos de Furnas, além de estruturar o LEA como um dos mais bem equipados laboratórios da América Latina, fomentaram a criação do Programa de Pós-Graduação em Ecologia na UFJF
Fábio Roland é responsável pelas pesquisas realizadas no Laboratório de Ecologia Aquática (LEA)
BÁRBARA DUQUE | repórter
As emissões de gases de efeito estufa, principalmente metano
Para o Brasil, o principal desafio é otimizar a gestão dos re-
e gás carbônico, em 2010, foram as maiores já registradas até
cursos hídricos, visto que sua matriz energética é basicamente
hoje, conforme relatório da Agência Internacional de Energia
hidrelétrica. Baseada neste panorama, Furnas Centrais Elétricas
(AIE). Dados como este preocupam tanto autoridades governa-
S.A. financiou, entre 2003 e 2008, no âmbito de investimentos
mentais, como a comunidade científica. Empresas geradoras de
relativos a P&D, um projeto pioneiro. A empresa custeou o estu-
energia hidrelétrica no mundo todo realizam pesquisas objeti-
do sobre o balanço de carbono em oito dos seus reservatórios,
vando avaliar o potencial efeito dos reservatórios de hidrelétri-
localizados no Cerrado Brasileiro. Sob a coordenação do geren-
cas para este cenário de aquecimento do planeta. Diagnosticar
te da Assessoria de Políticas e Estudos Ambientais de Furnas, o
os agentes causadores de problemas como este requer inves-
biólogo André Carlos Prates Cimbleris, , a pesquisa teve como
timentos significativos. Empresas brasileiras vêm fazendo isso
foco o entendimento de processos e fluxos associados às emis-
amparadas pelo dispositivo legal (Lei nº. 9.991, de 24 de julho
sões de gás carbônico (CO2) e metano (CH4) para a atmosfera.
de 2000) que prevê a execução de projetos de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (P&D). Conforme estabelecido, as
Laboratório de energia aquática
empresas do setor elétrico devem investir o mínimo anual de 1%
Apesar de a hidroeletricidade ser considerada uma fonte de
de seu lucro líquido em projetos de P&D e Eficiência Energética.
energia limpa e renovável, os reservatórios das hidrelétricas
Desde o primeiro ciclo de desenvolvimento de projetos de P&D
ainda se constituem como fontes potencialmente emissoras de
(1998/1999) até 2006/2007, foram realizados 4.487 projetos,
gases de efeito estufa (GEE). O Laboratório de Ecologia Aquá-
com investimento total de R$ 1,44 bilhão, segundo balanço da
tica (LEA) da UFJF integrou o grupo que realizou os estudos
Superintendência de Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência
nos reservatórios de hidrelétricas de Furnas. O projeto foi de-
Energética (SPE), em abril de 2009.
senvolvido por uma rede de estudiosos, incluindo outras três instituições de pesquisa – Instituto Internacional de Ecologia e
Os estudos sobre o potencial efeito dos reservatórios de
Gerenciamento Ambiental (Iiega), Instituto Nacional de Pesqui-
hidrelétricas nas mudanças climáticas globais no Brasil e
sas Espaciais (Inpe) e Universidade Federal do Rio de Janeiro
em muitos outros países têm contribuído para relatórios
(Coppe/UFRJ).
internacionais de extrema importância e, sobretudo, subsidiam planejamentos estratégicos para melhorar a produção de
O professor do Departamento de Biologia do Instituto de Ci-
energia. Estas pesquisas auxiliam o aumento da sustentabilidade
ências Biológicas (ICB) da UFJF, Fábio Roland, coordenador e
do planeta. Apesar de globalmente apenas 17% do potencial
orientador do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (Pp-
hidrelétrico ser utilizado, a hidroeletricidade está crescendo no
gecol), é responsável pelas pesquisas realizadas no LEA. Os
mundo inteiro. Envolver-se nessa discussão para achar saídas
cincos anos de estudos dos processos ecológicos e avaliação
que unam sustentabilidade e crescimento econômico, tornou-se
da biodiversidade dos reservatórios de hidrelétricas do Cerrado
imprescindível para as grandes empresas do setor energético.
Brasileiro promoveram, além da obtenção de muitas informa-
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MEIO AMbIENTE
Foto: Fábio Roland
Os estudos sobre o potencial efeito dos reservatórios de hidrelétricas nas mudanças climáticas globais no brasil e em muitos outros países têm contribuído para relatórios internacionais de grande importância pesquisadoRes da uFjF em tRabalho de campo, no ReseRvatóRio de FuRnas
ções científicas, a formação de um expressivo contingente de
Os recursos financeiros oriundos de Furnas, estruturaram o LEA
recursos humanos. As atividades do projeto proporcionaram
como um dos mais bem equipados laboratórios de ciências am-
aos estudantes de iniciação científica, mestrado e doutorado,
bientais da América Latina e fomentaram a criação do Progra-
acesso a conceitos ecológicos e práticas de campo fundamen-
ma de Pós-Graduação em Ecologia (Ppgecol) na UFJF. “Fiquei
tais à carreira acadêmica de pesquisadores em ciências ambien-
seis meses nos Estados Unidos estudando reservatórios com
tais. Simone Cardoso faz parte deste universo. Dedicada ao pro-
apoio do projeto”, ressalta Felipe Siqueira. Integrante do LEA
jeto desde o começo da graduação, agora finaliza o doutorado.
e também doutoranda em Ecologia, Lúcia Lobão ressalta a im-
“Somos 31 estudantes envolvidos com o estudo de ecologia de
portância do seu envolvimento em todas as etapas do trabalho,
reservatórios. Muitos de nós somos convidados a ingressar no
inclusive, “as experiências internacionais, como a participação
mercado de trabalho, principalmente, em empresas privadas de
em congressos e o período que passei na Dinamarca”.
consultoria.”
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MEIO AMbIENTE
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aRte sobRe mapa cRiado poR Felipe siqueiRa pacheco
ReseRvatóRios (aneel) ReseRvatóRios estudados pela uFjF
pesquisas no cerrado brasiLeiro
luna d’água são alguns dos processos das atividades funcionais
O LEA, dentro do projeto sobre gases de efeito estufa, analisou
exercidas por estes organismos nos reservatórios. Os resultados
os reservatórios das hidrelétricas de Serra da Mesa, Corumbá e
do projeto mostraram que reservatórios ricos em nutrientes (ali-
Itumbiara (GO); Furnas, Mascarenhas de Moraes e Luiz Carlos
mento para algas e bactérias) tendem a absorver mais CO2 da
Barreto de Carvalho (MG); e Manso (MT) localizados no Cerra-
atmosfera para a coluna de água do que o contrário. A disponi-
do. O reservatório de Funil (RJ), na Mata Atlântica, completou o
bilidade de nutrientes favorece o crescimento da comunidade
elenco de ecossistemas aquáticos amostrados. O estudo avaliou
fitoplanctônica. Por meio da fotossíntese, estes organismos
parâmetros ecológicos que controlam o fluxo de carbono em
absorvem CO2 e liberam oxigênio.
ambientes aquáticos, incluindo a composição e o metabolismo das comunidades planctônicas (organismos microscópicos que
Outro resultado importante identificado foi o efeito dos fenô-
vivem em suspensão na coluna d’água); a ciclagem de nutrien-
menos físicos controlando as emissões de GEE. O fluxo de CO2
tes, por meio da disponibilidade de elementos químicos funda-
e CH4 estão relacionados ao tempo em que água fica retida
mentais para a constituição celular; e forçantes físicas, ou seja,
no reservatório, à dinâmica climática local (ventos, temperatura
mistura da coluna d’água por ventos, chuvas, entrada de rios e
e regime de chuvas) e à morfologia do sistema, ao tamanho
mudanças na temperatura atmosférica. Os reservatórios foram
da bacia de drenagem e à dinâmica de operação da barragem.
amostrados em três momentos distintos, de acordo com o regi-
Ventos de pequena intensidade (menor que cinco quilômetros
me de chuva – antes, durante e após as chuvas locais.
por hora) soprando constantemente durante quatro horas no mesmo sentido são capazes de retirar grandes concentrações
Resultados relevantes derivaram das análises das amostras
de metano retidas a cem metros de profundidade e liberá-las
em termos de biodiversidade planctônica – bacterioplâncton
para a atmosfera.
(bactérias), fitoplâncton (microalgas) e zooplâncton (animais microscópicos). Foi identificado o papel de cada um destes
As taxas de emissão de CO2 e CH4 nos oito reservatórios estu-
grupos estocando e transferindo carbono, na água, entre dife-
dados foram ainda contextualizadas numa perspectiva mundial.
rentes níveis tróficos – algas, bactérias e outros microrganismos
Esta avaliação foi recentemente publicada na revista científica
aquáticos. Estes organismos participam do processamento de
“Nature Geoscience”. Segundo Nathan Barros, aluno de dou-
matéria orgânica e controlam o metabolismo nos ecossistemas
torado e primeiro autor do artigo, “o estudo mostrou que as
aquáticos. Processos como a fotossíntese e a respiração na co-
emissões de gás carbônico e metano da água para a atmosfera
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são dependentes da idade do reservatório e da latitude onde
nização Meteorológica Mundial (OMM) para reportar, a partir da
estão localizados. As maiores emissões de gás carbônico são
análise de artigos científicos, os cenários atuais e futuros das
encontradas em reservatórios jovens e localizados em zonas
mudanças climáticas e apresentar potenciais impactos ambien-
tropicais”. Os autores afirmam, ainda, que “analisando todos os
tais e socioeconômicos. O IPCC é, também, responsável pela
trabalhos publicados em revistas científicas até hoje, foi possí-
elaboração do Relatório Especial sobre Fontes Renováveis de
vel mostrar que os reservatórios de hidrelétricas são responsá-
Energia e Mitigação da Mudança de Clima (SRREN), que analisa
veis por menos de 5% da emissão total de carbono emitida por
a inserção de tecnologias de energia renovável e sua implan-
ecossistemas aquáticos, excluindo os oceanos”. Outro artigo,
tação em potencial nas próximas décadas. O IPCC está prepa-
publicado na revista “Aquatic Sciences”, mostrou que os fluxos
rando o seu Quinto Relatório de Avaliação (AR5), com previsão
de GEE em reservatórios de hidrelétricas variam ao longo do
de ser concluído em 2014. O AR5 divulgará uma atualização
ano e exibem diferentes emissões em zonas distintas. Os braços
sobre os aspectos científicos, técnicos e socioeconômicos da
do reservatório são zonas com maior potencial de emissão de
mudança de clima. Mais de 800 autores estão envolvidos na
GEE.
produção de relatórios. De modo a compor o AR5, o Brasil está trabalhando na construção do Painel Brasileiro de Mudanças
A segunda fase do estudo dos reservatórios de hidrelétricas co-
Climáticas (PBMC), do qual o professor Fábio Roland é inte-
meçou em 2011. Onze outros reservatórios espalhados por todo
grante do PBMC.
o território brasileiro serão amostrados sob o mesmo conceito aplicado na fase anterior. Esta etapa das pesquisas será possível
mais
a partir de recursos de P&D provenientes de Furnas, Eletronorte e Chesf.
paineL intergoVernamentaL
FÁBIO ROLAND profEssor
associado da
univErsidadE fEdEral
coordEnador E oriEntador do
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)
Ecologia
é o principal organismo internacional destinado a avaliar as con-
Em
dições do clima no planeta. Ele foi estabelecido pelo Programa
Http://www.ufjf.br/Ecologia
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep) e pela Orga-
fabio.roland@ufjf.Edu.br
12
ufjf
E oriEntador no
dE
programa
dE
juiz
dE
fora,
pós-graduação dE
Em
pós-graduação
Ecologia da ufrj.
Foto: Fábio Roland
ReseRvatóRio de manso, no estado de mato gRosso
da
programa
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I N O VA Ç Ã O
foto: Ignácio Costa
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Programa de Incentivo à Inovação gera patentes e prêmios Débora Marques, Paulo Augusto Nepomuceno Garcia *
J
á se passou o tempo em que as universidades eram só
sete internacionais e um desenho industrial foram gerados; e al-
centros de formação de capital humano. Com o desen-
gumas das tecnologias criadas estão em processo de negociação
volvimento da sociedade, a academia teve de adaptar-se
com empresas para transferência.
e desenvolver-se, criando novos eixos de atuação insti-
tucionais de forma a atuar como instrumento importante para
No segundo PII, foram 71 projetos inscritos, dos quais, 20 foram
transformar a pesquisa aplicada em inovações tecnológicas. Para
selecionados para construção de Evtecias e destes, 15 para elabo-
ajudar pesquisadores da UFJF, a Secretaria de Desenvolvimento
ração dos Pnes e para a Prototipagem – com investimento de R$
Tecnológico da UFJF (Sedetec), por meio do Centro Regional de
40 mil por projeto. Desses, seis foram selecionados para premia-
Inovação e Transferência de Tecnologia (Critt) lançaram, com a
ção internacional de produtos inovadores (dos 12 selecionados no
Secretaria de Estado, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de
Brasil, oito foram da UFJF) e dois ganharam segundo e terceiro
Minas Gerais (Sectes) e o Sebrae-Minas, o Programa de Incentivo
lugares na Categoria América Latina; sete estão em negociação
à Inovação (PII), que já teve edições em 2007-2009 e 2009-2011.
com empresas para licenciamento; dois inseridos em pesquisas
O PII tem por essência investigar e qualificar tecnologias inovado-
compartilhadas e 13 patentes nacionais foram depositadas.
ras geradas nos laboratórios da UFJF, com ênfase nas aplicações para a sociedade e o mercado. O programa divide-se em três
Esses resultados destacam a importância do PII para a dissemi-
fases: (i) Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica, Comercial
nação da cultura empreendedora na UFJF e evidenciam o poten-
e de Impactos Ambientais e Sociais (Evtecias); (ii) Planos de Ne-
cial da instituição no desenvolvimento científico e tecnológico,
gócio Estendidos (Pnes) e (iii) Prototipagem. Com isso, a UFJF
apontando a viabilidade de implantação do Parque Científico e
estimula geração de renda e empregos através da aplicação de
Tecnológico em Juiz de Fora e Zona da Mata Mineira. Porém, o
pesquisas inovadoras na sociedade, além de promover o ensino
maior legado é trazer aos docentes e aos alunos a percepção de
da graduação, da pós-graduação, pesquisa e extensão.
que a pesquisa acadêmica pode beneficiar a sociedade gerando desenvolvimento socioeconômico. Especialmente para os alunos,
No primeiro PII, a UFJF apresentou grandes resultados: dos 70
estimula busca por desafios, mostrando que a vida empresarial
projetos inscritos, 20 foram selecionados para elaboração do
pode ser também opção profissional. Dessa forma, o PII é visto
Evtecias e 13 para confecção de Pnes, recebendo investimento
como instrumento de interatividade entre o conhecimento gera-
de R$ 30 mil por projeto para desenvolvimento de Protótipos.
do na Universidade e o setor produtivo, através da possibilidade
Desses, alguns receberam prêmios nacionais e internacionais; três
de fazer com que pesquisas inovadoras possam virar produtos
transferências foram feitas; duas empresas nascentes de base
– já com estudos de mercado – para posterior transferência a so-
tecnológica foram implantadas – sendo que uma está instalada na
ciedade, convertendo, assim, a pesquisa acadêmica em melhoria
Incubadora de Base Tecnológica do Critt; 13 patentes nacionais,
contínua da qualidade de vida.
* Débora Marques é secretária Executiva, atua no Setor de Transferência de Tecnologia do Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia – Critt. Paulo Augusto Nepomuceno Garcia é secretário de Desenvolvimento Tecnológico da UFJF.
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ECONOMIA
2011.10
O futuro do seu dinheiro
Fui bastante otimista em relação à economia brasileira nos últimos oito anos. Deixei de ser. Temos uma bolha no câmbio e em algumas regiões do território há exageros no mercado de imóveis. A inflação tem mostrado sua força e o Banco Central não perdoa: paga juros ainda mais altos no país que, incoerentemente, contiMAURO HALFELD | especial para a A3
Q
uando estudava Engenharia Civil na UFJF, eu passava longas horas dentro de laboratórios. Em Física, Química ou em Mecânica dos Solos, as experiências se repetiam e os resultados eram praticamente os mes-
mos. Os alunos mais antigos até davam dicas sobre as respostas dos trabalhos para os novatos. Mas em Economia não existe um laboratório semelhante. Sendo uma Ciência Social, fica muito mais difícil prever resultados sobre o comportamento do mercado. Os modelos de estudos econômicos acabam sendo pouco precisos. Aí reside a dificuldade e, ao mesmo tempo, a beleza do processo de se fazer previsões financeiras.
nua liderando o ranking mundial nesse quesito. Nossas reservas cambiais foram formadas graças a esses juros fora do padrão internacional. Elas não foram construídas com base em saldos positivos da balança comercial, como foram feitas as da China. Isso nos traz preocupações. Mais ainda quando vemos a má qualidade dos produtos e dos serviços que estamos importando. Junto com algumas importantes máquinas que modernizam nossa indústria, compramos toneladas de itens supérfluos que poderiam muito bem ser produzidos no país. Somente agora o governo lançou um programa amplo que patrocina estudos e intercâmbios com universidades estrangeiras. Em compensação, as compras dos turistas brasileiros nos EUA e na Europa batem recordes, ano a ano. Já assistimos a filmes pareci-
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ECONOMIA
2011.10
Ilustração: Charleston Hokama
Para os investimentos de longo prazo, defendi muitas vezes as ações e os imóveis. Eles eram baratos há cinco ou sete anos. Não são mais. Mas ainda assim é melhor tê-los como amigos. Se pagar juros por longos anos num financiamento imobiliário é ruim, pior será pagar aluguel a vida toda. Por isso, procure logo uma forma de garantir pelo menos um imóvel próprio para residir. No entanto, aplicar num segundo imóvel ou comprar apartamento na planta, esperando uma grande valorização, são atitudes bem mais arriscadas nos dias de hoje. Não espere ganhos vultosos no dos, embora não tão longos, nos primeiros anos do Plano Real,
mercado imobiliário nem no mercado de ações, que também já
no Plano Cruzado e no início dos anos 70. O atual ciclo virtuoso
proporcionou ganhos fantásticos nos últimos anos.
também pode não acabar bem. Creio que vai ganhar mais dinheiro nos próximos anos quem for Ninguém sabe exatamente o momento em que uma bolha vai
conservador. Provavelmente aplicações em renda fixa serão as
estourar. Talvez ela cresça ainda mais. Na verdade, estamos atre-
mais rentáveis no curto e no médio prazo. Nesse segmento, con-
lados ao presente e ao futuro da China, que levantou os preços
tinuo fã do Tesouro Direto, instrumento que permite a brasileiros
das matérias-primas que produzimos e que foi decisiva para nos
comprarem títulos públicos federais com rendimentos superiores
dar a boa vida dos últimos sete anos.
aos que eles encontram no balcão das agências bancárias. Não é à toa que muitos gerentes fingem não conhecer esse produto
O modelo de desenvolvimento chinês que terceirizou a produção
que paga bem para o pequeno aplicador e bem menos para os
para os capitalistas e que manteve o poder nas mãos dos socia-
bancos.
listas pode pegar um resfriado e levar o Brasil a ter uma pneumonia. Não sei exatamente quando, mas apostaria que isso pode
Para investir no Tesouro Direto, é melhor abrir uma conta numa
acontecer daqui a uns dois ou três anos. Ou será logo após um
corretora de ações ou conseguir uma senha de acesso através do
agravamento da crise na Europa, que ainda é o maior mercado
site de seu banco. É um pouco trabalhoso no início, mas é muito
consumidor dos produtos exportados pela China.
transparente, rápido e seguro nas futuras transações.
