ABD Conceitual #13 | Água

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JUNHO/2015

#13

CONCEITUAL

ÁGUA


Av. das Nações Unidas, 12.555 | São Paulo – SP De segunda a sexta, das 10h às 22h. Sábados, das 10h às 20h. Domingos e feriados, das 14h às 19h.


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Editorial

expediente Publishers André Poli e Roberta Queiroz Conselho Editorial Fabio Galeazzo e Renata Amaral Edição e Arte Marcos Guinoza Colaboradores Alvaro Tedesco, Amer Moussa, Bruno Seravali, João Lourenço, Pedro Ariel Santana Revisão Luciana Sanches Jornalista Responsável Marcos Guinoza MTB 31683 Publicidade Comercial Rosane Gulhak | rosane@abd.org.br VELVET EDITORA LTDA. Tel.: 11 3082-4275 | www.velveteditora.com.br

SOMOS TODOS ÁGUA Amigos, Foi pensando na importância vital da água – e em sua preocupante escassez – que resolvemos falar sobre ela nesta edição de ABD Conceitual. Fonte de vida, a água é elemento fundamental para o bom funcionamento do organismo humano. Do mesmo modo como necessitamos do ar para sobreviver, necessitamos da água. Cerca de 70% do corpo humano é composto por água. É ela que hidrata, desintoxica e regula a temperatura do corpo. É também a água que lava a nossa alma no fim do dia, quando chegamos em casa cansados depois do trabalho e tudo que desejamos é um bom banho para relaxar. Falar em água é refletir sobre bem-estar e qualidade de vida. Falar em água é lembrar que precisamos cuidar melhor dela, evitando o mau uso, a poluição, a arrogância de escovar os dentes com a torneira aberta. Sim, gestos simples parecem insignificantes, mas veja o que li dia desses: “Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota”. Ou seja: se cada um fizer a sua pequena parte, juntos faremos diferença. Na casa, dois ambientes são movidos a água: a cozinha e o banheiro. E, para mostrar a relevância desses ambientes na evolução das moradias, voltamos ao passado mais longínquo para saber como surgiram e de que modo modificaram os costumes. Também conversamos com o paisagista Gilberto Elkis e contamos a história do pinguim de geladeira e do pato de borracha amarelo. Na seção Vitrine, temos o designer Zanini de Zanine e, em Entrevista, Bel Lobo, que comanda o programa Lá Fora, no GNT. Finalizo com um provérbio chinês que cai bem para estes dias de crise – hídrica e econômica – que vivemos: “Jamais se desespere em meio às sombrias aflições da vida, pois das nuvens mais negras cai água límpida e fecunda”. Renata Amaral, presidente da ABD

4 abd conceitual junho/2015

ABD Associação Brasileira de Designers de Interiores Tel.: (11) 3064-6990 | www.abd.org.br Corpo Diretivo ABD Presidência: Renata Amaral Vice-presidência: Marcia Kalil, Ricardo Caminada, Bianka Mugnatto, Jéthero Miranda Conselho Deliberativo | Membros Efetivos: Carolina Szabó (presidente), Francesca Alzati (SP), Silvana Carminati (SP), Maurício Peres Queiroz dos Santos (SP), Alexander Jonathan Lipszyc (SP), Renata Maria Florenzano (SP), Rosangela Larcipretti (SP), Joia Bérgamo (SP), Lucy Amicón (SP), Carlos Alexandre Dumont (MG), Jaqueline Miranda Frauches (MG), Paula Neder de Lima (RJ), Luiz Saldanha Marinho Filho (RJ), Flávia Nogueira da Gama Chueire (RJ) Conselho Deliberativo | Suplentes: Nicolau da Silva Nasser (SP), Paula Almeida (SP) Conselho Fiscal | Membros Efetivos: Maria Fernanda Pitti (SP), Fabianne Nodari Brandalise (PR), Catia Maria Bacellar (BA), Delma Morais Macedo (BA) Conselho Fiscal | Suplente: Daniela Marim (SP) Diretora executiva: Alessandra Decourt Sugestões falecom@abd.org.br

Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores e não refletem a opinião da revista.

capa: andré poli

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É necessário hidratar a cultura, mudando a percepção sobre a água, reduzir a hidroalienação e tornar a sociedade e os indivíduos hidroconscientes” Maurício Andrés, ambientalista

sumário

zaninI de zaninE/8 _água/12

bel lobo/26

a rainha do lar /14

lembra de mim? /32

kevin francis gray /38

american dream/44

_bar luce/42

_juan montoya/48

vai tomar banho! /18 _a loo with a view/24

jardins tropicais /34 _yes, nós temos brasilidade/37

caixas d’água/50

abd conceitual | #13 | edição água

6 abd conceitual junho/2015



yvitrine

texto marcos guinoza

z a n i n i

d e

trez 2013, poltrona de alumĂ­nio inspirada no trabalho de Amilcar de Castro e Joaquim Tenreiro, para Cappellini

8 abd conceitual junho/2015


z

a n i n brasileiro por natureza

e


A

ssim o dicionário define o substantivo brasilidade: “Caráter distintivo do brasileiro e/ou do Brasil; sentimento de amor ao Brasil”. O designer Zanini de Zanine tem essa brasilidade, esse amor incondicional à cultura do país. “Todos os meus projetos têm como ponto de partida informações brasileiras”, diz.

Carioca, surfista nas horas vagas, escolhido Designer do Ano da primeira edição da feira Maison&Objet Americas, ocorrida em maio de 2015, Zanini começou a se interessar cedo por design. Filho do arquiteto e moveleiro José Zanine Caldas, passou a infância enfiado no ateliê do pai e, ali, descobriu o Brasil. “Cresci vendo a geração do meu pai muito engajada em relação à cultura brasileira. Hoje tento seguir esse exemplo”, conta ele no prefácio do livro Zanini de Zanine (2013, Editora Olhares), lançado para comemorar os dez anos de carreira. A vontade de criar móveis levou Zanini a estudar desenho industrial na PUC. Nessa época, estagiou com Sergio Rodrigues e, sob a batuta do mestre, teve certeza de que estava na profissão certa. Formado, começou desenhando peças com madeira de demolição. Atualmente, com o Studio Zanini, utiliza diversos materiais nas criações – madeiras de reflorestamento, plástico, aço inox, metacrilato, aço corten. Na poltrona Skate (2005), usou shapes como assento e encosto. É essa necessidade de experimentar e correr riscos – utilizando materiais não convencionais, buscando soluções inusitadas, mantendo-se coeso e fiel às suas ideias (sem cair em modismos) – que faz de Zanini de Zanine nome fundamental do design brasileiro. Ele conversou com ABD Conceitual.

“meu processo de criação é muito livre. Tanto o processo quanto os materiais são definidos de diversas formas, sem regra nenhuma. Gosto dessa liberdade”

STUDIOZANINI.COM.BR

prisma 2014, versão de aço inox do banco, feita em parceria com a Mekal fotos divulgação


Qual objeto que já existe você gostaria de ter criado?

Talvez o abridor de lata. Você tem um objeto de estimação?

A régua de escala que pertenceu ao meu pai. Quais são suas principais fontes de inspiração?

Todos os meus projetos têm como ponto de partida informações brasileiras, seja das artes plásticas, da arquitetura, da geografia, do artesanato ou da fauna e flora. Sempre tem uma brasilidade.

gioco 2009, releitura do clássico cavalinho de balanço, produzido em metacrilato

Você segue regras na hora de criar?

Não, meu processo de criação é muito livre. Tanto o processo quanto os materiais são definidos de diversas formas, sem regra nenhuma. Cada caso é um caso. Gosto dessa liberdade. De todas as peças que já criou, qual escolheria para definir o seu trabalho?

Riva 2014, jarra de aço inox

Escolheria a poltrona Trez, desenhada para a marca italiana Cappellini. Ela é um bom exemplo de misturas de referências brasileiras que uso. Neste caso, fiz a aliança do trabalho do escultor Amilcar de Castro com o trabalho do moveleiro Joaquim Tenreiro. Ela é feita de alumínio, e eu fiquei muito satisfeito com as soluções encontradas e a simplicidade da peça. Tem sonhos de consumo de peças de outros designers?

Sim, a poltrona Katita, de Sergio Rodrigues, a Namoradeira de Balanço, feita pelo meu pai, José Zanine Caldas, a poltrona Voido, de Ron Arad. Em que momento percebeu que era um designer famoso?

skate 2005, poltrona com shapes como assento e encosto

Na verdade, acho que são as peças que estão ficando conhecidas. O que de mais importante gostaria que as pessoas conhecessem sobre você?

Gostaria que elas conhecessem o meu ateliê, onde peças de madeira de demolição são produzidas por uma pequena equipe de carpinteiros. É um processo muito interessante e artesanal. Se tivesse o poder de redesenhar o mundo, o que mudaria?

O mundo nasceu perfeito. Talvez, se fosse possível, gostaria de mudar um pouco a cabeça de algumas pessoas que se relacionam com o mundo com estupidez. O tema desta edição de ABD Conceitual é água. Em sua opinião, qual a principal contribuição que os designers poderiam dar para a preservação desse recurso?

