Revista A3:02

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A3

Revista de jornalismo científico e cultural da Universidade Federal de Juiz de Fora

NÚMERO 02 - ABRIL A SETEMBRO / 2012

www.ufjf.br/secom/A3

Programa institucional destina bolsas para qualificação de técnicos e docentes

Pesquisadores monitoram rota da baleia Jubarte no litoral brasileiro

FOTO: LUCIANO CANDISANE / ARQUIVO INSTITUTO AQUALIE

Dissertação premiada pelo BNDES mapeia transporte utilizado na exportação


CAMPUS DA UFJF BEM COMUM,

RESPONSABILIDADE

COMPARTILHADA

Preparar o espaço do Campus para deixá-lo aprazível, aproveitando da natureza o que ela generosamente nos proporciona, é uma tarefa nossa. Conservar esse patrimônio, que é de todos, é responsabilidade sua. Cuide bem do que é seu.


EDITORIAL

A divulgação científica como instrumento para mudar o aqui e o agora Chegamos ao segundo número da “A3”! Isso representa o for-

mestrado e doutorado. Mas, infelizmente, não ganhamos ainda

talecimento do projeto da Secretaria de Comunicação (Secom)

de modo consistente as manchetes da grande mídia por conta

da Universidade Federal de Juiz de Fora no sentido de discutir e

desses resultados, que deveriam encher de orgulho não apenas

estabelecer a política de divulgação científica da instituição. A

os servidores e alunos da instituição, mas todos aqueles que, de

revista é um produto que ganha relevância na medida em que faz

uma forma ou de outra, têm contato com a UFJF.

parte de uma reflexão coletiva sobre a missão da UFJF. Ela não pode ser compreendida de forma isolada. E não haveria sentido

O mesmo ranking que indica que estamos produzindo

nesse investimento se ele não conseguisse cumprir o desafio de

de forma cada vez mais relevante expõe o nosso “calcanhar de

revelar a Universidade na sua complexidade e dinâmica.

Aquiles”: ainda estamos muito defasados na divulgação daquilo que produzimos. Isso é fatal para qualquer empreendimento do

Certamente, o perfil da UFJF mudou. A Universidade

século XXI. Temos com urgência que dar maior visibilidade ao

que se tornou referência pela excelência dos seus cursos de gra-

que estamos pesquisando em nossos laboratórios, bibliotecas e

duação e pela inserção regional através das atividades extensio-

trabalhos de campo – disso depende a nossa consolidação como

nistas, hoje, produz ciência de qualidade, investe na inovação e

instituição de excelência. Cada vez mais a captação de recursos

dialoga com o mundo. Mas será que a população sabe disso?

humanos de qualidade e de aportes financeiros vai depender de

Será que os moradores do entorno do campus percebem que a

nosso desempenho institucional. Cada vez mais nossa reputação

Federal é muito mais que um dos cartões postais da cidade de

vai ser determinada pela visibilidade do trabalho de excelência

Juiz de Fora? Até mesmo aqueles que estudam e trabalham na

aqui desenvolvido e consequente inserção social. Por isso é tão

instituição parecem ter dificuldade em perceber a pujança e a

importante que tenhamos uma reflexão e um projeto político de

diversidade da produção acadêmica.

divulgação científica.

No ano de 2011, a UFJF ganhou a liderança nacional, en-

A “A3” faz parte desse investimento no aqui e no agora.

tre as instituições de ensino superior do país, como aquela que

Investimento que garante visibilidade ao que temos de melhor. A

teve o maior percentual de alunos egressos da Iniciação Científica

revista, a partir de várias sugestões do Conselho Editorial, apos-

titulados em Programas de Mestrado e Doutorado. Fizemos bo-

ta na diversidade de conteúdos que ilustram com objetividade

nito na produção de artigos científicos indexados em bases inter-

e clareza o atual estágio da produção acadêmica. Privilegiando

nacionais (como o Scopus), com crescimento percentual de arti-

também outros olhares, temos textos extremamente ricos de co-

gos publicados (432%) que foi o dobro do alcançado pelo Brasil

laboradores externos, que somam novos pontos de vista àqueles

(197%) nos últimos seis anos, e ficamos entre as 100 melhores

de nossa “prata da casa”. E temos também uma boa novidade: a

universidades da América Latina em três diferentes rankings in-

circulação da revista passa, este mês, para 10 mil exemplares. A

ternacionais. Nossos programas de pós-graduação demonstram

primeira edição, já esgotada, mostra que temos fôlego para ultra-

grande vigor: se, em 1989, inauguramos nosso primeiro mestrado,

passar metas, e continuar a crescer com qualidade.

hoje, temos mais de 1500 alunos matriculados em 44 cursos de

Boa leitura! Christina Ferraz Musse Editora-chefe

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

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02 REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA REITOR Henrique Duque de Miranda Chaves Filho VICE-REITOR José Luiz Resende Pereira

ÍNDICE

06

VOZ DO LEITOR

Confira as repercussões do primeiro número da Revista A3

07

INOVAÇÃO

A importância do Ciência sem Fronteiras é tema do artigo da

coordenadora de Pesquisa e Inovação da UFJF, Maria Cristina Andreolli Lopes

08

GEOPOLÍTICA

Em outubro passado chegamos aos 7 bilhões vivendo neste

planeta. Como manter uma população de dez bilhões daqui a 60 anos? Para pesquisadores, o problema é o padrão de consumo da população. Para chefes de nações, o desafio é manter o crescimento com sustentabilidade

CONSELHO EDITORIAL Presidente Paulo Nader (Faculdade de Direito) Alexander Moreira (Faculdade de Medicina) Anderson Ferrari (Faculdade de Educação) Cícero Inácio da Silva (Instituto de Artes e Design) Cristiano José Rodrigues (Faculdade de Comunicação) Edimilson de Almeida Pereira (Faculdade de Letras) Heloísa D’Avila (Instituto de Ciências Biológicas) Jorge Mtanios Iskandar Arbach (Faculdade de Engenharia) Marcelo do Carmo (Instituto de Ciências Humanas) Paulo Monteiro Vieira Braga Barone (Instituto de Ciências Exatas) Paulo Nepomuceno (Faculdade de Engenharia) Paulo Roberto Figueira Leal (Faculdade de Comunicação) Robert Willer Farinazzo Vitral (Faculdade de Odontologia) Suzana Quinet (Faculdade de Economia)

COMISSÃO EDITORIAL Anne Marie Autissier (Universidade de Paris VIII) Antônio Fernandes de Carvalho (Universidade Federal de Viçosa) Cláudio Soares (Fapemig) Luiz C. Wrobel (School of Engineering and Design - Brunel University Middlesex, UK) Luis Felipe Feres Pereira (University of Wyoming – USA) Márcio Simeone Henriques (Universidade Federal de Minas Gerais) EXPEDIENTE Editora-chefe Christina Ferraz Musse Editora Oseir Cassola Reportagens Bárbara Duque, Carolina Nalon, Raul Mourão Colaboradores Antenor Salzer Rodrigues; Camilo Gomides; Cícero Inácio da Silva; Eduardo Borges; Fernando Lobo; Geraldo Lúcio de Melo (Gerrô); Jorge Arbach; Luiz Ruffato; Maria Cristina Andreolli; Marialva Carlos Barbosa; Mário Sérgio Ribeiro; Marilú Perez; Paulo Roberto Figueira Leal; Regina Castelo; Sandra Sato; Toninho Dutra; Ubirajara Moreira da Silva Júnior Projeto Gráfico Cléber “Kureb” Horta e Marcelo Viridiano Fotografia Marcelo Viridiano Ilustração Cléber “Kureb” Horta, Charleston Hokama, Eduardo Borges Produção Marcelo Viridiano, Renata Botti, Taís Marcato Marketing e Distribuição Valéria Borges Costemalle Revisão Rafael Costa Marques REVISTA A3 Rua José Lourenço Kelmer, s/n - Campus Universitário Bairro São Pedro - CEP: 36036-900 - Juiz de Fora - MG Telefones: (32) 2102-3967/ 3968/ 3997 E-mail: revistaa3@secom.ufjf.br Impressão: Gráfica América Tiragem: 10 mil exemplares

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POLÍTICA

O mestre e doutor em Ciência Política, Paulo Roberto Figueira Leal,

analisa os riscos do personalismo na política

13

TESES E DISSERTAÇÕES

Vencedora do 32º prêmio de Economia do BNDES, em 2011, a

dissertação de Admir Antônio Betarelli Júnior radiografa os sistemas de transportes para exportar produtos

17

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

O Brasil está na 13ª posição no rol dos produtores de artigos científicos,

à frente de países como Canadá e Rússia. A importância disso é avaliada pelo assessor de Comunicação do CNPq, Ubirajara Moreira da Silva Júnior

18

ENCONTROS POSSÍVEIS

Os cientistas Rossana Melo (UFJF) e Peter F. Weller (Harvard)

dialogam sobre doenças infecciosas e alérgicas, avanço dos estudos na área e a importância de parcerias

23

SAÚDE

O consumo de substâncias psicoativas é abordado pelo professor

doutor Mário Sérgio, responsável pelo Laboratório de Pesquisas em Personalidade, Álcool e Drogas da UFJF

4

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ÍNDICE

24

ALÉM DA PALAVRA

viagem de jogos de palavras e emoções no texto revelador “Eu olho uma coisa

46

e vejo outra”

a oito anos de conteúdo audiovisual a cada 24 horas. O pesquisador Cícero

A pesquisadora de artes plásticas Sandra Sato leva o leitor a uma

MUNDO DIGITAL

O Youtube recebe 48 horas de produções por minuto, o equivalente

Inácio da Silva revela números impressionantes do mundo digital

26

FEMININO

Uma reflexão sobre o feminino, aos olhos da Psicanálise, é o que

propõe a professora Regina Castelo no artigo “Devastação do Feminino”

47

PESQUISA

Experimentação de voz, poesia sonora, a música questionando os

limites entre as expressões artísticas são a base dos estudos desenvolvidos pelo professor doutor do Instituto de Artes e Design da UFJF, Daniel Quaranta

29

MEIO AMBIENTE

Desde 2001, o pesquisador da UFJF, Artur Andriolo, participa da

equipe que monitora a rota das baleias Jubarte no litoral brasileiro, da Bahia até a Antártida. O objetivo, agora, é ampliar estudos desde o Norte do país

50

MÚSICA

No artigo “Canções de artigos impalpáveis”, o jornalista Geraldo Lúcio

de Melo (Gerrô) descreve o lirismo do último CD do médico da UFJF, Marcinho Itaboray

51

LITERATURA

Os direitos garantidos por lei à criança doente é o tema do artigo

“Qual é a idade da cidadania?”, do psicólogo clínico Antenor Salzer. O docente aborda o lançamento da cartilha “Os direitos educacionais da criança e do adolescente: orientações para escolas, famílias e hospitais”

34

INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Prêmio de universidade com maior número de egressos da iniciação

científica titulados na pós-graduação demonstra a força da UFJF

52

MEMÓRIA

Em um texto emocionado e emocionante, a doutora em História pela

UFF, Marialva Carlos Barbosa, nos leva à reflexão sobre a importância da memória em um mundo que não cessa de incluir o futuro no presente, tal a

36

aceleração com que vivemos o cotidiano

FÍSICA

O pesquisador da UFJF, Gil de Oliveira Neto, estuda as possíveis causas

54

LANÇAMENTOS

55

ENSAIO FOTOGRÁFICO

Gomides e Marilú Perez, revelam a importância do ensino do Português num contexto globalizado

repórter fotógráfico Jorge Couri

para a expansão acelerada do Universo. Para o físico, o cosmo não se inicia com a grande explosão, o Big Bang

40

OLHAR ESTRANGEIRO

Os professores doutores da Universidade de Porto Rico, Camilo

42

Obras lançadas pela Editora UFJF são as dicas de leitura deste número

Um passeio pela história de Juiz de Fora registrado pelas lentes do

EXTENSÃO

Vinte e nove projetos de extensão são oferecidos na Faculdade de

Educação Física da UFJF. As diversas modalidades de esporte e ginástica são desenvolvidas no Complexo Esportivo, espaço habilitado pelo Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos como local de treinamento

44

PENSAR A UNIVERSIDADE

Programa institucional recém-criado, o Proquali, destina 250 bolsas de

66

LEIA-ME

Premiado escritor mineiro Luiz Ruffato brinda leitores com “Promessa”

apoio para a qualificação de técnico-administrativos e docentes. Em dois anos, o número de TAEs com mestrado e doutorado deve dobrar

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VOZ DO LEITOR

FOTO: ALEXANDRE DORNELAS

Seu espaço

O primeiro número da “A3” foi lançado em outubro de 2011 e a receptividade dos leitores nos mostrou que estamos no caminho certo. Esta seção é reservada para ser o seu espaço. Contribua para que aprimoremos cada vez mais a nossa publicação. Envie sugestões, críticas e temas de pesquisas e dissertações que gostaria de ver nas nossas páginas. O leitor que tiver sua opinião publicada aqui receberá um kit da UFJF. Aguardamos a sua contribuição. E-mail: revistaa3@secom.ufjf.br

A revista “A3 é o resultado do excelente trabalho de uma equipe ágil e dinâmica que sabe dar visibilidade à ciência. Parabéns, vocês estão mostrando na UFJF como deve ser a comunicação social em uma universidade. Flávio Porcello (Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS)

Que linda capa! Parabéns pelo trabalho e sucesso. Maria Berenice Machado

Célia Mota (Universidade de Brasília - UNB)

Que bela iniciativa! Como eu trabalho com jornalismo científico, gostaria de saber como posso adquirir um exemplar da publicação? Abraços desde terras catarinas. Tattiana Teixeira (Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC)

(Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS)

Parabéns pela linda Que seja um sucesso.

Parabéns por esta realização. A UFJF vai se firmando no cenário acadêmico.

revista.

Redação: Para receber o exemplar em sua casa, envie seu endereço para o e-mail revistaa3@ secom.ufjf.br e providenciaremos a entrega.

Edna de Mello Silva (Universidade Federal de Tocantins - UFT)

Parabéns pelo trabalho. Sempre que precisar, estarei à disposição. Flora Neves (Universidade Estadual de Londrina - UEL)

Parabéns pela conquista! Valquíria Kneipp (Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN)

Parabéns pela iniciativa! Luiza Lusvarghi (Universidade Nove de Julho - Uninove - SP)

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4ª CAPA

O desenho “Composição com sublime e cisnes”, da 4ª Capa, é obra do artista plástico Eduardo Borges, formado na UFJF. Na narrativa de imagens, tenta mostrar, como o próprio define, a questão do sublime na paisagem: “o perigo eminente, o som do trovão, o espanto, as raízes invasivas e os feixes de luz – a boa paisagem é inquieta e avassaladora”. Para trabalhar livremente tendo como pano de fundo o Campus da UFJF, o artista diz ter se inspirado nas paisagens românticas do séc. XIX, contidas nas obras de Caspar David Friedrich, Arnold Böcklin, William Blake, Turner e Edmund Burke.


I N O VA Ç Ã O

A escola Ciência sem Fronteiras

Maria Cristina Andreolli Lopes*

N

o dia 26 de julho de 2011 foi lançado o Ciência sem

desejamos para este país. Para fazer frente às atuais mudanças

Fronteiras, um programa do Governo Federal, que

globais da economia é necessária a consciência que o crescimen-

visa promover a expansão, a consolidação e a inter-

to do país demanda uma massa crítica de talentos; e melhor que

nacionalização da ciência, da tecnologia e da inova-

importá-los de outros países a altos custos, um investimento de

ção brasileira, através da concessão de cerca de cem mil bolsas

grande risco, é formar esta massa de brasileiros.

de estudos para alunos de graduação, pós-graduação e docentes, para realizarem estágios nas melhores universidades e empresas

Espera-se que esta ação seja o despertar de uma nova época em

do mundo. Sem sombra de dúvidas, trata-se da iniciativa mais

nosso país. Não se está, entretanto, com esta iniciativa, tirando

ousada do Governo brasileiro de todos os tempos, em promover

um coelho da cartola. Países desenvolvidos como Estados Unidos

o crescimento da economia brasileira de maneira sólida, funda-

e Alemanha investem maciçamente há décadas em educação e,

mentada no conhecimento, aumentando a competitividade de

por isso, produzem grandes talentos, mentes bem formadas. Não

nossos produtos no mercado internacional, através da qualidade

podemos deixar de reconhecer o mérito desta iniciativa do Go-

e do aumento do número de patentes.

verno federal, embora exista uma conjuntura mundial que aponta nesta direção. O Brasil tem se destacado com o desempenho de

Os R$ 3 bilhões investidos são provenientes de impostos pagos

sua economia, integrando o conjunto de países emergentes que

pelo povo brasileiro, e uma porcentagem menor, cerca de 25%,

formam os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) e a África do Sul, e

de empresas privadas. Explicar a estreita relação entre educação,

esta estratégia de investimento em educação está sendo adotada

investimento em tecnologia e desenvolvimento econômico é des-

por todos eles.

necessário. De fato, e em tese, este é o caminho trilhado pelas grandes potências no mundo. Seus cidadãos pagam impostos

O Brasil, apesar de ser hoje a sexta potência econômica no

que são investidos pelos seus governos, na cultura e na qualidade

mundo e ocupar a 13ª posição no ranking mundial de produção

de vida daquele país. Seguindo esta lógica, o Ciência sem Frontei-

científica, está em 47º lugar na inovação, que faz crescer depósitos

ras funciona como uma escola, que tem como meta formar alunos

de patentes. Espera-se assim que estudantes de graduação,

nas universidades e laboratórios mais conceituados do planeta,

pós-graduação e pesquisadores ao passarem pelo programa

mudando suas perspectivas de vida, tornando-os competitivos

Ciência sem Fronteiras retornem para casa com a nova cultura

em relação à tecnologia e inovação.

de inovação e possam atuar com propagadores deste saber. Na UFJF este programa está sendo implementado pela Pró-Reitoria

A questão principal aí está no investimento nos cérebros mais

de Pesquisa, que já colocou seus alunos de graduação em

privilegiados do país para funcionarem como mola propulsora do

universidades da Austrália, dos Estados Unidos, do Reino Unido,

conhecimento e da inovação nas universidades brasileiras, melho-

da França e da Itália.

rando a mão de obra, preparando nossos jovens para o futuro que

*Professora doutora do Departamento de Física e coordenadora de Pesquisa e Inovação da Pró-reitoria de Pesquisa da UFJF

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GEOPOLÍTICA

Sete bilhões de pessoas e o desafio das nações em crescer com sustentabilidade RELATÓRIO DO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE APONTA QUE UMA DAS SAÍDAS É MELHORAR A PRODUTIVIDADE DOS RECURSOS, FAZENDO MAIS COM MENOS E MAIS RÁPIDO DO QUE A TAXA DE CRESCIMENTO ECONÔMICO CAROLINA NALON | repórter

S

aber que existem sete bilhões de pessoas vivendo no

principalmente, a dos países desenvolvidos.

planeta gerou preocupação entre especialistas de diversas áreas. O número inteiro, atingido em outubro

“A pegada ecológica deixada por um norte-americano ou europeu

passado, serviu para fomentar a agenda da mídia que,

é bem maior que a produzida por alguém de uma tribo no Quê-

embasada pelo relatório da Organização das Nações Unidas

nia, por exemplo”, esclarece o professor, referindo-se à pressão

(ONU), publicou prognósticos alarmantes sobre o futuro, em es-

exercida pelos indivíduos sobre os recursos naturais. Isto é, estilo

pecial, sobre como manter uma população de dez bilhões daqui a

de vida. São os países ricos os responsáveis pelo maior impacto

60 anos senão de forma sustentável. Às vésperas da conferência

nas fontes de energia, alimento e água, e pela produção de lixo.

mundial Rio+20, o tema volta a ser foco de debate.

“Frear o crescimento populacional, portanto, pode não significar uma solução. Precisamos reduzir o desperdício e a produção de

Para o coordenador do Laboratório de Demografia (Ladem)

dejetos nocivos ao ambiente.”

da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), professor Luiz Fernando Soares de Castro, o número por si só diz muito

De acordo com dados publicados pelo Programa das Nações Uni-

pouco. Citando o presidente da Associação Brasileira de Estudos

das para o Meio Ambiente, cidadãos dos países desenvolvidos

Populacionais, o doutor em Demografia e Ecologia George Martine,

consomem, em média, 16 toneladas de minérios, combustíveis

Castro afirma que as sete bilhões de pessoas caberiam fisicamente

fósseis e biomassa por ano per capita. Em comparação, a média

no perímetro da Grande São Paulo. O planeta aguentaria, segundo

de consumo das pessoas na Índia, segundo país mais populoso

Castro, uma quantidade até maior de habitantes, considerando-

do mundo, é de quatro toneladas por ano. Melhorar a produtivida-

se apenas a questão do espaço. Esse não é foco da discussão.

de dos recursos, ou seja, fazer mais com menos e mais rápido do

O real problema hoje é o padrão de consumo da população,

que a taxa de crescimento econômico, é o que sugere o relatório.

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GEOPOLÍTICA

Para o diretor da Faculdade de Economia da UFJF, professor Lou-

Para o professor, a previsão não se confirmou, principalmente por

rival de Oliveira, a maior eficiência na utilização dos recursos é

causa da projeção da quantidade de filhos por mulher. A taxa de

central na busca por soluções sustentáveis. É preciso investimen-

fecundidade nos anos 60 era de seis filhos por mulher, e hoje está

to pesado em pesquisa, desenvolvimento e inovação para que

em 1,8. “Essa queda no Brasil foi vertiginosa se comparada aos

“uma máquina qualquer utilize bem menos energia para funcionar

países europeus. A França demorou um século e meio para atingir

do que hoje é disponibilizado para ela”.

tal média.” A pílula anticoncepcional e a inserção da mulher no mercado de trabalho foram fortes determinantes nesse processo.

