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SUBSÍDIOS PARA PROGRAMAS DE CANDIDAT@S

SUMÁRIO PATRIARCADO E FEMINISMO: DIFERENTES PERSPECTIVAS DE GÊNERO – Almira Rodrigues .......................................... 3 A LUTA PELO EMPODERAMENTO FEMININO NA POLÍTICA PARTIDÁRIA – Irina Storni / Tereza Vitale ........................... 7 A VIOLÊNCIA NÃO É NATURAL NEM INEVITÁVEL – Mathilde Bagneres ....................................................................... 10 BREVES REFLEXÕES SOBRE O EXERCÍCIO POLÍTICO DAS MULHERES – Vera L. Bertoline ............................................... 12 MILITANTES RECLAMAM FALTA DE RECURSOS PARA EQUIPAMENTOS PÚBLICOS DE PROTEÇÃO À MULHER – Carla Alessandra .......................................................................................................................................................... 13 AS MULHERES E O DESAFIO DAS CIDADES – Cleia Schiavo / Tereza Vitale .................................................................... 16

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PATRIARCADO E FEMINISMO: DIFERENTES PERSPECTIVAS DE GÊNERO Almira Rodrigues* O presente texto apresenta uma sistematização própria sobre a noção de perspectiva de gênero, a partir de estudos e participação em movimentos feministas, e visa contribuir para os debates. A noção de perspectiva de gênero refere-se a um modo de observar e analisar as formas, os processos e as relações sociais, em que o gênero (enquanto representação social do sexo e/ou agrupamento de mulheres e de homens historicamente determinados) é uma categoria central. No entanto, este ângulo/perspectiva não é meramente técnico ou neutro, mas vem carregado de perspectivas éticas e político-ideológicas. Assim, além de pensarmos a perspectiva de gênero como uma forma de apreensão do social, tendo como base esta categoria, também podemos pensar a perspectiva de gênero a partir de seus conteúdos. Nesse sentido, Patriarcado e Feminismo constituem distintos e opostos sistemas de estruturação da sociedade e das relações sociais apresentando diferentes perspectivas de gênero. Algumas características destes sistemas aqui reunidas formam modelos bem delimitados. A realidade, no entanto, é sempre muito mais complexa, evidenciando simulações e dissimulações dessas características bem como a mescla dos elementos de ambos os sistemas.

Patriarcado O patriarcado é um sistema social que se fundamenta na ideia de superioridade do masculino e de inferioridade do feminino, e, por consequência, em uma relação de dominação com subordinação e submissão das mulheres. Abrange relações de produção e de reprodução social, normas, valores e mentalidades. Os sistemas patriarcais têm uma grande abrangência histórica. Atravessam formações sociais diversas no tempo e no espaço, apresentando grande homogeneidade. Instauram-se nas dimensões macro e microssocial – unidades familiares, escolares, de trabalho, sindicais, políticas, religiosas entre outras. Estes sistemas, como estruturas, relações e representações sociais, aliam-se bem a todos os sistemas sustentados em desigualdades, dominações e discriminações. No entanto, são abalados e questionados pelos sistemas efetivamente democráticos, dado que, em tese, nas democracias, a legislação institui a igualdade de direitos entre mulheres e homens. Entretanto, há uma grande distância entre a disposição legal e a sua efetiva realização, que se viabiliza mediante a implantação de políticas públicas e um orçamento público correspondente. As políticas públicas no Brasil não têm garantido a efetiva igualdade de direitos e de oportunidades entre mulheres e homens e tampouco a cidadania de grupos sociais específicos, os quais têm um histórico de discriminação social, a exemplo das mulheres, idosos, pessoas com deficiência, comunidade LGBTT/Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, negros e indígenas, pessoas sem trabalho e renda.

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Entre as contradições desses sistemas, podemos destacar o fato de que as políticas públicas tendem a invisibilizar a perspectiva de gênero, que problematiza as diferentes trajetórias e realidades de mulheres e de homens e as repercussões diferenciadas das ações públicas na vida de ambos. Entretanto, a mentalidade patriarcal estabelece territórios bem delimitados para o feminino e o masculino, formatando diferentes formas de sentir, de pensar e de agir para mulheres e homens e, sobretudo, relações de dominação dos homens sobre as mulheres. Os afetos são considerados como a esfera por excelência do feminino e a razão, do masculino, vigorando uma dupla moral sexual. As crianças e adolescentes são socializados nestes moldes – meninas são afetuosas, meigas, cuidadoras e meninos são fortes, conquistadores e não choram. Os sistemas patriarcais instituem uma forte divisão sexual do trabalho, em que as mulheres são referidas ao âmbito do privado (cuidado da casa e das crianças, dos idosos, das pessoas com deficiência e doentes) e os homens referidos ao âmbito do público (trabalho remunerado e gestão pública mediante representação política). Apesar da entrada das mulheres no mundo do “trabalho remunerado”, suas atividades em casa não passaram a ser amplamente compartilhadas com os maridos/companheiros, resultando em um número de horas diárias de trabalho superior para elas. Além disso, as mulheres continuam a perceber uma remuneração inferior a dos homens e são preteridas em cargos de chefia e oportunidades de capacitação profissional. A mentalidade patriarcal sustenta as violências físicas e sexuais que os homens praticam contra as mulheres. Esta é uma problemática presente nos países subdesenvolvidos, em desenvolvimento e desenvolvidos. Mesmo em países considerados de melhor desenvolvimento e qualidade de vida no planeta, como é o caso do Canadá, existem milhares de casas abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Também é a mentalidade patriarcal que sustenta outra grande deformação social, agora na esfera pública, que é a sub-representação política das mulheres. As posições de poder no âmbito do Estado (esferas do Legislativo, Executivo e Judiciário) são majoritariamente ocupadas por homens, e as mulheres enfrentam imensos desafios e preconceitos para adentrar estes espaços. Apesar de resistente, a mentalidade patriarcal tem cada vez menos respaldo jurídico e encontra-se em declínio histórico, tendo em vista os avanços conquistados pelas mulheres e seus movimentos em todo o mundo.