Inflated Wood 2012, poltrona feita de madeira de demolição, ipê e jacarandá, para Cappellini

Os designers têm papel fundamental nesse aspecto. Temos o papel de repensar processos, mecanismos, entre outros, na cadeia de produção de uma peça ligada diretamente à água ou não. Um bom designer leva em conta o aspecto e impacto do uso da água em cada produto.


Verão 40 graus. Sem água, o corpo não resiste mais que quatro dias. No frio, dependendo das condições físicas de cada um, esse tempo pode chegar a sete dias. Passou disso, “bau bau”. Nenhum ser vivo sobrevive sem água. Mas nenhum ser vivo, além do ser humano, esbanja o que já lhe falta. Vivemos tempos secos. De pouca água. Hoje, já insuficiente para 1,4 bilhão de pessoas. Água que é mal distribuída pelo planeta: 60% do recurso está em apenas nove países, enquanto outros 80 vivem à míngua. E, segundo a ONU, a situação vai piorar: em 28 anos, a escassez hídrica deverá afetar dois terços da população mundial. Na escola, aprendemos que cerca de 70% da superfície terrestre é coberta de água. Só que 97% desse total é água salgada, imprópria para o consumo. E dos 3% que sobra para manter os seres vivos, a maior parte está nas calotas polares. E o que estamos fazendo com a menor parte da menor parte? Poluindo, desperdiçando, tirando onda, lavando calçadas. A ONU avisa: 110 litros de água por dia são suficientes para atender as necessidades básicas de uma pessoa. Mas quem se contenta com o básico? No Brasil, em 2013, o consumo médio per capita foi de 166,3 litros por dia. Em estados como Rio de Janeiro e Maranhão, esse índice superou 200 litros. Estamos gastando água demais? Sim, com certeza. E lavar calçada, uma violência contra o planeta e contra nós mesmos, deveria ser considerado crime hediondo. O Brasil – país “abençoado por Deus e bonito por natureza”, como diz aquela canção – é uma potência hídrica, com 13% de toda a água doce do mundo. Mas o Brasil, também “o país do jeitinho”, desperdiça, e muito! Joga no esgoto um “volume morto” que daria para abastecer a França, a Bélgica, a Suíça e o norte da Itália. Evitar o desperdício é, portanto, urgente. Assim como é urgente a busca por tecnologias para a economia de água, como misturadores que adicionam grande quantidade de ar à água de torneiras, duchas e chuveiros, aumentando o tamanho das gotas e reduzindo a vazão; válvulas de descarga que permitem utilizar mais ou menos água, dependendo da necessidade; ou sensores de infravermelho que limitam o fluxo. Tem outras, basta procurar. E os designers têm papel importante nessa questão. Do mesmo modo que elaboram ambientes bonitos para as casas das pessoas, devem buscar soluções inteligentes para o melhor aproveitamento da água. Afinal, se “beleza é fundamental”, mais fundamental ainda é não morrer de sede. Avanços tecnológicos e até aplicativos que contam os minutos de banho são bem-vindos, mas sem conscientização, mudança de velhos hábitos, responsabilidade com as gerações futuras, tudo não passa de paliativo. O tempo corre, já estamos atrasados e é bom cada um começar a agir antes que o planeta vá pelo ralo – e a gente entre pelo cano.

texto marcos guinoza

água 12 abd conceitual junho/2015


a rain bottle | oKI sATO


ycozinha

a rainha

do lar TEXTO amer moussa

14 abd conceitual junho/2015

foto julius shulman, do livro case study houses, editora taschen

No passado, a cozinha era um ambiente desprezado e, geralmente, ficava localizada em um lugar distante do resto da casa. Hoje, com a “gourmetização” do mundo, virou rainha



A

cozinha é um dos ambientes mais populares da casa. Com ou sem visitas, é frequentada diariamente pelos moradores, sem preconceito. Na maioria das vezes, são eles quem operam os utensílios, preparando refeições das mais variadas com um clique. Mas nem sempre foi assim. A cozinha que temos em mente – organizada e com cheirinho de comida caseira – costumava ser um lugar desagradável, sujo e muito malcheiroso.

16 abd conceitual junho/2015

foto maison&objet

Desde a chegada dos portugueses ao Brasil, cozinhar era uma tarefa árdua. Não havia fogão, geladeira nem coifa. A fogueira, armada no chão, tornava preciso ficar agachado. A prática também não era das mais higiênicas. As sobras dos animais (abatidos ali mesmo, bem ao lado) apodreciam rapidamente, gerando odores desagradáveis. No local ainda se fabricava banha, derretendo o toucinho, e até sabão. Por tudo isso, além do calor e do risco de incêndio, a cozinha sofria enorme desprezo. Sua localização costumava ser distante, principalmente dos quartos. Não possuía paredes, apenas um abrigo para proteger da chuva. Não que os portugueses não tivessem hábitos culinários refinados, pelo contrário. Muitos trouxeram fogareiros portáteis, tachos, panelas e chaleiras. Mas foram se adaptando ao modo indígena de cozinhar. A índia, primeira empregada doméstica brasileira, quando podia, impunha sua técnica – um tanto mais rudimentar, porém adaptada aos trópicos. A trempe consistia em três pedras apoiadas diretamente sobre o chão e recebia o caldeirão de ferro ou de cobre. O jirau, espécie de armação de varas posicionada acima do fogo, foi o precursor do churrasco. No Sul, havia também um tipo de forno escavado no solo forrado com folhas de bananeira, em que a comida era enterrada com brasa por cima. Inspirados pelas formas dos objetos trazidos pelos portugueses, os índios fabricaram inúmeros utensílios de argila: potes, moringas e tigelas. Mais tarde, com a vinda da família real, a louça brasileira começou a se requintar, assemelhando-se à europeia. Vieram os finos talheres, bules e açucareiros de prata e pratos de porcelana. Nessa época, a cozinha já não era mais a mesma. Algumas décadas antes, o fogão tinha dado um salto: saíra do chão e ganhara uma base rígida, maciça, feita de barro e pedra. Ficara com a cara dos fogões a lenha do interior. A água limpa também se tornou mais acessível. A invenção da torneira e a instalação da rede de abastecimento em domicílio no Rio de Janeiro, em meados do século 19, causou

uma grande revolução na cozinha. Mais asseado, coberto de ladrilhos hidráulicos laváveis, o local de preparo dos alimentos pôde finalmente ser incorporado à casa. Mas não sem um ambiente intermediário: a copa, pois a cozinha ainda era um lugar reservado aos moradores – mais especificamente às mulheres, diga-se de passagem. As primeiras décadas do século 20 assistiria à invasão de equipamentos industriais na esfera doméstica. O tradicional fogão a lenha foi trocado pelo a gás. O armário de madeira forrado com cortiça, que abrigava um monobloco de gelo substituído diariamente, deu espaço à geladeira elétrica. Liquidificador, batedeira, espremedor de frutas e torradeira viriam em seguida. Os anos 1950 representaram a consolidação da nova cozinha. Revestida por azulejos e pastilhas, compartimentada por armários planejados, com portas e gavetas coloridas, ela definitivamente se fundiu à casa como extensão da sala de estar. Ainda assim, foi somente com a invenção do forno de micro-ondas que a prática da cocção de alimentos deixou de ser fumegante e geradora de odores, o que permitiu à cozinha romper com a copa e se abrir diretamente às visitas. A cozinha americana, surgida nos anos 1980, consistia em unir parcialmente cozinha e sala em um único ambiente, separado, geralmente, por um balcão ou parede a meia altura. A ideia é um sucesso até hoje em apartamentos e residências, de qualquer tamanho. Alguns anos mais tarde, a cozinha-sala passaria a abrigar reuniões sociais, e cozinhar para os amigos deixaria de ser tarefa puramente objetiva para se tornar lazer. As aberturas ficaram mais generosas, com portas de correr capazes de desobstruir completamente o espaço. A cozinha, então, é exposta de vez. Arquitetos e decoradores se voltam a ela, com todo o apoio da indústria, que produz eletrodomésticos mais elaborados, para além da chamada linha branca. Nascem as cozinhas gourmet. É impossível pensar o futuro da cozinha sem pensar no desenvolvimento da casa como um todo. Nesse sentido, a internet exerce papel cada vez mais presente, conectando todos os equipamentos. Quem sabe em breve poderemos preparar o jantar com o celular, a caminho de casa ou enquanto lemos um livro? Outras tendências apostam na mobilidade dos ambientes, que deixarão de ter funções predefinidas para se tornar espaços flexíveis, mutantes de acordo com o uso. Mas, enquanto as transformações não chegam, já pensou onde vai preparar o jantar hoje?


Os anos 1950 representaram a consolidação da nova cozinha. Revestida por azulejos e pastilhas, compartimentada por armários planejados, com portas e gavetas coloridas, ela definitivamente se fundiu à casa como extensão da sala de estar


ybanheiro

vai tomar

banho!


