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ANO 2 | NO 14 | OUTUBRO 2011

R$ 12,00

EXEMPLAR COR TE S I A

remédios Cientistas e indústria buscam soluções para crescer

Marcas e patentes Para acelerar a inovação no país, um sistema ultrapassado e muito lento começa a mudar

Steve Jobs O que mexia com o coração dele


As revistas CartaCapital e Carta na Escola apresentam mais um seminário da série Diálogos Capitais 2011

Ensino Técnico: Uma necessidade para o País, uma alternativa para os jovens REALIZAÇÃO

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www.cartanaescola.com.br

POLÍTICA, ECONOMIA E CULTURA

www.cartacapital.com.br

Programação Manhã:

Abertura – “O ensino técnico como prioridade de governo” Palestrante convidado: Fernando Haddad – Ministro da Educação

Mesa 1 “O ensino técnico e seu papel para o crescimento do País” Tarde PATROCÍNIO

Mesa 2

“O PRONATEC e as demais propostas para ampliar a oferta de vagas. Como formar cidadãos”

Mesa 3

“O PROMINP e as carreiras técnicas na cadeia de petróleo e gás”

Palestrantes Convidados:

PARCERIA

Jair Antônio Meneguelli, pres. do Conselho Nacional do SESI; Eliezer Moreira Pacheco, secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação; José Renato Ferreira de Almeida, coordenador-executivo do Prominp; Paulo Alexandre Barbosa, secretário de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Governo de São Paulo; Cláudio Ricardo Gomes de Lima, pres. do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica; Waldir Quadros, professor colaborador do IE-Unicamp e membro do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Unicamp – CESIT; Gabriel Grabowski, professor e assessor de assuntos institucionais da FEEVALE; Rafael Lucchesi, diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI/CNI; Laura Laganá, diretora-superintendente do Centro de Educação Tecnológica Paula Souza; Celso João Ferretti, professor da Universidade de Sorocaba; Flávio Antônio dos Santos, diretor-geral do CEFET de Minas Gerais; Pedro Carlos Valcante, pres. do Sindicato dos Técnicos Industriais de Nível Médio de São Paulo; Antonio José Domingues de Oliveira Santos, pres. da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo; Lígia Vasconcellos, gerente de avaliação de projetos do Grupo Itaú Unibanco Data: 11 de novembro de 2011 Horário: das 9h às 17h Local: Hotel Golden Tulip Park Plaza - Alameda Lorena, 360 – São Paulo Informações e inscrições: http://www.dialogoscapitais.com.br/ensinotecnico/

Inscrições gratuitas Vagas limitadas Será disponibilizado certificado de participação

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Lula Palomanes

ANO 2 | NO 14 | OUTUBRO 2011

EXPEDIENTE Diretor de redação Celso Horta Editor Sérgio Pinto de Almeida Editores assistentes Cecília Zioni Denise Natale Secretaria de redação Sonia Nabarrete Repórteres Clébio Cantares Joana Horta Sucursal Rio de Janeiro Maurício Thuswohl Correspondentes Flávio Aguiar (Alemanha) João Valentino (Estados Unidos) Direção de arte Ligia Minami fotografia Amanda Perobelli Tratamento de imagens Fabiano Ibidi Colaboraram nesta edição Ana Valim Lula Palomanes Tânia Maria dos Santos Fotos de capa Shutterstock Divulgação (Steve Jobs) Contato com a redação revistainova@abcdmaior.com.br

DEPARTAMENTO COMERCIAL (11) 4335-6017 publicidade Jader Reinecke ASSINATURAs Jéssica D’Andréa Impressão Leograf Tiragem 25 mil exemplares INOVA é uma publicação da MIDIA PRESS Editora Ltda. Travessa Monteiro Lobato, 95 Centro | São Bernardo do Campo Fone (11) 4128-1430 INOVA não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos assinados.

editorial

Os sonhos dos outros Steve Jobs não precisava ser notícia para ocupar o espaço que ocupou na mídia e agora receber as devidas homenagens. De qualquer forma, ele se destacaria pela importância de sua obra inovadora. Como outros anônimos espalhados por organismos públicos, academias e empresas de todo o planeta produzindo e aplicando conhecimentos, raros deles destaques na mídia. Nesta edição, INOVA traz aos seus leitores algumas destas contribuições. O entrevistado Cezar Alvarez, secretário executivo do Ministério das Comunicações, é um desses aficionados da tecnologia que, ao longo dos últimos anos, sustenta importantes iniciativas do governo federal para estimular a inovação no campo da informática e da comunicação. Outras duas reportagens abordam o problema das certificações, um dos grandes desafios a serem enfrentados pelo Brasil no mercado global. A indústria brasileira precisa inovar-se para poder ganhar competitividade, é verdade. Mas como fazê-lo diante dos altos custos embutidos nos longos e penosos processos de certificação de novas marcas e patentes? Como fazê-lo diante da concorrência das multinacionais que monopolizam mercados globais? Os planos e investimentos feitos no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), objeto da reportagem de Mauricio Thuswohl, parecem apontar para uma luz no fim do túnel na questão das marcas e patentes. E o texto de Sonia Nabarrete discute os amplos horizontes que se descortinam para as pesquisas e inovações da indústria de fármacos instalada no Brasil, a partir das intenções manifestadas pelo governo federal. Esta edição de INOVA marca também a estreia de um novo correspondente. Direto do Texas, nos Estados Unidos, o repórter João Valentino estará atento a tudo que envolve inovação, e em seu primeiro texto informa, com exclusividade, sobre um grupo de 30 estudantes de MBA que vão partir, em maio de 2012, da Universidade do Texas em direção ao país que, segundo eles, está inovando e “bombando”. Saiba qual é esse país na página 37. Mas, uma dosagem ideal de informações sobre inovação, não pode dispensar um pouco de filosofia. É o que faz nosso correspondente em Berlim, Flávio Aguiar, ao perder-se nos labirintos da maior feira de aparelhos eletrônicos de comunicação e entretenimento do mundo. É preciso pensar, diz ele, mas “não com os sonhos que podemos comprar prontos”. Celso Horta

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Valter Campanato | ABr

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Entrevista

Cezar Alvarez, secretário-executivo do Ministério das Comunicações, e as grandes mudanças no setor

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Os remédios cubanos; a cera de carnaúba; os combustíveis alternativos e a viagem a Marte

28 Steve Jobs

No traço do artista Lula Palomanes, a reverência ao inovador

divulgação

30 Internacional - Berlim

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Educação

USP chega aos 100 mil títulos de mestrado e doutorado e abre o debate sobre o futuro da pós-graduação

O correspondente Flávio Aguiar visita a maior feira de aparelhos eletrônicos e lembra de Baudelaire

33 Internacional - Texas

O correspondente João Valentino revela que 30 estudantes americanos de MBA vêm estudar o Brasil

34 Ponto de vista

O professor Mario Sergio Salerno garante que inovação está na moda e inovar é preciso

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Combustível

Etanol é testado em jatos da Embraer e ilumina estação brasileira na Antártida

Tecnologia

O Brasil corre contra o atraso e implanta novos sistemas de marcas e patentes

O país avança na produção de remédios, mas ainda existem muitas barreiras Para Fernando Perez, diretor de empresa brasileira de biotecnologia, os investimentos são altos e não há garantia de retorno.

amanda perobelli

Shutterstock

divulgação

16 Capa

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entrevista

Cezar Alvarez

Mauricio Thuswohl

mauricio@abcdmaior.com.br

Internet, rádio e tevê,

O centro do furacão das inovações políticas, tecnológicas e normativas inclui da ban Intenso processo de inovação – política, tecnológica e normativa – movimenta os setores de telecomunicações e de radiodifusão no Brasil, neste final de ano. No olho desse furacão está o Ministério das Comunicações, origem de políticas públicas, como o Plano Nacional de Banda Larga e o novo marco regulatório geral para a comunicação. Secretário-executivo do ministério, Cezar Alvarez lida diariamente com essas e outras questões, como a regulamentação da radiodifusão comunitária e a busca por regras que imponham limites à publicidade infantil, a programas de televenda e de pregação religiosa, abundantemente frequentes nas emissoras de rádio e tevê. Gaúcho de Santana do Livramento, o economista ingressou no serviço público pela prefeitura de Porto Alegre e, desde 2003, está em Brasília, incluindo entre seus principais trabalhos os programas Cidadão Conectado–Computador para Todos, Um Computador por Aluno, Computador Portátil para Professores e um projeto para promover a ampliação e qualificação dos telecentros comunitários. Desde 2010, é o encarregado do Plano Nacional da Banda Larga (PNBL). Aos 57 anos, com a experiência adquirida ao longo de oito anos como assessor direto do ex-presidente Lula e coordenador do comitê de inclusão digital, Alvarez encara com tranquilidade esses novos temas espinhosos, sobre os quais fala nesta entrevista exclusiva à INOVA.

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INOVA – A previsão para o início do Plano Nacional da Banda Larga em novembro está mantida? E que resposta o senhor dá às críticas, segundo os quais o plano foi reduzido à oferta de uma assinatura econômica? Cezar Alvarez – O Plano não se encerra nesse projeto em particular, que teve o objetivo, por ocasião da discussão do Plano Geral de Metas, de tirar das concessionárias um mínimo de banda larga. Ele tem novos espectros, tem política industrial, tem novos operadores, tem o papel da Telebras, tem política fiscal. Esse foi um acordo feito com as concessionárias – e são apenas duas, as grandes –, por ocasião de uma discussão de outra ordem, que era sobre a telefonia fixa. Dissemos: como a telefonia fixa vai se concentrar na área rural e nós vamos esperar o espectro de 450 MHz, que é bem mais barato, para não gastar satélite, queremos alguma coisa em termos de banda larga para a população. E conseguimos um plano modesto, limitado, mas que empurra o consumo. O Plano não é para um usuário já do ramo, com média renda. É para um usuário novo, que hoje paga em média 75 reais pela banda de um mega, sem falar que quase dois terços dos lares brasileiros não têm nem esse tipo de banda. Já me disseram que o serviço oferecido não aguenta três aulas do Ministério da Educação. Sinto muito, mas isso não é para fazer a formação do MEC. Essa, nós vamos fazer ainda por broadcast, por grandes tevês, não vai ser na mobilidade. Não é para isso que eu estou dando conta. Estou dando conta para alguém começar a ter uma banda razoável e para que dois terços dos municípios brasileiros, que hoje não têm mais do que 500 kilobytes, passem a ter um mega. Sabemos que existem limitações, é evidente, mas é

parte de um plano de popularização da banda larga para cidades que não a tinham até agora. Ainda vai levar dois, três anos. Quem fala que é uma banda larga de segunda qualidade se confunde e erradamente acha que todo o PNBL se resume a esse projeto. Inova – O preço inicial a ser oferecido ao consumidor seria em torno de 35 reais... CA – Será no máximo nesse valor. Poderá ser menos, caso os governadores aceitem o projeto do Conselho Nacional de Política Fazendária, que permite uma banda a R$ 29,90, sem ICMS e com velocidade máxima de 300 kilobytes. Estamos tentando articular com os governadores para que eles adiram ao plano, mas, ao mesmo tempo, as teles têm que oferecer alguns serviços aos governadores, como mais conexão para escolas, universidades e centros de serviço. Não vamos achar – e eu sempre digo isso para as operadoras – que os governadores vão abrir mão de receita sem contrapartida. Queremos a garantia de que essa abertura de ICMS, de 6 reais, vá para a conta e não fique incorporada na cadeia ou na própria tele. Inova – Segundo o acordo, o serviço de banda larga deveria ser oferecido independentemente do serviço de telefonia. No entanto, a Telefonica, por exemplo, já anunciou que vai oferecer em São Paulo os dois serviços de forma casada a um preço maior que os 35 reais estipulados. O governo pode interferir de alguma forma para fazer com que as empresas cumpram o que está acordado? CA – O plano não tem venda casada. O que ele diz é: a empresa tem de oferecer banda larga com essa qualidade, nessa cidade e com esse


