REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA NÚMERO 03 - OUT / 2012
Pesquisadores usam plantas e nanotecnologia para sintetizar o segredo do rejuvenescimento
UFJF adquire banco de acervos digitais e tablets para consulta
Novos nacionalismos da América do Sul modificam equilíbrio geopolítico do continente
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
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A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
E d itorial
O desafio de aprimorar o jornalismo de qualidade, tratando com clareza a informação científica
T
odos
à
Nas aulas da Faculdade de Comunicação
Outra grande preocupação da “A3” é valorizar
enxurrada de informações que nos são
(Facom) da Universidade Federal de Juiz de
a produção local da UFJF, mostrando como ela
apresentadas,
com
Fora (UFJF), todo aluno começa a entender o
está inserida no cenário contemporâneo, isto é,
realmente
complexo processo de construção da notícia,
como as pesquisas, os produtos e as práticas
importa? O que muda a nossa vida? O que
que leva em conta fatores tão variados quanto
de inserção social estão fazendo com que a
interfere na nossa vizinhança, na cidade, no
a proximidade, o impacto, a atualidade, a
Universidade ganhe credibilidade, expressão e
país e mesmo no mundo? Qual o limite entre
notoriedade, a amplitude, o exotismo,
conquiste
aquilo que nos informa e o que apenas nos
inesperado, entre outros. Fatores que não têm
internacionalização
diverte? Por que a violência vende mais jornal
mudado muito nos últimos séculos. Mesmo
transparência na prática pública, a comunicação
do que a solidariedade? Por que as vilãs são
sabendo que a máxima “o homem que morde o
é um instrumento de inestimável valor para
hoje tão mais sedutoras do que as moças de
cão” tem um valor-notícia maior do que a
promover resultados mais democráticos, dar
boa vontade?
afirmativa
os
mais visibilidade à instituição, torná-la mais
artifícios que podem fazer com que a matéria-
respeitada e, assim, contribuir para a cidadania
Quando a equipe da “A3” se reúne para discutir
prima de uma Universidade, isto é, a produção
plena da população brasileira.
a produção da revista, que você lê agora, não é
de conhecimento, a ciência, a cultura, torne-se
diferente. O que o leitor quer ver impresso? O
atraente para cativar o interesse do leitor.
indagações
nós,
diariamente,
frente
deparamo-nos
frequentes:
O
que
inversa,
debatemos
sobre
o
reputação. e
Frente à
à
inevitável
necessidade
de
Nesta terceira edição, procuramos aprimorar
que lhe interessa? O que é importante na vida
ainda mais o conceito de jornalismo de
dele? E não temos como responder isso, sem
Nossas questões vão além. É preciso dialogar
qualidade, tratando a informação científica
levar em conta nossos próprios interesses,
com os pesquisadores e convencê-los de que,
com clareza, mas também com atrativos que
nossa subjetividade e nossos valores. Para
para atrair o leitor, devemos “embalar” a
convidem o leitor a compreender melhor o que
ampliar a análise sobre a seleção dos fatos que
informação de forma a ganhar a competição
a nanotecnologia, a partícula de Deus, os
vão virar notícia, debatemos nossa pauta com
com outras centenas de atrações que insistem
nacionalismos
o Conselho Editorial, que reúne especialistas de
em “roubar” a sua atenção. Este é um processo
europeia têm a ver com a vida de cada um de
várias áreas do conhecimento. Mas, ainda
lento, que exige confiança de ambas as partes.
nós. Mais que isso, de que maneira a informação
assim, ficam dúvidas: conseguimos fazer a
E
da
de qualidade, indissociável da educação, pode
revista que nosso leitor quer ler? Conseguimos
instantaneidade e do conforto, certamente é
colaborar para que nos transformemos numa
também ajudar na formação de leitores e, neste
grande o desafio para ganhar o tempo e a
Universidade,
caso, de leitores mais críticos?
reflexão do leitor, a sua parceria, mas sem isso,
desigualdade e de mais humanidade.
resultados
de
excelência.
Na
era
sul-americanos
cidade
e
país
ou
de
a
crise
menos
nada vale.
Boa leitura! Christina Ferraz Musse Editora-chefe
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aprazível, aproveitando da natureza o que ela generosamente nos proporciona, é uma tarefa nossa. Conservar esse patrimônio, que é de todos, é responsabilidade sua. Cuide bem do que é seu.
03 REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA REITOR Henrique Duque de Miranda Chaves Filho VICE-REITOR José Luiz Resende Pereira CONSELHO EDITORIAL Alexander Moreira (Faculdade de Medicina) Anderson Ferrari (Faculdade de Educação) Cícero Inácio da Silva (Instituto de Artes e Design) Cristiano José Rodrigues (Faculdade de Comunicação) Edimilson de Almeida Pereira (Faculdade de Letras) Heloísa D’Avila (Instituto de Ciências Biológicas) Jorge Mtanios Iskandar Arbach (Faculdade de Engenharia) Marcelo do Carmo (Instituto de Ciências Humanas) Paulo Monteiro Vieira Braga Barone (Instituto de Ciências Exatas) Paulo Nepomuceno (Faculdade de Engenharia) Paulo Roberto Figueira Leal (Faculdade de Comunicação) Robert Willer Farinazzo Vitral (Faculdade de Odontologia) Suzana Quinet (Faculdade de Economia) COMISSÃO EDITORIAL Anne Marie Autissier (Universidade de Paris VIII) Antônio Fernandes de Carvalho (Universidade Federal de Viçosa) Cláudio Soares (Fapemig) Luiz C. Wrobel (School of Engineering and Design - Brunel University Middlesex, UK) Luis Felipe Feres Pereira (University of Wyoming – USA) Márcio Simeone Henriques (Universidade Federal de Minas Gerais) EXPEDIENTE Editora-chefe Christina Ferraz Musse Editora Oseir Cassola Reportagens Bárbara Duque, Carolina Nalon, Fernando Lobo, Flávia Lopes, José Renato Lima, Raul Mourão, Valéria Borges Costemalle Colaboradores Alice Bettencourt; Cícero Inácio da Silva; Fernando Hernández; Franciane Moraes; Frédéric Vandenberghe; Guilherme Côrtes Fernandes; Jorge Arbach; José Nalon de Queiroz; Leandro Ramos de Araujo; Marcela Matamoros; Marcos Vinício Chein Feres; Nathália Corrêa; Prisca Agustoni; Wendell Guiducci; Wilson Cid Coordenador de Criação Fred Belcavello Projeto Gráfico Cléber “Kureb” Horta Diretor de Fotografia Marcelo Viridiano Fotógrafos Alexandre Dornelas; Frederico Boza; Tiago Gandra Ilustração Cléber “Kureb” Horta; Joviana Marques; Phillip Douglas Capa Raruza Schiavi - estudante do Mestrado da Faculdade de Comunicação Produção Renata Botti, Taís Marcato Marketing Valéria Borges Costemalle Revisão Rafael Costa Marques REVISTA A3 Rua José Lourenço Kelmer, s/n - Campus Universitário Bairro São Pedro - CEP: 36036-900 - Juiz de Fora - MG Telefones: (32) 2102-3967/ 3968/ 3997 E-mail: revistaa3@secom.ufjf.br Impressão: Gráfica América Tiragem: 10 mil exemplares
ÍNDICE 6 - VOZ DO LEITOR
Leitores avaliam a última edição e dão sugestões para a Redação da “A3”
7 - INOVAÇÃO Programa da Petrobras fortalece a formação de alunos da Engenharia Elétrica
8 - GEOPOLÍTICA Governos com tendência esquerdista reacendem debate sobre nacionalismo na América do Sul
12 - PESQUISA Documentos, drogas ilícitas, produtos alimentícios e matérias de origem marinha são alguns dos produtos analisados pelo Núcleo de Espectroscopia e Estrutura Molecular da UFJF, referência na área
16 - ENCONTROS POSSÍVEIS O sociólogo francês Michel Maffesoli, em entrevista a docentes da UFJF, fala sobre a crise da concepção vertical das universidades europeias, pós-modernidade e ecosofia
19 - INTERNACIONALIZAÇÃO
Graduação a distância, intercâmbio, vagas para refugiados políticos e convênios interinstitucionais aproximam a África do Brasil
24 - POLÍTICA Professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, Frédéric Vandenberghe, analisa a crise na Europa
26 - GRADUAÇÃO Ensino jurídico é o tema do artigo do diretor da Faculdade de Direito da UFJF, Marcos Vinício Chein Feres
27 - INICIAÇÃO CIENTÍFICA Programa de Educação Tutorial (PET) comemora 20 anos de atuação na UFJF
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www.ufjf.br/secom/A3 28 - PESQUISA
49 - MUNDO DIGITAL
A UFJF é uma das quatro instituições brasileiras que buscam
No artigo do professor e pesquisador Cícero Inácio, a irreverência
soluções para o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), no
da série Black Mirror, da rede pública de TV Britânica Channel 4,
experimento Atlas
sobre o poder das redes sociais
31 - MEIO AMBIENTE
50 - ALÉM DA PALAVRA
Professores da UFJF participam da elaboração do Primeiro Relatório
A comunicação visual é o tema abordado pelo designer gráfico
de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas
Jorge Arbach no artigo “Ilustração descritiva e ilustração
34 - PESQUISA
interpretativa”
De olho na inovação, pesquisadores investem em novas tecnologias
52 - TESES E DISSERTAÇÕES
para suprir demandas do setor de cosméticos, um dos mercados
Dissertação sobre literatura marginal e periférica, defendida na
que mais cresce no mundo
UFJF por Carolina de Oliveira Barreto, conquista o 2º lugar do Prê-
38 - SAÚDE
mio Anpoll 2012
O professor da Faculdade de Medicina e delegado do CRMMG, José
55 - LITERATURA
Nalon, analisa os riscos dos estágios extracurriculares
O jornalista Wilson Cid ressalta a importância de se preservar a
39 - OLHAR ESTRANGEIRO A cultura visual é o tema abordado pelo professor da Universidade de Barcelona, Fernando Hernández
41 - REPENSAR A UNIVERSIDADE Especialistas das mais diversas áreas participam de seminário da Pró-reitoria de Graduação, em sua segunda edição, e refletem sobre o tradicional fazer universitário
43 - EXPANSÃO Com a criação do campus avançado em Governador Valadares, UFJF impulsionará o resgate econômico e cultural do município
46 - TESES E DISSERTAÇÕES
memória do rádio e da TV na resenha sobre o livro “Cariocas do brejo entrando no ar: o rádio e a televisão na construção da identidade juiz-forana”, dos docentes Flávio Lins e Cristina Brandão
56 - LANÇAMENTOS Entre os lançamentos da Editora UFJF, livros sobre sociologia, esporte e odontologia
57 - MÚSICA Glitter Magic, banda de rock que começou como brincadeira, vira coisa séria, conquista público em países como Grécia, Holanda, França e Reino Unido, e assina com selo italiano Heart of Steel
58 - BIBLIOTECA Para facilitar o acesso às bases digitais adquiridas recentemente, a Universidade será a primeira instituição federal a disponibilizar tablets e e-readers para os alunos. Investimento em bases e equipamentos chega a R$ 600 mil
61 - ENSAIO FOTOGRÁFICO As belezas arquitetônicas das galerias são reveladas nas fotos de Gleice Lisboa, presentes no livro “Passagens em rede: a dinâmica das galerias comerciais e dos calçadões nos centros de Juiz de Fora e de Buenos Aires”, do docente Frederico Braida Premiada pela Capes, tese sobre samba defendida na UFJF entrelaça histórias de músicos, jornalistas e gravadoras em uma
66 - LEIA-ME
análise sócio-histórica da música popular urbana brasileira
Prisca Agustoni, mestre em Letras Hispânica, presenteia o leitor com o conto “Bésame mucho”, extraído do livro “A neve ilícita”
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VO Z DO LEITOR
Seu Espaço
E
sta seção é reservada para ser o seu espaço. Contribua para que aprimoremos cada vez mais a nossa publicação. Envie sugestões, críticas e temas de pesquisas, dissertações e teses que gostaria de ver nas nossas páginas. Aguardamos a sua contribuição. E-mail: revistaa3@secom.ufjf.br
“Recebi um exemplar do número 2 da revista “A3”. Parabéns pelo trabalho primoroso desenvolvido pela equipe. Estou encantado com o trabalho.
Mauro Lovatto (Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de São João del Rei - UFSJ)
para o desenvolvimento econômico e social do estado de Minas Gerais. Parabenizo pelo sucesso que a revista está alcançando junto ao meio acadêmico e à sociedade como um todo. Desejo à equipe muito sucesso à frente de mais este desafio.” Francisco Campolina
“Gostaria de parabenizar a todos os atores envolvidos na redação da revista “A3”, pela iniciativa, pelo empenho e desempenho demonstrado na divulgação científica, fator imprescindível para a motivação de novos talentos determinados a alcançarem inovação, mudanças e consciências novas. Parabéns UFJF!”
(Presidente da Fiemg Regional Zona da Mata)
“Parabéns a toda equipe pela excelente revista. A “A3” é uma janela do conhecimento científico produzido na Universidade para a comunidade. Nas próximas edições sugiro que os autores disponibilizem referências bibliográficas, sites e links de artigos científicos para aprofundamento da leitura.”
Sérgio Crisóstomo dos Reis (Bibliotecário-documentalista da Faculdade de Direito da UFJF)
“Acredito ser muito importante para a nossa cidade e região a existência da “A3”, um veículo de comunicação que divulga os trabalhos desenvolvidos pela UFJF, referência nacional de universidade. A “A3” está desempenhando um ótimo papel nesta missão, abordando ricos e diversos conteúdos em suas matérias, colaborando efetivamente para a democratização ao acesso à cultura e
Márcia Gonçalves da Silva Cunha
“Parabéns à equipe pelo belo trabalho que tem realizado através da revista “A3”. Um espaço dedicado à divulgação científica e cultural produzida na Universidade que há tempos era necessário.”
Fábio Fortes (Professor Adjunto de Latim e Grego Clássico da UFJF)
“Agradeço a gentileza de ter recebido a excelente revista “A3”, nº 2. Eu já a havia lido no site. A revista, além de ser perfeita no conteúdo, tem também uma beleza física que desperta o interesse de colecioná-la. Acho que ela atendeu a todos os propósitos para os quais foi criada.” Ana Miranda (Juiz de Fora)
4ª Capa O desenho da 4ª Capa, intitulado “Espaço Interno do ICE”, é da ex-aluna do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, Bárbara Botelho. Utilizando a técnica nanquim sobre cartão, reproduz um detalhe do Instituto de Ciências Exatas (ICE), localizado no campus.
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(Tutora presencial do curso de Administração Pública na modalidade Educação a Distância da UFJF do Polo de Bicas-MG)
IN OVAÇ ÃO
UFJF e Petrobras: formação diferenciada para futuros engenheiros eletricistas Leandro Ramos de Araujo*
A
tualmente, a questão da qualidade da
e a Petrobras; reduzir a taxa de evasão,
formação
formação é uma grande preocupação
incentivando o aluno, desde o início do curso, a
palestras, cursos de formação complementar,
diferenciada,
participam
de
nas áreas de engenharias no Brasil,
se dedicar exclusivamente aos estudos e às
visitas técnicas e desenvolvem projetos de
uma vez que erros cometidos em projetos e
atividades de desenvolvimento, por meio de
interesse da indústria de energia.
empreendimentos, especialmente na área de
concessão
tecnologia, por recursos humanos com baixa
processo de ensino-aprendizagem, por meio
Com isso, espera-se que esses bolsistas entrem
qualificação, aumentam muito os custos, além
dos dados e das conclusões obtidos a partir de
no mercado de trabalho com uma sólida base
de poder trazer problemas de segurança
estudos que serão desenvolvidos pelos alunos
de conhecimento e boa qualificação. Os outros
humana ou de equipamentos. Procurando
bolsistas ao longo de sua formação; produção
alunos da Engenharia Elétrica também se
aumentar a eficiência e a segurança e melhorar
científica nas linhas de pesquisa, na forma de
beneficiam
a utilização dos recursos, torna-se imperativo
trabalhos
algumas atividades são abertas a todos, além
a boa qualificação dos recursos humanos.
patentes.
Com essa visão, a Petrobras lançou o Programa
Para participar do PFRH, a instituição deve
de Formação de Recursos Humanos (PFRH)
trabalhar com áreas de conhecimento de
O PFRH na Engenharia Elétrica da UFJF possui
para ampliar e fortalecer a formação de
atuação estratégica da indústria de petróleo,
24 bolsistas de graduação. O coordenador do
recursos humanos voltados ao atendimento
gás, energia e biocombustíveis, bem como as
projeto é o professor Leandro Ramos de
da demanda por profissionais qualificados na
demais
às
Araujo e a comissão gestora é formada pelos
indústria
e
atividades do setor e possuir reconhecido
professores José Luiz Resende Pereira (vice-
biocombustíveis com os principais objetivos:
potencial de desenvolvimento em áreas de
reitor da UFJF) e Débora Rosana Ribeiro
possibilitar a realização de atividades de
conhecimento da indústria da Energia.
Penido Araujo.
professores e alunos; formação de recursos
O curso de Engenharia Elétrica da Universidade
O aluno recebe atualmente uma bolsa no valor
humanos em atendimento às necessidades da
Federal de Juiz de Fora (UFJF) participa do
de R$ 450 como incentivo, mas para a sua
cadeia
PFRH na formação especializada de recursos
permanência no programa PFRH, não pode ser
fortalecer o intercâmbio e o compartilhamento
humanos
reprovado em nenhuma disciplina.
de conhecimentos entre instituições de ensino
Industriais.
de
em
bolsas;
eventos,
contribuir
com
periódicos
e
o
até
do
PFRH
na
faculdade,
pois
do programa gerar melhorias de infraestrutura para o curso de Engenharia Elétrica.
de
petróleo,
gás,
energia
áreas
de
apoio
necessárias
aprimoramento contínuo e atualização de
produtiva
do
setor
da
energia;
na Os
área
de
bolsistas
Sistemas do
Elétricos
projeto
têm
* Professor do curso de Engenharia Elétrica; coordenador do Programa de Formação de Recursos Humanos da Petrobras na UFJF A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
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Geopolítica
Na Argentina, faixas de protesto próximo à Casa Rosada, em Buenos Aires, e pichação em prol de Cristina Kirchner em bairro portenho
Em Copacabana, na Bolívia, cholas, senhoras com traços indígenas e roupas tradicionais, e bandeira do país em Uyuni
A América para os sul-americanos Movimento que tomou conta da América do Sul, com governos de tendência à esquerda em ascensão, reacende o debate sobre nacionalismos RAUL MOURÃO Texto e fotos
N
a recepção de um museu, no deserto
foi Hugo Chávez, em 1999, na Venezuela; e o
de História Americana do Departamento de
de sal do Uyuni, a 552 quilômetros de
mais recente é Ollanta Humala, no Peru (ver
História da UFJF, Luiz Antônio Arantes.
La Paz, na Bolívia, a foto do presiden-
quadro na página 11).
te Evo Morales aparece afixada ao lado de
O processo de internacionalização, intensifica-
dois cartazes com o rosto dele e a frase “Povo
Para o coordenador do Centro de Estudos Es-
do na década de 90, flexibilizou e expandiu
constituinte, Evo presidente”. Em frente ao
tratégicos da Universidade Federal de Juiz de
fronteiras, relações de trabalho, transporte,
museu, bandeiras de vários países estão has-
Fora (UFJF), Ricardo Vélez, colombiano natu-
comunicação e tecnologias. E questionou sím-
teadas, mas falta a dos Estados Unidos (EUA),
ralizado brasileiro, o surgimento desses gover-
bolos nacionais. “O Equador aboliu sua moeda,
embora haja turistas americanos frequentes.
nos relaciona-se à globalização, que suscitou
o sucre, e passou a usar o dólar”, lembra o dou-
O retrato, o lema e a ausência da bandeira são
um refluxo: os nacionalismos. “A ´esquerdiza-
tor em Ciência Política e professor da Faculda-
sinais de um movimento que tomou conta da
ção` é resultado da falência do modelo neoli-
de de Comunicação da UFJF, Paulo Roberto
América do Sul: governos de tendência à es-
beral e tem mais sentido com o movimento do
Figueira Leal. A política econômica seguiu os
querda em ascensão com discurso de revalori-
próprio capitalismo do que com relações mais
preceitos do Consenso de Washington. Pro-
zação nacional. O primeiro a chegar ao poder
longínquas na história”, completa o professor
posto por instituições financeiras, como o Fun-
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GE O polít ica
Na Bolívia, manifestação folclórica em Potosí; no Chile, painel em estação de metrô de Santiago sobre a conquista da independência chilena
Em frente ao palácio da Moeda, em Santiago, no Chile, apresentação da dança nacional, a “cueca”; em Lima, no Peru, a Guarda Nacional
do Monetário Internacional (FMI) e o Banco
mentos sociais. “Na medida em que se organi-
patriotismos inclui o período de colonização. É
Mundial, o consenso, ampliado, recomendava o
zam, reivindicam elementos que permitam
o caso da extração de prata em Potosí (Bolívia),
Estado com pouco peso na economia, discipli-
mais autonomia”, ressalta o professor de Geo-
a 540 quilômetros de La Paz. “A prata
na fiscal, reforma tributária, câmbio de merca-
grafia Política do Departamento de Geociên-
transportada para a Espanha, em pouco mais
do, privatização de empresas estatais e aber-
cias da UFJF, Vicente dos Santos. Evo Morales
de um século e meio (1503 a 1660), excedia
tura comercial. “Teoricamente, os países esta-
ascende com a revolta de indígenas contra a
três vezes o total das reservas europeias”,
riam numa situação de bem-estar superior
exploração de gás e limitações no cultivo da
relata o uruguaio Eduardo Galeano, no clássico
quanto mais aberta fosse a economia, porque
folha de coca.
“As Veias Abertas da América Latina”, entregue
teriam condições de explorar seus pontos for-
por Chávez a Barack Obama em 2009. Outro
tes, de vantagens comparativas. Quando se
“Uma das variantes concretas do nacionalismo
escritor e político liberal, o peruano Mario
quebra a barreira da proteção, tende a haver
é a estatização, com o discurso de que fomos
Vargas Llosa, Nobel de Literatura, reconhece
mais competição”, diz o especialista em eco-
despojados por estrangeiros, ricos e elites”,
que há fatores externos alheios ao controle dos
nomia internacional e professor da Faculdade
contrapõe Ricardo Vélez. Evo retomou o
países, mas alerta que a “esquerda latino-
de Economia da UFJF, Cláudio Vasconcelos.
controle estatal sobre o gás, Chávez sobre a
americana insiste em promover a ‘transferência’
Ao mesmo tempo em que ocorria a entrada de
PDVSA,
freudiana da responsabilidade dos problemas”
bens tecnológicos e barateamento de custo
petrolífera YPF. Espelham-se na Petrobras. “É
em produtos, houve aumento da pobreza e da
um
crise econômica em países latinos. A Argenti-
produtora de hidrocarbonetos no passado -
Para analisar a culpa e desatar os nós
na, de 1999 a 2002, teve queda de 19,5% no
não ter mantido peso do Estado na área.
geopolíticos, os novos divãs têm sido os
Produto Interno Bruto (PIB), e viu, de 2001 a
Houve febre privatizante que vendeu as joias
assentos em órgãos regionais próprios, pelos
2003, cinco presidentes passarem pela Casa
da coroa. Depois fizeram falta”, argumenta
quais o posicionamento em bloco e projetos
Rosada. “O fracasso das políticas públicas as-
Paulo Roberto. Segundo Vélez, em momentos
nacionais seriam revalidados. Após a rejeição,
sociadas a esse ideário neoliberal talvez tenha
modernizadores
incluindo
em 2005, da proposta da Área de Livre
fortalecido a volta a um discurso nacionalista
privatização, a mentalidade dos dirigentes não
Comércio das Américas (Alca), encabeçada
como estratégia de proteção contra o mundo
mudou. “Foi uma privatização com cabeça
pelos EUA, são criados o Banco do Sul e a
globalizado”, afirma Paulo Roberto. A América
patrimonialista, em benefício de amigos.” A
União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e
do Sul assistiu ao recrudescimento de movi-
justificativa
ampliado o Mercosul. A entrada da Venezuela,
e
Cristina
contrassenso
para
Kirchner a
do
reassumiu
Argentina
continente,
reestatizações
-
a
do subcontinente.
grande
e
outros
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Geopolítica
terceira economia regional, no bloco trouxe o
imprensa
periódicos,
reinados, e nos países pulverizados, após as
receio de o novo membro minar os parceiros
financiando-os com propaganda oficial. “Se
independências, poucos cidadãos detinham
com ideologia contrária ao mercado e reduzir
alguém critica os Kirchner, isso se deve ao fato
grandes propriedades e exerciam controle
as
Para
de ser reacionário, fascista, atrasado; de estar a
sobre grupos da população pobre e agrária,
Vasconcelos, há risco de Hugo Chávez tornar
serviço do neoliberalismo e do capitalismo
explica a docente Beatriz. “Desenvolveu-se
as negociações mais complexas, mas não a
selvagem”, alerta uma das principais vozes
uma estrutura de poder em que a ideia do
ponto de enterrá-las, pois o Brasil e a Argentina
críticas, o secretário geral de Redação do
chefe se sobrepôs à da nação, com a política
são os dois principais jogadores da união
diário “La Nación”, Carlos Reymundo Roberts,
muito baseada no carisma dele”, afirma o
aduaneira, permeada de exceções. Já a Unasul
no livro “Aguanten los K” (“Aguentem os K”). O
professor Arantes. A lista inclui Símon Bolívar,
“representa
sentido
governo contra-argumenta que há oligopólio
Gaspar de Francia, Fidel Castro, Juan Domingo
geopolítico, de reforçar essa escala regional
na mídia, cobertura enviesada e oposição
Perón e sua mulher, Evita, a “mãe dos pobres”,
nas relações internacionais; uma resposta à
fraca. Situações semelhantes ocorrem na
entre outros. No Brasil, Getúlio Vargas e Lula
Organização dos Estados Americanos (OEA),
Venezuela, na Bolívia, no Brasil e no Equador.
seriam
muito influenciada pelos EUA”, afirma Santos.
“Por que temos que seguir enchendo os bolsos
transferência do poder no país ocorreu mais
relações
externas
um
do
Mercosul.
contrato,
no
e
cooptar
outros
os
poucos
carismáticos,
pois
a
de meia dúzia de famílias que manejam a
pela tradição, entre imperadores e oligarquias.