O banheiro não é apenas um espaço obrigatório de qualquer casa. É também uma grande invenção que revolucionou a história da higiene TEXTO Bruno Seravali

P

ara além dos estudos sobre ciência, o filósofo e poeta francês Gaston Bachelard costumava divagar sobre algo muito mais reconhecível: o lugar onde moramos. Ele dizia: “Todo canto de uma casa, todo espaço reduzido onde gostamos de nos aconchegar, de nos encolher sobre nós mesmos, é a concretização da ideia de solidão”. Mas a poesia de uma frase como essa deu lugar à sinceridade quando lhe perguntaram que canto dessa casa melhor servia como “espaço para nós mesmos”. Gaston foi direto e provocou gargalhadas: “Certamente, o banheiro”. Apesar das risadas, o filósofo não estava de brincadeira. O tamanho que o banheiro ocupa em uma casa (geralmente, um dos menores cômodos) não faz justiça à sua importância histórica, cultural e evolutiva. O banheiro é peça fundamental para entender uma complexa novela, a da higiene.

Hígia (que deu nome à palavra “higiene”) era a deusa da saúde, limpeza e sanidade, filha de Esculápio, o deus da cura. Hoje, no mundo moderno, ela é vista segurando um cálice com uma serpente enrolada, o símbolo oficial da farmácia. A seus seguidores dava diversos conselhos de limpeza, com a intenção de suavizar o fardo que o pai carregava. Uma das máximas da deusa era a de reservar um espaço para as necessidades fisiológicas, pois fezes e

urina não eram coisas boas para estar próximas dos homens. Nascia no mundo grego uma espécie de banheiro primitivo. Um estudo realizado em 2000, pela Universidade Harvard, mostra, porém, que a ideia de banheiro talvez tenha surgido antes, na pré-história. É verdade que era muito mais depósito de restos de comida que local para deixar excrementos humanos. Em diversas cavernas onde foi constatada a presença de homens primitivos, esses lugares costumavam ficar longe de onde se dormia, certamente para evitar a contaminação com a carne que apodrecia. Mas a ligação com a história do banheiro veio da constatação que, em algumas dessas cavernas, o depósito de restos de comida também servia para deixar as fezes de quem ali morava. Mas banheiro também é local de banho, e ter um espaço propício para isso é um dos hábitos culturais mais antigos do ser humano. No antigo Egito, acreditava-se que a água não apenas limpava o corpo, mas tinha a função espiritual de purificar a alma. Por ali, dos reis à população mais pobre, todos tinham costume de tomar banho ao menos três vezes ao dia. Não por acaso, espaços que serviam como banheiros foram encontrados na maioria das pirâmides egípcias preservadas. Já durante o Império Romano, o banho era incentivado não apenas como um ritual para limpeza corporal e da alma, mas especialmente como um grande evento social. As termas públicas que


ali surgiram eram pontos de encontro para conversas das mais variadas, desde as triviais até aquelas relacionadas ao fechamento de acordos comerciais. Banhar-se ali não era algo rápido, incluía duas horas de banho em piscinas de diferentes temperaturas e mais uma hora de lavagem com óleos relaxantes. Até aqui, as práticas de higiene avançavam com hábitos cada vez mais próximos dos que encontramos hoje. Mas a Idade Média marcou uma pausa nesse processo. Nesse período, muito por causa dos cristãos, o prazer bath

Poucas termas onde os romanos se banhavam são tão bem preservadas quanto as de Bath, cidade no condado de Somerset, na Inglaterra

de ficar horas e horas se limpando começou a ser visto como pecaminoso, pois incentivava a vaidade, um dos sete pecados capitais. Figuras influentes repetiam à população que o importante não era possuir um corpo, mas, sim, uma alma limpa. “Corpo esquecido, alma cândida” era um dos ensinamentos. Na Europa, os demorados banhos romanos deram lugar a práticas que hoje seriam consideradas nojentas. Era fortemente recomendado que uma família inteira se banhasse em uma única tina, usando a mesma água para todos. Ao começar pelo chefe da família, acreditava-se que os fluídos dos mais experientes passariam aos mais novos. Nesse mesmo período, nasce o penico, o que poderia ser sinal de higiene, não fosse o fato de que os dejetos eram,

20 abd conceitual junho/2015

em seguida, jogados pela janela. Para a aristocracia francesa do século 17, por exemplo, era de bom-tom trocar a camisa uma vez por dia e, quem sabe, aproveitar a ocasião diária para mergulhar rapidamente as mãos em um pouco de água (já usada por outra pessoa). Como se não bastasse, os mais religiosos defendiam a ideia de que os padres que cheiravam mal eram aqueles com mais fé. Por séculos, práticas como essas eram regras para diversos povos da Europa, e as consequências foram a disseminação de pestes, a baixa expectativa de vida e o alto índice de mortalidade infantil. Foi preciso chegar o século 18 para que a ciência provasse aos povos europeus que a falta de banho e a não separação de excrementos humanos eram práticas culturais que faziam mal à saúde. Aos poucos, em um árduo processo de convencimento, os banhos públicos, os esportes com água e as terapias com óleos voltaram a fazer parte do cotidiano, mas resquícios dessa cultura não higiênica ainda são vistos entre os europeus. Até hoje alguns trabalhadores rurais da França repetem um ditado antigo que diz: “Quanto mais o carneiro fede, mais a ovelha ama”. No livro Clean – A History of Personal Hygiene and Purity (não lançado no Brasil), a escritora Virginia Smith apresenta mais detalhes dessa história evolutiva da higiene e, logo nas primeiras páginas, fica evidente uma ênfase especial ao surgimento e desenvolvimento da prática do banho e da construção de banheiros. De acordo com a escritora, nada foi mais revolucionário na história da higiene que a concretização da ideia de um lugar para se limpar. Ela escreve: “Hoje, para grande parte da população mundial, mesmo sem que se perceba, o banheiro é uma espécie de local sagrado onde se pratica uma religião bem conhecida de todos nós: os rituais diários de descartes e limpeza”. A escritora também elenca uma série de curiosidades cotidianas: você sabia que 80% da sujeira coletada pelo aspirador de pó é, na verdade, pele humana morta? Sim, somos “sujos” por natureza. É o que também mostra outro livro bastante completo: The Dirt on Clean (também ainda não lançado no Brasil), escrito pela canadense Katherine Ashenburg. Na obra, ela apresenta uma série de estudos que indicam que, quanto mais limpa e higiênica for a infância de alguém, maiores são as chances dessa pessoa sofrer de alergias na vida adulta. Vale ressaltar que os estudos não defendem uma infância a la Idade Média, mas defendem brincadeiras fora do ambiente doméstico, na companhia dos mais diversos micro-organismos. Assim, uma lenda sobre Napoleão, sempre usada para satirizar seus hábitos grotescos, pode agora ser vista como um elogio. Quando o imperador francês viajou por um mês, deixou um bilhete para Josefina, primeira mulher dele, com o seguinte conselho: “Vou retornar em algumas semanas. Importante: pare de se lavar e usar o banheiro”.



ybanheiro

tendências

Hoje eu só quero que o dia termine bem Lá fora, a vida não está fácil. Corre-corre, contas a pagar, estresse. E tudo que todo mundo mais deseja ao desembarcar em casa é que o dia termine bem. Tirar os sapatos, tomar um banho e relaxar – de preferência (e se possível) mergulhado em uma banheira de água quente. Daí a relevância cada vez maior do banheiro como local não apenas funcional, mas, principalmente, de recarga do bem-estar físico e mental. É no banheiro, diz o designer de interiores Fabio Galeazzo, que “começamos e terminamos o dia”. É também “o local mais íntimo da casa, onde nos despimos e nos limpamos”. A seguir, Galeazzo explica o banheiro, sua história e importância ao longo do tempo; e conta quais são as tendências em alta na decoração do ambiente.

texto alvaro tedesco

Por que o banheiro ganhou tanta importância em projetos de interiores nos últimos anos?

22 abd conceitual junho/2015

fotos divulgação/reprodução

Dos primórdios da civilização até o início do século 20, o banheiro certamente foi um dos ambientes mais polêmicos da casa, sua história daria uma novela cheia de altos e baixos. Nas civilizações antigas, como Egito e Mesopotâmia, foi extremamente valorizado. Roma sofisticou os banhos e associou saúde e limpeza ao prazer. Nessa época, os banheiros eram conhecidos como um acessório elegante e não uma necessidade, e tomar banho era muito mais um ato de prazer. No fim do século 19, começou a ser integrado à casa, trazendo, então, um novo conceito de privacidade e comodidade. O banheiro, no formato que conhecemos hoje, teve seu começo mais ou menos na primeira década do sé-


“o banheiro sempre chamou a atenção por sua importância; é o único ambiente onde, na maioria das vezes, ficamos sozinhos; é o local mais íntimo da casa; não há nenhum outro cômodo em que a pele está tão exposta”

culo 20, nos Estados Unidos, e, ao contrário do resto da casa, foi a higiene o determinante dessa nova estética. Apesar de terem sido os últimos cômodos a ser integrados à casa, foram os primeiros a receber tecnologia; onde a tecnologia, pela primeira vez, se impôs à tradição. Respondendo a sua pergunta, pelo próprio histórico, o banheiro sempre chamou a atenção por sua importância, é o único ambiente onde, na maioria das vezes, ficamos sozinhos, é o local mais íntimo da casa, onde nos despimos e nos limpamos. Geralmente, é onde começamos e terminamos o dia, não há nenhum outro cômodo da casa em que a pele está tão exposta. É um local onde a água reina e exercemos um dos principais rituais da casa, o ato de relaxar. Sabendo disso, a indústria entende que, quanto maior a tendência da vida em se tornar estressante e acelerada, mais a demanda por ambientes de relaxamento tende a crescer. Ao projetar um banheiro, quais os principais pontos que o designer precisa levar em conta?