Feminismo É um movimento cultural e político que alude ao questionamento da ordem patriarcal, sustentada em relações de poder de dominação dos homens sobre as mulheres, e de exclusão/restrição da participação das mulheres da vida pública. Os primeiros movimentos feministas (europeu e norte-americano) datam do final do século XVIII, e se organizaram visando o acesso das mulheres inicialmente à educação formal e, posteriormente, o direito de voto. A conquista do voto (direito de votar e de ser votada) se realiza na grande maioria dos países apenas na primeira metade do século XX. Nos anos 60/70 do século XX os movimentos adquirem um novo patamar de luta pela mudança nas relações de poder entre mulheres e homens e por uma nova inserção das mulheres na sociedade, ganhando uma difusão mundial e uma articulação global. O ano de 1975 é o grande marco, com a declaração de Ano Internacional da Mulher pela 4


ONU, seguida da declaração da Década da Mulher 1976-1985, em que todos os países e governos do mundo foram conclamados a enfrentar a situação de opressão e discriminação vivenciada pelas mulheres. O feminismo coloca o projeto de construção de relações de poder entre mulheres e homens em bases simétricas e dialógicas, rompendo com o modelo opressor-oprimido. Propõe a igualdade de direitos e de oportunidades e a construção da cidadania das mulheres, profundamente mutilada ao longo da história. Defende a construção de relações fraternas entre mulheres e homens de forma a que possam negociar necessidades e interesses, levando em conta ambas as partes. Enquanto um projeto cultural, social e político para a estruturação das sociedades, o feminismo apresenta uma dimensão de sonho, ainda não realizada. O que se tem conquistado é a criação de pequenas ilhas de feminismo – determinadas relações, famílias, unidades de trabalho, projetos políticos, culturais. A visão feminista trabalha com a necessidade de adoção de uma perspectiva de gênero em todos os âmbitos da existência humana, o que significa o entendimento de que todas as relações sociais são permeadas por esta dimensão, sendo fundamental levar em consideração a história, a realidade e a representação das mulheres e sua confrontação com a dos homens. Além dessa forma de olhar a realidade, a perspectiva de gênero afirmada pelo feminismo defende a não discriminação das mulheres em virtude do sexo/gênero bem como a necessidade de implantação de políticas compensatórias e redistributivas visando a eliminação de todas as desigualdades de gênero acumuladas historicamente. Assim, a luta é por igualdade e por equidade social, considerando-se que as políticas universais não dão conta de enfrentar as profundas desigualdades sociais. Além de desenvolver a luta no campo da legislação visando a garantia de igualdade de direitos e de oportunidades entre mulheres e homens (e isso só ocorre no Brasil em 1988, com a promulgação da nova Constituição Federal), a visão feminista considera que a sua efetivação passa pela formulação e implementação de políticas públicas com recorte de gênero, incluindo o orçamento público da União. Nesse sentido, destacam-se diversos mecanismos e iniciativas: a criação de instâncias governamentais específicas (Secretarias de Políticas para Mulheres e Conselhos de Direitos das Mulheres, em níveis nacional, estadual e municipal); a promoção de espaços de interlocução entre governo e sociedade civil (Conferências Nacional, Estaduais e Municipais de Políticas para Mulheres); e a elaboração de Planos Nacional, Estaduais e Municipais de Políticas para Mulheres, oriundo das definições aprovadas nessas conferências. Ressalta-se a grande diversidade do feminismo. Os movimentos feministas são plurais: autônomos ou vinculados a academia, partidos políticos, sindicatos, associações comunitárias e outras instituições; apresentam diversidade político-ideológicas; voltam-se para temáticas amplas ou especificas (em especial violência, participação política, direitos sexuais e direitos reprodutivos); abarcam as mulheres em geral ou grupos específicos de mulheres. O que une estas iniciativas é o sentido de combate às desigualdades, discriminações e exclusões das mulheres, que fica ampliado conforme a condição de gênero se junte a outras condições sociais também marcadas por preconceitos e discriminações (a exemplo da situação das mulheres negras, lésbicas, idosas, prostitutas). Nessa medida, os movimentos feministas promovem a solidariedade entre as mulheres e estabelecem alianças substantivas com os demais movimentos sociais que lutam por democracia, direitos humanos e cidadania. 5


Os movimentos feministas trazem algumas contribuições para se pensar a democracia, como a ideia de que as relações pessoais também são relações políticas, de poder (“o pessoal é político”); e a proposta de se pensar cidadania não apenas na esfera pública, mas igualmente na espera privada (“cidadania na rua e em casa”). É nessa medida que a violência doméstica e familiar contra as mulheres é um problema social e atenta contra a cidadania das mulheres; o Estado tem o dever de proteger a integridade das mulheres bem como de punir os agressores. Para tanto, o Brasil dispõe de uma lei contra a violência doméstica/familiar – a Lei Maria da Penha – e vem implantando, ainda que timidamente, políticas públicas de prevenção e combate à violência contra as mulheres. Estes movimentos trazem igualmente a ideia de diferença, de diversidade e pluralidade como valores substantivos, denunciando que as diferenças não podem ser transformadas em desigualdades sociais, como tem ocorrido historicamente. Dessa forma, promovem o aprofundamento da discussão sobre igualdade social, combinando-a com a ideia da valorização da diferença e da equidade social. Por fim, o feminismo realiza confrontos com instituições religiosas, com o Estado e com os homens (em suas posições de pai e de marido), à medida que propõe que as mulheres se apropriem de seus corpos e se tornem, além de sujeitos de direitos, sujeitos de desejo próprio e do próprio desejo (“nosso corpo nos pertence”). As propostas feministas cada vez mais ganham respaldo jurídico a partir de mobilizações nacionais e internacionais e do estabelecimento de amplas alianças com instituições e sujeitos políticos humanistas e democráticos. O ideário feminista tem se sustentado historicamente apesar de enfrentar campanhas de desqualificação por setores da mídia e por forças políticas opositoras. Em sua especificidade e abrangência, os movimentos trazem para a luta política a questão da felicidade, dos afetos, do imaginário contribuindo para a formação de seres humanos mais libertos de estereótipos de gênero e, nessa medida, mais autênticos e implicados com a construção de um novo mundo para mulheres e homens, uma nova sociedade em que os humanos possam também estabelecer relações de sustentabilidade ambiental e, nessa medida, deixar bons legados para as gerações vindouras. Março/2012

Socióloga e doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Psicanalista e membro do Instituto de Psicanálise Virgínia Leone Bicudo da Sociedade de Psicanálise de Brasília – Febrapsi/FEPAL/IPA.