Pelo Twitter, o presidente do Equador, Rafael
comunicação a nível nacional?”, questiona
De modo geral, esses governantes distribuíram
Correa, defende que a Unasul representa um
Rafael Correa.
renda,
criaram
estatais,
partidos
e
“novo tempo: do Consenso de Washington ao
estabeleceram contato direto com as massas.
consenso sem Washington. Nossa América
O forte apoio popular recente também se
não
baseia no crescimento econômico da América
recebe
mais
ordens
de
´certas`
embaixadas”. O aviso reforça o entendimento de que, conforme a docente de História Americana do Departamento de História da UFJF, Beatriz Domingues, “a afirmação da identidade latina passa por uma crítica ferrenha ao modelo americano”. A professora da Faculdade de Letras da UFJF, Rose Mary Nascif, entende que é preciso “buscar
um
caminho
intermediário,
que
“Uma das variantes concretas do nacionalismo é a estatização, com o discurso de que fomos despojados pelos estrangeiros, ricos e elites” (Ricardo Vélez - coordenador do Centro de Estudos Estratégicos/UFJF)
do Sul: 5,3%, de 2002 a 2010, ante 3,9% da média mundial. O processo caudilhista tem forte influência sobre o tipo de democracia que será executada nos países. Embora tenham se inspirado na filosofia republicana dos EUA e no liberalismo da França, a versão latina das constituições sofreu interferência dos grupos de poder locais, ressalta o cientista político e professor do Departamento de Ciências Sociais da UFJF,
pulverize a visão maniqueísta de ´inocentes` e
Rubem Barboza Filho. “Prevaleceu a linguagem
´culpados`, revestida de uma simplicidade reducionista e equivocada, agrupando os bons
Vélez percebe o messianismo em Chávez,
dos afetos. Tivemos déficit teórico e prático
colonizados
de
um
colonizadores
de
outro,
e
os
maus
quando o presidente usa outdoors com a
para criar democracia.” A história mostra
as
mulheres
palavra “Ressuscitei”, anunciando sua cura
sucessão de golpes de Estado e o controverso
bondosas e os homens malvados de outro”. A
contra o câncer. Néstor Kirchner, morto em
impeachment constitucional no Paraguai em
pesquisadora comparou, em seu doutorado, a
2010, também é adorado. “São inauguradores
junho de 2012. “Sem dúvida, houve um golpe
situação da mulher na literatura com a da
de um tempo, de uma salvação que vem com
inaceitável. Acreditávamos que esse tipo de
América Latina no mundo. “O espaço de
essa nova época. Nunca antes na história desse
situação estava superado na região”, lamenta
mediação
país...”, diz, referindo-se ao chavão do ex-
Cristina Kirchner. Segundo o professor Paulo
presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
Roberto, Chávez “reverbera grande parte dos
O professor Paulo Roberto ressalva que o
traços mais atrasados” da esquerda caudilhista
personalismo
é
latino-americana. “Mas daí a pintá-lo como o
amplificado
nos
confere
lado ou
uma
interface
de
entremundos”, completa.
um
fenômeno
antidemocrata
é
não
olhar
sobretudo na TV, pela esquerda ou pela direita.
venezuelana,
pois
ele
disputou
Há crise do sistema político-partidário, com
ganhou,
reformas
“Nessa trilha do nacionalismo sul-americano, o
crescente
constitucional.
populismo entra de carona. ´Eu represento a
supostos atributos do candidato em vez do
econômicos de grandes grupos, inclusive os de
nação`. O líder carismático é o que o sex
projeto programático. “Se isso aconteceu em
conglomerados midiáticos. Criar instituições
appeal representa para o cinema”, compara
lugares com longa consolidação do sistema,
sólidas talvez seja o desafio dos governos
Vélez. Para ele, os mandatários locais encarnam
como Inglaterra, imagine onde não houve essa
latinos à direita ou à esquerda”, completa. Para
a nação, adotam postura messiânica e relações
consolidação.
o bem da nação.
ambíguas com instituições – partidos políticos,
personalismo indicativo do século XIX.”
Ecos caudilhistas
meios
identificação
Nosso
de
mundial,
do
comunicação,
eleitor
continente
tem
com
um
sindicatos, imprensa e judiciário. Casos de mensalão,
de
Talvez sempre na história da formação das
emissoras são notórios. O jornal “Clarín” acusa
coligações
e
fechamento
nações sul-americanas o caudilhismo estivesse
o Executivo argentino de tentar calar a
presente,
principalmente,
na
América
espanhola. Durante a colonização, com vice-
10
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
fez
Ele
dentro
contrariou
a
realidade eleições,
da
norma
interesses
GE O polít ica
Onda vermelha na América do Sul ARGENTINA
BOLÍVIA
BRASIL
EQUADOR
Presidente: Cristina Kirchner (Partido Justicialista- peronista), desde 2007, reeleita em 2011
Presidente: Evo Morales (Movimento ao Socialismo), desde 2006; reeleito em 2009
Presidente: Dilma Rousseff (PT), desde 2011
Presidente: Rafael Correa (Aliança País, liderada pelo Movimento País), desde 2007. Reeleito em 2009
Orientação: esquerda
Orientação: esquerda
Sucede seu marido, Néstor Kirchner, morto em 2010, que anulou leis de anistia da ditadura e estatizou sistemas de aposentadoria. Cristina combateu a concentração de grupos de comunicação, reestatizou a petrolífera YPF e reivindica soberania sobre as Ilhas Malvinas, sob domínio do Reino Unido. O casal assumia a retirada do país da crise de 2001 e 2002. É acusada de maquiar índices de inflação
Conseguiu aprovar nova Constituição com apoio da população indígena. Estado passou a controlar exploração de petróleo, gás e o sistema de telecomunicações. Promulgou legislação da reforma agrária. Argumenta que retira a Bolívia da condição histórica de país superexplorado
CHILE
COLÔMBIA
PARAGUAI
PERU
Presidente: Sebastián Piñera (Coalizão pela Mudança), desde 2010
Presidente: Juan Manuel Santos (Partido Social da Unidade Nacional) Desde 2010
Presidente: Frederico Franco (Partido Liberal Radical Autêntico), desde junho de 2012
Presidente: Ollanta Humala (Nacionalista Peruano), desde 2011
Orientação: direita
Orientação: direita
Ministro da Defesa de Álvaro Uribe (2002-2010), reconhecido pelo combate, com apoio dos EUA, às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). De 2008 a 2010, rompeu relações com Equador por ter atacado guerrilheiros no território vizinho e, em 2009, com a Venezuela, acusada de fornecer armas às Farc. Em 2011, elimina o líder das Farc e sela acordo com os EUA
Tomou posse após processo de impeachment sumário de Fernando Lugo, de orientação à esquerda, cujo governo iniciou programa de reforma agrária, teve conflitos com agricultores, fazendeiros e “brasiguaios”. Lugo reabriu processos da ditadura
PIB: US$ 445,98 bilhões IDH 2011: 45º População: 40,7 milhões
PIB: US$ 248,6 bilhões IDH 2011: 44º População: 17,3 milhões
Orientação: direita Substitui a socialista Michelle Bachelet, que criou pensão básica universal. Piñera enfrenta protestos de estudantes a favor de reforma na educação em 2011. É o primeiro presidente de direita desde o fim da era Pinochet em 1990. O Chile possui tratados de livre-comércio com EUA, China e Japão
PIB: US$ 24,4 bilhões IDH 2011: 108º População: 10,1 milhões
PIB: US$ 46,7 bilhões IDH 2011: 48ª População: 3,4 milhões Presidente: José Mujica (Coalizão Frente Ampla), desde 2010 Orientação: esquerda Consegue aprovação de nova constituição, Primeiro ex-guerrilheiro na Presidência, José Mujica sucede Tabaré Vazquez (20052010), primeiro presidente de esquerda. Cancelam lei de anistia, e responsáveis são julgados
PIB: US$ 67,0 bilhões IDH 2011: 83ª População: 14,7 milhões
Orientação: esquerda
PIB: US$ 331,7 bilhões IDH 2011: 87º População: 46,9 milhões
URUGUAI
PIB: US$ 2,48 trilhões IDH 2011: 84º População: 192,4 milhões
Orientação: esquerda
Sucede governo Lula (2003-2010), que se aproxima de países como Irã e Síria, e cria nova estatal Petro-Sal para explorar petróleo na camada pré-sal. Dilma cria a Comissão Nacional da Verdade para apurar crimes contra os direitos humanos de 1946 a 1988 e privatiza terminais de aeroportos. Defende que a classe C se ascendeu como maioria, o país alcançou estabilidade financeira e reconhecimento internacional. O PT é criticado por se afastar de seus ideais de fundação
PIB: US$ 23,4 bilhões IDH 2011: 107º População: 6,6 milhões
VENEZUELA PIB: US$ 316,5 bilhões IDH 2011: 73ª População: 29,3 milhões
Presidente: Hugo Chávez (Partido Socialista Unido da Venezuela), desde 1999. Reeleito em 2000 e em 2006. Disputa eleições em 2012 Orientação: esquerda Defendeu nova Constituição, aprovada em referendo. Estatiza extração de petróleo, direitos de pesca, siderúrgicas e indústria do cimento. Desapropria latifúndios. Apoia o ´socialismo do século XXI`. Não renova concessão para TV e rádio. Diz que o país avançou em indicadores sociais e de renda. Em 2002, oposição tenta golpe. Em 2004, eleitores reafirmam permanência de Chávez. Opositores boicotam eleições parlamentares
Consegue aprovação de nova Constituição, decreta moratória de parte da dívida externa, retoma base miltar americana, nacionaliza o setor de hidrocarbonetos (petróleo e gás), expulsa a embaixadora dos EUA por ter acusado o governo de fomentar a corrupção. Correa sustenta o argumento de o país não sofrer com as crises internacionais e crescer 6,5% em 2011
PIB: US$ 176,7 bilhões IDH 2011: 87º População: 29,4 milhões
Orientação: esquerda Concorreu à eleição de 2006 em forte ligação política e ideológica com Hugo Chávez. Em 2011, apresenta-se moderado, próximo à linha brasileira, mas ainda contra regras do modelo neoliberal. Sucedeu Alan García, que abrigou dissidentes do governo venezuelano
Suriname, Guiana e Guiana Francesa não foram analisados PIB: Produto Interno Bruto indica a soma de todos os bens produzidos no país em um ano IDH: Índice de Desenvolvimento Humano, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU), para avaliar a qualidade de vida da população, considerando três indicadores: renda (PIB per capita), educação (média de anos de educação dos adultos acima de 25 anos e a expectativa de escolaridade de crianças) e saúde (expectativa de vida)
Fontes: Banco Mundial, Cepal, CIA - The World Factbook, Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe, “Folha de S. Paulo” e IBGE
mais
“O código Morse. Ensaios sobre Richard Morse” Beatriz Domingues e Peter Blasenheim (org.), Editora UFMG, 2010, 283 p.
“Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe” Emir Sader e Ivana Jinkings (coord.), Boitempo Editorial, 2006, 1.472 p. www.clarin.com www.pagina12.com.ar
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
11
P E S QUISA
De queijos a obras de arte Sob a luz do espectrômetro, Departamento de Química da UFJF desenvolve projetos que beneficiam diversos setores. No caso da ciência forense, por exemplo, as análises têm sido uma alternativa promissora para detecção de fraudes em documentos CAROLINA NALON Repórter
12
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
P E SQ UISA
D
e queijos a obras de arte, o universo de
A espectroscopia Raman não é novidade.
Já outra parte, terá sua frequência alterada em
materiais pesquisados pelo Núcleo de
Foi descoberta no final da década de 1920,
razão da interação provocada. Essa alteração,
Espectroscopia e Estrutura Molecular
pelo indiano C. V. Raman, que ganhou o
conhecida
da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
prêmio Nobel de Física pelo feito, e também
ou efeito Raman, permite obter informações
demonstra a competência dos integrantes do
observada por outros pesquisadores da época.
sobre a composição química e estrutural
Departamento de Química nesta área. Dentre
Sua principal característica é possibilitar o
daquela matéria posta sob análise.
as centenas de artigos e outras publicações do
espalhamento de luz a partir da incidência
grupo, destacam-se as análises produzidas por
de um feixe monocromático de radiação
O
meio da espectroscopia Raman. A técnica, uma
eletromagnética
sobre
arquitetura molecular de uma dada composição
das possíveis para se estudar a interação entre
qualquer matéria, orgânica ou inorgânica.
de matéria tem sido fundamental para os
radiação eletromagnética e matéria, tornou-
Parte da luz dispersada apresentará frequência
avanços da química moderna e, de acordo com
se especialidade do professor Luiz Fernando
exatamente igual à incidida, não gerando
o professor Cappa, a utilização da metodologia
Cappa de Oliveira, fazendo da Federal de Juiz
informação relevante.
vem crescendo em todo mundo. “Não estamos
(como
um
laser)
como
entendimento
espalhamento
sobre
a
inelástico
organização
e
de Fora uma referência neste campo.
Trabalho dos pesquisadores (da esquerda para a direita) Rodrigo Sthephani, Luiz Fernando Cappa, Lenize Maia e Nelson de Souza. torna a UFJF referência na área
Foto: Frederico Boza A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
13
P E S QUISA
querendo reinventar a roda, mas esta é uma
as técnicas espectroscópicas, como Raman
“Considero importante esse tipo de trabalho,
forma mais rápida e simples de descobrir,
e Infravermelho, estão mostrando grande
porque mostra de maneira mais compreensível
por exemplo, qual é o tempo adequado de
potencial, pois fornecem informações valiosas
para a sociedade o valor do que fazemos.”
prateleira para um queijo parmesão.” Isso
sobre os produtos.”
porque o espectrômetro mostra com exatidão
Curadores, colecionadores e museus recorrem
as diferenças entre a composição química do
Stephani ressalta que o sucesso das pesquisas
à técnica antes de fazer uma restauração para
produto fresco e do vencido.
realizadas entre a empresa e o Departamento
determinar com precisão as tintas e outros
de Química possibilitou levar esse modelo de
materiais
Outra grande vantagem da técnica é a
parceria para outras instituições, entre elas, a
dessa forma, que os traços dos autores sejam
conservação da amostra, pois, em muitas
Universidade Federal de Viçosa (UFV), e, ainda,
fielmente respeitados. Conforme Cappa, os
outras, é preciso diluí-la ou pulverizá-la. Em
para outros departamentos da própria UFJF.
museus mais importantes do mundo possuem
outras palavras, a técnica é não-destrutível.
Ele também mantém trabalhos em conjunto
hoje
Isso faz com que seja extensa a aplicabilidade
com o professor do Departamento de Nutrição,
dizer que muita pesquisa é feita antes do
da espectroscopia Raman, o que, por outro
Paulo Henrique Fonseca da Silva. “Entendemos
anúncio de uma descoberta como aconteceu
lado, não significa a solução de todos os
que uma das funções da pesquisa é esta, dar
recentemente no caso da Mona Lisa do Museu
problemas do mundo científico. “Para cada
suporte
ao
do Prado, na Espanha.” A nova Mona Lisa,
trabalho publicado, existem inúmeros outros
Estamos
antecipando
e
encontrada nos depósitos do Museu do Prado,
sem sucesso.”
trabalhando para uma pesquisa aplicada,
foi feita muito provavelmente por um dos
porém, com embasamento científico.”
alunos de Da Vinci enquanto ele pintava sua
desenvolvimento essa
econômico. tendência
utilizados
avançados
na
obra,
laboratórios.
permitindo,
“Podemos
obra prima, exposta no Museu do Louvre, na
“Considero importante esse tipo de trabalho (análise de obra de arte), porque mostra de maneira mais compreensível para a sociedade o valor do que fazemos”
Luz sobre a arte
(Luiz Fernando Cappa de Oliveira coordenador da Pós-Graduação em Química/ UFJF)
da espectroscopia mostram as diferenças
Mas há muito mais do que produtos lácteos no laboratório de Cappa. Têm sido objeto de seus estudos: documentos, drogas ilícitas, pinturas, esculturas, móveis, produtos naturais, alimentos e matérias de origem marinha. No caso da ciência forense, as análises têm sido uma alternativa promissora para detecção de fraudes em documentos. Os resultados na qualidade e na quantidade das tintas utilizadas para a impressão de uma carteira de motorista, por exemplo. As demandas que chegam ao laboratório são muitas vezes dos próprios pares - ou seja, pesquisadores, não
pós-doutorandos,
necessariamente da área de Química, que
e
de
precisam dos dados para prosseguirem com
iniciação científica, orientados pelo professor,
suas investigações -, de instituições ou mesmo
têm
de empresas e pessoas físicas.
Os
21
alunos,
doutorandos,
entre
mestrandos
contribuído
no
bolsistas
desenvolvimento
França.
de
“Entendemos que uma das funções da pesquisa é dar suporte ao desenvolvimento econômico. Estamos antecipando essa tendência e trabalhando para uma pesquisa aplicada, porém, com embasamento científico” (Rodrigo Stephani - doutorando em Química)
pesquisas nos mais diversos campos. O agora
O fato de a amostra poder ser de qualquer
doutorando, Rodrigo Stephani, estreitou as
tamanho e permanecer intacta durante o uso
relações mantidas pelo laboratório de Cappa
de espectrômetro beneficia bastante as artes.
com a empresa do ramo alimentício Gemacom
Hoje, o local de referência para essas pesquisas
Tech. Gerente técnico da companhia, ele
é o Laboratório de Espectroscopia Molecular
tem a sorte de conciliar o interesse pela vida
da Universidade de São Paulo (USP), o que,
acadêmica com o trabalho. Uma parte de sua
entretanto, não tem impedido Cappa de atuar
tese envolve a produção e a caracterização
nesse ramo. O professor desenvolve trabalho
de proteínas lácteas em pó provenientes
em parceria com outros pesquisadores sobre
do soro de leite, ainda não fabricadas no
peças do acervo do Museu de Arte de Stuttgart,
país. “Atualmente, o Brasil importa estes
na Alemanha. No início de sua carreira na UFJF,
produtos e já existe um grande movimento
na década de 1990, foi solicitado a analisar um
no sentido de desenvolvermos tecnologia
quadro de Portinari, identificando os tipos de
nacional para a produção local. Para isso, a
tintas usados pelo pintor e também em uma
caracterização do produto é fundamental, e
restauração até então desconhecida na obra.
ex-aluno
14
de
iniciação
científica
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
e
Do fundo do mar A
chegada
da
pós-doutoranda
Lenize
Fernandes Maia à UFJF trouxe ao Núcleo de Espectroscopia e Estrutura Molecular a oportunidade de explorar uma nova linha de pesquisa. Com formação em Ecologia Química Marinha pela University of California (Estados Unidos), Lenize iniciou em Juiz de Fora estudos sobre organismos marinhos da costa brasileira. Seus trabalhos adotam a espectroscopia Raman como ferramenta complementar na identificação de substâncias químicas presentes em corais.
P E SQ UISA
Lenize explica que mudanças climáticas, como
espectroscópico de metano, é porque existe
em um sólido cristalino. Associados a outras
o aquecimento das águas oceânicas, e infecções
uma grande possibilidade de termos material
metodologias, evidenciam, ainda, as interações
por fungos e bactérias estão causando a
orgânico fossilizado naquela região”, ressalta
entre moléculas e dentro delas. Na vida
expulsão das zooxantelas, microorganismos
Cappa. Os resultados desta pesquisa são
cotidiana, a cristalização do açúcar dentro
unicelulares que vivem nos recifes de corais e
usados pelas empresas petrolíferas como um
de um pote é um exemplo de interação entre
são responsáveis pela sua nutrição por meio da
indicativo indireto da presença de petróleo
moléculas.
fotossíntese. A consequência da expulsão das
abaixo da camada de rocha, na direção da
zooxantelas é o branqueamento e a morte dos
perfuração do poço.
corais.
é possível conhecer como as moléculas se
Analisando a espécie brasileira Phyllogorgia dilatata,
Com a Química Supramolecular, portanto,
ela
conseguiu,
junto
a
Cappa,
resultados que corroboram dados da literatura sobre outra espécie: a Gorgonia ventalina, localizada nos recifes do Caribe. Esse coral parece ter desenvolvido um mecanismo de proteção contra o espalhamento de infecções por meio da produção de pigmentos arroxeados em torno da região danificada, fazendo da espectroscopia Raman a metodologia ideal para sua identificação. Mas não é só esta a vantagem no uso da técnica em organismos marinhos. Segundo Lenize, a caracterização de substâncias in situ, ou seja, na própria amostra, sem precisar separar os
Química Supramolecular
ligam formando novas estruturas. Entender
Em cooperação com o Centro de Tecnologia Mineral, no Rio de Janeiro, o Departamento de Química da UFJF realiza estudos, para a Petrobras, para identificar a presença de metano em inclusões fluidas aquosas de rochas
que o pesquisador seja capaz de criar novos
mais a fundo esses mecanismos faz com materiais, como pretendem Antônio Carlos Sant’Ana e Gustavo Andrade. Eles desenvolvem estudos com sistemas metálicos estruturados numa escala nanométrica, ou seja, da grandeza de um milionésimo de milímetro. Em outro exemplo, o aluno de doutorado de Cappa, Nelson Luis Gonçalves Dias de Souza, está
combinando
polímeros
orgânicos
e
inorgânicos para criação de um sistema que permite o controle das doses de determinado medicamento dentro do organismo. O projeto desenvolve-se em parceria com a Embrapa e sua aplicação será em bovinos. A ideia é
componentes, elimina etapas de extração,
fazer com que a digestão dos ruminantes seja
purificação e isolamento de substâncias já
auxiliada pela substância liberada aos poucos
conhecidas. “Isso gera economia de material de
através da cápsula criada pelo doutorando. A
laboratório, tempo de investigação e utilização
O Núcleo de Espectroscopia e Estrutura
cápsula de cerca de 5 cm de diâmetro será
de outros instrumentos analíticos.”
Molecular é composto ainda pelos doutores
colocada no cocho e misturada junto ao sal
Antônio Carlos Sant’Ana, Alexandre Cuin,
usado para alimentar os animais. Como não
Do fundo do mar também chegam amostras
Renata Diniz, Maurício Antônio Pereira da Silva,
existe no mercado material semelhante, os
para outro projeto de Cappa. A Petrobras
Hélio Ferreira dos Santos e Flávia Cavalieri
pesquisadores estudam a possibilidade de
solicita ao seu laboratório, que trabalha em
Machado, todos professores do Departamento
patentear o produto. Essa não seria a primeira
cooperação com o Centro de Tecnologia
de Química. Outras formas de interação
das inovações geradas no departamento.
Mineral, no Rio de Janeiro, a identificação da
entre radiação e matéria, além da Raman,
Cappa e Maurício Silva, especialista na área
presença de metano em inclusões fluidas
são utilizadas por eles, como no caso da
de materiais vítreos, criaram em temperatura
aquosas de rochas. A inclusão fluida é
difração de raios X. Esta metodologia tem sido
ambiente um novo tipo de vidro com potenciais
uma cavidade na rocha que possui solução
aplicada especialmente em projetos ligados à
usos tecnológicos, e já registraram sua patente.
aquosa contendo sal, principalmente cloreto
Química Supramolecular - linha de pesquisa de
de sódio, e uma bolha de gás preso durante
destaque no meio científico e relacionada ao
seu processo de formação. “Conhecer as
entendimento da estrutura de sólidos.
características de tais inclusões significa obter
Os raios X podem ser usados para se obter
informações sobre a gênese da região de onde
informações sobre a distribuição dos átomos
se extraiu a amostra. Se por acaso temos sinal
mais
Luiz Fernando Cappa de Oliveira Doutor em Físico-Química pela Universidade de São Paulo (USP); estágio de pós-doutorado na Universidade de Bradford (Reino Unido); especialista em Espectroscopia Molecular, tendo sido convidado, em agosto de 2012, como palestrante da 23ª Conferência Internacional de Espectroscopia Raman, na Índia; professor associado da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); coordenador do Programa de PósGraduação em Química da UFJF (conceito 5 pela Capes). luiz.oliveira@ufjf.edu.br http://lattes.cnpq.br/1912197785087128 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
15
E N CONT ROS POSSÍVEI S Foto: Arquivo pessoal
“A universidade precisa aceitar que educar não é conduzir e sim acompanhar” VALÉRIA BORGES COSTEMALLE Repórter e tradutora
A
s universidades europeias vivem hoje
União Europeia se questiona sobre os rumos
Lisboa (Portugal), e a demanda era baixa.
uma crise da concepção vertical. A
a serem tomados pelo velho continente.
Hoje existe uma grande quantidade de jovens
constatação é do sociólogo francês
Gostaria que o senhor fizesse uma apreciação
universitários que circulam nas universidades
Maffesoli
sobre o momento atual, especialmente, no
europeias. É esta a garantia do futuro. Eu não
à Universidade Federal de Juiz de Fora
que concerne à educação e à cultura.
tenho nenhum temor pelo futuro da Europa,
(UFJF), concedeu entrevista a professores
- Michel Maffesoli: A Europa vive um momento
porque ele está sendo construído com e pelas
da instituição. Diretor do Centro de Estudos
de crise. E uma crise é sempre benéfica.
novas gerações. Observo, hoje, este movimento
sobre a Atualidade e o Cotidiano (Ceaq) da
Uma boa maneira de renovar as energias. Eu
de
Universidade Sorbonne (Paris II) e autor de
considero que existe uma crise da concepção
do futuro. Quanto à educação, existe uma
mais de 40 livros, falou sobre temas como pós-
de uma Europa estática. Da minha perspectiva
verdadeira crise nas universidades europeias.
modernidade e ecosofia e a concepção do Brasil
pessoal, estou muito mais interessado no
As universidades estavam acostumadas a
como
que chamamos de “oficioso” do que aquilo
receber ajuda do Estado, unicamente, de
que é considerado como “oficial”. Existe uma
uma maneira vertical. Hoje temos que achar
crise das instituições, mas ao mesmo tempo,
outras fontes de financiamento. O que gera
- Christina Musse (professora da Faculdade de
encontramos
nas
uma certa dificuldade das instituições a se
Comunicação): A Europa vive um momento
novas gerações. Um exemplo, como professor
habituar, e a se ajustar à esta nova concepção
de ruptura. As tentativas feitas, há 50 anos,
universitário, há 15 anos eu dispunha de várias
do mundo. Posso dar o exemplo da Franca,
de criação de uma unidade econômica e
bolsas de estudos para meus estudantes.
pois fui conselheiro da ministra do Ensino
cultural vivem hoje um momento de crise. A
Bolsas para Roma (Itália), Barcelona (Espanha),
Superior, Valerie Pecrèsse, do governo do
Michel
que,
em
visita
recente
laboratório da contemporaneidade.
Confira a entrevista a seguir.
