AMILTON CARLOS CAMARGO
TEMPO DE FALAR E TEMPO DE ESCUTAR: A PRODUÇÃO DE SENTIDO EM UM GRUPO TERAPÊUTICO
UNIVERSIDADE SÃO MARCOS 2005
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AMILTON CARLOS CAMARGO
TEMPO DE FALAR E TEMPO DE ESCUTAR: A PRODUÇÃO DE SENTIDO EM UM GRUPO TERAPÊUTICO
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Psicologia da Universidade São Marcos como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Psicologia. Área de Concentração: Fundamentos Psicossociais do Desenvolvimento Humano. Linha de Pesquisa: Identidade – Formação e Transformação. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Franklin Ferreira.
UNIVERSIDADE SÃO MARCOS 2005
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TEMPO DE FALAR E TEMPO DE ESCUTAR: A PRODUÇÃO DE SENTIDO EM UM GRUPO TERAPÊUTICO AMILTON CARLOS CAMARGO
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________________ PROFª DRª MARILENE APARECIDA GRANDESSO
_________________________________________________________________________ PROF. DR. ANTONIO DA COSTA CIAMPA
__________________________________________________________________ PROF. DR. RICARDO FRANKLIN FERREIRA (Orientador)
Dissertação defendida e aprovada em _______/______/______
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Às mulheres participantes desse trabalho que foram tão generosas e prontamente compartilharam comigo dos seus sentimentos e sentidos gerados em suas experiências cotidianas e de outros tantos produzidos na nossa interação, a partir da qual pude sentir a força e a vontade de ‘dar certo’ que elas carregam em si.
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AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Prof. Dr. Ricardo Franklin Ferreira, pela sábia interlocução e, principalmente, pela paciência, compreensão e incentivo com que soube conduzir esse processo, muitas vezes angustiante, me fazendo prosseguir. À minha mentora e tutora, Prof. Dra. Lígia Caran Costa Corrêa, com a qual dei os primeiros passos no exercício da docência e que se transformou numa grande amiga, mesmo quando estamos fisicamente distantes. À minha mãe, Conceição, ao meu pai, Ailton, e aos meus irmãos, Regina, Rogélia, Ailton, Roberto e Ricardo pelo amor, incentivo e valorização pessoal que sempre recebi. Ao Pepe e, principalmente, ao Pipoca pela companhia fiel que não me deixou só nas madrugadas. Ao Prof. Dr. Pedrinho Guareschi pelas contribuições realizadas na banca de qualificação. À Profa. Dra. Marilene Grandesso que conheço há tão pouco tempo, mas com quem muito já aprendi e tenho a aprender. Ao Prof. Dr. Antônio da Costa Ciampa pelas criativas contribuições ao longo da pesquisa e pela participação na banca examinadora. À Profa. Dra. Marisa Todescan Baptista, Coordenadora do Núcleo de Identidade, pela postura sempre comprometida e dedicada. Ao Prof. Dr. José Roberto Heloani pelas conversas e sugestões inteligentes, aliadas a sua disponibilidade de sempre. A todos os professores do programa de pós-graduação em psicologia da Universidade São Marcos. À Luciane Miranda de Paula, Vice-reitora Acadêmica e de Relações Internacionais na Universidade São Marcos, pelo apoio, incentivo e confiança depositados em mim, sem a qual provavelmente este trabalho não teria sido realizado. Aos colegas do Programa de Pós-graduação em Psicologia pela companhia nessa trajetória, deferência especial à Carmem, à Lucimara e à Thais, companheiras no compartilhar das angústias e na retomada do caminho. À Tati e ao Rodrigo, amigos queridos, pela leitura generosa do trabalho, pelas dicas e pelas interlocuções apaixonadas. Aos amigos Cris e Gildo, Lilian e Fábio pelas idéias compartilhadas e pelos momentos de descontração e ‘recarga de bateria’ em que me receberam no seu ‘Oásis Embu-aba’ apartado da costumeira agitação paulistana. Às amigas Joice, Priscila, Simone e Rita que estão sempre presentes na minha vida e muito me fazem bem. À Ivone, nova parceira intelectual, que esbanja generosidade aos quatro cantos, com quem tanto tenho aprendido em tão pouco tempo. À Miriam Rivalta Barreto pela prontidão e carinho no intercâmbio do conhecimento por ela construído. Aos meus alunos que sempre me despertam para o novo, a partir das mais comuns ou inusitadas ‘provocações’. E finalmente, a todas as pessoas que, direta ou indiretamente, estiveram comigo na construção deste caminho e que não estão aqui nominalmente mencionadas.
