Zilah mundim

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Dedico a você, meu amigo(a), que generosamente veio participar da minha vida intelectual, com o coração aberto para minha mensagem de amor à nossa terra e conhecimento da nossa história.

Grata!

2014





Goi창nia, 2014



“ A história é o registro do que os seres humanos fizeram, empurrados pela ignorância e pela desmesurada arrogância que os leva a glorificar a sua própria ignorância, como se de um dogma político ou religioso se tratasse.” (Aldous Huxley)


Para

Alcenor,

meu anjo da guarda.


Foi um sonho feliz, Jazia deitada no colo de minha mãe Que murmurava cantigas de ninar. Não estava mais cansada de ser grande, Não ouvia os rugidos enfurecidos da multidão, Não escutava notícias da televisão, Não sentia o coração dolorido de ingratidão, Não clamava por antigas ilusões, Gritei... Não quero mais ser grande! De repente lembrei-me de você. Lentamente retornei... Enquanto viver meus dias serão seus Que me importa ser criança se não terei você? (Zilah Mundim)


Para meus irmãos

Zenar, Zione, Marco Antônio, Tito Lívio e José Maria


“ De madrugada, a minha infância vem me encontrar só a recordar. Relembro portas e portais, janelas abertas povoadas de beirais. Ao lado de minhas irmãs eu passeava, livremente, nos quintais. Nós ao pé do fogão, Enchíamos panelas e caldeirões. O fogo manso preparava nossas bocas para o apetite farto. Éramos um só laço Hoje, minha infância não dorme mais no catre. As madrugadas são compridas e incertas. Minhas irmãs são manhãs incompletas. Meus irmãos não vedam mais os pastos. Na lembrança sem dormir, tem juriti, tem maritaca, jaós, curiós e pardais. Só não tem a firme estaca da antiga casa onde moravam nossos pais. (Ana Cáritas)



Para meu inesquecível amigo,

Ignacio de Aragão, que me fez compreender que a vida sem escrita é uma travessia sem luz.



À memória da saudosa

Ana Ferreira de Lima (“Sá” Ana), aquela que tocou minha alma com sua luz e me inspirou a criar a figura de Nanu.



Trilhei muitos caminhos até conseguir o sinal do invisível para me dedicar a este livro. A vida me impunha múltiplas provas antes de me dar o amadurecimento. O segredo da vida está na magia da experiência. Consegui o privilégio único da escrita e muito me esforcei para transmitir os rudimentos da nossa história. Foram horas luminosas, cobertas de graças, que agora singelamente dedico à minha amada família:

André Xavier Mundim e Maria Anajara Garcia Mundim

(In memoriam)

André, Andrea, Marcela e Júlia Inajara, Carolina e Camila Bruno, Lázara, Hugo, Bruna, Nara e Luiza Helena e Júlia. Emanuel, Pedro e Ana Iara, Gedy, Caio e Igor.


AGRADECIMENTOS

Teci grande rede de amigos leais e seria impossível citar todos. O apoio incondicional dos que colaboraram para que me tornasse uma artesã das palavras me leva a destacar os seguintes nomes: Antonio Carlos de Bastos Costa Campos, Camila Mundim de Souza Marques dos Santos, Circe Camargo Ferreira e Silva, Elder Camargo dos Passos, Fátima Cançado, Inajara Mundim de Souza, Luís César Fleury, Maria Helena Vieira Costa Campos, Maria Lúcia Bastos Campos Costa, Marco Antônio Veiga de Almeida, Nora Alencastro Caiado, Vera Aragão, Roselis Tormin Mundim, Hélio Rocha. Como é maravilhoso confiar nas pessoas que nos ajudam a traçar caminhos e encontrar respostas às nossas indagações. Agradeço pela verdadeira prova de amizade, confiança e respeito.


AGRADECIMENTO ESPECIAL

No meu coração ficou para sempre gravada a generosidade do meu irmão

Marco Antonio Mundim, que tudo fez para que este livro fosse publicado.



Quem vive sem amigos, mesmo sendo rico e poderoso se sente só. Quem tem um amigo, ainda que seja um animal, jamais se sentira sozinho porque tem o mais puro amor, o incondicional, que enriquece o prazer de viver. Dedico esta página ao meu sincero escudeiro ‘Feliz’, nosso companheiro de todas as horas.


ODE ÀS CIDADES DE GOIÁS E GOIÂNIA Goiás é tradição Goiânia é inovação Goiás é calma Goiânia é agitação Goiás é cultura Goiânia é cinema Goiás é imaginação Goiânia é fantasia Goiás é poesia Goiânia é carnaval Goiás é cristã Goiânia é pagã Goiás é amor Goiânia é esplendor Goiás é cachorro, gato, família Goiânia é carro, moto, caminhão Goiás é serenidade Goiânia é medo Goiás é distração Goiânia é complicação Goiás é destemor Goiânia é temor Goiás é antiguidade Goiânia é modernidade Goiás é amizade Goiânia é ilusão Goiás é meu amor Goiânia, minha paixão. [Zilah Mundim]


Vista da Igreja do Rosário. Coleção Colombo, 1956

Vista parcial de Goiânia


Copyright © 2014 by Zilah Mundim de Souza Revisão: Maria Lúcia Bastos Campos Costa Ilustrações: Marco Antônio Veiga Almeida Programação Visual: Adriana Almeida

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP BIBLIOTECA ESTADUAL PIO VARGAS S Souza, Zilah Mundim de A História de Nanu. / Zilah Mundim de Souza. Goiânia: Editora, 2014. 256 p. ISBN 1

. CDU:

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio sem a autorização prévia e por escrito da autora. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal Brasileiro. IMPRESSO NO BRASIL Printed in Brazil 2014

Contatos com a autora: zilahmundim@hotmail.com


Sumário

Mágica viagem nas asas de Nanu 27 Apresentação 33 A História contada por Nanu Grafias dos nomes de Goiás Cronologia dos logradouros públicos Governantes de Goiás: Capitania Presidentes e governadores de Goiás: Período Imperial A República

37 67 71 77 81 87

Governadores Republicanos (denominação usada de 24 de fevereiro de 1890 a 17 de julho de 1892) 90 Presidentes republicanos 92 Segunda República: Período Transitório 94 Período Interventorial 94 Terceira República 95


A Cruz do Anhanguera

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E Nanu voltou...

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Nanu e sua gente

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Os passeios de Nanu

121

O que Nanu contou

127

Reflexos das sabinadas em Goiás

133

O dia em que a cidade chorou

139

A época da conquista do ouro

143

Nanu e os quilombos

153

Etapa importantes do Estado

159

A mudança da capital

163

Relação dos prefeitos de goiânia

203

Bandeira de Goiânia

225

A cidade de Goiás pós mudança de capital

229

Recordações 241 Cidade de Goiás... Enfim Patrimônio Cultural da Humanidade

245

Obras consultadas

251


Mรกgica viagem nas asas de Nanu

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Hélio Rocha*

Os que percorrem, por feliz achado, o roteiro dessa viagem histórica que nos proporciona a escritora Zilah Mundim de Souza, vão se encantar com essa cicerone valendo-se da sabedoria do testemunho de uma personagem fascinante, intemporal, sui generis, a Nanu. Que provinha de um passado tão distante, segundo a autora que seria impossível precisar. Nanu, morena, alta e bela, de cabelos lisos e cheiro de jambo, quem é Nanu? Um ponto luminoso que se projeta na escuridão? Um ser de luz que oferece clemência? Nanu não apenas conta, como explica a história de Goiás e a saga da construção de Goiânia, com deslumbrante sensibilidade fotografando os homens e a natureza.

* Jornalista e escritor ocupante da Cadeira nº 7 da Academia Goiana de Letras.

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Nanu trabalha com perfeições e corrige imperfeições consagradas, como a lenda segundo a qual o bandeirante Bartolomeu Bueno, o pai, teria ateado fogo em álcool para amedrontar os índios, ameaçando fazer o mesmo com as águas do Rio Vermelho, caso eles não indicassem o caminho do ouro. Segundo Nanu, esse ardil foi usado, na verdade, por Francisco Pires Ribeiro. Ela fala também de outras entradas e bandeiras esquecidas pela história. Como a de Sebastião Marinho que chegou ao sertão goiano no remoto ano de 1592. Fala de Manoel Correia, do capitão João Pereira Botafogo, do capitão Domingos Rodrigues, Belchior Dias Carneiro, Antônio Pedroso de Alvarenga, Francisco Lopes Buenavides, Antônio Soares Pais, Bartolomeu Siqueira e Lourenço Castanho, todos eles predecessores de Bartolomeu Bueno da Silva. Bandeirantes que praticaram horrores, como Martin Tenório de Aguiar. E conta que Bartolomeu Bueno chegou em 1673 e não em 1682. Bartolomeu Filho acompanhou o pai quando tinha apenas 12 anos de idade e 40 anos depois voltou para consolidar a conquista. Nanu mostra o trágico enredo da escravidão sendo encenado em Goiás, narra o refúgio dos quilombos, a chegada da Abolição, a sucessão dos presidentes da Província de Goiás um dos quais Couto de Magalhães, provou a viabilidade da navegação confirmada tantos anos depois. A Cidade de Goiás foi como uma sentinela da cultura, mas sofria limitações, comprimida entre o vale do Rio 30

Zilah Mundim de Souza


Vermelho e a Serra Dourada e dificuldades de transporte e comunicações. A Capital do estado teria, portanto, de ser mudada e dessa missão que parecia tão utópica cuidou Pedro Ludovico Teixeira. Surgiu Goiânia, moderna e funcional, mas a antiga Vila Boa nunca foi esquecida e tanto assim que, no começo do século 21, foi promulgada Patrimônio Cultural da Humanidade. Nanu, eis a narradora onipresente de quem se valeu a escritora Zilah Mundim de Souza para produzir este livro recheado de um realismo fantástico. Eis aí uma viagem mágica, inesquecível, ancorada em capítulos de ouro.

A história de Nanu

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Apresentação Antônio Carlos Costa Campos*

A Vida Passada a Limpo foi o primeiro livro de Zilah Mundim de Souza, onde retratou o ambiente familiar com desenvoltura, resgatando lembranças e registros que marcaram as origens e trajetórias dos Mundins e dos Garcias, tendo por palco principal a nossa querida Vila Boa de Goiás. Em A História de Nanu, seu segundo livro, Zilah nos surpreende pela versatilidade do novo formato de contar histórias e de registrar os fatos. Leve e perspicaz, sem se afastar da dinâmica que o tema exige, Zilah faz um agradável passeio sobre os mais variados temas que ilustraram, nesses quase três séculos de existência, o passado de nossa surpreendente cidade e o de sua gente. É um livro poético, vez que deixa transparecer, na sua leitura, o lirismo tão bem cuidado pela autora quando, por exemplo, nas suas páginas iniciais dedica, com ternura, uma * Advogado-Escritor e Pesquisador – Membro da OVAT.

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carinhosa mensagem ao seu companheiro de jornada, fonte de sua inspiração maior... “Foi um sonho feliz, jazia deitada no colo de minha mãe que murmurava cantigas de ninar. Não estava mais cansada de ser grande, não ouvia os rugidos enfurecidos da multidão, não escutava notícias na televisão, não clamava por antigas ilusões... gritei... Não quero mais ser grande! De repente lembrei-me de você. Lentamente retornei... Enquanto viver meus dias serão seus. Que me importa ser criança se não terei você?”. Desfilam ainda trechos poéticos de Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Lucas Boquadi, Sônia Maria Santos, Ana Cáritas e Edésio Daher que ilustram esta obra especial com palavras musicais. Trata-se, por outro lado, de um livro didático que pontua e aborda com maestria inúmeros registros históricos, construindo, assim, a ponte entre o passado e o presente. Zilah faz uma varredura cronológica da história de Goiás e apresenta-nos, com uma leveza singular, os principais fatos que marcaram o dia a dia de nossa querida e charmosa Goiás. Com a ajuda da Nanu relata-nos lendas, costumes e usos. Fala-nos das doenças mais comuns, dos alimentos regionais, da vegetação e dos frutos do cerrado, detendo-se nos fatos de importância mais relevantes a exemplo da mudança da Capital para Goiânia e dos impactos dessa decisão na sociedade vila-boense. É, enfim, um livro revelador, já que na sua essência premia o leitor com uma dualidade narrativa, a dela escri34

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tora, e a de Nanu, mulher forte, experiente e atemporal, que nasceu e viveu em todas as épocas, conhecedora profunda dos detalhes históricos, das lendas e dos casos que deram vida e traçaram os caminhos de Goiás... muito antes da chegada dos Bandeirantes. A Nanu se apresenta ao leitor poeticamente quando diz: “Sou a filha dos deuses, senhora do tempo. Meu corpo é feito de junco. Sou o cantar da cachoeira, o perfume das matas, o azul do céu. Minha boca é fruta vermelha. Meus braços, galhos roliços. Minha voz é canto dos pássaros. Sou a sabedoria dos homens, a paciência dos fortes. Eu sou Nanu a eterna.” Sem a sabedoria de Nanu esse livro não seria possível. Ela interfere, corrige, elucida, filosofa, chegando, às vezes, a ser mais contundente que a própria escritora. Ficou mais fácil para Zilah escrever tendo ao seu lado uma mulher que personifica a própria história. Nanu tem sempre o dom de dar lógica à verdade, de introduzir fatos ainda não conhecidos, de discorrer sobre as crueldades e os desmandos poucos abordados, ocorridos na época da mineração. Nanu espalha luz e colore o preto e branco do passado com as suas abordagens apropriadas, misturando a doçura do mel, o abrir das flores e o raiar das madrugadas com a crueza de um passado de contínuo sofrimento das várias gerações que habitaram essas paragens inóspitas e, ao mesmo tempo, puras e mágicas do interior do Brasil. Falar de Nanu, que é movida por uma singularidade profética e arrebatadora, leva-nos a descobrir, em lúdico A história de Nanu

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passeio pelos desvãos do tempo, a real e verdadeira identidade de nossa gente. Narrativas explicitadas pelo timbre firme de sua voz e pela placidez de seu olhar embranquecido pelo tempo, trazem-nos emoções vivas, quando ela, em determinado trecho, relata o degredo para Goiás do insurreto Francisco Sabino Alves da Rocha Vieira, imposto pelas autoridades do império pela sua liderança no famoso episódio baiano denominado “Sabinada”. Transitou este inquieto revolucionário por Goiás e, logo que por aqui aportou, passou a exercer a profissão de médico com humildade e caridosamente. Com alma inquieta, fundou em Goiás um periódico manuscrito denominado Zumbi, com o objetivo principal de criticar as autoridades constituídas, o que lhe valeu novo degredo, desta vez para a Província de Mato Grosso. História pouco contada e vinda à luz pela experiência de vida de Nanu, a eterna. É esse conjunto de arte, pesquisa, literatura e poesias que fazem de “A História de Nanu” um livro diferente, agradável e repleto de informações precisas. Ganhamos todos nós com mais este presente ofertado pela competente Zilah Mundim de Souza. Que essas revelações sejam descobertas aos poucos e saboreadas no embalo de uma leitura capaz de prender e cativar.

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A hist贸ria contada por Nanu



QUEM SOU EU?... Sou a filha dos deuses, senhora do tempo. Meu corpo é feito de junco. Sou o cantar da cachoeira, o perfume das matas, o azul do céu. Minha boca é fruta vermelha. Meus braços, galhos roliços. Minha voz é canto dos pássaros. Sou a sabedoria dos homens, a paciência dos fortes, a energia e entusiasmo dos bravos, a luz do universo, a escuridão do ébano, as gotas do oceano. Sou a alegria de viver, a virtude da moderação, o ontem e o hoje. Serei sempre o amanhã. Eu sou Nanu, a eterna. [Zilah Mundim]


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Deve ter sido no verão. O sol brilhava intensamente e os pássaros trinavam com alegria. Subitamente acordei e tive a noção exata de que ali se iniciava minha existência. Seria minha alma penetrando, neste momento, num amontoado de células, dando início à minha vida individual? Só sei que foi absolutamente desconcertante acordar para a vida. Senti aromas já conhecidos e lembranças efêmeras como se tivessem saltado de um umbral. A partir daí, nos momentos insones da minha meninice, travava longas conversas com seres invisíveis que balbuciavam ao meu ouvido e me consolavam, transformando os monstros da noite em anjos cheios de luz e calor. Nossa casa era grande, com muros de pedras cobertos de húmus, heras e samambaias. Foi aí que conheci Nanu, 41


morena alta, bela, de cabelos lisos e cheiro de jambo. Talvez fosse o anjo de minhas noites mal dormidas. A rua vai com suas casas até dar no outro mundo. Então aprazível susto pode explodir no meio dos beirais pequenos que nos abrigam; no frescor das louças na mesa posta na flor polida num dia sem fim. [Sônia Maria Santos]

Nanu era atemporal, e provinha de um passado tão distante que seria impossível precisá-lo. Fazia quitandas para a família e à noite nos embriagava com casos de seres sobrenaturais que vagavam pela casa, provando nossa comida e assombrando a todos.

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Na casa amarela habitava o medo. A noite tecia muros de angústia e a casa se encolhia. Fantasmas de pluma faziam sua ronda. Olhos de pirilampos vasculhavam a escuridão. Ruídos atônitos dilaceravam o silêncio. De repente os passos... Passos lentos na extensão silente do corredor. O assoalho range seu descontentamento. A porta entreabre sua evidência e o medo cria asas na imaginação de uma menina insone. [Ney Teles]

Quem é você Nanu? Um ponto luminoso que se projeta na escuridão? Um ser de luz que oferece clemência? Porque você me diz que somos caminhantes? Você me revela segredos intrigantes, fala de pessoas, de muitas vidas, sentimentos, ilusões e dos sonhos que nunca conseguiram se realizar. Nanu, Aqueles braços da cor Do miolo da aroeira... Aquelas ancas, as cadeiras... As mãos... as pernas... um horror!... Tudo nela é tentação! Tudo nela é precipício, A história de Nanu

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É chamariz, é feitiço Insulto, provocação!... Que um homem haja, eu duvido, Que resista aos seus encantos, Ou anjo à terra descido!... E se, para o céu ela for, O mundo inteiro há de ver Como ela bota a perder Mesmo até Nosso Senhor... [Lucas Boquadi]

Seria Nanu a encarnação de várias gerações? Essa espetacular essência poderia ser apenas o já sentido, visto ou vivido, mas tenho certeza de que ela era sobrenatural. Em nossas conversas, contou-me que esteve presente quando Sebastião Marinho, no ano de 1592, veio a Goiás com sua bandeira. Ela era filha de Diací e do cacique Uiriá, da tribo dos Guayas e foram surpreendidos por homens brancos que devastaram seu povo e sua terra virgem no sertão goiano. Essa entrada não deixou vestígios em nossos arquivos mas ela jura que existiu. Viu também quando Manuel Correa pisou, com suas botas de couro cru e muitas armas, nesses confins e trucidou todos os índios que estavam pela frente, fazendo escravos e estuprando as mulheres.

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De outra feita, lá pelos idos de 1596, Nanu partiu de São Paulo com outra bandeira que vinha fazer a guerra dos Parnaybas, para pegar índios (bugres como se dizia). Segundo a legislação vigente, só poderiam aprisioná-los se houvesse guerra. À frente dessa entrada estava o capitão João Pereira Botafogo que, misteriosamente, após ter ingressado no sertão, varando com destemor e coragem a terra primitiva, foi preso pela polícia de São Paulo e obrigado a regressar. Nanu acompanhou o substituto de Botafogo, Capitão Domingos Rodrigues. Ficou entristecida quando o viu regressar a São Paulo, por volta do ano de 1600, levando incontáveis índios presos e chorou pelos seus irmãos. Na era seiscentista, Nanu conta que o sertão goiano foi visitado por Belchior Dias Carneiro, Antônio Pedroso de Alvarenga, Francisco Lopes Buenavides, Antônio Soares Pais, Bartolomeu Bueno de Siqueira, Lourenço Castanho e por fim por Bartolomeu Bueno da Silva. Foi na entrada de Martim Tenório de Aguiar, que deixou Piratininga em 1608, que Nanu vivenciou os piores horrores. Após violenta luta, essa entrada foi vencida e esmagada pelos índios. Correu tanto sangue que as águas ficaram rubras por meses a fio, não restando sobrevivente. Os animais carnívoros se apossaram da terra por incontáveis anos e ninguém ousava passar por aquelas paragens. A história de Nanu

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Ela lembra com amargura que, em 1670, Luís Castanho também deixou terríveis sinais. Foi mais tarde que Antônio Soares Pais encontrou, estarrecido, indícios de outra tragédia. Ossos esbranquiçados, um forte cheiro de carne putrefata e nenhum sobrevivente. Esse fato também se repetiu com o próprio Antônio Soares Pais, que foi emboscado. Nanu falou, com propriedade, que Bartolomeu Bueno da Silva veio em 1673 e não em 1682 como acreditam. Essa bandeira cortou o sertão do sul ao norte e deixou plantada a semente da civilização, dando início à exploração do ouro. Bartolomeu veio acompanhado por seu filho de apenas 12 anos, também chamado Bartolomeu, que foi testemunha viva das atrocidades cometidas pelo pai. Nanu contou que pensam que foi nas margens do Rio Vermelho, onde hoje se localiza a Cidade de Goiás, na ocasião povoada pelos índios Guayas, que Bartolomeu, com brutalidade, colocou fogo num prato cheio de álcool e sob intenso pavor dos indígenas, que temiam ver seus rios em chamas, conseguiu o segredo das minas. A partir daí passaram a chamar Bartolomeu de “Diabo Velho Disfarçado” ou “ Anhanguera”. Nanu desmente essa versão, dizendo que tal fato realmente aconteceu, mas quem usou desse ardil foi Francisco Pires Ribeiro, em sua presença e de numerosos outros índios. 46

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Quarenta anos depois, Bartolomeu Bueno da Silva, o filho, que residia entre os rios Pará e Paraopeba, em Minas Gerais, levando uma vida paupérrima, com nove filhas para casar, resolveu escrever para D. João V, pedindo licença para organizar outra bandeira rumo ao sertão goiano. Seus genros Domingos Rodrigues do Prado (casado com Leonor de Gusmão) e João Leite da Silva Ortiz (casado com Izabel Bueno), afazendados em Curral D’El Rey, onde hoje está Belo Horizonte – MG acompanhá-lo-iam nesta empreitada.