16
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
uma
grande
vitalidade
estudantes
como
uma
sedimentação
encontros possíve is
ministra
confortável para opinar sobre a universidade
relação com a natureza. Uma relação reversível,
criou uma lei interessante chamada Lei da
brasileira . Acho que um pesquisador brasileiro
e não mais de simples dominação sobre o
Autonomia, mostrando que, além de receber
estaria mais apto a dissertar sobre o tema.
mundo. Para lembrar ao animal humano que
investimentos do Governo Federal, existia
O que mais me fascina nas universidades
ele é também um animal. Acredito que, pelo
uma necessidade de se criar novas parcerias,
brasileiras é o que vocês chamam de Extensão.
fato de o ser humano ter “esquecido” essa
novas fontes de recursos, seja com a iniciativa
Essa ligação entre a universidade e o exterior,
animalidade, é que nosso comportamento se
privada ou outras instâncias e instituições. O
a vida social, a comunidade em suas diversas
direcionou para a bestialidade.
que existe é a crise da concepção vertical das
formas. Essa visão da extensão está em acordo
universidades. Este momento é frutífero no
com o que era denominado Universitas, na
- Euler: Gostaria
que concerne à criação de novas bases que
Idade Media, onde existia um saber orgânico.
sobre a noção de festa. Qual é a natureza
sedimentarão o futuro das universidades como
O que o filósofo e cientista político italiano
da
instituições mais permeáveis e abertas às
Antonio Gramsci definia como o intelectual
Nós podemos ter uma relação de festa na
comunidades que as acolhem. Eu não tenho
orgânico.
natureza e com a natureza?
medo. Aliás, não devemos nunca ter medo. A
instituição acadêmica e a vida social. Essa
- Maffesoli: Quando Thomas Kuhn teorizou
palavra crise é muito usada hoje, em vários
forma de extensão sempre me fascinou nas
sobre o que ele chama de estrutura de
setores, inclusive no meio universitário. A crise
universidades brasileiras.
revolução científica, ele
presidente
Nicolas
Sarkosy,
.
A
Uma
organicidade
entre
uma
festa
na
que o senhor nos falasse
sociedade
contemporânea?
mostrou que o que
não é um problema econômico nem financeiro.
levou à “performatização” do modelo ocidental
A crise é um problema societal. Uma mudança
foi o fato de termos seguido a linha reta da
de fundo que está acontecendo, hoje, em várias sociedades. A palavra crise, que vem do grego Krisis,
significa julgamento, ou
seja, o julgamento do que está nascendo em relação ao que está morrendo. Referente às universidades, nós podemos compreender uma
sociedade,
em
geral,
a
partir
do
topos, onde ela se situa. Assim podemos
“Eu não tenho nenhum temor pelo futuro da Europa, porque ele está sendo construído com e pelas novas gerações”
compreender a crise da universidade a partir
razão. Ele disse, em latim, la via recta, o que significa direto ao ponto. Para irmos direto ao ponto, o ocidente deixou à beira da estrada, ainda segundo Kuhn, em latim, toda uma série de impedimenta inutile, ou seja, todo tipo de bagagem inútil: o sonho, o afeto, o jogo. E isso foi eficaz. O ocidente, digamos, viajou com menos peso e foi direto ao ponto. Isso é a modernidade, ou seja, a performatização do
do topos, ou seja, da crise da sociedade em
mundo ocidental, mais uma vez. Atualmente,
que ela se situa. A modernidade é um período
- Euler David de Siqueira (professor do curso
estamos descobrindo que ir direto ao ponto
fundado a partir de uma topografia vertical. Ou
de Turismo e do mestrado em
Ciências
nos levou direto contra o muro. Nós estamos,
seja, um saber e um poder que vem do alto,
Sociais): Desde os anos 80, nós temos uma
agora, recuperando essas bagagens deixadas
de cima para baixo. A verticalidade do saber e
série de intelectuais que debatem sobre
à beira da estrada: a bagagem festiva, a
do poder. O saber levando ao poder. Foi dessa
a relação entre a sociedade e a natureza.
lúdica, a onírica, que foram parâmetros da
maneira que a sociedade moderna concebeu a
Alguns antropólogos, como Bruno Lacourt
humanidade. Para mim, esta é uma concepção
universidade, a educação, o conhecimento. Eu
ou Eduardo Ribeiro de Castro, discutem a
mais ampla da natureza humana, que também
penso que existe uma crise de toda a estrutura
possibilidade de um multinaturalismo. Esta
é, simplesmente, uma natureza. O que eu
vertical. Eu acredito que o topos da sociedade
proposta de ampliar essa relação com a
proponho é uma visão de um ser humano
pós-moderna é a horizontalidade. Saber dividir
natureza interage com a sua proposta de
inteiro, holístico, não só em pedaços, ou seja,
não somente um simples poder, mas uma
Ecosofia?
um cérebro que, de
potência societal. A passagem da verticalidade
- Maffesolli: Toda cultura
judaico-cristã
concepção um tanto esquizofrênica. Pois
à horizontalidade, da modernidade à pós-
ocidental moderna é baseada num principio
todo o valor é colocado na cultura. Essa ideia
modernidade é o sinal da crise. Quando
de separação, numa dicotomia do mundo: o
de ser humano inteiro, holístico, é a de um
observamos um fenômeno como a Wikipedia,
corpo e o espírito; a natureza e a cultura; o
ser humano que recuperou essas bagagens
notamos que não existe somente a verticalidade
material e o espiritual. Esse é o fundamento
e, para mim, isso é muito mais natural. Este
do saber, mas uma forma de horizontalidade.
da “performatização do modelo ocidental. O
é o fundamento dessa relação que, na minha
É isso que nossas universidades devem aceitar:
filósofo americano Thomas Kuhn demonstrou
opinião, caracteriza a pós-modernidade. Eu
a ideia de horizontalidade. Não é somente a
que justamente porque existe essa separação
desenvolvi
educação que é importante mas, também,
é que houve o triunfo dos valores ocidentais.
razão sensível. Não defendo uma abdicação
a iniciação. A educação conduz, educare em
Estamos no fim desse modelo. O homem
da razão, mas também não acredito no ser
latim, a iniciação acompanha. Essa é a grande
dominou o mundo, dentro de uma visão
puramente racional, pois existem todos os
mudança de fundo, o grande desafio da nossa
heideggeriana e devastou o mundo. Existe
outros sentidos. Pessoalmente, essa é a ideia
universidade: passar da educação à iniciação.
hoje outra relação com a natureza. Desde o
deste ser humano inteiro. O fato de que todo
começo das minhas pesquisas tento mostrar
mundo participe desse saber coletivo.
certa maneira, é uma
essa noção através da ideia de
- Marcelo do Carmo (professor do curso de
a importância do espaço. Não simplesmente
Turismo): Qual é a sua percepção sobre a
o tempo, mas o espaço. Atualmente, continuo
- Nelma Fróes
universidade brasileira?
explorando o mesmo tema, através da noção
da Faculdade de Comunicação e pró-reitora
- Maffessoli: Como estrangeiro não me sinto
de Ecosofia. Essa noção leva a
adjunta de Cultura): O nome da minha tese
uma nova
(in memorian - professora
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
17
Fotos: Alexandre Dornelas
E N CONT ROS POSS ÍVEI S
de doutorado, defendida em 2002, é “Do
Agora, a estratégia é uma estratégia do laisser
humanismo ao transhumanismo, um guia
être, em francês, algo como deixar existir,
de sobrevivência”, onde rechaço a ideia da
deixar acontecer, e não de dominar tudo,
palavra pós-modernidade, seguindo a linha
controlar tudo. Ao contrário, o que me parece
do professor Paulo Vaz que prefere chamar
ser um dos elementos da pós-modernidade é
estes tempos de contemporaneidade. Eu
o deixar existir, acontecer. Fazer confiança à
acredito que os jovens não podem mais
vitalidade do ser e da sociedade.
pensar no passado como exemplo, nem no futuro como uma ideia de progresso. O que
- Aloizio Trinta (professor do Programa de Pós-
o senhor considera como estratégia para
graduação em Comunicação da Faculdade
atravessarmos estes tempos?
de Comunicação): Os propósitos do senhor
- Maffesoli: Nos anos 60, escrevi um livro
têm uma coloração muito especial, poética,
intitulado “La conquête du present” (em
dominando de uma maneira invejável as
português, “A conquista do presente”). O
metáforas. O senhor fala de beira de estrada,
presente era um condensado do passado, e
horizontalidade, verticalidade. Eu conheço
de certa forma, ele predeterminava o futuro.
suas reflexões sobre a Brasilomania. O senhor
Mas existem certas civilizações que valorizam
vê o Brasil como um país eminentemente
o presente, outras, o passado. Para eles, a pós-
icônico?
modernidade é uma sociedade centrada no
- Maffesoli: Existe uma dicotomia entre o
presente. Eu propus que chamássemos esse
pensamento e o saber. O que levou a uma
fato de presenteísmo. O que chamamos em
concepção racionalista, conceitual. Eu penso
francês de l’air du temps, ou seja, a atmosfera
que deva existir uma sinergia entre a poesia
mental, e em particular, a temporalidade
e o pensamento. A
das jovens gerações. Então, acredito que
linguagem que faz essa sinergia entre os
sim. Devemos refletir sobre o presente. Eu
dois. Outra vez, voltamos ao conceito de
penso que a intelligentzia em geral, ou seja,
homem inteiro ou holístico. Eu tentei mostrar
os universitários, os jornalistas, os políticos,
em um dos meus livros, como a Europa foi
continuam obcecados pelos valores modernos.
o laboratório da modernidade, porque ela
Os valores do século XVII ao século XIX. E é
sempre valorizou o racionalismo, o conceitual.
essa intelligentzia que tem medo do que está
E isto levou a
acontecendo, ou seja, a pós-modernidade e,
etimológico do termo, e de certa forma nós nos
por isso, eles falam de contemporaneidade, de
desgarramos do concreto. Então, eu disse que
modernidade segunda, de modernidade tardia.
o Brasil, em contrapartida, seria o laboratório
A casa está pegando fogo, mas eles querem
da pós-modernidade. E por quê? Porque aqui
salvar os móveis. Não. A casa tem que pegar
os valores barrocos são mais valorizados, bem
fogo. Nosso trabalho, no mundo acadêmico,
como o papel dos ícones. Eu falo do Brasil
é o de pensar o que estamos vivendo, o
como o laboratório da pós-modernidade,
presente. E não o que nós gostaríamos que
porque se valoriza a dimensão barroca. Eu
fosse o presente. Pensar as práticas jovens, as
falo de ícones como imagens, ou totens, em
práticas sociais. Todo o problema é de achar
torno dos quais o povo se reúne. O Brasil tem
as palavras pertinentes, no sentido científico
ícones como Lula, Gilberto Gil, Chico Buarque.
do termo. Que essas palavras estejam em
Eu penso que existe
pertinência com o que está acontecendo. E
atmosfera brasileira e este barroco é um dos
eu digo, mais uma vez, que a noção de pós-
marcos da pós-modernidade. Este barroco
modernidade, e não o conceito, porque eu não
pós-moderno brasileiro seria uma concepção
gosto do termo conceito, me parece estar em
mais inteira, interativa, e o ícone é uma das
relação direta com o que estamos vivendo e
formas que traduz esse conceito.
metáfora é a figura de
certa abstração, no sentido
certo barroquismo na
com o que devemos pensar, ou refletir sobre.
mais
Michel Maffesoli Membro do Instituto Universitário da França; professor da Sorbonne; diretor do Centro de Estudos sobre Atualidades e Cotidiano (Ceaq) e do Centro de Pesquisas sobre o Imaginário (CRI); redator chefe da revista “Sociétés” Para saber mais acesse: www.michelmaffesoli.org
18
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
IN TERNACIONALIZA ÇÃ O
UFJF intensifica aproximação com continente africano Além de intercâmbio, a Universidade oferece graduação a distância em Moçambique e produz estudos sobre diáspora Raul Mourão Repórter
A
té 2014, em cada 60 alunos de gradua-
O olhar, ainda tímido, para o outro lado do
a de professores e a realização de pesquisas,
ção presencial e a distancia da Univer-
Atlântico, contribui para que o Brasil figure en-
eventos e publicações. O país está interessado,
sidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
tre os primeiros destinos de estudantes das ex-
também, em ampliar este vínculo para a for-
um será africano. Atualmente, a proporção
colônias portuguesas, segundo o último rela-
mação de profissionais de Direito, segundo a
está em torno de 125 estudantes. Dos 16.200
tório da Organização das Nações Unidas para
secretária de Relações Internacionais da UFJF,
universitários matriculados, 130 são de Ango-
a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), publi-
Rossana Melo, que esteve em Angola em maio.
la, Cabo Verbe, Gana, Guiné-Bissau, República
cado em 2009. Os jovens africanos tornam-se
A África é o foco ainda de livros, seminários,
Democrática do Congo, Mauritânia e Moçambi-
alunos locais por meio de curso a distância,
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) e
que. Caso se mantenha a expansão de gradu-
intercâmbio, vagas para refugiados políticos
festa organizada por intercambistas.
andos, serão 315 africanos daqui a dois anos.
e convênios interinstitucionais. Em 2013, a in-
O acréscimo ocorre por meio da política de
tegração deve se expandir, a partir do acordo
O maior contingente de alunos estrangeiros
internacionalização da UFJF, em consonância
firmado entre a UFJF e a Universidade Agosti-
na UFJF é de Moçambique, na África Orien-
com medidas nacionais de aproximação entre
nho Neto, de Angola, a fim de não só promo-
tal. Noventa estudantes estão matriculados no
Brasil e África.
ver a mobilidade de estudantes como também
quarto período da graduação a distância em
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
19
Foto: Tiago Gandra
IN TERNACIONALIZA ÇÃ O
Aaron Winter, da República Democrática do Congo; Jailson Pires, Keven Brito e Eulices Cardoso, de Cabo Verde; e Leandro Aldair, de Guiné-Bissau
tem que pedir permissão. Percebo que os estudantes aqui são menos envolvidos nas atividades da universidade, como assembleias”, ressalta Winter. “Não é que essa atitude não Administração Pública, oferecida pela Facul-
africanos na cidade e a posição do Brasil como
exista (nos países africanos). Mas, ainda que o
dade de Administração e Ciências Contábeis
potência continental foram alguns dos fatores
aluno tire nota 60 ou cem, o comportamento
da UFJF e pela universidade moçambicana
para a escolha do país pelo jovem, em vez de
importa. Isso é cultura mesmo”, completa
Eduardo Mondlane (UEM). As instituições se
Canadá ou Estados Unidos. O ensino gratuito
o
revezam no oferecimento de 54 disciplinas e
foi preponderante. Em Kinshasa, Winter pa-
Aldair, 22, de Guiné-Bissau. Os estudantes de
pretendem abrir nova turma a cada ano. Para
gava taxa semestral de, em média, R$ 800 e
Economia Jailson Pires, 26, e Keven Brito, 23,
isso, recebem suporte tecnológico do Centro
tarifa por serviços. O custo é alto para o país
e o de Arquitetura Eulices Cardoso, 22, todos
de Educação a Distância (Cead) da instituição
ocupante da última posição no Índice de De-
de Cabo Verde, confirmam a relevância de se
mineira e o apoio da Universidade Aberta do
senvolvimento Humano (IDH), a 187ª, e onde
qualificarem no Brasil.
Brasil. “Aprendemos muito com nossos par-
80% da população vivem com menos de US$
ceiros. Compreender a realidade econômica,
2 por dia, segundo a Organização das Nações
social, política e cultural deles é determinante
Unidas (ONU). No Brasil, este índice chega a
para gerir um programa entre duas nações”,
10%.
aluno
de
Ciências
Contábeis
Leandro
Vivência de culturas Além da habilitação, o intercâmbio pressupõe
afirma o coordenador do curso na UFJF, Mar-
a vivência de culturas diferentes e a percepção
cos Tanure. O diploma será expedido pelas
sobre os hábitos de uma sociedade. Para o
duas universidades, válido para seleção em pós-graduação no Brasil. Os outros 40 estudantes africanos matriculados na UFJF podem ser vistos em salas de aula no campus de Juiz de Fora. A maioria chega pelo Programa Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) dos ministérios da Educação e das Relações Exteriores, voltado para países
Os jovens africanos tornam-se alunos locais por meio de curso a distância, intercâmbio, vagas para refugiados políticos e convênios interinstitucionais
em desenvolvimento. Os critérios de seleção
congolês Winter, o idioma foi o início. No seu país, o francês é a língua oficial e existem dialetos. Ao mesmo tempo, o estudante deparou-se, em solo brasileiro, com costumes que seriam repreendidos na terra natal por destoarem das “metas culturais” congolesas. “Se você está fora do padrão, leva chicotadas. Se falar palavrão em público, também. Lá, só se namora para casar. Se casam e se separam, têm que mudar de cidade.” A jornalista
variam conforme a embaixada. O congolês
Jaqueline Harumi, formada pela UFJF, precisou
Aaron Winter, 25 anos, aluno do 8º período
“Na República Democrática do Congo, a
se adaptar às condições de Gana, na África
de Engenharia Civil, participou de seletiva e
estrutura da universidade é pública, mas tudo
Ocidental, para se manter nos seis meses de
interrompeu o penúltimo ano do mesmo cur-
é pago. Os alunos brasileiros têm o que a gente
intercâmbio em 2010. Faltaram água e energia
so, na capital Kinshasa, para fazer a graduação
não tem e, às vezes, não sabem aproveitar.
elétrica, houve semelhança no preparo da
brasileira. O conceito das instituições federais,
Lá, quando o professor está em sala de aula,
refeição, mas sobraram carros mal conservados
o porte médio de Juiz de Fora, a presença de
ninguém conversa, e, se quiser sair de sala,
em ruas sem asfalto e o calor de Acra, a
20 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
Foto: Tiago Gandra
I N T E R NAC IO NALIZ AÇ ÃO
capital ganense. No entanto, o contraste foi
cabo-verdiana Zuleica Eveline Semedo retor-
de. Mia Couto, renomado escritor moçambi-
insuficiente para antecipar o retorno ao Brasil.
nou, em 2011, após se formar em Comunicação
cano, vai escamar esses palimpsestos”, afirma
“Conheci pessoas de diferentes faixas etárias
Social pela UFJF. Trabalhou em uma emissora
a professora do Departamento de Letras Es-
de Gana, de diversas nacionalidades e até
brasileira, na capital Praia, e atualmente está
trangeiras Modernas da Faculdade de Letras,
mesmo brasileiros. Visitei lugares maravilhosos,
na China, cursando mestrado. O retorno nem
do Programa de Pós-graduação em Estudos
que jamais pensei existissem por lá.” Jaqueline
sempre é carregado de certezas. “Será que,
Literários e da especialização em História e
apareceu, inclusive, em rede nacional de TV
quando eu voltar, terei os mesmos recursos
Cultura Afro-brasileira e Africana, Enilce Ro-
ganense como torcedora da seleção local na
que tenho aqui para trabalhar? Chego a me
cha. A docente analisa, ainda, a inserção da
Copa do Mundo, realizada na África do Sul.
perguntar sobre isso”, revela Eulices Cardo-
oralidade moçambicana nas obras do escri-
so, com tom de angústia e sinceridade. “Em
tor, com declarada influência de autores bra-
imagem
Cabo Verde, tudo é importado”, completa. O
sileiros, como Guimarães Rosa e João Cabral
desconhecida sobre a África, assim como o
Produto Interno Bruto (PIB) do país, de US$
de Melo Neto. “Por que é importante para nós
intercâmbio pode permitir o questionamento
1,9 bilhão, somado ao de Guiné-Bissau, de US$
toda essa aproximação com Moçambique e
de estereótipos. Os países africanos, de fato,
973,4 milhões, não alcança o de Juiz de Fora,
outros países de língua portuguesa? Porque o
possuem os piores indicadores sociais, ainda
acima de US$ 3,6 bilhões. Já Leandro Aldair
Brasil quer ser prioritariamente ocidental. Os
sofrem com guerra civil, doenças que podem
é categórico sobre o regresso ao repetir três
brasileiros reconhecem como distinção social
ser prevenidas (ver box na página 22), mas
vezes: “Nosso objetivo é ajudar o país”. Guiné-
as referências do mundo ibérico, da Europa, do
compõem sociedades complexas que não
Bissau precisa, pois está próximo de se tornar
homem branco. Só recentemente aprovaram
se reduzem a poucas definições, conforme
o primeiro Estado sob domínio do narcotráfico.
a lei que obriga o ensino da história e cultura
ressaltam os estudantes Keven Brito e Jailson
Hoje ele pode ser considerado o primeiro país
afro-brasileira.”
Pires. Cabo Verde possui expectativa de vida
do mundo onde a disputa pelo poder se dá en-
próxima à do Brasil. Gana foi classificado como
tre traficantes. “A Polícia não tem força lá”, diz
No sentido de pesquisar e divulgar o quanto
o terceiro país que mais cresceu no mundo
o estudante. Atualmente, alguns países da Áfri-
o Brasil é africano, surgem núcleos de estudos
em 2011. Kinshasa, a capital do Congo, tem 8,3
ca se tornaram entrepostos da droga que vem
sobre os vínculos do país com o continente em
milhões de habitantes. “Falta informação. E
da América Latina, destinada à Europa.
universidades. Na UFJF, cada vez mais africa-
A
Copa,
aliás,
mostrou
uma
na, o Neab oferece especialização lato sensu,
também de nossa parte. Quando saí de meu país, disseram-me que me tornaria jogador de
A violência, o contato entre culturas tradicio-
promove seminários e publicações sobre a
futebol e não iria estudar por querer vir para
nais, herança colonial e pensamento contem-
área, e pretende implantar o curso a distância
o Brasil. No avião, quando olhei São Paulo
porâneo - inclusive o de intercambistas - além
de aperfeiçoamento em Educação para as Re-
com aqueles prédios...”, relata Winter, com um
da situação de refugiados estão expostos em
lações Étnico-raciais. “O Neab é constituído a
pingente dourado no formato do continente
obras de escritores africanos, estudados por
partir da percepção de que somos sim, africa-
africano, destacando-se no peito.
pesquisadores da UFJF. “A literatura moçam-
nos. Trazemos conosco as marcas da diáspo-
bicana faz emergir esses conflitos. Traz para a
ra”, afirma o coordenador do núcleo, Robert
O voo de volta será obrigatório para os alu-
escrita todas as questões que a colonização
Daibert Júnior.
nos estrangeiros obterem o diploma somente
gerou em termos sociais, culturais, históricos
na embaixada brasileira do país de origem. A
e que estão presentes na contemporaneidaA3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
21
IN TERNACIONALIZ A ÇÃ O
Fotos: Arquivo pessoal
“A sensação pessoal era de impotência e perplexidade ao perceber que um filme de ficção poderia ser real” GUILHERME CÔRTES FERNANDES Doutor em Saúde Pública pela Fiocruz; chefe do Serviço de Infectologia e coordenador do Centro de Epidemiologia, Estatística e Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora; ganhador do Prêmio Capes de Teses 2011 na área de Saúde Coletiva
“V
isitei a África pela primeira vez em
controle da epidemia conforme a realidade
doenças infecciosas e preveníveis. Incontáveis
2000, para a Aids Conference - da
do continente africano. Mais do que isso, a
deles
Sociedade Internacional de Aids
concepção de que sob a liderança de ações
reumática e malária grave. Muitos morriam no
-, em Durban, África do Sul. A conferência
de cuidados à saúde para pacientes com
principal hospital do país como morreriam se
engloba atividades científicas e político-sociais,
HIV/Aids poderiam ser trilhados caminhos
estivessem em suas casas. E a realidade era
sendo palco habitual de manifestos com
para melhorar a saúde global da população;
culturalmente aceita: familiares não esperavam
engajamento da comunidade internacional.
que indicadores como coberturas vacinais,
que os entes queridos internados com doenças
O evento foi histórico: a principal conferência
mortalidade infantil e materna e programas
graves, como complicações de Aids, saíssem
mundial em Aids, e no continente africano,
de assistência à criança e à mulher tirassem
vivos.
o mais afetado pela epidemia. A atenção de
proveito indireto da estrutura assistencial; e de
A sensação pessoal era de impotência e
cientistas e governantes, voltava-se, enfim,
pesquisas com financiamentos relacionados à
perplexidade
para o epicentro do problema.
epidemia HIV/Aids.
de ficção poderia ser real. A fragilidade da
Na abertura do evento, autoridades locais
Em 2001, passei um mês em Uganda, no
“onipotência médica” se impôs. Não havia
sugeriam nos discursos que o grande causador
Hospital Mulago, da Universidade Makerere
maneira de empregar ou exercer minhas
da epidemia não seria o vírus HIV, virando
em Kampala, referência nacional, e que ficou
habilidades
motivo de ironia entre alguns palestrantes.
conhecido mundialmente no filme “O último rei
conhecimento científico parecia pouco útil.
Porém, a ideia compreendida no discurso das
da Escócia”, estrelado por Forester Whitaker.
Como indivíduo, não havia ações suficientes
autoridades era que o HIV talvez não fosse o
Ali vi o duro cotidiano da saúde na África
para mudar o curso da realidade, mesmo
principal determinante para a dimensão que a
subsaariana. Países com estrutura rural, onde a
que tenuamente. Certo dia, na emergência
epidemia tomava na África, mas sim os fatores
maioria da população vive distante de postos
pediátrica, atendia a uma criança de 6 anos
inerentes à complexidade social, econômica e
de saúde, com coberturas vacinais, expectativa
que morria nos braços da desesperada mãe.
cultural do continente, que formavam ambiente
de vida, mortalidade infantil e perinatal muito
Quando fazia manobras de ressuscitação, o
propício para que a curva e o impacto da
aquém do esperado. O hospital, superlotado,
médico-chefe do setor chegou ordenando
epidemia na África subsaariana tomassem as
não
com
que parasse e declarasse óbito. Talvez aquela
catastróficas características atuais.
pacientes dormindo em esteiras, lavando
criança morresse de qualquer forma naquele
Essa conferência explicitou a necessidade
suas roupas nos jardins e sem, muitas vezes,
dia, daquela doença, afinal era malária grave.
de soluções, estratégias e políticas para se
receberem remédios ou exames necessários.
Porém, certamente, não precisava morrer. Se
desenvolver
Os da enfermaria de clínica médica tinham
tivesse nascido em outra realidade, não teria
pesquisas
e
intervenções
22 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
de
possuía
estrutura
e
recursos,
com
complicações
ao
e
perceber
de
Aids,
que
conhecimentos
um
febre
filme
médicos.