O projeto do banheiro precisa ser cuidadosamente pensado, porque não é algo que você pode mudar facilmente. Uma vez que o encanamento está instalado e os revestimentos assentados, fica caro alterar. Ele também é complexo em termos de função. Afinal, é um espaço onde você pode querer um rápido banho de manhã e onde pode querer relaxar à noite. Prefira os elementos que ampliem o valor sensorial. Eu adoro as texturas naturais das pedras brutas, dos granitos despolidos e dos acabamentos artesanais. Capriche no espelho e nos acessórios. O contraste de elementos naturais fica perfeito ao lado dos metais polidos e da louça brilhante. Investir em tecnologia está em alta, como a automação da iluminação e do som. Há algum tempo, os chuveiros, além de água, utilizam a cromoterapia. A banheira ainda é um dos grandes objetos de desejo, e o modelo de sobrepor está em alta. Ainda no capítulo tecnologia, as banheiras borbulham, iluminam e, com a crise hídrica, os modelos compactos já começam a fazer a filtragem da água. É preciso fazer uma lista do que o cliente quer: saber

quem vai usar o banheiro; se a ideia é criar a sensação de luxo de um spa ou ter praticidade; quanto a pessoa quer gastar; se serão pias e/ou chuveiros duplos; e, no caso de uma reforma, se realmente é preciso destruir o espaço ou apenas mudá-lo um pouco. Quando possível, opte por banheira e chuveiro separados. Lembre-se de que o seu novo projeto deve ser fácil de limpar e de manter e nunca se esqueça de perguntar se o revestimento do piso é antiderrapante. Ao redor do espelho, quando tiver arandelas, é uma boa oportunidade de dar um estilo ao banheiro. Adoro as peças vintage e de design, chamam a atenção para si e causam boa impressão. Finalize com um tapete macio para cuidar dos pés com carinho. O que está em alta na decoração de banheiros?

Como descrito acima, materiais com texturas naturais associados a metais polidos; o valor sensorial está em alta. O design também é uma grande tendência, uma forma de você imprimir um estilo ao banheiro. Metais, louças e acessórios ficam cada vez mais sofisticados e ajudam na individualização da moradia. Os estilos preferidos são os levemente retrô/industrial ou contemporâneo, com formas orgânicas e desenho fluido. Acessórios e detalhes como lustres, arandelas e papel de parede migram dos outros ambientes e invadem o banheiro. Se a ideia é fazer do banheiro um lugar de relaxamento, o projeto não pode...?

Ser apenas bonito. O banheiro é um espaço onde a sensorialidade deve ser estimulada na sua forma mais ampla. Som, cheiros, iluminação, tato devem ser estimulados. Em relação à questão da água, como os designers de interiores podem contribuir para não haver desperdício?

Optando por empresas que desenvolvem produtos que economizam água, estudando e aplicando os avanços tecnológicos, como as técnicas de captação e reúso. fabiogaleazzo.com.br


ybanheiro

luke barclay

monte sinai

a loo with a view

De acordo com a World Toilet Organization, entidade que zela pela higiene sanitária em todo o mundo, uma pessoa passa, em média, três anos da vida no banheiro. Pensando nisso, o escritor e documentarista britânico Luke Barclay teve uma ideia: percorrer os cinco continentes em busca de banheiros “de onde é possível contemplar o mundo”. A aventura durou dois anos e resultou no livro A Loo With a View. A obra reúne 40 fotografias de banheiros com vistas espetaculares – ou, no mínimo, inusitadas. Em uma delas (esta aí em cima), o “banheiro” fica de frente para o gelado Monte McKinley, no Alasca. “Deveríamos tornar a experiência de ir ao banheiro a mais emocionante possível”, diz Barclay. Em alguns lugares, isso já acontece. Banheiro com vista para o Monte Sinai, no Egito

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A Fashion Week da Arquitetura e Construção

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bel

yentrevista

26 abd conceitual junho/2015


texto joão lourenço

lobo Apresentadora do programa Lá Fora, do GNT, a designer ensina: “Em algumas situações, é mais fácil começar uma mudança pessoal dando um trato no quarto, na sala, do que ir a um analista”


Espaço Phebo na loja multimarcas Dona Coisa

E

la é conhecida por pensar em espaços multifuncionais e versáteis. Bel Lobo acredita que certezas fecham portas. O desconhecido é seu combustível. Para ela, inspiração pode vir de qualquer coisa que toque o coração. “Outro dia, li que o coração tem muitos neurônios, e isso explicou muita coisa para mim, pois realmente sinto que penso com o coração. Percebo mais do que entendo.”

Bel queria seguir os passos da tia: ser psicóloga. Mas uma amiga percebeu que ela tinha facilidade para desenhar e a convenceu a procurar o curso de arquitetura. Após conversar com pessoas da área, ela mudou a inscrição do vestibular na última hora. Começou a faculdade em Belém e terminou no Rio de Janeiro, na UFRJ. Bel iniciou carreira com projetos comerciais. Redes de lojas como H.Stern, Richards e Farm estão entre os trabalhos assinados por ela. A criatividade e eficiência apresentadas nas lojas fez com que ela investisse no design de interiores – a pedido dos próprios clientes. “Adoro quando o cliente residencial se sente coautor do projeto, pois isso garante um resultado mais íntimo e pessoal.” Hoje, o escritório de Bel, a be.bo, aberto em parceria com o marido, Bob Neri, tem uma equipe de 40 profissionais. Após anos garimpando móveis e objetos para os projetos, em 2013, Bel criou um showroom com os achados, a m.o.o.c (móveis, objetos e outras coisas). Localizado em uma

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fábrica na Zona Norte carioca, o espaço também é ocupado por ateliês de artistas plásticos. No ano passado, em parceria com a Tok&Stok, lançou a linha Vira e Mexe, composta por móveis e objetos que apresentam várias possibilidades de adaptação a diferentes situações do cotidiano. De 2011 a 2014, Bel apresentou o reality show Decora, no GNT – hoje comandado por Marcelo Rosenbaum. No programa, em poucas horas, tinha que transformar cômodos de casas sem gastar muito. Depois de sete temporadas, Bel saiu para se dedicar a outros projetos. Um deles é o programa Lá Fora, na mesma emissora, em que cuida da ocupação e de novas propostas para espaços urbanos. Bel Lobo conversou com ABD Conceitual. Quem teve maior impacto criativo em você?

Minha mãe e meu pai. Minha mãe pintava e bordava! Era criativa e botava a mão na massa, sempre chamando atenção para belas composições. Meu pai consertava tudo, ensinando que a vida está em nossas mãos. As pessoas estão tentando inovar cada vez mais. Como devemos repensar o modo como vivemos em nossa casa?

A vida muda. A casa tem que refletir hábitos novos e dinâmicas diferentes. Ela está ali como um exoesqueleto para nos dar suporte. Esse repensar a casa deve ser feito sempre que não nos sentimos mais bem encaixados nela. Buscar sempre


“Regras em design de interiores, se existem, são criadas a partir da percepção de conforto e funcionalidade, mas nunca em relação à estética” Loja da Farm, em Niterói

a harmonia com nosso ser mutante. A casa nos reflete, nos estende, nos acolhe. Ao olhar para nossa casa, nós nos vemos, mesmo que muitas vezes a imagem não seja a que gostaríamos de passar. O que vivemos, nossos acúmulos e abandonos estão refletidos ali. Em algumas situações, é mais fácil começar uma mudança pessoal dando um trato no quarto, na sala, do que ir a um analista. Para mim, a casa significa lar. Significa acolher, confortar, estruturar, estimular e libertar.

Hoje, você mora em uma casa rodeada por natureza.

A minha casa é na cidade, mas com pinta de interior. Moro no bairro Jardim Botânico, numa vila operária tombada que pertencia a uma antiga fábrica de tecidos. Tenho um pequeno jardim muito visitado por passarinhos, tucanos, porcos-espinhos, macacos e gambás. Saí de um apartamento na quadra da praia do Leblon, pois queria exatamente o que encontrei aqui: silêncio e terra. Quanto mais você aterra, mais se inspira.

E você, com qual frequência muda os móveis de lugar?

Você é casada com o arquiteto Bob Neri. Como um influencia

Meu filho diz que eu fico brincando de Lego com a casa. Sempre gostei de achar os lugares das coisas. Mexo toda vez que não me sinto confortável no ambiente. Estamos sempre mudando, por que não mudar os móveis de lugar? Ultimamente, tenho trabalhado tanto que não tenho cuidado bem nem da minha casa nem de mim.

o trabalho do outro?

