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REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA NÚMERO 03 - OUT / 2012

Pesquisadores usam plantas e nanotecnologia para sintetizar o segredo do rejuvenescimento

UFJF adquire banco de acervos digitais e tablets para consulta

Novos nacionalismos da América do Sul modificam equilíbrio geopolítico do continente

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

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A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


E d itorial

O desafio de aprimorar o jornalismo de qualidade, tratando com clareza a informação científica

T

odos

à

Nas aulas da Faculdade de Comunicação

Outra grande preocupação da “A3” é valorizar

enxurrada de informações que nos são

(Facom) da Universidade Federal de Juiz de

a produção local da UFJF, mostrando como ela

apresentadas,

com

Fora (UFJF), todo aluno começa a entender o

está inserida no cenário contemporâneo, isto é,

realmente

complexo processo de construção da notícia,

como as pesquisas, os produtos e as práticas

importa? O que muda a nossa vida? O que

que leva em conta fatores tão variados quanto

de inserção social estão fazendo com que a

interfere na nossa vizinhança, na cidade, no

a proximidade, o impacto, a atualidade, a

Universidade ganhe credibilidade, expressão e

país e mesmo no mundo? Qual o limite entre

notoriedade, a amplitude, o exotismo,

conquiste

aquilo que nos informa e o que apenas nos

inesperado, entre outros. Fatores que não têm

internacionalização

diverte? Por que a violência vende mais jornal

mudado muito nos últimos séculos. Mesmo

transparência na prática pública, a comunicação

do que a solidariedade? Por que as vilãs são

sabendo que a máxima “o homem que morde o

é um instrumento de inestimável valor para

hoje tão mais sedutoras do que as moças de

cão” tem um valor-notícia maior do que a

promover resultados mais democráticos, dar

boa vontade?

afirmativa

os

mais visibilidade à instituição, torná-la mais

artifícios que podem fazer com que a matéria-

respeitada e, assim, contribuir para a cidadania

Quando a equipe da “A3” se reúne para discutir

prima de uma Universidade, isto é, a produção

plena da população brasileira.

a produção da revista, que você lê agora, não é

de conhecimento, a ciência, a cultura, torne-se

diferente. O que o leitor quer ver impresso? O

atraente para cativar o interesse do leitor.

indagações

nós,

diariamente,

frente

deparamo-nos

frequentes:

O

que

inversa,

debatemos

sobre

o

reputação. e

Frente à

à

inevitável

necessidade

de

Nesta terceira edição, procuramos aprimorar

que lhe interessa? O que é importante na vida

ainda mais o conceito de jornalismo de

dele? E não temos como responder isso, sem

Nossas questões vão além. É preciso dialogar

qualidade, tratando a informação científica

levar em conta nossos próprios interesses,

com os pesquisadores e convencê-los de que,

com clareza, mas também com atrativos que

nossa subjetividade e nossos valores. Para

para atrair o leitor, devemos “embalar” a

convidem o leitor a compreender melhor o que

ampliar a análise sobre a seleção dos fatos que

informação de forma a ganhar a competição

a nanotecnologia, a partícula de Deus, os

vão virar notícia, debatemos nossa pauta com

com outras centenas de atrações que insistem

nacionalismos

o Conselho Editorial, que reúne especialistas de

em “roubar” a sua atenção. Este é um processo

europeia têm a ver com a vida de cada um de

várias áreas do conhecimento. Mas, ainda

lento, que exige confiança de ambas as partes.

nós. Mais que isso, de que maneira a informação

assim, ficam dúvidas: conseguimos fazer a

E

da

de qualidade, indissociável da educação, pode

revista que nosso leitor quer ler? Conseguimos

instantaneidade e do conforto, certamente é

colaborar para que nos transformemos numa

também ajudar na formação de leitores e, neste

grande o desafio para ganhar o tempo e a

Universidade,

caso, de leitores mais críticos?

reflexão do leitor, a sua parceria, mas sem isso,

desigualdade e de mais humanidade.

resultados

de

excelência.

Na

era

sul-americanos

cidade

e

país

ou

de

a

crise

menos

nada vale.

Boa leitura! Christina Ferraz Musse Editora-chefe

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aprazível, aproveitando da natureza o que ela generosamente nos proporciona, é uma tarefa nossa. Conservar esse patrimônio, que é de todos, é responsabilidade sua. Cuide bem do que é seu.

03 REVISTA DE JORNALISMO CIENTÍFICO E CULTURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA REITOR Henrique Duque de Miranda Chaves Filho VICE-REITOR José Luiz Resende Pereira CONSELHO EDITORIAL Alexander Moreira (Faculdade de Medicina) Anderson Ferrari (Faculdade de Educação) Cícero Inácio da Silva (Instituto de Artes e Design) Cristiano José Rodrigues (Faculdade de Comunicação) Edimilson de Almeida Pereira (Faculdade de Letras) Heloísa D’Avila (Instituto de Ciências Biológicas) Jorge Mtanios Iskandar Arbach (Faculdade de Engenharia) Marcelo do Carmo (Instituto de Ciências Humanas) Paulo Monteiro Vieira Braga Barone (Instituto de Ciências Exatas) Paulo Nepomuceno (Faculdade de Engenharia) Paulo Roberto Figueira Leal (Faculdade de Comunicação) Robert Willer Farinazzo Vitral (Faculdade de Odontologia) Suzana Quinet (Faculdade de Economia) COMISSÃO EDITORIAL Anne Marie Autissier (Universidade de Paris VIII) Antônio Fernandes de Carvalho (Universidade Federal de Viçosa) Cláudio Soares (Fapemig) Luiz C. Wrobel (School of Engineering and Design - Brunel University Middlesex, UK) Luis Felipe Feres Pereira (University of Wyoming – USA) Márcio Simeone Henriques (Universidade Federal de Minas Gerais) EXPEDIENTE Editora-chefe Christina Ferraz Musse Editora Oseir Cassola Reportagens Bárbara Duque, Carolina Nalon, Fernando Lobo, Flávia Lopes, José Renato Lima, Raul Mourão, Valéria Borges Costemalle Colaboradores Alice Bettencourt; Cícero Inácio da Silva; Fernando Hernández; Franciane Moraes; Frédéric Vandenberghe; Guilherme Côrtes Fernandes; Jorge Arbach; José Nalon de Queiroz; Leandro Ramos de Araujo; Marcela Matamoros; Marcos Vinício Chein Feres; Nathália Corrêa; Prisca Agustoni; Wendell Guiducci; Wilson Cid Coordenador de Criação Fred Belcavello Projeto Gráfico Cléber “Kureb” Horta Diretor de Fotografia Marcelo Viridiano Fotógrafos Alexandre Dornelas; Frederico Boza; Tiago Gandra Ilustração Cléber “Kureb” Horta; Joviana Marques; Phillip Douglas Capa Raruza Schiavi - estudante do Mestrado da Faculdade de Comunicação Produção Renata Botti, Taís Marcato Marketing Valéria Borges Costemalle Revisão Rafael Costa Marques REVISTA A3 Rua José Lourenço Kelmer, s/n - Campus Universitário Bairro São Pedro - CEP: 36036-900 - Juiz de Fora - MG Telefones: (32) 2102-3967/ 3968/ 3997 E-mail: revistaa3@secom.ufjf.br Impressão: Gráfica América Tiragem: 10 mil exemplares

ÍNDICE 6 - VOZ DO LEITOR

Leitores avaliam a última edição e dão sugestões para a Redação da “A3”

7 - INOVAÇÃO Programa da Petrobras fortalece a formação de alunos da Engenharia Elétrica

8 - GEOPOLÍTICA Governos com tendência esquerdista reacendem debate sobre nacionalismo na América do Sul

12 - PESQUISA Documentos, drogas ilícitas, produtos alimentícios e matérias de origem marinha são alguns dos produtos analisados pelo Núcleo de Espectroscopia e Estrutura Molecular da UFJF, referência na área

16 - ENCONTROS POSSÍVEIS O sociólogo francês Michel Maffesoli, em entrevista a docentes da UFJF, fala sobre a crise da concepção vertical das universidades europeias, pós-modernidade e ecosofia

19 - INTERNACIONALIZAÇÃO

Graduação a distância, intercâmbio, vagas para refugiados políticos e convênios interinstitucionais aproximam a África do Brasil

24 - POLÍTICA Professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, Frédéric Vandenberghe, analisa a crise na Europa

26 - GRADUAÇÃO Ensino jurídico é o tema do artigo do diretor da Faculdade de Direito da UFJF, Marcos Vinício Chein Feres

27 - INICIAÇÃO CIENTÍFICA Programa de Educação Tutorial (PET) comemora 20 anos de atuação na UFJF

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www.ufjf.br/secom/A3 28 - PESQUISA

49 - MUNDO DIGITAL

A UFJF é uma das quatro instituições brasileiras que buscam

No artigo do professor e pesquisador Cícero Inácio, a irreverência

soluções para o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), no

da série Black Mirror, da rede pública de TV Britânica Channel 4,

experimento Atlas

sobre o poder das redes sociais

31 - MEIO AMBIENTE

50 - ALÉM DA PALAVRA

Professores da UFJF participam da elaboração do Primeiro Relatório

A comunicação visual é o tema abordado pelo designer gráfico

de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas

Jorge Arbach no artigo “Ilustração descritiva e ilustração

34 - PESQUISA

interpretativa”

De olho na inovação, pesquisadores investem em novas tecnologias

52 - TESES E DISSERTAÇÕES

para suprir demandas do setor de cosméticos, um dos mercados

Dissertação sobre literatura marginal e periférica, defendida na

que mais cresce no mundo

UFJF por Carolina de Oliveira Barreto, conquista o 2º lugar do Prê-

38 - SAÚDE

mio Anpoll 2012

O professor da Faculdade de Medicina e delegado do CRMMG, José

55 - LITERATURA

Nalon, analisa os riscos dos estágios extracurriculares

O jornalista Wilson Cid ressalta a importância de se preservar a

39 - OLHAR ESTRANGEIRO A cultura visual é o tema abordado pelo professor da Universidade de Barcelona, Fernando Hernández

41 - REPENSAR A UNIVERSIDADE Especialistas das mais diversas áreas participam de seminário da Pró-reitoria de Graduação, em sua segunda edição, e refletem sobre o tradicional fazer universitário

43 - EXPANSÃO Com a criação do campus avançado em Governador Valadares, UFJF impulsionará o resgate econômico e cultural do município

46 - TESES E DISSERTAÇÕES

memória do rádio e da TV na resenha sobre o livro “Cariocas do brejo entrando no ar: o rádio e a televisão na construção da identidade juiz-forana”, dos docentes Flávio Lins e Cristina Brandão

56 - LANÇAMENTOS Entre os lançamentos da Editora UFJF, livros sobre sociologia, esporte e odontologia

57 - MÚSICA Glitter Magic, banda de rock que começou como brincadeira, vira coisa séria, conquista público em países como Grécia, Holanda, França e Reino Unido, e assina com selo italiano Heart of Steel

58 - BIBLIOTECA Para facilitar o acesso às bases digitais adquiridas recentemente, a Universidade será a primeira instituição federal a disponibilizar tablets e e-readers para os alunos. Investimento em bases e equipamentos chega a R$ 600 mil

61 - ENSAIO FOTOGRÁFICO As belezas arquitetônicas das galerias são reveladas nas fotos de Gleice Lisboa, presentes no livro “Passagens em rede: a dinâmica das galerias comerciais e dos calçadões nos centros de Juiz de Fora e de Buenos Aires”, do docente Frederico Braida Premiada pela Capes, tese sobre samba defendida na UFJF entrelaça histórias de músicos, jornalistas e gravadoras em uma

66 - LEIA-ME

análise sócio-histórica da música popular urbana brasileira

Prisca Agustoni, mestre em Letras Hispânica, presenteia o leitor com o conto “Bésame mucho”, extraído do livro “A neve ilícita”

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VO Z DO LEITOR

Seu Espaço

E

sta seção é reservada para ser o seu espaço. Contribua para que aprimoremos cada vez mais a nossa publicação. Envie sugestões, críticas e temas de pesquisas, dissertações e teses que gostaria de ver nas nossas páginas. Aguardamos a sua contribuição. E-mail: revistaa3@secom.ufjf.br

“Recebi um exemplar do número 2 da revista “A3”. Parabéns pelo trabalho primoroso desenvolvido pela equipe. Estou encantado com o trabalho.

Mauro Lovatto (Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de São João del Rei - UFSJ)

para o desenvolvimento econômico e social do estado de Minas Gerais. Parabenizo pelo sucesso que a revista está alcançando junto ao meio acadêmico e à sociedade como um todo. Desejo à equipe muito sucesso à frente de mais este desafio.” Francisco Campolina

“Gostaria de parabenizar a todos os atores envolvidos na redação da revista “A3”, pela iniciativa, pelo empenho e desempenho demonstrado na divulgação científica, fator imprescindível para a motivação de novos talentos determinados a alcançarem inovação, mudanças e consciências novas. Parabéns UFJF!”

(Presidente da Fiemg Regional Zona da Mata)

“Parabéns a toda equipe pela excelente revista. A “A3” é uma janela do conhecimento científico produzido na Universidade para a comunidade. Nas próximas edições sugiro que os autores disponibilizem referências bibliográficas, sites e links de artigos científicos para aprofundamento da leitura.”

Sérgio Crisóstomo dos Reis (Bibliotecário-documentalista da Faculdade de Direito da UFJF)

“Acredito ser muito importante para a nossa cidade e região a existência da “A3”, um veículo de comunicação que divulga os trabalhos desenvolvidos pela UFJF, referência nacional de universidade. A “A3” está desempenhando um ótimo papel nesta missão, abordando ricos e diversos conteúdos em suas matérias, colaborando efetivamente para a democratização ao acesso à cultura e

Márcia Gonçalves da Silva Cunha

“Parabéns à equipe pelo belo trabalho que tem realizado através da revista “A3”. Um espaço dedicado à divulgação científica e cultural produzida na Universidade que há tempos era necessário.”

Fábio Fortes (Professor Adjunto de Latim e Grego Clássico da UFJF)

“Agradeço a gentileza de ter recebido a excelente revista “A3”, nº 2. Eu já a havia lido no site. A revista, além de ser perfeita no conteúdo, tem também uma beleza física que desperta o interesse de colecioná-la. Acho que ela atendeu a todos os propósitos para os quais foi criada.” Ana Miranda (Juiz de Fora)

4ª Capa O desenho da 4ª Capa, intitulado “Espaço Interno do ICE”, é da ex-aluna do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, Bárbara Botelho. Utilizando a técnica nanquim sobre cartão, reproduz um detalhe do Instituto de Ciências Exatas (ICE), localizado no campus.

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(Tutora presencial do curso de Administração Pública na modalidade Educação a Distância da UFJF do Polo de Bicas-MG)


IN OVAÇ ÃO

UFJF e Petrobras: formação diferenciada para futuros engenheiros eletricistas Leandro Ramos de Araujo*

A

tualmente, a questão da qualidade da

e a Petrobras; reduzir a taxa de evasão,

formação

formação é uma grande preocupação

incentivando o aluno, desde o início do curso, a

palestras, cursos de formação complementar,

diferenciada,

participam

de

nas áreas de engenharias no Brasil,

se dedicar exclusivamente aos estudos e às

visitas técnicas e desenvolvem projetos de

uma vez que erros cometidos em projetos e

atividades de desenvolvimento, por meio de

interesse da indústria de energia.

empreendimentos, especialmente na área de

concessão

tecnologia, por recursos humanos com baixa

processo de ensino-aprendizagem, por meio

Com isso, espera-se que esses bolsistas entrem

qualificação, aumentam muito os custos, além

dos dados e das conclusões obtidos a partir de

no mercado de trabalho com uma sólida base

de poder trazer problemas de segurança

estudos que serão desenvolvidos pelos alunos

de conhecimento e boa qualificação. Os outros

humana ou de equipamentos. Procurando

bolsistas ao longo de sua formação; produção

alunos da Engenharia Elétrica também se

aumentar a eficiência e a segurança e melhorar

científica nas linhas de pesquisa, na forma de

beneficiam

a utilização dos recursos, torna-se imperativo

trabalhos

algumas atividades são abertas a todos, além

a boa qualificação dos recursos humanos.

patentes.

Com essa visão, a Petrobras lançou o Programa

Para participar do PFRH, a instituição deve

de Formação de Recursos Humanos (PFRH)

trabalhar com áreas de conhecimento de

O PFRH na Engenharia Elétrica da UFJF possui

para ampliar e fortalecer a formação de

atuação estratégica da indústria de petróleo,

24 bolsistas de graduação. O coordenador do

recursos humanos voltados ao atendimento

gás, energia e biocombustíveis, bem como as

projeto é o professor Leandro Ramos de

da demanda por profissionais qualificados na

demais

às

Araujo e a comissão gestora é formada pelos

indústria

e

atividades do setor e possuir reconhecido

professores José Luiz Resende Pereira (vice-

biocombustíveis com os principais objetivos:

potencial de desenvolvimento em áreas de

reitor da UFJF) e Débora Rosana Ribeiro

possibilitar a realização de atividades de

conhecimento da indústria da Energia.

Penido Araujo.

professores e alunos; formação de recursos

O curso de Engenharia Elétrica da Universidade

O aluno recebe atualmente uma bolsa no valor

humanos em atendimento às necessidades da

Federal de Juiz de Fora (UFJF) participa do

de R$ 450 como incentivo, mas para a sua

cadeia

PFRH na formação especializada de recursos

permanência no programa PFRH, não pode ser

fortalecer o intercâmbio e o compartilhamento

humanos

reprovado em nenhuma disciplina.

de conhecimentos entre instituições de ensino

Industriais.

de

em

bolsas;

eventos,

contribuir

com

periódicos

e

o

até

do

PFRH

na

faculdade,

pois

do programa gerar melhorias de infraestrutura para o curso de Engenharia Elétrica.

de

petróleo,

gás,

energia

áreas

de

apoio

necessárias

aprimoramento contínuo e atualização de

produtiva

do

setor

da

energia;

na Os

área

de

bolsistas

Sistemas do

Elétricos

projeto

têm

* Professor do curso de Engenharia Elétrica; coordenador do Programa de Formação de Recursos Humanos da Petrobras na UFJF A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

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Geopolítica

Na Argentina, faixas de protesto próximo à Casa Rosada, em Buenos Aires, e pichação em prol de Cristina Kirchner em bairro portenho

Em Copacabana, na Bolívia, cholas, senhoras com traços indígenas e roupas tradicionais, e bandeira do país em Uyuni

A América para os sul-americanos Movimento que tomou conta da América do Sul, com governos de tendência à esquerda em ascensão, reacende o debate sobre nacionalismos RAUL MOURÃO Texto e fotos

N

a recepção de um museu, no deserto

foi Hugo Chávez, em 1999, na Venezuela; e o

de História Americana do Departamento de

de sal do Uyuni, a 552 quilômetros de

mais recente é Ollanta Humala, no Peru (ver

História da UFJF, Luiz Antônio Arantes.

La Paz, na Bolívia, a foto do presiden-

quadro na página 11).

te Evo Morales aparece afixada ao lado de

O processo de internacionalização, intensifica-

dois cartazes com o rosto dele e a frase “Povo

Para o coordenador do Centro de Estudos Es-

do na década de 90, flexibilizou e expandiu

constituinte, Evo presidente”. Em frente ao

tratégicos da Universidade Federal de Juiz de

fronteiras, relações de trabalho, transporte,

museu, bandeiras de vários países estão has-

Fora (UFJF), Ricardo Vélez, colombiano natu-

comunicação e tecnologias. E questionou sím-

teadas, mas falta a dos Estados Unidos (EUA),

ralizado brasileiro, o surgimento desses gover-

bolos nacionais. “O Equador aboliu sua moeda,

embora haja turistas americanos frequentes.

nos relaciona-se à globalização, que suscitou

o sucre, e passou a usar o dólar”, lembra o dou-

O retrato, o lema e a ausência da bandeira são

um refluxo: os nacionalismos. “A ´esquerdiza-

tor em Ciência Política e professor da Faculda-

sinais de um movimento que tomou conta da

ção` é resultado da falência do modelo neoli-

de de Comunicação da UFJF, Paulo Roberto

América do Sul: governos de tendência à es-

beral e tem mais sentido com o movimento do

Figueira Leal. A política econômica seguiu os

querda em ascensão com discurso de revalori-

próprio capitalismo do que com relações mais

preceitos do Consenso de Washington. Pro-

zação nacional. O primeiro a chegar ao poder

longínquas na história”, completa o professor

posto por instituições financeiras, como o Fun-

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GE O polít ica

Na Bolívia, manifestação folclórica em Potosí; no Chile, painel em estação de metrô de Santiago sobre a conquista da independência chilena

Em frente ao palácio da Moeda, em Santiago, no Chile, apresentação da dança nacional, a “cueca”; em Lima, no Peru, a Guarda Nacional

do Monetário Internacional (FMI) e o Banco

mentos sociais. “Na medida em que se organi-

patriotismos inclui o período de colonização. É

Mundial, o consenso, ampliado, recomendava o

zam, reivindicam elementos que permitam

o caso da extração de prata em Potosí (Bolívia),

Estado com pouco peso na economia, discipli-

mais autonomia”, ressalta o professor de Geo-

a 540 quilômetros de La Paz. “A prata

na fiscal, reforma tributária, câmbio de merca-

grafia Política do Departamento de Geociên-

transportada para a Espanha, em pouco mais

do, privatização de empresas estatais e aber-

cias da UFJF, Vicente dos Santos. Evo Morales

de um século e meio (1503 a 1660), excedia

tura comercial. “Teoricamente, os países esta-

ascende com a revolta de indígenas contra a

três vezes o total das reservas europeias”,

riam numa situação de bem-estar superior

exploração de gás e limitações no cultivo da

relata o uruguaio Eduardo Galeano, no clássico

quanto mais aberta fosse a economia, porque

folha de coca.

“As Veias Abertas da América Latina”, entregue

teriam condições de explorar seus pontos for-

por Chávez a Barack Obama em 2009. Outro

tes, de vantagens comparativas. Quando se

“Uma das variantes concretas do nacionalismo

escritor e político liberal, o peruano Mario

quebra a barreira da proteção, tende a haver

é a estatização, com o discurso de que fomos

Vargas Llosa, Nobel de Literatura, reconhece

mais competição”, diz o especialista em eco-

despojados por estrangeiros, ricos e elites”,

que há fatores externos alheios ao controle dos

nomia internacional e professor da Faculdade

contrapõe Ricardo Vélez. Evo retomou o

países, mas alerta que a “esquerda latino-

de Economia da UFJF, Cláudio Vasconcelos.

controle estatal sobre o gás, Chávez sobre a

americana insiste em promover a ‘transferência’

Ao mesmo tempo em que ocorria a entrada de

PDVSA,

freudiana da responsabilidade dos problemas”

bens tecnológicos e barateamento de custo

petrolífera YPF. Espelham-se na Petrobras. “É

em produtos, houve aumento da pobreza e da

um

crise econômica em países latinos. A Argenti-

produtora de hidrocarbonetos no passado -

Para analisar a culpa e desatar os nós

na, de 1999 a 2002, teve queda de 19,5% no

não ter mantido peso do Estado na área.

geopolíticos, os novos divãs têm sido os

Produto Interno Bruto (PIB), e viu, de 2001 a

Houve febre privatizante que vendeu as joias

assentos em órgãos regionais próprios, pelos

2003, cinco presidentes passarem pela Casa

da coroa. Depois fizeram falta”, argumenta

quais o posicionamento em bloco e projetos

Rosada. “O fracasso das políticas públicas as-

Paulo Roberto. Segundo Vélez, em momentos

nacionais seriam revalidados. Após a rejeição,

sociadas a esse ideário neoliberal talvez tenha

modernizadores

incluindo

em 2005, da proposta da Área de Livre

fortalecido a volta a um discurso nacionalista

privatização, a mentalidade dos dirigentes não

Comércio das Américas (Alca), encabeçada

como estratégia de proteção contra o mundo

mudou. “Foi uma privatização com cabeça

pelos EUA, são criados o Banco do Sul e a

globalizado”, afirma Paulo Roberto. A América

patrimonialista, em benefício de amigos.” A

União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e

do Sul assistiu ao recrudescimento de movi-

justificativa

ampliado o Mercosul. A entrada da Venezuela,

e

Cristina

contrassenso

para

Kirchner a

do

reassumiu

Argentina

continente,

reestatizações

-

a

do subcontinente.

grande

e

outros

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Geopolítica

terceira economia regional, no bloco trouxe o

imprensa

periódicos,

reinados, e nos países pulverizados, após as

receio de o novo membro minar os parceiros

financiando-os com propaganda oficial. “Se

independências, poucos cidadãos detinham

com ideologia contrária ao mercado e reduzir

alguém critica os Kirchner, isso se deve ao fato

grandes propriedades e exerciam controle

as

Para

de ser reacionário, fascista, atrasado; de estar a

sobre grupos da população pobre e agrária,

Vasconcelos, há risco de Hugo Chávez tornar

serviço do neoliberalismo e do capitalismo

explica a docente Beatriz. “Desenvolveu-se

as negociações mais complexas, mas não a

selvagem”, alerta uma das principais vozes

uma estrutura de poder em que a ideia do

ponto de enterrá-las, pois o Brasil e a Argentina

críticas, o secretário geral de Redação do

chefe se sobrepôs à da nação, com a política

são os dois principais jogadores da união

diário “La Nación”, Carlos Reymundo Roberts,

muito baseada no carisma dele”, afirma o

aduaneira, permeada de exceções. Já a Unasul

no livro “Aguanten los K” (“Aguentem os K”). O

professor Arantes. A lista inclui Símon Bolívar,

“representa

sentido

governo contra-argumenta que há oligopólio

Gaspar de Francia, Fidel Castro, Juan Domingo

geopolítico, de reforçar essa escala regional

na mídia, cobertura enviesada e oposição

Perón e sua mulher, Evita, a “mãe dos pobres”,

nas relações internacionais; uma resposta à

fraca. Situações semelhantes ocorrem na

entre outros. No Brasil, Getúlio Vargas e Lula

Organização dos Estados Americanos (OEA),

Venezuela, na Bolívia, no Brasil e no Equador.

seriam

muito influenciada pelos EUA”, afirma Santos.

“Por que temos que seguir enchendo os bolsos

transferência do poder no país ocorreu mais

relações

externas

um

do

Mercosul.

contrato,

no

e

cooptar

outros

os

poucos

carismáticos,

pois

a

de meia dúzia de famílias que manejam a

pela tradição, entre imperadores e oligarquias.

