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CAPITALISMO
E POPULAÇÃO MUNDIAL
Conselho Curador Presidente de honra: Armênio Guedes (In memoriam) Presidente: Alberto Aggio Vice-Presidente: Luiz Sérgio Henriques Secretária: Helena Ladeira Werneck Efetivos: Arlindo Fernandes de Oliveira Caetano Ernesto Pereira de Araujo Ciro Gondim Leichsenring Cleia Schiavo Weyrauch Dina Lida Kinoshita Francisco Inácio de Almeida George Gurgel de Oliveira João Batista de Andrade João Carlos Vitor Garcia José Jorge Tobias de Santana José Regis Barros Cavalcante Lucília Helena do Carmo Garcez Luiz Carlos Azedo Márgara Raquel Cunha Mércio Pereira Gomes Raimundo Jorge N. de Jesus Raul Belens Jungmann Pinto Renata Eitelwein Bueno Renata Cristina Cabrera Sergio Camps de Morais Suplentes: Amilcar Baiardi Davi Emerich Ubaldo Dutra de Araujo Ulrich Hoffmann Vladimir Carvalho da Silva
sérgio augusto de moraes
CAPITALISMO
E POPULAÇÃO MUNDIAL
Brasília-DF, 2016
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Ficha Catalográfica
Para Laís
Advertência
Este trabalho não segue as regras da Academia. Ele é uma tentativa de verificar se as teses de Karl Marx sobre a reprodução da população permanecem válidas nos dias de hoje. Isto porque desde a formulação dessas teses, em meados do século XIX, as mudanças da população mundial foram muito grandes. O período considerado é o do surgimento e do espraiamento do modo de produção capitalista, que vai da primeira revolução industrial até nossos dias e um pouco além, na medida em que usamos as projeções feitas para o século XXI pelos órgãos internacionais, em particular aqueles dos departamentos das Nações Unidas. Não é abordado o quadro da população mundial caso haja uma evolução para outro modo de produção pós-capitalista. Apesar de usar dados quantitativos, como as taxas de fertilidade, mortalidade ou esperança de vida aqui se busca entender a reprodução da população mundial não somente por meio desses dados mas sim por suas ligações com a reprodução do capital, principalmente na Europa e nos EUA. As fontes utilizadas foram as mais diversas, desde os jornais brasileiros e internacionais até os dados obtidos em sites da internet, passando por alguns livros clássicos de economia e de demografia.
Sumário
prefácio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
Evolução histórica da população mundial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1. 1 A transição demográfica. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
13 17
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A composição orgânica do capital e a população. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3
O envelhecimento da população. . . . . . 51
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4 Movimentos do Capital . . . . . . . . . . . . . . . 55 4.1 As migrações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 4. 2 O deslocamento do capital para os países em desenvolvimento e a reprodução da população. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
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A reprodução da população e a variação da produção e do consumo de alimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
67
População, alimentos e meio ambiente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6.1 A concentração de terras . . . . . . . . . . . . . . . . . .
77 81
7
83
6
destaques finais e conclusões. . . . . . . .
Prefácio
M
uito se tem escrito sobre a população mundial, sua evolução no tempo e os problemas que seu crescimento vem trazendo e trará para esta e para as gerações futuras. Entretanto a quase totalidade desses escritos os analisam a partir da variação das taxas de natalidade, mortalidade e esperança de vida, o que limita tais estudos a uma avaliação puramente quantitativa. Sergio Moraes traz uma nova abordagem, ao fazer uma análise paralela dessa evolução e do processo de reprodução do capital, com ênfase na Europa e nos Estados Unidos, do início da revolução industrial até nossos dias, buscando as causas de tal fenômeno. No início deste período, o autor assinala que a transição do modo de produção feudal ao capitalista não foi um “mar de rosas”. Nela conviveram expulsão violenta dos camponeses de suas terras, invenção de máquinas aumentando a produtividade e os lucros e liberando mão de obra para a 13
indústria. Nesse processo de mão dupla, as cidades atraem as indústrias e a indústria provoca a urbanização. “Deste modo, as transformações urbanas atraem ou não o capital, facilitam ou não sua implantação, mas não jogam o papel decisivo na reprodução da população sob o capitalismo”. Então como isto acontece? Sergio não se limita a mostrar números, trata de indicar as razões e as alterações na sociedade que dão base a tais transformações. Após uma breve apresentação da composição orgânica do capital, é apresentado o papel da evolução desta variável no século XX que vai desembocar na revolução técnicocientífica; o capital fixo crescendo mais rapidamente que o capital variável, o trabalho humano, não somente o esforço dos braços mas também o de várias funções cerebrais, sendo substituído pela máquina e os reflexos disto na reprodução da população: “onde o capitalismo mais se desenvolveu e, portanto, onde a composição orgânica do capital é mais alta, como a Europa e os EUA, a taxa de crescimento da população é menor, especialmente a partir da década de 1960, e que na Europa a população se estabiliza e tende a decrescer, e, por outro lado, nos continentes onde persistem setores da economia com modos de produção pré-capitalistas, como na África e na Ásia, as taxas de crescimento populacional permanecem altas”. Neste quadro, cresce a expectativa de vida: ”na Europa, ela passa de 46,9 anos nos anos 1950 para 75 anos em 2005/2010, nos países em desenvolvimento, passa de 41,6 para 67 anos, e nos países mais pobres de 36,4 para 55,9 anos no mesmo período”. Como resultado, nos países desenvolvidos, tem-se uma diminuição relativa do exército industrial de reserva, o que não favorece o crescimento da taxa média de lucro do capital. Como ele reage a isto é um 14
Capitalismo e população mundial
dos assuntos mais dramáticos de nossos dias e Sergio os revela com abundância de dados. Numa informação ousada, e até certo ponto surpreendente para muitos, Sergio discorda de Malthus e afirma que “a produção de alimentos vem, há décadas, crescendo a taxas superiores àquelas da população mundial”. E mais, no próximo decênio, a produção de alimentos deverá crescer à taxa de 1,5% e a população à taxa de 1,15%. Infelizmente isso não implica que a fome deva acabar em curto prazo, pois a riqueza está concentrada em 1% da população (70 milhões), desigualdade essa ampliada após a crise de 2008. Para acabar com a fome, enfatiza Sergio Moraes, há condições materiais, mas faltam condições políticas. Na conclusão, ao contrário do que é lugar comum, Sergio destaca que epidemias, catástrofes naturais, guerras, melhoria da educação, tudo isso é importante para explicar a evolução da população, mas, em última análise, não são estas as causas de fundo que determinam tal fenômeno. Trata-se de um texto em que são apresentados dados numéricos emblemáticos relativos à evolução da população, porém, mais que isso, busca-se interpretar as causas do que tem acontecido com essa evolução. A densidade do tema torna, às vezes, o texto um pouco árido mas quem se dispuser a superar esta pequena dificuldade enriquecerá ou até poderá renovar sua visão de um dos principais problemas de nossa época. Raymundo de Oliveira
Doutor em Ciências em Engenharia de Produção pela UFRJ, mestre em Ciência da Computação e ex-presidente do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro pREFÁCIO
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Introdução
Uma das questões que mais preocupa os estudiosos do futuro da humanidade é o crescimento da população mundial. Isso porque este crescimento está, por um lado, associado a um tipo de consumo que levaria ao esgotamento dos recursos do planeta e, por outro, ao envelhecimento da população mundial. Antes disso, dizem alguns estudiosos, aconteceria uma série de disputas e mesmo de guerras, mais graves que aquelas que hoje assistimos pelo domínio dos campos de petróleo e dos minerais estratégicos, em torno, por exemplo, das fontes de água e de outros alimentos. Tal linha de análise tem como premissa a generalização dos atuais padrões de consumo dos países desenvolvidos que, como sabemos, além de grandes consumidores de alimentos, energia, aço e outros insumos retirados da natureza são campeões do desperdício. 17
Apesar das advertências de setores mais lúcidos da população, como as expressas pelo chamado Clube de Roma e por cientistas e pesquisadores como J. Cousteau – para não falar das advertências dramáticas de chefes de Estado como M. Gorbatchov – que, no século passado, diziam ser impossível estender tais padrões à população do planeta daquela época, cumpre notar que nas três ou quatro décadas decorridas eles não se alteraram substancialmente: apesar de algumas vitórias, que resultaram em acordos limitados como o Protocolo de Kioto, as emissões totais de CO2 equivalente aumentaram “ultrapassando 50 bilhões de toneladas em 2010, quase 31% acima de 1990”.1 Um renomado demógrafo canadense, prof. Nathan Keyfitz,2 dizia em 1989 que “esperar que restrições naturais intervenham para limitar o tamanho da população é aceitar a fome, baixos padrões de vida, desemprego, instabilidade política e destruição ecológica. A sociedade não aceita tais opções. É necessário encontrar caminhos para frear o crescimento da população e modificar a atividade humana de maneira a torná-la ecologicamente mais benigna”. Pelos dados acima, referentes às emissões totais de CO2, parece que nos últimos 20 anos o desejo da
1 O Globo, 29/11/2012, p. 42. 2 The growing human population, Scientific American, sep./1989, p. 119-126.
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Capitalismo e população mundial
sociedade ou não existiu ou ainda não tem força para implementar as sugestões do prof. Keifitz. Por outro lado, ele identifica os países em desenvolvimento como responsáveis por mais de 70% do incremento da população no período 1990-2025 e conclui que as taxas de crescimento populacional, a urbanização e sua grande mobilidade apresentam sérias ameaças para os mesmos. A solução para tal problema, o citado professor vê na educação, principalmente das mulheres. Mas não deixa de assinalar que os métodos anticoncepcionais só dão resultado a partir de um certo nível de desenvolvimento. Em 1992, logo depois da derrocada da União Soviética e do fim da guerra fria, na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, conhecida como Eco-92, reuniram-se no Rio de Janeiro mais de cem chefes de Estado e milhares de cientistas, jornalistas, políticos e representantes da indústria para decidir sobre o destino do nosso ecossistema e a sobrevivência da raça humana. “Tudo na Terra estava em discussão – menos uma coisa. Apesar da declaração feita por Maurice Strong, secretário-geral da Conferência, dizendo que ‘Ou nós reduzimos a população mundial voluntariamente, ou a natureza fará isso por nós, porém de forma brutal’
Introdução
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até o momento do início da Conferência o assunto se tornara efetivamente um tabu” (Weisman, p. 105).3 As divergências entre os “controladores populacionais” e os países em desenvolvimento, que viam no crescimento populacional um fator econômico positivo, eram grandes. Estes apontavam o consumo excessivo dos países ricos como os responsáveis pelo problema, as feministas defendiam direitos e oportunidades iguais. “No fim, a racionalidade prevaleceu e qualquer acordo seria sem sentido com a ausência do país mais poderoso e poluente do mundo. O pacto foi diluído para acatar as exigências americanas e, na véspera do fim da Eco-92, o presidente Bush chegou ao Rio. “O modo de vida americano não é negociável”, disse ele, ao se dirigir ao público”.4 Fecha o pano de boca. Mais recentemente, a Nasa divulgou um estudo dizendo “... que o fim da civilização ainda pode ser evitado, desde que ela passe por grandes modificações. As principais são controlar a taxa de crescimento populacional e diminuir a dependência por recursos naturais – além disso, estes bens deveriam ser distribuídos de modo mais igualitário”.5 Ainda mais recentemente, foi anunciado que a China e os EUA chegaram a um acordo sobre as mudanças climáticas em 12/ 11/ 2014.
