Conferencia projeto

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conferĂŞncia nacional

sobre as cidades


Conselho Curador Presidente de honra: Armênio Guedes (In memoriam) Presidente: Alberto Aggio Vice-Presidente: Luiz Sérgio Henriques Secretária: Helena Ladeira Werneck Efetivos: Arlindo Fernandes de Oliveira Caetano Ernesto Pereira de Araujo Ciro Gondim Leichsenring Cleia Schiavo Weyrauch Dina Lida Kinoshita Francisco Inácio de Almeida George Gurgel de Oliveira João Batista de Andrade João Carlos Vitor Garcia José Jorge Tobias de Santana José Regis Barros Cavalcante Lucília Helena do Carmo Garcez Luiz Carlos Azedo Márgara Raquel Cunha Mércio Pereira Gomes Raimundo Jorge N. de Jesus Raul Belens Jungmann Pinto Renata Eitelwein Bueno Renata Cristina Cabrera Sergio Camps de Morais Suplentes: Amilcar Baiardi Davi Emerich Ubaldo Dutra de Araujo Ulrich Hoffmann Vladimir Carvalho da Silva


conferência nacional

sobre as cidades 19 E 20 DE MARÇO DE 2016 VITÓRIA - ES

Brasília-DF, 2016


© by Fundação Astrojildo Pereira e Contraponto, 2015 Vedada, nos termos da lei, a reprodução total ou parcial deste livro, por quaisquer meios, sem a autorização da fundação.

FUNDAção ASTRoJILDo PeReIRA (FAP) SePN 509 – Bloco D – Lojas 27/28 – Ed. Isis 70750-504 – Brasília-DF Fones: (61) 3224-2269/3045-6916 Fax: (61) 3226-9756 www.fundacaoastrojildo.org.br fundacao@fundacaoastrojildo.org.br

Tiragem: Obra da capa:

Ficha Catalográfica


sumรกrio




Apresentação Fotos dos Encontros Preparatórios – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória, Curitiba e Recife


N

os dias 19 e 20 de março de 2016, o Partido Popular Socialista (PPS) e a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) realizaram, em Vitória (ES), a Conferência Nacional sobre as Cidades. O evento representou a conclusão de todo um processo de discussão, realizado por militantes políticos e especialistas, interessados em estabelecer um conjunto de propostas de caráter democrático e progressista para as cidades brasileiras. O volume que o leitor tem em mãos registra o resultado dos debates desta Conferência, desde sua concepção, que ocorreu aproximadamente um ano antes do evento capixaba. Nesse período, a FAP realizou reuniões preparatórias para selecionar e escolher conteúdos orientadores que pudessem dar sustentação a uma discussão qualificada sobre a vida nas cidades brasileiras, buscando pensá-las tanto a partir de um contexto global quanto dentro da sua especificidade local, regional e nacional. O percurso realizado pelos organizadores e especialistas, até a reunião final em Vitória, foi de muito trabalho e estudo, 11


visando determinar as temáticas centrais da Conferência. Procurou-se abarcar os problemas urbanos mais relevantes, selecionados a partir de critérios analíticos e investigativos exigentes, combinados a uma generosa abertura a ênfases bastante diferenciadas. Desde a definição da temática geral até as questões específicas da educação, saúde, mobilidade urbana, segurança, finanças públicas e cultura, foram realizadas em diferentes cidades do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória, Curitiba e Recife). As reuniões preparatórias, concebidas como “seminários” mobilizaram cerca de 120 especialistas, boa parte deles não filiados ou vinculados ao PPS ou mesmo à FAP. Tais especialistas aceitaram, com imensa generosidade, o nosso convite e, durante os eventos, muitos manifestaram surpresa e uma avaliação positiva dos encontros em razão da qualidade dos debates.