Antonio Cruz | ABr

nada será como antes

nda larga popular à transparência nas concessões e o novo marco regulatório geral tempo. A novidade foi oferecer essa banda larga na telefonia fixa ou na móvel, onde for mais negócio, mas a empresa tem de oferecer. Não é obrigada a ter um para vender o outro. Agora, a partir dos 35 reais, se alguma empresa disser que o consumidor quer os dois produtos, ela terá de oferecer os dois por 36 reais, essa já é uma questão do consumidor. Mas, aquele consumo exclusivo, seja fixo ou móvel, ela é obrigada a atender por até 35 reais. Não existirá venda casada, mas eu não posso proibir ninguém de fazer combo. O termo de compromisso com as empresas, inclusive, tem uma previsão de que, no caso da oferta de combo, ele não custe mais do que 61 reais para a Telefonica e de 69 reais para a Oi. A tarifa básica da telefonia está em torno de 45 reais e, com os 35 reais da banda larga, daria um combo de 80 reais no mínimo. Ao garantir, por contrato, um combo máximo de 61 reais, nós estamos finalmente abatendo o preço final ao consumidor. Inova – Outra questão é a velocidade da banda larga, pois geralmente o total oferecido representa 10% do contratado. É possível fazer com que as empresas aumentem a disponibilidade de velocidade? CA – Se você observar os contratos verá que, quando, se fala em x mega, isso é velocidade máxima. Não existe nenhuma regra que diga se essa velocidade máxima deve estar disponível sempre ou se é uma vez na vida e outra na morte. Não há regulação sobre isso. Para que a velocidade máxima esteja disponível, os contratos dizem também que depende de diversos fatores, como o servidor que você usa, o equipamento, a conexão da sua casa, etc. Então, não há qualquer garantia. Nós estamos trabalhando hoje para que esses contra-

tos tenham uma garantia mínima. A Anatel já vinha fazendo e agora está acelerando, por determinação da presidente Dilma, a definição dos critérios para o padrão de qualidade. Diferentes países têm diferentes formas de mensurar. Na Inglaterra, por exemplo, a média da entrega da velocidade contratada durante um período de 24 horas é de 50%, e no horário de pico isso baixa para 30% ou 40%. Existe uma polêmica forte com as empresas de telecomunicação, que dizem não haver parâmetro mundial que imponha como regra a exigência da qualidade. Mas nós vamos começar a exigir. É o que está acontecendo agora para o móvel e para o fixo. Ainda não sabemos qual será a exigência para a banda larga, mas a Anatel fala em uma média de 60% e um mínimo de 20%. Quando nós lançamos o Plano Nacional da Banda Larga e vimos o preço que a Telebras faria no atacado, percebemos a possibilidade de entregar 50 kilobytes reais – ou 10%, o que já era um baita avanço. Vamos vender 500 kilobytes e entregar 50, pois há lugares que entregam muito menos do que 10%. Mas, a presidenta Dilma já determinou que isso suba imediatamente para 20% e as regras que a Anatel está construindo irão para bastante mais. Tem-se que definir a média, o mínimo e talvez algum momento em que aquele máximo terá de estar garantido. Isso significará reforço das redes existentes e mais investimentos. O que as teles estão dizendo é que concordam em investir mais, mas cobrarão mais. Teremos uma queda-de-braço forte no próximo período. Inova – Como vai ser a fiscalização do conteúdo nacional exigido pelo novo marco regulatório? Qual será o papel das agên-

cias reguladoras? Já se fala na transferência da Agência Nacional do Cinema (Ancine) para o Ministério das Comunicações e até mesmo na fusão da Ancine com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Existe essa possibilidade? CA – Um dos temas que ficam atualizados, a partir da visão de um marco regulatório convergente em um modelo que ainda separa a telecomunicação da radiodifusão, é se o papel da regulação exigirá uma única agência ou duas. Eu não quero fazer uma discussão esquemática, mas esse debate estará na ordem do dia da sociedade brasileira. Mas, acredito que isso não acontecerá em menos de três ou quatro anos. Então, não adianta fazer hoje prognósticos de quem vai para onde ou se será uma agência ou se serão duas. Teremos que discutir qual é a convergência, qual é a complementaridade do poder regulador público e se essa complementaridade será mais bem atendida por uma ou duas agências. Essa é uma discussão a ser feita, mas daí a dizer que a Ancine já se prepara para vir para o Ministério das Comunicações é exagero. Inova – Como estão as discussões sobre a regulamentação da publicidade infantil? E sobre a ocupação da grade das emissoras por programas de televenda ou de conteúdo religioso? CA – Uma das motivações do novo marco regulatório é que há questões constitucionais ainda não regulamentadas e que dizem respeito ao direito à comunicação, à diversidade, à proteção da infância e da adolescência, aos conteúdos atentatórios, de elementos consagrados em termos OUTUBRO 2011 | INOVA

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Há um conjunto de temas que mostram a necessidade da regulamentação. Isso não significa em absoluto censura, e sim alguns elementos que podem fazer parte de um código de autorregulamentação.”

de incitação ao ódio, à violência, à discriminação. Então, há um conjunto de temas que mostram a necessidade da regulamentação. Isso não significa em absoluto censura, e sim alguns elementos que podem fazer parte de um código de autorregulamentação. É dentro desse contexto que nós temos de atentar para a questão das rádios religiosas. Elas não existem na legislação brasileira. Existe sim, muitas vezes, a compra de espaço ou uma programação que vai enveredando por uma dimensão de rádio professando fé. Essa é uma distorção da realidade brasileira e dela nós vamos ter de dar conta de uma forma muito criativa e rica na continuidade do marco regulatório. A concessão foi dada para A. Se A vende para B e B faz algumas coisas que não atendem ao princípio da concessão, surge um problema. É uma questão de fundo que teremos de enfrentar no marco regulatório. Inova – O Ministério das Comunicações abriu uma consulta pública para tratar da radiodifusão comunitária. Quais são as perspectivas de política pública para esse setor? Qual será o espaço das rádios comunitárias nessa nova realidade? CA – Primeiro, temos de voltar a discutir se rádio comunitária é para um setor da comunidade ou para todo o município. Depois, temos de discutir o tamanho de sua frequência e ver se ela realmente está sustentada em uma organização social, e sem algumas distorções que às vezes a própria Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) reconhece. Dito isso, é evidente que há perseguição de grandes emissoras, é evidente que existem alguns problemas de escopo dessas próprias rádios comunitárias, mas eu creio que o governo vem fazendo um papel razoável, discutindo algum espaço de precisão do que significa comunicação de interesse público, algum patamar de remuneração do

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apoio cultural, que é outra reivindicação histórica da Abraço. Estamos propondo uma atualização geral da pauta da Abraço, que trata de mais de 20 temas. Um dos principais é a descriminalização das rádios comunitárias, à medida que a criminalização é feita a partir do código de 1962. Por ele, os equipamentos são lacrados e destruídos e dá quase prisão. Existem temas que são para ontem e não podem esperar o novo marco regulatório, e esse é o caso da descriminalização das rádios comunitárias. Nós atualizamos os avisos de licitação e hoje há uma visão de previsibilidade de equipamento. Estamos buscando mais o apoio qualificado de entidades registradas e vinculadas realmente aos movimentos comunitários e sociais. Acho que estamos trabalhando razoavelmente. Inova – No governo Lula chegou a ser discutido o projeto de criação de um operador único da tevê pública digital para reunir num só espectro digital todos os canais públicos. Esse tema estava no Ministério das Comunicações e depois passou para a Secretaria da Comunicação Social. Em que pé está essa discussão? Como está a busca de um financiador para viabilizar esse operador único? CA – O operador da tevê digital, em um primeiro momento, foi visto como uma proposta do tipo Parceria Público e Privada. Quando surgiu a Telebras, a primeira coisa que o então ministro Franklin Martins tratou comigo, quando eu coordenava o PNBL, foi ver que sinergia se poderia ter. A Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) gostaria de se concentrar em seu conteúdo, mas não queria ser ela própria a distribuidora do seu canal. Com isso, vimos então que se abriu um espaço. Hoje, há uma discussão técnica entre a EBC e a Telebras, razoavelmente avançada. E, ao mesmo tempo, a ministra

Helena Chagas (da Secretaria de Comunicação Social) e o ministro Paulo Bernardo (das Comunicações) acertaram atualizar politicamente os termos em que a EBC vem trabalhando com a Telebras. Eu acredito que há, sim, possibilidade de impulso para esse projeto. Mas, ao mesmo tempo, sabemos que é muito caro. A própria Telebras está sofrendo contingenciamento em seu orçamento e isso vai acontecer também na dinâmica da rede de transporte do sinal da EBC e das demais tevês públicas. Porque, evidentemente, se existe uma estrutura para carregar a EBC, ela teria que carregar também as demais programações das tevês públicas do Legislativo, do Judiciário, etc. Mas é necessário ter sinergia e convergência e menor custo. Inova – No dia 30 de maio, foi divulgada a mais recente lista de outorgas para radiodifusão, com seus respectivos concessionários. Diversas entidades que atuam pela democratização da comunicação reclamaram que, mais uma vez, direta ou indiretamente, vários parlamentares serão beneficiados por essa concessão. Isso contraria o que diz a Constituição. Como o Ministério das Comunicações pode atuar para mudar isso? CA – O ministro Paulo Bernardo já disse ser essa uma decisão do Congresso, mas ele também entende que haveria um conflito de interesses entre ser, ao mesmo tempo, um concessionário de emissora e um parlamentar legislando e que aprova ou revoga uma outorga. Eu compartilho dessa opinião. O que nós estamos tentando fazer é botar mais transparência, mostrar em nome de quem estão as concessões, para o cidadão brasileiro poder ver exatamente se aquele nome que ali aparece no site do governo na internet é realmente o responsável por aquela emissora ou não.


notas

Em tempos de pré-sal, protótipos de navios e plataformas de petróleo offshore (em alto mar) podem trocar o plástico de que são feitos por cera de carnaúba. Nos testes, a cera mostrou trazer mais benefícios econômicos e ambientais. O grupo de estudo, coordenado por Fábio Villas Boas, e formado pelo pesquisador George Magno e pelo estagiário João Guilherme Ribas, do Centro de Tecnologia Naval e Oceânica do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) analisou ceras naturais e industriais e de 100 amostras testadas deu, escolheram a cera de carnaúba. Agora, sua formulação está em fase de patenteamento. As vantagens: a matéria está disponível no mercado interno e custa menos que o bloco de poliuretano, tem dureza satisfatória (maior que a do bloco), aquece pouco durante a usinagem, sua propriedade autolubrificante reduz o desgaste da ferramenta e sua flexibilidade evita quebra de protótipos.

Astrobiologia chega a São Paulo De 11 a 20 de dezembro, será realizada a São Paulo Advanced School of Astrobiology (Spasa 2011), promovida pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, por sua Escola São Paulo de Ciência Avançada, com apoio da Fapesp. Destinada a estudantes de graduação e pós-graduação e pós-doutorandos em biologia, física, astronomia, química, geociências e áreas correlatas do Brasil e do exterior, o evento reunirá especialistas do país e do exterior para discutir temas gerais da pesquisa em astrobiologia. A astrobiologia estuda a origem, evolução, distribuição e futuro da vida de forma ampla e multidisciplinar. É uma área nova, que busca respostas para algumas das mais complexas questões científicas. Mais informações em www.astro.iag.usp.br/~spasa2011

TECNOLOGIA ESPACIAL

17 bilhões de reais e a Nasa vai a Marte Foguete potente para chegar a outro planeta Foi apresentado no mês passado nos Estados Unidos o projeto do novo sistema de lançamento espacial da Agência Nacional Espacial e de Aeronáutica americana (Nasa), a ser utilizado em voos tripulados e cujo destino pode ser Marte. Espera-se para 2017 o seu primeiro voo e nele serão aplicados 17 bilhões de reais. Será o foguete mais potente desde o Saturno V, que levou a nave tripulada Apollo à Lua. Terá capacidade inicial de 70 toneladas, podendo chegar a 130, tendo hidrogênio e oxigênio líquidos como combustível. Na construção da cápsula para tripulantes, a ser usada no veículo espacial Orion, serão gastos mais 10,2 bilhões de reais. Sua principal inovação é a versatilidade tecnológica, permitindo rápidas adaptações de acordo com novas necessidades. Uma vez concluído esse projeto, a Nasa se dedicará a uma nova geração de veículos e tecnologias necessárias para o programa de missões tripuladas, criado em 2010 pelo governo Obama, e no qual são previstas a viagem a um asteróide, em 2025, e a primeira missão tripulada a Marte, em 2030.