Dom João V. Pintura de Pompeo Batoni Reinado 1706–1750

Dom João V, João Francisco Antônio José Bento Bernardo de Bragança, filho de Dom Pedro II e de Maria Sofia, A história de Nanu

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foi rei de Portugal desde 1º de janeiro de 1707, até morrer. Recebeu o cognome de “O magnânimo” ou “Rei-Sol Português”, em virtude do luxo de que se revestiu seu reinado. Era também conhecido como o “Freirático”, devido a sua apetência sexual por freiras. Faleceu em Lisboa, em 1750. Deu nome a São João Del-Rey, quando de sua elevação à categoria de vila em 1713. Nessa época delirava com sonhos absurdos nos braços de sóror Paula, freira do convento das Odivelas. D. João V foi o soberano português que mais esbanjou as riquezas provenientes do Brasil. Gastava incontrolavelmente, como nenhum outro rei português. D. João V, rei faustoso, entre fidalgos e criados, calcula grandes despesas para os festins projetados. Ai, quanto veludo e seda e quantos finos brocados! ... ai, como está com seus cofres completamente arrasados. Ai, que mosteiro, ai, que torres, ai, que sinos afinados! [Manuel Bandeira]

Era doente e fanático. Presenteava com muito dinheiro os fidalgos e frades. Comprava do papa, a peso de ouro, todas as indulgências que a sua piedade lhe sugeria para garantir a salvação de sua alma.

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Quando em 1742 foi acometido de paralisia, Dom João V, para obter a cura, resolveu comprá-la e encheu de ouro a igreja e os magos que lhe traziam falsas beberagens. Ele delirava em meio ao fausto e o esplendor da riqueza. “ Ouro branco! Ouro preto! Ouro podre! De cada ribeirão trepidando e de cada recosto. Da montanha o metal rolou na cascalhada Para fausto d’El-Rei: para a glória do imposto. Que restou do esplendor de outrora? Quase nada: Pedras...templos que são fantasmas ao sol-posto. [Manoel Bandeira]

Foi Nanu quem acompanhou a carta de Bartolomeu, avalizada por outra do capitão-general Dom Rodrigo César Menezes, que pedia: “...a concessão do hábito de Cristo, porque essa gente despreza a conveniência...” D. João V, evidentemente, aprovou a bandeira, acalentando a ambição da entrada de muito mais ouro. No dia 3 de julho de 1722, a bandeira partiu de S. Paulo com 152 homens brancos e negros. Os bugres perfaziam o número de 20 e foram cedidos pelo capitão-general. A história de Nanu

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Essa bandeira, segundo narrou Nanu, teve um desertor, o alferes José Peixoto da Silva Braga, português, indisciplinado na tropa, talvez pela fome que o acompanhava ou pelos castigos devido a ordens não acatadas, que se desgarrou da comitiva e foi rolando pelas águas dos rios e se escondendo nas matas, num incrível ato de coragem. Enfrentou imensos perigos até chegar a Belém-Pará, onde foi preso e reconduzido a São Paulo. Quatorze anos depois dessa aventura, ainda corroído pelo rancor, Silva Braga escreveu uma carta ao padre Diogo Soares, contra o descobridor das minas de Goiás, atribuindo-lhe desconhecimento dos caminhos, ignorância do sertão, desvario mental, caráter falho, propósitos assassinos e por fim apropriação indébita de um negro, bom mateiro, de nome Paschoal, grande amigo de Nanu. Essa injusta carta com relação a Bartolomeu é, entretanto, um documento de grande valor, pois restabelece o itinerário seguido pela expedição. A bandeira de Bartolomeu permaneceu por 3 anos, 3 meses e 18 dias no sertão goiano e chegou a São Paulo no dia 21 de outubro de 1725, com muito ouro. Nanu disse que eram mais ou menos trinta quilos e que na ocasião o ouro era tão farto que pegavam com as mãos. Até hoje ela nos exibe seus brincos antigos, correntes, pulseiras e até uma pequena imagem da Virgem Maria, tudo do mais puro metal, colhido naquela época.

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Vista da cidade de Goiás. Foto: Henrique Mourise, 1892

Ela se indigna quando lembra que a fatalidade perseguiu até a morte os principais fundadores de Vila Boa. Bartolomeu morreu paupérrimo, tão ignorado que até hoje não se sabe ao certo onde repousam seus ossos. Foi no governo de Luiz Mascarenhas, Conde D’Alva, que surgiu o primeiro povoado erguido nas minas de Goiás, denominado Barra. Ali, Bartolomeu Bueno da Silva, o filho, infeliz descobridor das mais ricas jazidas auríferas de Goiás, faleceu sob ameaça de confisco de seus bens para pagar os dízimos atrasados referentes aos anos de 1722 a 1733, importando em mais de uma arroba de ouro. Quanto a João Leite da Silva Ortiz, ela narra que o acompanhou quando seguia para Portugal, a fim de se queixar ao rei das injustiças praticadas contra eles. Ao aportar A história de Nanu

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em Recife, foi morto pelo padre Matias Pinto, a mando de Caldeira Pimentel, seu cruel perseguidor. O governador Antônio da Silva Caldeira Pimentel e Leite que seria denunciado na carta conduzida por Ortiz pelos desmandos e descaminhos dos reais quintos, premeditou o crime juntamente com seu cúmplice, Sebastião Fernandes do Rego. O instinto sanguinário de Caldeira viu-se aflorado porque tinha receio da entrevista de Ortiz com Dom João V. Quando jazia envenenado, Nanu usou de seus conhecimentos para salvá-lo, mas “estava escrito” e ela nada pôde fazer. Ortiz, um paulista ilustre e fidalgo, filho de Estevão Raposo Bocarro e tio de Pedro Taques Paes Leme, autor da Nobiliarquia, livro que tratava dos sobrenomes, armas e brasões, foi a primeira vítima histórica em defesa de Goiás. Foi Nanu quem veio até Goiás acompanhando a Carta Régia de 11 de fevereiro de 1736, quando dom João V mandou que se erigisse uma vila em Goiás. “... em sítio mais a propósito, que seja o que parecer mais saudável e com provimento de boa água e lenha. E logo determinareis sítio para a praça, no início da qual se levante o pelourinho e se assinale a área para o edifício da igreja, capaz de receber o competente número de fregueses, e que façais determinar a área para as casas com seus quintais e se designe o lugar para se edificar a Casa da Câmara e das Audiências e da Cadeia e 52

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mais Oficinas Públicas. Que todas devem ficar na mesma área determinada para as casas dos moradores, as quais pelo exterior sejam pelo mesmo perfil, ainda que no interior cada um dos moradores faça à sua eleição, de sorte que todo tempo se conserve a mesma formatura da terra e a mesma largura e junto da vila fique bastante terreno para logradouros públicos e para nele se poderem edificar novas casas...” A ordem foi dada ao Conde de Sarzedas, que não pôde executá-la por ter falecido em Traíras, vitimado pela malária. Coube a Dom Luiz de Mascarenhas essa tarefa. O arraial, que se chamava Santana, foi elevado à condição de vila, com o nome de Vila Boa de Goiás situada a 15 º 55’ 26” de latitude e aos 6º 57’ 30” de longitude ocidental. Está a 486 metros acima do nível do mar, na encosta de dois montes que formam um pequeno vale atravessado pelo rio Vermelho e o córrego hoje denominado Manuel Gomes. À leste fica o morro batizado de São Francisco e ao norte o Canta Galo. Nanu viu quando os aventureiros aportaram em Vila Boa, seduzidos pela notícia das minas de ouro, o que fez com que a densidade da aldeia aumentasse sem nenhum critério e o perímetro urbano se alargasse por todos os lados.

A história de Nanu

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Foto do Chafariz de Cauda, década de 1930

Novas ruas se abriram e o procurador da câmara viu sua autonomia e a boa intenção do soberano ficar totalmente desfigurada no sentido de “conceder terra a quem faça casa”. Os colonos que deixaram suas famílias na Europa passaram a se entregar ao concubinato e a cair na devassidão. A mestiçagem das raças formou então os costumes da vila. De 1725 a 1750, os maiores crimes ficaram sem punição. Não havia barreira moral ou legal. O próprio clero, abusando de seu prestígio, praticava a excomunhão e intervinha na vida íntima dos moradores, que só eram perdoados de seus pecados a peso de ouro. Nanu guarda as lembranças do Padre João Perestelo com grande mágoa. Ele, injustamente, esquecendo seus 54

Zilah Mundim de Souza


próprios erros, acusava os moradores da vila e caluniava-os imputando-lhes graves penitências. Dom Marcos de Noronha, nobre português, de formação militar e notável administrador, filho de D. Juliana e D. Manuel José, herdou o título de Conde dos Arcos. Vindo de Pernambuco, tomou posse no dia 8 de novembro de 1749. Foi o primeiro governador da nova capitania e o 6º Conde dos Arcos, tendo em vista as provisões régias de 3 de junho de 1748. Mandou ratificar a linha divisória com a capitania vizinha, encomendando ao italiano Francisco Tosi Colombina o levantamento da carta da capitania que se estendia da Cachoeira de Itaboca até o rio Grande do Espigão Mestre, além do rio das Mortes. Da superfície da terra o ouro recuou para o subsolo e para as correntes fluviais e sua extração se tornou bem complicada por causa dos utensílios usados. Mesmo assim D. Marcos estimulava a descoberta de novas minas. D. Marcos, segundo conta Nanu, deu novos rumos à arrecadação, modificando os costumes até então empregados e tentando equilibrá-la com as despesas. Inaugurou em 1752 a Casa da Fundição, expulsando todos os ourives da vila. Após cinco anos à frente do governo da província, Dom Marcos foi nomeado, a 2 de fevereiro de 1754, para o alto cargo de Vice-Rei do Brasil, sendo sucedido por Dom A história de Nanu

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Álvaro José Xavier Botelho de Távora, Conde de São Miguel, nomeado por carta-patente de 2 de fevereiro de 1754 e empossado no dia 31 de agosto de 1755. Nanu disse que a lembrança que restou de Dom Álvaro José foi a terrível devassa aberta para apurar os caminhos do ouro. Levantou uma forca na vila e executava todos os homicidas. Demitido em 7 de setembro de 1758, debalde tentou atenuar o peso das denúncias que caíam sobre ele. Foi preso e encaminhado para Lisboa, vindo a falecer no caminho, acometido de grande tristeza. Em 4 de julho de 1759 chegou à capitania Dom João Manuel de Melo e tomou posse três dias depois. Deu seguimento à devassa, retroagindo por 10 anos nos governos anteriores. Em sua gestão foi construída a cadeia, hoje Museu das Bandeiras e ampliado o Palácio Conde dos Arcos. Diz Nanu que os sinos dobravam tristemente anunciando a morte de Tomé Inácio de Mascarenhas, secretário de Dom João Manuel de Melo, punido sob suspeita de participar dos crimes de Dom Álvaro José Xavier Botelho de Távora, Conde de São Miguel. Ao saber desta notícia, Dom João Manuel de Melo foi fulminado por um ataque cardíaco, no dia 3 de abril de 1770. Foi substituído em 1772 por Dom José de Almeida Vasconcelos Soveral e Carvalho da Maia Soares de Alber56

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garia, Barão de Mossâmedes e Visconde da Lapa. O novo mandatário era cercado de muita consideração real e possuía vários títulos nobiliárquicos, sólida cultura intelectual e farta experiência administrativa. Entre suas obras constam a fonte da Carioca em 1772 e o Chafariz no largo da cadeia, anteriormente denominado Chafariz da Boa Morte, porque foi construído nos alicerces das ruínas da primeira igreja da Boa Morte, que era localizada na atual Praça do Chafariz. A construção foi datada de 1778, e tem os nomes de Dom José e de seu auxiliar Almeida Cabral gravados no frontispício. Nanu compareceu à inauguração, que foi precedida de benção e muita alegria. Consta também que reformou o Chafariz da Carioca, calçou várias ruas e construiu o teatro e o aldeamento de

Fonte da Carioca, 1920. Foto: Alencastro Veiga A história de Nanu

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São José de Mossâmedes. Foi o mais dinâmico governador da capitania. Através da carta-régia de 17 de outubro de 1773, mandou cumprir os subsídios literários para pagamento dos mestres e nomeou professores para os arraiais mais importantes. Seu governo sofreu várias intempéries: as chuvas deixaram de cair por 3 anos. Nanu fala sobre a fome que grassou, fazendo com que irmão matasse irmão na luta pela sobrevivência. Em seguida, chuvas torrenciais inundaram a capitania. Cobras e outros animais invadiram a vila fazendo inúmeras mortes, mas as terras se tornaram novamente férteis e em 1776 a pecuária apresentou grande recuperação. Dom José fez desaparecer o déficit que vinha de outros governos e pagou todas as dívidas. Era cognominado pelos índios de “capitão grande e bom”. Foi muito querido pelo povo. Entregou o governo para seu sucessor Luiz da Cunha Menezes, nomeado por carta-patente de 27 de janeiro de 1777 e empossado em 16 de dezembro de 1778. O alinhamento das ruas, o aperfeiçoamento dos edifícios, a criação do açougue público, a edificação do passeio público na praça central da vila e a reconstrução das pontes do Rio Vermelho foram algumas de suas obras.

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Zilah Mundim de Souza


Sucedeu-o Tristão da Cunha Menezes em 27 de julho de 1783. Nesse período foi inaugurada em Goiás a oligarquia dos Menezes. Ele fez um governo cheio de incidentes, por 16 anos, quando grassaram grandes intrigas, o que lhe valeu a alcunha de Dom Basílio. Foi substituído por seu parente, João Manuel de Menezes, nomeado por carta patente de 13 de fevereiro de 1798 e assumiu em 25 de fevereiro de 1800. O novo governador trazia programa para a navegação dos rios Tocantins e Araguaia. Para infelicidade do povo, Tristão da Cunha Menezes permaneceu na vila, causando vários incidentes políticos e morais, dividindo-a em dois grupos. João Manuel fez o embelezamento da cidade, calçando as ruas e abrindo caminho até a Igreja de Santa Bárbara. Censurado várias vezes pelo Conselho de Sua Majestade e desgostoso com a política de Vila Boa, acabou pedindo demissão. Passou o governo no dia 27 de fevereiro de 1804 a Dom Francisco de Assis Mascarenhas. Nanu sorri muito quando recorda a viagem que fez com a comitiva do novo governador: havia muitos urubus que acompanhavam a tropa na esperança de encontrar algum lixo para alimento. Ela diz que eles conviviam sempre com a morte e dela extraíam a própria vida. Ao amanhecer, já podiam ser vistos no céu aproveitando as correntes térmicas. Como eles são mudos, porque A história de Nanu

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não possuem siringe, o órgão vocal das aves, só conseguem bufar, assustando a todos, o que era muito engraçado. Ela explica que o urubu-rei comia primeiro por causa do bico mais forte. Depois as outras espécies ficavam com o restante. Nanu diz que flecha feita com pena do urubu-rei nunca erra o alvo. Fala ainda sobre as pragas que incomodavam os viajores causando doenças e dizimando a tropa e sobre os cães que os acompanhavam. Os piolhos e os carrapatos, hoje conhecidos como Amblyoma Strium e Cajenese, provocavam a febre maculosa e exantêmica. Seus sintomas eram: febre súbita seguida de cefaléia e congestão das conjuntivas e exantema maculopapular, que invadia rapidamente quase todo corpo, incluindo as mãos e as solas dos pés fazendo surgir placas vermelhas. Os carrapatos que provocavam doenças eram infectados pelo microorganismo Rickttesia. Muitos homens da comitiva foram acometidos por essa doença e Nanu praticava sua experiência de benzedeira a fim de ajudá-los e rezava: “Nosso Senhor quando andou por esse mundo encontrou homem bom e mulher má, cama de palha e casa vazia; doença por onde entra sai. Amém” Usava água e um raminho de plantas fazendo três cruzes. Entre tantas pragas ainda citava as aranhas marrons que moravam em casas, ranchos, telhados e arbustos. Ti60

Zilah Mundim de Souza


nham cerca de um centímetro de corpo, pernas longas e finas. Era a mais perigosa e traiçoeira e sua picada não provocava dor na hora. A partir de 12 horas começavam as dores, inchaço, mal estar geral, náuseas e febre. A seguir ocorria gangrena, necrose e não raras vezes a morte. Nanu benzia, também, com a seguinte oração que repetia três vezes: “em nome de Deus, tira o veneno amaldiçoado dessa ferida e joga no chão para o diabo. Amém” Em seguida quebrava um ramo de planta e colocava em cruz sobre a picada. Todos na comitiva mascavam naco de fumo de corda, grosso e luzidio. Colocavam na boca e mascavam como chiclete. Iam cuspindo, até tirar o macerado ou caldinho ardido, cor de café. Quando a massa na boca já estava sem gosto e a cusparada saía rala, desbotada, estava na hora de jogar fora e pegar outro naco. Servia para espantar a fome, curar dor de dentes, por em picadas de cobra e outras feridas. Entre os caçadores, as presas preferidas eram o porco do mato, paca, veado e outros animais. Porco do mato era aquele que fugia para o mato à procura de comida e acabava embrutecido. Quando tentavam caçá-lo era aquele “tendepá” e aquela alegria cheia de vibração quando conseguiam pegá-lo. A dificuldade era laçá-lo, A história de Nanu

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não era fácil conseguir. Iam com a faca atravessada na cintura, do lado de trás e um facão no currião (cinturão). Na caçada muitos homens eram ofendidos por cobras: cascavel, jaracuçu, jararaca, coral e outras. Era um Deus nos acuda e eram curados também com benzeção e remédio do mato. No tempo dos brotos, das frutas silvestres, dos tubérculos, das raízes e das batatas, eles eram colhidos para alimentação. Havia também o baru, jenipapo, gabiroba, saputá, araçá, tarumã e acari. Pela manhã os pássaros cantavam e Nanu dá especial ênfase ao canário, saltitante e alegre. Seu belo canto incentivava o despertar de pensamentos positivos, servindo como um sutil preventivo contra a tristeza e o cansaço. Canário da Terra (Sicalis Flaveola) é uma ave da família Emberizidae. É originária da América do Sul e no Brasil é encontrado em vários estados, inclusive em Goiás. Seus filhotes são cinzentos. Os machos tornam-se amarelos com tons avermelhados na cabeça. Na natureza brigam pelas fêmeas. Elas ficam com a cor cinzenta avermelhada. Alimentam-se de sementes de gramíneas. Medem cerca de treze centímetros e meio. O canário faz seu ninho em cavidades e às vezes aproveitam o ninho abandonado do João-de-Barro. Eles gostam de curtir os primeiros e últimos raios de sol. 62

Zilah Mundim de Souza


Bandos de periquitos acordavam os viajores à noite quando atacados por morcegos sanguinários, grandes e sedentos. Nanu se mexia feliz na cama de pele de carneiro, com as pernas entrelaçadas às do governador. Sim, Nanu amava Dom Francisco e suas noites eram freneticamente divididas, num assombro de gemidos e risos. Sua entrega foi consciente, era um sentimento profundo, sem frustrações, por que vinha de experiências anteriores partilhadas sem crises e com a energia que a espiritualidade lhe propiciava. Dom Francisco tinha uma forma diferente de ostentar superioridade porque assumia uma atitude de humildade. Para Nanu a vida era como uma vela que queima cada vez com mais brilho e serve para acender outros fogos. Certa noite ficaram acordados até as estrelas dominarem completamente o céu e as estrelas cadentes enfeitarem o firmamento num turbilhão de alegria. Ele disse que a amava e Nanu teve seu instante de paixão antes que o sol viesse varrer esse sentimento. Dom Francisco de Assis Mascarenhas era natural de Lisboa– Portugal, filho de José de Assis Mascarenhas Castelo Branco da Costa Lancastre, Visconde de Sabugal, descendente de um ramo da Casa Real de Bragança. Ele cavalgava elegantemente um belo corcel arreado com esmero em reluzente couro e prata, trajando uniforme vermelho de dignatário da Coroa, quando deu entrada na A história de Nanu