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Tal impressão poderá ser comprovada nos capítulos que compõem esta antologia, que registra os pontos fundamentais que sintetizam as discussões e propostas deles decorrentes. Se os encontros preparatórios foram estimulantes para todos aqueles que deles participaram, o evento que finalizou a Conferência das Cidades, em Vitória, reunindo aproximadamente 500 pessoas, entre dirigentes, militantes e simpatizantes do PPS e membros da FAP, além de representantes de outros partidos, e, especialmente, de pessoas não filiadas a nenhum deles, foi capaz de emocionar a todos em função do clima geral que se instalou. Foi marcado por uma renovada disposição em se buscar novas formulações para os problemas urbanos das cidades brasileiras e, mais do que isso, tais formulações foram traduzidas para a prática política na localidade em que residem e atuam. Este livro está composto, portanto, de textos que foram elaborados coletivamente por meio do registro que se fez das discussões nas reuniões preparatórias, bem como da sua rediscussão no âmbito das sessões que tiveram lugar na Conferência de Vitória. Tanto nas preparatórias quanto nas sessões realizadas na capital capixaba houve relatores e redatores para este trabalho, todos eles mencionados nas notas de rodapé de cada um dos textos. Não caberia aqui fazer nenhuma menção particular aos pontos específicos de cada um dos temas aqui tratados, que vão da saúde às finanças públicas, da mobilidade urbana à educação, da segurança pública à cultura. Tampouco caberia fazer uma síntese introdutória de cada um dos textos. Eles são muito densos, embora sintéticos, e merecem ser lidos em sua integralidade. Vale mencionar apenas um único ponto: cada um deles apresenta um conjunto de propostas estimulantes e inovadoras que, abertas em seu caráter e sentido, podem, no todo ou em parte, Apresentação

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ganhar uma nova versão diante da realidade política e eleitoral local que cada pessoa virá a enfrentar nas próximas eleições municipais. São textos, portanto, de reflexão e de orientação, e não um manual a ser aplicado independentemente das circunstâncias políticas locais. Entretanto, alguns elementos são importantes serem mencionados nesta Apresentação. Os conteúdos se reportam a questões políticas tanto de caráter estrutural quanto conjuntural, mas particularmente a problemas de natureza conceitual, notadamente aqueles que tenham relação com a proposta de governança democrática, o eixo teórico-político que orientou a Conferência. Em primeiro lugar, é preciso voltar o nosso olhar para o cenário político geral em que estamos imersos e que, seguramente, estará presente nas eleições municipais que se avizinham. Não resta dúvida que vivemos tempos de mudança. A ideia de mudança tem ajudado os brasileiros a participarem cada vez mais da vida política e tem ensejado um sentimento comum no sentido de se valorizar a construção coletiva da nossa democracia. Desde o chamado processo de redemocratização, já passamos por muitas experiências, algumas bem sucedidas, outras nem tanto. Por um momento, entendeu-se que democracia significava apenas reivindicar do Estado e do poder público. Contudo, os brasileiros vêm compreendendo que isso, embora importante, resulta insuficiente e não gera resultados duradouros. É preciso não apenas protestar, se indignar ou mesmo se rebelar. É preciso que haja organização política de interesses e capacidade de elaboração, mesmo que parcial, mas substantiva, de projetos de reforma e de transformação da realidade.

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Se formos percebendo essas carências, nessa trajetória também começaremos a dimensionar que a concepção verticalizada da ação política e de governo, que, em geral, vem de cima para baixo, nos satisfaz menos ainda. Este tipo de política, de caráter “gerencial”, carrega invariavelmente um viés autoritário que hoje é rejeitado pela maioria das pessoas – e com toda razão. O tempo de mudança que vivemos exige uma “nova política” porque expressa claramente uma tendência no sentido de fortalecer, consolidar e renovar a vida democrática entre nós. Em segundo lugar, é preciso chamar atenção para a situação financeira das cidades brasileiras. A visão de que as pessoas vivem nos municípios e não nos estados ou na Federação é correta, mas é uma meia-verdade. Os problemas das cidades brasileiras não se restringem apenas ao que ocorre cotidianamente nelas. Em nossa ordem constitucional, os mu16