Pelo Twitter, o presidente do Equador, Rafael

comunicação a nível nacional?”, questiona

De modo geral, esses governantes distribuíram

Correa, defende que a Unasul representa um

Rafael Correa.

renda,

criaram

estatais,

partidos

e

“novo tempo: do Consenso de Washington ao

estabeleceram contato direto com as massas.

consenso sem Washington. Nossa América

O forte apoio popular recente também se

não

baseia no crescimento econômico da América

recebe

mais

ordens

de

´certas`

embaixadas”. O aviso reforça o entendimento de que, conforme a docente de História Americana do Departamento de História da UFJF, Beatriz Domingues, “a afirmação da identidade latina passa por uma crítica ferrenha ao modelo americano”. A professora da Faculdade de Letras da UFJF, Rose Mary Nascif, entende que é preciso “buscar

um

caminho

intermediário,

que

“Uma das variantes concretas do nacionalismo é a estatização, com o discurso de que fomos despojados pelos estrangeiros, ricos e elites” (Ricardo Vélez - coordenador do Centro de Estudos Estratégicos/UFJF)

do Sul: 5,3%, de 2002 a 2010, ante 3,9% da média mundial. O processo caudilhista tem forte influência sobre o tipo de democracia que será executada nos países. Embora tenham se inspirado na filosofia republicana dos EUA e no liberalismo da França, a versão latina das constituições sofreu interferência dos grupos de poder locais, ressalta o cientista político e professor do Departamento de Ciências Sociais da UFJF,

pulverize a visão maniqueísta de ´inocentes` e

Rubem Barboza Filho. “Prevaleceu a linguagem

´culpados`, revestida de uma simplicidade reducionista e equivocada, agrupando os bons

Vélez percebe o messianismo em Chávez,

dos afetos. Tivemos déficit teórico e prático

colonizados

de

um

colonizadores

de

outro,

e

os

maus

quando o presidente usa outdoors com a

para criar democracia.” A história mostra

as

mulheres

palavra “Ressuscitei”, anunciando sua cura

sucessão de golpes de Estado e o controverso

bondosas e os homens malvados de outro”. A

contra o câncer. Néstor Kirchner, morto em

impeachment constitucional no Paraguai em

pesquisadora comparou, em seu doutorado, a

2010, também é adorado. “São inauguradores

junho de 2012. “Sem dúvida, houve um golpe

situação da mulher na literatura com a da

de um tempo, de uma salvação que vem com

inaceitável. Acreditávamos que esse tipo de

América Latina no mundo. “O espaço de

essa nova época. Nunca antes na história desse

situação estava superado na região”, lamenta

mediação

país...”, diz, referindo-se ao chavão do ex-

Cristina Kirchner. Segundo o professor Paulo

presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

Roberto, Chávez “reverbera grande parte dos

O professor Paulo Roberto ressalva que o

traços mais atrasados” da esquerda caudilhista

personalismo

é

latino-americana. “Mas daí a pintá-lo como o

amplificado

nos

confere

lado ou

uma

interface

de

entremundos”, completa.

um

fenômeno

antidemocrata

é

não

olhar

sobretudo na TV, pela esquerda ou pela direita.

venezuelana,

pois

ele

disputou

Há crise do sistema político-partidário, com

ganhou,

reformas

“Nessa trilha do nacionalismo sul-americano, o

crescente

constitucional.

populismo entra de carona. ´Eu represento a

supostos atributos do candidato em vez do

econômicos de grandes grupos, inclusive os de

nação`. O líder carismático é o que o sex

projeto programático. “Se isso aconteceu em

conglomerados midiáticos. Criar instituições

appeal representa para o cinema”, compara

lugares com longa consolidação do sistema,

sólidas talvez seja o desafio dos governos

Vélez. Para ele, os mandatários locais encarnam

como Inglaterra, imagine onde não houve essa

latinos à direita ou à esquerda”, completa. Para

a nação, adotam postura messiânica e relações

consolidação.

o bem da nação.

ambíguas com instituições – partidos políticos,

personalismo indicativo do século XIX.”

Ecos caudilhistas

meios

identificação

Nosso

de

mundial,

do

comunicação,

eleitor

continente

tem

com

um

sindicatos, imprensa e judiciário. Casos de mensalão,

de

Talvez sempre na história da formação das

emissoras são notórios. O jornal “Clarín” acusa

coligações

e

fechamento

nações sul-americanas o caudilhismo estivesse

o Executivo argentino de tentar calar a

presente,

principalmente,

na

América

espanhola. Durante a colonização, com vice-

10

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013

fez

Ele

dentro

contrariou

a

realidade eleições,

da

norma

interesses


GE O polít ica

Onda vermelha na América do Sul ARGENTINA

BOLÍVIA

BRASIL

EQUADOR

Presidente: Cristina Kirchner (Partido Justicialista- peronista), desde 2007, reeleita em 2011

Presidente: Evo Morales (Movimento ao Socialismo), desde 2006; reeleito em 2009

Presidente: Dilma Rousseff (PT), desde 2011

Presidente: Rafael Correa (Aliança País, liderada pelo Movimento País), desde 2007. Reeleito em 2009

Orientação: esquerda

Orientação: esquerda

Sucede seu marido, Néstor Kirchner, morto em 2010, que anulou leis de anistia da ditadura e estatizou sistemas de aposentadoria. Cristina combateu a concentração de grupos de comunicação, reestatizou a petrolífera YPF e reivindica soberania sobre as Ilhas Malvinas, sob domínio do Reino Unido. O casal assumia a retirada do país da crise de 2001 e 2002. É acusada de maquiar índices de inflação

Conseguiu aprovar nova Constituição com apoio da população indígena. Estado passou a controlar exploração de petróleo, gás e o sistema de telecomunicações. Promulgou legislação da reforma agrária. Argumenta que retira a Bolívia da condição histórica de país superexplorado

CHILE

COLÔMBIA

PARAGUAI

PERU

Presidente: Sebastián Piñera (Coalizão pela Mudança), desde 2010

Presidente: Juan Manuel Santos (Partido Social da Unidade Nacional) Desde 2010

Presidente: Frederico Franco (Partido Liberal Radical Autêntico), desde junho de 2012

Presidente: Ollanta Humala (Nacionalista Peruano), desde 2011

Orientação: direita

Orientação: direita

Ministro da Defesa de Álvaro Uribe (2002-2010), reconhecido pelo combate, com apoio dos EUA, às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). De 2008 a 2010, rompeu relações com Equador por ter atacado guerrilheiros no território vizinho e, em 2009, com a Venezuela, acusada de fornecer armas às Farc. Em 2011, elimina o líder das Farc e sela acordo com os EUA

Tomou posse após processo de impeachment sumário de Fernando Lugo, de orientação à esquerda, cujo governo iniciou programa de reforma agrária, teve conflitos com agricultores, fazendeiros e “brasiguaios”. Lugo reabriu processos da ditadura

PIB: US$ 445,98 bilhões IDH 2011: 45º População: 40,7 milhões

PIB: US$ 248,6 bilhões IDH 2011: 44º População: 17,3 milhões

Orientação: direita Substitui a socialista Michelle Bachelet, que criou pensão básica universal. Piñera enfrenta protestos de estudantes a favor de reforma na educação em 2011. É o primeiro presidente de direita desde o fim da era Pinochet em 1990. O Chile possui tratados de livre-comércio com EUA, China e Japão

PIB: US$ 24,4 bilhões IDH 2011: 108º População: 10,1 milhões

PIB: US$ 46,7 bilhões IDH 2011: 48ª População: 3,4 milhões Presidente: José Mujica (Coalizão Frente Ampla), desde 2010 Orientação: esquerda Consegue aprovação de nova constituição, Primeiro ex-guerrilheiro na Presidência, José Mujica sucede Tabaré Vazquez (20052010), primeiro presidente de esquerda. Cancelam lei de anistia, e responsáveis são julgados

PIB: US$ 67,0 bilhões IDH 2011: 83ª População: 14,7 milhões

Orientação: esquerda

PIB: US$ 331,7 bilhões IDH 2011: 87º População: 46,9 milhões

URUGUAI

PIB: US$ 2,48 trilhões IDH 2011: 84º População: 192,4 milhões

Orientação: esquerda

Sucede governo Lula (2003-2010), que se aproxima de países como Irã e Síria, e cria nova estatal Petro-Sal para explorar petróleo na camada pré-sal. Dilma cria a Comissão Nacional da Verdade para apurar crimes contra os direitos humanos de 1946 a 1988 e privatiza terminais de aeroportos. Defende que a classe C se ascendeu como maioria, o país alcançou estabilidade financeira e reconhecimento internacional. O PT é criticado por se afastar de seus ideais de fundação

PIB: US$ 23,4 bilhões IDH 2011: 107º População: 6,6 milhões

VENEZUELA PIB: US$ 316,5 bilhões IDH 2011: 73ª População: 29,3 milhões

Presidente: Hugo Chávez (Partido Socialista Unido da Venezuela), desde 1999. Reeleito em 2000 e em 2006. Disputa eleições em 2012 Orientação: esquerda Defendeu nova Constituição, aprovada em referendo. Estatiza extração de petróleo, direitos de pesca, siderúrgicas e indústria do cimento. Desapropria latifúndios. Apoia o ´socialismo do século XXI`. Não renova concessão para TV e rádio. Diz que o país avançou em indicadores sociais e de renda. Em 2002, oposição tenta golpe. Em 2004, eleitores reafirmam permanência de Chávez. Opositores boicotam eleições parlamentares

Consegue aprovação de nova Constituição, decreta moratória de parte da dívida externa, retoma base miltar americana, nacionaliza o setor de hidrocarbonetos (petróleo e gás), expulsa a embaixadora dos EUA por ter acusado o governo de fomentar a corrupção. Correa sustenta o argumento de o país não sofrer com as crises internacionais e crescer 6,5% em 2011

PIB: US$ 176,7 bilhões IDH 2011: 87º População: 29,4 milhões

Orientação: esquerda Concorreu à eleição de 2006 em forte ligação política e ideológica com Hugo Chávez. Em 2011, apresenta-se moderado, próximo à linha brasileira, mas ainda contra regras do modelo neoliberal. Sucedeu Alan García, que abrigou dissidentes do governo venezuelano

Suriname, Guiana e Guiana Francesa não foram analisados PIB: Produto Interno Bruto indica a soma de todos os bens produzidos no país em um ano IDH: Índice de Desenvolvimento Humano, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU), para avaliar a qualidade de vida da população, considerando três indicadores: renda (PIB per capita), educação (média de anos de educação dos adultos acima de 25 anos e a expectativa de escolaridade de crianças) e saúde (expectativa de vida)

Fontes: Banco Mundial, Cepal, CIA - The World Factbook, Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe, “Folha de S. Paulo” e IBGE

mais

“O código Morse. Ensaios sobre Richard Morse” Beatriz Domingues e Peter Blasenheim (org.), Editora UFMG, 2010, 283 p.

“Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe” Emir Sader e Ivana Jinkings (coord.), Boitempo Editorial, 2006, 1.472 p. www.clarin.com www.pagina12.com.ar

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

11


P E S QUISA

De queijos a obras de arte Sob a luz do espectrômetro, Departamento de Química da UFJF desenvolve projetos que beneficiam diversos setores. No caso da ciência forense, por exemplo, as análises têm sido uma alternativa promissora para detecção de fraudes em documentos CAROLINA NALON Repórter

12

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


P E SQ UISA

D

e queijos a obras de arte, o universo de

A espectroscopia Raman não é novidade.

Já outra parte, terá sua frequência alterada em

materiais pesquisados pelo Núcleo de

Foi descoberta no final da década de 1920,

razão da interação provocada. Essa alteração,

Espectroscopia e Estrutura Molecular

pelo indiano C. V. Raman, que ganhou o

conhecida

da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

prêmio Nobel de Física pelo feito, e também

ou efeito Raman, permite obter informações

demonstra a competência dos integrantes do

observada por outros pesquisadores da época.

sobre a composição química e estrutural

Departamento de Química nesta área. Dentre

Sua principal característica é possibilitar o

daquela matéria posta sob análise.

as centenas de artigos e outras publicações do

espalhamento de luz a partir da incidência

grupo, destacam-se as análises produzidas por

de um feixe monocromático de radiação

O

meio da espectroscopia Raman. A técnica, uma

eletromagnética

sobre

arquitetura molecular de uma dada composição

das possíveis para se estudar a interação entre

qualquer matéria, orgânica ou inorgânica.

de matéria tem sido fundamental para os

radiação eletromagnética e matéria, tornou-

Parte da luz dispersada apresentará frequência

avanços da química moderna e, de acordo com

se especialidade do professor Luiz Fernando

exatamente igual à incidida, não gerando

o professor Cappa, a utilização da metodologia

Cappa de Oliveira, fazendo da Federal de Juiz

informação relevante.

vem crescendo em todo mundo. “Não estamos

(como

um

laser)

como

entendimento

espalhamento

sobre

a

inelástico

organização

e

de Fora uma referência neste campo.

Trabalho dos pesquisadores (da esquerda para a direita) Rodrigo Sthephani, Luiz Fernando Cappa, Lenize Maia e Nelson de Souza. torna a UFJF referência na área

Foto: Frederico Boza A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

13


P E S QUISA

querendo reinventar a roda, mas esta é uma

as técnicas espectroscópicas, como Raman

“Considero importante esse tipo de trabalho,

forma mais rápida e simples de descobrir,

e Infravermelho, estão mostrando grande

porque mostra de maneira mais compreensível

por exemplo, qual é o tempo adequado de

potencial, pois fornecem informações valiosas

para a sociedade o valor do que fazemos.”

prateleira para um queijo parmesão.” Isso

sobre os produtos.”

porque o espectrômetro mostra com exatidão

Curadores, colecionadores e museus recorrem

as diferenças entre a composição química do

Stephani ressalta que o sucesso das pesquisas

à técnica antes de fazer uma restauração para

produto fresco e do vencido.

realizadas entre a empresa e o Departamento

determinar com precisão as tintas e outros

de Química possibilitou levar esse modelo de

materiais

Outra grande vantagem da técnica é a

parceria para outras instituições, entre elas, a

dessa forma, que os traços dos autores sejam

conservação da amostra, pois, em muitas

Universidade Federal de Viçosa (UFV), e, ainda,

fielmente respeitados. Conforme Cappa, os

outras, é preciso diluí-la ou pulverizá-la. Em

para outros departamentos da própria UFJF.

museus mais importantes do mundo possuem

outras palavras, a técnica é não-destrutível.

Ele também mantém trabalhos em conjunto

hoje

Isso faz com que seja extensa a aplicabilidade

com o professor do Departamento de Nutrição,

dizer que muita pesquisa é feita antes do

da espectroscopia Raman, o que, por outro

Paulo Henrique Fonseca da Silva. “Entendemos

anúncio de uma descoberta como aconteceu

lado, não significa a solução de todos os

que uma das funções da pesquisa é esta, dar

recentemente no caso da Mona Lisa do Museu

problemas do mundo científico. “Para cada

suporte

ao

do Prado, na Espanha.” A nova Mona Lisa,

trabalho publicado, existem inúmeros outros

Estamos

antecipando

e

encontrada nos depósitos do Museu do Prado,

sem sucesso.”

trabalhando para uma pesquisa aplicada,

foi feita muito provavelmente por um dos

porém, com embasamento científico.”

alunos de Da Vinci enquanto ele pintava sua

desenvolvimento essa

econômico. tendência

utilizados

avançados

na

obra,

laboratórios.

permitindo,

“Podemos

obra prima, exposta no Museu do Louvre, na

“Considero importante esse tipo de trabalho (análise de obra de arte), porque mostra de maneira mais compreensível para a sociedade o valor do que fazemos”

Luz sobre a arte

(Luiz Fernando Cappa de Oliveira coordenador da Pós-Graduação em Química/ UFJF)

da espectroscopia mostram as diferenças

Mas há muito mais do que produtos lácteos no laboratório de Cappa. Têm sido objeto de seus estudos: documentos, drogas ilícitas, pinturas, esculturas, móveis, produtos naturais, alimentos e matérias de origem marinha. No caso da ciência forense, as análises têm sido uma alternativa promissora para detecção de fraudes em documentos. Os resultados na qualidade e na quantidade das tintas utilizadas para a impressão de uma carteira de motorista, por exemplo. As demandas que chegam ao laboratório são muitas vezes dos próprios pares - ou seja, pesquisadores, não

pós-doutorandos,

necessariamente da área de Química, que

e

de

precisam dos dados para prosseguirem com

iniciação científica, orientados pelo professor,

suas investigações -, de instituições ou mesmo

têm

de empresas e pessoas físicas.

Os

21

alunos,

doutorandos,

entre

mestrandos

contribuído

no

bolsistas

desenvolvimento

França.

de

“Entendemos que uma das funções da pesquisa é dar suporte ao desenvolvimento econômico. Estamos antecipando essa tendência e trabalhando para uma pesquisa aplicada, porém, com embasamento científico” (Rodrigo Stephani - doutorando em Química)

pesquisas nos mais diversos campos. O agora

O fato de a amostra poder ser de qualquer

doutorando, Rodrigo Stephani, estreitou as

tamanho e permanecer intacta durante o uso

relações mantidas pelo laboratório de Cappa

de espectrômetro beneficia bastante as artes.

com a empresa do ramo alimentício Gemacom

Hoje, o local de referência para essas pesquisas

Tech. Gerente técnico da companhia, ele

é o Laboratório de Espectroscopia Molecular

tem a sorte de conciliar o interesse pela vida

da Universidade de São Paulo (USP), o que,

acadêmica com o trabalho. Uma parte de sua

entretanto, não tem impedido Cappa de atuar

tese envolve a produção e a caracterização

nesse ramo. O professor desenvolve trabalho

de proteínas lácteas em pó provenientes

em parceria com outros pesquisadores sobre

do soro de leite, ainda não fabricadas no

peças do acervo do Museu de Arte de Stuttgart,

país. “Atualmente, o Brasil importa estes

na Alemanha. No início de sua carreira na UFJF,

produtos e já existe um grande movimento

na década de 1990, foi solicitado a analisar um

no sentido de desenvolvermos tecnologia

quadro de Portinari, identificando os tipos de

nacional para a produção local. Para isso, a

tintas usados pelo pintor e também em uma

caracterização do produto é fundamental, e

restauração até então desconhecida na obra.

ex-aluno

14

de

iniciação

científica

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013

e

Do fundo do mar A

chegada

da

pós-doutoranda

Lenize

Fernandes Maia à UFJF trouxe ao Núcleo de Espectroscopia e Estrutura Molecular a oportunidade de explorar uma nova linha de pesquisa. Com formação em Ecologia Química Marinha pela University of California (Estados Unidos), Lenize iniciou em Juiz de Fora estudos sobre organismos marinhos da costa brasileira. Seus trabalhos adotam a espectroscopia Raman como ferramenta complementar na identificação de substâncias químicas presentes em corais.


P E SQ UISA

Lenize explica que mudanças climáticas, como

espectroscópico de metano, é porque existe

em um sólido cristalino. Associados a outras

o aquecimento das águas oceânicas, e infecções

uma grande possibilidade de termos material

metodologias, evidenciam, ainda, as interações

por fungos e bactérias estão causando a

orgânico fossilizado naquela região”, ressalta

entre moléculas e dentro delas. Na vida

expulsão das zooxantelas, microorganismos

Cappa. Os resultados desta pesquisa são

cotidiana, a cristalização do açúcar dentro

unicelulares que vivem nos recifes de corais e

usados pelas empresas petrolíferas como um

de um pote é um exemplo de interação entre

são responsáveis pela sua nutrição por meio da

indicativo indireto da presença de petróleo

moléculas.

fotossíntese. A consequência da expulsão das

abaixo da camada de rocha, na direção da

zooxantelas é o branqueamento e a morte dos

perfuração do poço.

corais.

é possível conhecer como as moléculas se

Analisando a espécie brasileira Phyllogorgia dilatata,

Com a Química Supramolecular, portanto,

ela

conseguiu,

junto

a

Cappa,

resultados que corroboram dados da literatura sobre outra espécie: a Gorgonia ventalina, localizada nos recifes do Caribe. Esse coral parece ter desenvolvido um mecanismo de proteção contra o espalhamento de infecções por meio da produção de pigmentos arroxeados em torno da região danificada, fazendo da espectroscopia Raman a metodologia ideal para sua identificação. Mas não é só esta a vantagem no uso da técnica em organismos marinhos. Segundo Lenize, a caracterização de substâncias in situ, ou seja, na própria amostra, sem precisar separar os

Química Supramolecular

ligam formando novas estruturas. Entender

Em cooperação com o Centro de Tecnologia Mineral, no Rio de Janeiro, o Departamento de Química da UFJF realiza estudos, para a Petrobras, para identificar a presença de metano em inclusões fluidas aquosas de rochas

que o pesquisador seja capaz de criar novos

mais a fundo esses mecanismos faz com materiais, como pretendem Antônio Carlos Sant’Ana e Gustavo Andrade. Eles desenvolvem estudos com sistemas metálicos estruturados numa escala nanométrica, ou seja, da grandeza de um milionésimo de milímetro. Em outro exemplo, o aluno de doutorado de Cappa, Nelson Luis Gonçalves Dias de Souza, está

combinando

polímeros

orgânicos

e

inorgânicos para criação de um sistema que permite o controle das doses de determinado medicamento dentro do organismo. O projeto desenvolve-se em parceria com a Embrapa e sua aplicação será em bovinos. A ideia é

componentes, elimina etapas de extração,

fazer com que a digestão dos ruminantes seja

purificação e isolamento de substâncias já

auxiliada pela substância liberada aos poucos

conhecidas. “Isso gera economia de material de

através da cápsula criada pelo doutorando. A

laboratório, tempo de investigação e utilização

O Núcleo de Espectroscopia e Estrutura

cápsula de cerca de 5 cm de diâmetro será

de outros instrumentos analíticos.”

Molecular é composto ainda pelos doutores

colocada no cocho e misturada junto ao sal

Antônio Carlos Sant’Ana, Alexandre Cuin,

usado para alimentar os animais. Como não

Do fundo do mar também chegam amostras

Renata Diniz, Maurício Antônio Pereira da Silva,

existe no mercado material semelhante, os

para outro projeto de Cappa. A Petrobras

Hélio Ferreira dos Santos e Flávia Cavalieri

pesquisadores estudam a possibilidade de

solicita ao seu laboratório, que trabalha em

Machado, todos professores do Departamento

patentear o produto. Essa não seria a primeira

cooperação com o Centro de Tecnologia

de Química. Outras formas de interação

das inovações geradas no departamento.

Mineral, no Rio de Janeiro, a identificação da

entre radiação e matéria, além da Raman,

Cappa e Maurício Silva, especialista na área

presença de metano em inclusões fluidas

são utilizadas por eles, como no caso da

de materiais vítreos, criaram em temperatura

aquosas de rochas. A inclusão fluida é

difração de raios X. Esta metodologia tem sido

ambiente um novo tipo de vidro com potenciais

uma cavidade na rocha que possui solução

aplicada especialmente em projetos ligados à

usos tecnológicos, e já registraram sua patente.

aquosa contendo sal, principalmente cloreto

Química Supramolecular - linha de pesquisa de

de sódio, e uma bolha de gás preso durante

destaque no meio científico e relacionada ao

seu processo de formação. “Conhecer as

entendimento da estrutura de sólidos.

características de tais inclusões significa obter

Os raios X podem ser usados para se obter

informações sobre a gênese da região de onde

informações sobre a distribuição dos átomos

se extraiu a amostra. Se por acaso temos sinal

mais

Luiz Fernando Cappa de Oliveira Doutor em Físico-Química pela Universidade de São Paulo (USP); estágio de pós-doutorado na Universidade de Bradford (Reino Unido); especialista em Espectroscopia Molecular, tendo sido convidado, em agosto de 2012, como palestrante da 23ª Conferência Internacional de Espectroscopia Raman, na Índia; professor associado da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); coordenador do Programa de PósGraduação em Química da UFJF (conceito 5 pela Capes). luiz.oliveira@ufjf.edu.br http://lattes.cnpq.br/1912197785087128 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

15


E N CONT ROS POSSÍVEI S Foto: Arquivo pessoal

“A universidade precisa aceitar que educar não é conduzir e sim acompanhar” VALÉRIA BORGES COSTEMALLE Repórter e tradutora

A

s universidades europeias vivem hoje

União Europeia se questiona sobre os rumos

Lisboa (Portugal), e a demanda era baixa.

uma crise da concepção vertical. A

a serem tomados pelo velho continente.

Hoje existe uma grande quantidade de jovens

constatação é do sociólogo francês

Gostaria que o senhor fizesse uma apreciação

universitários que circulam nas universidades

Maffesoli

sobre o momento atual, especialmente, no

europeias. É esta a garantia do futuro. Eu não

à Universidade Federal de Juiz de Fora

que concerne à educação e à cultura.

tenho nenhum temor pelo futuro da Europa,

(UFJF), concedeu entrevista a professores

- Michel Maffesoli: A Europa vive um momento

porque ele está sendo construído com e pelas

da instituição. Diretor do Centro de Estudos

de crise. E uma crise é sempre benéfica.

novas gerações. Observo, hoje, este movimento

sobre a Atualidade e o Cotidiano (Ceaq) da

Uma boa maneira de renovar as energias. Eu

de

Universidade Sorbonne (Paris II) e autor de

considero que existe uma crise da concepção

do futuro. Quanto à educação, existe uma

mais de 40 livros, falou sobre temas como pós-

de uma Europa estática. Da minha perspectiva

verdadeira crise nas universidades europeias.

modernidade e ecosofia e a concepção do Brasil

pessoal, estou muito mais interessado no

As universidades estavam acostumadas a

como

que chamamos de “oficioso” do que aquilo

receber ajuda do Estado, unicamente, de

que é considerado como “oficial”. Existe uma

uma maneira vertical. Hoje temos que achar

crise das instituições, mas ao mesmo tempo,

outras fontes de financiamento. O que gera

- Christina Musse (professora da Faculdade de

encontramos

nas

uma certa dificuldade das instituições a se

Comunicação): A Europa vive um momento

novas gerações. Um exemplo, como professor

habituar, e a se ajustar à esta nova concepção

de ruptura. As tentativas feitas, há 50 anos,

universitário, há 15 anos eu dispunha de várias

do mundo. Posso dar o exemplo da Franca,

de criação de uma unidade econômica e

bolsas de estudos para meus estudantes.

pois fui conselheiro da ministra do Ensino

cultural vivem hoje um momento de crise. A

Bolsas para Roma (Itália), Barcelona (Espanha),

Superior, Valerie Pecrèsse, do governo do

Michel

que,

em

visita

recente

laboratório da contemporaneidade.

Confira a entrevista a seguir.