3 Weisman, Alan. Contagem Regressiva, São Paulo: Texto, p. 105. 4 Ibidem, p.107. 5 O Globo, 19/03/2014, p. 32.
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Capitalismo e população mundial
“Esta é a primeira vez que a China estabelece como objetivo alcançar o teto nas emissões ‘por volta de 2030’, com a intenção de ‘tentar atingi-lo um pouco antes’. Até agora, o país sempre mencionava ‘o mais rápido possível’”. Obama, que enfrenta uma reação que vai do ceticismo à negação total do aquecimento global no Congresso americano, se comprometeu a reduzir entre 26% e 28% as emissões dos EUA até 2025, na comparação com os níveis de 2005. “Temos uma responsabilidade especial para liderar o esforço mundial contra a mudança climática”, disse Obama em uma entrevista coletiva conjunta com o presidente chinês Xi Jinping, “Esperamos estimular todas as economias para que sejam mais ambiciosas”, disse. •
China e Estados Unidos, que produzem juntos quase 45% do dióxido de carbono mundial, serão vitais para garantir um acordo mundial no próximo ano para reduzir as emissões depois de 2020 e limitar o aquecimento global a 2°C.6 Sem dúvida, tais intenções são positivas, mesmo tendo em conta os problemas que um aumento de 2°C na temperatura da terra trarão para os povos. Mas o que fica na sombra é se eles poderão cumprir o acordo e, depois, se até lá não teremos atingido o “ponto de não retorno”, isto é, se as mudanças climáticas já não serão irreversíveis para o horizonte de nossos bisnetos.
6 Carta Capital, 13/11/2014. Introdução
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Diante disso chama atenção a solução do problema da reprodução da população humana dada por Dan Brown em seu livro Inferno.7 Mesmo sabendo tratarse de uma ficção não pode passar despercebido que o autor empresta a seu livro ares científicos ao associar à sua solução uma instituição respeitável como a Organização Mundial de Saúde; mesclar ficção e ciência vale no mercado de livros e não mereceria mais atenção se, dada a fama do autor, o livro não fosse lido por milhares de pessoas, o que o transforma num fato político. O que faz D. Brown? Ele coloca como inelutável uma alternativa que se coaduna com uma das tendências mais negativas do mundo de hoje: a intervenção autocrática da ciência na sociedade pela mão de grandes corporações e de alguns Estados. No campo da reprodução humana são sobejamente conhecidos os desumanos programas de esterilização de mulheres dos países periféricos patrocinados por agências dos países desenvolvidos ou por corporações internacionais tentando reduzir a taxa de fertilidade.
7 BROWN, D. Inferno. São Paulo: Arqueiro, 2013.
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Capitalismo e população mundial
1 Evolução histórica da população mundial
Isso nos leva a tentar um olhar mais cuidadoso sobre a evolução da população no mundo e em alguns países que a marcaram nos quadros do capitalismo, bem como aos motores dessa evolução. Cabe aqui uma ressalva: a população mundial é um conceito abstrato, pois mistura números tão diferentes e imprecisos como da África com os da Europa. Mesmo a análise da população de um só país sofre de tal imprecisão, pois é evidente que as taxas demográficas da classe operária são diferentes daquelas da burguesia ou dos camponeses. Mas para identificar os movimentos históricos e globais temos que trabalhar com a categoria “população mundial”. Se observarmos o crescimento da população mundial historicamente veremos que dos primórdios até 1804 chegamos ao primeiro bilhão de seres humanos. Depois: 23
1 a 2 bilhões de pessoas entre 1804 a 1927
123 anos se passaram.
2 a 3 bilhões de pessoas entre 1927 a 1960
33 anos se passaram
3 a 4 bilhões de pessoas entre 1960 a 1975
15 anos se passaram
4 a 5 bilhões de pessoas entre 1975 a 1987
12 anos se passaram
5 a 6 bilhões de pessoas entre 1987 a 1999
12 anos se passaram
6 a 7 bilhões de pessoas entre 1999 a 2012
13 anos se passaram1
O Gráfico 1, na página 23 adiante, permite visualizar essas variações da população mundial. Observa-se que desde 1750 até o entorno de 1950 o crescimento da população mundial é constante e quase linear. Nesta década acontece uma inflexão, não só pela base anteriormente atingida (mais de 2 bilhões), mas também devido à queda da mortalidade nos países em desenvolvimento acompanhada da manutenção das taxas de fecundidade características de uma economia pré-industrial, à retomada da economia do pós-segunda guerra mundial e ao chamado baby-boom que ocorre após a mesma.
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Capitalismo e população mundial
Gráfico 1
Fonte: FED de St-Louis (2005), a partir de dados da ONU.
Nos anos 1960 aparece outra inflexão forte, mais precisamente em 1963, quando a taxa de crescimento anual da população humana1 atinge um máximo de 2,2%; nesta década a taxa média anual de crescimento é de 2,04%; daí para diante ela cai, para 1,31% ao ano entre 1995 e 2000, e atualmente está em 1,15% ao ano. Na curva aparece claramente o efeito que assinalamos acima: primeiro a forte inflexão para cima nos anos 1960 e depois, mesmo com a queda da taxa de reprodução, a população mundial continua crescendo em função da base anteriormente atingida pois a unidade da escala no eixo vertical, 2 bilhões, continua a mesma. Mantidas as atuais
1 A taxa de crescimento anual da população de um país é o quociente entre: (a) a soma dos nascimentos mais a imigração subtraída das mortes e da emigração ocorridas nesse ano; e (b) a população média neste ano. No caso da população mundial, tanto a imigração quanto a emigração devem ser eliminadas da relação pois as viagens migratórias para Marte ainda estão num horizonte longínquo. Evolução histórica da população mundial
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tendências prevê-se que a população mundial, hoje de cerca de 7,073 bilhões, estabilize-se nos 10 bilhões por volta do ano 2200.2 Nota-se que a tendência de longo prazo de desenvolvimento da população mundial é de crescimento nos diversos continentes mas também que o tipo de crescimento, nos limites do capitalismo, varia no tempo e no espaço e mesmo que, a exemplo do que ocorre em muitos países da Europa na segunda metade do século XX, a taxa de crescimento a partir de certo ponto passa a ser igual e mesmo menor que 1,0, isto é, a população se estabiliza e depois tende a decrescer. Tais fenômenos são explicados por muitos autores pela variação das taxas de natalidade, mortalidade e pela esperança de vida.3 Sem dúvida, elas os refletem, os medem, mas não são a causa dos mesmos. É algo parecido a dizer que febre alta é a causa da doença. Alguns analistas colocam na origem da variação dessas taxas – isto é, na redução da natalidade, da mortalidade e do aumento da esperança de vida – a aceleração da urbanização, as medidas de saúde pública, as vacinas, a melho-
2 Estimativas do Birô de Recenseamento dos EUA. 3 A taxa de fertilidade é o número médio de filhos por mulher na idade fértil (em geral de 15 a 49 anos); a taxa bruta de mortalidade é a relação entre os óbitos ocorridos num ano e a população média deste ano; a esperança de vida num determinado ano é o número médio de anos que uma pessoa nascida viva naquele ano espera viver. A taxa bruta de natalidade é a relação entre as crianças nascidas vivas num determinado ano e a população média deste ano (em geral medida em 0/00).
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Capitalismo e população mundial
ria da alimentação dos trabalhadores, a entrada da mulher no mercado de trabalho e os métodos anticoncepcionais. Vejamos como tais fenômenos se refletem na reprodução da população na história do capitalismo.
1. 1 A TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA Há milênios os homens se agrupam. Com a domesticação das plantas e dos animais eles passam a fazê-lo em lugares fixos dando origem às aldeias. Depois, esses lugares são cercados para proteger as reservas alimentícias, as pessoas, o palácio, os locais de culto. De Ur, na Mesopotâmia, a Roma, nestes espaços já se concentram meios de produção e de troca. O burgo medieval, que na Europa antecede a cidade capitalista, também realiza, mesmo que de modo incipiente, tais atividades. A transição entre o modo de produção feudal e o capitalista não é um caminho de rosas. Ele está juncado de violência explícita ou implícita. Marx pinta com cores realistas traços desta transformação na Inglaterra: “Os expulsos pela dissolução dos séquitos feudais e pela intermitente e violenta expropriação da base fundiária, esse proletariado livre como pássaros não podia ser absorvido pela manufatura nascente com a mesma velocidade com que foi posto no mundo. Por outro lado, os que foram bruscamente arrancados de seu modo costumeiro de vida não conseguiam enquadrar-se de maneira igualmente Evolução histórica da população mundial
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súbita na disciplina da nova condição. Eles se converteram em massas de esmoleiros, assaltantes, vagabundos, em parte por predisposição e, na maioria dos casos, por força das circunstâncias. Daí ter surgido em toda a Europa Ocidental, no final do século XV e durante todo o século XVI, uma legislação sanguinária contra a vagabundagem... Henrique VIII, 1530: esmoleiros velhos e incapacitados para o trabalho recebiam uma licença para mendigar. Em contraposição, açoitamento e encarceramento para vagabundos válidos. Eles devem ser amarrados atrás de um carro e açoitados até que o sangue corra de seu corpo... e mais adiante... aquele que for apanhado pela segunda vez por vagabundagem deverá ser novamente açoitado e ter a metade da orelha cortada; na terceira reincidência, porém, o atingido, como criminoso grave e inimigo da comunidade, deverá ser executado”.4 Neste processo, a expulsão violenta dos camponeses se apoia também na invenção de máquinas que aumentam a produtividade e os lucros liberando ao mesmo tempo mão de obra: em 1708, é inventada a primeira máquina de semeadura a cavalo; em 1733, inventa-se a lançadeira volante que torna obsoletos milhares de teares manuais; em 1764, inventa-se a máquina de fiar rotativa; em 1779, inventa-se a “mule”, capaz de fabricar tanto tecido quanto duzentos trabalhadores; em 1780, é patenteado o primeiro tear a vapor. Tais fatos são pilares da chamada ‘revolução agrícola”, principalmente na Inglaterra e na Holanda, lastreada no aumento das propriedades rurais, no uso de novas técnicas no trato da terra, na aplicação de avanços tecnoló4 MARX, K. O capital. V. I, Tomo 2, p. 275. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
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Capitalismo e população mundial
gicos na agricultura, na introdução de novas culturas, principalmente batata e milho. Centenas de milhares de trabalhadores são deslocados do campo para a cidade para constituir um enorme exército proletário, boa parte vivendo nas ruas pois não têm onde morar. Um estudioso da questão urbana assinala que: A transição da burguesia mercantil para a burguesia industrial vai refletir-se nas cidades. A urbanização ligada à primeira revolução industrial e inserida no desenvolvimento do tipo de produção capitalista é um processo de organização do espaço que repousa sobre dois conjuntos de fatos fundamentais: a)
A decomposição prévia das estruturas sociais agrárias e a migração das populações para centros urbanos já existentes, fornecendo a força de trabalho essencial à industrialização.
b)
A passagem de uma economia doméstica para uma economia de manufatura e depois para uma economia de fábrica, o que quer dizer, ao mesmo tempo concentração de mão de obra, criação de um mercado e constituição de um meio industrial.