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A LUTA PELO EMPODERAMENTO FEMININO NA POLÍTICA PARTIDÁRIA* Irina Storni / Tereza Vitale** A política partidária é tradicionalmente uma esfera de atuação masculina. Concorrer a cargos eletivos e exercer um mandato está longe de ser algo que só os homens têm talento e capacidade para fazer, mas, ainda assim, falta espaço e incentivo para as mulheres adentrarem e conquistarem essa área. Basta olhar os números das eleições municipais de 2008. Quanto ao Legislativo municipal, as mulheres representaram, nestas eleições, somente 22,07% do total de candidatos e 12,52% dos vereadores eleitos. É importante lembrar que, em 2004, as mulheres representavam 22,13% dos candidatos a vereador e 12,65% do total de eleitos. Ou seja, houve diminuição da participação feminina para o cargo, apesar de haver uma lei de cotas. Aliás, em 2008, nenhum dos 27 partidos cumpriu a Lei 9.504/97, que reserva um percentual mínimo de 30% das vagas de candidatura ao sexo minoritário em eleições proporcionais. O PPS não fugiu à regra: com 21,45% de mulheres candidatas a vereadora, o partido não só deixou de cumprir a lei como também ficou abaixo da média nacional de candidaturas femininas (22,07%). Com o fim do pleito e a apuração dos votos, o PPS novamente se colocou abaixo da média nacional de vereadoras eleitas (12,52%), tendo somente 10,34% de mulheres no quadro de seus novos vereadores. Em relação ao Executivo municipal, as mulheres foram 10,64% do total de candidatos e 9,07% dos prefeitos eleitos. Em 2004, elas foram 9,53% das candidaturas e 7,32% dos eleitos. Ou seja, houve um tímido crescimento na eleição de prefeitas. Ainda assim, o PPS ficou abaixo da média nacional tanto no que se refere às candidaturas femininas (10,06%) quanto no que se refere à eleição de prefeitas (7,62%).

Diagnosticando os problemas e desafios à participação feminina (Segundo dados oficiais do TSE: Eleições de 2004 e Eleições de 2008, http://www.tse.gov.br/internet/estatisticas)

O envolvimento das mulheres na política, por uma série de problemas estruturais (e não de origem particular, individual), sempre foi pequeno. Contudo, chama-nos atenção o fato que, neste ano, a participação partidária feminina sofreu diminuição na disputa pelo Legislativo em relação a 2004, ao passo que aumentou no caso do Executivo, apesar de a lei de cotas se aplicar em eleições proporcionais e não em eleições majoritárias. A partir deste problema, sistematizamos alguns fatores que explicam esse fenômeno e o baixo envolvimento de mulheres como um todo: – A lei eleitoral não está sendo eficaz. Como vimos, houve crescimento das candidaturas femininas a prefeita, eleição majoritária que não é contemplada pelo sistema de cotas, e queda na disputa pelos cargos legislativos e eleição de vereadoras. O que se pode concluir é que o sistema de cotas não tem apresentado efeitos diretos sobre as candidaturas e possui um caráter mais simbólico. Além disso, a mesma lei que estabelece cotas providencia o mecanismo para neutralizar seus efeitos: não há sanções para o não-cumprimento da lei 9.504/97 e, para piorar, os partidos podem oferecer até 150% do número 7


de lugares a preencher, o que permite oferecer mais homens e nenhuma mulher sem violar nenhuma norma.

Lei 9.504/97 Há 100 vagas na Câmara dos Vereadores. A princípio, cada partido poderia, oferecer 100 candidatos, sendo que (no mínimo) 30 seriam mulheres. Entretanto, a lei 9.504/97 permite que sejam oferecidos 150 candidatos, com o mínimo de 45 mulheres. Mas, como o partido não é punido em caso de descumprimento e pode deixar em aberto as 45 vagas femininas, ele simplesmente oferece 105 homens e nenhuma mulher para disputar as 100 vagas sem violar nenhuma norma. – As mulheres ficam em casa e os maridos vão para os partidos. Com a divisão sexual do trabalho, as mulheres acumulam as tarefas de seu emprego e do trabalho doméstico, com o qual os homens não se envolvem muito. Assim, os maridos contam com tempo e disposição para se envolver em atividades partidárias e sindicais, enquanto as mulheres são absorvidas pelas tarefas do lar após chegarem do trabalho. A construção de uma carreira política é extremamente onerosa para as mulheres. Sem recursos financeiros ou influência, sem tempo para a ação política por conta da dupla jornada de trabalho, com a responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos, é muito difícil participar da política partidária. – Os eleitores e os partidos não colaboram. O Brasil é um país extremamente machista e grande parcela da sociedade acredita que há atividades distintas para homens e mulheres. Poucos eleitores votam em mulheres, poucos partidos incentivam suas militantes a se tornar líderes e candidatas. Qual o papel dos partidos políticos nesta luta? Reconhecendo tudo o que acaba de ser argumentado, os partidos precisam tomar parte na luta contra o fato de estarmos sempre à margem das candidaturas na disputa eleitoral de forma mais ativa. Não só para ajudá-las, mas para se ajudar: cada vez mais, acadêmicos de Ciência Política apontam a subrepresentação feminina como um fator de déficit democrático. Países (e partidos) que contam com um alto grau de participação feminina na política são vistos como mais inclusivos, justos e democráticos. Desta forma, os partidos políticos, se desejam ser reconhecidos como mais progressistas, precisam se empenhar em acolher cada vez mais mulheres e reconhecer a necessidade de ampliação de sua participação política para o aprofundamento da democracia. O argumento “não conseguimos preencher as listas de candidaturas femininas”, além de cômodo e machista, não está colando mais. Os partidos precisam cumprir a lei eleitoral. E o que precisam fazer para produzir boas candidatas é se dedicar ao trabalho de capacitação e empoderamento das mulheres que militam no partido. Há muitas mulheres competentes trabalhando nos bastidores dos partidos que necessitam de incentivo e apoio. Os partidos, em geral, não estimulam a participação delas. As raras mulheres bemrecebidas possuem extraordinária trajetória política e, frequentemente, candidatas comuns são deixadas de lado em benefício de candidatos comuns. Muitas mulheres que pensam em se candidatar acabam desistindo, pois não possuem nem o apoio do partido nem apoio financeiro necessários a uma campanha.