16

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013

uma

grande

vitalidade

estudantes

como

uma

sedimentação


encontros possíve is

ministra

confortável para opinar sobre a universidade

relação com a natureza. Uma relação reversível,

criou uma lei interessante chamada Lei da

brasileira . Acho que um pesquisador brasileiro

e não mais de simples dominação sobre o

Autonomia, mostrando que, além de receber

estaria mais apto a dissertar sobre o tema.

mundo. Para lembrar ao animal humano que

investimentos do Governo Federal, existia

O que mais me fascina nas universidades

ele é também um animal. Acredito que, pelo

uma necessidade de se criar novas parcerias,

brasileiras é o que vocês chamam de Extensão.

fato de o ser humano ter “esquecido” essa

novas fontes de recursos, seja com a iniciativa

Essa ligação entre a universidade e o exterior,

animalidade, é que nosso comportamento se

privada ou outras instâncias e instituições. O

a vida social, a comunidade em suas diversas

direcionou para a bestialidade.

que existe é a crise da concepção vertical das

formas. Essa visão da extensão está em acordo

universidades. Este momento é frutífero no

com o que era denominado Universitas, na

- Euler: Gostaria

que concerne à criação de novas bases que

Idade Media, onde existia um saber orgânico.

sobre a noção de festa. Qual é a natureza

sedimentarão o futuro das universidades como

O que o filósofo e cientista político italiano

da

instituições mais permeáveis e abertas às

Antonio Gramsci definia como o intelectual

Nós podemos ter uma relação de festa na

comunidades que as acolhem. Eu não tenho

orgânico.

natureza e com a natureza?

medo. Aliás, não devemos nunca ter medo. A

instituição acadêmica e a vida social. Essa

- Maffesoli: Quando Thomas Kuhn teorizou

palavra crise é muito usada hoje, em vários

forma de extensão sempre me fascinou nas

sobre o que ele chama de estrutura de

setores, inclusive no meio universitário. A crise

universidades brasileiras.

revolução científica, ele

presidente

Nicolas

Sarkosy,

.

A

Uma

organicidade

entre

uma

festa

na

que o senhor nos falasse

sociedade

contemporânea?

mostrou que o que

não é um problema econômico nem financeiro.

levou à “performatização” do modelo ocidental

A crise é um problema societal. Uma mudança

foi o fato de termos seguido a linha reta da

de fundo que está acontecendo, hoje, em várias sociedades. A palavra crise, que vem do grego Krisis,

significa julgamento, ou

seja, o julgamento do que está nascendo em relação ao que está morrendo. Referente às universidades, nós podemos compreender uma

sociedade,

em

geral,

a

partir

do

topos, onde ela se situa. Assim podemos

“Eu não tenho nenhum temor pelo futuro da Europa, porque ele está sendo construído com e pelas novas gerações”

compreender a crise da universidade a partir

razão. Ele disse, em latim, la via recta, o que significa direto ao ponto. Para irmos direto ao ponto, o ocidente deixou à beira da estrada, ainda segundo Kuhn, em latim, toda uma série de impedimenta inutile, ou seja, todo tipo de bagagem inútil: o sonho, o afeto, o jogo. E isso foi eficaz. O ocidente, digamos, viajou com menos peso e foi direto ao ponto. Isso é a modernidade, ou seja, a performatização do

do topos, ou seja, da crise da sociedade em

mundo ocidental, mais uma vez. Atualmente,

que ela se situa. A modernidade é um período

- Euler David de Siqueira (professor do curso

estamos descobrindo que ir direto ao ponto

fundado a partir de uma topografia vertical. Ou

de Turismo e do mestrado em

Ciências

nos levou direto contra o muro. Nós estamos,

seja, um saber e um poder que vem do alto,

Sociais): Desde os anos 80, nós temos uma

agora, recuperando essas bagagens deixadas

de cima para baixo. A verticalidade do saber e

série de intelectuais que debatem sobre

à beira da estrada: a bagagem festiva, a

do poder. O saber levando ao poder. Foi dessa

a relação entre a sociedade e a natureza.

lúdica, a onírica, que foram parâmetros da

maneira que a sociedade moderna concebeu a

Alguns antropólogos, como Bruno Lacourt

humanidade. Para mim, esta é uma concepção

universidade, a educação, o conhecimento. Eu

ou Eduardo Ribeiro de Castro, discutem a

mais ampla da natureza humana, que também

penso que existe uma crise de toda a estrutura

possibilidade de um multinaturalismo. Esta

é, simplesmente, uma natureza. O que eu

vertical. Eu acredito que o topos da sociedade

proposta de ampliar essa relação com a

proponho é uma visão de um ser humano

pós-moderna é a horizontalidade. Saber dividir

natureza interage com a sua proposta de

inteiro, holístico, não só em pedaços, ou seja,

não somente um simples poder, mas uma

Ecosofia?

um cérebro que, de

potência societal. A passagem da verticalidade

- Maffesolli: Toda cultura

judaico-cristã

concepção um tanto esquizofrênica. Pois

à horizontalidade, da modernidade à pós-

ocidental moderna é baseada num principio

todo o valor é colocado na cultura. Essa ideia

modernidade é o sinal da crise. Quando

de separação, numa dicotomia do mundo: o

de ser humano inteiro, holístico, é a de um

observamos um fenômeno como a Wikipedia,

corpo e o espírito; a natureza e a cultura; o

ser humano que recuperou essas bagagens

notamos que não existe somente a verticalidade

material e o espiritual. Esse é o fundamento

e, para mim, isso é muito mais natural. Este

do saber, mas uma forma de horizontalidade.

da “performatização do modelo ocidental. O

é o fundamento dessa relação que, na minha

É isso que nossas universidades devem aceitar:

filósofo americano Thomas Kuhn demonstrou

opinião, caracteriza a pós-modernidade. Eu

a ideia de horizontalidade. Não é somente a

que justamente porque existe essa separação

desenvolvi

educação que é importante mas, também,

é que houve o triunfo dos valores ocidentais.

razão sensível. Não defendo uma abdicação

a iniciação. A educação conduz, educare em

Estamos no fim desse modelo. O homem

da razão, mas também não acredito no ser

latim, a iniciação acompanha. Essa é a grande

dominou o mundo, dentro de uma visão

puramente racional, pois existem todos os

mudança de fundo, o grande desafio da nossa

heideggeriana e devastou o mundo. Existe

outros sentidos. Pessoalmente, essa é a ideia

universidade: passar da educação à iniciação.

hoje outra relação com a natureza. Desde o

deste ser humano inteiro. O fato de que todo

começo das minhas pesquisas tento mostrar

mundo participe desse saber coletivo.

certa maneira, é uma

essa noção através da ideia de

- Marcelo do Carmo (professor do curso de

a importância do espaço. Não simplesmente

Turismo): Qual é a sua percepção sobre a

o tempo, mas o espaço. Atualmente, continuo

- Nelma Fróes

universidade brasileira?

explorando o mesmo tema, através da noção

da Faculdade de Comunicação e pró-reitora

- Maffessoli: Como estrangeiro não me sinto

de Ecosofia. Essa noção leva a

adjunta de Cultura): O nome da minha tese

uma nova

(in memorian - professora

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

17


Fotos: Alexandre Dornelas

E N CONT ROS POSS ÍVEI S

de doutorado, defendida em 2002, é “Do

Agora, a estratégia é uma estratégia do laisser

humanismo ao transhumanismo, um guia

être, em francês, algo como deixar existir,

de sobrevivência”, onde rechaço a ideia da

deixar acontecer, e não de dominar tudo,

palavra pós-modernidade, seguindo a linha

controlar tudo. Ao contrário, o que me parece

do professor Paulo Vaz que prefere chamar

ser um dos elementos da pós-modernidade é

estes tempos de contemporaneidade. Eu

o deixar existir, acontecer. Fazer confiança à

acredito que os jovens não podem mais

vitalidade do ser e da sociedade.

pensar no passado como exemplo, nem no futuro como uma ideia de progresso. O que

- Aloizio Trinta (professor do Programa de Pós-

o senhor considera como estratégia para

graduação em Comunicação da Faculdade

atravessarmos estes tempos?

de Comunicação): Os propósitos do senhor

- Maffesoli: Nos anos 60, escrevi um livro

têm uma coloração muito especial, poética,

intitulado “La conquête du present” (em

dominando de uma maneira invejável as

português, “A conquista do presente”). O

metáforas. O senhor fala de beira de estrada,

presente era um condensado do passado, e

horizontalidade, verticalidade. Eu conheço

de certa forma, ele predeterminava o futuro.

suas reflexões sobre a Brasilomania. O senhor

Mas existem certas civilizações que valorizam

vê o Brasil como um país eminentemente

o presente, outras, o passado. Para eles, a pós-

icônico?

modernidade é uma sociedade centrada no

- Maffesoli: Existe uma dicotomia entre o

presente. Eu propus que chamássemos esse

pensamento e o saber. O que levou a uma

fato de presenteísmo. O que chamamos em

concepção racionalista, conceitual. Eu penso

francês de l’air du temps, ou seja, a atmosfera

que deva existir uma sinergia entre a poesia

mental, e em particular, a temporalidade

e o pensamento. A

das jovens gerações. Então, acredito que

linguagem que faz essa sinergia entre os

sim. Devemos refletir sobre o presente. Eu

dois. Outra vez, voltamos ao conceito de

penso que a intelligentzia em geral, ou seja,

homem inteiro ou holístico. Eu tentei mostrar

os universitários, os jornalistas, os políticos,

em um dos meus livros, como a Europa foi

continuam obcecados pelos valores modernos.

o laboratório da modernidade, porque ela

Os valores do século XVII ao século XIX. E é

sempre valorizou o racionalismo, o conceitual.

essa intelligentzia que tem medo do que está

E isto levou a

acontecendo, ou seja, a pós-modernidade e,

etimológico do termo, e de certa forma nós nos

por isso, eles falam de contemporaneidade, de

desgarramos do concreto. Então, eu disse que

modernidade segunda, de modernidade tardia.

o Brasil, em contrapartida, seria o laboratório

A casa está pegando fogo, mas eles querem

da pós-modernidade. E por quê? Porque aqui

salvar os móveis. Não. A casa tem que pegar

os valores barrocos são mais valorizados, bem

fogo. Nosso trabalho, no mundo acadêmico,

como o papel dos ícones. Eu falo do Brasil

é o de pensar o que estamos vivendo, o

como o laboratório da pós-modernidade,

presente. E não o que nós gostaríamos que

porque se valoriza a dimensão barroca. Eu

fosse o presente. Pensar as práticas jovens, as

falo de ícones como imagens, ou totens, em

práticas sociais. Todo o problema é de achar

torno dos quais o povo se reúne. O Brasil tem

as palavras pertinentes, no sentido científico

ícones como Lula, Gilberto Gil, Chico Buarque.

do termo. Que essas palavras estejam em

Eu penso que existe

pertinência com o que está acontecendo. E

atmosfera brasileira e este barroco é um dos

eu digo, mais uma vez, que a noção de pós-

marcos da pós-modernidade. Este barroco

modernidade, e não o conceito, porque eu não

pós-moderno brasileiro seria uma concepção

gosto do termo conceito, me parece estar em

mais inteira, interativa, e o ícone é uma das

relação direta com o que estamos vivendo e

formas que traduz esse conceito.

metáfora é a figura de

certa abstração, no sentido

certo barroquismo na

com o que devemos pensar, ou refletir sobre.

mais

Michel Maffesoli Membro do Instituto Universitário da França; professor da Sorbonne; diretor do Centro de Estudos sobre Atualidades e Cotidiano (Ceaq) e do Centro de Pesquisas sobre o Imaginário (CRI); redator chefe da revista “Sociétés” Para saber mais acesse: www.michelmaffesoli.org

18

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


IN TERNACIONALIZA ÇÃ O

UFJF intensifica aproximação com continente africano Além de intercâmbio, a Universidade oferece graduação a distância em Moçambique e produz estudos sobre diáspora Raul Mourão Repórter

A

té 2014, em cada 60 alunos de gradua-

O olhar, ainda tímido, para o outro lado do

a de professores e a realização de pesquisas,

ção presencial e a distancia da Univer-

Atlântico, contribui para que o Brasil figure en-

eventos e publicações. O país está interessado,

sidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),

tre os primeiros destinos de estudantes das ex-

também, em ampliar este vínculo para a for-

um será africano. Atualmente, a proporção

colônias portuguesas, segundo o último rela-

mação de profissionais de Direito, segundo a

está em torno de 125 estudantes. Dos 16.200

tório da Organização das Nações Unidas para

secretária de Relações Internacionais da UFJF,

universitários matriculados, 130 são de Ango-

a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), publi-

Rossana Melo, que esteve em Angola em maio.

la, Cabo Verbe, Gana, Guiné-Bissau, República

cado em 2009. Os jovens africanos tornam-se

A África é o foco ainda de livros, seminários,

Democrática do Congo, Mauritânia e Moçambi-

alunos locais por meio de curso a distância,

Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) e

que. Caso se mantenha a expansão de gradu-

intercâmbio, vagas para refugiados políticos

festa organizada por intercambistas.

andos, serão 315 africanos daqui a dois anos.

e convênios interinstitucionais. Em 2013, a in-

O acréscimo ocorre por meio da política de

tegração deve se expandir, a partir do acordo

O maior contingente de alunos estrangeiros

internacionalização da UFJF, em consonância

firmado entre a UFJF e a Universidade Agosti-

na UFJF é de Moçambique, na África Orien-

com medidas nacionais de aproximação entre

nho Neto, de Angola, a fim de não só promo-

tal. Noventa estudantes estão matriculados no

Brasil e África.

ver a mobilidade de estudantes como também

quarto período da graduação a distância em

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

19


Foto: Tiago Gandra

IN TERNACIONALIZA ÇÃ O

Aaron Winter, da República Democrática do Congo; Jailson Pires, Keven Brito e Eulices Cardoso, de Cabo Verde; e Leandro Aldair, de Guiné-Bissau

tem que pedir permissão. Percebo que os estudantes aqui são menos envolvidos nas atividades da universidade, como assembleias”, ressalta Winter. “Não é que essa atitude não Administração Pública, oferecida pela Facul-

africanos na cidade e a posição do Brasil como

exista (nos países africanos). Mas, ainda que o

dade de Administração e Ciências Contábeis

potência continental foram alguns dos fatores

aluno tire nota 60 ou cem, o comportamento

da UFJF e pela universidade moçambicana

para a escolha do país pelo jovem, em vez de

importa. Isso é cultura mesmo”, completa

Eduardo Mondlane (UEM). As instituições se

Canadá ou Estados Unidos. O ensino gratuito

o

revezam no oferecimento de 54 disciplinas e

foi preponderante. Em Kinshasa, Winter pa-

Aldair, 22, de Guiné-Bissau. Os estudantes de

pretendem abrir nova turma a cada ano. Para

gava taxa semestral de, em média, R$ 800 e

Economia Jailson Pires, 26, e Keven Brito, 23,

isso, recebem suporte tecnológico do Centro

tarifa por serviços. O custo é alto para o país

e o de Arquitetura Eulices Cardoso, 22, todos

de Educação a Distância (Cead) da instituição

ocupante da última posição no Índice de De-

de Cabo Verde, confirmam a relevância de se

mineira e o apoio da Universidade Aberta do

senvolvimento Humano (IDH), a 187ª, e onde

qualificarem no Brasil.

Brasil. “Aprendemos muito com nossos par-

80% da população vivem com menos de US$

ceiros. Compreender a realidade econômica,

2 por dia, segundo a Organização das Nações

social, política e cultural deles é determinante

Unidas (ONU). No Brasil, este índice chega a

para gerir um programa entre duas nações”,

10%.

aluno

de

Ciências

Contábeis

Leandro

Vivência de culturas Além da habilitação, o intercâmbio pressupõe

afirma o coordenador do curso na UFJF, Mar-

a vivência de culturas diferentes e a percepção

cos Tanure. O diploma será expedido pelas

sobre os hábitos de uma sociedade. Para o

duas universidades, válido para seleção em pós-graduação no Brasil. Os outros 40 estudantes africanos matriculados na UFJF podem ser vistos em salas de aula no campus de Juiz de Fora. A maioria chega pelo Programa Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) dos ministérios da Educação e das Relações Exteriores, voltado para países

Os jovens africanos tornam-se alunos locais por meio de curso a distância, intercâmbio, vagas para refugiados políticos e convênios interinstitucionais

em desenvolvimento. Os critérios de seleção

congolês Winter, o idioma foi o início. No seu país, o francês é a língua oficial e existem dialetos. Ao mesmo tempo, o estudante deparou-se, em solo brasileiro, com costumes que seriam repreendidos na terra natal por destoarem das “metas culturais” congolesas. “Se você está fora do padrão, leva chicotadas. Se falar palavrão em público, também. Lá, só se namora para casar. Se casam e se separam, têm que mudar de cidade.” A jornalista

variam conforme a embaixada. O congolês

Jaqueline Harumi, formada pela UFJF, precisou

Aaron Winter, 25 anos, aluno do 8º período

“Na República Democrática do Congo, a

se adaptar às condições de Gana, na África

de Engenharia Civil, participou de seletiva e

estrutura da universidade é pública, mas tudo

Ocidental, para se manter nos seis meses de

interrompeu o penúltimo ano do mesmo cur-

é pago. Os alunos brasileiros têm o que a gente

intercâmbio em 2010. Faltaram água e energia

so, na capital Kinshasa, para fazer a graduação

não tem e, às vezes, não sabem aproveitar.

elétrica, houve semelhança no preparo da

brasileira. O conceito das instituições federais,

Lá, quando o professor está em sala de aula,

refeição, mas sobraram carros mal conservados

o porte médio de Juiz de Fora, a presença de

ninguém conversa, e, se quiser sair de sala,

em ruas sem asfalto e o calor de Acra, a

20 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


Foto: Tiago Gandra

I N T E R NAC IO NALIZ AÇ ÃO

capital ganense. No entanto, o contraste foi

cabo-verdiana Zuleica Eveline Semedo retor-

de. Mia Couto, renomado escritor moçambi-

insuficiente para antecipar o retorno ao Brasil.

nou, em 2011, após se formar em Comunicação

cano, vai escamar esses palimpsestos”, afirma

“Conheci pessoas de diferentes faixas etárias

Social pela UFJF. Trabalhou em uma emissora

a professora do Departamento de Letras Es-

de Gana, de diversas nacionalidades e até

brasileira, na capital Praia, e atualmente está

trangeiras Modernas da Faculdade de Letras,

mesmo brasileiros. Visitei lugares maravilhosos,

na China, cursando mestrado. O retorno nem

do Programa de Pós-graduação em Estudos

que jamais pensei existissem por lá.” Jaqueline

sempre é carregado de certezas. “Será que,

Literários e da especialização em História e

apareceu, inclusive, em rede nacional de TV

quando eu voltar, terei os mesmos recursos

Cultura Afro-brasileira e Africana, Enilce Ro-

ganense como torcedora da seleção local na

que tenho aqui para trabalhar? Chego a me

cha. A docente analisa, ainda, a inserção da

Copa do Mundo, realizada na África do Sul.

perguntar sobre isso”, revela Eulices Cardo-

oralidade moçambicana nas obras do escri-

so, com tom de angústia e sinceridade. “Em

tor, com declarada influência de autores bra-

imagem

Cabo Verde, tudo é importado”, completa. O

sileiros, como Guimarães Rosa e João Cabral

desconhecida sobre a África, assim como o

Produto Interno Bruto (PIB) do país, de US$

de Melo Neto. “Por que é importante para nós

intercâmbio pode permitir o questionamento

1,9 bilhão, somado ao de Guiné-Bissau, de US$

toda essa aproximação com Moçambique e

de estereótipos. Os países africanos, de fato,

973,4 milhões, não alcança o de Juiz de Fora,

outros países de língua portuguesa? Porque o

possuem os piores indicadores sociais, ainda

acima de US$ 3,6 bilhões. Já Leandro Aldair

Brasil quer ser prioritariamente ocidental. Os

sofrem com guerra civil, doenças que podem

é categórico sobre o regresso ao repetir três

brasileiros reconhecem como distinção social

ser prevenidas (ver box na página 22), mas

vezes: “Nosso objetivo é ajudar o país”. Guiné-

as referências do mundo ibérico, da Europa, do

compõem sociedades complexas que não

Bissau precisa, pois está próximo de se tornar

homem branco. Só recentemente aprovaram

se reduzem a poucas definições, conforme

o primeiro Estado sob domínio do narcotráfico.

a lei que obriga o ensino da história e cultura

ressaltam os estudantes Keven Brito e Jailson

Hoje ele pode ser considerado o primeiro país

afro-brasileira.”

Pires. Cabo Verde possui expectativa de vida

do mundo onde a disputa pelo poder se dá en-

próxima à do Brasil. Gana foi classificado como

tre traficantes. “A Polícia não tem força lá”, diz

No sentido de pesquisar e divulgar o quanto

o terceiro país que mais cresceu no mundo

o estudante. Atualmente, alguns países da Áfri-

o Brasil é africano, surgem núcleos de estudos

em 2011. Kinshasa, a capital do Congo, tem 8,3

ca se tornaram entrepostos da droga que vem

sobre os vínculos do país com o continente em

milhões de habitantes. “Falta informação. E

da América Latina, destinada à Europa.

universidades. Na UFJF, cada vez mais africa-

A

Copa,

aliás,

mostrou

uma

na, o Neab oferece especialização lato sensu,

também de nossa parte. Quando saí de meu país, disseram-me que me tornaria jogador de

A violência, o contato entre culturas tradicio-

promove seminários e publicações sobre a

futebol e não iria estudar por querer vir para

nais, herança colonial e pensamento contem-

área, e pretende implantar o curso a distância

o Brasil. No avião, quando olhei São Paulo

porâneo - inclusive o de intercambistas - além

de aperfeiçoamento em Educação para as Re-

com aqueles prédios...”, relata Winter, com um

da situação de refugiados estão expostos em

lações Étnico-raciais. “O Neab é constituído a

pingente dourado no formato do continente

obras de escritores africanos, estudados por

partir da percepção de que somos sim, africa-

africano, destacando-se no peito.

pesquisadores da UFJF. “A literatura moçam-

nos. Trazemos conosco as marcas da diáspo-

bicana faz emergir esses conflitos. Traz para a

ra”, afirma o coordenador do núcleo, Robert

O voo de volta será obrigatório para os alu-

escrita todas as questões que a colonização

Daibert Júnior.

nos estrangeiros obterem o diploma somente

gerou em termos sociais, culturais, históricos

na embaixada brasileira do país de origem. A

e que estão presentes na contemporaneidaA3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

21


IN TERNACIONALIZ A ÇÃ O

Fotos: Arquivo pessoal

“A sensação pessoal era de impotência e perplexidade ao perceber que um filme de ficção poderia ser real” GUILHERME CÔRTES FERNANDES Doutor em Saúde Pública pela Fiocruz; chefe do Serviço de Infectologia e coordenador do Centro de Epidemiologia, Estatística e Pesquisa da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora; ganhador do Prêmio Capes de Teses 2011 na área de Saúde Coletiva

“V

isitei a África pela primeira vez em

controle da epidemia conforme a realidade

doenças infecciosas e preveníveis. Incontáveis

2000, para a Aids Conference - da

do continente africano. Mais do que isso, a

deles

Sociedade Internacional de Aids

concepção de que sob a liderança de ações

reumática e malária grave. Muitos morriam no

-, em Durban, África do Sul. A conferência

de cuidados à saúde para pacientes com

principal hospital do país como morreriam se

engloba atividades científicas e político-sociais,

HIV/Aids poderiam ser trilhados caminhos

estivessem em suas casas. E a realidade era

sendo palco habitual de manifestos com

para melhorar a saúde global da população;

culturalmente aceita: familiares não esperavam

engajamento da comunidade internacional.

que indicadores como coberturas vacinais,

que os entes queridos internados com doenças

O evento foi histórico: a principal conferência

mortalidade infantil e materna e programas

graves, como complicações de Aids, saíssem

mundial em Aids, e no continente africano,

de assistência à criança e à mulher tirassem

vivos.

o mais afetado pela epidemia. A atenção de

proveito indireto da estrutura assistencial; e de

A sensação pessoal era de impotência e

cientistas e governantes, voltava-se, enfim,

pesquisas com financiamentos relacionados à

perplexidade

para o epicentro do problema.

epidemia HIV/Aids.

de ficção poderia ser real. A fragilidade da

Na abertura do evento, autoridades locais

Em 2001, passei um mês em Uganda, no

“onipotência médica” se impôs. Não havia

sugeriam nos discursos que o grande causador

Hospital Mulago, da Universidade Makerere

maneira de empregar ou exercer minhas

da epidemia não seria o vírus HIV, virando

em Kampala, referência nacional, e que ficou

habilidades

motivo de ironia entre alguns palestrantes.

conhecido mundialmente no filme “O último rei

conhecimento científico parecia pouco útil.

Porém, a ideia compreendida no discurso das

da Escócia”, estrelado por Forester Whitaker.

Como indivíduo, não havia ações suficientes

autoridades era que o HIV talvez não fosse o

Ali vi o duro cotidiano da saúde na África

para mudar o curso da realidade, mesmo

principal determinante para a dimensão que a

subsaariana. Países com estrutura rural, onde a

que tenuamente. Certo dia, na emergência

epidemia tomava na África, mas sim os fatores

maioria da população vive distante de postos

pediátrica, atendia a uma criança de 6 anos

inerentes à complexidade social, econômica e

de saúde, com coberturas vacinais, expectativa

que morria nos braços da desesperada mãe.

cultural do continente, que formavam ambiente

de vida, mortalidade infantil e perinatal muito

Quando fazia manobras de ressuscitação, o

propício para que a curva e o impacto da

aquém do esperado. O hospital, superlotado,

médico-chefe do setor chegou ordenando

epidemia na África subsaariana tomassem as

não

com

que parasse e declarasse óbito. Talvez aquela

catastróficas características atuais.

pacientes dormindo em esteiras, lavando

criança morresse de qualquer forma naquele

Essa conferência explicitou a necessidade

suas roupas nos jardins e sem, muitas vezes,

dia, daquela doença, afinal era malária grave.

de soluções, estratégias e políticas para se

receberem remédios ou exames necessários.

Porém, certamente, não precisava morrer. Se

desenvolver

Os da enfermaria de clínica médica tinham

tivesse nascido em outra realidade, não teria

pesquisas

e

intervenções

22 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013

de

possuía

estrutura

e

recursos,

com

complicações

ao

e

perceber

de

Aids,

que

conhecimentos

um

febre

filme

médicos.

