Anais do II Seminário Internacional de Análises Criminais

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ANAIS DO II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE ANÁLISES CRIMINAIS: EM HOMENAGEM AO CATEDRÁTICO DE DIREITO PENAL E EX-REITOR DA UNIVERSIDADE DE GRANADA, DR. LORENZO MORILLAS CUEVA


CENTRO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO E DIREITO LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA Diretor Presidente da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Diretor - Adjunto da Associação do Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA – AREPB CNPJ 12.955.187/0001-66 Acesse: www.abarriguda.org.br

CONSELHO CIENTÍFICO Adilson Rodrigues Pires Adolpho José Ribeiro Adriana Maria Aureliano da Silva Ana Carolina Gondim de Albuquerque Oliveira André Karam Trindade Alana Ramos Araújo Carina Barbosa Gouvêa Carlos Aranguéz Sanchéz Cláudio Simão de Lucena Neto Daniel Ferreira de Lira Elionora Nazaré Cardoso Ely Jorge Trindade Ezilda Cláudia de Melo Fernanda Isabela Oliveira Freitas Gisele Padilha Cadé Glauber Salomão Leite Gustavo Rabay Guerra

Herry Charriery da Costa Santos Ignacio Berdugo Gómes de la Torre Jeremias de Cássio Carneiro de Melo José Flôr de Medeiros Júnior Karina Teresa da Silva Maciel Laryssa Mayara Alves de Almeida Ludmila Douettes Albuquerque de Aráujo Marcelo Alves Pereira Eufrásio Maria Cezilene Araújo de Morais Phillipe Giovanni Rocha Martins da Silva Raymundo Juliano Rego Feitosa Rodrigo Araújo Reül Rômulo Rhemo Palitot Braga Samara Cristina Oliveira Coelho Suênia Oliveira Vasconcelos Talden Queiroz Farias Valfredo de Andrade Aguiar Filho


JOSÉ FLOR DE MEDEIROS JÚNIOR, LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA E VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO ORGANIZADORES

ANAIS DO II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE ANÁLISES CRIMINAIS: EM HOMENAGEM AO CATEDRÁTICO DE DIREITO PENAL E EX-REITOR DA UNIVERSIDADE DE GRANADA, DR. LORENZO MORILLAS CUEVA 1ª EDIÇÃO

ASSOCIAÇÃO DA REVISTA ELETRÔNICA A BARRIGUDA - AREPB CAMPINA GRANDE – PB 2016


©Copyright 2016 by Organização JOSÉ FLOR DE MEDEIROS JÚNIOR, LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA E VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Capa PHILLIPE GIOVANNI ROCHA MARTINS DA SILVA Editoração LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA E VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO Diagramação LARYSSA MAYARA ALVES DE ALMEIDA E VINÍCIUS LEÃO DE CASTRO O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade dos autores.

Data de fechamento da edição: 08-01-2016

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A532

Anais do II Seminário Internacional de Análises Criminais: em homenagem ao catedrático de direito penal e ex-reitor da Universidade de Granada, Dr. Lorenzo Morillas Cueva / José Flor de Medeiros, Laryssa Mayara Alves de Almeida, Vinícius Leão de Castro, organizadores. Campina Grande: AREPB, 2016. 89 p. ISBN 978-85-67494-14-2 1. Direito. 2.Criminologia I. Título. CDU 364

Todos os direitos desta edição reservados à Associação da Revista Eletrônica A Barriguda – AREPB. Foi feito o depósito legal.


O Centro Interdisciplinar de Pesquisa em Educação e Direito – CIPED, responsável pela Revista Jurídica e Cultural “A Barriguda”, foi criado na cidade de Campina Grande-PB, com o objetivo de ser um locus de propagação de uma nova maneira de se enxergar a Pesquisa, o Ensino e a Extensão na área do Direito. A ideia de criar uma revista eletrônica surgiu a partir de intensos debates em torno da Ciência Jurídica, com o objetivo de resgatar o estudo do Direito enquanto Ciência, de maneira inter e transdisciplinar unido sempre à cultura. Resgatando, dessa maneira, posturas metodológicas que se voltem a postura ética dos futuros profissionais. Os idealizadores deste projeto, revestidos de ousadia, espírito acadêmico e nutridos do objetivo de criar um novo paradigma de estudo do Direito se motivaram para construir um projeto que ultrapassou as fronteiras de um informativo e se estabeleceu como uma revista eletrônica, para incentivar o resgate do ensino jurídico como interdisciplinar e transversal, sem esquecer a nossa riqueza cultural. Nosso sincero reconhecimento e agradecimento a todos que contribuíram para a consolidação da Revista A Barriguda no meio acadêmico de forma tão significativa. Acesse a Biblioteca do site www.abarriguda.org.br e confira E-Books gratuitos.


SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................... 808 Laryssa Mayara Alves de Almeida e Vinícius Leão de Castro O TRÁFICO DE PESSOAS E A NECESSIDADE DE SEU COMBATE .................................. 09 Juliana Maria Araújo de Sales, Luana Elaine da Silva e Félix Araújo Neto O TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS NOS NAVIOS DE CRUZEIROS: APONTAMENTOS SOBRE A CRIMINALIDADE E EXPLORAÇÃO TRABALHISTA DOS TRIPULANTES................................................................................................................................ 13 Dennis Medeiros Henriques e Maria Cezilene Araújo De Morais O TIPO PENAL DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: UMA HISTORICIDADE LEGISLATIVA NO DIREITO BRASILEIRO ................................................................................... 19 Alisson Rodrigo de Araújo Oliveira, Jaqueline Borges Costa e Luciano Nascimento Silva A LEI DE FEMINICÍDIO: UMA ANÁLISE DA MATERIALIZAÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO ............................................................................................................................................. 23 Mônica Thais Rodrigues Gomes, Jéssika Saraiva de Araújo Pessoa e Lucila Gabriella Maciel Carneiro A INTENSIFICAÇÃO MIDIÁTICA DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E O LABELLING APPROACH ..................................................................................................................... 28 José Lucas Silva Galdino e Luciano Nascimento Silva TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE FEMINICÍDO NO BRASIL: O AVANÇO NO DIREITO PENAL COMO FORMA DE PROTEGER OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER...................................................................................................................................................... 31 Ramon de Medeiros Bahia, Thaynná Batista de Almeida e Luciano Nascimento Silva OS CRIMES CIBERNÉTICOS NO AMBIENTE LABORAL: UMA APLICAÇÃO DO DIREITO PENAL DO TRABALHO.................................................................................................... 36 Petrúcio Araújo Reges, Jéssika Saraiva de Araújo Pessoa e Lucila Gabriella Maciel Carneiro Vilhena A CONVENÇÃO-QUADRO PARA O CONTROLE DO TABACO E SUA INFLUÊNCIA NA LEGISLAÇÃO ANTI-TABAGISTA BRASILEIRA .................................................................. 41 Lucas Brasileiro de Oliveira Gomes, Thaynná Batista de Almeida e Clésia Oliveira Pachú PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL: A FUNDAMENTAÇÃO DA ULTIMA RATIO NAS CIÊNCIAS CRIMINAIS ............................................................................... 46 ASPECTOS CONTROVERTIDOS DA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL MEDIANTE A COLETA DE MATERIAL BIOLÓGICO PARA A OBTENÇÃO DE PERFIL GENÉTICO ......................................................................................................................................................................... 51 Delane Silva da Matta Bonfim, Felix Araújo Neto e Nájila Medeiros Bezerra A DELAÇÃO PREMIADA NO PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 236 DE 2012 ............ 56 Maria Olívia Jardelino


TEORIA DA LEI PENAL NO TEMPO: A ULTRATIVIDADE DAS LEIS TEMPORÁRIAS E O CONFLITO COM PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS....................................... 61 Arcínio Márcio Pontes de Sousa Filho, Cynthia Lays Feitosa de Brito, Elisa Karoline Nóbrega Avelino e Luciano Nascimento Silva MAIORIDADE PENAL: UMA AVALIAÇÃO CONTEXTUAL................................................... 66 Matheus Mendes Dias e Gilvan Dias de Lima Filho A IMPORTÂNCIA DA COMPLIANCE NOS CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS ..... 71 Laryssa Wênia Lima da Silva e Luciano Nascimento Silva REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO: IMPASSES E CONQUISTAS A PARTIR DO CONTEXO PENITENCIARIO BRASILEIRO ................................................................................. 76 Monalisa Pereira Martins DEFICIÊNCIA MENTAL: UMA ANÁLISE CRIMINAL SOBRE FATOS OCORRIDOS EM MANICÔMIOS ........................................................................................................................................... 81 Maria Cezilene Araújo de Morais, Esley Porto e Nathalia Ellen Silva Bezerra


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APRESENTAÇÃO O I Seminário Internacional de Análises Criminais1 realizado entre 31 de agosto e 02 de setembro de 2011 teve como tema os Crimes Sexuais Contra Vulneráveis, neste evento os participantes foram convidados a analisar em profundidade o crime de abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes sob o prisma do Direito, da Criminologia, da Psicologia e da Cultura. Na segunda versão do seminário2, foi homenageado o Catedrático de Direito Penal e Ex-Reitor da Universidade de Granada, Dr. Lorenzo Morillas Cueva, que foi agraciado com a Medalha da Honra Universitária pela UEPB, como reconhecimento as ações que realizou, enquanto reitor da instituição espanhola, estreitando as relações entre a Universidade de Granada e a Universidade Estadual da Paraíba, bem como, contribuindo para a qualificação de docentes e alunos da instituição paraibana em várias áreas do conhecimento.

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Em sua primeira versão o seminário foi realizado pela Associação da Revista Eletrônica "A Barriguda" AREPB, maiores informações: <http://analisescriminais.blogspot.com.br/> 2 A segunda versão do seminário foi realizada pelo Centro de Ciências Jurídicas da UEPB e o Núcleo de Estudos em Ciências Criminais e Criminologia, com apoio da AREPB. 8


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O TRÁFICO DE PESSOAS E A NECESSIDADE DE SEU COMBATE Juliana Maria Araújo de Sales 3 Luana Elaine da Silva 4 Félix Araújo Neto 5

INTRODUÇÃO Inicialmente podemos caracterizar o tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual como sendo uma ação criminosa presente em todo o mundo. Tal prática criminosa torna vítima milhares de brasileiros, que são iludidos com promessas de melhoria de vida e acabam sendo presos em locais insalubres e, consequentemente obrigados a exercerem atividades consideradas diretamente em confronto com a dignidade da pessoa humana, a liberdade, o direito a privacidade, o direito a intimidade e a segurança pessoal de cada um. Diante dessa situação, o tráfico de pessoas representa a coisificação do ser humano, especialmente de mulheres e crianças, que constituem o grupo das pessoas vulneráveis, as quais possuem sua dignidade e liberdade cerceadas, sendo uma afronta aos direitos humanos. Trata-se de um problema relacionado à globalização e à desigualdade social, bem como às questões de gênero, raça e etnia, que atinge inúmeras pessoas no Brasil e no mundo. Movimentando, com isso, o comércio internacional de prostituição, este que é o 3º maior negócio rentável do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e o de armas. METODOLOGIA O presente trabalho se classifica como uma pesquisa qualitativa e apresenta natureza de cunho teórico, a fim de produzir um aprimorado argumento jurídico. O procedimento técnico

Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. 5 Doutor em Direito Penal e Política Criminal (cum laude) pela Universidade de Granada, Espanha (2009). Título de Doutor revalidado pela UERJ (em 2011). Professor do Máster en Derecho Penal Económico da Universidade de Granada (UGR/ESPANHA) e do Instituto de Altos Estudios Universitários (IAEU). Professor Efetivo da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Coordenador Operacional do Doutorado Interinstitucional em Direito (DINTER - UERJ/UEPB), em convênio firmado entre a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado Criminalista. Possui Diploma de Estudios Avançados em Direito Penal e Política Criminal (correspondente ao mestrado) e título de Experto em Direito do Consumidor (Especialização) pela Universidade de Granada - Espanha. É professor de Direito Penal e Processual Penal em Cursos de Graduação e Pós-Graduação. Professor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas (Facisa/PB). Professor da ATAME (Curso de PÓS-GRADUAÇÃO, na unidade de Brasília). Professor da Escola Superior da Magistratura da Paraíba (ESMA/PB). Autor do livro Introducción al Derecho Penal (em parceria com o Catedrático da Universidade de Granada Miguel Olmedo Cardenete). Participante do livro "Coleção OAB - Provas OAB/FGV" - da Editora Juspodium. 9 3 4


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utilizado refere-se à pesquisa constituída mediante consulta bibliográfica, a partir de livros, artigos, periódicos, bem como consulta jurisprudencial. RESULTADOS E DISCUSSÃO Num breve histórico foi observado que o tráfico de pessoas não é um fenômeno recente, ele vem acompanhando a humanidade ao longo de sua existência, sendo considerada uma das atividades mais antigas da história da humanidade. Na sociedade ocidental constituiu-se por um longo período, servindo como a base das sociedades antigas e modernas, como meio de abastecer o mercado de escravos. Em linhas gerais, cabe destacar que tal problema está relacionado à desigualdade social, à falta de escolaridade e violência intrafamiliar, entre outros fatores. Visto que, inúmeras vezes as vítimas são mulheres, crianças e adolescentes, aliciadas por falsas promessas de emprego e melhores condições de vida. Destacando-se como principais aspectos influenciadores, a pobreza e a exclusão social, que tornam as crianças e jovens vítimas fáceis dos traficantes. Por sua vez, o tráfico de pessoas possui dois polos centrais de sua existência, quais sejam: a oferta, fruto da vulnerabilidade socioeconômica e psicológica das vítimas, e a demanda, onde o cliente se beneficia com essa impunidade. Com isso, as vítimas passam a ser exploradas de várias maneiras, como por exemplo, sexualmente, como mão-de-obra escrava, ou trabalho forçado, ou tem seus órgãos extirpados de seus corpos com fins de obtenção de lucro, entre outros. Por seu turno, o referido crime afronta diretamente a dignidade do indivíduo, direito este resguardado tanto na Constituição Brasileira de 1988, especificamente em seu art. 227, como direito fundamental inerente à pessoa humana. Assim, tem- se o marco internacional de definição do conceito contemporâneo de trafico de pessoas e dos procedimentos a serem adotados em seu enfrentamento, quando da promulgação do Protocolo adicional à Convenção das Nações Unidades contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, conhecido como Protocolo de Palermo e incorporado em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto 5.017/2004, in verbis: Art. 3, a: A expressão 'tráfico de pessoas' significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição 10


ANAIS DO II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE ANÁLISES CRIMINAIS de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.

De modo geral, o Protocolo de Palermo além de ser o documento principal da definição global de tráfico de pessoas, é o instrumento mais importante redigido pela comunidade internacional no que se refere às condutas e a necessidade de proteção às vitimas desse crime. Outrossim, a tentativa reiterada de combate ao tráfico de pessoas, no Brasil, deu ensejo à criação da Lei Nº 11.106/2005 que adaptou a redação de alguns artigos do Código Penal à realidade social vigente, dentre eles, o art. 231 que tipifica o tráfico internacional de pessoas. Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no território nacional, de alguém que nele venha a exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).

Com o intuito de enfrentar o tráfico de pessoas de modo sistematizado, diversas iniciativas foram desenvolvidas, o que fez com que os Estados passassem a discutir o problema no âmbito interno. A partir de todo esse debate travado nos cenários internacional e nacional, faz-se necessário fortalecer o tripé onde estão fundamentadas as ações: prevenção, punição dos criminosos com celeridade e justiça e proteção à vítima. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em linhas gerais, cabe destacar que o tráfico de pessoas constitui uma violação à dignidade, à integridade física, psíquica e moral das vítimas. Sendo uma prática criminosa que “coisifica” os indivíduos e, com isso, merece ser punida severamente, visto que se configura como um atentado aos direitos que devem ser resguardados constitucionalmente. Destarte, é indiscutível a necessidade de que o Estado ampare as vítimas do tráfico, bem como que atue no sentido de prevenção de novos casos. Também é urgente a necessidade de atuação efetiva por parte dos órgãos públicos, pois a omissão do Estado no tocante à proteção e prevenção contra a exploração de menores pode ser apontada como uma das causas que incitam a prática criminosa. Portanto, é de se verificar que as consequências desse crime para as vítimas são muitas, e a reintegração social da mesma geralmente é um processo complexo e lento, podendo em alguns casos serem até irreversíveis, visto que geralmente há uma dificuldade muito grande para readaptação no ambiente social. 11


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É fundamental mudar os paradigmas valorativos, éticos, jurídicos e de enfrentamento, sendo assim as políticas sociais como meio e não como fim, tendo como eixo central os direitos humanos e uma política de proteção integral, considerando assim particularidades regionais, culturais, sociais e políticas. REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 5º ed. São Paulo: Saraiva, 2009. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. ______. Decreto nº 5.017/2004. Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. (Protocolo de Palermo). Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 27 mai. 2015. JESUS, Damásio. Tráfico Internacional de Mulheres e Crianças. Brasil: aspectos regionais e nacionais. São Paulo: Saraiva, 2003. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2011. ROCHA, Graziella. Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo Contemporâneo na Perspectiva dos Tratados Internacionais e da Legislação Nacional. Disponível em: <http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/viewFile/436/352> Acesso em: 28 mai. 2015.

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O TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS NOS NAVIOS DE CRUZEIROS: APONTAMENTOS SOBRE A CRIMINALIDADE E EXPLORAÇÃO TRABALHISTA DOS TRIPULANTES Dennis Medeiros Henriques 1 Maria Cezilene Araújo de Morais2

A história do Brasil é marcada também por uma cultura de tráfico de pessoas. Nos poucos mais de quinhentos anos de descoberta, o país passou de importador a exportador de seres humanos. Atualmente é considerado um grande exportador de mulheres (em especial aquelas que se destinam à exploração sexual), bem como de trabalhadores para as redes de tráfico no mundo. Há um crescimento das denúncias e notícias jornalísticas sobre esse tipo de atividade, entretanto, é preciso fortalecer uma força contrária às organizações criminosas que estão por trás desses eventos. As atividades de cruzeiros no Brasil cresceram assustadoramente nos últimos dez anos. Os navios impressionam por seus números. São pelo menos 60 metros de altura e 300 metros de comprimento. A bordo estão cerca de quatro mil passageiros, junto a uma tripulação de mil e trezentas pessoas. Alguns cidadãos são ludibriados por agenciadores e propagandas enganosas, com promessas de ascensão financeira e experiências únicas internacionais. Quando chegam ao ambiente de “trabalho”, descobrem que se encontram, na verdade, em situações delicadas. Essa atividade não tem a regulamentação devida. Não existe salvaguarda jurídica nem para tripulantes, nem para passageiros. Os relatos sobre o que acontece nesses navios vão desde situações de estupro, tráfico de drogas, acidentes, exploração sexual, de trabalho, assédio moral, roubo e até homicídios. O tráfico de pessoas é uma vertente do crime organizado que configura uma considerável violação aos Direitos Humanos, especialmente ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Segundo dados do escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC), relatados no site do Ministério da Justiça, o tráfico de seres humanos é a terceira atividade ilícita mais lucrativa na atualidade. Anualmente movimenta uma cifra de cerca de sete a nove bilhões de dólares, perdendo em lucratividade apenas para o tráfico de drogas e o contrabando de armas. Pós-graduando em Ciências Criminais na Universidade Estácio de Sá. E-mail: dennismedeirosh@hotmail.com Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba. Professora titular da Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: cezilene@gmail.com 1 2

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Em 2006, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontou os fatores básicos de contribuição para essa modalidade de tráfico no Brasil, quais sejam: a globalização, pobreza, ausência de oportunidades de trabalho, discriminação de gênero, violência doméstica, instabilidade política e econômica em regiões de conflito, emigração irregular, turismo sexual, corrupção dos funcionários públicos e as deficiências das leis. As tentativas de proteção às pessoas e aos seus Direitos já estão presentes desde a Declaração Universal de Direitos Humanos, quando delineava os direitos básicos dos cidadãos e foi adotada pela Organização das Nações Unidas, em 1948. Na lição do professor Vladmir Oliveira da Silveira: Os direitos humanos são hoje, categorias jurídicas cotidianas. Mas o caminho percorrido em direção à humanidade é o fruto agridoce de injustiças sofridas por indivíduos, grupos e povos, ou ainda, bandeira de inúmeros heróis anônimos, que enfrentaram o poder estabelecido. Também é fruto do trabalho incansável de intelectuais, sejam eles sociólogos, antropólogos ou juristas, que levantaram a voz, instigando novas categorias, para que a dignidade humana fosse reconhecida, como um direito subjetivo de qualquer indivíduo, em qualquer nação – ou até mesmo, uma categoria de plano superior e especial. (SILVEIRA, 2010)