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O que fazer? Para incorporar mulheres à política partidária e superar as dificuldades listadas, é preciso: – Reformar a lei eleitoral para obrigar os partidos a lançar mais candidatas. O mecanismo de ação afirmativa NÃO DEVE SER DESCARTADO, ele precisa ser aprimorado. Uma proposta simples seria trocar o termo “vagas” por “candidaturas” na lei 9.504 e estabelecer uma sanção ao não cumprimento das cotas. Uma sugestão mais radical seria levar a cabo uma reforma política que inclua a adoção de listas de candidatura fechadas com alternância de sexo. De qualquer forma, seriam necessárias medidas complementares (financiamento público exclusivo das campanhas, reserva de tempo de propaganda política para mulheres, destinação de percentual do fundo partidária para as mulheres). – Distribuição das tarefas domésticas. É preciso combater os impactos da divisão sexual do trabalho com políticas sociais, para que as mulheres possam participar mais. Todos sabem que a mulher é a principal responsável pelos afazeres do lar e que a falta de uma distribuição igualitária de tarefas domésticas e a ausência de uma cobertura de educação pré-escolar contribuem para seu afastamento da política institucional, que demanda tempo e dedicação. – Combater o machismo no eleitorado e nos partidos. É preciso desenvolver uma cultura política mais igualitária e inclusiva, de modo a valorizar outros tipos de participação que não as formas de ação ligadas ao mundo masculino, de classe média alta, da população branca. Os partidos políticos e os eleitores precisam tomar consciência que as mulheres são tão competentes e necessárias ao mundo público quanto os homens.

Tese para Encontro Eleitoral das Mulheres do PPS, realizado em 2010, em Brasília-DF. Elaboração Irina Storni e Tereza Vitale. Irina Storni, economista, e Tereza Vitale, educadora, dirigentes partidárias e fundadoras da Coordenação Nacional de Mulheres e do Núcleo de Gênero Zuleika Alambert, ambos organismos do Partido Popular Socialista de formulação de políticas para as mulheres. 9


A VIOLÊNCIA NÃO É NATURAL NEM INEVITÁVEL Mathilde Bagneres, da IPS Nações Unidas, 16/11/2011 – “Devemos construir sociedades que compreendam que a violência contra as mulheres e meninas é algo errado e que não é parte de uma cultura ou de um modo de vida”, disse à IPS a diretora global da campanha da Organização das Nações Unidas (ONU) contra esse flagelo, Aldijana Sisic. Neste cargo desde agosto de 2010, Aldijana já exerceu o cargo de especialista em comunicações e mobilização de recursos da ONU, e foi diretora da campanha “Chega de violência contra as mulheres”, da Anistia Internacional. Aldijana conversou com a IPS em Nova York sobre a campanha “Una-se para acabar com a violência contra as mulheres”. IPS: Quais os principais objetivos da campanha? ALDIJANA SISIC: Esta campanha, lançada em 2008 pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, é um esforço de muitos anos, que busca prevenir e eliminar a violência contra mulheres e meninas em todo o mundo. “Una-se” chama governos, sociedade civil, organizações de mulheres, jovens, setor privado, mídia e todo o sistema da ONU para unir forças para abordar esta pandemia mundial. Os objetivos gerais são criar consciência pública e aumentar a vontade política e os recursos para prevenir e responder a este flagelo. A campanha trabalha também para contribuir com mudanças positivas na área de legislações e planos de ação nacionais, coleta e análise de dados nacionais, uso de violência sexual em conflitos e mobilização social. Finalmente, até 2015, a campanha espera arrecadar uma contribuição anual de US$ 100 milhões para o Fundo Fiduciário das Nações Unidas para Eliminar a Violência Contra as Mulheres. IPS: Você disse que milhares de mulheres são assassinadas em nome da “honra”. Isto significa que em alguns países a violência contra as mulheres é considerada justificável e natural? AS: A violência contra mulheres e meninas é grave, frequentemente oculta e generalizada. Adota muitas formas distintas e não faz diferença por condição étnica, raça ou religião. Isto é resultado direto da desigualdade e da impunidade, do poder, do preconceito e da apatia. A violência contra mulheres e meninas pode ser universal, mas nunca se justifica, nem é natural ou inevitável. E, sem dúvida, pode ser erradicada. IPS: Que tipo de ação pode ser adotada nos âmbitos local e internacional para acabar com a violência contra as mulheres? AS: Devemos continuar promovendo a ação e a responsabilidade em todos os planos. Contudo, para que haja uma mudança real nas vidas de mulheres e meninas, isto tem de ocorrer nos âmbitos municipal, estadual e federal. Para criar um futuro sem violência, devemos construir sociedades que compreendam que a violência contra mulheres e meninas é algo ruim, e que não é parte de uma cultura ou de um modo de vida. Com profissionais e líderes em nossas próprias comunidades, escolas e locais de trabalho, todos temos oportunidades de usar nossa influência e responsabilidade para dar às novas gerações exemplos que possam apreender e seguir. IPS: Acredita que ações e campanhas como a “Una-se” podem conseguir uma mudança real no plano local, também em matéria de leis e comportamentos de longo prazo? 10


AS: Totalmente. Campanhas com a do secretário-geral nos dão uma ferramenta poderosa para desafiar em todo o mundo aqueles que afirmam que a cultura, a religião ou as leis nacionais justificam a restrição dos direitos humanos das mulheres. Elas proporcionam aos governos parâmetros e padrões que podem implantar sob a forma de leis e políticas. Também fornecem uma ferramenta para que os governos sejam responsáveis e para medir seu desempenho, não apenas com base em seus próprios padrões nacionais e recursos locais, como também segundo regras comuns internacionalmente aceitas. Além disso, proporcionam à sociedade um modelo diferente e aos ativistas um poderoso contexto para lobby. E, sobretudo, dão esperança às mulheres, vítimas e sobreviventes em todo o mundo.