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SUMÁRIO RESUMO .......................................................................................................................... ABSTRACT ....................................................................................................................... 1. APRESENTAÇÃO ......................................................................................................... 2. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 2.1. Aproximações com a Realidade Social Brasileira ........................................ 2.2. O Psicólogo Brasileiro e sua Atuação Profissional nas Comunidades ......... 2.3. Terapia Comunitária ...................................................................................... 2.3.1 Objetivos e Procedimentos da Terapia Comunitária ...................... 2.3.1.1.Objetivos da TC .............................................................. 2.3.1.2. Procedimentos da TC ................................................... 1a fase – O Acolhimento ................................................. 2a fase – Escolha do Tema ............................................ 3a fase – Contextualização ............................................ 4a fase – Problematização.............................................. 5a fase – Rituais de Agregação e Conotação Positiva ......................................... 6a fase – Avaliação ........................................................ 2.4. Comunidade .................................................................................................. 2.5. Identidade .................................................................................................. 2.6. O Conceito de Relação ................................................................................. 2.7. Síntese das Discussões Realizadas ............................................................. 3. JUSTIFICATIVA ............................................................................................................ 4. OBJETIVOS DA PESQUISA ........................................................................................ 5. PROBLEMA DA PESQUISA E QUESTÕES NORTEADORAS .................................... 6. MÉTODO ...................................................................................................................... 6.1. Participantes .................................................................................................. 6.2. Instrumentos e Procedimentos ...................................................................... 6.2.1. Entrevistas ..................................................................................... 6.2.2. Transcrição das Entrevistas .......................................................... 6.2.3. Levantamento de Categorias, a partir dos Discursos das Próprias Participantes ......................................... 6.2.4. Articulação das Categorias com as Referências Teóricas Discutidas na Introdução ............................................. 7. PROPOSTA DE ANÁLISE DOS RESULTADOS .......................................................... 8. COMPREENSÕES DOS DISCURSOS ........................................................................ 8.1. Síntese da Compreensão da Fala de Ana .................................................... 8.2. Síntese da Compreensão da Fala de Joana ................................................. 8.3. Síntese da Compreensão da Fala de Ivone .................................................. 8.4. Síntese da Compreensão da Fala de Lídia ................................................... 8.5. Síntese Geral das Falas das Participantes ................................................... 9. RESULTADOS .............................................................................................................. 9.1. Relações ........................................................................................................ 9.2. Autonomia Pessoal e Sentido de Autoria ...................................................... 9.3. Rede Social de Solidariedade ....................................................................... 9.4. A Fala e a Escuta .......................................................................................... 9.5. Considerações sobre a Prática ..................................................................... 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 11. ANEXOS ..................................................................................................................... Anexo 1 - Questionário ......................................................................................... Anexo 2 - Entrevista ............................................................................................. Anexo 3 - Recorte de Procedimento para Análise dos Dados ............................. 12. REFERÊNCIAS ...........................................................................................................
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RESUMO CAMARGO, Amilton Carlos. Tempo de Falar e Tempo de Escutar: a Produção de Sentido em um Grupo Terapêutico. São Paulo, 2005. 159 p. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade São Marcos. O objetivo deste estudo foi compreender a produção de sentido em um grupo terapêutico a partir das experiências de seus participantes. Para tal utilizou-se do depoimento de algumas participantes de uma prática denominada terapia comunitária que se propõe ao atendimento de populações de baixa renda, voltado ao cuidado e à atenção primária à saúde. Participaram do estudo quatro mulheres que cederam uma entrevista em grupo, relatando as suas experiências cotidianas e as formas de enfrentamento das mesmas a partir de seus ingressos nos grupos de terapia. A análise qualitativa dos depoimentos, sob enfoque fenomenológico, seguiu algumas das referências propostas por Mary Jane Spink no seu método de análise da produção de sentido a partir de práticas discursivas. Após a análise dos resultados, verificou-se que o Grupo de Terapia possibilita mudanças significativas para as participantes. A interpretação dos elementos do vivido sugere a ampliação da percepção das participantes. Percebeu-se a manifestação de atitudes que sugerem a aceitação dos próprios sofrimentos por parte das participantes, a partir da possibilidade de comparação dos sofrimentos destas com aqueles narrados no grupo pelas demais participantes. Foi também possível concluir que, através da identificação entre os membros do grupo, as participantes desenvolvem sentimentos de empowerment (‘empoderamento’). Além disso, os resultados sugerem que a passagem pelo grupo promove um redimensionamento nas possibilidades do exercício de fala e de escuta das participantes e apontam para a necessidade de problematização futura com referência a criação de um espaço a partir do qual estas participantes pudessem aprofundar suas narrativas cotidianas. Palavras-chave: Terapia Comunitária, produção de sentido, relações interpessoais, dialogia, identidade
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ABSTRACT
CAMARGO, Amilton Carlos. Time to speak and time to listen: the sense production in a therapeutical group. São Paulo, 2005. 159 p. Master’s Degree Thesis. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade São Marcos.
The objective of this study was to comprehend the sense production in a therapeutical group from the experiences of its participants. For such it was used the deposition of some participants of a practical called communitarian therapy that proposes the attendance of populations of low income, directed to the care and the primary attention to the health. Four women participated in the study who had yielded an interview in group, telling their daily experiences and the forms of confrontation of the same ones from their ingressions in the groups of therapy. The qualitative analysis of the depositions, under phenomenological focus, followed some of the reference proposals by Mary Jane Spink in her analysis method of the sense production from the given discourse practices. After the analysis of the results, it was verified that the Group of Therapy makes possible significant changes to the participants. The interpretation of the lived elements suggests the amplification of the participants´ perception. However, the manifestation of attitudes that suggests the acceptance of their own sufferings was noticed, from the comparisons of their sufferings to the other participants´sufferings. It was also possible to conclude that, through the identification among the members of the group, the participants develop feelings of empowerment ('empoderamento'). Moreover, the results suggest that the passage through the group promotes the remeasurement in the possibilities of the speaking and listening exercises of the participants and they point to the need of future question with reference to the creation of a space from which these participants could deepen their daily narratives. Keywords: Communitarian Therapy, sense production, interpersonal relations, dialogy, identity
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TEMPO DE FALAR E TEMPO DE ESCUTAR: A PRODUÇÃO DE SENTIDO EM UM GRUPO TERAPÊUTICO
A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade, ou a perdem, não podem se aproximar do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto aos outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que em comunhão buscam saber mais. Paulo Freire
1. APRESENTAÇÃO
“Bater as mãos, bater os pés para entrar na casa do Zé. Bater as mãos, bater os pés para entrar na comunidade”. Assim começam muitas vezes as sessões de terapia comunitária através da música e assim eu começo a abordar a temática das atribuições de sentido à terapia
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comunitária por alguns de seus participantes, desenvolvida num contexto de comunidades. Minha experiência e interesse com relação ao trabalho realizado junto às comunidades começaram no penúltimo e último ano do curso de formação em psicologia na Universidade São Marcos, no ano de 2002. Nesse período, fiz uma intervenção com algumas crianças da comunidade São José, através de um estágio realizado na disciplina de Aconselhamento Psicológico junto a uma creche do bairro. Esse trabalho me possibilitou entrar em contato com a realidade social cotidiana das periferias da cidade de São Paulo. Assim, pude perceber as inúmeras carências, bem como os potenciais que constituem o dia-a-dia dos sujeitos que habitam as comunidades periféricas dos grandes centros urbanos. Essa foi uma experiência de enriquecimento pessoal, tanto para mim quanto para os participantes das atividades que propunha. Eram, comumente, dinâmicas e oficinas grupais realizadas junto àquelas crianças, a partir das quais estabelecíamos relações de trocas de saberes. Nesse contexto, emergiam inúmeros conteúdos que se referiam à banalização da violência (agravada em muitas situações pelo uso de drogas ilícitas), da vida e dos direitos humanos, permeados pelo medo, pela dor e pelo sentimento de impotência frente a tal realidade. Assim, fomos nos descobrindo na relação através de desenhos, pinturas, música e diálogo franco. Após seis meses de encontros e trocas de experiências, encerramos nossas atividades com muito desejo de continuidade do trabalho de ambas as partes, o que não foi possível naquele momento.