A OIT estima que pelo menos 12,3 milhões de pessoas sejam vítimas de trabalhos forçados em todo o mundo. Cerca de 9,8 milhões de pessoas são exploradas por agentes privados e mais de 2,4 são vítimas do tráfico de pessoas. Outras 2,5 milhões são forçadas ao trabalho, por grupos militares rebeldes ou pelos governos de diferentes países. Lamentavelmente, este é o elo mais frágil da cadeia da indústria do turismo de cruzeiros. As leis existem, mas são contornadas pelos agentes dos crimes. Além do mais, toda a indústria dos cruzeiros está fundeada na desinformação, nos sonhos e no subdesenvolvimento dos países de seus tripulantes, para explorar sua mão de obra, sem uma contrapartida satisfatória e, principalmente, digna. As condições de trabalho e de instalações em navios de cruzeiro marítimo foram discutidas pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), situação na qual a iniciativa do debate surgiu do presidente da comissão, senador Paulo Paim (PT-RS), após denúncias da Organização de Vítimas de Cruzeiros sobre o descaso com que empresários do setor tratam trabalhadores e passageiros. Há constatações sobre brasileiros que são violentamente humilhados, numa clara violação à Dignidade Humana, trabalhando até 15 horas por dia em condições desumanas. Importante relato merece ser destacado, o bailarino Arthur Souza, de Florianópolis, contratado pela companhia Star Cruises para shows que, a priori, seriam musicais (estilo Broadway). 14


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O trabalho era de semiescravidão, com jornadas exaustivas, além de apresentações de cunho erótico. De acordo com Arthur, os novatos desconheciam que as apresentações incluiriam shows com esse caráter. Detalhou que os turistas pagavam em separado para essas apresentações e alguns artistas muitas vezes eram assediados. Os integrantes do corpo de baile que reagiram contra a inesperada situação (inclusive ele), sofreram assédio moral e, por fim, foram demitidos e desembarcados no exterior. De volta ao Brasil, ele disse que entrou com ação trabalhista contra a empresa pela qual foi recrutado, mas perdeu, devido à súmula do Supremo que faz prevalecer a legislação do país da bandeira do navio. É de se perceber não só a violação a Lei Infraconstitucional (Código Penal), mas, notadamente, à Lei Maior brasileira, que norteia todo o ordenamento jurídico pátrio, afrontadas diante dessas práticas criminosas em comento. Como exemplos dessa incompatibilidade, temos o art. 5º, caput, II, III, da Constituição Federal de 1988. A lei penal brasileira deve ter sua vigência dentro dos limites em que o Estado exerce a sua soberania. Consiste em mar territorial brasileiro a embarcação que estiver dentro do limite de 12 milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, segundo o art. 1º da Lei 8.617/93 e art. 3º da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, de 1982, Convenção de Montego Bay. Logo, a competência de investigação e do julgamento de crimes cometidos a bordo de embarcações privadas que se encontrem em território brasileiro, nesses casos, ainda que a embarcação ostente bandeira estrangeira, é do Governo Brasileiro, consoante art. 5º, §2º do Código Penal brasileiro. O país competente para regular os conflitos existentes nas embarcações difere em relação às leis penal e trabalhista. Via de regra, a violação às leis penais decorre da violação às leis trabalhistas e, portanto, requerem análise e distinção da aplicação de ambas as leis. No que diz respeito às leis trabalhistas, o país competente para dirimir os conflitos oriundos das embarcações baseia-se em suas bandeiras, ou seja, de acordo com aquela bandeira cuja embarcação ostenta. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata sobre trabalho marítimo, ressalta que o art. 94, da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, 1982, estabelece que os direitos e obrigações do país sejam regulados pela bandeira do país que o navio ostenta e que trata das condições de trabalho, tripulação e questões sociais. Para fins penais, prevalece o Princípio da Territorialidade (art. 5º, CP), em que é competente para julgar os crimes o país em que determinada embarcação se encontra: quando se encontrar em águas nacionais e alto-mar (desde que a bandeira seja brasileira), em ambos os casos

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o Brasil é competente para julgar. Por outro lado, se a embarcação se encontra em águas internacionais, aplica-se o Princípio da Extraterritorialidade (art. 7º, CP). A submissão do trabalhador nessa relação que viola flagrantemente sua dignidade, caracteriza um delito contra sua liberdade individual, prevista no art. 149, CP (Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto). Objetivando dirimir essas celeumas, o Brasil estuda a possibilidade de regulamentar as atividades nesses navios, a exemplo dos projetos de lei nº 418, 419, 420 e 488, todos do ano de 2013 e autoria do senador Paulo Paim (PT-RS). As propostas tratam da concessão de visto e da repatriação dos marítimos e empregados a bordo de navio de turismo estrangeiro que opere em águas brasileiras, disciplina a fiscalização desse trabalho, da assistência médica, de alojamento, alimentação e remuneração dos tripulantes, além da competência de investigação e do julgamento de crimes cometidos a bordo das embarcações. A regulamentação dessa atividade exige registros formais mínimos (contrato formal, registro em carteira e limites de prazo para os contratos), seguros contra acidentes de trabalho, invalidez total ou parcial ou morte e assistência médica (por profissional apto e capacitado). Existe, então, a possibilidade de se recorrer em Juízo brasileiro contra as injustiças e de se pleitear, inclusive, a rescisão indireta do Contrato de Trabalho. Ademais, há também a preocupação com a necessidade de proteger tripulantes em relação aos crimes cometidos a bordo. Nossa legislação e os tratados ratificados pelo Brasil já assinalam soluções jurídicas de julgamento e investigação de crimes cometidos a bordo de navios, porém sem a sistematização adequada para resolução dos casos concretos (como é o caso das legislações supracitadas, a Convenção do Direito do Mar de 1982, o arts. 5º, § 2º, 7º, do Código Penal Brasileiro, art. 89 do Código Processual Penal, dentre outros). Seria de bom alvitre se questionar a Resolução Normativa do CNIg (Conselho Nacional de Imigração) nº 71/2006 a qual impede a imposição das leis brasileiras de se fazer valer de maneira mais efetiva, indo de encontro, inclusive, com a Lei 7.064, que dispõe sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior. A Lei está acima das resoluções e, sendo feito valer a aplicação da lei brasileira, a lei trabalhista e a lei penal serão respeitadas. Evitando que essas organizações criminosas burlem a lei, estando acobertadas por lacunas legislativas. O CNig permite que brasileiros sejam contratados no exterior, quando os contratos são longos e cobrem também a temporada fora do país. Eles não estão protegidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), e sim por um Termo de Ajustamento de Conduta 16


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(TAC) extremamente descumprido, sendo primordial uma atuação firme e equilibrada do Ministério do Trabalho e Emprego (TEM), podendo não só melhorar as condições de trabalho a bordo, mas também subsidiar o CNIg para aprovar mudanças na RN 71 que garantam tais melhorias. REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1.940. ______. Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 6. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DO TRÁFICO DE PESSOAS, Relator Senador Humberto Costa (PT-PE). Projeto de Lei do Senado para vítimas do tráfico Humano. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2014-03/senadoaprova-projeto-de-amparo-vitimas-e-combate-ao-trafico-humano> CUNHA, Rogério Sanches. Direito penal: parte especial. 3. ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. DE SOUZA, François Armand. Noções de Economia dos transportes marítimos. Rio de Janeiro: CIAGA. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS. Disponível <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.html> Acesso em: 25 de maio de 2015. JESUS, Damásio Evangelista de. Tráfico internacional de mulheres e crianças - Brasil: aspectos regionais e nacionais. São Paulo: Saraiva, 2003. 17


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______. Lei nº 11.106, de 28 de março de 2.005. Ministério da Justiça. Tráfico de seres humanos no mundo. Disponível <http://www.mj.gov.br/trafico/default.asp> Acesso em: 25 de maio de 2015.

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O TIPO PENAL DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA: UMA HISTORICIDADE LEGISLATIVA NO DIREITO BRASILEIRO Alisson Rodrigo de Araújo Oliveira 1 Jaqueline Borges Costa2 Luciano Nascimento Silva3

INTRODUÇÃO As organizações criminosas foram tema de debate no Estado Brasileiro durante muito tempo, principalmente pela ausência - até 2013 – de uma lei que a tratasse de forma completa, expressa e positivada, de modo que até então os magistrados, delegados, promotores e também o Ministério Público não tinham como enquadrar de forma adequada os crimes que caberiam no tipo, assim como se tinha também dificuldade no curso do julgamento. A primeira lei a trabalhar a repressão ao crime organizado no Brasil foi a lei 9.034/95, que definiu instrumentos extraordinários de investigação das organizações criminosas, sendo assim, estendendo esses instrumentos também para a associação criminosa e quadrilha ou bando (Art. 288 CP). A grande falha da lei 9.034/95 foi a previsão sem um maior detalhamento de instrumentos como a ação controlada, a infiltração policial e a colaboração premiada. Não havia portanto uma clara definição dos requisitos, limites, direitos, dentre outros. A falha mais gritante, porém, veio da falta de uma definição para as Organizações Criminosas, falha essa que só foi corrigida 17 anos depois, com a vigência da lei 12.694/2012, que foi posteriormente aprimorada pela lei 12.850/2013, vigente até hoje. METODOLOGIA Além da utilização e organização do conhecimento disponível, através de pesquisas bibliográficas (pesquisa teórica), a busca é por explicar os fatores que ocasionaram as mudanças na Lei das Organizações Criminosas, por meio do também consagrado método observacional. Acadêmico de Direito pela UEPB, membro ativo do Núcleo de Pesquisa dos Observadores do Direito (NUPOD) DGP/CNPq, Monitor nos componentes curriculares Direito Civil I (2013-2014) e Direito Civil III (2014-2015), Presidente do Centro Acadêmico Sobral Pinto e Extensionista participante do Projeto Rondon 2015. 2 Acadêmica de Direito pela UEPB, membro ativo do Núcleo de Pesquisa dos Observadores do Direito (NUPOD) DGP/CNPq e do Centro Acadêmico Sobral Pinto. 3 Pós-Doutor em Sociologia e Teoria do Direito pela Università del Salento, Lecce, Italia; Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP). Professor adjunto no CCJ/UEPB e Professor Colaborador no PPGCJ/CCJ/UFPB. 19 1


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RESULTADO E DISCUSSÃO Como já visto, a primeira lei que tratava de tal tema, que seria a lei número 9.034/95, abordava-o de forma rasa por não tipificar adequadamente o delito em questão, tendo assim um problema de taxatividade por não informar a conduta do agente, isto é, seu modus operandi. De fronte a tal lacuna, o Ministério Público se fez valer do Decreto 5.015/2004, para que houvesse uma definição do que viria a ser uma organização criminosa, assim como as decorrências legais advindas de tal delito. A aceitação acerca dessa adoção, porém, não foi pacífica. Apenas em 2012, com o surgimento da lei 12.694 que dispunha sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas. E foi a partir dessa lei que se teve a primeira definição do que seria organização criminosa no ordenamento jurídico brasileiro: Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. (Lei nº 12.694, BRASIL).

Sendo tal conceito, bastante inspirado no adotado pelo Decreto 5.015/2004. A partir disso, tínhamos um conceito de organização criminosa, mas a grande problemática dessa lei, era o fato de que o seu conceito de organização criminosa não possuía assim o caráter de crime, sendo apenas uma forma de praticar crime. Logo, não havia previsão de pena, apenas as consequências para o mesmo. Por esse motivo, mesmo aderindo uma conceituação própria para definir o que seriam as organizações criminosas, ainda continuaram a existir problemas no que diz respeito a tipificação do crime, pois como colocam Miranda e Panhoza (2014): A tentativa de finalmente tipificar o crime de organização criminosa em nosso país fora em vão eis que o legislador, ao definir o que viria a ser organização criminosa, estipulara que tal conceito somente seria válido para os fins da lei que o editara, dando margens à interpretações variadas, extremadas e conservadoras, abarcando críticas ferrenhas quanto à real intenção legislativa. (MIRANDA; PANHOZA, 2014)

Em 2013, houve então a promulgação da, que criou uma nova normatização para tratar dos crimes de organizações criminosas, revogou a primeira lei sobre o tema (9.034/95) e alterou os artigos 288 e 342 do código penal que seguiam os moldes da lei 12.694. A partir disso, a definição de organização criminosa passou a ser dado por: 20


ANAIS DO II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE ANÁLISES CRIMINAIS Associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (Lei nº 12.850/13, BRASIL).

Passando assim a não existir crime de quadrilha ou bando, mas sim de associação criminosa. Além disso, passou-se a haver tipificação do crime de acordo com o artigo 2 da nova lei, em que se lê “Art. 2o Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.” (Lei nº 12.850/13, BRASIL). CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do que foi exposto é possível notar que ao longo de 18 anos as leis que regulariam e definiriam o que de fato seria uma organização criminosa foram sofrendo o que poderia se chamar de uma evolução, visto que ao longo deste período não se tinha não só uma definição exata como também não se era estabelecido o modus operandi que deveria ser aplicado para enquadrar tal conduta criminosa ao caso concreto. Sendo, portanto, a lei nº 12.850/13 um importante marco para o direito penal brasileiro, uma vez que a partir dela foi possível finalmente ter de forma expressa e positivada no nosso ordenamento jurídico não só a conceituação, mas também a tipificação da conduta que até então não era estabelecida em lei. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995. _______. Lei nº 10.217, de 11 de abril de 2001. _______. Lei nº 12.694, de 24 de junho de 2012. _______. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. MARTINS, José Eduardo Figueiredo de Andrade. Conflito no conceito de organização criminosa nas Leis nº 12.694/12 e 12.850/13. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3814, 10 dez. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/26108>. Acesso em: 07 jun. 2015. 21


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MIRANDA, Eliana; PANHOZA, João. Nova Lei de Organização Criminosa Trouxe Ferramentas contra o Crime. Revista Consultor Jurídico, 25 de Junho de 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-jun-25/lei-organizacao-criminosa-trouxe-ferramentas-crime>. Acesso em: 07 de Junho de 2015.

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A LEI DE FEMINICÍDIO: UMA ANÁLISE DA MATERIALIZAÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO Mônica Thais Rodrigues Gomes1 Jéssika Saraiva de Araújo Pessoa2 Lucila Gabriella Maciel Carneiro3

INTRODUÇÃO A teoria do patriarcado tem servido para a análise das relações de dominação que antecederam à emergência do sistema capitalista, assim, a violência contra as mulheres não é só uma manifestação da desigualdade sexual, mas principalmente uma maneira de manter um padrão desigual de poder. A violência contra mulheres, principalmente por razões de gênero, tem se expandido dia após dia, dando origem a novas expressões de violência nas quais a mulher figura como polo passivo. Em resposta a essas circunstâncias de violência e diante da necessidade de uma maior vigilância, o congresso aprova a Lei do Feminicídio, proporcionando instrumentos legais de enfrentamento à violência de gênero contra a Mulher. No que diz respeito à metodologia essa pesquisa será eminentemente teórica, e desenvolver-se-á através da análise de conteúdo de doutrina, legislação, bem como da análise do discurso, adotando um raciocínio dedutivo e uma perspectiva interdisciplinar, jurídico-sociológica, em razão da interface entre Direito e Gênero. A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO GÊNERO Ao buscarmos um conceito de gênero, enfrentamos dificuldades, uma vez que essas definições se encontram em constante transformação histórica, social e cultural. Diante disto, nos questionamos: existe uma conceito de gênero universal e invariável ? Como afirma Beauvoir (1980, p.19) em o segundo sexo, o gênero é construído, “a gente não nasce mulher torna-se mulher”. No mesmo sentido, Butler, (2012) afirma que não é possível Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). E-mail: mthaisrodrigues@gmail.com Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). E-mail: jessikasaraiva@gmail.com 3 Graduada em Direito pela Universidade de Coimbra (2007). Mestre e especialista pela mesma instituição. Professora da Universidade Estadual da Paraiba, no curso de Direito, onde leciona as disciplinas Direito Civil II, Direito Internacional Público e Propriedade Intelectual. É pesquisadora-docente do grupo Polys e do corpo editorial da revista de mesmo nome. Pesquisadora docente do grupo de pesquisa Direito Internacional ao Desenvolvimento e Cidadania, na linha de pesquisa Práticas Políticas e Instrumentos de Proteção e Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania; aluna participante do Laboratório Internacional de Investigação em Transjuridicidade (LABIRINT), na linha de pesquisa Diálogos entre Direito e Arte. Coordenadora do projeto de iniciação científica UEPB/Cnpq, sob o tema "Parcerias público-privadas em inovação e transferência tecnológica: o caso da universidade estadual da paraíba". Advogada. E-mail: lucilavilhena@gmail.com 23 1 2


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a existência de um conceito de gênero universal, separado das interseções, com as modalidades raciais, classistas, étnicas, religiosas e culturais. Ademais, Judith Butler reconhece a existência de papeis de gênero construídos de forma fixa nas sociedades pela cultura. Nessa perspectiva, a autora critica os papéis invariáveis atribuídos à mulher. Além disto, por intermédio da teoria Queer, Butler explica os motivos culturais que ensejam a recusa de alguns povos a garantir direitos as mulher, Consoante essa teoria o gênero é entendido como uma construção, não possuindo uma identidade estável. Uma coalizão aberta, portanto, afirmaria identidades alternativamente instituídas e abandonadas, sendo, pois, uma encenação ou uma performance, que consiste na atribuição de papeis sociais moldados pela cultura de cada sociedade para estabelecer as funções da mulher e do homem em razão do seu corpo. Além disso, Butler realiza uma desconstrução da dualidade sexo/gênero, da visão de que o sexo é biologicamente fixado e o gênero é culturalmente construído. Dessa maneira, ela se opõe à concepção de que existe um conceito de gênero universal e definitivo, uma vez que ele é produto de um contexto histórico, cultural e social, compreendendo-o como um conceito aberto, em constante construção e que permite múltiplas convergências e divergências. Afirma a autora que não existe uma identidade de gênero por trás das expressões de gênero e que a identidade é performativamente constituída. A partir dessas definições, compreendemos que o modelo de gênero heteronormativo binário, que se limita às noções consolidadas de masculino e feminino (dualismo entre sexo e gênero), é responsável pela repressão e violência contra as mulheres, uma vez que é nele que se fundamenta a negativa de seus direitos. Ademais, esse modelo possui relevante influencia na construção do ordenamento jurídico de uma sociedade e na concessão e efetivação de direitos por parte dele. Na medida em que, os direitos são concedidos de acordo com os papeis estabelecidos pela cultura para cada sexo. Nesse contexto, entendemos que o mesmo mostra-se ineficaz, não garantindo o respeito a dignidade humana das mulheres, visto que restringe seus direitos. Assim sendo, a autora reforça que nossa tarefa é justamente formular, no interior dessa estrutura construída, uma critica às categorias de identidade de gênero que as estruturas jurídicas contemporâneas engendram naturalizam e imobilizam promovendo o empoderamento das mulheres para que elas possam lutar pelos seus direitos. A MATERIALIZAÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO NA LEI DE FEMINICÍDIO

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A violência contra as mulheres não é só uma manifestação da desigualdade sexual, mas principalmente uma maneira de manter o padrão desigual de poder. Assim, a violência praticada contra mulheres representa uma violação aos direitos humanos e constitui, sobretudo, um dos principais obstáculos para a concretização de uma sociedade igualitária e plenamente democrática (CAMPOS, 2006). As agressões, que outrora restringiam-se ao seio familiar, expandiram-se de tal maneira que, pela sua simples condição de pertencerem ao sexo feminino, as mulheres têm sido vítimas dentro e fora dele, motivo que levou o legislador a despertar para uma maior proteção. A lei 9.099/95 que, qualificando a violência doméstica como infração de menor potencial ofensivo, centralizou o debate da violência no rito processual, a Lei nº 10.866/2004, por sua vez, introduziu uma nova modalidade autônoma de lesão corporal: a violência doméstica, que após aprovado transformou-se na Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha. Ultimamente as mortes de mulheres em função da violência de gênero começaram a ser nomeadas por algumas autoras e criminólogas feministas de “feminicídio”. O termo “femicídio” ou “feminicídio” é atribuído a Diana Russel, quem o teria utilizado pela primeira vez durante depoimento no Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, em Bruxelas, no ano de 1976, sobre a nomenclatura: O Femicídio está no ponto mais extremo do contínuo de terror anti-feminino, que inclui uma ampla variedade de abusos verbais e físicos, como o estupro, a tortura, a escravidão sexual (particularmente na prostituição), abuso sexual incestuoso ou extrafamiliar; agressões físicas e emocionais, assédio sexual (no telefone, na rua, no escritório e na sala de aula), mutilação genital (clitoridectomia, excisão, infibulação), operações ginecológicas desnecessárias, heterossexualidade forçada, esterilização forçada, maternidade forçada (através da criminalização da contracepção e do aborto), psicocirurgia, privação de comidas para mulheres em algumas culturas, cirurgias cosméticas e outras mutilações em nome do embelezamento. Em qualquer lugar que essas formas de terrorismo resultem em morte, elas se tornam femicídios.” (RUSSEL; CAPUTTI, 1992 apud PASINATO, 2011, p. 199-142.)