Além dessa alternativa, na opinião de Oliveira, só existe outra: a distribuição de renda. Ele lembra que o impasse envolvendo

De 1960 para cá, a população mundial vem aumentando em um

economia e meio ambiente não é algo novo, vem sendo tratado

bilhão a cada 12 anos, em média. A expectativa dos especialis-

desde o fim da década de 1960 com a criação do Clube de Roma,

tas de que em 2070 haverá dez bilhões de habitantes no planeta

mas, até hoje, pouco foi feito a respeito. Isso porque a discussão

alarga esse período, confiante na tendência de que a quantidade

“está mascarando o debate ideológico, fundamentado na distri-

de filhos por mulher cairá ainda mais. Para que isso aconteça, no

buição de renda e, em última instância, na luta de classes”.

entanto, é necessário dar melhores condições de vida às nações mais pobres. As mulheres precisam ter mais autonomia sobre

Assim, além dos que consomem mais terem que mudar seus

seus corpos, acesso à educação e à informação. “É a melhoria de

hábitos, aqueles que nada têm precisam ter acesso, “pois, num

vida das pessoas que reduz a natalidade.”

ambiente democrático não se pode negar o direito das pessoas ao consumo”, argumenta. Essa é uma questão essencial no

A professora da Faculdade de Enfermagem da UFJF Sueli dos

caso de alimentos. O economista indiano Amartya Sem, um

Reis Santos compartilha a opinião. Ela coordena um projeto de

dos criadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e

extensão voltado para gestantes e argumenta que “informação

ganhador do Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de

elas já têm, o que falta é formação e poder de decisão”. Para a

Alfred Nobel (1998), defende que o problema da fome no mundo

maioria do grupo de 15 mulheres a gravidez não foi planejada,

não é em razão da insuficiência de alimento, mas sim resultado do

simplesmente “aconteceu”. Apenas duas das participantes relata-

funcionamento da economia e de disposições políticas e sociais.

ram ter desejado a criança, e todas afirmaram conhecer métodos

INFORMAÇÃO E AUTONOMIA

contraceptivos.

No mundo, a taxa de mortalidade começou a reduzir drastica-

Com 27 anos e na quarta gestação, Geisislane Caetano Machado

mente a partir da década de 60. Com o fim da Segunda Guer-

é um dos casos. “Tive meu primeiro filho com 15 anos, na época

ra, os avanços na medicina, a chegada de grandes laboratórios

a gente acha que tudo é brincadeira.” Hoje, admitindo ter mais

aos países em desenvolvimento e as instalações de saneamento

responsabilidade, decidiu ligar as trompas após o parto. “Já que-

básico, debates sobre a possibilidade de uma superpopulação

ria ter feito da última vez, mas o médico do posto de saúde me

começaram a surgir. No Brasil, explica Castro, as previsões, com

desaconselhou por causa da idade.”

base na taxa de crescimento da época, eram de que no ano 2000 a população do país seria de 200 milhões. “O que não se concre-

No projeto “Roda de conversa com gestantes e crianças”, manti-

tizou, estamos em 2012 e com 193 milhões.”

do desde 2004 com apoio do Centro de Ação Social da Catedral

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GEOPOLÍTICA

de Juiz de Fora, já apareceram jovens de 13 anos. Atualmente, há

1960. Atingirá seu valor mínimo por volta de 2020 e então come-

no projeto uma de 16 anos e outra de 17, esta já na segunda gravi-

çará a subir em decorrência do envelhecimento da população”,

dez. O objetivo da professora Sueli é promover um espaço aberto,

explica o professor Luiz Fernando de Castro.

no qual as mulheres podem tirar dúvidas, receber informações sobre saúde e compartilhar experiências. Entre os temas, pater-

Para o diretor da Faculdade de Economia, Lourival de Oliveira, o

nidade responsável, violência doméstica, desenvolvimento fetal

fato de mais pessoas estarem entrando no mercado de trabalho

e da criança, aleitamento materno e cuidados ao recém-nascido

torna este um ótimo momento para se repensar a previdência

entram na roda.

pública no país. “O atual modelo, no qual quem está na ativa sustenta os que não estão, é furado.” Ele aposta no sistema de

MENOS CRIANÇAS, MAIS IDOSOS

capitalização composto por contribuições do trabalhador, do

A tendência é que relatos como o de Geisislane se tornem menos

empregador e do governo, cujo fundo poderia até ajudar no pa-

frequentes daqui a algumas décadas no Brasil. Ao invés de muitas

gamento da dívida pública. “É uma política de Estado que precisa

crianças, mais idosos. Aquela pirâmide etária, sempre presente

ser implantada já pensando neste futuro com mais idosos.”

nos livros de geografia do ensino fundamental e médio, não terá mais qualquer semelhança com a forma triangular de tempos

No entanto, o próprio professor pondera: “Por outro lado, há um

atrás.

problema sério, aquilo que os empresários chamam de apagão da mão de obra”. A falta de qualificação (leia-se educação de

De acordo com as previsões do Instituto Brasileiro de Geografia e

qualidade desde a escola básica) tem interferido no potencial de

Estatística (IBGE), em 2050, haverá mais do que o triplo de pes-

crescimento da economia. Há mais pessoas em idade ativa, há

soas com 60 anos ou mais: os cerca de 20 milhões atuais serão

postos de trabalho, mas falta a habilitação necessária para ocupá-

65. O crescimento da faixa com início nos 80 anos será ainda mais

los. “No fundo, o capital humano é o grande problema do Brasil. E

surpreendente: de 2,6 milhões pularemos para 13,7, ou seja, cinco

isso tem a ver, principalmente, com educação.”

vezes mais octogenários.

Os bilhões de pessoas do mundo que no passado representavam o estrangeiro ou o desconhecido, hoje têm rostos e vozes. “Os outros” compartilham suas experiências e opiniões no Facebook e no Twitter, postam vídeos como forma de denúncia e protesto no YouTube, viajam, circulam mais

O OUTRO QUE NOS ATRAVESSA Os bilhões de pessoas do mundo que no passado representavam o estrangeiro ou o desconhecido, hoje têm rostos e vozes. “Os outros” compartilham suas experiências e opiniões no Facebook e no Twitter, postam vídeos como forma de denúncia e protesto no YouTube, viajam, circulam mais. A experiência da alteridade se tornou mais rica não só em razão do crescimento populacional, mas em função dos novos meios de comunicação e da economia. Os sete bilhões não são mais anônimos. A professora do curso de Filosofia da UFJF Nathalie Barbosa de La Cadena acredita que esta comunicação mais intensa tem leva-

Com isso, a preocupação não é só quanto ao número de pessoas

do ao reconhecimento do outro como semelhante, criando uma

no mundo, mas de que forma oferecer condições para que essa

empatia entre as pessoas. “É extremamente positivo o reconheci-

parcela da população, cada vez mais representativa, viva com

mento da diferença, contribui para a democracia, uma democracia

qualidade. Países desenvolvidos como Alemanha e Japão, este

real.” Pode-se dizer que o desafio de enxergar a universalidade do

último com número expressivo de centenários, passaram por esta

ser humano, sem anular as singularidades do sujeito, vem ganhan-

situação de maneira gradual, ao contrário do Brasil, que precisará

do novos contornos a partir da maior possibilidade de encontro.

promover melhorias em relação ao sistema de saúde e previdenciário e à infraestrutura das cidades num período mais curto de

Para Nathalie, atualmente em seu segundo doutorado, agora na

tempo.

área de Direitos Humanos, “a ética da internet”, incentivadora do debate, é fundamental neste processo. “Agir de maneira autoritá-

Para os especialistas, até lá será crucial aproveitar a chamada

ria, desqualifiicar o outro, ou simplesmente não reconhecer seu

janela demográfica, período caracterizado pela maior proporção

direito de se pronunciar é visto como algo negativo. Estamos em

de pessoas em idade ativa e, portanto, menor número de depen-

pé de igualdade na rede.” O exemplo da Primavera Árabe foi, nos

dentes. Até 2020, cerca de 70% da população do país terá entre

últimos anos, o mais visível em relação às mudanças no sentido

15 e 64 anos, refletindo diretamente no crescimento econômico.

da mobilização desde a criação da Web 2.0. Em relação ao futuro,

“A razão de dependência tem declinado no país desde os anos

a professora não vê razões para não ser otimista. “Olho para a

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GEOPOLÍTICA

história da humanidade e vejo que os conflitos são menos violentos, menos pessoas morrem proporcionalmente e a cada dia há maior interatividade e admiração pelas diferentes culturas e religiões.” Aponta, porém, que a valorização da diferença não pode servir de pretexto para impor às pessoas condições subumanas nas quais elas não querem continuar a viver. “É preciso equilibrar liberdade e igualdade, para que, em nome de uma, a outra não seja sacrificada.”

GEISISLANE, QUE ESTÁ NA QUARTA GESTAÇÃO, TEVE O PRIMEIRO FILHO AOS 15 ANOS.

A Rio+20 marca o 20º aniversário da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, e o 10º aniversário da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, promovida em Johanesburgo, África do Sul, em 2002. Com a presença de chefes de Estado e Governo, a expectativa é de uma conferência do mais alto nível. De 20 a 22 de junho, no Rio de Janeiro. Entre os temas da Rio+20, a reafirmação de compromissos políticos já acordados, como o empenho na erradicação da pobreza e da fome no mundo, incentivo à economia verde, à segurança alimentar, energia e água.

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POLÍTICA

Os riscos do personalismo na política Paulo Roberto Figueira Leal * Por todo o mundo, variadas democracias vêm assistindo nas últi-

Em resumo, ele sustenta que, quando a opinião pública tende à

mas décadas a um processo de transformação da natureza e da

neutralidade sobre os partidos, é o candidato quem polariza o

forma das campanhas eleitorais e das estratégias de comunicação

debate. A perda de referenciais ideológicos dos partidos ajudou

política de candidatos e governos. Mesmo em países com longa

a deslocar o eixo da discussão para as supostas qualidades

tradição de consolidação do sistema partidário – por exemplo, a

dos candidatos e para fatores de curto prazo. Competência,

Grã-Bretanha –, caem sistematicamente os indicadores de identi-

integridade, capacidade de decisão, carisma e atributos pessoais

ficação partidária e aumentam os índices de volatilidade eleitoral.

(aparência, idade, religião, saúde etc.) preenchem o espaço

A esses fenômenos, soma-se uma importância crescente da mídia

deixado vago pela discussão política, sobretudo, em disputas

como arena central da disputa política.

pouco ideologizadas.

Uma das marcas desse modelo é a valorização da figura do can-

Há muitos riscos e problemas nesse modelo: a sociedade fica à

didato ou do governante em detrimento do partido político ou

espera daquele que nos redimirá dos problemas como se essa

do governo. No Brasil, todas as eleições presidenciais disputadas

liderança existisse. Má notícia para quem espera por isso: na vida

democraticamente desde 1989 parecem corroborar a hipótese:

real, só há homens e mulheres, não heróis. Ou a sociedade se or-

Collor se elegeu por uma agremiação inexpressiva; FHC venceu

ganiza para discutir seus problemas e apresentar soluções – e os

fortemente ancorado em fatores econômicos conjunturais (o

partidos políticos deveriam ser fóruns para isso – ou o país conti-

Plano Real em 1994; o risco da perda da estabilidade econômica

nuará à espera de “salvadores” que nunca chegarão. Ou pegamos

em 1998); Lula, em suas duas vitórias, mostrou ser eleitoralmente

coletivamente o destino do espaço público em nossas mãos, o

muito mais significativo que o PT; e, por fim, Dilma deveu muito

que implica que temos todos que participar do jogo político, ou

de sua eleição à estratégia de campanha que colou sua imagem

os muitos problemas que se arrastam historicamente, mesmo

à de Lula.

que o país tenha avançado muito nos últimos anos, tendem a se perpetuar.

Cada vez mais as propagandas institucionais dos governos, em todos os níveis, também tentam associar as eventuais conquistas

Não é com um discurso mitológico, em que políticos são transfor-

– mesmo que indiretamente, já que a lei cria entraves para isso

mados em “paladinos”, que se enfrentam os problemas coletivos.

– ao governante de plantão. No caso brasileiro, as sistemáticas

Ao contrário, é com trabalho duro de todos – dos políticos, dos

mudanças de partido por parte das lideranças políticas agravam

partidos, da sociedade organizada, dos cidadãos. Em resumo,

ainda mais o quadro.

com a recuperação da atividade política como meio de transformação da realidade, e não como mero teatro burlesco.

O autor norte-americano Martin Wattenberg designa esse fenômeno como a “ascensão da política centrada nos candidatos”. *Professor da Faculdade de Comunicação/UFJF; mestre e doutor em Ciência Política pelo Iuperj; jornalista pela UFRJ; co-organizador dos livros “Mídia e identificação política” (Editora Multifoco, 2011) e “Identidades midiáticas” (E-Papers, 2009); autor dos livros “Identidades políticas e personagens televisivos” (Editora Corifeu, 2007), “O PT e o dilema da representação política” (Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2005) e “Os debates petistas no final dos anos 90” (Editora Sotese, 2004)

12

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012


T E S E S E D I S S E R TA Ç Õ E S

Estudos pioneiros radiografam sistemas de transportes utilizados para exportar produtos ENTRE AS PESQUISAS REALIZADAS ESTÁ A DISSERTAÇÃO VENCEDORA DO 32º PRÊMIO DE ECONOMIA DO BNDES, EM 2011, PRODUZIDA NO MESTRADO DA ÁREA NA UFJF

RAUL MOURÃO | repórter

U

ma série de estudos pioneira no Brasil, produzida no Pro-

Conforme a orientadora da dissertação, professora Suzana Qui-

grama de Pós-graduação em Economia da Universidade

net, “o trabalho fornece informações de demanda que subsidiam

Federal de Juiz de Fora (UFJF), analisa o quanto 32 se-

as decisões dos planejadores públicos na elaboração de políticas

tores produtivos requerem do transporte rodoviário, ferroviário,

setoriais de exportação, direcionadas para não comprometer a

fluvial, aéreo e marítimo quando destinam seus produtos para

atual oferta de transporte no Brasil, e para a realização de novos

exportação. Entre as pesquisas produzidas está a dissertação

investimentos em infraestrutura que suporte uma participação

de Admir Antonio Betarelli Júnior, vencedora do 32º prêmio de

contínua ou expansiva do país no mercado internacional”. A ne-

Economia do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

cessidade de pesquisa é ainda mais importante, pois a aplicação

Social (BNDES), em 2011, na categoria mestrado.

de recursos na área é uma das mais altas e arriscadas, porque exige capital inicial volumoso e possui estimativa de uso complicada.

A escolha por investigar a exportação tem razões claras para Be-

O Rodoanel Mário Covas, que circunda a Região Metropolitana de

tarelli, que, atualmente, cursa parte do doutorado pela Universi-

São Paulo, é um exemplo. Somente para a construção do trecho

dade Federal de Minas Gerais (UFMG) nos Estados Unidos. O vo-

Norte, de 44 quilômetros, serão gastos R$ 6 bilhões.

lume brasileiro de vendas para o exterior vem crescendo. Houve recorde, em 2011, quando foram alcançados US$ 256,04 bilhões,

Na dissertação “Análise dos modais de transporte pela ótica dos

quase cinco vezes mais do que os US$ 60 bilhões de 2002. Esse

blocos comerciais: uma abordagem intersetorial de insumo-pro-

avanço pode acarretar ainda mais depreciação física da estrutura

duto”, Betarelli analisou as exportações do Brasil destinadas ao

de movimentação de carga, estrangulamento em determinados

Mercosul (para Argentina, Paraguai e Uruguai), União Europeia,

pontos do sistema de transporte, ampliação do tempo de estoca-

Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, composto

gem de produtos e elevação do custo da mercadoria. Situações

por Estados Unidos, México, Canadá e Porto Rico) e restante do

assim se repetem todo ano. Em fevereiro de 2012, empresários e

mundo. Os dados da dissertação, defendida em 2007, são de

motoristas interditaram a BR-364, em Rondônia, para exigirem

2003, mas ainda se mantêm atuais. “Isso porque a distribuição

reparo na estrada para escoar a produção de grãos. Em maio de

de carga, por modal, para as exportações brasileiras, feita pelo

2011, caminhões fizeram fila com mais de 30 quilômetros de ex-

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

tensão para embarcar material no porto de Paranaguá, no Paraná.

(MDIC), ainda se mostra concentrada nos principais portos e vias

E, em 2006, aeroportos sofreram apagão.

de transporte, tendo, portanto, certa rigidez.” Ainda de acordo com o economista, quando a grande parte dos investimentos do A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

13


T E S E S E D I S S E R TA Ç Õ E S

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 1 e 2) estiver em

O levantamento incluiu o quanto saiu de cada local de embarque

operação, será possível observar mudanças no fluxo de carga

e foi enviado aos países compradores, cujo total é mais fácil de

visando ao exterior. “Contudo, tenho dúvidas se tais mudanças

ser encontrado. E também a quantidade e a forma com que essas

serão significativas, pois existem corredores de transporte con-

mercadorias chegaram até os portos, aeroportos e outros pon-

solidados no Brasil.”

tos de envio - a parte mais trabalhosa da pesquisa. Foi preciso destrinchar relatórios, entrar em contato com administradoras

TONELADAS DE DADOS

de ferrovias e com pesquisadores da área e, quando necessário,

Para chegar ao resultado, o economista recorreu a diversos ban-

também verificar como era o acesso logístico aos portos e aero-

cos de dados. O objetivo era reunir informações sobre a quanti-

portos para deduzir o modelo de transporte usado. O que chegou

dade de toneladas transportadas das 32 atividades econômicas,

ao porto de Salvador (BA), por exemplo, foi todo creditado às

como agropecuária e siderurgia, por meio dos cinco modais de

rodovias, que eram sua única forma de ingresso. Apenas o último

transporte - aéreo, ferroviário, fluvial, marítimo e rodoviário - para

tipo de transporte usado, antes de a mercadoria sair do país, foi

cada bloco comercial. “Uma das principais contribuições desse

considerado no estudo, devido à falta de informações sobre toda

trabalho consistiu na preparação dos dados.”

a cadeia.

UNIÃO EUROPÉIA

NAFTA

14

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

RESTANTE DO MUNDO


T E S E S E D I S S E R TA Ç Õ E S

Com isso, Betarelli soube quantas toneladas circularam pelo país e

das rodovias não influenciaria intensamente outros setores ou

por qual via e quantas foram distribuídas para o Mercosul, a União

nem causaria transtornos consideráveis para a infraestrutura de

Europeia, o Nafta e o restante do mundo e, também, como foram

transporte.

levadas, se pelo mar, pela terra ou pelos rios. A partir daí, o autor classificou os produtos exportados em uma das 32 atividades

A fim de atender a União Europeia, a extração mineral - de es-

econômicas, com base em um estudo de seu então co-orientador,

córias, cinzas, minérios e outros - é a atividade que exerce mais

e atual pró-reitor de Pós-graduação da UFJF, Fernando Perobelli.

demanda sobre a via marítima, o modal mais empregado na re-

Com os dados em mãos, o ex-aluno da UFJF calculou tudo em uma

lação comercial com o Velho Continente. Se houver o acréscimo

“matriz híbrida intersetorial de insumo-produto”, que permite um

de R$ 1 milhão no volume de exportação desses minerais para

panorama sobre a intensidade de uso, efeitos multiplicadores e

os países do bloco europeu, a tendência é que haja o acréscimo

outros aspectos sobre o transporte e a exportação. Nesse tipo de

de 6.510 toneladas pela via marítima. “Aliás, dentre os modais, o

arranjo matemático, os números são organizados em linhas - em

marítimo é o único capaz de transportar mercadorias, em larga

que são listados os materiais exportados, considerados insumos

escala, em longo curso e a um custo menor, para continentes que

-, e em colunas - em que aparecem os modais de transporte, in-

não fazem fronteira com a América do Sul”, explica Betarelli. Em

corporados como setores. Cada um dos quatro blocos comerciais

contraposição, o uso de aeronaves é o menos empregado, por ser

ganhou uma matriz. A partir dos cálculos nos arranjos, é possível

mais caro e limitar grandes volumes.

obter uma gama de resultados e análises.

