E S T R A D A G U I Ã O P O É T I C O
E M A N U E L R . M A R Q U E S P R E F Á C I O D E A N D R É C O N S C I Ê N C I A
Título: Estrada Autor: Emanuel R. Marques Prefácio: André Consciência Capa: André Consciência Paginação: Emanuel R. Marques @ Copyright: Emanuel R. Marques, Junho, 2018 Edição Abismo Humano, 23 Junho 2018
Prefácio
Este título, combinado com a obra em mãos, leva-me a discursar sobre o rumo poético e, logo a seguir, a desembaraçar-me desse conceito. Numa síntese geral e numa abordagem à superfície, a poesia tem-se utilizado ora daqueles conceitos que simbolizam uma apoteose nos contextos históricos e sociais, ou dos gumes vivenciais da singularidade de cada poeta e dos seus percursos de vida. Estes conceitos, quando explorados poeticamente, porque se encontram com determinados limites de coagulação ou dissolução na alma do mundo e do homem, abrem-se sem esforço e com facilidade são transmitidos, ou, por outras palavras, são considerados poéticos à partida, ferindo com crueza e aliviando com graciosidade na sua aproximação ao absoluto e ao individual, isto é, àquilo que é primordial. Mas, abordando o contexto de forma mais universal, percebemos que a poesia é uma lente que é colocada sobre pensar-se a percepção de modo a comunicá-la fielmente. A Grande Obra do poeta é pois encontrar a fórmula que cria esse filtro ou essa ausência de filtros e aplicá-la sobretudo no seu olhar e na transmissão da sua visão. É o seu olhar que deve ser primordial. Assim, não há distinção entre o sagrado e o profano, o divino e o banal, as coisas, quaisquer que sejam, tornam-se simultaneamente mais despidas e mais mistéricas e é nisto que o guião poético de Emanuel R. Marques atinge maior sucesso. Estrada é o percurso de algum de nós, nos seus momentos, e de todos nós, mas a proficiência do autor, que pela primeira vez oferece à editora Abismo Humano poesia, faz com que ainda assim, sem nada que se afaste das coisas que muitos já alguma vez vimos, seja um percurso único, exposto e diferenciado. O rumo poético é pois a poesia na sua incondicionalidade e todo o debate pertence a outro campo. André Consciência
ESTRADA Guião Poético
I Vem o amanhecer vertido pela frescura Nos mornos raios do primeiro Sol, Ornamentos para completar moldura O dia refaz a estrutura. A Lua desliza a recente imagem Atravessa em segundos extenso lugar, Começa no horizonte Sem saber onde parar.
II Estrada deserta Nenhuma estalagem Paleta de poucas cores Cena de poucos actores, Apenas arbustos de fraco evento Dançantes ao frágil vento Debruçados sobre escassos animais. Banal manhã que percorre Afincadamente todas as despedidas, Divagações escondidas Da mística Lua.
III Uma silhueta que caminha Ao longe vem-se aproximando, Alguma civilização vizinha Tal personagem de aspecto brando Estranha forma de consolidar o vazio Como que elogiando o deserto, Como se a chegada estivesse perto.
Divaga solitário omnisciente …
IV Talvez não haja chegada!? Suposta demanda do inexplicável Utópica intenção, terra imaginada Longe da ténue massa palpável. Nascimento, ressurreição Loucura sem compreensão Orientação incerta, desperta, Onde repousa a consciência? Homens de ferro masturbam ciência Encarcerando o infinito sabor Da existência.
V Seu nome é desconhecido Mantido oculto, Veste figura de um culto Longe do ritual fingido. Prosseguimento… Cansaço Paragem à margem da estrada, O tempo é infinito e escasso Se a porta for encontrada.
VI Pernas cedem ao solo Massajando-o de modo amigável, Mãos que propagam grãos de areia Deixando-os voar entre os dedos, Do saco surge a primeira ceia. Amena satisfação Pó em exaltação.
VII Direcção oposta Macabros gemidos soltos Aves de natureza suspeita, Curiosidade para ser satisfeita. Uma carroça e negro cavalo Acarretando o peso de um corpo, Morto.
VIII A conduzir um homem vem Desterrado, inanimado, Nem o choro contém. Viajante permanece sentado Observa mas não é percepcionado, Pobre homem Infortuna cegou-lhe a vida, Desolado.
IX Na carroça padece É o esbelto corpo de sua mulher Arrefecido pela morte recente. Como ele a merece! Assim ele se sente.
Sem conforto possível Vive um estado imprevisível.
X Visões Do rosto feminino sai Analepse contadora de histórias, A ressaca das memórias. Que feliz risonho casal Inundado de conexas ilusões Sonham mundos, princesas e barões. Fundamental Normal Amor
A partilhada juventude Começo que irradia plenitude, Belos satisfatórios sorrisos Capazes de alcançar o infinito.
XI A viragem Destruído jardim de plumagem, As folhas apodrecem. Doença a corromper projectos, Contagem decrescente Cada dia mais doente, Falham os sonhos, vendem-se objectos, Transpira-se medo… Até ao fim Sem nada nem ninguém, Loucura senil que convém.
XII Viajante assim assimilou Triste e compreensivo, Enquanto pensava a carroça passou E então continuou… … Espessas horas escaldantes Calejadas pelo néctar do fogo Que disseca ossos errantes.
XIII Estrada abaixo, asfalto acima Desbravava agilmente o ar, Chegando a povoação desconhecida Vontade de explorar. Pequena vila Crianças semi-nuas a brincar Marcadas pelo sopro da poeira, Mulheres atoladas numa eira, Galinhas sem capoeira.
XIV Rústico aspecto Casas de pedra e madeira Inacabadas, restauradas Cenário incompleto Em feto Apetitoso Propício a breve repouso, Os habitantes parecem simpáticos.