Esse tipo de crime pode ocorrer em diversas situações, incluindo mortes perpetradas por parceiros íntimos com ou sem violência sexual, crimes seriais, violência sexual seguida de morte, feminicídios relacionados à morte ou extermínio de outra pessoa. Em 9 de março de 2015, indo mais além, fruto do Projeto de Lei do Senado nº 8.305/2014, foi publicada a Lei nº 13.104, que criou, como modalidade de homicídio qualificado, o feminicídio, que ocorre quando uma mulher vem a ser vítima de homicídio simplesmente por razões de sua condição de sexo feminino. O projeto de lei nº 292/2013 foi aprovado a seguinte redação: 25


ANAIS DO II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE ANÁLISES CRIMINAIS Art. 121. Matar alguém: [...] Homicídio qualificado [...] Feminicídio VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino Pena - reclusão, de doze a trinta anos. § 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. [...]

Devemos observar, entretanto, que não é pelo fato de uma mulher figurar como sujeito passivo do delito tipificado no art. 121 do Código Penal que já estará caracterizado o delito qualificado, ou seja, o feminicídio. Para que se faça configurada a qualificadora, nos termos do §2-A, do art. 121 do diploma repressivo, o crime deverá ser perpetrado por razões de condição de sexo feminino, que efetivamente ocorrerá quando abarcar violência doméstica e familiar ou desprezo ou discriminação à condição de mulher. Ao contrário do que poderia parecer, o feminicídio não é, totalmente, uma nova figura de qualificação do homicídio. O artigo 121 do Código Penal, já anteriormente, trazia como situação de qualificação o crime de morte por “motivo fútil” ou por “motivo torpe”, situações abrangentes do “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”, entretanto, a especificação retira a subjetividade interpretativa daquilo que se pode compreender por fútil ou torpe, que poderia, como já ocorreu historicamente no contexto brasileiro, permitir interpretações preconceituosas ou sexistas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na medida em que, os direitos são concedidos de acordo com os papeis estabelecidos pela cultura de cada sociedade para casa sexo., entendemos que o modelo heteronormativo vigente em nossa sociedade mostra-se ineficaz, não garantindo o respeito à dignidade humana das mulheres e a materialização da igualdade de gênero restringindo seus direitos. Assim sendo, a nossa tarefa é justamente formular, no interior dessa estrutura construída, uma critica as categorias de identidade de gênero que as estruturas jurídicas contemporâneas engendram naturalizam e imobilizam promovendo o empoderamento das mulheres para que elas possam lutar pelos seus direitos. Nesse sentido a lei feminicídio se mostra como um grande avanço na promoção da igualdade de gênero promovendo as descontrução dos valores que sustentam as mais diversas formas de violência contra a mulher. 26


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REFERÊNCIAS

BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Trad. Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. BRASIL. Código Penal Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em 04 mai. 2015. BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. 2º ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. ______. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. 4º ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2012. CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo de. Violência Doméstica e Juizados Especiais Criminais: análise a partir do feminismo e do garantismo. Revista de Estudos Feministas. Florianópolis, 2006. DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2004. ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 14 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. LINS, Regina Navarro. A Cama na Varanda: arejando nossas ideias a respeito de amor e sexo: novas tendências. 6 ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2012. PASINATO, Wânia. Avanços e obstáculos na implementação da Lei 11.340/2006. In: CAMPOS, Carmen Hein (Org.). Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídicofeminista. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

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A INTENSIFICAÇÃO MIDIÁTICA DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E O

LABELLING APPROACH José Lucas Silva Galdino1 Luciano Nascimento Silva2

INTRODUÇÃO Dia trinta e um de março do ano de 2015 o mundo jurídico brasileiro é abalado com uma notícia de grande clamor social, após uma votação, a Comissão de Constituição de Justiça formada por grandes nomes do Direito - se entregam a votar a favor da redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos na PEC 171/1993. Atente-se para o fato do clamor social cujo faz tal emenda prosseguir associado a tese do “Labelling Approach”. Como grande aliado a esse fato, a mídia tem contribuído ao se alinhar com o esse projeto ao exaltar crimes cometidos por inimputáveis, além das grandes crônicas de âncoras cujas se posicionam a favor. Encontra-se em diferente formas midiáticas a exposição do seu alinhamento, o que foge a real função da mídia, e mostra os verdadeiros interesses inerentes. METODOLOGIA A ideia metodológica pode ser traduzida em um exame descritivo sobre as motivações jurídico-sociológicas de um projeto de redução da maioridade penal cujo oculta uma política do “entiquetamento”, podendo ser identificada como um projeto de poder e de estado de uma criminalização de uma juventude na qual, histórica e culturalmente, sempre foi esquecida. O direito como sistema de poder pode ser interpretado mediante a leitura das suas bases jurídicas e da sua memória de decisão reeditadas no tempo presente como uma forma de dominação que objetiva a reconstrução do modelo de civilidade. A utilização do sistema penal como forma de controle de uma classe de sujeito de direitos. O que chamamos de metodologia de uma interpretação jurídico penal em um projeto Vigiar e Punir de uma classe de sujeitos consagrados pelo direito constitucional, que hora passa a Graduando em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Professor de Inglês do Centro Campinense de Cultura Anglo Americana (CCAA). 2 Pós-Doutor em Sociologia e Teoria do Direito pela Università del Salento, Lecce, Italia; Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP). Professor adjunto no CCJ/UEPB e Professor Colaborador no PPGCJ/CCJ/UFPB. 28 1


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ser vítima por uma negação das suas garantias individuais e direitos fundamentais esculpidos tanto na ordem interna constitucional, quanto na ordem internacional dos Direitos Humanos, direitos esses cujos são violados devido à uma rotulagem jurídico-social, criminalizando uma unidade de um sistema social complexo – jovens. Significa dizer que tal trabalho esboça uma metodologia crítica da criminalização da infância e juventude no direito constitucional brasileiro. RESULTADOS E DISCUSSÃO Ter-se-á como Labelling Approach a intensificação do “etiquetamento”. Ao traduzir o verbo da língua inglesa, cujo dá origem ao termo “Labelling Approach”, encontrar-se-á “etiquetar”. As instância formais e materiais de controle social são responsáveis por isso, como no caso da polícia, ministério público e pelo tribunal penal. Essa é a forma vista Winfried Hassemer em A Introdução aos Fundamentos da Teoria Crítica. Ao tomar o termo português, o crime se resume a um “traje” dado àquele cujo comete o crime. Tal traje construído por não só esferas de controle, mas a mídia em si cuja é capaz de ampliar ao “etiquetamento” do criminoso. Alessandro Baratta em sua obra traz o “Labelling Approach” como a criminalidade vista sem antes haver o pressuposto da atuação dos agentes oficiais. Só haverá infração a norma penal a partir do momento em que o sistema penal se estratifica, devendo-as serem entendidas desde sua formação até a ação dos agentes de controle social: Esta dirección de investigación parte de considerar que es imposible comprender la criminalidad si no se estudia la acción del sistema penal que la define y que reacciona contra ella, comenzando por las normas abstractas hasta llegar a la acción de las instancias oficiales (policía, jueces, instituciones penitenciarias que la aplican). (BARATTA, 2002, p.84)

Com a teoria de Baratta, perde-se a noção maniqueísta sobre o criminoso, ou fatores biológicos cujo o torne delinquente, pois deve ser enxergado como uma construção social originado do desvio de comportamento no qual atinge a norma, vide: “En este sentido, el labelling approach se ha ocupado hasta ahora, sobre todo, de las reacciones de las instancias oficiales del control social, consideradas en su función constitutiva respecto de la criminalidad. Desde este punto de vista se estudia el efecto estigmatizante de la acción de la policía, de los órganos de acusación pública y de los jueces.” (BARATTA, 2002, p.84)

Com a intensificação de notícias em diferentes veículos midiáticos, vê-se o quanto o calor popular cresceu sobre a redução da maioridade penal. Mesmo o indivíduo sendo inimputável 29


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mediante o sistema de normas penais, esse se torna criminoso por ser atribuído a si juízo de valor cujo não é correspondente. Essa tipo de reação social é uma das marcas evidenciadas no texto de Baratta: “Lo que la criminalidad es se percibe fácilmente, en verdad, observando la reacción social frente a un comportamiento, en cuyo contexto un acto se interpreta (valorativamente) como criminal, y a su autor se le trata en consecuencia.” (BARATTA, 2002, p.95)

CONSIDERAÇÕES FINAIS A fixação da pena em 18 anos assegura ao jovem o princípio da dignidade da pessoa humana, estando em consonância ao sistema constitucional brasileiro e externo na ordem internacional de Direitos Humanos. O Estado possui seu dever protetivo ao inimputável, devendo-lhe assegurar todos os seus direitos cujos lhe foram negados e esquecidos durante anos em um ambiente mundial. Puni-lo é colocar garantias construídas dolorosamente em cheque. Uma vez vista a conceituação de “Labelling Approach” cabe associar o fator midiático a esse conceito da criminologia crítica. Atos jurídicos de controle social são capazes de construir uma impressão sobre aquele cujo infringiu as normas do sistema de penas – criminoso, tendo como consequência sua perda de direito devido à fato cometido. Tal imputação é capaz de marginalizar o indivíduo, todavia seu distanciamento da sociedade é fortemente causado pelo próprio sistema social no qual esse vive. A termos de redução da maioridade penal, a sua rotulação é crescente e demasiada quando se trata de jovens dos quais possuem seus direitos assegurados constitucionalmente, e lhe são retirados devido a rotulagem de uma embalagem cuja não é sua. REFERÊNCIAS

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Girino dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do Direito Penal. Tradução de Pablo Rodrigo Aflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005.

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TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE FEMINICÍDO NO BRASIL: O AVANÇO NO DIREITO PENAL COMO FORMA DE PROTEGER OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER Ramon de Medeiros Bahia1 Thaynná Batista de Almeida2 Luciano Nascimento Silva3

INTRODUÇÃO A desigualdade de gênero é uma problemática social que está presente nas sociedades desde tempos mais remotos da humanidade. A disparidade dos direitos e garantias da mulher e a violação destes, só se tornaram uma questão a ser pensada e estudada no final do século XIX, com a inserção destas no mercado de trabalho e sua consequente maior participação na vida social e econômica como um todo. Mesmo assim, tal desigualdade ainda está presente no atual século e ela se reflete, nas questões trabalhistas, econômicas, e acima de tudo, na social. Uma das marcas da presença dessa desigualdade de gênero presente no meio social está relacionada à questão da violência física contra mulher que cresce em números alarmantes todos os anos no Brasil e no mundo, sendo necessário que os estados criassem uma legislação especifica que tipificasse tal crime, como forma de punir de maneira mais severa aqueles que cometessem homicídio contra mulheres por motivos ligados ao gênero. Tendo por escopo esse aumento do número de homicídios contra a mulher, no dia 9 de maio de 2015 a Presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei Nº 13.104 que alterou o artigo 121 do Código Penal, inserindo o crime de Feminicídio como uma qualificadora do tipo Homicídio. A Lei propõe um maior rigor nos delitos cometidos contra mulher pela questão de gênero, e é um avanço na campanha contra a discriminação da mesma, um segundo passo, na vertente em que o primeiro foi a Lei 11.340/2006 conhecida como Lei Maria da Penha. METODOLOGIA

Graduando em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Membro do Núcleo de Pesquisa dos Observadores do Direito. 2 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Membro do Núcleo de Pesquisa dos Observadores do Direito. 3 Pós-Doutor em Sociologia e Teoria do Direito pela Università del Salento, Lecce, Italia; Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP). Professor adjunto no CCJ/UEPB e Professor Colaborador no PPGCJ/CCJ/UFPB. 31 1


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O presente resumo expandido tem como tema a tipificação do crime de feminicídio no Brasil, trazendo uma explicação sobre o contexto histórico que se insere a esse novo crime e de que forma tal Lei protege os direitos e garantias fundamentais da mulher. No tocante a metodologia utilizada para a realização do estudo apresentado, é uma pesquisa qualitativa quanto as formas de abordagem, pois aborda os fenômenos sociais subjetivos que envolvem a questão do feminicídio, é uma pesquisa exploratória quanto aos objetivos pois tem por objetivo tornar mais explicito uma determinada problemática, envolvendo um estudo eminentemente bibliográfico, além de ser uma pesquisa documental, já que os materiais existentes sobre o feminicídio ainda não receberam um tratamento analítico. RESULTADOS E DISCUSSÕES Há muito tempos em diversas sociedades a mulher é tida como ser inferior ao homem, que deve ser subjugada e oferecer obediência. Os tempos foram mudando essa concepção para uma parcela cada vez maior de pessoas na sociedade inclusive no Brasil. Há dois séculos, a mulher ainda era um objeto, uma posse do homem (leia-se marido), e como tal a ele pertencia, o homem então poderia cometer todo tipo de atrocidade como a mesma. Esses costumes foram se perpetuando no tempo, contudo a luta pela igualdade dos gêneros se instaurou nos séculos XIX e XX, e com grandes dificuldades as mulheres conquistaram cada vez mais a igualdade. Porém a conquista desses direitos no âmbito legal não os garantiu no âmbito social, e apesar de nossa Constituição prevê no seu artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza(...)” essa não é realidade assistida. A violência contra a mulher continuou a crescer no Brasil durante todo século XX, e apesar do nosso país ser signatário de tratados, como a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, adotada em 1993, essa violência não foi barrada efetivamente. Eis que em 2006 surge um novo dispositivo penal no nosso ordenamento, oriunda de uma condenação do Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) que resultou na Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Está lei veio a criar um mecanismo próprio para combater a violência contra a mulher, penas mais rígidas, maior proteção, entre outros aparatos jurídicos. Contudo sua maior contribuição foi a divulgação midiática dos delitos, a sociedade foi bombardeada com informações sobre a violência contra a mulher (NASCIMENTO, 2015). O feminicídio é o tipo penal que surgiu no ordenamento jurídico penal brasileiro no início de 2015 em busca de solucionar um problema social que é crescente ao longo dos séculos 32


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em todas as sociedades, a discriminação contra a mulher e a consequente impunidade de homens que matam mulheres pela sua condição de “mulher”, mas aqui não se criou uma qualificadora para o homicídio de mulheres e sim para o homicídio em razão da depreciação da condição de mulher. O termo feminicídio é usado na América Latina e no Caribe desde 2007, 15 países latinoamericanos aderiram a tipificação penal em seus ordenamentos jurídicos. O Brasil o mais recente deles, adota a postura com a intenção de observar uma redução no quadro de homicídios de mulheres. Contudo o temor é ocorra o não aproveitamento da norma, assim como foi o caso da Lei 11.340/2006. Segundo dados do IBGE em 2010 foram 108.491 registros de atendimento na Central de Atendimento à Mulher, em 2011 foram 74.984 e em 2011 até julho foram 47.555, uma redução considerável. Contudo o número de homicídios contra mulheres só subiu (GARCIA, FREITAS, SILVA, 2015) no período, o que comprova que apesar da Lei existir sua eficácia ainda deve ser trabalhada, ou seja, a Lei 11.340 não mudou o quadro de violência doméstica contra a mulher (NASCIMENTO, 2015).. CONCLUSÃO A nova lei em seu nascimento já enfrentou inúmeras críticas, muitos opositores alegam que o tipo penal do homicídio já era uma garantia de tipificação contra o crime, e indo mais além alegam ser esse tipo penal inconstitucional, indo ele contra o caput do artigo 5º, supracitado. Não se pode negar que um tratamento diferenciado é conferido a mulher nesse caso, contudo esse tratamento não impele em vantagem para a mesma, ou motivo de orgulho, pelo contrário, a tipificação desse delito só denota o quanto parte da nossa sociedade é retrograda e insiste em condutas não mais aceitas pela outra parte da mesma. Se a dois séculos um homem matar uma mulher pelo crime de adultério no interior do nosso país por essa ser adultera era tido como normal, não podemos aceitar que a mesma conduta seja validada hoje, pois mesmo naquele momento ainda era admitido a escravidão em nosso país. O tratamento diferenciado aqui então vem somente para corrigir um erro já denotado a todos, pois é nítido que na sociedade brasileira a mulher não é tratada da mesma forma que o homem, e negar isso é como negar preconceito racial e sexual, para sanar dúvidas quanto à existência dos mesmos basta conferir os jornais impressos, televisivos ou digitais, não raramente se encontrar notícia de um negro vítima de racismo, um homossexual de homofobia e uma mulher de machismo.

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Por fim resta esperar para que esse novo delito tenha seu efetivo provado, e não no sentido de termos várias penas cominadas com base no mesmo, afinal se o delito for consumado o que se faz apenas é uma afirmação da norma, pois o bem jurídico tutelado já foi alterado, e uma vez quebrado o equilíbrio ele não pode ser restaurado. O que se espera é uma prevenção, que a nova tipificação alerte a sociedade, e crie uma consciência social sobre a importância da mulher e como ela está sendo agredida todos os dias na sociedade. E essa prevenção deve vir não somente com o poder coercitivo de uma Lei, mas também a nível social. REFERÊNCIAS

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ESPINOZA, Fran. O feminismo não é um assunto só de mulheres. Fev. de 2014. Disponível em: < http://www.universopolitico.com.br/colunista.php?noticia=8632#>. Acesos em 09 de junho de 2015.