O que fazer então com seu pouco dinheiro daqui para frente? Vol-
No mais, é investir em sua educação. Apesar de ser tão mal falado
to ao mantra que tenho recitado pelo país nos últimos dez anos:
nos bares e esquinas, estudar ainda é o investimento com a maior
gaste menos do que ganha, faça uma reserva de emergências em
taxa de retorno na vida de um brasileiro. Comprovações sobre
fundos DI e pense em complementar sua aposentadoria o quanto
isso você encontra em várias pesquisas do IBGE. Um dia acreditei
antes.
nisso e ainda não me arrependi. Mãos à obra!
mais Mauro Halfeld formou-se em Engenharia Civil e foi professor de Administração na UFJF. Fez pós-doutorado em Finanças no MIT e foi professor de
Engenharia e de Administração na USP. Atualmente reside em Curitiba, onde é professor titular da UFPR, colunista da revista “Época” e da
CBN. Autor de “Investimentos”, “Seu Dinheiro”, “Patrimônio” e “Seu Imóvel”, livros publicados pela Editora Fundamento e pela Editora Globo.
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T E S E S E D I S S E R TA Ç Õ E S
2011.10
ilustRações: chaRleston hokama
jogos eletrônicos na mira da discussão acadêmica estudaR as potencialidades comunicacionais dos games e suas inFluências sobRe a sociedade contempoRÂnea são objeto de estudo paRa pesquisadoRes da uFjF bárbara duque | repórter
O
s jogos eletrônicos fazem parte do cotidiano da
No mundo, a cada cinco jogadores de games, dois são do sexo
sociedade há mais de 30 anos e abordá-los como
feminino, segundo estatística do site “Online Education”. A faixa
uma temática nova não condiz exatamente com a
entre 18 e 49 anos corresponde a 49% de todos os gamers do
verdade. O fato que tem despertado inúmeros estu-
mundo, enquanto os jogadores acima de 50 anos equivalem a
dos acadêmicos é o crescimento avassalador dos consumidores
26% deste total e o percentual de usuários com menos de 18 anos
e do desenvolvimento tecnológico que contribuem para tornar os
é o menor, 25%.
games um poderoso meio de comunicação, com investimentos financeiros superando, por vezes, a indústria cinematográfica.
desaFio de mercado Compreender esse fenômeno como oportunidade é o maior e
Até 2009, o setor de games gerou US$ 60,4 bilhões anuais e a
mais urgente desafio. Para isso, é preciso entender o funciona-
previsão é de este número chegar a US$ 70,1 bilhões até 2015. Os
mento e as características tecnológicas e de quais maneiras in-
números são tão expressivos que nos Estados Unidos as indús-
fluenciam tanto a cultura, como a economia, a educação e outras
trias movimentam quase tanto dinheiro quanto Hollywood. No
áreas do conhecimento contemporâneo. Explorar essas experiên-
Brasil, conforme dados da distribuidora NC Games, o mercado,
cias estéticas, que dão vida à sofisticada forma de comunicação
ainda incipiente, proporcionou R$ 950 milhões em 2010. Levanta-
sensorial, integrando linguagens, é um desafio já abraçado por
mento divulgado pela Atrativa – Real Games Latam – revela que
múltiplas correntes intelectuais de todo o mundo. Duas verten-
46 milhões de brasileiros acessam frequentemente a internet,
tes de estudos dos jogos eletrônicos são bastante conhecidas: a
desses, 35 milhões são jogadores ativos, sendo 83% homens e
narratologia, para a qual os videogames têm elevado potencial
69% mulheres, ambos com a mesma média de tempo por sema-
para a criação de narrativas; e a ludologia, linha para a qual as
na, 10,7 horas. Pessoas de todos os níveis sociais e profissional-
narrativas são incompatíveis com os games, sendo esses essen-
mente ativas aumentam o consumo deste setor, contrariando a
cialmente lúdicos. Baseada nessas linhas de pesquisa, a jornalista
afirmação de que o grupo é formado por sedentários e obesos.
Júlia Pessoa, sob orientação da doutora em Comunicação pela
Também foi registrado que, apesar de a pirataria ser uma realida-
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marta de Araújo
de inegável, 34% dos gamers brasileiros compram jogos on-line.
Pinheiro, escreveu sua dissertação de mestrado: “Videogames
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ilustRação de chaRleston hokama sobRe Foto de maRcelo viRidiano
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joRnalista jÚlia pessoa salientou como Fundamental, em seu tRabalho, analisaR os games aboRdando tanto o aspecto naRRativo quanto o lÚdico
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aR games/divulg imagens: Rockst
ação
2011.10
cenas do jogo “Red dead Redemption” que seRviu de base paRa a disseRtação da mestRa jÚlia pessoa
como Narrativas Interativas: integração de gameplay e narrativi-
tendo os aparatos tecnológicos como instrumento. O jogo ana-
dade na análise de Red Dead Redemption”, defendida no primeiro
lisado no trabalho tem, conforme a autora, um viés narrativo e
semestre de 2011, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
interativo muito forte. Além da história, fio condutor do game, outras ferramentas disponíveis fazem com que cada jogador possa
Ressaltando a importância de desenvolver estudos mais con-
construir o seu final. As ações do gameplay resultam em reações
sistentes sobre esse tema, o trabalho baseou-se na análise do
pré-programadas do sistema. O crescimento do potencial intera-
potencial narrativo dos jogos. O corte feito por Júlia salientou
tivo nos jogos está intimamente ligado ao desenvolvimento tec-
como fundamental analisar os games, abordando tanto o aspec-
nológico. Novos recursos instigam o jogador a dedicar cada vez
to narrativo quanto o lúdico, esse, diretamente ligado à ação do
mais tempo a esta diversão, trabalhando, também, com recursos
jogador, ou seja, incorporar as duas correntes teóricas à anali-
criativos, dando aos gamers possibilidades de ações alternativas,
se, já que a narratividade nos videogames é diretamente ligada
caracterizando uma história mais personalizada. Segundo estudo
ao gameplay. Para Marta, “o fundamental é que a Universidade
da Universidade de Rochester, no Reino Unido, jogos eletrônicos
não ignore esse fenômeno comunicacional. Estimular outros tra-
podem ajudar seus usuários a tomar decisões mais rapidamente.
balhos e a interdisciplinaridade do tema é um viés importante
E, apesar de mais rápidas, as decisões não são menos exatas.
para compreender a trajetória e poder antecipar os rumos desse mercado e suas influências na sociedade e na comunicação, para
narratiVa interatiVa
melhor aproveitá-lo”.
A conjugação de narratividade e interatividade dá aos games um diferencial em relação ao cinema e aos romances, já que permi-
O jogo escolhido para análise é o Red Dead Redemption, que,
te não só a criação das histórias no imaginário do jogador mas,
segundo Júlia, é um típico exemplo de game, cujo elemento nar-
também, sua participação ativa no enredo construído no mundo
rativo é construído a partir de ações desempenhadas pelo joga-
ficcional, ampliando suas possibilidades de experimentação com
dor e materializadas no interior do jogo por meio de um avatar,
tramas mais complexas. Muitos jogos, conforme a dissertação,
agregando todas as características das “narrativas interativas”.
são utilizados como instrumento de trabalho por profissionais da Educação e da Saúde. Com isso, se antes estes jogos eram con-
A Comunicação Mediada por Computador (CMC) vem modifican-
cebidos como mero entretenimento, atualmente constituem um
do a sociedade em seus mais diversos níveis, contribuindo para
campo de estudo vasto para inúmeras áreas do conhecimento,
a configuração de novas formas de se comunicar e se expressar,
desde as mais óbvias como a Informática e a Ciência da Com-
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“O fundamental é que a Universidade não ignore esse fenômeno comunicacional, estimular outros trabalhos e a interdisciplinaridade do tema é um viés importante para compreender a trajetória e poder antecipar os rumos desse mercado e suas influências na sociedade e na comunicação, para melhor aproveitá-lo” Marta Pinheiro - professora da Pós-graduação em Comunicação da UFJF
putação até estudos nas áreas de Psicologia, Educação Física,
estudo de Adriana e Benevides, constrói desafios para o debate
Pedagogia, e outras.
acadêmico – “a sabedoria que surge do uso da tecnologia digital, garantindo acesso a poderes cognitivos além de nossas capaci-
Estudiosos do assunto discutem uma questão que parece primor-
dades inatas e a sabedoria em utilizar essa tecnologia na melhoria
dial, reverter o ataque simplista aos games, como abordado no
de nossas capacidades”.
artigo “Game é Cultura”, do jornalista Hermano Vianna: “Vivemos um tempo em que deputados ou juízes, com base num achismo
O estudo de Júlia Pessoa teve como base o trabalho da pesqui-
barato, produzem leis e jurisprudências que adorariam nos impor
sadora suíça Marie-Laure Ryan, atualmente radicada nos Estados
um mundo sem jogos eletrônicos”. Outra preocupação é em re-
Unidos e professora residente da Universidade do Colorado. Ma-
lação ao espaço nas grandes mídias destinado à divulgação dos
rie-Laurie, teórica da literatura, defende a presença forte das nar-
jogos eletrônicos: “A maioria dos jornais praticamente ignora a
rativas nos jogos eletrônicos, mas ressalta que o papel do jogador
centralidade evidente dos games em nossa vida cultural. Um fes-
deve ser levado em consideração, caso contrário, a narrativa seria
tival de cinema, mesmo decadente, recebe páginas e páginas de
reduzida ao patamar dos romances. Em entrevista concedida a
cobertura, mas eventos de games como o ‘E3’ ficam isolados no
Júlia, diz que “se os jogos tendem a evoluir como forma de arte,
caderno de informática, como se fossem de interesse especializa-
eles devem despertar interesse narrativo”. Com o crescimento do
do, tecnologia sem arte”, afirma Vianna, concluindo que “chegou
interesse pela história, afastando-se do padrão narrativo estere-
a hora de levar os jogos eletrônicos a sério. Alguns criadores de
otipado da saga do herói – os jogadores deverão se concentrar
games não são só grandes artistas, mas também grandes pen-
mais no enredo, e menos na vitória e em derrotar o adversário, e
sadores, que têm acesso privilegiado à complexa sensibilidade
este é o início de uma apreciação estética, afirma a pesquisadora.
contemporânea, como pouca gente tem”. Prever o futuro dos games não é uma missão fácil, com o avanço
mÚLtipLos desaFios
tecnológico as possibilidades são infindáveis. Porém, Marie-Laure
Explorar as potencialidades dos games não é preocupação so-
ressalta o quanto é fundamental lembrar que os games são for-
mente para a Comunicação. Aproveitar a penetração desta mídia
tíssimos produtos comerciais, caros para serem criados, havendo
digital e estudar qual a influência que ela tem na mente huma-
uma tendência de usar a mesma fórmula repetidamente para ga-
na representa um desafio também para o universo educacional.
rantir o sucesso financeiro. “O objetivo das empresas que desen-
Saber por que um jogo longo, complexo e difícil é motivador,
volvem os jogos eletrônicos é lucrar”, completa a pesquisadora.
tornou-se importante objeto de pesquisa. Imbuídos com o desafio de envolver a investigação universitária nessa discussão, professores da Pós-graduação em Educação (PPGE) da UFJF se dedicam ao tema. É o caso da pesquisadora Adriana Bruno que junto a seu orientando Pedro Henrique Benevides estão desenvolvendo estudos baseados nos conceitos de Marc Prensky. Abordar a dicotomia “nativos digitais” e “imigrantes digitais” ajuda a compreender que os estudantes de hoje mudaram de forma radical. Assumir que os chamados “nativos digitais”, ou seja, novos estudantes que dedicam a maior parte de seu tempo às novas tecnologias, pensam e processam informações de forma diferente de seus predecessores, os “imigrantes digitais”, representa uma barreira para os profissionais da Educação. A ideia de sabedoria digital, ressaltada por Prensky e abordada no
MARTA DE ARAÚJO PINHEIRO doutora
Em
comunicação
janEiro. profEssora fEdEral
dE
juiz
dE
pEla
univErsidadE fEdEral
fora
comunicação
do
rio
dE
da
univErsidadE
E profEssora associada da
univErsidadE
do mEstrado Em
fEdEral do rio dE janEiro. martapinHEiro@uol.com.br Http://www.ufjf.br/ppgcom/
JÚLIA PESSOA mEstrE Em comunicação pEla univErsidadE fEdEral dE juiz dE fora juliapEsso@gmail.com
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ENCONTROS POSSíVEIS
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bakhtin é pano de fundo para crítica ao modelo neoliberal de educação estudiosos da obRa bakhtiniana, maRia teReza de assunção FReitas (uFjF) e joão WandeRleY geRaldi (colaboRadoR visitante da univeRsidade do poRto) discutem a impoRtÂncia de bakhtin nos váRios campos das ciências humanas caroLina naLon | repórter
Foto: aRquivo pessoal
A
contribuição do filósofo da linguagem, o russo Mikhail Bakhtin (1895–1975), é o cerne deste diálogo, entre por dois de seus maiores entusiastas no Brasil, a professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
Maria Teresa de Assunção Freitas, e o professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colaborador visitante da Universidade do Porto (Portugal), João Wanderley Geraldi. Bakhtin entende a linguagem como atividade, mas sua obra não se fixa nas letras, estende-se por vários campos das Ciências Humanas, passando pela comunicação, semiótica, crítica literária e educação, numa ideia de movimento constante, essencial para a compreensão das questões da contemporaneidade. O filósofo foi perseguido pelo Governo soviético e a riqueza de seus textos, atribuídos a outros autores de seu Círculo, só foi descoberta pelo mundo já no fim de sua vida. Maria Teresa foi uma das primeiras estudiosas do país a trazer os textos de Bakhtin para a Universidade, e Geraldi lançou alguns dos livros mais representativos para área de educação com base no pensamento bakhtiniano. “O texto na sala de aula”, de 1984, ainda figura entre as prateleiras de professores e alunos dos cursos de pedagogia, e uma de suas últimas produções, “A aula como acontecimento” (2010), traz a reflexão sobre o ensino da lingua-
maRia teResa e joão WandeRleY, dois dos maioRes entusiastas do país da obRa de bakhtin
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gem e as amarras políticas da escola de hoje.
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ENCONTROS POSSíVEIS
2011.10
Maria Teresa de Assunção Freitas: Para mim, é um prazer con-
relação a ele. Nesse sentido, Bakhtin está propondo uma espécie
versar sobre algo que é de nosso interesse comum: Bakhtin.
de convívio multicultural. Ninguém possui uma verdade. É difícil
Sabemos que o autor deixou uma extensa obra ligada à filosofia
para nós, com nossas visões europeístas, judaico-cristãs, greco-
da linguagem. Gostaria que você analisasse a contribuição dos
-romanas, pensar nas outras culturas como excedentes de visão,
estudos de Bakhtin e seu Círculo para as questões emergentes
mas isso seria enriquecedor.
na contemporaneidade. João Wanderley Geraldi: Sua grande vantagem, como pensador, é que ele não se fixou em apenas um campo, trabalhando nas
Maria Teresa: Esses conceitos são, realmente, chave para toda
áreas da cognição, da estética e da ética. Em razão desse trân-
compreensão da teoria bakhtiniana. A ideia de cultura, que você
sito, ele fornece para nós um conjunto de conceitos e categorias
mencionou, me lembra uma frase do texto “Apontamentos de
de análise que nos permitem homenageá-lo. Para mim, a maior
1970-1971”, presente no livro “Estética da Criação Verbal”, onde
homenagem que você pode prestar a um pensador não é dizer o
Bakhtin diz que duas culturas não se fundem nem se confundem,
que ele disse, mas, pensando como ele pensou, usando os cami-
elas mantêm sua integridade e dialogam uma com a outra. Acho
nhos que abriu, analisar os fenômenos do mundo contemporâneo,
que é isso que você acabou de dizer.
e não os do passado. Nesse sentido, eu não sou um exegeta de Bakhtin, mesmo porque seria contraditório com o próprio pensa-
Geraldi: O pensamento ideológico bakhtiniano não busca a sín-
mento dele. Então, ver os fenômenos contemporâneos com base
tese. Para ele, se A e B entram em contato, saem A e B modifi-
no pensamento do Bakhtin não é querer dizer o que ele disse, mas
cados, não resulta C, ou seja, eles não se fundem em um único
usar sua experiência de pesquisador e pensador e os conceitos
pensamento. Você sempre terá pontos de contato e pontos de
que produziu para focar questões que ele mesmo não poderia ter
divergência. É nas divergências que se abrem a historicidade e a
pensado, porque são próprias da contemporaneidade.
sociabilidade do mundo. Pensemos, por exemplo, nas questões diplomáticas entre os países através dessa perspectiva. Queremos que o apedrejamento de mulheres em culturas diferentes da nossa não exista mais, é claro. Temos que lutar por mudança nes-
Maria Teresa: E quais são os conceitos-chave produzidos por ele
sa cultura que não é a nossa, mas, ao mesmo tempo, respeitar que
que nos ajudariam a pensar a contemporaneidade?
uma cultura se altere, tornando-se uma cultura, modificada, e não a nossa própria, colonizada pelos nossos modos de ver o mundo.