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vila, pela Carioca, com o povo dando vivas. Foi vibrantemente saudado. Nanu sabia que a partir daí novos amores acalentariam o coração do governador. Subitamente, sem uma palavra, aceitou o óbvio e com gratidão, a maior de todas as virtudes, afastou-se. No delírio de um sonho transitório transbordou a taça da ilusão acabou o sonho de doçura restou apenas um silêncio mudo. [Zilah Mundim]

Dom Francisco iniciou sua administração com rigorosa devassa e equilibrou a receita e a despesa da capitania. Enveredou seu governo para a agricultura e navegação. Após 5 anos, 8 meses e 29 dias de governo, entregou a direção da capitania ao capitão-general Fernando Freire Delgado de Castilho, que tomou posse em 26 de novembro de 1809, conservando-se nesse posto por 10 anos. Profundamente neurastênico e insensível ao futuro da capitania, solicitou sua demissão, obtendo-a no dia 8 de julho de 1819. Ao abandonar a capitania para regressar a Portugal foi acompanhado pela amante e dois filhos. Como não podia se casar com uma plebéia e levá-los para seu novo lar, preferiu se matar. 64

Zilah Mundim de Souza


Bem sei de muita gente que censura Este amor que de há muito alimentamos. Não me importa, porém se alguém murmura Só me basta saber que nos amamos. Mas dissabores suportando, embora, Iremos juntos pela vida afora . Ninguém nos há de separar! Ninguém! [J. Lopes Rodrigues]

Sucedeu-o Manuel Ignácio de Sampaio e Pina, nomeado por carta patente de 5 de julho de 1819. Tomou posse no dia 4 de outubro de 1820. Fez um governo de muita animosidade e os pasquins e cartas anônimas contra o capitão– general eram freqüentes, o que o forçou a pedir demissão. Seu sucessor foi o vigário Francisco Xavier dos Guimarães Brito e Costa. No dia 9 de janeiro de 1822, D Pedro I recebeu uma carta das cortes de Lisboa, exigindo seu retorno para Portugal. Os portugueses queriam recolonizar o Brasil e eram impedidos pelo Imperador. Dom Pedro respondeu negativamente e proclamou: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico.” Quando foi conhecida em Vila Boa a resolução tomada pelo regente de permanecer no Brasil, desobedecendo as cortes de Lisboa, os vila-boenses ficaram com a alma exulA história de Nanu

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tante pelo acontecimento do Fico e por saber que o tenente-general Joaquim Xavier Curado, filho da terra, estava ao lado do movimento liberal e do regente. A notícia da aclamação do Imperador chegou à capital no dia 25 de novembro de 1822 e foi recebida com grande entusiasmo. Nanu se vestiu de gala e junto com o povo comemorou por 3 dias. A aclamação solene na localidade se deu no dia 1º de janeiro de 1823. Finalmente, a 8 de abril reuniram-se no paço da câmara os eleitores da capital, Meia Ponte, Santa Luzia, Santa Cruz, Crixás, Traíras e São Félix, elegendo para presidente e secretário do governo provisório Álvaro José Xavier e o capitão José Rodrigues Jardim, trazendo com isso o triunfo das aspirações goianas.

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Zilah Mundim de Souza


Grafias dos nomes de Goiรกs



Em sua grafia original Goiás teve os seguintes nomes históricos: Arraial de Santana em 1727. Foi elevado à condição de freguesia em 1729 e se tornou paróquia pela Ordem Régia de 11 de fevereiro de 1736. Villa Boa de Goyaz em 1739. Nos documentos era escrito Villa Bôa Minnas dos Goyazes. Foi elevada à condição de vila, oficialmente, sob o nome de Vila Boa de Goiás, no dia 25 de junho de 1739. A categoria de cidade foi conquistada oficialmente depois que se tornou sede da administração, em virtude da separação da capitania de São Paulo. Foi sede em 1744. Goyaz nos fins do século XIX. Cidade de Goiás, na atualidade, de acordo com a lei de 17 de setembro de 1818.

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Cronologia dos logradouros pĂşblicos



Procissão de Ramos, início do Século XX

Palácio do Governo: O Palácio Conde dos Arcos foi construído e inaugurado por D. Marcos de Noronha. Em 1751 foi adquirido do Sr. Domingos Marques Fogaça um terreno com 5 casas de 34.1 m de frente e 22.62 m de fundo, pela quantia de 6.333 oitavas de ouro, onde ele foi erigido. Casa da Fundição do Ouro: Funcionava em um prédio construído para os intendentes da fundição. Localizava-se ao lado do Palácio Conde dos Arcos. Edificada em 1752. Cadeia: Foi construída em 1761, no governo do general João Manuel de Mello, no Largo do Chafariz. Sua construção custou cerca de vinte contos de réis. Hoje é o Museu das Bandeiras. 73


Asilo São Vicente de Paulo: Concluído em 25 de julho de 1909. Igreja da Matriz: Construída no mesmo lugar em que o Anhanguera levantou a capela de Santana em 1727. Essa Igreja tinha 9 altares ricamente entalhados e cobertos de ouro. Foi totalmente remodelada e não apresenta nenhuma das suas características originais. Igreja da Boa Morte: Edificada onde era a casa de Bartolomeu Bueno, hoje museu de Arte Sacra da Boa Morte. Igreja de São Francisco de Paula: Construída em 1761. Com o teto pintado em 1830, por André Antônio de Camargo. Igreja de Santa Bárbara: Inaugurada a 1º de setembro de 1780. Em 1855, foi reconstruída e não conservou suas linhas originais. 74

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Vista da Igreja da Boa Morte e Palácio Conde dos Arcos. Início do Século XX

Igreja do Carmo: Construída em 1786. Igreja da lapa: Construída em 1794 por Vicente Vaz Roxo e levada pela grande enchente de 19 de fevereiro de 1830. IGREJA DA ABADIA: De 1730, construída pelo padre André Salvador dos Santos Batista. Possui teto pintado por autor desconhecido.

A história de Nanu

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Governantes de Goiรกs: Capitania



Marcos de Noronha

(1749 a 1755) 2º

José Xavier Botelho e Távola

(1755 a 1759) 3º

Antônio Carlos Furtado de Mendonça

(1770 a 1772) 4º

José de Almeida Vasconcelos Sobral e Carvalho

(1772 a 1778) 5º

Luiz da Cunha Menezes

(1778 a 1783) 6º

Tristão de Cunha Menezes

(1783 a 1800) 7º

João Manuel de Menezes

(1800 a 1804) 8º

Francisco de Assis Mascarenhas

(1804 a 1809)

79


9ยบ

Fernando Freire Delgado de Castilho

(1809 a 1820) 10ยบ

Manuel Ignรกcio Sampaio e Pina

(1820 a 1823)

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Zilah Mundim de Souza


Presidentes e governadores de GoiĂĄs

PerĂ­odo Imperial



No dia 13 de setembro de 1824, Goiás passou a ser considerado Província do Império. A Província teve os seguintes Presidentes: 1º

Caetano Maria Lopes da Gama

(13 de dezembro de 1824 a 23 de outubro de 1827) 2º

Miguel Lino de Morais

(24 de outubro de 1927 a 13 de agosto de 1831) 3º

Luiz Bartolomeu Marques

(13 de agosto de 1831 a 30 de dezembro de 1831) 4º

José Rodrigues Jardim

(30 de dezembro de 1831 a 19 de março de 1837) 5º

Luiz Gonzaga de Camargo Fleury

(19 de março de 1837 a 4 de setembro de 1839) 6º

José de Assis Mascarenhas

(4 de setembro de 1839 a 14 de outubro de 1845)

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Joaquim Inácio de Ramalho (Barão de Ramalho)

(14 de outubro de 1845 a 19 de fevereiro de 1848) 8º

Antônio de Pádua Fleury

(19 de fevereiro de 1848 a 11 de junho de 1849) 9º

Eduardo Olímpio Machado

(11 de junho de 1849 a 10 de julho de 1850) 10º

Antônio Joaquim da Silva Gomes

(10 de julho de 1850 a 4 de dezembro de 1852) 11º

Francisco Mariani

(4 de dezembro de 1852 a 8 de maio de 1854) 12º

Antônio Cândido da Cruz Machado

(8 de maio de 1854 a 28 de julho de 1855) 13º

Antônio Augusto Pereira da Cunha

(28 de julho de 1855 a 8 de outubro de 1857) 14º

Francisco Januário da Gama Cerqueira

(8 de outubro de 1857 a 1º de maio de 1860) 15º

Antônio Manuel de Aragão e Melo

(1º de maio de 1860 a 22 de abril de 1861) 16º

José Martins Pereira de Alencastre

(22 de abril de 1861 a 26 de junho de 1862) 17º

Caetano Dias de Souza Filgueiras

(26 de junho de 1862 a 8 de janeiro de 1864) 18º

José Vieira Couto de Magalhães

(8 de janeiro de 1864 a 5 de abril de 1864) 19º

José Bonifácio Gomes de Siqueira

(5 de abril de 1864 a 27 de abril de 1865)

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Zilah Mundim de Souza


20º

Augusto Ferreira França

(27 de abril de 1865 a 29 de abril de 1867) 21º

José Bonifácio Gomes de Siqueira

(29 de abril de 1867 a 11 de outubro de 1868) 22º

Ernesto Augusto Pereira

(11 de outubro de 1868 a 6 de outubro de 1870) 23º

João Bonifácio Gomes de Siqueira

(6 de outubro de 1870 a 25 de abril de 1871) 24º

Antero Cícero de Assis

(25 de abril de 1871 a 22 de julho de 1878) 25º

Luiz Augusto Crespo

(22 de julho de 1878 a 18 de março de 1879) 26º

Aristides de Souza Espínola

(18 de março de 1879 a 1º de fevereiro de 1881) 27º

Joaquim de Almeida Leite de Moraes

(1º de fevereiro de 1881 a 9 de dezembro de 1881) 28º

Teodoro Rodrigues de Moraes

(9 de dezembro de 1881 a 20 de junho de 1882) 29º

Cornélio Pereira de Magalhães

(20 de junho de 1882 a 20 de setembro de 1882) 30º

Teodoro Rodrigues de Moraes

(20 de setembro de 1882 a 22 de fevereiro de 1883) 31º

Antônio Gomes Pereira Júnior

(22 de fevereiro de 1883 a 25 de outubro de 1883) 32º

Antônio José Caiado

(25 de outubro de 1883 a 6 de fevereiro de 1884) A história de Nanu

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33º

Camilo Augusto Maria de Brito

(6 de fevereiro de 1884 a 1º de novembro de 1884) 34º

José Acioli de Brito

(1º de novembro de 1884 a 17 de outubro de 1885) 35º

Júlio Barbosa de Vasconcelos

(17 de outubro de 1885 a 6 de janeiro de 1886) 36º

Guilherme Francisco da Cruz

(6 de janeiro de 1886 a 13 de agosto de 1886) 37º

Luiz Silveira Alves Lima

(13 de agosto de 1886 a 20 de outubro de 1887) 38º

Fulgêncio Firmino Simões

(20 de outubro de 1887 a 19 de fevereiro de 1888) 39º

Felicíssimo de Espírito Santo

(19 de fevereiro de 1888 a 6 de março de 1889) 40º

Elísio Firmo Martins

(6 de março de 1889 a 3 de julho de 1889) 41º

Eduardo Augusto Montandon

(3 de julho de 1889 a 6 de dezembro de 1889)

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Zilah Mundim de Souza


A República



Nanu me contou que com a notícia da queda da monarquia chegando, foram organizadas várias comemorações, os habitantes saíram às ruas, os funcionários públicos tiveram folga, as escolas fecharam. Foguetes espocaram por todos os lados, gritos eram ouvidos e a incerteza tomou conta de muitos habitantes. Ela assistiu aos debates e conta que muitos tiveram dificuldades em aceitá-la. Mesmo assim o Presidente do Clube Republicano proclamou a república em sessão solene. Era o dia 5 de dezembro de 1889. Entre os oradores, Nanu dá especial destaque ao discurso de Francisco de Paula Alvéolos, médico do 20º B. C., militar respeitado, que fez referência aos monarquistas intransigentes, que no mesmo momento da proclamação, por interesse, se transformaram em republicanos excessivamente exaltados. Ele os qualificou de sem honra e dignidade. 89


Governadores Republicanos (denominação usada de 24 de fevereiro de 1890 a 17 de julho de 1892) 1º

Rodolfo Gustavo da Paixão

(24 de fevereiro 1890 a 20 de janeiro de 1891) 2º

Bernardo Antônio de Faria Albernaz

(20 de janeiro de 1891 a 27 de março de 1891) 3º

João Bonifácio Gomes de Siqueira

(27 de março de 1891 a 18 de maio de 1891) 4º

Constâncio Ribeiro Maia

(19 de maio de 1891 a 17 de junho de 1891) 5º

Rodolfo Gustavo da Paixão

(18 de junho de 1891 a 6 de dezembro de 1891) 6º

Constâncio Ribeiro Maia

(7 de dezembro de 1891 a 19 de fevereiro de 1892) 7º

Braz Abrantes

(19 de fevereiro de 1892 a 17 de julho de 1892)

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Zilah Mundim de Souza


Proclamação da República Brasileira. Tela de Henrique Bernardelli


Presidentes republicanos 1º

Antônio José Caiado

(17 de julho de 1892 a 30 de julho de 1893) 2º

José Inácio Xavier de Brito

(1º de agosto de 1893 a 16 de julho de 1895) 3º

Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim

(18 de julho de 1895 a 9 de julho de 1898) 4º

Bernardo Antônio de Faria Albernaz

(9 de julho de 1898 a 1º de novembro de 1898) 5º

Urbano Coelho Gouveia

(1º de novembro de 1898 a 10 de junho de 1901) 6º

Bernardo Antônio de Faria Albernaz

(10 de junho de 1901 a 12 de agosto de 1901) 7º

José Xavier de Almeida

(12 de agosto de 1901 a 14 de julho de 1905) 8º

Miguel da Rocha Lima

(14 de julho de 1905 a 11 de março de 1909) 9º

João da Silva Batista

(1º de maio de 1909 a 24 de julho de 1909) 10º

Urbano Coelho Gouveia

(24 de julho de 1909 a 30 de março de 1912) 11º

Joaquim Rufino Ramos Jubé

(30 de março de 1912 a 24 de maio de 1912) 12º

Herculano de Souza Lobo

(24 de maio de 1912 a 7 de junho de 1913)

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Zilah Mundim de Souza


13º

Joaquim Rufino Ramos Jubé

(7 de junho de 1913 a 31 de julho de 1913) 14º

Olegário Herculano da Silveira Pinto

(7 de junho de 1913 a 6 de julho de 1914) 15º

Salatiel Simões de Lima

(6 de julho de 1914 a 28 de junho de 1915) 16º

Joaquim Rufino Ramos Jubé

(28 de junho de 1915 a 9 de junho de 1916) 17º

Aprígio José de Souza

(3 de novembro de 1916 a 9 de maio de 1917) 18º

Salatiel Simões de Lima

(9 de maio de 1917 a 14 de julho de 1917) 19º

João Alves de Castro

(14 de julho de 1917 a 21 de dezembro de 1918) 20º

Joaquim Rufino Ramos Jubé

(21 de dezembro de 1918 a 24 de abril de 1919) 21º

João Alves de Castro

(24 de abril de 1919 a 6 de junho de 1921) 22º

Eugênio Rodrigues Jardim

(14 de julho de 1921 a 11 de novembro de 1922) 23º

Miguel da Rocha Lima

(11 de novembro de 1922 a 14 de julho de 1925) 24º

Brasil Ramos Caiado

(17 de julho de 1925 a 12 de março de 1929). 25º

Humberto Martins Ribeiro

(1929 a 1930) A história de Nanu

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Segunda República: Período Transitório Carlos Ribeiro Chagas 1930 JUNTA PROVISÓRIA Pedro Ludovico Teixeira Mário Alencastro Caiado

Período Interventorial Pedro Ludovico Teixeira

1930 a 1932

Mário Caiado

1932 um mês

Pedro Ludovico Teixeira

1932 a 1933

José Honorato da Silva e Souza

1933 por um mês

Pedro Ludovico Teixeira

1933

Vasco dos Reis Gonçalves

1934

Inácio Bento de Loyola

1934

Vasco dos Reis Gonçalves

1934

Heitor de Morais Fleury

por um dia– 1934

Pedro Ludovico Teixeira

1934 a 1936

Substitutos Taciano Gomes de Melo Hermógenes Ferreira Coelho João Teixeira Álvares

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Zilah Mundim de Souza


João D’Abreu Pedro Ludovico Teixeira

1937 a 1945

José Ludovico de Almeida

1945 um mês

Eládio de Amorim

1945 a 1946

Felipe A. Xavier de Barros

1945 5 dias

Joaquim Machado de Araujo

1946 a 1947

Terceira República Jerônimo Coimbra Bueno

1947 a 1950

Hosanah de Campos Guimarães

1950 a 1951

Pedro Ludovico Teixeira

1951 a 1954

Jonas Ferreira Alves Duarte

1954 a 1955

Bernardo Sayão de Carvalho

1955 por dois meses

José Ludovico de Almeida

1955 a 1959

José Feliciano Ferreira

1959 a 1961

Mauro Borges Teixeira

1961 a 1963

Mauro Borges Teixeira

1963 a 1964 – até 26 de novembro de 1964

Carlos de Meira Matos

1964 a 1965 – interventor

Emílio Rodrigues Ribas Júnior

1965 a 1966

Otávio Laje de Siqueira

1966 a 1068

Osires Teixeira

1968 interino

Otávio Laje de Siqueira

1968 a 1971

Leonino de Ramos Caiado

1971 a 1973 A história de Nanu

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Ursulino Tavares Leão

1973 Interino

Leonino di Ramos Caiado

1973 a 1975

Irapuan Costa Jr.

1975 a 1979

José Luiz Bittencourt

1979 interino

Irapuan Costa Jr.

1979

Ary Ribeiro Valadão

1979 a 1983

Iris Rezende Machado

1983 a 1986

Onofre Quinan

1986 a 1987 Substituto

Henrique Santillo

1987 a 1981

Iris Rezende Machado

1991 a 1994

Agenor Rodrigues de Rezende

1994 a 1995

Maguito Vilela

1995 a 1998

Naphtaly Alves de Souza

1998 interino

Helenês Cândido

1998 a 1999

Marconi Perillo

1999 a 2003

Marconi Perillo

2003 a 2006

Alcides Rodrigues

2006 a 2007

Alcides Rodrigues

2007 a 2011

Marconi Perillo

2011 a 2014

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Zilah Mundim de Souza


A Cruz do Anhanguera



Nanu me presenteou com um exemplar do Jornal Nova Era, ano II nº 84, datado de 8 de junho de 1916, órgão literário e noticioso, editado na Capital do Estado de Goyaz, onde se lia o seguinte, na página 09: “Está aberta e vitoriosa, mercê de Deus, o grande, a gloriosa e patriótica ideia que nos foi sugerida por amáveis colegas, de transportarmos para esta capital a Cruz Anhanguera, o venerável símbolo da redenção que Bartolomeu Bueno plantou em sua entrada nas novas terras com as quais ia enriquecer o diadema de Portugal. O nosso último artigo nesse sentido, escrito por um dos nossos estimáveis companheiros, encontrou eco e já recebemos a primeira espórtula destinada ao transporte e ereção, nesta capital, do histórico monumento. De Jaraguá em data de 26 do mês passado, escreve-nos o preclaro cidadão, major João Baptista Mundim, en99


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Zilah Mundim de Souza


A hist贸ria de Nanu

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viando-nos a sua contribuição para a grande subscrição que vamos levar a efeito. A sua carta, que publicamos em seguida, é um belo exemplo para todos quantos amam este sagrado torrão que é a nossa pátria. Imitemo-lo.” Jaraguá, 26 de maio de 1916. Caro Amigo Bonifácio, Tenho o prazer de cumprimentar-te assim como todos que lhe dizem respeito. De acordo com teus dizeres no “Nova Era” sobre a Cruz do Anhanguera o que julgo ser o caminho que se deve seguir e acudindo a teu apelo, envio a modesta quantia de 5$000 para dares princípio a tão grande obra. Sou mineiro, mas goiano de coração, por isso, em tudo que se diz melhoria para Goyaz, podes contar com este teu amigo, que só falta ser rico, mas tem boa vontade. E no mais, ao teu inteiro dispor fico. Teu amigo grato. João Baptista Mundim

ESTÁ ABERTA A SUBSCRIÇÃO: 1 João Baptista Mundim . . . . . . . . . . . . . . . . . 5$000

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Nanu recorda que a Cruz do Anhanguera foi descoberta em 1914, nas proximidades da mata Fazenda dos Casados, no município de Catalão – Goiás, por Luiz Ramos de Oliveira Couto, Juiz de Direito, quando procedia à divisão da propriedade. Uma légua depois de transpor o Porto Velho e percorrendo a estrada por onde Bartolomeu Bueno penetrou em Goiás, encontrou uma grande cruz de aroeira com data de 172... gravada em sua base, com o último número apagado. Como Bartolomeu partiu de São Paulo em 1722, imaginou que era a cruz que o próprio Anhanguera erigira, quando da partida, no dia 30 de julho de 1722. Em 1918 a cruz foi trazida para Goiás e instalada na margem esquerda do Rio Vermelho sobre um pilar originalmente pertencente à Igreja de Nossa Senhora da Lapa, levada pela grande enchente de 1839.