Envolverde/IPS

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BREVES REFLEXÕES SOBRE O EXERCÍCIO POLÍTICO DAS MULHERES Vera L. Bertoline / Debate de Ideias Informativo da Associação dos Docentes da UFMT / n.77 Qualquer reflexão que se pretenda fazer sobre a inserção da mulher na política leva-nos a tentativa de responder: qual é o significado de política. Segundo o Dicionário de Política (Bobbio et al, 1998), “é um termo derivado de pólis (politikós), que significa tudo o que se refere à cidade”. Quando mencionamos a pólis remetemos a Grécia do início do século IV antes da era cristã e visualizamos os sujeitos autorizados na sua vivência: os homens gregos. Logo, escravos, estrangeiros e mulheres – mais de três quartos da população adulta - estavam excluídos/as de tal vivência. Aristóteles justificava que as mulheres eram inferiores, em virtude da não plenitude da parte racional da alma, portanto deveriam, por sua graça natural, permanecer em silêncio. Tal política excludente – reconhecida como as primeiras formas de democracia – contribuiu para a definição do exercício do poder nas diversas sociedades. As diferentes trajetórias da nossa sociedade e de constituição do Estado – colonial, republicano (democrático, autoritário) – adensaram tal definição, caracterizando o poder como: branco, rico, macho e cristão. Contra o poder machista as mulheres brasileiras vêm se colocando de forma contundente, mais especificamente após a IV Conferência Mundial sobre a Mulher (1995), ocorrida em Beijing/China, a fim de definirem o seu acesso ao poder. Como resultado dessas articulações houve mudanças na legislação eleitoral brasileira, assegurando uma cota das vagas de cada partido ou coligação para as candidaturas de mulheres, o que contribuiu para a adoção de tal prática em outros espaços – públicos e privados. Avanços e recuos significativos – quantitativos e qualitativos –, referentes à participação de mulheres, nos diferentes espaços de poder podem ser observados nesta trajetória. O desafio, do meu ponto de vista, permanece: como tem se revelado o exercício do poder pelas mulheres? O aprendizado – também pelas mulheres, por que não? – tem nos levado a reprodução de uma lógica perversa no nosso exercício político que ainda tem caracterizado e definido o poder como branco, rico, macho e cristão. É inadiável trazermos a tona tal discussão, não no sentido de “inventarmos” um poder feminino soft pertinente a “tal” alma feminina, constructo sócio cultural da nossa docilidade que resultou em subalternização e violências, contrário ao poder masculino hard. Afinal tais antagonismos não contribuem para a ressignificação e transformações necessárias ao exercício do poder. É necessária e significativa a mudança de percepção de homens e mulheres como sujeitos coletivos responsáveis na consolidação de um poder exercido com base na democracia, na ética, no pluralismo étnico, de gênero, de orientação sexual e religioso, cuja sociedade caminhe inexoravelmente para a transformação, onde fraternidade, solidariedade e respeito aos direitos humanos sejam práticas políticas universais. Isto é possível, eu acredito.

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MILITANTES RECLAMAM FALTA DE RECURSOS PARA EQUIPAMENTOS PÚBLICOS DE PROTEÇÃO À MULHER Karla Alessandra / Rádio Câmara / Agência Câmara

A falta de informação e de equipamentos públicos para atendimento às mulheres é uma das principais causas da não aplicação da Lei Maria da Penha (11.340/06). Para as participantes na audiência pública realizada nesta terça-feira pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre a Violência contra a Mulher, é preciso maior empenho do Poder Público para proteger de forma eficaz a população feminina de agressões e assassinatos. Os participantes discutiram as barreiras ao combate à violência contra as mulheres e apontaram medidas que poderiam favorecer a aplicação de leis em defesa da mulher. A representante da Marcha Mundial de Mulheres, Sônia Maria Coelho Orellona, criticou o fato de os estados destinarem poucos recursos para combater a violência. “É impossível enfrentar a violência contra a mulher se os governos não têm orçamento para isso. Precisamos de fundos públicos que tenham verbas direcionadas para o problema.” Ela destacou que o número de equipamentos públicos para enfrentar a violência e acolher as vítimas, como centros de referências, casas-abrigos, delegacias, juizados especializados, defensorias e promotorias especializadas, é insuficiente para o tamanho da população feminina. Outro problema é que a maioria deles está centrado nas capitais. O campo e o interior ficam desprovidos.

Despreparo do Judiciário Segundo dados da pesquisa nacional de amostra de domicílios (PNAD) de 2009, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do total de mulheres agredidas, 25,9% foram vítimas de seus cônjuges ou ex-cônjuges. A presidente da Comissão Nacional de Advocacia Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Meire Lúcia Gomes Coelho, que apresentou os dados, mostrou que 43,1% das mulheres já foram vítimas de violência em sua própria residência. Para a representante da OAB, existe legislação, mas falta preparo do Poder Judiciário. Ela considera que a morosidade nos processos judiciais e o despreparo dos agentes públicos para lidar com o problema causam uma sensação de impunidade que perpetua o ciclo de violência. Meire Lúcia citou casos de violência e impunidade, que segundo ela demonstram ser a lentidão do aparelho judicial um fator de entrave ao combate efetivo da violência. Ela defendeu a aprovação do projeto de lei (PLS) 37/10, da senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), que determina, nos casos de violência doméstica, um prazo máximo de 48 horas para a conclusão dos inquéritos policiais, independentemente de o réu estar solto ou preso. 13


Ela sugeriu a criação de programas federais para orientar e capacitar as mulheres que recebem medidas protetivas, além da melhor preparação de juízes para aplicar a Lei Maria da Penha, e também de policiais que, segundo ela, não conhecem os problemas específicos tratados pela lei.

Campanhas de Esclarecimento A presidente do Centro Popular da Mulher (CPM), entidade ligada a União Brasileira de Mulher (UBM), a advogada Ana Carolina Barbosa, defende mais informação para que as brasileiras vítimas de violência saibam quem procurar para prestar queixa e receber atendimento adequado. De acordo com Ana Carolina, pesquisa da UBM com a Secretaria de Políticas para as Mulheres revelou que 76% das mulheres não conhecem as varas adaptadas de competência da Lei Maria da Penha; 71% não conhecem os serviços de abrigamento; 72% não sabem o que é um centro de referência, 67% não conhecem uma defensoria pública, 58% não sabem onde fica o juizado especial de violência doméstica e familiar; 56% não ouviram falar o que é uma casa abrigo e 32% não conhecem e nem sabem onde ficam as delegacias especializadas. "Essa parte da prevenção e da divulgação da Lei Maria da Penha ainda precisa melhorar, mas esse é um esforço grande por que a lei só tem cinco anos. A sedimentação e o aperfeiçoamento dos mecanismos que já estão colocados na própria lei só tende a melhorar." Sonia Maria também defende campanhas de esclarecimento para as mulheres vítimas de violência como forma de prevenir novos casos. "O Brasil é um país que tem condições de fazer campanhas prevenindo violência, de colocar esses conteúdos na escola, de ter equipamentos suficientes para atender as mulheres. Acho que é organizar uma política de atendimento e principalmente de prevenção.” Ana Carolina propõe também uma reflexão sobre a aceitação da violência contra a mulher na nossa sociedade. “Ainda permanece na sociedade brasileira uma visão míope de que os crimes cometidos contra as mulheres são crimes passionais, ou seja, justificáveis pelas ações do amor monogâmico e opressivo”, assinalou. A representante da OAB Meire Lúcia também considera fundamental a aprovação de projeto que prevê a igualdade de salários entre homens e mulheres.