Geraldi: Vou citar três grandes princípios. Os dois primeiros fazem parte da categoria do diálogo e envolvem a alteridade e a compreensão. Para Bakhtin, o eu só existe na medida em que o outro o faz. É uma relação de duas consciências, o que não significa
Maria Teresa: Pensando a partir do que você disse, podemos
dois sujeitos como centros independentes. Bakhtin não vê o sujei-
estender essa reflexão de Bakhtin sobre a cultura para a ques-
to do ponto de vista cartesiano, mas sim de uma forma histórica,
tão do conceito de verdade na ciência. Explane um pouco mais
que se constrói. O segundo princípio é o da compreensão como
sobre como a verdade deve ser compreendida no pensamento
resposta. A compreensão não é sinônimo de decodificação, de
bakhtiniano.
relações biunívocas entre o que uma consciência pensa e diz e o que a outra compreende. Ao contrário. Para ele, jamais isso é
Geraldi: O pensamento de Bakhtin não é estruturante. Ele reco-
possível, porque a compreensão é um movimento, um processo
nhece, por exemplo, que no fazer científico precisamos criar estru-
carregado de contras-palavras e da história do outro. Esses princí-
turas para nossos objetos de estudo. No entanto, Bakhtin vai dizer
pios deveriam ser aplicados não só nas relações entre os homens,
que jamais de dentro dessas estruturas conseguiremos chegar ao
mas nas nossas compreensões de mundo. Ele pressupõe, por
real, efetivo e concreto. No mundo do conhecimento, uma teoria
exemplo, uma responsabilidade perante a natureza, uma escuta
não diz o real, uma teoria diz uma verdade dentro da sua própria
dos objetos. Não devemos olhar o objeto sempre por uma defini-
teoria. Ele tem isso muito claro já no início do século XX. Diga-
ção já dada. O mundo está sobrecarregado de significados e, por
mos assim, se nós historicamente temos feridas narcísicas, como
isso, tendemos a enxergar o mesmo significado nas pessoas, nas
as geradas por Copérnico (a Terra não é o centro do universo),
coisas e nas palavras. Para Bakhtin, a compreensão é mais do que
pela teoria da evolução (não somos criados) e pela descoberta
meramente um reconhecimento. Um terceiro conceito, que faz
do inconsciente por Freud (não somos sempre racionais), Bakhtin
parte da estética e caminha em direção à ética, é o de excedente
nos introduzirá uma outra: a ferida da inexistência da verdade.
de visão. Consiste em admitir, de forma até humilde, que o outro
Nenhum povo, nenhuma cultura, nenhuma teoria diz o real.
tem um excedente de visão em relação a mim e eu o tenho em
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ENCONTROS POSSíVEIS
Maria Teresa: Por isso podemos dizer que a dialética de Bakhtin
Geraldi: Primeiro, Bakhtin considera as Ciências Humanas como
não é estruturante ou sistêmica como a de Hegel que se organiza
uma heterociência. É preciso entendê-la como outra cientificida-
em tese, antítese e síntese, mas é uma dialética dialógica.
de, bastante diferente das Ciências da Natureza. Segundo, precisamos admitir, como pesquisadores, que nós não trabalhamos
Geraldi: Isso. É quase uma recuperação etimológica do conceito
com o real, mas temos uma atividade estruturante que produz
de dialética, já que as duas palavras [diálogo e dialética] têm as
uma verdade apenas teórica. Do ponto de vista ético, as Ciências
mesmas raízes.
Humanas necessitam de certa humildade que hoje não têm. Nós somos muito ‘donos da verdade’, e me incluo nisso. Um terceiro princípio é estético. Nem sempre o modo de dizer o conhecimento precisa ser tradicional, isso pode ser feito de várias formas, como
Maria Teresa: Como você analisa o processo de produção das
por um filme, por imagens ou outros tipos de linguagem. Para
obras de Bakhtin?
nós cientistas são desafios muito grandes. Bakhtin também nos lança um novo caminho metodológico. Não há corrimãos, você
Geraldi: Para mim, sua grande produção ocorreu entre os anos
deve construir o seu pensamento, desenhá-lo, usar a história dos
1920 e 1935 através de seus textos de arquivo. Com o passar dos
outros, mas sem repeti-la. Esse caminho de descobertas nunca
anos, ele vai mastigando os conceitos, alterando nomes, acrescentando algo novo. A cada vez que você lê o texto de Bakhtin, parece outro texto. É impressionante. Eu uso uma cor de caneta diferente a cada vez que releio as obras, então, meus livros de Bakhtin são extremamente bordados, porque é como se eu estivesse lendo outro livro. [Maria Teresa revela que com ela acontece o mesmo, abrindo um de seus livros para mostrar os vários grifos em cores diferentes]
Maria Teresa: Como a educação pode pensar o seu trabalho, sua missão a partir de Bakhtin? Geraldi: No sentido absolutamente contrário da política neoliberal de educação. Hoje os processos concretos, o chão da escola, da sala de aula, a relação professor-aluno, que é o que interessa a Bakhtin, estão sendo cada vez mais emparedados pelo projeto neoliberal de educação, cujas pretensões são duas: transformar o conhecimento em mercadoria, a escola em negócio, e mostrar ao mercado quais são os centros de onde saem os trabalhadores mais qualificados. Para isso, essa política precisou produzir sistemas de avaliação, parâmetros. É dizer como o ensino deve ser dado, como se o controle fosse sinônimo de eficiência. Uma educação de produtividade não é uma educação bakhtiniana. Para pensar em educação bakhtianamente, teríamos que pensar através da linha da diferença, e não da uniformidade.
Maria Teresa: Quais as implicações da teoria de Bakhtin para a pesquisa nas Ciências Humanas? Você já começou a falar sobre isso e gostaria que continuasse. Como ele poderia contribuir para nossos estudos, como pesquisadores de uma universidade?
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maRia teResa é uma das oRganizadoRas do pRimeiRo encontRo de estudos bakhtinianos na uFjF
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ENCONTROS POSSíVEIS
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se fecha. Ele nos dirá que todos os sentidos encontrarão a sua
Geraldi: Temos em relação à língua um olhar romântico e estarre-
ressurreição, numa analogia bastante bonita. Por último, Bakhtin
cedoramente fixador. Hoje já aceitamos que um repórter de Re-
nos ensina a partir da forma com que ele próprio trabalhou: não
cife (PE) fale na TV com variação fonológica segundo sua região,
nos fechemos num só campo sob pena de não conseguirmos
mas não admitimos a variação da escrita. Por que o “que” não
enxergá-lo. Como na imagem de Michel Lèvy, ver a floresta de um
pode ser escrito só com a letra “q”? Quem disse que não pode?
promontório é diferente de olhá-la de dentro da própria floresta.
Quem disse que isso precisa ser tão fixo? Nas escolas, é a mesma
Sempre digo que os linguistas se dedicaram tanto à língua que se
coisa. Se você olhar os livros didáticos, verá que se ensina a língua,
esqueceram da linguagem, justamente porque não saíram de seu
sua gramática e estrutura, e, por isso, é difícil exigir dos alunos
próprio campo.
que dominem a linguagem. Produzir um texto é um fenômeno de linguagem e que não se faz seguindo regras. Não adianta saber que um texto precisa ter introdução, desenvolvimento e conclusão. Isso não ensina ninguém a produzir um texto! Sempre fico
Maria Teresa: Gostaria que você falasse mais dessa relação entre
me perguntando se a escola não está gastando excesso de tempo
língua e linguagem no Brasil.
com a língua em prejuízo da linguagem. O nosso problema não é a escrita, é a capacidade de criação.
Foto: maRcelo viRidiano
Maria Teresa: Quem são os nossos professores de hoje? Que formação receberam ou recebem para dominarem a linguagem? Geraldi: Acho que as pessoas se esquecem que a escolarização no país é recente. Praticamente passamos de uma geração sem escolaridade para outra de pessoas pós-graduadas. A maioria do professorado do ensino público de hoje tem pais com quatro anos de estudo. É um salto, em uma só geração, de uma baixa escolaridade para uma escolaridade superior. E isso obviamente produz um gap, uma falta, um abismo a ser preenchido, que tem a ver com cultura, com o domínio da escrita, um convívio com o mundo da escrita, com um conjunto de vivências que eles – e me incluo entre eles, os professores – não tiveram. Os professores fizeram o curso de graduação possível e, agora, os culpamos por
“A maior homenagem que podemos prestar a herança cultural que recebemos não é a sua conservação, mas a produção de uma nova cultura, enriquecida para os próximos que virão. Essa é a ideia da aula como acontecimento, que tiro de bakhtin” (João Wanderley Geraldi)
toda condição histórica do país? Esse gap só pode ser preenchido ao longo do tempo. Eu, por exemplo, sou filho de analfabetos e virei titular de uma das mais importantes universidades do país, a Unicamp. Isso em uma geração só. Existe um conjunto de cultura clássica, por exemplo, que eu não domino. Só agora, depois de aposentado, é que estou conseguindo ler. Os professores do ensino básico têm os mesmos problemas.
Maria Teresa: Então você está chamando a atenção para o fato de que compreender a linguagem como capacidade de criação é o mais importante a ser cuidado pela escola e que é justamente nesse aspecto que a escola trabalha menos? Geraldi: Sim. Quando nossos orientandos vão para campo, duas coisas aparecem. Primeiro, não há aula. O professor não comparece, ou quando presente é interrompido: o policial entra para falar de trânsito, os agentes de saúde para falar sobre qualquer
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ENCONTROS POSSíVEIS
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campanha, ou outras interrupções aparecem. Ou seja, todos que-
Antigamente, o trabalhador aprendia a trabalhar no trabalho; hoje
rem falar para esse auditório cativo que são os jovens e crianças.
a empresa quer que ele já venha pronto. Ao invés de criticar o
E aí pergunto: quando é que eles ensinam de fato? Segundo,
sistema, que é excludente, a escola se tornou o bode expiatório.
no exercício da profissão de professor, você está cada vez mais
Enquanto houver exploração financeira, transferência de capital
emparedado, não tem poder de criação das aulas e segue o que
para bancos, as crises vão continuar, passando de um país para
o livro didático propõe. Então, como você está cerceado, você
outro. Nesse sentido, a escola não pode ficar atrelada ao mercado.
cerceia também, mesmo sem querer. Acho que estamos vivendo um neotecnicismo na educação, de retorno aos objetos fixos e fixados por conta dos sistemas de avaliação da política neoliberal. Maria Teresa: Para terminar, gostaria que você falasse um pouco sobre as reflexões de seu livro “A aula como acontecimento”. Maria Teresa: Em uma de suas falas anteriores foi mencionado
Geraldi: A escola da contemporaneidade deveria ser a escola das
que, de acordo com o projeto neoliberal de educação, o conhe-
perguntas e não das respostas, onde professor e aluno são sujei-
cimento se transforma em mercadoria, e a escola em negócio.
tos que dialogam sobre os acontecimentos vividos no presente.
Seria interessante retornar a isso e comentar um pouco sobre
Defendo como fundamental que o ensino na sala de aula se trans-
essa relação entre o mercado e a escola.
forme em perguntas, para que as perguntas nos levem à herança cultural, e não o contrário. Hoje a escola tradicional ainda é mar-
Geraldi: Não interessam as condições do aluno, do professor, sua
cada pela flecha que sai da herança cultural, atravessa o professor
história e o gap que mencionei. As provas são aplicadas indistin-
e chega ao aluno. A maior homenagem que podemos prestar a
tamente, porque, no mercado, o que importa são produtos, e as
herança cultural que recebemos não é a sua conservação, mas
pessoas viraram produtos. Quem são os nossos “clientes”? Não
a produção de uma nova cultura, enriquecida para os próximos
são os nossos alunos, são os empresários para quem nossos alu-
que virão. Essa é a ideia da aula como acontecimento, que tiro
nos vão trabalhar. As empresas querem transferir para o Estado,
de Bakhtin. Ele diz que a realidade concreta predomina sobre a
para diminuir os seus prejuízos, a formação de seu trabalhador.
teoria, e a herança cultural é uma teoria. Maria Teresa: No fim da entrevista, parece que voltamos ao começo. Para Bakhtin sempre há uma pergunta que gera outra e
“Sua grande vantagem, como pensador, é que ele não se fixou em apenas um campo, trabalhando nas áreas da cognição, da estética e da ética. Em razão desse trânsito, ele fornece para nós um conjunto de conceitos e categorias de análise que nos permitem homenageá-lo”
outra. Temos que responder ao que a realidade, o vivido, o experenciado nos trazem. Responder no sentido de assumir uma responsabilidade. É nessa responsabilidade que nos comprometemos com a realidade. Geraldi: A mensagem ética de Bakhtin sobre a noção de responsabilidade é fundamental. Ele liga a responsabilidade à resposta. Foi ótimo você ter falado nisso. Já pensou, Maria Tereza, se tivéssemos tido aula com Bakhtin? Que maravilha seria... eu invejo aqueles que tiveram.
(João Wanderley Geraldi) joão wandErlEY gEraldi vEmbro, para o pEla
EstarÁ na
ufjf,
EntrE
4
E
6
dE no-
1º Encontro dE Estudos baKHtinianos. rEalizado
faculdadE dE Educação E coordEnado por maria tErEsa dE
assunção frEitas, o EvEnto traz uma nova lógica na aprEsEntação dE trabalHos, cHamadas
“rodas
dE convErsa baKHtiniana”,
além dE confErÊncias com nomEs dE dEstaQuE na pEsQuisa sobrE o autor. informaçõEs: Http://www.ufjf.br/EEba/ frEitas.mtErEza@gmail.com jwgEraldi@YaHoo.com.br
24
A3:01
ilustrações: cleber “kureb” horta
OLHAR ESTRANGEIRO
2011.10
O evento, garantia de eterno presente? ANNE-MARIE AUTISSIER | especial para a A3
A
palavra “festival” pa-
valor simbólico, e também os
rece estar cedendo lugar
à
“bens de experiência”, como a
palavra
cultura, as mídias, o design...
“evento” em textos
(cf. nosso artigo “Des navires
que chamaram a nossa aten-
vikings aux motos électri-
ção nesses últimos meses.
ques: souffle d´innovation
Isto quer dizer que o referen-
sur Roskilde” - “Dos navios
cial festivo - frequentemente
vikings às motos elétricas:
constitutivo do evento cultu-
sopro de inovação sobre
ral - estaria tendendo ao des-
Roskilde”).
crédito ou que ele não alcançaria mais a intensidade sim-
Qualquer que seja a forma
bólica que se esperaria de uma
de definição, o evento parece ser capaz de reunir, agrupar,
manifestação excepcional? Seja como for, a Universidade de Leeds criou, por exemplo, um Centro para gestão de eventos (tradução nossa de “UK Centre for Events management, www.leedsmet.ac.uk/ukcem).
“Nossos
cursos oferecem uma exploração cativante do mundo dos eventos - desde as manifestações esportivas de grande escala, como os Jogos Olímpicos
mostrar
uma
multiplicidade
de possibilidades... Um relatório recente do Ministério da Cultura e da Comunicação (Claude Vauclare, DEPS, www.culture.gouv.fr/deps, 20093) explora suas características, que seriam cinco: a presença da criação (o que exclui o evento não cultural, mas não necessariamente a noção
e a Copa do Mundo, até os festivais, lançamentos de produtos,
de inovação no âmbito do Festival de Geografia de Saint-Dié,
conferências e exposições. A natureza diversificada dos eventos
por exemplo); a busca de um público mais amplo; a apropriação
oferece possibilidades infinitas e, graças às ferramentas trazidas
de um espaço; a unidade de tempo; o caráter raro ou excep-
por nossos cursos, vocês poderão dispor de conhecimentos e
cional. Paradoxalmente, é o sucesso do evento que leva à sua
capacidade de análise para realizar eventos de alta qualidade!”.
reiteração, ou à sua repetição. A partir de então, aplicam-se os
Eis o que escreveu Glenn Bowdin para os estudantes interessa-
mesmos critérios? Como destaca Claude Vauclaire, “quando o
dos - mais de 600 inscritos até hoje. (Undergraduate, Professio-
evento se institucionaliza, a natureza das decisões dos políticos
nal & Postgraduate Courses in Events, Página 1). Partindo de uma
em relação a eles tende a se aproximar daquelas que presidem
tipologia um pouco diferente, o Center for Experience Resear-
ao funcionamento de instalações culturais permanentes cuja di-
ch da Universidade de Roskilde, na Dinamarca (http://cof.ruc.
mensão de serviço público é priorizada.”Aliás, são cada vez mais
dk), inclui os “eventos” dentre as atividades de serviço de forte
numerosas as estruturas culturais que recorrem a manifestações
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2011.10
OLHAR ESTRANGEIRO
temáticas capazes, segundo elas, de interessar um público di-
cando-se tranquilamente de uma cidade para outra e de uma
ferente dos espectadores habituais, permitindo-se, porém, co-
solicitação pública para outra. Ora, “os prestadores externos não
meter algumas ousadias em relação à programação regular. Em
podem substituir os atores locais para realizar um verdadeiro
alguns exemplos deste dossiê, o desenvolvimento econômico é
trabalho de mediação junto ao público”, lembra Claude Vauclare.
posto em primeiro plano, assim como na região de Roskilde. Em outros casos, trata-se de reverter o estigma e promover uma
luta contra exigências contraditórias
imagem positiva de determinado território, como em Belfast.
No cerne da produção de eventos culturais passou a atuar o label
Nunca deixando de lado os argumentos econômicos. Finalmen-
“Capital europeia da Cultura”. Só se pode comemorar o fato de
te, como desenvolvemos em L’Europe des festivals (Culture Europe International/Les Éditions de l’Attribut, Toulouse, 2008), um único evento pode produzir outras relações no interior de uma região, como conseguiram fazer os responsáveis pelo Festival Diaghilev, em Groningue (Pays-Bas), levando as diferentes instituições culturais da cidade a tra-
essa manifestação iniciada em 1985, em meio a um relativo ceticismo, ter chegado ao patamar de manifestação desejada. Também não se pode deixar de destacar que a demonstração de solidariedades territoriais encontre a longo prazo uma tradução efetiva através da implantação de cooperações mais estreitas, como no caso de Luxemburgo e La Grande Région1, Capital
balhar conjuntamente e
Europeia da Cultura 2007.
a compartilhar recursos
Ao longo dos anos, o con-
para financiar manifes-
trato
tornou-se
pesado
tações abertas a novos
para as cidades laurea-
públicos.
das. É mister constatar que o contrato imposto
O charme do curto-circuito
atualmente
Estaríamos
permanentemente
vivendo
às
cidades
obriga-as a enfrentarem pres-
uma nova relação da
sões opostas: se possível,
sociedade com a cultura
uma programação de um
na qual somente o golpe
ano, dificilmente compa-
de charme de um evento
tível com a capacidade de
festivo seria capaz de abalar a rotina das práticas e surpreender os públicos distantes, indiferentes, desconectados? O imediatismo do ato do evento não estaria perfeitamente sincronizado com as praxes de curto prazo dos políticos — e particularmente dos políticos locais? Em uma pesquisa que realizamos recentemente, vários organizadores de
absorção da mídia, logo a necessidade de pontuar esse ano com uma sequência incessante de propostas notáveis; o dever de perenizar ações e ainda fabricar algo espetacular. Na maioria das capitais europeias, o que fica são as infraestruturas cuja implantação foi empreendida há tempos, principalmente graças aos fundos estruturais da política regional e de coesão. Esse
encontros artísticos nos confessaram seu desânimo diante da
foi o caso de Porto 2001, com a Casa da Música, e de Weimar
indiferença em relação a suas propostas “regulares” e também
1999, com a restauração do centro da cidade. Entretanto, o que
a necessidade que sentiram perante os financiadores públicos
acontece quando a preocupação com a construção ou renova-
de promover a organização de um evento espetacular. Semear
ção predomina sobre a da programação em uma cidade de mé-
o jardim através de atos modestos e oferecer, tanto ao público
dio porte e sem recursos culturais relevantes? Parece que essa
quanto aos artistas, esboços, ensaios, ainda suscitaria algum
questão está no cerne da implantação da Capital Europeia da
interesse para os que decidem?