O modelo da Orion: com tripulantes só em 2030

divulgação/nasa

Cera de carnaúba desbanca o plástico

Das dez maiores marcas do mundo atualmente, sete são do setor de tecnologia, informa a consultoria de marcas Interbrand, dos Estados Unidos. A mais valiosa é a Coca-Cola (vale “só” 71,8 bilhões de dólares) e a segunda é a IBM (69,9 bilhões de dólares). Pela ordem, aparecem Microsoft, Google, GE, McDonald’’s, Intel, Apple, Disney e HP.

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notas

shutterstock

Santa Catarina quer mais inovação Um parafuso que avisa em que hora deve ser trocado ou reapertado, um sistema de alimentação de combustível que permite ao motor trabalhar simultaneamente com diesel e gás, fórmulas aperfeiçoadas para ração animal – estes são alguns dos projetos selecionados pelo Edital Senai/Sesi de Inovação 2011. Ao todo, sete projetos foram escolhidos e receberão R$ 4,45 milhões para serem desenvolvidos em Santa Catarina.

Da gaveta para 300 mil toneladas/ano saúde

Brasil e Cuba negociam remédios Medicamento contra diabetes já é produzido em Manguinhos, e virão outros 17 Os governos brasileiro e cubano firmaram, em setembro, um acordo de transferência de tecnologia que vai permitir a produção e distribuição, no Brasil, do Heberprot-P, medicamento indicado para tratamento de diabetes, evitando a amputação de pés dos doentes. Desenvolvido pelo Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia de Cuba nos anos 90, o remédio será produzido no Instituto Bio-Manguinhos, da Fiocruz, ligado ao Ministério da Saúde. O ministro Alexandre Padilha pretende negociar com Cuba acordos para análise e registro de outros 17 remédios cubanos no Brasil, dos quais 11 são anticorpos monoclonais usados no tratamento de câncer, que o ministro pretende incluir no Sistema Único de Saúde (SUS).

tecnologia para ajudar na locomoção Sequelas motoras severas, como as que afetam vítimas de acidente vascular cerebral, poderão ser amenizadas por meio de sistemas automatizados. É o que indica um amplo projeto em curso na Unicamp, voltado à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias para locomoção comandada por sinais cerebrais. O primeiro trabalho na área foi apresentando pelo engenheiro Ricardo da Silva Souza. Ele montou uma plataforma para integrar redes de sensores sem fio e robótica móvel para criar ambientes inteligentes na área de robótica assistiva – termo que define recursos destinados a minorar dificuldades encontradas por indivíduos com deficiência.

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Depois de 30 anos na gaveta, uma forma diferente de produzir gusa passou a ser utilizada em uma usina-piloto da Vale, na cidade paulista de Pindamonhangaba. O processo, desenvolvido por pesquisadores brasileiros da Tecnored, de cujo capital a Vale participa, simplifica a produção de ferro-gusa, do qual se faz o aço. O teste na usina-piloto, que tem capacidade para produzir até 75 mil toneladas de gusa, pode se estender por um ou dois anos. Se o resultado for positivo, será adotado na unidade de Carajás, no Pará, para produzir 300 mil toneladas/ ano. Pelo novo processo, os altos-fornos siderúrgicos, de 30 metros de altura ou mais, são substituídos por fornos de apenas cinco metros. Não será necessário o uso de coqueria (aquecimento da mistura de carvões minerais) e sinterização (aglomeração de finos de minério de ferro). Com isso, os custos podem ser 20% a 30% menores.

Combustíveis alternativos na aviação Em novembro, a Organização Brasileira para o Desenvolvimento da Certificação Aeronáutica realizará um seminário sobre o uso de combustíveis alternativos na aviação. O objetivo é discutir a chegada dos chamados biocombustíveis de segunda geração como alternativa ou substitutos dos combustíveis fósseis. Nos dias 29 e 30 de novembro, na cidade paulista de São José dos Campos, especialistas tratarão do assunto, considerando a necessidade de inovação no setor e de incentivo a ações concretas, em benefício do transporte aéreo. Em pauta assuntos como os combustíveis líquidos baseados em hidrocarbonetos sintéticos, como o querosene a base de cana-de-açúcar, além de processos e critérios de sustentabilidade, compatibilidade com os combustíveis em uso, produção em escala comercial, e possíveis benefícios econômicos, sociais e ambientais


inovação social

Ana Valim

avalimalberti@yahoo.com.br

DPASCHOAL OFERECE CURSO DE MECÂNICA PARA MULHERES A empresa oferece aulas gratuitas com duração média de duas horas. O curso é dividido em duas partes: teórica e prática. A prática é feita nas lojas Dpaschoal, com grupos de 20 pessoas, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás. As participantes recebem apostila para acompanhar a parte teórica, participam de vários sorteios de brindes e serviços gratuitos na oficina e, ao final, recebem certificado de conclusão. Os cursos são marcados de acordo com o número de interessadas. Mais informações em www.dpaschoal.com.br

BOMBRIL APOIA EMPREGADAS DOMÉSTICAS Foi inaugurada no bairro do Butantã, em São Paulo, a Casa Bombril, que oferecerá gratuitamente às empregadas domésticas – em parceria com o Senac – cursos de lavanderia, culinária, organização de ambientes, limpeza e conservação. Na Casa existe ainda uma loja, onde são vendidos exclusivamente os produtos da empresa e cuja renda é revertida na continuidade do projeto. Mais informações www.casabombril.com.br/

CARREFOUR ENTRA PARA O MESA BRASIL SESC A rede de supermercados passou a apoiar o projeto Mesa Brasil Sesc, um programa de segurança alimentar e nutricional sustentável que redistribui alimentos excedentes apropriados para consumo e é formado por uma rede de banco de alimentos que busca onde sobra alimentos e entrega onde falta alimentos. Este ano, até julho, o programa distribuiu quase 22 mil toneladas de alimentos para 5.447 entidades assistidas, beneficiando quase 1,5 milhão de pessoas, em 385 cidades. São 3.236 empresas parceiras do Mesa Brasil Sesc. Mais informações www.mesabrasil.sesc.com.br

GOLDMAN SACHS TRAZ PROJETO PARA O BRASIL Um curso gratuito em gestão de negócios destinado a mulheres de baixa renda é uma ação da corretora em parceria, no Rio de Janeiro, com a Fundação Dom Cabral. Ele faz parte do programa global Dez Mil Mulheres Empreendedoras, oferecido a mulheres de 22 países em desenvolvimento. No Brasil são 100 vagas e as participantes devem ter um pequeno negócio, formal ou informal, o segundo grau completo e mais de 21 anos. O curso começa em 22 de novembro e vai até 18 de maio de 2012. Mais informações www.fdc.org.br/10000women

Um teto no Brasil: 4 mil voluntários e 679 moradias construídas

UM TETO PARA MEU PAÍS CONSTRÓI CASAS Nascida no Chile em 1997, Um Teto para meu País (UTPMP) é uma organização sem fins lucrativos, liderada por jovens voluntários universitários e profissionais que trabalham junto às famílias de assentamentos irregulares e favelas para melhorar sua qualidade de vida. E fazem isso a partir da construção de casas de emergência e programas de habilitação social. Em 2001, a UTPMP começou sua expansão, com apoio do Fundo Multilateral de Investimentos (FUMIN), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Hoje, está presente em 19 países da América Latina (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Panamá, Peru, Republica Dominicana, Uruguai e Venezuela). No Brasil, desde 2007, a organização já construiu 679 moradias de emergência, mobilizando quatro mil voluntários. No mês que vem a entidade trabalhará nas comunidades Aeroporto 3, em Mogi das Cruzes; Futuro Melhor, Fátima e Sousa Ramos, em São Paulo; Morro do Kibon, em Santo André; e Velosinho, em Carapicuíba. E informam que para essa nova tarefa precisam de 800 voluntários. Os interessados podem se inscrever através do endereço www.umtetoparameupais.org.br

BANCO DO BRASIL FINANCIA R$ 1 BILHÃO PARA ESTUDANTES Até o mês passado o Banco do Brasil liberou empréstimo para 25 mil estudantes de instituições privadas, através do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). A participação do banco subiu de aproximadamente 4% do total de contratos do Fies em 2010 para cerca de 20% do valor financiado no início de setembro. O banco atua como agente financeiro do Fies desde o final de agosto de 2010. Pelo programa, o universitário pode financiar até 100% do valor da graduação, com prazo de três vezes o período financiado mais 12 meses para quitar o empréstimo, com juros de 3,4% ao ano. Segundo o Banco do Brasil o estudante começa a pagar o empréstimo 18 meses após se formar.

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USP Campus Zona Leste: programas integram várias áreas do conhecimento

educação

100 mil mestres e doutores pela USP Ao atingir a concessão de 100 mil títulos de mestrado e doutorado, a Universidade de São Paulo discute o futuro da pós-graduação no país Joana Horta joana@abcdmaior.com.br

AMANDA PEROBELLI

este mês de outubro, a Universidade de São Paulo (USP) celebra a marca de 100 mil títulos de mestrado e doutorado, concedidos a dissertações e teses qualificadas e defendidas na instituição. Do total, 53% são mestrados e 47%, doutorados, contados a partir de 1969, quando surgiram os padrões para a pós-graduação do país. Mais que um resultado quantitativo, o número comprova o peso da mais tradicional instituição brasileira de ensino, com 22 mil estudantes de pós-graduação, em mais de 200 cursos nas 9 áreas do conhecimento reconhecidas nessa etapa de estudos: ciências exatas e da terra, ciências biológicas, ciências

Vahan Gopyan, pró-reitor de pós-graduação: bom momento para mudanças

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da saúde, ciências agrárias, ciências sociais aplicadas, ciências humanas, linguística, letras e artes e multidisciplinar. A unidade que mais produziu títulos, ao longo dos últimos 42 anos, foi a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, com 9,5% do total. Com o indicativo título de Pós-Graduação Construindo o Futuro, uma série de eventos foi programada na USP. “É um bom momento para pensarmos de maneira mais aberta e eventualmente sugerir mudanças no sistema de pós-graduação”, afirma Vahan Gopyan, pró-reitor de pós-graduação da instituição. O professor da Faculdade de Medicina do campus Ribeirão Preto, Carlos Gilberto Carlotti Jr., reforça o movimento no sentido da reflexão. “Está clara a ideia que não devemos apenas rememorar os 100 mil títulos e ir pra casa. A comemoração tem o objetivo de celebrar e discutir o sistema atual da universidade paulista, pensar um novo modelo final de tese, entender as necessidades dos financiadores.” Entre os problemas citados pelo professor, estão o aperfeiçoamento no processo de seleção e ingresso, as exigências na formação de línguas estrangeiras, a melhora das orientações e a reorganização da estrutura administrativa da universidade. “As secretarias de pós-graduação nas faculdades sofrem com a burocratização. Este é um problema para o qual precisamos encontrar soluções”, afirma Carlotti. Como parte das comemorações e para estimular a coordenação dos cursos de pós-graduação, a pró-reitoria lançou um programa de intercâmbio direcionado aos

coordenadores, incluindo viagens financiadas a universidades que, no exterior, desenvolvem linhas semelhantes, estimulando a troca de experiências. Carlotti ressalta que esses eventos pretendem também aproximar os governos federal e estadual aos empresários, para que a universidade se acerque das necessidades sociais. “Convidamos esses atores para lhes perguntar qual perfil gostariam de ver no egresso da universidade, em busca de mais amplo atendimento de necessidades do país.” Outra iniciativa foi o lançamento do prêmio Tese Destaque USP, para incentivar a qualidade dos trabalhos apresentados. Será escolhido um trabalho em cada uma das nove grandes áreas de conhecimento e os vencedores ganharão prêmio no valor de R$ 15 mil. Cada um de seus orientadores vai receber uma viagem internacional de estudos, no valor de até R$ 10 mil. Também serão atribuídas duas menções honrosas por grande área, de R$ 5 mil.

Qualificação A questão a ser discutida com empresários e promotores de políticas públicas é a que se refere ao apoio à expansão do mestrado profissional, com o objetivo de qualificar o pesquisador para o mercado de trabalho. Carlotti explica com um exemplo: “Você pode ser um excelente médico, mas que não sabe como intervir no sistema de saúde, propor mudanças. A USP está criando cursos de mestrado com essa finalidade e isso vale para todas as áreas.”


Outro aspecto que vem ganhando espaço na universidade é o da interdisciplinaridade, com a criação de programas que integrem o conhecimento em várias áreas. Um exemplo é o do campus mais novo da USP, na zona Leste de São Paulo, a Escola de Artes, Ciên­ cias e Humanidades (EACH). Ela passou a oferecer quatro cursos de pós-graduação, de natureza interdisciplinar. Desde o ano passado, além do ciclo básico da graduação, são ministrados os programas de pós-graduação em modelagem de sistemas complexos e sistemas de informação. Este ano, tiveram início os programas para as áreas têxtil e moda, de mudança social e participação política estudos culturais, aos quais, em breve, se acrescentarão os de biodiversidade e sustentabilidade.