A história de Nanu

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E Nanu voltou...



Em algum período de minha vida perdi o contato com Nanu, apesar de meus sonhos serem povoados por ela, sempre me aconselhando e dizendo palavras de ânimo nos meus momentos de angústia. Ela me ensinou várias vezes que temos um conteúdo mental inconsciente. É a nossa sombra pessoal que aflora de acordo com as necessidades de nossa alma ao autoconhecimento. Disse também que o tempo e o amor são coisas que em nossa vida nunca podemos comprar. Hoje sei que Nanu foi minha grande mentora, ajudando a motivar e harmonizar meus relacionamentos, abrindo um mundo novo diante de mim e trazendo a compreensão de que apenas deixamos germinar a semente que jaz adormecida em nosso subconsciente.

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Como Nanu passeia por todos os momentos, sejam do passado ou do presente, tenho certeza de que estará comigo também no futuro. Certo dia, inesperadamente, reapareceu. Veio num carro de boi puxado por quatro juntas. O carro era composto de duas rodas, uma mesa de madeira e um eixo. As rodas eram feitas de madeira com um anel de ferro nas extremidades. A mesa possuía três metros de comprimento por um metro e meio de largura. Tinha duas peças de cada lado e uma comprida no meio para atrelar o carro à canga (peça de madeira, com corte anatômico para assentar bem no pescoço do boi). Era segura pela brocha (correia de couro). A grade era apoiada sobre um eixo. A chiada ou cantiga era provocada por duas peças de madeira denominadas “cocão”, em atrito com o eixo. Os carreiros diziam que “carro que não canta, não presta” e o gemido era o orgulho do condutor.


O carreiro caminhava ao lado do carro mantendo o ritmo da andadura dos bois. Expressões como: “ôu!”... (para parar o boi). “ei!” ... (para descer ladeiras). “Vâmo bora Azulão” ou “carrega Malhado!” eram dirigidas pelo carreiro a um animal específico que queria comandar.

A história de Nanu

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Nanu e sua gente



Sentada sob um pé de mangustão (árvore frondosa, nativa da Ásia, cultivada em regiões tropicais, cujos frutos têm gomos que possuem um sabor único, com uma mistura de adocicado e cítrico, rica em agentes fenólicos, substância antioxidante que ajuda na eliminação do colesterol ruim), Nanu contou que esteve em sua casa, coberta de buriti, com duas aberturas, a maior virada para o lado do rio e a menor para o lado oposto. O chão era forrado de esteiras de palha de buriti, tecidas pelas mulheres. Num canto, junto da porta principal, encontrava-se a fornalha, onde três pedras sustentavam uma panela enegrecida. Era de barro e ficava sempre cheia de comida. Nela faziam o “Kalogi”, comida preparada à base de 113


milho, de mandioca e de arroz, que fervia sem parar e formava uma espuma que subia como a do leite. Nanu me disse que comiam peixes, tartarugas, ovos e caça como porco-do-mato, veado e paca. Ainda alimentavam-se com cará, inhame, macaxeira, beiju, bananas, amendoim, coco babaçu e frutos silvestres como pequi e oiti. Mel de pau, tubérculos variados, cana de açúcar, abóbora, melancia, batata doce, milho e pimenta completavam a alimentação. Para preparar os alimentos não usavam sal. Cozinhavam as tartarugas no próprio casco. Os peixes eram assados na brasa e escamados posteriormente. Comiam somente quando sentiam fome, individualmente e com as mãos. Como o homem tinha que sustentar a mulher, a poligamia quase não era praticada. As mulheres eram a “cabeça do casal”, com grande ascendência sobre o marido. Quando morria uma pessoa da família, Nanu me contou que cantavam as qualidades do morto. Eram cantos monótonos que podiam se prolongar por meses 114

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seguidos, uma cantiga lúgubre que se estendia numa constância de impressionar. Nanu descreve o cemitério, com montículos ovais onde se encontravam vários vasos. Ali, parentes dos desencarnados depositavam comida para ajudá-los na “grande viagem.” Ainda podem ser vistos no interior dos túmulos antigos, tembetás (adorno que perfurava o lábio inferior cuja forma e comprimento variavam com a idade), com trabalhos delicados, hoje disputados pelos arqueólogos. Nanu acredita que uma mesma alma anima, sucessivamente, diversos corpos, que podem ser tanto de seres humanos como de animais, insetos e vegetais, embora diga que ao reencarnar a alma assuma a forma física humana. Ela me disse que o homem tem três almas: o princípio vital, o intelectual e o elemento divino e a que natureza das mesmas é semelhante à dos animais. Ela explica que para assegurar o sexo do bebê, realizam cerimônias sobre sepulturas pré-históricas que contêm os crânios do sexo preferido. Acreditam que as almas dos defuntos exercem influência benéfica nesse sentido. Outra coisa que Nanu me contou é que as árvores que se entrelaçam sobre os túmulos dos amantes representam suas almas; as flores que nascem sobre a lápide são a alma do que está enterrado.

A história de Nanu

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Arraia

Uma das principais “causa mortis”, segundo Nanu, era a ferroada de arraia. É um bicho de forma arredondada, com barbatanas laterais, que mora preferencialmente em enseadas tranquilas enterrando-se no lodo para escapar de seus inimigos naturais. Quando pisada por incautos, golpeia com a cauda, onde se encontra um “ferrão” de mais ao menos cinco centímetros de comprimento, estriado em forma de ferro de lança. Ao atacar e ferroar o pé de uma pessoa faz uma ferida profunda, dolorosa, que é contaminada pelo lodo, o que provoca a infecção.

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Os mosquitos atacavam aos milhares, sugando o sangue sem piedade: lambe-olhos, mosquitinhos que entravam pelos olhos, boca, nariz e ouvidos, são insuportáveis; os mosquitos pólvora, pequenos, pretos, de ferrão doloroso; os borrachudos gulosos sugavam o sangue até quase arrebentar. (São responsáveis pela transmissão do pênfigo foliáceo endêmico, vulgarmente conhecido por fogo-selvagem, doença que se caracteriza pelo aparecimento de bolhas superficiais na cabeça, pescoço e tórax. Quando arrebentam deixam feridas abertas que criam crostas, doem e ardem como se fossem queimaduras. Aparecem mais nas áreas rurais ou próximas a desmatamentos. Pertencem ao grupo Diptero, da família Simuliidae, o mesmo grupo das moscas); as muriçocas ou mosquitos chupadores, esfaimados anofelinos; as mutucas ou cabo verde têm escamas verdes. Para evitá-los, Nanu, juntamente com as mulheres da tribo, faziam o óleo do coco de babaçu e o aplicavam sobre a pele. As anauês (baratas) infestavam as malocas aos milhares e não raras vezes provocavam mudanças de local de aldeias inteiras. Elas transmitiam dermatose pruriginosa e era o grande flagelo da tribo. As baratas existem há mais de trezentos milhões de anos e já somam mais de 5000 espécies no mundo. Gostam de ambientes quentes e úmidos. É um inseto onívoro. Podem viver até uma semana sem se alimentar ou ingerir líquidos. Percebe o perigo nas mudanças da corrente de ar à sua volta. A história de Nanu

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As formigas também atacavam as tribos e constituem o grupo de insetos que predominam em nosso vasto universo. Pertence a ordem das Hymenosptera, o mesmo grupo das vespas e abelhas. O flagelo da tribo eram as formigas lava-pés, responsáveis pelo maior número de ataques. São originárias da América do Sul, têm cores variadas que vão do amarelo claro até o preto brilhante. Suas picadas são doloridas e causam bolhas, alergias e até choque anafilático. Se um índio fosse picado usava o fumo mascado e aguardente para melhorar a dor. Geralmente fazem seu ninho fora das casas num montículo de terra solta. 118

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As traves da maloca serviam para pendurar enfeites de pena, remos, arcos, flechas, espigas de milho, cabaças ora vazias, ora cheias de óleo de tartaruga para o cabelo e pele; grãos de milho para o plantio, urucum, jenipapo, cascos de tartaruga, pentes, embiras para tangas e várias outras. Seu povo é muito bonito, conta Nanu, forte e alto. As mulheres usam tanga (tira de embira circundando a cintura e outra peça que passa pelas nádegas prendendo na cinta). Os homens usam um estojo de embira para guardar o pênis, empurrando para dentro a parte carnuda do membro e puxando pra frente a pele do prepúcio. Sobre os Pajés, Nanu conta que quando um homem da tribo é escolhido pelos deuses, estes passam para ele uma grande força, através de rituais. Depois ele é duramente testado, até que tenha o poder da cura. Todo Pajé é músico. É impossível tornar-se Pajé sem conhecer os cânticos ritualísticos. Muitas doenças são curadas pela força mágica da música, ora cantada ora tocada em uma flauta de madeira com quatro furos. Ela possui um som muito poderoso e com ela os Pajés conseguem realizar verdadeiros milagres.

A história de Nanu

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Os passeios de Nanu


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Entre os passeios felizes de Nanu está a Serra Dourada, as encostas íngremes, cheias de pedras soltas, com enormes sulcos feitos pelas águas das chuvas, de uma beleza estonteante. A crosta terrestre é feita de materiais sólidos conhecidos como rochas. A maioria destas rochas é oculta sob o solo e a vegetação. Em alguns lugares elas estão expostas na superfície, onde criam formas de montanhas. Nanu se encanta com as lindas e célebres “árvores de papel” (lasiandra papirus), cuja casca branca e foliácea se destaca do cerne como folha de papel e com as torres suspensas, um mundo por onde passeiam muitos lagartos, grilos e formigas. Havia também uma rocha gigantesca em equilíbrio instável sobre um bloco menor que a sustentava, fazendo-a oscilar à beira do abismo. 123


O ambiente é selvagem. Indiferente ao perigo, Nanu sente a doce sensação da liberdade, intensa e poderosa. A música produzida pelos ventos e a maravilha do sol nascendo ou se pondo, provocando cores irisadas, fulgurantes, de uma delicada harmonia, levam Nanu a grandes emoções. As cavernas, que ela chama de “Cavernas da Família”, possuem pedras esculpidas investidas de poderes mágicos. Lá ela esconde misteriosas estatuetas deixadas pelos deuses. As paredes são cobertas de símbolos escritos pelos antepassados de Nanu e contam segredos. Por esta razão são inatingíveis para os homens. Os deuses contaram à Nanu e a seu povo que devemos guardar nossa história, para no fim dos tempos termos direito à vida eterna. Nanu diz que nosso planeta é apenas um pequeno mundo em um sistema solar na borda de uma galáxia enorme, uma entre milhões de outras no universo.

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Ela explica que o próprio material da terra foi forjado das estrelas e muito influenciado pela localização no espaço e pelo sol, fonte vital de luz e energia para nosso planeta. As estrelas são bolas quentes de gás que nos dão vida e enfeitam nossas noites. Ela gosta de passear onde as aves estão ativas. Ama as garças que aparecem quando há redução no volume d’água em decorrência da seca, facilitando a caça de alimento. Quando inicia o período de reprodução, Nanu procura as grandes massas de andorinhas e sabiás que migram à procura de insetos, escassos nas regiões mais frias. Adora as árvores com ninhos dependurados balançando ao vento, num vai e vem incansável. As emas com os filhotes à cata de alimento a enternecem. As abelhas passam todo período chuvoso acumulando estoques para o período seco e produzem mel de várias espécies, como do cajueiro, laranjeira, assa-peixe e são exemplo para Nanu, na sua faina diária. Ela espera até que a primeira estrela domine o céu onde o sol se põe e a seguir pencas de estrelas povoem o firmamento. Então, lentamente retorna ao ponto de partida.

A história de Nanu

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O que Nanu contou



Como minha cidade vive de recordação, Nanu nos contava histórias de cada cruz encravada nas estradas tristes e despovoadas: um crime passional, uma vingança, um caso de loucura, assombrações, acidentes. Cada ambiente apresentava algo de sobrenatural: fantasmas, mula sem cabeça, alma-penada, mão peluda, o que nos fez lutar até ficarmos adultos contra o medo que se instalou em nossa alma e causava arrepios de pavor. Há uma cruz encravada à beira do caminho O morador mais velho em toda redondeza Contou-me certa vez, tomado de tristeza Que existia essa cruz quando era pequenino. Sobre o seu corpo o João de Barro fez o ninho E a hera se enlaçou com graça e singeleza. Pensativa essa cruz, na rústica beleza Lembra um Cristo a rezar, esquecido e sozinho. 129


Sua história, talvez, é conto doloroso de um malfadado amor, de um crime pavoroso Ou sonho desfolhado em louco torvelinho. Sem da imaginação, as asas ter de alçar, Quem pode, ao certo, a triste história desvendar De uma cruz encravada à beira do caminho. [Edésio Daher]

Apesar de tudo, existem histórias que falam ao coração. São de nossa cidade, antiga e conservadora, que se tornam tradição e constituem laços que ligam o passado ao presente. Um dos casos que calou em minha alma foi o da “Cruz à beira da estrada”, que passo a narrar como Nanu me contou:

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Residia em Goiás um casal muito pobre. Eles tinham um cavalo baio, que os levava a passeios nos sítios em torno da cidade. Sempre que possível iam colher frutos silvestres, caçar pequenos animais ou pegar filhotes de periquitos para presentear a garotada. Certo dia, uma grande tempestade os impediu de seguir caminho e acabaram se perdendo na mata. Molhados e tremendo de frio procuraram abrigo sob as árvores. Apavorados, quase congelando, avistaram uma cruz na beira da estrada, sobre uma pequena elevação e resolveram arrancá-la para fazer uma fogueira. Quando suas chamas já crepitavam, sentaram-se para se aquecer em torno das labaredas. Estavam abraçados quando uma voz horripilante soou na mata: devolvam minha cruz... quero minha cruz...ela é minha! Assustados correram a esmo até o amanhecer. O sol já ia alto quando conseguiram retornar à sua moradia. À noite muito fatigados, profundo sono se abateu sobre eles. Quando soou meia noite novamente acordaram com os gritos: minha cruz... devolvam minha cruz! Desesperados, procuraram o pároco da cidade que benzeu o local e incitou-os a orar. De nada adiantou, toda noite a mesma voz chorosa e alarmante.

A história de Nanu

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Com o tempo o casal começou a se debilitar. Já não saía para passear, as portas e janelas permaneciam sempre fechadas. Certo dia, estranhando o silêncio, os vizinhos resolveram arrombar a porta. Acharam o casal abraçado sobre a cama, morto. O sepultamento foi realizado no cemitério local. Os amigos colocaram uma grande cruz sobre o túmulo. O incrível é que todas desapareciam misteriosamente, dia após dia, noite após noite, sem que ninguém notasse. Assombrados, os moradores da cidade resolveram colocar um grande cruzeiro sobre um dos morros e missas foram celebradas em intenção ao dono da cruz por meses a fio. Só assim conseguiram encontrar a paz.

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Reflexos da sabinada em Goiรกs



Nanu contou também que em 1837 estava na capital da Província da Bahia, quando ocorreu um movimento revolucionário, mais tarde denominado Sabinada, que culminou com violentos combates no dia 15 de março do ano subsequente. Ela falou que foram tantos os feridos que em apenas um hospital ficaram mais de 500 pessoas internadas, obrigando todos os médicos dos navios de guerra ancorados em Salvador a descer para auxiliar os da província. Os mortos ultrapassavam os 2000. Na época era Presidente da Província Innocêncio da Rocha Galvão, que estava fora do Brasil. Quem respondia interinamente pelo governo era o vice João Carneiro da Silva Rego. A alma do movimento era o patrão de Nanu, o Secretário do Governo, Dr. Francisco Sabino Alves da Rocha Vieira, que deu nome à insurgência, por ter ordenado ao chefe da polícia Mattos, no dia 13 de março daquele ano, a 135


atear fogo na cidade baixa, na Rua da Preguiça, incendiando 27 casas. Terminado o movimento, o herói da Sabinada foi julgado e em cumprimento à sentença imposta pelo júri veio parar em Goiás. Eis a íntegra da sentença: “À vista da decisão do Jury, condemno o réu Francisco Alves da Rocha Vieira, às penas seguintes pelo crime do art. 201, um anno de prisão e multa correspondente à metade do tempo; pelo crime do art. 202, em sete annos de prisão e multa correspondente à metade do tempo; pelo crime do art. 203, em sete annos de prisão e multa correspondente à metade do tempo; pelo crime do art, 204, em três annos e meio e multa correspondente à metade do tempo; pelo crime do art. 205, em nove annos e multa correspondente à metade do tempo; pelo crime do art. 89, em vinte e três annos e quatro meses de prisão; pelos crimes dos artigos 133 e 162, condemno o réu à morte. Guarde-se na imposição destas penas o disposto no art. 61 do Código Penal e condemno também por todos estes crimes de indemnisação que se liquidará em juízo competente. O escrivão faça as intimações da lei, pagas as custas pelos bens do réu. Bahia, 2 de junho de 1883– Victor de Oliveira.” 136

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Inexplicavelmente, diz Nanu, os cabeças da revolução foram anistiados em Salvador-Ba, na repartição de polícia, no dia 20 de novembro de 1840, comutando a pena para degredo. Eis o que diz a cópia do documento que Nanu me mostrou, na parte correspondente ao Dr. Sabino: ...“Determino que Francisco Sabino Alves da Rocha Vieira vá residir temporariamente, e enquanto durar seu degredo, na Província de Goyas”... Já em Goiás, o Dr. Sabino, que tinha temperamento forte e era dotado de grandes qualidades, exerceu a profissão de médico com humildade e caridade. Casou-se em grande festa, em Goiás, com a filha de um rico fazendeiro português de nome Francisco Manuel Vieira. A mulher do Dr. Sabino chamava-se Anna e não tiveram filhos, mas Nanu sempre esteve ao lado do casal, ajudando-os. Após algum tempo, Dr. Sabino não conseguiu conter seu espírito inquieto e fundou em Goiás um periódico manuscrito, denominado “Zumbi”, contendo sarcasmos contra o Governo Imperial, seus delegados e autoridades constituídas.

A história de Nanu

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Por esta razão, mais uma vez, foi deportado e escoltado para Mato Grosso de onde seguiria para o Forte Príncipe da Beira. Depois de 48 dias, algemado e sob forte escolta, chegou a Cuiabá, bastante enfraquecido. Nanu o acompanhou e tentou ajudá-lo, alimentando–o com frutos silvestres e cuidando para que não lhe faltasse água. À noite curava seus vários ferimentos, o que o manteve vivo. Ao tomar conhecimento da transferência, Sua Majestade se indignou e em contra-ordem mandou que Dr. Sabino permanecesse em Goiás. Na Vila de Poconé, Dr. Sabino, sem saber dos novos fatos, evadiu-se com ajuda de Nanu. Nunca mais foi visto, tendo ficado pelos lados do Engenho da Jacobina. No dia 1 de maio de 1847, Joaquim Ignácio Ramalho, Presidente de Goiás, comunicava ao Ministro da Justiça o falecimento do anistiado, Francisco Sabino Alves de Rocha Vieira, em 25 de dezembro de 1846, na Fazenda Jacobina. Nanu não conseguiu a cura para seus vários ferimentos infeccionados.

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O dia em que a cidade chorou



É estranho ver a revolta de Nanu quando recorda este inacreditável caso retido no cofre de sua memória. Mais estranho ainda são as lágrimas que rolam pelo seu rosto quando tristemente conta: A hipocrisia é o pior dos defeitos e Alberto era um hipócrita travestido de santo. Tinha ideias criminosas pré-concebidas e planos assassinos povoavam seus sonhos. Vanda sua esposa, morena, olhos verdes, corpo escultural e sorriso enigmático, era admirada pelos homens da cidade, maravilhados com seu andar cadenciado num requebro encantador. Como animal acuado Alberto escondia seu ciúme, pronto para a luta, sem notar que Vanda nutria profundo amor por ele. 141


Uma tarde, carinhosamente, convidou-a para um passeio. Ia levá-la para conhecer recantos paradisíacos onde poderiam ficar à sombra das árvores, nas margens do rio de areias brancas como cal e águas borbulhantes. Feliz, Vanda arrumou a cesta para o piquenique farto e de mãos dadas partiram. No lugar planejado, Alberto abraçou a esposa e se deitaram sobre a relva macia. Fazendo juras de amor, Vanda beijava-o sofregamente, quando notou os olhos embaçados do marido, anuviados mesmo, apertando-a num abraço traiçoeiro. Dois tiros soaram na mata e Vanda possuída de amor ouviu as últimas palavras do marido cruel: Você morre para não me trair, adeus! Foi encontrada ainda com um sorriso nos lábios. Ao tombar deixou gravada a marca de seu sangue até hoje vista com o seguinte epitáfio:” Aqui foi morta uma santa mulher covardemente assassinada por um monstro. Descanse em paz.” Nanu me falou da carga de sujeição que pesa sobre nós e que não somos livres uns dos outros. O que devemos fazer é ajudar as pessoas a suportar mais facilmente o inevitável jugo que a vida colocou sobre cada uma delas e sobre nós mesmos.