Cultura 2010 em Pecs, como observa Peter Inkei (The Budapest Observatory, www.budobs.org). Além disso, as reflexões do filó-
Se a resposta a essa pergunta fosse negativa, as agências or-
sofo Eduardo Lourenço sobre a escolha de Guimarães, Capital
ganizadoras de eventos teriam dias felizes pela frente, deslo-
Europeia da Cultura em 2012, demonstram, se necessário fosse,
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OLHAR ESTRANGEIRO
2011.10
que a atribuição do label precisa de uma espécie de “justifica-
Os pré-requisitos da União Europeia na matéria parecem evocar
ção comparativa”, nesse caso patrimonial, tratando-se de uma
irresistivelmente a tentação que abordamos anteriormente: atri-
cidade relativamente pequena e inscrita em uma concorrência
buir ao evento uma capacidade que o ultrapassa, qual seja a de
nacional. Quanto ao terceiro eixo da programação - fazer solici-
ancorar uma cidade, como por magia, em uma temporalidade
tações internacionais de prestígio e, ao mesmo tempo, promo-
milagrosa feita de um eterno instantâneo. Todas as pesquisas
ver os criadores locais - trata-se de uma equação tão simples
comprovaram que as capitais europeias da cultura que obtive-
assim? Nesse sentido, o exemplo de “Linz 2009” contribui para
ram êxito tinham sido previamente beneficiadas com cuidados
o debate. Enfim, a dimensão europeia da manifestação,
específicos para o surgimento de um meio artístico
duas cidades prestigiadas, uma delas no oeste
e inovador (Glasgow 1990) ou já estavam
e a outra no leste, a não ser que haja três
comprometidas em investimentos a lon-
cidades (como em 2010, Essen e La
go prazo (Lille 2004). É efetivamente
Ruhr, Istambulk e Pecs). Considera-
na articulação entre curto e longo
-se que as cidades comprometi-
prazo que toda política cultural
das cooperarão entre si, traba-
deveria doravante inscrever-
lhando em eco. Entretanto, se
-se. Como escreve Claude
em 2000, agentes culturais (les
Hivernales2
e
Vauclare, “é essa articula-
seus
ção, atualmente no cerne
parceiros da Trans Danse Europe)
não
da reflexão de certo
tivessem
número
de
agentes
se envolvido propondo
culturais, que poderia
uma programação de
participar da renova-
dança contemporânea
ção das políticas cul-
nas oito cidades es-
turais,
colhidas, qual seria o
para o crescimento
elo perceptível para o
em potencial da pro-
contribuindo
público (pelo menos
moção de eventos e
para o público fran-
para a renovação das
cês)
políticas culturais.”
entre
Avignon,
Helsinki, Praga e outras. Seja como for, nenhu-
Da mesma forma, quem
ma
se lembra do fato de que
articulação
nova
pode ignorar a necessi-
Sibiu foi Capital Europeia
dade de renovar as estra-
da Cultura no mesmo ano
tégias culturais a partir de
que Luxemburgo e Grande
referenciais cidadãos, como
Région? Talvez aqueles que ti-
fazem alguns atores de Malmö
veram o prazer de assistir a uma
e da Euroregião de Öresund e
programação de teatro romeno
como lembra Giovanna Tanzarella
contemporâneo, sob a iniciativa da
em entrevista a nós concedida a res-
Kulturfabrik d’Esch/Alzette, perto do
peito dos intercâmbios artísticos entre a
Luxemburgo ( www.kulturfabrik.lu). Isso
Europa e o Mediterrâneo.
seria suficiente? Assim, poder-se-ia multiplicar os exemplos. Além do mais, as disparidades financeiras parecem ser fonte de preocupação: é difícil comparar o progra-
de infraestrutura! Notemos enfim que a agência Ecotec acaba
1 - La Grande Région é um Agrupamento europeu de cooperação territorial, reunindo diversas divisões territoriais de quatro países: Luxemburgo, Alemanha, Bélgica e França (N.T.).
de passar à Comissão Europeia uma avaliação sobre as capitais
2 - Festival do CDC (Centro de Desenvolvimento Coreográfico)
europeias da cultura de 2007 e de 2008: www.ecotec.com.
que acontece em fevereiro (N.T.)
ma de “Vilnius 2009”, realizado com 7,7 milhões de euros, com o de “Linz 2009”, com 70 milhões de euros, incluindo os custos
*Pesquisadora do Instituto de Estudos Europeus da Universidade de Paris VIII
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geopol í tica
2011.10
A revolta árabe *MÁRCIO SCALERCIO | especial para a A3
C
om apenas duas palavras, sugeridas por Albert Memmi
definindo que o início do fim de suas dificuldades só poderia ser
em seu livro, “O retrato do descolonizado árabe-mu-
alcançado por meio da reforma ou da derrubada pura e simples
çulmano e de alguns outros” (2007, p. 21), é possível
dos regimes políticos de seus países.
sintetizar o significado e a motivação que tem levado
as multidões árabes às ruas desde 19 de dezembro de 2010 na
A tática dos manifestantes revela-se correta. A condição de “país
Tunísia: as nações árabes tornaram-se nesses últimos anos, “países
em subdesenvolvimento”, não pode ser superada por meras modi-
em subdesenvolvimento”.
ficações na esfera econômica. O centro de gravidade do problema acha-se no perfil e na estrutura de funcionamento dos regimes
O fato é que os países árabes no seu conjunto, desde a década
políticos. Estes, de forma invariável no mundo árabe, se sustentam
de 90 do século passado, padecem do fenômeno da estagnação
a partir de uma combinação de exercício de poder autoritário, de
econômica e, pior ainda, em alguns deles, a situação estava em
amplas redes da mais descarada corrupção e da ação repressiva
franca degradação. Os manifestantes se reuniram, tomaram conta
truculenta das autoridades policiais contra os adversários dos
das ruas e assumiram a iniciativa de tentar reverter tal situação,
regimes. O quadro interno de sustentação política dos regimes
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geopol í tica
2011.10
Ilustração: Charleston Hokama
autoritários árabes é complementado pelo suporte internacional
ção da política externa dos Estados Unidos naquelas regiões do
– exceto para o Governo da Síria - conferido principalmente pelos
mundo: em primeiro lugar, o petróleo e o gás natural devem fluir
poderes ocidentais, isto é, os Estados Unidos, a União Europeia e
sem grandes problemas; em segundo, os governos aliados árabes
as grandes corporações privadas. Neste campo, o relacionamento
devem se engajar no esforço internacional da “guerra contra o
das potências do Ocidente e das corporações para com o mundo
terror”, isto é, manter os radicais religiosos islâmicos trancafiados
árabe é orientado por um cru pragmatismo, acompanhado por um
quando possível ou eliminados fisicamente quando necessário;
relativismo cultural do tipo mais ordinário.
finalmente, devem abster-se de ações que coloquem em risco aquilo que é entendido como as condições fundamentais que ga-
No que se refere ao pragmatismo, a política externa praticada
rantam a segurança e os interesses de Israel.
pelos Estados Unidos destacava-se como modelar. Um país árabe poderia, independente dos pecados cometidos pelo regime inter-
Ao mesmo tempo, os argumentos do relativismo cultural sugerem
namente, ser alçado à condição de nação aliada, caso não criasse
que as sociedades muçulmanas em geral, e as árabes em parti-
incômodos nas áreas que configuram os três pilares de sustenta-
cular, rejeitam os postulados das liberdades democráticas e da
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geopol í tica
2011.10
justiça social. Tais nações exibem uma espécie de “preferência
Contudo, economistas egípcios e de outros lugares afirmam que o
cultural” por modelos de organização sociopolíticos autoritários.
número real é bem mais expressivo. Pode ultrapassar 30% da po-
Nesta medida, os povos árabes, pela razão básica de serem “ára-
pulação economicamente ativa, sendo que entre os mais jovens os
bes”, estariam condenados a se acomodar a estilos de vida ei-
percentuais são maiores ainda. Segundo os relatórios, os quadros
vados pela violência política, corrupção, ineficiência generalizada
de estagnação econômica e de baixo IDH são sustentados pelos
e não haveria o que fazer para ajudar a remediar isso. As espe-
perfis institucionais daqueles países, a ineficiência na prestação de
cificidades culturais dos povos devem ser respeitadas, cada um
serviços públicos fundamentais, a falta de liberdade e a persisten-
vive em conformidade com seus costumes, etc. É inevitável sentir,
te ação das redes de corrupção.
em face a argumentos dessa natureza, um odor de preconceito Ao longo das décadas de 80 e 90 do século passado, outras
contaminando o ar.
regiões do mundo, notadamente a América Latina e a Europa Em meados de janeiro de 2011, quando o noticiário internacional
Oriental passaram por intensas reformas político-institucionais e
começou a destacar os levantes árabes, o comentário mais pro-
econômicas. No cenário latino-americano, ditaduras ruíram e no
palado dizia respeito à sensação de surpresa quanto aos eventos,
Leste Europeu os regimes socialistas tradicionais desapareceram.
sua intensidade e rapidez de propagação. Mas o surpreendente
Simultaneamente, o sistema capitalista ensaiava uma espécie de
mesmo é que os jornalistas responsáveis pela cobertura interna-
salto de qualidade, rumo a um padrão mundial mais sofisticado
cional não estivessem cientes das informações disponíveis quanto
calcado nas tecnologias da informação. No que tange aos casos
à situação do mundo árabe. Graças ao suporte garantido pela
da América Latina e da Europa Oriental, os dois movimentos – das
Organização das Nações Unidas (ONU), produziram-se relatórios
mudanças político-institucionais e econômicas e do capitalismo
sobre a situação do mundo árabe nos anos de 2002, 2003 e, em
modificado – guardaram alguma sintonia.
2009, foram publicados mais dois dossiês: o primeiro, o “Arab Human Development Report, 2009”, organizado pelo Programa
No mundo árabe, contudo, as reformas não aconteceram. A pai-
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) - http://www.
sagem político-institucional quedou-se na mesmice. Isto, natural-
arab-hdr.org/contents/index.aspx?rid=5;
também
mente, não foi impedimento para que o tal capitalismo globaliza-
contendo informações bastante detalhadas, o “Arab Knowledge
do e sofisticado abarcasse as regiões árabes, implantando todo o
Report, 2009”, um trabalho igualmente patrocinado pelo Pnud e
seu instrumental: os computadores, os sistemas de comunicação
realizado pela Mouhammed bin Rashid Al Maktoum Foundation -
em rede, a telefonia celular, novas formas de gerenciamento, etc.
o
segundo,
http://www.mbrfoundation.ae/English/pages/AKR2009.aspx . A grata contradição é que precisamente estas ferramentas, a prinDo mesmo modo que muitos dos jornalistas e integrantes dos
cípio tão interessantes para os regimes interessados na perpetu-
quadros diplomáticos de importantes países, é certo que a maioria
ação de seus poderes, converteram-se nas “armas de destruição
dos manifestantes árabes jamais tenham se dado ao trabalho de
em massa” dos manifestantes. Por meio dos computadores, dos
ler tais relatórios. Porém, diferentemente dos primeiros, os ma-
celulares e das redes sociais da internet, souberam preparar cam-
nifestantes sentiam – e ainda sentem – na própria pele as duras
panhas de mobilização de massas e divulgar de forma incessante
mazelas descritas com riqueza de detalhes pelos documentos. Es-
denúncias acerca dos constantes desmandos perpetrados pelos
tes relatam os baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDHs)
regimes.
vigentes no mundo árabe, enfatizando que nos últimos anos, em países importantes houve uma sensível piora da situação. Nem
É verdade, podemos até supor que as massas reunidas na praça
as altas sazonais dos preços do petróleo têm sido capazes de
Tahir na cidade do Cairo (Egito) jamais tenham lido os relatórios
reverter este quadro nos países produtores em geral. A situação
patrocinados pela ONU. Entretanto, as palavras de ordem brada-
se degradou mais ainda diante da alta dos preços internacionais
das e os dizeres das faixas e dos cartazes, muitos deles em inglês,
dos alimentos nos últimos anos. De acordo com os relatórios, os
exigem o fim das agruras exibidas nos relatórios. Notemos que
países árabes constituem uma das regiões do mundo com maior
reivindicam democracia, melhores condições de vida, oferta de
dependência para importações de alimentos. O valor de produtos
empregos e atacam a corrupção. Não há lamentos anti-imperia-
de consumo popular tais como, grãos, óleo para cozinhar e açúcar
listas, insultos contra Israel ou sentenças islâmicas sectárias. Qua-
se elevou substancialmente, causando impacto negativo nas con-
se todas as cores políticas se fazem presentes nos protestos. Na
dições de vida dos grupos sociais mais pobres. Há também o pro-
praça se encontram os esquerdistas, os liberais, aqueles que não
blema da geração de empregos para os setores jovens da popu-
professam credos políticos específicos, as mulheres e também os
lação e, dentre eles, o pessoal com maior qualificação em termos
religiosos da Irmandade Muçulmana e demais grupamentos afins.
educacionais. No caso do Egito, a nação árabe mais populosa, as autoridades divulgam um índice de desemprego em torno de 12%.
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Aliás, a mobilização contra o Governo Mubarak não é um movi-
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geopol í tica
2011.10
mento datado do ano de 2011. Suas raízes – ao menos as mais
ativo da Arábia Saudita, venceu o primeiro assalto; no Yemen, o
imediatas – podem ser percebidas no Movimento Kefaya – palavra
presidente saiu do país, mas devido às complexidades regionais,
árabe que significa “basta” - iniciado em meados do ano de 2004.
perdura o perigo de uma guerra civil. Na Síria, o governo Bashar
O Kefaya reuniu professores universitários, estudantes, desempre-
al-Assad, ao mesmo tempo que acena com reformas, tenta conter
gados e sindicalistas independentes de todo o país numa rede de
a mobilização popular à bala. Ao que parece, o governo al–Assad
organizações de base contrária a continuação da presidência de
mantém o controle das Forças Armadas e do vasto sistema ten-
Osni Mubarak e opondo-se à hipótese do velho mandatário ser
tacular de segurança que aprisiona todo o tecido social sírio. No
sucedido por seu filho, Gamal Mubarak.
caso da Síria, o que anda a causar surpresa é o imenso fôlego exibido pelos manifestantes. Mesmo em face a uma repressão brutal,
Não existe qualquer possibilidade de prever agora que tipo de
as ações de parte da população contra o governo prosseguem.
resultados a denominada “Primavera Árabe” conquistará. O efeito espelho, isto é, os egípcios viram a si próprios nos tunisianos, os
No Marrocos, o rei Mohammed VI tenta uma solução moderada:
líbios perceberam seu reflexo nos egípcios, os sírios se reconhece-
uma reforma constitucional que aumenta os poderes de uma clas-
ram nos líbios e assim por diante, serviu para espalhar o processo
se política eleita, ao passo que preserva parcela considerável da
e mantê-lo vivo até agora.
autoridade do monarca. Na reforma sugerida pelo governo, são apresentadas concessões que diminuem a discriminação contra
Na Líbia a situação desandou para uma guerra civil com interven-
os povos berberes, importante grupo étnico que se espalha por
ção internacional. A revolta, iniciada na região da Cirenaica, Leste
vários países do Norte da África. Quanto ao Egito, os manifes-
do país, em torno de sua principal cidade, Bengazi, foi seguida por
tantes continuam mobilizados. Sabem muito bem que substituir
manifestações em Trípoli, a capital, logo reprimidas pelas unida-
Mubarak pela junta militar que ora administra o país é, sem tirar
des militares do governo e grupos tribais que apoiavam o regime.
nem pôr, mais do mesmo. Os manifestantes querem que os mi-
A clara situação de guerra civil e uma alegação, não tão clara aliás,
nistros do antigo regime sejam demitidos. Exigem um calendário
de que o governo do coronel Muammar Kadafi retomaria Bengazi
eleitoral que conceda o
e promoveria um “banho de sangue” contra os rebeldes, estimu-
políticas se organizem para a disputa. Cobram do governo que in-
lou o Conselho de Segurança da ONU a aprovar as Resoluções
tegrantes das forças policiais que reprimiram as manifestações no
1970 – impondo um embargo de armas – e a 1973 – e estabelecer
início do ano sejam afastados e processados. A transição no Egito
a necessidade de uma intervenção militar na Líbia para garantir a
não está se dando sem sobressaltos. A penúria econômica que
proteção dos civis.
aflige a população não desaparecerá simplesmente graças aos
tempo necessário para que as forças
poderes mágicos da democratização. No panorama internacional Ao que parece, Estados Unidos, França e Grã-Bretanha, acompa-
já há sinais que os países desenvolvidos serão bastante avaros na
nhados pelo Qatar, por meio de uma espécie de “licença poética”
concessão de qualquer ajuda financeira ao Egito. Por um lado, tais
interpretativa da Resolução 1973, definiram que a única forma de
países passam por dificuldades econômicas; por outro, uma ação
proteger civis na Líbia era bombardeando o regime Kadafi até
mais generosa na transferência de recursos é inibida pelo quadro
derrubá-lo. Não obstante as cerca de oito mil sortidas aéreas da
de incertezas quanto ao resultado do processo político egípcio.
OTAN, seis meses se passaram e o regime continuou lutando e mantendo muitas de suas posições na Tripolitânia – a área Oeste
Em agosto último, guerrilheiros palestinos atacaram nas proximi-
do país, contando com a lealdade de tribos desta região e do Sul
dades da fronteira entre Egito e Israel, um ônibus israelense. O
da Líbia. Contudo, a rebelião voltou a progredir graças à adesão
saldo da ação foi de sete cidadãos israelenses mortos e 25 feridos.
de uma das grandes tribos do Oeste, o grupo tribal árabe dos
Como parte da resposta israelense ao episódio, militares egípcios
Zidan. O Estado líbio de Kadaf, chamado de Jamahiriya – ou “Es-
foram mortos, de acordo com fontes do Governo de Israel, por
tado das Massas” – operava suas linhas de poder por meio de um
engano. Além de tornar mais tensa a situação na fronteira, tais
clientelismo centrado na distribuição dos recursos auferidos pelo
incidentes reativaram o velho sentimento anti-sionista entre ma-
petróleo e gás natural entre as tribos. A adesão dos Zidan assinala
nifestantes no Egito. Os ataques da multidão contra a embaixada
um problema que a liderança rebelde centrada no Comitê Nacio-
de Israel no Cairo deixam clara a possibilidade de uma mudança
nal de Transição (CNT) – terá de resolver: o de como incorporar
de posição do Egito no que concerne às suas relações com Israel.
os grupos sociais do Oeste do país, já que a representatividade do
Mas ainda vivemos no terreno da incerteza e das suposições. Não
CNT abrange apenas os povos da Cirenaica.
há como afirmar quaisquer elementos definitivos, pois o processo da Revolta Árabe ainda está em andamento e não tem prazo para
No Bahrein, a repressão da dinastia Al Khalifa, contando com apoio
terminar.