De São Carlos, a tese número 1 O marco de 100 mil trabalhos de pós-graduação guarda histórias de vida e de gratidão à universidade. É o caso de Hildebrando Munhoz Rodrigues, do campus São Carlos, professor na instituição há 44 anos, o autor do primeiro título registrado após a regulamentação da pós-graduação no Brasil. Título do seu trabalho: Invariância para sistemas não autônomos de equações diferenciais com retardamento e aplicações, com data de 1969. “Eu imaginava ter sido o primeiro do campus São Carlos, mas não da USP. É uma honra, mas para mim o importante é ter participado da formação da pós-graduação no país e continuar participando”, afirma Rodrigues. Na época, ele era professor do Departamento de Ciências de Computação e Estatística da Escola de Engenharia de São Carlos que, em conjunto com o Departamento de Matemática, deu origem a uma nova unidade, o Instituto de Ciências Matemáticas de São Carlos, posteriormente denominado Instituto de Ciências Matemáticas de Computação (ICMC). Hildebrando relembra a efervescência local, reflexo do que estava acontecendo na USP naquela época: “Nós já vivíamos um ambiente fértil de pesquisa, uma busca muito grande pelo desenvolvimento de um amplo número de alunos e pesquisadores em todas as áreas do conhecimento,”conta. Aos 67 anos de idade, o livre-docente Rodrigues não abandona as aulas de graduação e pós-graduação, a orientação de alunos nem o trabalho de pesquisa com colaboradores de vários países. Sobretudo, está convicto de que a aposentadoria é coisa para o futuro. “Já dei aula para mais de 4 mil alunos. Sei que, com minha experiência, posso ajudar muito na indicação de linhas de pesquisa e problemas e estou entusiasmado com os alunos que estou formando agora”, avisa.

Edmilson Luchesi

Hildebrando Munhoz Rodrigues: o primeiro e ainda na ativa

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divulgação

divulgação

Mais de 200 programas A pós-graduação na USP compreende programas que podem ser oferecidos por uma unidade nas áreas de ciências biológicas, exatas e humanas, ou por várias unidades, e são divididos pelas nove áreas definidas pela Capes.

Professor Carlotti: pensar novo modelo

André Luiz: da pós ao novo emprego

Presidente da comissão de pós-graduação da EACH, Flávia Mori entende o aparecimento desses novos cursos como tendência orgânica da instituição. “Muitos docentes são atraídos para a USP pela possibilidade de realizar pesquisas. A universidade pensa que, uma vez que existem docentes engajados em uma graduação e com pesquisas em andamento, é muito desejável que exista uma pós-graduação. Os recursos humanos, os alunos atraídos para a pós-graduação, se inserem nessas pesquisas, as apoiam e aprendem com elas.”

Novo rumo na carreira Foi com o curso de pós-graduação da USP que Flávia diz ter se encontrado profissionalmente. Com primeira formação em economia, ela voltou à universidade buscando novo direcionamento para sua carreira, que começara em uma instituição financeira. Nos corredores da Faculdade de Economia (FEA), leu um cartaz do programa de pós-graduação interunidades em nutrição humana aplicada e se candidatou. Nesse processo, envolveu-se com a pesquisa, com as aulas e encontrou sua vocação na carreira acadêmica. André Luiz Machado de Oliveira, aluno de Flávia no curso de modelagem de sistemas complexos e o primeiro da turma a qualificar sua pesquisa, entrou para o curso de pós-graduação sonhando ser professor da USP. Mas está saindo dela com vontade de empreender, de abrir seu próprio negócio. Esse projeto surgiu a partir do trabalho desenvolvido na academia: a pesquisa de um sistema de telefonia, mais acessível e demo-

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crático, sem infraestrutura, a partir da modelagem e simulação baseada em agentes. Engenheiro eletricista aos 25 anos, André nem terminou o curso e já está empregado na Leucotron Equipamentos, em Santa Rita do Sapucaí, polo eletrônico de Minas Gerais. “Acabei de ser contratado para desenvolver novas competências na empresa, dentro de um projeto de inovação. O dono tomou conhecimento da minha pesquisa e me chamou para uma conversa”, conta o pós-graduando, contratado com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “Tenho vontade de fazer doutorado e continuar desenvolvendo pesquisa, mas precisamos de mais cientistas que busquem o conhecimento e testem sua aplicação na realidade, que gerem patentes e sejam empreendedores”, afirma o estudante, um dos integrantes da lista dos próximos 100 mil títulos de pós-graduação da USP.

Os 100 mil na rede A Pró-Reitoria abriu um site sobre os 100 mil títulos outorgados a mestres e doutores: www.prpg.usp.br/100mil/ . Na tela inicial, o destaque: Mestres e Doutores, há 100 mil razões para comemorar. Nele, os internautas são informados sobre as comemorações e os debates que celebram a marca. No campo Personagens, seis ex-pró-reitores de pós-graduação dão depoimentos, em vídeos e em texto. Em Prêmio USP estão o regulamento e os detalhes do Tese Destaque USP 2011. Ainda existem o campo Notícias e Pós-hoje, destaque para o Conte sua História, em que alunos e exalunos narram seus casos e experiências.

Ciências Agrárias 25 programas em 5 unidades www.usp.br/prpg/pt/interna1/ progAgrarias Ciências Biológicas 23 programas em 9 unidades e um programa interunidades www.usp.br/prpg/pt/interna1/ progCienciasBiologicas Ciências da Saúde 67 programas em 14 unidades e 3 interunidades www.usp.br/prpg/pt/interna1/ progSaude Ciências Exatas e da Terra 21 programas em 11 unidades www.usp.br/prpg/pt/interna1/ progExatasTerra Ciências Humanas 19 programas em 6 unidades www.usp.br/prpg/pt/interna1/ progCienciasHumanas Ciências Sociais Aplicadas 13 programas em 7 unidades www.usp.br/prpg/pt/interna1/ progSociaisAplicadas Engenharias 21 programas em 4 unidades www.usp.br/prpg/pt/interna1/ progEngenharias Linguística, Letras e Artes 19 programas em 2 unidades www.usp.br/prpg/pt/interna1/ progLinguistica Ensino e Multidisciplinar 7 programas em 3 unidades e 9 interunidades www.usp.br/prpg/pt/interna1/ progOutrasModalidades


combustível

Jatos da Embraer: voos experimentais desde agosto

ETANOL CHEGA AOS JATOS

E A TERRA DO GELO

Clébio Cantares

clebio@abcdmaior.com.br

Em ano de baixa produção, combustível amplia seu alcance e chega a Antártida or paradoxal que possa parecer, num ano de baixa produção, o mercado para o etanol brasileiro, extraído de cana-de-açúcar, ampliase, aprofundando seu uso aeronáutico e substituindo o diesel mineral na produção de energia. A partir de novembro, na Estação Antártida Comandante Ferraz, o Brasil torna-se pioneiro no uso de energia elétrica gerada por etanol. E a Empresa Brasileira de Aero­náutica (Embraer) continua a testar o combustível obtido da cana, uma de duas vertentes tecnológicas, uma delas a partir de óleo vegetal e outra, da sacarose. Na Antártida, por um ano será testado o projeto de geração de eletricidade, fruto de parceria entre a Marinha brasileira, a Petrobras Biocombustível e a Vale Soluções em Energia. A Vale produziu o gerador, com capacidade para 240 quilowatts, suficientes para atender toda a estação de pesquisa. O gerador funcionará apenas com o etanol, a ser fornecido pela Petrobras. O objetivo é comprovar a viabilidade do sistema, mais limpo, até as comemorações dos 30 anos de presença do Brasil no polo sul, ano que vem.

Testes nos ares Os testes com novos combustíveis são feitos pela Embraer em parceria com empresas de tecnologia e de aviação, entre elas,

a Boeing. O objetivo é determinar a viabilidade e sustentabilidade de biocombustível em jatos. Serão avaliadas as condições ambientais e mercadológicas associadas ao uso do combustível renovável em jatos, tendo o World Wide Fund For Nature (WWF), como consultor e supervisor. O combustível é fornecido pela Amyris Brasil, de Campinas (SP), cujo projeto foi aprovado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em seu programa de financiamento para produção sustentável de biocombustíveis para jatos. Sob coordenação da Icone, incubadora brasileira de pesquisas com experiência na agricultura e análise de biocombustíveis, o estudo está em fase final de conclusão. Nele será detalhado, por exemplo, o ciclo de emissões associadas com o combustível renovável para jatos. A Embraer desenvolve também parceria com a GE no projeto de biocombustível de origem vegetal. Em agosto, foi realizada a primeira série de vôos experimentais com o jato Embraer 170, equipado com motor GE CF34-8E, e utilizando o combustível Hefa, siga em inglês para ésteres e ácidos graxos hidroprocessados. O Hefa é derivado da camelina, oleaginosa muito empregada no biodiesel produzido nos Estados Unidos, e cujo uso reduz emissões de carbono, informa Guilherme de Almeida Freire, diretor de estratégia e tecnologia para o meio ambiente da Embraer. O Brasil, lembra ele, “é uma rica fonte

de biomassa e o desenvolvimento da tecnologia baseada na cana-de-açúcar reforça a importância do crescimento sustentável da aviação nacional. Além disso, o país é reconhecido como futura potência em biocombustível, e algumas empresas estrangeiras estão vindo para cá, interessadas em fazer parte desse processo.” E é justamente o know how brasileiro em etanol de cana que permite ousar na área. Produto da Embraer, o avião agrícola Ipanema, utilizado principalmente na aplicação e pulverização de defensivos e fertilizantes em plantações, desde 2004 trocou o motor a gasolina pelo motor a etanol, tornandose a primeira aeronave, entre as fabricadas em série em todo o mundo, certificada para voar com esse combustível. De lá para cá, quem usa confirma: melhor desempenho geral, menores custos de operação, menor impacto sobre o meio ambiente.

Guilherme de Almeida Freire, diretor da Embraer: biomassa brasileira interessa estrangeiros


especial saĂşde

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Os entraves

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SONIA NABARRETE sonia@abcdmaior.com.br

brasileiros na guerra dos medicamentos

Cientistas inovam e avançam nas pesquisas de novos remédios, inclusive contra o câncer, mas ainda existem muitos obstáculos até a comercialização dos produtos quebra de patentes para remédios contra doenças crônicas não transmissíveis, como parte de políticas que garantam o direito à saúde da população, feita durante discurso da presidente Dilma Rousseff, na sede da ONU, em Nova York, no mês passado. Florentino Cardoso, novo presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), aponta um lado do problema: mesmo com patente disponível, muitos laboratórios públicos não teriam capacidade para atender a demanda, pois alguns sequer têm licença da vigilância sanitária para funcionar. Cita como exemplo o laboratório da Fiocruz: “Eles fizeram um bom trabalho desde que a patente do tratamento da aids foi quebrada, mas o laboratório está completamente saturado e já deve estar terceirizando a produção”, afirma.