O
I N T E R NAC IO NALIZ AÇ ÃO
morrido, e nem seria encarada pela equipe de
a sobrevida das pessoas com HIV na África
Humano, do Programa das Nações Unidas
emergência como um caso sem possibilidades
subsaariana. Eram estratégias simples para
para o Desenvolvimento, é o quarto menos
terapêuticas.
maior acesso à terapia antirretroviral, sem
desenvolvido do mundo, na 184ª posição entre
Mas uma coisa seria igual, mesmo se ela tivesse
necessidade de muitos e complexos exames
os 187 avaliados.
nascido em outra realidade: o desespero de
laboratoriais. Foi um dos maiores ensaios
Mas,
uma mãe que acabou de perder o filho. O
clínicos em HIV, revelando mudanças enormes
diferenças se tornaram evidentes. Hoje já
determinante médico que levou ao desfecho
na
Uganda
foram construídos caminhos mais claros para
do caso vinha das orientações, preconizadas
comparado à coorte histórica e com a realidade
controlar a epidemia e traçadas estratégias
pelo Ministério da Saúde, de que a chance de o
que havia vivenciado há oito anos. Em 2011, a
para continuar o desenvolvimento de novos
tratamento de malária não funcionar era maior
convite da Universidade de Pittsburgh (EUA),
conhecimentos e intervenções sociais e de
que 60%, devido à elevada resistência primária
fui à Beira, em Moçambique, participar do
saúde. Surgiram possibilidades claras de planos
a cloroquina. Já o determinante econômico
projeto
infraestrutura
e estratégias para alicerçar o desenvolvimento
era as autoridades locais não terem recursos
necessária
de
de recursos humanos, com
e financiamentos para recomendar uso de
em HIV, principalmente de estratégias de
e
medicamentos mais efetivos e caros como
prevenção ao HIV em cooperação com a
Inovações na organização e estruturação
a mefloquina. Isso era tão relevante que foi
Universidade Católica de Moçambique.
de rotinas, obtenção de equipamentos e
tema da tese de doutorado de um amigo
O que vi lá não foi diferente do que vi uma
treinamentos
ugandense: esquemas terapêuticos efetivos
década
sem
pesquisa e assistência em HIV/Aids e outras
e mais baratos para malária resistente à
estrutura; elevada prevalência e incidência de
doenças negligenciadas, com possibilidades
cloroquina. O determinante social e cultural
HIV; malária; tuberculose; expectativa de vida
reais de contribuições para o desenvolvimento
era a aceitação da realidade, por profissionais
de 40 anos; casos de câncer exclusivamente
humano e reorganização social.
de saúde, de que crianças morrem sim
em jovens e relacionados à infecção pelo
Atualmente, há infinitas possibilidades de ações
de malária. É assim na África. A dose de
HIV; comunidades extremamente carentes,
assistenciais e pesquisas nas diversas áreas
mefloquina
aquela
num país que se reestrutura após anos de
do conhecimento, sejam Ciências Humanas,
criança era a que muitos estrangeiros, como
guerra civil, submerso em contextos sociais
Biológicas, da Saúde ou Engenharias. Questões
eu, tomavam semanalmente como profilaxia
e econômicos complexos, acometido por
e hipóteses a investigar e possibilidades de
de malária. Em 2009, voltei à Cidade do
doenças preveníveis e negligenciadas, com
financiamentos e cooperações a pactuar. A
Cabo, África do Sul, para outra conferência da
menos médicos do que nossa cidade de Juiz
carência de recursos humanos capacitados
Sociedade Internacional de Aids. Fiquei feliz
de Fora (MG). A Universidade Católica de
que enfrentamos em nosso país é muito mais
em vislumbrar que as coisas estavam andando,
Moçambique luta para mudar a realidade, com
intensa na África que ainda sofre com doenças
além de avanços nas Ciências Biológicas e
ações educacionais, assistenciais e pesquisas.
e instabilidades sociais. Se pensarmos em
novos medicamentos. Muitos estudos estavam
Mas é a única Faculdade de Medicina, tendo
desenvolvimento sustentável do ponto de vista
sincrônicos para compreender a complexa
formado sua quinta turma em 2012 com
humano e social, devemos pensar em ações
estrutura
a
apenas 35 médicos. O corpo docente ainda é
conjuntas que permitam, num futuro breve,
doenças negligenciadas como malária, HIV e
dependente de estrangeiros e financiamento
um mundo com mais equidade, onde estejam
tuberculose na África subsaariana.
externo, e o discente, semelhantemente ao
garantidos a todos as mesmas chances e
Nessa conferência foi apresentado um estudo
nosso, tem uma educação básica deficitária.
direito à vida.”
magnífico, o Dart trial, depois
Um cenário esperado num país que, segundo
necessária
social
e
para
cultural
tratar
relacionada
publicado na
“The Lancet”, mostrando ser possível mudar
mais
o
sobrevida
de
de
organização para
antes
Relatório
pacientes
da
realização
em
Uganda:
Mundial
de
em
pesquisas
hospital
ao
longo
projetos
de
de
desses
anos,
algumas
financiamentos
cooperação
recursos
internacional.
humanos
em
Desenvolvimento
“Depois, o Atlântico: modos de pensar, crer e narrar na diáspora africana” Robert Daibert Jr. e Edimilson de Almeida Pereira (org.), Editora UFJF, 2010
“No berço da noite: religião e arte em encenações de subjetividades afrodescendentes” Robert Daibert Jr. e Edimilson de Almeida Pereira (org.). Editora Mamm, 2012 (no prelo)
“Culturas e Diásporas Africanas” Danubia Andrade, Enilce Rocha, Cláudia Lahni, Ignacio Delgado e Elizete Menegat (Orgs.) Juiz de Fora: Editora UFJF, 2009. 182p . www.ufjf.br/neab www.ufjf.br/sri www.uem.mz
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
23
P O LÍT ICA
De uma crise a outra Frédéric Vandenberghe* Tradução: Marcelo Viridiano
A
atual crise econômica revela uma
o regime fordista-keynesiano de crescimen-
ca na Zona do Euro são, na verdade, a mesma
contradição sistêmica no coração do
to entrou em crise na década de 1970, ele foi
crise. Para compreender sua dinâmica, preci-
capitalismo
Capitalismo
substituído por um modo de acumulação pós-
samos voltar à década de 1970 e pensar com
próspero depende do crescimento contínuo.
fordista, pós-industrial, flexível que roda em
os “teóricos da regulação” sobre como o ca-
No entanto, ao mesmo tempo em que o cres-
princípios neoliberais. Em comparação com as
pitalismo fez para encontrar na “financeiriza-
cimento é economicamente necessário (sem
poucas crises que ocorreram durante os “Trin-
ção” uma solução ilusória para o problema da
crescimento, sem ganho, sem trabalho, sem o
ta Anos de Ouro” do Capitalismo (1945-1973), a
“superacumulação de capital”. Mesmo com os
bem-estar), é ecologicamente impossível. Por
recorrência de crises financeiras em várias par-
salários estagnados, vimos surgir, na década
quanto tempo podemos sustentar o desenvol-
tes do mundo desde os anos 1970 indica que a
de 1970, em quase todas as linhas da produção
vimento sustentável? O crescimento pode ser
crise é estrutural.
industrial convencional, um regime baseado
industrial.
insustentável a médio e longo prazo; a curto
na baixa margem de lucro. Para aumentar sua
prazo, no entanto, o retorno do crescimento
A “Crise do subprime”, que explodiu em 2007
rentabilidade e estimulá-lo artificialmente, o
econômico parece ser imperativo. Desde que
nos Estados Unidos, e a atual da dívida públi-
dinheiro excedente foi investido em mercados
* Graduado em Ciências Sociais e Políticas - Rijksuniversiteit Gent (Bélgica); mestrado em Sociologia - Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris); doutorado em Sociologia - Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris); ministrou aulas nas universidades UCLA, Manchester University, European University Institute, Brunel University London, Yale University e Université Catholique de Louvain-la-Neuve e
24 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
P O LÍT ICA P O LÍT ICA
Ilustração: Joviana Marques
financeiros altamente especulativos. Durante a
Até agora a crise do sistema político evoluiu
como o 15-M, na Espanha, e o “Ocupar Wall
década de 1980, os mercados financeiros es-
para uma alarmante “crise de legitimação”. As
Street”, inventaram novas formas autônomas
tavam cada vez mais liberalizados, desregula-
pessoas já não acreditam que o sistema é justo.
de ação coletiva. Sem uma liderança formal
mentados e, desde o “Big Bang” de 1986, tam-
Eles sabem que uma “guerra de classes” está
ou qualquer programa político claramente
bém globalizados e unificados, atuando como
acontecendo - embora não seja uma “luta de
definido, movimentos auto-organizados pro-
uma única unidade em tempo real.
classes” no sentido marxista. Só na Europa, 16
testaram contra a desigualdade social e a in-
O “regime de acumulação puxado pela finan-
governos foram punidos nas eleições desde o
justiça econômica. Em seus alegres e anárqui-
ceirização” era altamente lucrativo, mas em
início da crise. O campo político ficou perigo-
cos protestos contra as potências mundiais do
2007, ele explodiu. Em 2011, o epicentro da
samente polarizado entre partidos xenófobos,
capitalismo financeiro, os “novos movimentos
crise havia se mudado não só dos EUA para
na extrema direita, e partidos populistas, na
sociais” não só inovaram seu repertório de dis-
a Europa, mas também do sistema econômi-
extrema esquerda. “O centro não vai suportar”.
puta política, com seus novos modos de orga-
co para o sistema político: a crise no sistema
Alienados da sociedade, os cidadãos ignoram-
nização espontânea, sem líderes (com assem-
financeiro transformou-se em uma crise fiscal
na. No entanto, o afastamento da sociedade
bleias gerais, grupos de afinidade, conselhos e
do Estado. Sobrecarregado, o sistema político
e a rejeição, por princípio, de suas normas e
outras metodologias de governo por consen-
tornou-se ingovernável. Democracia ou tecno-
valores não precisa ser destrutiva. A alienação
so), como também reinventaram e rejuvenes-
cracia? Austeridade ou crescimento? Colapso
pode levar a disputa política e rebelião. Como
ceram as cooperativas, o conceito de bem-co-
da Zona do Euro ou depressão mundial?
uma resposta criativa e inovadora para a crise,
mum* e a democracia direta. Eles oferecem o
os movimentos interconectados de protesto,
que é mais necessário: iniciativa e esperança.
instituições brasileiras (UNB, Uffpe, UFRJ, Iuperj); professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Politicos (Iesp) na Uerj; membro do Conselho Editorial de “Revue du Mauss, Sociological Theory e European Journal of Social Theory”. http://frederic.iesp.uerj.br/
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
25
Graduação
Uma pedagogia da angústia no ensino jurídico Marcos Vinício Chein Feres*
F
az algum tempo, percebi que ensinar o
da forma de apresentá-los e de discuti-los com
tendo por inspiração a obra de MacCormick
Direito
mais
os alunos. Não basta ensinar, com imparcial
(“Institutions of Law”).
desafiadoras formas de se ver a
indiferença, um mundo de informações sobre
sociedade em que vivemos. No entanto, para
direito civil, penal, constitucional etc., cujo
O papel convencional do professor-palestrante
vivenciar esse novo modo de ensinar, foi
resultado
e
resta diminuído. Porém, sua presença se
preciso abandonar a zona de conforto em que
memorização de estruturas jurídicas, as quais
destaca pelo modo como escolhe as mídias;
me encontrava como professor de Direito
serão, após algum tempo, esquecidas.
como
pode
ser
uma
das
final
é
uma
reprodução
Econômico. Com o objetivo de rever meus
conduz
o
debate
em
sala,
após
apresentação da mídia; como prepara os
conceitos, não só sobre o que é o direito, mas
Por isso, foi preciso construir um plano de
textos prévios de sua autoria disponibilizados
também sobre como ensiná-lo, resolvi lançar-
ensino com uma proposta pedagógica mais
na
me a um projeto desafiador: reconstruir tanto
crítica sobre o conceito, a função e as
questões envolvendo o texto-base e a mídia e,
o conteúdo quanto a metodologia de ensino
estruturas fundamentais do direito (regulação
por fim, como, ao fim da aula presencial, é
das “Instituições de Direito”, disciplina essa
econômica,
capaz de sintetizar conteúdos e críticas
voltada originariamente para vários cursos de
Constitucional, direitos humanos, o conceito
Ciências Sociais Aplicadas, cujo conteúdo
de pessoa, a lógica da responsabilidade
consistia numa miríade de categorias jurídicas
jurídica, a relação entre direito e moral etc.),
Hoje, apesar de já ter vivenciado alguma
que passavam pelo direito público e pelo
apresentados por meio de tecnologias não
experiência na prática dessa metodologia na
direito privado.
convencionais: mídias e internet. O curso tem
UFJF, ainda me encontro, segundo Bankowski,
por alvo preparar o aluno para lidar com
“num lugar de angústia” para quem deseja o
Repensar a disciplina “Instituições” significa
disciplinas
como
melhor para o aluno de Instituições. Questiono-
refletir sobre quais são os objetivos a serem
Introdução ao Direito e disciplinas dogmáticas
me, todavia, se não foi essa a minha escolha
alcançados com o ensino de categorias
como Direito Civil, Penal etc. A ideia de revisitar
primordial: viver plenamente essa angústia na
jurídicas para universitários. Tal processo de
a estrutura da disciplina “Instituições” consistia
sala de aula, na qual conflitos e dificuldades
reflexão exige do educador uma visão crítica,
na possibilidade de criar um espaço crítico de
são o espelho da vida, da sociedade e do
não só dos conceitos jurídicos, mas também
discussões sobre os fundamentos do direito,
mundo em que vivemos.
criminalidade,
teórico-propedêuticas
Estado
plataforma
“moodle”;
elabora
essenciais ao tema.
* Mestre e doutor em Direito; professor associado e diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
26 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
como
I N I C IA Ç ÃO C IE N T ÍFICA Foto: Marcelo Viridiano
Petianos da Engenharia Elétrica com o tutor Francisco Gomes (ao centro)
Grupos PETs da UFJF completam 20 anos de conquistas acadêmicas Alice Bettencourt e Franciane Moraes*
O
Programa
Tutorial
O PET Elétrica está, desde 1991, sob a tutoria
propõem discussões com pouco espaço nas
(PET) é voltado para a formação de
de
de Francisco Gomes, que segue a diretriz de
salas de aula, como as relações da Comunicação
alta
de
desenvolver profissionais de visão diferenciada:
com a Psicanálise ou com a Política. Para o
Instituições de Ensino Superior. Criado pelo
“Tentamos uma formação ampla, não de um
petiano Cícero Villela, são oportunidades para
Ministério da Educação (MEC) em 1979,
mero técnico altamente qualificado, mas com
aprofundar conceitos e discussões: “Minha
envolve grupos de diversas áreas por meio de
uma visão cidadã da sociedade e dos impactos
vontade sempre foi ser professor universitário
4.274 alunos bolsistas, os petianos, orientados
de sua atividade”. Para o engenheiro da
e posso dizer que o PET me preparou para isso
por 400 professores tutores, atuando em
Eletrobras e ex-bolsista Carlos Aparecido
de uma forma única”. Para Letícia Perani, ex-
pesquisas
ensino
Ferreira, o ponto forte do grupo é a atenção
bolsista, o PET Facom habilita o aluno para a
complementares ao conteúdo curricular e
para problemas atuais: “Sempre me lembro de
excelência, seja na academia ou no mercado.
projetos de extensão.
um estudo que o tutor me pediu sobre a crise
“Encontrei condições ideais para a minha
de energia de 2001, pois, até hoje, discuto
formação: excelentes professores orientadores,
A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
questões
ingênua
atividades variadas, complexas e desafiadoras,
conta com seis grupos, sendo os PETs da
apresentação com os colegas da Eletrobras e
e colegas inteligentes e instigantes.” Segundo
Engenharia Elétrica e da Comunicação os
do setor elétrico brasileiro”. Arthur Reis, atual
o tutor, professor doutor Francisco Pimenta,
mais antigos, criados, respectivamente, em
bolsista, destaca que “inúmeras portas foram
outra vantagem do grupo é o fato de os
novembro de 1991 e em março de 1992. “Houve
abertas, mudando meu rumo na graduação”.
bolsistas terem autonomia sobre sua pesquisa
um longo período em que o programa não
Reis foi um dos que fizeram intercâmbio na
e poderem escolher dentre os diversos projetos
lançou editais, por isso, ficamos apenas com
Suécia a partir do doutoramento da ex-petiana
de extensão ou propor novos, como jornalismo,
dois
foram
Janaína Gonçalves e dos resultados alcançados
cinema, internet ou assessoria de imprensa.
reabertos”, diz o tutor do PET Elétrica,
na Uppsala University pelos demais bolsistas.
qualidade
científicas,
grupos
Educação
até
para
práticas
2009,
alunos
de
quando
daquela
aparentemente
professor doutor Francisco Gomes. A partir daí, foram criados os grupos de Psicologia,
O grupo da Faculdade de Comunicação
Odontologia, Engenharia Civil e Educação
(Facom) também completou 20 anos e se
Física e, desde 2008, a Universidade mantém
destaca, além de suas atividades de extensão e
oito Grupos de Educação Tutorial (GETs), com
pesquisas, pelos módulos de ensino. Abertos
funcionamento semelhante.
para a graduação, os módulos semanais
* Bolsistas do Programa de Educação Tutorial da Faculdade de Comunicação (PET Facom)
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
27
P E S QUISA
Foto: Marcelo Viridiano
UFJF desenvolve soluções em Engenharia Elétrica para pesquisas com a partícula de Higgs Com projetos coordenados pelo professor Augusto Cerqueira (foto), instituição se torna uma das quatro do Brasil a participar do maior experimento do Cern CAROLINA NALON Repórter
C
ientistas estão bem perto de confir-
clear (Cern) indicando a descoberta. Esta é a
ria era formada por eles, mas ainda não era
mar definitivamente a existência do
maior contribuição da física para o entendi-
possível identificar sua estrutura. Ao longo do
bóson de Higgs ou da partícula de
mento sobre a formação da massa das partícu-
século XX, pesquisadores foram comprovando
Deus - até a publicação desta revista talvez já
las ou, em outras palavras, da origem do uni-
a presença dos elétrons, prótons, nêutrons e,
o tenham conseguido. Novos resultados, ainda
verso.
mais tarde, de outras partículas subatômicas
mais significativos do que os anunciados em
elementares. Hoje, pelo modelo padrão, há 16.
julho de 2012, foram divulgados pelos pesqui-
Até o fim do século XIX, a ciência não conhecia
“O maior objetivo na busca pelo Higgs (a 17ª) é
sadores do Centro Europeu de Pesquisa Nu-
muito além dos átomos. Sabia-se que a maté-
comprovar a teoria proposta pelo modelo pa-
28 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
P E SQ UISA drão, mostrando como as partículas adquiri-
Na ocasião, o físico britânico Peter Higgs, que
por ano, devido aos altos níveis de radiação. E,
ram massa para a formação do universo”, ex-
previu a existência da partícula, em 1960, ficou
por isso, é importante a equipe estar sempre
plica o professor do Departamento de Enge-
surpreso por ainda estar vivo, aos 83 anos,
criando ferramentas cada vez mais rápidas e
nharia Elétrica da Universidade Federal de Juiz
para ouvir o anúncio.
eficientes para os reparos de manutenção,
de Fora (UFJF), Augusto Santiago Cerqueira. A
possibilitando o bom desempenho da estrutu-
instituição é uma das quatro integrantes do
A relevância do resultado é atestada por um
ra no ano seguinte. Durante sua estadia no
único grupo brasileiro ligado ao Atlas, o maior
método estatístico que mede o desvio dentro
Cern, Schettino desenvolveu um novo sistema,
dos experimentos do Cern.
de um padrão esperado. Se o desvio é grande,
conhecido como Mobidick, o qual ajudará na
algo foi descoberto. Se pequeno, é entendido
manutenção do TileCal, um dos detectores uti-
Para se chegar a esse resultado definitivo, é
apenas como uma flutuação aleatória dos da-
lizados no Atlas para absorver e medir, após as
preciso acelerar e colidir as partículas funda-
dos. Assim, para os físicos, um resultado na
colisões, as energias das partículas hadrônicas
mentais já conhecidas. De maneira simplifica-
faixa de até dois sigma (unidade de medida do
depositadas em seus milhares de canais de
da, o processo acontece da seguinte forma:
método) não é significante. Acima de três,
leitura. “Existem planos de melhorias contínuas
dois feixes cheios de prótons são acelerados
pode ser considerado como prova, e, de cinco
no detector até 2021, permitindo que ele man-
por campos elétricos e curvados por campos
em diante, uma descoberta. A publicação da
tenha sempre uma performance de ponta.
magnéticos, em sentidos opostos, dentro de
descoberta da massa do Higgs, no dia 4 de ju-
Trabalhamos para que o Mobidick esteja pre-
um tubo de trajetória circular. Percorrendo o
lho, estava na faixa do cinco sigma, e o mais
parado para todas estas futuras etapas de up-
tubo, eles ganham velocidade até que, em de-
recente anúncio, feito em 1º de agosto de 2012,
grade.” Em 2022, o centro deverá substituir
terminado ponto, são postos frente a frente.
em 5,9. “Conforme o LHC vai rodando, é natu-
toda a parte eletrônica utilizada atualmente no
Nesse encontro, alguns prótons poderão coli-
ral obtermos resultados cada vez mais fortes
LHC.
dir, transformando-se em outras partículas ou,
nos experimentos”, diz Cerqueira. Para ele, as
como preferem os cientistas, decaindo. Um
notícias sinalizam o sucesso do investimento e
Outro projeto do professor Augusto Cerqueira,
dos decaimentos do Higgs resulta em quatro
do esforço científico aplicado durante mais de
desenvolvido pelo doutorando Davis Barbosa,
elétrons (um par e+ e outro e-). Quando obser-
20 anos de pesquisa. “O LHC começou a ser
estuda modelos computacionais capazes de
vados esses quatro elétrons, os cientistas re-
imaginado no final da década de 1980 e foi
aprimorar o desempenho do sistema de filtra-
criam o momento imediatamente após a coli-
necessário desenvolver tecnologia de altíssimo
gem on-line do Atlas. Atualmente, 20 milhões
são dos prótons na tentativa de detectar a
nível para se chegar a este estágio de hoje.”
de colisões acontecem a cada segundo e a
nova partícula.
maior parte dos eventos é considerada ruído
Elétrica como ponto forte “O maior objetivo na busca pelo Higgs é comprovar a teoria proposta pelo modelo padrão, mostrando como as partículas adquiriram massa para a formação do universo” (Augusto Cerqueira)
O grupo brasileiro com pesquisas no Cern é formado pela Universidade de São Paulo (USP) e as federais de Juiz de Fora, Rio de Janeiro e São João Del Rei. Elas atuam no experimento Atlas, contribuindo nas suas respectivas áreas de excelência. A da UFJF é a Engenharia Elétrica. Estudantes da graduação ao doutorado e professores do curso compõem uma equipe de 13 pessoas engajada em propor soluções e melhorias para os diversos mecanismos envolvidos na detecção das colisões próton-próton e na filtragem de dados pelo Atlas. Para promover a interface entre a UFJF e o
O maior acelerador de partículas já construído está em funcionamento, desde 2009, no Cern, a 175 metros abaixo do solo, na fronteira entre a Suíça e a França, perto da cidade de Genebra. O tubo do Grande Colisor de Hádrons (LHC), como é chamado, tem 27 quilômetros de extensão e acelera prótons a uma velocidade nunca antes vista. Nele estão dispostas quatro imensas estruturas de pesquisa, chamadas de detectores, onde os experimentos são feitos. Os dois detectores mais importantes, o Atlas e o CMS, anunciaram, em julho de 2012, que a massa do bóson de Higgs estaria na casa dos 126 GeV – unidade de medida de energia.
centro europeu, Cerqueira mantém dois de
de fundo do experimento, desta forma, é indispensável o uso de algoritmos avançados para selecionar o que deve ser salvo ou não. “Hoje, para não desperdiçarmos as chances de encontrar resultados compatíveis com o que buscamos, aceitamos muitos dados inúteis, sobrecarregando os sistemas de armazenamento”, explica o docente. Todo processamento e armazenamento de dados provenientes do LHC é feito de forma off-line por meio de uma infraestrutura global de computação chamada Grid. Por ano, mais de um milhão de gigabytes em informação são gerados e, por isso, a capacidade de armazenamento e processamento do Grid é um grande desafio.
Projeto de referência
seus orientandos em Genebra (Suíça), além de fazer, de forma virtual, reuniões para atualiza-
A UFJF começou o trabalho no experimento
ção do andamento das pesquisas e apresenta-
Atlas a partir do doutorado de Cerqueira, con-
ção de resultados. Os trabalhos coordenados
cluído em 2002, na Universidade Federal do
por ele se concentram nas técnicas de proces-
Rio de Janeiro (UFRJ). A área de pós-gradua-
samento digital de sinais, no desenvolvimento
ção e pesquisa em Engenharia da instituição
de inteligência computacional e na parte ele-
fluminense tem uma longa história de colabo-
trônica do Calorímetro Hadrônico de Telhas
ração com o Cern, o que levou o pesquisador
(TileCal).
por esse caminho. Em sua tese, orientada pelo professor José Manoel de Seixas, Cerqueira
O mestrando Vinícius Schettino passou um
criou um circuito conhecido como Trigger Bo-
ano no Cern e explica que o acesso à “caverna”
ard ou Somador. Esse dispositivo foi produzido
do Atlas é restrito a apenas algumas semanas
em larga escala e constitui uma importante
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
29
P E S QUISA parte eletrônica do TileCal. A função dessa pla-
para um objetivo comum. E não poderia ser
ca é somar os sinais de várias células, permitin-
diferente. É um experimento fantástico, de ex-
do reduzir a quantidade de informação a ser
trema complexidade e que lida com as mais
enviada para uma primeira análise, imediata-
diversas áreas de engenharia e física.” Ilustração: Cern
mente após cada colisão. Sem esse dispositivo, o Atlas não seria capaz de processar on-line toda a informação proveniente do TileCal. “Fazer parte de um experimento como esse nos dá grande motivação, algo que poucos projetos são capazes de proporcionar”. Segundo Cerqueira, a intenção é manter a produtividade do grupo com publicações, teses e dissertações. Os trabalhos não só resultam em mais conhecimento científico, mas também podem se transformar em inovações. “Como as soluções desenvolvidas para o Atlas são de alto valor tecnológico, elas podem vir a ser empregadas pela engenharia em outros setores da indústria.” Para Schettino, cuja dissertação trará o detalhamento do sistema Mobidick, o aprendizado sobre trabalho em grupo é uma das mais importantes experiências possibilitadas pelo Cern. “É uma colaboração gigantesca, formada por milhares de pessoas trabalhando
Do fundamento à prática No roteiro de uma das séries americanas de maior sucesso
fundamental”. No entanto, sabe que buscar explicações e
da atualidade questões do mundo científico surgem em
entender melhor a natureza é algo essencial para a série
tom de comédia. Em “The Big Band Theory”, veiculada
humana. “Sem isso, o progresso para.”
no Brasil pelo canal Warner, o personagem Sheldon
Na pesquisa do Higgs, cientistas estão perto não só de
Copper, físico teórico, ironiza o trabalho dos colegas das
reproduzir alguns processos que aconteceram na época
ciências aplicadas por entender que esta não passa de um
do Big Bang, mas também de confirmar a validade do
desdobramento secundário e sem valor da ciência mãe de
modelo padrão. Decifrado por Kibble, Englert e Higgs em
todas as outras. Ao colocar a teoria no mais alto patamar
1961, o esquema de “mecanismo de Higgs” se fecha em
da hierarquia científica, pode-se dizer que Sheldon reverte
17 partículas elementares cujas equações não apresentam
o senso comum, aquele acostumado a perguntar “mas
qualquer inconsistência matemática, diferentemente do
para quê isso serve?”
que havia sido proposto por estudos anteriores. Assim
Talvez essa tenha sido a pergunta na cabeça de muitos
a física de altas energias mostra que esteve no caminho
dos leitores desta matéria. E não poderia ser diferente.
certo durante as últimas cinco décadas.