O


I N T E R NAC IO NALIZ AÇ ÃO

morrido, e nem seria encarada pela equipe de

a sobrevida das pessoas com HIV na África

Humano, do Programa das Nações Unidas

emergência como um caso sem possibilidades

subsaariana. Eram estratégias simples para

para o Desenvolvimento, é o quarto menos

terapêuticas.

maior acesso à terapia antirretroviral, sem

desenvolvido do mundo, na 184ª posição entre

Mas uma coisa seria igual, mesmo se ela tivesse

necessidade de muitos e complexos exames

os 187 avaliados.

nascido em outra realidade: o desespero de

laboratoriais. Foi um dos maiores ensaios

Mas,

uma mãe que acabou de perder o filho. O

clínicos em HIV, revelando mudanças enormes

diferenças se tornaram evidentes. Hoje já

determinante médico que levou ao desfecho

na

Uganda

foram construídos caminhos mais claros para

do caso vinha das orientações, preconizadas

comparado à coorte histórica e com a realidade

controlar a epidemia e traçadas estratégias

pelo Ministério da Saúde, de que a chance de o

que havia vivenciado há oito anos. Em 2011, a

para continuar o desenvolvimento de novos

tratamento de malária não funcionar era maior

convite da Universidade de Pittsburgh (EUA),

conhecimentos e intervenções sociais e de

que 60%, devido à elevada resistência primária

fui à Beira, em Moçambique, participar do

saúde. Surgiram possibilidades claras de planos

a cloroquina. Já o determinante econômico

projeto

infraestrutura

e estratégias para alicerçar o desenvolvimento

era as autoridades locais não terem recursos

necessária

de

de recursos humanos, com

e financiamentos para recomendar uso de

em HIV, principalmente de estratégias de

e

medicamentos mais efetivos e caros como

prevenção ao HIV em cooperação com a

Inovações na organização e estruturação

a mefloquina. Isso era tão relevante que foi

Universidade Católica de Moçambique.

de rotinas, obtenção de equipamentos e

tema da tese de doutorado de um amigo

O que vi lá não foi diferente do que vi uma

treinamentos

ugandense: esquemas terapêuticos efetivos

década

sem

pesquisa e assistência em HIV/Aids e outras

e mais baratos para malária resistente à

estrutura; elevada prevalência e incidência de

doenças negligenciadas, com possibilidades

cloroquina. O determinante social e cultural

HIV; malária; tuberculose; expectativa de vida

reais de contribuições para o desenvolvimento

era a aceitação da realidade, por profissionais

de 40 anos; casos de câncer exclusivamente

humano e reorganização social.

de saúde, de que crianças morrem sim

em jovens e relacionados à infecção pelo

Atualmente, há infinitas possibilidades de ações

de malária. É assim na África. A dose de

HIV; comunidades extremamente carentes,

assistenciais e pesquisas nas diversas áreas

mefloquina

aquela

num país que se reestrutura após anos de

do conhecimento, sejam Ciências Humanas,

criança era a que muitos estrangeiros, como

guerra civil, submerso em contextos sociais

Biológicas, da Saúde ou Engenharias. Questões

eu, tomavam semanalmente como profilaxia

e econômicos complexos, acometido por

e hipóteses a investigar e possibilidades de

de malária. Em 2009, voltei à Cidade do

doenças preveníveis e negligenciadas, com

financiamentos e cooperações a pactuar. A

Cabo, África do Sul, para outra conferência da

menos médicos do que nossa cidade de Juiz

carência de recursos humanos capacitados

Sociedade Internacional de Aids. Fiquei feliz

de Fora (MG). A Universidade Católica de

que enfrentamos em nosso país é muito mais

em vislumbrar que as coisas estavam andando,

Moçambique luta para mudar a realidade, com

intensa na África que ainda sofre com doenças

além de avanços nas Ciências Biológicas e

ações educacionais, assistenciais e pesquisas.

e instabilidades sociais. Se pensarmos em

novos medicamentos. Muitos estudos estavam

Mas é a única Faculdade de Medicina, tendo

desenvolvimento sustentável do ponto de vista

sincrônicos para compreender a complexa

formado sua quinta turma em 2012 com

humano e social, devemos pensar em ações

estrutura

a

apenas 35 médicos. O corpo docente ainda é

conjuntas que permitam, num futuro breve,

doenças negligenciadas como malária, HIV e

dependente de estrangeiros e financiamento

um mundo com mais equidade, onde estejam

tuberculose na África subsaariana.

externo, e o discente, semelhantemente ao

garantidos a todos as mesmas chances e

Nessa conferência foi apresentado um estudo

nosso, tem uma educação básica deficitária.

direito à vida.”

magnífico, o Dart trial, depois

Um cenário esperado num país que, segundo

necessária

social

e

para

cultural

tratar

relacionada

publicado na

“The Lancet”, mostrando ser possível mudar

mais

o

sobrevida

de

de

organização para

antes

Relatório

pacientes

da

realização

em

Uganda:

Mundial

de

em

pesquisas

hospital

ao

longo

projetos

de

de

desses

anos,

algumas

financiamentos

cooperação

recursos

internacional.

humanos

em

Desenvolvimento

“Depois, o Atlântico: modos de pensar, crer e narrar na diáspora africana” Robert Daibert Jr. e Edimilson de Almeida Pereira (org.), Editora UFJF, 2010

“No berço da noite: religião e arte em encenações de subjetividades afrodescendentes” Robert Daibert Jr. e Edimilson de Almeida Pereira (org.). Editora Mamm, 2012 (no prelo)

“Culturas e Diásporas Africanas” Danubia Andrade, Enilce Rocha, Cláudia Lahni, Ignacio Delgado e Elizete Menegat (Orgs.) Juiz de Fora: Editora UFJF, 2009. 182p . www.ufjf.br/neab www.ufjf.br/sri www.uem.mz

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

23


P O LÍT ICA

De uma crise a outra Frédéric Vandenberghe* Tradução: Marcelo Viridiano

A

atual crise econômica revela uma

o regime fordista-keynesiano de crescimen-

ca na Zona do Euro são, na verdade, a mesma

contradição sistêmica no coração do

to entrou em crise na década de 1970, ele foi

crise. Para compreender sua dinâmica, preci-

capitalismo

Capitalismo

substituído por um modo de acumulação pós-

samos voltar à década de 1970 e pensar com

próspero depende do crescimento contínuo.

fordista, pós-industrial, flexível que roda em

os “teóricos da regulação” sobre como o ca-

No entanto, ao mesmo tempo em que o cres-

princípios neoliberais. Em comparação com as

pitalismo fez para encontrar na “financeiriza-

cimento é economicamente necessário (sem

poucas crises que ocorreram durante os “Trin-

ção” uma solução ilusória para o problema da

crescimento, sem ganho, sem trabalho, sem o

ta Anos de Ouro” do Capitalismo (1945-1973), a

“superacumulação de capital”. Mesmo com os

bem-estar), é ecologicamente impossível. Por

recorrência de crises financeiras em várias par-

salários estagnados, vimos surgir, na década

quanto tempo podemos sustentar o desenvol-

tes do mundo desde os anos 1970 indica que a

de 1970, em quase todas as linhas da produção

vimento sustentável? O crescimento pode ser

crise é estrutural.

industrial convencional, um regime baseado

industrial.

insustentável a médio e longo prazo; a curto

na baixa margem de lucro. Para aumentar sua

prazo, no entanto, o retorno do crescimento

A “Crise do subprime”, que explodiu em 2007

rentabilidade e estimulá-lo artificialmente, o

econômico parece ser imperativo. Desde que

nos Estados Unidos, e a atual da dívida públi-

dinheiro excedente foi investido em mercados

* Graduado em Ciências Sociais e Políticas - Rijksuniversiteit Gent (Bélgica); mestrado em Sociologia - Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris); doutorado em Sociologia - Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris); ministrou aulas nas universidades UCLA, Manchester University, European University Institute, Brunel University London, Yale University e Université Catholique de Louvain-la-Neuve e

24 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


P O LÍT ICA P O LÍT ICA

Ilustração: Joviana Marques

financeiros altamente especulativos. Durante a

Até agora a crise do sistema político evoluiu

como o 15-M, na Espanha, e o “Ocupar Wall

década de 1980, os mercados financeiros es-

para uma alarmante “crise de legitimação”. As

Street”, inventaram novas formas autônomas

tavam cada vez mais liberalizados, desregula-

pessoas já não acreditam que o sistema é justo.

de ação coletiva. Sem uma liderança formal

mentados e, desde o “Big Bang” de 1986, tam-

Eles sabem que uma “guerra de classes” está

ou qualquer programa político claramente

bém globalizados e unificados, atuando como

acontecendo - embora não seja uma “luta de

definido, movimentos auto-organizados pro-

uma única unidade em tempo real.

classes” no sentido marxista. Só na Europa, 16

testaram contra a desigualdade social e a in-

O “regime de acumulação puxado pela finan-

governos foram punidos nas eleições desde o

justiça econômica. Em seus alegres e anárqui-

ceirização” era altamente lucrativo, mas em

início da crise. O campo político ficou perigo-

cos protestos contra as potências mundiais do

2007, ele explodiu. Em 2011, o epicentro da

samente polarizado entre partidos xenófobos,

capitalismo financeiro, os “novos movimentos

crise havia se mudado não só dos EUA para

na extrema direita, e partidos populistas, na

sociais” não só inovaram seu repertório de dis-

a Europa, mas também do sistema econômi-

extrema esquerda. “O centro não vai suportar”.

puta política, com seus novos modos de orga-

co para o sistema político: a crise no sistema

Alienados da sociedade, os cidadãos ignoram-

nização espontânea, sem líderes (com assem-

financeiro transformou-se em uma crise fiscal

na. No entanto, o afastamento da sociedade

bleias gerais, grupos de afinidade, conselhos e

do Estado. Sobrecarregado, o sistema político

e a rejeição, por princípio, de suas normas e

outras metodologias de governo por consen-

tornou-se ingovernável. Democracia ou tecno-

valores não precisa ser destrutiva. A alienação

so), como também reinventaram e rejuvenes-

cracia? Austeridade ou crescimento? Colapso

pode levar a disputa política e rebelião. Como

ceram as cooperativas, o conceito de bem-co-

da Zona do Euro ou depressão mundial?

uma resposta criativa e inovadora para a crise,

mum* e a democracia direta. Eles oferecem o

os movimentos interconectados de protesto,

que é mais necessário: iniciativa e esperança.

instituições brasileiras (UNB, Uffpe, UFRJ, Iuperj); professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Politicos (Iesp) na Uerj; membro do Conselho Editorial de “Revue du Mauss, Sociological Theory e European Journal of Social Theory”. http://frederic.iesp.uerj.br/

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

25


Graduação

Uma pedagogia da angústia no ensino jurídico Marcos Vinício Chein Feres*

F

az algum tempo, percebi que ensinar o

da forma de apresentá-los e de discuti-los com

tendo por inspiração a obra de MacCormick

Direito

mais

os alunos. Não basta ensinar, com imparcial

(“Institutions of Law”).

desafiadoras formas de se ver a

indiferença, um mundo de informações sobre

sociedade em que vivemos. No entanto, para

direito civil, penal, constitucional etc., cujo

O papel convencional do professor-palestrante

vivenciar esse novo modo de ensinar, foi

resultado

e

resta diminuído. Porém, sua presença se

preciso abandonar a zona de conforto em que

memorização de estruturas jurídicas, as quais

destaca pelo modo como escolhe as mídias;

me encontrava como professor de Direito

serão, após algum tempo, esquecidas.

como

pode

ser

uma

das

final

é

uma

reprodução

Econômico. Com o objetivo de rever meus

conduz

o

debate

em

sala,

após

apresentação da mídia; como prepara os

conceitos, não só sobre o que é o direito, mas

Por isso, foi preciso construir um plano de

textos prévios de sua autoria disponibilizados

também sobre como ensiná-lo, resolvi lançar-

ensino com uma proposta pedagógica mais

na

me a um projeto desafiador: reconstruir tanto

crítica sobre o conceito, a função e as

questões envolvendo o texto-base e a mídia e,

o conteúdo quanto a metodologia de ensino

estruturas fundamentais do direito (regulação

por fim, como, ao fim da aula presencial, é

das “Instituições de Direito”, disciplina essa

econômica,

capaz de sintetizar conteúdos e críticas

voltada originariamente para vários cursos de

Constitucional, direitos humanos, o conceito

Ciências Sociais Aplicadas, cujo conteúdo

de pessoa, a lógica da responsabilidade

consistia numa miríade de categorias jurídicas

jurídica, a relação entre direito e moral etc.),

Hoje, apesar de já ter vivenciado alguma

que passavam pelo direito público e pelo

apresentados por meio de tecnologias não

experiência na prática dessa metodologia na

direito privado.

convencionais: mídias e internet. O curso tem

UFJF, ainda me encontro, segundo Bankowski,

por alvo preparar o aluno para lidar com

“num lugar de angústia” para quem deseja o

Repensar a disciplina “Instituições” significa

disciplinas

como

melhor para o aluno de Instituições. Questiono-

refletir sobre quais são os objetivos a serem

Introdução ao Direito e disciplinas dogmáticas

me, todavia, se não foi essa a minha escolha

alcançados com o ensino de categorias

como Direito Civil, Penal etc. A ideia de revisitar

primordial: viver plenamente essa angústia na

jurídicas para universitários. Tal processo de

a estrutura da disciplina “Instituições” consistia

sala de aula, na qual conflitos e dificuldades

reflexão exige do educador uma visão crítica,

na possibilidade de criar um espaço crítico de

são o espelho da vida, da sociedade e do

não só dos conceitos jurídicos, mas também

discussões sobre os fundamentos do direito,

mundo em que vivemos.

criminalidade,

teórico-propedêuticas

Estado

plataforma

“moodle”;

elabora

essenciais ao tema.

* Mestre e doutor em Direito; professor associado e diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

26 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013

como


I N I C IA Ç ÃO C IE N T ÍFICA Foto: Marcelo Viridiano

Petianos da Engenharia Elétrica com o tutor Francisco Gomes (ao centro)

Grupos PETs da UFJF completam 20 anos de conquistas acadêmicas Alice Bettencourt e Franciane Moraes*

O

Programa

Tutorial

O PET Elétrica está, desde 1991, sob a tutoria

propõem discussões com pouco espaço nas

(PET) é voltado para a formação de

de

de Francisco Gomes, que segue a diretriz de

salas de aula, como as relações da Comunicação

alta

de

desenvolver profissionais de visão diferenciada:

com a Psicanálise ou com a Política. Para o

Instituições de Ensino Superior. Criado pelo

“Tentamos uma formação ampla, não de um

petiano Cícero Villela, são oportunidades para

Ministério da Educação (MEC) em 1979,

mero técnico altamente qualificado, mas com

aprofundar conceitos e discussões: “Minha

envolve grupos de diversas áreas por meio de

uma visão cidadã da sociedade e dos impactos

vontade sempre foi ser professor universitário

4.274 alunos bolsistas, os petianos, orientados

de sua atividade”. Para o engenheiro da

e posso dizer que o PET me preparou para isso

por 400 professores tutores, atuando em

Eletrobras e ex-bolsista Carlos Aparecido

de uma forma única”. Para Letícia Perani, ex-

pesquisas

ensino

Ferreira, o ponto forte do grupo é a atenção

bolsista, o PET Facom habilita o aluno para a

complementares ao conteúdo curricular e

para problemas atuais: “Sempre me lembro de

excelência, seja na academia ou no mercado.

projetos de extensão.

um estudo que o tutor me pediu sobre a crise

“Encontrei condições ideais para a minha

de energia de 2001, pois, até hoje, discuto

formação: excelentes professores orientadores,

A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

questões

ingênua

atividades variadas, complexas e desafiadoras,

conta com seis grupos, sendo os PETs da

apresentação com os colegas da Eletrobras e

e colegas inteligentes e instigantes.” Segundo

Engenharia Elétrica e da Comunicação os

do setor elétrico brasileiro”. Arthur Reis, atual

o tutor, professor doutor Francisco Pimenta,

mais antigos, criados, respectivamente, em

bolsista, destaca que “inúmeras portas foram

outra vantagem do grupo é o fato de os

novembro de 1991 e em março de 1992. “Houve

abertas, mudando meu rumo na graduação”.

bolsistas terem autonomia sobre sua pesquisa

um longo período em que o programa não

Reis foi um dos que fizeram intercâmbio na

e poderem escolher dentre os diversos projetos

lançou editais, por isso, ficamos apenas com

Suécia a partir do doutoramento da ex-petiana

de extensão ou propor novos, como jornalismo,

dois

foram

Janaína Gonçalves e dos resultados alcançados

cinema, internet ou assessoria de imprensa.

reabertos”, diz o tutor do PET Elétrica,

na Uppsala University pelos demais bolsistas.

qualidade

científicas,

grupos

Educação

até

para

práticas

2009,

alunos

de

quando

daquela

aparentemente

professor doutor Francisco Gomes. A partir daí, foram criados os grupos de Psicologia,

O grupo da Faculdade de Comunicação

Odontologia, Engenharia Civil e Educação

(Facom) também completou 20 anos e se

Física e, desde 2008, a Universidade mantém

destaca, além de suas atividades de extensão e

oito Grupos de Educação Tutorial (GETs), com

pesquisas, pelos módulos de ensino. Abertos

funcionamento semelhante.

para a graduação, os módulos semanais

* Bolsistas do Programa de Educação Tutorial da Faculdade de Comunicação (PET Facom)

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

27


P E S QUISA

Foto: Marcelo Viridiano

UFJF desenvolve soluções em Engenharia Elétrica para pesquisas com a partícula de Higgs Com projetos coordenados pelo professor Augusto Cerqueira (foto), instituição se torna uma das quatro do Brasil a participar do maior experimento do Cern CAROLINA NALON Repórter

C

ientistas estão bem perto de confir-

clear (Cern) indicando a descoberta. Esta é a

ria era formada por eles, mas ainda não era

mar definitivamente a existência do

maior contribuição da física para o entendi-

possível identificar sua estrutura. Ao longo do

bóson de Higgs ou da partícula de

mento sobre a formação da massa das partícu-

século XX, pesquisadores foram comprovando

Deus - até a publicação desta revista talvez já

las ou, em outras palavras, da origem do uni-

a presença dos elétrons, prótons, nêutrons e,

o tenham conseguido. Novos resultados, ainda

verso.

mais tarde, de outras partículas subatômicas

mais significativos do que os anunciados em

elementares. Hoje, pelo modelo padrão, há 16.

julho de 2012, foram divulgados pelos pesqui-

Até o fim do século XIX, a ciência não conhecia

“O maior objetivo na busca pelo Higgs (a 17ª) é

sadores do Centro Europeu de Pesquisa Nu-

muito além dos átomos. Sabia-se que a maté-

comprovar a teoria proposta pelo modelo pa-

28 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


P E SQ UISA drão, mostrando como as partículas adquiri-

Na ocasião, o físico britânico Peter Higgs, que

por ano, devido aos altos níveis de radiação. E,

ram massa para a formação do universo”, ex-

previu a existência da partícula, em 1960, ficou

por isso, é importante a equipe estar sempre

plica o professor do Departamento de Enge-

surpreso por ainda estar vivo, aos 83 anos,

criando ferramentas cada vez mais rápidas e

nharia Elétrica da Universidade Federal de Juiz

para ouvir o anúncio.

eficientes para os reparos de manutenção,

de Fora (UFJF), Augusto Santiago Cerqueira. A

possibilitando o bom desempenho da estrutu-

instituição é uma das quatro integrantes do

A relevância do resultado é atestada por um

ra no ano seguinte. Durante sua estadia no

único grupo brasileiro ligado ao Atlas, o maior

método estatístico que mede o desvio dentro

Cern, Schettino desenvolveu um novo sistema,

dos experimentos do Cern.

de um padrão esperado. Se o desvio é grande,

conhecido como Mobidick, o qual ajudará na

algo foi descoberto. Se pequeno, é entendido

manutenção do TileCal, um dos detectores uti-

Para se chegar a esse resultado definitivo, é

apenas como uma flutuação aleatória dos da-

lizados no Atlas para absorver e medir, após as

preciso acelerar e colidir as partículas funda-

dos. Assim, para os físicos, um resultado na

colisões, as energias das partículas hadrônicas

mentais já conhecidas. De maneira simplifica-

faixa de até dois sigma (unidade de medida do

depositadas em seus milhares de canais de

da, o processo acontece da seguinte forma:

método) não é significante. Acima de três,

leitura. “Existem planos de melhorias contínuas

dois feixes cheios de prótons são acelerados

pode ser considerado como prova, e, de cinco

no detector até 2021, permitindo que ele man-

por campos elétricos e curvados por campos

em diante, uma descoberta. A publicação da

tenha sempre uma performance de ponta.

magnéticos, em sentidos opostos, dentro de

descoberta da massa do Higgs, no dia 4 de ju-

Trabalhamos para que o Mobidick esteja pre-

um tubo de trajetória circular. Percorrendo o

lho, estava na faixa do cinco sigma, e o mais

parado para todas estas futuras etapas de up-

tubo, eles ganham velocidade até que, em de-

recente anúncio, feito em 1º de agosto de 2012,

grade.” Em 2022, o centro deverá substituir

terminado ponto, são postos frente a frente.

em 5,9. “Conforme o LHC vai rodando, é natu-

toda a parte eletrônica utilizada atualmente no

Nesse encontro, alguns prótons poderão coli-

ral obtermos resultados cada vez mais fortes

LHC.

dir, transformando-se em outras partículas ou,

nos experimentos”, diz Cerqueira. Para ele, as

como preferem os cientistas, decaindo. Um

notícias sinalizam o sucesso do investimento e

Outro projeto do professor Augusto Cerqueira,

dos decaimentos do Higgs resulta em quatro

do esforço científico aplicado durante mais de

desenvolvido pelo doutorando Davis Barbosa,

elétrons (um par e+ e outro e-). Quando obser-

20 anos de pesquisa. “O LHC começou a ser

estuda modelos computacionais capazes de

vados esses quatro elétrons, os cientistas re-

imaginado no final da década de 1980 e foi

aprimorar o desempenho do sistema de filtra-

criam o momento imediatamente após a coli-

necessário desenvolver tecnologia de altíssimo

gem on-line do Atlas. Atualmente, 20 milhões

são dos prótons na tentativa de detectar a

nível para se chegar a este estágio de hoje.”

de colisões acontecem a cada segundo e a

nova partícula.

maior parte dos eventos é considerada ruído

Elétrica como ponto forte “O maior objetivo na busca pelo Higgs é comprovar a teoria proposta pelo modelo padrão, mostrando como as partículas adquiriram massa para a formação do universo” (Augusto Cerqueira)

O grupo brasileiro com pesquisas no Cern é formado pela Universidade de São Paulo (USP) e as federais de Juiz de Fora, Rio de Janeiro e São João Del Rei. Elas atuam no experimento Atlas, contribuindo nas suas respectivas áreas de excelência. A da UFJF é a Engenharia Elétrica. Estudantes da graduação ao doutorado e professores do curso compõem uma equipe de 13 pessoas engajada em propor soluções e melhorias para os diversos mecanismos envolvidos na detecção das colisões próton-próton e na filtragem de dados pelo Atlas. Para promover a interface entre a UFJF e o

O maior acelerador de partículas já construído está em funcionamento, desde 2009, no Cern, a 175 metros abaixo do solo, na fronteira entre a Suíça e a França, perto da cidade de Genebra. O tubo do Grande Colisor de Hádrons (LHC), como é chamado, tem 27 quilômetros de extensão e acelera prótons a uma velocidade nunca antes vista. Nele estão dispostas quatro imensas estruturas de pesquisa, chamadas de detectores, onde os experimentos são feitos. Os dois detectores mais importantes, o Atlas e o CMS, anunciaram, em julho de 2012, que a massa do bóson de Higgs estaria na casa dos 126 GeV – unidade de medida de energia.

centro europeu, Cerqueira mantém dois de

de fundo do experimento, desta forma, é indispensável o uso de algoritmos avançados para selecionar o que deve ser salvo ou não. “Hoje, para não desperdiçarmos as chances de encontrar resultados compatíveis com o que buscamos, aceitamos muitos dados inúteis, sobrecarregando os sistemas de armazenamento”, explica o docente. Todo processamento e armazenamento de dados provenientes do LHC é feito de forma off-line por meio de uma infraestrutura global de computação chamada Grid. Por ano, mais de um milhão de gigabytes em informação são gerados e, por isso, a capacidade de armazenamento e processamento do Grid é um grande desafio.

Projeto de referência

seus orientandos em Genebra (Suíça), além de fazer, de forma virtual, reuniões para atualiza-

A UFJF começou o trabalho no experimento

ção do andamento das pesquisas e apresenta-

Atlas a partir do doutorado de Cerqueira, con-

ção de resultados. Os trabalhos coordenados

cluído em 2002, na Universidade Federal do

por ele se concentram nas técnicas de proces-

Rio de Janeiro (UFRJ). A área de pós-gradua-

samento digital de sinais, no desenvolvimento

ção e pesquisa em Engenharia da instituição

de inteligência computacional e na parte ele-

fluminense tem uma longa história de colabo-

trônica do Calorímetro Hadrônico de Telhas

ração com o Cern, o que levou o pesquisador

(TileCal).

por esse caminho. Em sua tese, orientada pelo professor José Manoel de Seixas, Cerqueira

O mestrando Vinícius Schettino passou um

criou um circuito conhecido como Trigger Bo-

ano no Cern e explica que o acesso à “caverna”

ard ou Somador. Esse dispositivo foi produzido

do Atlas é restrito a apenas algumas semanas

em larga escala e constitui uma importante

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

29


P E S QUISA parte eletrônica do TileCal. A função dessa pla-

para um objetivo comum. E não poderia ser

ca é somar os sinais de várias células, permitin-

diferente. É um experimento fantástico, de ex-

do reduzir a quantidade de informação a ser

trema complexidade e que lida com as mais

enviada para uma primeira análise, imediata-

diversas áreas de engenharia e física.” Ilustração: Cern

mente após cada colisão. Sem esse dispositivo, o Atlas não seria capaz de processar on-line toda a informação proveniente do TileCal. “Fazer parte de um experimento como esse nos dá grande motivação, algo que poucos projetos são capazes de proporcionar”. Segundo Cerqueira, a intenção é manter a produtividade do grupo com publicações, teses e dissertações. Os trabalhos não só resultam em mais conhecimento científico, mas também podem se transformar em inovações. “Como as soluções desenvolvidas para o Atlas são de alto valor tecnológico, elas podem vir a ser empregadas pela engenharia em outros setores da indústria.” Para Schettino, cuja dissertação trará o detalhamento do sistema Mobidick, o aprendizado sobre trabalho em grupo é uma das mais importantes experiências possibilitadas pelo Cern. “É uma colaboração gigantesca, formada por milhares de pessoas trabalhando

Do fundamento à prática No roteiro de uma das séries americanas de maior sucesso

fundamental”. No entanto, sabe que buscar explicações e

da atualidade questões do mundo científico surgem em

entender melhor a natureza é algo essencial para a série

tom de comédia. Em “The Big Band Theory”, veiculada

humana. “Sem isso, o progresso para.”

no Brasil pelo canal Warner, o personagem Sheldon

Na pesquisa do Higgs, cientistas estão perto não só de

Copper, físico teórico, ironiza o trabalho dos colegas das

reproduzir alguns processos que aconteceram na época

ciências aplicadas por entender que esta não passa de um

do Big Bang, mas também de confirmar a validade do

desdobramento secundário e sem valor da ciência mãe de

modelo padrão. Decifrado por Kibble, Englert e Higgs em

todas as outras. Ao colocar a teoria no mais alto patamar

1961, o esquema de “mecanismo de Higgs” se fecha em

da hierarquia científica, pode-se dizer que Sheldon reverte

17 partículas elementares cujas equações não apresentam

o senso comum, aquele acostumado a perguntar “mas

qualquer inconsistência matemática, diferentemente do

para quê isso serve?”

que havia sido proposto por estudos anteriores. Assim

Talvez essa tenha sido a pergunta na cabeça de muitos

a física de altas energias mostra que esteve no caminho

dos leitores desta matéria. E não poderia ser diferente.

certo durante as últimas cinco décadas.