A ĂŠpoca da conquista do ouro



Documentos importantes foram a mim exibidos por Nanu quando contou que nosso estado sofreu forte exploração na época da conquista do ouro. Tudo foi abandonado: lavoura, pecuária e pequenas indústrias. Ai, que rios caudalosos e que montanhas tão altas! Ai, que perdizes nos campos e que rubras madrugadas! Ai, que rebanhos de negros e que formosas mulatas! Ai, que chicotes tão duros e que capelas douradas! Ai, que modos tão altivos e que decisões tão falsas... Ai, que sonhos tão felizes... que vidas tão desgraçadas! [Cecília Meireles]

Como era grande a falta de produtos alimentícios, a fome grassava assustadoramente.

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Somente a extração do ouro era praticada e milhares de escravos se dedicavam a esse ofício devido à ganância dos governadores, à cobiça dos funcionários do fisco e à ambição dos que queriam enriquecimento fácil. Nanu conta que foi um quadro terrível a civilização colonial de nossa terra. Dom João V, Rei de Portugal, enviou ao governador da capitania de São Paulo, capitão– general Rodrigo César Menezes, no dia 12 de maio de 1726, uma missiva perguntando por que razão as remessas de ouro da Fazenda Real não mencionavam o nome de nosso estado. O documento exibido por Nanu, é hoje encontrado nos arquivos do estado de São Paulo “Brochura de Documentos Interessantes”, volume XVIII, página 211. “... e que se não pode deixar de reparar o não falardes nos dos Goiazes, tendo representado que esperáveis ser ainda de maior rendimento que as de Cuiabá e que assim deveis dar a razão disso para se poder saber o motivo que houve para se desvanecer aquela esperança com que prometeis de serem mui avultados os seus rendimentos”... Este documento demonstra a sede de ouro do reino de Portugal, que procurou por todos os meios aumentar sua riqueza aurífera extraída do solo de nossa terra. 146

Zilah Mundim de Souza


Neste período todas as barbaridades eram cometidas sem nunca serem julgadas. As narradas a seguir foram presenciadas e contadas por Nanu como passo a transcrever: José Manuel era um português, natural de Coimbra – Portugal, que aqui se instalou no período áureo da mineração e ocupava o cargo de Capitão. Homem cruel, sagaz, maltratava horrivelmente seus subalternos usando métodos sádicos. Casou-se em Goiás com Amélia Queiroz, mulher de grande beleza, também de origem portuguesa. Entre os numerosos escravos a serviço da família, existia uma negrinha raquítica, feia e doente que ajudava nos serviços domésticos, levava recados e servia ao casal. Certo dia, Amélia notou que a escrava engordava e apresentava a barriga inchada e endurecida. Ao inquiri-la não obteve mais do que um silêncio amedrontado. Desconfiada, Amélia usou métodos pouco recomendados a fim de descobrir o acontecido, sem obter resultado. Como o dinheiro compra todos os segredos, Amélia prometeu alforriar o escravo que lhe desvendasse o acontecido. Não tardou a descobrir que o responsável era seu próprio marido, José Manuel, que a engravidara. Sem dizer uma palavra, esperou calmamente que a escrava desse à luz.

A história de Nanu

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Organizou então um grande banquete com todos os habitantes da Vila e enquanto ouviam música e risos, mandou que se servisse o lauto jantar. A primeira mesa a ser contemplada foi das autoridades onde se sentara o anfitrião. Uma grande bandeja foi depositada na frente dos presentes que pegaram facas para cortar tão cheirosa iguaria. Foi então, com horror, que viram se tratar de uma criança assada como uma leitoa, com enfeites de limão e cebola no corpo e boca. Com incrível asco os presentes se retiraram aos gritos, enquanto Amélia dava terríveis gargalhadas comemorando sua vingança. A partir desta hora José Manuel nunca mais foi visto na província. Presume-se que retornou à sua pátria. Amélia permaneceu na Vila, como detentora de grande fortuna, sem nunca ser castigada. A negrinha, coitada, depois de espancada e amarrada ao tronco, não resistiu e até hoje seu espírito vaga por estas paragens. Nanu me explicou que quem tem compaixão não faz julgamento, portanto, antes de nos escandalizarmos com o caso a seguir, devemos analisá-lo com frieza. 148

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Disse também que a prosperidade e a riqueza não devem ser usadas como armas contra os mais fracos. Com a descoberta das minas, afluiu gente de toda parte para o sertão goiano. Aventureiros de índole perigosa aqui enriqueceram e se apossaram de vastas terras. Os conflitos e desordens eram graves e sangrentos. Não existia punição. Porfírio, homem simples, residia com mulher e filhos numa pequena gleba de terra. Cultivava diversas variedades de hortaliças para o sustento da família e venda nos domicílios do povoado. Trabalhava em regime familiar e tanto ele como seus filhos labutavam de sol a sol. Confrontando com sua propriedade vivia um rico fazendeiro, dono de vasta extensão de terras, que agia como se todas as coisas fossem feitas para seu uso e gozo. Entre outras atividades esse fazendeiro criava porcos em grande quantidade. Acontece que esses animais fugiam todas as noites e invadiam as plantações de Porfírio destruindo tudo e o coitado amargava sozinho o prejuízo. Humildemente, todos os dias, Porfírio se dirigia à casa do fazendeiro implorando para que ele reconstruísse a cerca para que os animais não fugissem. Era sempre recebido com a “cara amarrada” e entre resmungos o dono dos porcos virava-lhe as costas sem nenhuma resposta. A história de Nanu

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Certo dia Porfírio arquitetou um grande plano. Matou a única égua que possuía e entre queixas dos filhos jogou-a numa grande grota existente entre as propriedades. À noite pegou sua velha cartucheira e dizendo que ia à caça, partiu vagarosamente. Na primeira encruzilhada escondeu-se atrás de um robusto tronco e aguardou. Já era madrugada quando escutou o trote de um cavalo conduzindo o fazendeiro depois de animada noitada. Bastou um tiro certeiro para que ele caísse ao chão sem vida. Porfírio então arrastou o corpo até a grota onde jazia a égua já sem a barrigada, colocou lá dentro o corpo despido do fazendeiro e costurou caprichosamente com couro semelhante à cor do equino, fechando a barriga do animal. Dois dias depois viajantes notaram urubus sobrevoando a área e mandaram um menino verificar do que se tratava. O jovem retornou apavorado gritando “corram que a égua está parindo um homem”. Realmente da vagina do animal saía a cabeça do fazendeiro, estrategicamente colocada por Porfírio. Esse fato inusitado caiu na boca do povo do lugarejo que por muitos anos acreditou que a égua realmente tinha parido um ser humano. Moral da história: Há limite para a paciência. Quando esgotada ela deixa de ser uma virtude. Nanu me disse que quando se é jovem todos nossos pensamentos são para o amor. Não conseguimos ter mode150

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ração porque sentimos a alegria de viver e a impetuosidade tolhe nossa capacidade de obediência. Das Dores e Santana, já na época da mineração, tinham no sangue a rebeldia e a ousadia dos jovens. Apesar de monitoradas pelos pais, incrivelmente velhos, fanáticos, com crenças religiosas arraigadas, sempre conseguiam enganá-los e o tentador fruto proibido levava-as a grandes imprudências. Em suas saídas noturnas, às escondidas, vagavam por lugares ermos em companhia de seus enamorados a quem amavam com loucura e se entregavam com embriagante paixão. Ingenuamente acreditavam que jamais seriam descobertas e que a situação favorável perduraria para sempre. Certo dia, o inevitável: o pai foi informado das aventuras das filhas. Irado, o perverso pai, em estado de confusão, jogou-as ao chão e, com um chicote com ponteiras de aço, açoitou-as. Em seguida, tirânico, disse que queria as filhas mortas por não aceitá-las desonradas. Sua visão estreita o obrigou a tramar um plano perverso. Mandou construir um corredor bem apertado, com largas paredes, bem sólidas e prendeu vivas as filhas consideradas infames. Contra o poder paterno esmagador nada foi feito na terra sem leis. O demônio sobrepujou o amor paterno.

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Nanu e os quilombos



Foi o rei Tauny que ajudou Nanu a salvar muitos brancos. Ele era o chefe supremo das tribos e considerado o papa de todos os quilombos. Quilombos eram acampamentos fortificados dos escravos fugitivos. Seus habitantes eram na maioria negros chamados de “canhamboras”, termo que em tupi significa “aquele que costuma fugir”. Mais tarde esse termo foi modificado para “quilombada”. O rei Tauny tinha especial predileção por Nanu, que o visitava continuamente nos recônditos do sertão, presenteando-o com gêneros alimentícios, remédios e cuidando dos que haviam sido contaminados pela sífilis e tuberculose, para que não agissem como vetor, como ocorreu com a varíola em 1791. Hordas de negros fugitivos se refugiavam em locais de difícil acesso, ladeados de matas e impediam de manei155


ra brutal o tráfego pelos caminhos de Goiás. Eles roubavam as armas dos viajantes e todos seus pertences, provocando mortandades. Quando escravos, os negros eram submetidos a um regime de trabalho cruel, mal alimentados, trabalhando sob sol ardente, chicoteados pelo feitor e morriam às centenas à beira dos rios, vítimas da malária. Mesmo condenados a uma luta árdua e feroz, bestializados pelo trabalho, as manifestações de rebeldia em Goiás não foram tão intensas. Nanu se recorda do pedido feito a D. João V para que autorizasse medidas de repressão. Um “Código Negro“ foi proposto contendo penas cruéis aos escravos fugitivos. Uma delas era a amputação da perna direita dos escravos, colocando em seu lugar uma perna de pau, para que não ocorressem fugas e o senhor não os perdesse de vista. Em 1757, Bartolomeu Bueno do Prado destruiu os grupamentos de negros nos sertões de Goiás e como prova entregou para o capitão-general um rosário de três mil e novecentos pares de orelhas. Nanu nunca conseguiu esquecer o forte e terrível odor que exalavam. Ela debalde os avisou, não a ouviram e ela se entristeceu. Quando da 156

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morte de seu querido amigo, o rei Tauny, viu a crueldade estampada no rosto do assassino, num terrível esgar. Pela sua narrativa tomei conhecimento de que nove anos antes da abolição da escravatura, por iniciativa do presidente da província Aristides de Sousa Spínola, com admirável coragem cívica, foi fundada a “Sociedade Emancipadora Goiana”, que tinha a finalidade de ajudar aos cativos e promover a educação dos filhos de mulheres escravas. Os sócios dessa Sociedade eram ilimitados, admitidos através do pagamento de uma joia no valor de 5$OOO e mensalidade de 1$OOO. Esta Sociedade tinha em seu estatuto o prazo de duração de 10 anos e até hoje essa iniciativa é reconhecida como um gesto de muita grandeza. Nanu conta que no início da colonização do Brasil, no século XIV, não havia mão de obra para fazer trabalhos manuais. Os portugueses colonizadores tentaram usar os nativos, entretanto os religiosos católicos se posicionaram contra a exploração dos índios e estes acostumados a uma vida livre, não se submetiam às ordens emanadas dos senhores. A história de Nanu

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Por razões óbvias mandaram buscar negros na África para submetê-los a trabalho escravo. De lá vinham nos porões das embarcações, conhecidas como “navio negreiro”, em situações degradantes e eram vendidos aos fazendeiros e senhores de engenho que os tratavam com incrível crueldade. Na segunda metade do século XIX surgiu o primeiro movimento abolicionista. Joaquim Nabuco foi um dos principais abolicionistas daquele período. Em 1850 foi extinto o tráfico de escravos no Brasil. Vinte e um anos mais tarde, em 28 de setembro de 1871, foi promulgada a Lei do Ventre Livre, que obrigava os senhores a criarem os filhos das escravas e tratá-los até a idade de oito anos completos. A partir daí, os senhores teriam opção ou de receber do estado uma indenização de 600$000 ou de utilizar dos serviços dos mesmos até a idade de 21 anos completos. Em 1885 foi publicada oficialmente a Lei Saraiva-Cotegipe, conhecida como Lei dos Sexagenários que beneficiava os negros escravos com mais de sessenta e cinco anos. Foi no dia 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea, que a liberdade total e definitiva foi alcançada pelos negros brasileiros. Esta Lei foi promulgada pela Princesa Izabel, filha de Dom Pedro II e abolia definitivamente a escravidão em nosso país. 158

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Etapas importantes do Estado


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Para Nanu foram três as etapas importantes do nosso Estado: a descoberta das minas; a navegação dos grandes rios e a mudança da capital. Os três responsáveis por esses importantes acontecimentos foram: Bartolomeu Bueno da Silva, Couto de Magalhães e Pedro Ludovico Teixeira. A descoberta das minas goianas deu inicio à criação de nossa cidade. A navegação dos rios sertanejos foi programada com coragem e audácia por José Vieira do Couto Magalhães, que assumiu a direção da Província de Goiás no dia 8 de janeiro de 1863. Nanu vibrou de alegria quando Couto Magalhães mandou buscar em Mato Grosso um vapor e esboçou um plano para a navegação fluvial. Previa a comunicação com os estados do Pará, via rio Araguaia; com São Paulo, via rio dos Bois e com Cuiabá pelo rio Taquari. 161


Chegou a obter ajuda do Governo Imperial para a navegação fluvial. O primeiro vapor constante da flotilha, que chegou de carro de bois proveniente do estado do Mato Grosso, largou ferros de Leopoldina (Aruanã) no dia 29 de junho de 1868 e chegou ao presídio de Santa Maria a 12 de julho, com grande festa. Entretanto esse projeto não foi avante. Em seu relatório, Couto Magalhães, ao passar a presidência da província para o vice-presidente João Bonifácio Gomes de Siqueira, disse: ...“Um ano não é suficiente para que um administrador leve a cabo os melhoramentos que empreende; apenas chega a tomar pé nas questões e quando as vai conhecendo, as exigências de nossa ordem atual de política requerem a sua transferência e aí fica em princípio o que empreendeu.”

Rio Araguaia. Foto: Alencastro Veiga

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A mudanรงa da capital


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Nanu me disse que a gente só se lembra das coisas que nos interessam e das que nunca aconteceram. Por essa razão ficou vários dias narrando com detalhes os reais acontecimentos que antecederam a mudança da capital até sua concretização, a fim de que eu nunca pudesse alegar ignorância. Sentamos num banco improvisado, à beira de um lago, ouvindo o trinar de pássaros, sob um céu azul com nuvens de algodão, quando calmamente ela iniciou seu relato. Em 1830, o marechal de campo Miguel Lino de Morais enumerou os principais problemas da província de Goiás, concluindo que era necessária a transferência para outro local que tivesse mais condições vitais para a população e foi veementemente rechaçado. O assunto voltou a ser ventilado em 1863, pelo 16º Governador do Império em Goiás, José Vieira Couto de Magalhães, que foi considerado insano pela população local. 165


Novamente em 1891, Rodolfo Gustavo da Paixão encaminhou o ofício nº 29 de 14 de agosto de 1890, dirigido ao então Ministro da Justiça da República, Cesário Alvim em que dizia: “A capital de Goiás é, sem dúvida, uma daquelas cidades cujo estado sanitário, dia a dia é pior e reclama as mais prontas e enérgicas providências.” Mais uma vez teve seu pedido ignorado e foi criticado duramente pela população da cidade. Em 1930, Carlos Pinheiro Chagas, após a vitória da revolução, aventou a ideia da mudança, dizendo que a capital era colocada entre serras e existia no subsolo um vasto tampão de granito. Faltavam ventilação e refrigério e as camadas frescas dos ventos gerais passavam à grande altura. Era também a única cidade brasileira que só tinha uma estrada e que em duzentos anos não aumentara o número de casas nem a sua população. Quando algum membro do clero ou funcionário era transferido para a localidade, ou pediam afastamento ou adiavam indefinidamente a chegada, até que conseguissem obter colocação em outro lugar. Nanu me explicou que as cidades devem se expandir para todas as direções e Goiás é impedida pelos altos morros que a circundam. 166

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Naquela época, sem abastecimento de água e esgoto e com um clima quente e úmido, começaram a aparecer doenças como: tuberculose (doença bacteriana produzida pela Microbacterium Tuberculosis ou bacilo de Koch, chamada antigamente de “peste cinzenta”, era conhecida também como “doença do peito”); tifo (doença causada pela R. Prowasek); a febre tifóide (causada pelas salmonellas e que não é relacionada ao tifo); paratifo (doença infecciosa semelhante à febre tifóide, produzida por bacilos paratíficos, bactérias do gênero salmonella); meningite (inflamação das membranas que revestem o encéfalo e a medula espinhal) e muitas outras, que aumentavam a desdita da população. Um dos responsáveis pelo contágio era o despejo de detritos no rio Vermelho, acima do local onde as lavadeiras tinham seus batedouros (lugar onde batiam as roupas para tirar a sujeira, geralmente uma pedra), provocando endemias. Nanu lamenta até hoje o grande número de amigos falecidos por descuido das autoridades locais da época. A perda de vidas crescia a cada dia e também a de cérebros, por causa da imigração para cidades que tivessem melhores possibilidades econômicas e financeiras. Em 1930 a situação de Goiás não era das melhores. Sua economia baseava-se praticamente em atividades agro-pastoris. Era uma cidade abandonada, vivendo na estagnação total.