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nicípios são entes federativos, ou seja, nossa Federação é composta de estados e municípios. E o que isso acarreta? Pois bem, as cidades brasileiras vivem sob o influxo de determinações políticas e financeiras dos três entes federativos (municipal, estadual e federal) que compõem o Estado e, como se sabe, uma das principais repercussões da crise atual do Estado brasileiro se manifesta por meio da crescente concentração de recursos no plano federal. Hoje, as finanças públicas dos municípios estão esgarçadas, provocando um desequilíbrio crescente que ameaça sua capacidade administrativa. É urgente repensar, portanto, um novo federalismo que estabeleça uma nova divisão dos recursos públicos amealhados dos brasileiros. Nas eleições municipais, esta é uma questão que precisa ser esclarecida para a cidadania, mas não pode servir de álibi para a ausência de inovação dos programas de governo que devemos apresentar aos eleitores. Em terceiro lugar, temos que ter em conta que a trajetória recente das cidades brasileiras não é nem um pouco auspiciosa. Elas, apesar do seu grande crescimento, engendram exclusões e desigualdades expressivas, bolsões de segregação social da malha urbana e graves problemas ambientais. Em artigo recente, a socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho1 nos chama atenção para o fato de que, no processo de modernização das últimas décadas, passou-se da “cidade da ditadura”, com seus desastres habitacionais, de mobilidade e ecológicos, para a “cidade financista”, que elevou o mercado como a referência para o redesenho das necessidades urbanas e sociais básicas. O que nos leva a concluir que, no Brasil, a “cidade da democracia”, uma “polis contemporânea verdadeira”, não se tornou entre nós uma constru1

REZENDE DE CARVALHO, M. Alice. Sobre ‘tudo que está aí’. Política Democrática, n. 44, Brasília: FAP, 2016, p. 143-147.

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ção efetiva. Tal conclusão expressa nosso grande déficit e nos indica que a tarefa que temos pela frente começa nas próximas eleições, mas certamente vai muito além delas. Em quarto lugar, gostaríamos de retomar aqui o nexo entre nossas cidades e o panorama mundial na medida em que as cidades brasileiras precisam ser pensadas de maneira cosmopolita, ou seja, de acordo com as características mais marcantes do nosso tempo. Vivemos hoje a globalização, em que as conexões são on -line, imediatas, e a qual gera imensas oportunidades e também instaura um quadro de grandes tensões, sempre preocupantes. As cidades se globalizam e se tornam expressão desse dramático cenário. Elas necessitam de uma política que não pode deixar de levar em conta essas grandes transformações, especialmente na esfera da comunicação entre pessoas, entre corporações e instituições, públicas e privadas. Entendemos que somente compreendendo essa situação de grande mudança que vivemos, tendo uma visão global para pensar melhor as políticas públicas para as cidades brasileiras, é que pode nascer uma verdadeira política de caráter progressista e democrática. Os textos deste

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livro abrem um amplo espaço de sugestões para que se aprofunde uma reflexão nesse sentido. Por fim, esse cenário de mudanças profundas, velozes e permanentes, impõe um desafio a todos aqueles que têm a perspectiva de fazer avançar a esquerda democrática em nosso país. Neste sentido, sem qualquer vacilação, o PPS deve se incorporar plenamente a esse campo político e ideológico e assumir uma perspectiva autenticamente democrática e reformadora no qual importa menos a perspectiva finalística – de uma nova sociedade derivada de um processo de ruptura ou de uma utopia previamente desenhada ou abstratamente desejada – e mais a proposição prática de propostas de enfrentamento de questões concretas da vida da população, tornando-as seus objetivos permanentes. Trata-se assim de se afirmar uma nova identidade ao partido a partir da perspectiva do “novo reformismo”, já presente na sua prática, mas ainda carente de uma definição mais precisa e simbolicamente expressa em termos claros. É nesse preciso sentido que o PPS e seus parceiros e aliados devem estabelecer como o eixo articulador dos programas que apresentarão à cidadania nas eleições de 2016 a estratégia política que, tanto na Conferência de Vitória quanto neste livro, se denomina como governança democrática. Embora a referência a esta estratégia esteja presente nos textos deste livro, creio ser importante apresentar nesta introdução uma súmula dos seus fundamentos. A ideia de “governança” incorpora a noção convencional de governo e busca ir além. Isto porque, como dissemos, na sociedade atual, que transita do padrão hegemônico industrial para a sociedade do conhecimento, as informações que circulam entre as pessoas, instituições e organizações, públicas e privadas, são cada vez mais instantâneas e generalizadas, exigindo mais