DO BRASIL PARA O MUNDO Além de outras formas de apresentação da coleta, Betarelli preparou uma escala com o efeito multiplicador de uma atividade, representando o quanto ela requer direta e indiretamente do sistema de transporte. O grau vai de ínfimo (20% de efeito), baixo (20% a 40%), moderado (40% a 60%), alto (60% a 80%) e muito alto (acima de 80%). “Se um setor tem um grande número de fornecedores, quando suas exportações aumentam, ele também demandará insumos dos demais setores e assim do transporte, portanto, terá efeito alto ou muito alto.” Caso haja mais venda de itens de agropecuária para a China, haverá a possibilidade de atingir outros grupos. Ou se uma empresa ou governo desejar intensificar a relação com a União Europeia, será preciso saber se o país possuirá infraestrutura para isso, pois uma determinada atividade pode ter efeito multiplicador alto e, conforme o caso, já estar exigindo demais de rodovias ou ferrovias. É um tipo de reação em cadeia. Para os países do Nafta, os que produzem mais forte pressão são “Quando o Brasil exporta para o Mercosul, verifica-se que meta-

metalurgia dos não-ferrosos (zinco, cobre, estanho e outros) e

lurgia de não-ferrosos (como zinco, alumínio e cobre) é o setor

material elétrico. E o principal caminho também é o mar. Para

que exerce significativo peso sobre a maioria da demanda dos

chegar até os portos, a produção escoa, principalmente, pelas

modais. Dentre as toneladas de itens exportados, 54,7% são re-

rodovias e ferrovias. “Esse fato se deve à maior participação na

lacionados ao chumbo, seguido de cobre e estanho (ambos com

pauta exportadora de setores econômicos intensivos no uso do

21%). A atividade ainda tem poder muito alto de multiplicação

modal rodoviário: fabricação de açúcar, madeira e mobiliário, ele-

sobre o uso fluvial, marítimo, ferroviário e rodoviário. Siderurgia

mentos químicos e indústria do café.”

e agropecuária são outros dois conjuntos expressivos quando o país visa ao Cone Sul. O investimento nessas áreas pode surtir

Quando o foco são os países que não se enquadram em nenhum

efeitos em cadeia mais intensos do que em outras. Para a região,

dos blocos comerciais analisados (restante do mundo), o trans-

as rodovias são utilizadas para exportar mais de 70% da pro-

porte ferroviário é o modal central para o escoamento de mer-

dução da indústria têxtil, de artigos plásticos, celulose, papel e

cadorias até o ponto de embarque, principalmente, na área de

gráfica. Embora o modal rodoviário seja fortemente empregado

extração mineral, siderurgia e metalurgia. “As exportações para o

nas vendas para a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, os efeitos

restante do mundo, além do alto peso, exercem, potencialmente,

propagadores são baixos ou ínfimos, ou seja, o aumento no uso

pressões mais significativas sobre os modais de transporte, geA3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

15


T E S E S E D I S S E R TA Ç Õ E S

rando grande número de setores com alto ou muito alto poder de

os efeitos indiretos estariam ocultos por não considerar toda

multiplicação.” A União Europeia aparece em segundo com esse

a relação de compra e venda do sistema produtivo. Com esse

potencial.

mapeamento, é possível discutir os efeitos do crescimento das exportações e suas prováveis repercussões nos principais modais

“Caso fosse feita uma análise de demanda apenas com os dados

de transporte.”

do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior,

O QUE CADA TIPO DE TRANSPORTE LEVA MAIS PARA OS QUATRO BLOCOS Essas atividades aparecem mais vezes entre as que mais são transportadas para a maioria dos blocos

RODOVIÁRIO

EXTRATIVA MINERAL MINERAIS NÃO-METÁLICOS SIDERURGIA METALURGIA DE NÃO-FERROSOS MADEIRA E MOBILIÁRIO ELEMENTOS QUÍMICOS (NÃO-PETROQUÍMICOS) FABRIÇÃO DE AÇÚCAR

FERROVIÁRIO

EXTRATIVA MINERAL EXTRAÇÃO DE PETRÓLEO, GÁS E OUTROS MINERAIS NÃO-METÁLICOS SIDERURGIA METALURGIA DOS NÃO-FERROSOS OUTROS METALÚRGICOS MATERIAL ELÉTRICO OUTROS VEÍCULOS, PEÇAS E ACESSÓRIOS ELEMENTOS QUÍMICOS (NÃO-PETROQUÍMICOS) INDÚSTRIAS DIVERSAS

FLUVIAL

EXTRATIVA MINERAL MINERAIS NÃO-METÁLICOS SIDERURGIA METALURGIA DE NÃO-FERROSOS OUTROS METALÚRGICOS MATERIAL ELÉTRICO ELEMENTOS QUÍMICOS (NÃO-PETROQUÍMICOS) INDÚSTRIAS DIVERSAS

MARÍTIMO

EXTRATIVA MINERAL MINERAIS NÃO-METÁLICOS SIDERURGIA METALURGIA DE NÃO-FERROSOS OUTROS METALÚRGICOS MATERIAL ELÉTRICO ELEMENTOS QUÍMICOS (NÃO-PETROQUÍMICOS)

MAIS

Admir Antonio Betarelli Júnior Graduou-se em Ciências Econômicas pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep/SP); concluiu o mestrado em Economia Aplicada na UFJF; cursa, agora, parte do doutorado pela

UFMG na Universidade de Illinois – em Urbana e Champaign, nos Estados Unidos

Baixe a dissertação em http://migre.me/7Zc4a e um artigo também premiado em http://migre.me/7ZcpP www.ufjf.br/poseconomia/

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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012


DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

O terceiro lado do círculo Ubirajara Moreira da Silva Júnior*

H

á mais de 30 anos o Brasil envia estudantes de

cantarolada em janelas escancaradas, ainda não tem prosa e

mestrado, doutorado e pós-doutorado ao exterior.

versos completos. Faltam jornalistas com conhecimento do

Foi parte dessa massa crítica que permitiu ao país não

universo científico para traduzir as pesquisas à população, para

só implantar sua própria pós-graduação, como fincar

mostrar onde, quanto e o que produzimos de ciência, assim como

as estacas de instituições sólidas como Embraer e Petrobras, por

quem e porque recebe parte dos impostos que todos pagam,

exemplo. Também foi essa mobilidade, espargida agora para além

para desenvolver estudos e pesquisas.

do horizonte com a criação do programa Ciência sem Fronteiras, gerenciado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico

Quando as pessoas se dizem interessadas pelo conhecimento

e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento

sobre

de Pessoal de Nível Superior (Capes), que

possibilitou, entre

permanecem questionando com viés negativo e melindroso o

outras coisas, absorver volume de conhecimento que ajudou o

porquê de se investir em programas como o espacial, o nuclear e

Brasil a ocupar hoje a 13ª posição no rol dos produtores de artigos

mesmo o astronômico, quando morremos de tuberculose.

ciência,

mas

não

recebem

informação

adequada,

científicos, ficando à frente de países como Canadá e Rússia. Até mesmo para os jornalistas, que esporadicamente esbarram Em paralelo, o país contribui no momento com 2,5% do

em pautas científicas, essa resposta pode parecer destoante.

conhecimento científico produzido anualmente no mundo.

Assim como ainda estamos anêmicos na composição do

Todavia, quanto desse volume chega ao conhecimento da

quadro de cientistas, estamos desguedelhados na formação de

população? Quando, onde e quem pesquisa no Brasil? Que ciência

comunicadores científicos. Jornalismo científico não aparece

chega ao dia a dia das pessoas? As respostas a essas indagações

como disciplina optativa nem em meia dúzia de universidades

ainda são balbucios e não afirmações consistentes.

do país e os cursos e outras iniciativas que hoje se propõem a colaborar na formação de profissionais para a área acabam

Pesquisa sobre a percepção pública da ciência feita no Brasil

sendo

iniciativas

paroquiais.

Muito

timidamente

ainda

os

e outros países da América Latina mostra que a população é

espaços para divulgação científica vão se alargando, inclusive

ávida por informação científica. Entretanto, 90% dessa amostra

na mídia comercial, mas faltam jornalistas preparados; uma

nacional de interessados por assuntos científicos não são capazes

ampla discussão dos patamares e rumos a seguir, bem como da

de citar o nome de meia dúzia de cientistas brasileiros ou, diante

imprescindível postura crítica que deve permear uma divulgação

de uma listagem de personalidades, sabe distinguir pelo menos

científica séria e robusta. Isso tudo sem esquecer que as fontes

três grandes figuras do meio.

produtoras de conhecimento científico, como universidades e centros de pesquisas, por exemplo, ainda carecem de programas

Parte dessa incômoda realidade se deve à nossa pálida divulgação

e projetos de divulgação científica e quando os têm, lhes falta

científica. A decantada popularização da ciência, embora

quem domine as competências necessárias para executá-los.

* Bacharel em Comunicação Social pela UFJF, atua há 15 anos no jornalismo científico; assessor de Comunicação Social do CNPq

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

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ENCONTROS POSSÍVEIS

Parceria entre pesquisadores da UFJF e Harvard conquista espaço em publicações internacionais OS CIENTISTAS ROSSANA MELO (UFJF) E PETER F. WELLER (HARVARD) CONVERSAM SOBRE AS DOENÇAS INFECCIOSAS E ALÉRGICAS, OS AVANÇOS DA MEDICINA NESTES ESTUDOS E A IMPORTÂNCIA DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL. JUNTOS, JÁ PRODUZIRAM 23 ARTIGOS CIENTÍFICOS E FIRMARAM ACORDO ENTRE SEUS GRUPOS DE PESQUISA

CAROLINA NALON | repórter

O

peso de trabalhar na mesma área do pai, prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, não impediu Dr. Peter F. Weller de se destacar na pesquisa científica. Pelo contrário. O professor titular da

Universidade Harvard (EUA) coleciona números impressionantes: 300 publicações na área da biologia da inflamação e quase 12 mil citações na Web of Science. Weller, atualmente chefe da Divisão de Doenças Infecciosas e da Divisão de Alergia e Inflamação do Hospital Beth Israel da Escola de Medicina de Harvard, é, ainda, editor associado do prestigiado periódico “Journal of Infectious Diseases.” Pelo conjunto dos trabalhos, em 2011 foi premiado pela National Institutes of Health (NIH), a maior agência de fomento a pesquisa dos Estados Unidos na área de saúde.

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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012


ENCONTROS POSSÍVEIS

No “Encontros Possíveis” deste número, a professora do Departamento de Biologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Rossana Melo conversa com Weller e aborda sua carreira e contribuições para os estudos de um tipo específico de leucócito – os eosinófilos, células sanguíneas derivadas da medula óssea. Weller cita de forma bastante modesta a pesquisa desenvolvida pelo pai, Thomas Weller, e relembra parcerias e projetos desenvolvidos com pesquisadores brasileiros. Seu laboratório serviu de “estágio” para diversos pós-doutorandos, inclusive para Rossana, que passou uma temporada em Harvard entre 2002 e 2005. A experiência foi extremamente produtiva. Rossana e Weller já produziram 23 artigos científicos em parceria e firmaram cooperação entre seus grupos de pesquisa. Ela se tornou professora visitante de Harvard em 2006, onde também atua como consultora em projetos financiados pelo NIH. Rossana Melo: Dr. Weller, você tem tido uma carreira científica produtiva, centrada no entendimento de mecanismos básicos de funcionamento de células humanas de defesa (leucócitos) em diferentes formas de inflamação. O que o levou a esta carreira? Peter F. Weller: Inicialmente, meu interesse científico estava relacionado com infecções humanas causadas por parasitas helmínticos (vermes) e a notável resposta imunológica do hospedeiro, caracterizada pelo número elevado de eosinófilos, desenvolvida contra estes parasitas. Como esta resposta dos eosinófilos aos vermes era a mesma observada em muitas doenças alérgicas, meu treinamento como médico em Harvard acabou incluindo as doenças infecciosas e as alérgicas. Posteriormente, como bolsista do National Institutes of Health (NIH), e estudando filariose humana no Sul do Pacífico, foquei meus trabalhos no entendimento de mecanismos básicos ligados à patogenicidade e, especialmente, sobre as funções de leucócitos humanos. Rossana: E o que você considera serem suas principais contribuições para a área? Weller: Minhas pesquisas sobre a filariose humana (doença parasitária crônica causada por vermes nematóides – filárias) identificaram habilidades ainda não conhecidas a respeito dos parasitas causadores da doença (Wuchereria bancrofti), como a capacidade de sintetizar moléculas envolvidas na sobrevivência destes patógenos. Em seguida, direcionei meus estudos na imunobiologia de eosinófilos. Em conjunto com muitos colaboradores, fomos os primeiros a demonstrar que eosinófilos secretam leucotrieno C4 (LTC4), molécula envolvida na inflamação; a identificar organelas

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

19


ENCONTROS POSSÍVEIS

celulares (corpúsculos lipídicos) com função de síntese de media-

as quais contribuíram substancialmente em estudos sobre a

dores inflamatórios; a demonstrar que eosinófilos humanos são

imunobiologia de eosinófilos. Você, Rossana, vem sendo, por

fonte de citocinas e que estas são pré-formadas em grânulos ci-

uma década, uma colaboradora com experiência e habilidade

toplasmáticos; e a elucidar mecanismos de secreção de citocinas

fantásticas em técnicas avançadas de microscopia eletrônica e

em eosinófilos. Demonstramos, ainda, que os grânulos intracelu-

imunocitoquímica. Os trabalhos desenvolvidos em parceria com

lares de eosinófilos, quando liberados extracelularmente, funcio-

o Grupo de Pesquisas em Biologia Celular da UFJF têm permitido

nam como organelas secretoras independentes, e que eosinófilos

entender mecanismos de inflamação até então desconhecidos,

atuam como células apresentadoras de antígenos.

relacionados com transporte vesicular, secreção de citocinas e corpúsculos lipídicos em eosinófilos humanos. Os resultados

“Os projetos em andamento com a UFJF incluem, também, estudos em modelos experimentais. Eu me sinto gratificado por ter me beneficiado das contribuições científicas de meus colegas brasileiros em meu laboratório e também reconheço a importância das contribuições geradas a partir de estudos em seus próprios laboratórios de origem para a ciência mundial”

vêm sendo publicados em revistas de excelência, de alto fator de impacto, como “Proceedings of the National Academy of Science of the United States of America (Pnas)”, “Blood” e “Faseb Journal”. Os projetos em andamento com a UFJF incluem, também, estudos em modelos experimentais. Eu me sinto gratificado por ter me beneficiado das contribuições científicas de meus colegas brasileiros em meu laboratório e também reconheço a importância das contribuições geradas a partir de estudos em seus próprios laboratórios de origem para a ciência mundial. Rossana: Para nós, cientistas, é mesmo fundamental a parceria, não só em função da troca de conhecimento mas, também, pela oportunidade de termos contato com técnicas mais avançadas,

(Peter F. Weller)

como no caso da tomografia eletrônica automatizada. Esta tecnologia permite estudar a organização interna das células em

Rossana: Realmente, o entendimento de aspectos básicos dos

três dimensões e em alta resolução, revelando com precisão

eosinófilos, ou seja, de sua estrutura e funcionamento, é cru-

dados sobre a arquitetura celular e permitindo entender melhor

cial para o tratamento de doenças inflamatórias, como, por

a atividade funcional das células e suas respostas em diferentes

exemplo, da asma, doença respiratória crônica, de causas não

situações, incluindo respostas a doenças. No caso dos nossos

completamente conhecidas, que afeta cerca de 235 milhões

estudos, a tomografia eletrônica permitiu entender como os

de pessoas no mundo, de acordo com a Organização Mundial

eosinófilos compartimentalizam seus estoques de citocinas e,

da Saúde (OMS). No passado, o papel dos eosinófilos parecia

posteriormente, mobilizam estas moléculas quando estimula-

ligado particularmente a doenças parasitárias. No entanto, a

dos em situações de inflamação. Os eosinófilos estocam deze-

associação frequente dessas células com inúmeras doenças

nas de moléculas em seus grânulos secretores, mas são capazes

despertou grande interesse no estudo de sua biologia. Tanto o

de selecionar qual molécula deve ser especificamente liberada

é que, em 1999, foi criada uma sociedade internacional, a Inter-

numa determinada resposta celular. Com a tomografia associa-

national Eosinophil Society (IES), focada exclusivamente neste

da a outras técnicas, como por exemplo, nanopartículas ligadas

tipo celular. Em relação aos trabalhos desenvolvidos em parce-

a anticorpos (imunonanogold), identificamos os compartimen-

ria com cientistas brasileiros, o que você pode nos dizer sobre

tos celulares onde estas moléculas são transportadas. Os dados

estas experiências?

obtidos por nossos estudos com a tomografia eletrônica, combinada a outras técnicas, resultaram em capas de duas revistas

Weller: Eu tenho sido particularmente afortunado em receber

internacionais, além de uma importante premiação na Suíça em

cientistas treinados no Brasil como parte de minha equipe

2004. A tomografia eletrônica já vem sendo usada pelo Gru-

de pesquisa. Estes cientistas vieram, inicialmente, como pós-

po de Pesquisas em Biologia Celular da UFJF por meio de uma

doutores

suas

parceira com o Centro de Microscopia da UFMG. Porém, a par-

reconhecimento

tir da implantação do nosso Centro de Microscopia Eletrônica,

e,

renomadas

posteriormente, carreiras,

com

deram

continuidade

trabalhos

de

às

Fundação

aprovado em proposta de financiamento da Finep, poderemos

Oswaldo Cruz) foi a primeira pós-doutoranda brasileira em meu

ter acesso à tomografia eletrônica na própria UFJF, o que será

laboratório e contribuiu com estudos inovadores sobre organelas

um grande ganho para toda a comunidade científica. Pela sua

inflamatórias (corpúsculos lipídicos) em leucócitos. Outros pós-

experiência, quais são ainda as barreiras encontradas no nosso

doutorandos

país para o avanço da pesquisa e para o reconhecimento na área

internacional.

Patrícia

brasileiros

Bozza

(pesquisadora

incluem

Christianne

da

Bandeira-Melo

(UFRJ), Sandra Rodrigues (Fiocruz) e Josiane Neves (UFRJ),

20

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

acadêmica e científica?


ENCONTROS POSSÍVEIS

FOTO: ROSSANA MELO

BOOKSTORE NA UNIVERSIDADE HARVARD

Weller: Os cientistas brasileiros com os quais eu tenho interagido

Weller: Os diversos agentes (patógenos) que causam doenças in-

são experimentalistas soberbamente e rigorosamente treinados.

fecciosas desenvolvem-se em seus hospedeiros mamíferos. Para

Assim como em qualquer país, inclusive o meu, nós precisamos

alguns deles, deficiências na resposta imune inata do hospedeiro

ter certeza de que nossos cientistas em formação terão apoio

levam estes patógenos a causar doenças. Para outros patógenos,

para suas carreiras acadêmicas e científicas. A excelência dos

a relação entre eles e as respostas imunes e inflamatórias do hos-

cientistas brasileiros e suas contribuições certamente irão asse-

pedeiro contribuem para a morbidade das doenças infecciosas.

gurar o reconhecimento crescente do país no contexto global da

Desta forma, o conhecimento de como as doenças infecciosas

ciência.

desencadeiam a resposta inflamatória do hospedeiro pode permitir o uso de novas metodologias para tratar as infecções em

Rossana: O Brasil é afetado por várias das principais doenças

humanos, incluindo o desenvolvimento de vacinas. Obviamente,

tropicais negligenciadas (neglected tropical diseases – NTDs)

é importante também enfatizar, em paralelo, melhorias relacio-

como a doença de Chagas, leishmaniose, esquistossomose e

nadas com controle dos vetores, medidas sanitárias e questões

dengue. Não existe vacina contra a maioria dessas doenças.

socioeconômicas.

Como os estudos envolvendo mecanismos básicos de inflamação podem contribuir para o entendimento e combate das

Rossana: Certamente, a pesquisa básica é fundamental para se

NTDs?

entender como as células do hospedeiro respondem a doenças infecciosas, ou seja, como as células do indivíduo infectado se

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

21


ENCONTROS POSSÍVEIS

comportam, quais os produtos que secretam, como elas intera-

Rossana: No ano passado, Peter Salovey, um dos líderes admi-

gem com os agentes infecciosos e como elas podem combater

nistrativos da Universidade Yale, visitou o Brasil à procura de

estes agentes. Infelizmente, a complexidade das respostas celu-

estudantes talentosos para estudar naquela universidade. Ele

lares do hospedeiro às NTDS constitui um grande desafio para

disse que “uma universidade global era prioridade de Yale”.

o desenvolvimento de vacinas. Veja como exemplo a doença de

Você acha que universidades tradicionais como Yale e Harvard

Chagas, causada pelo parasita Trypanosoma Cruzi. Mesmo após

estão mais devotadas ao processo de internacionalização?

mais de cem anos de sua descoberta (em 1909, pelo médico e cientista brasileiro Carlos Chagas, que descreveu em detalhes

Weller: Harvard sempre valorizou a presença de estudantes

o ciclo completo do parasita), ainda não temos um panorama

e pesquisadores internacionais, pois acredita na diversidade

completo dos mecanismos da doença, o que dificulta seu tra-

cultural como elemento de suma importância para o crescimento

tamento. Pesquisas do Grupo de Biologia Celular da UFJF têm

acadêmico. Com a emergência do interesse em saúde global e

contribuído para o entendimento sobre o funcionamento de cé-

outros problemas globais, como questões ecológicas, Harvard

lulas da primeira linha de defesa (macrófagos) geradas pelo or-

encontra-se totalmente focada em expandir oportunidades

ganismo contra a doença de Chagas. O Grupo tem também pes-

voltadas para a cooperação internacional.

quisado ativamente mecanismos básicos celulares em resposta a outras doenças infecciosas como tuberculose, leishmaniose,

Rossana: Realmente, a colaboração internacional é fundamental

esquistossomose e lepra. Projetos em andamento também têm

para encontrar soluções para problemas que desafiam o mundo.

como foco investigações sobre a interação parasita-hospedeiro-

Como pesquisadora e secretária de Relações Internacionais da

-meio ambiente, com o objetivo de se entender a doença no

UFJF não poderia deixar de ratificar que é impossível pensar

contexto ecológico. Por falar em pesquisa básica relacionada

em excelência acadêmica sem internacionalização. Conforme

a doenças infecciosas, comente sobre os estudos de seu pai,

vem sendo amplamente discutido no âmbito das instituições

Thomas Weller.

de ensino e pesquisa e, no momento, exaustivamente pelo Governo Federal (o Programa Ciência sem Fronteiras é um

Weller: Meu pai, com seus trabalhos envolvendo culturas do vírus

dos exemplos), um ambiente acadêmico com estudantes com

da poliomielite, ganhou o prêmio Nobel em Medicina e Fisiologia

diferentes experiências é enriquecedor. A internacionalização

em 1954 (em conjunto com John Enders e Frederick Robbins).

na UFJF já é uma realidade e vem sendo tratada como uma das

Seus estudos contribuíram para o desenvolvimento da vacina

principais estratégias de crescimento institucional. Obrigada,

antipólio que erradicou a doença das Américas. Meu pai tinha

Dr. Weller, pela entrevista. Eu e a UFJF nos sentimos honradas

grande interesse no estudo de doenças tropicais e, na qualidade

pela longa e produtiva parceria científica com o seu grupo.

de chefe do Departamento de Saúde Pública Tropical na Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard, estabeleceu, em 1970, um programa de colaboração em Salvador (BA), focado em estudos sobre a doença de Chagas e esquistossomose.

MAIS Rossana Melo editora do livro

“Light Microscopy: Methods and Protocols”, publicado pela editora Springer/Humana Press;

autora da obra

“Células

& Microscopia: Princípios Básicos e Práticas”, publicado pela UFJF; coordenadora do Projeto de Implantação do Centro de Microscopia Eletrônica na UFJF (Pro-Infra/Finep); faz parte da equipe do Núcleo em Microscopia e Microanálise de Alta Resolução dentro do Programa

Pronex, aprovado recentemente pela Fapemig; Orientadora de mestrado e doutorado na Fiocruz (Programa de Biologia Celular e

Molecular), na UFMG (Programa de Biologia Celular) e na UFJF (Programa de Ecologia) Além do extenso currículo já mencionado, Peter F. Weller é, ainda, editor do livro “Tropical Infectious Diseases: Principles, Pathogens, and

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Practice”, publicado pela editora Saunders, já em sua 3ª edição.