As cidades atraem as indústrias devido a estes dois fatores essenciais (mão de obra e mercado)... Mas o processo inverso também é importante: onde há elementos funcioEvolução histórica da população mundial
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nais, em particular matérias-primas e meios de transporte, a indústria coloniza e provoca a urbanização.5 Na contramão dessa urbanização, o capital também transforma centenas de cidades em cidades-fantasmas. Das cidades construídas em torno de minas que se esgotaram, como foi o caso de Hashima Island, no Japão, e Humberstone, no Chile, passando por Fordlândia, no Brasil, até chegar ao exemplo mais chocante, Detroit, nos EUA, onde os interesses da indústria automobilística deixaram mais de 78 mil imóveis vazios, habitados por mendigos e drogados, transformando-a na segunda cidade mais violenta dos EUA. Deste modo, as transformações urbanas atraem ou não o capital, facilitam ou não sua implantação mas não jogam o papel decisivo na reprodução da população sob o capitalismo; ao contrário, são as necessidades e as leis da reprodução do capital, dentre elas a taxa de lucro, a concentração e a centralização do mesmo que regulam a necessidade de uma população trabalhadora e sua alocação espacial. Neste sentido é interessante observar o modelo teórico desenvolvido pelo demógrafo norte-americano Warren Thompson, elaborado a partir de suas observações das mudanças experimentadas das taxas de natalidade e mortalidade de diversos países nos últimos 200 anos, conhecida como “transição demográfica”:
5 CASTELLS, Manuel. A questão urbana. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
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Capitalismo e população mundial
GRÁFICO 1.1 – A transição demográfica
Comentando este modelo, elaborado no final dos anos 1920, o prof. Keith Montgomery, Phd da Universidade de Auckland, destaca, no início do século XXI, alguns fatos que marcaram estas etapas: Etapa 1. Até o final do século XVIII, as taxas de mortalidade e natalidade se confundem, o que redunda num crescimento da população a taxas muito reduzidas. Etapa 2. Enquanto a taxa de natalidade permanece quase constante, a de mortalidade cai fortemente, a partir de final do século XVIII, no noroeste da Europa. Ele marca alguns fatos que contribuíram para isto como o aumento da produção de alimentos estimulada pela Revolução Agrícola, no século XVIII, juntamente com a introdução da batata e do milho das Américas e de medidas de saneamento público urbano (água, esgotos etc.). Evolução histórica da população mundial
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Etapa 3. É marcada pelo declínio da taxa de natalidade e se dá no final do século XIX, na Europa, até o início do século XX. Dentre outros fatores, ele destaca a influência da redução da natalidade no campo, o incremento da urbanização e seus custos para as famílias, a educação e o emprego feminino. Etapa 4. A partir das primeiras décadas do século XX, esta etapa é caracterizada pela estabilidade. A estrutura etária da população torna-se mais velha. A dita transição demográfica já acabou. O prof. Montgomery diz que este modelo explica a transição de uma sociedade pré-industrial, com altas taxas de natalidade e de mortalidade, para uma sociedade industrial ou pós-industrial,6 onde estas taxas se reduzem radicalmente. O modelo teórico do prof. Warren Thompson tem semelhança com a “transição demográfica” ocorrida na Inglaterra, primeiro país a realizar a revolução industrial, como pode ser visto no gráfico a seguir.
6 Disponível em: <www. pages. uwc. edu/keith. montgomery>.
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Capitalismo e população mundial
GRÁFICO 1.2 – Evolução das taxas brutas de natalidade e de mortalidade na Inglaterra-País de Galles de 1750 a nossos dias7
Os fatos alinhados pelo prof. Montgomery e por tantos demógrafos, sem dúvida, influíram fortemente nessa transição demográfica, mas há que assinalar que todos eles inscrevem-se nos quadros do surgimento e implantação do capitalismo, do avanço da democracia, do crescimento das lutas dos trabalhadores e, em particular, das mulheres. Esses números indicam os notáveis efeitos que a passagem ao modo de produção capitalista exerce sobre o crescimento da população. Isso acontece primeiro na Inglaterra, mas depois, quando ele se instala na maioria dos países, em meados do século XX, de uma ou outra maneira tais fatos neles se repetem.
7 Cf. Population et Sociétés, n. 346, maio/1999. Evolução histórica da população mundial
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Esse processo de implantação e desenvolvimento do capitalismo tem como uma de suas características, até certo ponto, a indústria intensiva em mão de obra. Esta é uma das principais razões do êxodo rural e, quando de seu início, da manutenção e mesmo do eventual crescimento da taxa de natalidade característica do modo de produção anterior, como se nota no gráfico referente à Inglaterra-Galles. O efeito da implantação e desenvolvimento do capitalismo sobre as cidades é notável como destacado por Manuel Castells. O gráfico e a tabela a seguir dão uma ideia deste fenômeno na Europa.
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Capitalismo e população mundial
Gráfico 1.3 – Evolução da taxa de urbanização na Europa, de 1700 a 1950. No eixo horizontal a variável tempo, no vertical o percentual de população urbana com relação à população total do país8
Taxa %
Fonte: 1700-1913 – Bairoch, 1998; Nations Unies, 2001.
8 Caselli, G; VALLIN, J.; WUNSCH, G. Histoire du peuplement et prévisions, Paris: L’Institut National D´Etudes Démographiques, 2004, p. 110, 111. Evolução histórica da população mundial
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Tabela A – Evolução da taxa de urbanização (%) de 1700 a 1950 na Europa. País
1700 1750 1800 1830 1850 1870 1890 1900 1913 1950
ÁustriaHungria
4,8
7,1
7,8
Alemanha
7,7
8,6
9,3 10,0 15,0 24,5 34,5 42,0 51,0 71,9
Balcã (a)
9,7
8,8 6,8
Bélgica
30,6 22,2 21,7 25,0 33,5 38,8 48,0 52,3 58,0 91,5
Espanha
20,4 21,4 19,5 17,5 18,0 22,5 30,5 34,0 39,3 51,9
França
12,3 12,7 12,9 15,7 19,5 24,3 30,7 35,4 39,5 56,2
Itália
22,6 22,5 21,9 19,0 23,0 25,0 31,0 35,5 41,5 54,3
Países Baixos
39,0 36,3 34,1 35,7 35,6 38,5 46,3 47,8 51,3 82,7
Portugal
18,5 17,5 15,2 15,0 15,0 15,0 15,3 15,7 15,6 19,2
Reino Unidoi
11,8 17,3 20,8 27,5 39,6 53,3 64,0 67,4 69,7 84,2
Rússia
4,6
Escandinávia (b)
4,6
8,0
9,7 12,1 19,7 25,6 29,4 36,5
7,6 10,5 11,8 12,5 19,8 22,6 26,1
4,8 6,0
7,2
4,8 6,2
7,6
7,5
7,9 11,2 17,3 21,1 24,3 56,2
Suiça
5,9
6,9
7,5 11,9 17,5 24,5 30,6 39,3 44,3
Europa
11,0 11,6 11,5 12,8 16,3 20,6 26,4 33,2 33,6 52,4
7,7
9,2 11,6 13,2 14,6 44,7
Fonte: 1700-1913 – Bairoch, 1998; Nations Unies, 2001.
Como se vê no Gráfico 1.3 e na Tabela A, a urbanização acelerada provocada pela Revolução Industrial, a concentração de milhares de pessoas em certos locais, primeiro 36
Capitalismo e população mundial
na Inglaterra-Galles e depois na Bélgica, nos Países Baixos e em outros países é uma característica do capitalismo, uma necessidade da acumulação do capital. Marx assinala que; (...) se a existência de uma superpopulação operária é produto necessário da acumulação ou do incremento da riqueza dentro do regime capitalista, esta superpopulação se converte por sua vez em alavanca da acumulação do capital, mais ainda, em uma das condições de vida do regime capitalista de produção.9
É a morte prematura de milhões de pessoas que, dentre outros fatores, estimula o surgimento das vacinas que vão incidir, juntamente com os fatos apontados acima, nas taxas de mortalidade, natalidade e na esperança de vida. Isto porque a densidade da aglomeração urbana, não somente facilita a propagação de doenças nos bairros proletários, como também facilita sua propagação para os bairros ricos, cujos proprietários pressionam e até financiam a pesquisa médica com vistas a erradicar tais pragas, como assinalado nos exemplos a seguir. Em 1796, o médico inglês Edward Jenner consegue o reconhecimento oficial de sua vacina contra a varíola que conhece um grande sucesso na Europa, com a organização de grandes campanhas de vacinação, evitando a morte ou a inutilização de milhões de pessoas.
9 Marx, K. O capital. Havana: Ciencias Sociales, Instituto Cubano del Libro, 1973, Tomo I, Cap. XXIII, p. 576 (tradução deste autor). Evolução histórica da população mundial
37
Na França, Louis Pasteur cria, em 1878, a vacina contra o cólera, isola o estafilococo; em 1879, o estreptococo, e inventa a pasteurização, fator decisivo na conservação do leite. Os trabalhos de Pasteur revolucionam o diagnóstico e o prognóstico de doenças contagiosas e são decisivos para convencer a humanidade de que certas doenças eram produto de germes encontrados na natureza e não da vontade dos deuses. A influência das elites no desenvolvimento de vacinas não se limita aos séculos precedentes. Diz Joseph Stiglitz, professor da Universidade de Columbia, N. Y. USA, Prêmio Nobel de Economia: “Onde o setor privado tem papel essencial – criação de vacinas – há pouco incentivo para ele investir em doenças que afligem os pobres ou países pobres. Apenas quando os países avançados são ameaçados há ímpeto suficiente para investir em vacinas para enfermidades como o ebola. Isto não chega a ser uma crítica ao setor privado; afinal, os laboratórios não estão no negócio pela bondade de seu coração, e não há perspectiva de lucro na prevenção ou cura de doenças de pobres. O que a crise do ebola coloca em questão é nossa dependência do setor privado para fazer o que os governos fazem melhor. Com mais investimentos do setor público, uma vacina contra o ebola poderia ter sido criada há anos”.10 E, dizemos nós, evitada a morte de milhares de africanos. Com os fatores apontados anteriormente, somados às primeiras medidas de saneamento básico, à melhoria da 10 O Globo, 15/11/14.