Contribuição para o Relatório A presidente da CPMI, deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), explicou que as informações obtidas na audiência serão utilizadas para nortear a elaboração do relatório. Jô Moraes destacou que o conceito de "feminicídio" defendido pelas entidades representativas de mulheres pode ser adotado pela CPMI no relatório, alterando o processo judicial nos casos de violência contra a mulher.

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"Acho que eles deram uma radiografia muito concreta e rica sob a ótica das mulheres. A ideia concebida e proposta pela União Brasileira das Mulheres do conceito de feminicídio pode nos levar a alterações processuais na legislação penal que faça com que a gente alcance resultados mais positivos na punição dos culpados." CPMI vai ouvir ainda nesta semana movimentos de mulheres vinculadas a indígenas e quilombolas e mulheres do campo. Na próxima semana serão ouvidos os representantes dos ministérios da Saúde, da Educação e da Justiça.

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AS MULHERES E O DESAFIO DAS CIDADES Cleia Schiavo* / Tereza Vitale** Hoje, nós mulheres, provamos de múltiplas formas de fazer história, de transformar nossas realidades, de lutar para conquistar nossos direitos civis sociais e políticos. E mais: temos projetos para a melhoria da qualidade de vida das mulheres, na sua dimensão familiar e na dimensão social, urbana e rural. Também temos clareza para conferir e avaliar nossos avanços e precariedades, o que já conquistamos e o que ainda temos a conquistar nesse perverso processo de desigualdade social cuja incidência é maior entre as mulheres. Na prática, somos ainda cidadãs de segunda classe, à mercê de um patriarcalismo vigoroso contra o qual precisamos estar atentas e enfrentar no nosso dia a dia. Nossa luta por afirmação é diária contra a violência que recai sobre nós seja na esfera doméstica, no espaço urbano, no trabalho e na esfera política. A violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, mescla-se das mais variadas formas dependendo do nível de discriminação, opressão e resistência da mulher. Na prática, pagamos um alto preço pela nossa liberdade, aliás, conquistada em parte com ainda fortes obstáculos a ultrapassar; longo ainda é o caminho a percorrer e a política constitui-se o canal por onde nossas reivindicações poderão ecoar transformadas em atitudes e ações, projetos tornados leis, a bem da qualidade de vida das mulheres. Por meio da política, poderemos criticar medidas governamentais, pressionar a favor ou contra os projetos em pauta e pelo respeito aos compromissos do Estado brasileiro com metas para a redução das desigualdades, não cumpridos. Falta implementar as políticas públicas para as mulheres, falta orçamento público para enfrentar as desigualdades. Enfim, a retórica da igualdade ainda está muito longe de sua verdade. A luta das mulheres tem sido constante, a cada ano, e mesmo assim as metas prometidas não são cumpridas, de que são exemplo a redução da mortalidade materna, da violência contra elas e ainda sua sub-representação. A redução da mortalidade materna em 15%, por exemplo, era uma meta dos dois Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres. Houve redução, sim, mas os índices ainda são altíssimos. Cerca de 90% dessas mortes poderiam ter sido evitadas com atendimento médico adequado. Um compromisso fundamental para a autonomia das mulheres é a construção de creches – a candidata Dilma prometeu, em seu Programa de Governo, inaugurar uma creche por dia. No 1º ano não inaugurou nem ao menos uma creche. Na verdade, precisamos consolidar nosso papel de sujeito político, sermos vozes femininas cada vez mais mais respeitadas do ponto de vista social e político. Paulo Freire, na década de 1960, dizia com base no seu método de alfabetização de adultos, que o diálogo era a base do processo de conscientização sociopolítico. Declarava também ser preciso passar da consciência ingênua para a consciência crítica, ponto de partida para qualificar nossa intervenção sociopolítica. Embora a sociedade do século XXI tenha mudado seu formato, nesse ponto sua teoria continua legítima. Na verdade, a consciência ingênua é capturada pelos políticos populistas e pelos meios de comunicação que não primam por elevar a qualidade de suas plateias. O movimento pela defesa ao direito e à dignidade da mulher iniciou-se na Europa, mais precisamente na Rússia, Reino Unido, França, Suécia – país onde a mulher no ano de 1862 votou pela 16


primeira vez nas eleições municipais. A luta feminista clamava por emancipação e, ao mesmo em tempo que reivindicava direitos essenciais como os de melhoria das condições de vida, brigava pela conquista do direito ao voto, ao trabalho, ao estudo, à livre circulação. A Revolução Industrial colocou a mulher frente aos problemas sociais e, ao tentar exercitar sua voz em prol de reivindicações coletivas, pagou caro por essa ousadia: No dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade norteamericana de Nova Iorque, fizeram uma grande greve. Ocuparam a fábrica e começaram a reivindicar melhores condições de trabalho, tais como redução na jornada de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno. A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano. Em homenagem a essas mulheres, em 1910, decidiu-se em conferência socialista na Dinamarca, que o 8 de março marcaria o Dia Internacional da Mulher, data legitimada pela ONU, em 1975.