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012


SAÚDE

O uso médico (ou não) de substâncias psicoativas Mário Sérgio* Tudo se passa, em nosso estado de civilização industrial, como se,

Contudo, drogas não são apenas substâncias psicoativas de uso

tendo inventado alguma substância, inventassem, conforme suas

ilícito: nosso insuspeito cafezinho já foi proibido em alguns países

propriedades, uma doença que ela curasse, uma sede que ela pu-

e as substâncias de prescrição médica, como tranquilizantes e

desse aplacar, uma dor que ela abolisse. Inoculam-nos, portanto,

anfetaminas (inibidores do apetite) e certos analgésicos também

gostos e desejos que não têm raízes em nossa vida fisiológica

podem levar a uma Síndrome de Dependência.

profunda, mas que resultam de excitações psíquicas ou sensoriais deliberadamente infligidas. O homem moderno se embriaga de

Se o beber pesado e o uso de drogas ilícitas constituem uma

dissipação.

parte mais visível da cultura de nossos dias, os possíveis abusos também estão presentes na prescrição e utilização dos psicofár-

O parágrafo acima, escrito pelo poeta francês Valéry ainda em

macos — mediadas pela pressão da demanda, frequentemente

1935, resume belissimamente este movimento de busca do prazer

comprometida pelo viés de interesses inconfessos. Ainda que a

e/ou evitação do sofrimento, que parece hoje acentuado. Sempre

ciência possa ser vivida, ou vendida, como qualquer outra mer-

traduzidas e exploradas por diferentes campos tecnológicos, as

cadoria à disposição do mercado, parece razoável supor que sua

novas utopias permitem aos cidadãos sonharem com o preenchi-

aplicação à saúde humana deveria associar-se a um conhecimen-

mento de suas, cada vez mais exigentes, demandas. Dos bens de

to eticamente bem fundamentado e metodologicamente bem

consumo à estética, dos esportes à política, nossa sociabilidade

produzido. No entanto, a racionalidade e a moralidade dominan-

está fortemente marcada pela dissipação acima de tudo.

tes parecem conduzir a uma atualizada versão do “Pai Nosso”: dai-nos hoje o Diazepan nosso de cada dia!

Neste contexto, a produção, a circulação e o consumo de substâncias psicoativas têm merecido destaque na mídia, em especial

Um evidente contraponto ao hedonismo culturalmente dominan-

pela violência associada às chamadas drogas ilícitas. Todavia,

te foi expresso pela personagem Lóri, de Clarice Lispecto, em

costuma ser esquecido que o uso de drogas — ou melhor dito, de

“Livro dos Prazeres: Uma Aprendizagem”:

substâncias psicoativas —, sempre se associou a diferentes ritos culturais, que incluem desde comportamentos vinculados aos

Lóri achava que estava certo o estado de gra-

prazeres físicos e eróticos até práticas mais típica e caracteristi-

ça não nos ser dado frequentemente. Se fosse,

camente religiosas.

(...) perderíamos a linguagem em comum.

Em especial nas últimas décadas, a crescente oferta de psicoati-

(...) E se aparecesse mais amiúdo Lóri tinha certeza de que

vos se associou a processos sociais de natureza diversa, dentre os

abusaria: passaria a querer viver permanentemente em graça.

quais os movimentos migratórios e a urbanização acelerada, os

E isto representaria uma fuga imperdoável ao destino humano,

movimentos hippie e yuppie e, mais recentemente, o hedonismo

que era feito de luta e sofrimento e perplexidade e alegrias.

de mercado, tal como observado entre frequentadores das raves. * Psiquiatra; professor associado do Departamento de Clínica Médica da UFJF; doutor em Filosofia; coordenador do Laboratório de Pesquisas em Personalidade, Álcool e Drogas (Lappda-UFJF)

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

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A L É M D A PA L AV R A

Eu olho uma coisa e vejo outra Sandra Sato*

E

u não sei desenhar. Já fiz aulas, consegui colocar

Venho de uma escola das palavras. Minha formação acadêmica

algo sobre o papel, mas sei que não sei desenhar.

deriva das letras e tenho na redação um ganha-pão desde o

Dos artistas que conheço e admiro eu invejo a

meu primeiro emprego, há exatos 30 anos. Desta combinação

sofisticação de abstrair para enxergar e se expressar

entre a minha maneira de ver as coisas e a convivência com as

bidimensionalmente. Essa é uma habilidade adquirida que em

palavras, descobri nas artes plásticas um idioma no qual busco

algumas pessoas é tão natural que parece fisiológico. Em mim

fluência porque é uma alternativa eficiente para me comunicar.

seria um esforço que pesaria na mão e doeria nos olhos. Penso

Sou péssima para contar piadas, mas dizem que minha ironia faz

que isso reafirma minha escolha pelas formas tridimensionais.

sentido quando componho um objeto. Falo muito, mas consigo ser direta quando crio formas.

O meu olhar no processo de criação se dá por outro caminho. Ao invés de ver uma imagem tridimensional e traduzi-la para um

Fiquei feliz com esta oportunidade de contar tudo isso, justa-

plano 2D, como fazem desenhistas e pintores, eu olho uma coisa

mente agora. É que neste momento resgato minhas origens nas

e vejo outra. A partir de uma figura humana enxergo um objeto,

artes plásticas, retomando as pesquisas sobre cerâmica, que foi a

em um conjunto vejo uma unidade, imagino uma forma no lugar

primeira referência a me seduzir. É que a cerâmica sofre, eu diria,

de outra, altero proporções. Então transformo potes de vidro em

de “múltipla personalidade”. É um material pré-histórico, dos pri-

lagartas, cavaletes em sofás, madeira em vidro, frases em objetos.

meiros utilizados pelo homem para exercer seu raciocínio e aten-

Esses produtos são derivados do olhar intuitivo, mas ruminados

de, ao mesmo tempo, a tecnologias de vanguarda em pesquisas

antes de tomar forma, pois sou refém do princípio de que o

espaciais. Cobre o telhado das casas e é exposto em museus de

raciocínio deve agir sobre as ideias espontâneas em qualquer

história e galerias de arte contemporânea. Assume praticamente

processo de criação.

qualquer forma a partir do estado líquido, de massa ou de pedra e, em qualquer dessas fases, pode ser reciclado. Também se reci-

É que desconfio da “inspiração pura”. O pintor Décio Bracher

cla conceitualmente.

outro dia leu a minha mão e disse: “Você é Razão, sem frescura”. Foi uma das coisas mais verdadeiras que alguém já usou para me

Para mim, isso é uma metáfora. É como se o barro, ao se adaptar a

descrever. Era a primeira vez que ele falava comigo e ouso já me

todas essas circunstâncias, aproveitasse todas as oportunidades,

sentir amiga dele por isso.

graças a sua simplicidade e acessibilidade.

Engraçado que falar sobre processo de criação é, em si,

O que aconteceria se fôssemos assim?

um processo de criação. Porque nós pensamos sobre o não constumamos pensar, pensamos sobre o pensar. E isso é outro exercício maravilhoso, representa aprimoramento pela autoavaliação. Por isso, a minha atração por espelhos e reflexos, cada vez mais presentes nas coisas que construo.

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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012


A L É M D A PA L AV R A

FOTO: JOÃO PAULO OLIVEIRA

* Educadora do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm), mestre em Teoria da Literatura pela UFJF e doutoranda em Poéticas Visuais pela Universidade de São Paulo (USP) A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

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FEMININO

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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012


FEMININO

Devastação do Feminino Regina Castelo*

C

onsideramos que o feminino, fonte de inquietação

Se consideramos que, em Psicanálise, o feminino é um conceito

inesgotável para Sigmund Freud, o

fundador da

fundamental apontando para a falta que não pode ser represen-

Psicanálise, foi fundamental na criação de sua teoria

tada, para Malvine Zalcberg (2002), a incompletude do feminino

revolucionária, a ponto de cogitarmos que ele não a

não está, em absoluto, centrada em “menos”, através do qual cos-

teria criado sem a “amável” contribuição das mulheres, sobre-

tumava-se definir a mulher. Pelo contrário, o que está em questão

tudo, das histéricas, como bem analisa Colette Soler (2006), em

é um “não todo”. Dessa forma, visitado por mulheres ou homens,

seu texto introdutório de “O que Lacan dizia sobre as mulheres”.

o feminino é um lugar ilimitado.

Desse modo, para que possamos introduzir uma reflexão sobre o feminino, na Psicanálise, é imprescindível que retomemos o refe-

A falta como prerrogativa do feminino e inerente à condição de

rencial teórico psicanalítico e, como este anunciou, tanto a emer-

ser humano cria, já de antemão, impasses diante de qualquer ten-

gência desse conceito quanto suas nuances epistemológicas.

tativa de encerrar esse conceito, de confiná-lo em um lugar, como num dicionário da língua materna, por exemplo. Tal tentativa seria

A marca radical que distingue o discurso psicanalítico do discurso

inglória, na medida em que o feminino escapa por completo do

científico e de tantos outros saberes é o ancoramento da Psicaná-

dizível, cabendo-lhe uma categoria de “sem registro”. Aludindo

lise situado no registro do desejo, e este, como efeito da falta. Isso

à obscuridade impenetrável do conceito, Freud denominou a

pode parecer óbvio, na medida em que não se pode desejar o que

feminilidade como “continente negro”.

se tem: só se quer o que não se possui. Assim sendo, essa falta a que o ser humano está, inexorável e irremediavelmente subme-

Sem muito argumento e sem retórica que possa dizer sobre esse

tido é, de acordo com nossa reflexão, o que mais nos representa

indizível, propomos, nesta reflexão, o tal lugar como um “estado

como seres humanos que somos.

da subjetividade” visitada tanto por homens – especialmente em A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

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FEMININO

tempos atuais – quanto por mulheres, desde os tempos da doce e

tância oriunda da mãe, algo que não é apresentado atualiza-se

sedutora Eva, aquela que deixou como herança às outras as do-

pela vida afora através de acordos amorosos traçados pelos de-

res do parto e o apego ao seu homem. Por isso haveria de sofrer,

vastados. Mulheres, e nesta atualidade, homens devastados, nos

afinal, foi responsável pela expulsão do casal do jardim do Éden.

são apresentados.

É importante ressaltar que, para a Psicanálise, a subjetividade

Nascidos em “terras arrasadas”, desprovidos de “tal” substância,

em questão não é aquela apresentada no século iluminado que

poderíamos refletir sobre um espaço árido nas relações afetuo-

se primou pela razão. Contrariamente, a Psicanálise aponta, no

sas neste contemporâneo, consequência talvez, quem sabe, desta

rigor de seu objeto, para o não sabido, para uma razão outra des-

transmissão, sempre malograda, “fadada à perdição”, como pro-

conhecida pelo cogito.

põe Malvine Zalcberg, a qual uma mulher está sujeita sempre em seu processo de “tornar-se mulher”.

O feminino, portanto, quando interrogado, refere-se, entre outros aspectos, às mulheres, aos gêneros, ao processo de sexuação.

Sigmund Freud propôs o termo catástrofe para referir-se ao epi-

Enfim, há um leque de dizeres sobre o feminino, embora, naquilo

sódio frequente na relação mãe e filha, e como proposto nesta

que o conceito abrange, não se possa dizer tudo. O que podería-

reflexão, na contemporaneidade, também verificado na relação

mos supor da condição do feminino, já que, contemporaneamen-

mãe e filho, quando uma mãe não pode viver-se como mãe e

te, subjaz um estado de devastação?

como mulher, sem abdicar de nenhum desses dois aspectos pelos quais sua feminilidade se constitui e é transmitida.

Estar devastado, como propõe este artigo, ou estar deslocado, como propõe a psicanalista Maria Rita Kehl (2008), quando inves-

Nas mudanças operadas nas relações familiares, as conquistas e

tiga as relações da mulher com a feminilidade, seus ajustes e de-

avanços em campos inimagináveis pela mulher contemporânea

sajustes produzidos pelo campo cultural, já não mais importa, na

adicionaram a esta tarefa de mulher-mãe extrema complexidade.

medida em que o feminino não é o mesmo. Ele já não está ligado às condições específicas que davam à mulher a condição dessa

A devastação do feminino sem dúvida reordena a atualidade,

falta. A mulher de hoje não é mais a mulher do tempo de Freud.

instala-se como paradigma na medida em que edita novas formas de ser sujeito, este, sempre efeito do amor.

Dessa forma, nesta sociedade narcísica da qual fazemos parte, o feminino talvez já não se refira mais, quem sabe, a uma “falta a ser”. Estaríamos presenciando uma etapa “tudo ser e tudo ter”, que devastou a “falta a ser”, justo ela que nos coloca na ordem desejante? A devastação é um conceito, enquanto da Psicanálise, apresentado e desenvolvido por Jacques Lacan, no texto “O aturdito”, e diz respeito, como destaca, à relação mãe e filha. Constitui-se “na mulher em sua maioria” e na relação com a mãe, de quem “como mulher ela parece esperar mais substância do que do pai”. Devastação, ou seja, “terra arrasada”, levaria, por consequência, à reedição de relações amorosas devastadoras. Na falta da subs-

* Professora convidada do Programa de Pós-graduação em Psicanálise: Subjetividade e Cultura da UFJF

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MEIO AMBIENTE

RESULTADOS INDICAM QUE O DESTINO MIGRATÓRIO DESSA ESPÉCIE SÃO AS ILHAS GEÓRGIA DO SUL E SANDWICH DO SUL. PROJETO ANTÁRTICO BRASILEIRO CONVIDOU PESQUISADORES A FAZEREM PARTE DA MARCAÇÃO DE BALEIAS NA ANTÁRTICA BÁRBARA DUQUE | repórter

A

cada inverno e boa parte da primavera, o litoral

Com o risco de extinção iminente – no século XX, só no litoral

brasileiro é refúgio obrigatório das baleias Jubarte,

Nordeste do Brasil 35 mil baleias foram mortas, até 1986, quando

mais especificamente no Banco dos Abrolhos,

foi instituída moratória da caça comercial por prazo indeterminado

ao largo do Sul do Estado da Bahia. A passagem

– mapear seus hábitos ajudaria a discutir o problema permitindo

desse cetáceo já era do conhecimento dos nossos especialistas.

protegê-las de seus algozes. O avanço da tecnologia propiciou

Mas o desafio de saber exatamente qual é o destino desses

um monitoramento ainda mais refinado, dando uma noção mais

mamíferos aquáticos e a trajetória de migração para, assim,

precisa sobre o comportamento desses cetáceos.

preservar a espécie, começa a ser desvendado por um grupo de pesquisadores do Instituto Aqualie, no intitulado Projeto de

Evitar a acelerada marcha da extinção é o principal motivador

Monitoramento de Baleias por Satélite (PMBS).

dos naturalistas contemporâneos e embarcar em uma aventura

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

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FOTO: LUCIANO CANDISANE / ARQUIVO INSTITUTO AQUALIE

Pesquisadores monitoram por satélite a rota das baleias Jubarte no litoral brasileiro


MEIO AMBIENTE

humana em busca do conhecimento científico parecia a única

PRIMEIRA MISSÃO

maneira de salvar essas espécies. Estudos já mostravam que

No mesmo ano a equipe partiu para a primeira missão,

a maior concentração de baleias da espécie Jubarte ocorria

conseguindo marcar somente um animal. O transmissor parou de

no Banco dos Abrolhos, cerca de 85% da sua população, já as

funcionar e nenhum sinal via satélite foi emitido. Mesmo com o

rotas de migração e áreas de alimentação eram praticamente

resultado pífio, a equipe chegou a algumas conclusões, facilitando

desconhecidas. É estimado que existam hoje no litoral brasileiro

os futuros trabalhos. Os relatórios incentivaram a multinacional

aproximadamente 17 mil cetáceos. Cada animal pode alcançar

a continuar investindo. No segundo ano, a expedição marcou

16m e mais de 40kg.

oito baleias, como previsto, porém, devido a um problema na bateria, apenas um transmissor emitiu sinal. Somente no terceiro

Era preciso, então, investir em um sistema que permitisse detectar

ano, ainda com o mesmo patrocínio, baseados em Conceição

os locais críticos por onde passam as baleias, avaliar o impacto

da Barra (ES), foi que os pesquisadores conseguiram marcar 11

humano na vida desses animais e em seu habitat para viabilizar a

baleias. Aparelhos funcionando perfeitamente, traçaram pelo

criação de mecanismos de proteção. O único processo conhecido

computador a primeira linha mostrando o percurso de migração

pelos pesquisadores capaz de solucionar tais questões seria a

das baleias Jubarte. A linha saía da região do Banco dos Abrolhos

Metodologia de Telemetria Satelital (MTS).

e ia até o Oceano Antártico. O fato assinalou uma série de novas descobertas sobre a vida dessas baleias.

Em 2001, os pesquisadores Artur Andriolo, Alexandre Zerbini e José Luis Pizzorno desenvolveram um projeto de dez páginas para apresentar a possíveis patrocinadores, pois os custos da MTS são muito altos. Para Andriolo, professor Associado do Departamento de Zoologia, especialista em Comportamento Animal e orientador nos programas de Pós-graduação em Comportamento e Biologia Animal e Ecologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a telemetria satelital, já desenvolvida na Dinamarca e nos Estados Unidos, seria a única maneira possível de esclarecer com precisão a real rota das baleias. Não houve problema para que, rapidamente, conseguissem patrocínio da Shell Brasil, que acreditou no projeto e na credibilidade dos profissionais envolvidos. Vislumbrando que investir nesse estudo poderia identificar, também, quais os possíveis impactos das atividades da indústria do petróleo no comportamento e nas rotas migratórias dos animais.

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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

O grande desafio é conseguir implantar corretamente os dispositivos na pele desses gigantes aquáticos. O pequeno radiotransmissor automático de 250g deve ser implantado bem abaixo da nadadeira dorsal, e é importante que não fique submerso, quando a baleia sai da água para respirar, para não impedir o envio de informações aos satélites


MEIO AMBIENTE

TELEMETRIA SATELITAL

transmissor automático de 250g deve ser implantado bem abaixo

A Metodologia de Telemetria Satelital permite acompanhar, quase

da nadadeira dorsal, e é importante que não fique submerso,

em tempo real, o movimento dos animais, os quais carregam

quando este sai da água para respirar, para não impedir o envio

no corpo pequenos transmissores que emitem sinais de rádio

de informações aos satélites.

captados pelos satélites localizados a quilômetros de distância da Terra. Os sinais são processados e convertidos em coordenadas

Devido ao porte da Jubarte, é preciso utilizar técnicas avançadas

geográficas, transmitidas às estações receptoras e, por fim,

de

disponibilizadas para os pesquisadores via internet. A telemetria

instrumentos. Um deles é a haste de Villum, feita de fibra de vidro

possibilita o acesso, de forma mais eficiente, a dados inéditos

ou carbono com aproximadamente 8m. O transmissor fica preso

sobre os hábitos desses animais, informações antes impossíveis

na ponta dessa vara e o responsável pela marcação deve ficar a, no

de se ter acesso.

marcação.

Os

pesquisadores

do

PMBS

utilizam

três

máximo, 5m do animal. Outro método é o Air Rocket Transmitting System (Arts), sistema de ar comprimido semelhante a um rifle

O grande desafio é conseguir implantar corretamente esses

que pode ser usado a uma distância maior. Por fim, a balestra, que

dispositivos na pele desses gigantes aquáticos. O pequeno

consiste no lançamento de flechas levando transmissores e pode

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

FOTO: LUCIANO CANDISANE / ARQUIVO INSTITUTO AQUALIE

A tripulação “persegue” a baleia em uma lancha, atenta aos borrifos condensação da expiração - evidência de sua presença. Preso em uma plataforma fixada na frente do bote, o pesquisador, chamado de marcador, fica parado onde, possivelmente, a baleia voltará a subir, após ficar até 30 minutos sem respirar. Carregando a lança de marcação, o pesquisador, seguro por um cinto com quatro cabos presos ao assoalho da embarcação, tem que ser preciso em seu lançamento, em um ângulo de 90 graus do corpo da baleia

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MEIO AMBIENTE

FOTO: MÁRIO ÂNGELO / ARQUIVO INSTITUTO AQUALIE

ser usada a distâncias de quatro a dez metros. Os transmissores são presos ao tecido das baleias por pequenas garras feitas de inox ou titânio cirúrgico para minimizar o risco de infecção e rejeição. Fixado em condições ideais, os transmissores podem ficar presos por mais de 205 dias e com o tempo são expelidos pelo organismo. O pequeno aparelho envia sinais de rádio em direção ao satélite em

períodos

pré-programados.

Dessa

forma,

os

satélites

geoestacionários calculam a posição exata do transmissor, portanto, do animal que o carrega. A partir desses dados, dessas coordenadas, é possível saber com precisão a rota seguida pelas baleias. As expedições para a marcação das baleias no oceano intercalam períodos de grande espera e trabalho árduo, tanto em mar quanto em terra. Normalmente, os pesquisadores partem para a busca em uma lancha oceânica e dois botes. Neste procedimento é fundamental a utilização de botes infláveis e estáveis, rápidos o suficiente para o sucesso da perseguição. A escolha por pesquisar os hábitos da espécie Jubarte se deu em função de ter sido uma baleia muito caçada no Brasil. Colaborou também o fato de ser um animal costeiro e subir constantemente à superfície, características que facilitam sua visualização e a colocação dos transmissores, viabilizando o trabalho. Foram feitos,

além

das

marcações,

estudos

de

comportamento,

bioacústica e fotoidentificação, criando um banco de imagens dos animais marcados com os transmissores. A capacidade de organização e formação de equipe possibilitou ao grupo desenvolver métodos de trabalho muito eficientes, conseguindo marcar o maior número de baleias no menor espaço de tempo possível. Para desenvolver o projeto, além dos

pesquisadores

especialistas,

fazem

parte

alunos

de

iniciação científica e pós-graduandos da UFJF, como é o caso dos doutorandos Luiz Cláudio Alves e Natália dos Santos Mamede e a mestranda Franciele Castro. “Poder participar de um projeto tão especial como este é fascinante, claro que passamos por dificuldades no início, mas com o incentivo dos profissionais envolvidos, conseguimos contribuir para aumentar o conhecimento e a conservação dos animais que tanto nos instigam”, ressalta Franciele.