Bob tem um bom gosto incrível. Ele é muito trabalhador e pragmático. Trabalhamos na be.bo, nosso coletivo de arquitetos. Não fazemos projetos juntos, mas estamos sempre trocando ideias e opiniões. O que pensa sobre cursos universitários para designers?

Você já disse que regras e técnicas não fazem parte do seu vocabulário. Na hora da criação, a intuição fala mais alto?

Outro dia li que o coração tem muitos neurônios, e isso explicou muita coisa para mim, pois realmente sinto que penso com o coração. Percebo mais do que entendo. Ter um conhecimento técnico e aprimorá-lo com a prática aumenta a capacidade de criação. Regras em design de interiores, se existem, são criadas a partir da percepção de conforto e funcionalidade, mas nunca em relação à estética.

Hoje, temos acesso a um universo de informações. A formação acadêmica deve abrir o olhar e instrumentalizar o futuro profissional. Um bom professor é aquele que nos conduz por esses espirais de conhecimento e nos estrutura para continuar a viagem sozinhos. E, então, trabalhar, trabalhar, trabalhar! Na prática, a teoria é outra. Como funciona seu processo de criação?

A minha maior fonte de inspiração é sempre a vida. Costumo


Sala de apartamento projetado por Bel Lobo

dizer que quando estamos abertos, as coisas nos acham. Vivo, viajo e leio. Também canto em um coral, vou ao cinema, a shows, a balés, a exposições e a feiras literárias. Faço cursos do que me interessa e me emociona. Isso cria internamente um repertório criativo que acesso sem que eu saiba exatamente como. Além disso, tenho a ajuda de profissionais incríveis, que me trazem ideias maravilhosas, e meu papel muitas vezes é o de um maestro, harmonizando o conjunto.

qual o maior aprendizado que a TV te proporcionou?

Muitos! Adoro gente. A TV me colocou em contato com muitas pessoas e famílias encantadoras. Os programas com verba e tempo limitadíssimos mantiveram meu cérebro vivo tentando traduzi-los em forma de espaço. Você já desenhou lojas, livrarias e até farmácia. No momento, qual a sua maior vontade?

Olhar para a cidade. Cuidar dela, dos espaços públicos. Com qual material nacional você mais gosta de trabalhar?

Tenho trabalhado muito com compensado de pinus, madeira de reflorestamento clara e macia.

O que você considera o pior inimigo do bom design?

Quais as maiores diferenças entre criar um espaço comercial

Uma vez, você disse: “Não existe certo ou errado, existe o que

e um espaço pessoal?

você gosta. Não existe cafona, não existe feio ou bonito. Exis-

Nos dois, acho que devemos estar invisíveis para traduzir em espaço a marca ou a pessoa que nos contratou. Adoro quando o cliente residencial se sente coautor do projeto, pois isso garante um resultado mais íntimo e pessoal. O comercial te permite ser mais lúdico, demanda conhecimentos de varejo e o tempo de projeto deve ser o mais curto possível. Time is money!

te a sua felicidade!”. poderia falar um pouco mais sobre isso?

a maior dificuldade de transitar entre um projeto e outro?

Organizar o tempo. O bom é que “eu sou nós”. Tenho vários parceiros diferentes e criativos que me ajudam muito.

Somos iguais e diferentes. Padrões estéticos são culturais. Sejamos livres. Feio e bonito é de cada um. Sejamos felizes. A vida é uma só. Qual a importância da água em sua vida e em suas criações?

Eu digo sempre que devemos ser como a água. Viemos aqui para evoluir, e os obstáculos devem ser contornados para que continuemos seguindo. Isso serve para a vida pessoal e para as questões profissionais. Às vezes, o que parece um problema pode ser o começo de uma solução melhor. bebo.etc.br

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fotos divulgação | Elisa Mendes, Marcos Bravo

Você atua em diferentes plataformas, mídias e formatos. qual

Sempre o mesmo inimigo em tudo: o ego!


Renata Amaral - Presidente ABD Apresenta:

Nova diretoria regional da ABD | SP

Noura van Dijk Diretora ABD | SP

Ana Maria Bogar

Vice Diretora ABD | SP

Roberta Banqueri Coordenadora Acadêmica

Selma de Sá Coordenadora Acadêmica

Daniela Cianciarudo Coordenadora Acadêmica


ymemória

lembra de mim? ilustrações andré poli texto marcos guinoza

pato de borracha Pois é. Parece que até a rainha Elizabeth II tem um pato de borracha no banheiro dela. Esse furo jornalístico foi dado pelo tabloide The Sun, e quem descobriu esse “segredo” da realeza britânica foi o operário responsável por repintar o banheiro de Sua Majestade. Com a divulgação da “notícia”, em 2001, as vendas do brinquedo aumentaram 80% no Reino Unido. Viva a rainha! Chamado rubber duck, o pato de borracha é um ícone da cultura pop e tem até um dia dedicado a ele: 13 de janeiro, com direito a festas temáticas realizadas pelo mundo. Acontecem também corridas. Sim, corridas, como a Great Knoxville Rubber Duck, nos Estados Unidos, e a Great Brisbane Duck Race, na Austrália. No ano passado, a Unicef promoveu uma no Rio Danúbio, em Budapeste, capital da Hungria, com o objetivo de arrecadar fundos para os projetos da instituição. Milhares de patinhos participaram, e o vencedor levou um carro zero quilômetro. Foi a partir da década de 1970 que o brinquedo

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começou a se popularizar, muito por conta do muppet Ernie, personagem da clássica série Sesame Street (no Brasil, Vila Sésamo). Com voz do ator Jim Henson, Ernie vivia batendo papo com seu pato de borracha amarelo e cantava músicas dedicadas a ele, como “Rubber Duckie”: “Rubber Duckie/ You’re the one/ You make bathtime lots of fun”. Até Little Richard executou a canção em algumas apresentações. Ligado ao bathtime, o pato de borracha – incluído no Toy Hall of Fame, em 2013 – talvez nem faça sentido sem uma banheira onde possa boiar. Talvez também não faça sentido para quem tem mais de 5 anos. Ou faz? Para a americana Charlotte Lee, com certeza. Ela foi parar no Guinness Book com sua coleção de 5.631 patos de borracha. Estranho? Não, cultura pop. Banheiras, hoje, são sonho de consumo de muitos. É que, ao contrário do chuveiro, de uso mais prático, a banheira oferece momentos de relaxamento, de “você com você mesmo”, quem sabe mergulhado em agradáveis lembranças da infância, quando um pato de borracha amarelo o acompanhava nos banhos.


Foi o americano John Gorrie quem inventou a geladeira, em 1850. Gorrie era médico e vivia em Apalachicola, cidade portuária da Flórida com clima extremamente quente e úmido. A fim de tornar a temperatura mais amena para os pacientes do hospital onde trabalhava, ele teve a ideia de pendurar sacos de gelo nas enfermarias. A ideia não deu muito certo (era complicado conseguir gelo natural em quantidade suficiente), e o médico resolveu ele mesmo construir uma máquina para conservar o gelo. Acabou inventando o que ficou conhecido como geladeira. Mas veja só: nem todos embarcaram na viagem de Gorrie. O jornal The New York Times o chamou de “excêntrico”, e os banqueiros a quem o médico recorreu para conseguir dinheiro para erguer uma fábrica o esnobaram. Resultado: John Gorrie morreu pobre e desacreditado – e coube a outros, seguindo o mesmo princípio criado pelo médico, levar a invenção adiante. A primeira geladeira doméstica surgiu em 1913, com o nome de Domelre (domestic electric refrigerator). Bem diferente dos modelos atuais, era composta por grandes caixas de madeira e mais parecia um armário. E é aqui que entra em cena o pinguim. Para não haver mais confusão entre o que era geladeira e o que era armário, a empresa americana Kelvinator passou a enviar para as lojas pinguins de cerâmica para serem deixados sobre o eletrodoméstico. E foi assim, numa bem-sucedida ação de marketing, que nasceu o pinguim de geladeira, e ter um desses em casa virou febre. Falam que boa parte dos lares tinha pinguins de porcelana ou louça sobre as geladeiras até a década de 1970. Após esse período, a mania caducou e o que era bacana virou brega. Envergonhados, os pinguins sumiram do mapa. Só que o mundo dá voltas, conceitos são revistos, o brega virou cool, e os pinguins de geladeira retornaram às casas repaginados, em versões moderninhas e estilizadas. Agora, até quem nunca deu bola acha fofo. É a onda vintage remexendo sem parar no baú das nossas memórias afetivas.

pinguim de geladeira


ypaisagismo

jardins tropicais


Casa em Florianópolis

A samambaia está na moda e “materiais politicamente corretos e naturais” também. É o que conta o paisagista Gilberto Elkis foto renato elkis TEXTO andré poli

P

rojetos de paisagismo seguem tendências? Gilberto Elkis responde: “Existem as escolas clássicas, como a italiana, francesa, inglesa, japonesa, zen etc., mas o paisagismo tem que ser a moldura da arquitetura. Sendo assim, o bom gosto e a expertise do profissional são fundamentais para a composição de um bom projeto. O paisagismo contemporâneo é uma mistura de várias escolas”.