Do silêncio à voz pública Durante séculos, a mulher ocupou um papel histórico de subalternidade; oprimida, sexual e socialmente, viu seus direitos cerceados, sobretudo aqueles referentes ao seu acesso na esfera política; constituía-se, na prática, uma subcidadã isolada dos espaços legais de decisão. Foi nos anos 1920, período de efervescência político-cultural, que os paradigmas conservadores passaram a ser questionados no campo da política (o tenentismo e a fundação do PCB), cultural (a Semana de Arte Moderna), educacionais (movimento em defesa de uma escola pública, universal e gratuita, pretendendo-se criar uma igualdade de oportunidades) e a polêmica em torno da igualdade de direitos entre os gêneros feminino e masculino Nessa década, a luta pelo direito ao voto feminino ganhou importância no Brasil, seguindo as pegadas de campanhas bem sucedidas na Europa e nos Estados Unidos. Somente nos anos 1930, as mulheres garantiram seu direito ao voto por meio do novo Código Eleitoral, promulgado por Getúlio Vargas. Em fevereiro de 2012, comemoramos 80 anos de conquista do voto feminino. Do ponto de vista retórico, a igualdade de direitos entre homens e mulheres era reconhecida em documento internacional, através da Carta das Nações Unidas, na prática, apenas um discurso. Os anos 1970 marcariam também uma década importante para o movimento feminista. Fatos como o reconhecimento pela ONU do dia internacional e a luta das mulheres contra a ditadura mobilizaram milhares de mulheres em movimentos como Brasil Mulher, o Nós Mulheres, o Movimento Feminino pela Anistia, para citar apenas os de São Paulo. O protagonismo da mulher na luta contra a ditadura fortaleceu a expansão do feminismo para além das suas fronteiras clássicas. A melhoria dos espaços urbanos (ruas, bairros) equipamentos sociais etc. Como resultado, na década de 1980, surgem os primeiros Conselhos Estaduais da Condição Feminina e a primeira Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam). Nesse período, o tema da violência contra a mulher ganha relevo na agenda política de nossas poucas representantes no Parlamento.

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No ano de 2006, é sancionada a Lei Maria da Penha. Dentre as várias mudanças, a lei aumenta o rigor nas punições das agressões contra a mulher. Neste mês de fevereiro, galgamos mais conquistas relacionadas ao rigor desta lei que, se não elimina de vez esta mazela social, pelo menos dá maior visibilidade e consequente mobilização da sociedade. Hoje, embora insuficiente, temos muitas mulheres ocupando lugares de destaque no Judiciário, no Legislativo e no Executivo sendo neste, nossa maior referência Dilma Rousseff eleita presidente da República Federativa do Brasil, em 31 de outubro de 2010. A luta feminista ampliou-se, volta-se também para a emancipação da mulher na sociedade urbana, o que significa dizer que temas relacionados à opressão da cidade sobre o gênero humano ganharam espaço na agenda feminista. Na prática, as grandes obras assumiram o lugar de políticas de assentamento tão de urgência para a população das cidades. No Rio de Janeiro, comunidades são demolidas, o trânsito bloqueado em nome de eventos efêmeros como as Olimpíadas e a Copa do Mundo.

O papel das mulheres na cidade O século XXI marcou a cidade como espaço de maior concentração populacional no Brasil. Mais de 80% da população brasileira habita o espaço urbano e as cidades tornaram-se verdadeiras armadilhas para sua população pobre. Enquanto o país chama atenção pelo seu desenvolvimento econômico, ao contrário, seus índices de concentração de renda (5º lugar) e Mundial de Desenvolvimento Humano (IDH) são reveladores. Imaginem que estamos em 84º lugar entre as demais nações. Ao ufanismo crescente pela importância econômica do país anunciam-se sucessivas catástrofes que ocorrem como as enchentes, os desmoronamentos que recrudescem questões já conhecidas como as da precariedade dos assentamentos nos quais habita a população mais pobre das cidades. A defesa civil não pode dar conta de problemas que são de ordem estrutural. As manchetes dos jornais anunciam, dia a dia, a mazela das mulheres, enquanto a Constituição de 1988 faz crer que somos iguais perante a lei. Uma ironia, não!? Sobre nós mulheres e respectivas famílias recaem os riscos socioambientais de nossas cidades, sobretudo quando o recorte refere-se às camadas baixas e médias da população: as enchentes, os esgotos a céu aberto, a falta de água potável, os frequentes desmoronamentos dos morros, os incêndios nos guetos de pobreza dizem da vulnerabilidade de uma parcela considerável da população que se situa nos piores territórios das cidades. Afora tudo isto, a contiguidade das residências nessas áreas onde a ventilação e a iluminação natural são precárias favorece a propagação da tuberculose e outras doenças respiratórias e afins à degradação do território. O processo de urbanização, estimulado pela globalização, não fixou um padrão urbano de qualidade de vida que favorecesse o conjunto das famílias em que as mulheres são chefes de domicílios. Verdade é que os premiados foram os investimentos imobiliários. E como fica a mulher com sua tripla jornada ganhando menos do que os homens e carregando a família nas costas? E o que se pode falar do transporte público e das condições que o mercado de trabalho oferece? Como conciliar a condição feminina e o mercado de trabalho? 18