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Um ano depois, retornei àquela comunidade. Dessa vez, pretendia trabalhar com os pais das crianças para discutir no grupo temas que fossem sugeridos a partir do interesse dos próprios moradores participantes. Utilizamos, então, a montagem de cartazes, desenhos, confecção de textos e debates para realizarmos, juntos, uma reflexão acerca da realidade local, identificando aspectos favoráveis, bem como as possibilidades de enfrentamento das condições que nos pareciam desfavoráveis naquela situação. Novamente, apareceram nos discursos situações de impotência frente à violência que vitimiza essas famílias no dia-a-dia. Aliado a isso restava ainda uma esperança de que um dia as coisas poderiam vir a ser melhores. Nessa experiência, senti-me muitas vezes despreparado e incapaz de organizar o grupo frente a tanta demanda que ali se manifestava. Terminado o trabalho, ao final de seis meses, pude ouvir o relato das mães num encontro final. Entre agradecimentos e palavras de muito carinho, fiquei extremamente incomodado e envergonhado quando uma das mães que estava no grupo relatou que elas já estavam acostumadas àquela situação de desfecho. Argumentou que vez por outra eram assediadas por alunos universitários que estavam em formação (necessitando realizar estágios) e que, depois de formados, já não retornavam mais àquela comunidade, pois já não tinham essa ‘obrigação’. Tive que assentir ao argumento e informá-la de que tentaria conversar com a responsável na universidade pela área de estágio comunitário para que um outro grupo de alunos continuasse o atendimento ali, o que acabou ocorrendo no semestre seguinte.
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Nesse momento, pude perceber que (a despeito do discurso socialmente veiculado pelas classes sociais dominantes acerca das populações desfavorecidas economicamente, que apregoa serem tais populações incapazes de produzirem soluções para suas contradições) tanto as participantes do grupo quanto seus filhos, quando solicitados à reflexão de seu cotidiano, conseguiam identificar suas carências, mas também, e sobretudo, eram capazes de formular alternativas para lidar com a realidade excludente à qual muitas vezes estavam submetidos. A partir dessas experiências, meu interesse por trabalhos realizados com grupos comunitários acentuou-se e, devido a esse fato, tornou-se crescente minha preocupação e busca por instrumentos que facilitassem minha ação nesses contextos. No final desse mesmo ano (2003), entrei em contato com a terapia comunitária através da participação em um workshop realizado num hotel fazenda em Itapecerica da Serra, em São Paulo. Nesse workshop, pude conhecer um pouco da teoria e da prática proposta pela terapia comunitária, assistindo a uma explanação teórica e vivenciando a aplicação prática da terapia comunitária que foi conduzida pelo seu idealizador, Adalberto Barreto. Assim, pude perceber que aquele procedimento técnico poderia ser utilizado como instrumento no trabalho de grupo junto às comunidades, pois a técnica ali demonstrada ajudava a organizar e a conduzir grupos, mesmo com grande número de participantes, como o que ali se apresentava, com cerca de 90 pessoas.
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Após participar de algumas sessões de terapia comunitária, interessei-me pelo tema e comecei a desenvolver minha dissertação de mestrado. Em princípio, comecei a realizar um levantamento a respeito do que é a terapia comunitária, acerca de seus pressupostos, objetivos e alcances, o que se mostrou inviável, dada a precária fundamentação epistemológica e metodológica que, nessa época, ainda sustentava e buscava sistematizar essa prática. Assim, voltei-me para as manifestações do fenômeno empírico vivenciado pelos participantes durante as sessões de terapia comunitária, pondo em segundo plano os pressupostos filosóficos e teóricos que sustentam sua aplicação, sem com isso abrir mão da práxis daí decorrente. No ano de 2004, passei a freqüentar o curso de formação em terapia comunitária promovido pela PUC-SP, bem como participei do II Congresso de Terapia Comunitária, realizado em Brasília / DF. Em função do curso de formação como terapeuta comunitário, passei a realizar, juntamente com o meu orientador da dissertação, sessões de terapia comunitária na Universidade São Marcos, junto à fila de espera da clínica de psicologia. Nas sessões de terapia comunitária que apliquei, pude perceber que, aparentemente, há uma grande mobilização emocional dos participantes, seguida muitas vezes de relatos apaixonados e calorosos com relação às transformações que as pessoas percebem em si mesmas após sua passagem pelo grupo.