Para a edição 2015 da Casa Cor São Paulo, cujo tema foi a brasilidade, Elkis projetou um bosque de 800 metros quadrados apenas com espécies da flora brasileira e um lago ornamental feito especialmente para o evento. O deck – com design ortogonal


Acima, casa em São Paulo; abaixo, casa em Goiânia. Todos projetos de Gilberto Elkis

e que levava os visitantes para dentro da “mata” e, depois, para os ambientes da mostra – foi feito com madeiras reaproveitadas de uma antiga ponte desfeita em Trancoso, no litoral da Bahia, seguindo as tendências dos atuais projetos de paisagismo: “Baixa manutenção, materiais politicamente corretos e naturais”, diz Elkis. As plantas usadas nos jardins também entram e saem de moda. “A samambaia é uma planta que esteve esquecida desde os anos 1970 e, atualmente, está em voga.” Mas, no momento de escolher as plantas que vão compor o jardim, é necessário, antes, levar em conta “o tipo de terreno, altitude, vento, ocorrência de sol, fator hídrico etc.”. Segundo Elkis, o mercado de trabalho para o paisagista está estável, “mas é preciso se manter constantemente atualizado”, o maior desafio hoje “está em driblar a crise hídrica que o país enfrenta”, e uma das maneiras de lidar com a questão “é pensar no reaproveitamento da água”. Perguntado se existe uma escola brasileira de paisagismo, Elkis afirma que sim: “Existe a Burle Marx, a qual podemos chamar, com certeza, de uma escola do paisagismo brasileiro, reconhecida mundialmente”. Para conciliar as ideias do profissional com os desejos do cliente, ele aconselha: “Bom senso, sempre”. Gilberto Elkis é um dos mais renomados paisagistas do país, com mais de 20 anos de atuação. Nos projetos que realiza, ele conta que, além da funcionalidade, procura aguçar as sensações de tato, olfato, paladar, visão e audição. “Gosto de trabalhar com o barulho da água, o cheiro das ervas, as formas e o volume das criações. Muitos desses recursos têm ação terapêutica comprovada, por isso é importante criar uma atmosfera de bem-estar, utilizando o poder da natureza.” Para o paisagista, a natureza funciona como uma espécie de “antídoto” para combater o estresse. “Por isso, hoje é comum encontrar áreas de lazer arborizadas em condomínios fechados no lugar de antigos playgrounds. Valorizar o paisagismo é uma necessidade, sobretudo nos meios urbanos. É uma forma de compensar o ritmo alucinante a que somos submetidos e aumentar a qualidade de vida dos indivíduos.” elkispaisagismo.com.br

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yponto de vista

No ambiente de Roberto Migotto, na Casa Cor São Paulo 2015, a fauna e a flora brasileiras aparecem no tapete nepalês e nas obras de Vik Muniz

yes, nós temos brasilidaDE POR Pedro Ariel Santana Quando visitei a Casa Cor São Paulo pela primeira vez, no fim dos anos 1980, fiquei boquiaberto com tanta beleza e informação. Eu tinha acabado de sair da faculdade de arquitetura e não tinha ideia de quão rico e glamoroso poderia ser o mundo do design de interiores e da decoração. Naquele casarão de estilo normando, no bairro dos Jardins, em cerca de 30 ambientes, descortinava-se um mundo novo, cheio de maravilhas e possibilidades. Fiquei encantado com a profusão de revestimentos, tecidos, soluções de aproveitamento de espaço, ideias de iluminação, obras de arte... No entanto, algo me incomodava: havia ali um sotaque europeu muito forte. Na maioria das vezes, o acento inglês predominava, em outras, o francês, e, aqui e ali, um pouco de italiano. Estranhei no início, mas acabei acreditando que era assim mesmo. Afinal, o design brasileiro era ainda incipiente e as cadeiras chippendale na sala de jantar e as poltronas Luís XV no estar pareciam mesmo as melhores escolhas. Quem era eu para contestar... De lá para cá, muita coisa mudou. Eu cresci profissionalmente, o design brasileiro ganhou musculatura e a minha vida foi se enroscando com esse tema num caminho sem volta. Em 2010, época em que era redator-chefe da revista Casa Claudia,

organizei o livro Design Brasil, 101 Anos de História, um verdadeiro tratado que analisa o trabalho de 84 profissionais e mais de 400 produtos. Essa, sem dúvida, foi a minha grande contribuição para a cultura brasileira. Em 2015, acredito ter dado um novo passo nessa direção. Pela primeira vez, fiz parte da curadoria da Casa Cor e, com os demais diretores do evento, elegemos o tema brasilidade como norte da mostra. O slogan “Yes, nós temos inspiração”, definido no início do ano, tinha como meta estimular os profissionais a explorar nosso design, nossa arte e, principalmente, nosso “lifestyle” – o jeito de viver amoroso e acolhedor do brasileiro. E a resposta dos designers de interiores e arquitetos superou todas as expectativas. Nunca se viu tanto móvel “made in Brazil”, tanta arte nacional e tanto “verde, azul e amarelo”. Mais que isso: em muitos ambientes, a casa brasileira está representada em detalhes muito simples, como referências do passado, arranjos de flores sobre a mesa, ou plantas escolhidas para aquecer os ambientes. Tudo com muito estilo. Mas, em alguns espaços, é quase possível sentir o cheiro de café no bule e do bolo de fubá que acaba de sair do forno. A minha sensação é de que o Brasil e os brasileiros saem dessa mostra mais ricos. Não de dinheiro, mas de cultura. Sem ostentação. Com simplicidade, identidade e uma autoestima reforçada. Pedro Ariel Santana é arquiteto e jornalista. Atualmente, exerce o cargo de diretor de conteúdo e relacionamento da Casa Cor.


yarte

AS BELAS E SOMBRIAS ESCULTURAS DE KEVIN FRANCIS GRAY texto alvaro tedesco


“Eu encontro beleza em lugares obscuros e em coisas ridículas. Por isso, não tenho uma resposta para o que é um ideal de beleza. O que é bonito um dia no outro pode ser considerado horrível”

Temporal Sitter 2012, bronze polido, mármore Bardiglio


Kevin Francis Gray

Ballerina Bust 2012, mármore Carrara preto

v Escultor, 43 anos. v Nasceu em Dublin, na Irlanda do Norte.

kevinfrancisgray.com 40 abd conceitual junho/2015

Ghost Boy 2008, mármore Carrara, vidro, contas de cristal

fotos divulgação

v Saiu cedo de lá para estudar nos Estados Unidos e na Inglaterra. Ainda assim, presenciou o ambiente de violência extrema que matou mais de 3.600 pessoas em 30 anos de conflito entre protestantes e católicos na Irlanda do Norte. Kevin acredita que a exposição a essa violência o afetou, influenciando seu trabalho. v Ele se interessa pelo lado mais sombrio da alma humana. Já esculpiu punks, viciados em drogas e pacientes de um hospital psiquiátrico. v As esculturas do artista, de inspiração neoclássica, evocam o passado. Ao mesmo tempo, reúnem elementos contemporâneos. Ghost Boy, feito de mármore Carrara, mostra um jovem calçando sneaker e vestindo bermuda e camiseta. v É essa tensão entre passado e presente o que mais encanta e perturba na obra do artista. v Kevin utiliza fibra de vidro, gesso, bronze e mármore para esculpir. Ele escolhe o material que vai usar em uma peça no momento em que procura visualizá-la já pronta, mas não se fecha em uma única possibilidade. Gosta de poder fazer alterações durante o processo. v A obra Face-off inspirou o “homem do espelho” que aparece no filme Branca de Neve e O Caçador (2012). v Artista reconhecido mundialmente, Kevin, hoje, mora e trabalha em Londres, onde é representado pela Pace Gallery.


ypublieditorial

MORAR MAIS®

UM EVENTO DESCOLADO Entrevista

Lígia Schuback e Sabrina Rocha Schuback, idealizadoras do evento Morar Mais® por Menos.

Desde que foi lançado no Rio de Janeiro, há 11 anos, o Morar Mais®, o chique que cabe no bolso, vem conquistando o Brasil por intermédio do licenciamento da marca e se reinventa a cada edição para atender às demandas do mercado e à linguagem dos novos tempos. Lígia Schuback, que idealizou o evento ao lado da filha, Sabrina, com quem realiza a edição carioca, conta um pouco da história do Morar Mais® e revela seus planos para os próximos anos. A que você credita o sucesso do Morar Mais®?

0 evento nasceu de uma história real envolvendo minha própria filha, quando ela precisou decorar sua primeira casa, com direito a todas as dúvidas de quem vivencia essa experiência. Como ter um lar descolado, aconchegante e sofisticado, sem gastar quantias exorbitantes? Onde encontrar profissionais qualificados que topem esse desafio? Quanto custa meu sonho? Caberá no meu bolso? Não havia no mercado um evento de decoração com uma proposta pé no chão. Por isso, logo na estreia, a empatia do público e da imprensa foi imediata. Em quais cidades o Morar Mais® está presente atualmente?