RESULTADOS Os resultados indicam que o destino migratório das baleias é próximo à região das Ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul – territórios britânicos ultramarinos que correspondem a parte do arco de ilhas que ligam a América do Sul à Antártida – onde se alimentam. Descrever pela primeira vez na história a trajetória de migração das Jubartes que se reproduzem na costa brasileira

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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

ARTHUR ANDRIOLO TRABALHA NO PROJETO DESDE 2001

auxiliou a Comissão Internacional da Baleia (IWC - sigla em inglês) a completar a avaliação populacional dessas espécies no hemisfério sul. Além disso, a partir dos resultados obtidos nesse estudo, o Projeto Antártico Brasileiro convidou os pesquisadores PMBS a fazerem parte da marcação de baleias na Antártica. Com as trajetórias traçadas, o objetivo, agora, é refinar a pesquisa definindo onde, de fato, começa o processo migratório, por exemplo; ampliar o estudo até o Norte do país, mapeando um território maior; definir quais os principais fatores que influenciam tais rotas; e aproveitar essa metodologia, toda desenvolvida pelo grupo, para pesquisar os hábitos de outras baleias de grande porte. Para isso, é necessário continuar atraindo recursos de diferentes fontes. Uma possibilidade é que o projeto seja mantido pela Agência Nacional do Petróleo, que já manifestou grande interesse pelo trabalho.


MEIO AMBIENTE

ROTA NO LITORAL BRASILEIRO A população de baleias Jubarte, que se reproduz no Brasil, chega ao nosso litoral no inverno, normalmente em junho. Espécies jovens de ambos os sexos e os machos adultos chegam antes, sendo seguidos pelas fêmeas no período reprodutivo e, por último, as gestantes. A maior incidência de baleias ocorre em agosto e setembro. No final desse período, grande parte dos animais começa a migrar de volta para as áreas de alimentação. As últimas a partir são as fêmeas com os filhotes, que ficam no litoral brasileiro até dezembro ou janeiro. A principal área de reprodução das Jubartes no Atlântico Sul Ocidental é o Arquipélago do Banco dos Abrolhos, na costa do Espírito Santo e da Bahia, mas é possível encontrá-las desde o Rio Grande do Norte até o Rio de Janeiro. Recentemente, Jubartes foram vistas até o litoral Norte do país (Ceará, Piauí e Maranhão) e também próximo às ilhas oceânicas (Arquipélago de Fernando de Noronha, Trindade, Martim Vaz e rochedos de São Paulo e São Pedro)

MAIS Arthur Andriolo Professor associado do Departamento de Zoologia, especialista em Comportamento Animal e orientador nos Programas de Pós-graduação em

Comportamento e Biologia Animal e Ecologia da UFJF

Saiba mais: http://www.ufjf.br/comportamento http://www.ufjf.br/ecologia http://www.aqualie.org.br

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

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INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Número de egressos da Iniciação Científica na Pós-graduação leva a UFJF ao 1º lugar entre as instituições do país PROGRAMAS INSTITUCIONAIS FOMENTAM A PESQUISA ACADÊMICA, INVESTINDO NA FORMAÇÃO DE JOVENS CIENTISTAS FOCADOS NA GERAÇÃO E NO DOMÍNIO DO CONHECIMENTO

ROBERTO PEDROSO DIAS E ROBERTO MARCHESINI EM UM DOS LABORATÓRIOS DA UFJF

BÁRBARA DUQUE | repórter

I

nvestir na ciência e na popularização do conhecimento avan-

O incentivo prematuro de talentos potenciais ajuda a despertar

çado é um fator social de maior importância para um país

para a vocação científica, sofisticando sua análise crítica, maturi-

que pretende avançar na economia mundial. Não se pensa

dade intelectual, compreensão da ciência e possibilidades futuras

em inovação, em desenvolver novos produtos, com maior va-

tanto acadêmicas como profissionais. Isso faz toda a diferença

lor agregado, sem um planejamento para formação de cientistas

em um mundo movido pela economia do conhecimento, no qual

com um saber sistematizado, que tire o país da subordinação dos

aquele que sabe vence o que não sabe e, não mais, o grande ven-

países detentores do conhecimento, do saber e, principalmente,

ce o pequeno.

do controle da propriedade intelectual.

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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012


INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Em 2011, dentre os Destaques do Ano na Iniciação Científica pelo

ciação Científica da UFJF (Provoque). O estudante que permane-

CNPq, a UFJF conquistou o prêmio na categoria Mérito Institucio-

cer no projeto por, no mínimo, seis meses, e cumprir as exigências

nal, por ser a Instituição com maior índice de egressos do Pro-

do Programa tem direito a certificado. O cumprimento das tarefas

grama Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) que

desses programas não pode prejudicar as obrigações discentes.

concluíram Mestrados e Doutorados reconhecidos pela Capes. Esse fato demonstra a relevância nacional das estratégias da UFJF

Ampliando a proposta de incentivar precocemente o gosto pela

em priorizar a iniciação científica como agente de transformação

pesquisa nos jovens estudantes, foi criado o Programa Institu-

da qualidade acadêmica”, ressalta a pró-reitora de Pesquisa, Mar-

cional de Bolsas de Iniciação Científica Júnior Fapemig/UFJF

ta d’Agosto. São diversos programas institucionais de incentivo

(Probic-Jr). O objetivo é incluir estudantes do ensino médio de

à investigação, sendo dez com bolsas e um voluntário, cada um

escolas estaduais e federais nos projetos de pesquisa de res-

com uma fonte financiadora distinta.

ponsabilidade de um professor orientador da UFJF. Cada aluno contemplado recebe uma bolsa remunerada com vigência de dez

Todas essas iniciativas possuem a finalidade de propiciar ao es-

meses e vale-transporte e, neste período, deverá cumprir oito ho-

tudante condições para que este se dedique à pesquisa, à qualifi-

ras de trabalho semanais.

cação, participando ativamente de projetos com cunho científico e tecnológico. “Na Iniciação Científica recebi as primeiras lições,

Segundo o gerente do Probic-Jr, Celso Bandeira de Melo Ribeiro,

ritos e técnicas da ciência. Vivenciei, neste período, no labora-

este programa possibilita aproximar a Universidade das escolas,

tório, a ‘indissolubilidade ensino-pesquisa’. Os benefícios eram

contribuindo para a formação de recursos humanos e criando

evidentes, desde então. Quando iniciei a IC despertaram em mim

perspectivas de uma pesquisa contínua e integrada, dando a

algumas habilidades e, principalmente, a necessidade de buscar

oportunidade de o aluno atuar em projetos de pesquisa desde

algo por mim mesmo”, comenta Roberto Pedroso Dias, que parti-

a educação do ensino médio, passando pela graduação e pós-

cipou da IC na UFJF, no curso de Biologia, e hoje está finalizando

graduação.

o doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, no próximo mês, retorna à UFJF como pós-doutorando pelo Pro-

“O Programa possui também um importante viés social, criando

grama Nacional de Pós-doutorado Institucional da Coordenação

possibilidades para a realização de parcerias entre a Universidade

de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

e as escolas. Nele, o aluno do ensino médio é estimulado a apreciar a pesquisa. O bolsista passa a conhecer o ambiente universi-

Opinião semelhante tem Roberto Marchesini sobre a importân-

tário e atuar como agente multiplicador na sua escola, passando

cia de iniciar precocemente a pesquisa científica. Marchesini é

sua experiência aos colegas, o que instiga outros estudantes a

estudante de graduação da UFJF e trabalha no mesmo projeto

desenvolverem trabalhos semelhantes, ampliando o pensamento

que Pedroso Dias. “Quando comecei na Iniciação Científica ainda

para novas possibilidades”, reforça Bandeira.

não tinha experiência, mas no laboratório de Protozoologia temos contato com doutorandos, mestrandos e graduandos mais expe-

As vantagens da IC são diversas. A possibilidade de fugir da ro-

rientes. O convívio diário com estudantes de diferentes níveis de

tina curricular desenvolve nos alunos capacidades diferenciadas

formação é essencial para uma boa formação científica.”

como aprender a ler bibliografia de forma crítica, distinguindo textos mais bem fundamentados, além de familiarizar com fontes

PROGRAMAS NA UFJF

de referências. O estudante que inicia sua pesquisa na graduação,

O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da

ou mesmo antes disso, aprende a ter mais autonomia, a perder o

UFJF (BIC), além de outros de apoio à pesquisa, conta com recur-

medo diante das dificuldades, desenvolve melhor a capacidade

sos orçamentários da própria instituição, objetivando propiciar

de falar em público. Todas essas características propiciam, geral-

maior articulação entre a graduação e a pós-graduação. Finan-

mente, um melhor desempenho na seleção para a pós-graduação

ciado pelo CNPq, o Pibic concede cota de bolsas determinadas a

e terminam a conclusão mais rápida do processo de titulação.

cada instituição de ensino e pesquisa. Já no Programa Institucio-

Mesmo aqueles que optam pelo exercício profissional, fatalmente

nal de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica Fapemig/UFJF

usufruem de melhor capacidade de análise crítica, de maturidade

(Probic), que visa estimular nos graduandos a vocação pelo saber

intelectual e discernimento para enfrentar dificuldades.

científico e tecnológico, as bolsas são destinadas a atender os projetos vinculados à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Em conjunto com os editais do BIC e Pibic, são solicitados alunos para suprir as vagas do Programa Institucional Voluntário de Ini-

MAIS Iniciação Científica UFJF http://www.ufjf.br/propesq/iniciacao-cientifica

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

35


FÍSICA

De olho no futuro da humanidade, cientistas buscam explicações na origem do Universo NA UFJF, O FÍSICO GIL DE OLIVEIRA NETO DESENVOLVE PESQUISAS EM COSMOLOGIA QUÂNTICA, TRABALHANDO EM POSSÍVEIS CAUSAS PARA O FENÔMENO DA EXPANSÃO ACELERADA DO UNIVERSO

BÁRBARA DUQUE | repórter

O

bservar os fenômenos naturais e explorar o espaço

Astrometria

de

Posição,

Mecânica

Celeste

e

Astrofísica,

exerce um fascínio no homem há milhões de anos.

juntamente com a Cosmologia, compõem esse elaborado ramo

Pensadores de todas as eras já se atreveram a

da ciência. Devemos, aqui, nos ater à última área mencionada, a

descrever a história do Universo, criando teorias

Cosmologia, que, baseada em observações, estuda a estrutura, a

evolucionistas, tentando, assim, prever seu destino mais provável.

evolução e a composição do Universo como um todo.

Aos poucos, as experiências foram provando que não deveríamos

Como parte da ciência moderna, a Cosmologia é baseada em

nos ater aos porquês do processo, e sim, ao como. Pela

observações. Os dados podem ser colhidos ou pelos diversos

composição de diversas áreas da ciência, o grande quebra-cabeça

aparelhos, como telescópios e rádio telescópios posicionados

da evolução, aos poucos, vem sendo montado. A astronomia

na Terra, ou do espaço, pelos satélites artificiais em órbitas ao

exerce, sem dúvida, um papel protagonista no desfolhar desse

redor do planeta. Os satélites captam a radiação eletromagnética

mistério existencial.

proveniente do espaço, em diferentes comprimentos de ondas,

Conhecimento Científico na linha do tempo: Sucessões e rupturas

36 36

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

ARISTÓTELES (384

A .C.

A 322

A .C.)

Desenvolveu suas teorias baseadas nos quatro elementos: água, terra, fogo e ar. Detalhou a relação entre esses elementos, suas dinâmicas, como eles impactaram na Terra e como eles eram, em muitos casos, atraídos entre si por forças não específicas

GALILEU GALILEI (1564 A 1642)

Construiu a primeira luneta astronômica e com ela observou a Via Láctea, os satélites de Júpiter, as manchas do Sol e as fases de Vênus. Achados astronômicos que embasaram a afirmação de Copérnico sobre a teoria heliocêntrica


FÍSICA

possibilitando atingir, hoje, um nível de elaboração teórico

O paradigma newtoniano foi ultrapassado no início do século XX

bastante elevado.

com a teoria da Relatividade Geral. Segundo essa nova teoria, um corpo muito massivo deforma o espaço em sua volta, assim

Um dos maiores avanços para esta ciência foi a formulação da

um segundo corpo se propagando nessa região é atraído. A luz

lei da gravitação, interação fundamental mais importante para

quando se propaga tem energia, portanto massa. Desta forma, ao

representar a dinâmica da matéria no Universo. Para explicar

invés de seguir em uma linha reta, nas proximidades de um corpo

tal fenômeno, a teoria mais aceita, hoje em dia, é a Relatividade

massivo, ela faz uma curva.

Geral (RG), formulada pelo físico alemão Albert Einstein, em 1916. Assim, os modelos cosmológicos são pensados em termos dessa elaborada teoria.

EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO É comum definir o início do pensamento científico no século IV a.C., com os conceitos “metafísicos”, eminentemente qualitativos e fundamentados em princípios filosóficos desenvolvidos por Aristóteles. Ideias essas que prevaleceram por mais de dois mil anos até a ciência moderna, estruturada sobre uma combinação de empirismo e fórmulas matemáticas, iniciada com o físico inglês Isaac Newton, no século XVII. Um

Universo

rigidamente

ordenado

segundo

critérios

metafísicos foi substituído por um novo Cosmos regido pela

Desenvolver teorias mais simples e consistentes é o principal desafio dos físicos que buscam desvendar os mistérios do Universo, desde o nascimento, passando por sua evolução, até seu fim. Grandes pensadores marcaram a história com descobertas que mudaram o rumo da humanidade

causalidade mecânica, expressa por meio de leis matemáticas, e completamente destituído de conceitos como finalidade e valor.

Este foi um grande salto para a compreensão da evolução, dando

A revolução introduzida por Copérnico ultrapassou os limites da

suporte para que outros físicos pudessem avançar nessa linha

astronomia, promovendo uma transformação do pensamento

do tempo, agregando dados a esta elaborada equação. Baseado

científico que conduziu ao nascimento da física de Isaac Newton,

nesse novo quadro, teorias avançadas sobre a origem do universo

estabelecendo que o Universo é regido por leis matemáticas

puderam ser descritas. A mais importante delas é a teoria do Big

imutáveis.

Bang, aceita até hoje como a melhor explicação para o início do Universo.

ISAAC NEWTON (1642 A 1727)

Desenvolveu as Três Leis Fundamentais da Mecânica e a Teoria da Gravitação Universal. Com essa última foi capaz de unificar fenômenos tão distintos, como o movimento orbital da Lua ao redor da Terra, dos planetas e cometas ao redor do Sol e o movimento das marés na Terra

ALBERT EINSTEIN (1879 A 1955)

Mostrou que massa é equivalente a energia e a luz é composta de partículas chamadas de fótons. Culminou com sua teoria da gravitação, denominada Relatividade Geral, na qual o espaço é encurvado pela presença de matéria e as partículas seguem trajetórias nesse espaço curvo

PAUL DIRAC (1902 – 1984)

Responsável pela equação de Dirac, a qual descreve, com sucesso, partículas elementares como o elétron. Introduziu, teoricamente, o conceito de antipartícula. Desenvolveu o formalismo hamiltoniano de sistemas vinculados, o que permitiu o desenvolvimento da teoria da Relatividade Geral Quântica

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

37


FÍSICA

A RG descreve a força da gravidade em termos da geometria

O Big Bang é um exemplo do que é chamado em RG de

do espaço-tempo. Medir a curvatura do espaço causada pela

singularidade do espaço-tempo. Isso significa que toda a

gravidade é um viés importante para compreender como essa

possibilidade de previsão física da RG é perdida nesse instante.

teoria se relaciona com a física quântica. Descrever essa interface

Desta forma, os físicos começaram a pensar em novas teorias

é um dos principais objetivos para a física do século XXI. Desafio

para estudar o momento inicial do Universo.

esse assumido por uma grande parcela da comunidade física de todo o mundo, inclusive nomes populares como o físico inglês

A primeira teoria proposta foi a Cosmologia Quântica (CQ), que

Stephen Hawking.

resulta de uma combinação da RG com a Mecânica Quântica. Essa última foi formulada, de maneira satisfatória, na década de

ORIGEM DO UNIVERSO

1920, por diversos físicos, entre eles o dinamarquês Niels Bohr, o

Com base em dados observacionais e na RG, a teoria do Big Bang

alemão Werner Heisenberg e o austríaco Erwin Schrödinger.

diz que há aproximadamente 13,7 bilhões de anos houve uma explosão inigualável da única coisa que existia nessa época: um

A CQ teve sua origem com os trabalhos do físico inglês Paul

átomo primordial extremamente denso. A explosão deste átomo

Dirac, o qual escreveu pela primeira vez as equações da RG

deu origem não só a toda matéria que vemos ao nosso redor, mas

de uma forma apropriada para a quantização. Depois disso, os

também ao próprio espaço e ao eixo do tempo. A esse evento

físicos americanos John Archibald Wheeler e Bryce DeWitt

cataclísmico foi dado o nome de Big Bang.

desenvolveram a equação fundamental da CQ, a qual leva o nome dos seus dois descobridores. Já na década de 1980, um grande

Logo após o Big Bang, o Universo era extremamente pequeno

impulso foi dado com os trabalhos do físico Stephen Hawking,

e quente. Inicialmente, passou por uma fase de rápida expansão

explorando modelos do Universo utilizando a formulação de

chamada inflação. Em um período muito curto, o raio do Universo

integrais de caminho da Mecânica Quântica.

cresceu diversas vezes. No final desse período, o Universo estava extremamente homogêneo e isotrópico. Qualquer irregularidade

COSMOLOGIA QUÂNTICA NA UFJF

proveniente da explosão inicial havia desaparecido. À medida que

O físico Gil de Oliveira Neto, professor desde 2010 do curso

o Universo expande, seu tamanho aumenta e sua temperatura

de Licenciatura a Distância do Departamento de Física da

diminui.

Universidade Federal de Juiz de Fora (DF/UFJF), desenvolve pesquisas em Cosmologia Quântica. Seus trabalhos na área

ESPAÇO - TEMPO

tiveram ínício em 1995, quando obteve seu doutoramento pela Universidade de Newcastle-Upon-Tyne, no Reino Unido.

JOHN ARCHIBALD WHEELER

BRYCE DEWITT

STEPHEN HAWKING

Introduziu o termo “buraco negro” para descrever um sistema gravitacional tão intenso do qual nem mesmo a luz pode escapar. Um dos pioneiros da teoria de fissão nuclear. Propôs, juntamente com Bryce DeWitt, a equação fundamental da Relatividade Geral Quântica, em 1967

Desenvolveu, juntamente com John Wheeler, a equação fundamental da Relatividade Geral Quântica, hoje conhecida como equação de Wheeler-DeWitt. Aplicou essa equação, pela primeira vez, no estudo de um modelo cosmológico, fundando assim a chamada Cosmologia Quântica

Desenvolveu trabalhos sobre as características dos buracos negros, o efeito da mecânica quântica sobre eles e como principal resultado descobriu que buracos negros emitem radiação térmica. Foi o responsável pelo ressurgimento do interesse em Cosmologia Quântica no início dos anos 80

(1911 – 2008)

38 38

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

(1923 - 2004)

(1942 ATÉ HOJE)


FÍSICA

No período em que esteve no Reino Unido foi orientado pelo físico

mais recursos computacionais, foi possível não só demonstrar que

inglês Ian Gordon Moss, o qual obteve o seu doutoramento pela

os instantes iniciais de diversos modelos do nosso Universo são

Universidade de Cambridge, sob a orientação do físico Stephen

regulares, livres de singularidades, como calcular a probabilidade

Hawking.

para o surgimento desses universos. Além disso, ele começou a se dedicar ao estudo da interpretação de Bohm aplicada a CQ.