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Assim, a partir de tais experiências, nesta pesquisa, pretendi compreender a atribuição de sentido à terapia comunitária por alguns de seus participantes, sem perder de vista que vivemos em um país de acentuada desigualdade social, no qual a atenção à saúde é privilégio de poucos e a ‘psicoterapia’ comumente é ‘produto’ de compra reservado às elites. Para isso, o presente trabalho foi construído em capítulos, cuja seqüência descrevo abaixo. O Capítulo 2, Introdução, subdividido em sete subcapítulos, faz referência a alguns aspectos atuais da realidade brasileira, que demonstra uma absurda concentração de riquezas por parte de uma minoria. São ressaltados problemas referentes ao acesso à moradia, à educação, à saúde, à cultura e aos bens de consumo. Esta parte destaca o contexto social para o qual todo trabalho se volta. É discutida a atuação do psicólogo nessa mesma realidade, evidenciando o quanto a psicologia que se tem praticado ainda é um exercício de pouca representatividade e atuação junto às comunidades de baixa renda. A partir dessas referências é que a Terapia Comunitária (TC) é contextualizada, como um espaço de fala do sofrimento e possibilidade de prevenção dos efeitos das dificuldades cotidianas das pessoas de baixa renda, visando garantir a essas populações o resgate da auto-estima, favorecendo mudanças em suas vidas. Além do histórico da TC, são ressaltados os quatro pilares conceituais sobre os quais o modelo foi
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desenvolvido, seus objetivos, os procedimentos fundamentais de uma sessão de TC, com ênfase no papel do terapeuta comunitário. Na seqüência, são discutidas algumas categorias fundamentais para a compreensão do problema de pesquisa: o conceito de ‘comunidade’, categoria de difícil definição, pois comporta inúmeros significados, que variam de acordo com o contexto no qual o conceito é empregado; a categoria ‘identidade’, construída no contexto do discurso e na relação com o outro (alteridade); o conceito de ‘relação’, aqui visto como uma das categorias centrais da Psicologia Social, e que guarda estreita referência com o conceito de alteridade, implicando numa disposição do sujeito em abrir mão de sua posição para compreender a posição do outro. E concluindo o capítulo, fiz uma síntese dos aspectos ressaltados anteriormente. Além disso, aponto, neste subcapítulo, algumas semelhanças entre o modelo da Terapia Comunitária com as práticas comunitárias realizadas pelo Movimento Eclesial de Base, nas décadas de 60 e 70; com as propostas de ‘ação-reflexão’ sugeridas pelo ilustre pensador Paulo Freire, junto às populações desfavorecidas economicamente; e o ‘modelo colaborativo’ implantado em Curitiba, em 1999, cuja metodologia de trabalho comunitário visa o desenvolvimento de comunidades a partir de experiências e aprendizados compartilhados. No Capítulo 3, Justificativa, aponto a relevância deste estudo, pois aborda aspectos socioeconômicos e culturais referentes a um expressivo contingente populacional, permitindo que as questões relacionadas à exclusão social, a situação de pobreza e risco frente à violência social,
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sejam discutidas, de modo a se buscar novas possibilidades de enfrentamento de tais situações. Os objetivos do trabalho, foram ressaltados no Capítulo 4: o de compreender o papel da Terapia Comunitária na vida de algumas pessoas; conhecer a atribuição de sentido que elas dão à Terapia; identificar as mudanças que a Terapia Comunitária favoreceu em suas vidas, a partir da experiência vivida nas sessões. O Capítulo 5 destaca o problema da pesquisa: identificar e compreender atribuições de sentido à Terapia Comunitária feitas por algumas participantes das sessões, além de algumas questões norteadores para o Método. O Método é descrito no Capítulo 6. São discutidos alguns pressupostos metodológicos e epistemológicos que serviram de terreno para a pesquisa e determinaram as decisões tomadas acerca dos procedimentos assumidos. Na seqüência são apontados alguns dados sobre os participantes da pesquisa, os instrumentos e os procedimentos utilizados. O Capítulo 7, Proposta de Análise de Resultados, nos dá a direção tomada por mim na análise e discussão dos resultados, para facilitar a compreensão do leitor da parte mais árida da pesquisa. No Capítulo 8 dá-se a compreensão dos discursos, através das falas das quatro participantes, incluindo também um tópico que faz uma síntese geral das falas das participantes. O Capítulo 9, Resultados, articula os resultados com os aspectos teóricos abordados na Introdução, organizados em torno de objetivos tidos como principais na terapia comunitária: a valorização das famílias e das
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redes de relações que estas estabelecem com o seu meio; o favorecimento da autonomia pessoal; o fortalecimento de vínculos nas comunidades, através da formação de uma rede social de solidariedade e de participação entre os sujeitos; a legitimação do sujeito enquanto agente ativo de sua história de vida. No Capítulo 10, faço minhas considerações finais acerca do trabalho. O Capítulo 11 aponta: no Anexo 1, o questionário que utilizei como roteiro para a entrevista com as participantes; no Anexo 2, a transcrição da entrevista, na íntegra; e no Anexo 3, um recorte do procedimento que utilizei para a análise dos dados. E, finalmente, as Referências encontram-se no Capítulo 12.