Precisamos continuar pesquisando e conquistando patentes, porque a propriedade industrial é fundamental para o desenvolvimento do país”. NELSON MUSSOLINI Vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo (Sindusfarma)

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a tentativa de desvendar as causas do câncer e as mais eficazes formas de tratamento, pesquisadores em todo o mundo se de­ dicam a diferentes li­ nhas de pesquisa. No Brasil, vale destacar, entre outros trabalhos recentes, os que vêm sendo desenvolvidos pelo professor Fernando Perez, da Recepta Biopharma, e pelo professor Yong Kun Park, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que resultam em novas patentes à disposição do mercado e em descobertas que podem levar a novos processos. O detalhe, por enquanto, é que a indústria nacional não tem se interessado em aproveitar boa parte desse potencial, nem as patentes liberadas para domínio público. É o caso do Lipitor, por exemplo, um dos produtos mais usados mundialmente para controle do colesterol, e de cujo princípio ativo já existe uma alternativa brasileira, desenvolvida também na Unicamp pelo professor Luiz Carlos Dias e o pós-doutorando Adriano Siqueira Vieira. Para a indústria nacional, introduzir no mercado medicamentos inovadores, com patentes de pesquisadores brasileiros, esbarra em sérios obstáculos. No caso de produtos inovadores, são exigidos altos investimentos e longo tempo de testes e análises. No caso do uso de patentes liberadas, o problema maior está na concorrência de fornecedores estrangeiros – desde os insumos até os produtos finais. Tudo isso, aliado ao que se convencionou chamar de custo Brasil, colocam o fabricante nacional em desvantagem. Por essas mesmas razões, não foi recebida com entusiasmo a declaração a favor da

A indústria reclama Em vez de lutar pela patente, o governo deveria “conhecer melhor o cenário, debater a questão com a indústria”, diz ele. E que pontos devem ser discutidos? A redução da carga tributária, o aumento de verbas públicas para a saúde e a parceria entre empresas públicas e privadas para o desenvolvimento de novas drogas, como disse à imprensa Antonio Britto, presidente da As­ sociação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), e ex-governador do Rio Grande do Sul. Outro ponto levantado pela indústria diz respeito à propriedade intelectual, definida no Acordo Trips (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, na sigla em inglês), da Organização Mundial do Comércio, à qual o Brasil se filia. Nelson

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Mussolini, vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo (Sindusfarma), afirma que, por ser o Brasil um país que respeita contratos internacionais, “qualquer flexibilização, se ocorrer, será feita dentro da lei”. Cardoso, da AMB, teme que a quebra de patentes retire a confiança do investidor internacional no mercado brasileiro. Segundo a Interfarma, esse não é o problema principal, pois só 8,8% dos remédios disponíveis no mercado são protegidos por patentes, e, de acordo com o Sindusfarma, de 70% a 80% dos remédios genéricos para doenças crônicas não transmissíveis, destinados ao tratamento de diabetes e hipertensão, já fazem parte do programa Farmácia Popular, resultado de acordo entre governo, indústria e varejo. “A maior parte dos medicamentos para o câncer também já está disponível, como genéricos. Alguns, destinados a tipos específicos, são realmente mais caros, por envolver muita tecnologia e custo de produção alto e continuarão caros, mesmo que percam as patentes”, explica Mussolini. Um ano de administração do remédio pode custar até R$ 100 mil – e o preço de versões genéricas seria no máximo 20% inferior ao dos medi-

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amanda perobelli

especial saúde

camentos de referência, segundo Cardoso, da AMB.

QUALIDADE DE VIDA Da bancada do pesquisador ao balcão da farmácia, há testes clínicos custosos e demorados, antes de se obter autorização para fabricação, a cargo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), diz Mussolini. Um processo caro e que dura alguns anos, diz ele. Por isso, um medicamento só se torna economicamente viável se um investidor bancar a fase de pesquisas, esperando o retorno com os royalties da patente, quando o remédio passa a ser comercializado. Essa é uma das explicações do desinteresse na produção nacional do “Lipitor brasileiro”, princípio ativo já desenvolvido na Unicamp. Mussolini diz que, no caso, ainda são necessários testes clínicos que irão comprovar a validade da patente brasileira. Da mesma forma, boa parte dos insumos farmacêuticos continua sendo comprada de fornecedores externos, “como China e Índia, onde a economia de escala permite cobrar preços imbatíveis”, diz ele. Sai mais barato para a indústria. Os problemas existem, mas a indústria farmacêutica não se opõe à inovação: “Pelo

contrário, precisamos continuar pesquisando e conquistando patentes, porque a propriedade industrial é fundamental para o desenvolvimento do país. O futuro está na biotecnologia e nos medicamentos geneticamente modificados”, afirma Mussolini. Se a cura do câncer ainda não existe, diz o professor Fernando Perez, é possível prolongar, com qualidade, a vida do paciente, por meio da terapia de anticorpos monoclonais. E o professor Yong Kun Park aposta no poder da própolis. Para atingir seu objetivo ele vem trilhando cada passo necessário da pesquisa.

Laboratório nacional pesquisa tratamento de câncer O professor Fernando Perez, principal diretor da Recepta Biopharma, empresa brasileira de biotecnologia dedicada a pesquisar


Em diversas fases de suas pesquisas, a Recepta conta com a participação de laboratórios do exterior. “O Brasil tem excelentes profissionais e laboratórios, mas, no caso de medicamentos para câncer, ainda precisamos da estrutura e do conhecimento de centros de estudos no exterior”, afirma o professor Perez. Hoje há uma dezena de anticorpos monoclonais para tratamento do câncer no mercado, produzidos por multinacionais farmacêuticas, e a Recepta trabalha para aumentar esse número. “Não há um anticorpo para todos os tipos de câncer e nem sempre os que existem funcionam. Um dos mais vendidos atualmente, o Herceptin, indicado para câncer de mama, pode ser administrado em apenas 23% das pacientes. Dessas, apenas 20% respondem ao tratamento. Ou seja, apenas 4% poderão controlar a doença com o medicamento, o que não significa cura”, explica Perez. Para ele, ainda assim a terapia com anticorpos é uma alternativa à clássica quimioterapia, à qual pode ser eventualmente associada. “O anticorpo busca apenas o alvo e, se não o encontra, é eliminado do organismo. Já a quimioterapia atinge todas as células que crescem de forma rápida indistinta-

Professor Perez: produto intangível

mente, inclusive as sadias. Cabelos contêm células de crescimento rápido e, por isso, são perdidos por quem está em tratamento quimioterápico. Mas apesar dos efeitos colaterais, em muitos casos a quimioterapia é o único tratamento possível e eficaz.”

DESENVOLVER ANTICORPOS A meta dos pesquisadores é descobrir alvos para cada tipo de câncer e desenvolver o anticorpo com capacidade para atacá-lo. Por isso, a Recepta trabalha com o Rebmab 100, que está na segunda fase de pesquisa e já mostra capacidade de atingir o alvo de 76% dos casos de câncer de ovário e 80% dos cânceres de mama. Outro anticorpo em pesquisa na fase préclínica é o Rebmab 200, que também apresenta ação potencialmente eficaz em câncer de ovários. Esses dois anticorpos foram patenteados pelo Instituto Ludwig, que fez a transferência tecnológica para a Recepta prosseguir os estudos. Perez conta que a Recepta também conquistou suas próprias patentes com o Rebmab 500, anticorpo monoclonal indicado para tratamento do glioblastoma, câncer que, no cérebro, atinge o sistema nervoso central. A pesquisa está em fase de testes pré-clínicos. Outras duas patentes da Recepta, o Rebpep 9 e o Rebpep 10, foram obtidas graças a peptí­ deos, fragmentos de proteínas. “Os peptídeos podem funcionar como anticorpos, com a vantagem de que a sua produção se dá por síntese química, de forma muito mais simples do que os anticorpos monoclonais. O problema é que sua ação é muito rápida, o peptídeo é muito vulnerável e os pesquisadores trabalham para estabilizá-lo no organismo”. No momento, os peptídeos patenteados, que apresentam ação contra o câncer de mama e o melanoma, estão na fase de estudos pré-clínicos in vitro e in vivo com camundongos.

Própolis contra o câncer e a aids A sabedoria popular, há tempos, elegeu a própolis como um santo remédio para muitos males, um verdadeiro antibiótico natural. Os cientistas têm se encarregado de mostrar que o produto, fabricado pelas abelhas para proteger suas colmeias, realmente tem propriedades antimicrobianas e anti-inflamatórias. O professor Yong Kun Park foi além em suas pesquisas e descobriu que a própolis pode ser um caminho para a cura do câncer. Nascido na Coreia, hoje aposentado, ele continua se dedicando ao assunto na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, em Campinas, São Paulo. Seu interesse pelo tema é antigo e se acentuou a partir de 1985, quando tomou conhecimento de estudos da Apimondia, entidade internacional que reúne apicultores, apresentados em um simpósio em Nagoya, no Japão. Nesse encontro, discutiu-se a função da própolis sobre algumas doenças e teve então início uma série de pesquisas em todo o mundo. Uma das primeiras descobertas do professor Park foi a existência de diferentes tipos de própolis, conforme o vegetal usado em sua fabricação. Descobriu, também, que divulgação

Apoio do exterior

amanda perobelli

anticorpos monoclonais para o tratamento do câncer, não tem ilusões: a cura completa ou a vacina contra a doença, principal causa de morte nos Estados Unidos e segunda no Brasil, ainda são sonhos distantes. Mas é possível, sim, desenvolver medicamentos que prolonguem a vida do paciente e que esta sobrevida tenha qualidade. “Nosso objetivo é evitar a metástase (ramificação do tumor) e assim manter a doença sob controle, da mesma forma que hoje acontece com o diabetes, a pressão alta e a aids”, diz Perez, um físico que fez carreira acadêmica na Universidade de São Paulo, conduziu por 12 anos o departamento científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e em 2006 fundou a Recepta Biopharma, em parceria com o Instituto Ludwig, dos Estados Unidos, uma referência em pesquisa de câncer. “Nosso produto é intangível. Exige muito tempo e altos investimentos para pesquisa e não há nenhuma garantia de retorno financeiro, o que só ocorrerá quando o novo medicamento receber aprovação dos órgãos de regulação e uma empresa se dispuser a fabricá-lo”, afirma o professor.

Professor Yong Kun Park: poderes da própolis

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especial saúde

cada tipo tem uma atuação específica no organismo humano. “Começamos estudando a composição química relacionada com a origem botânica e, assim que cada composto ia sendo elucidado, as pesquisas se centravam na atividade fisiológica em que esse composto poderia atuar”, explica.

Mais incentivo Foi assim que Park constatou terem esses compostos o poder de destruir a célula cancerígena. Mas como é grande a diversidade de compostos, a questão é descobrir como atuam sobre diferentes tipos de câncer. “Mas, para prosseguir nas pesquisas é necessário estrutura laboratorial, profissionais capacitados e investimentos”, diz Park – que também fala da importância do incentivo indispensável do governo. Mais de 30 publicações internacionais, ao longo desse tempo, divulgaram seus achados, o que despertou o interesse de estudiosos em todo o mundo a ponto de, hoje, suas pesquisas prosseguirem também em laboratórios do Japão e dos Estados Unidos, suplementando essa carência no Brasil. Foi por isso que a Universidade de Kobe, no Japão, recebeu de Park uma amostra de própolis com alta concentração de flavanoides, e a tem usado nas pesquisas sobre a dioxina, o hormônio ambiental associado a cânceres de pulmão, cérebro e próstata. A dioxina, explica Park, é produzida pela degradação de produtos que contêm cloro, como plásticos e herbicidas. Ela contamina o ambiente (solo, água, vegetais), é absorvida por animais e, consequentemente, pelo homem. Os flavonóides presentes na própolis atuariam como um obstáculo à invasão da dioxina no organismo, diz o pesquisador, que lembra, porém, ser o hormônio vegetal apenas uma dentre as várias causas do câncer. “A mais comum é a que associa o câncer à genética”, diz.

tido o problema, os dois resolveram realizar as duas pesquisas. “Primeiramente, estudamos o vírus HIV. Testamos 12 tipos diferentes de própolis”, diz o pesquisador, e descobriu-se reação contra o vírus em dois tipos, mais fortemente em um deles. Isolamos os compostos do grupo 1 e achamos que o ácido morônico foi o responsável pela morte do vírus.” O estudo foi divulgado na mais competente publicação de produtos naturais, o Journal Natural Products, e devidamente comemorado, enquanto prosseguiam as pesquisas sobre a atividade anticancerígena da própolis. Outro sucesso: os estudos demonstraram sua ação positiva contra o câncer de próstata. Park cita o episódio para reforçar o fato de que, entre a descoberta científica e a disponibilização do novo medicamento, caso do uso da própolis no combate ao câncer, há um longo caminho a ser percorrido. “Estamos andando, mas precisamos conhecer melhor os compostos e a continuidade das pesquisas depende do governo”, ressalta. O próximo passo, diz ele, será descobrir como sintetizar artificialmente os compostos contidos na própolis, para dar origem a um medicamento, e é nessa tarefa que ele

País é líder em impostos É nossa a maior carga de tributos para medicamentos México, Venezuela, Colômbia, Estados 0%

Suécia, Reino Unido, Japão

Câncer versus HIV Em 1997, Park foi convidado a assumir o cargo de professor auxiliar no Laboratório de Produtos Naturais da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Seu objetivo era estudar a atividade anticâncer dos compostos presentes na própolis. Só que o diretor do laboratório, segundo ele conta, estava mais interessado em estudar a ação desses mesmos compostos no combate ao vírus HIV, causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a aids. Discu-

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Unidos, Canadá,

França, Suíça, Espanha, Portugal, De 0,1% a 6,3%

Bélgica, Holanda, Grécia, Finlândia, Turquia Argentina, Chile,

De 6,5% a 25%

Itália, Alemanha, Áustria

35,7% Fonte: Talogdata.