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Capitalismo e população mundial
alimentação, provocada em boa parte pela forte entrada dos produtos das Américas (batata, milho etc.) no mercado de alimentos, estão criadas as condições de aumento da taxa de natalidade, de redução da mortalidade e do aumento da esperança de vida, o que deveria conduzir a uma explosão populacional. Mas tal explosão tem suas limitações. Por exemplo, as crianças-operárias, que eram uma fonte de lucros extraordinários para o capital, morriam como moscas; somente em 1841, na França, foi proibido o trabalho de crianças de menos de oito anos, e em 1842, proibido o trabalho de crianças menores de dez anos nas minas da Inglaterra-Galles. Como se vê, a preocupação dos capitalistas com as crianças vem de longe... No fluxo de tais acontecimentos, do ponto de vista da reprodução da população, surge, nos primórdios da Revolução Industrial um outro fator importante: a entrada da mulher no mercado de trabalho. As primeiras grandes manufaturas da Inglaterra e da Bélgica, no final do século XVIII, empregavam massivamente o trabalho feminino. Mesmo com sua transformação em indústrias, no início do século XIX, a mulher joga um papel decisivo em muitos ramos da produção. Em 1833, numa amostra dos setores têxteis da Inglaterra, as mulheres constituíam 58% da força de trabalho nas fábricas de algodão, 40,9% nas de lã, 67,4% nas de linho e 78,15% nas de seda (cf. Joyce Burnette, EH. net, sitio da Economic History Association, Cambridge, USA). Evolução histórica da população mundial
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A entrada da mulher no mercado de trabalho foi um fator de peso para reduzir a taxa de natalidade pois a gravidez era um empecilho para obter ou manter um emprego. Mas não era somente a destreza das mãos femininas ou suas curvas que as conduziam a ocupar lugar numericamente tão destacado em certas indústrias. O determinante era o fato dos salários das mulheres serem, em média, inferiores à metade daqueles dos trabalhadores masculinos, o que permitia um crescimento significativo da taxa de lucro do capital. Hoje esta situação mudou, mas as mulheres, segundo a ONU, continuam recebendo, em média, menos 30% que os homens para o mesmo trabalho, com o mesmo nível de educação. Assim, à primeira vista, era o “trabalho feminino” que determinava a queda da taxa de natalidade, mas, olhando melhor, o que estava por trás era (e continua sendo) o interesse do capital em aumentar sua taxa de lucro. Um estudioso destes assuntos diz que antes do final deste século as mulheres constituirão a maioria dos trabalhadores.11 Se elas não lutarem muito por direitos iguais pode ser que nem em 2100 consigam ganhar o mesmo que os homens em igualdade de condições. Alguns autores destacam a influência dos anticoncepcionais na queda da taxa de natalidade. Desde há muito se buscava meios para evitar uma gravidez indesejada. Dentre eles os mais difundidos eram o 11 Domenico de Masi em entrevista no programa “Roda Viva”, TVEducativa, de São Paulo, em 21/01/2013.
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Capitalismo e população mundial
“coito interrompido”, o aborto e o uso das bexigas ou vísceras de animais como preservativos. Tais métodos primitivos eram pouco eficientes e muitas vezes de alto risco. Só em 1962, aparece um método clinicamente aceito, o DIU, muito depois do fim da “transição demográfica” dos países desenvolvidos. É na década de 1960 que, inventada nos EUA e na Alemanha, surge a pílula anticoncepcional. De início timidamente, como algo para controlar a menstruação, ela ganha sua verdadeira dimensão impulsionada pelo movimento feminista, com as jornadas de Maio de 1968, na França, e com o festival de Woodstock, nos EUA. Desde então, o uso deste preservativo ganha uma posição inusitada e chegamos ao século XXI com o seguinte quadro: “Se o Guttmacher Institute e o UNFPA (United Nations Population Fund) estiverem corretos, a boa notícia é que já percorremos três quartos do caminho até lá. Segundo os números, em meados de 2012, 75% das mulheres sexualmente ativas do mundo em desenvolvimento, que não estiverem tentando engravidar ao longo dos dois próximos anos (que estiverem dando um tempo entre uma gravidez e outra ou evitando), já estão usando contraceptivos. Eles calculam que 218 milhões de gestações não intencionadas são, portanto, evitadas anualmente, evitando 138 milhões de abortos provocados, 25 milhões de abortos espontâneos e 118 mil mães mortas por complicações de parto ou abortos clandestinos”.12 Visto assim, a pílula poderia ser o caminho para manter a população mundial dentro dos limites permitidos pelos
12 Weisman, Alan. Contagem regressiva. São Paulo: Texto, p. 419. Evolução histórica da população mundial
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recursos do planeta. Mas, este autor assinala adiante: “Atualmente, a cada ano, 4 bilhões de dólares são gastos em tratamentos contraceptivos no mundo desenvolvido. O UNFPA e o Guttmacher estimam que aproximadamente o dobro desse valor, ou 8, 1 bilhões de dólares por ano, poderia atender inteiramente às necessidades de contracepção moderna do mundo em desenvolvimento. Entre 2001 e 2011, os EUA frequentemente gastavam mais que isso por mês, no Iraque e no Afeganistão”.13 Como se vê, o poder do complexo industrial-militar norte -americano é mais poderoso e engole verbas que poderiam ser aplicadas para fins de controle populacional. Mas, mesmo que isto não acontecesse, seria necessário saber se as populações dos países em desenvolvimento, onde muitas vezes os filhos são indispensáveis para completar o orçamento familiar ou para garantir o mínimo na velhice dos pais, estariam de acordo com este tipo de restrição da natalidade. Neste ponto, cumpre colocar a pergunta de como estes fatos se refletiam na reprodução da população mundial. De imediato, eles levam a uma contradição: se ao capital interessa o aumento da população, pois numa ponta teria à sua disposição mais braços e mentes para explorar e na outra mais consumidores, como e por que acontece, nos quadros do capitalismo, a desaceleração do crescimento populacional, apontada primeiro nos países desenvolvidos e, a partir da década de 1970, em todo o mundo?
13 WeismAn, A. Contagem regressiva. São Paulo: Texto, p. 421.
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Capitalismo e população mundial
2 A composição orgânica do capital e a população
D
o ponto de vista técnico, o capital se compõe de duas partes: uma delas, chamada de capital constante, é aquela composta pelas máquinas, equipamentos, prédios, matéria-prima etc.; a outra, chamada de capital variável, corresponde à quantidade de trabalho necessária para pôr em movimento tais máquinas, equipamentos etc. A relação entre as duas é chamada de composição técnica. A essas duas partes correspondem valores e a relação entre esses valores é chamada de composição de valor. “Entre ambas (composição técnica e composição de valor) há estreita correlação. Para expressá-la, chamo a composição-valor do capital, à medida que é determinada por sua composição técnica e espelha suas modificações de: composição orgânica do capital”.1
1 O capital, de K. Marx. V. 1, Tomo 2, p. 187. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
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Como o crescimento da população está intimamente ligado à demanda de trabalho, às possibilidades de emprego, ele vai variar com a parte do capital destinada ao fundo de trabalho, isto é, o capital variável. Acontece que, no processo de acumulação, as duas partes do capital não crescem no mesmo ritmo. “A parte que se transforma em salário diminui enquanto aquela que é capital constante aumenta... quando acontece uma diminuição da população operária, acontece a redução da oferta de trabalho e aumenta seu preço, o salário, o que conduz a acelerar o recurso à utilização da máquina, a transformação do capital circulante em capital fixo e consequentemente a criação de um excedente de população, que não é devido á carência de meios de subsistência mas à uma demanda de trabalho insuficiente”.2 O Gráfico 2, à página seguinte, representa a variação da relação capital fixo/horas trabalhadas nos EUA e na Europa (Alemanha, França e Inglaterra) de 1946 a 2000 (relação capital – trabalho em milhares de US$ por hora; o capital é o estoque líquido de capital fixo, ajustado pela inflação, o qual foi dividido pelo número de horas trabalhadas). Mostra que o capital fixo, no longo prazo, cresce mais rapidamente que o capital variável. É importante frisar que o numerador da relação representada neste gráfico – o capital fixo – não constitui o valor total do capital constante, já que não leva em conta o valor das matérias-primas, dos combustíveis etc., (parte constante do capital circulante embutido nas mercadorias) o
2 O capital, de K. Marx. Cap. XXIII. p. 187. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
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Capitalismo e população mundial
que, se somado ao valor do capital fixo, constituiria o total do capital constante. GRÁFICO 2 – Relação-trabalho (milhares de dólares de 1990/por hora) Europa (Alemanha, França e Reino Unido) e todas as empresas dos Estados Unidos
Fonte: Dumenil and Levy, Capital Resurgent.
Se pudéssemos fazer isto estaríamos computando o total do capital variável e do capital constante e a curva, então considerando os valores constitutivos da composição orgânica do capital, subiria mais acentuadamente. A chamada revolução técnico-científica, com as novas tecnologias de computação e telecomunicação, altera estas relações na medida em que aumenta a proporção do valor do capital variável adicionado às mercadorias pela pesquisa e desenvolvimento. Nos produtos de maior densidade tecnológica, o valor adicionado pelo chamado “trabalho imaterial” ganha novas dimensões, como assinalado por Yann Boutang, especialista em “capitalismo cognitivo”: A composição orgânica do capital e a população
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“Num IPad, a produção material representa 10% do valor final divididos por 11 países. Os chineses, que fazem a tela sensível, pegam 4%. Temos mais 10% de transporte, 20% de distribuição. O resto, o que é? Design, engenharia, eletrônica e marca: os EUA pegam 71%!”.3 A divisão de valores pode não ser exatamente esta, pois depende do que ele chama de valor material e imaterial, de capital constante ou de capital variável. Mas, sem dúvida, é muito distinta daquela que se fazia no tempo da máquina a vapor. Neste período, (1946-2000), a população na Europa capitalista e nos EUA, onde a composição orgânica do capital é elevada, varia da seguinte maneira: na Europa, entre 1950 e 1999, a população passa de 547 a 729 milhões, um crescimento de apenas 33,2% no período e sua participação na população mundial cai de 21, % para 12,2%. Entre 1950 e 2000, a população dos EUA passa de 179,3 para 281,4 milhões, um crescimento de 56%. Para fins de comparação, no mesmo período, a população da América Latina, onde subsistem modos de produção pré-capitalistas e a composição orgânica do capital aumenta, mas numa faixa inferior, cresce 300%.4
3 O Globo, 14/05/15, p. 2. 4 United Nations– Population Division.
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Capitalismo e população mundial
Thomas Piketty mostra no gráfico abaixo como este fenômeno se distribui pelos diversos continentes num período maior.5 GRÁFICO 3 – Crescimento da população mundial, 1700-2012
A população mundial passou de seiscentos milhões de habitantes, em 1700, para sete bilhões, em 2012. Fonte e séries: Disponível em: <www. intriseca. com. br/ocapital>.
Observa-se dois fenômenos. O primeiro é que nos continentes e países onde o capitalismo mais se desenvolveu, portanto onde a composição orgânica do capital é mais alta, como a Europa e os EUA, a taxa de crescimento da população é menor, especialmente a partir da década de 1960, e, que na Europa, a população se estabiliza e tende a decrescer. O segundo, que nos continentes onde persistem setores da economia com modos de produção pré-capitalistas, como na África e na Ásia, as taxas de crescimento populacional permanecem altas.