É absolutamente natural que as pessoas queiram ver o conhecimento se transformar em coisas práticas,

E, apesar de provavelmente não haver outras aplicações

inovações e produtos. Para o físico teórico do mundo real,

para o Higgs, os esforços do Cern em construir

o professor da UFJF Ilya Shapiro, “é impossível mudar isso,

equipamentos para o projeto permitiram

e não se precisa tentar”. Na contramão do pensamento do

descobertas mais importantes da contemporaneidade: o

personagem, Shapiro não gostaria de “viver num mundo

modelo www para a internet.

uma das

onde todos ou a maioria estão preocupados com ciência

mais

Augusto Santiago Cerqueira Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; professor adjunto e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Juiz de Fora; experiência na área de eletrônica e processamento de sinais. de Chimie Des Substances Naturelles. Atualmente é professor associado da UFJF. augusto.santiago@ufjf.edu.br http://lattes.cnpq.br/3648221859200471

30 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


M EIO AMBIE N T E

Diagnóstico para nortear ações ambientais

Professores da Pós-Graduação em Ecologia e do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF participam da elaboração de relatório que avalia informações científicas sobre os aspectos relevantes das mudanças climáticas no Brasil FLÁVIA LOPES Repórter

A

interferência

das

ações

humanas

enchentes e deslizamentos de encostas.”

sobre o ambiente está atingindo magnitude sem precedentes e há

O professor e coordenador do Programa

fortes indícios de que ela esteja prejudicando

de Pós-Graduação em Ecologia (PPGEcol)

o funcionamento natural do sistema climático.

da

Diante desse cenário, são necessárias reflexões

para os eventos extremos decorrentes das

sobre as causas das mudanças climáticas, seus

mudanças climáticas. “A mudança no regime

impactos ambientais e socioeconômicos e as

de

possíveis soluções, para embasar as políticas

frequência de seca e chuvas concentradas,

públicas a serem tomadas neste sentido. Para

como as que ocorreram, nos últimos anos,

isso, foi criado o Painel Brasileiro de Mudanças

na região Serrana do Rio de Janeiro, em

Climáticas

Alagoas e em Santa Catarina.” Para ele, o

(PBMC),

organismo

científico

precipitações

Roland,

tem

também

alerta

ocasionado

maior

principal passo para reduzir os efeitos desses

sintetizar e avaliar informações científicas

impactos é a formação de recursos humanos e

sobre os aspectos relevantes das mudanças

investimentos em pesquisas. “As universidades

climáticas no Brasil a partir da publicação

e centros de formação técnica precisam

de Relatórios de Avaliação Nacional. Um

investir na formação específica de pessoas

dos resultados do PBMC é o Volume 1 do

para enfrentar as mudanças climáticas que

Primeiro Relatório de Avaliação Nacional,

o país e todo o mundo estão vivenciando.”

que tem a participação de dois professores

O professor contribuiu para a elaboração do

da Universidade Federal de Juiz de Fora

subcapítulo “Ciclos biogeoquímicos, biomas e

(UFJF), Aline Sarmento Procópio e Fabio

sistemas hídricos” do relatório.

que

tem

como

objetivo

Roland. O documento foi lançado em junho de 2012, durante a programação da conferência internacional Rio+20.

A professora do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF e uma das convidadas a atuar como autora colaboradora

a

do documento, Aline Sarmento Procópio,

vulnerabilidade da Amazônia, do Nordeste

aponta as regiões da Amazônia, da Caatinga

e das áreas urbanas do Brasil diante dos

e do Cerrado como as mais vulneráveis às

efeitos do aquecimento global projetado para

modificações

os próximos 90 anos (ver quadro na página

podem

32). O climatologista Tercio Ambrizzi, da

biomas, e ainda que não se tenha com extrema

Universidade de São Paulo (USP) e um dos

precisão seus valores absolutos, é certo que

autores do relatório, chama a atenção para a

elas levarão a uma cadeia de outros eventos

vulnerabilidade das áreas urbanas brasileiras,

indesejados.” Aline atuou na elaboração do

principalmente, as com mais de um milhão

subcapítulo sobre “Forçante radiativa natural

de habitantes, diante das mudanças nos

e antrópica”, que discute o papel da ação

padrões de chuva. “A acelerada urbanização

humana e de causas naturais no balanço de

nas últimas décadas não foi acompanhada

radiação solar: o que impactará na temperatura

dos

da atmosfera, nos ciclos hidrológicos entre

O Foto: Marcelo Viridiano

Fabio

reunir,

nacional

Aline Sarmento Procópio aponta as regiões da Amazônia, da Caatinga e do Cerrado como as mais vulneráveis às modificações climáticas

UFJF,

estudo

alerta,

correspondentes

sobretudo,

para

investimentos

em

infraestrutura. Por conta disso, as cidades estão especialmente fragilizadas diante da ocorrência de chuvas intensas, causadoras de

climáticas.

comprometer

o

“Essas

alterações

equilíbrio

desses

outros fenômenos. Segundo

a

pesquisadora,

as

forçantes

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

31


ME IO AM BIENT E radiativas, expressam, se positivas, o fluxo

a superfície terrestre e aquecem a atmosfera.

de calor injetado por um agente no sistema

“Há outros tópicos, porém, que ainda precisam

atmosférico (aquecimento), e se negativas, o

ser adequadamente estudados e quantificados

fluxo retirado do sistema (resfriamento). Ela

na Amazônia, como o efeito indireto dos

destaca que, no Brasil, não foram encontrados

aerossóis, por exemplo, e nas outras regiões

O grande mérito do Painel Brasileiro de

na bibliografia forçantes devido a aerossóis

do país, como a avaliação das forçantes

Mudanças Climáticas (PBMC), na avaliação

urbanos, de poeira do solo ou devido a trilhas

antrópicas em áreas urbanas.”

da presidente do Comitê Científico, Suzana

de

condensação

formadas

pelos

aviões,

padrões de chuva do Brasil.”

Políticas públicas

Kahn, é a aproximação entre ciência e política

apontando a necessidade de mais estudos

Para o físico do Instituto de Física da

nessa área do conhecimento. “Percebeu-se

Universidade de São Paulo (USP) e um dos

que os efeitos mais significativos no Brasil

revisores do volume 1 do relatório, Paulo

são os oriundos das queimadas na Amazônia,

Artaxo, ainda há lacunas referentes ao papel

seja pelo efeito radiativo direto ou indireto

dos oceanos sobre a regulação do clima. “Não

dos aerossóis, das nuvens, dos gases de

está claro, por exemplo, como eles podem

efeito estufa e pela mudança de uso do solo.”

impactar os eventos El

Niño (fenômeno

Para o secretário de Políticas e Programas

Ainda de acordo com Aline, é consenso que

de aquecimento) e La Niña (fenômeno de

de Desenvolvimento do Ministério da Ciência

os aerossóis de queima de biomassa resfriam

resfriamento) das águas do Oceano Pacífico

e Tecnologia e Inovação e atual presidente

Tropical, Mata Atlântica O bioma abrange áreas do Sul ao Nordeste, com duas situações. No NE, leve aumento na temperatura (0,5ºC a 1ºC) e redução de 10% no índice pluviométrico até 2040. No período seguinte, aquecimento entre 2ºC e 3ºC e redução de chuvas entre 20% e 25%. No final do século, aumento entre 3ºC e 4ºC e redução de 30% a 35% nas chuvas. No Sul/Sudeste, a projeção até 2040 é de alta entre 0,5ºC a 1ºC e aumento das chuvas entre 5% a 15%. No período seguinte, a previsão é de mais calor (1,5ºC a 2ºC) e crescimento dos índices pluviométricos (15% a 20%). No final do século, mais chuvas, com aumento de 25% a 30% e alta de temperatura entre 2,5ºC e 3ºC

mais

que

têm

grande

influência

pública. “É importante que a ciência dê suporte ao estabelecimento de políticas públicas. Essa é uma das ideias do PBMC: olhar mais próximo de nossa realidade e contribuir para o painel internacional.”

nos

Amazônia Para o período compreendido entre 2011 e 2040 é prevista redução de 10% na distribuição de chuvas na região, além de aumento de temperatura entre 1ºC a 1,5ºC. Entre 2041 e 2070, a previsão é de que haja redução entre 25% e 30% nas chuvas da região e aumento de temperatura de 3ºC a 3,5ºC. Já no final do século (entre 2071 e 2100), projeta-se um clima ainda mais seco (com redução de 40% a 45% das chuvas) e mais quente (alta de 5ºC a 6ºC). Caso as previsões se confirmem, tais mudanças poderão comprometer o bioma da floresta amazônica. Essas projeções levam em consideração apenas as concentrações de gases de efeito estufa, sem avaliar o desmatamento da região

Pantanal Projeção de aumento de 1ºC na temperatura e queda entre 5% e 15% nos padrões de chuva até 2040. Para o período seguinte (2021 a 2070), redução das precipitações entre 10% e 25% e crescimento da temperatura de 2,5ºC e 3ºC. Já entre 2071 e 2100, projeta-se intensificação do aquecimento (entre 3,5ºC e 4,5ºC) e redução acentuada das chuvas (35% e 45%)

Aline Sarmento Procópio Graduação em Engenharia Civil pela UFJF (1996); mestrado em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000); doutorado em Meteorologia pela Universidade de São Paulo (2005); professora adjunta no Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF; experiência nas áreas de Engenharia, com ênfase em Ciências Atmosféricas, atuando principalmente nos seguintes temas: Poluição Atmosférica, Sensoriamento Remoto, Monitoramento Ambiental, Radiação Atmosférica. Currículo lattes: bit.ly/A3_lattesAlineProcopio

32 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


M EIO AMBIE N T E do Conselho Diretor do PBMC, Carlos Nobre,

integrada do conhecimento produzido no

publicação do segundo e terceiro volumes está

o principal desafio foi chegar ao estado da

Brasil ou no exterior, sobre causas, efeitos

prevista para ocorrer em outubro deste ano.

arte do conhecimento científico, olhando

e

para dentro do Brasil. “Estamos realizando

climáticas e seus impactos, de importância

Para Aline, o maior ganho do primeiro relatório

um grande esforço, reunindo mais de 300

para o país. As informações serão divulgadas

nacional é mostrar o estado da arte sobre as

pesquisadores brasileiros nos três volumes.

por meio da elaboração e publicação periódica

mudanças climáticas no Brasil. “Apesar das

Este

uma

de Relatórios de Avaliação Nacional, Relatórios

incertezas existentes nas simulações climáticas,

série de políticas públicas na direção do

Técnicos, Sumários para Tomadores de Decisão

as análises regionais tendem a ser mais

desenvolvimento sustentável.”

sobre

precisas, e a compilação de estudos recentes

trabalho

está

alimentando

Mudanças

Climáticas

às

e

mudanças

Relatórios

no país é uma contribuição importante para o conhecimento científico. A identificação

O PBMC foi estabelecido, nos moldes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês). Sua função é disponibilizar técnico-científicas

relacionadas

Especiais sobre temas específicos.

Nos moldes do IPCC

informações

projeções

sobre

O Volume 1 do Primeiro Relatório de Avaliação

de lacunas e incertezas nos estudos também

Nacional (RAN1) é resultado do trabalho

é de extrema valia, pois aponta o rumo a

voluntário de mais de 150 autores, tendo

ser seguido nas futuras pesquisas, além de

como principal objetivo a avaliação dos

mostrar a necessidade de ampliação da rede

aspectos científicos do sistema climático e de

de observação no país.”

mudanças climáticas a partir de avaliação

suas mudanças observadas e projetadas. A

Pampa Até 2040 o tempo poderá ficar 1ºC mais quente e entre 5% e 10% mais chuvoso. No período seguinte, a tendência de aquecimento ficará entre 1ºC e 1,5ºC, com intensificação das chuvas entre 15% e 20%. No final do século, as projeções se agravam, com aumento de temperatura entre 2,5ºC e 3ºC e intensificação das chuvas entre 35% e 40%

Cerrado O relatório prevê aumento de 1ºC na temperatura, com redução de 10% a 20% nas chuvas até 2040. Entre 2041 e 2070, espera-se aumento entre 3ºC e 3,5ºC na temperatura e queda das precipitações entre 20% e 35%. Nas últimas décadas do século (2071 a 2100), o aumento de temperatura poderá ficar entre 5ºC e 5,5ºC, com redução entre 35% e 45%

Caatinga O documento aponta, no período entre 2011 e 2040, aumento de 0,5ºC e 1ºC na temperatura e redução de 10% a 20% no volume de chuvas. Entre 2041 e 2070, a projeção é de crescimento de 1,5ºC a 2,5ºC na região, com decréscimo de 25% a 35% nos padrões de chuva. No final do século (2071 a 2100), o relatório aponta aumento significativo do calor (entre 3,5ºC e 4,5ºC nas médias) e agravamento da seca no Nordeste, com chuvas caindo praticamente pela metade

Fabio Roland Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (1987); mestrado (1991) e doutorado (1995) em Ecologia e Recursos Naturais pela mesma universidade; entre 1996 e 1998, foi pesquisador pos-doc no Institute of Ecosystem Studies, nos EUA; desde 1992, atua como docente da UFJF; atualmente é professor associado 3 na UFJF, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PGEcol), orientador neste programa e professor de Ecologia no Curso de Graduação em Ciências Biológicas; desenvolve pesquisas ecológicas, com ênfase em limnologia, atuando principalmente nas fronteiras entre ecologia de ecossistemas, biogeoquímica e desenvolvimento de métodos, focando mudanças ambientais Currículo lattes: bit.ly/A3_lattesFabioRoland Veja o conteúdo completo do Volume 1 do Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC): bit.ly/A3_ RelatorioPBMC Confira o artigo do professor na revista Nature: bit.ly/A3_ArtigoNature A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

33


P E S QUISA

A luta da ciência contra os efeitos do tempo De olho na inovação, pesquisadores da UFJF investem em novas tecnologias para suprir demandas do setor de cosméticos, um dos mercados que mais cresce no mundo. Utilizando óleos de plantas brasileiras e nanomoléculas, tentam desvendar o segredo do rejuvenescimento

BÁRBARA DUQUE Repórter

Foto: Marcelo Viridiano

34 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


P E SQ UISA

A

democratização do consumo aliada

de Pesquisa e Inovação em Ciências da Saúde

Ferreira. Contribuiu também para o processo

ao desenvolvimento tecnológico são

da Universidade Federal de Juiz de Fora

o pesquisador da Embrapa Gado de Leite,

os principais fatores verificados pelos

(UFJF)”, diz a pesquisadora e coordenadora

Humberto de Mello Brandão.

especialistas para o elevado crescimento da

do núcleo, Nádia Raposo. “Nosso trabalho é

indústria de produtos cosméticos nos últimos

feito em rede, nossas pesquisas envolvem um

Alterações da coloração da pele são uma

anos. Segundo estimativas do Euromonitor,

grande número de pessoas, entre alunos de

preocupação constante entre a população.

instituto

em

iniciação científica, pós-graduação, incluindo

As hipercromias ou hiperpigmentações

estratégia para os mercados consumidores,

mestrado e doutorado, professores e técnicos

a terceira causa de problema dermatológico

o Brasil deverá ter, até 2013, o consumo

de outros laboratórios da Universidade e

com ocorrência em latinos. Envelhecimento,

per capita três vezes maior do que a média

mesmo de outros centros de pesquisa. É uma

gravidez, distúrbios endócrinos, tratamento

mundial. O crescimento médio do setor no

construção coletiva, sem atores principais.

com hormônios e exposição ao sol, em

país em 2010 foi de 10% e em 2011 estimado

Nosso laboratório já depositou dez patentes,

diferentes graus, são os principais motivos

em 30%. Esses números são animadores para

sendo sete delas feitas por alunos.”

dessas

líder

mundial

em

pesquisa

demanda cada vez mais produtos de alta qualidade e com fatores inovadores. A investigação científica e tecnológica tem se concentrado em minimizar as deficiências dos

produtos

que

estão

no

mercado,

apresentando alternativas para os profissionais especialistas em estética. O mercado brasileiro de cosmético é o terceiro maior do mundo, com um faturamento líquido médio de R$ 21,7 bilhões, ficando atrás somente dos Estados Unidos (EUA) e do Japão. Em produtos para a pele, estamos hoje em sexto lugar.

Com

o

aquecimento

global a tendência são verões mais quentes

a indústria e representam um grande desafio para a pesquisa, já que o mercado exigente

ocorrências.

são

“Atender às demandas do mercado, transformando a pesquisa em algo que seja útil à sociedade é o principal foco do Núcleo de Pesquisa e Inovação em Ciências da Saúde da UFJF” (Nádia Raposo - coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Inovação em Ciências da Saúde/ UFJF)

e prolongados e, com isso, as pessoas ficam mais suscetíveis ao aparecimento de manchas faciais.

Produto inovador O Skin Whitening é um produto baseado em nanotecnologia. A associação de dois poderosos princípios ativos, um de origem natural e outro sintético, lhe dá vantagens competitivas sustentáveis. Uma nanocápsula de

óleo

essencial

da

biodiversidade

brasileira, com propriedades farmacológicas complementares, transportadora

envolve de

e

serve

como

partículas

com

ativos

A ciência dos cosméticos já é a campeã de

Mostra disso foi o trabalho desenvolvido

patentes na França há dez anos e no Brasil esse

antioxidantes e despigmentantes sintetizadas

em parceria com o pesquisador e professor

crescimento também é acelerado. Verificando

no Laboratório de Química da UFJF.

do

um enorme potencial do setor, universidades

Adilson David Silva. O Skin Whitening Nano

As nanocápsulas, por terem um tamanho

e centros de pesquisas nacionais se dedicam

Complex é um produto inovador, por sua ação

subcelular, permitem que as moléculas sejam

cada

de

diferenciada e comprovadamente mais eficaz,

levadas até as camadas mais profundas da

produtos inovadores utilizando alta tecnologia.

com atividade despigmentante e antioxidante.

pele. “As cápsulas também protegem os ativos,

Novas descobertas moleculares e a utilização

Além dos pesquisadores, estão envolvidos na

liberando-os de forma controlada e constante,

de recursos como a nanotecnologia são os

vez

mais

ao

desenvolvimento

Departamento

de

Química

da

UFJF,

concepção os alunos da UFJF, Larissa Lavorato

atingindo

maiores investimentos para colocar o país na

Lima, graduanda em Química; Juliana Alves

prolongado. Com isso, tem maior eficácia,

liderança do setor mundial.

dos Santos, doutoranda em Química; Annelisa

durando de duas a três horas, bem mais do

Farah

Ciências

que os produtos concorrentes. Dessa forma,

Zimmermann,

é suficiente uma dosagem menor, diminuindo

Laboratório de patentes

da

Biológicas;

Silva,

doutoranda

Danielle

Cristina

em

uma

área

maior

com

efeito

mestranda em Ciências Farmacêuticas; e Paula

bastante o valor do produto final”, explica

mercado,

Rafaela Rocha, graduanda em Farmácia; além

Nádia, que concebeu o produto. Além de

transformando a pesquisa em algo que seja

da doutoranda em Ciências (Fisiopatologia

despigmentante, o Skin Whitening apresentou

útil à sociedade é o principal foco do Núcleo

Experimental)

em seus testes baixa toxidade e irritação da

“Atender

às

demandas

do

pela

USP,

Aline

Siqueira

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

35


P E S QUISA

pele e menores riscos de fotossensibilidade. Suas características farmacêuticas protegem as partículas da ação do oxigênio, da umidade, de microelementos e peróxidos.

Revolução nanotecnológica Foi em um dos encontros anuais da Sociedade Americana de Física, em 1959, realizada no

A sinergia entre os dois ativos já passou por diversos testes laboratoriais, todos de acordo com as agências regulatórias. Com os resultados, ficou comprovada sua eficiência, maior estabilidade, ação duradoura, baixas toxidade e irritabilidade, o que faz dele um produto competitivo para o mercado de cosméticos. Outra vantagem detectada com os testes é sua fácil incorporação em formulações

Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), que o físico Richard Feynman apresentou, pela primeira vez, o conceito de nanotecnologia. A proposta consistia na manipulação da matéria em escala atômica, materiais com propriedades novas, formados a partir de átomos como se fossem tijolos. A partir daí, muitas descobertas seriam realizadas com a obtenção de materiais em escala atômica e molecular.

cosméticas, podendo servir como base de uma plataforma de produtos, o que o torna ainda mais apropriado para a comercialização. Atualmente, o produto está em fase de negociação

com

transferência

da

uma

indústria

tecnologia.

para

a

foram

registradas duas patentes e estão sendo realizados os ensaios clínicos. A patente final do produto já foi requerida e o próximo passo é conseguir o registro pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Não existe hoje no mercado um despigmentante

representar

uma

revolução.

As

nanoestruturas são verdadeiros reservatórios que controlam a profundidade de penetração do cosmético na pele e a velocidade com que o ativo será liberado. Esta liberação gradual faz com que o ativo não atinja limites tóxicos e permite um fornecimento constante do produto às diferentes camadas da pele. Quando as moléculas dos princípios ativos possuem

tamanhos

maiores,

elas

atuam

somente na superfície da pele. A consequência dessa nova forma de ação é uma maior eficácia com menores doses. A nanotecnologia é apontada por muitos como uma oportunidade para o Brasil aumentar de forma expressiva

Alterações da coloração da pele são uma preocupação constante entre a população. As hipercromias ou hiperpigmentações são a terceira causa de problema dermatológico com ocorrência em latinos

e antioxidante com estes ativos que utilize os benefícios da nanotecnologia.

pudesse

sua competitividade tecnológica no mercado mundial.

Equipe empreendedora Apesar de no Brasil as empresas ainda não

investirem

muito

desenvolvimento,

essa

em é

pesquisa

uma

e

tendência

mundial e certamente logo atingirá nossas indústrias. Não resta dúvida de que produzir com inovação hoje é condição fundamental para

manter-se

competitivo

no

mercado

mundial. O mesmo movimento deve ser A partir dos anos 80, a nanotecnologia ganhou

seguido pela Universidade. De olho nessa

condições tecnológicas para se desenvolver.

tendência, pesquisadores como Nádia Raposo

Novos pesquisadores, com ideias audaciosas e

e Adilson David já desenvolvem seu trabalho

criativas, auxiliados por microscópios de alto

com foco no setor privado.

desempenho, propiciaram que esta inovação

Seu tamanho subcelular permite que as moléculas sejam levadas até as camadas mais profundas da pele

As nanocápsulas protegem os ativos liberando-os gradativamente, de forma controlada e constante

36 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013

Ilustração: Phillip Douglas

Desta forma, a ação do produto atinge uma área maior, com resultados mais rápidos e ação prolongada. Sua ação é mais duradoura que os já disponíveis no mercado

Forma de ação das nanocapsulas


P E SQ UISA

Na opinião dos pesquisadores, para trabalhar com

inovação

é

preciso

ter

um

olhar

transformador, o que exige, principalmente, técnica, recurso, persistência e criatividade. É necessário desenvolver uma série de produtos e não focar em uma possibilidade só. Além disso, uma equipe bem formada é fundamental, por

isso,

a

necessidade

de

estimular

o

empreendedorismo já entre os estudantes de graduação.

Foto: Marcelo Viridiano

O Skin Whitening é um produto baseado em nanotecnologia. A associação de dois poderosos princípios ativos, um de origem natural e outro sintético, lhe dá vantagens competitivas sustentáveis

Nádia Raposo e Adilson da Silva (ao centro) com a equipe formada por graduandos, mestrandos e doutorandos em Química, Ciências Biológicas, Ciências Farmacêuticas e Farmácia

“Adoro dar aula para a graduação, porque ali podemos identificar os talentos. Tem aluno que me acompanha desde o segundo período da faculdade e já está trabalhando comigo no doutorado. Fazemos parte de uma rede de pesquisa, o que é muito produtivo para todos. Sete alunos meus já registraram suas patentes e alguns já montaram seu próprio negócio”, conclui Nádia.

Nanocomplex

X

Hidroquinona e Ácido Kójico

Estável

Instável

Ação duradoura

Não duradoura

Baixa toxicidade

Potencial citotóxico e mutagênico

Não irritante

Irritante

mais

Nádia Rezende Barbosa Raposo Doutora em Toxicologia pela Universidade de São Paulo (USP); colaboradora da USP; professora adjunta da UFJF www.niqua.ufjf.br nadiafox@gmail.com http://lattes.cnpq.br/4958736937529401

Adilson David da Silva Doutor em Química pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); dois pós-doutoramentos no Centre National de la Recherche Scientifique e um no Institute de Chimie Des Substances Naturelles; professor associado da UFJF david.silva@ufjf.edu.br http://lattes.cnpq.br/1118396022753204

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

37


S AÚDE

Os riscos dos estágios extracurriculares no exercício da Medicina José Nalon de Queiroz*

A

carreira

de

médico,

um

legalmente,

inicia-se

formadoras

(faculdades

de

Medicina)

e

unidades assistenciais.

com

a

Certificado

de

Para que tais práticas possam ocorrer de forma

Graduação em Medicina, com o

adequada, sem riscos para quaisquer das

qual o novo profissional efetuará seu

partes, deve-se observar o que existe em

registro no Conselho Regional de

termos

Medicina do Estado onde pretende

normatização.

conquista

atuar.

Os

do

estágios

de

regulação,

legislação

e/ou

curriculares,

realizados durante o transcorrer do

Os estágios curriculares são regidos pela Lei nº

curso, são essenciais na formação do

11.788/2008, pelo Decreto Lei nº 2080/96, pela

futuro profissional.