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OS CRIMES CIBERNÉTICOS NO AMBIENTE LABORAL: UMA APLICAÇÃO DO DIREITO PENAL DO TRABALHO Petrúcio Araújo Reges1 Jéssika Saraiva de Araújo Pessoa2 Lucila Gabriella Maciel Carneiro Vilhena3

INTRODUÇÃO A internet vem se expandido de tal forma que mais de 50% da população brasileira é usuária desse meio de comunicação, de acordo com os dados do PNAD4 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) que é vinculado ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Nesta perspectiva, ganham relevante destaque as problemáticas jurídicas contemporânea voltadas para o universo virtual, que proporciona, aparentemente, uma liberdade de expressão sem limites para seus usuários e que se escondem atrás do anonimato. Face ao exposto, esse resumo se propõe a discutir de forma crítica, a aplicação do direito penal do trabalho, no que diz respeito a pratica de crimes cibernéticos no ambiente de trabalho, buscando compreender as razões que sustentam tais praticas. Assim sendo, objetivamos analisar a composição dos crimes virtuais nas relações trabalhistas, especificamente no Brasil, mediante aplicação do Direito Penal do Trabalho, para tanto, a pesquisa será eminentemente teórica utilizando-se da metodologia da pesquisa bibliográfica, doutrinária a cerca do Direito Penal do Trabalho, como também a pesquisa jurisprudencial relativa aos litígios sobre a temática. Assim, inicialmente serão analisados os

Graduando em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Estagiário da Justiça Federal. Compõe a comissão de Direitos Humanos do Centro Acadêmico Sobral Pinto, CCJ-UEPB. Pesquisa nas áreas de Liberdade de Expressão, Direito informático e Direitos fundamentais. E-mail: petrucio_araujo@hotmail.com 2 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, atuando principalmente nas temáticas de Direitos Humanos, Direito Constitucional, Direitos Fundamentais, Direitos Sociais, Violência de Gênero, Lei Maria da Penha, Educação e Cidadania. Membro dos grupos de pesquisa “Direito, Tecnologia e Realidade Social: paradoxos, desafios e alternativas” e “Direitos Fundamentais: Defesa à Singularidade e às Diferenças”. Extensionista no projeto “Saiba direito: instruindo de forma eficaz”. Estagiária do Núcleo de Inovação e Transferência Tecnológica NITT/UEPB. E-mail: jessikasaraiva@gmail.com 3 Graduada em Direito pela Universidade de Coimbra (2007). Mestre e especialista pela mesma instituição. Professora da Universidade Estadual da Paraiba, no curso de Direito, onde leciona as disciplinas Direito Civil II, Direito Internacional Público e Propriedade Intelectual. É pesquisadora-docente do grupo Polys e do corpo editorial da revista de mesmo nome. Pesquisadora docente do grupo de pesquisa Direito Internacional ao Desenvolvimento e Cidadania, na linha de pesquisa Práticas Políticas e Instrumentos de Proteção e Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania; aluna participante do Laboratório Internacional de Investigação em Transjuridicidade (LABIRINT), na linha de pesquisa Diálogos entre Direito e Arte. Coordenadora do projeto de iniciação científica UEPB/Cnpq, sob o tema "Parcerias público-privadas em inovação e transferência tecnológica: o caso da universidade estadual da paraíba". Advogada. E-mail: lucilavilhena@gmail.com 4 Pesquisa disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000018883109232014310419410583.pdf>, Acesso em: 07/05/2015. 36 1


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conflitos entre direitos fundamentais resultantes dessas condutas delituosas, a saber, a colisão entre o direito a liberdade de expressão, com os direitos de personalidade e direitos trabalhistas. Logo após, será efetuada uma breve explanação sobre a aplicação do direito penal do trabalho, sua efetividade e seus desdobramentos. Por fim, pretendemos apontar uma alternativa para efetivação dos direitos fundamentais e da dignidade humana, ao dos trabalhadores no ambiente laboral. OS CRIMES CIBERNÉTICOS NO AMBIENTE LABORAL Observamos cotidianamente que determinadas ações realizadas pelos usuários da rede de computadores configuram-se como crimes, visto que violam os direitos personalíssimos, os demais direitos fundamentais, bem como a dignidade humana. Nesse contexto, segundo Brant (2010, p. 9), devemos analisar a tecnologia dentro do universo jurídico, sobretudo no que diz respeito aos direitos ligados à personalidade, uma vez que esses são contemplados e salvaguardados pelo Código Penal. Dessa maneira, a internet gera dicotomias, visto que segundo Souza Filho (2009), por um lado esta rompe as fronteiras nacionais em sintonia com a globalização, permitindo a plena convivência de um mosaico cultural. Porém, em contra partida, permite que estratégias sejam utilizadas para ludibriar a lei. Assim sendo, é notório, no meio virtual, a presença de conflitos entre direitos fundamentais, tais quais a liberdade de expressão e as normas jurídicas atualmente vigentes no que se refere a pratica de crimes cibernéticos. Neste interim, o ordenamento jurídico brasileiro necessitou adaptar-se a expansão da internet, uma vez que esse novo fato social em questão não havia sido previsto no ordenamento jurídico vigente. Assim, diante da omissão legislativa no País, foi necessária a utilização do ativismo judicial para aplicar as normas já vigentes ao ordenamento, trazendo inovações nas interpretações legislativas e na sua aplicação. Na tentativa de suprir a necessidade legislativa a cerca da temática, fora promulgado o “marco civil da internet” (Lei 12.965, de 23 de Abril de 2014), esta que não se limita ao âmbito civil, haja vista que tal lei objetiva estabelecer princípio, garantias bem como deveres aos usuários da internet. Diante do exposto, adentramos ao Direito do Trabalho para verificarmos as novas configurações das relações laborais no que diz respeito aos crimes cibernéticos, haja vista que o ambiente de trabalho, também precisou se adaptar aos avanços tecnológicos incorporando a internet, como ferramenta muitas vezes indispensável ao exercício do trabalho pelo empregado, 37


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que em determinados casos é composto por dados sigilosos da própria empresa que encontra-se em fácil acesso pelo meio virtual. A

APLICAÇÃO

DO

DIREITO

PENAL

DO

TRABALHO

NOS

CRIMES

CIBERNÉTICOS Admitir a existência do Direito Penal do Trabalho é contemplar a possibilidade de criminalização a cerca dos ilícitos laborais. O direito penal do trabalho, embora não tão abordado de forma evidente na academia, ganha ensejo na contemporaneidade, haja vista haverem novas configurações no cenário trabalhista no tocante a sociedade, dos valores destas e, consequentemente, novas normas. Nessa perspectiva, percebemos que no direito penal do trabalho não há associação ao direito penal clássico, dessa forma, não podemos associa-lo as concepções liberalistas que impuseram os direitos e garantias de primeira geração. As relações entre o direito do trabalho e o direito penal dizem respeito às concepções de infrações penas a cerca da matéria trabalhista, configurando-se ilícitos penais e trabalhistas. Nesse sentido, Nascimento preconiza que: No Brasil, um capítulo do Código Penal é destinado aos “Crimes contra a Organização do Trabalho”. Proíbe a lei penal o atentado contra a liberdade de trabalho, de contrato de trabalho, a boicotagem violenta, o atentado contra a liberdade de associação, a frustração de direito assegurado por lei trabalhista, a frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho, o exercício de atividade com infração de decisão administrativa e o aliciamento para o fim de emigração. (...) Em princípio, o ilícito penal e o ilícito trabalhista são autônomos e sujeitos a tratamento jurídico próprio. No entanto, muitas vezes o mesmo fato apresenta um ilícito penal e um ilícito trabalhista. É o caso do furto. O empregado que furta incorre em justa causa de improbidade. O empregado que rouba também. O mesmo ocorre quanto à apropriação indébita. Justa causa para o despedimento do trabalhador será igualmente a prática de ofensas físicas a superior hierárquico, colega ou terceiro, e o conceito trabalhista de ofensas físicas outro não é senão o de vias de fato ou lesões corporais. A prática constante de jogos de azar também configura a justa causa trabalhista. Os atos contra a segurança nacional, idem. O mesmo sucede quanto à embriaguez no serviço habitual. Portanto, existem relações entre o problema trabalhista e o penal.” (NASCIMENTO, AMAURI MASCARO, 2001, EDITORA SARAIVA, P. 182/183).

Ademais, o código penal brasileiro contemplou o título IV de seu capítulo IV ao direito penal do trabalho, tipificando os crimes contra a organização do trabalho. Averiguamos dez tipos penais ali definidos, estes que não provêm do âmbito criminológico, de início, senão de uma relação laboral concomitantemente com um dano específico, estabelecendo assim, no campo cientifico, um relação penal-trabalhista.

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Verifica-se, no entanto, que o rol de onze artigos a cerca dos crimes contra a organização do trabalho, do código penal, mostra-se insuficiente para regular os comportamentos sociais a cerca das relações trabalhistas. Frisa-se que o desenvolvimento tecnológico propiciou a inserção da internet no ambiente laboral, nesse contexto as previsões do direito penal do trabalho mostram-se insuficientes para normatizar os delitos oriundos das relações de trabalho no ambiente cibernético , uma vez que essa nova ceara laboral é composta por relações humanas que envolvem a troca de dados sigilosos, configurando, assim, um cenário fértil para a potencialidade da prática de crimes virtuais. Como exemplo podemos verificar o pronunciamento do judiciário a cerca de violação de dados sigilosos nas relações interpessoais, vejamos: [....] O caso em espécie é de descoberta acidental pelo empregador que a Autora cometera falta gravíssima, contrariando expresso dispositivo do contrato de trabalho, avençado por escrito, e repassava segredos comerciais da Reclamada para empresa concorrente. [...] Como assistente de importação e exportação detinha conhecimentos de segredos estratégicos e táticos da empresa. E tinha compromisso expresso de sigilo. E de tanto não se preocupou ao ceder, sem permissão, os dados que dispunha em razão do cargo ocupado. [...]com os fundamentos supra dou provimento ao apelo da Reclamada para considerar justa a demissão tendo em vista a gravidade da falta cometida. [...]‖ (TST, Rel.Maria de Assis Calsing, Ag. Instr. em RR nº 2771/2003-26202-40, Julgado em 02/04/2008).

Certamente, a violação aos direitos de outrem, são comuns em várias relações sociais, no que diz respeito às relacionadas ao trabalho, averiguamos, mediante os conceitos de Garrido e Giovaneli (2012), que as praticas mias comuns dizem respeito à invasão da privacidade e a disseminação de e-mail calunioso ou difamatório, utilizando como justificativa o uso do direito fundamental a liberdade de expressão. Constatamos, nesse aspecto, que a utilização impropria da internet no ambiente de labor ativo dá ensejo a crimes cibernéticos, tais como os relativos às fraudes bancárias, estes positivados no artigo 155, §§ 3º e 4º, II, e 171 do Código penal; os crimes entendidos como “Cyberbulling”, sendo estes crimes contra a honra a partir de praticas no ambiente virtual também presentes no ordenamento jurídico penal a partir artigos 138, 139, 140 do CP. Contudo, em muitas situações estes desvios ocorrem no ambiente de trabalho, tendo como autores o empregado e o empregador. Por fim, constatando-se que a conduta delituosa do empregado ou empregador, esta deverá ser comunicada à autoridade policial, e, posteriormente, instaurado o procedimento compatível. Atingindo a ceara judicial, caberá à Justiça do Trabalho a resolução do litígio, haja vista que o Judiciário Trabalhista não se limita aos dissídios desencadeados pelas Consolidações das Leis Trabalhistas. 39


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CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento tecnológico, o uso da internet como meio de comunicação de massas e as novas configurações das relações laborais, criaram a necessidade do direito penal do trabalho, adaptar-se a essas novas mudança, visto que a internet passou a ser uma ferramenta muitas vezes indispensável ao exercício do trabalho pelo empregado, que em determinados casos é composto por dados sigilosos da própria empresa que encontra-se em fácil acesso pelo meio virtual. Diante desse contexto, os crimes cibernéticos passaram a ser praticados no ambiente do trabalho. Por conseguinte é de extrema importância a reforma e ampliação do direito penal do trabalho para a tutela das novas situações sociais, acabando com as omissões do legislador, no que diz respeito aos crimes cibernéticos no ambiente de trabalho, promovendo assim uma efetiva proteção dos direitos fundamentais e da dignidade humana nas relações de trabalho. REFERÊNCIAS

BRANT, Cássio Augusto Barros. Os Direitos da Personalidade na Era da Informática. Revista Direito Privado, Vol 42, p 9, 2010. SOUZA FILHO, Gelson Amaro. Liberdade de Expressão na Internet: Globalização e o Direito Internacional. Dourados- MS: Revista Juridica. UNIUGRAM, 2009. BRASIL. Lei nº 12,965, de 23 de Abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm> Acessado em: 09 de julho de 2014. GARRIDO, R.G. e GIOVANELLI. Ciência Forense. Uma introdução à criminalística FAPERJ, 2012. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo-SP: Saraiva. 2001.

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A CONVENÇÃO-QUADRO PARA O CONTROLE DO TABACO E SUA INFLUÊNCIA NA LEGISLAÇÃO ANTI-TABAGISTA BRASILEIRA Lucas Brasileiro de Oliveira Gomes1 Thaynná Batista de Almeida2 Clésia Oliveira Pachú3

BRASIL COMO REFERÊNCIA MUNDIAL DEPENDÊNCIA QUÍMICA DA NICOTINA.

CONTRA

A

EPIDEMIA

DA

O Brasil é destaque no cenário mundial político-normativo referente ao combate da epidemia tabagista que se intensificou no mundo desde as últimas décadas do século XX. Com o avanço das pesquisas científicas financiadas por entidades governamentais e não- governamentais desvinculadas do poderio da indústria tabagista foram constatados através de dados verídicos, o real risco a saúde pública que o consumo de substâncias presentes no fumo estava a apresentar aos consumidores desse “prazer”. A população jovem, o grande alvo dessa indústria multimilhonaria, uma vez que são potenciais usuários dos produtos fumígenos dessa, utilizando-os após o contato massivo por conta da dependência química instalada pela nicotina durante longos anos. Todavia esse conglomerado industrial alcança todos os anos lucros exorbitantes na faixa de bilhões de dólares, “deixando uma conta” caríssima para o sistema público de saúde brasileiro ao arcar com as doenças relacionadas à exposição da fumaça do tabaco, como também ao tratar os males vinculados ao uso em longo prazo das substâncias presentes no cigarro, como a nicotina, responsável pela dependência química. (SEELING, 2009). Dessa maneira ao visualizar o panorama internacional de saúde, as instituições internacionais pressionaram os entes estatais a adequar seus ordenamentos jurídicos as realidades alarmantes, tendo em vista a necessidade urgente de evitar as mortes provenientes da fumaça do cigarro, sendo considerado como a maior causa de morte evitável do mundo (WHO, 2015). Nessa vertente a Organização Mundial de Saúde estudou a matéria por longos anos, e constatou a necessidade de um documento de cooperação internacional que atrelasse os países membros a um compromisso de ordem mundial para a regulamentação dos produtos derivados do tabaco no mercado interno e externo. Almejando a redução dos números de novos dependentes químicos, como também a quantificação de cidadãos afetados pelas doenças ocasionadas pelo fumo ativo ou passivo.

Graduando em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Email:brasg@hotmail.com Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: thaynna.ba@gmail.com 3 Doutora em Engenharia de Processo pela Universidade Federal de Campina Grande, professora doutora da Universidade Estadual da Paraíba. Coordena o Núcleo de Educação e Atenção em Saúde da Universidade Estadual da Paraíba (NEAS-UEPB), e o Programa Educação e Prevenção ao Uso de Álcool, Tabaco e outras Drogas da Universidade Estadual da Paraíba (PEPAD-UEPB). Email: clesiapachu@hotmail.com 41 1 2


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Todavia, ao visualizar o extraordinário esforço de tais organizações, as indústrias tabagistas começaram a utilizar escusamente de sua influencia política, econômica e tecnológica para neutralizar tais atitudes. Financiando sorrateiramente pesquisas de cunho cientifico duvidoso através de profissionais de saúde, forjando documentos para comprovar a ausência de causa para essa regulamentação tida como “desnecessária”. Argumentando, resumidamente, em seus trabalhos angariados por tais “pesquisadores” que o uso esporádico, o fumo passivo e ativo, não estariam atrelados diretamente as causas de mortandade por câncer ou doenças do trato respiratório após anos a fio aspirando e expirando continuadamente a fumaça do cigarro. No entanto, tais argumentos fabricados caíram por terra logo que as pesquisas e as tecnologias evoluíram e verificaram a veracidade de tais ditos. (SEELING, 2009) Após a derrubada dessa argumentação inverídica, outro discurso, dessa vez, tido no mínimo como relevante, foi a questão da arrecadação tributária dos países que seria afetada em cheio ao regular e restringir determinadas práticas promocionais dessa indústria que vende maciçamente e, portanto, gera empregos diretos e indiretos. (BORGES, 2011) A solução encontrada foi a regulamentação desses produtos, uma vez que o grande poderio econômico dessa industria e os “benefícios” trazidos por elas não justifica a morte de milhares de pessoas , de jovens menores de idade, que tornam-se vítimas fáceis do maquinário publicitário formulado em cima dessa faixa etária os induzindo ao consumo , e tornando-os assíduos usuários por toda a vida desse produto. Sem mencionar os gastos alarmantes com saúde pública atrelados ao tratamento contra a dependência química, como também para sanar determinados males clínicos.

CONTEXTO

DE

RATIFICAÇÃO

DA

CONVENÇÃO-QUADRO

PARA

O

CONTROLE DE TABACO Durante a 52a Assembléia Mundial da Saúde (MAS), os países-membros da Organização das Nações Unidas, conjuntamente com a Organização Mundial de Saúde (OMS) formularam o primeiro tratado internacional de saúde pública da história mundial, chamado de a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT). A CQCT fora criada após as evidências científicas analisadas de que o desenvolvimento da indústria tabagista, seu enriquecimento e poderio econômico estavam atrelados diretamente ao crescimento exacerbado do tabagismo no mundo. (NIKOGOSIAN, 2010) Esse cenário tornou-se agravado devido às estratégias de grandes companhias transnacionais e multinacionais de tabaco com o objetivo de ampliarem seus comércios, atravessando continentes e chegando a diversos países, desenvolvidos ou em desenvolvimento. Através dos novos instrumentos de promoção mássica como a internet, e o comercio digital, dentre outras formas de marketing no seu sentido amplo do termo, como também o mercado ilegal de produtos de tabaco tornaram-se grandes expoentes na elevação da taxa de mortalidade derivada do tabagismo. (INCA, 2015)

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Segundo dados disponibilizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), por ano morrem em media de 5 milhões de pessoas em todo o mundo, tendo como causa direta ou indireta o consumo dos produtos fumígenos derivados do tabaco. Essa mesma organização estima que caso a atual taxa de consumo seja mantida pelas próximas três ou quatro décadas , na qual os fumantes hoje jovens, tornaramse adultos de meia-idade, a epidemia proveniente do tabaco será responsável por 10 milhões de mortes anualmente, sendo dessas , 70% delas serão em países em desenvolvimento e no Brasil serão 200 mil mortes por ano provenientes do tabagismo.

LEI 12.546/11 E SEUS ASPECTOS DE MAIOR RELEVÂNCIA NO TOCANTE A PROTEÇÃO DA SAÚDE PÚBLICA Constatou-se o número alarmante de mortes anuais com causas associadas ao uso esporádico ou regular, como também ao contato passivo com a fumaça tóxica proveniente da combustão do tabaco. Vale mencionar também a despesa do Sistema Único de Saúde para tratar as doenças provenientes desse hábito. Como o tratamento contra a dependência química provocada pela nicotina presente no tabaco. Uma vez que, todo tratamento de saúde deve ser custeado pelo SUS, embasado pelo principio da universalidade do atendimento de saúde do SUS (PONTES; CESSO; OLIVEIRA; GOMES, 2009), tendo por base o direito social à saúde, previsto no diploma constitucional em eu art.6. (BRASIL, 2015) O princípio da universalidade que confere ao atendimento público de saúde o caráter universal, tendo em vista a necessidade da população. Tem-se o conhecimento de que no mundo o tabagismo é uma doença, causada pela dependência química a nicotina, substância encontrada no tabaco dentre as mais de 5.700 fármacos existentes no cigarro (OMS, INCA, 2015). A OMS considera essa doença como a principal causa de morte evitável no cenário mundial, no qual se estima que terça parte da população mundial adulta, em números absolutos temos 1 bilhão e 200 milhões de pessoas , nas quais 200 milhões são mulheres , sejam dependentes químicos do tabaco. O quantum total de mortes associadas ao tabaco e seu uso alcançou o patamar de 4,9 milhões de mortes anuais , correspondente a mais de 10 mil óbitos diários. A projeção pela instituição de saúde de caráter mundial é de que caso as cifras expansionistas de quantidade de usuários de tabaco continue a elevar-se no mesmo ritmo, teremos por volta do ano de 2030, 10 milhões de óbitos anuais, dentre eles 50% de população em idade produtiva (35 anos e 69 anos). (WHO, 2003)

CONSIDERAÇÕES FINAIS A convenção-quadro para o controle do tabaco foi criada com o propósito de diminuir as milhões de mortes que ocorrem todos os anos devido ao uso prolongado do tabaco. A convenção originou outras leis que contribuíram para o combate ao uso do tabaco e conseqüentemente as doenças que dela originam. 43


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A lei em tratada por esse estudo propõe a promoção dos ambientes público ou privados de uso popular 100% livres de fumo. Uma tendência mundial na qual o Brasil é considerado pioneiro na adoção de tais medidas antitabagistas.

A adoção de tais leis permitem a garantia do direito social à saúde, devendo o estado ser garantidor de tal direito, garantindo o que se conhece como Princípio da Reserva do Possível que protege a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, qualificada como direito subjetivo indisponível assegurado a todos pela nossa Carta Magna. Assim, apenas é possível privilegiar o respeito indeclinável à vida e saúde humanas. REFERÊNCIAS WHO,World Health Organization, 2011. Disponível http://www.who.int/en/ Acesso em 22 de maio de 2014. INCA, Instituto Nacional do Câncer ,2011. http://www1.inca.gov.br/tabagismo/ Acesso em 19 de maio de 2014.