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Pra莽a da Matriz, 1908. Foto: Alencastro Veiga

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Os grupos políticos, formados por apenas dois partidos, viviam em tremenda contenda: o Partido Democrata, situacionista, dirigido pelo detentor do poder, senador Antônio Ramos Caiado, conhecido como “Totó Caiado” e o Partido Liberal que abrigava os elementos da oposição e era integrado pelos adeptos da Aliança Liberal. Esse partido vivia em pregação revolucionária. Nanu disse que me esclareceria sobre a Revolução de 1930, para que eu tivesse uma compreensão global da crise no Brasil, que deu origem à contenda: no fim da década de 1920, os setores que contestavam as instituições da “Velha República” não tinham possibilidades de êxito. Todavia, uma divergência entre as oligarquias regionais e o golpe sofrido pelo setor cafeeiro por causa da crise mundial de 1929, abriu novas oportunidades. A indicação feita pelo Presidente Washington Luís, para que Júlio Prestes fosse candidato à presidência, não foi aceita por Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, presidente do estado de Minas Gerais. Em razão desse fato foi feita uma aliança com o Rio Grande do Sul, Paraíba, o Partido Democrático de São Paulo e outras oposições dos estados, dando origem à coligação democrática denominada “Aliança Liberal”, que lançou Getúlio Vargas para presidente e João Pessoa para vice. O programa da “Aliança Liberal” satisfazia os setores opostos ao cafeeiro e combatia a “Política Café com Leite”,

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não aceitando que latifundiários mineiros e paulistas se alternassem no mandato de presidente. Defendia, ainda, as liberdades individuais, o voto secreto, a participação do Poder Judiciário no processo eleitoral, leis trabalhistas e anistia política. Mesmo assim a “Aliança Liberal” foi derrotada. Com o assassinato de João Pessoa, (João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, nascido na cidade de Umbuzeira, na Paraíba, em 29 de janeiro de 1878; era sobrinho do ex-presidente Epitácio Pessoa; foi presidente do Partido Republicano da Paraíba; negou-se a apoiar o candidato situacionista de Júlio Prestes em 1929; foi indicado à vice-presidência pelo Partido Liberal, na chapa encabeçada por Getúlio Vargas; foi morto no dia 26 de julho de 1930, em Recife, por seu desafeto João Dantas, com dois tiros à queima roupa, como vingança por haver ordenado a invasão de sua residência e roubado, entre outras coisas, correspondências íntimas de sua amante e mandado divulgar, causando grande escândalo), o movimento oposicionista articulado pela ala jovem (Maurício Cardoso, Osvaldo Aranha, Lindolfo Collor, Flores da Cunha, Virgílio de Melo Franco e Francisco Campos) optou, então, por uma via armada e aproximou-se dos tenentes Juarez Távora e João Alberto. No dia 3 de outubro eclodiu a revolta no Rio Grande do Sul, dela participando tropas das milícias estaduais e forças arregimentadas pelos “coronéis”

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No dia 24 de outubro de 1930 o Presidente Washington Luís foi deposto por um grupo de altos oficiais das Forças Armadas. Foi em novembro, precisamente no dia 3, que a Junta passou o poder para Getúlio Vargas e iniciou-se a “Era Vargas” que ficou no poder de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Durante a revolta de 1930, Pedro Ludovico Teixeira, médico, natural da antiga capital, apelidado de Nhonho, filho de João Teixeira Álvares e Josefina Ludovico de Almeida, chefiou uma coluna que saiu de Uberlândia-MG, com cento e dez homens, tendo como destino Rio Verde. Nanu enfatizou que nessa época uma boataria sem precedentes tomou conta da capital. O governo situacionista então organizou um batalhão de voluntários chamados “Camisas Vermelhas,” que contava com número superior a trezentos homens, com objetivo de encaminhá-los para a cidade de Rio Verde e impedir a ação do batalhão inimigo chefiado pelo médico Pedro Ludovico Teixeira. Apesar do aparato, a maioria limitou-se a vigiar o “Palácio Conde dos Arcos” e alguns prédios públicos. Nas proximidades de Rio Verde foi travado forte combate e os homens de Pedro Ludovico Teixeira recuaram desordenadamente, o que acarretou sua prisão. Nanu conta que, em Goiás, o insucesso da operação foi recebido com comemorações do grupo governista, ocasião 172

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em que os oradores mais exaltados pediram o fuzilamento do prisioneiro. Não obstante os resultados negativos de Rio Verde, a vitória era apregoada pela coluna comandada por Quintino Vargas, que marchava para o oeste e já tinha ocupado as cidades de Formosa e Planaltina. No início de outubro, Nanu presenciou a coluna fortemente armada de fuzis, metralhadoras, automóveis e caminhões entrar pelo Sudeste e ocupar a cidade de Cristalina, fazendo inúmeros prisioneiros, causando um grande rebuliço e se fortalecendo. A atuação das forças revolucionárias mineiras repercutiu na capital de modo negativo, porque os goianos souberam que eles estavam invadindo cidades e povoados, o que deu início à desorientação dos Caiadistas que estava em seu apogeu. Nanu se diverte quando lembra que no período da revolução uma pessoa chegou à porta da Igreja do Rosário quando o templo estava lotado de fiéis em oração. Ao ver uma cobra na escadaria ela começou a gritar. Um dos presentes, pensando tratar-se de invasão dos componentes da coluna gritou: – Revoltosos!... revoltosos!... Imediatamente o povo saiu em desabalada corrida, derrubando tudo que existia pela frente, tentando retirar os obstáculos. Várias pessoas se feriram. Muito mais tarde o A história de Nanu

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sacristão foi encontrado escondido na torre do sino e o coroinha atrás de uma grande imagem, isso quando a paz já tinha voltado a reinar. Quanto à cobra, foi estraçalhada pelos pés desesperados dos fugitivos, não lhe sobrando tempo sequer para armar o bote. Enquanto viajava prisioneiro para a capital, sob forte escolta, Pedro Ludovico recebeu, a 30 quilômetros da cidade, a notícia da deposição do Presidente Washington Luiz e da vitória da Aliança Liberal. Passando de prisioneiro a comandante, entrou calmamente na cidade e se dirigiu à casa de sua genitora sem nenhum problema. Com a vitória da coluna, destacadas figuras do Movimento Liberal se dirigiram a Itaberaí a fim de apoiar a tropa. Dentre outras podemos citar: Mário Caiado, Pedro Ludovico Teixeira, Ignácio Bento de Loyola, Jarbas Caiado de Castro, Augusto Jugman, Emílio Póvoa, Antônio Perillo, José Honorato da Silva e Souza, Claro Godoy, Maria Henriqueta Peclat, João José Coutinho, Hermógenes Coelho, João Augusto Perillo, Henrique Vieira, Virgílio José de Barros, Heitor Fleury, Alceu Galvão de Velasco, Oliveira Godoy, Nereu da Silva, Rainero Queirós, Laureano Luiz Pereira, José Costa, Orestes Baiocchi, José Teodoro Peclát, Joaquim Athanásio Nascimento, Domingos Velasco, 174

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Sebastião Augusto, Eurico Perillo, Aristides Augusto e Onofre J. Pereira. Chegaram à capital no dia 27 de outubro de 1930. Na ocasião foi empossado na Interventoria Federal, Carlos Pinheiro Chagas. O chefe da coluna, após o ato, retornou a Minas Gerais tendo antes determinado que a direção do estado fosse entregue a um goiano, como reconhecimento pelos relevantes serviços prestados à causa libertadora do Brasil. Nanu se surpreendeu com o interesse covarde de muitos goianos que durante a revolução usaram a camisa vermelha do Partido Conservador. Num piscar de olhos aproveitaram o mesmo tecido vermelho para fazer um lenço e amarrar no pescoço (símbolo dos Libertadores) sugerindo um apoio aos liberais. Ela diz que é o mesmo interesse que move a sociedade atual para usufruir das benesses do governo. Foi criada uma Junta Governativa dois dias depois, integrada por Mário Caiado de Alencastro, Pedro Ludovico Teixeira e Emílio Francisco Póvoa. Nanu recorda quando Pedro Ludovico Teixeira estava preso em Rio Verde e foi ameaçado de fuzilamento durante quatorze dias, fato confirmado por Antônio Ramos Caiado que se postou energicamente a favor do prisioneiro.

A história de Nanu

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Quando Pedro Ludovico foi nomeado Interventor Federal, no dia 21 de novembro de 1930, comprometeu-se com a revolução a mudar a capital, atendendo não só ao seu idealismo como também ao pedido de todos os brasileiros feito através do discurso de Carlos Pinheiro Chagas. O medo se apossou dos vila-boenses que foram às igrejas fazer novenas e orações. Nanu lembra que eram tantas promessas e velas acesas que quase toda a cidade cheirava à cera derretida. A população da cidade desesperou-se e grande pânico tomou conta da velha capital. Acreditava que se fizessem manifestações contrárias à mudança a ideia seria esquecida ou adiada indefinidamente. Parte da população não aceitava perder a supremacia de sua amada cidade, sempre cantada pelos poetas em prosa e verso, romântica, com tradição de dois séculos de cultura

Assinatura do Decreto da mudança definitiva (1937)

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e sabedoria. Entretanto, Nanu me segredou que por trás de tudo isso estava o medo de perder o domínio sobre as cidades do interior e o monopólio das verbas e créditos. Era um verdadeiro feudalismo familiocrata. Ao contrário do imaginado, o Interventor, em histórico discurso, disse que mudaria a capital assim que pudesse, mesmo arriscando seu prestígio político e enfrentaria tudo com destemor porque essa era a grande aspiração de todos os patriotas. Conforme explicações de Nanu, que era favorável à mudança porque antevia um futuro promissor para nossa gente, o estado não poderia realizar financiamentos nem tinha renda-orçamentária para cobrir as despesas iniciais com operações de crédito. Na época, as rendas públicas não passavam de $5.000.000.000, incluindo depósitos de órfãos, fianças e cauções que eram consideradas renda e figuravam na receita prevista. Mesmo assim, no dia 20 de dezembro de 1932 foi assinado o Decreto nº 2737, nomeando uma comissão, para proceder aos estudos referentes à escolha do local da nova capital. Foi composta pelos seguintes membros: – Dom Manuel Gomes de Oliveira, bispo de Goiás – João Argenta, urbanista – Colemar Natal e Silva, advogado

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– Antônio Pirineus de Souza, coronel oficial superior do exército – Laudelino Gomes de Almeida, chefe do serviço sanitário do estado – Antônio Augusto de Santana, comerciante – Gumercino Alves Ferreira, comerciante – Jerônimo Augusto Curado Fleury, engenheiro do estado. Outra Comissão foi formada por engenheiros, chefiada por Armando de Godoy. De acordo com o relatório das Comissões, ficou decidido que a capital seria construída nos arredores de Campinas. Nanu lembra quando, em 1810, Joaquim Gomes da Silva Gerais, natural de Meia Ponte, hoje Pirenópolis, fundou o arraial de Campinas em município pertencente a Bonfim, hoje Silvânia. Ali fixou residência e formou uma fazenda nas ricas terras existentes na região, com clima ameno, fartura de água e grande fertilidade dos vales. O povoado cresceu, sendo habitado por 400 pessoas. Tinha apenas alguns casebres de adobe. O desenvolvimento do arraial a princípio, foi muito lento, porque para se dirigir à capital era necessário dar uma grande volta passando pelo arraial de Anicuns. 178

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O caminho mais curto que seria entre Campinas e Curralinho, hoje Itaberaí, era dificultado por uma grande mata. Com a construção da estrada nova em 1840, começou o crescimento do arraial. Em 1894 chegaram à localidade os padres redentoristas que deram grande impulso à região. Em 1907, mais precisamente no dia 15 de junho, Campinas ou “Campininha das Flores” foi elevada à condição de Vila por força da lei estadual nº 187. No dia 18 de julho de 1914 ganhou o “status” de cidade pela lei estadual nº 476. As irmãs franciscanas, provenientes da Alemanha, ali se instalaram em 1921. Esses foram alguns dos suportes que foram usados por ocasião da mudança da capital a partir 1933, razão pela qual foi batizada de “Cidade Mãe”. Tornou-se depois um bairro de Goiânia. O Decreto nº 3359 de 18 de maio de 1933 deu normas legais para delimitação das áreas urbanas e suburbanas da nova capital e abriu crédito para início das primeiras obras, orçadas em Cr$2.500.000,00, cuja cobertura deveria ser feita pelo orçamento e operações de crédito. Como o estado não tinha crédito no Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, foi usado como único recurso o proveniente da venda de lotes urbanos, desvalorizados. A história de Nanu

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A primeira missa foi celebrada pelo padre Conrado, redentorista de Campinas, no dia 27 de maio de 1933. Mais de seiscentos fiéis compareceram ao ato. Em seguida foi iniciada a limpeza dos terrenos que circundavam o local, prosseguindo até a Praça Cívica. O projeto original de Goiânia foi elaborado pelo urbanista Atílio Correa Lima. Nanu diz que ele se especializou em urbanismo na Universidade de Sorbonne, em Paris-França, e estagiou na Suíça. Ela me contou que se prestarmos atenção, veremos que Goiânia foi inspirada na capital francesa, pela elaboração do seu traçado original. Criou-se a “Praça Cívica” que corresponde a “Place de L’ Étoile”, para a qual convergem as três principais avenidas do projeto de Atílio Correa Lima. Atílio Corrêa Lima, urbanista, autor do projeto da cidade

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A avenida Goiás corresponde à “Avenue des Champs Elysées”; a avenida Tocantins é a “Avenue Friedland”; a avenida Araguaia, a “Avenue de La Grande Armée.


Primeira Missa

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O Decreto 3.547, de 6 de julho de 1933, determinou as normas para o plano diretor. Depois da rescisão do contrato inicial em 1935, esse projeto foi modificado pela Superintendência de Obras, com o apoio da firma Coimbra Bueno & Cia e consultoria do engenheiro urbano Armando Augusto de Godoy. Atílio definiu o espaço da Praça Cívica como elemento urbanístico central da cidade, no qual está localizada a estaca zero do município de Goiânia, marco referencial, a partir do qual foram projetados os cinco setores originais: Central, Norte, Sul, Leste e Oeste. Mais uma vez os antimudancistas denunciaram o interventor federal ao Presidente da República, por haver

O urbanista Atílio Corrêa Lima (no centro) determina o local onde deve ser colocada a pedra fundamental do Palácio do Governo

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realizado atos da transferência da capital sem que o estado tivesse condições financeiras para arcar com obra de tão grande porte. Alegaram também que os terrenos que compunham o município de Goiás ficariam desvalorizados, acarretando prejuízos para o estado. Os prédios públicos, de acordo com a denúncia, seriam abandonados e pediram a revogação das medidas com embargo de tudo que fosse relacionado à construção da nova cidade. O Presidente da República não tomou conhecimento do recurso e no dia 14 de julho de 1933, o Conselho Consultivo de Goiás, órgão criado pela revolução, deliberou que a então capital de Goiás não tinha condições para crescer. Nanu compareceu às festividades do lançamento da pedra fundamental de Goiânia, lançada no dia 24 de outubro de 1933, com missa celebrada na atual Praça do Bandeirante pelo Padre Foster, que foi acompanhada pelo coro das alunas do Colégio Santa Clara. Foguetes espocavam num barulho ensurdecedor. Foi uma festa popular onde todos se congraçavam. Pedro Ludovico Teixeira fez um discurso profético e foi considerado louco, paranóico, possuído mesmo: “Prevejo que dentro de cinco anos grande porção desta área destinada à futura cidade estará coberta de alegres A história de Nanu

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vivendas em que os preceitos de higiene se casarão com o conforto e a beleza da arquitetura. Nos seus jardins, ornados principalmente de flores goianas, de arbustos genuinamente nossos, os habitantes encontrarão um ambiente próprio para se espairecerem às tardes e as crianças, o lugar adequado para se distraírem. Prestando-se a topografia para campos de todos esportes, é natural que se fará cultivo de todos, mormente dos que se praticam entre nós.” À oportunidade foi lançado o marco da Avenida Tocantins e do Palácio das Esmeraldas. Começaram então as doações de terras para a construção da capital. Nanu me mostrou documentos que comprovam as doações iniciais:

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A primeira delas, demonstrando grande espírito de colaboração e patriotismo, partiu de Andrelino de Morais e constava de 50 alqueires de terras onde está situada a zona central da cidade. A partir daí foram doados outros terrenos pelos beneméritos de Goiás e do Brasil: 50 alqueires por Otávio Tavares de Morais e Maria Alves de Melo; 50 alqueires da fazenda “Crimeia” por Urias Alves de Magalhães; 2 alqueires da fazenda “Santo Antônio”, por Abílio de Melo e Cândida Borges; mais 52 alqueires da fazenda “Bota Fogo” por Andrelino de Morais; 50 alqueires da fazenda “Caveiras” por Licardino de Oliveira Ney; 20 alqueires da fazenda “Arranca Tôco” e 5 da fazenda “São Domingos” por José Rodrigues de Morais. João Rita Dias, Oscar Duarte, Teresa Batista Duarte, Bárbara Generosa Duarte, Georgêta Ricardina Duarte, Hermelino Rodrigues de Siqueira e Maria Joana de Jesus, doaram várias partes da fazenda “Arranca Tôco”. A prefeitura cedeu 251 hectares das fazendas “Bota Fogo” e “Crimeia”. A seguir o interventor contratou firmas particulares a fim de que prédios públicos fossem construídos. Nanu disse que ainda não havia equipes de operários especializados em construções no nosso estado. Os da velha capital só entendiam de construções da era seiscentista.

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Foi dado início aos trabalhos na nova Capital com localização na Região Centro Oeste do Brasil, entre as coordenadas 16°27’ e 16°50”de latitude sul e 49°27 de latitude oeste, 701,680 metros acima do nível do mar. Os primeiros a serem iniciados foram os prédios públicos, o Grande Hotel, os arruamentos, as primeiras casas de madeira para receber o governo e repartições públicas e um grande alojamento em Campinas para abrigar funcionários, técnicos e operários. Fica aqui registrado, conforme disse Nanu, o fato de que ao terminar a construção da nova capital não havia dívida externa ou interna e a obra ficou pela terça parte do valor orçado aos cofres públicos. Nanu esclareceu que Pedro Ludovico Teixeira jamais ficou no meio do caminho e levou a cabo com galhardia e grande ousadia seu projeto, engrandecendo nosso estado. Por trás de uma montanha de dificuldades surgiu Goiânia, cheia de oportunidades e hoje é um exemplo que dignifica o povo goiano. O nome da capital vinha sendo debatido e as seguintes sugestões foras apresentadas: Petrônia, sugerido por Leo Lynce, pseudônimo do Juiz de Direito de Pires do Rio, Cilineu de Araújo; Goiânia sugestão de Alfredo de Castro que usava o pseudônimo de Caramuru da Silva Brasil e da professora Zanira Campos Rios; Americana apresentado por Marigrace, 188

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pseudônimo de Maria das Graças-Cidade de Goiás; Guaracima, Eleutério Gusmão-Morrinhos: Campanha, José de Moura-Morrinhos; Perutaba, Antônio Izaias de Souza-Morrinhos; Paranaguaia, Moisés Pio Franco-Palmeiras; Goianésia, Nero Campos-Morrinhos; Aspirópolis, Franquelino Santa Cruz Brasil-Formosa; Maraúba, autor desconhecido; Patrianova– Benjamim Constant. Goiânia era o nome dado à famosa pedra situada no alto da Serra Dourada, erroneamente nominada de Pedra Goiana. Foi também anteriormente citado em poema de Hugo de Carvalho Ramos. Pelo Decreto nº 327, de 2 de agosto de 1935, foi definitivamente escolhido o nome da nova capital. Nanu conta que a campanha armada pelos anti mudancistas não deu resultado porque no dia 12 de outubro de 1935, por unanimidade, o Senado Federal aprovou o projeto de autoria de Nero Macedo, concedendo auxílio de 5.663 apólices , de mil cruzeiros cada uma, para serem aplicadas na construção de quatro prédios na Praça Cívica. Cumpre lembrar que essas apólices levadas à Bolsa de Valores alcançaram apenas cinco mil cruzeiros líquidos e Nanu me disse que a quantia tinha um valor muito inferior ao das obras pleiteadas, o que representou um presente ao governo federal feito pelo nosso estado.

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Entretanto, isso não deixou de ser uma grande contribuição para a mudança da capital. No carnaval de 1936 foi feita uma sátira sobre o assunto pelos foliões que cantavam usando a música do Pierrot Apaixonado com a seguinte letra: “Com muito jeito “Seu Gegê” cantou e o bibelô dos cinco mil entrou. E agora vai soltar foguete. Numa grande farra de tomar sorvete.” No dia 4 de dezembro de 1935, consagrado à Santa Bárbara, a Cidade de Goiás sofreu o maior baque da era mudancista. Nanu contou que os oposicionistas ainda estavam esperançosos de que a mudança da nova capital não fosse concretizada, quando souberam da notícia de que pela madrugada três automóveis saíram pela lateral do Palácio do Governo e tomaram a direção da Serra Dourada. Dois carros levavam o governador Pedro Ludovico Teixeira e sua família, o terceiro conduzia João Monteiro e senhora, Dr. Celso Hermínio e o Deputado Moisés da Costa Gomes até o povoado de Areias para se despedirem do chefe do executivo e família. Nanu recorda que esse dia foi muito chuvoso, fato que aumentou mais ainda a tristeza dos habitantes da cidade que 190

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se aglomeraram no Mercado Municipal para comentar sobre o acontecimento. Ao chegar a Goiânia, o governador e família se hospedaram em um prédio situado na rua 20, que foi temporariamente chamado de “Palácio da rua 20”. Outra grande tristeza para a população da antiga capital, contada por Nanu, foi quando às cinco horas de manhã do dia 28 de janeiro de 1936, foi despertada pelo toque da alvorada da Banda de Música e ao som de dobrados, os integrantes da valorosa unidade desfilaram pelas ruas da cidade rumo ao Areião, despedindo-se. Essa banda tinha participação ativa na comunidade, entoando hinos patrióticos em festas cívicas e executando músicas sacras nas procissões. Acompanhavam também os enterros tocando composições fúnebres. Nem todos eram antimudancistas, o que veio criar sérios atritos entre os favoráveis e os contrários à mudança. Havia um habitante completamente intransigente quando o assunto era mudança da capital. Para seu desespero, por brincadeira, todos os dias colocavam na porta de seu armazém uma foto do Dr. Pedro com os seguintes dizeres: “Mudou-se para Goiânia”. Isso o deixava completamente exasperado e por exigência sua o estabelecimento só poderia ser reaberto quando a foto fosse retirada e as paredes lavadas.

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Certo dia, diz Nanu, ao chegar a seu estabelecimento comercial viu fixado na porta o seguinte recado: AVISO E SAUDOSO ADEUS AOS BONS AMIGOS MEUS: Só quem padece de insânia Ficará nesta tapera, Por isto fui pra Goiânia Onde estou a sua espera. [A.B.]