Além da edição carioca, o Morar Mais® acontece em Belo Horizonte, Vitória, Campo Grande, Cuiabá, Goiânia e Brasília. Nosso próximo passo é conquistar praças em São Paulo e nas regiões Sul e Nordeste. É importante destacar que, apesar de o Morar Mais® ter um formato bem definido, buscamos sempre respeitar as particularidades de cada região. Como é feita a seleção dos licenciados? Que perfil devem ter os interessados?

É importante que seja um licenciado que já atue no mercado de decoração, com boa relação não só com os profissionais de sua cidade, como com as empresas locais. Alguém com tino comercial apurado, experiência administrativa, capital de giro e disponibilidade de cinco meses no ano para dedicação integral à realização do evento. Qual é o perfil de quem visita o Morar Mais®?

Confraria do Chefe, no Morar Mais® Belo Horizonte 2014, assinado pelas arquitetas Gláucia Monção, Marilda Andrade e Simone Fantini Mangini; e Estúdio da Designer, assinado pelo arquiteto Nilton Montarroyos, no Morar Mais® Rio 2014

Nos últimos anos, houve um crescimento significativo do público jovem, na faixa dos 30 anos, que está montando sua primeira casa. Esta constatação está nos levando a um reposicionamento da marca Morar Mais®, que, desde sua criação, prima pelo pioneirismo e pela busca de um custo-benefício adequado às necessidades do nosso público. O jovem de hoje é cosmopolita, plural, pragmático e realista. Este é o perfil que também queremos imprimir ao Morar Mais® e, por isso, estamos procurando nos adaptar aos anseios desta geração, a começar por dar oportunidade para que arquitetos e decoradores jovens e talentosos também participem do evento. O resultado são projetos descolados, coloridos, acessíveis e com o frescor típico da juventude.


yAMBIENTE

wes anderson “Tentei criar um bar onde eu gostaria de passar as minhas tardes”

TEXTO joão lourenço

BAR LUCE by Wes Anderson

Anderson não é diretor de grandes bilheterias, nem é dos mais premiados, mas alcançou algo bem mais importante para um artista. Com uma visão muito particular do mundo e do cinema, construiu uma obra cinematográfica com identidade própria. Veja Os Excêntricos Tenenbaums (2001), A Vida Marinha com Steve Zissou (2004) ou Moonrise Kingdom (2012) e comprove. São filmes que só poderiam ser dele.

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fotos CORTESIA FONDAZIONE PRADA

O cinema do diretor texano Wes Anderson impressiona. É estudado em cursos universitários, discutido em livros e fonte de inspiração inesgotável para designers e fashionistas, além de manter um grupo fiel de admiradores – não só entre o público, mas também entre os atores que trabalharam com ele, como Bill Murray e Willem Dafoe.


fondazione prada A instituição foi fundada, em 1995, por iniciativa de Miuccia Prada, estilista apaixonada por arte, arquitetura e filosofia. Além do recém-inaugurado espaço em Milão, onde está o Bar Luce, a Prada restaurou e mantém um palacete histórico em Veneza para receber eventos artísticos. Laurie Anderson, Sam Taylor-Wood, Mariko Mori e Tom Sachs já realizaram projetos em parceria com a fundação

Ao contrário de outros diretores da mesma geração, Anderson não fica apenas atrás das câmeras. É obcecado pelos detalhes e, ao lado de figurinistas, fotógrafos e cenógrafos, pensa em todos os aspectos visuais dos filmes que dirige e, por meio de trilha sonora, posicionamentos de câmera, cenários com estética apurada, alguma dose de ironia e uma paleta vintage de cores saturadas, evoca mundos fantásticos, lugares que sonhamos habitar. A boa notícia é que, agora, sentir-se dentro do universo colorido e um tanto teatral do diretor não é um sonho tão distante. O trabalho mais recente de Anderson é um espaço real: o Bar Luce. Localizado no sul de Milão, o bar integra a nova Fondazione Prada, idealizada por Miuccia Prada e Patrizio Bertelli para

conectar arte e arquitetura. O projeto, assinado pelo estúdio OMA, do arquiteto Rem Koolhaas, é resultado da transformação de uma destilaria da década de 1910 em uma configuração que combina sete edifícios já existentes com três novas estruturas. Com 250 mil metros quadrados, a fundação tem diversas galerias de arte, um playground e, claro, o Bar Luce, que funciona como ponto de encontro para os visitantes e também está aberto para o público em geral. Essa não é a primeira parceria entre Anderson e a grife italiana. No ano passado, a Prada desenhou uma coleção exclusiva de malas e baús vintage para O Grande Hotel Budapeste, último longa do diretor. Ele também dirigiu diversos curtas de publicidade para a maison. Para compor o Bar Luce, Anderson se inspirou nos cafés milaneses da década de 1950. “Não pensei em ângulo ideal para esse lugar, pois se trata de um espaço para a vida real, e a proposta era criar um local agradável para comer, beber, conversar e ler. Acredito que o Bar Luce poderia ser utilizado como cenário de filmagem, mas acho que é um lugar ainda melhor para escrever um filme. Tentei criar um bar onde eu gostaria de passar as minhas tardes.” O diretor optou por preservar alguns elementos decorativos da estrutura original do prédio, como o teto arqueado, que recria uma versão em miniatura do telhado de vidro abobadado da Galleria Vittorio Emanuele, um dos edifícios símbolos de Milão. A decoração do interior representa a cultura e a estética popular italianas das décadas de 1950 e 1960, com móveis e assentos de fórmica, painéis de madeira folheada e tons de menta e roxo. Anderson também utilizou objetos que fazem referência à sua filmografia, como máquinas de pinball e uma jukebox retrô com uma seleção de mais de 200 músicas. É sentar, pedir um café e experimentar a sensação de estar em um filme de Wes Anderson. fondazioneprada.org


ydesign

american

dream


A parceria entre Eero Saarinen e Charles Eames, e o sonho americano de melhorar a vida das pessoas com bom design TEXTO amer moussa

P

ode-se dizer que o período conhecido como Segunda Guerra Mundial foi uma janela de tempo na qual os principais países envolvidos dedicaram toda a capacidade econômica, industrial e científica a serviço de uma competição tecnológica. O alívio do fim da guerra trouxe ao mesmo tempo um grande problema, principalmente aos norte-americanos: o regresso repentino de um contingente de milhões de soldados sem teto. A demanda exigiu uma resposta contemporânea – e bastante moderna – dos designers: utilizar o alto desempenho dos materiais desenvolvidos durante a guerra para a produção de casas e objetos domésticos acessíveis e de qualidade.

Nesse cenário, um dos profissionais que se destacou foi Eero Saarinen. Finlandês, ele emigrou para os Estados Unidos em 1923, tendo estudado arquitetura na Universidade de Yale. Após um curto período morando na Europa, regressa em 1935, quando passa a dar aulas na Cranbrook Academy of Art – instituição da qual o pai dele, o arquiteto Eliel Saarinen, foi o primeiro presidente. Lá, conhece Charles Eames, e ambos iniciam uma parceria que renderia bons frutos ao design mundial. O reconhecimento público veio com a cadeira Tulipa, que lhes rendeu o primeiro prêmio no concurso Organic Design in Home Furnishings, promovido pelo MoMA em 1940. A cadeira, assim como outras que vieram depois, foi produzida em larga escala pela indústria de móveis Knoll. A fábrica pertencia a Hans Knoll, que havia se casado com Florence Schust – amiga da família de Saarinen e ex-aluna da Cranbrook. A partir desses laços, formou-se um núcleo intelectual altamente producente. Durante a longa associação com a Knoll, Saarinen desenhou muitas peças importantes


Acima e na página anterior: Case Study House N° 22, West Hollywood, Califórnia, 1959-1960. Projeto do arquiteto americano Pierre Koenig. Foto: Julius Shulman, do livro Case Study Houses, editora Taschen

de mobiliário, como a poltrona e o pufe Grasshopper (1946), além da série Womb – poltrona e pufe (1948) e sofá (1950). A família Tulipa se desenvolveu, ganhando poltronas, mesas de jantar, centro e laterais, e também um banquinho. Todos esses projetos foram prontamente bem recebidos pelo mercado, exceto a chaise Grasshopper, a qual, apesar da produção até 1965, foi a única que não se tornou um massivo sucesso de vendas. Charles Eames, tendo sofrido influência do pai de Saarinen, logo se tornou professor do departamento de desenho industrial da Cranbrook. A pesquisa dele, centrada na técnica de laminação, originariamente desenvolvida por Alvar Aalto, seria aplicada em muitos

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produtos de madeira compensada. Nesse período, além da parceria com Saarinen, Eames desenhou cadeiras e mobiliários diversos, como macas e talas para a Marinha americana. Em 1941, Eames se divorcia e casa com a assistente, Ray Kaiser, nativa da Califórnia. O casal então se muda para Los Angeles, onde viveria até o fim de seus dias. Assentados na costa oeste, Charles e Ray Eames partilharam uma trajetória brilhante em design e arquitetura. No fim dos anos 1940, como parte do programa Case Study (“Estudo de Caso”) da revista Arts & Architecture, o casal projetou e construiu a inovadora Eames House (Estudo de Caso #8). Localizada sobre uma falésia com vista para o Oceano Pacífico, a residência foi montada à mão em


fotos Eames, livro de Gloria Koenig, 96 páginas,

editora Taschen (taschen.com)