Disponível

em

CQTC,Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco; Instituto Nacional de Câncer. – Rio de Janeiro: INCA, 2011. Disponível em http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/convencao_quadro_texto_oficial.PDF Acesso em 16 de maio de 2014. BACKERS,Simone Regina, MARQUES,Lima Claúdia. FCTC E A RESTRIÇÃO À PUBLICIDADE DO TABACO. Disponível em http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/82525/Resumo_20020942.pdf?sequence=1 Acesso em 21 de maio de 2014. ALMEIDA DE,Guilherme Eidt Gonçalves. A interferência da indústria do tabaco na aprovação de lei federal n.12.546 de 2011 para ambientes livres de fumo. Disponível em http://actbr.org.br/uploads/conteudo/733_A_Interferencia_da_industria_do_Tabaco_na_lei.pd f Acesso em 14 de maio de 2014. SELLING, Marina Fonseca. A ventilação e a poluição tabagística ambiental – argumentação científica para o estabelecimento de leis de ambientes interiores livres de fumo. Disponível em xxxx SCHEIBLER, Juliana Luisa. A emergência de fóruns reguladores globais: relações e conflitos entre atores locais no processo de regulação do tabaco. SAMPAIO, Kelly Cristine Baião. REIS, Fellipe Guerra David. A proibição de “fumódromos” no brasil pela lei 12.546/11: uma abordagem pela ordem constitucional. Disponível em http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=1f1baa5b8edac74e.

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MINUSSI, Larissa Mendes. A construção social das normas. a origem da convençãoquadro para o controle do tabaco e seus impactos no brasil. Disponível em http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/20704/20704_1.PDF.

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PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL: A FUNDAMENTAÇÃO DA ULTIMA RATIO NAS CIÊNCIAS CRIMINAIS Amanda Guedes Mamede1 Kamila Kelly dos Santos2 Telma Cardoso Graciano3 Luciano Nascimento Silva4

INTRODUÇÃO O princípio da insignificância, também conhecido como bagatela, foi defendido pela primeira vez por Claus Roxin, à luz do entendimento relacionado com o princípio da intervenção mínima ou ultima ratio, o qual aduz que o Direito Penal deve ocupar-se de proteger apenas os bens jurídicos mais relevantes ao ser humano. A bagatela é aplicada em casos nos quais se observe: 1) a mínima ofensividade da conduta do agente; 2) ausência de periculosidade social da ação; 3) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e 4) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. A partir de desse princípio, aduz-se que nem toda conduta ilícita é caracterizada como crime, mas a recíproca não é verdadeira. Os elementos necessários para que um fato seja caracterizado como crime são: tipicidade (fato típico), ilicitude e culpabilidade. Por seu turno, o elemento fato típico, subdivide-se em: conduta, resultado, nexo de causalidade e tipicidade. Nos casos em que é aplicável o princípio a insignificância, há a presença da tipicidade formal (adequação da conduta ao modelo abstrato previsto em lei), porém observase ausência da tipicidade conglobante (analisa a conduta do agente e se o fato é materialmente típico). Sendo o fato desprovido de tipicidade material, ocorre a falta da tipicidade conglobante, excluindo-se a tipicidade penal, tendo por consequência a não caracterização de crime. O presente resumo abordará elementos favoráveis ao princípio da insignificância, bem como pontos que vão de encontro a tal entendimento, demonstrando uma forte polarização doutrinária e jurisprudencial quanto à aplicação de tal princípio.

Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. 3 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. 4 Pós-Doutor em Sociologia e Teoria do Direito pela Università del Salento, Lecce, Italia; Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP). Professor adjunto no CCJ/UEPB e Professor Colaborador no PPGCJ/CCJ/UFPB. 1 2

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APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Quanto vale a liberdade? Muitos responderão que ela não tem preço, ou ainda que seria difícil calcular o valor desse bem jurídico tão relevante para a vida do ser humano. Diante dessa consideração, poder-se-ia considerar razoável subtrair parte dessa liberdade para o cumprimento de penas insignificantes? Relacionando a indagação acima com o atual momento vivenciado pela sociedade globalizada, a qual sofre constantemente a influência midiática voltada à promoção do desejo de consumir desenfreadamente, observa-se que certos indivíduos se veem compelidos a praticar delitos contra o patrimônio alheio, visando satisfazer necessidades momentâneas, na busca por adequação a um determinado estereótipo social. Esse crescente “aliciamento” midiático leva o indivíduo a adquirir de forma ilícita bens que, geralmente, não são de primeira necessidade, incorrendo na prática de furto, crime previsto no art. 155 do Código Penal: Art. 155 Subtrair para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão de um a quatro anos e multa.

Pela aplicação da norma acima transcrita, se uma pessoa pobre vai ao supermercado e furta uma bandeja de iogurte, esse indivíduo pode ter sua liberdade cerceada. Entretanto, observando-se tal dispositivo sob um distanciamento crítico, percebe-se que seria um exagero a aplicação de uma pena de reclusão dada a insignificância da conduta praticada pelo agente. Corroborando com o entendimento acima exposto, vale observar o julgado do Colendo Supremo Tribunal Federal no HABEAS CORPUS: HC 116754 CE, no qual foi concedido o trancamento de uma ação penal, uma vez que o crime em tela (furto de cinco livros de uma biblioteca federal) foi considerado insignificante, já que a conduta não representou lesão grave aos bens jurídicos em questão. Há quem considere que a inserção de indivíduos que cometeram crimes insignificantes em um sistema penitenciário tão deficitário e desvirtuado quanto o brasileiro, no qual se observa acentuada precariedade nas condições fáticas de cumprimento da pena, acaba por eliminar o efeito de ressocialização da punição. Tal situação incorreria num efeito oposto ao desejado pela pena, fazendo com que o indivíduo ora criminoso não encontre alternativa de recuperação dentro do sistema prisional. Insta salientar que a aplicação do princípio da insignificância não pode ser feita quando se tratar de crimes nos quais haja emprego de violência ou grave ameaça. No caso de o réu ser 47


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reincidente, a aplicação de tal princípio também é vista com ressalvas, pois se percebe que há uma inclinação do réu para a prática de delitos sucessivos. Corroborando com esse entendimento temse a jurisprudência do STJ – AgRg no HC: 239046 MS 2012/0073944-3, Relator: Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE).

INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA No que pese a relevância do tema em comento, destaca-se a lição de JESUS (2002, p. 10) a respeito do princípio da insignificância: Ligado aos chamados „crimes de bagatela‟ (ou „delitos de lesão mínim‟), recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material).

Apesar de o Direito Penal direcionar seu foco aos bens juridicamente relevantes, deve-se destacar que nem sempre os crimes de menor potencial ofensivo ou de ofensividade mínima se enquadrarão como bagatela. A conduta lesiva do agente, por mais que seja considerada irrelevante aos olhos de alguns julgadores, para outros pode ser considerada como um delito passível de punição, tendo em vista ser esta uma avaliação subjetiva, ou seja, o que é considerado bagatela para um julgador, pode não ser assim considerado por outro. Importa ser realçado que, para um delito ser considerado como insignificante ou bagatela devem ser preenchidos alguns requisitos cumulativos, conforme preleciona GRECO (2013): Na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como a) a mínima ofensividade da conduta do agente, b) a nenhuma periculosidade social da ação, c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Assim sendo, mediante o preenchimento desses requisitos, pode restar caracterizado um delito de menor lesividade, sendo então enquadrado como bagatela. No entanto, para outros julgadores, o não preenchimento de quaisquer destas características restará afastado o referido princípio. Frise-se ainda que o fato de um delito não ser considerado como insignificante, ainda que estejam presentes os requisitos acima expostos ou mesmo sendo a res furtiva de pequeníssimo valor, não quer dizer que o delito em si não seja insignificante (bagatelar), se o valor da coisa furtada for realmente baixo. O que se deseja, na verdade, ao ser afastado o princípio da insignificância, é evitar a reincidência do agente na prática delituosa. 48


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Desse modo, o que justifica um indivíduo ser punido, mesmo tendo cometido um deleito cujo valor da coisa é ínfimo, não é apenas e tão somente o valor do bem, mas o fato do Estado ter por objetivo aplicar uma punição proporcional e razoável à prática delitiva, com o fito de evitar que o agente se sinta autorizado a cometer novas infrações, inclusive com maior potencial ofensivo. Logo, o princípio em comento não pode ser arguido para legitimar condutas desvirtuadas, mas sim, para evitar que condutas mínimas sejam punidas. Entretanto, comportamentos contrários à lei penal, ainda que insignificantes, quando praticados repetidas vezes, perdem a característica de bagatela, sendo adequado a aplicações das sanções cabíveis. CONSIDERAÇÕES FINAIS Mediante a análise dos fundamentos ora expostos, observada a ampla pesquisa realizada pelas mais variadas fontes do ordenamento jurídico brasileiro, destacadamente, lei, doutrina, jurisprudência, temos que o princípio da insignificância ou bagatela visa a não punição pelo direito penal dos crimes considerados de menor grau ofensivo. Embora não está expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, este princípio é amplamente aceito e difundido pela doutrina e pela jurisprudência, apesar das divergências quanto à sua aplicabilidade. Constatou-se ainda que o princípio da insignificância deve ser afastado quando o agente é reincidente na prática de delitos de menor potencial ofensivo, fazendo deles seu único meio de vida. Nestes casos, deve o direito penal reprimir tais condutas, a fim de evitar a propagação de um sentimento de liberdade para prática de atos contrários a lei. Ressalta-se, entretanto, que o juiz deve ser racional, razoável e proporcional na aplicação da punição, devendo contemplar penas alternativas como forma de reprimir condutas delituosas, cominadas mediante análise criteriosa do caso concreto. REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal : parte, geral, 1/ - 17. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a Lei n. 12.550, de 2012. pag. 61 – São Paulo : Saraiva, 2012. pag. 61 GOMES, Luiz Flávio. Delito de Bagatela: Princípios da Insignificância e da Irrelevância Penal do Fato. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/REVISTADIALOGO-JURIDICO-01-2001-LUIZ-FLAVIO.pdf>. Acesso em: 02 ago. 2014. 49


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GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 15. ed. rev. ampliada e atualizada. Rio de Janeiro. Impetus. 2013. p. 61-64. JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 25. ed. rev. e atualizada. São Paulo. Saraiva. 2002. p. 10

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ASPECTOS CONTROVERTIDOS DA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL MEDIANTE A COLETA DE MATERIAL BIOLÓGICO PARA A OBTENÇÃO DE PERFIL GENÉTICO Delane Silva da Matta Bonfim1 Felix Araújo Neto2 Nájila Medeiros Bezerra3

INTRODUÇÃO Sabe-se que a finalidade precípua da persecução penal no inquérito policial é apurar a autoria e a materialidade da infração criminal para subsidiar a formação do convencimento (opinio delicti) do titular da ação penal. Neste contexto, é dever do Estado identificar o autor do ilícito penal, constituindo-se pressuposto imprescindível a identificação efetiva e real do sujeito autor do fato delituoso para aplicação de uma sanção penal (jus puniendi). Desse modo, se utiliza o Estado, excepcionalmente, dos métodos e procedimentos de identificação criminal. Assim, objetiva-se dirimir qualquer dúvida ou incerteza sobre a identidade da autora delitiva, reunindo informações com o intento de individualizá-la e determiná-la, sendo possível tão somente nos casos previstos em lei.

Graduando em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas ( FACISA ). Foi pesquisador bolsista do Programa de Bolsas de Iniciação Científica Júnior ( PIBICjr - CNPq/FAPESQ ) em 2010/2011. Atualmente é alunopesquisador do Grupo de Estudos em Sociologia da Propriedade Intelectual - GESPI - da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) com Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Centro de Ensino Superior e Desenvolvimento (CESED) e Fundação Pedro Américo (FDA), na linha de pesquisa Biotecnologia, Recursos Genéticos e Ciências Penais. 2 Doutor em Direito Penal e Política Criminal (cum laude) pela Universidade de Granada, Espanha (2009). Título de Doutor revalidado pela UERJ (em 2011). Professor do Máster en Derecho Penal Económico da Universidade de Granada (UGR/ESPANHA) e do Instituto de Altos Estudios Universitários (IAEU). Professor Efetivo da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Coordenador Operacional do Doutorado Interinstitucional em Direito (DINTER - UERJ/UEPB), em convênio firmado entre a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado Criminalista. Possui Diploma de Estudios Avançados em Direito Penal e Política Criminal (correspondente ao mestrado) e título de Experto em Direito do Consumidor (Especialização) pela Universidade de Granada - Espanha. É professor de Direito Penal e Processual Penal em Cursos de Graduação e Pós-Graduação. Professor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas (Facisa/PB). Professor da ATAME (Curso de PÓS-GRADUAÇÃO, na unidade de Brasília). Professor da Escola Superior da Magistratura da Paraíba (ESMA/PB). Autor do livro Introducción al Derecho Penal (em parceria com o Catedrático da Universidade de Granada Miguel Olmedo Cardenete). Participante do livro "Coleção OAB - Provas OAB/FGV" - da Editora Juspodium. 3 Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas (FACISA), Campina Grande, PB. Atualmente é pesquisadora bolsista do Núcleo de Estudos em Direito Civil pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas - (FACISA), bem como membro do grupo de Pesquisa em Criminologia e Ciências Criminais, também pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas - (FACISA). Editora da Revista Científica A Barriguda, ISSN 22366695. Pesquisadora na área do Direito Civil, Processual Civil, Direito Digital e Direito Penal. 51 1


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METODOLOGIA Com base em seus objetivos, pode-se caracterizar a pesquisa como bibliográfica e documental, tendo como fonte produções doutrinárias e a legislação vigente, e um estudo descritivo, tendo em vista que buscar-se-á analisar os institutos da identificação criminal, mormente o biológico (genético) à luz do que preleciona a doutrina e que determina a legislação vigente que trata da matéria. Ainda, utilizar-se-á do método científico dedutivo, bem como aplicar-se-á na pesquisa um estudo quantitativo. RESULTADOS E DISCUSSÃO Com efeito, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, inciso LVXIII, prescreve que o “civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”. Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima (2014, p. 113) “ a identificação criminal tem por finalidade tornar a pessoa humana exclusiva‟‟, de modo que consiste no registro de dados identificadores da pessoa que perpetrou determinado crime e que se encontra sob investigação. Neste contexto, a Lei n° 12.037, de 2009, disciplina e regulamenta o supramencionado dispositivo constitucional, por tratar-se de norma consitucional de eficácia contida, dispondo sobre a identificação criminal do civilmente identificado. Dessa forma, o Art. 2° do referido diploma legal elenca o rol de documentos que atestam que, na identificação civil, o indivíduo pode ser identificado mediante documentos civis atestadores, não havendo a necessidade de ser identificado criminalmente. Entretanto, caso essa documentação civil elencada pelo texto legal não seja apresentada, se procederá a identificação criminal. Ocorre que, em algumas hipóteses autorizadas e expressamente previstas no art. 3° da Lei n° 12.037/2009, mesmo apresentando o documento de identificação civil, o legislador infraconstitucional permitiu a ocorrência da identificação criminal nas seguintes hipóteses, in verbis: Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando: I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação; II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado; III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa; V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais . 52


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Neste diapasão, o legislador inovou no sistema normativo de identificação criminal quando mediante a Lei n° 12.654 de 2012, trouxe a permissão de realização da identificação criminal por meio de coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético, quando essencial às investigações policiais (Art. 3°, IV, Lei n° 12.037/2009), após determinação judicial. Dessa forma, a identificação criminal abarca a identificação fotográfica realizada mediante o registro visual fotográfico do indivíduo com todas suas características; a identificação datiloscópica (impressões digitais), que consiste no método de colheita das impressões digitais datiloscopia, isto é, por meio das saliências papiplares existentes nas pontas dos dedos -, e, a mais recente, identificação biológica ou do perfil genético (material genético). Cumpre ressaltar que a identificação criminal não se confunde com a qualificação do investigado e nem com o reconhecimento de pessoa e indiciamento, institutos totalmente distintos. A propósito, os dados obtidos pela identificação do perfil genético devem ser guardados em banco de dados, gerenciado por unidade oficial de perícia médica. Assim, dispõe o art. 5°, da Lei n° 12.037/09, introduzido pela Lei n° 12.645/2012, que: Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal. § 1o As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos. § 2o Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial. § 3o As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.

Com efeito, existem posicionamentos que propugnam a inconstitucionalidade do dispositivo legal que acrescentou a identificação criminal por meio de coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético. Assim, essa colheita violaria direitos e garantias fundamentais da pessoa, bem como confrontaria alguns princípios jurídicos-penais, tais como o princípio do não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), da presunção de inocência (ou da não culpabilidade), do in dubio pro reo, da defesa técnica e da defesa pessoal. Ademais, a Lei n° 12.654/2012 modificou a Lei n° 7.210/84 (Execução Penal) acrescentando o art. 9-A, o qual traz a hipótese obrigatória, em sede do processo executivo da pena, a identificação criminal por meio de coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético, para aqueles condenados por crime doloso cometido com emprego e violência de natureza grave contra a pessoa ou por qualquer crime hediondo ou equiparado, in verbis: 53


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Art. 9o-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. § 1o A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. § 2o A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético

Valeu ressaltar a lição do processualista Lima (ob. cit. p. 116): Diversamente da hipótese prevista no art. 3°, IV, da Lei n° 12.037/09, em que a identificação do perfil genético é feita para ser utilizada como prova em relação a um crime já ocorrido - pode ser qualquer delito (v.g., crime doloso, culposo, infração de menor potencial ofensivo, etc.), já que o dispostivo não faz qualquer restrição quanto à espécie de infração penal -, no caso do art. 9°-A da LEP, a coleta do material genético será feita apenas em relação aos condenados por sentença transitada em julgado pela prática de delitos, sendo que a idetinficação irá para um banco de dados de modo a ser usada como prova em relação a fatos futuros cuja autoria seja desconhecida. Ademais, neste caso, não há necessidade de prévia autorização judicial para a coleta do material biológico, vez que esta autorização é necessária apenas para ulterior acesso ao banco de dados por parte da autoridade policial (LEP, art. 9-A, §2°, com redação dada pela Le n° 12.654/12).

Ademais, sobre a novel inovação legislativa, preleciona Nestor Távora que (2014, p. 142) “que o dispositivo necessita de leitura as luz da Constituição Federal, notadamente em face do princípio da não-autoincriminação em face de fatos futuros, bem como do direito de liberdade”. Por outro lado, outros argumentam a compatibilidade com a Constituição Federal de 1988, sob o argumento de que a lei visou aperfeiçoar o sistema de identificação criminal, permitindo essa nova faceta uma maior grau de certeza e segurada da determinação da autor do delito, evitando-se eventuais erros e injustiças. Neste diapasão, aduz Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 415-416): Inexiste qualquer sentido para evitar a identificação criminal, que deveria ser praxe, desde que não se transforme em palco de humilhação pública. Quanto mais precisa a identifcação, menos índices de erro judiciário envolvendo a troca de uma pessoa por outra. Não vislumbramos nessa colheita nenhuma invasão à intimidade ou à vida privada, nem tampouco a qualquer direito ou garantia na área processual pena, pois se volta à correta identificação individual, algo que não abrangido por qualquer direito vinculado à defesa do réu.

Com efeito, vê-se que a matéria suscita várias questões relevantes, de modo que percebese que não há consenso em sua plena aplicabilidade. De fato, a identificação do perfil genético deve observar o princípio da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere). É sabido que ninguém

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é obrigado e nem ser forçado a produzir prova contra si mesmo, consubstanciando verdadeira garantia constitucional. Sem dúvida, o fornecimento de material genético é meio suficiente para gerar uma incriminação. E o que visa a garantia da não autoincriminação é que o indivíduo não seja obrigado a contribuir ativamente para a prática de ato que vá incriminá-lo, bem como não ser submetido a produzir provas invasivas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com efeito, o novel diploma legal que autoriza a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético, como uma das formas de identificação criminal, deve ser analisado sob à luz dos mandamentos constitucionais que tutelam direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, bem como da base principiológica que norteia o sistema processual penal. REFERÊNCIAS

LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial Comentada. 2. ed. Salvador, JusPODIVM, 2014. ______. Manual de Processo Penal. Salvador: JusPODIVM, 2014. LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. ______. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. 9. ed. São Paulo: 2012. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas: Vol: I. 6. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 9. ed. Salvador: JusPODIVM, 2014. 55


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A DELAÇÃO PREMIADA NO PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 236 DE 2012 Maria Olívia Jardelino1

INTRODUÇÃO A delação premiada é causa de redução de pena aplicável ao criminoso que, agindo em concurso de agentes, auxiliar na persecução e desfazimento da conduta alegadamente ilícita, por vezes recuperando o objeto do crime ou mesmo possibilitando a libertação da vítima com integridade física incólume, possivelmente entregando, ainda, seus comparsas. O instituto é incisivamente criticado por diversos autores de renome quanto ao seu valor ou desvalor ético. O Projeto de Lei do Senado de nº 236 de 2012, em trâmite no Congresso Nacional, trará ao instituto diversas modificações, que serão apresentadas neste trabalho, em conjunto com sua referida análise crítica. Para a realização deste trabalho, as pesquisas e apontamentos construíramse a partir da metodologia descritiva. DISCUSSÃO Para a doutrina de Plácido e Silva, trata-se a delação premiada daquela “realizada por pessoa envolvida no delito e que procura obter o benefício de redução ou mesmo isenção das penas respectivas” (2008, p. 751). Consoante o entendimento parte da doutrina especializada, bem como do Supremo Tribunal Federal, o instituto se afigura como causa de redução de pena (BITENCOURT, 2012, p. 165) daquele criminoso que, agindo em concurso de agentes, entregar os comparsas (NUCCI, 2012, p. 753), e tem concessão vinculada, sem qualquer grau de discricionariedade das autoridades, uma vez preenchidos os requisitos (NORONHA, 1995, p. 276). Diversamente das atenuantes e agravantes, portanto, permite o aumento ou diminuição da pena “para além ou aquém dos limites máximo e mínimo abstratamente previstos” (PRADO, 2013, p. 620). Criminalistas de renome militam contra o instituto da delação premiada. No entendimento de Eugenio Raul Zaffaroni, “o Estado está se valendo da cooperação de um delinquente, comprada ao preço da sua impunidade para „fazer justiça‟, o que o Direito Penal

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Graduanda em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – Facisa. Estagiária da Promotoria de Defesa dos Direitos da Mulher do Ministério Público do Estado da Paraíba. Email: oliviajardelino@gmail.com 56


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liberal repugna desde os tempos de Beccaria” (1996, p. 45).