Brasil

conta com o apoio de laboratórios estrangeiros. Enquanto isso, Park prossegue no Brasil os estudos sobre a aplicação de bioquímica, principalmente em produtos naturais: “Dessa forma, poderemos esclarecer cientificamente os compostos que apresentam atividade farmacêutica ou funcional no metabolismo”, afirma.

Ninguém quer o Lipitor brasileiro Foram 15 meses de pesquisas até o anúncio da descoberta no Brasil, por pesquisadores da Unicamp, de uma alternativa para a síntese da atorvastina, o princípio ativo do Lipitor, remédio da Pfizer usado para controle do colesterol, hoje o mais vendido em todo o mundo. Já se passou meio ano desde que o anúncio foi feito, ressaltando as várias vantagens em relação ao medicamento original. Mesmo assim, a alternativa


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Professor Luiz Carlos Dias, da Unicamp: Lipitor brasileiro ainda fora da escala industrial

descoberta não encontrou nenhum laboratório da indústria farmacêutica brasileira disposta a comercializá-lo. “Infelizmente, é mais fácil comprar o princípio ativo pronto de outros fornecedores, como Índia e China. O mercado de genéricos no Brasil funciona assim: o produto chega pronto aqui, é embalado e vai para a prateleira das farmácias. Nosso setor farmacoquímico e farmacêutico funciona como se fosse uma montadora. Tem medo do novo!”, desabafa o professor Luiz Carlos Dias, que, junto com o pós-doutorando Adriano Siqueira Vieira, desenvolveu essa inovação no Instituto de Química da Universidade de Campinas (IQ-Unicamp). A patente do Lipitor expirou em junho deste ano e passou a ser legal a produção de genéricos da atorvastina. O processo desenvolvido pela Unicamp, em relação ao original da Pfizer, tem como vantagens apontadas pelo professor Dias, a rota de onze etapas, mais curtas e mais positivas do ponto de vista ambiental. ”Após vários experimentos, conseguimos introduzir uma série de inovações incrementais no processo, melhorando os rendimentos químicos de diversas etapas e reduzindo a quantida-

de de solventes tóxicos em algumas reações químicas”, explica. A universidade já havia identificado outros princípios ativos importantes para pesquisar, do ponto de vista médico e também econômico. “Mas a decisão foi iniciar estudos preparando a atorvastina, o princípio ativo do Lipitor, hoje o maior blockbuster da indústria farmacêutica mundial”, informa Dias. Continuar fora da escala industrial não o desanima, pois, para o professor, a experiên­ cia mostrou que o setor acadêmico brasileiro tem competência científica e intelectual. “Se tivemos êxito ao preparar princípios ati­vos de estruturas químicas complexas, co­­mo é o caso da atorvastina, introduzindo inovações radicais, fica provado que o Brasil pode se lançar com segurança em muitas outras pesquisas”, comenta.

doença de Chagas “As perspectivas são boas e, para avançar nesse setor, basta o país aproveitar mais os recursos humanos que vem formando”, afirma Dias. Para isso, sugere que se intensifiquem as pesquisas e a produção de medicamentos mais baratos, com exportação de princípios ativos e insumos para países vizi-

nhos da América do Sul, até chegar a uma nova etapa: a fórmula de novos fármacos e medicamentos. É nessa linha que, agora, o professor se dedica a buscar alternativas para o tratamento da doença de Chagas. “A doença foi descoberta em 1909 pelo brasileiro Carlos Chagas e até hoje não tem cura. Os medicamentos utilizados para tratamento foram introduzidos há cerca de 40 anos e são pouco eficientes e muito tóxicos. Mas isso deve mudar, já que o projeto tem avançado muito e as perspectivas são excelentes”, diz Luiz Carlos Dias. No novo projeto, ele trabalha em parceria com a Organização Mundial da Saúde, que credenciou seu laboratório no IQ-Unicamp como centro de referência em síntese orgânica para a preparação de compostos com potencial para tratamento da doença de Chagas. Conta também com a participação do laboratório dos professores Glaucius Oliva, Adriano Andicopulo e Otávio Thiemann, do Instituto de Física da USP de São Carlos, também credenciado pela OMC como centro de referência de química medicinal para a realização de testes biológicos. OUTUBRO 2011 | INOVA

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tecnologia Maurício Thuswohl mauricio@abcdmaior.com.br

Brasil quer padrão internacional

Para acelerar a inovação no país, este mês entra em vigor o novo sistema de regis

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crescente velocidade de des­­cobertas e avanços tecnoló­gicos nos últimos anos, alia­da às cada vez mais complexas e globalizadas relações entre empresas, governos e instituições de pesquisa, tem acentuado a necessidade de se dinamizar e atualizar o sistema de registro de marcas e patentes em todo o mundo. Manifestada de maneira permanente pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi), com sede em Genebra, na Suíça, essa preocupação já levou a algumas correções de rumo nas maiores potências mundiais e nas principais economias emergentes do planeta. No caso do Brasil, onde o registro de marcas e patentes é historicamente problemático, o desafio se torna ainda maior na medida em que uma das políticas centrais do governo federal é promover um salto no desenvolvimento industrial e na inovação científica e tecnológica do país. Responsável pelo registro de marcas e patentes no Brasil, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), órgão subordinado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), se mobiliza para tentar tornar mais ágil e atraente o serviço no país. O principal passo nesse sentido é o lançamento dos sistemas de registro eletrônico e-Marcas versão 2.0, marcado para

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este mês de outubro, e e-Patentes, previsto para março de 2012. Testado com sucesso durante três dias em agosto, o novo e-Marcas substituirá o antigo sistema de registro de marcas, em operação há cinco anos e considerado defasado. Com o novo e-Marcas, espera-se aumentar nos próximos anos o número de pedidos de registro de marcas no país, que, segundo estimativas do Instituto, neste ano deve alcançar 150 mil solicitações, um recorde histórico, 15% superior ao total do ano passado. O novo sistema também facilitará o avanço do Brasil à almejada adesão ao Protocolo de Madri, em vigor desde 1996, e que impõe regras para a simplificação de procedimentos e a redução dos custos para o registro internacional de marcas.

Patente em 8,3 anos O sistema e-Patentes tem como principal objetivo reduzir o atraso na concessão de patentes no país e pretende ser um dos principais instrumentos do MDIC para alavancar a nova política industrial brasileira. Sua criação e entrada em funcionamento faz parte do planejamento estratégico do Inpi, dentro de sua principal meta, que é criar um sistema de propriedade intelectual capaz de estimular a inovação, promover a competitividade e favorecer o desenvolvimento tecnológico, econômico e social do Brasil.

“O planejamento estratégico tem o obje­ tivo de transformar o Inpi numa referência mundial tanto em termos de qualidade quan­ to em agilidade dos seus serviços, atuando como promotor do desenvolvimento das empresas nacionais. Um dos projetos principais é justamente a solução do problema do back­ log (atraso) de patentes. Para isso, diversas ações serão feitas: a contratação de examinadores, a colaboração com outros países, a revisão de procedimentos internos e, claro, a criação do sistema e-Patentes, para o usuário externo”, afirma Júlio César Moreira, diretor de patentes do instituto. O sistema já está em fase de testes internos. O prazo médio para a concessão de uma patente no Brasil caiu de 11,6 anos, em 2006, para 8,3 anos, no ano passado. Se esse prazo baixar aos patamares mais próximos do padrão de qualidade internacional – nos Estados Unidos, por exemplo, a obtenção de uma patente demora em média três anos – o sistema desenvolvido pelo Inpi poderá ser considerado vitorioso. A expectativa é que os novos recursos para o registro de solicitações eletrônicas de patentes acentuem uma tendência, já que em quatro anos houve um aumento de 95% no número de patentes concedidas – elas passaram de 1.855 para 3.620, entre 2007 e 2010. Outro efeito desejado é a redução da fila de espera, que vem crescendo assustadoramente: nada menos que 173 mil pedidos de


para marcas e patentes­ qualidade e agilidade direitos que não serão revisados posteriormente, o instituto garante segurança às empresas, tanto para levar suas inovações ao mercado quanto para negociar suas patentes. Além disso, o Inpi procura conscientizar a sociedade brasileira sobre a importância da propriedade intelectual, estimulando o uso destes direitos como diferenciais competitivos e de acesso a mercados”, comenta.

Insegurança jurídica As mudanças prometidas para o sistema de registro de marcas e patentes no Brasil geram forte expectativa em algumas das principais instituições brasileiras que lidam com a questão da propriedade intelectual. Luiz Henrique do Amaral, presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), afirma que “a questão do atraso no exame de patentes é hoje o problema mais crítico” no sistema de propriedade industrial no país. “No momento em que se procura investir crescentes recursos em inovação, o funcionamento eficaz, dinâmico e ágil na concessão de patentes e registros que protegem os desenvolvimentos tecnológicos torna-se essencial. O atraso no exame causa insegurança jurídica que afasta investidores e in-

Luiz Henrique, da ABPI: expectativa divulgação

patente aguardam avaliação, atualmente. E 57 mil podem ser arquivados, por ter o depositante deixado de cumprir alguma exigência ou não ter recorrido de indeferimento. O estímulo à inovação e a modernização dos registros de propriedade intelectual caminham lado a lado. Ambas as diretrizes estão presentes na política industrial da presidente Dilma Rousseff e norteiam o trabalho desenvolvido pelo Inpi. “A inovação, em particular a inovação tecnológica em produtos e processos, está intimamente ligada à propriedade intelectual. Isso porque este tipo de inovação traz em sua essência o desenvolvimento de novas tecnologias que culminam com novos e inventivos produtos e/ou processos no mercado. São os direitos de propriedade industrial, como as patentes, que garantem o retorno do investimento realizado em inovação ao conferir uma exclusividade provisória”, avalia Moreira. Ele diz acreditar que a dinamização do sistema de marcas e patentes brasileiro vai fortalecer as empresas nacionais no cenário global: “As patentes se convertem em diferenciais poderosos para ampliar a competitividade das empresas tanto no Brasil quanto no exterior. Elas garantem recursos para continuar investindo em pesquisa e ferramentas importantes para conquistar o consumidor”, afirma, definindo como fundamental o trabalho desenvolvido pelo Inpi. “Em primeiro lugar, ao conceder com

divulgação

stro eletrônico e-Marcas e, no ano que vem, o e-Patentes

Tenente coronel O’Donnell: modernização

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viabiliza o surgimento de novas empresas”, acrescenta. Por isso, a ABPI apoia a tentativa de modernização do sistema: “Essa situação é resultado de décadas de descaso com o Inpi. Não há solução mágica que resolverá o problema da noite para o dia. Há a necessidade de investimentos na contratação de novos examinadores, treinamento de pessoal, aplicação de novas tecnologias em tecnologia da informação e reformulação de processos e procedimentos”, diz Amaral.

competitividade

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A dinamização dos sistemas geridos pelo Inpi também é aguardada no Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI) da Aeronáutica: “As maiores dificuldades enfrentadas pelo IFI no que se refere ao registro da propriedade intelectual no país dizem respeito ao tempo para a concessão de patentes pelo Inpi. A modernização do sistema de registro de marcas e patentes no Brasil é fundamental para o aumento da competitividade dos diversos setores da indústria nacional”, afirma o tenente-coronel César Augusto O’Donnell, chefe da divisão de desenho industrial do IFI. Instalado dentro do Centro de Tecnologia Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos (SP), o IFI é um dos setores das Forças Armadas mais voltados à pesquisa e à inovação. Por isso, frisa O’Donnell, é importante um sistema mais moderno de registro de marcas e patentes: “Para as instituições públicas de pesquisa, essa modernização proporcionará maior fluidez às transferências de tecnologia para o setor industrial, acelerando o surgimento de produ-

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tos inovadores. Um sistema de propriedade industrial eficiente permite que as empresas nacionais apropriem-se formalmente do conhecimento por elas gerado. Isso lhes dá tranquilidade para investir em desenvolvimentos tecnológicos, com a garantia de que não serão questionadas futuramente por seus concorrentes”, diz. Na avaliação do diretor de comunicação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Valter Sanches, as mudanças esperadas no sistema de registro de marcas e patentes no Brasil beneficiarão os trabalhadores por contribuírem para o fortalecimento da indústria nacional: “As mudanças no Inpi reforçam a decisão do governo que determinou, em setembro, o aumento do IPI para as empresas do setor automobilístico que não têm alto conteúdo nacional. Toda a cadeia de fornecimento do setor metalúrgico poderá investir para registrar suas patentes, o que é condição fundamental para exportar e manter empregos no longo prazo”.