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transparência e participação da sociedade nas ações de governo. Nas circunstâncias da sociedade contemporânea, a forma tradicional de governo é considerada limitada e insuficiente. Para o sociólogo e urbanista Josep Pascual, a governança é o modo de governar a crescente complexidade e diversidade das sociedades contemporâneas, “que se caracterizam pela interação de uma pluralidade de atores, por relações horizontais, e pela participação da sociedade no governo”.2 A governança é, portanto, um novo paradigma que visa fortalecer o governo das cidades e deve estar assentado no diálogo, nos acordos com a sociedade, na horizontalidade das ações e no gerenciamento das relações entre os atores públicos e privados com o intuito de envolver a cidadania nas decisões sobre a cidade, a partir de uma visão colaboracionista. Para que essa “governança” seja “democrática” é preciso que haja “capacidade de organização e ação da sociedade, por meio da gestão relacional ou de redes”; é preciso favorecer “a condução do desenvolvimento econômico e tecnológico em função de valores de equidade social, coesão territorial, sustentabilidade, ética, além da ampliação e aprofundamento da democracia e da participação política”.3 A governança democrática é uma nova perspectiva de atuação dos governos locais, em que a cidade é considerada uma construção coletiva e o governo local se torna um dinamizador e organizador da capacidade de ação da sociedade. Para nós, portanto, a proposição da governança democrática se apresenta como uma nova perspectiva de mudanças. Sem desconsiderar a dimensão da gestão e menos ainda a es2 3

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PASCUAL, Josep Maria Esteves, Governança democrática: construção coletiva do desenvolvimento das cidades. Brasília: FAP, 3. ed., 2016. Ibidem.

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trutura representativa da cidadania, a perspectiva da governança democrática busca revalorizar a política, no sentido de organizar a ação do conjunto da sociedade, visando objetivos democraticamente compartilhados. Pela via da política, a proposta da governança democrática estabelece o entendimento de que a nossa “cidade futura” não é uma utopia, mas um arranjo produtivo, embora inconcluso, no qual não devem haver nem ganhadores nem perdedores definitivos. Trata-se de uma construção coletiva, compartilhada e aberta, consonante aos ditames do nosso tempo. Alberto Aggio

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Cultura Fotos dos Encontros Preparatórios – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória, Curitiba e Recife

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m primeiro lugar, há que se reconhecer a extrema dificuldade de se produzir um texto voltado para o estabelecimento de “políticas culturais” para as cidades brasileiras. Mais dificuldades ainda seriam agregadas se somássemos as questões do esporte, do lazer e do turismo, que, muitas vezes, aparecem de forma unificada aos organismos de cultura dos municípios. Refletir sobre cultura é uma tarefa de enorme complexidade. Isto porque falar de cultura é o mesmo que falar do homem, um universo de relações e expressões infinitas. Cultura é “um estar no mundo”, é estar vivendo e fazendo o mundo, construindo-o e construindo-se a partir e com as suas circunstâncias, ou seja, aquilo que lhe é dado. A cultura, como esse “estar no mundo”, permeia todos os aspectos da vida cotidiana. Com base nessa premissa, entende-se que pensar a cultura é pensar esse “estar no mundo”, é entender que mundo necessita de atuação e de ocupação, de entrelaçamento e de orientação em relação a ele. Tanto mais num mundo em perma27