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2. INTRODUÇÃO
2.1. Aproximações com a Realidade Social Brasileira Opulência e miséria, mansões e favelas situadas lado a lado na realidade cotidiana brasileira. O Brasil é um dos países do mundo em que há uma notória e acentuada distribuição desigual de rendas. Ou ainda, sendo menos elegante, país no qual há uma concentração absurda de riquezas nas mãos de uma pequena parcela da população. A esse respeito, o Índice de Desenvolvimento Nacional Brasil (IDNA Brasil), novo índice criado por pesquisadores da Unicamp para avaliar a evolução socioeconômica brasileira, aponta que “no quesito desigualdade de renda, o Brasil hoje só perde para Costa do Marfim e Suazilândia” (O DNA do Brasil, 2004, p. 29)1. O coordenador do Núcleo de Estudos e Políticas Públicas da Universidade Estadual de Campinas (NEPP), Pedro Luiz Barros Silva, prossegue explicando que o IDNA Brasil amplia o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) criado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), incorporando dimensões da vida econômica, cultural e da sociabilidade brasileira. No primeiro exercício de aplicação desse índice, ocorrido na cidade de Campos do Jordão/SP, ao se comparar a projeção futura com as metas fixadas por um conjunto de indicadores, obteve-se um resultado de 46,8%, o
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Revista Pesquisa - Fapesp, Outubro 2004, no. 104
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que significa que o país está 53,2% distante das metas estabelecidas frente o perfil atual da realidade brasileira. Participaram desse trabalho 35 especialistas de diferentes áreas do conhecimento, empresários, religiosos e ativistas de movimentos sociais, como João Pedro Stedile (Líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST), Carlos Vogt (presidente da Fapesp), Mayana Zatz (Geneticista), Horácio Lafer Piva (Empresário), Marina Silva (Ministra do Meio Ambiente), Jório Dauster (Embaixador) e a monja budista Coen Sensei, além de outros. Ao final da aplicação do índice, os participantes compreeendem que: Assim, cotejando realidade e desejo realista, constatou-se, por exemplo, que no próximo quarto de século o Brasil terá que reduzir à metade os níveis de desigualdade entre pobres e ricos, triplicar a renda per capita e ampliar a taxa de escolarização do ensino médio dos atuais 33,3% para 84% para atingir patamares desejáveis de bem-estar econômico e educação propostos pelos participantes do encontro em Campos do Jordão (p. 29). Ainda segundo Barros Silva, Coordenador do Nepp, “É clara a percepção de que é preciso distribuir renda para crescer”. Naturalmente, essas condições estruturais brasileiras geram ganhos ou perdas sócio-econômico-culturais proporcionais ao tamanho da ‘fatia do bolo’ que se dispõe aos sujeitos, desde a sua socialização primária. As possibilidades/impossibilidades de acesso à moradia, à educação, à saúde, à cultura e aos bens de consumo, já estão desde sempre apontadas pelo meio social do qual o sujeito emerge, mesmo a despeito da ideologia democrática disseminada em nossos discursos e práticas sociais
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diárias e, em grande medida, compartilhada por alguns organismos acadêmicos. A esse ponto talvez valha ressaltar a postura epistemológica aqui defendida junto à teoria crítica que se propõe a interpretar a realidade na intenção de transformá-la, mesmo a despeito de quaisquer arroubos adornianos que de si nos pareçam tomar. Freire (1998) afirma que a educação é ideológica, mas dialogante e atentiva, para que se possa estabelecer a autêntica comunicação de aprendizagem entre gente com alma, sentimentos e emoções, desejos e sonhos. Vale também lembrar que a família e a escola, comumente, são agentes sociais muito mais voltados à reprodução da sociedade que se nos apresenta e, portanto, são dotados de pouca função transformadora da realidade social. Assim, estes agentes reproduzem em larga medida discursos e práticas, muitas vezes destituídos de intencionalidade, que tacitamente tendem a garantir que tudo vá continuar no seu devido lugar na estruturação da sociedade, através das relações ideológicas de poder estabelecidas. Na escola, desde a educação fundamental até o ensino superior, o que largamente se apresenta são discursos construídos por uma classe dominante e que, certamente, irão garantir maior privilégio aos indivíduos originados nessa classe social. Na família, através da socialização diária são veiculados valores, crenças e estereótipos que garantem privilégios para o grupo dominante sobre o grupo dominado, sustentados pela ideologia compartilhada
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socialmente de que todos têm os mesmos direitos e possibilidades de acesso social, dependendo unicamente de esforços próprios e pessoais. Desse modo, num processo dialético, os micro-espaços (família e escola) reproduzem o macro-espaço (sociedade) e são, ao mesmo tempo, por estes reproduzidos. Tem-se assim o ‘fermento’ que garante às massas a retroalimentação
de
mecanismos
compartilhados
por
todos
(dominados/dominantes), que justificam prerrogativas em favor de um grupo social (dominante), à custa da inclusão perversa2 do outro grupo (dominado). Naturalmente participam deste contexto social e dos desdobramentos do mesmo os diversos campos do saber, seja interpretando e transformando a realidade apresentada, seja ‘alimentando-a’. Se assim concebermos, cabe interrogar. Qual é o papel desempenhado pelo psicólogo brasileiro junto às comunidades?
2 Ao longo deste trabalho, quando me referir ao processo de exclusão estarei alinhado a argumentação de Sawaia (1999) que afirma sempre haver uma inclusão num processo dialético de inclusão/exclusão, mesmo que haja uma inclusão perversa. Se em alguns momentos mantenho simplesmente a definição de ‘exclusão’ e seus derivados, deve-se apenas ao fato dessa estar ampla e socialmente difundida
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2.2. O Psicólogo Brasileiro e sua Atuação Profissional nas Comunidades
À primeira vista, nos parece que a participação política da psicologia, através de seu representante, o psicólogo, é bastante ‘tímida’ e ‘acanhada’. A psicologia que se tem praticado nacionalmente ainda é um exercício de pouca representação e atuação junto às comunidades de baixa renda, pois, dentre outras argumentações possíveis, o pagamento dos honorários deste profissional é uma impossibilidade aos orçamentos financeiros das populações de baixa renda. Um dos órgãos que regulam o exercício da categoria, conselho regional de psicologia, propõe aos profissionais que cobrem suas consultas utilizando-se dos valores mínimo de R$ 56,24 e máximo R$ 96,42, como referência3 nacional de honorários dos psicólogos. Naturalmente que em se tratando de uma cidade como São Paulo, por exemplo, estes valores não refletem a realidade praticada na cobrança dos honorários psicológicos, seja como valor mínimo ou máximo. Assim, o que se percebe normalmente é uma prática psicológica elitizada, voltada às populações que tem um maior poder de aquisição de bens de consumo e de serviços. Se considerarmos que uma dimensão, dentre tantas dimensões da atuação profissional do psicólogo, é a de cientista político social, poderemos colocar em questão sua atual participação junto aos trabalhos desenvolvidos nas comunidades.
