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A FOTOGRAFIA DE ROBERTO WAGNER: ENTRE A PRECARIEDADE BRASILEIRA E A HISTÓRIA DA ARTE

Luis F. S. Sandes1

1 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAUUSP

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Resumo: Roberto Wagner, nascido em 1958, é nome significativo da fotografia contemporânea brasileira. Neste estudo1, situa-se sua obra entre dois polos: a precariedade brasileira e a história da arte. A precariedade brasileira é notada na produção do fotógrafo na medida em que nela são registrados diversos detalhes arquitetônicos ou urbanos que, muitas vezes, denotam falta de acabamento, pobreza, desgaste ou incompletude. Já a ligação com a história da arte se dá pela abundante presença da tendência da abstração geométrica na obra de Wagner. Essa tendência, existente há cerca de um século, tem longa história tanto no campo da arte como no da fotografia. Ademais, Wagner inova em trabalhar com a abstração geométrica por situá-la, em sua obra, em contextos urbanos. Sua poética explora principalmente elementos à mostra da metrópole: portões, grades, muros, tapumes, ruas, asfaltos, calçamentos, entre outros. Trata-se de, no geral, detalhes desses aspectos da paisagem urbana. O olhar do artista habitualmente está orientado por padrões geométricos, que são encontrados, recortados ou construídos nas imagens. Sua obra ainda não foi alvo de estudos de historiadores da arte, o que multiplica a importância de situá-la na história da arte. Fontes primárias são as fotografias de Wagner em sua conta no Instagram. Escolheram-se entre elas cinco imagens nas quais se evidencia a presença dos dois polos discutidos. Fontes secundárias são historiografia da arte e catálogos de exposições. A análise das imagens selecionadas ocorreu em duas frentes interconectadas. A análise interna considerou aspectos técnico-formais. A análise contextual considerou as relações da obra de Wagner com a história da arte e com o contexto urbano brasileiro. Em conclusão, o argumento do estudo importa, pois, além de a análise das cinco imagens sustentarem que ele é central, dimensiona e situa a obra do fotógrafo num contexto plástico mais amplo. Palavras-chave: Roberto Wagner; abstração geométrica; fotografia brasileira; artes visuais; história da arte.

Roberto Wagner1 é vigoroso nome da fotografia contemporânea brasileira. Neste estudo, sua obra é situada entre dois polos — a precariedade brasileira e a história da arte. A precariedade brasileira é notada na produção artística de Roberto Wagner na medida em que ela registra aspectos arquitetônicos e urbanos que indicam ausência de acabamento, pobreza, desgaste ou incompletude. A relação de sua produção com a história da arte, por sua vez, acontece pela reiterada presença da abstração geométrica, mas não só, dado que há remissão a outros artistas ou correntes estéticas. A obra de Wagner ainda não foi estudada por historiadores da arte, fato que ressalta a relevância de colocá-la no campo da história da arte. Para Dora Vallier (1986, p. 23), a abstração geométrica é um dos fenômenos existentes na história da arte que têm múltiplas correntes. É “(...) uma ciência da beleza concebida como uma ordem e uma harmonia (...)” (id., p. 16). Esse fenômeno surgiu no início do século XX com artistas como Kandinsky, Mondrian e Maliévitch, rompendo a ligação da arte com a forma (id., p. 9). Conta com múltiplos desdobramentos no campo da arte assim como no da fotografia. A partir dos anos 1970, as distinções entre abstração e representação foram sendo dissolvidas, tendo muitos artistas passado a não se basear mais nessas categorias tradicionais (MOSZYNSKA, 1990, p. 229). A partir do fim dos anos 1990, jovens artistas re-contextualizaram os legados formais da abstração (LIND, 2013, p. 10). Pode-se entender Roberto Wagner como um artista que opera tal re-contextualização. As fontes primárias são cinco fotografias de Wagner, as quais foram escolhidas de sua conta na plataforma digital Instagram. O critério de seleção das imagens se baseou na existência dos polos discutidos. As fontes secundárias são oriundas da historiografia da arte. A metodologia empregada se baseia em análise das imagens, que se deu em faces articuladas. Enquanto a análise interna tomou aspectos técnico-formais, a contextual serviu-se das relações da obra do fotógrafo com a historiografia da arte e com a conjuntura brasileira, em especial a citadina. A seguir, o artista é comentado e, posteriormente, cinco fotografias suas são analisadas. Finaliza-se com uma reflexão sobre o argumento do texto e com sugestões de novas pesquisas sobre a fotografia de Roberto Wagner.