É absolutamente natural que as pessoas queiram ver o conhecimento se transformar em coisas práticas,
E, apesar de provavelmente não haver outras aplicações
inovações e produtos. Para o físico teórico do mundo real,
para o Higgs, os esforços do Cern em construir
o professor da UFJF Ilya Shapiro, “é impossível mudar isso,
equipamentos para o projeto permitiram
e não se precisa tentar”. Na contramão do pensamento do
descobertas mais importantes da contemporaneidade: o
personagem, Shapiro não gostaria de “viver num mundo
modelo www para a internet.
uma das
onde todos ou a maioria estão preocupados com ciência
mais
Augusto Santiago Cerqueira Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; professor adjunto e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Juiz de Fora; experiência na área de eletrônica e processamento de sinais. de Chimie Des Substances Naturelles. Atualmente é professor associado da UFJF. augusto.santiago@ufjf.edu.br http://lattes.cnpq.br/3648221859200471
30 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
M EIO AMBIE N T E
Diagnóstico para nortear ações ambientais
Professores da Pós-Graduação em Ecologia e do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF participam da elaboração de relatório que avalia informações científicas sobre os aspectos relevantes das mudanças climáticas no Brasil FLÁVIA LOPES Repórter
A
interferência
das
ações
humanas
enchentes e deslizamentos de encostas.”
sobre o ambiente está atingindo magnitude sem precedentes e há
O professor e coordenador do Programa
fortes indícios de que ela esteja prejudicando
de Pós-Graduação em Ecologia (PPGEcol)
o funcionamento natural do sistema climático.
da
Diante desse cenário, são necessárias reflexões
para os eventos extremos decorrentes das
sobre as causas das mudanças climáticas, seus
mudanças climáticas. “A mudança no regime
impactos ambientais e socioeconômicos e as
de
possíveis soluções, para embasar as políticas
frequência de seca e chuvas concentradas,
públicas a serem tomadas neste sentido. Para
como as que ocorreram, nos últimos anos,
isso, foi criado o Painel Brasileiro de Mudanças
na região Serrana do Rio de Janeiro, em
Climáticas
Alagoas e em Santa Catarina.” Para ele, o
(PBMC),
organismo
científico
precipitações
Roland,
tem
também
alerta
ocasionado
maior
principal passo para reduzir os efeitos desses
sintetizar e avaliar informações científicas
impactos é a formação de recursos humanos e
sobre os aspectos relevantes das mudanças
investimentos em pesquisas. “As universidades
climáticas no Brasil a partir da publicação
e centros de formação técnica precisam
de Relatórios de Avaliação Nacional. Um
investir na formação específica de pessoas
dos resultados do PBMC é o Volume 1 do
para enfrentar as mudanças climáticas que
Primeiro Relatório de Avaliação Nacional,
o país e todo o mundo estão vivenciando.”
que tem a participação de dois professores
O professor contribuiu para a elaboração do
da Universidade Federal de Juiz de Fora
subcapítulo “Ciclos biogeoquímicos, biomas e
(UFJF), Aline Sarmento Procópio e Fabio
sistemas hídricos” do relatório.
que
tem
como
objetivo
Roland. O documento foi lançado em junho de 2012, durante a programação da conferência internacional Rio+20.
A professora do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF e uma das convidadas a atuar como autora colaboradora
a
do documento, Aline Sarmento Procópio,
vulnerabilidade da Amazônia, do Nordeste
aponta as regiões da Amazônia, da Caatinga
e das áreas urbanas do Brasil diante dos
e do Cerrado como as mais vulneráveis às
efeitos do aquecimento global projetado para
modificações
os próximos 90 anos (ver quadro na página
podem
32). O climatologista Tercio Ambrizzi, da
biomas, e ainda que não se tenha com extrema
Universidade de São Paulo (USP) e um dos
precisão seus valores absolutos, é certo que
autores do relatório, chama a atenção para a
elas levarão a uma cadeia de outros eventos
vulnerabilidade das áreas urbanas brasileiras,
indesejados.” Aline atuou na elaboração do
principalmente, as com mais de um milhão
subcapítulo sobre “Forçante radiativa natural
de habitantes, diante das mudanças nos
e antrópica”, que discute o papel da ação
padrões de chuva. “A acelerada urbanização
humana e de causas naturais no balanço de
nas últimas décadas não foi acompanhada
radiação solar: o que impactará na temperatura
dos
da atmosfera, nos ciclos hidrológicos entre
O Foto: Marcelo Viridiano
Fabio
reunir,
nacional
Aline Sarmento Procópio aponta as regiões da Amazônia, da Caatinga e do Cerrado como as mais vulneráveis às modificações climáticas
UFJF,
estudo
alerta,
correspondentes
sobretudo,
para
investimentos
em
infraestrutura. Por conta disso, as cidades estão especialmente fragilizadas diante da ocorrência de chuvas intensas, causadoras de
climáticas.
comprometer
o
“Essas
alterações
equilíbrio
desses
outros fenômenos. Segundo
a
pesquisadora,
as
forçantes
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
31
ME IO AM BIENT E radiativas, expressam, se positivas, o fluxo
a superfície terrestre e aquecem a atmosfera.
de calor injetado por um agente no sistema
“Há outros tópicos, porém, que ainda precisam
atmosférico (aquecimento), e se negativas, o
ser adequadamente estudados e quantificados
fluxo retirado do sistema (resfriamento). Ela
na Amazônia, como o efeito indireto dos
destaca que, no Brasil, não foram encontrados
aerossóis, por exemplo, e nas outras regiões
O grande mérito do Painel Brasileiro de
na bibliografia forçantes devido a aerossóis
do país, como a avaliação das forçantes
Mudanças Climáticas (PBMC), na avaliação
urbanos, de poeira do solo ou devido a trilhas
antrópicas em áreas urbanas.”
da presidente do Comitê Científico, Suzana
de
condensação
formadas
pelos
aviões,
padrões de chuva do Brasil.”
Políticas públicas
Kahn, é a aproximação entre ciência e política
apontando a necessidade de mais estudos
Para o físico do Instituto de Física da
nessa área do conhecimento. “Percebeu-se
Universidade de São Paulo (USP) e um dos
que os efeitos mais significativos no Brasil
revisores do volume 1 do relatório, Paulo
são os oriundos das queimadas na Amazônia,
Artaxo, ainda há lacunas referentes ao papel
seja pelo efeito radiativo direto ou indireto
dos oceanos sobre a regulação do clima. “Não
dos aerossóis, das nuvens, dos gases de
está claro, por exemplo, como eles podem
efeito estufa e pela mudança de uso do solo.”
impactar os eventos El
Niño (fenômeno
Para o secretário de Políticas e Programas
Ainda de acordo com Aline, é consenso que
de aquecimento) e La Niña (fenômeno de
de Desenvolvimento do Ministério da Ciência
os aerossóis de queima de biomassa resfriam
resfriamento) das águas do Oceano Pacífico
e Tecnologia e Inovação e atual presidente
Tropical, Mata Atlântica O bioma abrange áreas do Sul ao Nordeste, com duas situações. No NE, leve aumento na temperatura (0,5ºC a 1ºC) e redução de 10% no índice pluviométrico até 2040. No período seguinte, aquecimento entre 2ºC e 3ºC e redução de chuvas entre 20% e 25%. No final do século, aumento entre 3ºC e 4ºC e redução de 30% a 35% nas chuvas. No Sul/Sudeste, a projeção até 2040 é de alta entre 0,5ºC a 1ºC e aumento das chuvas entre 5% a 15%. No período seguinte, a previsão é de mais calor (1,5ºC a 2ºC) e crescimento dos índices pluviométricos (15% a 20%). No final do século, mais chuvas, com aumento de 25% a 30% e alta de temperatura entre 2,5ºC e 3ºC
mais
que
têm
grande
influência
pública. “É importante que a ciência dê suporte ao estabelecimento de políticas públicas. Essa é uma das ideias do PBMC: olhar mais próximo de nossa realidade e contribuir para o painel internacional.”
nos
Amazônia Para o período compreendido entre 2011 e 2040 é prevista redução de 10% na distribuição de chuvas na região, além de aumento de temperatura entre 1ºC a 1,5ºC. Entre 2041 e 2070, a previsão é de que haja redução entre 25% e 30% nas chuvas da região e aumento de temperatura de 3ºC a 3,5ºC. Já no final do século (entre 2071 e 2100), projeta-se um clima ainda mais seco (com redução de 40% a 45% das chuvas) e mais quente (alta de 5ºC a 6ºC). Caso as previsões se confirmem, tais mudanças poderão comprometer o bioma da floresta amazônica. Essas projeções levam em consideração apenas as concentrações de gases de efeito estufa, sem avaliar o desmatamento da região
Pantanal Projeção de aumento de 1ºC na temperatura e queda entre 5% e 15% nos padrões de chuva até 2040. Para o período seguinte (2021 a 2070), redução das precipitações entre 10% e 25% e crescimento da temperatura de 2,5ºC e 3ºC. Já entre 2071 e 2100, projeta-se intensificação do aquecimento (entre 3,5ºC e 4,5ºC) e redução acentuada das chuvas (35% e 45%)
Aline Sarmento Procópio Graduação em Engenharia Civil pela UFJF (1996); mestrado em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000); doutorado em Meteorologia pela Universidade de São Paulo (2005); professora adjunta no Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF; experiência nas áreas de Engenharia, com ênfase em Ciências Atmosféricas, atuando principalmente nos seguintes temas: Poluição Atmosférica, Sensoriamento Remoto, Monitoramento Ambiental, Radiação Atmosférica. Currículo lattes: bit.ly/A3_lattesAlineProcopio
32 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
M EIO AMBIE N T E do Conselho Diretor do PBMC, Carlos Nobre,
integrada do conhecimento produzido no
publicação do segundo e terceiro volumes está
o principal desafio foi chegar ao estado da
Brasil ou no exterior, sobre causas, efeitos
prevista para ocorrer em outubro deste ano.
arte do conhecimento científico, olhando
e
para dentro do Brasil. “Estamos realizando
climáticas e seus impactos, de importância
Para Aline, o maior ganho do primeiro relatório
um grande esforço, reunindo mais de 300
para o país. As informações serão divulgadas
nacional é mostrar o estado da arte sobre as
pesquisadores brasileiros nos três volumes.
por meio da elaboração e publicação periódica
mudanças climáticas no Brasil. “Apesar das
Este
uma
de Relatórios de Avaliação Nacional, Relatórios
incertezas existentes nas simulações climáticas,
série de políticas públicas na direção do
Técnicos, Sumários para Tomadores de Decisão
as análises regionais tendem a ser mais
desenvolvimento sustentável.”
sobre
precisas, e a compilação de estudos recentes
trabalho
já
está
alimentando
Mudanças
Climáticas
às
e
mudanças
Relatórios
no país é uma contribuição importante para o conhecimento científico. A identificação
O PBMC foi estabelecido, nos moldes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês). Sua função é disponibilizar técnico-científicas
relacionadas
Especiais sobre temas específicos.
Nos moldes do IPCC
informações
projeções
sobre
O Volume 1 do Primeiro Relatório de Avaliação
de lacunas e incertezas nos estudos também
Nacional (RAN1) é resultado do trabalho
é de extrema valia, pois aponta o rumo a
voluntário de mais de 150 autores, tendo
ser seguido nas futuras pesquisas, além de
como principal objetivo a avaliação dos
mostrar a necessidade de ampliação da rede
aspectos científicos do sistema climático e de
de observação no país.”
mudanças climáticas a partir de avaliação
suas mudanças observadas e projetadas. A
Pampa Até 2040 o tempo poderá ficar 1ºC mais quente e entre 5% e 10% mais chuvoso. No período seguinte, a tendência de aquecimento ficará entre 1ºC e 1,5ºC, com intensificação das chuvas entre 15% e 20%. No final do século, as projeções se agravam, com aumento de temperatura entre 2,5ºC e 3ºC e intensificação das chuvas entre 35% e 40%
Cerrado O relatório prevê aumento de 1ºC na temperatura, com redução de 10% a 20% nas chuvas até 2040. Entre 2041 e 2070, espera-se aumento entre 3ºC e 3,5ºC na temperatura e queda das precipitações entre 20% e 35%. Nas últimas décadas do século (2071 a 2100), o aumento de temperatura poderá ficar entre 5ºC e 5,5ºC, com redução entre 35% e 45%
Caatinga O documento aponta, no período entre 2011 e 2040, aumento de 0,5ºC e 1ºC na temperatura e redução de 10% a 20% no volume de chuvas. Entre 2041 e 2070, a projeção é de crescimento de 1,5ºC a 2,5ºC na região, com decréscimo de 25% a 35% nos padrões de chuva. No final do século (2071 a 2100), o relatório aponta aumento significativo do calor (entre 3,5ºC e 4,5ºC nas médias) e agravamento da seca no Nordeste, com chuvas caindo praticamente pela metade
Fabio Roland Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (1987); mestrado (1991) e doutorado (1995) em Ecologia e Recursos Naturais pela mesma universidade; entre 1996 e 1998, foi pesquisador pos-doc no Institute of Ecosystem Studies, nos EUA; desde 1992, atua como docente da UFJF; atualmente é professor associado 3 na UFJF, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PGEcol), orientador neste programa e professor de Ecologia no Curso de Graduação em Ciências Biológicas; desenvolve pesquisas ecológicas, com ênfase em limnologia, atuando principalmente nas fronteiras entre ecologia de ecossistemas, biogeoquímica e desenvolvimento de métodos, focando mudanças ambientais Currículo lattes: bit.ly/A3_lattesFabioRoland Veja o conteúdo completo do Volume 1 do Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC): bit.ly/A3_ RelatorioPBMC Confira o artigo do professor na revista Nature: bit.ly/A3_ArtigoNature A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
33
P E S QUISA
A luta da ciência contra os efeitos do tempo De olho na inovação, pesquisadores da UFJF investem em novas tecnologias para suprir demandas do setor de cosméticos, um dos mercados que mais cresce no mundo. Utilizando óleos de plantas brasileiras e nanomoléculas, tentam desvendar o segredo do rejuvenescimento
BÁRBARA DUQUE Repórter
Foto: Marcelo Viridiano
34 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
P E SQ UISA
A
democratização do consumo aliada
de Pesquisa e Inovação em Ciências da Saúde
Ferreira. Contribuiu também para o processo
ao desenvolvimento tecnológico são
da Universidade Federal de Juiz de Fora
o pesquisador da Embrapa Gado de Leite,
os principais fatores verificados pelos
(UFJF)”, diz a pesquisadora e coordenadora
Humberto de Mello Brandão.
especialistas para o elevado crescimento da
do núcleo, Nádia Raposo. “Nosso trabalho é
indústria de produtos cosméticos nos últimos
feito em rede, nossas pesquisas envolvem um
Alterações da coloração da pele são uma
anos. Segundo estimativas do Euromonitor,
grande número de pessoas, entre alunos de
preocupação constante entre a população.
instituto
em
iniciação científica, pós-graduação, incluindo
As hipercromias ou hiperpigmentações
estratégia para os mercados consumidores,
mestrado e doutorado, professores e técnicos
a terceira causa de problema dermatológico
o Brasil deverá ter, até 2013, o consumo
de outros laboratórios da Universidade e
com ocorrência em latinos. Envelhecimento,
per capita três vezes maior do que a média
mesmo de outros centros de pesquisa. É uma
gravidez, distúrbios endócrinos, tratamento
mundial. O crescimento médio do setor no
construção coletiva, sem atores principais.
com hormônios e exposição ao sol, em
país em 2010 foi de 10% e em 2011 estimado
Nosso laboratório já depositou dez patentes,
diferentes graus, são os principais motivos
em 30%. Esses números são animadores para
sendo sete delas feitas por alunos.”
dessas
líder
mundial
em
pesquisa
demanda cada vez mais produtos de alta qualidade e com fatores inovadores. A investigação científica e tecnológica tem se concentrado em minimizar as deficiências dos
produtos
que
estão
no
mercado,
apresentando alternativas para os profissionais especialistas em estética. O mercado brasileiro de cosmético é o terceiro maior do mundo, com um faturamento líquido médio de R$ 21,7 bilhões, ficando atrás somente dos Estados Unidos (EUA) e do Japão. Em produtos para a pele, estamos hoje em sexto lugar.
Com
o
aquecimento
global a tendência são verões mais quentes
a indústria e representam um grande desafio para a pesquisa, já que o mercado exigente
ocorrências.
são
“Atender às demandas do mercado, transformando a pesquisa em algo que seja útil à sociedade é o principal foco do Núcleo de Pesquisa e Inovação em Ciências da Saúde da UFJF” (Nádia Raposo - coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Inovação em Ciências da Saúde/ UFJF)
e prolongados e, com isso, as pessoas ficam mais suscetíveis ao aparecimento de manchas faciais.
Produto inovador O Skin Whitening é um produto baseado em nanotecnologia. A associação de dois poderosos princípios ativos, um de origem natural e outro sintético, lhe dá vantagens competitivas sustentáveis. Uma nanocápsula de
óleo
essencial
da
biodiversidade
brasileira, com propriedades farmacológicas complementares, transportadora
envolve de
e
serve
como
partículas
com
ativos
A ciência dos cosméticos já é a campeã de
Mostra disso foi o trabalho desenvolvido
patentes na França há dez anos e no Brasil esse
antioxidantes e despigmentantes sintetizadas
em parceria com o pesquisador e professor
crescimento também é acelerado. Verificando
no Laboratório de Química da UFJF.
do
um enorme potencial do setor, universidades
Adilson David Silva. O Skin Whitening Nano
As nanocápsulas, por terem um tamanho
e centros de pesquisas nacionais se dedicam
Complex é um produto inovador, por sua ação
subcelular, permitem que as moléculas sejam
cada
de
diferenciada e comprovadamente mais eficaz,
levadas até as camadas mais profundas da
produtos inovadores utilizando alta tecnologia.
com atividade despigmentante e antioxidante.
pele. “As cápsulas também protegem os ativos,
Novas descobertas moleculares e a utilização
Além dos pesquisadores, estão envolvidos na
liberando-os de forma controlada e constante,
de recursos como a nanotecnologia são os
vez
mais
ao
desenvolvimento
Departamento
de
Química
da
UFJF,
concepção os alunos da UFJF, Larissa Lavorato
atingindo
maiores investimentos para colocar o país na
Lima, graduanda em Química; Juliana Alves
prolongado. Com isso, tem maior eficácia,
liderança do setor mundial.
dos Santos, doutoranda em Química; Annelisa
durando de duas a três horas, bem mais do
Farah
Ciências
que os produtos concorrentes. Dessa forma,
Zimmermann,
é suficiente uma dosagem menor, diminuindo
Laboratório de patentes
da
Biológicas;
Silva,
doutoranda
Danielle
Cristina
em
uma
área
maior
com
efeito
mestranda em Ciências Farmacêuticas; e Paula
bastante o valor do produto final”, explica
mercado,
Rafaela Rocha, graduanda em Farmácia; além
Nádia, que concebeu o produto. Além de
transformando a pesquisa em algo que seja
da doutoranda em Ciências (Fisiopatologia
despigmentante, o Skin Whitening apresentou
útil à sociedade é o principal foco do Núcleo
Experimental)
em seus testes baixa toxidade e irritação da
“Atender
às
demandas
do
pela
USP,
Aline
Siqueira
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
35
P E S QUISA
pele e menores riscos de fotossensibilidade. Suas características farmacêuticas protegem as partículas da ação do oxigênio, da umidade, de microelementos e peróxidos.
Revolução nanotecnológica Foi em um dos encontros anuais da Sociedade Americana de Física, em 1959, realizada no
A sinergia entre os dois ativos já passou por diversos testes laboratoriais, todos de acordo com as agências regulatórias. Com os resultados, ficou comprovada sua eficiência, maior estabilidade, ação duradoura, baixas toxidade e irritabilidade, o que faz dele um produto competitivo para o mercado de cosméticos. Outra vantagem detectada com os testes é sua fácil incorporação em formulações
Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), que o físico Richard Feynman apresentou, pela primeira vez, o conceito de nanotecnologia. A proposta consistia na manipulação da matéria em escala atômica, materiais com propriedades novas, formados a partir de átomos como se fossem tijolos. A partir daí, muitas descobertas seriam realizadas com a obtenção de materiais em escala atômica e molecular.
cosméticas, podendo servir como base de uma plataforma de produtos, o que o torna ainda mais apropriado para a comercialização. Atualmente, o produto está em fase de negociação
com
transferência
da
uma
indústria
tecnologia.
Já
para
a
foram
registradas duas patentes e estão sendo realizados os ensaios clínicos. A patente final do produto já foi requerida e o próximo passo é conseguir o registro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Não existe hoje no mercado um despigmentante
representar
uma
revolução.
As
nanoestruturas são verdadeiros reservatórios que controlam a profundidade de penetração do cosmético na pele e a velocidade com que o ativo será liberado. Esta liberação gradual faz com que o ativo não atinja limites tóxicos e permite um fornecimento constante do produto às diferentes camadas da pele. Quando as moléculas dos princípios ativos possuem
tamanhos
maiores,
elas
atuam
somente na superfície da pele. A consequência dessa nova forma de ação é uma maior eficácia com menores doses. A nanotecnologia é apontada por muitos como uma oportunidade para o Brasil aumentar de forma expressiva
Alterações da coloração da pele são uma preocupação constante entre a população. As hipercromias ou hiperpigmentações são a terceira causa de problema dermatológico com ocorrência em latinos
e antioxidante com estes ativos que utilize os benefícios da nanotecnologia.
pudesse
sua competitividade tecnológica no mercado mundial.
Equipe empreendedora Apesar de no Brasil as empresas ainda não
investirem
muito
desenvolvimento,
essa
em é
pesquisa
uma
e
tendência
mundial e certamente logo atingirá nossas indústrias. Não resta dúvida de que produzir com inovação hoje é condição fundamental para
manter-se
competitivo
no
mercado
mundial. O mesmo movimento deve ser A partir dos anos 80, a nanotecnologia ganhou
seguido pela Universidade. De olho nessa
condições tecnológicas para se desenvolver.
tendência, pesquisadores como Nádia Raposo
Novos pesquisadores, com ideias audaciosas e
e Adilson David já desenvolvem seu trabalho
criativas, auxiliados por microscópios de alto
com foco no setor privado.
desempenho, propiciaram que esta inovação
Seu tamanho subcelular permite que as moléculas sejam levadas até as camadas mais profundas da pele
As nanocápsulas protegem os ativos liberando-os gradativamente, de forma controlada e constante
36 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
Ilustração: Phillip Douglas
Desta forma, a ação do produto atinge uma área maior, com resultados mais rápidos e ação prolongada. Sua ação é mais duradoura que os já disponíveis no mercado
Forma de ação das nanocapsulas
P E SQ UISA
Na opinião dos pesquisadores, para trabalhar com
inovação
é
preciso
ter
um
olhar
transformador, o que exige, principalmente, técnica, recurso, persistência e criatividade. É necessário desenvolver uma série de produtos e não focar em uma possibilidade só. Além disso, uma equipe bem formada é fundamental, por
isso,
a
necessidade
de
estimular
o
empreendedorismo já entre os estudantes de graduação.
Foto: Marcelo Viridiano
O Skin Whitening é um produto baseado em nanotecnologia. A associação de dois poderosos princípios ativos, um de origem natural e outro sintético, lhe dá vantagens competitivas sustentáveis
Nádia Raposo e Adilson da Silva (ao centro) com a equipe formada por graduandos, mestrandos e doutorandos em Química, Ciências Biológicas, Ciências Farmacêuticas e Farmácia
“Adoro dar aula para a graduação, porque ali podemos identificar os talentos. Tem aluno que me acompanha desde o segundo período da faculdade e já está trabalhando comigo no doutorado. Fazemos parte de uma rede de pesquisa, o que é muito produtivo para todos. Sete alunos meus já registraram suas patentes e alguns já montaram seu próprio negócio”, conclui Nádia.
Nanocomplex
X
Hidroquinona e Ácido Kójico
Estável
Instável
Ação duradoura
Não duradoura
Baixa toxicidade
Potencial citotóxico e mutagênico
Não irritante
Irritante
mais
Nádia Rezende Barbosa Raposo Doutora em Toxicologia pela Universidade de São Paulo (USP); colaboradora da USP; professora adjunta da UFJF www.niqua.ufjf.br nadiafox@gmail.com http://lattes.cnpq.br/4958736937529401
Adilson David da Silva Doutor em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); dois pós-doutoramentos no Centre National de la Recherche Scientifique e um no Institute de Chimie Des Substances Naturelles; professor associado da UFJF david.silva@ufjf.edu.br http://lattes.cnpq.br/1118396022753204
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
37
S AÚDE
Os riscos dos estágios extracurriculares no exercício da Medicina José Nalon de Queiroz*
A
carreira
de
médico,
um
legalmente,
inicia-se
formadoras
(faculdades
de
Medicina)
e
unidades assistenciais.
com
a
Certificado
de
Para que tais práticas possam ocorrer de forma
Graduação em Medicina, com o
adequada, sem riscos para quaisquer das
qual o novo profissional efetuará seu
partes, deve-se observar o que existe em
registro no Conselho Regional de
termos
Medicina do Estado onde pretende
normatização.
conquista
atuar.
Os
do
estágios
de
regulação,
legislação
e/ou
curriculares,
realizados durante o transcorrer do
Os estágios curriculares são regidos pela Lei nº
curso, são essenciais na formação do
11.788/2008, pelo Decreto Lei nº 2080/96, pela
futuro profissional.