nente mudança, no qual o espaço dos homens deixa gradativamente de ser segmentado pelos Estados nacionais, ganhando crescentemente plenitude global. Não se pode, portanto, entender o homem se não se leva em conta o fato primordial de estar no mundo com suas alternativas e vicissitudes, com suas oscilações e mudanças. Ao se discutir a cultura como “um estar no mundo”, importa reforçar a ideia de que devemos pensar no que significa participar da convivência com as estruturas e os princípios que governam as relações sociais, costumes, usos e aspirações que dominam e produzem a essencialidade da atividade humana. Em síntese, “estar no mundo” é saber que o homem cria e recria – é captá-lo, compreendê-lo e atuar para transformálo. Não é só contestar, mas responder a desafios que envolvem ação e reflexão, expressão e proposição. São estas as respostas capazes de mudar o mundo e a vida dos homens. A partir destas premissas, considera-se a cultura como um conjunto de traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social, proporcionando ao homem a capacidade de reflexão sobre si mesmo, fazendo-o reconhecer-se como um projeto inacabado e que busca incessantemente uma interlocução com os diferentes atores culturais. “Estar no mundo” é tornar-se sujeito em todo este processo, estratégia essencial no desenvolvimento da sociedade, via preservação dos valores de um povo. O que tem a ver com o conceito de identidade cultural, concebida não como o que nos diferencia dos demais, mas como aquilo que nos une, nos dá sentido de pertença.

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Política Cultural As políticas públicas para a cultura, que formam em conjunto o que podemos chamar de “política cultural”, devem ter em vista e guardar uma íntima esperança no sentido de se construir um país mais democrático, com relações igualitárias, remetidas ao princípio da alteridade e da plena liberdade de expressão e de manifestação de todos, visando-lhes garantir a possibilidade de produção simbólica do seu “estar no mundo”, independentemente de sexo, etnia, credo religioso e origem. O locus da produção cultural é a sociedade civil. Por isso, enrijecer a política cultural a partir de uma lógica de Estado tem gerado inúmeros problemas e disfunções. Partidos políticos que se fundam nessa lógica estão com os dias contados. No entanto, é preciso levar em conta que a produção de cultura, especialmente em países como o Brasil, necessita do apoio do Estado para sua viabilização. Devemos aproximar a cultura da noção de cidadania. Demandase cultura como um direito de cada pessoa de usufruir dos benefícios da criação coletiva da sociedade. Em suma, cultura é um direito de cada um de nós. Pela cultura, inserimos as pessoas socialmente. Assim, pode-se compreender a “política cultural” como um conjunto de ações governamentais no sentido de incentivar, promover, proteger e difundir a cultura e a cidadania em todas as suas formas e expressões. Para isso, ela deve contar com a participação efetiva, independente e criadora das populações e de seus agentes culturais, integrando-se ativamente ao que temos chamado de “governança democrática”. Um conceito que temos adotado para buscar estabelecer uma conexão entre as instituições políticas da democracia e a atual “revolução cidadã” que o país vive intensamente, da qual são expressões as manifestações de rua que atravessaram o país desde 2013 contra o governo Dilma e a presença do PT no governo, e a Operação Lava-Jato, no sentido de frear a força dos grupos econômicos enCultura

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castelados no Estado e, ao mesmo tempo, afirmar a noção de que as leis valem para todos, ao contrário do que pensam e agiam os agentes do lulopetismo, quando no poder. Toda política cultural deve se adequar às realidades locais sem perder o vínculo entre cidade e universalidade. A política cultural, a partir dos municípios, deve estimular a liberdade de expressão, de manifestação e de respeito à diversidade. Deve proporcionar o acesso mais amplo possível aos bens culturais, visando a garantir ao cidadão a preservação de seu patrimônio cultural e, ao mesmo tempo, possibilitar a ele sua elevação e progressão. Em suma, a política cultural que propomos deve fazer jus a uma ideia de que a cultura é uma esfera social e humana que supre e, ao mesmo tempo, gera novas necessidades culturais. O engajamento do poder público municipal no desenvolvimento da cultura, em articulação com os outros entes federati-