Oliveira Neto se dedicou a estudar o início do Universo como

Esses trabalhos contam com a colaboração de professores de

descrito pela CQ. De volta ao Brasil, trabalhando sozinho, como

instituições como: Universidade Federal do Espírito Santo (UFES),

pós-doutorando em instituições do Rio de Janeiro e no DF/UFJF,

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade

onde permaneceu de 1999 até 2004, demonstrou que em todos

Federal Fluminense (UFF), UFJF e alunos do Programa de Pós-

os modelos para o nosso Universo, estudados por ele, o instante

graduação em Física da UFJF. Oliveira Neto já orientou e co-

inicial não é singular. Ou seja, o Universo não se inicia com a grande

orientou três alunos do PPG-Física da UFJF.

explosão chamada de Big Bang. A explicação para esse resultado, em alguns casos, é porque o ‘tamanho’ inicial do Universo é maior

Já na UFJF, trabalha em possíveis causas para o fenômeno da

que zero. Em outros casos, isso acontece porque a geometria do

expansão acelerada do Universo, descoberto em 1998, o que

espaço-tempo é regular no instante inicial do Universo.

rendeu prêmio Nobel de Física em 2011 aos seus descobridores. Tem estudado também modelos em CQ em que as variáveis

A partir de 2004, Gil se tornou professor adjunto efetivo da

dos modelos não satisfazem a conhecida regra de comutação

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) na Faculdade

do produto entre números e funções, cujos resultados já foram

de Tecnologia de Resende (FAT) quando iniciou, juntamente com

submetidos a publicação em revistas científicas internacionais.

outros colegas, o grupo de pesquisa em Física Computacional, no qual lidera a área de Cosmologia Quântica. A partir de então, com

MAIS Gil de Oliveira Neto gilneto@fisica.ufjf.br

Professor de

adjunto e membro permanente do

Programa

Pós-Graduacao do Departamento de Física da UFJF

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

39


OLHAR ESTRANGEIRO

O ensino de português no Caribe: o caso da Universidade de Porto Rico, Campus de Río Piedras

N

Camilo Gomides e Marilú Pérez*

FOTO: DIVULGAÇÃO

o primeiro dia de aula perguntamos aos alunos de

ros mais recentemente, as universidades localizadas nas regiões

Português para iniciantes: por que vocês querem

de concentração dessas populações vieram com o tempo criando

estudar Português? Dentro de uma variedade de

cursos que atendessem ao interesse pelo estudo das culturas

respostas, as que mais se destacam são: “Adoro a

em Português relacionadas à Lusofonia. O interesse por esses

sonoridade da língua”, “quero ler as literaturas na língua origi-

grupos e as culturas representadas por eles vem conquistando

nal” e “gosto muito da música brasileira”. Vem então a segunda

espaço além das comunidades, o que reflete a importância tanto

pergunta: vocês sabiam que o Português é a sexta língua mais

do espanhol quanto do Português num contexto globalizado. A

falada no mundo? Com esse fato tomamos os alunos de surpresa,

exemplo disso podemos citar os departamentos de Espanhol e

pois a maioria relaciona a língua portuguesa somente a Portugal

Português da Georgetown University, Indiana University, Rutgers

e ao Brasil, esquecendo-se da África de expressão lusófona, de

University, Tulane University, University of California (Santa Bár-

Timor Leste na Oceania e de Goa e Macau na Ásia. Destacamos,

bara e Los Angeles), University of Florida, entre outras.

também, que, no contexto norte-americano, há comunidades de imigrantes portugueses em Providence (Rhode Island), Newark

Dentro desse âmbito panlatino, os professores têm a capacidade

(Nova Jersey) e grupos recentes de imigrantes brasileiros que se

de permear entre diferentes culturas, o que facilita ao docente

estabeleceram nas cidades de Boston, San Diego, Nova York e

formado em um Departamento de Espanhol e Português traba-

Fort Lauderdale, espalhadas por diferentes estados norte-ame-

lhar em universidades onde a língua franca é o espanhol. Este

ricanos.

professor funciona como um mediador ou elo entre as culturas hispânicas e as culturas da lusofonia, permitindo uma aproxi-

A nossa formação como professores de Português com douto-

mação informada às literaturas, culturas e línguas de ambos os

rado nos Estados Unidos tem sido de grande proveito para os

mundos. Compete a esse professor levar em conta a bagagem

alunos que têm o espanhol como língua nativa. Nos departa-

cultural e linguística trazida pelos alunos à sala de aula, permitin-

mentos chamados Departamentos de Espanhol e Português das

do a aquisição da nova língua através de um contraste com a sua

universidades norte-americanas, os alunos de pós-graduação são

língua materna.

expostos tanto à literatura latino-americana quanto à literatura espanhola e à literatura em língua portuguesa. Em lugares onde

Porto Rico é um exemplo do que mencionamos acima. Na Ilha

os grupos de imigrantes de origem centro e sul-americanas se

temos duas línguas oficiais: o inglês e o espanhol. Se bem obser-

estabeleceram no passado houve a necessidade de criar áreas de

varmos na maioria dos alunos um verdadeiro bilinguismo, o espa-

especialização que lidassem com as culturas destas novas comu-

nhol é a língua prezada no uso cotidiano e tida como marca da

nidades. Com a chegada de portugueses no passado e de brasilei-

identidade nacional porto-riquenha. No campus de Río Piedras da

40

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012


OLHAR ESTRANGEIRO

Universidade de Porto Rico (UPR-RP), convivemos diariamente com um grande número de alunos interessados na aprendizagem do Português. Há 420 estudantes que anualmente fazem conosco cursos que vão desde o nível básico ao nível avançado. O programa de ensino do Português na UPR-RP utiliza o método intensivo. Este método consiste em maximizar a exposição do aluno à lingua em questão através de cinco horas de contato com um professor, mais duas horas e meia de contato com um assistente, nativo da língua, no que chamamos de “laboratório vivo”. Sendo assim, as quatro destrezas linguísticas: compreensão auditiva, expressão oral, leitura e expressão escrita são desenvolvidas ao mesmo FOTO: CRISTIANO RODRIGUES

tempo em que a pronúncia e a produção oral são substanciadas. Em um terceiro semestre os alunos são introduzidos à literatura lusófona através de peças teatrais e se familiarizam nos cursos avançados com as literaturas africanas de expressão lusófona, literatura portuguesa e brasileira, estudos culturais portugueses e brasileiros, cinema brasileiro e português, abrindo os horizontes desses estudantes para o mundo cultural da Lusofonia. Para alcançar esta meta contamos há sete anos com a presença de um leitor do Instituto Camões (IC), que é um órgão público do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal que atua nas áreas da cultura e do ensino. O IC articula a sua ação com outras instâncias competentes do Estado português, nomeadamente os Ministérios da Educação, da Cultura e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Tem por missão propor e executar a política de divulgação e de ensino da língua e cultura portuguesas no estrangeiro e promover o português como língua de comunicação internacional, além de favorecer a divulgação de diferentes formas de expressão artística. Atualmente, o IC desenvolve atividades em 72 países, atendendo a 155 mil alunos de português ao redor do mundo.

NA UNIVERSIDADE DE PORTO RICO É GRANDE A PROCURA PELO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA.

vínculo com a Lusofonia estão sendo estabelecidos acordos de Brevemente, contaremos com a colaboração da Divisão de Pro-

colaboração com diferentes instituições internacionais, entre elas

moção da Língua Portuguesa (DPLP). A DPLP é uma secretaria

a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a Universidade do

dentro do Departamento Cultural do Ministério de Relações Exte-

Porto e a Universidade de Coimbra. Esses acordos visam inter-

riores do Brasil que possui uma rede de leitorados que reúne pro-

câmbios culturais, científicos e acadêmicos, ampliando a oferta

fessores especialistas em língua portuguesa, literatura e cultura

de cursos em diversas áreas para aqueles estudantes que irão

brasileiras, incumbidos de atuar em conceituadas universidades

aprofundar os seus estudos em universidades brasileiras, euro-

estrangeiras. Os leitores são selecionados pela Coordenação de

peias e americanas na área de literatura, linguística e tradução

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da

ou trabalhar na área de turismo ou em empresas multinacionais.

Educação (Capes/MEC) e pelas instituições acadêmicas no exterior. Atualmente, o Departamento Cultural do Itamaraty coordena

Com a sinergia entre a UPR-RP, o IC, a DPLP e o mundo acadê-

e subsidia as atividades de 64 leitorados distribuídos em univer-

mico lusófono, o Departamento de Línguas Estrangeiras da UPR-

sidades de reconhecido prestígio em 41 países. Adicionalmente,

-RP se tornará o primeiro programa de português especializado

colabora com diversas outras instituições acadêmicas estrangei-

em Estudos Lusófonos do Caribe. Assim, contribuiremos com o

ras que desenvolvem trabalhos voltados para o estudo de temas

desenvolvimento e a formação de profissionais, partindo de uma

brasileiros. Com o objetivo de fortalecer ainda mais o nosso

visão de mundo e uma compreensão das culturas lusófonas de uma maneira integrada.

*Professores doutores de Português do Departamento de Línguas Estrangeiras da Universidade de Porto Rico no campus de Río Piedras

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

41


EXTENSÃO

Esporte e lazer para o dia a dia PROJETOS DE EXTENSÃO, DESENVOLVIDOS NA FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DESPORTOS (FAEFID) DA UFJF, BENEFICIAM AS COMUNIDADES INTERNA E EXTERNA COM AÇÕES QUE VÃO DO ATLETISMO AO TÊNIS

RAUL MOURÃO | repórter

A

busca por melhor qualidade de vida é uma neces-

Assim

sidade de boa parte da população mundial. Um ca-

comunidade externa frequentam a Faefid, de segunda a sexta-

como

Neves,

alunos,

servidores

e

integrantes

da

minho é o abandono da vida sedentária. Oitocentas

feira, das 7h às 21h, e, aos sábados, das 7h às 12h. São oferecidos

e noventa pessoas praticam diferentes atividades de

atletismo, caminhada, dança, futsal, hidroginástica, musculação,

lazer e esporte nas dependências do Complexo Esportivo da Fa-

natação, pilates, tênis, ioga e seis alternativas de ginástica: para

culdade de Educação Física e Desportos (Faefid) da UFJF em 29

mulheres com câncer; no climatério; para idosos; rítmica; artística;

projetos de extensão.

e trampolim acrobático. Este semestre traz duas novidades: jiu jitsu e futsal feminino.

Aficionado pelo vôlei, Rafael Neves, 20 anos, é um dos participante. Nos últimos oito meses, três dias são dedicados ao projeto

A maioria das opções são gratuitas, possibilitando o acesso a

Iniciação ao Voleibol. Fora das quadras, mantém o olhar nos jogos

esportes rotulados como de elite, tal qual o tênis. Acostumado

transmitidos pela TV e marca presença na torcida nas partidas do

a usar controles sem fio que simulam a raquete do esporte em

time profissional masculino da UFJF, nascido como atividade de

um videogame, Eduardo Mezzonato, 30, pôde jogar partidas reais

extensão. “Desejo me capacitar e entrar no vôlei da Universida-

nas quadras da Faefid. “Nunca fui amante de atividade esportiva,

de”, diz o estudante, incentivado pela escalada da equipe que, em

mas quando assistia ao Gustavo Kuerten ou ao Roger Federer

quatro anos, chegou à elite do vôlei, a Superliga 2011/2012.

jogando, ficava com vontade de tentar. Mas as despesas com treinamento e material são caras.” A raquete mais barata custa cerca

42

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012


EXTENSÃO

de R$ 80, e a mensalidade em clube de Juiz de Fora, R$ 120. “É

A abertura dos portões da Faefid traz também desafios, como

bem-vinda a abertura dos portões da UFJF.”

manutenção da infraestrutura, contato mais intenso com a co-

JOGO DE MUDANÇAS

munidade externa e demanda crescente pelo uso do complexo. A diretora da Faefid, Edna Martin, frisa que a manutenção da es-

A interface entre a Faefid e as comunidades interna e externa,

trutura é feita regularmente e segue trâmites burocráticos legais

nos últimos dois anos, foi otimizada. A qualificação de docentes

para contratar empresas. Ao definir a ocupação do espaço é dada

trouxe mais projetos e pesquisas relacionados com a população.

prioridade ao ensino. “As instalações são as salas de aula prática

Em 2010, o complexo esportivo foi ampliado e modernizado com

de nossos alunos. Atendemos também a necessidade de todos

investimentos de R$ 16 milhões. Para os próximos anos, o reitor

os projetos e outras práticas. Mas ainda há horário livre para uso

Henrique Duque quer criar quadra de areia para vôlei e futebol;

do espaço.”

ginásio de artes marciais; reformar vestiário; duplicar a piscina para 50m; e aumentar a capacidade do ginásio de 500 para 2 mil

NOVA ORDEM

pessoas.

Ainda que a procura pela vida saudável seja mais evidente, nos últimos anos, resiste a percepção de que tempo útil é só o des-

“A expansão da infraestrutura se deu em caráter qualitativo e

tinado ao emprego ou a outras obrigações diárias. Segundo o

quantitativo, pois, foi possível oferecer melhores condições para

docente Luiz Carlos Lira, em estudo produzido com alunos de

as práticas desenvolvidas na faculdade e aumentar a quantidade

Ginástica e Turismo Social para Idosos, ocorre com frequência “a

de projetos e vagas”, afirma o coordenador da Extensão na unida-

mistificação, a exaltação do trabalho, o que gera quase sempre

de, Luís Fernando Gomes Nascimento. Ele é autor de dissertação,

atitude de desconhecimento de outras dimensões do humano,

em andamento, sobre o impacto do novo complexo na Extensão.

sobretudo, as possibilidades pela vivência do tempo de lazer”.

Entre as iniciativas mais recentes está Musculação e Qualidade

O peso que o esporte possui é acentuado pelo antropólogo

de Vida, para pessoas acima de 50 anos, com atendimento per-

Roberto DaMatta. No livro “A bola corre mais que os homens”,

sonalizado três vezes por semana. Desenvolvida por docentes e

de 2010, o pesquisador considera que, “excetuando a guerra e

alunos de Fisioterapia e Educação Física, a ação visa a pesquisar

certos rituais (dos quais o carnaval é o exemplo mais significati-

os efeitos benéficos da musculação nessa faixa etária e auxiliar na

vo), nada é mais claramente construído por oposição às normas

prevenção e na reversão parcial de perdas funcionais decorrentes

e valores que governam o cotidiano do que o esporte”. A ativi-

do envelhecimento. Os participantes passam por avaliação arte-

dade “suspende o trabalho como castigo e vocação” e “coloca

rial, controle de frequência cardíaca, teste de carga e análise car-

de quarentena os tabus diários relativos ao corpo e aos poderes

diovascular, segundo a docente de Fisioterapia Gabriela Trevizani.

constituídos”, quando, por exemplo, está em jogo a capacidade do participante e não a classe social.

A dor no joelho que Maria Inês Cyrino Oliveira, 55, sentia foi embora ao longo dos meses em que participa do projeto de pesquisa

A Faefid recebe atletas que querem se dedicar mais a esses mo-

articulado com a extensão. “Estou me sentindo disposta em tudo.

mentos de suspensão de tabus, como atualmente jogadores de

Até meu humor mudou.” Já Raimundo Rezende Machado, 62,

vôlei e ginastas, e também se prepara para atrair delegações da

sente melhoria em atividades simples, como carregar sacolas sem

Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. O complexo esportivo

se cansar tanto. “Quando descia um morro, sentia dor até que o

já foi habilitado pelo Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos

corpo esquentasse.”

como local de treinamento. Enquanto isso, mais de 50 crianças de 7 a 13 anos trilham, no atletismo, o caminho das medalhas no

O progresso das atividades deriva, ainda, do envolvimento dos

projeto Minas Olímpica - Geração Esporte em parceria com a Se-

alunos dos cursos responsáveis pelas ações. São eles que estão

cretaria de Estado de Esportes e da Juventude. O objetivo é criar

em contato mais direto com a população como instrutores. Para

equipes para competições oficiais a partir de seletivas em escolas

participarem, recebem bolsa mensal em forma de auxílio financei-

da Cidade Alta, no entorno do campus. “O projeto é um ótimo

ro. Em 2011, foram pagos R$ 115.200 a 40 alunos.

espaço para pesquisas do Mestrado em Educação Física”, conclui o coordenador local, professor Jorge Perrout.

Em um ano e meio, mais de cem inscritos em dois projetos foram orientados pelo bolsista de Educação Física Sérgio Ribeiro Barbosa, para quem o desempenho estimula o aluno estudar, pesquisar e criar. “Além disso, contribui para uma metodologia de trabalho, ao passar pelos desafios de elaborar e ministrar aula ou treino e lidar com diversos públicos e situações inusitadas.”

MAIS Informações e novidades sobre a Faculdade de Educação Física: www.ufjf.br/faefid

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

43


PENSAR A UNIVERSIDADE

Programa institucional destina 250 bolsas de apoio para qualificação de técnicos e docentes INCENTIVO CONTEMPLA CURSOS DE GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU E PODERÁ DOBRAR, EM DOIS ANOS, NÚMERO DE TÉCNICOS COM MESTRADO NA UFJF

HENRIQUE, DENISE E THIAGO SE BENEFICIAM COM A OPORTUNIDADE OFERECIDA PELO PROGRAMA

CAROLINA NALON | repórter

B

uscando

em

mil em bolsas do Programa de Apoio à Qualificação (Proquali).

educação (TAEs) e docentes da Universidade Federal

qualificação,

técnico-administrativos

A expectativa é de que os recursos sejam ainda maiores com a

de Juiz de Fora (UFJF) frequentam atualmente cur-

abertura do edital 2012. O documento publicado no final de mar-

sos de graduação, mestrado e doutorado com apoio

ço trouxe 250 oportunidades.

de bolsa institucional. O programa que tornou isso possível teve início em setembro de 2011, com base em pesquisa feita interna-

“Aquela antiga percepção de que o técnico é responsável apenas

mente pela Administração Superior sobre o interesse dos servi-

pelo serviço operacional acabou. Entendemos que servidores

dores em possuírem mais um grau acadêmico. No ano passado,

mais bem preparados alavancam mudanças na gestão organi-

155 pessoas foram contempladas.

zacional, aprimorando os processos, opinando criticamente e agregando valor”, ressalta a pró-reitora de Recursos Humanos,

A Universidade investiu, até dezembro de 2011, cerca de R$ 700

44

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

Jackeline Fernandes Fayer, sobre a aplicabilidade do programa.


PENSAR A UNIVERSIDADE

Segundo ela, a intenção é de que o Proquali seja integrado aos

possibilita arcar, ainda, com custos na participação de congressos

objetivos do Plano de Desenvolvimento Institucional da UFJF e

e publicação de artigos. Nery, por exemplo, investiu os recursos

contribua para a formação continuada de TAEs e docentes.

para apresentar trabalho em seminário em Aracaju (SE), em 2011. Esse também é o caso da professora do Departamento de Educa-

Para a graduação, o apoio cobre até 80% da mensalidade dos

ção Física do Colégio de Aplicação João XXIII Eliete Verbena, que

cursos em instituição particular de ensino, limitado ao valor de R$

utiliza o apoio para eventos e aquisição de livros. Em seu último

700. Para os que estão fazendo mestrado ou doutorado, o incen-

ano de doutorado na Universidade do Minho (Portugal), desen-

tivo é de R$ 1 mil, não sendo possível acumular bolsas. Segundo o

volve tese na área de Sociologia da Infância. “Estudo a autonomia

assistente em Administração Bruno Stigert do Valle, o programa

e a mobilidade (o ir e vir) da criança no espaço escolar e na cidade

tem sido fundamental para ajudar nas despesas com a Faculdade

a partir da compreensão de suas atitudes e comportamentos e re-

de Direito. O estudante trabalha na Secretaria de Assuntos Ju-

presentações.” Ao dar aula para as turmas de sexto e sétimo anos

rídicos onde passou a ter contato com o universo da sua futura

do ensino fundamental, Eliete tenta colocar em prática as lições

profissão. “Ver as coisas na prática é muito mais interessante do

de sua investigação. “Busco criar espaços de participação desses

que na teoria”, admite ele, que pretende continuar contando com

sujeitos no cotidiano da escola, dando voz às crianças, uma voz

o Proquali para fazer mestrado no próximo ano.

efetivamente ouvida, dialogada e compreendida, considerando as especificidades da criança e da infância.” Para a doutoranda, os

No Centro de Gestão do Conhecimento Organizacional (CGCO)

estudos melhoraram sua relação pessoal com os alunos. “A pes-

há cinco técnicos se preparando para serem mestres. Três deles

quisa tem me tocado no sentido de observar e compreender a

estão no segundo ano do curso, e outros dois iniciaram as aulas

criança com o olhar dela, despindo-me da visão ‘adultocêntrica’.”

há cerca de dois meses, estimulados pelos colegas. A UFJF possui 78 TAEs com mestrado (6%) e 12 com doutorado Para o analista de Tecnologia da Informação Francisco Henri-

(1%). Entre os docentes, a pós-graduação stricto sensu é prati-

que Ferreira, continuar estudando é uma maneira de se valori-

camente uma exigência da carreira e 68% já são doutores. Para

zar profissionalmente. Seu objeto de pesquisa no Programa de

a coordenadora de Capacitação e Desenvolvimento de Pessoas

Pós-graduação em Ciência da Computação está relacionado à

da Pró-reitoria de Recursos Humanos, Sônia Mara Marques, esse

modelagem de sistemas P2P, ou seja, ponta a ponta. “Estudo a

número aumentará a partir do Proquali. Pode-se prever que, em

dinamicidade do tráfego na rede, o que pode levar a um melhor

dois anos, o percentual de técnicos mestres na instituição dobre,

entendimento sobre perfil e comportamento do usuário.” Para ele,

considerando que todos os matriculados em programas de mes-

a pesquisa tem grande aplicabilidade no estabelecimento de po-

trado concluam o curso. Segundo ela, o fato de o servidor público

líticas de uso e realização de projetos de redes mais inteligentes.

federal contar com percentual de aumento no salário após a titulação contribui, ainda, para melhorar a autoestima profissional.

Colega de trabalho e classe de Ferreira, Thiago Nery procurava se aproximar da docência, mas nunca pôde se dedicar inteira-

No caso da docência, a afirmação da professora Eliete é ilustrativa:

mente aos estudos. “Passar no mestrado foi uma boa surpresa.”

“Entendo nossa carreira como um processo contínuo de formação

Sua linha de pesquisa é em engenharia de software, ligada às

e crescimento, para o qual diferentes aspectos se relacionam,

atividades desempenhadas no CGCO. Nery já enxerga possíveis

tais como o conhecimento, a afetividade e os contextos social

contribuições de seu objeto de estudo, a busca semântica - um

e cultural em que ocorrem. Sinto-me instigada a crescer nessa

tipo de mecanismo de pesquisa mais inteligente -, nos sistemas

profissão tão desafiadora”.

da Universidade, em especial, no da Biblioteca.

SAIBA COMO OBTER A BOLSA O mestrado sempre foi um objetivo de Denise Schmitz mesmo

Servidores

antes de se tornar servidora da UFJF. Há um ano como analista de

à publicação do edital. O último foi lançado em março e o

Tecnologia da Informação, agora tenta conciliar o papel de mãe e

próximo ainda não tem data definida. A inscrição é feita pelo

profissional com a dissertação que está por vir. Optou pelo mes-

Sistema Integrado de Gestão Acadêmica (Siga) em período

trado em Modelagem Computacional e acredita que a especiali-

pré-determinado. Entre os requisitos para candidatura, é preciso

zação stricto sensu abre novos horizontes. “Quando focamos só

estar em efetivo exercício na UFJF, não exercer outra atividade

no trabalho, não vemos soluções para alguns problemas com que

remunerada nem ser beneficiário de outra bolsa. O interessado

nos deparamos. A pesquisa nos mostra outras possibilidades.”

também não pode ter grau de formação ou titulação equivalente

interessados

no

Proquali

devem

ficar

atentos

a pleiteada e deve permanecer na instituição pelo mesmo período Para os entrevistados, o Proquali traz mais tranquilidade e mostra

de concessão da bolsa. Na seleção, conta ponto o tempo de

que a Universidade reconhece o esforço dos servidores. A bolsa

carreira e a relação do curso com as funções desempenhadas. A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

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M U N D O D I G I TA L

Bem-vindo à cultura digital

A

Cicero Inacio da Silva*

escala com que avançam as inovações tecnológicas

não sabia que estava procurando? Essas situações são descritas

na contemporaneidade não tem comparativo na

como o futuro da rede e delas dependerá muito da nossa con-

história da humanidade. Hoje, o planeta possui sete

dição de sociabilidade e, em alguns casos, até de sobrevivência.

bilhões de habitantes e muito desse crescimento se

deve ao avanço das técnicas de cultivo, distribuição de energia,

Atualmente, o Google desenvolve um sistema de rastreamento de

medicina, comunicação e sociabilidade. Atualmente, geramos

equipamentos que envia dados à “nuvem” informando posições

uma quantidade de informações diárias que suplanta praticamen-

geográficas dos usuários e consegue observar a partir de cruza-

te todos os dados pregressos.

mento de dados se há uma alteração na velocidade do aparelho em uma determinada via, tendo assim condições de calcular um

O site de vídeos Youtube recebe 48 horas de conteúdo por mi-

congestionamento. Existem também sistemas de catalogação

nuto, o que equivale a oito anos de conteúdo audiovisual a cada

de dados interconectados em escala global sobre doenças que

24 horas. Em comparação, a Rede Globo produz em média 22

permitem diagnósticos com extrema precisão. Um médico terá à

horas de conteúdo diário. Dados como esses mostram que nós

sua disposição bases de informação que, quando analisadas com

alteramos radicalmente a forma de computar o tempo e de pen-

milhares de outros casos, poderão prover resultados precisos em

sar linearmente em termos de períodos. Hoje, a produção cultural

termos de diagnóstico.

mensal da população global equivale, no âmbito da fotografia, da música e do vídeo, à soma de tudo produzido desde o início da

Hoje é possível utilizar supercomputação para prever modifica-

era da reprodutibilidade técnica até os anos 2000.