Resolução do Conselho Federal de Educação de 4 de maio de 2009 e pelo Parecer Consulta
Entretanto, sob a alegação de que não
do Conselho Regional de Medicina de Minas
conseguiram praticar suficientemente e na
Gerais (CRMMG) nº 3817/2009, de 5 de outubro
ânsia de buscar treinamentos diversificados,
de 2009.
muitos graduandos, erroneamente, recorrem aos estágios extracurriculares. Tais iniciativas se fazem
Já para os estágios extracurriculares há os
de forma voluntária e aleatória, sem o conhecimento
Pareceres CRMMG de números 3478/2008, de
das unidades formadoras, com a aquiescência de
19 de dezembro de 2008; 3414/2008, de 9 de
diretores clínicos, gestores de saúde ou com
março de 2008; e 3236/2006, de 11 de
desconhecimento dos mesmos e sem a devida
dezembro de 2008.
supervisão médica nas unidades prestadoras de serviços médicos à comunidade.
Mas a regulamentação, possivelmente a mais importante e útil para os que desejam estagiar
Dessa iniciativa particular surgem riscos e prejuízos
ou oferecer estágios aos graduandos, ocorreu
para alunos, instituições de ensino, instituições
somente em 11 de fevereiro de 2011. Trata-se da
assistenciais, médicos assistentes e comunidade.
Resolução CRMMG nº 331/2011.
Entre os inúmeros prejuízos advindos dessa prática destacam-se: transgressão aos princípios
Portanto, os graduandos em Medicina devem
éticos e dispositivos legais ao constatar-se que
ficar atentos a essas normatizações para que
o aluno incorre em exercício ilegal da Medicina,
exerçam seus estágios de forma correta,
sujeito a sanções penais, e os médicos que
aproveitando ao máximo a experiência que
lhes delegam atividades assistenciais, sem
será essencial para a sua futura atuação
supervisão
direta,
tornam-se
seus
profissional.
Ilustração: Joviana Marques
cúmplices; riscos para a saúde e
OutuBRO/2012 A SETEMBRO/2012 a MARÇo/2013 38 A3 - ABRIL
integridade física dos membros da
Para entender mais essas normatizações, o
sociedade ao se entregarem aos
estudante pode acessá-las no site do Conselho
cuidados
de
pessoas
habilitadas
para
o
profissional
da
Medicina;
consequente profissão
médica,
exercício
desprestígio das
não
Regional de Medicina de Minas Gerais (http:// www.crmmg.org.br/).
e da
unidades
* Professor adjunto IV do Departamento Materno Infantil da Faculdade de Medicina da UFJF; 2º secretário do CRMMG; delegado do CRMMG em Juiz de Fora e Zona da Mata
O L H A R E ST R AN GE IR O Ilustração: Joviana Marques
O campo da cultura visual Fernando Hernández* Tradução: Marcela Matamoros
D
urante minha estada na Universidade
resgate dos efeitos das nossas relações com o
representações visuais quantas o ser humano é
Federal de Juiz de Fora (UFJF) em
que vemos em nós e nos outros. Quando eu
capaz de produzir. Trata-se de levar o cotidiano
maio deste ano, um jornalista me
vejo algo ele também vê a mim e me faz de
para a sala de aula, explorando a experiência
perguntou o que era a cultura visual. Como
outro jeito. Significa trabalhar a história da arte
dos estudantes e sua realidade”.
acontece nessas ocasiões, tem-se que pensar
de outra forma: ir além do artista e considerar
em uma resposta rápida e compreensível para
outros tipos de obras, também parte da
Se resgato essa abordagem apressada e
um leitor que você desconhece. No texto em
cultura, como publicidade, objetos de uso
telegráfica é porque ela contém três âmbitos,
que me enviou para revisar, traduziu minhas
cotidiano,
moda,
palavras da seguinte maneira: “Consiste no
arquivos
históricos
arquitetura,
televisão,
os quais considero convergir em três conceitos
e
e
diferentes de cultura visual: um campo de
familiares
tantas
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
39
olhar estrange iro
estudo acadêmico de caráter multidisciplinar;
e de como os artefatos da cultura visual tomam
expandir o sentido da educação das artes
a denominação genérica que se dá aos objetos
forma e são apropriados por quem vê e é visto.
visuais e do que acontece na escola e em
e artefatos que conformam o visual (o que vemos e como o tempo nos vê); e uma maneira de entender e abordar as relações com as representações
visuais
e
técnicas
do
observador desde a escola e outras instituições pedagógicas.
que nelas a visão (o ato de ver) não é somente processo
manifestação
de
percepção,
cultural
e
de
mas
uma
comunicação.
Manifestação que não é redutível a ser explicada nos mesmos termos da linguagem falada e escrita. Pois, aqui, o visual atua como um espaço de interação social e de constituição de subjetividades em termos de classe social, gênero, sexo, etnia, religião.
os meios de comunicação, nos leva a considerar as relações como um espaço central para
Essa perspectiva permite questionar pelo menos
dois
pressupostos
presentes
nas
cultura visual como um espaço de práxis relacional que tem lugar, que se “performatiza” a partir da construção de relatos que refletem as visões subjetivas - e, portanto, culturais dos visualizadores. O que tem levado a considerar as imagens e outros artefatos relacionados com configuração de visão de um ponto de partida para investigar em torno de questões:
as
visões
ensino. A primeira é a que considera que a cultura visual são os objetos e artefatos visuais que nos rodeiam e com os quais interagimos. Frente
a
esta
posição,
o
relevante
das
pedagogias da cultura visual não são os objetos que selecionamos e para os quais vamos, e sim as relações que mantemos com eles. A segunda posição põe em suspenso – para problematizá-la a noção de produtores da cultura visual dos indivíduos na medida em que não se trata somente de fazer com, mas
A partir dessas bases pode-se considerar a
duas
Pedagogias
abordagens da cultura visual de instituições de
O que tem em comum estas três abordagens é um
outras instituições educacionais como museus,
culturais
que
propiciam as imagens e artefatos da cultura visual quando se colocam em relação - entre elas e com os sujeitos -; as experiências de subjetividade que mediam e possibilitam.
convite a investigar a cultura visual a partir do cruzamento entre o que seria uma perspectiva cultural - o que chamaríamos de visibilidade - e das práticas de subjetividade que se vinculam
da cultura visual. Isso
leva,
no
hegemônicos. O que reafirma a opção de que a cultura visual além de falar de outro lugar da arte - e de outras práticas de visualização também impulsa a realização de projetos e práticas
geradas
como
processos
de
investigação e emancipação. Uma proposta pedagógica desde a cultura visual
assim
entendida
pode
ajudar
a
contextualizar os efeitos do olhar, e através de práticas críticas (questionando os efeitos sobre
nossas
subjetividades)
explorar
as
experiências (efeitos, relações, sentimentos) em torno de como o que vemos nos conforma: nos faz ser o que outros querem que sejamos e
campo
das
pedagogias
relacionadas com as artes visuais, a considerar uma noção ampliada da arte e da autoria. Há poucos anos, as referências artísticas que serviam de exemplos para a educação das artes apareciam vinculadas a um território expressivo e plástico que a arte contemporânea fazia tempo que tinha atravessado. Da mesma maneira, a noção de artista vinculada nessas referências tinha sido contestada por práticas artísticas
performáticos que dialogam e respondem aos
colaborativas,
etnográficas,
relacionais, que não desenham a noção de autoria e que aportavam estratégias sugerentes para a educação das artes visuais.
poder
elaborar
respostas
emancipadoras
frente ao efeito dessas visões. O que nos abre para um campo de investigação que nos convida a encontrar, explorar, investigar e projetar as vibrações e ressonâncias entre as imagens
(e
destas
com
os
sujeitos
cultura
visual
visualizadores). As
pedagogias
da
são
configuradas como um espaço para explorar e produzir alternativas não só sobre o papel das artes visuais na escola, mas em torno da função e sentido de aprender em uma escola que exige uma mudança radical em sua história.
Dessa maneira, as pedagogias da cultura visual se convertem em uma oportunidade para gerar relatos alternativos que possibilitem
* Professor da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona (Espanha)
Fernando Hernández esteve em Juiz de Fora, em maio de 2012, para participar de evento no Colégio de Aplicação João XXIII
40 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
Foto: Nathália Corrêa
Situar-se a partir dessas premissas supõe um
sim de ser com as representações e artefatos
explorar, debater e gerar relatos visuais e
R epens a r a U niversidad e
Seminário leva à reflexão sobre o tradicional fazer universitário Fotos: Roberto Dornelas
Construção do Campus da UFJF na década de 1960
Entre as conclusões de especialistas, está o fato de que, até hoje, nenhuma universidade conseguiu atender a todas as classes de maneira igual FERNANDO LOBO Repórter
D
esde que foi criado, em 2011, o seminário
décadas de um fazer universitário tradicional.
políticos progressistas e populares, assim
Repensar a Universidade, renovar a
“Eu não tenho dúvidas que a Universidade
como, também, colocar nossa imaginação e
prática acadêmica, teve como um
hoje vive, pulsa, pensa e existe. Porém, não sei
criatividade científicas a serviço da civilização
dos objetivos principais propor uma reflexão
se isto está acontecendo na medida em que
em sentido amplo e não da barbárie materialista
sobre as questões mais gerais que desafiam
o ritmo de nossa época exige. No entanto, é
em sentido restrito.” Ele afirmou, ainda, que a
o tradicional fazer universitário. Idealizado
fato que não estamos parados. Disso, eu tenho
universidade só tem alcançado esta “meta”
e realizado pela Pró-reitoria de Graduação
certeza.”
de forma incompleta. Para ele, a comunidade
(Prograd) da Universidade Federal de Juiz
universitária vive em uma “redoma”, em um
de Fora (UFJF), com apoio da Secretaria de
O pró-reitor de Extensão da UFJF, Marcelo
espaço pouco crítico e extremamente elitizado.
Comunicação (Secom) e da Pró-reitoria de
Dulci, ressaltou que a universidade, como
Reverter tal “tendência” é o principal desafio
Extensão (Proex), o seminário procura discutir,
espaço de reflexão crítica, está em uma crise
pessoal e institucional, o que torna essencial o
junto
temas
enorme. Para ele, os problemas do mundo
ato de se “repensar a universidade”.
que possibilitem a todos pensar uma nova
globalizado se avolumam, mas os rumos a
universidade que vive, pulsa, pensa e existe.
serem tomados, inclusive pela universidade,
Uma das conclusões do seminário é que, até
ficam cada vez menos claros. A academia, que
hoje, nenhuma universidade conseguiu atender
Para o organizador do evento e pró-reitor
sempre se destacou na discussão dos impasses
a todas as classes de maneira igual. E isto ficou
de Graduação, Eduardo Magrone, há anos a
e soluções, tornou-se, nas últimas décadas, no
claro com a apresentação do líder indígena
UFJF está deixando de ser uma instituição
Brasil e no mundo, de alguma forma, em mais
Ailton Krenak e do fundador do curso pré-
voltada quase que exclusivamente para a
uma fonte de tais problemas, graças, conforme
vestibular Educafro, Frei David, na segunda
formação profissional de uma elite técnica em
ele, ao fato de a criação científica e a produção
edição do seminário realizada em 2012. Krenak
nível superior e passando a se dedicar mais
tecnológica do mundo universitário estarem
expôs a relação entre a universidade brasileira e
à pesquisa e à pós-graduação. Segundo ele,
instrumentalizadas por uma razão de mercado
os índios. Com raras exceções, só recentemente
não faz muito tempo que as atividades de
“cega” (ou quase isso) aos outros aspectos da
foram criados cursos voltados às nações
extensão também marcaram positivamente
vida social – interesses materiais das maiorias,
indígenas mas, mesmo assim, a presença de
um período da história da UFJF. Todo este
a cultura como expressão da diversidade
índios em cursos superiores ainda é mínima e,
movimento, acompanhado da expansão e da
humana, a sustentabilidade do planeta e o
na sua visão, a causa é o distanciamento entre
reestruturação da graduação, da presença do
respeito à democracia. “Todos nós estamos
a academia, voltada às questões teóricas, e os
ensino a distância, da mudança nos processos
sendo arrastados para um produtivismo de
índios, com sua cultura e tradições orais. Ele
seletivos para ingresso, entre outros aspectos,
qualidade mais do que duvidosa. Faz-se
defendeu que se deve buscar um meio termo
fez com que a UFJF questionasse na prática
necessário resgatar e fortalecer aquela parte da
entre estes dois mundos. Frei David lembrou
procedimentos e valores cristalizados por
nossa trajetória acadêmica de compromissos
que, apesar da melhoria nos níveis médios de
à
comunidade
universitária,
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
41
repensar a univers ida de
Fotos: Frederico Boza
Ailton Krenak, Frei David e Anne-Marie participaram da segunda edição do Seminário Repensar a Universidade
escolaridade de brancos e negros ao longo
mercado para as universidades, lidando com
atrair um jovem talentoso para os cursos de
dos anos, o padrão de discriminação, isto é,
entrada de recursos privados para a pesquisa,
Licenciatura. Não somente a carreira e os salários
a diferença de escolaridade dos brancos em
cursos fortemente ligados ao mercado de
são pouco atraentes, mas também o ofício
relação aos negros, mantém-se estável entre as
trabalho e uma capacidade de acolhimento
de ensinar no Brasil parece crescentemente
gerações. Portanto, a solução seria fazer valer,
de estudantes estrangeiros. “Claro que a
associado ao fracasso social e profissional do
de fato, o sistema de cotas nas universidades
universidade tem de mudar, tem que ser mais
indivíduo. Para a professora associada da UFJF
(o que foi aprovado pelo Congresso em agosto
eficiente para a preparação de novas gerações.
e palestrante do seminário, Maria da Assunção
último).
Mas
também
Calderano, o posicionamento da universidade
relacionar a pesquisa com as necessidades
precisa ser entendido no contexto macro e
Magrone indicou que a verdadeira avaliação de
sociais, principalmente no campo das ciências
micro, ao mesmo tempo, pois pouco ou nada
tudo o que a comunidade acadêmica fez, até
sociais e humanas. No entanto, este ponto de
adianta ter um posicionamento crítico, se este
agora, será realizada pelas futuras gerações
mudança necessita de uma discussão de longo
for inoperante. “Considerando a multiplicidade
de professores, funcionários, alunos e pela
prazo.”
de pensamento presente na universidade
ela
(a
universidade)
deve
sociedade em geral. “É muito difícil afirmar hoje, com um grau elevado de certeza, que estamos ou não estamos no rumo certo.” Ele considerou que, para prosseguir no caminho proposto por toda essa discussão e errando o menos possível, faz-se necessário abrir ainda mais a universidade e favorecer o debate interno e com a comunidade, desburocratizar todos os procedimentos de avaliação na e da instituição, exercer de fato a autonomia perante o Estado, os agentes econômicos e os movimentos sociais. Já a professora da Universidade Paris VIII, Anne-Marie Autissier - que também participou da segunda edição do seminário -, disse que a atual situação do ensino tanto no Brasil (onde as universidades federais enfrentaram uma
- não existe pensamento único - tornam-
“Claro que a universidade tem de mudar, tem que ser mais eficiente para a preparação de novas gerações. Mas ela (a universidade) deve também relacionar a pesquisa com as necessidades sociais, principalmente no campo das ciências sociais e humanas”
se
(Anne-Marie Autissier, professora da Universidade Paris VIII)
propiciar-se criticamente do conhecimento
longa greve este ano) como na França, com
necessárias iniciativas institucionais que
busquem superar os hiatos nas comunicações entre
universidade,
escola
e
políticas
educacionais, de modo a, permanentemente, exercitarmos a difícil e imprescindível tarefa de examinarmos com cuidado a vida real e extrairmos as demandas dessa realidade, buscando
atender
aos
desafios
impostos
e propor alternativas para um processo de formação docente – inicial e contínua para professores da escola básica e da universidade. Nesse processo de formação contínua, deve-se reconhecer a importância do conhecimento epistemológico,
filosófico
e
metodológico,
tendo em vista o propósito educacional: a historicamente acumulado e transformar esse conhecimento a favor da melhoria da condição
a proposta do governo de organizar estudo
Uma outra preocupação levantada durante
humana.” Maria da Assunção ressaltou que a
sobre o ensino superior, mostra que a maioria
o seminário foi com relação à formação de
universidade cumprirá seu papel à medida que
das universidades está ansiosa sobre seu futuro,
professores, principalmente para ensino médio
refletir conjugadamente e apresentar subsídios
principalmente com relação aos recursos para
e que, segundo Magrone, já apresenta um
para as políticas educacionais, conciliando
ensino e pesquisa. Anne-Marie afirmou que,
colapso em algumas áreas de conhecimento.
melhorias das condições de trabalho, ensino e
por meio do Processo de Bolonha, bem como
A verdade, no seu entender, é que à docência
aprendizagem nos diferentes setores da escola
de diversas reformas realizadas em vários
é hoje reservado um lugar simbolicamente
básica e da própria universidade.
países europeus, a principal preocupação é
desqualificado no interior das universidades
a de se ter um modelo global dominante de
brasileiras. “Está ficando cada vez mais difícil
42 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
Foto: Alexandre Dornelas
E XPAN SÃO
Reitor Henrique Duque (à esquerda) descerra a placa de lançamento da pedra fundamental do primeiro campus avançado da UFJF
Campus avançado impulsionará resgate econômico e cultural de Governador Valadares Instalação do campus injetará mais de R$ 150 milhões na construção da cidade universitária e na compra de equipamentos. Somente para 2012, estão garantidos R$ 22 milhões. A nova unidade será erguida na área de antiga fazenda de 533 mil metros quadrados, a quatro quilômetros do Centro
CAROLINA NALON e Raul Mourão Repórteres
“I
magine Juiz de Fora sem a UFJF. O que
abertura de novos negócios e vagas, obrigando
ção se difere, pois a região de atividade rural
seria da cidade sem a instituição?”, su-
Valadares a se manter sem as remessas men-
demorou mais a fazer essa transição para uma
gere o diretor da Faculdade de Econo-
sais de dólares. Nos seis primeiros meses de
economia urbana, talvez por ter conseguido se
mia, Lourival Batista de Oliveira Júnior. Embora
2012, a variação de emprego no município foi
sustentar por algum tempo com os dólares de
seja um município de porte médio, com 517 mil
de 6,16%, contra a média brasileira de 2,76%.
quem estava no exterior.
habitantes e economia diversificada, a cidade
Em comparação ao mesmo período de 2011,
polo da Zona da Mata Mineira vem percebendo
Governador Valadares criou 2.362 vagas a mais
O pró-reitor participou de 20 reuniões com re-
o impacto da permanência de uma universida-
em 2012.
presentantes da sociedade civil do município e percebeu na população a expectativa de que o
de pública federal em processo de expansão. Poderia o Campus Avançado da Universidade
Para o cientista social e pró-reitor de Extensão,
novo campus seja um instrumento de acelera-
Federal de Juiz de Fora (UFJF) promover algo
Marcelo Dulci, respeitadas as diferenças, é pos-
ção desse movimento de mudança econômica
semelhante em Governador Valadares?
sível projetar resultado semelhante ao de Juiz
e cultural. Para o professor Lourival Júnior, tal
de Fora em Governador Valadares. “Na década
expectativa é bastante plausível. “Só os empre-
Localizada a 464 quilômetros de Juiz de Fora,
de 1970, quando enfrentávamos um forte declí-
gos diretos gerados pela própria Universidade
no Leste Mineiro, a cidade conhecida nacional-
nio industrial, a UFJF teve papel essencial para
já são um fator. Compõem o que chamamos
mente como a que mais envia brasileiros aos
a retomada do desenvolvimento da cidade.”
de empregos de qualidade, pois o requerimen-
os Estados Unidos passa por um período de
Segundo ele, a mudança no perfil econômico
to mínimo para estar em uma universidade, no
transformação da economia. A crise america-
de Juiz de Fora, baseada na grande oferta de
caso de docentes, é ter doutorado ou mestra-
na fez com que o movimento de retorno dos
serviços, é consequência direta da presença da
do, e porque esse público possui demandas
imigrantes à cidade natal contribuísse para a
instituição. Em Governador Valadares a situa-
específicas, de serviços e outros negócios da
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
43
E XPANSÃO
Campus avançado priorizará sustentabilidade, com coberturas verdes e estação de tratamento de efluentes cidade.” No campus sede, em Juiz de Fora, são mais de 2.380 professores e técnico-administrativos efetivos. No avançado, a quantidade pode chegar a 566 em cinco anos. A partir dos novos cursos abertos, segundo Lourival Júnior, estão sendo criadas oportunidades para formar capital humano. “A UFJF tem uma respeitabilidade construída no cenário nacional, pelo que já conseguiu maturar. Mesmo sendo de outro campus avançado, nosso profissional será certificado pela qualidade.” A disposição de capital humano é uma das condições para intensificar a atração de investimentos para uma região e elevar seu desenvolvimento socioeconômico.
Infraestrutura A instalação do campus injetará mais de R$ 150 milhões na construção da cidade universitária e na compra de equipamentos. Somente para 2012, estão garantidos R$ 22 milhões. O campus avançado será erguido na área de uma antiga fazenda de 533 mil metros quadrados, a quatro quilômetros do Centro, doada à UFJF. Será preciso construir vias, pavimentar, iluminar, incluir sistemas de telefonia e fazer terraplanagem. Estão previstos blocos de sala de aula, biblioteca e laboratórios, restaurante universitário, prédio administrativo, lago, centro de esportes e pista para caminhada. A nova unidade terá capacidade inicial para quatro mil
Na via contrária, Governador Valadares tem
alunos e deverá ser concluída em dois anos. “A
também muito a ensinar, garante Marcelo Dul-
implantação do campus é um meio de a UFJF
ci. “Podemos aprender com a experiência de-
cumprir não só seu compromisso com a edu-
les no setor rural e agrícola e transpor esse co-
cação, como também com outros fundamen-
nhecimento para nossos projetos, abrindo no-
tos sociais inerentes a uma universidade, a fim
vas áreas de pesquisa e extensão.” Hoje, a UFJF
de contribuir para o desenvolvimento do Leste
já possui cursos que trabalham indiretamente
Mineiro e, por conseguinte, Minas Gerais. A ins-
para o setor, como os de Engenharia Sanitária
talação da nova unidade é o maior desafio de
e Ambiental, Nutrição e Farmácia. “O campus
meu segundo mandato”, afirma o reitor Henri-
avançado nos torna mais cosmopolitas e ar-
que Duque.
rojados em todos os campos do pensamento científico. Mas, acima de tudo, nos faz repensar nossa relação com o outro. Essa é uma grande vantagem porque permite que percebamos, com mais clareza, os problemas próprios da Zona da Mata.”
44 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
Até o fim das obras, as aulas acontecerão na sede de uma faculdade na região central de Valadares. O prédio foi alugado e adaptado para as necessidades da UFJF: ganhou gabinetes para professores; infocentro com 40 com-
putadores, conectados à internet; e laboratório para cursos de saúde com 40 microscópios novos. Uma parceria permite a alunos de Medicina utilizar o laboratório de anatomia recém -equipado de uma universidade local. Foram investidos R$ 610 mil nas adaptações e aquisições de materiais. As aulas estão a cargo de 33 professores efetivos, acompanhados de 16 técnico-administrativos em educação. Em janeiro e fevereiro de 2013, mais 60 profissionais serão selecionados, por meio de novos editais de concursos ou pelo aproveitamento de classificados em processos anteriores. Para o pró-reitor de Planejamento, Carlos Elizio Barral, a instalação e gestão do novo campus são auxiliadas pela experiência bem-sucedida da UFJF na execução das metas do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) – a Universidade foi a que mais cumpriu o cronograma orçamentário – e na ampliação da instituição por meio de recursos obtidos pela Administração Superior. Um dos objetivos na coordenação do campus é fazer da palavra integração um instrumento de sobrevivência e de manutenção da qualidade. “Vamos fazer reuniões
permanentes,
com
cronogramas
definidos de negociações e conversas entre docentes.
Professores
de
Juiz
de
Fora
manifestaram interesse em ministrar palestras, minicursos na nova unidade, e os de Valadares poderão participar de atividades da sede.”
E XPAN SÃO
Campus Avançado Governador Valadares
Foto: Alexandre Dornelas
Mais acesso O ensino superior de Governador Valadares estava concentrado em faculdades privadas, no campus do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e em opções de graduação a distância. A chegada da UFJF amplia o acesso da população ao diploma, dando uma nova perspectiva aos estudantes que concluem o ensino médio, especialmente, aos de condição socioeconômica desfavorecida. “Certamente a política de cotas da Universidade, na qual é preciso estudar, pelo menos, sete anos em escola pública, será um dos grandes benefícios para nossos estudantes”, avalia a secretária municipal de Educação, Dalva Mendes Marcos Rabelo. Segundo
ela,
a
Secretaria
Municipal
de
Educação já iniciou reuniões com as escolas para incentivar os professores na busca pela aprovação de seus alunos na federal. “Queremos que eles concorram com qualidade e entrem (na Universidade) não como um favor, mas por direito”. Para Dalva, o novo campus obriga a prefeitura a aprimorar ainda mais a educação na cidade. O estudante Brenno Soares Oliveira, aprovado no curso de Direito, pensou na possibilidade de transferência do atual emprego para Juiz de Fora, para estudar na UFJF. “Com a abertura do campus em Governador Valadares, nem precisei”, ressalta o técnico-administrativo do
Vagas: 750 anuais, com possibilidade de aumento para 850. Cursos: Administração, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Direito, Farmácia, Fisioterapia, Medicina, Nutrição e Odontologia. Ingresso: Sisu (pelo Enem) e Pism (programa seriado)
Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG). Ele
coordenador do Centro de Informação e As-
foi aprovado em primeiro lugar no grupo A,
sessoria Técnica (Ciaat), Antônio Carlos Linha-
de candidatos autodeclarados negros prove-
res Borges, há uma demanda por qualificação
nientes de escola pública. Oliveira terminou o
profissional, principalmente em pequenos se-
ensino médio em 2005 e estudava em uma fa-
tores de produção que já foram mais impor-
culdade particular da cidade. Com a aprovação
tantes, como o de costura. “Uma das principais
na federal, encerrou a matrícula. “Já tinha lido
esperanças está na possibilidade de que a
matérias elogiando bastante o curso. Acho que
Universidade capacite melhor os profissionais
vou estar no meio de feras e isso vai ser muito
quanto ao associativismo e ao cooperativismo,
bom.” A Faculdade de Direito tem o melhor ín-
muito importantes para as comunidades rurais
dice de aprovação do país no exame da Ordem
e urbanas atendidas por nós.” A organização
dos Advogados do Brasil (OAB).
não-governamental, que visa a geração de renda de forma coletiva e solidária por meio
“A implantação é um meio de a UFJF cumprir não só seu compromisso com a educação, como também com outros fundamentos sociais inerentes a uma universidade, a fim de contribuir para o desenvolvimento do Leste Mineiro e, por conseguinte, de Minas Gerais” (Reitor Henrique Duque)
de projetos sociais, já beneficiou cerca de 500 famílias da cidade e da região. A UFJF pretende começar a fazer parte desse movimento e iniciou contato com a Cooperativa Rio Limpo, produtora de sabão ecológico. No campus sede, em Juiz de Fora, a Universidade tem a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (Intecoop), uma iniciativa bem-sucedida na cidade. O pró-reitor Marcelo Dulci espera que, com as aulas em andamento, os professores submetam seus projetos e envolvam os alunos nas atividades, fazendo da extensão parte da cultura do novo campus desde o início. Segundo Dulci, 20 bolsas serão disponibilizadas ainda em 2012 com esse objetivo e, para 2013, a expectativa é abrir de 30 a 40 bolsas, dependen-
Mas as expectativas não giram apenas em tor-
do do interesse dos professores.
no da formação intramuros. De acordo com o A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
45
TE S ES E DI SSERTA ÇÕES
Foto: Frederico Boza
Qual é a classe do samba? Tese de professor da UFJF, premiada pela Capes, analisa a trajetória do samba e do choro, chegando a conclusões curiosas sobre a diversidade de classes sociais e culturais que habitam os gêneros musicais mais representativos da identidade nacional BÁRBARA DUQUE Repórter
R
itmo nacional por excelência, o samba
dos cursos de Direito e Economia da Universi-
trajetórias de músicos, jornalistas, gravadoras e
é amplamente debatido, inclusive no
dade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Dmitri
críticos em uma análise sócio-histórica da as-
meio acadêmico. Na busca pela expli-
Cerboncini Fernandes, recebeu o prêmio em
censão da música popular urbana brasileira e
cação da formação deste símbolo, historiado-
julho de 2012. Intrigado com questões sobre
suas contradições.
res, jornalistas, músicos, cientistas sociais e
como um só ritmo é capaz de abrigar persona-
pesquisadores estudam esse gênero transfor-
gens tão díspares como o samba, o trabalho “A
A sua busca começou no século XIX, resgatan-
mador da cultura popular em cultura nacional.