Resolução do Conselho Federal de Educação de 4 de maio de 2009 e pelo Parecer Consulta

Entretanto, sob a alegação de que não

do Conselho Regional de Medicina de Minas

conseguiram praticar suficientemente e na

Gerais (CRMMG) nº 3817/2009, de 5 de outubro

ânsia de buscar treinamentos diversificados,

de 2009.

muitos graduandos, erroneamente, recorrem aos estágios extracurriculares. Tais iniciativas se fazem

Já para os estágios extracurriculares há os

de forma voluntária e aleatória, sem o conhecimento

Pareceres CRMMG de números 3478/2008, de

das unidades formadoras, com a aquiescência de

19 de dezembro de 2008; 3414/2008, de 9 de

diretores clínicos, gestores de saúde ou com

março de 2008; e 3236/2006, de 11 de

desconhecimento dos mesmos e sem a devida

dezembro de 2008.

supervisão médica nas unidades prestadoras de serviços médicos à comunidade.

Mas a regulamentação, possivelmente a mais importante e útil para os que desejam estagiar

Dessa iniciativa particular surgem riscos e prejuízos

ou oferecer estágios aos graduandos, ocorreu

para alunos, instituições de ensino, instituições

somente em 11 de fevereiro de 2011. Trata-se da

assistenciais, médicos assistentes e comunidade.

Resolução CRMMG nº 331/2011.

Entre os inúmeros prejuízos advindos dessa prática destacam-se: transgressão aos princípios

Portanto, os graduandos em Medicina devem

éticos e dispositivos legais ao constatar-se que

ficar atentos a essas normatizações para que

o aluno incorre em exercício ilegal da Medicina,

exerçam seus estágios de forma correta,

sujeito a sanções penais, e os médicos que

aproveitando ao máximo a experiência que

lhes delegam atividades assistenciais, sem

será essencial para a sua futura atuação

supervisão

direta,

tornam-se

seus

profissional.

Ilustração: Joviana Marques

cúmplices; riscos para a saúde e

OutuBRO/2012 A SETEMBRO/2012 a MARÇo/2013 38 A3 - ABRIL

integridade física dos membros da

Para entender mais essas normatizações, o

sociedade ao se entregarem aos

estudante pode acessá-las no site do Conselho

cuidados

de

pessoas

habilitadas

para

o

profissional

da

Medicina;

consequente profissão

médica,

exercício

desprestígio das

não

Regional de Medicina de Minas Gerais (http:// www.crmmg.org.br/).

e da

unidades

* Professor adjunto IV do Departamento Materno Infantil da Faculdade de Medicina da UFJF; 2º secretário do CRMMG; delegado do CRMMG em Juiz de Fora e Zona da Mata


O L H A R E ST R AN GE IR O Ilustração: Joviana Marques

O campo da cultura visual Fernando Hernández* Tradução: Marcela Matamoros

D

urante minha estada na Universidade

resgate dos efeitos das nossas relações com o

representações visuais quantas o ser humano é

Federal de Juiz de Fora (UFJF) em

que vemos em nós e nos outros. Quando eu

capaz de produzir. Trata-se de levar o cotidiano

maio deste ano, um jornalista me

vejo algo ele também vê a mim e me faz de

para a sala de aula, explorando a experiência

perguntou o que era a cultura visual. Como

outro jeito. Significa trabalhar a história da arte

dos estudantes e sua realidade”.

acontece nessas ocasiões, tem-se que pensar

de outra forma: ir além do artista e considerar

em uma resposta rápida e compreensível para

outros tipos de obras, também parte da

Se resgato essa abordagem apressada e

um leitor que você desconhece. No texto em

cultura, como publicidade, objetos de uso

telegráfica é porque ela contém três âmbitos,

que me enviou para revisar, traduziu minhas

cotidiano,

moda,

palavras da seguinte maneira: “Consiste no

arquivos

históricos

arquitetura,

televisão,

os quais considero convergir em três conceitos

e

e

diferentes de cultura visual: um campo de

familiares

tantas

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

39


olhar estrange iro

estudo acadêmico de caráter multidisciplinar;

e de como os artefatos da cultura visual tomam

expandir o sentido da educação das artes

a denominação genérica que se dá aos objetos

forma e são apropriados por quem vê e é visto.

visuais e do que acontece na escola e em

e artefatos que conformam o visual (o que vemos e como o tempo nos vê); e uma maneira de entender e abordar as relações com as representações

visuais

e

técnicas

do

observador desde a escola e outras instituições pedagógicas.

que nelas a visão (o ato de ver) não é somente processo

manifestação

de

percepção,

cultural

e

de

mas

uma

comunicação.

Manifestação que não é redutível a ser explicada nos mesmos termos da linguagem falada e escrita. Pois, aqui, o visual atua como um espaço de interação social e de constituição de subjetividades em termos de classe social, gênero, sexo, etnia, religião.

os meios de comunicação, nos leva a considerar as relações como um espaço central para

Essa perspectiva permite questionar pelo menos

dois

pressupostos

presentes

nas

cultura visual como um espaço de práxis relacional que tem lugar, que se “performatiza” a partir da construção de relatos que refletem as visões subjetivas - e, portanto, culturais dos visualizadores. O que tem levado a considerar as imagens e outros artefatos relacionados com configuração de visão de um ponto de partida para investigar em torno de questões:

as

visões

ensino. A primeira é a que considera que a cultura visual são os objetos e artefatos visuais que nos rodeiam e com os quais interagimos. Frente

a

esta

posição,

o

relevante

das

pedagogias da cultura visual não são os objetos que selecionamos e para os quais vamos, e sim as relações que mantemos com eles. A segunda posição põe em suspenso – para problematizá-la a noção de produtores da cultura visual dos indivíduos na medida em que não se trata somente de fazer com, mas

A partir dessas bases pode-se considerar a

duas

Pedagogias

abordagens da cultura visual de instituições de

O que tem em comum estas três abordagens é um

outras instituições educacionais como museus,

culturais

que

propiciam as imagens e artefatos da cultura visual quando se colocam em relação - entre elas e com os sujeitos -; as experiências de subjetividade que mediam e possibilitam.

convite a investigar a cultura visual a partir do cruzamento entre o que seria uma perspectiva cultural - o que chamaríamos de visibilidade - e das práticas de subjetividade que se vinculam

da cultura visual. Isso

leva,

no

hegemônicos. O que reafirma a opção de que a cultura visual além de falar de outro lugar da arte - e de outras práticas de visualização também impulsa a realização de projetos e práticas

geradas

como

processos

de

investigação e emancipação. Uma proposta pedagógica desde a cultura visual

assim

entendida

pode

ajudar

a

contextualizar os efeitos do olhar, e através de práticas críticas (questionando os efeitos sobre

nossas

subjetividades)

explorar

as

experiências (efeitos, relações, sentimentos) em torno de como o que vemos nos conforma: nos faz ser o que outros querem que sejamos e

campo

das

pedagogias

relacionadas com as artes visuais, a considerar uma noção ampliada da arte e da autoria. Há poucos anos, as referências artísticas que serviam de exemplos para a educação das artes apareciam vinculadas a um território expressivo e plástico que a arte contemporânea fazia tempo que tinha atravessado. Da mesma maneira, a noção de artista vinculada nessas referências tinha sido contestada por práticas artísticas

performáticos que dialogam e respondem aos

colaborativas,

etnográficas,

relacionais, que não desenham a noção de autoria e que aportavam estratégias sugerentes para a educação das artes visuais.

poder

elaborar

respostas

emancipadoras

frente ao efeito dessas visões. O que nos abre para um campo de investigação que nos convida a encontrar, explorar, investigar e projetar as vibrações e ressonâncias entre as imagens

(e

destas

com

os

sujeitos

cultura

visual

visualizadores). As

pedagogias

da

são

configuradas como um espaço para explorar e produzir alternativas não só sobre o papel das artes visuais na escola, mas em torno da função e sentido de aprender em uma escola que exige uma mudança radical em sua história.

Dessa maneira, as pedagogias da cultura visual se convertem em uma oportunidade para gerar relatos alternativos que possibilitem

* Professor da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona (Espanha)

Fernando Hernández esteve em Juiz de Fora, em maio de 2012, para participar de evento no Colégio de Aplicação João XXIII

40 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013

Foto: Nathália Corrêa

Situar-se a partir dessas premissas supõe um

sim de ser com as representações e artefatos

explorar, debater e gerar relatos visuais e


R epens a r a U niversidad e

Seminário leva à reflexão sobre o tradicional fazer universitário Fotos: Roberto Dornelas

Construção do Campus da UFJF na década de 1960

Entre as conclusões de especialistas, está o fato de que, até hoje, nenhuma universidade conseguiu atender a todas as classes de maneira igual FERNANDO LOBO Repórter

D

esde que foi criado, em 2011, o seminário

décadas de um fazer universitário tradicional.

políticos progressistas e populares, assim

Repensar a Universidade, renovar a

“Eu não tenho dúvidas que a Universidade

como, também, colocar nossa imaginação e

prática acadêmica, teve como um

hoje vive, pulsa, pensa e existe. Porém, não sei

criatividade científicas a serviço da civilização

dos objetivos principais propor uma reflexão

se isto está acontecendo na medida em que

em sentido amplo e não da barbárie materialista

sobre as questões mais gerais que desafiam

o ritmo de nossa época exige. No entanto, é

em sentido restrito.” Ele afirmou, ainda, que a

o tradicional fazer universitário. Idealizado

fato que não estamos parados. Disso, eu tenho

universidade só tem alcançado esta “meta”

e realizado pela Pró-reitoria de Graduação

certeza.”

de forma incompleta. Para ele, a comunidade

(Prograd) da Universidade Federal de Juiz

universitária vive em uma “redoma”, em um

de Fora (UFJF), com apoio da Secretaria de

O pró-reitor de Extensão da UFJF, Marcelo

espaço pouco crítico e extremamente elitizado.

Comunicação (Secom) e da Pró-reitoria de

Dulci, ressaltou que a universidade, como

Reverter tal “tendência” é o principal desafio

Extensão (Proex), o seminário procura discutir,

espaço de reflexão crítica, está em uma crise

pessoal e institucional, o que torna essencial o

junto

temas

enorme. Para ele, os problemas do mundo

ato de se “repensar a universidade”.

que possibilitem a todos pensar uma nova

globalizado se avolumam, mas os rumos a

universidade que vive, pulsa, pensa e existe.

serem tomados, inclusive pela universidade,

Uma das conclusões do seminário é que, até

ficam cada vez menos claros. A academia, que

hoje, nenhuma universidade conseguiu atender

Para o organizador do evento e pró-reitor

sempre se destacou na discussão dos impasses

a todas as classes de maneira igual. E isto ficou

de Graduação, Eduardo Magrone, há anos a

e soluções, tornou-se, nas últimas décadas, no

claro com a apresentação do líder indígena

UFJF está deixando de ser uma instituição

Brasil e no mundo, de alguma forma, em mais

Ailton Krenak e do fundador do curso pré-

voltada quase que exclusivamente para a

uma fonte de tais problemas, graças, conforme

vestibular Educafro, Frei David, na segunda

formação profissional de uma elite técnica em

ele, ao fato de a criação científica e a produção

edição do seminário realizada em 2012. Krenak

nível superior e passando a se dedicar mais

tecnológica do mundo universitário estarem

expôs a relação entre a universidade brasileira e

à pesquisa e à pós-graduação. Segundo ele,

instrumentalizadas por uma razão de mercado

os índios. Com raras exceções, só recentemente

não faz muito tempo que as atividades de

“cega” (ou quase isso) aos outros aspectos da

foram criados cursos voltados às nações

extensão também marcaram positivamente

vida social – interesses materiais das maiorias,

indígenas mas, mesmo assim, a presença de

um período da história da UFJF. Todo este

a cultura como expressão da diversidade

índios em cursos superiores ainda é mínima e,

movimento, acompanhado da expansão e da

humana, a sustentabilidade do planeta e o

na sua visão, a causa é o distanciamento entre

reestruturação da graduação, da presença do

respeito à democracia. “Todos nós estamos

a academia, voltada às questões teóricas, e os

ensino a distância, da mudança nos processos

sendo arrastados para um produtivismo de

índios, com sua cultura e tradições orais. Ele

seletivos para ingresso, entre outros aspectos,

qualidade mais do que duvidosa. Faz-se

defendeu que se deve buscar um meio termo

fez com que a UFJF questionasse na prática

necessário resgatar e fortalecer aquela parte da

entre estes dois mundos. Frei David lembrou

procedimentos e valores cristalizados por

nossa trajetória acadêmica de compromissos

que, apesar da melhoria nos níveis médios de

à

comunidade

universitária,

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

41


repensar a univers ida de

Fotos: Frederico Boza

Ailton Krenak, Frei David e Anne-Marie participaram da segunda edição do Seminário Repensar a Universidade

escolaridade de brancos e negros ao longo

mercado para as universidades, lidando com

atrair um jovem talentoso para os cursos de

dos anos, o padrão de discriminação, isto é,

entrada de recursos privados para a pesquisa,

Licenciatura. Não somente a carreira e os salários

a diferença de escolaridade dos brancos em

cursos fortemente ligados ao mercado de

são pouco atraentes, mas também o ofício

relação aos negros, mantém-se estável entre as

trabalho e uma capacidade de acolhimento

de ensinar no Brasil parece crescentemente

gerações. Portanto, a solução seria fazer valer,

de estudantes estrangeiros. “Claro que a

associado ao fracasso social e profissional do

de fato, o sistema de cotas nas universidades

universidade tem de mudar, tem que ser mais

indivíduo. Para a professora associada da UFJF

(o que foi aprovado pelo Congresso em agosto

eficiente para a preparação de novas gerações.

e palestrante do seminário, Maria da Assunção

último).

Mas

também

Calderano, o posicionamento da universidade

relacionar a pesquisa com as necessidades

precisa ser entendido no contexto macro e

Magrone indicou que a verdadeira avaliação de

sociais, principalmente no campo das ciências

micro, ao mesmo tempo, pois pouco ou nada

tudo o que a comunidade acadêmica fez, até

sociais e humanas. No entanto, este ponto de

adianta ter um posicionamento crítico, se este

agora, será realizada pelas futuras gerações

mudança necessita de uma discussão de longo

for inoperante. “Considerando a multiplicidade

de professores, funcionários, alunos e pela

prazo.”

de pensamento presente na universidade

ela

(a

universidade)

deve

sociedade em geral. “É muito difícil afirmar hoje, com um grau elevado de certeza, que estamos ou não estamos no rumo certo.” Ele considerou que, para prosseguir no caminho proposto por toda essa discussão e errando o menos possível, faz-se necessário abrir ainda mais a universidade e favorecer o debate interno e com a comunidade, desburocratizar todos os procedimentos de avaliação na e da instituição, exercer de fato a autonomia perante o Estado, os agentes econômicos e os movimentos sociais. Já a professora da Universidade Paris VIII, Anne-Marie Autissier - que também participou da segunda edição do seminário -, disse que a atual situação do ensino tanto no Brasil (onde as universidades federais enfrentaram uma

- não existe pensamento único - tornam-

“Claro que a universidade tem de mudar, tem que ser mais eficiente para a preparação de novas gerações. Mas ela (a universidade) deve também relacionar a pesquisa com as necessidades sociais, principalmente no campo das ciências sociais e humanas”

se

(Anne-Marie Autissier, professora da Universidade Paris VIII)

propiciar-se criticamente do conhecimento

longa greve este ano) como na França, com

necessárias iniciativas institucionais que

busquem superar os hiatos nas comunicações entre

universidade,

escola

e

políticas

educacionais, de modo a, permanentemente, exercitarmos a difícil e imprescindível tarefa de examinarmos com cuidado a vida real e extrairmos as demandas dessa realidade, buscando

atender

aos

desafios

impostos

e propor alternativas para um processo de formação docente – inicial e contínua para professores da escola básica e da universidade. Nesse processo de formação contínua, deve-se reconhecer a importância do conhecimento epistemológico,

filosófico

e

metodológico,

tendo em vista o propósito educacional: a historicamente acumulado e transformar esse conhecimento a favor da melhoria da condição

a proposta do governo de organizar estudo

Uma outra preocupação levantada durante

humana.” Maria da Assunção ressaltou que a

sobre o ensino superior, mostra que a maioria

o seminário foi com relação à formação de

universidade cumprirá seu papel à medida que

das universidades está ansiosa sobre seu futuro,

professores, principalmente para ensino médio

refletir conjugadamente e apresentar subsídios

principalmente com relação aos recursos para

e que, segundo Magrone, já apresenta um

para as políticas educacionais, conciliando

ensino e pesquisa. Anne-Marie afirmou que,

colapso em algumas áreas de conhecimento.

melhorias das condições de trabalho, ensino e

por meio do Processo de Bolonha, bem como

A verdade, no seu entender, é que à docência

aprendizagem nos diferentes setores da escola

de diversas reformas realizadas em vários

é hoje reservado um lugar simbolicamente

básica e da própria universidade.

países europeus, a principal preocupação é

desqualificado no interior das universidades

a de se ter um modelo global dominante de

brasileiras. “Está ficando cada vez mais difícil

42 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


Foto: Alexandre Dornelas

E XPAN SÃO

Reitor Henrique Duque (à esquerda) descerra a placa de lançamento da pedra fundamental do primeiro campus avançado da UFJF

Campus avançado impulsionará resgate econômico e cultural de Governador Valadares Instalação do campus injetará mais de R$ 150 milhões na construção da cidade universitária e na compra de equipamentos. Somente para 2012, estão garantidos R$ 22 milhões. A nova unidade será erguida na área de antiga fazenda de 533 mil metros quadrados, a quatro quilômetros do Centro

CAROLINA NALON e Raul Mourão Repórteres

“I

magine Juiz de Fora sem a UFJF. O que

abertura de novos negócios e vagas, obrigando

ção se difere, pois a região de atividade rural

seria da cidade sem a instituição?”, su-

Valadares a se manter sem as remessas men-

demorou mais a fazer essa transição para uma

gere o diretor da Faculdade de Econo-

sais de dólares. Nos seis primeiros meses de

economia urbana, talvez por ter conseguido se

mia, Lourival Batista de Oliveira Júnior. Embora

2012, a variação de emprego no município foi

sustentar por algum tempo com os dólares de

seja um município de porte médio, com 517 mil

de 6,16%, contra a média brasileira de 2,76%.

quem estava no exterior.

habitantes e economia diversificada, a cidade

Em comparação ao mesmo período de 2011,

polo da Zona da Mata Mineira vem percebendo

Governador Valadares criou 2.362 vagas a mais

O pró-reitor participou de 20 reuniões com re-

o impacto da permanência de uma universida-

em 2012.

presentantes da sociedade civil do município e percebeu na população a expectativa de que o

de pública federal em processo de expansão. Poderia o Campus Avançado da Universidade

Para o cientista social e pró-reitor de Extensão,

novo campus seja um instrumento de acelera-

Federal de Juiz de Fora (UFJF) promover algo

Marcelo Dulci, respeitadas as diferenças, é pos-

ção desse movimento de mudança econômica

semelhante em Governador Valadares?

sível projetar resultado semelhante ao de Juiz

e cultural. Para o professor Lourival Júnior, tal

de Fora em Governador Valadares. “Na década

expectativa é bastante plausível. “Só os empre-

Localizada a 464 quilômetros de Juiz de Fora,

de 1970, quando enfrentávamos um forte declí-

gos diretos gerados pela própria Universidade

no Leste Mineiro, a cidade conhecida nacional-

nio industrial, a UFJF teve papel essencial para

já são um fator. Compõem o que chamamos

mente como a que mais envia brasileiros aos

a retomada do desenvolvimento da cidade.”

de empregos de qualidade, pois o requerimen-

os Estados Unidos passa por um período de

Segundo ele, a mudança no perfil econômico

to mínimo para estar em uma universidade, no

transformação da economia. A crise america-

de Juiz de Fora, baseada na grande oferta de

caso de docentes, é ter doutorado ou mestra-

na fez com que o movimento de retorno dos

serviços, é consequência direta da presença da

do, e porque esse público possui demandas

imigrantes à cidade natal contribuísse para a

instituição. Em Governador Valadares a situa-

específicas, de serviços e outros negócios da

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

43


E XPANSÃO

Campus avançado priorizará sustentabilidade, com coberturas verdes e estação de tratamento de efluentes cidade.” No campus sede, em Juiz de Fora, são mais de 2.380 professores e técnico-administrativos efetivos. No avançado, a quantidade pode chegar a 566 em cinco anos. A partir dos novos cursos abertos, segundo Lourival Júnior, estão sendo criadas oportunidades para formar capital humano. “A UFJF tem uma respeitabilidade construída no cenário nacional, pelo que já conseguiu maturar. Mesmo sendo de outro campus avançado, nosso profissional será certificado pela qualidade.” A disposição de capital humano é uma das condições para intensificar a atração de investimentos para uma região e elevar seu desenvolvimento socioeconômico.

Infraestrutura A instalação do campus injetará mais de R$ 150 milhões na construção da cidade universitária e na compra de equipamentos. Somente para 2012, estão garantidos R$ 22 milhões. O campus avançado será erguido na área de uma antiga fazenda de 533 mil metros quadrados, a quatro quilômetros do Centro, doada à UFJF. Será preciso construir vias, pavimentar, iluminar, incluir sistemas de telefonia e fazer terraplanagem. Estão previstos blocos de sala de aula, biblioteca e laboratórios, restaurante universitário, prédio administrativo, lago, centro de esportes e pista para caminhada. A nova unidade terá capacidade inicial para quatro mil

Na via contrária, Governador Valadares tem

alunos e deverá ser concluída em dois anos. “A

também muito a ensinar, garante Marcelo Dul-

implantação do campus é um meio de a UFJF

ci. “Podemos aprender com a experiência de-

cumprir não só seu compromisso com a edu-

les no setor rural e agrícola e transpor esse co-

cação, como também com outros fundamen-

nhecimento para nossos projetos, abrindo no-

tos sociais inerentes a uma universidade, a fim

vas áreas de pesquisa e extensão.” Hoje, a UFJF

de contribuir para o desenvolvimento do Leste

já possui cursos que trabalham indiretamente

Mineiro e, por conseguinte, Minas Gerais. A ins-

para o setor, como os de Engenharia Sanitária

talação da nova unidade é o maior desafio de

e Ambiental, Nutrição e Farmácia. “O campus

meu segundo mandato”, afirma o reitor Henri-

avançado nos torna mais cosmopolitas e ar-

que Duque.

rojados em todos os campos do pensamento científico. Mas, acima de tudo, nos faz repensar nossa relação com o outro. Essa é uma grande vantagem porque permite que percebamos, com mais clareza, os problemas próprios da Zona da Mata.”

44 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013

Até o fim das obras, as aulas acontecerão na sede de uma faculdade na região central de Valadares. O prédio foi alugado e adaptado para as necessidades da UFJF: ganhou gabinetes para professores; infocentro com 40 com-

putadores, conectados à internet; e laboratório para cursos de saúde com 40 microscópios novos. Uma parceria permite a alunos de Medicina utilizar o laboratório de anatomia recém -equipado de uma universidade local. Foram investidos R$ 610 mil nas adaptações e aquisições de materiais. As aulas estão a cargo de 33 professores efetivos, acompanhados de 16 técnico-administrativos em educação. Em janeiro e fevereiro de 2013, mais 60 profissionais serão selecionados, por meio de novos editais de concursos ou pelo aproveitamento de classificados em processos anteriores. Para o pró-reitor de Planejamento, Carlos Elizio Barral, a instalação e gestão do novo campus são auxiliadas pela experiência bem-sucedida da UFJF na execução das metas do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) – a Universidade foi a que mais cumpriu o cronograma orçamentário – e na ampliação da instituição por meio de recursos obtidos pela Administração Superior. Um dos objetivos na coordenação do campus é fazer da palavra integração um instrumento de sobrevivência e de manutenção da qualidade. “Vamos fazer reuniões

permanentes,

com

cronogramas

definidos de negociações e conversas entre docentes.

Professores

de

Juiz

de

Fora

manifestaram interesse em ministrar palestras, minicursos na nova unidade, e os de Valadares poderão participar de atividades da sede.”


E XPAN SÃO

Campus Avançado Governador Valadares

Foto: Alexandre Dornelas

Mais acesso O ensino superior de Governador Valadares estava concentrado em faculdades privadas, no campus do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) e em opções de graduação a distância. A chegada da UFJF amplia o acesso da população ao diploma, dando uma nova perspectiva aos estudantes que concluem o ensino médio, especialmente, aos de condição socioeconômica desfavorecida. “Certamente a política de cotas da Universidade, na qual é preciso estudar, pelo menos, sete anos em escola pública, será um dos grandes benefícios para nossos estudantes”, avalia a secretária municipal de Educação, Dalva Mendes Marcos Rabelo. Segundo

ela,

a

Secretaria

Municipal

de

Educação já iniciou reuniões com as escolas para incentivar os professores na busca pela aprovação de seus alunos na federal. “Queremos que eles concorram com qualidade e entrem (na Universidade) não como um favor, mas por direito”. Para Dalva, o novo campus obriga a prefeitura a aprimorar ainda mais a educação na cidade. O estudante Brenno Soares Oliveira, aprovado no curso de Direito, pensou na possibilidade de transferência do atual emprego para Juiz de Fora, para estudar na UFJF. “Com a abertura do campus em Governador Valadares, nem precisei”, ressalta o técnico-administrativo do

Vagas: 750 anuais, com possibilidade de aumento para 850. Cursos: Administração, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Direito, Farmácia, Fisioterapia, Medicina, Nutrição e Odontologia. Ingresso: Sisu (pelo Enem) e Pism (programa seriado)

Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG). Ele

coordenador do Centro de Informação e As-

foi aprovado em primeiro lugar no grupo A,

sessoria Técnica (Ciaat), Antônio Carlos Linha-

de candidatos autodeclarados negros prove-

res Borges, há uma demanda por qualificação

nientes de escola pública. Oliveira terminou o

profissional, principalmente em pequenos se-

ensino médio em 2005 e estudava em uma fa-

tores de produção que já foram mais impor-

culdade particular da cidade. Com a aprovação

tantes, como o de costura. “Uma das principais

na federal, encerrou a matrícula. “Já tinha lido

esperanças está na possibilidade de que a

matérias elogiando bastante o curso. Acho que

Universidade capacite melhor os profissionais

vou estar no meio de feras e isso vai ser muito

quanto ao associativismo e ao cooperativismo,

bom.” A Faculdade de Direito tem o melhor ín-

muito importantes para as comunidades rurais

dice de aprovação do país no exame da Ordem

e urbanas atendidas por nós.” A organização

dos Advogados do Brasil (OAB).

não-governamental, que visa a geração de renda de forma coletiva e solidária por meio

“A implantação é um meio de a UFJF cumprir não só seu compromisso com a educação, como também com outros fundamentos sociais inerentes a uma universidade, a fim de contribuir para o desenvolvimento do Leste Mineiro e, por conseguinte, de Minas Gerais” (Reitor Henrique Duque)

de projetos sociais, já beneficiou cerca de 500 famílias da cidade e da região. A UFJF pretende começar a fazer parte desse movimento e iniciou contato com a Cooperativa Rio Limpo, produtora de sabão ecológico. No campus sede, em Juiz de Fora, a Universidade tem a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (Intecoop), uma iniciativa bem-sucedida na cidade. O pró-reitor Marcelo Dulci espera que, com as aulas em andamento, os professores submetam seus projetos e envolvam os alunos nas atividades, fazendo da extensão parte da cultura do novo campus desde o início. Segundo Dulci, 20 bolsas serão disponibilizadas ainda em 2012 com esse objetivo e, para 2013, a expectativa é abrir de 30 a 40 bolsas, dependen-

Mas as expectativas não giram apenas em tor-

do do interesse dos professores.

no da formação intramuros. De acordo com o A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

45


TE S ES E DI SSERTA ÇÕES

Foto: Frederico Boza

Qual é a classe do samba? Tese de professor da UFJF, premiada pela Capes, analisa a trajetória do samba e do choro, chegando a conclusões curiosas sobre a diversidade de classes sociais e culturais que habitam os gêneros musicais mais representativos da identidade nacional BÁRBARA DUQUE Repórter

R

itmo nacional por excelência, o samba

dos cursos de Direito e Economia da Universi-

trajetórias de músicos, jornalistas, gravadoras e

é amplamente debatido, inclusive no

dade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Dmitri

críticos em uma análise sócio-histórica da as-

meio acadêmico. Na busca pela expli-

Cerboncini Fernandes, recebeu o prêmio em

censão da música popular urbana brasileira e

cação da formação deste símbolo, historiado-

julho de 2012. Intrigado com questões sobre

suas contradições.

res, jornalistas, músicos, cientistas sociais e

como um só ritmo é capaz de abrigar persona-

pesquisadores estudam esse gênero transfor-

gens tão díspares como o samba, o trabalho “A

A sua busca começou no século XIX, resgatan-

mador da cultura popular em cultura nacional.