5 PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, p. 80. A composição orgânica do capital e a população
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Ao mesmo tempo, a variação da composição orgânica do capital nos países capitalistas é um dos fatores que mais afeta a distribuição da população, o emprego, entre os setores primário, secundário e terciário da economia. O Gráfico 4 mostra esta variação nos UEA, entre os anos 1850 e 2009, de acordo com omodelo matemático elaborado por Colin Clark, PhD, Universidade de Edinburgh: Gráfico 4 – Modelo Setorial de Clark, USA
Os dados de 2010, para os EUA, aproximam-se das indicações do modelo: o emprego no setor primário chega perto dos 2%, o secundário, depois de passar dos 30%, nos anos 1950 e 1960, cai para perto de 23%, em 2010, enquanto o terciário sobe em flecha chegando aos 75% neste ano.6
6 Disponível em: <useconomy. weebly. com>.
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Capitalismo e população mundial
Modelo semelhante ao de Colin Clark foi elaborado para a Europa, por Jean Fourastié, em 1954. Ele mostra e destaca, com a ajuda de três curvas, a evolução do emprego da era pré-industrial à era pós-industrial (projeção). Em torno de 1800 o setor primário ainda representava na Europa 80% das atividades econômicas. A sociedade passou, num intervalo de tempo aproximado de 200 anos deste estado de “civilização primária” àquele de uma “civilização terciária”, onde o setor terciário representaria hoje em torno de 80% das atividades. O setor secundário passa por um máximo nos anos 1950, quando emprega algo em torno dos 30% da força de trabalho na Europa, caindo depois continuamente. Em 2010, segundo o INSEE,7 o setor primário ocupava 2,9% da força de trabalho francesa, o secundário 22,2% e o terciário 74,9%. No caso da Alemanha os números são 1,6% para o primário, 28,4% para o secundário e 70% para o terciário. Para a Europa dos 27, os números são 5,1% no primário, 25,2% no secundário e 69,6% no terciário, o crescimento do peso do setor primário com relação aos acima indicados devendo ser creditado à Grécia, Portugal e a alguns países do antigo campo socialista. Alguns estudiosos8 constatam que, do ponto de vista do progresso tecnológico o setor primário se caracteriza como médio, o secundário como forte e o terciário como fraco. Esta proeminência do secundário por certo está ligada à forte tradição de luta da classe operária e à competição 7 Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos da França. 8 C. Clark; J. Fourastié e outros. A composição orgânica do capital e a população
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entre capitais, o que acelera a introdução de novas tecnologias, coisa que no terciário vai acontecer de maneira diferente e mais tardiamente. Tais fatos alteram a composição do exército de reserva. Neste, o peso de cada setor varia de formas diferentes principalmente influenciados pela introdução de novas tecnologias. Se antes nele predominava o do setor industrial, quando nos aproximamos do fim do século XX sua composição é fortemente influenciada pelos desempregados do setor terciário cujo comportamento difere daqueles. Um indicador desse fenômeno é a variação do grau de sindicalização da força de trabalho nos EUA: nos anos 70, quando a participação do secundário estava perto de seu máximo, o grau de sindicalização da força de trabalho total era de 29% e, em 2000, quando o predomínio do terciário é grande, o grau de sindicalização cai para 13%. Ligados a tais fatos estão fenômenos típicos das chamadas “sociedades terciárias”, em que cai a taxa de reprodução da população, aumenta a proporção de idosos e a imigração.
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Capitalismo e população mundial
3 O envelhecimento da população
A
queda da taxa de mortalidade, exposta e discutida no item “A transição demográfica”, não atinge somente os homens e mulheres em idade produtiva. Ela vai incidir também no aumento da população mais velha, alterando a relação entre estes e aqueles. De 1800 a 1900, a esperança de vida na Europa Ocidental passa da casa dos 30 para a dos 50 anos. Entretanto, os fatores apontados anteriormente têm desdobramentos, às vezes ignorados pelos analistas, que vão influir nesta mudança. No final do século XIX, começa o desenvolvimento da indústria farmacêutica, a partir das indústrias químicas existentes, como foi o caso da Bayer, em 1888, ou da associação de farmácias como aconteceu nos EUA; a fabricação de medicamentos deixa de ser uma atividade limitada, quase artesanal, para ganhar um caráter de produção em massa, com uma margem de lucro 51
superior a de muitos outros ramos industriais. E uma boa fatia de seu mercado é constituída pelos idosos. Por outro lado, sob pressão do movimento socialista, Bismark, na Alemanha, torna-se pioneiro ao adotar em 1889 o seguro invalidez e velhice. Na Inglaterra, após décadas de lutas operárias surge, em 1908, o “Old Age Pension Act” visando a concessão de pensão aos maiores de 70 anos. Na França, após muita luta, é promulgada a lei de 28/06/1894 que institui um sistema de aposentadoria para os mineiros, financiada pelos patrões e garantida pelo Estado. Também aqui as ideias do socialista francês Edouard Vaillant dão a base para a promulgação da lei sobre a aposentadoria de operários e lavradores em 1910. Estes fatores incidem sobre a esperança de vida e consequentemente sobre a evolução da população de idosos que passam a constituir uma das principais fatias do mercado da indústria farmacêutica. No século XX, com a descoberta da penicilina, da insulina e de outros medicamentos, aumenta o alcance das indústrias de medicamentos, com a entrada no mercado de empresas da Suíça, Alemanha, Itália, EUA, França. Mesmo nos países em desenvolvimento são tomadas iniciativas nesta direção e, no final do século XX, a indústria farmacêutica passa a ser uma das mais rentáveis, com taxa de lucro em torno de 20%. O envelhecimento das populações é uma questão desafiante. A expectativa de vida ao nascer da média mundial era de 46,9 anos, em 1950, passando para 69 anos, em 2005/2010, segundo relatório da Divisão de População do 52
Capitalismo e população mundial
Departamento de Economia das Nações Unidas de 2012. Na Europa ela passa de 46,9 anos, nos anos 1950, para 75 em 2005/2010, nos países em desenvolvimento passa de 41,6 para 67, e nos países mais pobres de 36,4 para 55,9 anos no mesmo período. Segundo a mesma fonte, nas regiões mais desenvolvidas, 23% da população tinha mais de 60 anos em 2005/2010, sendo que este percentual deverá alcançar 32% em 2050 e 34% em 2100. Hoje, nos países em desenvolvimento 9% da população tem 60 anos ou mais e esta proporção deverá alcançar 19% em 2050 e 27% em 2100. Globalmente o número de pessoas com 60 anos ou mais deverá triplicar até 2100, passando de 841 milhões nos dias de hoje para 2 bilhões em 2050 e perto de 3 bilhões em 2100. Parece paradoxal, mas cumpre notar que 66% destas pessoas vivem hoje nas regiões menos desenvolvidas, em 2050 este número deverá alcançar 79%, chegando em 2100 a 85%, segundo a mesma fonte. Tal situação leva à redução da população ativa do país e à diminuição do exército trabalhista de reserva interno. É evidente que tal situação não favorece o crescimento da taxa média de lucro do capital. Diante desses fatos como ele reage?
O envelhecimento da população
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4 Movimentos do capital
A
redução progressiva das taxas de reprodução da população, a redução proporcional da população ativa devida também ao aumento da proporção de idosos, somadas às lutas dos trabalhadores nos países desenvolvidos, em particular na Europa, provocam um aumento de salários que leva o capital, buscando aumentar seus lucros, a realizar um duplo movimento, internacionalizando e ampliando o exército de reserva: a importação de mão de obra barata e o deslocamento de parte de seus ativos para os países em desenvolvimento onde o custo da mesma é bem menor. A Tabela 1, à página seguinte, dá uma ideia das vantagens, para o capital, do seu deslocamento para os países em desenvolvimento:
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TABELA 1 – Salário médio na indústria (US$ por hora) – 2012 (Calculados segundo paridade do poder de compra)1 Alemanha
25,80
EUA
23,32
Grécia
10,80
Argentina
8,68
Brasil
5,40
China
4,0
Índia
2,04
Filipinas
1,40
Há que notar que estes são salários médios, nos quais entram aqueles mais altos, como os de engenheiros e também os daqueles que varrem o chão da fábrica.
4.1 AS MIGRAÇÕES Do ponto de vista histórico, no período que nos ocupa, onde surge e predomina o modo de produção capitalista, além da reprodução da população dentro das fronteiras nacionais, dois movimentos tiveram forte influência no contingente populacional dos países ocidentais: a transferência de escravos africanos para as Américas e a migração de trabalhadores da Europa para o Novo Mundo. 1 OIT (Organização Internacional do Trabalho). Relatório global sobre salários.
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Capitalismo e população mundial
O tráfico negreiro termina no final do século XIX mas a migração da Europa para a América continua forte ainda nas primeiras décadas do século XX. Depois disso, quando o exército de reserva representado pelos desempregados e pelos trabalhadores rurais do próprio país se reduz, empurrando os salários para cima, os países desenvolvidos, principalmente a Europa e os EUA, estimulam a imigração do então chamado terceiro mundo. Exemplo disto é que, a partir de 1960, face à relativa escassez de mão de obra na América do Norte, as leis de imigração são alteradas para facilitar o afluxo de trabalhadores estrangeiros especializados. Nos anos 1980, o movimento migratório na Europa muda de sinal e ela passa a receber mais migrantes que aqueles que ela envia para outros países. Neste ano, a população migrante no mundo não chegava a 100 milhões de pessoas, ou 2,2% da população mundial. Em 2005 ela chega a 190 milhões ou 2,9% da população mundial. Assim, em média, entre 1980 e 2005, a população migrante no mundo cresceu 3,6 milhões a cada ano. Desses, a Europa e a América do Norte respondem por 57% do total.2 Dados sobre a população migrante global na primeira década do século XXI mostram que a América Latina, África e Ásia tiveram uma perda líquida de migração enquanto a Oceania, principalmente a Austrália e Nova Zelândia, EUA, Canadá e Europa tiveram um ganho substancial. 2 United Nations Population Division (cf. Peter S. Li in: World Migration in the age of Globalization). Movimentos do capital
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Este ganho, impulsionado pela atual globalização, refletese no peso da população de imigrantes frente à população de origem local: TABELA 2 – Peso da população de imigrantes frente à população de origem local (anos 2004/2005)3 Austrália
24,6%
EUA
15,3%
Suiça
21,8%
Áustria
9,9%
Canadá
19,9%
Alemanha
8,9%
N. Zelândia
19,9%
França
6,2%
É importante notar que, segundo o INSEE, do ponto de vista da reprodução, a população imigrante, ao integrarse no sistema de produção local, tende a comportar-se da mesma maneira que os naturais do país a partir da segunda geração. Mas mesmo apelando para os recursos apontados nos parágrafos anteriores, o capital tem dificuldade em ampliar sua taxa de lucro.4
3 United Nations Population Division (dados de 2004/2005 da Organização para a Economia, Cooperação e Desenvolvimento-OECD). 4 Classicamente, a taxa de lucro é definida como o quociente entre o lucro, ou seja, a diferença entre o valor das mercadorias produzidas, menos os custos necessários à sua produção e o valor do capital empregado na produção dessas mercadorias. K. Marx define a taxa de lucro como a relação entre a mais-valia e a soma do capital constante mais o variável (O capital. V. III, Tomo I, cap. II). Cumpre notar que desde há muito existe uma polêmica sobre a queda histórica da taxa de lucro (ver por exemplo
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Capitalismo e população mundial
Se tomarmos como referência as 500 maiores corporações listadas na revista Fortune, observamos que a taxa de lucro média das mesmas varia da seguinte maneira: TABELA 3 – Queda da taxa de lucro5 7,15% entre 1960 e 1969 5,30% entre 1980 e 1990 2,29% entre 1990 e 1999 1,32% entre 2000 e 2002
Aqui cumpre observar que a taxa de lucro diminui não porque o operário seja menos explorado, mas porque, em função da rapidez do avanço tecnológico, se emprega cada vez menor quantidade de trabalho vivo para o capital investido, isto é, aumenta a composição técnica e orgânica do capital como mostrado na Tabela 2, mesmo tendo em conta que os operários chineses e indianos ou os turcos e mexicanos ganham muito menos, pelo mesmo trabalho, que os europeus ou os americanos.
o artigo “Le taux de profit et le monde d`aujour`hui” de Chris Harman em International Socialism, n. 115, 2007). 5 Citado por Silvio Caccia Bava, no Le Monde Diplomatique, ed. brasileira, jun./2009, p. 9., Thomas Piketty aborda este assunto, mas usa categorias diferentes e chega, como é natural, a conclusões distintas. Ao invés de taxa de lucro usa a “... renda do capital (aluguéis, dividendos, juros, ganhos do capital, royalties e outros rendimentos) obtidos pelo simples fato de ser dono do capital... ” (O capital no século XXI, p. 24, 54, 202, 203). O capital aqui deixa de ser uma relação social para ser algo que alguém possui com valor de mercado. Movimentos do capital
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Se isso acontece do ponto de vista econômico, do ponto de vista social a população imigrante, na medida em que ainda não conquistou plena cidadania, pressiona os salários para baixo e contribui para reduzir as taxas de sindicalização da força de trabalho. As recentes ondas de refugiados da África e do Oriente Médio, fugindo das guerras e da fome que assola estas regiões, é um drama que comove a humanidade. Mas se olhadas mais de perto, elas vão contribuir para baixar os salários dos trabalhadores dos países receptores. Naturalmente, isto favorece a freada da queda e mesmo o aumento da taxa de lucro dos capitalistas destes países.