Cezar

Roberto Bitencourt, por sua vez, dentre diversos outros argumentos, aponta que fundamento seria uma confessa “falência do Estado”, pois “criminalidade organizada” seria “mais produto da omissão dos governantes ao longo dos anos do que propriamente alguma „organização‟ ou „sofisticação‟ operacional da delinquência massificada” (2012, p. 166).

Para

Rogério

Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, entretanto, trata-se de instituto justificável. Conforme os autores, “o que se considera, com efeito, é a condição subjetiva de cada um deles (...), razão pela qual aquele que contribui merece uma reprimenda menor (ou nenhuma reprimenda, quando comparado aos demais que nada auxiliaram” (CUNHA, 2013, p. 38). Quanto ao segundo argumento, apontam que não será a delação premiada – ou “colaboração premiada”, nome na legislação de crime organizado – “a responsável por eventual insucesso na investigação (...)”. A delação dos comparsas, ainda, não seria requisito para o benefício, de maneira que “pode o agente dar a contribuição apontando o local no qual se encontra a vítima sem que, para tanto, tenha que delatar os comparsas”. Neste sentido segue também a jurisprudência dos Tribunais Superiores (v. HC 174.286-DF). No Brasil, o reconhecimento explícito da ineficácia dos métodos tradicionais de investigação, e, consequentemente, da necessidade da colaboração premiada para a obtenção de informações relevantes para a persecução penal (BRASILEIRO, 2014, p. 517), levou o legislador à impor com maior severidade a edição de uma série de leis penais. Tais edições diziam respeito à inclusão da colaboração premiada à leis especiais, tendo em vista que, por ser de origem Italiana, deveria versar sobre benefícios provindos de aspectos específicos, concernentes à delitos que caracterizassem a formação de uma organização.

Então, a primeira Lei que

tratou de forma expressa sobre a colaboração premiada, foi a dos Crimes Hediondos (8.072/90), que assegura em seu parágrafo único, art. 8º, que “O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.” Tal benefício só se torna válido ao delator se a denúncia deste acarretar na desestruturação da associação criminosa a qual faz parte e que deu causa ao delito. Sem este requisito, ainda que as informações prestadas pelo coautor do crime tenham um valor bastante relevante para ser acrescido à investigação, não valerão. Em seguida, o benefício da colaboração premiada chegou às Leis nº 7.422/86 e nº 8.137/90, que são as que definem os crimes contra o Sistema Financeiro e contra a Ordem Tributária, econômica e contra as relações de consumo, respectivamente. As duas trazem a mesma redação, a primeira em seu art. 25, § 2º, e a segunda em seu art. 16, parágrafo único. Asseveram que “Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co57


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autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa, terá a sua pena reduzida de um a dois terços.” No mesmo entendimento, a Lei de Drogas (11.343/06) também prevê que a incidência da delação premiada somente será possibilitada ao agente que tenha praticado quaisquer um dos delitos contidos nesta Lei por meio de concurso de pessoas, conforme consta em seu art. 41, caput. Por fim, a Lei contra Organizações Criminosas (12.850/13) traz em sua redação uma seção (Seção I) destinada apenas à tratar sobre a colaboração premiada. Em seu art. 4º, caput, é dito que “O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal [...]”. Porém, tal benefício apenas ocorre se forem comprovadas uma série de requisitos dispostos no decorrer da seção, como entre os quais se elencam a identificação dos demais coautores e partícipes, entre outros elencados no artigo. RESULTADOS Desde o final de junho de 2012, tramita perante o Congresso Nacional o Projeto de Reforma do Código Penal, de iniciativa do Senador Pedro Taques, que visa inúmeras modificações. Entre estas mudanças, encontra-se a criação do chamado “Imputado Colaborador”, já conhecido por ser o delator do benefício da delação premiada. Um dos pontos que a Reforma deseja tratar é a da ampliação de tal possibilidade para a ocorrência de qualquer crime, independentemente de sua natureza ou pena cominada.

Então, o art.

106 do Anteprojeto apresenta a sua inovação na previsão de se formalizar o acordo existente entre o órgão acusador e o indiciado ou acusado, com a participação obrigatória do seu advogado ou defensor, os quais respeitarão uma série de regras, dispostas em seus incisos. A vinculação do juiz ou do tribunal da causa ao acordo entre as partes passou a ser exigida. Uma das discussões acerca da colaboração premiada era a de que sua atuação “invadia a competência jurisdicional do Magistrado, por ser um acordo celebrado entre Ministério Público e Defesa” (CUNHA, 2013, p. 36), como ocorre na Lei de Organizações Criminosas (§ 2º, art. 4º da Lei 12.850/13). Como pode ser observado, tal subtração à possibilidade do Poder Judiciário de julgar o feito seria excluída, posto que a aplicação do benefício deste artigo só poderia ser efetuada se cumprisse com o pré-requisito da vinculação ao julgador. Tal artigo também assegura que “a delação de coautor e partícipe somente será admitida 58


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como prova da culpabilidade dos demais coautores ou partícipes quando acompanhadas de outros elementos probatórios convincentes”. Tal aspecto recebe uma redação expressa, que explica claramente que o benefício da delação só será permitido se as informações prestadas pelo colaborador corroborarem com os demais elementos já produzidos no decorrer da investigação. Além disso, ao colaborador será aplicada a Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei nº 9.807/99), a qual, em seu art. 13, elenca o perdão judicial e a exclusão da punibilidade ao acusado pela prática de qualquer crime que, sendo primário, identifique os demais coautores e partícipes do crime, a localização da vítima, com sua integridade física preservada e a recuperação total ou parcial do produto do crime. Esta foi uma forma encontrada pelo legislador de incentivar a prática da delação, mostrando ao colaborador que a sua contribuição poderá até livrá-lo de arcar com as consequências de uma pena. Por fim, após ser oferecida a denúncia, é exigido o completo sigilo em relação aos termos da delação, que serão dados a conhecimento dos advogados das partes. Tendo em vista que não é rara a desafronta por parte dos delatados, tal inovação garantiu uma maior segurança ao colaborador que resolver cooperar com a apuração policial. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em suma, é perceptível que a colaboração do acusado para com a investigação policial, por vezes, promove um grande auxílio na persecução e desencadeamento do fato criminoso, o qual geralmente resulta até os possíveis partícipes do ocorrido. De tal modo, como analisado, devido à tais facilidades que a delação premiada ocasionou, sua aplicação expandiu-se e, por intermédio do Projeto de Lei do Senado de nº 236 de 2012, em trâmite no Congresso Nacional, englobará qualquer tipo de delito penal, de um modo mais formal e que vise a desconstrução de seu desvalor ético. REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 8ª Ed. rev., e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASILEIRO, Renato. Legislação Criminal Especial Comentada. 2ª Edição. Salvador: Editora JusPodivm, 2014.

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CUNHA, Rogério Sanches. PINTO, Ronaldo Batista. Crime organizado: comentários à nova lei sobre o crime organizado – Lei nº 12.850/2013. 1ª Edição. Salvador: Editora Jus Podivm, 2013. NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 27ª Ed. Rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 1995. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 8ª Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral, arts. 1º a 120. 12. Ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. SENADO FEDERAL. Projeto de Lei n. 236/2012. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27. Ed. Rio de Janeiro, 2008. Supremo Tribunal Federal. HC 99.736. Rel. min. Ayres Britto, julgamento em 27-4-2010, Primeira Turma, DJE de 21-5-2010. Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº 0495/STJ. HC 174.286-DF. Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/4/2012. ZAFFARONI, Eugenio Raul. Crime organizado: uma categoria frustrada. Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro: Revan, ano 1, v. 1, 1996.

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TEORIA DA LEI PENAL NO TEMPO: A ULTRATIVIDADE DAS LEIS TEMPORÁRIAS E O CONFLITO COM PRINCÍPIOS PENAIS CONSTITUCIONAIS Arcínio Márcio Pontes de Sousa Filho1 Cynthia Lays Feitosa de Brito2 Elisa Karoline Nóbrega Avelino3 Luciano Nascimento Silva4

INTRODUÇÃO O presente resumo tem como finalidade investigar se o artigo 3° do Código Penal Brasileiro foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Estabelece o citado artigo que “a lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”. Assim sendo, questiona parte do pensamento jurídico pátrio, se a ultratividade das leis temporárias e excepcionais, nos casos em que se apresentem menos benéfica ao agente, foi recepcionada pela nossa Carta Magna. A atual Constituição da República assegura uma série de direitos e garantias individuais, e com isso, limita a atuação do Estado no seu ius puniendi. Por conseguinte, prevê o Princípio da Legalidade - que compreende o postulado da irretroatividade da lei penal mais severa. Além disso, o artigo 2° do Código Penal assegura que ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime. Entretanto, no Código Penal, existem, também, as leis excepcionais e as leis temporárias. Essas duas possuem a chamada ultratividade, ou seja, a possibilidade de que a norma jurídica seja aplicada a um fato mesmo após a sua revogação. O Código Penal, em seu artigo 3°, expressa que mesmo decorrido a sua duração, pelos motivos que as determinaram, aplicam-se aos fatos praticados em sua vigência. O pensamento jurídico pátrio dominante defende que o artigo supracitado foi recepcionado pela ordem vigente e, por isso, tem sua constitucionalidade totalmente aceita. Entrementes, entendem alguns, em oposição diametralmente oposta à doutrina dominante, que o artigo 3° não foi recepcionado, pois fere o princípio da irretroatividade. BREVE HISTORICIDADE DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE Graduando em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. 3 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. 4 Pós-Doutor em Sociologia e Teoria do Direito pela Università del Salento, Lecce, Italia; Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP). Professor adjunto no CCJ/UEPB e Professor Colaborador no PPGCJ/CCJ/UFPB. 61 1 2


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A ideia estabelecida pelo princípio da anterioridade é uma conquista histórica que está presente em legislações de países que compõem a civilização ocidental, desde 1215, como pode ser vista na Magna Carta Libertatum inglesa, assinada por João Sem-Terra, que governou a Inglaterra como rei entre 1.199 d.C. e 1.215 d.C. Pode tal princípio ser observado mais especificadamente em seu dispositivo normativo de Nº 39 da citada legislação: 39. “Nenhum homem livre será capturado ou aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou de algum modo lesado, nem nós iremos contra ele, nem enviaremos ninguém contra ele, excepto pelo julgamento legítimo dos seus pares ou pela lei do país.”

Além de ser um documento de grande valor, nos que diz respeito a sua relevância histórica para o entendimento da sociedade inglesa do século XIII, percebe-se a relevância jurídica da Magna Carta, visto que nela já havia a existência de tal princípio. Além disso, importante contribuição também foi dada por Cesare Beccaria, que em seu livro “Dos Delitos e Das Penas” defendeu a importância de haver mudanças no tratamento do delituoso, com o movimento humanitário na Europa do século XVIII. Desse modo, contribui para a disseminação dos princípios da legalidade e da anterioridade.

A sua obra teve imensurável importância de

maneira que a partir dos ideais contidos nela, verificou-se a necessidade de não poder uma norma retroagir in pejus ao réu, mas de só poder retroagir apenas se beneficiar o mesmo. DIVERGÊNCIA

ACERCA

DA

CONSTITUCIONALIDADE

DAS

LEIS

TEMPORÁRIAS E EXCEPCIONAIS O pensamento jurídico pátrio é divergente acerca da constitucionalidade da ultraatividade in pejus das leis temporárias e excepcionais, como dito anteriormente. Autores existem que sustentam no sentido de que não há colisão das citadas leis com o princípio da retroatividade da lex mitior. Existem também aqueles que, em posição oposta, defendem que o artigo 3° do Código Penal Brasileiro não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, caso tenha como fito a aplicação de lei menos benéfica ao agente. Além disso, respeitáveis autores adotam uma posição intermediária, considerando não recepcionadas apenas uma das espécies. Rogério Greco, em sua obra “Curso de Direito Penal - Parte Geral” filia-se a posição que atribui inconstitucionalidade as duas espécies de leis supramencionadas quando estas forem mais maléficas ao réu. Preceitua o citado autor:

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Assim, portanto, havendo sucessão de leis temporárias ou excepcionais, prevalecerá a regra constitucional da extra-atividade in mellius, ou seja, sempre que a lei anterior for benéfica, deverá gozar dos efeitos da ultra-atividade; ao contrário, sempre que a posterior beneficiar o agente, deverá retroagir, não se podendo, outrossim, excepcionar a regra constitucional. (2013, p. 115)

Importante também são as formulações elaboradas por Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar. Os autores nos informam que, antes mesmo do advento da Carta Magna de 1988, houve quem se questionasse a respeito da ultratividade das leis temporárias e excepcionais desde a vigência da Constituição de 1946. Os citados autores entendem que o princípio insculpido na Constituição Federal de 1988, de acordo com o qual “a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, é um direito e garantia fundamental, desse modo, não é dado ao legislador abrir uma exceção. Corresponderá ao legislador, perante situações calamitosas que requeiram drástica tutela penal de bens jurídicos, prover para que os procedimentos constitucionalmente devidos possam exaurir-se durante a vigência da lei; o que ele não pode fazer é abrir uma exceção em matéria que o constituinte erigiu como garantia individual. Cabe, pois entender que o art. 3° do Código Penal não foi recebido pela Constituição da República. (2003, p. 217)

Luiz Luisi, em seu livro “Os princípios constitucionais penais”, assume posição intermediária entre as leis excepcionais e as leis temporárias, afirma que as duas se diferem, pois no caso destas, decorrido o tempo de sua vigência a lei não mais existe, o que leva à conclusão de que não pode haver lógica possuir ultratividade justamente em desfavor do réu. Para ele, é compreensivo haver a ultratividade quando se trata das leis excepcionais; ele dá o exemplo no Código Militar, no qual a lei está positivada, já existe, mas só possui eficácia com o acontecimento de situações especiais (excepcionais, como o próprio nome já diz). Seguindo a ideia da inconstitucionalidade apenas das leis temporárias, e, tomando como um exemplo a Lei n° 12.663, de 5 de junho de 2012 (Lei Da Copa). Defendemos que os efeitos desta não poderão pendurar depois da sua vigência (31/12/2014), por não se tratar de lei excepcional, mas sim temporária, uma vez que a lei deixa de existir; há uma descriminalização da conduta. Além disso, as regras impostas pela FIFA restringem os direitos e garantias fundamentais, desrespeitando assim inúmeros princípios constitucionais, passando por cima de legislações especiais, e ainda criando novos tipos penais que mesmo após o término de sua vigência, alcançará fatos ocorridos na mesma, por ser uma lei temporária. É irracional aceitar que uma Constituição possa chegar a ser tão flexível ao ponto de se submeter a leis que impliquem na sua própria destruição, sim, pois se fere seus Princípios, atrevemos alegar dessa forma.

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METODOLOGIA O presente trabalho faz a opção pelo método dedutivo. Além disso, para a classificação da pesquisa, toma-se como base a taxionomia apresentada por Vergara (2009), que classifica a pesquisa em dois aspectos: quanto aos fins e quanto aos meios. Quanto aos fins, a pesquisa fará a opção pelo descritivo, tendo em vista que a mesma descreverá as percepções da doutrina acerca da ultratividade das leis temporárias e excepcionais quando aplicadas em prejuízo do agente. A pesquisa descreverá as querelas que permeiam o pensamento jurídico acerca da constitucionalidade das citadas espécies de leis. No que se refere aos meios, trabalhar-se-á com os bibliográficos, pois para o desenvolvimento do trabalho tomaremos como base o material já publicado acerca da matéria discutida. Selecionaremos de forma critica o material considerado pertinente, analisando e confrontando a visão de diferentes autores. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo deste trabalho nos propusemos a analisar o conflito gerado pelas leis excepcionais e temporárias contra o texto da Constituição Federal de 1988, especificadamente, contra princípios estabelecidos na mesma, a exemplo do Princípio da Anterioridade e o Princípio da Irretroatividade da lei mais severa. Dessa forma, iniciamos nosso trabalho, mostrando como o Princípio da Anterioridade já se fazia presente de maneira positivada na Magna Carta Libertatum de 1215, mostrando da mesma forma, como o tal Princípio citado juntamente com o da legalidade já se faziam presentes na obra “Dos Delitos e das Penas” de Cesare Beccaria, que por sua vez influenciou a positivação de tais princípios em diversos ordenamentos jurídicos. Posteriormente, buscamos expor o pensamento jurídico de alguns juristas penalistas a respeito desta questão, como Rogério Greco, Nilo Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar, que por sua vez, se mostram contra a ultratividade das leis excepcionais e temporárias, verificando a inconstitucionalidade das mesmas, e apresentamos o pensamento do jurista Luiz Luisi, que se posiciona

de

maneira

contraria

apenas

às

leis

temporárias.

Tendo em vista o contexto histórico atual (democracia), tem-se como imensurável importância as garantias individuais de cada cidadão brasileiro, e o direito à liberdade é fundamental. Então não cabe, no Brasil, que existam leis que quebrem com ideais democráticos, como o exposto no artigo 3° do Código Penal (que data de 1940, uma época de ditadura), faz-se necessário uma profunda análise em casos que tratem da ultratividade de leis temporárias e o que seus efeitos causaram em pessoas que foram julgadas e culpadas, como forma de devolução dos 64


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direitos às pessoas incriminadas, com a revogação em parte do artigo 3° do Código Penal, no que diz respeito às leis temporárias. REFERÊNCIAS BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal Brasileiro: Teoria Geral do Direito Penal. v. 1. 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Dominique Makins. São Paulo: Hunter Books, 2012. BRASIL. Código Penal (1940). Vade Mecum Saraiva. Ed. Saraiva, 2013. ______. Constituição (1988). Constituição [da] Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. ______. Lei nº 12.663, de 5 de junho de 2012. GREGO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Geral. 15 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013. INGLATERRA. Magna Carta Libertatum de 1215. Disponível <http://corvobranco.tripod.com/dwnl/magna_carta.pdf>. Acesso em: 08/06/2015

em:

LUISI, Luis. Os Princípios Constitucionais Penais. 2 ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. 2003. SIENA, David Pimentel Barbosa de. Lei Geral da Copa: disposições penais temporárias. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 102, jul 2012. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12000&revista_cader no=3 >. Acesso em jun 2014. VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 2009.