*Márcio Scalercio é professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio
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TECNOLOGIA
2011.10
Desafios no céu e na terra alunos da Faculdade de engenhaRia da uFjF tRansFoRmam a teoRia em pRática na montagem de aeRomodelos e de veículo OFF ROAD paRa competições rauL mourão | repórter
as competiçÕes
próximas proVas
As disputas são organizadas pela Sociedade de Engenheiros de
Aerodesign – 20 a 23 de outubro, em São José dos Campos (SP)
Mobilidade (SAE Brasil, na sigla em inglês). Mais de mil alunos
Minibaja – em 2012, ainda sem dia e mês definidos.
de engenharia se dividem nas competições de Aerodesign e Baja. A primeira reúne três classes de aeromodelos de dimen-
como são Feitos
sões e complexidade diferentes – micro, regular e aberta – que
Os planos começam em sala de aula, onde os estudantes partici-
devem conseguir voar carregando um peso. Além do voo, con-
pam de disciplinas especiais para os dois projetos. Em seguida,
tam pontos o relatório do projeto, sua precisão e concordância,
as equipes fazem esboços do modelo, validam os dados em uma
a apresentação oral, bonificações e penalidades. Na Baja, os
réplica 3D no computador, no qual são feitos testes virtuais. De-
alunos devem projetar e construir um protótipo de veículo off
pois de o projeto ser finalizado, o avião e o veículo são montados
road, robusto, atraente e seguro, para enfrentar uma estrada com
em laboratório na faculdade. Antes de ir para as provas, passam
obstáculos que vão desde troncos de árvores a pedras e lama.
por mais testes. Tudo isso vem acompanhado de relatório, busca
É feita uma bateria de testes, que avalia velocidade máxima,
de patrocínio e divulgação.
tração, segurança, projeto e outros quesitos que valem pontos, até culminar no enduro. As equipes podem receber prêmios em
Fotos: sae bRasil/divulgação
montagem: thiago valéRio
dinheiro e participar de competições internacionais.
equipes Duas equipes com 27 alunos dos cursos de Engenharias Civil, Elétrica, Mecânica e Produção da UFJF, sob a orientação de dois professores. Equipe regular Mamutes Voadores Criação: 2010 14 alunos Equipe micro MicroRaptor Criação: 2011 13 alunos e um estagiário
32
seLeção de noVos membros Realizada em todo início de período, pode ter desde análise de histórico da graduação a testes.
A3:01
2011.10 TECNOLOGIA
como Funcionam asas Devem ser arqueadas para terem perfil aerodinâmico a fim de produzir a força de sustentação para o voo. Os bordos de fuga da asa, na parte traseira dela, alojam os ailerons e flapes, partes móveis usadas para o avião rolar para esquerda e direita Materiais - MicroRaptor: isopor Mamutes Voadores: madeira balsa (de jangada)
motor e HÉLice O único motor deve ser compatível para fornecer potência para a hélice girar e impulsionar o aeromodelo. A hélice não pode ser de metal para evitar acidentes. MicroRaptor: motor elétrico, com 0,60 cilindradas (cm3), japonês Mamutes Voadores: motor a combustível
trem de pouso
Leme e estabiLizador
FuseLagem
O leme (móvel) e o estabilizador vertical
A estrutura reveste a aeronave, agrega todas as peças e deve gerar menos
(fixo) controlam a direção do nariz para
resistência com o ar
a direita ou esquerda e auxiliam na esta-
Materiais – MicroRaptor: tubo de fibra de carbono e ferro
bilidade do avião
Mamutes Voadores: madeira balsa (de jangada), compensado de 3mm e fibra de carbono
proFundor e estabiLizador O profundor (móvel) e o estabilizador horizontal (fixo) mantêm a estabilidade da aeronave e fazem com que o nariz do avião levante ou abaixe
noVos materiais Os itens compósitos são uma das vedetes atuais da aviação, obtidos a partir da combinação de materiais. Aí podem entrar fibras de bananeira, de carbono e os tradicionais aço e alumínio. Eles podem ser mais resistentes, leves e baratos, mas ainda pecam na condutividade elétrica e segurança
o segredo está nas asas
alta para ajudar a manter ou aumentar a diferença de pressão; e a
Um princípio do físico suíço Daniel Bernoulli explica que onde a
altitude, pois o ar menos denso causa menos resistência. O traba-
velocidade do fluido é maior (neste caso, o ar), a pressão é mais
lho de movimento para frente (tração), na decolagem e durante o
baixa, e vice-versa. O perfil aerodinâmico da asa faz com que a
voo, fica a cargo da hélice ou das turbinas a jato.
parte superior dela seja maior do que a inferior e com que o ar passe com mais velocidade sobre essa área. Assim gera menos
para piLotar
pressão para baixo, mantendo a sustentação para cima. A dife-
O piloto deve ter carteirinha da Confederação Brasileira de Ae-
rença de pressão compensa, em parte, o peso do avião. Aí entram
romodelismo para lidar com o controle remoto via rádio, sob sol
mais dois itens principais: a velocidade da aeronave, que deve ser
ou chuva.
33
A3:01
TECNOLOGIA
2011.10
a pista de enduro equipe
Pista com terreno irregular com pedras, areia, lama e troncos de
UFJF Baja
árvore. Ganha essa etapa quem der mais voltas em quatro horas.
22 alunos de Engenharias Mecânica, de Produção Três departamentos: Financeiro, Marketing e Produção.
no enduro, a equipe É descLassiFicada quando por duas Vezes
Criação: 2010
- força outro carro a sair da pista.
e Elétrica, orientados por dois professores.
- mais de duas pessoas trabalham no veículo no autódromo.
seLeção de noVos membros
- reabastece o veículo com o piloto dentro.
Feita por meio de análise de histórico a testes a cada período.
- derrama combustível quando reabastece. - não respeita a bandeira preta.
requisitos estrutura: tipo gaiola de tubos de aço. Largura máxima: 1,62 m. comprimento: recomenda-se até 2,75 m. estética e força: ser robusto e também atrativo.
- alguém da equipe ou o piloto ficam na pista sem a autorização.
para piLotar O aluno precisa ter Carteira Nacional de Habilitação e ter seguro com cobertura médica.
rodas: Ter quatro ou mais rodas.
noVos materiais e tecnoLogias
Ser capaz de transportar pessoas com até 1,90m e 113,4kg.
A indústria de automóveis está de olho no carro elétrico
motor: de quatro tempos e com potência de dez cavalos (10hp). É o mesmo para todos. bandeiras: deve levar uma bandeira laranja em uma haste com altura entre 2,20m e 2,50m. Pode levar a bandeira da universidade.
e nos que têm funcionamento híbrido – usam tanto combustível quanto eletricidade. Eles poderiam até recarregar a energia da sua casa ou trabalho. Na UFJF, neste semestre, começa o estudo de um baja elétrico. E um carro não tripulado já é realidade no campus.
O mesmo veículo pode ser usado por dois anos. custo do modelo da uFJF: entre R$20 mil e R$25 mil
EQuipEs aErodEsign ufjf: www.ufjf.br/aErodEsign EQuipE baja ufjf: www.ufjf.br/baja saE brasil: Http://saEbrasil.org.br
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2011.10
PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
em curva ascendente depois de se destacaR na gRaduação, uFjF objetiva consolidaR e inteRnacionalizaR seus 44 mestRados e doutoRados rauL mourão | repórter
A
UFJF está mudando o seu perfil de grande escola, na qual se privilegiava o ensino na graduação, para uma instituição em que a pesquisa está impregnando o campus. Desde 2001, foram criados 37 novos
cursos de pós-graduação, totalizando atualmente 30 mestrados e 14 doutorados. A expansão vem acompanhada da qualidade. A última avaliação trienal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), de 2007 a 2009, melhorou o conceito de sete cursos e outros seis tiveram a abertura autorizada. Com o resultado, o programa de Química tornou-se o segundo da Universidade a ter conceito cinco, indicando padrão de muito bom nível, em uma escala até sete. O primeiro programa a obter cinco foi o de Ciência da Religião. “Cheguei na UFJF em 95. Deram-me uma caixa de giz para trabalhar; era o que eu tinha de mais promissor aqui. Ia a São Paulo para continuar fazendo meu trabalho de pesquisa. A UFJF era um grande colégio. Hoje os professores chegam e ganham mesa. Comprei com meu dinheiro esta mesa e cadeira”, afirma o coordenador da pós em Química, Luiz Fernando Cappa de Oliveira, indicando o móvel em que trabalha. De lá para cá, as mudanças foram nítidas e árduas, como ele próprio define. Foi preciso insistir na produção científica ainda em períodos em que as universidades entravam em processo de sucateamento. Foi o desempenho de professores e alunos do programa o principal fator que colaborou para a elevação do conceito, conforme aponta Oliveira. O relatório da Capes sobre o curso destaca, ainda, que a pós em Química apresenta “excelentes tempos médios de titulação e corpo docente com boa formação”. Conforme o documento, 57% tinham pós-doutorado.
CRESCIMENTO DA QUANTIDADE DE MESTRADOS E DOUTORADOS NA UFJF ENTRE 1993 E 2011
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35
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PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
2011.10
Obter o pós-doutoramento, aliás, é a nova meta dos professores,
para 835 em 2009. São resultados que colocaram a Universida-
substituindo a necessidade da década de 90 e início dos anos
de entre as 97 instituições de ensino superior latino-americanas
2000 por um doutorado. Em 1997, a minoria de 109 professores
com mais artigos científicos publicados e citados entre 2004 e
podia ostentar o “Dr.” à frente do nome. Em 2010, o número mais
2008, segundo o último ranking da consultoria espanhola SIR,
que quintuplicou, passando para 598, o que é quase o dobro da
publicado em 2010. A perspectiva para 2011 é positiva. No pro-
soma de mestres, especialistas e graduados (309). O número foi
grama de Ciências Biológicas – Imunologia/Genética e Biotec-
impulsionado também pela seleção de novos professores com o
nologia, por exemplo, a publicação de 138 artigos em quase um
título e dedicação exclusiva à academia. A qualificação de do-
ano e meio (janeiro de 2010 a abril de 2011) corresponde a 76,2%
centes está ligada diretamente à melhoria da pós-graduação. O
dos 181 publicados em três anos (2007 a 2009).
conhecimento é produzido e vai se acumulando. Além disso, é preciso ter uma quantidade mínima de titulados para que um
A transferência de conhecimento para a sociedade se reflete no
programa de pós seja aberto.
número de patentes: somam 23 em forma de novos produtos e tecnologias, proporcionando retorno financeiro e de conceituação para a UFJF. Pelo menos R$ 350 mil já foram transferidos
quantidade de teses e dissertações defendidas saltou de 22, em
para a instituição e departamentos, além de 2,7% de royalties
1998, para 285 em 2008. A de artigos passou de 168, em 2006,
sobre as inovações. Mais novidades virão. Uma delas está a
foto: Alexandre Dornelas
Outros indicadores demonstram a situação atual da UFJF. A
Estudante realiza pesquisa no Laboratório de Imunologia/Genética e Biotecnologia
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PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
foto: Alexandre Dornelas
2011.10
A UFJF está entre as 97 instituições de ensino superior latino-americanas com mais artigos científicos publicados e citados entre 2004 e 2008, segundo o último ranking da consultoria espanhola SIR, publicado em 2010 RaÚl Garcia, coordenador do Programa de Imunologia, junto com seu grupo de pesquisa, está prestes a obter patente de um programa de computador que analisa macromoléculas, como DNA e RNA
cargo do professor Raúl Garcia, coordenador do programa de
mitificada por se tornar mais real e mais próxima, pois os alunos
Imunologia. Com um grupo de professores e alunos, está prestes
podem continuar os estudos na própria universidade. Márcio do
a obter patente de um programa de computador que analisa
Carmo Rodrigues, 33 anos, ingressou na Engenharia Elétrica em
macromoléculas, como DNA e RNA. O potencial do empreende-
1997, envolveu-se com pesquisa sobre qualidade da energia elé-
dorismo acadêmico poderá ser ampliado por meio da instalação
trica como bolsista de iniciação científica e, em 2002, continuou
do Parque Científico e Tecnológico de Juiz de Fora, iniciativa
na faculdade para dar sequência ao mestrado. Em 2010, casado,
da UFJF, prevista para 2012. A inovação, originada por tecno-
com um filho de 2 anos e trabalhando como professor em Juiz
logias ou mesmo pesquisas puras, está associada à capacidade
de Fora, regressou ao campus para iniciar o doutorado na área.
crescente de captação de recursos para o desenvolvimento dos
“Volto e encontro um grupo de pesquisa consolidado, com res-
estudos. “Praticamente cada professor tem seu projeto aprova-
peito nacional e internacional, e um laboratório ampliado.” Para
do na Química”, afirma Luiz Fernando Cappa. Para uma das pes-
sua tese, investiga meios de um veículo elétrico contribuir para
quisas da qual participa está direcionado mais de R$ 1,5 milhão.
o sistema de energia de uma casa ou indústria, pois ao conectar um carro a uma casa, por exemplo, ele poderá mantê-la em
O desenvolvimento da pós-graduação vem respaldado tam-
horário de pico de consumo, reduzir cargas de energias ruins e
bém pela aplicação de investimentos próprios da Universidade,
evitar oscilações, entre outras finalidades. Rodrigues somou-se
principalmente, por meio do programa institucional de Apoio
aos mais de 1.300 mestrandos e doutorandos matriculados na
à Pós-Graduação (APG), ressaltado por avaliadores da Capes.
UFJF. Em 2000, nem sequer havia aluno de doutorado.
Desde 2007, foram aplicados R$ 7,3 milhões, divididos entre os programas, e distribuídas mais de 420 bolsas de monitoria. Em
Se a Universidade já é uma atração para seus próprios estudan-
2011, cada mestrado recebeu R$ 58.250,50. Se o programa pos-
tes e do seu entorno, muitos programas querem também ver
sui doutorado, o valor é acrescentado em R$ 15.145,13. Na Eco-
alunos de outros estados e até mesmo de outros países em suas
nomia Aplicada, um dos programas com autorização para abrir
salas de aula. “Temos condição de atrair estudantes de fora. Isso
um doutorado neste ano, o recurso é investido prioritariamente
aumentaria e diversificaria nosso universo de atuação”, diz o
no pagamento de bolsas, quando não são obtidas por outras
coordenador do programa de Ciência da Religião, Luís Henrique
fontes, no custeio para trazer professores para conferências
Dreher.
e bancas e na participação de docentes em congressos, a fim de estimular a publicação de artigos. “Quando você está numa
Caminho longo
universidade que funciona, você acredita cada vez mais nela,
Relativamente nova na pós-graduação, a UFJF ainda precisa en-
você se desempenha cada vez melhor. Isso tem um efeito muito
frentar desafios típicos de iniciantes e outros mais complexos,
positivo sobre o funcionário”, afirma a coordenadora do curso,
necessários para consolidar e internacionalizar seus programas.
Silvinha Vasconcelos.
“Essa é uma questão nevrálgica. Com certeza, a internacionalização é o grande desafio na pós da UFJF nas próximas duas
Os reflexos são estendidos à graduação, cujos quatro ou cinco
trienais da Capes (2010 a 2015)”, ressalta o pró-reitor de Pós-
anos tornam-se uma etapa para a continuidade dos estudos.
-Graduação, Fernando Perobelli. As dificuldades vão desde mais
“Cria-se um ambiente de pesquisa, onde a cultura é a de produ-
adequação e ampliação da infraestrutura, como possuir toma-
ção de conhecimento”, resume Silvinha. A pós-graduação é des-
das elétricas para atender a todos os equipamentos novos e a
37
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pós - graduação
2011.10
Distribuição de programas de pósgraduação no país com conceitos 3 a 7
Nessa direção, em março, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação (Propg) lançou um novo pacote de investimentos de R$ 1,8 milhão para a área a fim de adquirir equipamentos e softwares, melhorar bibliotecas, aumentar a quantidade de bolsas de monitoria e fomentar a publicação internacional, por meio do apoio à tradução de artigos científicos com potencial de divulgação em revistas.
Nacional A situação local é um retrato da nacional em suas conquistas e desafios. O Brasil tornou-se o 13º país que mais produz artigos
O que os conceitos indicam?
científicos, conforme levantamento da “Thomson Reuter’s Scien-
1 - Condição deficiente, os cursos podem ser descredenciados
ce Citation Índex”. Eram 4.301 em 1992, contra 26.482 em 2008.
2 - Fraco
Mais de 90% desses estudos foram gerados em universidades
3 - Desempenho regular. Normalmente é a nota obtida ao se criar
públicas, no entanto, concentrados em apenas uma dezena de
um curso.
instituições de grandes centros econômicos. E, segundo o últi-
4 - Indica bom desempenho.
mo relatório da Unesco sobre Ciência, de 2010, “a intensidade
5 - Representa muito bom desempenho. É a maior nota para o
de Pesquisa e Desenvolvimento do Brasil progrediu mais lenta-
programa que tem apenas mestrado.
mente (10%) do que a economia como um todo (27%)”, entre
6 - Programa excelente.
2002 e 2008. Mas em valores absolutos, o país investiu US$ 23
7 - Indica excelente nível internacional.
bilhões, mais que Espanha (US$ 20 bilhões) e Itália (US$ 22 bilhões), ainda que esteja atrás de ambos no momento de traduzir o investimento “em resultados palpáveis”. A maior parte desses
garantia de energia elétrica constante, até a capacitação dos
recursos ainda cabe ao setor público. “O pequeno número de
próprios alunos em língua estrangeira.
cientistas no setor privado não deixa de ter suas consequências, tal como é testemunhado pela deficiência de patentes geradas
Para consolidar a pós, coordenadores de programas listam algu-
pela indústria brasileira”, frisa o relatório.
mas medidas: contratar técnicos que possam operar e manter equipamentos, laboratórios e computadores; desburocratizar e
Por outro lado, a quantidade e a qualidade de cursos de pós-
agilizar processos internos; incentivar e diversificar a captação
-graduação vêm melhorando. São mais de 4.700 mestrados
de recursos; obter licença institucional de softwares; fortalecer
e doutorados, e 53% dos 2.718 programas avaliados na última
a aquisição de bons títulos de livros e torná-los acessíveis; atrair
trienal ficaram com conceito quatro e cinco e outros 12% com
mais e melhores estudantes, o que inclui seleção mais rigorosa
seis e sete. São mais de 12 mil doutores por ano ante 554 em
e aumento de bolsa. “Perco tempo ao fazer listas ou consolidá-
1981. Mas a formação de pesquisadores precisa crescer para se
-las (para serviços administrativos). Poderia acompanhar mais
ter competitividade internacional forte, pois o país ainda possui
o processo acadêmico, dinamizar o programa”, afirma Dreher,
apenas 1,33 pesquisador em cada mil profissionais. Na Argenti-
que pretende, ainda, formar uma comissão para adotar critérios
na, são 2,02; e na Coréia do Sul, 9,17, conforme a Unesco. Durante
de credenciamento de professores titulares e colaboradores da
conferência na UFJF, em março, o presidente da Capes, Jorge
Ciência da Religião.