Inteligência da Música Popular, a ‘autenticida-
do onde e como essa história começou, pas-
Questões que permeiam esse identificador
de’ no samba e no choro” desvenda qual é sua
sando por personagens que traçaram esses
nacional nortearam a melhor tese de Sociolo-
verdadeira classe.
rumos, levando o samba a um sectarismo do
gia, segundo a Coordenação de Aperfeiçoa-
erudito versus popular. Na década de 30,
mento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
Para estudar as relações sociais que estrutu-
quando o amálgama do gênero se formou, ini-
defendida em 2010. O autor e professor de
ram o domínio do samba e do choro, desenvol-
ciaram-se as disputas de quais seriam os artis-
Sociologia das Artes e Introdução à Sociologia
veu trabalho rico de histórias que entrelaçam
tas e as obras adequados ao desempenho de
46 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
T E S E S E DISSE RTAÇ Õ E S
representantes do samba. A partir de então, foi
Surgiu, então, nas três primeiras décadas do
momento em que deveria por outras razões,
necessário estabelecer padrões para regular o
século XX, uma cultura popular lato sensu di-
como falta de legisladores especializados em
que seria regional ou nacional; bom ou ruim;
fundida por veículos de comunicação. Novida-
samba paulista nos anos 30, momento de
belo ou feio; autêntico ou inautêntico; e quem
des da época como o rádio e as novas tecnolo-
definição simbólica do gênero. O samba que
seriam as personagens desse elenco de “for-
gias de reprodução de discos, além de teatro
representaria São Paulo ficou geneticamente
madores de opinião” que traçaram os rumos
de revista, jornais e revistas, passaram a divul-
vinculado aos meios de reprodução comercial.
da categorização do samba, gerando, nos anos
gar notícias antes renegadas. Na década de
90, uma polarização hierarquicamente distinta.
30, no Governo Getúlio Vargas, o momento
A maior preocupação dos chamados represen-
carecia de unificação simbólica. Foi, então,
tantes “verdadeiros” da música popular e de-
bem visto um elemento nacional-popular nas
fensores da autenticidade do samba era reafir-
artes como grande conciliador, por isso, a as-
mar o descompromisso com o sucesso comer-
censão do samba, elevado ao status maior.
cial. Apesar das diferenças claras entre um
Para estudar as relações sociais que estruturam o domínio do samba e do choro, docente desenvolveu trabalho rico de histórias que entrelaçam trajetórias de músicos, jornalistas, gravadoras e críticos em uma análise sócio-histórica da ascensão da música popular urbana brasileira e suas contradições
subgênero do samba e outro, como uso de Porém, essa unicidade geraria discordâncias e
instrumentos diferentes, levada rítmica especí-
tensões insolúveis. As principais seriam quanto
fica e velocidade característica, quem corrobo-
à forma correta de reprodução, assim como a
rava a “autenticidade” eram os críticos e os
natureza territorial das origens dessa arte.
especialistas. Apesar de essa taxação já acon-
Como bem definiu Fernandes, “estava aberta a
tecer no florescer do movimento, como no
contenda pela paternidade, origem e ‘correta’
caso do samba-jóia, de Benito de Paula, desva-
manutenção do samba”. Nomes importantes
lorizado desde o início, e o partido alto, enalte-
protagonizariam o debate: os compositores
cido, as opiniões sobre os músicos podiam
Noel Rosa e Assis Valente ressaltavam essas
mudar, havendo promoção de status, desde
questões em suas letras; e os jornalistas Va-
que não cometessem sacrilégio.
galume e Orestes Barbosa em livros, como o “Samba: sua história, seus poetas, seus músi-
Quanto mais indefinido um artista se colocasse
cos e seus cantores”, de Barbosa. Naquele
no início da carreira, mais fácil obter glamouri-
momento estava eleito o Rio de Janeiro, capital
zação. Entre os músicos que passaram por
federal, como berço do samba. A grande cisão
essa mudança, Beth Carvalho, Adoniran Bar-
ficava por conta do morro versus cidade, “arte-
bosa e Clara Nunes. Zeca Pagodinho e outros
sanal-autêntico-comunitário” versus “comer-
mais, afilhados de Beth Carvalho, iniciaram
cial-inautêntico-individualista”. E sobre quem
novo subgênero, evoluindo para o “pagode
seriam os legisladores que defenderiam a mú-
comercial”, considerado heterodoxo pela críti-
sica popular urbana tida como pura e autênti-
ca, gerando lucros jamais vistos até então. O
ca, para resguardar o legado de ouro, a música
rótulo de invencionice e malandragem visando
popular, contra distorções menos autênticas.
lucro sempre estigmatizou o pagode.
Além da mídia, personagens como Almirante e
O samba que tematizava o papel do negro na
Jacob do Bandolim defenderam a legitimidade
sociedade, fruto de fatores que incluíam ações
do samba e do choro. Mais à frente, Hermínio
afirmativas originadas nos anos 70, teve como
Bello de Carvalho, Tinhorão e Sérgio Cabral,
representantes Nei Lopes, Martinho da Vila e
apoiados por instituições como Funarte e Mu-
Candeia. Já na década de 80, Fundo de Quintal
instrumental.
seu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro,
foi o precursor de grupos paulistas como Raça
elegeriam como inimigos a ditadura e as “alie-
Negra e Negritude Júnior que obtiveram su-
Alguns personagens reformaram os estilos re-
nações internacionais” que assombraram nos
cesso inimaginável, desvirtuando o viés politi-
anos 60 e 70.
zado dos pioneiros. Esse novo som obteve as
Nacionalização do samba A delimitação inicial dos gêneros musicais brasileiros se deu desde o último quartel do século XIX, quando estilos desiguais se fundiram. De um lado, padrões europeus, como polka, xote, valsa e habanera e, de outro, estilos nativos, do meio rural ou urbano, como jongo, modinha, batuque, cateretê, alguns definidos como ritmos da senzala. Essa disparidade geraria um híbrido que, à frente, seria chamado de samba, quando canção versificada, e choro, quando
cém-chegados e rejuvenesceram os existentes. Conferiram ar de distinção às consideradas baixas manifestações culturais, acrescentando ornamentação erudita às composições. Esses nomes ocupavam posições indefinidas na sociedade: nem brancos, nem negros; nem eruditos, nem populares; nem chancelados, nem deslegitimados; representando um elo neste cenário. A presença deles nos eventos mais finos era enobrecedor, pois tinham contato com figuras mais desprestigiadas. Entre os principais nomes, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Joaquim Calado e Anacleto de Medeiros.
piores classificações da crítica, acusado de ser Já no final da década de 70, brancos,
teleguiado por produtores norte-americanos,
universitários, conhecedores da teoria musical,
reforçando o antigo estereótipo dado a São
de famílias remediadas de São Paulo, marcaram
Paulo como “o túmulo do samba”. Embora a
a
paulista,
rixa entre Rio e São Paulo tenha se reafirmado
simbolizando-o como elemento distintivo da
com o samba, tanto cariocas, “donos” do au-
cultura popular. O movimento teve origem
têntico samba, e paulistanos, responsáveis
com Adoniran Barbosa, elevado a maior
pelo samba comercial, experimentaram recor-
sambista de São Paulo, e suas parcerias com
des de vendas, entre 1995 e 2005, como os
compositores da classe média. Apesar disso, o
cariocas Martinho da Vila, Zeca Pagodinho e
que poderia se tornar uma produção popular
Molejo; e os paulistanos Art Popular, Exalta-
autêntica em São Paulo não aconteceu no
samba e Negritude Júnior. Mesmo sabendo
modificação
do
samba
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
47
TE S ES E DI SSERTA ÇÕES Foto: Frederico Boza
Dmitri: “Acredito que dei conta de problemas não atentados pela literatura especializada”
que muitos grupos de “neopagode”, represen-
nários em quatro casas de espetáculos no Rio
relacionei esses achados com suas funções
tantes da inautenticidade do samba, eram do
e quatro em São Paulo. O intuito foi revelar
sociais, como conectar conceitos de ‘autentici-
Rio de Janeiro, a crítica taxava o movimento
possíveis tendências dos públicos frequenta-
dade’ e ‘inautenticidade’. Assim, compreendi
como oriundo de São Paulo, reforçando que no
dores de cada local visitado, estabelecendo
porque uma classe média escolarizada tende a
samba os grupos se igualam e se separam de
coordenadas importantes às hipóteses nortea-
usar como marcador de sua posição social o
forma radical.
doras do trabalho.
amor pelas músicas julgadas mais ‘autênticas’,
Pesquisa
“Acredito que dei conta de problemas não
camadas subalternas tendem a um gosto mal-
atentados pela literatura especializada. Ao
visto pelas superiores, consumindo músicas
mesmo tempo, revelei aspectos de interesse
erotizadas e sem a tradição do gênero. Espero
para apreciadores desses gêneros. Foi impor-
ter mostrado que as músicas tidas como as
tante apresentar a constituição histórica e o
mais brasileiras, só poderiam ter se conforma-
funcionamento da linguagem usada pela críti-
do no Brasil, país de uma riqueza imensa, em
ca, que também estrutura a cabeça de músi-
todos os sentidos, só comparável à sua pobre-
cos, compositores e público. Por outro lado,
za, em todos os sentidos”, resume Fernandes.
como o choro ou o samba tradicional. Já as
Para finalizar o trabalho, Fernandes expôs os resultados do cruzamento de dados da investigação para a tese e informações de pesquisa Ibope sobre audiência de rádio entre 94 e 99. Na sua pesquisa foram aplicados 160 questio-
mais
Dmitri Cerboncini Fernandes Professor Adjunto I do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFJF (PPGCSO - UFJF); doutor em Sociologia e pós-doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); líder do grupo de pesquisa do CNPq “Música Popular e Intelectuais” http://www.ufjf.br/ppgcso Leia a tese na íntegra: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-15092010-171819/publico/2010_DmitriCerbonciniFernandes.pdf
48 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
M U N D O DI GI TAL
Channel 4
Democracia digital Cícero Inacio da Silva *
C
om
eleições
No episódio chamado “The National Anthem”,
diretor da série usa para nos provocar poderia
municipais, o mundo digital começou
a
realização
das
uma princesa Inglesa é sequestrada e a única
ser transposta para os dias de hoje em qualquer
a aparecer como algo positivo na
demanda para soltá-la é que o primeiro
situação. Imagine que um fato parecido com
pauta dos candidatos. Contudo, a série “Black
ministro da Inglaterra faça sexo ao vivo com
esse aconteça e que as redes sociais assumam
Mirror, lançada em 2012 pela rede pública de
um porco e que a relação seja televisionada
um papel proeminente na “acusação” ou na
TV Britânica Channel 4, vem polemizando
por todas as emissoras de TV em rede nacional.
“defesa” da veracidade desse acontecimento.
acerca do “poder das redes sociais”. O roteirista
Parece muito fácil tomar decisões quando a
da série, Charlie Brooker, descreve os motivos
O vídeo com a demanda aparece pela primeira
única coisa que nós temos a fazer é clicar em
que o levaram a elaborar uma das maiores
vez no Youtube. O primeiro ministro e o serviço
um botão e dizer que “gostamos” ou “não
críticas aos sistemas de redes sociais já
de inteligência mandam tirar o vídeo do ar
gostamos” de algo. Talvez essa série demonstre
realizadas. Diz ele que estamos nos tornando
depois de 12 minutos. Contudo, mais de 50 mil
que o mundo digital, com o qual ainda estamos
zumbis controlados por gadgets que nos
pessoas já haviam assistido ao vídeo e ele se
nos acostumando, tenha regras que não
dizem o que comer, como chegamos a algum
duplica por servidores ao redor do mundo com
combinem muito bem com os preceitos
lugar e quais as “recomendações” para o nosso
uma velocidade impossível de ser controlada.
democráticos da tolerância e da divergência,
dia a dia. Brooker vai ainda mais longe e critica
As redes sociais ampliam a divulgação do
que levamos tantos séculos para solidificar.
os modelos das redes sociais e dos softwares
vídeo, tuítes, posts, likes, entre outras formas
que, em tese, deveriam nos ajudar a interagir
de disseminação da informação prosperam à
Se você leitor quiser testar o que estou falando,
com o mundo, afirmando, inclusive, que certo
velocidade da luz e o governo não consegue
faça uma votação em uma rede social com
dia teve uma crise de pânico e que chegou a
mais controlar a sua propagação.
temas polêmicos e veja quão aterrorizante
pedir
ajuda
para
o
Siri,
o
sistema
de
podem ser as decisões tomadas pela maioria.
reconhecimento de voz do Iphone da Apple,
O que acontece depois eu não vou revelar, mas
Afinal de contas, não foi por acaso que o
que é capaz de “conversar” com você,
e
o que posso adiantar é que a massa “vota” e
nazismo alcançou o poder com uma aprovação
realizar agendamentos e ligar para seus
“aprova” que o primeiro ministro britânico,
maciça da população alemã.
contatos,
para salvar a princesa, realize o coito com um
entre
outras
comando da nossa voz.
funções,
tudo
ao
porco em rede nacional. Essa metáfora que o
* Coordenador do Grupo de Estudos do Software; pesquisador e professor adjunto da UFJF
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
49
a l é m da palavr a
Ilustração descritiva e ilustração interpretativa Jorge Arbach*
A
a
ocorre no campo verbal, por ser a palavra
diretamente no subjetivo. Desse modo, a
comunicação visual é o meio por
uma representação simbólica e não analógica.
ilustração interpretativa estimulará mais o
excelência.
E, sendo simbólica, a palavra é altamente
imaginário do receptor do que as palavras,
permeável à imaginação.
pois, palavras estão condicionadas a um código
onde
quer
que
Mesmo
estejamos, que
utilizemos
outros sentidos para absorver o mundo
esclarecedor anterior, ou seja, ser alfabetizado,
ao nosso redor, a visão atua como órgão preponderante, como meio sensorial para
O
mecanismo
humano
de
recepção
de
sua percepção. Tanto é que, para melhor
imagens utiliza somente o meio visual para sua
nos
possuir vocabulário ou conhecer o idioma.
bem
compreensão, necessitando, obrigatoriamente,
Assim, o objetivo da ilustração não se limita
cotidianamente
da presença do receptor para ver, tornando
tão somente a ser ornamento visual da mancha
expressões vinculadas ao universo visual: “Olha
intensamente subjetivo seu entendimento. E a
gráfica do texto ou atrativo para o leitor se
como é bom esse perfume!” (substituindo
comparação é o impulso primordial acionado
apropriar
do
o olfato); “Vou ver como ficou o tempero”
para entender qualquer imagem. Portanto, ver
limitado,
como
(substituindo o paladar); “Fechei os olhos para
imagens figurativas sempre nos remeterá a
descritiva, ao revestir-se de redundâncias
a história dela” (substituindo a audição); “Não
comparações predominantemente analógicas.
narrativas paralelas ao conteúdo do texto. As
enxerguei o motivo para o fato” (substituindo
Numa
Ilustrações interpretativas são detentoras de
a compreensão).
imaginativo
comunicarmos
compreendidos
e
sermos
utilizamos
mais
ilustração do
descritiva espectador
o
processo não
discurso ocorre
escrito.
Tampouco
com
ilustração
a
será
conceitos próprios que permitem ao leitor
estimulado por ser composta de imagens
encontrar novas e variadas leituras. Impregnada
Toda representação icônica é, antes de tudo,
detentoras de previsibilidade analógica. A
de interpretações, esse tipo de ilustração
o signo de uma ausência. Ausência daquilo
dinâmica imaginativa só será deflagrada diante
permite ao artista se expressar mesmo onde a
que está sendo representado, pois os olhos só
de uma metáfora visual, ou seja, por meio de
palavra não esteja presente, abrindo cada vez
podem interpretar o que é, não o que foi ou o
uma ilustração interpretativa. Aqui, sim, será
mais espaços para que o discurso não-verbal
que será. E, para tal, é necessária a presença
rompida a expectativa da semelhança. As
consolide seu lugar, elevando a ilustração ao
física do observador junto à imagem. Só o
metáforas visuais, operando no inconsciente,
nível comunicativo de um discurso verbal.
que não estiver presente é que se realizará
e não mais no raciocínio lógico, conduzirão
através da imaginação. É o que comumente
mais agilmente ao universo interior, atuando
* Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, arquiteto e artista gráfico.
50 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
ALÉ RA a lé M m DA da PALAV palavra
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
51
TE S ES E DISSERTA ÇÕES
O poema “As pedras não falam, mas quebram vidraças”, de Sérgio Vaz, foi um dos estudados por professora da UFJF em dissertação premiada. A docente aponta a subversão da letra do samba de Cartola “As rosas não falam”, por meio da troca da palavra “rosa” (que evoca delicadeza, beleza e romantismo), por “pedra” (símbolo da dificuldade, da dureza, do não vivo).
Da margem para o centro das discussões Dissertação de Carolina de Oliveira Barreto, defendida no Programa de Pós-graduação em Estudos Literários da UFJF, levou o segundo lugar do Prêmio Anpoll 2012 com a temática da literatura marginal e periférica Flávia Lopes Repórter
P
roduzida há anos, como forma de
Rosa”, no mestrado em Estudos Literários da
de premiação. O trabalho da pesquisadora foi
expressão de um povo, a literatura
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
o segundo melhor do país em sua área, na
marginal ou periférica só começou a
Ao escolher o tema, a pesquisadora procurou
avaliação da Associação Nacional de Pós-
ganhar atenção de teóricos e estudiosos do
trazer à tona as tensões entre as questões
graduação e Pesquisa em Letras e Linguística
Brasil há pouco mais de uma década. Sempre
políticas
(Anpoll).
contada sob o ponto de vista do intelectual, a
contemporânea e o papel das obras produzidas
Segundo o orientador e também pesquisador
cultura da periferia começa a ser ouvida por
por autores das periferias urbanas nesse
do tema há pelo menos quatro anos, Alexandre
meio de outras vozes, comprometidas com
contexto.
Faria, a emergência das discussões acerca da
seus locais de fala e que ecoam experiências
A falta de uma teoria específica sobre o
literatura marginal no país deu-se a partir de
vividas.
assunto não intimidou a então mestranda, que
2000, quando o escritor Ferréz (codinome de
Esse foi o cenário que inspirou a professora
fez, em um primeiro momento, um exercício de
Reginaldo Ferreira da Silva) organizou duas
Carolina de Oliveira Barreto a produzir a
leitura
teorias
edições da revista “Caros Amigos” sobre o
dissertação “Narrativas da ‘frátria imaginada’:
preestabelecidas, buscando novos caminhos e
tema, abrindo espaço para que escritores da
Ferréz, Sérgio Vaz, Dugueto Shabazz, Allan da
percepções. O reconhecimento veio na forma
periferia pudessem divulgar seus trabalhos.
52 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
e
despido
estéticas
de
na
conceitos
literatura
e
T E S E S E DISSE RTAÇ Õ E S
“Houve uma mudança de voz muito significativa, mas ainda com certas barreiras, pois o crítico ainda está muito voltado para conceitos predominantemente estéticos nas obras literárias” (Alexandre Faria)
Agir, em 2005; e as oito obras de Ferréz, pela
“Os autores questionam o lugar da literatura, o
já
Objetiva. “As publicações estão muito atreladas
conceito, a teoria. Posicionam-se sempre, não
conhecidos, como o Paulo Lins (autor do livro
ao mercado. Mas vemos também um interesse
ficam em cima do muro.”
“Cidade de Deus”), começaram a emergir.
em cativar público leitor dentro e fora das
Nos textos estudados, segundo a pesquisadora,
Houve uma mudança de voz muito significativa,
periferias. Há uma preocupação em se reduzir
os locais de enunciação são bem marcados.
mas ainda com certas barreiras, pois o crítico
o valor do produto final para que não haja uma
“Não se trata apenas de uma questão territorial,
ainda está muito voltado para conceitos
barreira econômica que impeça a aquisição
mas também das trocas e da relação afetiva
predominantemente
dos
dos autores com o espaço.” Ainda de acordo
“Nomes
de
desconhecidas
pessoas do
completamente
público
estéticos
e
outros
nas
obras
livros
pelos
leitores
moradores
das
literárias.”
periferias e também para os demais leitores.
com
Apesar dessas barreiras, o movimento trouxe
Vemos nessas publicações valores variando
deslocamento do conceito de literatura.
a
autora,
os
textos
trazem
um
um novo discurso às produções literárias, que
entre R$ 5 e R$ 15.”
A partir da noção de “frátria imaginada”, a pes-
passaram a questionar a cultura mainstream. A
quisadora buscou trabalhar a questão do con-
realidade da periferia nos textos já não é mais
temporâneo e dos deslocamentos percebidos
aceitada de forma idealizada e separada do asfalto. “O texto da periferia é feito sob outro padrão, mobiliza outras questões e lança mão de uma linguagem que não é a formal. Trata-se de uma outra composição, que aproxima o texto da oralidade”, explica o professor. De acordo com Carolina, a disseminação dos textos de autores vinculados a essa produção literária ainda é dependente de pequenas editoras, como as Edições Toró e o Selo Povo, e realizada de forma paralela às grandes. Porém, nos últimos dez anos, houve uma atenção maior por parte das editoras, com o lançamento de seis volumes da coleção “Literatura Periférica”, editada pela Global; a antologia Literatura Marginal, lançada pela
“Frátria imaginada” O primeiro contato da pesquisadora com a literatura periférica ocorreu na época em que era bolsista de iniciação científica do curso de Letras da UFJF. O estranhamento inicial com o texto e a forma fez com que Carolina encarasse a questão como um desafio. Foi buscando repensar a relação entre sujeito e objeto, entre crítica e obra literária que a professora estruturou seu trabalho, defendido em abril de 2011. “A teoria sozinha não consegue dar conta de um bom número de obras que vêm sendo publicadas.” Ao trabalhar com a literatura periférica, a autora identificou várias tensões.
a partir das obras dos autores Ferréz, Sérgio Vaz, Alan da Rosa e Dugueto Shabbazz. Foram levantadas possíveis implicações políticas, estéticas e sociais inseridas nessa expressão. O termo “frátria imaginada”, segundo Carolina, origina-se da leitura de alguns textos, em especial, “A frátria órfã: o espaço civilizatório do rap na periferia de São Paulo”, de Maria Rita Kehl, e “Comunidades Imaginadas”, de Benedict Anderson. “Na verdade, não procurei fazer uma fusão de dois conceitos, mas uma atualização de ambos, a partir da leitura das obras.” Do texto de Kehl, a docente buscou a ideia das “identificações horizontais, em contraposição ao modo de identificação/dominação vertical”. Já durante a leitura que realizou de Benedict A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
53
TE S ES E DISSERTA ÇÕES
“ As publicações estão muito atreladas ao mercado. Mas vemos também um interesse em cativar público leitor dentro e fora das periferias” (Carolina Barreto)
Anderson,
mais
questionou
a
horizontalidade
das
frátria se imagina ou é imaginada no panorama
relações. O termo “Comunidades Imaginadas” de
cultural, político e econômico atuais.”
Anderson
e
Para a pesquisadora, ao mapear as formas de
atualizado pela autora a partir da ideia de
resistência por meio da escrita/leitura e por meio
construção do estado-nação moderno. “O que
da relação do “sistema” com a cidade ao longo de
chamou minha atenção, foi a possibilidade de
seu
desconstruir e ressignificar o termo, levando em
contradições perpassando a própria linguagem.
conta as tensões entre o global e a nação no
“Isso vai ao encontro da polifonia, uma vez que
interior das cidades, considerando o deslocamento
vozes e a interação entre elas passam uma
do local de enunciação. Procurei atualizar o que foi
multiplicidade de planos e o caráter contraditório
formulado por Anderson para mapear como essa
da realidade social.”