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vos (estado e União) vem da consciência de que a produção cultural não é capaz de sobreviver a contento numa sociedade predominantemente mercantilizada. Por isso, o impulso e o estímulo à criação artístico-cultural, bem como à sua renovação, deve procurar combinar suas ações, sempre que possível, buscando um equilíbrio com as exigências do mercado. Em essência, a cultura é produzida pela sociedade e ao Estado cabe o papel de ajudar a dar visibilidade a essa produção. Em nossa perspectiva, a legitimidade de uma proposta cultural se assenta na ideia de que, em nosso país, produzimos uma “cultura de fronteira”. Uma cultura que mescla conteúdo popular e caráter erudito. É um grande equívoco estabelecer uma “muralha chinesa” entre essas duas dimensões culturais da nossa formação histórica. Além disso, pode-se dizer que nossa cultura sempre expressou a mescla étnica, sem estabelecer guetos culturais e populacionais, como em outras histórias nacionais. Por fim, deve-se atentar também para o fato de que nossa cultura sempre foi mais criativa quando se abriu e realizou o embate político, sem receio e sem preconceitos, envolvendo, na criação e na crítica, intelectuais e artistas de diversos matizes. As ações culturais, para serem eficazes, devem definir objetivos de curto, médio e longo prazos. Devem estar atentas também aos novos formatos de pobreza na sociedade urbana contemporânea, levando em consideração todas as esferas que cercam o homem que vive na era da degradação da natureza e do convívio virtual. Devem também se preocupar com a massificação, com o mercado dos Mass Media, uma vez que ela influencia a cultura dos guetos, embora essa influência não seja absoluta. As politicas culturais devem enobrecer os laços de solidariedade das regiões de origem da população sem negar os desafios da modernização que devem ser compreendidos como aliados na busca de superação da habitação precária, da mobiliCultura

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dade urbana, da degradação do meio ambiente social pelos diversos tipos de poluição etc. Nossa visão de politica cultural supõe e exige imparcialidade, além de uma visão pluralista e democrática de seus gestores. De forma alguma, sugere que a política cultural deva servir de barganha político-eleitoral, como em muitos casos ela é utilizada. A barganha cultural reproduz, mesmo que embalada em maquiagens modernas, uma visão oligarquizada do Estado, nefasta à democracia. Finalmente, uma política cultural de caráter progressista deve estimular o mérito, a qualidade dos produtos culturais com ênfase na possibilidade de colocar nossos artistas em nível de competição internacional.

Sugestões específicas I.

Nosso país vive não apenas um “apagão” na economia e na ética, mas também na administração da cultura. O PPS, em conjunto, desde seus vereadores e prefeitos, até os deputados e senadores, deve se envolver nas lutas para superar a precariedade na defesa do Patrimônio Histórico e Cultural brasileiro, hoje em frangalhos. Deve desenhar uma política concreta de descentralização que atenda as necessidades urgentes dos museus, entendidos como organismos vivos e pulsantes;

II.

É urgente rever as leis de incentivo à criação artística e cultural, objetivando reestudar critérios e limites na liberação de recursos pelas leis de incentivo federais, principalmente a Lei Rouanet. A lei de incentivos fiscais pode ser uma solução para financiamento de projetos culturais, entretanto, deverá ser revista para poder democratizar o acesso de grande parte dos que fazem cultura (artistas, es-

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critores etc.). As dificuldades de formulação dos projetos, o enquadramento no que a lei pede, a prestação de contas posterior e a escolha dos projetos são pontos a serem analisados, debatidos e reformulados. É preciso incentivar, igualmente, a elaboração de leis municipais de fomento à cultura, as quais devem ser bem mais simplificadas do que algumas leis estaduais; III.