Almeida Guimarães, afirmou que o objetivo do Brasil é chegar entre os dez maiores produtores de Ciência e que tenha 6,5
Para a internacionalização, o campo de ação abrange tornar
pesquisadores em cada mil trabalhadores. Para ampliar a quan-
uma rotina a participação de profissionais estrangeiros no cam-
tidade de cursos, acrescenta, “apostaria na iniciação científica e
pus e de alunos e professores no exterior, obter proficiência em
na composição de programas que envolvam bons professores
um idioma estrangeiro e incentivar a realização de convênios
de departamentos diferentes dentro de um tema só”. Guimarães
e redes de pesquisa. “Temos dificuldade de encontrar pessoas
ressaltou, ainda, o objetivo de reduzir as diferenças regionais e
com qualificação na tradução por área. É raro ter no mercado
mesmo as intrarregionais entre os centros de pesquisa, além de
profissional desse padrão. São coisas triviais que dependem,
interiorizar o investimento em pesquisa, assim como preconiza
também, do mercado, não somente de nós”, acrescenta Silvinha
também a Unesco. É mais um ponto a favor para a UFJF.
Vasconcelos. As melhorias dependem tanto da instituição, como de ações de âmbito nacional e de cada programa e integrante dos cursos.
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Relatórios da Capes sobre cursos da UFJF: http://migre.me/5GNxp Cursos de pós da UFJF: www.ufjf.br/propg
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JUVENTUDE
Foto: maRcelo viRidiano
Referências mudam e impactam a construção de valores para os jovens docentes do instituto de ciências humanas (ich) da uFjF Ressaltam que discuRsos sociais tendem a esteReotipaR a imagem do jovem, Relacionando-o À violência. apesaR de ele seR a maioR vítima da cRiminalidade, conFoRme índices demogRáFicos e pesquisas, a academia deFende que tais estatísticas não seRvem de pReRRogativa paRa que o conceito de juventude esteja ligado a um compoRtamento violento
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J uventude
2011.10
fotos: marcelo viridiano
CAROLINA NALON | repórter
O
que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman chamou
André Gaio, existia uma cronologia natural, envolvendo família,
de modernidade líquida e todas as suas consequên-
escola, religião e emprego, que levava à constituição de identida-
cias na sociedade contemporânea podem ser a
de. “Mas isso tudo foi embaralhado, porque o mundo se transfor-
chave para se entender a juventude de hoje. A con-
mou completamente.”
tradição expressa nos discursos que a tomam como “futuro da nação” e, ao mesmo tempo, como “perdida” evidencia a imagem
Segundo ele, não temos mais uma sociedade de emprego, e sim
do não-lugar onde estão os jovens. Professores da Universidade
de trabalho, geralmente precário. A educação do jovem se dá por
Federal de Juiz de Fora (UFJF), estudiosos desta temática, tra-
meio das mídias e da relação com seus pares, fruto da diminuição
zem para discussão o impacto do deslocamento das tradicionais
da convivência com os pais por conta do ritmo acelerado da vida
referências que marcaram o mundo moderno na atual construção
cotidiana ou mesmo em razão da configuração de família, não
da representação juvenil.
raras vezes, monoparental. Apesar disso, argumenta Gaio, “não dá para ter um discurso conservador, do tipo ‘cadê a família?’ ou
Para o professor do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da UFJF,
‘a família acabou!’. A família de hoje é a família possível”. E é por
foto: Rafael Prado
André Gaio: “Não dá para ter um discurso conservador do tipo ‘cadê a família’ ou ‘a família acabou’. A família de hoje é a família possível”
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J uventude
2011.10
foto: Rafael Prado
Elisabeth Murilho: “Todo mundo hoje quer ser jovem. O jovem tem muito mais voz ativa, tanto é que o comportamento juvenil é incentivado nas crianças e nos adultos”
isso que todas as estruturas sociais precisam se readaptar, pois o
era tida como algo de estudante despojado. A partir dessa valo-
mundo não volta atrás.
rização do comportamento juvenil, essa vestimenta passou a ser aceita em todos os ambientes, faixas etárias e ocasiões”, explica
Outro aspecto fundamental para a compreensão das novas for-
Elisabeth.
mas de sociabilidade é a (falsa) ideia de que o consumo é sinônimo de liberdade. “Valores de respeito às regras eram reforçados
Na visão de Clarice Torres, docente do Departamento de Geo-
pela escola e pela religião e existia, também, uma diferença de
grafia, é preciso perceber que a juventude não é, como parece
classe social. Mas hoje, pobres e ricos têm um mesmo desejo de
ser o discurso do senso comum, uma fase de transição apenas. É
consumo. A conquista de liberdade individual está muito relacio-
uma etapa importante na vida do indivíduo, assim como a infantil
nada à capacidade de consumir”, reflete Gaio.
e a adulta. Além disso, não é possível classificar os jovens como
Visibilidade e voz
um grupo uníssono, porque eles são múltiplos. Entram em jogo a classe social, o gênero e a raça, entre outras inúmeras questões
A juventude até o início do século XX não tinha importância al-
identitárias. “Jovens mulheres são diferentes de jovens homens.
guma e se integrava muito tardiamente à sociedade, ressalta a
Jovens brancos são diferentes de negros e também de jovens
professora do Instituto de Artes e Design (IAD), Elisabeth Murilho.
mulheres negras, e assim por diante.”
A partir da década de 50, a sua faixa etária se torna visível. “Todo mundo hoje quer ser jovem.” Para ela, “o jovem tem muito mais
Entretanto, há certas características comuns a uma geração. Para
voz ativa, tanto é que o comportamento juvenil é incentivado nas
a professora da Faculdade de Serviço Social, Maria Aparecida
crianças e nos adultos”. Gaio concorda: “a visibilidade do jovem é
Cassab, os jovens que fizeram 20 anos nos anos 2000 vivencia-
total e isso não ocorria antes. É algo muito novo”.
ram uma experiência coletiva de política de Estado determinante para a sociabilidade de hoje. “No mínimo diríamos que eles an-
Prova ilustrativa desta influência é a moda juvenil, que contribui
dam com o vidro do carro levantado porque têm medo do outro.
para o relaxamento do comportamento social. “A calça jeans, por
É uma marca da geração e que tem a ver com a subjetividade
exemplo, até os anos 80 não era aceita no ambiente de trabalho,
emanada pelo Estado.” A crise de emprego nos anos 80 e a ideo-
Discursos sociais, que encontram eco na grande mídia, tendem a estereotipar a imagem do jovem, principalmente, os pobres, relacionando-o à violência
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A educação do jovem se dá por meio das mídias e da relação com seus pares, fruto da diminuição da convivência com os pais por conta do ritmo acelerado da vida cotidiana ou mesmo em razão da configuração de família, não raras vezes, monoparental logia do Estado mínimo e do intenso estimulo à competição nos
A docente Maria Aparecida, coordenadora da pesquisa, coletou
anos 90, segundo ela, formaram jovens diferentes “daqueles que
as notícias divulgadas pelo jornal juiz-forano “Tribuna de Minas”,
cresceram com um Estado mais coletivo, com uma escola públi-
entre 2000 e 2005, cuja narrativa envolvia conflitos com jovens,
ca de qualidade onde havia a convivência entre classes sociais
na faixa de 15 a 24 anos, como vítimas ou autores. As histórias
diferentes”.
levantadas eram geralmente relatos sobre violência, briga de
Violência
gangues em ônibus e em bailes funk. “É recorrente a imagem do jovem pobre como bandido, como aquele que está sempre na
Discursos sociais, que fatalmente encontram eco na grande mídia,
perspectiva de delinquir, transgredir, agredir. Não estou dizendo
tendem a estereotipar a imagem do jovem, principalmente, os po-
que esses jovens não estejam de fato envolvidos nisso, que não
bres, relacionando-o à violência. Certamente eles são as maiores
façam uma ocupação da cidade de forma agressiva e violenta,
vítimas da criminalidade no Brasil, como apontam índices demo-
mas há uma amplificação dessa realidade.”
gráficos e pesquisas relacionadas. Porém, a academia defende que tais estatísticas não servem de prerrogativa para que o con-
Ainda segundo Maria Aparecida, a “demonização” da juventude
ceito de juventude esteja ligado a um comportamento violento.
“está ligada ao fato de o jovem não ter lugar na sociedade: estão sem trabalho, sem uma boa escola, com uma vida familiar frouxa.
Há coisas especiais da juventude em que o roteiro da violência
Nessa organização social cristalizada não há espaço para o jo-
cabe muito bem, o que não quer dizer que a criminalidade seja
vem, que é o novo, o que vem e que questiona”.
uma característica ou tendência dos jovens, explica Gaio. “Sempre houve a prática de delitos violentos na história. Aquilo que a
Gaio chama a atenção para outro equívoco comum: relacionar o
juventude tem como seus momentos de desafiar as regras, de se
uso de drogas que, conforme Elisabeth Murilho, também passou
colocar em risco, de enfrentar a sociedade é que passou a ser cri-
a fazer parte da sociedade como mais um objeto de consumo, à
minalizado como comportamento anormal”, entende Elisabeth.
violência. Ele ressalta que o problema da violência não é resultado das drogas, apesar de haver, como característica latino-ame-
foto: alexandre dornelas
Clarice Torres: “Não é possível classificar os jovens como um grupo uníssono, porque eles são múltiplos. Jovens mulheres são diferentes de jovens homens. Jovens brancos são diferentes de negros e também de jovens mulheres negras, e assim por diante”
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J uventude
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foto: alexandre dornelas
Maria Aparecida Cassab: “A solução para tirar esses meninos do tráfico é desterritorializá-los, colocá-los numa boa escola, onde há possibilidade de eles terem lazer, cultura, ou seja, onde tenham um domínio da cidade”
ricana, a ligação do tráfico de entorpecentes ao contrabando de
política”, ressalta a pesquisadora.
armamento. “Somos o país que mais mata por arma de fogo” e, por outro lado, não somos o que mais consome drogas. “O usuá-
Segundo Clarice, nas respostas que encontrou na avaliação quali-
rio de crack, por exemplo, morre mais de problema de saúde do
tativa, a violência para os jovens pobres é presente, corporificada,
que de violência.” Gaio também argumenta que mundialmente a
ou seja, algo experimentado pessoalmente ou por pessoas próxi-
substância mais relacionada à criminalidade é o álcool, uma dro-
mas. Já para os de classe média, a violência é algo distante, que
ga lícita. É por conta destas contradições que políticas públicas
“está nos outros”. Ela afirma que “a circulação é essencial para
convergentes devem ser tratadas com prioridade. Em relação às
desnaturalizar a questão do jovem pobre. Na visão de Milton San-
drogas, na sua visão, o Estado brasileiro tem atuado de forma
tos (geógrafo que revolucionou os estudos dessa área relacionan-
bifronte: de um lado o Ministério da Saúde e de outro a área de
do o conceito de espaço a dimensões humanas e a globalização)
Segurança Pública.
é usando o território que ele ganha sentido”.
Pelas ruas da cidade
A questão do território também foi importante na avaliação dos
Ao contrário do mostrado na reportagem veiculada, no dia 15 de
resultados de outra pesquisa desenvolvida na UFJF pela profes-
maio deste ano, no programa “Domingo Espetacular”, da Rede
sora Maria Aparecida Cassab. Ela fez um levantamento dos autos
Record, “a rivalidade das gangues na restrição do uso do espaço
de representação do Ministério Público do Juizado da Infância
em Juiz de Fora, embora manifesta, não é uma questão central”,
e da Juventude de Juiz de Fora, envolvendo a participação de
avalia Clarice Torres, estudiosa da forma sobre como os jovens se
jovens entre 11 e 18 anos. Foram analisados 989 autos de repre-
apropriam da cidade. Em sua pesquisa, ouviu 40 jovens de 17 a
sentação, contabilizando 1.357 jovens infratores. “Se é roubo ou
24 anos de dois diferentes grupos em Juiz de Fora: os de classe
furto, os jovens são pegos no Centro da cidade; se é tráfico, nos
baixa dos bairros Vila Esperança II (Zona Norte) e Santo Antônio
seus bairros. Os jovens, aviões do tráfico, trabalham perto de suas
(Zona Sudeste); e os de classe média dos bairros Bom Pastor e
casas, onde, num certo sentido, estão protegidos, mas, principal-
Granbery, ambos no Centro.
mente, onde não são caçados. A solução para tirar esses meninos do tráfico é desterritorializá-los, colocá-los numa boa escola,
Os primeiros resultados mostram que os dois grupos possuem
onde há possibilidade de eles terem lazer, cultura, ou seja, onde
diferentes formas de circulação no município. Os jovens dos bair-
tenham um domínio da cidade.”
ros pobres veem determinados locais como “de gente rica”, como um espaço que não lhes pertence, caracterizando, portanto, uma
O levantamento dessa pesquisa mostrou, conforme Maria Apa-
restrição simbólica. Já os de classe média dizem não ir a determi-
recida, que apesar de haver uma expansão do crack, a ideia de
nado bairro, porque “lá é violento”, podendo ser esta afirmação
gangues organizadas para o crime em Juiz de Fora ainda não é
o resultado de uma visão estereotipada. “As formas de uso e per-
verdadeira. Os autos analisados revelaram que em cerca de 70%
cepção da cidade passam por uma questão econômica, cultural,
dos crimes com jovens de 11 a 18 anos não havia arma envolvida.
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J uventude
2011.10
foto: alexandre dornelas
Estudantes entre 16 e 18 anos do Colégio de Aplicação João XXIII
Inconsequente, mas preocupada?
colocarem em dúvida se tal discurso é realmente uma verdade
As opiniões de um grupo de 11 alunos entre 16 e 18 anos do Co-
absoluta. Ao mesmo tempo em que dizem ser inconsequen-
légio de Aplicação João XXIII da Universidade ilustram algu-
tes, revelam preocupações como passar de ano, vestibular,
mas das afirmações dos professores da UFJF sobre juventude.
profissão que seguirão, se conseguirão emprego e elegem a
Questionados sobre qual seria a característica mais marcante
família na hora de falar em valores.
dessa faixa etária, um deles responde rápido: “inconsequência”, defendendo-a como algo positivo no comportamento
Quando questionados se suas opiniões são respeitadas, se
humano. O colega rebate: “depende, se você engravidar al-
têm voz ativa na sociedade, respondem que muitas vezes não
guém, por exemplo, não vai ser positivo, não”.
são levados a sério. “A vantagem disso é que você pode falar o que quer, porque muitos vão dizer que é besteira mesmo”,
“Os jovens querem aproveitar a vida, não têm preocupação
ironiza um dos estudantes. Outro adolescente cita um exem-
com o futuro”, admite um dos meninos, sendo imediatamente
plo: “já teve uma eleição para prefeito em Juiz de Fora em que
contestado por outro: “Toda minha adolescência passei preo-
um dos candidatos era jovem e era como se ele nem existisse
cupado com o futuro”.
na campanha”. A mídia, para eles, tenta manipular a imagem da juventude, colocando-a como irresponsável e rebelde, vide
A percepção desse encontro é a de que a primeira coisa que
as histórias da novela “Malhação”, da Rede Globo. A geração Z
vem à mente desses jovens é um discurso pronto, pautado
parece acreditar mais na internet do que na TV, porque “você
pelo contexto social e pela imagem da juventude expressa no
pode escolher aquilo que quer ver”.
senso comum. No entanto, basta iniciar a discussão para eles
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M U N D O D I G I TA L
2011.10
ilustRação: clebeR “kuReb” hoRta
A geração Z Cicero Inacio da Silva*
Sou da geração sem remuneração / E não me incomoda esta condição. / Que parva que eu sou! / Porque isto está mal e vai continuar, / Já é uma sorte eu poder estagiar. / Que parva que eu sou! / E fico a pensar, / Que mundo tão parvo / Onde para ser escravo é preciso estudar. (Fado português “que parva que sou – geração à rasca” cantado pelos estudantes durante protesto contra o desemprego em Portugal, 2011)
N
a contemporaneidade, com o surgimento das tecno-
até tarde eu peço demissão agora. Esse comportamento tem sido
logias digitais e da comunicação massiva através de
louvado pelos donos das empresas de tecnologia e pelos gurus
redes, celulares, tablets, smartbooks, smartphones, o
das mídias e redes sociais. Essas grandes empresas de mídia vi-
mundo do trabalho respondeu rapidamente a essa nova
vem do capital produzido por essa geração, pois obviamente elas
realidade. Uma das questões que voltaram a circular nessa era pós-
nada produzem. Quem produz algo para o Facebook é você e essa
-mídia, na qual o conteúdo é gerado e absorvido pelos próprios
massa de “ousados” que vende sua alma a um sistema gerencia-
consumidores, os chamados “prosumidores” de informações, foi
do por outras pessoas e que precisa mais do que nunca que se
a de se tentar entender o que acontece em termos geracionais.
estimule esse comportamento ligado a uma “suposta” liberdade
Nos anos 1950 o fotógrafo Robert Capa chamou de “geração X” as
de se poder fazer o que quiser quando quiser, pois ainda existe
pessoas nascidas depois da segunda guerra mundial que não mais
um campo de trabalho necessitado de pessoas que entendam de
aceitavam as regras morais dos pais, eram rebeldes e que tinham
alguns aspectos ligados às tecnologias.
relação direta com criatividade e liberdade. Já os nascidos em meados dos anos 1970 até o início dos anos 1990 (geração Y) são in-
Em resumo, quando observamos o quanto recebe um estagiário
fluenciados pelas tecnologias e pelo surgimento das redes digitais
que trabalha em um call center, que digita dados em bancos, que
e a partir delas passa a existir uma outra forma de comportamento
opera à distância as redes, sabemos que o seu salário não serve
que se deixa levar mais pela fluidez e pouca responsabilidade nas
nem para cobrir as despesas com o seu próprio transporte, quem
tomadas de decisões. Diz-se que essa geração já nasceu em meio a
dirá pagar o sustento de um curso superior. Essa geração louvada
inúmeras crises e diante da dificuldade de pagar por seu sustento.
pelos grandes grupos de mídia digital não se prende a regras nem empregos não porque é descolada, mas sim porque suas pers-
Atualmente há em curso, segundo o que se vende na mídia, uma
pectivas de futuro são nulas e as suas garantias ligadas ao mundo
revolução em torno dos hábitos da geração que já “nasceu digital”.
do trabalho já desapareceram. A minha aposta para contradizer
O que se diz é que os nascidos no início dos anos 1990 são ex-
a apologia a essa “geração Z” é: tripliquem o salário ou a renda e
tremamente conectados, carregam consigo vários equipamentos
quero ver quem vai trocar a cada semana de emprego. Mas como
e entendem da linguagem dos computadores quase que de forma
sabemos, se isso acontecer quebramos a espinha dorsal do siste-
natural. Também são características a falta de paciência, a falta
ma... É melhor para o Facebook que você se ache feliz tendo um
de ambição, a incapacidade de se concentrar em tarefas que exi-
milhão de amigos que juntos não conseguem nem mais comprar
gem aprofundamento e o desinteresse pelo trabalho considerado
seus próprios aparelhos celulares para twittar a última notícia so-
“formal”, com normas e regras. São a geração: se eu precisar ficar
bre seu próprio infortúnio.