ções climáticas com bases em modelos muito mais complexos. Para que tudo isso funcione, existem milhares de computadores

Essas novas escalas de produção, distribuição, visibilidade e aces-

interconectados em redes e padrões de acesso a dados ainda ini-

so tornam o nosso cotidiano cada vez mais intenso e interessante.

magináveis. Esse novo paradigma dos computadores é hoje co-

Cada vez mais serão necessárias novas formas de adequação dos

nhecido como Exoescala – possibilidade de fazer um computador

gastos energéticos que reduzam emissões poluentes, que melho-

possuir um bilhão de processadores. Estima-se que só em 2018

rem o desempenho dos equipamentos e que previnam alterações

chegaremos a esse patamar. Um computador de performance

climáticas. Diante dessa imensa massa de dados democratizados

média que temos em casa possui algo em torno de 500 Gb de

a todos com conexão à Internet, a maneira como ensinamos hoje

disco rígido, o que equivale a 90 DVDs. Um supercomputador

deveria ser radicalmente diferente, já que qualquer aluno pode

como o Blue Gene, da IBM, pode comparar-se a 180 milhões de

acessar e ler aquilo que o professor levou anos em sua formação

DVDs e conseguir analisar em poucos segundos todos os dados

para aprender ou até mesmo conhecer. Contudo, somente as in-

contidos em seus discos. Isso nos permite dizer que, em um

formações, e não o conhecimento, estão em todos os suportes a

futuro próximo, teremos ao nosso alcance a possibilidade de

qualquer momento e em qualquer lugar.

programar ou até mesmo de alterar eventos. Em certo sentido, programar o futuro sempre foi um desejo humano. Se colocarmos

Os sistemas computacionais do Google e do Facebook armaze-

em perspectiva o que aconteceu no último século em termos

nam e cruzam trilhares de dados por minuto para prover resulta-

de mudanças na compreensão do mundo, podemos afirmar que

dos sobre nossos desejos. Ou você leitor nunca foi surpreendido

nunca estivemos tão perto de realizá-lo.

em uma busca na internet com uma informação que você mesmo *Coordenador do Grupo de Estudos do Software; pesquisador e professor adjunto da UFJF

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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012


PESQUISA

FOTO: LILIAN CAMPESATO

Música: obras experimentais questionam os limites entre as expressões artísticas

PROFESSOR DO INSTITUTO DE ARTES E DESIGN DA UFJF, DANIEL QUARANTA (FOTO), QUESTIONA FRONTEIRAS DA ARTE AO PESQUISAR E CRIAR OBRAS EXPERIMENTAIS QUE USAM MÚSICA, POESIA, VÍDEO E PERFORMANCE. A PARTIR DA ANÁLISE TEÓRICA, ORGANIZA EVENTOS, COMO O ENCONTRO INTERNACIONAL DE MÚSICA E ARTE SONORA (EIMAS), NA UNIVERSIDADE

I

RAUL MOURÃO | repórter

magine sintonizar uma estação de rádio e se deparar com

Nas décadas de 30, 40 e 50 do século passado, a sintonia, ainda

ruídos, distorções de voz e harmonias, em alguns casos, pouco

que raramente, poderia trazer manifestação de vanguarda de um

cotidianas. A cena é muito pouco provável de acontecer,

dos precursores da experimentação sonora, o americano John

principalmente, quando a busca é por uma estação de rádio

Cage, que completaria cem anos em 2012. O compositor, poeta

comercial. A combinação de sons, que, para o senso comum, não

e pintor trouxe o som do dia a dia, o barulho e o ruído, marcados

passaria de algum tipo de interferência na recepção do aparelho,

pela aleatoriedade, para o status de música. A sua mais famosa

é também música, experimental e questionadora dos limites entre

composição “4:33”, de 1952, não tem nem sequer uma nota. O

as expressões artísticas.

músico fica em silêncio durante toda a apresentação para que a plateia perceba o burburinho do ambiente. Simples e provocante.

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

47


PESQUISA

Distante das emissoras de rádio no Brasil, criações dessa linha

“Não penso a obra como um caminho único, apenas vinculada a

podem ser encontradas na internet, eventos e em trabalhos cien-

questões sonoras, pois ela carrega toda a história da arte. Gosto

tíficos, sendo tema de pesquisa em diversos centros de estudo

da ideia de arejar a música com outros discursos que a atraves-

no mundo. Na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pro-

sam”, diz o pesquisador, que trabalha com a colaboração interdis-

fessores como Daniel Quaranta, do curso de Música do Instituto

ciplinar de artistas, poetas e até filósofos.

de Artes e Design (IAD), desenvolvem pesquisas sobre experimentação da voz, poesia sonora e outras manifestações. A partir

Um dos exemplos mais representativos do entrelaçamento entre

da análise teórica, Quaranta compõe obras e organiza eventos,

as formas de arte é o poema-partitura “Ursonate” do alemão Kurtz

como o Encontro Internacional de Música e Arte Sonora (Eimas),

Schwitters (1887-1948), analisado por Quaranta em uma pesquisa.

na Universidade.

O artista europeu usou procedimentos de variação sonoro-vocal muito utilizados na composição musical para criar complexas estruturas de melodia e motivos. Para ler o poema ou executar uma

“Não penso a obra como um caminho único, apenas vinculada a questões sonoras, pois ela carrega toda a história da arte. Gosto da ideia de arejar a música com outros discursos que a atravessam” (Daniel Quaranta)

performance baseada no texto, o autor insere instruções sobre a sonoridade das sílabas, a pronúncia e a cadência. “Na ´Ursonate`, não existem as palavras no sentido ordinário, assim como não existe lógica de significação nela”, ressalta o professor.

CONTRIBUIÇÃO DE VANGUARDA A concepção padronizada de cada expressão artística, com refrão claro, lirismo clássico e estrutura rígida, foi abrindo espaço para novas possibilidades. O processo de transformação ganhou notoriedade, a partir do século XX, com movimentos de vanguarda, na Europa, como demonstra o levantamento histórico e fonográfico feito pelo pesquisador.

Em seus estudos, traça uma análise histórica e filosófica das manifestações musicais “de borda, da marginália”, como define, e

O futurismo italiano e o futurismo russo foram os responsáveis

discute os limites difusos entre os diversos campos da arte, que

por marcar mais fortemente a ruptura com as tradições literária e

se inter-relacionam. O poema, por exemplo, não se restringe ao

musical. Aboliram o advérbio, mudaram signos de pontuação por

suporte tradicional do papel, não tem a obrigação de ter sentido

matemáticos e musicais e utilizaram martelos, motores ou máqui-

e pode se associar a métodos típicos de outras expressões, assim

nas de escrever como instrumentos. “Para os futuristas, o poema

como a música pode estar presente na poesia e em representa-

não estava destinado à leitura silenciosa, mas a uma proposta

ções.

para sair da página e ser encenado, convidando a participação

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A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012


PESQUISA

do público. Um recital poético futurista era, antes de tudo, um

rápido avanço das indústrias tecnológicas”, diz. Desse descom-

espetáculo visual e fonético.”

passo, aparecem produtos “muito padronizados”. Vários vídeos no Youtube listam canções com a mesma base. Em um deles, são

Em seguida, os dadaístas criaram o conceito de antipoesia, de

tocados 40 hits que usam os mesmos quatro acordes, que é a

versos sem palavras e poemas de sons. Onomatopeias, neologis-

execução de três ou mais notas em sequência.

mos e combinações de letras, musicalmente arranjadas, fazem parte do movimento. No México, em 1920, surge o estridentismo,

“As pesquisas acadêmicas têm como objetivo tentar observar

combinando aspectos do cubismo, do futurismo e do dadaísmo.

de que maneira a produção está ocorrendo, ao refletir sobre os meios, a bagagem estética e teórica. Muito já foi escrito sobre

O advento de tecnologias de gravação abre novas possibilidades

Mozart, mas no campo da tecnologia, o mercado é mais rápido do

de criação a partir da década de 50. Nessa época, desenvolvem-

que o pensamento sobre ela”, reitera. O professor busca produzir

se a música concreta e a poesia sonora, que exploram o

obras de cunho experimental, estimuladas pelo estudo teórico,

processamento do som, principalmente, da voz, e o sentido

mas “não tão radicais” como as dos pioneiros John Cage, Chris-

semântico fica em segundo plano. “Quando escutamos poesia

tian Morguenstern e Man Ray.

sonora, percebemos que há uma fronteira expressivo-territorial difusa, e, assim, o que era sólido no papel se dilui no ar, nas ondas

Uma das composições, que foram frutos de pesquisa, chama-

sonoras e no intangível da experiência da perfomance. E o que é

se “SerVoz”, executada, em tempo real, a distância. Em março,

poema sonoro pode se transformar em música poética.” Surgem

o professor e a artista Michele Aguinez ficaram posicionados

o movimento letrista e, na década de 80, a polipoesia, concebida

em Belfast, capital da Irlanda do Norte, acompanhados por dois

para o espetáculo ao vivo.

compositores na Universidade de São Paulo (USP). A performance com voz e produção de vídeo, criada coletivamente, foi transmitida

“As pesquisas acadêmicas têm como objetivo tentar observar de que maneira a produção está ocorrendo, ao refletir sobre os meios, a bagagem estética e teórica. Muito já foi escrito sobre Mozart, mas no campo da tecnologia, o mercado é mais rápido do que o pensamento sobre ela”

pela internet, como parte do festival Sonorities, de um dos mais

(Daniel Quaranta)

com a presença de artistas importantes de diferentes lugares do

importantes centros de experimentação artística do mundo, o Sonic Arts Research Centre (Sarc, ou Centro de Pesquisa em Artes Sonoras). “Usamos a voz como um instrumento extremo, e não como um meio de comunicação, linguístico. Importa mais o som.” Juiz de Fora já recebeu apresentações semelhantes, nas duas edições do Encontro Internacional de Música e Arte Sonora (Eimas), organizado por Quaranta, em parceria com os professores Luiz Eduardo Castelões (UFJF) e Pedro Bittencourt (UFRJ). O evento, neste ano, acontecerá entre 12 e 16 de setembro, também mundo. Entre eles, Stefano Scarini, produtor de vídeo e música,

NA CADÊNCIA DA TECNOLOGIA

que trabalhou com o artista Peter Greenaway, conhecido por seus filmes e inovações multimídias, e o compositor e programador

Atualmente, a criação é estimulada pela proliferação de novas

Francisco Colasanto, ganhador do prêmio alemão de música

tecnologias, como smartphones, tablets e programas de com-

eletrônica Giga-Hertz.

putador. Mas “a reflexão estética não costuma acompanhar o

MAIS Daniel Quaranta é mestre e doutor em Música pela UFRJ, professor de Música na graduação da UFJF e na pós-graduação da Universidade Federal

do

Paraná. Já

se apresentou em diversos festivais e encontros na

Alemanha,

na

Argentina,

no

Brasil,

na

Bolívia,

no

Chile,

na

Espanha, na Irlanda do Norte, no México e em outros países Conheça as suas produções: http://soundcloud.com/danielquaranta e em www.myspace.com/danielquaranta Ouça músicas no acervo do site: www.ubu.com Site da organização The John Cage Trust: http://johncage.org Página do Sonic Arts Research Centre: www.sarc.qub.ac.uk

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

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MÚSICA

Canções de artigos impalpáveis Geraldo Lúcio de Melo (Gerrô)*

E

m seu último CD, “Artigos Impalpáveis”, Marcinho

sou Minas Gerais”. Marcinho é como todo artista, uma espécie de

Itaboray fez a sua primeira parceria com Fernando

desaguadouro de sentimentos coletivos e, também, um tipo de

Brant, na música “Guardar e não guardar”, momento

antena da raça, por vislumbrar, intuitivamente, às vezes, caminhos

alto de uma carreira, paralela à Medicina, feita sob a

desconhecidos até para si próprio, tanto melódica, como poética

inspiração de Milton Nascimento – que cantou no CD anterior, na

e tematicamente.

faixa “Não há paz” (parceria Itaboray/Rodrigo Barbosa) – e do pessoal do famoso Clube da Esquina.

Marcinho Itaboray, que não quis seguir a carreira musical para se dedicar com igual valor à Medicina - formou-se na Universidade

O disco foi lançado dia 22 de dezembro de 2011 com um show no

Federal de Juiz de Fora em 1980 -, convidou grandes profissionais

Cultural Bar, em Juiz de Fora. Na letra de “Guardar e não guardar”,

para produzir este CD. Além de Nair, Jaime Álem e Lúdica Música,

Fernando Brant retoma suas preocupações com a harmonia de

participaram Sueli Costa, Zé Renato (ex-Boca Livre), Myllena,

si e com a vida: “Guarde no aposento mais claro de sua alma /

Edson Leão e o Márcio Hallack Trio. Os filhos Renato (22) e Pedro

seus pequenos e grandes momentos / O seio da mãe e o abraço

(12), também estiveram presentes, dando continuidade à já antiga

do pai... E seja moleque por toda essa vida / ...Guarde a água, não

saga musical dos Itaboray.

guarde a mágoa / Guarde o amor, não guarde a dor...” Marcinho, por exemplo, estreou na música aos 3 anos de idade, A canção foi gravada por Nair de Candia que, no final, solta

numa rádio de São João Nepomuceno (MG), levado por seu pai,

uma nota aguda espetacular. O arranjo e acompanhamento é

Francisco Itaboray (1920-2005), “seu” Chiquito, um dos troncos

de seu marido, Jaime Álem, maestro de Maria Betânia há anos,

mais fortes de uma frondosa família musical. Todos os seus filhos

e amigos de Marcinho há mais tempo. A letra atende também à

com dona Maria, de Monte Verde (MG): Dadá, Cezar, Marcinho

ideia de Marcinho: “Um dia um dos meus filhos me perguntou o

e Ronaldo, são músicos e compositores. O conjunto de baile

que eu coleciono ou colecionava. Eu respondi que eram artigos

“Itaboray”, sediado naquela cidade, formado por vários parentes,

impalpáveis, como a saudade, a alegria, as angústias, as paixões,

era um dos mais conhecidos em toda a Zona da Mata Mineira, dos

as emoções nos livros que leio, nos filmes que vejo ou nas canções

anos 50 aos 70.

que ouço. Partiu daí, a iniciativa de gravar um novo CD e passear por esses artigos impalpáveis nas canções”.

Neste disco, Marcinho Itaboray fez canções extremamente líricas como “O menino” (para os seus filhos); “Foi melhor assim”;

Se é função da arte tornar visível o que está invisível (Vilém Flusser

“Água e pão”; “Rio de águas claras”, com Guilherme de Andrade;

/Merleau Ponty), neste sentido, musicar é mapear emoções.

“Palavras de Rosa”, “O tempo do amor” e “Dor e carnaval”, com

Palpáveis ou impalpáveis.

Rodrigo Barbosa; “O amor me acordou”, com Márcio Hallack; “Transbordou”, “Garras da paixão” e “Artigos impalpáveis”, com

Isabella Ladeira, vocalista do trio Lúdica Música (junto com Rosana

Marcus Pestana: “...Eu vou nessa busca louca e apaixonada /

Britto, voz/violão e Gutti Mendes, violão) que faz a base do CD e

Ao seu mundo de sonhos tão viáveis / Ouça então essa canção

do show, crê que a música de Marcinho “expõe nuances de uma

desarrumada / Tão repleta de artigos impalpáveis...”.

personalidade tão boêmia e interiorana, quanto cosmopolita e moderna”.

Comigo, fez “Santo de barro”, uma canção de 1974. Houve uma tremenda coincidência nesse CD: metade das canções fala em

Pois assim é, interior e cosmopolita, parafraseando Fernando

água de alguma forma. Começou com a mais antiga (todas as

Pessoa: “Cante a sua aldeia, que cantará o mundo”, ou Milton em

demais são recentes) e terminou com o alerta necessário de

“Para Lennon e McCartney”, dele e Márcio Borges: “Sou do mundo,

Fernando Brant. Simples acaso?

*Jornalista, formado pela UFJF em 1972, mestre em Comunicação pela UFRJ, em 2009

50

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012


L I T E R AT U R A

Qual é a idade da cidadania?

O

Antenor Salzer*

s desenhos de colorido vibrante camuflam a realida-

também o seu estatuto de cidadão dependem da educação que

de da doença. Nas formas e cores surgem afetos li-

lá recebe.

gados à família, aos amigos e à escola. É como se as formas no papel trouxessem de volta o tempo em

Por isso, a criança doente possui direitos garantidos por lei, não

que o corpo não representava ameaça. A perspectiva de retorno

apenas de assistência médica, mas também pedagógica. Essa

às brincadeiras, as árvores frutíferas e as flores borradas relem-

realidade é, entretanto, desconhecida de muitas escolas e de inú-

bram folguedos da saúde e transmitem esperança de retorno ao

meros hospitais que, por isso, não estão preparados para cumpri-

mundo fora do hospital. Entretanto, Maria, do leito 8 (ver página

rem o que determina a lei no sentido de prover a criança doente

9 da cartilha “Os direitos educacionais da criança e do adolescen-

da educação oficial ou de mantê-la estimulada pedagogicamente.

te: orientações para escolas, famílias e hospitais”) revela o outro

Em algumas escolas, por exemplo, determinadas professoras, por

lado da doença: a solidão e a ausência de cores em seu mundo

não conhecerem a lei, acreditam que podem recusar a presença

de paciente internada na enfermaria de pediatria. Essas imagens

de uma criança diabética em sala de aula pelo acréscimo de tra-

ilustram uma realidade bipartite de sentimentos antagônicos. Es-

balho que isso significa.

peranças enfeitam a imaginação. A tristeza acinzenta a vida. Nesse sentido, o curso de Psicologia da Universidade Federal de A enfermaria de pediatria de um hospital talvez seja o seu local

Juiz de Fora (UFJF), tanto a graduação quanto a pós-graduação

mais comovente. Ali, encontram-se crianças com diferentes

em nível de mestrado, vem coordenando, com o apoio das pró-

quadros clínicos: alguns de ótimo prognóstico, outros sem

-reitorias de Graduação e Extensão, do Serviço de Psicologia e do

esperanças de recuperação. Alguns quadros terminais que abalam

Serviço de Pediatria do Hospital Universitário (HU) e com a par-

os profissionais que ali trabalham, desestruturam as famílias,

ticipação da Faculdade de Educação (Faced), um programa de

deprimem as crianças. Algumas ficam pouco tempo, outras

atendimento psicológico e pedagógico à criança doente que se

têm internações mais demoradas e outras, ainda, são pacientes

encontra internada nas dependências do HU da UFJF. Esta é uma

crônicos: pacientes renais, diabéticos, cardíacos etc. Encontram-

ação humanizadora que tem em vista, entre as demais, também

se também nas enfermarias de pediatria, casos desesperadores

o desenvolvimento do sentimento de cidadania: nos profissionais

de crianças com doenças terminais cuja única perspectiva, que

envolvidos, nas crianças internadas e em suas famílias e, ainda,

vem a termo, é o óbito. Alegrias de partidas e luto de perdas.

no trabalho de conscientização dos profissionais das escolas dos direitos da criança enquanto cidadã adoentada.

Em qualquer dos casos, essas crianças estão fora do seu ambiente familiar, desestimuladas pela doença e ausentes da escola. Seu

A cartilha “Os direitos educacionais da criança e do adolescen-

tempo de internação pode causar transtornos emocionais e re-

te: orientações para escolas, famílias e hospitais” agora lançada

presentar uma grande perda de rendimento escolar e a reprova-

como uma ação social da Editora UFJF (EDUFJF), com distri-

ção. Para que isso não aconteça, são fundamentais os programas

buição gratuita, traz todos os esclarecimentos necessários à

de atendimento psicológico e de estimulação pedagógica.

orientação de hospitais e escolas para o atendimento correto e humanizado da criança adoentada. Nesse empenho de diferentes

Entre as inúmeras necessidades de uma criança doente, internada

grupos de trabalho está vinculada a convicção de que o sujeito é

ou com doença crônica que se mantém em tratamento, mas que

cidadão pelo seu nascimento, mas que ele precisa ter os seus di-

continua na esfera doméstica, é o estabelecimento de ações que

reitos reconhecidos para entender as suas obrigações e desfrutar

a mantenham ligada à escola. Não apenas a sua vida pessoal, mas

amplamente da sua condição social.