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MAIORIDADE PENAL: UMA AVALIAÇÃO CONTEXTUAL Gilvan Dias de Lima Filho1 Matheus Mendes Dias2

INTRODUÇÃO O estudo desenvolvido pela análise criminal objetiva a produção de um julgamento teórico acerca da problemática da criminalidade e da desordem urbana, englobando aspectos relacionados ao apoio das práticas jurídicas, bem como, à metodologia analítica empregada em dados ligados à realidade do crime e as operações que devem ir de encontro a essas práticas. Todavia a contemplação epistemológica da análise criminal é muito ilustrativa, não passando de uma mera busca de agregação e corte de detalhes conceituais. Assim, faz-se necessário observar o desenvolvimento do cotidiano criminal, que atualmente vivência uma frustração gerada pela fragilidade social frente à agressividade empregada pela criminalidade, no Brasil. Hodiernamente é verdade que, mais do que nunca, essa criminalidade é mais divulgada e questionada e, por consequência, se faz mais presente na vida da população de maneira geral, afinal tem-se cada vez mais a constatação da criminalidade na violência no trânsito, nas escolas, na internet e, até mesmo, no lar (violência doméstica). Dentre esse universo de abrangentes constatações, faz-se emergente na discursão pública a relação entre o crime e a infância, principalmente na sua vertente mais negativa: quando ele é praticado pela criança ou pelo adolescente. É a partir desta constatação que esse trabalho busca apresentar a discursão sobre a redução da maioridade, um dos temas mais contraditórios da discursão criminal no Brasil na atualidade, contemplando os argumentos favoráveis e desfavoráveis da possível redução, bem como apresentar as consequências das possíveis soluções para a questão. METODOLOGIA No presente trabalho desenvolve uma análise expositiva da análise criminal, com enfoque na presente discursão da proposta de redução da maioridade penal, partindo da observação da Professor Adjunto da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Graduado em Economia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Economia pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Email: gilvandl@gmail.com 2 Graduando em Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Email: matheusmendes97@hotmail.com 1

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argumentação das duas correntes teóricas que contemplam a discursão e da análise dos impactos que uma possível aprovação ou desaprovação da proposta poderiam causar. O desenvolvimento do trabalho adotou como base de ação a pesquisa bibliográfica com natureza dedutiva fundamentada nas decorrências e interpretações das idéias expostas em obras e autores (sempre de fontes científicas). RESULTADOS E DISCUSSÃO A discussão da redução da maioridade penal iniciada nos últimos anos intensificou-se após o parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara, que resultou na criação de um grupo para discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), cujos resultados devem ser entregues esse mês. O texto ainda precisa passar por duas votações no plenário da Câmara, obtendo no mínimo 60% dos votos dos Deputados a seu favor, seguir para Senado, onde deverá ser avaliada pelo CCJ do Senado e julgada em plenário (também em duas sessões), havendo mudança o texto volta a Câmara, onde passará novamente por duas votações, para só então poder ser promulgado pelas duas casas. Esse caminho, embora longo, configura-se como uma grande oportunidade para a sociedade brasileira se organizar e buscar dados que embasem e ratifiquem o resultado final desse processo legislativo, que, embora remota os primórdios do direito penal brasileiro, ainda estar longe de ser consenso. A princípio, como era de se esperar, estabeleceram-se dois grupos antagônicos no debate em torno da proposta de redução: A) Os contrários a redução, baseando-se na interpretação constitucional que avalia o limite de 18 anos como uma cláusula pétrea, e que sua violação culminaria no aumento da violência, posto que a medida se estabelecesse como um estimulo para as organizações criminosas recrutarem jovens cada vez mais novos. Observam ainda, que a punição ao jovem é e deve permanecer proporcional a do adulto, classificando, por fim a redução da maioridade penal como um retrocesso. B) Já o grupo a favor da redução afirma que o jovem de 16 anos já tem a capacidade de decidir e ponderar entre o certo e o errado ao realizar os seus atos e norteia-se na busca de um respaldo popular (seja por plebiscito ou referendo), posto que, embora não seja consenso no grupo, os favoráveis reconhecem o limite etário de 18 anos como uma cláusula pétrea, e prospectam que para superá-la seria necessária uma consulta popular com um indicativo favorável à redução.

Nesse sentido, o decurso da história mostra que o estabelecimento da maioridade penal aos 18 anos nunca se deu de maneira imutável, uma vez que, no Brasil esta foi estabelecida, primeiramente, em 14 anos em 1830, no primeiro Código Criminal do Império, passou,

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posteriormente, para os 9 anos no Código Penal Republicano de 1890 e, por fim, chegou aos 18 anos em 1940, no Código Penal daquele ano. Esse último regulamento insere no contexto legal uma exceção, na medida em que todas as suas medidas de inimputabilidade são norteada por fatores psicológicos, menos a que é aplicada em face da idade, que adota um critério puramente biológico. É fundamental perceber que desde 1993, quando foi escrito o texto da PEC, a discussão vem ganhando força, em especial quando ocorrem casos de grande comoção nacional, envolvendo a participação de menores na sua autoria. Estatisticamente falando, sabe-se hoje que os menores participam de aproximadamente 10% de todos os crimes flagrados em São Paulo, segundo a Secretária da Segurança Pública, embora represente pouco mais de 18% da população. Todavia, essa constatação parte de dados isolados trabalhados sobre uma metodologia difusa, o que impede ou limita sua aplicabilidade na comparação com outros estados. Assim, a discussão sobre a redução da maioridade penal infelizmente está começando com pouco amparo estatístico, posto que não se tenha, por exemplo, um mapa da criminalidade infantil, nem documentos similares como resultados balizadores. Dessa maneira, o trabalho dos legisladores, prosseguirá, nessa primeira rodada de negociações, parcialmente às cegas, norteado por opiniões, nas observações empíricas de senso comum ou em dados externos (de outros países), o que não é o adequado. Avaliar a aprovação ou a desaprovação da redução da PEC nesse cenário torna-se um trabalho especulativo e pouco rigoroso cientificamente, restando a partir desse ponto a avaliação de contextos conferíveis, que nesse caso são os dois acima listados, e um terceiro, que é intermediário aos dois. Caso a PEC seja reprovada totalmente, tem-se que se repensar os métodos de reeducação e punição das casas de recolhimento dos jovens infratores, já que apresentam índices de efetividade pifemos, quando avaliada a sociabilização dos transgressores. Um exemplo dessa inoperância é o índice de reincidência dos jovens infratores do estado do Ceará que ultrapassou os 70% em 2014. Em caso de aprovação mesmo que parcial, tem-se um ponto crucial do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que é o seu artigo 121, precisamente o seu parágrafo 3º que afirma que: “Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos” (Ministério Publico do Estado, 2010), cuja arbitrariedade no estabelecimento de uma reclusão máxima, agravada por um limite etário de 21 anos, ao término do qual o infrator é solto, tendo

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cumprido toda a sua pena ou não, é incompreendido, uma vez que não há nenhuma garantia que nesse período o menor esteja apto à ser reinserido na sociedade. Assim, esse segundo caso necessita claramente de mecanismos legais, tais como avaliações psicológicas ou outra forma de controle, que garanta uma seguridade para a sociedade que está recebendo o jovem infrator, para que esta não seja novamente vitimada, ou seja, é necessário, mais uma vez, buscar mecanismos que supram a reincidência. A terceira, e última hipótese, seria a aprovação total da redução da maioridade penal, onde se deveria tratar de certos aspectos, o primeiro deles seria avaliar uma forma de comportar essa nova demanda carcerária, seja pela ampliação do sistema prisional comum, ou pela criação de outro aparelho especial para esses infratores. Outra questão importante é, mais uma vez, a prevenção da incidência e da reincidência de infratores, para isso uma solução possível, seria redirecionar o dinheiro que sobrará da redução da demanda de presos das Fundações Casa para áreas como educação e segurança, para que se possa combater a transferência de violência para faixas etárias menores, como temem os contrários a redução. CONSIDERAÇÕES FINAIS A conjectura da análise criminal que abrange a discursão sobre a redução da maioridade penal brasileira encontra-se diluída em um longo processo histórico que se finda na formação de dois grupos divergentes quanto à solução da discursão penal. Aos parlamentares cabe decidir, embora sem um amparo estatístico adequado, o futuro do menor infrator no Código Penal Brasileiro, e a população resta à espera de mudanças positivas, que ajudem a solucionar o caos implantado na segurança pública do Brasil. Em síntese, concerne ao Brasil a escolha de um futuro, cuja positividade ou a negatividade vai depender da implementação da escolha que será proferida nos próximos meses. REFERÊNCIAS ARANTES, E. M. M. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina da Proteção Integral é o mesmo que Direito Penal Juvenil? In: ZAMORA, Maria Helena (org.). Para Além das Grades: Elementos para a Transformação do Sistema Sócioeducativo. Rio de Janeiro e São Paulo: Edições PUC-Rio e Loyola. 2005.

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ASSIS, S. S.; DESLANDES, S. F. & SANTOS, N. S. Violência na adolescência: sementes e frutos de uma sociedade desigual. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros (p. 79-116). Brasília: Ministério da Saúde. 2005. CARNEIRO, M. M. M. A redução da menoridade penal na legislação brasileira. Revista do Conselho de Criminologia e Política Criminal, 1997. Disponível em: http://www.revistavirtual.net/index1.asp?qm=p&ed=2&c=2344k"www.revistavirtual.net/index 1.asp?qm=p&ed=2&c=234-64k. Acesso em: 23 mai. 2015. COSTA JÚNIOR, P. J. da. Comentários ao código penal. 6 ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000. LIBERATTI, W. D. Comentários ao estatuto da criança e do adolescente. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. MACEDO, R. C. M. de. O adolescente infrator e a imputabilidade penal. Rio de Janeiro: Ed. Lumens Juris. 2008. MARTINS, I. G. S. Cláusulas pétreas e a maioridade penal. Revista Juristas, João Pessoa, a. III, n. 92, 19/09/2006. [capturado em 2007 nov 08] Disponível em: http://www.juristas.com.br/mod_revistas.asp?ic=2527. Acesso em: 02 de jun. de 2015. TAVARES, H. G. M. Idade penal (maioridade) na legislação brasileira desde a colonização até o Código de 1969. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 508, 27 nov. 2004. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/5958. Acesso em: 01 jun. 2015. ZAMORA, M. H. A necessidade de garantir o direito dos jovens frente à proposta de redução da maioridade penal. [capturado em 2007 out 30]. Disponível em: http://www.comciencia.br/200405/noticias/3/direito.htm. Acesso em: 27 mai. 2015.

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A IMPORTÂNCIA DA COMPLIANCE NOS CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS Laryssa Wênia Lima da Silva1 Luciano Nascimento Silva2

INTRODUÇÃO O termo compliance deriva do verbo em inglês “to comply” que significa “cumprir”. Corresponde, portanto, ao respeito a determinadas regras e preceitos com fins a manter a organização do espaço nos quais estão inseridas, isto é o Direito protagonizando a construção do equilíbrio nas relações profissionais. É no âmbito empresarial que o termo compliance tem ganhado mais destaque, haja vista que o combate às ilicitudes que ocorrem dentro das instituições econômicas e financeiras não é apenas questão de ilegalidade, mas, sobretudo, de instabilidade da própria instituição. Pode-se trazer como exemplo o crime de lavagem de dinheiro, que tem como definição segundo a Lei nº 9613/1998 (reformada pela Lei nº 12.683/12) “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.” METODOLOGIA Uma metodologia que deve ser interpretada como matriz original denominada metodologia da interpretação jurídica, consistindo em um conjunto de métodos que apontam para uma sustentação científica do Direito como produto de natureza social, como conhecimento global que se ascende mediante leitura, pensamento reflexivo, instrução comunicacional, erudição e sabedoria, numa perspectiva da identificação de um conjunto de conhecimentos socialmente adquiridos, organizados e produzidos num reconhecimento histórico de acumulação. E realizado por estruturas, métodos e metodologias, teorias e linguagens especificamente transformadas, num olhar de compreensão e orientação das atividades humanas, políticas, econômicas, culturais e sociais. O Direito como produto científico interdisciplinar e transdisciplinar na representação de instrumento de apropriação da complexidade comunitária e social. A soma dos conhecimentos humanos, habilidade intuitiva, sabedoria, assim como uma ciência aplicada que é produzida com a Graduanda em direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Pós-Doutor em Sociologia e Teoria do Direito pela Università del Salento, Lecce, Italia; Doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra; Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP). Professor adjunto no CCJ/UEPB e Professor Colaborador no PPGCJ/CCJ/UFPB. 71 1 2


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intenção de ser empregada a objetivos de uma realidade comunicativa na esfera “básica científica” que trata dos aspectos mais gerais ou fundamentais da problemática realidade social. A IMPORTÂNCIA DA COMPLIANCE NO COMBATE AOS CRIMES DE LAVAGEM DE CAPITAIS As normas de compliance podem ser internas, quando dizem respeito ao regimento interno e às normas de conduta de determinada empresa, ou externas, quando do cumprimento dos preceitos legais a todos direcionados. No sentido institucional, verifica-se a compliance no estabelecimento de funções diferenciadas a cada membro, no controle de dados dos funcionários e clientes, no registro das transações financeiras, como também nos objetivos e funções sociais da empresa que podem estar relacionados a princípios éticos e valorativos. No âmbito do controle externo, a compliance relaciona-se ao Direito Penal Econômico à medida que busca prevenir e reduzir o risco de infrações penais. Entre os delitos que podem ocorrer no âmbito das instituições financeiras está o crime de lavagem de dinheiro. Este corresponde à ocultação, por meio de atividades lícitas, de dinheiro, bens ou valores advindos de práticas ilícitas. Tal crime pode ser dividido em três fases: o momento do ato ilícito que gera o capital, o investimento do que foi recolhido em uma atividade lícita e o ingresso do dinheiro ilícito no mercado financeiro nacional ou internacional. Deste modo, o instituto da compliance torna-se um grande aliado ao direito penal econômico. Tendo em vista que estabelece normas e princípios que tentam impedir ou dificultar a prática de condutas que visem proporcionar o desvio de dinheiro, ou a inserção de dinheiro advindo de práticas ilícitas na própria empresa. Como exemplo tem-se a Carta-Circular nº 3542/2012 do Banco Central do Brasil que “divulga a relação de operações e situações que podem configurar indícios de ocorrência dos crimes previstos na Lei nº 9613/1998”. A lista é extensa e exemplifica bem como ocorre a compliance nas instituições financeiras do Brasil. A compliance trata-se de um importante meio de prevenção, pois, a descoberta dos crimes de lavagem de dinheiro é uma tarefa árdua para as autoridades investigativas. Além disso, quando descoberto, trava-se uma nova busca para identificar quem são os autores, co-autores e partícipes, bem como a individualização da pena de cada um deles. Quando não é possível determinar com exatidão os envolvidos no concurso de pessoas, resta ao Ministério público oferecer uma denúncia parcialmente genérica ao magistrado. A dificuldade dá-se em virtude do grande número de indivíduos que compõem as instituições. Trata-se de um grande e complexo sistema que

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engloba diferentes funções e cargos desde os mais altos, como o de direção e chefia, até os de segurança e atendimento. A importância da compliance estende-se também ao cenário internacional, cuja aplicação pode-se inferir a partir das convenções internacionais. Pode-se citar como exemplo a “Convenção Interamericana sobre a corrupção” que ingressou no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto 4.410/2002. O referido documento ressalta, entre outros aspectos, a necessidade da implementação de instrumentos que coíbam as práticas ilícitas dentro das instituições. Podem-se entender tais “instrumentos” não só como as normas que constituem a compliance, mas, sobretudo, como medidas punitivas para quem as violar. A falta de punição no âmbito administrativo contribui para a continuidade da prática que poderá incidir no crime de lavagem de capitais ou em outros previstos em lei. É importante destacar que o crime de “lavagem de dinheiro”, embora muito lucrativo para quem o cometa, traz incontáveis prejuízos para o mercado, pois o ingresso de capital no sistema financeiro sem origem determinada enfraquece a moeda nacional e desequilibra as finanças. Principalmente das instituições financeiras. Não é à toa que as políticas do Conselho Monetário Nacional têm como objetivos, entre outros, regular o valor externo da moeda e Zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras. RESULTADOS E DISCUSSÃO A globalização trouxe como principal benefício a supressão da distância entre os países, que os permite estabelecer relações econômicas e financeiras através do avanço da indústria, transporte e telecomunicações. Tal avanço propiciou a expansão dos mercados e com isso um grande aumento no fluxo de capital dos países. Por outro lado, o fenômeno da globalização na economia denuncia a necessidade de um maior controle do capital de cada instituição, haja vista que qualquer desestabilidade da moeda que a desvalorize pode significar grandes perdas de investimento. Neste contexto, surge a necessidade de políticas como a compliance que corroborem para o controle dos fluxos de capital que envolve as empresas e suas transações. Atividades ilícitas, a exemplo da “lavagem de dinheiro”, contribuem para a desestabilização da moeda e representam um risco para a harmonia do setor econômico. Isso justifica, portanto, a busca constante de empresas pela criação e controle de normas internas com fins a dificultar práticas condutas ilícitas no âmbito da própria instituição. 73


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Pode-se trazer como exemplo o escândalo denominado “SwissLeaks” que envolvia o Banco HSBC. A suspeita era de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal, haja vista que milhões de euros sem origem determinada circularam pelas contas suíças entre os anos de 2006 e 2007. Segundo a imprensa, os dados do “Swissleaks” foram “vazados” por funcionários do próprio banco. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para manter a organização e o desenvolvimento econômico nacional e internacional são fundamentais regras de conduta e controle nas empresas e instituições, sobretudo as financeiras. Neste ínterim verifica-se a importância da compliance para coibir condutas que desvirtuem os objetivos e interesses dos agentes econômicos. Concluímos que, além de prevenir a ocorrência de crimes, como a lavagem de dinheiro, e a conseqüente incidência do direito penal, a compliance ajuda a preservar a própria harmonia do sistema financeiro. À medida que impede a entrada e saída de capital cuja origem é desconhecida, mantém o controle do fluxo de capital e, consequentemente, a estabilidade da moeda. REFERÊNCIAS BACEN, Banco Central do Brasil. Carta-circular nº 3542, de 12 de março de 2012. Divulga relação de operações e situações que podem configurar indícios de ocorrência dos crimes previstos na Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, passíveis de comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Disponível em <http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/c_circ/2012/pdf/c_circ_3542_v1_O.pdf>. Acesso em 08 de junho de 2015. BRASIL. Decreto nº 4410, de 7 de outubro de 2002. Promulga a Convenção Interamericana contra a Corrupção, de 29 de março de 1996. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4410.htm>. Acesso em 08 de junho de 2015. ______. Lei nº 4595, de 31 de dezembro de 1964. Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L4595.htm>. Acesso em 08 de junho de 2015. ______. Lei nº 9613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm>. Acesso em 08 de junho de 2015. 74


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CAMARGO, Rodrigo Oliveira de. Compliance empresarial e investigação preliminar. Disponível em: < http://www.academia.edu/8038636/COMPLIANCE_EMPRESARIAL_E_INVESTIGA%C3 %87%C3%83O_PRELIMINAR>. Acesso em: 08 junho 2015. CONVENÇÃO INTERAMERICANA CONTRA A CORRUPÇÃO. Disponível em <http://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/B-58.htm> Acesso em 8 de junho de 2015. HSBC ANUNCIA VENDA E FIM DE ATIVIDADES NO BRASIL E NA TURQUIA, 09 de junho de 2015. Disponível em < http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/06/hsbc-anuncia-que-iraencerrar-atividades-no-brasil-e-na-turquia.html>. Acessado em 09 de junho de 2015.

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REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO: IMPASSES E CONQUISTAS A PARTIR DO CONTEXO PENITENCIARIO BRASILEIRO Monalisa Pereira Martins1

INTRODUÇÃO A presente pesquisa aborda as questões relativas ao Regime Disciplinar Diferenciado, a partir da sua conceituação, assim como por meio da busca dos fatores históricos e sociais que levaram ao seu aparecimento. No entanto, antes mesmo de se iniciar uma discussão acerca do tema em questão, precisamos citar alguns pontos que mereceram destaque nesse estudo, dentre eles, a caracterização das penas no Brasil que vão desde a privação da liberdade e restrição de direitos até a multa e a prestação social alternativa. Nesse enfoque, foi possível resgatar os motivos pelos quais a sociedade prefere as penas de privação de liberdade em detrimento das outras. Diante do aparecimento do Regime Disciplinar Diferenciado, surgiram diversas manifestações contrárias a essa modalidade penal, tanto da parte dos apenados e suas famílias, quanto da parte dos defensores dos Direitos Humanos. Em detrimento dessa crescente onda de críticas, o objetivo principal deste trabalho é compreender quais os impasses para a aplicação do último; assim como o objetivo específico caracteriza-se pela tentativa de descobrir a realidade da aplicação deste modelo nos Estados de maior incidência do Regime. CONTEXTO HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DO REGIME DISCIPLINAR Ao iniciar nossos estudos sobre o Regime Disciplinar, começamos abordando os tipos de penas previstos pelo Direito Penal brasileiro, dando atenção especial a pena privativa de liberdade, devido ao Regime em estudo estar inserido nessa espécie de pena. De acordo com Cezar Roberto Bitencourt, “A prisão é concebida modernamente como um mal necessario, sem esquecer que a mesma guarda em sua essência contradições insolúveis.” (BITENCOURT 2012, p. 567). Na privação da liberdade encontramos as seguintes modalidades: regime fechado, regime semiaberto e aberto, dentre os quais o tipo mais gravoso é o fechado, caracterizado pela reclusão do apenado em cárcere exclusivamente fechado. De acordo com o contexto histórico das penas, a sociedade acaba por preferir a “pena de prisão” em detrimento as outras penas, devido a sua característica mais gravosa. Ainda pelo entendimento de Bitencourt, na sociedade capitalista, a 1

Graduanda em direito pela FACISA.