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Atualizados pelo INPC (1,1026) de Novembro / 01 a Outubro / 02. Para acesso a tabela completa de honorários o endereço eletrônico do conselho regional de psicologia de São Paulo: http://www.pol.org.br/servicos/serv_honorarios.cfm
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A esse respeito, Spink (2003) relata que os estudos de estruturação do campo da psicologia como profissão, em âmbito regional e nacional, revelam a predominância da clínica como área de atuação e o consultório como local privilegiado para o exercício deste profissional. A autora aponta que o ‘binômio clínica/consultório’ enquanto modelo hegemônico de atuação do psicólogo tem sido objeto de crítica e reflexão do profissional. Por um lado, essa reflexão volta-se para a psicologia enquanto campo do saber, que tem no homem seu objeto de estudo, tangenciando com outros campos de saberes a partir da transdisciplinaridade e, na contraposição, enquanto reserva do mercado de trabalho de uma categoria através do corporativismo. Por outro lado, a reflexão crítica da psicologia enquanto prática abre discussão para essa posição assumida frente à realidade brasileira. E assim a crítica se dá em relação à “falta de comprometimento” da psicologia com a problemática da classe trabalhadora e a sua tendência elitista (p. 122). Ainda segundo Spink (2003), os dados disponíveis pelo Conselho Federal de Psicologia indicam que apenas 26% dos psicólogos empregados trabalham em instituições públicas, e somente 10% destes trabalham em postos de saúde e ambulatórios. Apenas 5% destes profissionais têm como objeto específico de sua prática profissional a comunidade. Considerando esse número enquanto emprego principal, ele decresce para 3%. Dentre esses profissionais que iniciam seu trabalho nas comunidades, 53% abandonam essa atividade em função da busca de emprego com melhor remuneração ou devido às condições precárias de trabalho. Os profissionais que permanecem
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realizando o trabalho comunitário, 38%, acabam se associando a outras atividades, principalmente a clínica, conferindo um caráter de atividade complementar a esse segmento. A autora discute, ainda, a formação acadêmica do psicólogo que está mais voltada para o modelo clínico, enquanto hegemônico, resultando em dificuldades na atuação do profissional junto às instituições públicas ou comunidades. Aponta que, além das dificuldades externas relativas a falta de recursos, há também ausência de modelos de atuação profissional, seja nas instituições ou nas comunidades, resquícios da formação acadêmica. Spink (2003), cita uma pesquisa em representação social, realizada na Itália, a respeito da estruturação do campo profissional da psicologia (PALMONARI & ZANI, 1989). Este trabalho descreve quatro grupos distintos de psicólogos quanto às suas identidades socioprofissionais auto-atribuídas na Itália. Num dos grupos, o psicólogo define-se fundamentalmente como ativista político a serviço da população. Noutro grupo, a psicologia é tida como uma ciência social, numa perspectiva interdisciplinar, cujo propósito é intervir na realidade social a partir do referencial teórico da ciência. No terceiro grupo, o psicólogo identifica-se como profissional clínico que tem suas atividades e competências técnicas voltadas aos processos intraindividuais. No quarto grupo, o psicólogo percebe-se como profissional liberal que vê a sua ciência voltada para o caso individual e adota a psicanálise como única perspectiva teórica. Comparando a pesquisa citada com uma pesquisa feita em São Paulo por Freitas (1986), somente com psicólogos que trabalhavam na comunidade, Spink (2003) relata as semelhanças encontradas apontando
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para um grupo de orientação social, como o ativista político de Palmonari, que se propõe a organização, mobilização e apoio das reivindicações das populações através da atuação direta. Há um outro grupo de orientação psicossocial, que mesmo atuando no nível intra-individual, contempla a problemática socioeconômica da população e se aproxima do segundo grupo de Palmonari. O outro grupo é de orientação psicológica, centra-se no atendimento individual e, portanto, se utiliza do modelo clínico no atendimento às populações de baixa renda. Esse grupo compreende assim os outros dois grupos levantados por Palmonari, ou seja: o clínico e o clínico de orientação exclusivamente psicanalítica. Ao descrever o processo de ancoragem destas representações sociais da atuação profissional psicológica, Spink (2003), citando Palmonari e Zani (1989), relata que o primeiro grupo ativista político está ancorado num protótipo a partir do qual a ciência é vista como ideologia e assim a ‘psicologia-ciência’ tem sempre um significado político. Assim, visando à mudança social o profissional deve ter como atividade prioritária o engajamento na luta social. No segundo grupo de Palmonari e Zani, o protótipo é do ‘expert interdisciplinar’ e a psicologia é vista enquanto uma ciência social interdisciplinar. O conhecimento técnico é que permite a análise e intervenção da realidade dada. Busca-se a compreensão e a definição de soluções, técnicas/políticas, para as problemáticas sociais. No terceiro grupo o psicólogo clínico ou psicoterapeuta é visto enquanto sendo o protótipo de representação e a psicologia é por essência
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clínica e individual. Utiliza-se de técnicas psicológicas específicas, psicodiagnóstico e psicoterapia, ocupando-se de questões individuais. No quarto grupo, o psicanalista é a representação prototípica. Este grupo reconhece-se que somente a psicanálise tem uma técnica terapêutica eficaz para conhecer e intervir no sofrimento do paciente. Por fim, Spink relaciona cada grupo a um eventual local apropriado para o desenvolvimento de suas atividades, não houvessem restrições práticas no que tange ao mercado de trabalho. O ativista político estaria na comunidade; o psicossocial, expert interdisciplinar, estaria desenvolvendo pesquisas sociais e, portanto, estaria nas instituições de pesquisa e universidades; o clínico estaria em consultórios e instituições de saúde mental; enquanto que o grupo psicanalista estaria em consultórios particulares. A autora alerta para o fato de que os quatro modelos de profissionais podem atuar inseridos na comunidade ou em instituições públicas e a predisposição para buscar novas formas de atuação, quando necessário, é que definirá as conseqüências na identidade profissional destes psicólogos. Assim, percebe-se que este é um território que inclui diversas e complexas variáveis, passando inclusive pela trajetória acadêmica do profissional em formação que demanda modelos de atuação nas instituições e comunidades. Além disso, há de se considerar as implicações externas e a escassez de recursos no trabalho junto às comunidades, bem como a sujeição do profissional a situações de risco, muitas vezes. É nessa realidade que surgem algumas práticas voltadas para a reflexão e transformação da realidade social, práticas estas criadas e
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mantidas,
muitas
vezes,
por
movimentos
sociais,
como
ONG´s
(Organizações não governamentais) e grupos sociais organizados. Dentre estas práticas, está a terapia comunitária.