Completamente humilhado, passava os dias sentado sobre caixotes, cabisbaixo, remoendo a amargura de ver sua querida cidade ser destituída do título de capital e dos benefícios necessários, transferidos para implantação da nova cidade. Durante anos acreditou que a capital retornaria para a Cidade de Goiás. Depois de muito tempo, quando o Governador Mauro Borges, no dia 26 de julho de 1961, transferiu a capital provisoriamente para Goiás ele falou: – Eu não disse que a capital voltaria? Voltou ou não voltou? Tomou Nonô? (Nonô era o apelido de Pedro Ludovico). Nanu fica transtornada quando relembra com horror que quase aconteceu uma grande tragédia durante a mudança. 192

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Por irresponsabilidade, boateiros espalharam pela cidade a notícia de que dentro de uma semana a Irmandade do Bom Jesus dos Passos seria transferida para Goiânia. A imagem, venerada pelos habitantes da cidade, seria a primeira a ser trasladada. O maldoso boato mencionava a placa de um caminhão que na madrugada viria sigilosamente buscá-la, acompanhado de força policial de aproximadamente vinte soldados, incumbidos de fazer o transporte e a segurança. Desesperados com a notícia, mais de cinquenta homens pernoitaram na sacristia da Igreja de São Francisco, “armados até os dentes”, esperando o batalhão. Caso não conseguissem proteger a imagem colocariam fogo na igreja e todos dariam suas vidas em sacrifício. As esposas chorosas se lamentavam em altos brados na rua ao lado da igreja e uma multidão de curiosos postou-se ao lado delas. Foi uma noite de grande caos para os habitantes da cidade. Felizmente era apenas mais uma gravíssima onda de boatos que aos poucos foi serenando. Na verdade, Nanu diz que a cidade despovoou-se. Na parte central, onde residiam as famílias mais importantes, os prédios vazios começaram a se deteriorar. Muitos foram ocupados por casa de jogos, bares e casas de encontro que eram frequentadas por filhos da cidade transferidos para Goiânia, quando retornavam para visitar parentes. A história de Nanu

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Para tristeza dos antimudancistas, as pessoas que tinham vindo para Goiânia retornavam completamente mudadas: vestiam roupas da moda, exibiam anéis e relógios de ouro, seus automóveis e eram desembaraçadas e loquazes. Diziam que a nova cidade era rica em palácios, todas as casas eram servidas de água e esgoto, as instalações sanitárias eram dentro das moradias e construídas de acordo com as últimas tendências da arquitetura moderna. Tinham também luz elétrica, telhas francesas, assoalhos encerados. Pelas avenidas, jardineiras (ônibus) trafegavam levando os habitantes aos lugares escolhidos, a preços módicos A Cidade de Goiás, nessa época, amargava grande sentimento de abandono; o Palácio Conde dos Arcos, que permanecia vazio, se transformou em república para estudantes que tudo destruíam com grande vandalismo. Em 1942, finalmente, foi procedido o batismo cultural de Goiânia, com grande pompa. Todos os jornais do mundo destacaram a obra, de enorme significado para o Brasil e encarada como grande expressão do programa político de Getúlio Vargas, que visava à Marcha para o Oeste. Autoridades de todos os estados brasileiros se fizeram presentes, bem como delegações dos Ministérios e várias Instituições. O representante do estado do Piauí viajou quarenta e cinco dias para assistir à cerimônia. 194

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Seiscentos viajantes estrangeiros participaram das comemorações iniciadas com alvorada e fogos de artifício. No instante em que se encontrava a Sessão solene de inauguração oficial de Goiânia, Pedro Ludovico recebeu do presidente Getúlio Vargas o seguinte telegrama que lido no momento recebeu calorosos aplausos: “No dia da inauguração oficial da nova capital de Goiás é me grato enviar-lhe cumprimentos e saudar por seu intermédio o nobre povo goiano, que recebe hoje mais um assinalado serviço de sua administração honesta e fecunda.” Nanu lembra que o dia 5 de julho de 1942 foi o da apresentação da nova capital goiana ao Brasil, com comemorações feitas de 1º a 11 de julho de 1942. Ela conta que foi um dos dias mais frios vividos pelo nosso estado. O vento gelado balançava as estruturas armadas para os festejos e levantava as saias das mulheres, para deleite dos rapazes que assistiam a tudo escondidos atrás de velhos caminhões. Durante o período da inauguração ocorreu na nova cidade o Congresso de Geografia e Estatística e grande parte dos eventos foram realizados na Escola Técnica Federal. Nanu me explicou porque os festejos foram vistos com cautela: como o Brasil estava dando apoio logístico aos aliados da Segunda Guerra Mundial iniciada em 1939, com A história de Nanu

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grande envolvimento, as comemorações tiveram seu brilho ofuscado pela preocupação da população. Desde o começo do ano nosso País tinha rompido as relações diplomáticas com o eixo. Bases estratégicas foram montadas em Belém, Natal, Salvador e Recife para operações americanas na África do Norte. No dia 22 de agosto de 1942 o Brasil declarou “estado de beligerância” contra Alemanha, Itália e Japão. O “Mercado Negro” proliferou e foram racionados a gasolina, a farinha de trigo, o açúcar e o sal, entre vários outros produtos. Tudo ficou com preço exorbitante. A principal causa da Segunda Guerra Mundial foi o Tratado de Versalhes, datado de 1919, que determinou, após o término da Primeira Guerra Mundial, entre outras exigências, que a Alemanha assumisse a responsabilidade pela destruição dos países atingidos e a obrigava a pagar a dívida da reconstrução. Esse fato trouxe grande revolta aos alemães. A Segunda Guerra Mundial foi feita entre os Aliados, (China, França, Grã-Bretanha, União Soviética e EUA) e as Potências do Eixo (Alemanha, Japão e Itália). Os nazistas acreditavam que a democracia era um governo fraco, incapaz de resolver a crise econômica e queriam um regime autoritário. A Segunda Guerra teve início quando Hitler invadiu a Polônia no dia 7 de setembro 1939. 196

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No dia 6 de junho de 1944, chamado de dia D, os aliados tomaram a Normandia e no dia seis de agosto de 1945 lançaram sobre a cidade de Hiroshima a primeira bomba atômica; três dias depois foi a vez de Nagasaki, também no Japão, o que redundou em sua rendição. Nanu me contou que foi um dos mais terríveis momentos vividos pela humanidade: milhares de inocentes foram mortos e as consequências ainda serão sentidas por muitos anos. Muitos brasileiros, chamados pracinhas, foram à guerra. Eles pertenciam à FEB– Força Expedicionária Brasileira. Cerca de cento e onze pracinhas goianos foram convocados. Alguns participaram da tomada de Monte Castelo, na Itália, no ano de 1944 e foram considerados heróis. Cerca de quatrocentos e cinquenta combatentes brasileiros encontraram a morte. Os vencedores, ao retornar, foram recebidos com grande festa. Lágrimas corriam pelos rostos e gritos de alegria dos familiares eram ouvidos. Apesar de tudo Nanu ainda chora pelos que não conseguiram retornar ou pelos que ficaram com sequelas. No dia 2 de setembro de 1945 o Japão assinou a rendição, chegando ao fim a Segunda Guerra Mundial. A FEB – Força Expedicionária Brasileira extinguiu-se no dia 1º de janeiro de 1946.

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Mesmo com as dificuldades provenientes do “Mercado Negro”, Goiânia continuou seu crescimento a passos largos. Para dar um ar de modernidade à nova Capital, os prédios em sua maioria eram construídos no estilo art déco (tijolos de barro cozido, concreto e novos materiais de acabamento), para diferenciar das construções vernáculas da antiga Capital (adobe, taipa ou pau a pique). A característica maior do art déco era a busca da monumentalidade, de uma escala sobre-humana, muito usada por Hitler e Mussolini. Podemos citar: Palácio das Esmeraldas, projeto Atílio Corrêa Lima execução P. Antunes Ribeiro e Cia e Coimbra Bueno e Pena Chaves Ltda, início da obra em 13 de dezembro de 1933, inauguração em 1938. Delegacia Fiscal, início da obra em dezembro de 1936, inauguração em abril de 1937.

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Chefatura de Polícia e Cadeia Pública, projeto da Superintendência de Obras e Escritório Coimbra Bueno, inauguração em 1937. Secretaria Geral (prevista para ser Prefeitura), início da obra em 1933, inauguração em 1936, projeto Atílio Corrêa Lima.

Foto de Victor Amorim

Torre do Relógio, início da obra em 1940, inauguração em 5 de julho de 1942, projeto de Américo Vespúcio Pontes.

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Juizo Eleitoral, projeto da Superintendência de Obras, execução Cia P. Antunes Ribeiro e Coimbra Bueno e Pena Chaves Ltda. Casa de Pedro Ludovico Teixeira, início das obras em 1936, autor do projeto Coimbra Bueno e Pena Chaves Ltda. Teatro Goiânia projeto de Jorge Félix de Sousa e José Neddermeyer, inauguração em 5 de julho de 1942. Escola Técnica de Goiânia (sucessora da Escola de Aprendizes Artífices de Goiás) inauguração em 1942. Trampolim e Muretas do Lago das Rosas, início da construção em 1940, inauguração em 1942 .

Blog da Regina Lúcia

Liceu de Goiânia, início da obra em 4 de junho de 1936, inauguração em 1937, projeto de Atílio Corrêa Lima.

“Grande Hotel”, inaugurado em janeiro de 1937, na Avenida Goiás

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Palace Hotel, início da obra em 1938, inauguração em 1939. Grande Hotel, início da obra em 1933.

Subprefeitura e Fórum de Campinas, início da obra em 1942, inauguração em 1943. Coreto, início das obras entre 1940 a 1942, inauguração em 5 de julho de 1942. Fontes luminosas da Praça Cívica, início da obra em 1936, projeto e execução da Firma Coimbra Bueno e Pena Chaves Ltda. Obeliscos com luminárias, construídos em alvenarias e revestidas com pó de pedra verde, projeto de Atílio Correa Lima. A história de Nanu

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Fórum, iniciado em 1936 e inaugurado em meados de 1942, autor do projeto Atílio Corrêa Lima com alterações realizadas pela Superintendência Geral de Obras juntamente com a Firma Coimbra Bueno Ltda. O primeiro prefeito de Goiânia foi Venerando de Freitas Borges, nascido na cidade de Anápolis no dia 22 de junho de 1907. Filho de João de Freitas e de Custódia Cordeiro Borges. Fez seus estudos no Seminário São José em Campinas, hoje bairro de Goiânia, com os padres Salesianos. Formou-se em Contabilidade. Na Cidade de Goiás, exerceu sua profissão e foi professor no Liceu de Goiás. Foi ainda jornalista e escritor. Venerando foi nomeado para o cargo de prefeito do município de Goiânia no dia 7 de novembro de 1935 e permaneceu no cargo até o dia 5 de novembro de 1945.

Entrega da chave simbólica da cidade (Ouro de Santa Luzia) ao prefeito Venerando de Freitas Borges

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Recebeu a chave da cidade das mãos do Governador, no Cine Teatro Goiânia na presença de várias autoridades. Nanu me forneceu a relação de prefeitos da capital até os dias atuais como passo a transcrever:

Relação dos prefeitos de goiânia Venerando de Freitas Borges

20-11-35 a 05-11-45

Ismerindo Soares de Carvalho

09-11-45 a 17-02-46

Orivaldo Borges Leão

18-02-46 a 25-03-47

Ismerindo Soares de Carvalho

26-03-47 a 06-11-47

Orivaldo Borges Leão

18-02-46 a 25-03-47

Eurico Viana

06-11-47 a 30-01-51

Venerando de Freitas Borges

31-01-51 a 31-01-55

Messias de Souza Costa

02-02-55 a 05-03-55

João de Paula Teixeira Filho

05-03-55 a 31-01-59

Jaime Câmara

31-01-59 a 31-01-61

Hélio Seixo de Brito

31-01-61 a 31-01-66

Íris Resende Machado

31-01-66 a 20-10-69

Leonino de Ramos Caiado

22-10-69 a 30-06-70

Manoel dos Reis e Silva

02-07-70 a 14-04-74

Rubens Vieira Guerra

27-05-74 a 21-03-75

Francisco de Freitas Castro

21-03-75 a 17-05-78

Hélio Mauro Umbelino Lobo

17-05-78 a 10-04-79

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Daniel Antônio de Oliveira

10-04-79 a 30-06-79

Índio do Brasil Artiaga Lima

30-06-79 a 14-05-82

Goianésio Ferreira Lucas

17-05-82 a 14-03-83

Daniel Borges Campos

15-03-83 a 18-03-83

Nion Albernaz

18-03-83 a 31-12-85

Daniel Antônio de Oliveira

01-01-86 a 26-03-87

Joaquim Domingos Roriz

23-03-87 a 17-10-88

Daniel Antônio de Oliveira

18-10-88 a 31-12-88

Nion Albernaz

01-01-89 a 31-12-92

Darcí Accorsi

01-01-93 a 31-12-96

Nion Albernaz

01-01-97 a 31-12-2000

Pedro Wilson

01-01-2000 a 31-12-2004

Íris Rezende Machado

01-01-2005 a 31-12-2008

Íris Rezende Machado

01-01-2009 a 01-04-2010

Paulo de Siqueira Garcia

01-04-2010 a 31-12-2012

Paulo de Siqueira Garcia

01-01-2013 a ...

Nanu frisou que temos que trabalhar para guardar a memória de nossa cidade, para não ser esquecida, e que a verdade deve ser repetida incansavelmente. Disse também que não existem barreiras protegendo o passado, temos que ir buscá-lo porque mais cedo ou mais tarde ele cairá sobre nós com incrível força. No começo de Goiânia o comércio era pequeno, citarei alguns que ficaram retidos na memória surpreendente de Nanu: 204

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“Drogaria Vitória”: localizada na Rua 6, de propriedade de Naim Rassi. “Farmácia Santana” também na rua 6. “Farmácia Nossa Senhora Auxiliadora” na Avenida Araguaia, de propriedade do Sr. Leide Jayme. “Farmácia Goiânia” na confluência das Avenidas Araguaia e Anhanguera, de propriedade da família Perillo. “Cine Progresso”, do português Alípio Mendes Ferreira. Localizava-se na rua 24 e tinha anexo um bar. Este cinema foi mais tarde demolido e em seu lugar foi construído o Cine Santa Maria. “Empório Nossa Senhora de Lourdes”, na rua 2, de propriedade do Sr. Bailão. Loja “A Goiânia”, especializada em calçados e tecidos, situada na rua 6, de propriedade do Sr.Carvalhinho. “Casas Pernambucanas”, especializada em tecidos, situada na Av. Anhanguera. “Cooperativa de Consumo de Goiânia”, instalada na rua 4 esquina com a 6. “Banca do Mandarino”, situada na Av. Goiás em frente ao Grande Hotel. Livraria “A Vanguarda”, situada na rua 2. Padaria “Santo Antônio”, situada na rua 20, de propriedade da família Contart.

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Cine Teatro Goiânia, década de 1940. Foto: Hélio de Oliveira

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“Centro Cirúrgico de Goiânia” localizado na confluência da Av. Araguaia com rua 3, de propriedade do Dr. Altamiro de Moura Pacheco. “Bar do Araújo”, na esquina da rua 20 com Av. Anhanguera. “Bar e Pensão Germânia”, situada na rua 20, logo abaixo da Av. Anhanguera, de propriedade do alemão Otto Volksvanger. “Bar Tropical” situado na Av. Anhanguera. Eram seus proprietários provenientes de São Paulo e trouxeram para Goiânia o Milk-Shake, Toddy gelado espumante, Banana Split e muitas outras delícias. “Bar Serradourada” situado entre a av. Anhanguera e a rua 6. Era considerado muito luxuoso. “Líder Bar” situado na Av. Anhanguera, de propriedade dos árabes Násseri e Gabriel. “Posto de Gasolina do Pílade Baiocchi” situado na Avenida Anhanguera. “Cine Teatro Goiânia”, na Avenida Tocantins. Foi inaugurado em 1942, com uma peça interpretada pela atriz Eva Tudor, denominada “Deus lhe pague”. “Café Central”, na esquina da Avenida Anhanguera com a rua 7. “Lanche Americano”, ao lado do Cine Casablanca, de propriedade do casal Sebastião Melo e Alice. Ficava na rua 8 e era o ponto de encontro das moças da sociedade. 208

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“Samburá”, em frente ao Lanche Americano na rua 8, pertencia a Joaquim França.

Simbólico Café Central, no centro de Goiânia

“Fonte das Vitaminas”, na Av. Anhanguera, entre a rua 6 e Av. Araguaia. Servia variadas vitaminas e era frequentado por moças e rapazes. “Fonte Expressa” e “Fonte do Paladar”, situadas na Avenida Anhanguera esquina com a Avenida Araguaia. Serviam os mais deliciosos sorvetes artesanais e vitaminas que tinham nomes de pessoas e coisas famosas como Martha Rocha, JK, Sputnik, Bomba Atômica. Eram o ponto de encontro da juventude.

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As moças faziam “vai vem” (footing) pelos passeios, com seus vestidos de organdi com gola de tafetá, saia plissada ou godê, usando por baixo combinação ou anágua de renda. No rosto, rouge da Helena Rubinstein, pó de arroz Cashemir Bouquet, batom vermelho. Os rapazes trajavam ternos e calçavam sapato Clark de cromo, caneta Parker 51 no bolso, cabelo penteado com brilhantina Glostora ou Suspiro de Granada e ficavam nas laterais da avenida vendo-as passar. Os mais velhos usavam chapéu de feltro marca Ramenzoni ou Prado. Vários casamentos tiveram início nas conquistas iniciadas com os flertes (olhares), como era costume na época. Uma tarde apareceu um viajante vindo no avião da VASP que fazia seu voo de estreia para Goiânia. Depois de se acomodar num dos quartos do hotel começou a vir insistentemente à portaria reclamar da falta de água e de luz, e da lama que cobria as ruas. No dia seguinte voltou para São Paulo no mesmo avião que o trouxe, tendo antes de partir, deixado com o gerente o seguinte versinho: Goiânia, cidade linda, Que nos encanta e seduz De dia não tem água, De noite não tem luz. 210

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Assinava o grande escritor Monteiro Lobato, que todos admiravam. A partir daí ele foi duramente criticado pelos habitantes da cidade por não reconhecer a grandiosidade da obra. Naquela ocasião passava na porta do Grande Hotel um rego d’água que era desviado do Córrego Buriti, a fim de que desse suporte às construções existentes nas proximidades. “Automóvel Clube” atual Jóquei Clube. Foi o primeiro clube da nova capital. Inaugurado provisoriamente entre os anos de 1937 a 1939, na Avenida Anhanguera. Em 1938 foi realizado o 1º carnaval do clube. Nesta época o bar ainda não estava concluído e foi usado apenas

Carnaval no Automóvel Clube com a presença de Pedro Ludovico Teixeira A história de Nanu

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o salão de festas. O salão cheirava a lança perfume Rodouro que na época era muito apreciado. Várias quadras populares foram cantadas e Nanu destaca a que era mais engraçada: Esse Pedro é sabido Teve ideia colossal Aos contrários não deu ouvidos E, por sua conta e risco, fez a capital. “Bar do Adisabeba”, o primeiro bar e sorveteria de Goiânia, tocado por um conjunto de geradores, de proprie-

“E a conversa continuava no Bar Royal, que era logo após o Bazar Oió na esquina da rua 6 com Avenida Anhanguera”

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dade de Durval César de Freitas, situado na Avenida Anhanguera, próximo à rua 24. “Marmo Hotel”, o primeiro hotel particular de Goiânia, também de propriedade da família Freitas. Levou esse nome em homenagem ao menino Antoninho da Rocha Marmo. Situava-se na Av. Anhanguera. “O Bazar Oió”, primeira livraria de Goiânia, era o lugar de encontro da intelectualidade. Ali permaneciam até que seu proprietário Olavo Tormim fechasse as portas, à noite. Na confluência das Avenidas Anhanguera e Goiás, estudantes paulistas da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, liderados por Ulisses Guimarães, erigiram um pedestal com a estátua do Bandeirante em homenagem ao paulista Bartolomeu Bueno da Silva. Isto ocorreu no Batismo Cultural de Goiânia. Goiânia sentiu a alegria de ter sua primeira Miss Brasil, a linda Jussara Marques de Souza. Ela foi eleita Glamour Girl numa Garden Party realizada no Palácio das Esmeraldas. Na época era governador Jerônimo Coimbra Bueno, isto em 1949. Para feliz surpresa dos goianos, ela subiu ao podium como Miss Brasil, no Hotel Quitandinha, na cidade do Rio de Janeiro.

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Seu retorno a Goiânia foi apoteótico, o povo compareceu em massa e entre vivas e gritos de alegria foi conduzida até as dependências do Palácio. No dia 11 de junho de 1935, circulou o jornal “Nova Goiânia”, sob a direção de Baltazar dos Reis, foi o primeiro jornal fundado em Goiânia. A primeira coluna social, editada pelo Jornal O Popular, tinha como cronista Lourival Batista Pereira que atuava no programa “O Popular na Sociedade”. Basicamente falava de nascimentos, casamentos e outras banalidades. Os membros da sociedade se orgulhavam ao ver seu nome em destaque.