A luta da mulher ampliou-se, na medida em que hoje ela luta pela democracia do espaço, por uma cidade democrática que a permita viver com mais qualidade cidadã, uma luta por habitação digna e condições sanitárias satisfatórias para ela e sua família. Nessa direção, o poder local transformou-se em objeto de consideração quando as eleições municipais se anunciam. Queremos de fato ocupar um lugar político, exercer um papel de protagonismo sociopolítico para intervir com base na formulação de políticas públicas que elevem o padrão de vida das mulheres e seu entorno. São elas quem mais de perto cuidam da formação de seus descendentes, enfrentando os percalços institucionais de todos os tipos; creches, por exemplo, e todos os tipos de equipamentos sociais necessário a um viver democrático: postos de saúde, escola, parques, clubes de vizinhança, espaços de convivência de adolescente, de idosos etc. Na prática, as mulheres incorporam predominantemente os efeitos do déficit democrático da cidade, e muitas vezes assumem até a culpa pelos seus companheiros e filhos envolvidos com a contravenção... Na prática, já somos atrizes compulsórias de um perverso processo de desenvolvimento pouco voltado para os objetivos sociais que deveriam nortear as políticas públicas de assentamento do país. Quantas de nós dirigem suas próprias famílias, somos mães e pais, trabalhamos, educamos e corremos com nossos filhos para escolas e hospitais. Os dados dizem que mais de 18% da população brasileira são de mulheres chefes de domicílios que carregam suas famílias nas costas, sem o devido amparo institucional. Na verdade, precisamos estabelecer estratégias para atuarmos como vereadoras, prefeitas e outro qualquer cargo que exija consciência que podemos ampliar nossos espaços de poder. Temos que autorizar nossas presenças, decidir o que é ou não bom para nós, aprender a formular projetos, transitar com conforto na esfera política, enfim sermos cidadãs plenas com conhecimento capaz de atuar nas prefeituras a bem do coletivo de nossos municípios. A mulher sempre teve poder, mas não sabia que o tinha, não havia consciência nem da sua potencialidade nem do seu valor nem da sua capacidade de ação, de atuação como agente político. No último quarto do século XX, o conceito de democracia ganhou força e, pouco a pouco, esvaziou a ideia que só com a revolução se chegaria à democracia e/ou ao socialismo. O conceito de vanguarda cedeu lugar ao protagonismo de forças vivas existentes dentro da sociedade civil como os movimentos étnico-raciais e de gênero (de mulheres) que, a partir da década de 1970, se fortaleceram. A voz do cidadão multiplicou-se em múltiplas vozes e ao conceito de democracia moderna incorporou-se a do papel político do negro, das mulheres, dos indígenas, dos jovens, dos portadores de deficiências e outros tantos movimentos. A fim de viabilizar ganhos, reduzir as diferenças e a desigualdade, o movimento de mulheres tem que ser suprapartidário no sentido de elevar a condição feminina a patamares dignos nunca antes alcançados. Nessa direção, colocamos em pauta para discussão uma plataforma elaborada pelo Núcleo de Gênero Zuleika Alambert que poderá auxiliar as futuras candidatas deste país.

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Plataforma feminista para democratização dos espaços das cidades – Nugeza/PPS A cidade constitui-se um espaço social no qual a democracia deve ser plena. Ela deve ser direito de todos como um espaço de justiça social a conquistar na forma da garantia de seus direitos sociopolíticos, e porque na cidade de seus direitos urbanos. A cidade não deve constituir-se em guetos, onde os piores são destinados às famílias de baixa renda, ela, isso sim deve ser o lugar da luta democrática, na qual as mulheres sejam protagonistas de suas demandas. O agravamento da situação urbana no país (a maioria da população vive nas cidades) exige que o Movimento de Mulheres esteja de prontidão no sentido de agir em prol de uma democracia do espaço que beneficie as mulheres e suas famílias. A desigualdade social se materializa na desigualdade dos espaços, na ausência de habitações adequadas, na má circulação da cidade, no desemprego e na carência de espaços de saúde, educação e lazer. Comprovadamente, na nossa sociedade, as mulheres ainda permanecem como as principais responsáveis pela esfera da reprodução social e dos cuidados, o que significa que são elas que se ocupam e respondem pela manutenção da casa, da comida, do cuidado com os filhos e as filhas, com os idosos, com as pessoas doentes e com deficiência. Por vivenciar de forma tão direta a falta ou insuficiência das políticas, dos serviços e dos equipamentos urbanos e fiéis às diretrizes que fundamentam os valores do PPS, o NUGEZA propõe que as candidatas e os candidatos do PPS à vereança e à prefeitura das pequenas, médias e grandes cidades não poupem esforços na tentativa de transformar a situação social das mulheres brasileiras. CONSIDERANDO que: •

com o cenário acima são elas que mais sofrem com a falta de moradia ou com a inadequação das suas condições, como a falta da água, da rede de esgotamento sanitário, da coleta de lixo ou de energia elétrica;

sofrem, também, com a inexistência ou precariedade dos equipamentos públicos essenciais, tais como postos de saúde, escolas e creches; infraestrutura urbana insuficiente como a falta de pavimentação de ruas, de iluminação pública; de praças, áreas e opções de lazer para ela e a família;

na esfera da produção, as mulheres cada vez mais integram o mercado de trabalho sustentando a casa com sua tripla jornada;

fazem o mesmo trabalho que os homens, mas ganham menos pelo mesmo serviço; além de enfrentarem condições desiguais em termos de oportunidades de capacitação e de chefia;

continuam sendo vítimas de assédio moral e violência física, sexual, psicológica e moral tanto em casa, como na rua, no trabalho, ou mesmo no transporte;

que são afetadas diretamente pela insegurança produzida pela falta do transporte próximo à moradia, pela existência de áreas ociosas e terrenos baldios a caminho de casa.

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e, sobretudo, que a cidade tornou-se, praticamente, um espaço privado à mercê dos interesses imobiliários em detrimento dos interesses sociais da população em geral.

E RECONHECENDO: •

que as mulheres não são respeitadas, permanecendo em total invisibilidade na cidade, não existindo políticas públicas urbanas que deem conta da sua problemática;

a precariedade de propostas para políticas públicas urbanas voltadas para as mulheres exige que se as estimule no sentido de sua participação nas decisões sobre a cidade. Seja na esfera de decisão de seu Plano Diretor seja nas audiências públicas e junto às políticas específicas de saúde, educação etc.

Propomos o PACTO d@s dirigentes, militantes e candidat@s a todos os parlamentos para: •

lutar por igualdade de direitos e de oportunidades entre homens e mulheres e por um Brasil justo e fraterno.

participar da luta para que os direitos das mulheres passem a ser considerados nos diagnósticos urbanos.

transformar as mulheres em população-alvo de políticas voltadas à superação das desigualdades sociais, econômicas, culturais e políticas que promovam boas condições de vida e de trabalho para todos, em especial, às mulheres pela precariedade a que estão submetidas.

transformar as mulheres em agentes de ação contra as arbitrariedades que os governos exercem sobre a cidade como demolições de prédios e remoções de populações de áreas carentes para outras para as quais não foram consultadas.

Contatos: nugezapps@nugeza.org.br

* Cleia Schiavo, doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ é uma das fundadoras da Coordenação Nacional das Mulheres e do Núcleo de Gênero Zuleika Alambert, ambos organismos do PPS de formulação de políticas para as mulheres. ** Tereza Vitale, educadora, é uma das fundadoras da Coordenação Nacional das Mulheres, onde permaneceu como uma de suas executivas de 2004 a 2010, e, na sequência, do Núcleo de Gênero Zuleika Alambert, ambos organismos do Partido Popular Socialista de formulação de políticas para as mulheres.

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