2.3. Terapia Comunitária
A Terapia Comunitária (TC) surgiu como espaço de fala do sofrimento e possibilidade de prevenção dos efeitos do estresse cotidiano das pessoas de baixa renda, visando garantir a essas populações o resgate da auto-estima necessária para implementação de mudanças em suas vidas (CAMAROTTI et al, 2003, p.56). Esse modelo de terapia foi desenvolvido a partir de 1987 pelo Prof. Dr. Adalberto Barreto, docente de Medicina Social da Universidade Federal do Ceará, psiquiatra, teólogo e antropólogo (CAMAROTTI et al, 2003, p.5556). É um procedimento técnico para o trabalho terapêutico em grupo que visa a promoção da saúde e atenção primária em saúde mental, “funciona como fomentadora de cidadania, de redes sociais solidárias e da identidade cultural das comunidades carentes, através de equipes institucionais públicas, privadas ou voluntárias” (CAMAROTTI et al, 2003, p. 54). Surgiu a partir da necessidade de indivíduos com sofrimento psíquico que buscavam amparo jurídico junto ao Projeto de Apoio aos Direitos Humanos da favela de Pirambu, uma das maiores favelas de Fortaleza/CE com 280.000 habitantes. O advogado coordenador desse projeto, Aírton Barreto (irmão de Adalberto
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Barreto), percebeu que a maior parte das queixas da população residia nas questões sociais, nos problemas psicológicos e relacionamentos familiares que traziam sofrimentos psíquicos. Assim, Aírton convidou Adalberto Barreto para prestar atendimento a essa população. Inicialmente os atendimentos eram individuais e realizados no Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Com o passar do tempo e conseqüente aumento na demanda dos atendimentos, o psiquiatra e seus alunos na disciplina de Medicina Social começaram a atender essa população no próprio local onde residiam, na favela de Pirambu. Barreto percebeu, então, que não poderia oferecer o mesmo tipo de atendimento àquela população que aquele prestado no hospital e consultório. Partindo dessa realidade, ocorreu-lhe então a necessidade de fortalecer a rede social naquele grupo, composto, em sua maioria, por migrantes do interior do país que ali estavam desordenadamente agregados na periferia de uma grande cidade, desassistidos pelo Estado e em condições de miséria. Assim, Barreto começou a esboçar um método próprio para seus atendimentos junto a essa população. Esse trabalho buscava a participação e contribuição de todos os atores sociais (moradores da comunidade, estudantes e profissionais) envolvidos no grupo e suas sugestões emergiram. Para tal, criou-se o Projeto 4 Varas com sede na favela de Pirambu (Fortaleza/CE). Esse espaço físico conta com várias edificações, nas quais são realizados encontros semanais de Terapia Comunitária e oficinas
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especializadas nos “problemas do corpo e da alma”, como denomina o idealizador da Terapia Comunitária. Estas atividades são abertas à participação da população local e a demais interessados, não sendo incomum a participação de pessoas de outros estados e, inclusive, de outros países. Tais ações em Pirambu reuniram as lideranças comunitárias e pessoas interessadas em serem multiplicadoras, tornando-se um modelo de atenção primária em saúde mental naquela cidade. A Terapia Comunitária, na visão de Adalberto Barreto, está ancorada teoricamente em quatro pilares conceituais: a teoria sistêmica, a teoria da comunicação, a antropologia cultural e a noção de resiliência. O biólogo Ludwing Von Bertalanfy, na década de 20 do século passado,
propôs-se
a
entender
como
as
partes
e
o
todo
se
interrelacionavam, independente das disciplinas nas quais eram observados, criando a Teoria Geral dos Sistemas. Abordar, ver, situar e pensar um problema em relação ao seu contexto é uma premissa da abordagem sistêmica. Nessa abordagem, o sujeito é percebido em relação às suas interações familiais, sociais, e também em relação aos seus valores e crenças, possibilitando uma compreensão maior acerca do mesmo, visando sua transformação (CAMAROTTI et al, 2003). Assim, essa compreensão do ‘todo comunitário’ não se reduz à mera soma das partes e propõe que o sujeito seja percebido a partir de seu contexto, sem ‘descolá-lo’ do mesmo, como parte indissociável de uma rede de relações.