No alto, Charles e Ray Eames sentados na cadeira La Chaise. Acima, cadeiras desenhadas por Eero Saarinen e Charles Eames para o concurso Organic Design in Home Furnishings, promovido pelo MoMA em 1940

poucos dias. Composta inteiramente de peças de aço pré-fabricadas destinadas à construção industrial, ela permanece um grande marco da arquitetura moderna. O Case Study foi uma experiência patrocinada pela iniciativa privada, que contratou arquitetos influentes para projetar e construir casas modelos. As habitações priorizavam a eficiência e o baixo custo, de forma a poder sanar o boom imobiliário residencial causado pelo fim da Segunda Guerra Mundial. O programa funcionou de forma intermitente de 1945 a 1966. As seis primeiras casas, construídas em 1948, atraíram mais de 350 mil visitantes. Embora nem todos os 36 projetos tenham sido realizados, um número expressivo dessas casas foi publicado em icônicas fotografias feitas por Julius Shulman, considerado por muitos o melhor fotógrafo de arquitetura da história. Os milhares de fotos que ele fez nos

anos 1950 e 1960 divulgaram para o mundo a arquitetura moderna minimalista. Na década de 1950, os Eames deram continuidade ao trabalho e à pesquisa em tecnologias pioneiras, desta vez com cadeiras de fibra de vidro, resina de plástico e malha de arame, projetadas para a Herman Miller. Desde o início, o mobiliário Eames era quase totalmente listado como concebido apenas por Charles Eames. Com o tempo, tornou-se claro que Ray também estava profundamente envolvida e havia colaborado de igual para igual com o parceiro em muitos projetos. A maioria dos tecidos Eames foi desenhada por ela. Além de trabalhar na arquitetura, o casal produziu diversos curtas-metragens. A produção cinematográfica funcionava como fonte de ideias e veículo para experimentação e educação. Os filmes registravam desde o processo de montagem de móveis e exposições, até a coleta de brinquedos e artefatos culturais em viagens. Outros exploravam a linguagem audiovisual em si, por meio de temas visionários, como Powers of Ten. Narrado pelo físico Philip Morrison, o curta oferece uma dramática e maravilhosa demonstração das ordens de grandeza por intermédio de zooms afastados da Terra até o limite do universo, para, em seguida, mergulhar microscopicamente no núcleo de um átomo de carbono. Outra profissional de destaque desta mesma safra foi Florence Knoll. Na direção da Unidade de Planejamento da Knoll Associates, ela desenvolveu alguns dos projetos de interiores mais inovadores do pós-guerra. O objetivo era fundir o espaço arquitetônico e seu conteúdo não só em uma linguagem visual consistente, mas também permitir que ele pudesse absorver e responder com flexibilidade às mudanças do dia a dia. Florence fazia questão de frisar que não se considerava uma decoradora: “O único lugar que decoro é a minha casa”. Entretanto, a posição dela foi muito significativa para a consolidação da profissão de designer de interiores. A produção de Saarinen e dos colegas pode ser identificada por meio de um pensamento moderno, que não se preocupa em constituir um estilo único, mas, sim, trabalhar cada meio com suas características particulares, de modo a extrair o melhor desempenho possível. Apesar das duras críticas que receberam da pós-modernidade antirracionalista, as obras desses designers continuam sendo uma referência de funcionalidade e beleza até hoje. O aumento do número de exposições e livros sobre o assunto revela que o interesse sobre eles só tende a crescer.


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10 coisas que você precisa saber sobre

Juan Montoya TEXTO joão lourenço

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Juan Montoya é um dos designers de interiores mais aclamados e prolíficos da atualidade. Nascido e criado em uma área rural da Colômbia, ele se interessou, inicialmente, por arquitetura. Na infância, desenhava casas de papelão e vendia para os amigos. “Também fiz cursos de pintura. Aprendi cedo sobre estruturas, cores e sobreposições. Minha família sempre me incentivou a pensar como um artista.” Montoya acabou abandonando a faculdade de arquitetura e se mudou para Nova York.

O começo na Big Apple não foi fácil. “Sempre tive fantasias sobre os Estados Unidos. Vim para cá a fim de fugir do ambiente tradicional da Colômbia.” A ideia era explorar a cidade por seis meses, mas ele já está em NYC há mais de 30 anos. “Cheguei aqui sem falar inglês. Morei com uma tia, no Queens, e aprendi o idioma assistindo ao programa do Johnny Carson. Ele tinha um vocabulário incrível.”

Nos primeiros meses em NYC, ele fez colagens e layouts para campanhas publicitárias. No tempo livre, assistia a cursos gratuitos de história da arte no Metropolitan Museum. Um amigo o convenceu a procurar o curso de design de interiores. “Lembro que, logo no começo do curso, os professores deixaram claro que aquela não era uma profissão com garantia de sucesso e dinheiro.” Após se formar na Parsons School of Design, Montoya partiu para Paris, onde conseguiu o primeiro trabalho como designer de interiores. “Era o

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apartamento de um amigo de uma amiga. Eu não tinha portfólio, experiência, nada para oferecer, mas acabei conseguindo o trabalho.” Em seguida, ele foi para a Itália, onde trabalhou como designer de uma empresa de móveis para casa.

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Após dois anos na Europa, voltou para NYC e começou a trabalhar em uma pequena empresa que projetava escritórios para dentistas. “É o lugar mais improvável para se começar uma carreira de sucesso como designer de interiores. Acabei liderando uma equipe de 15 pessoas.”

Hoje, Montoya comanda o próprio escritório e tem uma equipe de mais de 20 profissionais. Juan Montoya Design é uma empresa especializada em design de interiores residenciais e comerciais. Os projetos dele estão espalhados pelas principais cidades dos Estados Unidos e da Europa.

Ele não faz distinção entre trabalho residencial e comercial. “Meu papel como designer de interiores é criar um ambiente onde você se sinta confortável. O diálogo com meus clientes não tem limites. Gosto de dizer para eles: ‘Dê seus sonhos para mim e eu os transformarei em realidade’.” Além de casas e prédios comerciais, ele assina parcerias com linhas de tapetes e móveis.

Montoya não é reconhecido por um estilo ou período específicos, mas pela diversidade. É possível, porém, traçar elementos que constituem o olhar dele: justaposição de texturas, cores e volumes. “No começo, eu era mais minimalista. Hoje, o que eu faço é uma mistura do meu olhar de arquiteto com o legado das minhas raízes latinas. Gosto de pensar que há um ar internacional nos interiores que planejo.”

Essa perspectiva global vai além do design das casas que desenha. Ele é fluente em sueco, português, espanhol, italiano, francês e inglês.

Montoya acredita que a primeira impressão é importante, que a entrada de uma casa pode dizer muito sobre os moradores. “A experiência de chegar a um lugar pela primeira vez é primordial, por isso a minha atenção é redobrada para os saguões e corredores de entrada. Gosto de planos abertos. A entrada de uma casa precisa ser bem definida.” juanmontoyadesign.com

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Apesar de tudo que Juan Montoya já realizou, ainda há projetos que ele aguarda com expectativa. “Fiz um avião, um barco, mas ainda quero desenhar o interior de um restaurante, de um hospital e, quem sabe, até de uma igreja.”


ygaleria

Aconteceu assim: a cineasta Mary Jordan trabalhava em um documentário na Etiópia. Ao ingerir água contaminada, adoeceu. Foi cuidada pelas mulheres da aldeia onde estava morando e se recuperou. Mary teve sorte. A OMS estima que, no mundo, mais de 2 milhões de pessoas morrem todo ano após ingerir água e comida contaminadas – a maior parte, crianças de até 5 anos. Em agradecimento às mulheres que a ajudaram, Mary passou a militar pela conscientização em relação à crise de abastecimento de água potável que acontece não só na Etiópia, mas em vários outros países.

caixas d’água the water tank project

De volta aos Estados Unidos – onde o consumo per capita de água é de 350 litros por dia, um dos maiores do planeta – a cineasta estava em Nova York e, um dia, olhou para cima e avistou uma caixa d’água no topo de um prédio. Ao pensar no simbolismo dessas estruturas – como “templos que carregam água” – teve uma ideia: usá-las como meio de expressão artística. Foi dessa maneira que nasceu The Water Tank Project.

Para levar a ideia adiante, Mary fundou a ONG Word Above The Street. Sob o lema “Art above NYC. Water above all”, a cineasta pretende cobrir as mais de cem caixas d’água de Nova York com arte política. Nomes consagrados, como Jeff Koons, Maya Lin, Andy Goldsworthy, já se comprometeram em apoiar a iniciativa. Estudantes de escolas públicas também participam do projeto. Mais que mudar a paisagem de Nova York com arte, Mary Jordan quer transformar a cabeça das pessoas, motivando-as a lidar com a água de um modo menos egoísta e mais solidário. thewatertankproject.org




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