4. 2 O DESLOCAMENTO DO CAPITAL PARA OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E A REPRODUÇÃO DA POPULAÇÃO Em meados do século XX, os países desenvolvidos ampliam o movimento de transferência e construção de unidades industriais nos países em desenvolvimento. No início, isso visava ganhar um mercado pré-existente, ampliado com o movimento de substituição de importações iniciado anteriormente por esses países. Depois, face às vantagens comparativas (mão de obra mais barata, proximidade das fontes de matéria-prima etc.) e à concorrência, começa um movimento de exportação para outros países e mesmo para suas matrizes.
60
Capitalismo e população mundial
Como cada modo de produção tem suas próprias leis de reprodução da população, fica difícil classificar os países de desenvolvimento capitalista tardio e dependente (PDCTD), desde este ponto de vista, pois nesses países convivem, em distintas proporções, ao lado do capitalismo industrial e financeiro, modos de produção anteriores a este. Mas há algumas características comuns que, sem pretensão de esgotá-las, alinhamos a seguir:6 A transferência da população economicamente ativa (PEA) do setor primário da economia para os setores secundário e terciário se dá de maneira diferente e mais tardiamente que aquela acontecida nos países desenvolvidos. Nestes, ela se deu principalmente do primário para o secundário e, depois, deste para o terciário. Nos PDCTD, ela se dá ao mesmo tempo do primário para o secundário e para o terciário, mais acentuadamente para o último. Várias são as razões deste fenômeno, mas nas suas raízes estão a ausência de uma reforma agrária e a importação de uma tecnologia produzida em países em cuja economia prevalece uma composição orgânica do capital muito superior àquela das economias dos PDCTD. A Tabela 4, à página seguinte, dá uma visão de tal fenômeno no Brasil.
6 BRET, Bernard. Le Tiers-Monde-Croissance, Développement, Inégalités. Paris: Ellipses. Movimentos do capital
61
TABELA 4 – Brasil: distribuição da população ativa por setores de atividade (%) Setor
1940
1950
1960
1970
1980
1991
Primário
70,2
60,7
54,0
44,2
29,0
22,5
Secundário
10,0
13,1
12,7
17,8
25,0
23,0
Terciário
19,8
26,2
33,3
38,0
46,0
54,5
Fonte: IBGE, Anuários Estatísticos do Brasil (Cf: Fregolleto. com. br)
Observa-se também que certas transições demográficas se dão em intervalos de tempo diferentes daqueles observados nos países desenvolvidos. Se tomarmos como indicador a variação da taxa de fertilidade – que no longo prazo varia no sentido contrário ao desenvolvimento capitalista – entre, por exemplo, 6 e 2,4 filhos por mulher, teremos a Tabela 5.7 TABELA 5 – Variação da taxa de fertilidade entre 6 e 2,4 filhos/mulher França
de 1730 a 1910
180 anos
Inglaterra e Galles
de 1820 a 1940
120 anos
EUA
de 1840 a 1940
100 anos
Brasil
de 1940 a 2000
60 anos
India
de 1950 a 2016
66 anos
7 Cf, Histoire du Peuplement et Previsions, de G. Caselli, J. Vallin et G. Wunsch, v. V, U. S. Bureau of Sensus, Historical Statistics of U. S., Brasil-IBGE– Censos Demográficos, <www.indexmundi.com> (projeção).
62
Capitalismo e população mundial
Como nos PDCTD antes da queda na taxa de fertilidade começa uma forte redução na taxa de mortalidade, fenômeno discutido anteriormente, a população destes países experimenta, no início do processo, um rápido aumento da população que, depois que o capitalismo se espraia, passa a diminuir. A Tabela 6 dá uma indicação disto. TABELA 6 – Brasil – Taxa média geométrica do crescimento anual da população residente8 1940/1950
2,39%
1950/1960
2,99%
1960/1970
2,89%
1970/1980
2,48%
1980/1991
1,93%
1991/2000
1,63%
2000/2005
1,67%
Tais movimentos produzem um setor terciário “inchado” e, em boa parte, informal. Esta grande área informal constitui um exército de reserva que pressiona os salários dos trabalhadores, inclusive os da área formal, para baixo. Para os países em desenvolvimento, o deslocamento de indústrias e de serviços assinalado anteriormente cria
8 IBGE: Censos Demográficos 1940/1991, Contagem Populacional 1996 e Estimativas Demográficas 2005. Envelhecimento medido pelo percentual: proporção de idosos com mais de 60 anos para o total da população. Movimentos do capital
63
novos empregos, em geral mais qualificados. Mas provoca um desequilíbrio estrutural maior, já que, dado a diferença entre a nova tecnologia e a anteriormente existente no país e a velocidade com que isso acontece, cria-se uma legião de desempregados, um acréscimo ao exército de reserva difícil de ser realocado em novas atividades. Estes fatos contribuem para reduzir as taxas de fertilidade e de mortalidade nos países em desenvolvimento, contribuindo para a redução da taxa de reprodução da população como já vimos e para o envelhecimento da mesma, cujo peso, por exemplo, passa no Brasil de 7,3%, em 1991, para 9,2%, em 2005. Pelo constatado até agora, o capitalismo, ao se instalar e depois se expandir num país ou numa região pouco desenvolvida, altera radicalmente as condições de reprodução da população, no sentido de reduzir as taxas de fertilidade e mortalidade, aumentar a esperança de vida e, por fim, reduzir a taxa de reprodução da mesma e aumentar a proporção de idosos. Vimos também que ele busca realizar tal movimento em função de seus interesses e, vale dizer, do maior deles qual seja aumentar a taxa de lucro ou frear sua queda. Mas mesmo que ele consiga realizá-los, num primeiro momento, isto provoca resultados contraditórios a médio prazo. Apesar de estarmos concentrando nossas observações nos países ocidentais, o caso da China merece atenção. Quando os comunistas ali tomaram o poder, em 1949, ela tinha aproximadamente 560 milhões de habitantes. Na 64
Capitalismo e população mundial
época, a política oficial passou a ser “mais braços, mais força”. Nesse então, a taxa de fertilidade estava em torno de 5,7 filhos por mulher. Em 1979, acontece uma virada. O governo estabelece que a população não deverá ultrapassar 1,2 bilhão de habitantes, no ano 2000, e oficializa a política do “filho único”: cada casal não poderia ter mais de um filho. A reação da população dá origem a acontecimentos dramáticos e o governo é obrigado a amenizar tal política. Em 2008 a China chega a 1,3 bilhão de habitantes e a taxa de fertilidade gira em torno de 1,8 filhos por mulher. A história mostra que fenômenos deste tipo, assim como decisão política, guerras, epidemias, a decisão pessoal das mulheres ou dos casais sobre o número de filhos isto é, todo movimento autônomo de variação demográfica nos quadros do capitalismo, acaba subordinando-se, por uma ou outra via, num espaço de tempo maior ou menor, ao processo de acumulação do capital.
Movimentos do capital
65
5 A reprodução da população
e a variação da produção e do consumo de alimentos
É
sobejamente conhecida a tese de Malthus que, no século XVIII, dizia que o desenvolvimento econômico, estimulando a fecundidade, levaria a um crescimento da população em progressão geométrica, o que conduziria fatalmente a uma crise de subsistência, já que a produção de alimentos cresceria apenas em progressão aritmética. Estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que o crescimento do PIB “mundial” – a soma dos produtos internos brutos dos países1 no século XX (1900-1987) – cresceu a uma taxa média de 3% ao ano enquanto a população crescia, como vimos, a taxas inferiores, de uma média máxima de 2,04%, nos anos 1960, caindo depois sucessivamente.
1 Exclusive África e alguns pequenos países (OCDE– Angus Madison, 2001).
67
Mas Malthus se referia especificamente à produção de alimentos. Segundo dados da OCDE e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a taxa de aumento da produção de alimentos deve passar a 1,5% ao ano, no próximo decênio, contra 2,1% no decênio precedente. Nada a ver com uma progressão aritmética, como dizia Malthus. Nota-se no gráfico abaixo, da FAO, que a produção de alimentos vem crescendo a taxas significativas até o início dos anos 1990 e reduzindo seu ritmo, a partir de então, em decorrência, principalmente, da estabilização da taxa de variação da produção nos países desenvolvidos. Gráfico 5 – Produção mundial das principais culturas agrícolas, 19612009 (bilhões de toneladas)
Produção mundial das principais culturas, 1961–2009 (bilhões de toneladas)
Segundo este mesmo organismo, durante decênios a agricultura mundial se caracterizou pela produção de excedentes e de preços reais em regressão, donde os lucros modestos para muitos produtores agrícolas e os investimentos limitados no setor. Hoje, a evolução dos fundamentos da oferta e da demanda e o avanço da monopolização da 68
Capitalismo e população mundial
produção agrícola estão no caminho de transformar este quadro como mostra o gráfico a seguir: GRÁFICO 6 – A produção agrícola líquida deverá desacelerar (crescimento anual médio, %)
Fonte: OCDE
O que vemos é que a produção de alimentos vem, há décadas, crescendo a taxas superiores às da população mundial e que tal relação deverá perdurar no próximo decênio, mesmo com a redução de sua taxa anual de crescimento; como vimos acima, as projeções da FAO indicam que a produção mundial de alimentos deverá crescer à taxa de 1,5% a.a., no próximo decênio, enquanto a reprodução da população mundial deverá crescer a uma taxa de 1,15% a.a. Este quadro poderia significar que o capitalismo estaria em condições de acabar com a subnutrição e a fome no mundo, a curto prazo. Mas não é isso que se observa. Por um lado, o crescimento da produção de alimentos a taxas superiores àquela do crescimento da população mundial vem contribuindo para a redução percentual do nº de A reprodução da população e a variação da produção e do consumo de alimentos
69
subnutridos: sua proporção no mundo caiu de 26% nos anos 1968/1971 para 14%, em 2000/2002. Mas devido ao aumento da população global no período, o nº absoluto de subnutridos reduziu-se pouco, de 960 milhões, em 1968/71, para 850 milhões em 2000/2002. A pressão desta multidão de famintos, deste exército de reserva desesperado sobre, por exemplo, o mercado de trabalho europeu, tem uma de suas expressões mais dramáticas nas sucessivas levas de imigrantes africanos que morrem afogados no Mediterrâneo em busca de qualquer emprego nos países desenvolvidos. E o drama não é menor na fronteira sul dos EUA. Mas seria possível acabar com a fome no mundo, a curto prazo? A produção mundial de alimentos permitia, já em 2001, um consumo médio de 2.414 kilocalorias/dia para cada habitante da terra.2 Do ponto de vista puramente quantitativo este objetivo seria atingível. Mas, nas condições do capitalismo, tal cálculo deve levar em conta, no mínimo, duas outras variáveis: a concentração da riqueza e os preços dos alimentos. Quanto à concentração da riqueza é significativo o seguinte trecho do relatório que a Oxfam (Oxford Comittee for Famine Relief) fez para o Fórum de Davos, de janeiro de 2014:
2 Food and Agriculture Organization of United Nations, Statistics Division-2010.
70
Capitalismo e população mundial
A riqueza do mundo está cada vez mais concentrada nas mãos de 1% da população (cerca de 70 milhões de pessoas), afirmou. Segundo a ONG Oxfam, as desigualdades econômicas se intensificaram após a crise financeira de 2008, sobretudo nos países desenvolvidos. A ONG ainda aponta que o valor da riqueza das 85 pessoas mais ricas do mundo (1,7 trilhão de dólares) é o mesmo que a soma do patrimônio das 3,5 bilhões mais pobres. De acordo com o estudo, a fortuna dos 1% mais ricos é de 110 trilhões de dólares, ou 65 vezes o valor da soma do patrimônio da metade mais pobre da população mundial. A Oxfam alerta que o valor pode ser ainda maior, devido ao fato de que a maior parte da população rica mantém contas escondidas no valor de 18,5 trilhões de dólares em paraísos fiscais.3
Ainda segundo a Oxfam, 70% da população mundial vivem em países onde a distância entre ricos e pobres tem aumentado nos últimos 30 anos. O economista Branko Milanovic (chefe de pesquisa do Banco Mundial) assinala tendência semelhante: A melhora na distribuição ocorreu nas chamadas classes médias. Porém, o top 1% mais rico teve sua renda aumentada em mais de 60% durante essas duas décadas, enquanto os 5% mais pobres receberam, em 2008, os mesmos rendimentos que recebiam em 1988. Ou seja, os desesperadamente pobres continuam desesperadamente pobres (mas não necessariamente apáticos). 3 Site da Revista Veja, 20/01/2014. A reprodução da população e a variação da produção e do consumo de alimentos
71
Enquanto o consumo per capita de alimentos nos países desenvolvidos andava em torno de 3.300 kcal/pessoa/dia, nos países da África Central caía para 1.820 kcal/pessoa/ dia4 inferior à quantidade mínima necessária para manter os refugiados saharauis, segundo o PAM (Programa Alimentar Mundial), 2.100 kcal/pessoa/dia. A concentração e a centralização do capital e, consequentemente, dos mais variados recursos, é uma lei natural no capitalismo. Os dados até agora não fazem mais que confirmar essa conhecida tese de Marx. Quanto aos preços dos alimentos, o Quadro 7 é elucidativo. Por paradoxal que isto possa parecer, o crescimento da produção de alimentos a uma taxa superior à do crescimento da população mundial não vem contribuindo para a redução dos preços dos alimentos. O que se observa é que eles estão subindo como demonstrado no Quadro 7, à página seguinte. É interessante comparar a evolução dos preços dos alimentos com a dos salários. Tomando o período 2000-2011, vemos que os salários reais médios variaram,5 conforme a Tabela 8, à página 72.
4 ChartsBin Statistics, 2011. FAO. 2009. The State of Food Insecurity in the World: Economic crises – impacts and lessons learned. Rome. 5 Global Wage Report 2012/13-International Labor Organization (ILO) – United Nations.
72
Capitalismo e população mundial
QUADRO 7 – FAO: Índice de Preços dos Alimentos6 Índice de preços de alimentos
Carne
Laticínios
Cereais
Óleos vegetais
Açúcar
2000
91.1
96.5
95.2
85.8
69.5
116.1
2001
94.6
100.1
105.3
86.8
67.2
122.6
2002
89.6
89.9
80.9
93.7
87.4
97.8
2003
97.7
95.9
95.6
99.2
100.6
100.6
2004
112.7
114.2
123.6
107.1
111.9
111.7
2005
117.9
123.7
134.9
101.3
102.7
140.3
2006
127.2
120.9
130.0
118.9
112.7
209.6
2007
161.6
130.8
220.3
163.4
172.0
143.0
2008
201.4
160.7
222.9
232.1
227.1
181.6
2009
160.6
141.3
150.0
170.2
152.8
257.3
2010
188.0
158.3
206.7
179.2
197.4
302.0
2011
230.1
183.3
230.2
240.9
254.5
368.9
2012
213.4
182.0
194.1
236.1
223.9
305.7
2013
209.9
184.4
242.9
219.2
193.0
251.0
2012
Dez
214.1
187.2
206.4
249.1
190.7
274.0
2013
Jan
213.3
184.3
210.6
244.0
200.3
267.8
Fev
212.8
186.4
210.6
241.1
201.8
259.2
Mar
214.7
185.2
227.8
240.5
196.7
262.0
Abr
216.5
186.6
256.6
230.7
194.0
252.6
Mai
214.4
180.0
252.5
234.8
194.3
250.1
Jun
211.9
179.7
246.3
232.3
193.5
242.6
Jul
207.5
179.4
243.7
222.3
186.7
239.0
Ago
204.6
182.4
248.2
206.8
181.8
241.7
Set
203.9
186.1
251.0
195.0
184.3
246.5
Out
206.6
187.3
251.5
196.6
188.0
264.8
Nov
206.4
187.3
251.4
194.3
198.5
250.6
Dez
206.7
188.1
264.6
191.5
196.0
234.9
6 Critério de elaboração dos índices: ver FAO – Food Price Index. www. fao. org/worldfoodsituation/foodpricesindex/en. A reprodução da população e a variação da produção e do consumo de alimentos
73
TABELA 8 – Aumento dos salários reais médios 2000-2011 Ásia
100%
África
18%
América Latina e Caribe
15%
Economias Desenvolvidas
5%
Há que notar que a relativamente grande variação dos salários na Ásia acontece sobre uma base anterior muito pequena (ver Tabela 1) e também que é na faixa dos menores salários que grande parte dos mesmos é destinada às necessidades alimentares. Pois mesmo nestes casos os preços dos alimentos subiram mais que os salários. Entretanto o relatório Global Wage Report da OIT (Organização Internacional do Trabalho) acusa que, entre 1999 e 2011, a produtividade média do trabalho nas economias desenvolvidas aumentou mais que o dobro do salário médio. Em estreita interdependência com as leis da acumulação capitalista, outros fatores vêm contribuindo para a elevação dos preços dos alimentos no século XXI. Dentre eles, cumpre assinalar as transformações na China e sua forte entrada no mercado internacional de alimentos, a redução da área de terras férteis disponíveis para a agricultura, o aumento da área cultivada para a produção de etanol, o uso de insumos químicos mais caros e a desertificação de certas regiões. São fatores que combinados, tendo em vista o poder das corporações internacionais e as leis da oferta e da procura, contribuem para essa elevação. 74
Capitalismo e população mundial
Mas, em diversos países e mesmo em fóruns internacionais, as iniciativas para acabar com a fome no mundo se multiplicam e logram conquistas significativas. Elas envolvem ações que vão desde a redução do desperdício de alimentos até a diminuição das desigualdades de renda. Como vimos, as condições materiais para lograr tal objetivo no curto prazo já existem. Trata-se de criar as condições políticas.
A reprodução da população e a variação da produção e do consumo de alimentos
75
6 População, alimentos e meio ambiente
A “pegada ecológica” é uma metodologia utilizada para medir as quantidades de terra e água (em termos de hectares globais – gha) que seriam necessárias para sustentar o consumo atual da população. Considerando cinco tipos de superfície (áreas cultivadas, pastagens, florestas, áreas de pesca e áreas edificadas), o planeta Terra possui aproximadamente 13,4 bilhões de gha de terra e água biologicamente produtivas. Segundo dados de 2010 da Global Footprint Network, a pegada ecológica da humanidade atingiu a marca de 2,7 gha por pessoa, em 2007, para uma população mundial de 6,7 bilhões de habitantes na mesma data (segundo a ONU). Isso significa que para sustentar essa população seriam necessários 18,1 bilhões de gha. Ou seja, já ultrapassamos a capacidade de regeneração do planeta no nível médio de consumo mundial atual, com pegada ecológica de 2,7 gha. 77
Se a população mundial adotasse o consumo médio do continente africano – com pegada ecológica per capita de 1,4 gha –, poderia atingir 9,6 bilhões de habitantes. Se o consumo médio mundial fosse igual à média asiática (com pegada ecológica de 1,8 gha), a população mundial poderia ser de 7,4 bilhões de habitantes. Com base na pegada ecológica da Europa (4,7 gha), não poderia passar de 2,9 bilhões de habitantes. Com a pegada ecológica da América Latina (2,6 gha), o limite seria de 5,2 bilhões de habitantes. Com as pegadas ecológicas da Oceania (5,4 gha) e dos Estados Unidos e Canadá (7,9 gha) precisaríamos parar em 2,5 bilhões e 1,7 bilhão de habitantes, respectivamente.1
Esta fotografia da situação atual nos dá uma ideia da dimensão do problema que a humanidade enfrenta. E notem que estamos falando de médias que envolvem os mais ricos e os mais pobres de cada continente ou país. O professor J. Eustáquio Diniz Alves aqui citado conclui: Não há, evidentemente, como manter esse crescimento nos padrões de produção e consumo atuais. Para que a humanidade possa sobreviver e permitir a sobrevivência das demais espécies, será preciso promover uma revolução na matriz energética, incentivar a eficiência do uso de energia, reciclar e reaproveitar o lixo. Enfim, reduzir os desperdícios em todas as suas formas. Será necessá-
1 A terra no limite, de J. Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas ENCE/IBGE. Disponível em: <planeta sustentável.abril.com.br>.
78
Capitalismo e população mundial
rio introduzir inovações tecnológicas nos prédios e casas para melhorar o aproveitamento da energia e a reciclagem de materiais, reforçar e melhorar o transporte coletivo, criar empregos verdes; ampliar as áreas de floresta e mata e a preservação ambiental.
O autor lista ainda uma série de outras medidas que poderiam reduzir a agressão ao planeta, que vão desde avançar na aquicultura até a redução de bebidas alcoólicas e gastos militares. A projeção da situação atual para os próximos 40 anos não melhora o quadro. Segundo a FAO:2 (...) a população da Terra deverá crescer dos 6,9 bilhões em 2010 para algo em torno de 9,2 bilhões em 2050, crescimento este localizado quase integralmente nas regiões menos desenvolvidas; e as maiores taxas de crescimento são previstas para os países mais pobres. Então algo em torno de 70% da população global deverá ser urbana comparada com os 50% atuais. Se as tendências atuais persistirem, a urbanização e o incremento dos rendimentos nos países em desenvolvimento redundarão num maior consumo de carne o que exigirá aumento da produção de cereais para alimentar os rebanhos. O uso de produtos agrícolas na produção de biocombustíveis também deverá crescer. Nos anos 2020, os países industrializados deverão consumir 150 kg de milho por pessoa por ano sob a forma de etanol – similar às taxas de consumo alimentar de cereal por pessoa nos países em desenvolvimento.