O FOTÓGRAFO E SUA POÉTICA

Nascido em Ponta Grossa, Paraná, em 1958, Roberto Wagner começou a produzir fotografia autoral por volta de 1982. Participou do coletivo SX70, que reunia usuários da câmera reflex dobrável, entre fins da década de 1990 e início dos anos 2000. Por essa altura, foi incluído em coletânea organizada por Lenora de Barros (2003a). Na opinião de Barros (2003b, s.p.), o fotógrafo “[...] tem um olhar plural, variado, mas pontual. [...] (Seu) foco é sempre seco, cirúrgico, de recortes precisos e minuciosos.” Essa avaliação pode ser válidas para sua obra posterior. Em 2004, três fotografias suas foram incluídas na prestigiosa Coleção Pirelli-Masp de Fotografia, iniciada em 1990. Entre as exposições das quais Roberto Wagner participou, destacamse a coletiva ocorrida na Galeria Vermelho em 2003 e a individual na Galeria Fauna, em 2012.

Iniciou sua produção nos campos de fotografia publicitária e editorial em torno de 2000, tendo realizado trabalhos para as revistas Casa Vogue e Trip, além de outras. A poética do fotógrafo explora, nos aproximadamente sete últimos anos, principalmente elementos à vista na metrópole como portões, grades, muros, tapumes, asfaltos, calçamentos, fachadas, além de outros. De modo geral, são fotografados detalhes desses aspectos da paisagem urbana. Muitas vezes, abstrações geométricas são vistas em suas imagens, sendo elas encontradas, recortadas ou construídas pelo olhar do artista. Nesse sentido, Roberto Wagner é inventivo na medida em que põe — ou constrói, mais precisamente — a abstração geométrica em meio a circunstâncias ou paisagens urbanas. Por um lado, esse procedimento se inscreve na história da fotografia, tendo-se em vista a obra fotográfica de latino-americanos como, por exemplo, Gaspar Gasparian, José Yalenti, Geraldo de Barros, German Lorca, Thomas Farkas, José Oiticica Filho, Carlos Cruz-Díez e Leo Matiz. Por outro lado, Roberto Wagner realiza esse procedimento na cidade contemporânea sem escamotear seus elementos abandonados, desgastados ou não acabados. Ao realizar tais opções estéticas, Wagner problematiza não só a urbanização brasileira como a modernidade. Em suas fotografias, estão presente a urbanização desigual e a precariedade das periferias urbanas. A modernidade é questionada por meio dessas falhas e insuficiências da urbanização. Além disso, é indagada na medida em que as atuais estruturas social, cultural e econômica — apontadas pelas imagens — indicam que os ideais de democratização modernos não foram concretizados.

ANÁLISE DAS CINCO FOTOGRAFIAS

A primeira fotografia (imagem 1) foi postada no Instagram no dia 3 de setembro de 2019. Em foco está canto de banheiro de habitação com demolição em andamento. As cores vão do branco, passando pelo azul claro, até tons terrosos e o ocre. Elas são, no geral, pouco intensas. As emoções não são suscitadas pelas cores, e sim pela destruição progressiva que permite vislumbrar um cômodo familiar. A parte registrada do repartimento denota que ele faz parte de um espaço amplo. Em comparação com outras fotografias de Roberto Wagner, as linhas e a simetria estão menos definidas. A imagem pode ser relacionada à obra de Gordon Matta-Clark, em especial Clockshower (1974), em que aposentos em uma linha horizontal de um edifício de quatro andares foram demolidos, sendo expelidos destroços e expostas intimidades

domésticas. Matta-Clark se notabilizou por desconstruir arquitetura, espaço e ambiente urbanos com obras que rompiam as barreiras entre o interno e o externo.

Imagem 2

A fotografia seguinte (imagem 2), divulgada em 4 de janeiro de 2020, focaliza um portão de casa. A imagem é predominantemente em tons cinzas. Registram-se calçada sem ladrilhos, muro sem reboco e portão metálico. Este é composto por linhas verticais alternadas e linhas horizontais. O efeito causado por tais linhas é semelhante ao existente em um guache sobre cartão sem título de Julio Le Parc de 1959 (cf. BRODSKY, 2013). Essa pintura geométrica é bastante influenciada pela tradição construtivista argentina, em especial a do Arte-Concreto Invención. Nela, quadrados e retângulos pretos ou brancos sobre fundo cinza geram movimento assemelhado ao da fotografia de Wagner. A propósito, o fotógrafo publicou, em fevereiro de 2020, retrato do artista argentino quando de sua exposição em 2013 na galeria Nara Roesler, na capital paulista. A terceira fotografia (imagem 3) foi compartilhada em 24 de julho de 2019. Expõe fachada de comércio com portão de correr na qual se vislumbra jogo de cores. Formas geométricas entrecruzadas geram uma seção de quadrado alaranjada, cor existente apenas naquele trecho da imagem. As outras cores dos dois quadrados são o vermelho e o amarelo, e o fundo é azul. Há um setor inferior de alvenaria em outro tom azul. Por todo o portão há linhas horizontais, que imprimem ritmo à imagem. Os movimentos das formas geométricas e as cores podem levar uma remissão a Josef Albers e a Kazimir Maliévitch. Uma obra de Albers que contempla relações com essa fotografia tanto de formas como cores é a série Homenagem ao quadrado (1950-1976). Quanto a Maliévitch, a foto dialoga com um óleo sobre tela como Quadrado negro e quadrado vermelho (1915). Para o artista russo, os quadrados seriam os elementos mínimos de decomposição. Nessa pintura, o

