Texto Fatima Abreu Luiza Marques Revisão Letícia Motta Projeto Gráfico Fatima Abreu Luiza Marques Diagramação Fatima Abreu Ilustrações Luiza Marques
CIP-Brasil. Catalogação na Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ Abreu, Fatima; Marques, Luiza As coisas como realmente são / Fatima Abreu e Luiza Marques. - Rio de Janeiro: 2018. 40p. 1. Contos. I. Título.
Por que obrigam as crianças a dormirem com as luzes apagadas quando não conseguem apagar as suas?
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Eu nĂŁo entendo... 9
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Adultos estão sempre para lá e para cá, acordam cedo, trabalham, vão ao mercado, voltam para casa, assistem tv, olham o Facebook, respondem o Whatsapp, postam fotos no Instagram... Parecem tão destemidos, nada os atinge, nada os apavora. Sempre me questiono se sentem medo de algo, de como eles enfrentam esse medo. Se enfrentam mesmo ou fogem.
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Já crianças têm um modo muito único de olhar o mundo. São tão ágeis, curiosas, inteligentes, apressadas, alegres, cheias de vida, geralmente não têm muito medo das coisas, ainda estão descobrindo o mundo ao redor. Colocam o dedo no fogo, pisam em coisas que machucam, pulam de cabeça sem se preocupar se alguém os vão segurar. E quando começam a crescer vão conhecendo e descobrindo como algumas coisas amedrontam.
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A escuridão é algo que me assusta muito, não consigo ver nada. Onde estou mesmo? Sempre penso que fui transportado para outra dimensão, tudo parece tão diferente do normal.
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As coisas ao redor começam a se modificar diante dos meus olhos. Olho para algo, então de novo, e num instante em que pisco tudo toma vida e se transforma em seres de outro mundo.
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O que eu devo fazer? Ficar aqui, onde estou aparentemente seguro, ou sair correndo para outro lugar? Sinto que seja melhor não olhar novamente, pois, cada vez que olho, aquilo que era comum, me assusta mais com suas mudanças.
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Há dias em que, quando vejo o sol partir e a noite chegar, sinto algo que não sei bem dizer o que é. Meu coração dispara e sinto uns remexidos na barriga, como várias borboletas voando juntas.
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O que serĂĄ isso? De onde veio? Como ficou dessa forma? Como posso mudar? O que posso fazer? Tantas perguntas, tĂŁo poucas respostas...
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Serรก isso o medo? Mas de que eu realmente tenho medo? Da escuridรฃo ou do que estรก escondido nela? Mas o que estaria escondido? Daqui de onde estou, mal consigo entender o que de fato estou olhando.
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Há momentos em que estou tão assustado que não consigo lembrar de como eram as coisas sob a luz, de seus formatos. Concentro-me apenas em como as coisas estão agora, no pavor que me causam.
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Talvez este seja o problema: não conseguir ver com clareza, não enxergar as coisas como elas realmente são.
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Tão bobo e tão complexo, tão óbvio e sem sentido. Onde está a razão disto? Simplesmente não há razão, nem sei como e quando começou, só sei que está aqui, ali, lá. Algo que me paralisa e me faz querer não sair debaixo do cobertor, que me faz apenas espiar cautelosamente para não ser devorado. Mas sei que não posso deixar que esse sentimento me controle.
Tomarei fôlego e num impulso só atravessarei todo o quarto até chegar à porta, acenderei a luz e assim poderei ver que não há o que temer.
Melhor pensar mais um pouco... Planejar o percurso, não sei o que tem no meio do caminho. Talvez seja melhor ficar aqui debaixo mais um pouco - está seguro e logo virá o dia. No entanto, terei que passar por tudo novamente. Será que as coisas estarão ainda maiores quando outra vez anoitecer? Ontem elas eram menores...
Será que pensar em outras coisas me fará adormecer? Talvez esta seja a melhor opção. Menos dolorosa, mais fácil. Pensarei então em algo que gosto de comer: chocolate, tortas, sorvete, biscoitos... Uma verdadeira fartura de guloseimas.
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Mas logo lembro que ainda é noite, que as luzes continuam apagadas e sinto vontade de novamente espiar além das cobertas. Todos os monstros continuam ali, cada vez mais próximos e maiores. Voltarei a me distrair com outros pensamentos que não sejam sobre o que está lá fora.
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Pensarei dessa vez em algo que seja mais consistente. Mas em que? No dia, em como ele ĂŠ belo? Ah sim. Nos raios de sol que adentram meu quarto pela manhĂŁ e me acordam com seus feixes de luz.
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Pensarei no som dos pĂĄssaros cantarolando nos galhos das ĂĄrvores que se encontram prĂłximas Ă minha janela, pensarei no som dos carros apressados para chegar a algum lugar. Pensarei no cheirinho vindo da cozinha que passa pela fresta embaixo da porta.
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PorĂŠm, hĂĄ dias em que o sol nĂŁo aparece e, em seu lugar, vem a chuva. Por vezes fininha, outras, barulhenta, me assustando com seus fortes ventos e grandes gotas. Apesar do medo, ainda consegue ser encantador.
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Sinto as palpitações novamente tomando o meu peito ao pensar que existe algo lá fora que ainda não consigo enfrentar.
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Mas, neste momento, quero apenas estar na lembrança de uma bela manhã de sol. Isso me acalma.
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Acalma-me ou apenas mascara todo medo que habita em mim?
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Como adulto deveria haver mais coragem aqui. Como crianรงa deveria haver mais coragem aqui.
Num supet達o levantei e acendi a luz do quarto, e vi que nada era como parecia. As coisas n達o s達o t達o grandes e assustadoras quando olhadas com clareza. E me esconder apenas aumenta a ansiedade e o medo que moram em mim.
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O medo vai e vem
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Este livro foi composto em Alte Haas Grotesk O papel utilizado para a capa foi o Cartão Supremo 250g Para o miolo foi utilizado couché 170g Impresso na Gráfica Digital Trio Studio em julho de 2018
JĂĄ encarou seus medos hoje? Saia do cobertor e veja como as coisas real-mente sĂŁo.