Urge também formular uma política de articulação de parcerias em todo o país, com estados e municípios, visando os atendimentos regionais e locais, sem unificação de valores culturais e formas de ação;

IV.

O PPS deve recolocar em discussão a necessidade de um melhor relacionamento entre cultura e educação, recriando uma ponte que acabou por ser desarticulada quando se enfatizou e se colocou em prática a separação institucional entre Educação e Cultura com o estabelecimento do Ministério da Cultura. Consideramos que cultura e educação não podem ser tratadas de forma separada e que a formação, necessária seja no campo educacional (formal e informal) e no campo cultural, deve ser um ponto de encontro entre as duas áreas (cultura e educação). Tudo indica que é necessário recolocar em discussão a separação do Minc e do MEC ou se repensar uma maior sinergia entre os dois ministérios. No essencial, é preciso unir esforços no sentido de inserir os jovens no mundo do conhecimento e das artes, possibilitando-lhes, inclusive, bolsas de ambiência universitária em faculdades de cinema, educação artística etc., conforme o talento que demonstrarem;

V.

A trajetória recente dos chamados Pontos de Cultura, estabelecidos pelos governos petistas nos últimos anos, é, no mais das vezes, vista com muita crítica em função do seu Cultura

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aparelhamento e da sua ideologização. Em tese, trata-se de um projeto positivo, mas que foi deturpado, mal gerido e manipulado. Em contrapartida, há propostas de se rediscutir esse projeto, resgatando-se a ideia de Casas de Cultura nos municípios e o estímulo ao funcionamento autônomo, democrático e representativo dos Conselhos de Cultura; VI.

Um dos graves problemas existentes na área de defesa e preservação do patrimônio cultural envolve a sua legislação federal. Entendemos que há necessidade de se repensar a legislação que informa a formação de conservadores/restauradores de bens culturais, que trabalham diretamente com o patrimônio cultural. A formação deste profissional não pode ser unicamente delegada ao MEC considerando a importância do Minc na elaboração das políticas públicas para tutela do patrimônio cultural brasileiro que, pelas dinâmicas da globalização, mas principalmente pela importância da atividade dos artistas brasileiros, é considerado patrimônio da humanidade. Há necessidade de se adotar parâmetros nacionais que definam a figura deste profissional, e estabelecer uma colaboração entre conservadores/restauradores, empresas, entidades de classe e instituições governamentais – Minc, MEC, TEM – para se retomar a discussão sobre a regulamentação da profissão (projeto de lei já aprovado pelo Congresso, mas vetado pela presidente Dilma);

VII. Precisamos repensar o papel da atividade cultural na era das indústrias criativas, sustentada na ideia de que criação é também fruição. Na Inglaterra, em plena crise de 2008/2009, que afetou a Europa e o mundo, a indústria criativa foi o único setor a crescer e gerar empregos. Por volta de 2010, as indústrias criativas já representavam, naquele país, que havia sido o berço da Revolução Industrial, cerca de 9% do 34

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PIB. Agora, o país vive, como várias outras partes do mundo, uma nova revolução, a do conhecimento e da criação; VIII. Uma ênfase específica importante deve ser colocada na organização de grupos de Canto Coral nos municípios, uma vez que eles promovem solidarismo por sua natureza e ampliam horizontes na medida em que as músicas selecionadas aumentem sua complexidade. O mesmo se pode dizer das bandas de música tradicionais; IX.

A cultura deve também se aproximar das secretarias de Meio Ambiente no sentido de estimular a juventude a plantar e proteger a natureza. Nessa direção, é possível se estimular a criação, nos municípios, de oficinas de mudas nas escolas ou farmácia de ervas, atraindo raizeiros para escolas no sentido de destacar a importância da medicina local;

X.

Torna-se fundamental sensibilizar, envolver e comprometer os parlamentares e gestores do PPS, em todos os níveis, em um desenho concreto de aplicação das nossas diretrizes fundamentais para a cultura.

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