* Psicólogo clínico; doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Uerj; professor adjunto do curso de Psicologia da UFJF; diretor administrativo da Editora UFJF

A3 - ABRIL A SETEMBRO/2012

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MEMÓRIA

O passado que nos atinge e nos fascina Marialva Carlos Barbosa*

N

um mundo que não cessa de incluir o futuro no

Como explicar as modas retrôs, os filmes antigos repaginados, as

presente, tal a aceleração com que vivemos o

intensas comemorações e a profusão de celebrações do passado?

cotidiano, salta aos olhos a forma como o passado

Como explicar a multiplicação de museus, monumentos e exposi-

tem sido referenciado através de múltiplos trabalhos

ções produzindo exaustiva documentação do passado? Na cena

de memória.

pública, as cerimônias referenciando datas, personagens e acontecimentos, que se transformam em supra-históricos, invadem as

Alguns autores afirmam que estamos sendo “seduzidos pela me-

telas da TV, dando nova significação ao passado.

mória”, como bem disse Andreas Hayssen. Outros, ao contrário, asseguram que vivemos a era da amnésia coletiva tal a forma

Nas imagens ficcionais produzidas nas telenovelas e nas minissé-

como o mundo contemporâneo nos induz em direção ao novo e

ries, o passado passa a ser personagem. Das telas da TV vemos

ao espetáculo de futuro que produzimos no presente.

surgir roupas que mostram que se vive outra época. Móveis compondo os ambientes materializam um passado que conhecemos.

Polêmicas à parte, é visível que o passado nos atinge e nos fascina, transformando-se numa âncora temporal capaz de nos

A memória que permite reconhecer aqueles traços como sendo

fixar em um solo movediço, no qual as referências se encontram

de um tempo histórico nos é informada por um conhecimento

muitas vezes irremediavelmente perdidas.

coletivo, indicando traços de um tempo que designamos no

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MEMÓRIA

passando por Bérgson e Maurice Halbwachs no início do século XX - foi adensada por novas reflexões. Vestígios, restos, farrapos, trabalhos são palavras que tentam explicar esses traços que invadem o presente. É pela ação memorável que se pode acessar o passado, mesmo aquele que não vivemos, mas que nos atinge - e nos fascina. A memória, a partir dos testemunhos que dá ao seu portador a autoridade de ter presenciado algo que pode trazer de volta, é um trabalho que coloca sempre em referência o esquecimento. A memória é dialética fundadora no espírito humano, em relação com a categoria imaginação e com a possibilidade do esquecimento. Memória é experiência vivida, lugar de disputas e de conflitos, na busca incessante por sentido. A memória é também a primeira - e talvez a mais importante abertura em direção ao passado. Cada um de nós possui como estrutura de imaginação imagens-lembrança de um tempo que passou. Essas imagens dão a certeza de que há uma temporalidade cambiante, móvel, indicando a passagem do tempo. Um tempo vivido como progressão que, aprisionado pela narrativa, torna-se a primeira possibilidade de conexão com o passado. Se a memória é a primeira abertura em direção ao passado, a segunda é a sequência de gerações. Sentimos no corpo a passagem do tempo, nas marcas visíveis que figuram na face, no corpo, na certeza inelutável da morte. As marcas visíveis para nós e para todos os outros indicam que a vida passa. O terceiro conector que permite acessar o passado é o rastro, mostrando a passagem de alguém que deixou uma marca e que pode também estar depositada num lugar físico: o arquivo, as bibliotecas, os museus. A questão central: porque preservamos determinados rastros e outros não? calendário. Seduzidos pela memória que, afinal, é construção do presente, acionamos uma história que produz identificação coletiva: todos nos reconhecemos como fazendo parte daquele universo, da mesma ancestralidade. Os trabalhos da memória constroem aderências da vida à história comum, produzindo identificações que se faz também a partir do passado partilhado. Essa profusão de memória levou a um movimento singular do ponto de vista teórico. Diversos campos de conhecimento - a História, a Sociologia, a Psicologia, as Neurociências etctornaram mais complexas as reflexões em torno do fenômeno memorável. E a tradição de construção do conceito - na longa

Instala-se em relação aos rastros a problemática da memória. Os documentos preservados mostram algo feito para durar, tornando-se lembrança do passado no futuro. Estar de posse dessa possibilidade é ser guardião da temporalidade histórica. Deixar rastro significa deixar algo que fixa uma marca do passado em direção ao futuro. O paradoxo é que a passagem não existe mais, mas o rastro permanece. Portanto, é a ação humana que deixa as marcas. O rastro mostra o aqui no espaço e o agora no tempo, ou seja, a própria historicidade do homem. Nada existe sem a ação humana.

linhagem que vem desde o século XIX com os estudos de Freud,

*Vice-Presidente da Intercom; pesquisadora do CNPq; doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro

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LANÇAMENTOS

Divulgação da produção científica é fundamental para fortalecer a pós-graduação FERNANDO LOBO | repórter

A divulgação da produção científica é fundamental para o

na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, com estande próprio – afora

fortalecimento dos programas de pós-graduação. Segundo o diretor

UFJF, apenas a Editora UFMG, que é uma das maiores do país, tinha

administrativo da Editora UFJF, professor doutor Antenor Salzer,

seu próprio estande. Esta participação foi, segundo Salzer, uma

o trabalho realizado pela Editora contribui para o crescimento da

oportunidade de aumentar as vendas, e principalmente, de conso-

instituição e para que ela seja reconhecida como uma referência

lidar a imagem da Editora diante do mercado de livros acadêmicos

de qualidade e de comprometimento com a pesquisa e a inovação.

e do mercado editorial, em geral.

Para Salzer, o fato de a Editora estar localizada no interior não a

Os lançamentos não são exclusivamente voltados para o meio aca-

impede de se destacar entre as grandes da área. Aos 25 anos, com-

dêmico. Atualmente, a editora tem autonomia para trabalhar como

pletados em 2011, mostrou que está bem no mercado brasileiro. No

uma empresa, transformando-se num birô de criação e, por isso,

ano passado foram publicados mais de 50 títulos, entre obras iné-

pode atender a todo o público interessado.

ditas, reedições, reimpressões e periódicos, além da participação

BULLYING: CONHECER E INTERVIR (Altemir Gonçalves Barbosa, Lélio Moura Lourenço e Beatriz Pereira (Orgs.) 148 páginas. R$ 20) Bullying - a “popularização” do tema trouxe como consequências o uso indiscriminado do termo e a disseminação de explicações simplistas, superficiais ou distorcidas a respeito dessa forma de agressão. Com o objetivo de auxiliar pais e educadores a prevenir e combater o bullying, os professores Altemir Gonçalves Barbosa (UFJF), Lélio Moura Lourenço (UFJF) e Beatriz Pereira (Universidade do Minho - Portugal) organizaram esta obra, que se divide em duas partes: conhecendo o bullying escolar e intervindo no bullying escolar.

SILÊNCIOS E EDUCAÇÃO (Anderson Ferrari e Luciana Pacheco Marques (Orgs.) 148 páginas. R$ 25) Os organizadores, professores e pesquisadores Anderson Ferrari (UFJF) e Luciana Pacheco Marques (UFJF), trabalham com a questão da construção das diferenças e das identidades. Eles perceberam que a escola e outros espaços que dialogam com a educação nem sempre são locais de fala, de participação e de troca; mas podem ser também lugares de sofrimento, silenciamento e disciplinamento. Os artigos buscam romper esses silêncios e refletir sobre os processos de construção e de sustentação das relações desiguais entre os sujeitos que compõem a dinâmica escolar.

OS PRÉ-SOCRÁTICOS (Mário José dos Santos. 1ª reimpressão. 136 páginas. R$ 17) O livro vem atender a demanda dos alunos de Filosofia e também do público interessado, em geral. Escrita em estilo tão claro e simples quanto possível, a obra enumera os principais filósofos do período, situa-os em seu contexto histórico e salienta sua contribuição para o desenvolvimento da Filosofia no Ocidente, apresentando textos comparativos, comentários e citações. As ideias gregas constituem a base de grande parte do pensamento ocidental e o estudo dos pré-socráticos é o ponto de partida para uma compreensão mais exata de todas as escolas filosóficas que se seguiram.

A Editora UFJF está situada na Rua Benjamin Constant 790, no prédio do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm) - Juiz de Fora/MG. Tel.: (32) 3229-7646 | Fax: (32) 3229-7645 / E-mail: secretaria@editoraufjf.com.br

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

A memória adormecida de Jorge Couri pode ser despertada pela (e para a) cidade Toninho Dutra Superintendente da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa) e mestre em Educação pela UFJF

E

m 2011, incumbido de organizar uma exposição a partir

visita dele à Funalfa. Neste dia, houve uma longa espera, uma vez

dos registros fotográficos de Jorge Couri, que atuou

que Jorge errou o endereço e atrasou-se por mais de 40 minutos.

ao longo de mais de quatro décadas, conheci o suave

Finalmente chegou, em companhia de sua simpática e comunica-

e encantador Jorge e tomei contato com sua obra. Na

tiva esposa Marilda.

época, trabalhava na edição de estreia do projeto Foto 11, criado pela Prefeitura de Juiz de Fora e pela Funalfa para celebrar

Não o conhecia pessoalmente e ele não se mostrava muito à von-

o Mês da Fotografia - agosto -, para ampliar a visibilidade dessa

tade. Um senhor de 82 anos, ágil no raciocínio, mas com eviden-

linguagem artística e promover o diálogo dos profissionais com

tes limitações físicas impostas pela idade. Quando nos sentamos

o público e com o que é produzido em outras partes do mundo.

à mesa, apresentei a equipe de trabalho e pedi autorização para registrar em vídeo a nossa conversa. Falei da mostra, da homena-

A primeira notícia que tive de Jorge Couri veio do Arquivo Histó-

gem e da necessidade que teríamos de seu auxílio para escolher

rico de Juiz de Fora e de seus inspirados diretores. Foi a partir do

imagens que seriam pinçadas do grande universo de seu acervo.

acervo fotográfico dos extintos jornais “Diário Mercantil” e “Diário da Tarde”, sob a guarda do Arquivo Histórico, que conheci a sig-

Ele, então, se manifestou de forma pouco entusiástica em relação

nificativa produção do profissional. Depois de muitas tentativas

à proposta de trabalharmos com as imagens digitalizadas a

de encontro pessoal com o fotógrafo, conseguimos agendar uma

partir de negativos de um determinado período do acervo dos diários. Disse que só estava ali porque fui muito gentil e educado com ele no período que antecedeu esse primeiro encontro, mas que não era seu desejo mexer “naquelas coisas”, uma vez que

1978 - NA AVENIDA RIO BRANCO, PRÓXIMO À ESQUINA COM A AVENIDA PRESIDENTE ITAMAR FRANCO (ANTIGA INDEPENDÊNCIA), IMÓVEIS NÃO RESISTIRAM AO TEMPO. HOJE, NO LOCAL, HÁ LOJAS, EDIFÍCIOS COMERCIAIS E AGÊNCIAS BANCÁRIAS

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

suas recordações não eram boas e, com certeza, o trabalho

As imagens, pelo menos no princípio, impactaram mais sua es-

resgataria fatos que, na realidade, ele preferia esquecer. No relato

posa Marilda do que a ele mesmo. A presença dela foi funda-

pessoal, fica clara uma grande mágoa em relação ao término das

mental para modificarmos o envolvimento do homenageado. Ela

atividades dos jornais e a forma como ele e outros profissionais,

mostrava com alegria algumas pessoas nas fotos e comentava,

que, durante anos, neles atuaram, foram tratados no ato do

de forma descontraída, as imagens projetadas. As fotografias

encerramento. Jorge Couri, por exemplo, foi proibido de entrar

não causavam incômodo à dona Marilda, que parecia se diver-

no imóvel onde funcionaram os jornais até para pegar pertences

tir e, com prazer, tecia comentários sensíveis sobre a época, as

pessoais.

pessoas e aquele cotidiano retratado. Suponho que a postura da esposa tirou Jorge da proteção do distanciamento que, aparente-

Intuí que nossa proposta poderia ser dolorosa para ele, e que

mente, havia proposto para si. Gradativamente, assumiu o posto

talvez não quisesse participar do movimento. Mas precisava

de comentarista das imagens, e a esposa, não sei se por haver se

construir um caminho: seguir no trabalho ou, em última hipóte-

cansado ou por sua postura de refletir de alguma forma a relação

se, encerrá-lo. A busca da memória não pode ser uma manobra

dos dois, ou, quem sabe, até por, de forma consciente ou não, ter

violenta, então, argumentei que nosso desejo não era falar do

percebido que cumpriu seu papel naquele momento, parece que

jornal, mas dele, Jorge Couri, e de sua produção fotográfica. In-

transmitiu a ele o direito de operar suas memórias.

formo que este seria o foco do trabalho. Ele, então, sugeriu que começássemos. No início, se manteve completamente distante, reticente. As imagens eram apresentadas a ele, projetadas na parede, mas a qualidade perdia muito na comparação com as que apareciam na tela do computador compacto que eu manuseava para que pudesse apresentar a projeção.

1965 - INDÚSTRIA DE REFRIGERANTES LANÇAVA PROMOÇÕES EM CARREATA PELA CIDADE. NO FLAGRANTE, OS CAMINHÕES NA AVENIDA DOS ANDRADAS EM FRENTE AO COLÉGIO SANTA CATARINA

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

1956 - CORRIDA DOS GARÇONS NA AVENIDA RIO BRANCO, PRÓXIMO AO PARQUE HALFELD

1979 - MANIFESTANTES OCUPAM AS ESCADARIAS DA CÂMARA MUNICIPAL EXIGINDO ANISTIA TOTAL E IRRESTRITA PARA OS QUE LUTARAM CONTRA A DITADURA MILITAR

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

JORGE COURI (SEGUNDO À ESQUERDA) EM UMA DAS COBERTURAS DO “DIÁRIO MERCANTIL”

Jorge ficou mais falante. Aceitou o café, antes recusado. Comeu

A primeira reação que, no início, apontava para um caminho de

biscoito e passou a sorrir e a brincar. Pediu umas três vezes que

negação e, até mesmo, sofrimento, foi sendo gradativamente

tentássemos conseguir o acervo de fotos de papel. “Ali, eu já sei,

substituída por outros sentimentos. Seus comentários sobre sua

é meu material. Lidava com aquilo. Aqui (no computador) é dife-

produção passaram a ser prazerosos. As observações agora eram

rente.” Não são muitas as fotos de sua autoria reveladas em papel

acompanhadas de um brilho no olhar, que combinavam mais com

existentes hoje. Na verdade, bem poucas.

alguém que tem orgulho de sua produção. Orgulho e honra de cidadão trabalhador e honesto, já que ele se identifica como um

É importante citar que naquele primeiro dia, nosso encontro se

trabalhador mais do que como um artista. E as memórias foram

prolongou por quase três horas e, como já disse, o sentimento

divididas com a família, que se envolveu no processo.

de nosso homenageado em relação ao trabalho foi se modificando ao longo dessa sessão. No final, ao se despedir, ele pergunta:

Em uma destas conversas Jorge me contou, cheio de orgulho,

“Quando será o próximo dia? Agora me interessa continuar. Já

como conseguiu fotografar a moça soltando uma pomba, na

que comecei, quero ir até o final.” E foi!

abertura dos Jogos Olímpicos Universitários, e ainda me revelou que, entre todas as fotos que tirou, era essa a sua preferida. Foi

Enviamos à sua casa as fotos existentes, além de um conjunto que

assim que, com um sorriso de menino, contou-me da ousadia para

revelamos a partir de negativos e imagens digitalizadas, somando

obter os registros fotográficos do famoso “sequestro da Rua das

mais de 400 imagens. Era no papel que ele reconhecia a si mes-

Margaridas” (ocorrido em 1990 em Juiz de Fora e que mobilizou

mo, o tempo que chamava de seu e o trabalho que desenvolveu

a mídia nacional), e ainda me disse de suas preferências: fotogra-

ao longo de uma vida inteira. Era assim que suas memórias eram

far crianças, principalmente, as mais pobres; os políticos e suas

operadas e foi assim que a mágoa inicial cedeu lugar ao entusias-

obras; eventos envolvendo autoridades da cidade; seu cotidiano

mo e ao orgulho por sua significativa produção.

e os lances fantásticos do futebol. Foi assim que Jorge Couri trabalhou com suas memórias e nos ajudou a fortalecer a memória coletiva da cidade.

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

1980 - TRADICIONAL CHUVA DE PAPEL PICADO NO CALÇADÃO DA RUA HALFELD

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

ABERTURA DE UMA DAS EDIÇÕES DOS JOGOS OLÍMPICOS UNIVERSITÁRIOS REALIZADOS NA UFJF

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

1964 - VERÕES MARCADOS POR ENCONTROS NO SPORT CLUBE JUIZ DE FORA

1956 - RESISTINDO AO TEMPO, A CASA CHIC FUNCIONA NO MESMO ENDEREÇO, NA REGIÃO CENTRAL DA CIDADE, DESDE OS ANOS 30

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

1965 - DESFILE DE CORSOS DURANTE OS DIAS DE CARNAVAL

1990 - JORGE COURI DURANTE A COBERTURA DO “SEQUESTRO DA RUA DAS MARGARIDAS”, FATO QUE OBTEVE AMPLA COBERTURA DA MÍDIA NACIONAL

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

1952 - ESCOLHA DA RAINHA DO TUPI MOBILIZAVA A SOCIEDADE JUIZ-FORANA

1970 - LONGE DA ERA DIGITAL, A PERCEPÇÃO DO FOTÓGRAFO NO MOMENTO MÁGICO DO FUTEBOL

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

1952 - CAFÉ DIA E NOITE, NA ESQUINA DA AVENIDA GETÚLIO VARGAS COM RUA MARECHAL DEODORO, NO MESMO LOCAL DESDE SUA INAUGURAÇÀO

1969 - PRÉDIO DOS GRUPOS CENTRAIS, REFERÊNCIA ARQUITETÔNICA DO CENTRO DA CIDADE

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

1963 - LOJA DA GASTAL S.A., EM EXPOSIÇÃO QUE TINHA COMO UM DOS DESTAQUES O CARRO GORDINI

1965 - A ENTREGA DE LEITE ERA FEITA POR CARROCEIROS EM TODA A CIDADE

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LEIA-ME

Promessa Luiz Ruffato*

M

eu pai vivia bêbado. Talentoso, no entanto não con-

Uma sexta-feira, meu pai entrou em casa exultante, ligeiramente

seguia manter-se em nenhum serviço. Não nasci

alto, Ganhei no jogo do bicho! Ganhei no jogo do bicho! Macaco

pra ser empregado de ninguém, revoltava-se. Acor-

na cabeça!, sobraçando um saco de pães quentinhos, mortadela

dava cedo, antes de todos, e saía, envergonhado,

fatiada e um litro de refrigerante. Era um fim de tarde, e minha

só aparecendo à noite, cambaleante, fedendo à cachaça, sombra

mãe se apurava para terminar dois vestidos para um casamento

se esgueirando no mundo. Minha mãe, com suas costuras, é quem

no dia seguinte. Conciliador, meu pai falou, Para um pouco, Cinira,

sustentava a casa. As discussões, antes frequentes, já nem mais

vem comemorar com a gente! Mas, ela, indignada, concentrou-

ocorriam – ele dormia num sofá velho, onde os gatos afiavam as

se ainda mais no trabalho. Percebendo a decepção do meu pai,

garras, a pequinesa entre as pernas. Nós éramos quatro meni-

tentamos, eu e minhas irmãs, consolá-lo. Arrumei a mesa de

nas em escadinha, para desgosto dele: eu, Ju, a maior, 12 anos;

fórmica da cozinha, e comemos, prazerosamente, o pão com

a Nem, 11; a Zô, 9; e a Bia, 7. Morávamos numa casa modesta,

mortadela, e nos fartamos de refrigerante. Ele não tocou em nada,

quintal pequeno, acimentado, uma jabuticabeira no centro que

limitando-se a observar, melancólico, talvez imaginando, naquela

dava frutos quase que com raiva, expulsando os caroços negros

cena, a vida que poderia ter sido. Dia seguinte, acordou tarde, e

que explodiam no chão, abertos em carnadura branca. No come-

saiu, dizendo que voltaria com uma surpresa. Como já estávamos

ço, gostava de jabuticaba, mas com o tempo enjoei, o cheiro me

acostumados com suas promessas nunca cumpridas, fomos para

causava náuseas. Meu pai se prontificou a cortar a árvore, minha

o quintal, brincar de casinha. No começo da noite, minha mãe já

mãe se interpôs, e essa foi a última e pior briga entre eles, Você

havia despachado as últimas encomendas e assistíamos televisão

é amaldiçoada, Cinira, ele gritou, Dessa barriga só nasce mulher!

na sala desarrumada, ele voltou, um pacote na mão, e, bafo de

E nunca mais se falaram. Eu passei a odiar meu pai que, por não

bebida ordinária, dirigiu-se à minha mãe, Olha, Cinira, o que eu

colocar dinheiro em casa, obrigava minha mãe a se desdobrar na

trouxe pras meninas. E desembrulhou sobre a mesa, orgulhoso,

máquina de costura, dia e noite o entra e sai de gente que vinha

quatro uniformes completos do seu time: camisa, calção, meias.

encomendar um vestido, conferir um ajuste, aviar um modelo. Vi-

Gastara todo o restante do prêmio com aquilo. Minha mãe

víamos escondidas entre retalhos, manequins e linhas esfiapadas,

levantou-se, aos berros, Você não tem juízo mesmo!, e fechou-

chafurdando em cores e texturas. Mas nós nos amparávamos:

se no quarto, chorando. Ele, desconcertado, mirou-nos, os olhos

mamãe tomava conta de nós, e nós cuidávamos umas das outras,

brilhando: Amanhã vamos ao estádio, eu vou comprar picolé,

cidadela inexpugnável contra as mazelas do mundo.

cachorro-quente, tudo que vocês quiserem, está bem?, tudo que vocês quiserem.

*Escritor, autor de “Eles eram muitos cavalos” (também publicado na Itália, na França, em Portugal e na Argentina); “Estive em Lisboa e lembrei de você” (também lançado em Portugal, Itália e Argentina); e da série “Inferno provisório” (composto por cinco volumes: “Mamma, son tanto felice”, “O mundo inimigo”, “Vista parcial da noite”, “O livro das impossibilidades” e “Domingos sem deus”, sendo que o primeiro foi lançado também na França e no México, e o segundo, na França); tem histórias publicadas em francês, espanhol, inglês, italiano, sueco e polonês; escritor-residente na Universidade da Califórnia (Berkeley - EUA)

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A3

Revista de jornalismo científico e cultural da Universidade Federal de Juiz de Fora



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