Inteligência da Música Popular, a ‘autenticida-

do onde e como essa história começou, pas-

Questões que permeiam esse identificador

de’ no samba e no choro” desvenda qual é sua

sando por personagens que traçaram esses

nacional nortearam a melhor tese de Sociolo-

verdadeira classe.

rumos, levando o samba a um sectarismo do

gia, segundo a Coordenação de Aperfeiçoa-

erudito versus popular. Na década de 30,

mento de Pessoal de Nível Superior (Capes),

Para estudar as relações sociais que estrutu-

quando o amálgama do gênero se formou, ini-

defendida em 2010. O autor e professor de

ram o domínio do samba e do choro, desenvol-

ciaram-se as disputas de quais seriam os artis-

Sociologia das Artes e Introdução à Sociologia

veu trabalho rico de histórias que entrelaçam

tas e as obras adequados ao desempenho de

46 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


T E S E S E DISSE RTAÇ Õ E S

representantes do samba. A partir de então, foi

Surgiu, então, nas três primeiras décadas do

momento em que deveria por outras razões,

necessário estabelecer padrões para regular o

século XX, uma cultura popular lato sensu di-

como falta de legisladores especializados em

que seria regional ou nacional; bom ou ruim;

fundida por veículos de comunicação. Novida-

samba paulista nos anos 30, momento de

belo ou feio; autêntico ou inautêntico; e quem

des da época como o rádio e as novas tecnolo-

definição simbólica do gênero. O samba que

seriam as personagens desse elenco de “for-

gias de reprodução de discos, além de teatro

representaria São Paulo ficou geneticamente

madores de opinião” que traçaram os rumos

de revista, jornais e revistas, passaram a divul-

vinculado aos meios de reprodução comercial.

da categorização do samba, gerando, nos anos

gar notícias antes renegadas. Na década de

90, uma polarização hierarquicamente distinta.

30, no Governo Getúlio Vargas, o momento

A maior preocupação dos chamados represen-

carecia de unificação simbólica. Foi, então,

tantes “verdadeiros” da música popular e de-

bem visto um elemento nacional-popular nas

fensores da autenticidade do samba era reafir-

artes como grande conciliador, por isso, a as-

mar o descompromisso com o sucesso comer-

censão do samba, elevado ao status maior.

cial. Apesar das diferenças claras entre um

Para estudar as relações sociais que estruturam o domínio do samba e do choro, docente desenvolveu trabalho rico de histórias que entrelaçam trajetórias de músicos, jornalistas, gravadoras e críticos em uma análise sócio-histórica da ascensão da música popular urbana brasileira e suas contradições

subgênero do samba e outro, como uso de Porém, essa unicidade geraria discordâncias e

instrumentos diferentes, levada rítmica especí-

tensões insolúveis. As principais seriam quanto

fica e velocidade característica, quem corrobo-

à forma correta de reprodução, assim como a

rava a “autenticidade” eram os críticos e os

natureza territorial das origens dessa arte.

especialistas. Apesar de essa taxação já acon-

Como bem definiu Fernandes, “estava aberta a

tecer no florescer do movimento, como no

contenda pela paternidade, origem e ‘correta’

caso do samba-jóia, de Benito de Paula, desva-

manutenção do samba”. Nomes importantes

lorizado desde o início, e o partido alto, enalte-

protagonizariam o debate: os compositores

cido, as opiniões sobre os músicos podiam

Noel Rosa e Assis Valente ressaltavam essas

mudar, havendo promoção de status, desde

questões em suas letras; e os jornalistas Va-

que não cometessem sacrilégio.

galume e Orestes Barbosa em livros, como o “Samba: sua história, seus poetas, seus músi-

Quanto mais indefinido um artista se colocasse

cos e seus cantores”, de Barbosa. Naquele

no início da carreira, mais fácil obter glamouri-

momento estava eleito o Rio de Janeiro, capital

zação. Entre os músicos que passaram por

federal, como berço do samba. A grande cisão

essa mudança, Beth Carvalho, Adoniran Bar-

ficava por conta do morro versus cidade, “arte-

bosa e Clara Nunes. Zeca Pagodinho e outros

sanal-autêntico-comunitário” versus “comer-

mais, afilhados de Beth Carvalho, iniciaram

cial-inautêntico-individualista”. E sobre quem

novo subgênero, evoluindo para o “pagode

seriam os legisladores que defenderiam a mú-

comercial”, considerado heterodoxo pela críti-

sica popular urbana tida como pura e autênti-

ca, gerando lucros jamais vistos até então. O

ca, para resguardar o legado de ouro, a música

rótulo de invencionice e malandragem visando

popular, contra distorções menos autênticas.

lucro sempre estigmatizou o pagode.

Além da mídia, personagens como Almirante e

O samba que tematizava o papel do negro na

Jacob do Bandolim defenderam a legitimidade

sociedade, fruto de fatores que incluíam ações

do samba e do choro. Mais à frente, Hermínio

afirmativas originadas nos anos 70, teve como

Bello de Carvalho, Tinhorão e Sérgio Cabral,

representantes Nei Lopes, Martinho da Vila e

apoiados por instituições como Funarte e Mu-

Candeia. Já na década de 80, Fundo de Quintal

instrumental.

seu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro,

foi o precursor de grupos paulistas como Raça

elegeriam como inimigos a ditadura e as “alie-

Negra e Negritude Júnior que obtiveram su-

Alguns personagens reformaram os estilos re-

nações internacionais” que assombraram nos

cesso inimaginável, desvirtuando o viés politi-

anos 60 e 70.

zado dos pioneiros. Esse novo som obteve as

Nacionalização do samba A delimitação inicial dos gêneros musicais brasileiros se deu desde o último quartel do século XIX, quando estilos desiguais se fundiram. De um lado, padrões europeus, como polka, xote, valsa e habanera e, de outro, estilos nativos, do meio rural ou urbano, como jongo, modinha, batuque, cateretê, alguns definidos como ritmos da senzala. Essa disparidade geraria um híbrido que, à frente, seria chamado de samba, quando canção versificada, e choro, quando

cém-chegados e rejuvenesceram os existentes. Conferiram ar de distinção às consideradas baixas manifestações culturais, acrescentando ornamentação erudita às composições. Esses nomes ocupavam posições indefinidas na sociedade: nem brancos, nem negros; nem eruditos, nem populares; nem chancelados, nem deslegitimados; representando um elo neste cenário. A presença deles nos eventos mais finos era enobrecedor, pois tinham contato com figuras mais desprestigiadas. Entre os principais nomes, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Joaquim Calado e Anacleto de Medeiros.

piores classificações da crítica, acusado de ser Já no final da década de 70, brancos,

teleguiado por produtores norte-americanos,

universitários, conhecedores da teoria musical,

reforçando o antigo estereótipo dado a São

de famílias remediadas de São Paulo, marcaram

Paulo como “o túmulo do samba”. Embora a

a

paulista,

rixa entre Rio e São Paulo tenha se reafirmado

simbolizando-o como elemento distintivo da

com o samba, tanto cariocas, “donos” do au-

cultura popular. O movimento teve origem

têntico samba, e paulistanos, responsáveis

com Adoniran Barbosa, elevado a maior

pelo samba comercial, experimentaram recor-

sambista de São Paulo, e suas parcerias com

des de vendas, entre 1995 e 2005, como os

compositores da classe média. Apesar disso, o

cariocas Martinho da Vila, Zeca Pagodinho e

que poderia se tornar uma produção popular

Molejo; e os paulistanos Art Popular, Exalta-

autêntica em São Paulo não aconteceu no

samba e Negritude Júnior. Mesmo sabendo

modificação

do

samba

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

47


TE S ES E DI SSERTA ÇÕES Foto: Frederico Boza

Dmitri: “Acredito que dei conta de problemas não atentados pela literatura especializada”

que muitos grupos de “neopagode”, represen-

nários em quatro casas de espetáculos no Rio

relacionei esses achados com suas funções

tantes da inautenticidade do samba, eram do

e quatro em São Paulo. O intuito foi revelar

sociais, como conectar conceitos de ‘autentici-

Rio de Janeiro, a crítica taxava o movimento

possíveis tendências dos públicos frequenta-

dade’ e ‘inautenticidade’. Assim, compreendi

como oriundo de São Paulo, reforçando que no

dores de cada local visitado, estabelecendo

porque uma classe média escolarizada tende a

samba os grupos se igualam e se separam de

coordenadas importantes às hipóteses nortea-

usar como marcador de sua posição social o

forma radical.

doras do trabalho.

amor pelas músicas julgadas mais ‘autênticas’,

Pesquisa

“Acredito que dei conta de problemas não

camadas subalternas tendem a um gosto mal-

atentados pela literatura especializada. Ao

visto pelas superiores, consumindo músicas

mesmo tempo, revelei aspectos de interesse

erotizadas e sem a tradição do gênero. Espero

para apreciadores desses gêneros. Foi impor-

ter mostrado que as músicas tidas como as

tante apresentar a constituição histórica e o

mais brasileiras, só poderiam ter se conforma-

funcionamento da linguagem usada pela críti-

do no Brasil, país de uma riqueza imensa, em

ca, que também estrutura a cabeça de músi-

todos os sentidos, só comparável à sua pobre-

cos, compositores e público. Por outro lado,

za, em todos os sentidos”, resume Fernandes.

como o choro ou o samba tradicional. Já as

Para finalizar o trabalho, Fernandes expôs os resultados do cruzamento de dados da investigação para a tese e informações de pesquisa Ibope sobre audiência de rádio entre 94 e 99. Na sua pesquisa foram aplicados 160 questio-

mais

Dmitri Cerboncini Fernandes Professor Adjunto I do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFJF (PPGCSO - UFJF); doutor em Sociologia e pós-doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); líder do grupo de pesquisa do CNPq “Música Popular e Intelectuais” http://www.ufjf.br/ppgcso Leia a tese na íntegra: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-15092010-171819/publico/2010_DmitriCerbonciniFernandes.pdf

48 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


M U N D O DI GI TAL

Channel 4

Democracia digital Cícero Inacio da Silva *

C

om

eleições

No episódio chamado “The National Anthem”,

diretor da série usa para nos provocar poderia

municipais, o mundo digital começou

a

realização

das

uma princesa Inglesa é sequestrada e a única

ser transposta para os dias de hoje em qualquer

a aparecer como algo positivo na

demanda para soltá-la é que o primeiro

situação. Imagine que um fato parecido com

pauta dos candidatos. Contudo, a série “Black

ministro da Inglaterra faça sexo ao vivo com

esse aconteça e que as redes sociais assumam

Mirror, lançada em 2012 pela rede pública de

um porco e que a relação seja televisionada

um papel proeminente na “acusação” ou na

TV Britânica Channel 4, vem polemizando

por todas as emissoras de TV em rede nacional.

“defesa” da veracidade desse acontecimento.

acerca do “poder das redes sociais”. O roteirista

Parece muito fácil tomar decisões quando a

da série, Charlie Brooker, descreve os motivos

O vídeo com a demanda aparece pela primeira

única coisa que nós temos a fazer é clicar em

que o levaram a elaborar uma das maiores

vez no Youtube. O primeiro ministro e o serviço

um botão e dizer que “gostamos” ou “não

críticas aos sistemas de redes sociais já

de inteligência mandam tirar o vídeo do ar

gostamos” de algo. Talvez essa série demonstre

realizadas. Diz ele que estamos nos tornando

depois de 12 minutos. Contudo, mais de 50 mil

que o mundo digital, com o qual ainda estamos

zumbis controlados por gadgets que nos

pessoas já haviam assistido ao vídeo e ele se

nos acostumando, tenha regras que não

dizem o que comer, como chegamos a algum

duplica por servidores ao redor do mundo com

combinem muito bem com os preceitos

lugar e quais as “recomendações” para o nosso

uma velocidade impossível de ser controlada.

democráticos da tolerância e da divergência,

dia a dia. Brooker vai ainda mais longe e critica

As redes sociais ampliam a divulgação do

que levamos tantos séculos para solidificar.

os modelos das redes sociais e dos softwares

vídeo, tuítes, posts, likes, entre outras formas

que, em tese, deveriam nos ajudar a interagir

de disseminação da informação prosperam à

Se você leitor quiser testar o que estou falando,

com o mundo, afirmando, inclusive, que certo

velocidade da luz e o governo não consegue

faça uma votação em uma rede social com

dia teve uma crise de pânico e que chegou a

mais controlar a sua propagação.

temas polêmicos e veja quão aterrorizante

pedir

ajuda

para

o

Siri,

o

sistema

de

podem ser as decisões tomadas pela maioria.

reconhecimento de voz do Iphone da Apple,

O que acontece depois eu não vou revelar, mas

Afinal de contas, não foi por acaso que o

que é capaz de “conversar” com você,

e

o que posso adiantar é que a massa “vota” e

nazismo alcançou o poder com uma aprovação

realizar agendamentos e ligar para seus

“aprova” que o primeiro ministro britânico,

maciça da população alemã.

contatos,

para salvar a princesa, realize o coito com um

entre

outras

comando da nossa voz.

funções,

tudo

ao

porco em rede nacional. Essa metáfora que o

* Coordenador do Grupo de Estudos do Software; pesquisador e professor adjunto da UFJF

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

49


a l é m da palavr a

Ilustração descritiva e ilustração interpretativa Jorge Arbach*

A

a

ocorre no campo verbal, por ser a palavra

diretamente no subjetivo. Desse modo, a

comunicação visual é o meio por

uma representação simbólica e não analógica.

ilustração interpretativa estimulará mais o

excelência.

E, sendo simbólica, a palavra é altamente

imaginário do receptor do que as palavras,

permeável à imaginação.

pois, palavras estão condicionadas a um código

onde

quer

que

Mesmo

estejamos, que

utilizemos

outros sentidos para absorver o mundo

esclarecedor anterior, ou seja, ser alfabetizado,

ao nosso redor, a visão atua como órgão preponderante, como meio sensorial para

O

mecanismo

humano

de

recepção

de

sua percepção. Tanto é que, para melhor

imagens utiliza somente o meio visual para sua

nos

possuir vocabulário ou conhecer o idioma.

bem

compreensão, necessitando, obrigatoriamente,

Assim, o objetivo da ilustração não se limita

cotidianamente

da presença do receptor para ver, tornando

tão somente a ser ornamento visual da mancha

expressões vinculadas ao universo visual: “Olha

intensamente subjetivo seu entendimento. E a

gráfica do texto ou atrativo para o leitor se

como é bom esse perfume!” (substituindo

comparação é o impulso primordial acionado

apropriar

do

o olfato); “Vou ver como ficou o tempero”

para entender qualquer imagem. Portanto, ver

limitado,

como

(substituindo o paladar); “Fechei os olhos para

imagens figurativas sempre nos remeterá a

descritiva, ao revestir-se de redundâncias

a história dela” (substituindo a audição); “Não

comparações predominantemente analógicas.

narrativas paralelas ao conteúdo do texto. As

enxerguei o motivo para o fato” (substituindo

Numa

Ilustrações interpretativas são detentoras de

a compreensão).

imaginativo

comunicarmos

compreendidos

e

sermos

utilizamos

mais

ilustração do

descritiva espectador

o

processo não

discurso ocorre

escrito.

Tampouco

com

ilustração

a

será

conceitos próprios que permitem ao leitor

estimulado por ser composta de imagens

encontrar novas e variadas leituras. Impregnada

Toda representação icônica é, antes de tudo,

detentoras de previsibilidade analógica. A

de interpretações, esse tipo de ilustração

o signo de uma ausência. Ausência daquilo

dinâmica imaginativa só será deflagrada diante

permite ao artista se expressar mesmo onde a

que está sendo representado, pois os olhos só

de uma metáfora visual, ou seja, por meio de

palavra não esteja presente, abrindo cada vez

podem interpretar o que é, não o que foi ou o

uma ilustração interpretativa. Aqui, sim, será

mais espaços para que o discurso não-verbal

que será. E, para tal, é necessária a presença

rompida a expectativa da semelhança. As

consolide seu lugar, elevando a ilustração ao

física do observador junto à imagem. Só o

metáforas visuais, operando no inconsciente,

nível comunicativo de um discurso verbal.

que não estiver presente é que se realizará

e não mais no raciocínio lógico, conduzirão

através da imaginação. É o que comumente

mais agilmente ao universo interior, atuando

* Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFJF, arquiteto e artista gráfico.

50 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


ALÉ RA a lé M m DA da PALAV palavra

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

51


TE S ES E DISSERTA ÇÕES

O poema “As pedras não falam, mas quebram vidraças”, de Sérgio Vaz, foi um dos estudados por professora da UFJF em dissertação premiada. A docente aponta a subversão da letra do samba de Cartola “As rosas não falam”, por meio da troca da palavra “rosa” (que evoca delicadeza, beleza e romantismo), por “pedra” (símbolo da dificuldade, da dureza, do não vivo).

Da margem para o centro das discussões Dissertação de Carolina de Oliveira Barreto, defendida no Programa de Pós-graduação em Estudos Literários da UFJF, levou o segundo lugar do Prêmio Anpoll 2012 com a temática da literatura marginal e periférica Flávia Lopes Repórter

P

roduzida há anos, como forma de

Rosa”, no mestrado em Estudos Literários da

de premiação. O trabalho da pesquisadora foi

expressão de um povo, a literatura

Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

o segundo melhor do país em sua área, na

marginal ou periférica só começou a

Ao escolher o tema, a pesquisadora procurou

avaliação da Associação Nacional de Pós-

ganhar atenção de teóricos e estudiosos do

trazer à tona as tensões entre as questões

graduação e Pesquisa em Letras e Linguística

Brasil há pouco mais de uma década. Sempre

políticas

(Anpoll).

contada sob o ponto de vista do intelectual, a

contemporânea e o papel das obras produzidas

Segundo o orientador e também pesquisador

cultura da periferia começa a ser ouvida por

por autores das periferias urbanas nesse

do tema há pelo menos quatro anos, Alexandre

meio de outras vozes, comprometidas com

contexto.

Faria, a emergência das discussões acerca da

seus locais de fala e que ecoam experiências

A falta de uma teoria específica sobre o

literatura marginal no país deu-se a partir de

vividas.

assunto não intimidou a então mestranda, que

2000, quando o escritor Ferréz (codinome de

Esse foi o cenário que inspirou a professora

fez, em um primeiro momento, um exercício de

Reginaldo Ferreira da Silva) organizou duas

Carolina de Oliveira Barreto a produzir a

leitura

teorias

edições da revista “Caros Amigos” sobre o

dissertação “Narrativas da ‘frátria imaginada’:

preestabelecidas, buscando novos caminhos e

tema, abrindo espaço para que escritores da

Ferréz, Sérgio Vaz, Dugueto Shabazz, Allan da

percepções. O reconhecimento veio na forma

periferia pudessem divulgar seus trabalhos.

52 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013

e

despido

estéticas

de

na

conceitos

literatura

e


T E S E S E DISSE RTAÇ Õ E S

“Houve uma mudança de voz muito significativa, mas ainda com certas barreiras, pois o crítico ainda está muito voltado para conceitos predominantemente estéticos nas obras literárias” (Alexandre Faria)

Agir, em 2005; e as oito obras de Ferréz, pela

“Os autores questionam o lugar da literatura, o

Objetiva. “As publicações estão muito atreladas

conceito, a teoria. Posicionam-se sempre, não

conhecidos, como o Paulo Lins (autor do livro

ao mercado. Mas vemos também um interesse

ficam em cima do muro.”

“Cidade de Deus”), começaram a emergir.

em cativar público leitor dentro e fora das

Nos textos estudados, segundo a pesquisadora,

Houve uma mudança de voz muito significativa,

periferias. Há uma preocupação em se reduzir

os locais de enunciação são bem marcados.

mas ainda com certas barreiras, pois o crítico

o valor do produto final para que não haja uma

“Não se trata apenas de uma questão territorial,

ainda está muito voltado para conceitos

barreira econômica que impeça a aquisição

mas também das trocas e da relação afetiva

predominantemente

dos

dos autores com o espaço.” Ainda de acordo

“Nomes

de

desconhecidas

pessoas do

completamente

público

estéticos

e

outros

nas

obras

livros

pelos

leitores

moradores

das

literárias.”

periferias e também para os demais leitores.

com

Apesar dessas barreiras, o movimento trouxe

Vemos nessas publicações valores variando

deslocamento do conceito de literatura.

a

autora,

os

textos

trazem

um

um novo discurso às produções literárias, que

entre R$ 5 e R$ 15.”

A partir da noção de “frátria imaginada”, a pes-

passaram a questionar a cultura mainstream. A

quisadora buscou trabalhar a questão do con-

realidade da periferia nos textos já não é mais

temporâneo e dos deslocamentos percebidos

aceitada de forma idealizada e separada do asfalto. “O texto da periferia é feito sob outro padrão, mobiliza outras questões e lança mão de uma linguagem que não é a formal. Trata-se de uma outra composição, que aproxima o texto da oralidade”, explica o professor. De acordo com Carolina, a disseminação dos textos de autores vinculados a essa produção literária ainda é dependente de pequenas editoras, como as Edições Toró e o Selo Povo, e realizada de forma paralela às grandes. Porém, nos últimos dez anos, houve uma atenção maior por parte das editoras, com o lançamento de seis volumes da coleção “Literatura Periférica”, editada pela Global; a antologia Literatura Marginal, lançada pela

“Frátria imaginada” O primeiro contato da pesquisadora com a literatura periférica ocorreu na época em que era bolsista de iniciação científica do curso de Letras da UFJF. O estranhamento inicial com o texto e a forma fez com que Carolina encarasse a questão como um desafio. Foi buscando repensar a relação entre sujeito e objeto, entre crítica e obra literária que a professora estruturou seu trabalho, defendido em abril de 2011. “A teoria sozinha não consegue dar conta de um bom número de obras que vêm sendo publicadas.” Ao trabalhar com a literatura periférica, a autora identificou várias tensões.

a partir das obras dos autores Ferréz, Sérgio Vaz, Alan da Rosa e Dugueto Shabbazz. Foram levantadas possíveis implicações políticas, estéticas e sociais inseridas nessa expressão. O termo “frátria imaginada”, segundo Carolina, origina-se da leitura de alguns textos, em especial, “A frátria órfã: o espaço civilizatório do rap na periferia de São Paulo”, de Maria Rita Kehl, e “Comunidades Imaginadas”, de Benedict Anderson. “Na verdade, não procurei fazer uma fusão de dois conceitos, mas uma atualização de ambos, a partir da leitura das obras.” Do texto de Kehl, a docente buscou a ideia das “identificações horizontais, em contraposição ao modo de identificação/dominação vertical”. Já durante a leitura que realizou de Benedict A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

53


TE S ES E DISSERTA ÇÕES

“ As publicações estão muito atreladas ao mercado. Mas vemos também um interesse em cativar público leitor dentro e fora das periferias” (Carolina Barreto)

Anderson,

mais

questionou

a

horizontalidade

das

frátria se imagina ou é imaginada no panorama

relações. O termo “Comunidades Imaginadas” de

cultural, político e econômico atuais.”

Anderson

e

Para a pesquisadora, ao mapear as formas de

atualizado pela autora a partir da ideia de

resistência por meio da escrita/leitura e por meio

construção do estado-nação moderno. “O que

da relação do “sistema” com a cidade ao longo de

chamou minha atenção, foi a possibilidade de

seu

desconstruir e ressignificar o termo, levando em

contradições perpassando a própria linguagem.

conta as tensões entre o global e a nação no

“Isso vai ao encontro da polifonia, uma vez que

interior das cidades, considerando o deslocamento

vozes e a interação entre elas passam uma

do local de enunciação. Procurei atualizar o que foi

multiplicidade de planos e o caráter contraditório

formulado por Anderson para mapear como essa

da realidade social.”