*Professor e pesquisador no Instituto de Artes e Design (IAD) e na Pós-graduação em Comunicação da UFJF
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A L É M D A PA L AV R A
2011.10
O discurso da ilustração
C
Jorge Arbach* omumente o conceito que se tem de ilustração é de
O que podemos ressaltar na relação entre os dois universos dis-
qualquer desenho que esteja acompanhando um tex-
cursivos, o icônico e o textual, é a variação da fluência no en-
to. Esse relacionamento do texto com a ilustração não
tendimento da mensagem contida em ambos. A imagem possui
deve ser encarado como um diálogo complementar
acesso mais imediato e universal que o texto por possuir analogia
entre duas linguagens, pois a ilustração, por si só, é possuidora de
visual com o que está sendo representado. Não há necessidade
linguagem com discurso próprio semelhante ao texto. Devemos
de uma educação formal para entender sua mensagem. Sua re-
ter em conta que os dois universos discursivos, isto é, o verbal e
cepção é instantânea. Já para a palavra escrita não há a mesma
o não-verbal, não são excludentes. Interagem, dialogando entre
fluência, pois o entendimento de seu conteúdo é mais complexo
si. Na busca do sentido semântico do termo ilustrar encontrare-
devido ao caráter simbólico que a escrita possui. A palavra que
mos nas enciclopédias definições correlatas a: lustrar, iluminar,
designa o objeto não possui nenhuma semelhança com ele. É
clarear, elucidar, esclarecer, conhecer, comentar, instruir e outros
necessário ter conhecimento dos códigos para compreender os
termos afins. Portanto, o ato de ilustrar pressupõe lançar luz so-
símbolos abstratos da linguagem. Através das imagens a infor-
bre o conteúdo de um texto esclarecendo seu conhecimento. E a
mação é imediata, enquanto que através das palavras a informa-
elucidação se manifestará sempre a partir de um ângulo, ou seja,
ção é mediada. Ou seja, sem alfabetização e conhecimento do
o ponto de vista do artista. Assim, cabe à ilustração acrescen-
idioma a comunicação textual não acontece.
tar significados, carregando consigo elucidações. E o esclarecimento se mostrará pela visão do ilustrador que estará presente
O impulso que leva ao ato de ilustrar ou de redigir um texto nasce
pela originalidade da sua abordagem. Quando produzida em sua
de uma ideia, uma ideia que ainda não possui materialização. E
plenitude artística a ilustração deixa de ser circunstancial para
só se entra em contato com ideias quando elas são manifesta-
tornar-se autônoma, possuidora de vida própria. Ocorre similar
das através de alguma materialidade. São ideias faladas, ideias
fenômeno no universo musical com as trilhas sonoras de filmes,
musicadas, ideias escritas, ideias desenhadas, cantadas, repre-
onde as músicas que participam do roteiro possuem autonomia,
sentadas, pintadas, encenadas, etc. Ilustração e texto são duas
independentes de estarem acompanhadas ou não da produção
linguagens que se valem distintamente de duas materialidades
cinematográfica.
para dar forma às suas ideias. Uma pela imagem desenhada e a outra pela palavra escrita. Equiparando a ilustração com o univer-
Saber desenhar não é o suficiente para uma boa ilustração. Esse
so verbal, é como se o desenho fosse uma caligrafia e a ilustração
atributo, mesmo que virtuoso, não é pré-requisito para definir
sua forma literária. Portanto, imagem e palavra estão num mesmo
uma qualidade narrativa. Além dos fatores estruturais contidos
plano, como meios utilizados para veicular ideias.
nas imagens, outros fatores participam para a sua correta assimilação. Assim como existe uma sintaxe para a linguagem tex-
Percebemos, assim, o quanto é apropriado o termo ilustração,
tual ordenando o universo das palavras no desenvolvimento do
ou primitivamente iluminura, para esclarecer e iluminar um texto,
discurso, existe também uma sintaxe para a linguagem icônica,
trazendo para a luz aquilo que se encontrava velado. Os elemen-
ordenando o universo das imagens para o desenvolvimento da
tos a serem utilizados pelo ilustrador não estão diretamente liga-
narrativa visual. Para tanto é imprescindível o somatório continu-
dos às palavras, mas aos espaços existentes entre elas. É nesse
ado de vocabulário gráfico semelhante ao adquirido quando do
espaço vazio indefinido, no lusco-fusco crepuscular entre uma
aprendizado de um idioma.
palavra e outra que a ilustração se revela.
*Jorge Arbach é professor da UFJF, arquiteto, artista gráfico e ilustrou a página ao lado
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PENSAR A UNIVERSIDADE
Universidade busca ponto de equilíbrio financeiro Novo planejamento de gestão reestrutura o processo de compras e implanta na UFJF sistema de pós-compras com a finalidade de evitar desperdícios BÁRBARA DUQUE | repórter
Desenvolver planejamentos estratégicos, processos deliberati-
fundamental um planejamento estratégico eficiente, que acom-
vos, coordenar ações, avaliar programas e políticas gerenciais de
panhasse tais modificações. Para diagnosticar os gargalos da
forma eficiente é um desafio permanente para as administrações
gestão foram realizados estudos minuciosos dos últimos relató-
das instituições educacionais. A partir de 2007, o panorama das
rios, buscando profissionalizar, sem burocratizar ainda mais os
universidades públicas brasileiras passou por uma radical modi-
processos internos. Esse trabalho gerou uma proposta com ações
ficação estrutural, buscando retomar o crescimento do ensino
administrativas ajustadas aos cronogramas de investimentos e à
superior, ampliando o acesso e a permanência do aluno na ins-
ampliação do quadro de professores, técnico-administrativos em
tituição. Para isso, o Governo Federal implantou o Programa de
educação e alunos. O plano de ações trouxe soluções administra-
Expansão e Reestruturação das Universidades Federais (Reuni),
tivas adequadas para minimizar as perdas orçamentárias, otimizar
uma série de medidas para promover o crescimento físico, acadê-
o processo licitatório e promover o entendimento e cooperação
mico e pedagógico.
entre os integrantes da comunidade acadêmica.
Para cumprir o planejamento, com duração de cinco anos,
Com foco no planejamento, foi definido um calendário oficial de
2008/2012, foram disponibilizados recursos orçamentários inédi-
compras, no qual as unidades acadêmicas passam a se orientar
tos na história dessas instituições. No período de 2008 a 2010 foi
para fazer seus requerimentos. No início do ano são divulgados
pactuado em verba de capital pelo Reuni R$ 34.779.509,02, mais
os meses certos que serão abertas as licitações de cada tipo de
os recursos extraorçamentários, conseguidos pela Administração
aquisição, mensalmente é enviado o cronograma previsto para
para viabilizar as metas acadêmicas, no valor de R$ 27.283.634,06.
aquele período, lembrando às unidades o planejamento pré-
Em 2006, os recursos em verba de capital eram de R$ 300 mil, já
-definido, evitando possíveis perdas dos prazos estipulados. O
em 2011 este montante destinado a aquisições como livros, novos
processo tem início no pré-compra, quando o requisitante por
equipamentos e espaços acadêmicos adequados saltaram para
meio do Sistema Integrado de Gestão Acadêmica (Siga) busca
R$ 160 milhões. Outro crescimento significativo foi no setor de
o item de sua necessidade. Para agilizar e viabilizar o processo, o
importações, até 2007, essas operações eram praticamente in-
Siga, referência em sistema de gestão em todo o país, passou por
significantes, somente em 2010 foram realizados 14 processos de
uma reformulação no Catálogo de Materiais (Catmat) reduzindo
importação com cifras elevadas. “As importações refletem a nova
drasticamente o número de opções, de aproximadamente 12 mil
conjuntura que a Universidade vive. Em 2010 a UFJF formalizou
para três mil itens, além de padronizar os equipamentos de infor-
a importação de mais de R$ 7 milhões em equipamentos, todos
mática e móveis. A medida organiza e facilita as licitações e as
estes diretamente relacionados com atividades de pesquisa e en-
reposições, já que passa a ter pouca variação de marcas e mode-
sino”, observa o economista da Pró-reitoria de Planejamento e
los, eliminando, por exemplo, itens duplicados, obsoletos ou com
Gestão, Saulo Franco.
redação inadequada. Outro ponto priorizado foi o aprimoramento da interface do sistema com o usuário, ou seja, dotar o Siga com
Desta forma, a Universidade assumiu uma nova cara, outras
cadastro de fácil consulta e atualização. Para incluir materiais que
proporções, com organismos complexos, precisando adequar
não constem na lista, é necessário que seja preenchido um “For-
a antiga estrutura, bem mais reduzida e simplificada. Tornou-se
mulário de inclusão de novo material”, que tem sua pertinência
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PENSAR A UNIVERSIDADE
2011.10
ilustRação: clebeR “kuReb” hoRta
avaliada por uma equipe de julgamento técnico, encarregados de
nistração, assim como toda a demanda de compras. Para atender
auxiliar na maneira mais adequada de fazer esse cadastramento.
às requisições das unidades, foram estabelecidos critérios rígidos, exigindo um planejamento minucioso de cada gestor, incluindo
“O objetivo dessa automatização é tornar as tarefas mais ágeis,
os coordenadores de pós-graduação. A partir da escolha do item
organizar o processo por temas e distribuí-los melhor durante o
de compra, o setor de licitações abre um processo, hoje mais
período letivo por meio de um calendário previamente estipulado.
aperfeiçoado. Os editais de compras são desenvolvidos por uma
Convivíamos com um problema de concentração de demanda no
equipe treinada, especializada em legislação, que baseados nas
final do ano, quando todas as unidades acadêmicas, no intuito de
especificações enviadas pelos solicitantes procuram uma redação
usar o resíduo orçamentário, evitando devoluções, sobrecarrega-
precisa, o que tem gerado maior satisfação nas aquisições. Por
va o setor de compras nos dois últimos meses do ano. O problema
isso, a importância de um bom entendimento entre as unidades
refletia também no acompanhamento do pós-compra”, pondera
acadêmicas e a administração, para que as requisições cheguem
a coordenadora de Suprimentos, Anna Cecília Assis Mendonça.
até o setor de forma clara e objetiva.
A agenda racionaliza o processo, possibilitando a realização de pregões mais inteligentes, concentrando os pedidos por itens,
A partir do desenvolvimento da nova modelagem de processo do
viabilizando melhores preços e ganhos operacionais relativos, por
sistema de compras, a comissão responsável pela transição tem
exemplo, às peças de reposição.
mantido entendimentos com as unidades acadêmicas, examinando propostas e recolhendo sugestões. O passo seguinte do pro-
Para a coordenadora de Execução e Suporte Financeiro da UFJF,
cesso licitatório é permitir o acesso das empresas vencedoras aos
Jucilene Melandre, é fundamental ter uma equipe coesa e bem
seus dados cadastrais e a retirada on-line dos empenhos. Contro-
treinada para executar todas essas mudanças, além de repassar
lar com rigidez a entrega do material (pós-compras) faz parte das
as orientações às unidades acadêmicas, como é o caso dos cur-
novas exigências. Este monitoramento também é feito pelo Siga,
sos organizados pela Pró-reitoria de Recursos Humanos (Prorh)
contemplando a transparência, visto que qualquer pessoa pode
sobre atualização dos procedimentos de gestão orçamentária e
acompanhar o andamento do processo. São emitidos relatórios
financeira. “Os cursos de nivelamento sobre processos de gestão
diários, evitando assim, que os materiais empenhados não sejam
e os programas implementados pelo Governo Federal são ofere-
entregues, ou cheguem com atrasos. Caso este problema ocorra,
cidos periodicamente. É da política da Universidade incentivar a
ao final do ano os valores empenhados não gastos são devolvidos
qualificação dos professores e funcionários.” Desde 2007, o Siga
à União, obrigando a instituição a repetir todo o processo no ano
vem sofrendo atualizações, tornando o processo mais transparen-
seguinte, o que causa perda orçamentária e trabalho dobrado. Daí
te, autoexplicativo e adequado a outros sistemas governamentais,
a importância do acompanhamento por meio de relatórios para
o que facilita a execução orçamentária e a prestação de contas à
possível aplicação de sanções às empresas que descumprirem
União.
seus contratos. Estão previstos acompanhamentos periódicos do andamento do processo e das alterações implementadas. Os
Cada unidade acadêmica tem verbas próprias e autonomia geren-
ajustes necessários serão feitos periodicamente buscando aten-
cial da verba de custeio. A verba de capital é gerida pela Admi-
der às demandas da Universidade de forma harmônica e eficaz.
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ilustRação: clebeR “kuReb” hoRta
A3:01
SAÚDE
2011.10
estudo inédito no país avalia relatos de quase-morte
pRojeto inteRnacional aWaRe ganha a contRibuição de especialistas da uFjF inteRessados na Relação entRe mente e céRebRo e em suas implicações paRa a áRea da saÚde caroLina naLon | repórter
U
ma
da
A metodologia do projeto consiste na instalação de prateleiras
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) se uniu a um
equipe
multidisciplinar
de
professores
acima dos leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) de hos-
projeto de pesquisa internacional buscando investigar a
pitais de Juiz de Fora. Nas prateleiras, parecidas com bandejas,
natureza das Experiências de Quase-Morte (EQMs) em
são colocadas figuras impressas de objetos ou pessoas públicas,
pacientes vítimas de parada cardíaca. Pessoas que vivenciaram
reconhecidas facilmente pela população, como a de uma fruta, um
tal situação e receberam procedimentos de ressuscitação bem-
político ou um esportista. Tais imagens ficam localizadas a 30cm
sucedidos frequentemente relatam terem tido a experiência de
do teto onde só poderiam ser visualizadas por alguém que esti-
imagens e sensações extracorpóreas durante o período no qual
vesse flutuando. Não há como observá-las de qualquer lugar do
estiveram sem pulso. Tais experiências desafiam o conhecimento
chão ou de cima do leito. O estudo é cego, médico e paciente não
científico estabelecido, considerando-as impossíveis em virtude
sabem quais figuras estão ali.
da ausência presumida de atividade cerebral causada pela falta de irrigação sanguínea e oxigenação do cérebro.
Os leitos são constantemente monitorados e, caso algum dos internados sofra uma parada cardíaca, seus relatos serão investigados
Relatos de EQMs ocorrem desde a antiguidade e se tornaram co-
posteriormente. Após a recuperação do paciente, um questionário
muns na literatura médica nas últimas décadas, mas permanecem
embasado na Escala de Greyson – com perguntas formadas por
até hoje sem explicação científica. Os casos não são ouvidos exclu-
componentes cognitivos, emocionais, transcendentais e paranor-
sivamente em consultórios, pessoas às quais afirmam terem “visto
mais –, será aplicado para classificar sua experiência como uma
a morte de perto” são personagens comuns em programas de
EQM padrão ou não.
televisão e filmes. A intenção da pesquisa não é dar respostas definitivas para as questões envolvendo mente e cérebro, mas apontar
Caracterizada a experiência como uma EQM padrão, inicia-se uma
evidências para o começo de novas perguntas, como ressaltou um
segunda etapa da pesquisa. A versão do paciente sobre os acon-
dos coordenadores do grupo, o professor do Departamento de
tecimentos vivenciados durante a parada cardíaca será gravada e
Clínica Médica da Faculdade de Medicina, Leonardo Miana.
analisada cuidadosamente com o intuito de identificar se o inves-
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A3:01
SAÚDE
2011.10
Foto: maRcelo viRidiano
tigando relata fatos ou ocorrências que se desenrolaram durante
percepção verídica durante a parada cardíaca, várias suposições
o período de parada cardíaca. Entre outras evidências, será veri-
seriam pertinentes. Entre elas, uma encontra razoável aceitação,
ficado se há menções às figuras expostas nas prateleiras, ou seja,
a de que, no momento da parada cardíaca, algumas descargas
se o paciente, aparentemente de fora do corpo, conseguiu ver as
elétricas ainda em atividade no cérebro resultariam na produção
figuras. O médico e professor do Departamento de Fisiologia do
cognitiva de imagens, sensações, emoções, culminando naquilo
Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFJF, Carlos Mourão, ou-
que se convencionou chamar de EQM. Também há a hipótese de
tro integrante do grupo, explica que, além da aplicação da escala
que a experiência quase-morte seja uma criação mental involun-
de Greyson e do acompanhamento dos relatos, diferentes testes
tária atuando como um mecanismo de defesa psicológica frente a
neurológicos e psicológicos são feitos para descartar variáveis que
uma situação ameaçadora como a morte.
poderiam desacreditar a veracidade das narrativas, como doenças neurológicas ou transtornos psiquiátricos.
Outra suposição para explicar o fenômeno – bastante controversa, pois não há evidências sustentáveis – é de que o cérebro poderia
Leonardo Miana diz que, nos dois anos de aplicação da pesquisa,
manter algumas de suas funções mesmo na ausência de oxigena-
a expectativa é de se obter de 50 a cem casos de parada cardí-
ção. Tal constatação, segundo os especialistas da pesquisa, traria
aca com sucesso na reanimação e na recuperação do paciente.
grande reviravolta na medicina, podendo resultar em novos proce-
“Destes, esperamos que, pelo menos, 10% relatem experiências de
dimentos na área da saúde.
quase-morte.” Os números foram estimados de acordo com dados estatísticos observados em outros estudos.
questão mente-cÉrebro Qualquer que seja o resultado dos estudos, a certeza é de que a
Para o pesquisador, mesmo que apenas um ou dois pacientes apre-
questão “mente e cérebro” não estará solucionada. Para o profes-
sente evidências consistentes de percepções verídicas durante o
sor Carlos Mourão, este será apenas um novo dado, somando-se
período de inatividade cerebral, haverá um forte indicativo de que
aos de outras pesquisas da área. “Será mais um tijolinho para aju-
mente e cérebro são coisas distintas e, portanto, o fenômeno das
dar na construção da obra do conhecimento.” O professor do De-
EQMs não encontraria explicação nas teses convencionais às quais
partamento de Psicologia do Instituto de Ciências Humanas (ICH),
veem a consciência humana como um produto gerado exclusiva-
Saulo Araújo, também entende que a ciência está longe de decifrar
mente pelas atividades cerebrais.
as questões envolvendo mente e cérebro, presentes na filosofia há mais de dois mil anos. “A corrente reducionista acredita que no dia
Já na hipótese de as vítimas de EQM não fornecerem evidência de
em que conhecermos todo o cérebro, compreenderemos a mente,
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A3:01
SAÚDE
2011.10
a consciência em sua totalidade, mas isso pode não ser verdade.”
O projeto Aware possui a colaboração de 25 centros de pesquisa espalhados pela Europa, Estados Unidos e Canadá, sendo a UFJF a
Outro participante do grupo, o professor do Departamento de
única entidade participante do grupo fora da Europa e da América
Filosofia do ICH, Gustavo Castañon, ressalta que independente-
do Norte. Aqui, os trabalhos ainda estão em fase de planejamento
mente das conclusões do projeto, a grande contribuição desta
e testes e aguardam a liberação do Conselho Nacional de Ética em
pesquisa será a de incorporar à arena da investigação científica
Pesquisa (Conep) para serem iniciados. No momento, acadêmicos
um problema antes abordado simplesmente como um conjunto de
do curso de Medicina fazem visitas à Santa Casa de Misericórdia,
relatos místicos.