XV Um bar, uma bebida, comer, Os ocupantes são enigmáticos E dissolvem esponjosamente uma jovem Com rudez inaceitável, Imperdoável. Atiçam tudo que podem, Ela aclama virginalmente piedade, O clima aumenta de intensidade. Gestos, perversos, difamação!
XVI Viajante Irrompe da sua posição Difere única palavra sonante -Alto! Má aceitação Início da confusão Jorram hostilidades pelo chão.
XVII Encarnação de Marte Golpes lânguidos e certeiros, Exprimem-se tipos de Arte Os covardes tornam-se cordeiros Após o vermelho sacrifício. Boa acção Fim da exaltação.
XVIII A jovem podia ser Vénus… Seu rosto é mestiço Indígena. Oferendas para a viagem Medalhão de longas gerações Partilhar de sabedoria, tradições. Um bilhete de sentimento Despedida, agradecimento Dá-se a partida.
XIX Objectivo Cidade distante e desconhecida Onde nova sensação é vivida.
XX As pessoas olham-se de relance Desconfiadas de quem se introduz, Louco ambiente de suspense Estranho ao volante conduz. Homem viajante vê Ao colo da mãe um fruto, Tudo então logo prevê Na láctea infantilidade lê.
XXI Petiz transformado adulto Senhor de grande atenção, Atrás segue um vulto, Talvez companheira, procriação. Abastada circulação Dos progenitores não há conhecimento, Apagou-se-lhes a posição Desconhecimento Trilhos do tempo. Novo planeamento.
XXII Relembrou-se assim o futuro distante Na íntima visão do Homem errante. Guardado é o segredo Desce agora do transporte Levando consigo o enredo, Ninguém precisa de saber É cedo.
XXIII Defronte a um parque Quão bela vegetação evidente, Quadro romântico-naturalista Apreciação evidente. Os pombos comem alpista! O domador é vigarista! O presidente é chantagista! O povo é contorcionista! Deus é um artista?
XXIV Proximidade de dois bancos Actua um casal de namorados, Enrolam-se em deslumbrantes cantos Sentem-se cumplicemente apoiados. Olhos dourados Sonetos improvisados Salivar acentuação
XXV Seguidamente Banco seguinte Idoso de trinta anos a contracenar Ainda tão novo… Escavacado pelo rude procedimento Implora vida ao vento. Rotas as peles Gastas as solas Mendiga inalcançáveis esmolas.
XXVI Sua amante está vazia Ele insiste nas últimas gotas.
Oraculiza-se mísero fim Sozinho, triste, Enfim…
XXVII O chão desenha nostalgia Em elaborada alternância de pedras. Um relógio de sol Desfere a mesma profecia. Estátuas dizimadas de merda Ou dejectos de aves Encobrem louvores antigos Cada vez mais esquecidos.
XXVIII Um repórter elabora perguntas Manadas de pessoas juntas, Sente-se o odor do sangue. Deu-se um grave acidente Existe macabro público contente Ou indiferente Perante o penoso espectáculo No qual todos participam Figurantes, actuantes, ignorantes.
XXIX O louco fala sozinho As pessoas são-lhe invisíveis. Com quem falará então? Onde pára a sua certidão De aparecimento?
Caminhante sente-lhe o tormento, Não ter com quem falar Comunicar, voltar.
XXX A noite assemelha-se fria Errante prossegue indignado Abotoando seu longo casaco, Surpreendente é seu fado Tanto caminho e não está fraco.
Esperança? Em quê? Estranho livro que lê: “ Um homem chamado vida”
XXXI No decorrer da rua Reconhece Da Vinci em exposição Estéticas, personalidades Inovação.
Um pardal declama Beethowen Do ramo da árvore Abandonada Sua sonorização é ignorada.
XXXII Divagante fica especado Reconhecendo famosa entoação, O público fica abismado E responde em grande ovação. Simples marionetas Comandadas pela imitação, Suas mentes estão repletas Ócio, ganância, lixo banal.
XXXIII Cada vez mais escuro Vai-se o céu deixando de ver, Salientam-se as palavras num muro: “Viva a revolução” Palavras sem sentido Todos e tudo está corrompido, Não há confiança O poder é uma lança.
Manipulação.
XXXIV Músicos de rua arrumam discretamente Desafinados ofegantes instrumentos, Consolam os sentimentos Com algumas sujas moedas.
Chegou a hora de recolher.
XXXV O medo esconde-se nos vértices mais iluminados, Os postes ligados Os monstros acorrentados. Última página do capítulo Ainda sem ser encontrado O título… Ou passou despercebido.
XXXVI Observa-se no reflexo homem divagante Sente o calor algo distante. A janela de vidro sofre claridade O que indefine sua silhueta, Clássico proveta. Não há livros a ensinar Certezas de embalar, Sábios capazes de contestar Experimentar!
XXXVII Eleva-se então à praia Onde repousam ondas nas rochas, As estrelas são tochas Acabadas de acender. Tudo tão sereno Como se o mundo ficasse pequeno.
XXXVIII Cânticos assaltam labirinto rochoso Timbre meigo e penoso, As encostas da sorte. A fugaz procura O espanto, o encanto. Flamejante gélido arrepio.
XXXIX Longo cabelo carvão Reluzentes olhos esmeralda, Longo vestido escuridão Da mão desliza-lhe uma fralda Para a imensidão do oceano.
Incessantes apelos.
XL É dada a chegada Tão esperada e incerta. Não há pegadas Todas estão apagadas Terminadas
Fim… Ou algo indescritível.
XLI A resposta, a solução Ele vida Ela morte… O livro cai ao chão
Uno!