“Desapareceram as papoulas. Não seria o tempo ainda de replantar árvores papulas”

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Tempos depois LBP como era conhecido assinou a coluna FLASH. O primeiro time de futebol da Capital foi o Atlético Clube Goianiense, de 1937, era o resultado da fusão do América e da União Goiana, da antiga capital, que tiveram vida efêmera. Seus torcedores então aderiram ao novo time com entusiasmo. O segundo time de futebol da nova cidade foi o Goiânia Esporte Clube, fundado em 2 de julho de 1938. A zona boêmia era situada em Campinas e a casa de tolerância mais famosa era a da Maria Branca, na av. Amazonas, hoje av. Anhanguera. O primeiro Delegado Especial, nomeado pelo Decreto nº 5209 de 31 de dezembro de 1934, foi o Capitão Antônio Inácio Ferreira. O primeiro Reveillon foi realizado no Grande Hotel, no dia 31 de dezembro de 1936. O Correio Oficial de 23 de fevereiro de 1937 publicou a transferência da Faculdade de Direito de Goiás para a nova capital que, provisoriamente passou a funcionar na rua 20. A primeira mulher a receber o Brevet Internacional, em 1940, foi Ceres Bastos Ferreira e a cerimônia foi presidida pelo Brigadeiro do Ar Elísio Rodrigues. À ocasião também foram brevetadas pelo Aeroclube de Goiás Lídia Bastos de Oliveira e Célia Damiane. Estas mulheres foram consideradas pioneiras do ar em Goiás. A história de Nanu

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Núcleo pioneiro (atual Bairro Botafogo) construído pelos primeiros trabalhadores de Goiânia A história de Nanu

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Em 1936, Goiânia passou a contar com uma usina hidrelétrica, a Usina do Jaó. O estado firmou um contrato com a empresa de propriedade do engenheiro José Madureira Júnior para a construção de uma usina em trecho especial do Rio Meia Ponte, represado para a formação de um reservatório. Com a rescisão desse contrato, a responsabilidade foi repassada para a firma Luz e Força de Goiânia Ltda, de propriedade dos irmãos Levy, Hugo, Maria e Morena Froes, além dos políticos e empresários Felismino Viana, Hermógenes Guedes Coelho e João Coutinho. Foram instalados dois grupos geradores termelétricos que passaram a fornecer energia para o canteiro de obras, e, posteriormente para Goiânia. A inauguração foi feita três anos após o lançamento da pedra fundamental de Goiânia e a chave mestra foi acionada pela primeira dama Gercina Borges Teixeira. A cidade então foi finalmente iluminada. A usina recebeu o nome de Jaó por causa do córrego do mesmo nome e dos pássaros que povoavam as margens do rio Meia Ponte. Essas aves são típicas do Cerrado do Brasil Central, atualmente ameaçadas de extinção em virtude do desmatamento das áreas onde habitam. É uma espécie de grande porte com aproximadamente 35 centímetros e é facilmente capturada. Quando ouve trinados imitando seu piado atende prontamente, facilitando a captura. 218

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Apesar de representar grande desenvolvimento para os primeiros anos da capital, tinha apenas 180 “quilovoltsampére” (KVAs) de potência e poucas casas eram iluminadas. O primeiro Registro de Nascimento foi feito no dia 10 de janeiro de 1936, de Goiani Segismundo Roriz, nascido no dia 5 de abril de 1935, em Goiânia. O primeiro casamento foi de Olavo Augusto de Santana-Ana Vitalina de Araújo, no dia 23 de janeiro de 1936. A primeira visita de destaque social foi de Thadei Grabowski, Ministro Plenipotenciário da Polônia, no dia 27 de janeiro de 1936.

Blog da Regina Lúcia

O “Correio Oficial” circulou pela primeira vez no dia 4 de abril de 1936, sob o nº 3207.

O ônibus que ligava Goiânia a Campinas, em 1941, foi apelidado de Tereca e transportava funcionários públicos e operários A história de Nanu

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O primeiro óbito foi de Jorge Oliveira no dia 8 de março de 1936. No dia 4 de maio de 1936 chegou à Agência Postal a primeira correspondência constante de quatro pacotes de jornais para o distribuidor João Mannarino. No dia 25 de dezembro de 1936 foi fundada a Santa Casa de Misericórdia de Goiânia. Em maio de 1937 foi fundada, sob a direção de Oscar Sabino de Freitas, na Rua 19, a “Cantina do Estado”, para fornecimento de mercadorias aos trabalhadores das obras de construção da nova capital. No dia 3 de abril de 1938, circula pela primeira vez em Goiânia, o jornal “O Popular” (bi-semanário), sob a direção de Joaquim Câmara Filho. No dia 2 de julho de 1939, circula o jornal “Folha de Goiás”, (bi-semanário) sob a direção de Gerson Castro Costa. O Liceu de Goiânia formou sua primeira turma de admissão em 1938. Foram admitidos os seguintes alunos: – Benjamim S. Roriz – Cláudio das Neves – Elcy da Veiga Camargo – Walter Jesus Campos – Paulo Borges Teixeira – Lílian Cruvinel 220

Zilah Mundim de Souza


Faculdade de Medicina em 1960. Marco histórico da Medicina em Goiás

– Mauro Costa Campos – Delfim Brasil – Celise Pinto Foi na década de 1950 que a Faculdade de Medicina formou sua primeira turma assim constituída: – Adalberto Cavarsan – Ademar Gomes da Costa – Ali Said Esgaib – Americano Guimarães Rosa – Ary Monteiro do Espírito Santo A história de Nanu

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– Cláudia Lúcia Carneiro – Divino Evangelista da Rocha – Djalma Rodrigues de Sousa – Emy Divina Rezende e Silva – Filemon de Castro – Flávio Aluísio Xavier Cançado – Joaquim Borges de Menezes – Laudelino Dias Pinheiro – Luzia Ferreira Rosa – Marco Antônio de Castro – Mario Gerald Bafutto – Nelson de Azevedo Paes Barreto – Otoniel Machado Carneiro – Pedro de Oliveira Mundim – Paulo César Borges – Ricardo Luiz Toledo Pizza – Roberto Felippe Zacarias – Ruben Rodrigues Dantas – Ruy Inácio Carneiro – Salah Saud – Saul Leão Couto – Sílvio Saccomani 222

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– Trajano César de Lacerda – Ubiratan Gonçalves de Araújo – Valteno Alves Ribeiro – Wagner José Mendes – Walfredo Zupelli – Wanderley de Oliveira e Silva

A história de Nanu

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Bandeira de Goi창nia


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Nanu me presenteou com a Bandeira Municipal de Goiânia, feita de acordo com a tradição da heráldica portuguesa. Tem as oitavas em verde, com um retângulo branco no centro onde é aplicado o brasão encimado pela coroa mural de oito torres, de ouro. No listel a frase que é a afirmação de um povo trabalhador pelo engrandecimento do Brasil– “PELA GRANDEZA DA PÁTRIA”. “Vinde ver a Goiânia de agora A cumprir seu glorioso destino Brasileiros e gente de fora, Cantai , vós também, o seu hino” [João Luciano Curado Fleury e Anatole Ramos]

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A cidade de Goiรกs pรณs mudanรงa de capital



A cidade é velha e tristonha Às vezes canta, às vezes sonha É de madrugada Pela calçada gelada, Caminha o moleque contente. Que melodia gostosa! “– Bolo-de-arroz! Quente, bem quente!” Já passou o leiteiro Outra cantilena sumiu na esquina. Esta agora é a voz rouquenha. Ouviu o que anunciou? Meio desafinado, mas foi assim: “ – Olha a lenha!” Um crioulinho sabido Chapéu de palha e pé no chão, 231


Calça furada e voz esganiçada, Entoa outra canção “– Comprá impada!” Ao café do meio dia, Reboa na quietude das ruas A voz do vendedor Que ao fundo do corredor De manso anuncia: “ – Quitanda!” Biscoito de queijo e bolo de fubá Vem no tabuleiro coberto com toalhas de algodão Muito limpinhas Com franjas de abrolhos E bordados vermelhos. À tardinha, A hora do doce A criançada recebe alvoroçada Com palmas e gritos A mais bela toada: “ – Alfenins! Pirulitos!” A lua encontra essa garotada lambuzada No meio das ruas No meio das gentes Cantando cirandas Debaixo dos postes Com a velha canção 232

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Que é todo um carinho! ... “Menina toma esta uva Da uva se faz o vinho Teus braços serão gaiola E eu serei seu canarinho!” E os seresteiros, meu Deus! Como são sonhadores! Vão bebendo, vão cantando Como és feliz trovador. Um acorde ao violão E o coração chora: “ Tão meigas, tão claras, Tão belas, tão puras, Por certo não há. São noites de trovas De beijo e juras As noites de cá!” [Regina Lacerda]

Contei para Nanu que como todo vila-boense, amo a minha cidade e mantenho grande fascínio por sua história. Sinto imenso orgulho por não vê-la deformada pela modernidade. Sua arquitetura e costumes, ainda preservados, fazem sonhar. Nossas casas não valem simplesmente uma soma em dinheiro. Nossa comunidade não foi adulterada. Vizinhanças e famílias aqui permanecem com sua memória. A história de Nanu

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Sorrateiramente a saudade se apossa de mim e posso ouvir passos pela rua, o trotar dos cavalos e de tempos em tempos um relincho; vejo o café sendo preparado de manhã; a mesa no canto da cozinha; a fumaça da madeira saindo pela velha chaminé; o sol nascendo acima das montanhas com os primeiros raios de luz do dia pintando os morros de dourado, laranja e vermelho e era como um sonho, um conto de fadas, meu cachorro enrolado em um canto da cozinha com seu rabo a balançar numa cadência encantadora. Vozes ainda me contam histórias. Tenho certeza de que é Nanu em sua vida etérea, me segredando casos. Ela disse que os casarões não podem ser demolidos porque trarão descobertas macabras, como esqueletos de escravos assassinados barbaramente e sepultados nos porões, nas madrugadas. Potes de ouro permanecem enterrados nos quintais e nas paredes de taipa e descobri-los traria doenças, discórdia e muita animosidade. O vila-boense, com sua força inabalável, não se deixou abater pela mudança da capital. Após o impacto inicial retornou da solidão e desamparo à sua vida normal, como toda cidade interiorana. O nível cultural da nossa gente faz a diferença até os dias atuais. Os que aqui permaneceram têm um cotidiano repleto de coisas simples e felizes.

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Na cidade permanecem vários médicos de família, respeitados como aqueles que no passado atendiam em seus consultórios ou nas casas dos doentes. Eles sentiam prazer nas curas e apenas receitavam medicamentos quando precisavam. Eram sábios e experientes; curavam com remédios mais “lights” como Óleo de Fígado de Bacalhau, Água Inglesa, Asmaton, Pílulas de Vida do dr. Ross, Capivarol, Fimatosan, Capiloton, Tutangir, Biotônico Fontoura, Sal de Glauber, Bromil, Cafeaspirina, Pilogênio, Cibalena, Melhoral e muitos outros. Eram tempos calmos, quando as pessoas podiam ver o cacho de banana amadurecer; sentir a brisa do rio Vermelho; esperar o aguaceiro descer pela rua abaixo rumo ao rio; ver a lua brilhando na brecha do telhado; tudo era harmonia e os casais achavam tempo para namorar mesmo vigiados pela mãe; os beijos eram roubados nos momentos de descuido e tinham sabor especial; as pessoas morriam em suas camas patentes, modelo Faixa Azul, de molas, rodeadas pela família que sentia a perda sinceramente. É uma cidade luminosa, cheia de acontecimentos engraçados, muitos por mim presenciados, como transcrevo a seguir: Um circo, de cujo nome não me recordo, se instalou na Praça do Chafariz (hoje Brasil Ramos Caiado) e trazia várias atrações. Entre elas uma praticante de luta livre de nome Olga Zumbano. A história de Nanu

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À noite, o espetáculo já ia longe, quando anunciaram um prêmio para o vila-boense que conseguisse derrotá-la. O silêncio caiu sobre a assistência que curiosamente esperava conhecer o ousado cidadão que valentemente gritava da plateia. Tratava-se de um homem, muito conhecido e estimado na cidade, que forte e destemido subiu ao ringue. Após poucos minutos de luta o valentão foi derrotado e aos gritos, a assistência viu atônita que ele havia recebido um forte golpe e jazia caído ao chão, completamente paralisado. O hilário foi que sua dentadura tinha voado vários metros de distância, quando ele caiu no rinque. No dia seguinte o corajoso perdedor, sentindo-se humilhado, pediu revanche. A população em sua maioria compareceu ao espetáculo e surpresa viu o revanchista nocautear a ousada lutadora. A plateia foi ao delírio e o ganhador, carregado pelo povo, percorreu toda cidade. Nessa memorável noite, muitos vila-boenses não conseguiram dormir pela alegre e barulhenta comemoração. O proprietário do circo, feliz com a alta arrecadação, desmontou o circo, retirou a lona e foi procurar outras cidades onde a luta pudesse ser repetida. Outro fato considerado engraçado ocorreu com um cidadão apelidado de “Zé Pau de Fumo”. “Zé Pau de Fumo” era um negro adotado por uma família vila-boense. 236

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Preguiçoso, estudo e trabalho não faziam parte de seu cotidiano. Para preencher o tempo jogava bola e vagava pela vizinhança da cidade caçando passarinhos e fazendo várias peraltices. Certa vez foi visitar uma furna existente no sopé do Morro da Bandeirinha, acompanhado por um grupo de amigos. Lá chegando, tiraram a sorte para ver qual valentão entraria na gruta. O escolhido teria que percorrer todas as divisões do túnel até sair do outro lado do morro (presumia-se que a gruta atravessasse todo morro e saísse do outro lado da serra, numa extensão de uns quinhentos metros aproximadamente.) Como era de se esperar, o eleito foi o infeliz e medroso “Zé Pau de Fumo”, que trêmulo se dispôs a atender aos amigos, temendo ser chamado de covarde. Conta a lenda que ninguém podia entrar no local porque os espíritos de um padre ali desaparecido e de dois alemães que também sumiram no seu interior abraçavam os que ali ousassem chegar, não os deixando retornar. Vagarosamente e tremendo, o sorteado começou a percorrê-la. Após algum tempo, arrependidos por terem escutado gritos, os amigos resolveram buscá-lo, antes que o pior pudesse acontecer. Com grande surpresa encontraram-no desmaiado. Tentaram reanimá-lo sem sucesso. Apavorados, improvisaram uma maca e o levaram até o Hospital. A história de Nanu

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Após examiná-lo o médico resolveu usar a antiga prática de pingar cera quente em seu umbigo para ver a reação. Imediatamente o infeliz paciente começou a gritar: “pelo amor de Deus, não me mate tem uma santa velhinha, minha mãe, esperando por mim. Socorro!...” Ao abrir os olhos e deparar com o médico, envergonhado, contou que o “Mão Peluda”, personagem do nosso folclore, que come a língua das vítimas, havia tentado levá-lo. Os entendidos deduziram que eram morcegos dando voos rasantes e emitindo seus sons característicos. Para encerrar, o infeliz tinha as calças lambuzadas com uma substância de cor amarelada, exalando forte odor. E não é que o medo foi tanto que o valentão se borrou todo! As lendas fazem parte do cotidiano da cidade, esta Nanu me contou e a transcrevo como parte do seu folclore: Certa vez um Coronel residente na cidade, muito conhecido por ser sovina e possuir grande fortuna em ouro e joias, determinou a seus escravos que subissem a serra, escolhessem um lugar de difícil acesso e ali perfurassem um grande buraco. Concluída a tarefa mandou que eles arrumassem redes resistentes à moda banguê (modalidade de carregá-la 238

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com uma madeira atravessada para distribuir o peso, era muito usada para transportar defuntos ou pessoas doentes), colocassem dentro os potes cheios do rico metal e iniciassem a subida do morro nas caladas da noite. Eram seguidos atentamente pelo Coronel num grande cavalo baio. Ia fortemente armado, temendo ataque de ladrões e animais. Após exaustiva subida chegaram ao local e foram colocando os potes cuidadosamente no buraco. Findo o trabalho, o Coronel maldosamente colocou os famintos escravos em fila e entre gritos e gargalhadas matou todos com sua poderosa arma, para que não contassem seu segredo. Em seguida carregou um a um até uma grande vala existente na lateral e jogou-os aos abutres. Acontece que o esforço foi exagerado para o homem acostumado apenas a mandar e subitamente, entre espasmos e grito, tombou fulminado. Foi então que toda cidade viu sobre a serra grandes raios e estrondos horripilantes, acompanhados de grande ventania. Silvos de serpentes foram ouvidos a quilômetros de distância. A partir de então, toda vez que qualquer ser humano se aproxima do local à procura do tesouro, serpentes aparecem e correm atrás dos intrusos tentando atacá-los, até que com medo desistam da empreitada.

A história de Nanu

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Recordações



Nanu me fez recordar dos bailes de formatura, freqüentados por toda sociedade. Neles as moças permaneciam sentadas em suas mesas e os rapazes se aproximavam para “tirá-las para dançar”. Os pares ficavam bolerando alegremente. Eram noites festivas. Muitos casamentos foram realizados, depois que se sentiam atraídos e se enamoravam. As mais velhas e menos interessantes permaneciam toda noite sem dançar tomando um verdadeiro “chá de cadeira”. Quando a noite já ia alta, era hora da valsa. Cada formando com sua madrinha ou padrinho, em seus ternos de festas e vestidos especialmente talhados para a ocasião, rodopiavam orgulhosamente pelo salão. No dia seguinte toda cidade comentava sobre o par que estava mais bem vestido ou vice-versa. Era comum surgir uma verdadeira boataria quanto aos novos casais de namorados. 243


E a Cidade de Goiás, que renasceu das cinzas, continuou seu caminhar carregado de lembranças que nos fazem viver o presente com recordações lindas que jamais se apagarão. Para sonhar, não precisamos dormir porque não há sonho mais lindo do que nossa terra natal. Foi lá que vi dias tempestuosos, Senti o sabor do silencio, Ganhei um aperto de mão, Fui abraçada, Recebi um sorriso demorado. Foi lá que venci a timidez, Volvi meus olhos prá frente, Aprendi o que não sabia, Compreendi o que é a fé. Foi lá que me senti serena, Conheci o amor, Obtive a resposta. Foi lá que eu nasci!... [Zilah Mundim]

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Cidade de Goi谩s...

Enfim Patrim么nio Cultural da Humanidade


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Desde 2001 a Cidade de Goiás foi classificada pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade, em reconhecimento à preservação do seu magnífico e singular conjunto arquitetônico dos séculos XVIII e XIX. Visitar a cidade é um retorno ao passado por suas construções barrocas, seus muros de pedra, suas belas igrejas, suas praças, ruas e becos assimétricos. Sempre me preocupei com o destino de nossa cidade que se deteriora sem encontrar sua verdadeira vocação. Nanu disse que a mão do tempo pode mudar rapidamente o curso da vida e para minha alegria me contou um segredo: se a população da Cidade de Goiás tiver menos individualismo, menos discriminação e criar grupos com princípios éticos, líderes que tenham mais prazer em servir, que saibam se doar e estimular a inteligência dos outros, incentivando atitudes que extirpem os erros e ví247


cios... janelas da mente se abrirão criando ideias fortes e sólidas. Se for criada uma apologia à tolerância, a metas coletivas, à cooperação, à integração social, ao perdão e à proteção; se conseguirem acabar com a competição, com a louca paranoia de ser o número um e com a disputa predatória e doentia da sociedade moderna; se aprenderem a romper o cárcere intelectual e apresentar um comportamento sereno, lúcido e digno, nossa Goiás encontrará a felicidade. É assim que o mundo funciona, é tudo tão simples... basta querer... Atenta ao que Nanu me ensinava, notei que sua voz ficava mais fraca e vagarosamente, como o farfalhar da brisa, se extinguiu. E Nanu se foi, sem sequer um adeus... Obrigada Nanu, minha querida amiga, até o dia de seu retorno, quando novamente transformará meu choro em riso, preenchendo minha vida com sua luz radiosa de boa vontade.

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Você sabe onde fica Goiás? Não? Sempre no coração Na Serra Dourada, no Morro das Lages, Poço do Bispo, Praia do Bagage No Rio Vermelho, a noite de lua Derrama nas águas seu manto de prata E a voz embargada de Cora canção Um amor infinito te deixou guardada no meu coração. Você sabe onde fica Goiás? Bem no fundo do meu coração. [João Caetano e Nasr Chaul]

Fim



Obras consultadas


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— Presidentes e Governadores de Goiás — Joaquim Carvalho Ferreira (1980) — Revista Azul (1956) — Zoroastro Artiaga — Revista Oeste (compêndio) (1940) — Encantos do Oeste — Agenor Couto Magalhães (1948) — Memórias de Pedro Ludovico (1973) — Ofélia Sócrates — Como nasceu Goiânia (1938) — Três Memórias históricas (1936) — S. Fleury Curado — Cantilena da cidade — Regina Lacerda (1954) — Campininha das Flores — Instituto Cultural José Mendonça Teles (2010) — Prosa e Verso do meu Universo (2006) 253


— Eurico Martins de Araujo — Súmula da História de Goiás — Americano do Brasil (1932) — Goiânia documentada (1958) — Serviço de documentação– Museu estadual. — Estórias de Goiás (1981) — Maximiano da Matta Teixeira — Editora CERNE-UNIGRAF — Memória Cultural — Ensaio da história de um povo. (1985) — Prefeitura de Goiânia — Editora e Gráfica Ipiranga Ltda.

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