é

apropriado,

recontextualizado

trabalho,

foram

percebidas

tensões

e

Carolina de Oliveira Barreto Graduação em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2008); mestrado em Letras - Estudos Literários pelaUFJF (2011); experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura periférica, narrativa, “frátria imaginada” Veja o currículo lattes da pesquisadora: bit.ly/A3_lattesCarolinaBarreto Confira a dissertação premiada: bit.ly/A3_dissertacaoCarolinaBarreto

54 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


LIT E R AT UR A

Memória do rádio e da TV é preservada em “Cariocas do brejo” Wilson Cid*

P

osso dizer que acompanhei de perto o

Para quem se dedicar a levantar a história de

como repórter, no avião que trouxe João

esforço do professor do curso de Pós-

nossa radiofonia no período 1940-1960, como

Goulart a Juiz de Fora, recebi orientação no

graduação em TV, Cinema e Mídias

propôs o documentário - e, posteriormente, o

sentido de convidar o presidente a voltar no

Digitais da Faculdade de Comunicação da

livro em parceria com a também professora da

ano seguinte para a solene inauguração da

Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),

Faculdade de Comunicação, Cristina Brandão

emissora. Coincidentes, os destinos da TV

Flávio Lins, para transformar em realidade o

- “Cariocas do brejo entrando no ar: o rádio e a

estariam alterados, e 1964 acabaria chegando

sonho que vinha alimentando de mergulhar

televisão na construção da identidade juiz-

muito diferente.

nos primórdios do rádio e da televisão em Juiz

forana” - , ainda é possível descobrir algum

de Fora. Lembro-me bem. Ainda estávamos na

documento,

profissionais

Nos muitos encontros que Flávio e eu tivemos,

Redação do jornal “Panorama”, depois “JF

sobreviventes para gravar um depoimento. O

ele sempre muito preocupado em me manter

Hoje”, quando ele descobriu que haviam

mesmo, contudo, não se pode dizer de nossa

informado sobre o andamento de seu projeto,

ficado comigo alguns filmes produzidos pelo

televisão naquelas duas décadas. Além de ser

que procurei estimular sinceramente, passei a

fotógrafo Jorge Couri, na década de 60, para

uma

e

considerar algo que pela primeira vez vou dizer.

um telejornal de cinco minutos diários que

profissionais

da

Aqui e agora: penso que essa empreitada a que

inseríamos na programação vespertina da TV

documentação e dos arquivos. Ficou muito

ele se dedicou, e com grande êxito concluiu, foi

Tupi. Eu fui o redator dessa experiência

pouco para se pesquisar, desde a experiência

também passo importante para despertar

singular, que não podia mesmo ter longa

pioneira de Olavo Bastos Freire, passando

entre nós a necessidade de serem pesquisadas

duração: certamente nunca se soube de outro

pelas transmissões episódicas da TV Mariano

as fontes da história da imprensa, do rádio e da

telejornal

ônibus

Procópio, que não sobreviveu e teve suas ações

televisão em Juiz de Fora. Flávio, além de

interestadual para sair da redação e chegar ao

convertidas para o capital da S/A Diário

pioneiro, deu esse passo imenso, e certamente

estúdio... Pois, ao se interessar por esse

Mercantil, até chegarmos à TV Industrial, que

seu livro ficará como a contribuição maior. Mas

material, Flávio nos fez o favor de colocá-lo

prometia consistência e disposta a se tornar

a melhor forma de homenageá-lo é continuar o

em ordem e recuperar alguns filmes que

grande geradora. Essa expectativa era tão viva,

trabalho que ele começou.

estavam ameaçados de perder a qualidade.

que em 31 de maio de 1963, quando embarquei,

que

se

utilizava

de

até

passagem de

mesmo

brevíssima, então

dirigentes

descuidaram

* Jornalista e editor político

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

55


LA NÇAM ENTOS

Editora UFJF amplia produção científica e interlocução acadêmica

A

Editora da Universidade Federal de Juiz de Fora (EDUFJF) passa por um momento único em seus 25 anos de história, com a Administração Superior investindo no fortalecimento não apenas dos cursos de graduação, mas também nos de pós-graduação. O resultado desses investimentos é a ampliação da produção científica e da interlocução acadêmica com instituições nacionais e internacionais.

O objetivo principal é atender ao professor pesquisador, proporcionando uma parceria comprometida com o sucesso da publicação e da divulgação dos trabalhos. Para que isso ocorra, a EDUFJF mantém relações comerciais com inúmeros distribuidores e editoras universitárias, difundindo a produção científica dos docentes. Segundo o diretor administrativo da EDUFJF, Antenor Salzer Rodrigues, em 2011 foram publicados 35 livros e a meta é superar esse número neste ano.

Uma sociologia indignada: diálogos com Luiz Werneck ViannA (Rubem Barboza e Fernando Perlatto – R$ 40) Barboza e Perlatto mostram que toda sociedade é um enigma, nunca integralmente resolvido. Há construções intelectuais, entretanto, que nos auxiliam com algumas pistas sobre o significado da experiência comum e a continuidade possível com as realizações dos que nos antecederam. Nesta coleção de intérpretes, Luiz Werneck Vianna ocupa uma posição de relevo singular, o que os artigos que compõem esta “Sociologia Indignada” demonstram de modo definitivo. O livro reúne as contribuições dos intelectuais que participaram do seminário organizado em sua homenagem pela UFJF, em 2010.

Histórias e memórias do esporte em Minas Gerais (Carlos Fernando Ferreira da Cunha Júnior – R$ 27) O livro de Carlos Fernando Ferreira da Cunha Júnior reúne trabalhos de pesquisadores que analisam o esporte em sua dimensão histórica e também é o resultado de projetos de pesquisa contemplados no edital público nº 16/2009, organizado e financiado pela Fapemig, com o objetivo de apoiar ações científicas na área da História do Esporte e da preservação de acervos. A obra aborda as práticas esportivas em Minas Gerais sob o olhar histórico e ajuda a revelar a diversidade de trajetórias e sentidos que esse fenômeno possui. O leitor terá um bom panorama da importância do fenômeno esportivo e de seu potencial para melhor compreender nossa sociedade, seus arranjos e construções.

Atlas de diagnóstico por imaginologia das desordens temporomandibulares (Josemar Parreira Guimarães e Luciano Ambrosio Ferreira – R$ 200) A equipe do Serviço ATM da Faculdade de Odontologia da UFJF reuniu um acervo rico em informações semiológicas sobre as desordens temporomandibulares. Parte dessa coleção – prontuários clínicos, modelos de gesso, fotografias intra e extrabucais e imagens radiográficas, principalmente planigrafias da ATM e radiografias transcranianas – foi selecionada para a elaboração da obra. O objetivo dos autores é oferecer uma fonte de pesquisa para as condições clínicas do dia a dia e, dessa forma, auxiliar os profissionais na elucidação dos diagnósticos e na escolha das condutas terapêuticas mais indicadas.

A Editora UFJF está situada na Rua Benjamin Constant 790, no prédio do Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm) - Juiz de Fora/MG. Tel.: (32) 3229-7646 | Fax: (32) 3229-7645. E-mail: secretaria@editoraufjf.com.br

56 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


Mús ica Foto: Kiko Barbosa

Glitter Magic: a diferença entre brincadeira e diversão Wendell Guiducci*

C

omeçou

brincadeira.

festival que tinha como headliner a banda

Torstensson, “Bad for health”, uma mescla de

Quando os guitarristas Luqui di Falco

carioca Matanza, Rhee Charles sugeriu que

elementos do hard rock dos anos 80 com

e Mauri Moore e o vocalista Rhee

compusessem uma música para incluir no set

sonoridades do rock pesado contemporâneo,

Charles foram convidados para tocar na festa

list. Assim nasceu a primeira canção, “Snake

viu a luz do dia. Já era 2012.

de uma amiga, em outubro de 2005, não

blood”. Ainda em 2006, “Love proof” foi

Vinte

imaginavam o que a Glitter Magic se tornaria.

composta, desta vez para que a banda

independente, chegar às lojas, Rhee, Luqui,

Metaleiros de carteirinha, doutrinados nos riffs

concorresse no tradicional Festival de Bandas

Mauri, Glux e Andy disponibilizaram na internet

trovejantes

Sepultura,

Novas de Juiz de Fora. “Snake blood” foi

o álbum na íntegra (http://soundcloud.com/

Megadeth, Slayer, Iron Maiden, Judas Priest e

incluída no CD oficial do festival, em 2007, e na

glittermagic), e só então partiram atrás de

Metallica, os três - escoltados pelo baterista

coletânea “Quem toca cover tá fora”, no

quem os lançasse fora do Brasil. O selo italiano

Everton Ton Ton e pelo baixista Thiago Orc,

mesmo ano. E aí a Glitter Magic entrou em um

Heart of Steel Records foi seduzido por

hoje fora do grupo - foram desafiados a armar

caminho sem volta: era hora de deixar de ser

canções como “Daring the dawn”, “Living on

a cabeleira com laquê e se travestir de banda

uma banda “de mentirinha” para ganhar

addiction” e “Bad for health”, primeiro single e

glam.

respeito.

videoclipe do disco homônimo, e o contrato foi

Rhee - ex-aluno e membro do Coral da UFJF -,

Já com quatro anos de vida e sem ver sentido

Mauri e Luqui (aluno de pós-graduação em

em lançar um EP ou um CD demo, o quinteto

Antes mesmo do lançamento de “Bad for

Marketing na UFJF) foram surpreendidos pela

- que mudou de formação algumas vezes até o

health” na Europa, em agosto último, a banda

força dos hits de Skid Row, Bon Jovi, Scorpions,

baixista Glux (outro integrante do Coral e aluno

já contabilizava boas críticas em países como

Firehouse... Curtiram tanto a receptividade do

do curso de Psicologia da UFJF) e o baterista

Grécia, Holanda, França e Reino Unido, fruto

público amigo que aceitaram o desafio de

Andy Ravel (discente de Arquitetura na UFJF)

do trabalho de assessoria do Heart of Steel.

tocar em outra festa. E assim, só por diversão,

fincarem raízes ao lado de Rhee, Luqui e Mauri

Também no Brasil, a Glitter tem conquistado

decidiram continuar, trocando a sisudez e o

- partiu para a produção do primeiro álbum. As

boas resenhas em veículos especializados em

aspecto sombrio do metal pela fanfarronice e

gravações foram realizadas durante dois anos

rock pesado como o site Whiplash e a

as cores cintilantes do hard rock.

e meio, com produção da banda, no estúdio da

tradicional revista “Roadie Crew”. Um bom

Escola de Música Ematech em Juiz de Fora.

saldo para uma banda que começou como

A coisa começou a ficar mais séria no ano

Depois

uma brincadeira. E que, mesmo trabalhando

seguinte, quando, convidados a tocar em um

conduzidas na Suécia pelo produtor Jerry

de

como

bandas

uma

como

dias

antes

de

o

disco

“físico”,

assinado.

da

mixagem

e

masterização,

muito, continua sendo divertida.

* Jornalista, formado pela UFJF, cantor e ama o rock

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

57


B IB LIOT ECA

UFJF será a primeira universidade federal a disponibilizar tablets aos alunos Medida tem o objetivo de facilitar o acesso dos estudantes às bases digitais adquiridas recentemente pela instituição Flávia Lopes e José Renato Lima Repórteres

A

s novas tecnologias estão modifican-

professores, estudantes e servidores têm aces-

podem ser acessados simultaneamente por

do as formas de produção e aquisi-

so a e-books, normas técnicas, periódicos,

todos os alunos e o custo não se torna uma

ção de conteúdo na atualidade. As

discursos, palestras, teses, dissertações, leis,

barreira ao aprendizado.”

mídias digitais estão substituindo o papel em

entre outros arquivos, de forma gratuita.

várias aplicações e em uma velocidade vertigi-

Ainda de acordo com Adriana, com essas fon-

nosa. Nesse cenário, as bibliotecas também

Para facilitar o acesso a essas bases digitais no

tes de informação on-line a Biblioteca também

estão passando por transformações. A cada

campus, a UFJF está providenciando a aquisi-

terá condições de atender vários estudantes ao

ano são produzidos no mundo cerca de um

ção de cem tablets e outros cem notebooks.

mesmo tempo, já que não há limitação de

milhão de títulos, com milhares de exemplares

Os investimentos totais, em bases e equipa-

acesso. “Temos um limite de exemplares na Bi-

por tiragem. Apesar dos constantes investi-

mentos, são da ordem de R$ 1,5 milhão.

blioteca, mas com as plataformas on-line isso

mentos da Universidade Federal de Juiz de

não ocorre. Todos podem acessar um único tí-

Fora (UFJF) na aquisição de livros – só no últi-

Segundo a coordenadora do Centro de Difu-

tulo ao mesmo tempo.” Para a coordenadora,

mo ano foram R$ 5 milhões –, acompanhar

são do Conhecimento (CDC), Adriana Apareci-

as bases digitais quebram barreiras geográfi-

esse crescimento não tem sido tarefa fácil para

da de Oliveira, a UFJF será a primeira universi-

cas, de tempo e espaço. “Mesmo que não seja

as instituições. Soma-se a isso o fato de a in-

dade federal a disponibilizar tablets e e-rea-

horário em que as bibliotecas estejam abertas,

formação acadêmica ser produzida em ritmo

ders para a consulta das publicações. “Sere-

as fontes estarão disponíveis durante 24 horas

maior do que a capacidade dos pesquisadores

mos pioneiros e a Universidade terá um grande

por dia, sete dias por semana, com acesso por

em administrá-la, dos editores em publicá-la,

desafio, pois iremos criar todo um sistema de

meio do login e da senha do Siga.”

do bibliotecário em coletá-la e dos estudiosos

acesso e empréstimo sem outra referência.”

em consultá-la. O objetivo da aquisição das plataformas, seAtenta a esta tendência, a UFJF está adquirin-

gundo Adriana, não é apenas ampliar o acervo

do, desde o início de 2012, plataformas on-line

da UFJF e tornar a busca de determinadas

de acervo digital, que contemplam todas as

obras mais célere, mas democratizar o acesso

áreas do conhecimento (ver quadro na página

a todos os interessados. “Quando falamos de

60). Por meio das bases Atheneu - Livros ele-

inclusão, temos que pensar em todas as for-

trônicos, HeinOnline, Vlex, Jstor, Biblioteca

mas de atender os estudantes. Com a aquisi-

Virtual 3.0 Pearson, ABNT Coleção e IEEE,

ção das bases, muitos livros que são caros

58 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013

Nova metodologia A discussão acerca da aquisição das bases online teve início há dois anos e contou com o apoio do diretor da Faculdade de Direito, Marcos Vinício Chein Feres, que já havia adquirido a plataforma Vlex, em 2011. Segundo o professor, as plataformas digitais permitem


BIBLIOT E CA BIBLIOT E CA

Foto: Frederico Boza

Professores, estudantes e servidores têm acesso gratuito a e-books, normas técnicas, periódicos, teses, dissertações, leis, entre outros arquivos

uma mudança de paradigma não apenas da forma como

os pesquisadores buscam

conteúdo, mas também obriga uma outra postura por parte do docente, que tem condições de oferecer um conteúdo mais amplo e atual a seus alunos. “Até a década de 90, os estudantes que queriam ter acesso fácil a publicações recentes nos Estados Unidos ou na Europa, por exemplo, teriam que fazer um mestrado ou doutorado fora do país. Hoje, nossos alunos têm condições de acessar o mesmo conteúdo e participar das discussões que ocorrem em universidades de ponta pelo mundo sem sair de casa. Com a disseminação da internet e digitalização de uma série de obras e periódicos vamos percebendo que não é mais necessário suplantar uma barreira de espaço para ter acesso a esse material.” Para o diretor, essa nova cultura de acesso já está interferindo no processo de construção da

metodologia

de

ensino-aprendizagem.

“Cada vez mais, o papel do professor não é só transmitir, mas disponibilizar o melhor conteúdo, quantitativamente e qualitativamente, e dotar o aluno de meios críticos para lidar com essas informações.”

A Universidade está providenciando a aquisição de cem tablets e outros cem notebooks. Os investimentos totais, em bases e equipamentos, são da ordem de R$ 1,5 milhão Na avaliação do diretor da Faculdade de Odontologia, Antônio Márcio Resende do Carmo, a democratização do acesso às publicações é uma das principais vantagens das bases digitais. “Na faculdade, trabalhamos com livros, pois é necessário que os alunos vejam imagens de boa qualidade. Muitas vezes, essas publicações são caras, com preços de até R$ 600. Além disso, precisamos que todos os estudantes estejam com a publicação ao mesmo tempo e não há como disponibilizar na Biblioteca tantos exemplares de um mesmo livro. Com as plataformas digitais isso é possível.” A atualização do conteúdo é outro ponto destacado

tão muito importante. O tempo que se perde entre a produção, a edição e a publicação de uma obra é muito grande e acabamos perdendo um pouco com isso.” Segundo a coordenadora do CDC, nas plataformas disponibilizadas pela UFJF há inclusive obras que se encontram no prelo (antes da impressão). A estudante do nono período de Direito, Luciana Tasse, que usa bases como a Vlex, HeinOnline e Jstore, diz que sempre recorre às plataformas durante a elaboração de suas pesquisas. “Agora não ficamos dependendo das compras de livros. Há um conteúdo muito grande nas bases, é só procurar.” Luciana também observa que muitos periódicos com alto custo estão disponíveis na rede. “Temos condições de trabalhar com o mesmo conteúdo utilizado por um estudante de uma universidade renomada, por exemplo.” Para a aluna do décimo período de Medicina, Gabriela Hinkelmann, a possibilidade de baixar o livro e imprimi-lo é outro benefício. “Isso facilita o estudo, pois há disciplinas nas quais os livros base são muito concorridos.”

pelo professor. “Na área de saúde, a atualidade das informações sobre pesquisas é uma ques-

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

59


B IB LIOT ECA

Mudança de cultura Para a coordenadora do CDC, Adriana Aparecida de Oliveira, a implantação das bases é importante para atender não só os cursos presenciais, mas também o ensino a distância da UFJF e os alunos do Campus de Governador Valadares, que terão acesso de forma igual às mesmas plataformas. Segundo ela, a utilização das plataformas digitais passam por uma mudança de cultura tanto por parte de professores quanto de alunos, que muitas vezes reconhecem legitimidade apenas nos livros impressos. “Mas isso mudou muito nos últimos anos. Hoje nossos alunos de graduação já são ‘nativos digitais’, que pos-

A editora disponibiliza, em sua base online, 361 obras. As publicações englobam as áreas de Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Medicina, Odontologia, Saúde Coletiva, Nutrição, Biofísica, Biologia Geral, Bioquímica, Farmacologia, Fisiologia, Genética, Imunologia, Morfologia, Parasitologia e Zoologia. Os títulos são publicados em português e com texto completo dos capítulos, permitindo download e impressão de obras. bit.ly/A3_Atheneu

suem grande facilidade de leitura nas telas de

maior acessibilidade a uma mesma obra e ao

computadores e tablets.” Além disso, afirma

mesmo tempo, maior interatividade com ima-

Adriana, não há previsão de redução de inves-

gens e vídeos e possibilidade de hiperlinks.

timentos por parte da UFJF nos livros impres-

“Tudo isso contribui para a aprendizagem dos

sos. “A aquisição de livros impressos continua.

discentes e agrega valor ao processo de ensino

A Universidade inteira ganha em termos de

e pesquisa acadêmica. O desafio do bibliotecá-

pesquisa, pois são bases reconhecidas interna-

rio é possibilitar a independência das pessoas

cionalmente.”

na busca das informações e do conhecimento: esta deve ser a meta dos bibliotecários da

Para orientar os pesquisadores a utilizar as pla-

UFJF, principalmente neste momento de novas

taformas on-line, o Centro de Difusão do Co-

fontes de informação científica.” Para Ana Ca-

nhecimento (CDC) elaborou tutoriais com o

rolina, o plano de trabalho a ser desenvolvido

passo-a-passo para o acesso e também treinou

tem de ser a via da educação. “Por meio de

profissionais para o atendimento às demandas.

programas de capacitação dos leitores/pesquisadores, podemos demonstrar as funciona-

Segundo a biblioteconomista Ana Carolina Ca-

lidades e as potencialidades das novas fontes

etano, as vantagens e potencialidades dos li-

de informação.”

vros eletrônicos são muito atraentes, como

A base possui mais de 40 bibliotecas

A plataforma Vlex é o mais completo banco

integradas com grande acervo de fontes

de dados sobre assuntos ligados ao Direito.

raras e com cerca de cem mil imagens

O seu conteúdo soma de mais de 83 mil

em PDF de documentos oficiais, incluindo

documentos em e-books e periódicos de

tabelas, gráficos, fotos, notas escritas à mão,

direito, incluindo legislação, jurisprudência e

fotografias e notas de rodapé. O seu conteúdo

doutrina, em 13 idiomas. O banco de dados

é voltado principalmente para a área de

da Vlex ainda inclui mais de 130 jurisdições de

Ciências Sociais. Possui 70 milhões de páginas

diferentes países. O download e a impressão

da história jurídica. Tanto o download quanto

de página são permitidos para os usuários.

a impressão são permitidos sem restrições. bit.ly/A3_Vlex bit.ly/A3_HeinOnline

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A coleção reúne as normas técnicas de

multidisciplinar. A UFJF assinou o acesso ao

editoras nacionais em diversas áreas do

todos os comitês da ABNT e Mercosul,

conteúdo completo que compreende mais

conhecimento. Sua aquisição pela UFJF visa

universalizando a consulta rápida a qualquer

de mil periódicos acadêmicos e mais de

principalmente suprir os cursos de graduação,

uma dessas informações. É necessária a

um milhão de imagens, correspondências

já que o acervo Pearson possui os livros que

instalação de um software que permite a

e outras fontes primárias. O Jstor é uma

estão incluídos no currículo dos cursos. Nesta

visualização integral da norma.

das bibliotecas virtuais mais completas

plataforma os downloads não são permitidos.

do mundo, disponibiliza periódicos e

É possível imprimir na Biblioteca Universitária

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monografias com permissão para download

até 50% de cada livro. O acervo reúne 1.400

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60 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


E N S AI O FOTO GR ÁFIC O

Ritmo frenético da cidade oculta belezas arquitetônicas das galerias Texto de Frederico Braida e José Gustavo Francis Abdalla* Fotos de Gleice Lisboa*

Galeria Pio X A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

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E N S AIO FOTOG RÁFI CO

T

anto as fotografias quanto as galerias comerciais apresentam-se como elementos de uma nova era em que a in-

dústria e a tecnologia são emblemáticas. Embora as imagens fotográficas tenham seus princípios e processos na câmera escura, já conhecida há muito tempo, e as galerias encontrem seus elementos referenciais nos bazares do Oriente Médio, ou até mesmo no Mercado de Trajano, em Roma, Itália, elas podem ser consideradas como inovações do século XIX. Concebidas primeiramente como uma “máquina de circular”, as passagens europeias tornaram-se cenários propícios para toda espécie de consumo de necessidades, além de oferecerem um lugar para o homem moderno passear e exibir-se. Não por acaso Walter Benjamin afirmava ser a galeria parisiense a casa do flâneur, daquele que passeava sem destino, fotografando a cidade, entregue ao espetáculo do momento, cujo objetivo não era outro senão ver e ser visto. Galeria Constança Valadares

62 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


E N S AI O FOTO GR ÁFIC O

Galeria Francisco Borragi

Entretanto, ao longo dos séculos XIX e XX, sucumbidas à transitoriedade inerente à vida moderna e suas transformações sociais, tecnológicas e urbanas, as galerias europeias acabaram sendo consideradas anacrônicas e entraram em um processo de deterioração e, em diversos casos, completo abandono. Mesmo assim, as galerias se espalharam por praticamente toda Europa e Américas. No contexto da América Latina, as galerias comerciais começaram a ser edificadas nas primeiras décadas do século XX. Embora menos glamourosas, elas têm se mostrado, ainda nos dias de hoje, como espaços de vitalidade para consideráveis áreas centrais de muitas cidades, conforme estudos apresentados no livro “Passagens em rede: a dinâmica das galerias comerciais e dos calçadões nos centros de Juiz de Fora e de Buenos Aires”, lançado recentemente pelas editoras Funalfa e Editora UFJF, de autoria do pesquisador e professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Frederico Braida. Galeria Constança Valadares A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

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E N S AIO FOTOG RÁFI CO

Galeria Francisco Borragi

Galeria Pio X Em Juiz de Fora, o advento das galerias se deu com a construção do edifício-galeria Pio X, pela Pantaleone Arcuri, em 1923, quando a cidade já se encontrava em um momento posterior à pujança industrial que vinha ocorrendo desde o último quartel do século XIX. A partir de então, diversos edifícios-galerias têm sido erguidos. E, para entender o valor desses edifícios, aponta-se: sua quantidade na área central e o desenho labiríntico que fazem para os percursos na cidade; a arquitetura com uma nave simples, linear e estreita que cativa o cidadão; e o aspecto social que, por causa da densidade e divisão do solo, permite pequenos negócios estarem no lugar central.

Tais características fazem das galerias comerciais, construções marcantes na imagem do centro de Juiz de Fora, onde os transeuntes se deparam com caminhos surpreendentes, não publicamente planejados. E, são esses caminhos, de exuberantes pisos e tetos, cuja arquitetura muitas vezes fica ocultada pelo acelerado ritmo da vida cotidiana, que ganham visibilidade neste ensaio fotográfico, pelas lentes de Gleice Lisboa.

Galeria Pio X

64 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


E N S AI O FOTO GR ÁFIC O

Galeria Pio X

Galeria Francisco Borragi

* Frederico Braida e José Gustavo Francis Abdalla, professores doutores do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFJF * Gleice Lisboa Marques, professora do Departamento de Artes da UFJF

Galeria Belford Arantes A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

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LE IA- M E

Ilustração: Joviana Fernandes Marques

Bésame Mucho Prisca Agustoni*

A

pesar da fuligem, as ruas conservavam

abaixo, percorrendo os anos que separavam o

Dizem que as melhores coisas não acontecem

uma luz que só uma ilha poderia

iniciado da iniciação. Também havia, é verdade,

por acaso. Não sei dizer por certo, mais se

suportar e dosar de acordo com a

aqueles passos a me seguir, em qualquer canto

isso for verdade, o destino não podia ser

contração das ondas.

da casa.

mais generoso comigo, uma vez que me

Eu achava aquele ritmo semi-molhado, aqueles

No entanto, quando os livros perfuraram

memória a faca, a fruta e a livraria, cuja janela

dias todos iguais, quase um vício, como uma

o círculo de fogo no qual me joguei, sem

lateral dava de cara para a casa de Lezama

mosca zumbindo ao redor da mesma ideia. A

perceber, eles começaram a levar vantagem, e

Lima.

umidade e as plantas, lá fora, atravessavam em

não houve mais jeito para nada. Eles cercearam

cheio o cerne da juventude.

a mesa, calaram as vozes e se tornaram um

deixou como herança daquele esconderijo na

enclave de traição entre nós dois. Ou um Foram os dias em que o amarelo escorreu pelos

paraíso antecipado para a perdição. Um

cantos da boca. Ainda não levava jeito com a

paraíso de papel e de redemoinhos no fundo

faca e a fruta, por isso o suco escorreu pelo

da página.

pescoço, uma vez, mais vezes, descendo peito

*Conto extraído do livro “A neve ilícita”, de Prisca Agustoni, mestre em Letras Hispânicas pela Universidade de Genebra (Suíça); doutora em Literatura Comparada pela PUC-MG; professora de Letras Estrangeiras Modernas da Faculdade de Letras da UFJF Editora Nankin (http://www.nankin.com.br/)

66 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


Para gerar conhecimento Para gerar inovação Para gerar desenvolvimento econômico Para gerar empregos Para virar notícia e entrar na história.

Parque Científico e Tecnológico de Juiz de Fora Um espaço para empresas, centros públicos e privados de pesquisa, desenvolvimento e inovação, prestadores de serviços tecnológicos complexos e de apoio às atividades tecnológicas.

A3 - OutuBRO/2012 a MARÇO/2013

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“Espaço Interno do ICE” de Bárbara Botelho

68 A3 - OutuBRO/2012 a MARÇo/2013


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