único hospital da cidade que já possui as prateleiras com as figuras instaladas, para saber se os pacientes dos leitos da UTI tiveram
Sabe-se atualmente que as atividades mentais estão habitualmente
paradas cardíacas. Os hospitais Universitário, Monte Sinai, Albert
relacionadas com atividades cerebrais. “Por exemplo, quando vejo,
Sabin e João Felício em breve farão parte da pesquisa.
lembro ou imagino algo, há ativações de certas áreas cerebrais relacionadas a estas funções. Mas a partir daí, não é possível concluir se o cérebro produz estas atividades mentais ou se na verdade ele é um veículo para manifestação da mente, que teria uma origem extracerebral”, esclarece outro coordenador do grupo, o professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina, Alexander Moreira de Almeida. As pesquisas de imageamento cerebral só apontam que certas experiências mentais acontecem juntamente com ativações de determinadas áreas do cérebro, mas
www.ufjf.br/nupEs
alExandEr morEira E
dE
almEida -
profEssor adjunto dE
alEx.ma@ufjf.Edu.br
lEonardo augusto miana -
profEssor adjunto da
não podem ainda dizer qual delas é a causa e qual é o efeito.
mEdicina da ufjf lEonardomiana@gmail.com
estágio da pesquisa
carlos albErto mourão jÚnior -
No exterior, a pesquisa Aware (sigla em inglês de awareness During
do
Resuscitation), coordenada pelo britânico Sam Parnia, da Universidade de Southampton, já obteve cerca de dois mil relatos de experiências de quase-morte, desde seu início em 2009. Nenhum deles foi divulgado, pois se espera a combinação de um número ainda mais expressivo de depoimentos para a maior confiabilidade e consequente publicação dos resultados.
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psiQuiatria
sEmiologia da faculdadE dE mEdicina da ufjf
faculdadE
profEssor adjunto dE
dE
fisiologia
icb da ufjf carlos.mourao@ufjf.Edu.br
saulo
dE
frEitas araujo -
profEssor adjunto do
dEpartamEnto
dE
dEpartamEnto
dE
psicologia da ufjf saulo.araujo@ufjf.Edu.br gustavo arja castaÑon -
profEssor adjunto do
filosofia da ufjf gustavocastanon@Hotmail.com
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CINEMA
2011.10
Um cinema de sensações... Cristiano Rodrigues* Talvez uma das coisas mais fugidias de se mirar seja um monte de poeira ao vento./ Você olha é uma coisa. Pisca! Já é outra! / De tão fugaz, o que fica é uma sensação. / Pela forma, cor, luz, intensidade ou volume do vento ou da poeira... /... mas sempre fica!
B
uscando essas coisas que ficam, o documentarista Mar-
rer surpreendente, que por mais que pareça que não vai chegar
cos Pimentel (‘A poeira e o vento” - doc. 35mm .2011)
a lugar algum, na verdade, chega a todos os lugares, porque ao
se lança num universo de pessoas que vivem isoladas
transcorrer, divide conosco, expectadores, o desafio de mirar o
geograficamente. Na região do Parque Estadual de
derradeiro passar do tempo em suas marcas num monte de po-
Ibitipoca encontra o ambiente perfeito para registrar pequenos
eira ao vento.
rituais diários temperados com situações da memória e da emoção, o que resulta um clima de mistério e celebração. Mistério dos
Se o ritmo e a precisão da montagem vão dialogando com a for-
olhares de personagens se relacionando com a câmera e celebra-
ma dos filmes, há algo que não se altera, que de uma forma ou de
ção de uma relação inteira com a natureza.
outra, vem se fazendo presente em cada novo plano da trajetória desse cineasta: um profundo humanismo na relação com as per-
O resultado é uma obra extremamente sensorial, percebida e
sonagens e a intensa batalha do homem com o tempo. Pois como
sentida por fluxos de ruído do vento, movimento da vegetação
diz uma música do grupo mineiro Pato Fú (“A Verdade sobre o
e personagens entregues corajosamente à ação implacável e in-
Tempo” de John Ulhoa do álbum “Daqui pro Futuro” – 2007 –
tensa do tempo.
Pato Fú) “...a vida é como um gás, só um sopro, só um vento, nada mais...daqui pro futuro falta só um piscar, que é pro tempo não
Depois de um mergulho nas veias dos espaços urbanos e seus
mais nos enganar....ele agora vê que o tempo é uma ilusão, e o
habitantes com a trilogia “Urbe”, “Taba” e “Pólis”, o documenta-
passado são as linhas em suas mãos, ou não,... a vida é muito mais
rista desloca seu olhar e afeto para o exato oposto: áreas rurais,
que os dias, que os deuses, que jornais.... ”
as mais isoladas possíveis. Pessoas que mergulhadas em práticas de trabalho e subsistência, constroem um diálogo constante com
E é esse “muito mais” que é a vida que nos salta aos olhos no
a natureza e com o tempo.
escuro do cinema quando vagarosamente vamos desvelando a força daquelas personagens sempre por intensas e fortuitas sen-
Se na trilogia o artista claramente dialoga com Vertov (Dziga Ver-
sações...
tov – cineasta russo diretor de “Um homem com uma câmera”O filme foi premiado como melhor documentário brasileiro de
Flaherty (Roberty Flaherty – realizador americano de “Nanook,
curta metragem no 16º É Tudo Verdade, maior festival de docu-
o esquimó”, de 1922 e “Moana”, de 1926), isso traz uma alteração
mentários da América Latina. Segundo o júri “pelas suas qualida-
substancial nos filmes e nas sensações, mas há coisas que ficam.
des cinematográficas, que dispensam o uso da palavra”. Pois, a palavra que fica é sensação.
Na trilogia, temos um pulsar dos seres urbanos numa montagem clara, precisa, exata, que leva o expectador aos seus rituais
Fugidia e iluminada, como poeira ao vento...
modernos de sobrevivência, como o deslocamento, a produção seriada, o nascimento e a morte. Na nova empreitada, o diretor desacelera e deixa que a natureza e as personagens e suas prosaicas atividades ditem o ritmo da narrativa. Aí temos um transcor-
*Professor da Faculdade de Comunicação da UFJF, mestre em Multimeios pela Unicamp e Doutorando em Educação pela UFJF
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foto: mariana musse
1929), agora a conversa muda de interlocutor e se aproxima de
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L I T E R AT U R A
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Juiz de Fora se veste para a modernidade Flavio de Lemos Carsalade* As redes da realidade são constituídas por diversos tecidos, com suas fibras unidas por pontos e nós que estão situados em planos diversos da vida e da história. Esse é o princípio adotado por Marcos Olender para compreender o momento histórico da formação da Juiz de Fora moderna, na sua obra “Ornamento, ponto e nó” e que tem como subtítulo “da urdidura pantaleônica às tramas de Raphael Arcuri”. Não se trata, portanto, de uma biografia do arquiteto Arcuri e nem de uma análise estilística de sua obra, como o subtítulo eventualmente possa sugerir. O texto de Olender é mais arguto, pois, sob o manto da obra do arquiteto, o autor procura investigar o momento histórico no qual a cidade síntese do século XIX mineiro se prepara para a modernidade do século XX e como a arquitetura se despe a partir do século das luzes, de seus ornamentos e vestes pesadas, em busca de uma nudez que lhe revelasse a essência e a adequasse aos novos ares do tempo, mais higiênicos, mais saudáveis, mais abertos. A admiração deleuziana do autor o faz adotar um método de escrita que, “rizomaticamente”, nos faz perceber o mundo a partir de seus fragmentos – postais, alegorias, fac-símiles, catálogos, imagens de viagens – os quais se apresentam como plataformas para desterritorializações e novos aportes, no saudável exercício
de materiais de construção das empresas Arcuri e da experiência
da interpretação da História, única forma que é permitida a nós,
internacional de Raphael Arcuri, criado em meio a catálogos e
prisioneiros do presente, acessarmos o passado.
novidades de fora e formado na Itália napolitana. O “refazer” é exatamente a aplicação dessas novas ideias ao processo de tes-
A obra é dividida em duas partes coroadas por uma conclusão
situra da vida, como o manto de Penélope, nunca terminado, à
que o autor chama de “breve esboço”, o que não deixa de ser uma
espera do futuro.
curiosa ironia com o tema do capítulo – o ornamento – este sempre acabamento para apresentação final. A primeira parte “Fare
O texto têxtil e tátil de Marcos Olender encanta por tratar poe-
Juiz de Fora”, uma alusão ao dístico “fazer a América”, trata da
ticamente de temas muitas vezes apresentados de forma dura
contribuição dos imigrantes italianos na produção da cidade e da
ou pretensamente factual e passa desde já a integrar o acervo
presença marcante da firma de Pantaleone nesse momento trans-
principal de obras sobre a cidade de Juiz de Fora. Mas não só aí:
formador, não só pela pujança da empresa, mas também com a
também por suas fibras de qualidade e seu tear sofisticado tem
nova qualidade que buscava imprimir à face de Juiz de Fora. A
legitimidade para compor as vitrines das boas casas do ramo da
segunda parte “Rifare Juiz de Fora”, é montada a partir da fábrica
Arquitetura em todo o país.
*Arquiteto, professor e diretor da Escola de Arquitetura da UFMG
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LANÇAMENTOS
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Confira os mais recentes lançamentos da Editora UFJF
D
edicada a uma produção editorial responsável, a Edi-
tuição com um panorama de alto crescimento das pesquisas aca-
tora UFJF (EDUFJF) exerce desde 1986 a importante
dêmicas, visível não somente pela quantidade, mas principalmente
tarefa de projetar no mercado a divulgação científica
pela qualidade, a Administração já prevê grandes investimentos
e artística da Universidade, priorizando a qualidade, em
na ampliação e capacidade de suas editorações. As estratégias de
sintonia com o alto padrão das publicações.
ampliação seguem a tendência de expansão do mercado editorial universitário, que prevê, em pouco tempo, tornar-se líder do setor
Cientes do desafio de gerenciar a produção editorial de uma insti-
no cenário nacional.
a metrópoLe repLicante (professor Alfredo Supia) O livro visa estabelecer um diálogo entre os filmes “Metropolis” (1927) e “Blade Runner” (1982), partindo do princípio de que o diretor britânico Ridley Scott retoma características estéticas, narrativas e ideológicas já tratadas pelo cineasta austríaco Fritz Lang em seu “épico futurista” de 1927, mas com “fôlego” redimensionado aos anos 1980. A Los Angeles futurista de Ridley Scott inspira-se e até mesmo cita a metrópole de Fritz Lang, mas cada uma delas marca um determinado período da história do cinema, visões de futuro particulares e anseios e temores específicos de cada época.
“entre composiçÕes” (professoras Sônia Clareto, Margareth A. Sacramento Rotondo, Ana Lygia Vieira Schil da Veiga) O que acontece no entre da travessia? Um emaranhado de lãs, fios, linhas, mãos, corpos, meadas... perspectivas que se cruzam e se interpenetram seguindo o fluxo do agenciamento produzido a partir do próprio movimento. São criados espaços, dobras, abrigos, superfícies dentro e fora, ora abrindo-se à matéria-bruta, ora torcendo-se fortemente ao constituir um duro que logo se dissolve no encontro com outras lãs, outros fios, outras linhas, outras mãos, outros corpos, outras meadas, outros mundos. Movimentos e tons em tempos múltiplos que vibram a travessia, atravessando-a. No entre dessa travessia, lãs, fios, linhas, mãos, corpos, meadas, perspectivas se agenciam na produção de uma escrita: que vozes, que mãos, que corpos se entrelaçarão nessas escritas, junto à matéria bruta? Que escrita? Uma escrita, uma composição provisória – sempre provisória – vai se fazendo...
o tesouro de caredu (professor José Maria Guerra) Literatura infanto-juvenil, com ilustrações de João Miranda inspirado nas ilustrações de Yvanise Teresinha Gávio. A obra é destinada a todos aqueles que desejam viajar por um mundo mágico, em que sonhos e fantasias se realizam. O autor, por meio de Caredu, de Caramago, do Mico-Só, de Micaeva e das demais personagens, leva o leitor a descobertas maravilhosas que podem tornar este mundo melhor, mais humano, sem egoísmo. Desse modo, as lições que permeiam a história de Caredu podem ajudar nossas crianças, nossos jovens (e por que não os adultos?) a refletir sobre a necessidade de preservar o meio ambiente e, enquanto seres humanos em formação, serem capazes de viver em harmonia, respeitando seus semelhantes.
a Editora ufjf EstÁ situada na rua bEnjamin constant 790, no prédio do musEu dE artE murilo mEndEs (mamm) - juiz dE fora/mg. tEl.: (32) 3229-7646 | fax: (32) 3229-7645. E-mail: sEcrEtaria@Editoraufjf.com.br
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1969 - um dos pRimeiRos vestibulaRes da uFjF, com pRovas aplicadas no ginásio do spoRt club juiz de FoRa
pelo tempo Jorge FeLz | professor da Faculdade de comunicação uFJF FotograFias de roberto dorneLas
A memória do homem e de suas realizações tem se mantido sob as mais diferentes formas e meios graças a um sem número de aplicações da imagem fotográfica ao longo dos últimos 170 anos. Não importando qual seja o objeto da representação, a questão recorrente é a preservação da memória. A perpetuação da memória é, de forma geral, o denominador comum das imagens fotográficas: o espaço recortado, fragmentado, o tempo paralisado, uma fatia de vida retirada de seu caminho. Não existe identidade sem memória. E as imagens fotográficas revelam alguns elementos importantes para o conhecimento da memória coletiva. O historiador francês Jacques Le Goff afirma que as fotografias revolucionam a memória, multiplicando-a e democratizando-a, dando uma precisão e uma verdade que permite guardar a memória do tempo e da evolução da sociedade.
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ENSAIO FOTOGRÁFICO
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1969 - Última viagem do bonde pelas Ruas da cidade
Quando olhamos para a produção fotográfica de Roberto Dor-
instante de suas existências. É o assunto ilusoriamente retirado
nelas temos a exata medida das palavras de Le Goff. Fotógrafo
de seu contexto espacial e temporal, codificado em forma de
com uma vasta produção onde é possível vermos uma Juiz de
imagem.
Fora em franca mutação, Dornelas iniciou sua carreira nos jornais “Diário da Tarde” e “Diário Mercantil” – publicações do grupo Di-
Ao olharmos para as fotografias das avenidas e ruas tranquilas,
ários Associados, de Assis Chateaubriand – passou pela extinta
de obras importantes como a abertura da Garganta do Dilerman-
revista “Manchete” e apesar de ter sido convidado a assumir a
do, ou mesmo para as que ajudam a contar a história da Univer-
função de correspondente em Portugal, preferiu retornar às ori-
sidade, como a de um dos primeiros vestibulares realizados no
gens para não ficar longe da família. De novo em Juiz de Fora,
ginásio do Sport Club Juiz de Fora, nos deparamos com uma
foi contratado pela Universidade Federal de Juiz de Fora, onde
memória preservada, capaz de nos fornencer pistas de como
trabalhou até 1991, produzindo um farto material sobre o desen-
enfrentar o futuro.
volvimento da Universidade. Além disso, acompanhou boa parte da trajetória do ex-presidente Itamar Franco.
Diante das imagens de Dornelas, nos deparamos com algo que não pode ser silenciado, que reclama com insistência os nomes
A Juiz de Fora das imagens de Dornelas não podem ser vistas
daqueles que viveram ali, daqueles que estão na fotografia, e
como registro da aparência dos cenários, personagens, objetos
que não podem extinguirem-se na arte. Com as fotografias de
e fatos. São memórias dos acontecimentos, capturados no dado
Dornelas a memória da cidade está definitivamente preservada.
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1967 - o tRÂnsito ainda tRanquilo na getÚlio vaRgas com a maRechal deodoRo
1967 - ampliação da avenida Rio bRanco com a constRução da gaRganta do dileRmando, também na gestão de itamaR FRanco
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ENSAIO FOTOGRÁFICO
1966 - avenida Rio bRanco sendo coRtada paRa a constRução da avenida independência, obRa do então pReFeito itamaR FRanco
1966 - apesaR da chuva, juiz-FoRanos se concentRam na Rio bRanco paRa assistiR ao desFile das escolas de samba
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ENSAIO FOTOGRÁFICO
1968 - constRução do ediFício das clínicas, na esquina da Rio bRanco com a FeRnando lobo
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1978 - desFile cívico de sete de setembRo ReÚne uma multidão na avenida Rio bRanco
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ENSAIO FOTOGRÁFICO
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1966 - pRimeiRo RegistRo FotogRáFico da áRea onde Foi constRuído o campus da uFjF
1968 - os pRimeiRos pRédios eRguidos no campus, em são pedRo, na cidade alta
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LEIA-ME
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(notas para um etnógrafo) Edimilson de Almeida Pereira
rito de nascimento:
rito de puberdade:
o ramo de ouro
o ramo de ouro
as minas de prata
a miríade falsa
apesar do autor, o texto se arrisca para não colher enxertos
apesar do leitor, autor e texto deflagram as cápsulas do senti-
à sua margem. o texto seta não funda colmeias nem países
do. as máscaras do leitor têm na luta o sinal de boa vontade,
(com adjetivos), desarma o lacre e a fábrica de belas artes.
suas garras vão ao texto como dardos à fruta: o que mor-
para quem não basta o miolo ou a carcaça, o texto sugere o
dem não é carne, mas o que estando ausente se fere ainda
alarido da ostra
mais. diante do leitor não há caixa-forte: se a forjassem, autor e texto fariam (quando muito) uma chave às avessas
rito de iniciação: o ramo de ouro
rito fúnebre:
as manias do rapto
o ramo de ouro os foles da palavra
apesar do texto, o autor contém a ira ante um mercado de erros. lê como se extraísse a casca de um oríficio. (sem
apesar dos pesares, autor e texto atiçam as hélices como se
armas) o autor se arma ainda que a função não o obrigue:
um – por não ser linhagem sem o outro – expirasse à beira do
estão fartas as peças que imprimem letras, embora autor e
livro (objeto para não conter guelras nem acidentes). nome
texto insistam no marco zero de suas medidas
que se
desse ao texto e seu autor não faria o livro nem a
página de rosto com que este nos ilude: para o autor e o rito de fertilidade:
texto, a memória é um imposto que se cobra a si mesmo
o ramo de ouro as moedas no caixa apesar da escrita ou qualquer suporte, autor & texto suportam a linguagem e a língua. se algum desvio torce-lhes a superfície, autor & texto veem aí as coisas e dizê-las (em
Observação: O poema acima foi extraí-
palavra som imagem corpo) é uma questão entre outras.
do de Homeless (Mazza Edições, 2010).
autor & texto negociam o abismo ou melhor: a montagem
Edimilson é professor da Faculdade de
para trazê-lo às retinas
Letras da UFJF
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ilustração: cleber “kureb” horta
les hommes -bêtes
TRADIÇÃO, QUALIDADE E RECONHECIMENTO: ELEMENTOS PRESENTES EM TODAS AS FÓRMULAS DE SUCESSO.
UFJF: há 50 anos formando profissionais de excelência.