Fuga de patentes Quando se discute o atual estágio do sistema de registro da propriedade intelectual no Brasil, um dos temas recorrentes é o temor de o atual ciclo de forte estímulo à pesquisa e à inovação trazer como consequência a perda de patentes para o exterior. O aumento, que já começa a se verificar, do número de solicitações de registro de patentes desenvolvidas em parceria por pesquisadores brasileiros e empresas estrangeiras provoca, em alguns setores, manifestações de preocupação de que o país, por não estar preparado para atender a esse demanda, acabe “cochilando” e deixe fugir descobertas e inovações.

Entidade que reúne empresas, agentes, escritórios de advocacia e especialistas ligados ao setor, a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI) afirma estar “muito preocupada com o risco” dessa perda de patentes para concorrentes estrangeiros. “Necessitamos que as pesquisas e desenvolvimentos resultantes das parcerias entre universidades e empresas sejam devida e rapidamente protegidos. Somente a concessão ágil e tecnicamente adequada de patentes, desenhos industriais e marcas pode assegurar os resultados concretos das pesquisas. A proteção é fundamental para que as empresas, investidores e pesquisadores possam se compensar dos investimentos realizados e ter incentivos para continuar a aplicar recursos em inovação no Brasil”, afirma o presidente da entidade, Luiz Henrique do Amaral. A melhor maneira de evitar esse risco, segundo Amaral, é atuar em parceria com o poder público: “A ABPI mantém comissões de estudos em 13 áreas de propriedade intelectual que se reúnem continuamente para propor medidas de melhoria no sistema”, diz. Na ABPI, um comitê empresarial, integrado por 80 empresas de pesquisa do Brasil, discute e prioriza assuntos relativos ao Inpi. Para o diretor de patentes do Inpi, Júlio César Moreira, o Brasil está mais forte para combater a evasão de patentes, pois, nos últimos anos, vem aprimorando seu marco legal relacionado à inovação.

AGREGAR CONHECIMENTO “Um exemplo disso é a própria Lei de Inovação. Além disso, quando o Inpi atua para divulgar a importância das patentes,


em alinhamento com a política do MDIC, e em parceira com outros órgãos de governo e entidades representativas da sociedade, a tendência é que as patentes brasileiras se multipliquem. Esta é uma das nossas metas principais”, diz. Moreira ressalta também a crescente importância do país no “mercado” de patentes. “Cada vez mais temos observado empresas se utilizando da condição do Brasil como autoridade internacional de busca e exame para realizar os depósitos dos seus pedidos no Inpi. Mesmo empresas não residentes têm nos procurado, escolhendo o instituto como escritório de patentes para realizar a busca e exame preliminar existentes no Tratado de Cooperação em Patentes (PCT, na sigla em inglês). Este processo somente tende a crescer”. O diretor do instituto acrescenta que o conceito de patente que merece o apoio do poder público brasileiro não pode ser muito restrito: “A pesquisa desenvolvida internamente no Brasil, a pesquisa desenvolvida por pesquisadores brasileiros e empresas estrangeiras, ou mesmo empresas estrangeiras atuando no país para desenvolver pesquisa, são todas elas formas de pesquisa em que se agrega o conhecimento ao bem a ser comercializado e desta forma têm total apoio do Inpi”, diz Amaral.

LIDERANÇA CHINESA A necessidade de modernizar o sistema de registros brasileiro para evitar a fuga de patentes é ainda mais evidente ante a corrida de outros países para essa modernização. Líder mundial do registro de patentes,

os Estados Unidos anunciou oficialmente, em setembro, a reforma de sua lei de patentes, inalterada havia 49 anos. Assinada pelo presidente Barack Obama, em cerimônia em Washington, com a presença de grandes empresários e industriais norteamericanos, a nova lei tem o objetivo de agilizar o processo de concessão de patentes no país e reduzir a pilha de 1,2 milhão de solicitações de patentes que aguardam para serem analisadas. Outros países ricos – entre eles, Japão, França, Alemanha e Reino Unido – têm rea­ lizado, nos últimos anos, adaptações para agilizar seus processos de análise e concessão de patentes e também para estimular o registro em áreas consideradas novas, como as de energias limpas, biocombustíveis e nanotecnologia, entre outras. O Japão se mantém firme atrás dos Estados Unidos, como o segundo maior registrador mundial de patentes em números absolutos, e a empresa japonesa Panasonic foi a maior solicitadora individual com nada menos de 2.154 pedidos no ano passado. Em termos de avanço na busca pelo registro, no entanto, os japoneses acabaram ultrapassados pelo ator que mais cresce no cenário internacional da propriedade intelectual, a China. Em 2010, informa a OMPI, esse país registrou o impressionante crescimento de 56,2% no número de solicitações em relação ao ano anterior. Uma empresa chinesa, a ZTE Corporation, foi a segunda maior solicitadora individual de patentes, com 1.863 pedidos. Outra empresa, a Huawei Technologies, ficou na quarta posição, com 1.528 pedidos, no ano passado.

Tudo em nome da rapidez A principal vantagem dos novos sistemas informatizados a serem adotados pelo Inpi, em relação ao serviço que vem sendo oferecido até hoje, é o ganho de velocidade na análise e classificação dos dados. No caso das marcas, que já tem um sistema de registro pela internet, o e-Marcas 2.0 promete agilizar ainda mais o processamento interno porque vai utilizar o sistema Property Automation System (Ipas), desenvolvido pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual e considerado o mais avançado em todo o mundo. Programado para entrar em operação no ano que vem, o e-Patentes terá uma série de procedimentos eletrônicos, como a automação dos dados de entrada para o Sistema de Aquisição de Dados, o acompanhamento de metas e prazos, a disponibilização dos pareceres técnicos em tempo real para os usuários, a disponibilização dos documentos de patentes na forma como concedidos, a classificação dos pedidos de patente e uma plataforma de exame colaborativo, entre outros. A direção do Inpi não adianta números, mas tem a intenção também de reforçar sua estrutura com a contratação de novos profissionais, sobretudo examinadores. Em 2010 o instituto tinha 273 examinadores de patentes, número considerado muito baixo pelos padrões técnicos. E já foi pior: em 2005, eram apenas 112 examinadores.

Os números das marcas e patentes Marcas pedidos apresentados em 2010

130 mil

pedidos arquivados em 2010

47,4 mil

marcas registradas em 2010

64,5 mil

pedidos aguardando avaliação

150 mil

Patentes pedidos apresentados em 2010

28 mil

patentes concedidas em 2010

3,6 mil

pedidos aguardando avaliação

173 mil

pedidos em processo de arquivamento

57 mil

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“É a tecnologia casada com as artes e com as humanidades que gera resultados que mexem com nossos corações.”

Steve Jobs, um inovador. (1955-2011)

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Lula Palomanes

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Direto de Berlim Flávio Aguiar correspondente em Berlim flavio-aguiar@t-online.de

O homem do futuro perdido no labirinto virtual Entre apelos de consumo, uma metáfora do mundo na maior feira de aparelhos eletrônicos de comunicação e entretenimento do planeta em sempre inovação e consumo são bons aliados, embora isso ocorra habi­ tualmente. Foi essa a impressão que me deixou a visita à 51ª IFA, a Internationale Funkausstellung – 2011, realizada de 2 a 7 de setembro, em Berlim. Originalmente, a IFA era uma exposição voltada para o rádio, fundada em 1924, e catapultada a partir de 1933 pela propaganda nazista. Nesse ano, a feira vendeu 100 mil exemplares do Volksempfänger, ou Receptor Popular, criado pelo engenheiro Otto Griessing a mando do ministro de Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. Esse Receptor era barato (custava o equivalente a meio salário médio da época) e tinha alcance limitado, o que permitia um quase monopólio às rádios aprovadas pelo regime nazista. Interrompida a partir de 1939, com a Segunda Guerra, a IFA foi reaberta em 1950 e tornou-se a maior e a mais importante feira de aparelhos eletrônicos de comunicação, entretenimento e aparelhos conexos, no mundo, superando a Feira de Las

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Vegas, até aqui o mega-evento do ramo. Uma de suas traduções em português é exatamente “Feira Eletrônica de Entretenimento e Eletrodomésticos”. E um dos motes do seu material para mídia era “Consumer Electronics Unlimited”. Ao se aproximar do pavilhão da mostra (com mais de 1.400 expositores e 144 mil m²) o visitante logo percebia quem era a principal estrela da festa: a sul-coreana Samsung. Dezenas de bandeiras davam o tom da praça de acesso à entrada de seu estande, área concebida em estilo de mega-show, com uma multidão de atendentes e experts fazendo demonstrações dos milhares de aparelhos expostos. Não só por isso a Samsung era a su­ per­star. Coincidindo com a abertura da feira, um tribunal de Düsseldorf ordenou a suspensão das vendas do tablet Galaxy 7.7, da Samsung, na Alemanha. A norteamericana Apple acusa a Samsung de ter pirateado esse aparelho de um de seus produtos. A batalha judicial se estende por vários países, e envolve também outros aparelhos (como o Galaxy 10.1) e retaliações por parte da sul-coreana, que

também processa a Apple pelas mesmas acusações de pirataria industrial.

A falta de um Ray-ban No seu espaço, a Samsung expunha de tudo: de smartphones a headsets, de gigantescos painéis televisivos a artistas plásticos desenhando eletronicamente em iPads o retrato de visitantes que se dispusessem a posar. Lamentei não ter levado meus óculos Ray-ban para apreciar tudo aquilo, tamanha eram a intensidade e o brilho do pisca-pisca produzido por aqueles aparelhos e luminosos captadores da atenção do passante. Passeando-se pelos demais estandes e corredores da feira, percebia-se claramente o conceito por ela obedecido. O visitante era confrontado com um verdadeiro labirinto, onde, diga-se de passagem, era muito fácil se perder, tantas eram as entradas, as saídas, as passagens e os andares possíveis de serem percorridos, sem falar nos “espaços exclusivos”, só para convidados especiais, onde, também, o da Samsung era o maior. E havia ainda salas de conferência e outros nichos dispersos pela feira.


Imagens e mais imagens: o visitante, cercado, descobre que tudo é... imagem

Numa delas, no dia 6, realizou-se uma teleconferência protagonizada por Julius Assange, o fundador e principal portavoz do Wikileaks. Da casa onde cumpre prisão domiciliar na Grã-Bretanha há vários meses, aguardando o julgamento do processo de extradição que lhe movem as autoridades judiciais da Suécia, Assange falou sobre o futuro do espaço público digital. Voltou a defender a tese de que a divulgação dos nomes de informantes diplomáticos de vários países foi culpa dos jornalistas ligados ou publicados ao britânico The Guardian. Além disso, manifestou também sua preocupação porque o problema da liberdade de expressão na internet não está vinculado apenas a países tidos como totalitários, como a China, mas também a Estados tidos por “modernos e democráticos”, como seu próprio caso demonstra. E lembrou mais uma vez que “você pode usar cartões de crédito, como Visa ou Mastercard, para financiar a Ku-Klux-Klan, ou comprar pornografia e instrumentos de tortura, mas não para apoiar uma organização pela liberdade de expressão [como a Wikileaks]”.

Aquele labirinto construído para ser o espaço da feira era, na verdade, uma “metáfora do mundo”. A ideia era justamente a de propor ao visitante uma autoimagem, como alguém atravessando um mundo densamente digitalizado e virtualizado, onde tudo é transformado em imagem e potenciado por essa transformação. O passante deste mundo recebe continuamente chamados e apelos de todos os lados e de todas as formas, podendo responder aos que quiser e criar seus próprios apelos e chamados por meio da manipulação daqueles aparelhos.

bugigangas inovadoras Não pude deixar de evocar o poema “A uma passante”, do francês Charles Baudelaire, considerado um dos marcos das modernas metrópoles na literatura do século 19. Nele o poeta fala de uma passante que lhe dirige um olhar fugaz e fugidio, e lamenta que, ao perdê-la de vista, ele, que a poderia ter amado, ganha a certeza de que só voltará a vê-la na eternidade (conheça o poema na página 32).