quadrado vermelho tem leve inclinação, o que também existe na fotografia de Wagner.

Imagem 3

Imagem 4

A quarta imagem (imagem 4) foi postada em 10 de setembro de 2019. Mais uma vez, tratase de portão de automóveis. O muro é caiado; a calçada, consumida pela umidade. O vão entre a parte superior do portão de metal e o muro permite vislumbrar pouco. Cada banda do portão é subdivida em quatro retângulos. Cada uma dessas formas geométricas é pintada de um azul claro, à exceção de um triângulo inferior. Resulta-se, assim, em formas geométricas reconhecidas como bandeirinhas. A ligação com Alfredo Volpi é inapelável, dado que esse pintor ítalo-brasileiro se notabilizou perante o grande público brasileiro com suas bandeirinhas. Na obra de Volpi, esses elementos surgem inicialmente quando ele pintava fachadas; posteriormente, elas tomam autonomia e muitas vezes são retratadas sem outros itens. Se se considerar o aspecto suburbano do imóvel e do calçamento, pode-se entender que as bandeirinhas volpianas voltaram para seu local de origem.

Imagem 5

A quinta fotografia (imagem 5) foi compartilhada no dia 16 de maio de 2018. Há uma profusão de diferentes linhas com alto contraste: horizontais, verticais e diagonais. Seu entrecruzamento leva ao surgimento de ondulações em certas regiões da imagem. Há menor simetria quando se compara a outras fotografias de Roberto Wagner; há forte ritmo. Trata-se objetivamente de rampa de garagem de edifício. A saída para a rua, ao fundo, dá abertura para a foto, trazendo leveza e

claridade. As cores de uma paleta reduzida e estrita e os jogos visuais remetem ao concretismo paulista programático exemplificado pela obra Vibração ondular (1953) de Luiz Sacilotto. Em esmalte sobre madeira, linhas brancas idênticas são dispostas sobre fundo preto de tal modo que se cria uma ilusão de movimento, aspecto em que essas duas obras se encontram — para além da paleta de cores. Sacilotto participou do Grupo Ruptura, que, surgido em 1952, propugnava a abstração geométrica no meio paulista com regras que envolviam limitação de uso de cores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão, o argumento do artigo — situar a obra de Roberto Wagner entre a precariedade brasileira e a história da arte — tem importância, porque o fotógrafo produz obra conectada a aspectos artísticos, culturais ou sociais. As análises das fotografias realizadas ratificam o argumento.

A produção do fotógrafo enseja novas abordagens de estudiosos da história da arte. Como indicações de futuras pesquisas, constam: a inquirição sobre as relações com a pop art ou o minimalismo; a indagação sobre os pouco frequentes humanos nas imagens; a influência dos fotógrafos norte-americanos; e a degradação dos espaços urbanos.

REFERÊNCIAS

BARROS, Lenora de (Org.). SX70.com.br. São Paulo: Wide Publishing, 2003a. BARROS, Lenora de. Porque eu posso ver as fotos agora. In: _____ (Org.). SX70.com.br. São Paulo: Wide Publishing, 2003b. BRODSKY, Estrellita. Uma busca contínua. In: GALERIA NARA ROESLER. Julio Le Parc: uma busca contínua. São Paulo: Galeria Nara Roesler, 2013. LIND, Maria. Introduction. In: _____ (Ed.). Abstraction: documents of contemporary art. Londres; Cambridge (Massachusetts): Whitechapel Gallery; The MIT Press, 2013. MOSZYNSKA, Anna. Abstract art. Londres: Thames and Hudson, 1990. VALLIER, Dora. A arte abstrata. Lisboa; São Paulo: Edições 70; Martins Fontes, 1986.

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