é
apropriado,
recontextualizado
trabalho,
foram
percebidas
tensões
e
Carolina de Oliveira Barreto Graduação em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2008); mestrado em Letras - Estudos Literários pelaUFJF (2011); experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura periférica, narrativa, “frátria imaginada” Veja o currículo lattes da pesquisadora: bit.ly/A3_lattesCarolinaBarreto Confira a dissertação premiada: bit.ly/A3_dissertacaoCarolinaBarreto
54 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
LIT E R AT UR A
Memória do rádio e da TV é preservada em “Cariocas do brejo” Wilson Cid*
P
osso dizer que acompanhei de perto o
Para quem se dedicar a levantar a história de
como repórter, no avião que trouxe João
esforço do professor do curso de Pós-
nossa radiofonia no período 1940-1960, como
Goulart a Juiz de Fora, recebi orientação no
graduação em TV, Cinema e Mídias
propôs o documentário - e, posteriormente, o
sentido de convidar o presidente a voltar no
Digitais da Faculdade de Comunicação da
livro em parceria com a também professora da
ano seguinte para a solene inauguração da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
Faculdade de Comunicação, Cristina Brandão
emissora. Coincidentes, os destinos da TV
Flávio Lins, para transformar em realidade o
- “Cariocas do brejo entrando no ar: o rádio e a
estariam alterados, e 1964 acabaria chegando
sonho que vinha alimentando de mergulhar
televisão na construção da identidade juiz-
muito diferente.
nos primórdios do rádio e da televisão em Juiz
forana” - , ainda é possível descobrir algum
de Fora. Lembro-me bem. Ainda estávamos na
documento,
profissionais
Nos muitos encontros que Flávio e eu tivemos,
Redação do jornal “Panorama”, depois “JF
sobreviventes para gravar um depoimento. O
ele sempre muito preocupado em me manter
Hoje”, quando ele descobriu que haviam
mesmo, contudo, não se pode dizer de nossa
informado sobre o andamento de seu projeto,
ficado comigo alguns filmes produzidos pelo
televisão naquelas duas décadas. Além de ser
que procurei estimular sinceramente, passei a
fotógrafo Jorge Couri, na década de 60, para
uma
e
considerar algo que pela primeira vez vou dizer.
um telejornal de cinco minutos diários que
profissionais
da
Aqui e agora: penso que essa empreitada a que
inseríamos na programação vespertina da TV
documentação e dos arquivos. Ficou muito
ele se dedicou, e com grande êxito concluiu, foi
Tupi. Eu fui o redator dessa experiência
pouco para se pesquisar, desde a experiência
também passo importante para despertar
singular, que não podia mesmo ter longa
pioneira de Olavo Bastos Freire, passando
entre nós a necessidade de serem pesquisadas
duração: certamente nunca se soube de outro
pelas transmissões episódicas da TV Mariano
as fontes da história da imprensa, do rádio e da
telejornal
ônibus
Procópio, que não sobreviveu e teve suas ações
televisão em Juiz de Fora. Flávio, além de
interestadual para sair da redação e chegar ao
convertidas para o capital da S/A Diário
pioneiro, deu esse passo imenso, e certamente
estúdio... Pois, ao se interessar por esse
Mercantil, até chegarmos à TV Industrial, que
seu livro ficará como a contribuição maior. Mas
material, Flávio nos fez o favor de colocá-lo
prometia consistência e disposta a se tornar
a melhor forma de homenageá-lo é continuar o
em ordem e recuperar alguns filmes que
grande geradora. Essa expectativa era tão viva,
trabalho que ele começou.
estavam ameaçados de perder a qualidade.
que em 31 de maio de 1963, quando embarquei,
que
se
utilizava
de
até
passagem de
mesmo
brevíssima, então
dirigentes
descuidaram
* Jornalista e editor político
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
55
LA NÇAM ENTOS
Editora UFJF amplia produção científica e interlocução acadêmica
A
Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora (EDUFJF) passa por um momento único em seus 25 anos de história, com a Administração Superior investindo no fortalecimento não apenas dos cursos de graduação, mas também nos de pós-graduação. O resultado desses investimentos é a ampliação da produção científica e da interlocução acadêmica com instituições nacionais e internacionais.
O objetivo principal é atender ao professor pesquisador, proporcionando uma parceria comprometida com o sucesso da publicação e da divulgação dos trabalhos. Para que isso ocorra, a EDUFJF mantém relações comerciais com inúmeros distribuidores e editoras universitárias, difundindo a produção científica dos docentes. Segundo o diretor administrativo da EDUFJF, Antenor Salzer Rodrigues, em 2011 foram publicados 35 livros e a meta é superar esse número neste ano.
Uma sociologia indignada: diálogos com Luiz Werneck ViannA (Rubem Barboza e Fernando Perlatto – R$ 40) Barboza e Perlatto mostram que toda sociedade é um enigma, nunca integralmente resolvido. Há construções intelectuais, entretanto, que nos auxiliam com algumas pistas sobre o significado da experiência comum e a continuidade possível com as realizações dos que nos antecederam. Nesta coleção de intérpretes, Luiz Werneck Vianna ocupa uma posição de relevo singular, o que os artigos que compõem esta “Sociologia Indignada” demonstram de modo definitivo. O livro reúne as contribuições dos intelectuais que participaram do seminário organizado em sua homenagem pela UFJF, em 2010.
Histórias e memórias do esporte em Minas Gerais (Carlos Fernando Ferreira da Cunha Júnior – R$ 27) O livro de Carlos Fernando Ferreira da Cunha Júnior reúne trabalhos de pesquisadores que analisam o esporte em sua dimensão histórica e também é o resultado de projetos de pesquisa contemplados no edital público nº 16/2009, organizado e financiado pela Fapemig, com o objetivo de apoiar ações científicas na área da História do Esporte e da preservação de acervos. A obra aborda as práticas esportivas em Minas Gerais sob o olhar histórico e ajuda a revelar a diversidade de trajetórias e sentidos que esse fenômeno possui. O leitor terá um bom panorama da importância do fenômeno esportivo e de seu potencial para melhor compreender nossa sociedade, seus arranjos e construções.
Atlas de diagnóstico por imaginologia das desordens temporomandibulares (Josemar Parreira Guimarães e Luciano Ambrosio Ferreira – R$ 200) A equipe do Serviço ATM da Faculdade de Odontologia da UFJF reuniu um acervo rico em informações semiológicas sobre as desordens temporomandibulares. Parte dessa coleção – prontuários clínicos, modelos de gesso, fotografias intra e extrabucais e imagens radiográficas, principalmente planigrafias da ATM e radiografias transcranianas – foi selecionada para a elaboração da obra. O objetivo dos autores é oferecer uma fonte de pesquisa para as condições clínicas do dia a dia e, dessa forma, auxiliar os profissionais na elucidação dos diagnósticos e na escolha das condutas terapêuticas mais indicadas.
A Editora UFJF está situada na Rua Benjamin Constant 790, no prédio do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm) - Juiz de Fora/MG. Tel.: (32) 3229-7646 | Fax: (32) 3229-7645. E-mail: secretaria@editoraufjf.com.br
56 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
Mús ica Foto: Kiko Barbosa
Glitter Magic: a diferença entre brincadeira e diversão Wendell Guiducci*
C
omeçou
brincadeira.
festival que tinha como headliner a banda
Torstensson, “Bad for health”, uma mescla de
Quando os guitarristas Luqui di Falco
carioca Matanza, Rhee Charles sugeriu que
elementos do hard rock dos anos 80 com
e Mauri Moore e o vocalista Rhee
compusessem uma música para incluir no set
sonoridades do rock pesado contemporâneo,
Charles foram convidados para tocar na festa
list. Assim nasceu a primeira canção, “Snake
viu a luz do dia. Já era 2012.
de uma amiga, em outubro de 2005, não
blood”. Ainda em 2006, “Love proof” foi
Vinte
imaginavam o que a Glitter Magic se tornaria.
composta, desta vez para que a banda
independente, chegar às lojas, Rhee, Luqui,
Metaleiros de carteirinha, doutrinados nos riffs
concorresse no tradicional Festival de Bandas
Mauri, Glux e Andy disponibilizaram na internet
trovejantes
Sepultura,
Novas de Juiz de Fora. “Snake blood” foi
o álbum na íntegra (http://soundcloud.com/
Megadeth, Slayer, Iron Maiden, Judas Priest e
incluída no CD oficial do festival, em 2007, e na
glittermagic), e só então partiram atrás de
Metallica, os três - escoltados pelo baterista
coletânea “Quem toca cover tá fora”, no
quem os lançasse fora do Brasil. O selo italiano
Everton Ton Ton e pelo baixista Thiago Orc,
mesmo ano. E aí a Glitter Magic entrou em um
Heart of Steel Records foi seduzido por
hoje fora do grupo - foram desafiados a armar
caminho sem volta: era hora de deixar de ser
canções como “Daring the dawn”, “Living on
a cabeleira com laquê e se travestir de banda
uma banda “de mentirinha” para ganhar
addiction” e “Bad for health”, primeiro single e
glam.
respeito.
videoclipe do disco homônimo, e o contrato foi
Rhee - ex-aluno e membro do Coral da UFJF -,
Já com quatro anos de vida e sem ver sentido
Mauri e Luqui (aluno de pós-graduação em
em lançar um EP ou um CD demo, o quinteto
Antes mesmo do lançamento de “Bad for
Marketing na UFJF) foram surpreendidos pela
- que mudou de formação algumas vezes até o
health” na Europa, em agosto último, a banda
força dos hits de Skid Row, Bon Jovi, Scorpions,
baixista Glux (outro integrante do Coral e aluno
já contabilizava boas críticas em países como
Firehouse... Curtiram tanto a receptividade do
do curso de Psicologia da UFJF) e o baterista
Grécia, Holanda, França e Reino Unido, fruto
público amigo que aceitaram o desafio de
Andy Ravel (discente de Arquitetura na UFJF)
do trabalho de assessoria do Heart of Steel.
tocar em outra festa. E assim, só por diversão,
fincarem raízes ao lado de Rhee, Luqui e Mauri
Também no Brasil, a Glitter tem conquistado
decidiram continuar, trocando a sisudez e o
- partiu para a produção do primeiro álbum. As
boas resenhas em veículos especializados em
aspecto sombrio do metal pela fanfarronice e
gravações foram realizadas durante dois anos
rock pesado como o site Whiplash e a
as cores cintilantes do hard rock.
e meio, com produção da banda, no estúdio da
tradicional revista “Roadie Crew”. Um bom
Escola de Música Ematech em Juiz de Fora.
saldo para uma banda que começou como
A coisa começou a ficar mais séria no ano
Depois
uma brincadeira. E que, mesmo trabalhando
seguinte, quando, convidados a tocar em um
conduzidas na Suécia pelo produtor Jerry
de
como
bandas
uma
como
dias
antes
de
o
disco
“físico”,
assinado.
da
mixagem
e
masterização,
muito, continua sendo divertida.
* Jornalista, formado pela UFJF, cantor e ama o rock
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
57
B IB LIOT ECA
UFJF será a primeira universidade federal a disponibilizar tablets aos alunos Medida tem o objetivo de facilitar o acesso dos estudantes às bases digitais adquiridas recentemente pela instituição Flávia Lopes e José Renato Lima Repórteres
A
s novas tecnologias estão modifican-
professores, estudantes e servidores têm aces-
podem ser acessados simultaneamente por
do as formas de produção e aquisi-
so a e-books, normas técnicas, periódicos,
todos os alunos e o custo não se torna uma
ção de conteúdo na atualidade. As
discursos, palestras, teses, dissertações, leis,
barreira ao aprendizado.”
mídias digitais estão substituindo o papel em
entre outros arquivos, de forma gratuita.
várias aplicações e em uma velocidade vertigi-
Ainda de acordo com Adriana, com essas fon-
nosa. Nesse cenário, as bibliotecas também
Para facilitar o acesso a essas bases digitais no
tes de informação on-line a Biblioteca também
estão passando por transformações. A cada
campus, a UFJF está providenciando a aquisi-
terá condições de atender vários estudantes ao
ano são produzidos no mundo cerca de um
ção de cem tablets e outros cem notebooks.
mesmo tempo, já que não há limitação de
milhão de títulos, com milhares de exemplares
Os investimentos totais, em bases e equipa-
acesso. “Temos um limite de exemplares na Bi-
por tiragem. Apesar dos constantes investi-
mentos, são da ordem de R$ 1,5 milhão.
blioteca, mas com as plataformas on-line isso
mentos da Universidade Federal de Juiz de
não ocorre. Todos podem acessar um único tí-
Fora (UFJF) na aquisição de livros – só no últi-
Segundo a coordenadora do Centro de Difu-
tulo ao mesmo tempo.” Para a coordenadora,
mo ano foram R$ 5 milhões –, acompanhar
são do Conhecimento (CDC), Adriana Apareci-
as bases digitais quebram barreiras geográfi-
esse crescimento não tem sido tarefa fácil para
da de Oliveira, a UFJF será a primeira universi-
cas, de tempo e espaço. “Mesmo que não seja
as instituições. Soma-se a isso o fato de a in-
dade federal a disponibilizar tablets e e-rea-
horário em que as bibliotecas estejam abertas,
formação acadêmica ser produzida em ritmo
ders para a consulta das publicações. “Sere-
as fontes estarão disponíveis durante 24 horas
maior do que a capacidade dos pesquisadores
mos pioneiros e a Universidade terá um grande
por dia, sete dias por semana, com acesso por
em administrá-la, dos editores em publicá-la,
desafio, pois iremos criar todo um sistema de
meio do login e da senha do Siga.”
do bibliotecário em coletá-la e dos estudiosos
acesso e empréstimo sem outra referência.”
em consultá-la. O objetivo da aquisição das plataformas, seAtenta a esta tendência, a UFJF está adquirin-
gundo Adriana, não é apenas ampliar o acervo
do, desde o início de 2012, plataformas on-line
da UFJF e tornar a busca de determinadas
de acervo digital, que contemplam todas as
obras mais célere, mas democratizar o acesso
áreas do conhecimento (ver quadro na página
a todos os interessados. “Quando falamos de
60). Por meio das bases Atheneu - Livros ele-
inclusão, temos que pensar em todas as for-
trônicos, HeinOnline, Vlex, Jstor, Biblioteca
mas de atender os estudantes. Com a aquisi-
Virtual 3.0 Pearson, ABNT Coleção e IEEE,
ção das bases, muitos livros que são caros
58 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
Nova metodologia A discussão acerca da aquisição das bases online teve início há dois anos e contou com o apoio do diretor da Faculdade de Direito, Marcos Vinício Chein Feres, que já havia adquirido a plataforma Vlex, em 2011. Segundo o professor, as plataformas digitais permitem
BIBLIOT E CA BIBLIOT E CA
Foto: Frederico Boza
Professores, estudantes e servidores têm acesso gratuito a e-books, normas técnicas, periódicos, teses, dissertações, leis, entre outros arquivos
uma mudança de paradigma não apenas da forma como
os pesquisadores buscam
conteúdo, mas também obriga uma outra postura por parte do docente, que tem condições de oferecer um conteúdo mais amplo e atual a seus alunos. “Até a década de 90, os estudantes que queriam ter acesso fácil a publicações recentes nos Estados Unidos ou na Europa, por exemplo, teriam que fazer um mestrado ou doutorado fora do país. Hoje, nossos alunos têm condições de acessar o mesmo conteúdo e participar das discussões que ocorrem em universidades de ponta pelo mundo sem sair de casa. Com a disseminação da internet e digitalização de uma série de obras e periódicos vamos percebendo que não é mais necessário suplantar uma barreira de espaço para ter acesso a esse material.” Para o diretor, essa nova cultura de acesso já está interferindo no processo de construção da
metodologia
de
ensino-aprendizagem.
“Cada vez mais, o papel do professor não é só transmitir, mas disponibilizar o melhor conteúdo, quantitativamente e qualitativamente, e dotar o aluno de meios críticos para lidar com essas informações.”
A Universidade está providenciando a aquisição de cem tablets e outros cem notebooks. Os investimentos totais, em bases e equipamentos, são da ordem de R$ 1,5 milhão Na avaliação do diretor da Faculdade de Odontologia, Antônio Márcio Resende do Carmo, a democratização do acesso às publicações é uma das principais vantagens das bases digitais. “Na faculdade, trabalhamos com livros, pois é necessário que os alunos vejam imagens de boa qualidade. Muitas vezes, essas publicações são caras, com preços de até R$ 600. Além disso, precisamos que todos os estudantes estejam com a publicação ao mesmo tempo e não há como disponibilizar na Biblioteca tantos exemplares de um mesmo livro. Com as plataformas digitais isso é possível.” A atualização do conteúdo é outro ponto destacado
tão muito importante. O tempo que se perde entre a produção, a edição e a publicação de uma obra é muito grande e acabamos perdendo um pouco com isso.” Segundo a coordenadora do CDC, nas plataformas disponibilizadas pela UFJF há inclusive obras que se encontram no prelo (antes da impressão). A estudante do nono período de Direito, Luciana Tasse, que usa bases como a Vlex, HeinOnline e Jstore, diz que sempre recorre às plataformas durante a elaboração de suas pesquisas. “Agora não ficamos dependendo das compras de livros. Há um conteúdo muito grande nas bases, é só procurar.” Luciana também observa que muitos periódicos com alto custo estão disponíveis na rede. “Temos condições de trabalhar com o mesmo conteúdo utilizado por um estudante de uma universidade renomada, por exemplo.” Para a aluna do décimo período de Medicina, Gabriela Hinkelmann, a possibilidade de baixar o livro e imprimi-lo é outro benefício. “Isso facilita o estudo, pois há disciplinas nas quais os livros base são muito concorridos.”
pelo professor. “Na área de saúde, a atualidade das informações sobre pesquisas é uma ques-
A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
59
B IB LIOT ECA
Mudança de cultura Para a coordenadora do CDC, Adriana Aparecida de Oliveira, a implantação das bases é importante para atender não só os cursos presenciais, mas também o ensino a distância da UFJF e os alunos do Campus de Governador Valadares, que terão acesso de forma igual às mesmas plataformas. Segundo ela, a utilização das plataformas digitais passam por uma mudança de cultura tanto por parte de professores quanto de alunos, que muitas vezes reconhecem legitimidade apenas nos livros impressos. “Mas isso mudou muito nos últimos anos. Hoje nossos alunos de graduação já são ‘nativos digitais’, que pos-
A editora disponibiliza, em sua base online, 361 obras. As publicações englobam as áreas de Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Medicina, Odontologia, Saúde Coletiva, Nutrição, Biofísica, Biologia Geral, Bioquímica, Farmacologia, Fisiologia, Genética, Imunologia, Morfologia, Parasitologia e Zoologia. Os títulos são publicados em português e com texto completo dos capítulos, permitindo download e impressão de obras. bit.ly/A3_Atheneu
suem grande facilidade de leitura nas telas de
maior acessibilidade a uma mesma obra e ao
computadores e tablets.” Além disso, afirma
mesmo tempo, maior interatividade com ima-
Adriana, não há previsão de redução de inves-
gens e vídeos e possibilidade de hiperlinks.
timentos por parte da UFJF nos livros impres-
“Tudo isso contribui para a aprendizagem dos
sos. “A aquisição de livros impressos continua.
discentes e agrega valor ao processo de ensino
A Universidade inteira ganha em termos de
e pesquisa acadêmica. O desafio do bibliotecá-
pesquisa, pois são bases reconhecidas interna-
rio é possibilitar a independência das pessoas
cionalmente.”
na busca das informações e do conhecimento: esta deve ser a meta dos bibliotecários da
Para orientar os pesquisadores a utilizar as pla-
UFJF, principalmente neste momento de novas
taformas on-line, o Centro de Difusão do Co-
fontes de informação científica.” Para Ana Ca-
nhecimento (CDC) elaborou tutoriais com o
rolina, o plano de trabalho a ser desenvolvido
passo-a-passo para o acesso e também treinou
tem de ser a via da educação. “Por meio de
profissionais para o atendimento às demandas.
programas de capacitação dos leitores/pesquisadores, podemos demonstrar as funciona-
Segundo a biblioteconomista Ana Carolina Ca-
lidades e as potencialidades das novas fontes
etano, as vantagens e potencialidades dos li-
de informação.”
vros eletrônicos são muito atraentes, como
A base possui mais de 40 bibliotecas
A plataforma Vlex é o mais completo banco
integradas com grande acervo de fontes
de dados sobre assuntos ligados ao Direito.
raras e com cerca de cem mil imagens
O seu conteúdo soma de mais de 83 mil
em PDF de documentos oficiais, incluindo
documentos em e-books e periódicos de
tabelas, gráficos, fotos, notas escritas à mão,
direito, incluindo legislação, jurisprudência e
fotografias e notas de rodapé. O seu conteúdo
doutrina, em 13 idiomas. O banco de dados
é voltado principalmente para a área de
da Vlex ainda inclui mais de 130 jurisdições de
Ciências Sociais. Possui 70 milhões de páginas
diferentes países. O download e a impressão
da história jurídica. Tanto o download quanto
de página são permitidos para os usuários.
a impressão são permitidos sem restrições. bit.ly/A3_Vlex bit.ly/A3_HeinOnline
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A plataforma possui conteúdo
Inclui livros em português de importantes
A coleção reúne as normas técnicas de
multidisciplinar. A UFJF assinou o acesso ao
editoras nacionais em diversas áreas do
todos os comitês da ABNT e Mercosul,
conteúdo completo que compreende mais
conhecimento. Sua aquisição pela UFJF visa
universalizando a consulta rápida a qualquer
de mil periódicos acadêmicos e mais de
principalmente suprir os cursos de graduação,
uma dessas informações. É necessária a
um milhão de imagens, correspondências
já que o acervo Pearson possui os livros que
instalação de um software que permite a
e outras fontes primárias. O Jstor é uma
estão incluídos no currículo dos cursos. Nesta
visualização integral da norma.
das bibliotecas virtuais mais completas
plataforma os downloads não são permitidos.
do mundo, disponibiliza periódicos e
É possível imprimir na Biblioteca Universitária
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monografias com permissão para download
até 50% de cada livro. O acervo reúne 1.400
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e impressão.
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60 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013
E N S AI O FOTO GR ÁFIC O
Ritmo frenético da cidade oculta belezas arquitetônicas das galerias Texto de Frederico Braida e José Gustavo Francis Abdalla* Fotos de Gleice Lisboa*
Galeria Pio X A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
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E N S AIO FOTOG RÁFI CO
T
anto as fotografias quanto as galerias comerciais apresentam-se como elementos de uma nova era em que a in-
dústria e a tecnologia são emblemáticas. Embora as imagens fotográficas tenham seus princípios e processos na câmera escura, já conhecida há muito tempo, e as galerias encontrem seus elementos referenciais nos bazares do Oriente Médio, ou até mesmo no Mercado de Trajano, em Roma, Itália, elas podem ser consideradas como inovações do século XIX. Concebidas primeiramente como uma “máquina de circular”, as passagens europeias tornaram-se cenários propícios para toda espécie de consumo de necessidades, além de oferecerem um lugar para o homem moderno passear e exibir-se. Não por acaso Walter Benjamin afirmava ser a galeria parisiense a casa do flâneur, daquele que passeava sem destino, fotografando a cidade, entregue ao espetáculo do momento, cujo objetivo não era outro senão ver e ser visto. Galeria Constança Valadares
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E N S AI O FOTO GR ÁFIC O
Galeria Francisco Borragi
Entretanto, ao longo dos séculos XIX e XX, sucumbidas à transitoriedade inerente à vida moderna e suas transformações sociais, tecnológicas e urbanas, as galerias europeias acabaram sendo consideradas anacrônicas e entraram em um processo de deterioração e, em diversos casos, completo abandono. Mesmo assim, as galerias se espalharam por praticamente toda Europa e Américas. No contexto da América Latina, as galerias comerciais começaram a ser edificadas nas primeiras décadas do século XX. Embora menos glamourosas, elas têm se mostrado, ainda nos dias de hoje, como espaços de vitalidade para consideráveis áreas centrais de muitas cidades, conforme estudos apresentados no livro “Passagens em rede: a dinâmica das galerias comerciais e dos calçadões nos centros de Juiz de Fora e de Buenos Aires”, lançado recentemente pelas editoras Funalfa e Editora UFJF, de autoria do pesquisador e professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Frederico Braida. Galeria Constança Valadares A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
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E N S AIO FOTOG RÁFI CO
Galeria Francisco Borragi
Galeria Pio X Em Juiz de Fora, o advento das galerias se deu com a construção do edifício-galeria Pio X, pela Pantaleone Arcuri, em 1923, quando a cidade já se encontrava em um momento posterior à pujança industrial que vinha ocorrendo desde o último quartel do século XIX. A partir de então, diversos edifícios-galerias têm sido erguidos. E, para entender o valor desses edifícios, aponta-se: sua quantidade na área central e o desenho labiríntico que fazem para os percursos na cidade; a arquitetura com uma nave simples, linear e estreita que cativa o cidadão; e o aspecto social que, por causa da densidade e divisão do solo, permite pequenos negócios estarem no lugar central.
Tais características fazem das galerias comerciais, construções marcantes na imagem do centro de Juiz de Fora, onde os transeuntes se deparam com caminhos surpreendentes, não publicamente planejados. E, são esses caminhos, de exuberantes pisos e tetos, cuja arquitetura muitas vezes fica ocultada pelo acelerado ritmo da vida cotidiana, que ganham visibilidade neste ensaio fotográfico, pelas lentes de Gleice Lisboa.
Galeria Pio X
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E N S AI O FOTO GR ÁFIC O
Galeria Pio X
Galeria Francisco Borragi
* Frederico Braida e José Gustavo Francis Abdalla, professores doutores do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFJF * Gleice Lisboa Marques, professora do Departamento de Artes da UFJF
Galeria Belford Arantes A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013
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LE IA- M E
Ilustração: Joviana Fernandes Marques
Bésame Mucho Prisca Agustoni*
A
pesar da fuligem, as ruas conservavam
abaixo, percorrendo os anos que separavam o
Dizem que as melhores coisas não acontecem
uma luz que só uma ilha poderia
iniciado da iniciação. Também havia, é verdade,
por acaso. Não sei dizer por certo, mais se
suportar e dosar de acordo com a
aqueles passos a me seguir, em qualquer canto
isso for verdade, o destino não podia ser
contração das ondas.
da casa.
mais generoso comigo, uma vez que me
Eu achava aquele ritmo semi-molhado, aqueles
No entanto, quando os livros perfuraram
memória a faca, a fruta e a livraria, cuja janela
dias todos iguais, quase um vício, como uma
o círculo de fogo no qual me joguei, sem
lateral dava de cara para a casa de Lezama
mosca zumbindo ao redor da mesma ideia. A
perceber, eles começaram a levar vantagem, e
Lima.
umidade e as plantas, lá fora, atravessavam em
não houve mais jeito para nada. Eles cercearam
cheio o cerne da juventude.
a mesa, calaram as vozes e se tornaram um
deixou como herança daquele esconderijo na
enclave de traição entre nós dois. Ou um Foram os dias em que o amarelo escorreu pelos
paraíso antecipado para a perdição. Um
cantos da boca. Ainda não levava jeito com a
paraíso de papel e de redemoinhos no fundo
faca e a fruta, por isso o suco escorreu pelo
da página.
pescoço, uma vez, mais vezes, descendo peito
*Conto extraído do livro “A neve ilícita”, de Prisca Agustoni, mestre em Letras Hispânicas pela Universidade de Genebra (Suíça); doutora em Literatura Comparada pela PUC-MG; professora de Letras Estrangeiras Modernas da Faculdade de Letras da UFJF Editora Nankin (http://www.nankin.com.br/)
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Para gerar conhecimento Para gerar inovação Para gerar desenvolvimento econômico Para gerar empregos Para virar notícia e entrar na história.
Parque Científico e Tecnológico de Juiz de Fora Um espaço para empresas, centros públicos e privados de pesquisa, desenvolvimento e inovação, prestadores de serviços tecnológicos complexos e de apoio às atividades tecnológicas.
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“Espaço Interno do ICE” de Bárbara Botelho
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