Na feira, as coisas eram menos poéticas; entretanto, o visitante adquiria a certeza de que, fosse qual fosse o caminho tomado, ou os apelos atendidos ou dirigidos, ele se encaminhava para ser “o homem do futuro”, a tudo e permanentemente plugado por essa rede de chamados que deveriam lhe induzir um sentimento de infinita e perene liberdade. Mas... depois de algum tempo não era nem essa a sensação que ficava. Porque, com a sensação de total disponibilidade, vinha a sensação menos confortável de que aquela disponibilidade era dirigida. Dirigida pelo mote “compra e serás feliz”, “esses aparelhos te introduzem ao mundo sonhado” – ou seja – “aquele que nós sonhamos para você”, “aqueles onde nós sonhamos por você”. E esse “nós”, o sujeito desse mundo que de repente se tornava também indevassável, não tinha rosto; era “o mercado”, esse universo abarrotado de bugigangas inovadoras, mas que também podem vender o mesmo do mesmo, a mesmice perpetuada sob inúmeras formas rutilantes e aparentemente diversas entre si.

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Charles Baudelaire: poesia em meio a tecnologia

Um exemplo cai bem. Ao caminhar pela feira, era claro que a superstar (além daquela empresa sul-coreana) era a aparelhagem 3D. Ela invadiu tudo: saltou do cinema para o supertelão de tevê, daí para a tevê doméstica e daí para iPads, laptops, tablets, videogames, tudo mesmo. E junto com aquela sensação de que, se você não desfruta todo tempo o tempo todo da 3D, você “está fora” desse labirinto virtual que se (o) dirige ao futuro “homem do futuro”. Isso se transforma numa coisa massiva – e, depois de algum tempo, maçante. Mas o que fazer?, como diria um antigo líder revolucionário. Fugir desse mundo? Impossível. Refugiar-se numa torre de marfim? Inútil: as torres de marfim hoje também são virtuais, e logo serão também acessíveis em 3D. Melhor parece procurar permanecer alerta, para não se afogar nesse oceano de consumo desenfreado. “Livre pensar é só pensar”, diz a máxima de Millôr Fernandes. Sim, pensar com os próprios meios – sejam eles pés, cérebros, corações ou sonhos –, não com os sonhos que podemos comprar prontos. Valeu IFA. Foi uma bela demonstração de possibilidades que não devemos rejeitar, mas também uma lição de vida.

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A uma passante A rua ensurdecedora urrava ao meu redor Alta e esbelta, toda de luto, majestosa na dor, Uma mulher passou, a mão vaidosa Erguendo, balançando a bainha e o festão. Ágil e nobre, com pernas de estátua. Eu, crispado como um extravagante, bebia No seu olho, lívido céu que gera o furacão, A doçura que fascina e o prazer que mata. Um clarão... e a noite depois! - Fugidia beleza, De olhar que me fez renascer, Será que só te verei de novo na eternidade? Tão longe daqui! Tão tarde! Talvez nunca! Pois ignoro para onde vais e não sabes para onde vou. Ó tu que eu teria amado, ó tu que sabias disso.

Charles Baudelaire (1821-1867)


Direto do Texas João Valentino correspondente no Texas joaovalentino@abcdmaior.com.br

O velho oeste se rende ao Brasil 30 alunos de MBA da Universidade do Texas vêm ao Brasil para estudar de forró a inovação e negócios e fato, não existe mais pecado em fazer negócios ao sul do Equador do mapa geopolítico, e a cada dia o Brasil – e isso não é também novidade – está mais atraen­te na vitrine internacional. Novo exemplo disso vem da Universidade do Texas, a UT, instalada na cidade de Austin, a maior instituição pública de ensino superior dos Estados Unidos, com mais de 50 mil alunos, 400 dos quais estudantes MBAs, que frequentam a respeitada McCombs School of Business. Em maio do ano que vem, uma delegação com 30 deles desembarcará no Brasil, para conhecer a cultura local, algumas das principais empresas instaladas no eixo Rio-São Paulo e a natureza dos negócios do país, além dos projetos desenvolvidos para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. A temporada de duas semanas nessa região, onde se concentram a principais atividades econômicas do país, não apenas enriquecerá o currículo dos jovens universitários, mas principalmente os preparará para a vida depois da universidade. É que a região é vista como um possível mercado de trabalho ou como a sede de prováveis parceiros, com os quais eles vão se relacionar na vida profissional. O interesse dos MBAs se concentra nas áreas de marketing, finanças, operação empresarial, empreendimento e presença em ações sem fins lucrativos, ou terceiro setor. O programa é feito com muito planejamento, e a estada no Brasil é apenas a fase final do processo. Na verdade, será a conclusão do curso de pós-graduação, que começa em janeiro e tem aulas semanais regulares de três horas, tudo voltado para a visita. “Antes de viajar, os alunos têm pre-

paração sobre a cultura, as empresas, a língua e os acontecimentos atuais do Brasil”, explica Orlando Kelm, professor responsável pelo curso e pela viagem e diretor associado do Ciber (sigla em inglês para Centro de Ensino e Pesquisa de Negócios Internacionais da escola McCombs). “O curso é muito dinâmico, com a participação de especialistas em Brasil que ensinam e pesquisam na própria UT, executivos de empresas instaladas em Austin, brasileiros e norteamericanos que já tiveram experiên­cia no Brasil”, completa. Com proposta multidisciplinar, o projeto do curso é apresentar o Brasil dos dias de hoje, “levando-se em consideração os avanços políticos e econômicos iniciados na década de 1990”. Segundo Kelm, é também um objetivo deixar claro que “o Brasil é muito mais que samba, futebol, favelas e violência, pois nos Estados Unidos muitos ouvem falar desses pontos, mas não conhecem o outro lado – gente jovem inovadora, empresas modernas, muito avançadas e de expressão mundial”.

pandeiro e ganzá Nem por isso a cultura deixa de ocupar espaço especial no programa: “Eu mesmo levo um violão, um pandeiro, um ganzá, pra gente fazer uma batucada com os estudantes”, diz o professor, num português que contradiz o fato de ele não ser brasileiro. Os visitantes estudarão “samba e forró, problemas sociais, desenvolvimento de ações comunitárias, além de negócios e questões voltadas para a Copa e a Olimpíada. Também haverá palestras de professores da FGV-SP, instituição que tem importante convênio com a McCombs para intercâmbio de alunos”, completa.

Não são poucos os fatores que despertam tamanho interesse. “O Brasil está bastante avançado em setores estratégicos, como petróleo e energia, que incluem fontes alternativas, como hidrelétricas, gás natural e álcool combustível, sem contar aviação e e-banking, entre outros”, esclarece Kelm. A posição de importância sempre crescente que o país ocupa no cenário internacional é outra razão, segundo o professor. “Todos sabem que o Brasil faz parte do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), e que, hoje em dia, tem a mesma importância da China e da Índia”, diz ele. Para Kelm, a estabilidade política e econômica, que se estende já há quase duas décadas, também tem sido decisiva. “A nação brasileira sempre teve uma ideia muito positiva de que as coisas iriam melhorar, mesmo nas horas de crise. É uma forma de pensar real­mente impressionante, e isso começou a se realizar desde o Plano Real”, lembra. “Quando o Lula foi eleito, o mundo ficou um tanto apreensivo, com medo de que surgisse uma nova Venezuela, mas o governo dele confirmou que o país tinha se estabilizado e que o processo era estrutural”. Ao fazer esta análise, Kelm, co-autor de Brazilians Working with Americans (Brasileiros que trabalham com americanos), publicado pela editora da UT em edição inglês-português, entre outros livros sobre a relação de norte-americanos com outros países, tem um olhar estrangeiro, mas, ao mesmo tempo, testemunha a trajetória do país há um bom tempo: “Há três décadas vou para lá com frequência, e sinto que nunca o Brasil teve uma imagem tão positiva como agora”.

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ponto de vista | Mario Sergio Salerno

Universidade e empresa, cada macaco no seu galho novação está na moda. Como posso dizer isso? Fácil, é só olhar quantas propagandas dizem que a empresa é inovadora ou algo do gênero. Nada melhor para saber o que está no imaginário da população – ok, de parcelas da população – do que a propaganda, que mexe com o imaginário para incentivar o consumo real. Inovação está sendo consumida. A cada ano, mais empresas declaram se utilizar dos incentivos fiscais previstos na Lei do Bem. Enquanto os 13 anos do programa anterior (1993-2005) viram apenas 196 processos aprovados para obtenção de incentivos fiscais, em 2010 mais de 800 empresas declararam ter usado incentivos fiscais da Lei do Bem. E de forma automática: sem projeto, sem coleção, sem pedir licença. Aumentou muito, mas é pouco. Inovar é preciso! A universidade ensina, faz ciência e alguma extensão; a empresa inova e fatura. Ou seja, inovação é uma questão fundamentalmente da empresa. Da estratégia empresarial. De gerar ou captar grande parte do valor de uma cadeia ou rede de produção de bens e de serviços. A ciência brasileira vai bem, obrigado. Nossas melhores universidades aparecem bem na fita nos rankings internacionais, a produção científica brasileira cresceu exponencialmente nos últimos anos. Temos maior participação no total mundial de publicação de artigos científicos do que no total mundial de exportações. Deveríamos nos orgulhar da ciência brasileira, mas, por favor, sem aquela expressão que exprime complexo de inferioridade – “ciência de 1º Mundo”. Alguém fala em futebol do 1º mundo? Alguém fala hoje em cresci-

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mento econômico do 1º mundo? Existe 1º mundo? Ciência brasileira, boa ciên­cia, ciência do mundo, de qualquer mun­ do e de todo mundo. Se a universidade faz ciência e se esta está indo relativamente bem, e se a empresa faz inovação e a inovação... hum... está num patamar que a turma que gosta de fazer comparações mundanas (de mundos, claro) diria ser do 2º mundo, qual a decorrência lógica? Bingo! O problema, no sentido de “gargalo” da inovação, está na empresa. Não está na universidade e nem na relação universidade empresa – a Petrobras deve ter uns 5 mil contratos com universidades: funciona, gente, basta ter empresas interessadas na relação – se um não quer, dois não fazem! Lembrando que universidade é universidade, empresa é empresa, cada macaco no seu galho, em qualquer lugar do mundo. Felizmente. A estrutura industrial brasileira (a indústria define e articula o tecido produtivo da inovação – indústria num sentido amplo, não de fábricas, mas do desenvolvimento e produção de produtos, incluindo software, indústrias criativas e outras) foi estimulada a ser internacionalizada desde JK, quando foi definido que as montadoras deveriam ser multinacionais, talvez para acelerar o processo de industrialização. Quem tem pressa come cru, indústria é muito mais do que produção. A governança das principais cadeias/redes produtivas está nas mãos de multinacionais. A priori, isso não seria problema para inovação, mas é: elas vieram ao Brasil para explorar o mercado interno, deixando as atividades de inovação e desenvolvimento de produtos fundamentalmente no exterior, com todas as

honrosas exceções. Rogério Araújo, então no Ipea, mediu: o esforço para inovar das empresas nacionais é 80,8% superior ao das multinacionais no Brasil. Assim, pontos fundamentais de política pública para aumentar a inovação no Brasil deveriam: a) separar programas de apoio à ciência de programas de apoio à inovação na empresa (CNPq: fomente/financie a ciência na universidade; Finep, fomente/financie a inovação na empresa e projetos de P&D universidade-empresa); b) atrair centros de P&D de multinacionais – afinal, elas o fazem em algum lugar, why not aqui?; c) ir atrás das empresas fazendo um pouco de ouvidos de mercador (elas vão reclamar do câmbio, do juros e dos impostos, ainda que muitas não os paguem...), articular grandes programas integrados (integrando num só cesto fomentos de vários órgãos, várias modalidades de apoio – financiamento, compras governamentais, subsídios, incentivos ficais etc., dando escala e amplitude à ação e á inovação – é o que aqueles países que alguns chamam de 1º mundo fazem, independentemente do governo – vide programas de trem bala, aeroespaciais, energéticos, eletrônica, defesa...). Articular com a empresa sim, abertamente, sem medo de ser feliz. Pro dia nascer feliz. Feliz inovação, Brasil.

Mario Sergio Salerno é professor titular do Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP. Coordenador do Observatório da Inovação e Competitividade do IEA-USP e do Laboratório de Gestão da Inovação / Núcleo de Apoio à Gestão da Inovação da Poli-USP.


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