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diversidade de penas não surgiu como forma de melhorar as condições da prisão, as penas alternativas surgiram com o intuito de evitar o desperdício de mão de obra e também com o fim de controlá-la (BITENCOURT, 2012). A partir dos anos 2000, o Brasil, mais especificamente o Estado de São Paulo vivenciou uma série de rebeliões que ocasionaram a resposta carcerária de um Regime Disciplinar mais gravoso, caracterizado pelo isolamento dos apenados de alta periculosidade (MARIANO JÚNIOR, 2011). Iniciou-se, portanto, o que conhecemos hoje por Regime Disciplinar Diferenciado, o qual segundo Fernanda Cintra, [...] é uma sanção disciplinar que se aplica a presos provisórios e condenados e é fixado no caso de prática de fato previsto como crime doloso quando ocasione subversão da ordem ou disciplina interna, fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas, quadrilha ou bando, observando-se as características previstas em Lei. (SILVA, 2009)

A rebelião de maior repercussão na mídia durante o período supracitado foi a que ocorreu na Casa de Custódia de Taubaté, presídio de segurança máxima, a 134 km de São Paulo. Segundo a Folha de São Paulo, o acontecimento em questão durou cerca de 36 horas e ocasionou 9 mortes, 4 delas feitas a partir de decapitação; os rebelados fizeram ao todo 23 reféns, dentre os quais eram 19 parentes de apenados e 4 agentes penitenciários. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2000). A partir de tal acontecimento, devido a discussão em torno da rebelião, o Estado precisou mostrar um certo “endurecimento” das medidas de execução da pena, fazendo com que em 2001, o complexo penitenciário fosse reaberto após uma reforma e os apenados postos nele outra vez, entretanto, os 10 lideres da rebelião supracitada foram levados para outras instituições prisionais e isolados de todos (MARIANO JÚNIOR, 2011). Em resposta ao “endurecimento” do complexo penitenciário, em 18 de fevereiro de 2001, ocorreu a maior rebelião do país, envolvendo 25 unidades prisionais e 4 cadeias públicas. Ainda segundo Mariano Junior, após esse último acontecimento, a Secretaria de Administração penitenciaria do Estado de São Paulo tomou uma medida urgente para que a situação fosse controlada o quanto antes, foi nesse momento que surgiu a Resolução nº 26 que instituiu o Regime Disciplinar Diferenciado na Casa de Taubaté (MARIANO JÚNIOR, 2011). IMPASSES PARA A APLICAÇÃO DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO O endurecimento do Regime penitenciário em São Paulo, em 2001, como foi citado anteriormente, provocou uma grande inquietação entre os apenados, e consequentemente gerou 77


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uma das maiores rebeliões já vistas pelo Brasil. Esse momento de inquietação foi o primeiro impasse encontrado para a aplicação do Regime em questão. Posteriormente, a morte de juízes que atuavam nas varas de Execução Penal de São Paulo e do Espírito Santo por membros de organizações criminosas veio a provocar consequências judiciais ainda mais fortes. A pressão social foi tão grande acerca da crise do complexo penitenciário, que foi reaberta a discussão sobre um projeto-lei (5.076/2001) justamente pautado durante o início do Regime Disciplinar em São Paulo. Essa rediscussão fez surgir a Lei 10. 792/2003, de 1º de dezembro de 2003 ( PERTI, 2011). A Lei 10.792/2003 veio para alterar a Lei 7.810/04 (Lei das Execuções Penais), na medida que inseriu o Regime Disciplinar Diferenciado no contexto penitenciário brasileiro. Foi instituído legalmente, por meio do Art. 52, em seu primeiro inciso, que tal Regime consistiria no máximo em 360 dias, sem prejuízo de repetição de sansão caso fosse cometida falta grave da mesma espécie; no seu inciso II, o legislador afirmou que o recolhimento do apenado nessas condições seria feito em cela individual; ainda citou, em seu inciso III, que as visitas semanais seriam de no máximo duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; e por último estabeleceu que o preso teria direito a duas horas diárias de banho de sol. Portanto, a intenção do legislador, foi justamente agravar o tratamento dos apenados considerados de alta periculosidade (BRASIL, 2014). REALIDADE DE APLICAÇÃO DO RDD AOS APENADOS DOS ESTADOS DE MAIOR INCIDÊNCIA DESTE: RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO. O Regime iniciou sua aplicação de forma mais agravante nesses dois pontos do país e, posteriormente, com a vigência da Lei 10.792/2003 foi instaurada no restante do âmbito nacional. Entretanto, devido a incidência do crime organizado, aparentemente, continuar sendo maior nesses Estados brasileiros, graças ao seu grau de organização ser antigo e notório, como afirma a Ex-relatora da Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, quando

fala que “ o crime organizado hoje é uma grande multinacional”

(ESTADÃO, 2014). Nesse contexto, é possível analisar que a função do Regime Disciplinar nesses Estados está voltada principalmente para os integrantes do crime organizado, ou seja, lideres e integrantes das facções envolvidas com o narcotráfico e outras atividades ilícitas que possuam um alto grau de periculosidade. Segundo Daniel Favero e Hermano Freitas, as Facções criminosas do Rio de Janeiro e de São Paulo protagonizaram pelo menos três fortes ataques contra a segurança nacional. Em 2010, por exemplo, por ordem do Primeiro Comando da Capital (PCC), ações criminosas resultaram na 78


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retomada do Complexo do Alemão. A Facção Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, já teve a grande maioria de seus lideres presos, como foi o caso de Fernandinho- Beira- Mar, Marcinho VP e Elias Maluco, dentre os quais o primeiro já esteve em Regime disciplinar diferenciado (FAVERO; Et. al., S/D). Em um vídeo publicado no Youtube, no ano de 2008, período em que Fernandinho-Beira-Mar encontrava-se em Regime Disciplinar em Campo Grande-MS, esse permitiu que uma emissora de televisão fizesse-lhe uma entrevista, perguntando-lhe o que ele pensava acerca do RDD, em resposta, o apenado respondeu que “ a penitenciária é uma fábrica de fazer loucos” (FRAGA, 2008). A afirmativa de Fernandinho veio a confirmar o que o meio científico já vinha contestando sobre a aplicação do Regime em questão, entretanto, nesse mesmo vídeo, o então Juíz Federal Odilon de Oliveira afirmou que no presídio as regras eram aplicadas em igualde, “ não importa se o preso é famoso ou preso comum, as regras são aplicadas em igualdade” (FRAGA, 2008). CONSIDERAÇÕES FINAIS O Direito Penal brasileiro tem caminhado cada vez mais para o seguimento do “Direto Penal do Inimigo”, pois acredita-se que os problemas sociais do país já não têm soluções. Esse pensamento além de pessimista e conformista, nos fazendo pensar que não existe esperança de chegar a alcançar o real objetivo do Estado, o bem-comum. No entanto, sabemos que é possível conseguir melhorias a longo prazo que precisam ser pensadas desde já, não apenas pelo governantes ou representantes da sociedade, mas também pelos estudiosos do momento, representantes de pesquisas das diversas áreas de estudo da sociedade, pois se não houver um trabalho conjunto acerca do enfrentamento do problema discutido, dificilmente chegaremos a soluções cabíveis. Sendo assim, é de extrema relevância a participação de estudiosos da área de psicologia, sociologia, filosofia e demais disciplinas que estudem a sociedade e os fatos sociais de maneira mais ampla. Dessa forma, será possível que as próximas gerações consigam sentir o reflexo das boas ações trabalhadas hoje e possivelmente venham a obter resultados animadores. Ao falar do Regime Disciplinar Diferenciado, acreditamos que as melhorias no complexo prisional comum deveriam ser feitas, antes que fosse instituído qualquer meio de isolamento de apenados, como forma de resolução rápida do problema. Afinal, tudo que é feito se pensando apenas nos resultados a curto prazo não proporciona efeitos duradouros, capazes de trazer a resolução do problema de segurança no Brasil.

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REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASIL. Vade Mecum Saraiva. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti – 18. Ed. Atual e ampli. – São Paulo: Saraiva, 2014. ESTADÃO. “Crime organizado é uma multinacional”diz ex-relatora. In: Estadão política, 2014. Disponível em: < http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,crime-organizado-e-umamultinacional-diz-ex-relatora-imp-,1579424>. Acesso em maio 2015. FAVERO, Daniel; FREITAS, Hermano. Polícia- Crime Organizado Rio- São Paulo: Veja as diferenças entre as facções no Rio e em SP. In: TERRA, S/D. Disponível em: < http://noticias.terra.com.br/brasil/policia/crime-organizado-rio-sao-paulo/> . Acesso em maio 2015. FOLHA DE SÃO PAULO. Rebelião em Taubaté chega ao fim após 36 horas. In: Folha online,2000.Disponívelem:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u17037.shtml >. Acesso em: maio de 2015. FRAGA, Daniel. Fernandinho-Beira-Mar critica o RDD. YOUTUBE, 2008. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=_WuDtct81vU> . Acesso em maio 2015. MARIANO JÚNIOR, Alberto Ribeiro. Regime disciplinar diferenciado e sua violação constitucional ao art. 5º, III, da CF/88. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 87, abr 2011. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9 240>. Acesso em maio 2015. SILVA, Fernanda Cintra Lauriano. Análise da In (Constitucionalidade) do Regime Disciplinar Diferenciado. Jus Brasil. Disponível em:< http://www.lfg.com.br. 21 de junho de 2009>. Acesso em maio de 2015.

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DEFICIÊNCIA MENTAL: UMA ANÁLISE CRIMINAL SOBRE FATOS OCORRIDOS EM MANICÔMIOS Maria Cezilene Araújo de Morais1 Esley Porto2 Nathalia Ellen Silva Bezerra3

INTRODUÇÃO No ano de 2006, o Brasil foi condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos a desativar todos os seus inúmeros sanatórios, por violar os direitos fundamentais das pessoas com deficiência mental, que também são consideradas pessoas de direito. Foram constatadas, em diversos manicômios, atos criminosos sob essa classe da sociedade, que precisa de assistência e cuidados especiais constantemente. Apesar da referida decisão é observado que esta imposição não está sendo devidamente cumprida: é o caso de alguns Hospitais Psiquiátricos que mesmo após a imposição que preza o respeito aos direitos humanos, continuam desempenhando as mesmas funções de outrora. Por outro lado, também há um problema quanto aos manicômios que já foram fechados. Políticas de assistência que suprissem as faltas de determinados ambientes não foram criadas de forma satisfatória, levando muitos dos enfermos a viverem nas ruas em situação de abandono, fazendo com que estes sejam aliciados para a prática de crimes. O estudo realizado tem como objetivo analisar essas duas facetas da decisão tomada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, considerando a atual posição dos portadores de anomalias psíquicas no contexto da sociedade globalizada – sobretudo o Brasil – a qual estamos inseridos. METODOLOGIA Este estudo foi realizado no mês de maio e junho de 2015, através de um levantamento histórico, baseando-se na leitura da Constituição Federal Brasileira e Código Penal, bem como de outros escritos que trazem em seus conteúdos questões relativas ao âmbito da desativação de manicômios e de crimes que aconteceram nesses locais. Foram também desempenhados leituras em artigos encontrados na base de dados Google Acadêmico e de notícias que giram em torno do referido tema. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba. Professora titular da Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: cezilene@gmail.com 2 Graduando em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. 3 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. 81 1


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RESULTADOS E DISCUSSÃO Desde meados do século XIX até o século XX eram utilizados em tratamentos para pessoas com deficiência mental, instrumentos como camisa de força, choques elétricos, isolamento e outros tipos de tortura física e moral que atestam preconceitos, segregação e práticas de atos criminosos para com esta camada da sociedade, que era vista como seres inferiores, que manchavam a boa aparência da civilização. A expressiva fala de Jean-Étienne Dominique Esquirol, em 1818 – renomado psiquiatra francês – caracteriza algumas das dificuldades enfrentadas por portadores de deficiência mental: Eles são mais mal tratados que os criminosos; eu os vi nus, ou vestidos de trapos, estirados no chão, defendidos da umidade do pavimento apenas por um pouco de palha. Eu os vi privados de ar para respirar, de água para matar a sede, e das coisas indispensáveis à vida. Eu os vi entregues às mãos de verdadeiros carcereiros, abandonados à vigilância brutal destes. Eu os vi em ambientes estreitos, sujos, com falta de ar, de luz, acorrentados em lugares nos quais se hesitaria até em guardar bestas ferozes, que os governos, por luxo e com grandes despesas, mantêm nas capitais. (Esquirol, 1818, apud Ugolotti, 1949)

Michel Foucault, em seus escritos, defendia a ideia de que os loucos deveriam ser punidos através da força física, principalmente quando resistissem aos tratamentos pelos quais lhes eram impostos – em alguns casos eram chicoteados publicamente, demarcando posição inferior as demais pessoas da sociedade – e com isso, eram expulsos da cidade, sendo levados ao mar como forma de aprisioná-los da realidade. Já no século XX, sobretudo durante a Segunda Guerra Mundial, as medidas abusivas contra os insuficientes mentais continuaram a vigorar. Adolf Hitler acreditava que os tempos de guerra configurariam um dos melhores momentos para eliminar os doentes incuráveis, sendo assim o responsável pela implantação do programa Eutanásia, que matou cerca de 70.000 (setenta mil) pacientes físicos e mentais. Mesmo com o passar do tempo os incapazes mentais continuaram a ser vitimas de tratamentos que afrontam a dignidade humana. Para mudar este quadro, uma nova perspectiva passou a ser utilizada no que diz respeito às novas políticas de reabilitação dos deficientes mentais, com a humanização dos métodos de assistência aos portadores de anomalia psíquica, sobre determinação das Constituições e dos tratados internacionais que asseguram a integridade da pessoa humana e priorizam a igualdade entre os cidadãos. Segundo a Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 é de responsabilidade fundamental da União promover o bem a todos, sem qualquer tipo de preconceito,

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estereotipificação ou outras formas de discriminações, como o especificado no artigo 3º, inciso IV, do mesmo corpo normativo. Partindo desse pressuposto, fica claro que os deficientes mentais também são portadores de direitos e merecedores de proteção: a personalidade jurídica dos mesmos não será definida a partir da sua anomalia psíquica, uma vez que todos, a partir do momento que respiram são portadores de direitos, como define o artigo 1º do Código Civil Brasileiro de 2002. Suas capacidades, entretanto, serão limitadas de forma absoluta ou relativamente – artigos 3º e 4º, respectivamente, também do Código Civil de 2002. Contudo, a realidade não se apresentava desta maneira. Diversos casos, que constantemente são noticiados pelos veículos midiáticos, apontam esta antítese entre o que está previsto em lei, e o que de fato acontecia no cotidiano de muitos brasileiros, como mesmo aponta o exemplo do crime cometido contra Damião Ximenes. Em 1999, Damião foi internado na casa de Repouso Guararapes na cidade de Sobral, interior do Ceará. Ele apresentava os primeiros sinais que desencadeariam em sua frequente crise psíquica – recusava-se a tomar os remédios essenciais a sua saúde mental, e assim ficava agressivo e com intenso quadro de insônia. Para tentar ajudá-lo, sua mãe recorreu a clínica com o intuito que Damião fosse devidamente medicado, e também ficasse sob os cuidados de profissionais capacitados e responsáveis. Três dias depois, em visita rotineira a clínica, para ver o seu filho, a mãe de Damião o encontra com marcas de agressões, seminu, e em um quarto úmido. Ao questionar sobre a situação que encontrara seu filho, foi informada, por auxiliares de serviço da Casa de Repouso, que Damião havia sido espancado por monitores de corredor para que ingerisse os medicamentos. À tarde do mesmo dia, Damião entra em óbito, tendo como causa da morte, segundo o laudo, parada respiratória, quando na verdade, o real motivo de sua morte havia sido os brutais abusos físicos ao qual foi submetido, mesmo sendo exposto na Carta Magna, no artigo 5º, inciso III, que ninguém será submetido a tortura ou a tratamento que fira a dignidade humana. Diante do ocorrido, Irene Ximenes, irmã da vítima, redigiu uma carta denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a outros órgãos de âmbito nacional e internacional de Direitos Humanos, denunciando as atrocidades que foram cometidas com o seu irmão. Em 2006, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, sendo acusado de violar os direitos fundamentais da pessoa humana. Foi observado que o ocorrido contrariava o exposto no Pacto de São José da Costa Rica, principalmente no que diz respeito aos artigos 4º (direito à vida), 5º (integridade pessoal), 8º (garantias judiciais) e o 25 (proteção judicial). Em ocorrência disso, foi criada a Lei nº 10.216/01, 83


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que redireciona o modo de assistência aos portadores de deficiências mentais. O parágrafo único dessa norma, por exemplo, determinará que o término das internações voluntárias ocorrerá por ordem médica ou através de solicitação por escrito do próprio paciente. Os deficientes mentais, de acordo com o Decreto nº 3928/1999, artigo 4º, inciso IV, são todos os que possuem um funcionamento intelectual abaixo da média, sendo estes descobertos antes dos dezoito anos, e possuindo limitações relacionadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas que são citadas nas alíneas seguintes: “a) comunicação; b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais; d) utilização dos recursos da comunidade; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004) e) saúde e segurança; f) habilidades acadêmicas; g) lazer; e h) trabalho”. Com isso, analisando esse fato na seara criminal, nota-se que a condição dos insuficientes mentais aumenta as preocupações quanto a vulnerabilidade da vítima. No intuito de ampliar a proteção oferecida aos portadores de deficiência mental, bem como de outras deficiências, são adotados agravantes ou causas de aumento de pena aos crimes cometidos em desfavor desse grupo. O Código Penal do Brasil de 1940 elenca uma série de artigos nos quais as vítimas são portadoras de deficiência mental, um exemplo é o artigo que trata da frustração de direito assegurado por lei trabalhista (art. 203), cuja redação do seu §2º é: “A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental (Incluído pela Lei nº 9.777/98)”. No contexto atual foram implantadas outras medidas que objetivam combater os maus tratos à pessoa portadora de deficiência mental: a criação do CAPS (Centro de Atendimento Psicossocial) que busca um tratamento mais humanizado. Um exemplo disso é a tentativa de eliminação de alguns traumas, como evitar que os pacientes vejam os profissionais vestindo roupa de cor branca, fazendo com que a vestimenta deixe de ser mais um fator de diferenciação entre normal/anormal. A internação conjunta, que tem como característica a presença regular de um familiar com o enfermo, é também uma alternativa para combater o estereótipo de tratamento sem transparência. Entretanto, essas políticas de tratamento não atingem toda a demanda existente – várias cidades brasileiras não possuem CAPS, por exemplo – e é perceptível que a sociedade ainda não aceita o deficiente mental como pessoa humana, em alguns casos os próprios familiares são os responsáveis por abandoná-los nos centros urbanos, os colocando em posição a margem da sociedade onde são levados para o mundo do crime, em alguns casos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto fica claro que os portadores de anomalias psíquicas merecem um tratamento que envolva respeito e que não inflija o seu direito à cidadania. Para que isso ocorra é necessário o efetivo cumprimento das medidas que visam a melhoria nos serviços oferecidos aos deficientes mentais, proporcionando a total desativação de sanatórios que ainda corre em passos lentos no Brasil. A constante fiscalização para que o aliciamento de pessoas com deficiências mentais para a prática de atos criminosos seja evitada é uma maneira plausível de diminuir o abuso contra tais pessoas que sempre foram vítimas de indivíduos que se aproveitam dessa incapacidade psíquica. REFERÊNCIAS FOUCAULT, Michel. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1978. http://global.org.br/programas/o-caso-damiao-ximenes-o-primeiro-contra-o-brasil-na-corteinteramericana-de-direitos-humanos-sera-decidido-entre-os-dias-3-e-4-de-julho-na-costa-rica/. http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4407&sec ao=391. http://www.comciencia.br/reportagens/manicom/manicom1.htm.

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