2 FAO – Save and Grow – The Challenge (www. fao. org/ag/save-and-grow). População, alimentos e meio ambiente
79
Tais mudanças na demanda levarão a uma significativa necessidade de aumento na produção de todos os principais alimentos. As projeções da FAO sugerem que, por volta de 2050, a produção agrícola deverá crescer globalmente uns 70% – e quase 100% nos países em desenvolvimento – para atender somente a demanda por alimentos, excluindo a demanda adicional por produtos agrícolas usados na produção de biocombustíveis. Isto é equivalente a uma produção extra de cereais da ordem de um bilhão de toneladas e a 200 milhões de toneladas de carne a serem produzidos anualmente em 2050, comparados com a produção entre 2005 e 2007.
O documento da FAO assinala as dificuldades para expandir as áreas de cultivo, as consequências do uso intensivo dos solos e as agressões ao meio ambiente e sugere um outro paradigma: a intensificação sustentável para o aumento da produção de alimentos. A intensificação sustentável da produção de alimentos, quando efetivamente implementada e suportada, provocará o “duplo ganho” requerido para atingir as duas mudanças de alimentar a população mundial e salvar o planeta.
Mais adiante afirma: Ao mesmo tempo que trará múltiplos benefícios para a segurança alimentar e o meio ambiente, a intensificação sustentável tem muito a oferecer aos pequenos agricultores e às suas famílias – que constituem mais de um terço da população mundial – pelo aumento de sua produtividade, 80
Capitalismo e população mundial
redução de custos, elevando sua resistência ao desgaste e fortalecendo sua capacidade de lidar com o risco.
Tais objetivos são meritórios e as medidas indicadas, ainda em pequena escala mundial, vêm sendo implementadas em diversas regiões e por diversos organismos. Mas seria possível estendê-las a todo o planeta? Torná-las dominantes? Quais as tendências mais fortes do desenvolvimento atual?
6.1 A CONCENTRAÇÃO DE TERRAS No Brasil, um país que tem uma extensão considerável de terras virgens públicas, portanto sujeitas a uma distribuição menos concentrada, a situação é a seguinte: TABELA 9 – a concentração de terras no Brasil3 Propriedade
% área ocupada 2003
2010
Minifúndios, pequenas e médias propriedades
48,4
43,8
Grande propriedade
51,6
56,1
E isto não se limita aos produtores nacionais. O ex-ministro Delfim Netto, personagem insuspeito neste sentido, dá um brado de alerta: “Os chineses compraram a África e agora
3 MST – Gerson Teixeira “Agravamento da concentração de terras”. População, alimentos e meio ambiente
81
estão tentando comprar o Brasil”4 e certamente os chineses não produzem nas pequenas ou médias propriedades. A situação do Brasil não é exceção. Na Europa, fenômeno semelhante vem ocorrendo: “metade de toda a terra agrícola na União Europeia está hoje concentrada em 3% de grandes fazendas com mais de 100 ha” e “na Alemanha, um total de 1,246 milhão de propriedades em 1966/67 reduziu-se para 299,1 mil fazendas em 2010. Destas, a área coberta por propriedades de menos de 2 ha reduziu-se drasticamente enquanto aquelas com 50 ha ou mais expandiram sua área de 9,2 milhões de ha, em 1990, para 12,6 milhões de ha, em 2007”.5
4 Estado de S. Paulo, 23/08/2010. 5 John Vidal, The Guardian, 18/04 e 13/05/2013.
82
Capitalismo e população mundial
7 Destaques finais e conclusões
Não são as guerras, as epidemias ou as catástrofes naturais que regulam a reprodução da população humana no longo prazo, apesar de influírem sobre a mesma. O avanço da ciência, da técnica, da consciência e meios dos seres humanos decidirem o tamanho de suas famílias também vem ganhando força no sentido de permitir uma reprodução consciente da população. Sob o capitalismo isto pode abrir alguns espaços durante algum tempo, mas, como vimos, acabam, no longo prazo, se subordinando às leis de reprodução do capital. O avanço da ciência e da técnica não é, principalmente como ensinam a maioria dos compêndios, o produto do surgimento deste ou daquele gênio, por mais destacado que seja. Ele é o resultado da história da sociedade humana, da iniciativa e da inventividade de milhões, da evolução dos modos de produ83
ção que, cada um à sua maneira, tem suas próprias leis de reprodução da população humana. O modo capitalista de produção não constitui exceção. O regulador principal neste caso é a produção de um exército de reserva adequado que lhe permita aumentar a taxa de lucro ou, mesmo que seja na contramão, frear ou reduzir a velocidade da sua queda. Seja ele um exército nacional ou internacional. Vale notar que aqui aparece outra divergência entre nossa abordagem e a de T. Piketty. Este autor considera a reprodução da população como uma variável independente (O capital do século XXI, p. 11, 12, 18, 77), enquanto aqui observamos que, no longo prazo, ela é dependente e dialeticamente vinculada à reprodução do capital. Os riscos para a sobrevivência da humanidade, se continuar a lógica que vem determinando o crescimento da população, da produção de energia, de alimentos e do consumo nos países mais desenvolvidos, estão identificados por fontes as mais diversas. Como vimos, o desenvolvimento do capitalismo vai no sentido de reduzir a taxa de reprodução da população. Se o problema fosse somente este e supondo que tal modo de produção pudesse desenvolver-se linearmente, que o tempo para fazê-lo, a desigualdade que tal desenvolvimento provoca e a agressão ao meio ambiente não fossem dramáticas restrições, ele poderia evitar um crescimento populacional 84
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catastrófico. Mas aí tal modo de produção não poderia chamar-se mais de capitalista. Por outro lado, estão identificadas uma série de medidas que a humanidade, se pudesse tomá-las em curto ou médio prazo, poderia evitar o caos e as catástrofes. Aí entra um fator político importante: a consciência dos povos e em particular das mulheres, que joga no sentido do autocontrole da reprodução da população. Esta é uma alternativa que ganha força e pode contribuir para a superação do capitalismo, o que mudaria radicalmente as leis de reprodução da população humana. O problema é que quem comanda, neste modo de produção, as decisões necessárias não são os interesses dos povos nem a liberdade das mulheres mas sim a lei do lucro máximo no menor espaço de tempo. É interessante observar que o capital, contraditoriamente, vai criando uma situação em que a reprodução da população, influenciada também pelo autocontrole acima referido, chega a certo ponto, nos países desenvolvidos, que contraria suas necessidades de ter, dentro das fronteiras do país onde opera, um exército de reserva de dimensões adequadas, obrigando-o a apelar para a transferência de empresas para países da periferia e/ou estimular a migração de trabalhadores destes para dentro de suas fronteiras com o fito de atender seus interesses. Tais fatos estão na base da atual globalização. Destaques finais e conclusões
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Dentre as medidas referidas ao longo destas notas visando uma relação mais razoável entre o homem e a natureza, uma das menos faladas é a redução do consumo e do desperdício nas nações desenvolvidas. Recentemente um grupo de 23 cientistas elaborou um relatório intitulado Pessoas e o planeta, publicado pela Royal Society, como subsídio para as discussões da Conferencia Rio+20, das Nações Unidas, em 2012, que vai nesta direção. Nesta conferência foi destacada a necessidade de se adotar o “desenvolvimento sustentável”. Acontece que os países ricos, se assumiram compromissos para chegar às metas preconizadas, não as cumpriram. A experiência histórica indica que uma redução forte e generalizada do consumo destes países, a partir do século XX, só ocorreu quando das guerras mundiais I e II. Afora isso, catástrofes naturais e limitadas têm imposto reduções temporárias sobre o consumo de tal ou qual bem, mas logo de seu término, mais cedo ou mais tarde, os níveis de consumo e desperdício voltam ao nível anterior. Porém, com as armas desenvolvidas nos dias de hoje, seria uma loucura pensar que guerras mundiais poderiam ser uma solução. Entretanto, cumpre não esquecer que o próprio capitalismo já produziu situações que levaram a tais catástrofes, aqui incluído o uso de bombas atômicas contra populações civis e que o complexo industrial-militar de tais países continua poderoso. 86
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É notável a multiplicação, em quase todos os países do mundo, de experiências de comunidades que voluntariamente reduzem seus níveis de consumo de tal ou qual bem. Aumenta a consciência da adoção de medidas para a redução do desperdício e do consumo dos mesmos, para a produção de energia renovável. Por outro lado, já existe conhecimento científico suficiente para suprir a humanidade com suas necessidades básicas sem agredir ainda mais os recursos do planeta. Mas a reprodução do capital tem leis férreas. Uma delas é transformar ou destruir criações que, se generalizadas, poderiam reduzir em muito os problemas hoje enfrentados pela humanidade. Eis um exemplo: Uma visita do presidente Obama à Índia, daqui a alguns dias, pode definir a vida ou morte para milhões de pessoas na Ásia, África e América Latina. A Índia produz medicamentos baratos contra o HIV, malária e drogas contra o câncer. Mas a indústria farmacêutica ocidental quer impedir essa produção para vender mais seus próprios produtos a preços mais altos. O lobby dessa indústria forçou o governo dos EUA a ser duro com a Índia, inclusive com ameaças de sanções comerciais se os indianos não mudarem as leis de patentes que atualmente priorizam as pessoas antes dos lucros. Agora a pressão está aumentando já que negociações de um novo tratado de comércio entre os dois países estão prestes a começar”. (Alex Wilks, do sítio Avaaz, em 22/01/2015). Destaques finais e conclusões
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E não tenhamos dúvidas, algo semelhante vai acontecer com a indústria de genéricos no Brasil. O que falta para resolver o problema da superpopulação mundial em prazos razoáveis é decisão política e não a invenção de um vírus que esterilize metade das mulheres da Terra, como divulgado por Dan Brown em seu livro Inferno citado na Introdução a estas notas. Claro, D. Brown faz ficção e não passa pela nossa cabeça que ele devesse abordar a questão da reprodução humana sob o ângulo histórico-social. Mas mesmo assim não poderia deixar de lado o evidente aumento do controle consciente da mesma, nem o fato de que ele tem se exercido no sentido de restringir o número de filhos. O que pode coincidir em certos momentos com os interesses da reprodução do capital. Mas também pode contraria-los e apontar para uma alternativa pós-capitalista, muito mais democrática, na qual a reprodução humana não mais se subordine à obtenção do lucro máximo, mas sirva aos interesses da humanidade e a uma nova ética com a natureza.
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agradecimentos
Agradecemos aos profs. Ramón Peña, Airton Queiroz, Sônia Gonzaga, Alfredo Maciel e à jornalista Tânia Coelho pelas observações e/ou correções formais feitas. Evidentemente eles não têm nenhuma responsabilidade sobre as conclusões, erros e lacunas que permanecem neste texto.
SOBRE O AUTOR Sergio Augusto de Moraes nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1937. É engenheiro formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Econometria pela Universidade de Genebra. Foi para Santiago do Chile, em 1971, onde trabalhou para o governo de Salvador Allende até setembro de 1973 quando, depois do golpe de Estado de Augusto Pinochet, foi preso no Estádio Nacional. Conseguindo livrar-se das masmorras militares, foi para a Europa, onde ficou seis anos exilado e retornou à sua terra natal, em março de 1979. Atualmente, é Conselheiro Vitalício do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, instituição à qual tem dado permanente e rica contribuição. Sua experiência na terra de Pablo Neruda lhe estimulou a escrever o interessante livro Viver e Morrer no Chile, publicado pela Fundação Astrojildo Pereira, em 2010. Desde o curso em Genebra não se conformava com a abordagem puramente quantitativa no estudo da reprodução das populações. Com este ensaio ele discute esta lacuna.