30
A partir desse pressuposto, o que se busca atingir na terapia comunitária é a noção de que “a consciência da globalidade, sem perder de vista as várias partes do conjunto a qual pertence, permite compreender os mecanismos de auto-regulação, proteção e crescimento dos sistemas sociais e vivenciar a noção de co-responsabilidade” (CAMAROTTI et al, 2003, p. 57). De acordo com a fala de Marilene Grandesso, Terapeuta Familiar e de Casal, durante o II Congresso Brasileiro de Terapia Comunitária em Brasília/DF (2004), a Terapia Comunitária favorece uma organização sistêmica em redes solidárias, a partir de um sistema complexo e autopoiético. Segundo Maturana & Varela (1995), nos sistemas autopoiéticos as relações produzidas pelos seus componentes, através de interações, garantem seu equilíbrio sem desintegrar-se. Assim, compreender as sessões de terapia comunitária como sistemas vivos autopoiéticos significa vê-las e percebê-las como unidades autônomas, com caráter unitário e mantendo-se em contínua dinâmica de trocas. Quanto à Teoria da Comunicação, Gregory Bateson, antropólogo, foi quem fundamentou o conceito de informação para as práticas relacionais e circulares e a teoria da comunicação humana de Watzlawick et al (1967), autor da proposta dos axiomas da comunicação: “todo comportamento é comunicação, toda comunicação tem dois lados: o conteúdo e a relação, toda comunicação depende da pontuação, toda comunicação tem dois aspectos: a comunicação verbal e a não verbal, toda comunicação entre
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pessoas é feita de forma simétrica ou complementar” (CAMAROTTI et al, 2003, p. 58). Grandesso (2000) discute o mundo da experiência enquanto um mundo significativo, a partir do qual o ser humano está imerso numa teia de significados construídos por si próprio no intercâmbio com o social. Durante o II Congresso de Terapia Comunitária, realizado em Brasília em 2004, Grandesso lembrou que os sistemas amplos, a partir dos quais a Terapia Comunitária é realizada, podem ser compreendidos como organizações complexas que geram linguagem e significados, a partir de múltiplas redes. Enfatizou, ainda, que os fundamentos e práticas derivadas do enfoque narrativo podem beneficiar a Terapia Comunitária. A autora lembrou que os sistemas humanos, enquanto sistemas de linguagem, estruturam formas de pensar e agir, organizando vínculos e práticas, através de trocas intersubjetivas, mediadas pela linguagem. Ela enfatizou a importância na escuta das palavras e dos significados, como favorecedora do interjogo entre os significados. Afirmou que a direção a ser seguida deve privilegiar a substituição do círculo vicioso da exclusão pelo círculo virtuoso da inclusão. Nas sessões de TC, costuma-se dizer para as pessoas presentes, no início, que: “Quando a boca cala, os órgãos falam. E quando a boca fala, os órgãos saram”. Essa é uma forma de valorização da comunicação no grupo associada à cura, com o propósito de estimular as pessoas participantes a falarem de seus problemas, conflitos, sofrimentos psíquicos, angústias, medos e temores.
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Outros referenciais importantes para a Terapia Comunitária são os valores culturais e as crenças, reconhecidos pela antropologia cultural como fatores importantes na formação da identidade do indivíduo e do grupo. A TC reconhece e valoriza os conhecimentos, as crenças e as manifestações populares como genuínos e imprescindíveis para a transformação do indivíduo em sujeito agente de sua própria história, enquanto co-responsável ativo. Desse modo, enfatiza que o sujeito tem o problema, mas que também tem a solução para o problema. A partir desse princípio, a Terapia Comunitária é um procedimento que se propõe a operar através de relações sistêmicas horizontais, eliminando a figura do especialista em sua aplicação prática, como ocorre nas psicoterapias. Na prática, o que se percebe é que a Terapia Comunitária também tem seus pressupostos e regras que organizam o trabalho no grupo. Durante as sessões, há as figuras do terapeuta comunitário e do co-terapeuta comunitário que, apesar da busca insistente de relações horizontais, não deixam de ser ‘especialistas’ na condução do grupo e até mesmo na condição de sujeitos que ocupam no grupo a posição simbólica de quem têm um saber específico, um saber que o restante do grupo não possui. Um outro conceito que fundamenta a Terapia Comunitária é a noção de resiliência. É um conceito pouco discutido e aprofundado, mas constantemente utilizado em diversos contextos discursivos, nem sempre com a mesma conotação. Conforme o prefácio do seu livro terapia comunitária passo a passo, Adalberto Barreto tem utilizado o termo resiliência como sendo a capacidade
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dos indivíduos, famílias e comunidades em superar as dificuldades contextuais sociais. Particularmente,
temo
que
esta
referência
possa
estar
esquematicamente recortada em relação a um único contexto estratificado socialmente, implicando, por vezes, num gesto de reducionismo conceitual e, por outras vezes (num outro extremo), numa ampliação desmedida com relação às atribuições que tal conceito comportaria. Conforme Yunes e Szymanski (2001), a noção de resiliência de um material tem sido utilizada há tempos pela Física e Engenharia, e refere-se à capacidade de um material absorver energia sem sofrer deformação plástica permanente. Segundo Souza (2002, p. 5), o termo resiliência, trazido para o campo das ciências da saúde foi inicialmente utilizado para significar capacidade de regeneração, adaptação e flexibilidade atribuídos às pessoas que conseguiam recuperar-se de doenças, catástrofes, guerras, e outras situações traumáticas abruptas ou duradouras. A partir das observações de exceções à regra, em relação às adversidades sofridas por pessoas que passaram por traumas na infância ou na vida adulta e que conseguiram “uma adaptação satisfatória na vida afetiva, social e no trabalho (p. 5)”, iniciaram-se as pesquisas sobre resiliência nos últimos 30 anos, enfocando a resiliência na criança, no adolescente e no adulto em diversas situações (SOUZA, 2002). Resiliência tem sido conceituada como manifestação de competência frente a um “contexto de desafios significantes para a adaptação ou desenvolvimento” (MASTEN e COATSWORTH, 1998 apud SOUSA, 2002, p. 10). Ainda segundo Souza (2002), resiliência
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é identificada no indivíduo que tenha vivido num contexto de alto risco ou tenha sido exposto a traumas severos, e, apesar disto sua adaptação atual seja considerada boa. O contexto de alto risco é entendido como a existência de eventos mais duradouros tais como a separação de pais, pobreza ou falta de instrução, enquanto que os traumas severos referem-se às situações abruptas de violência, guerra ou perda de parentes (p. 10-11). O uso do conceito de resiliência, segundo esse pensamento, na TC pode se dar tanto em relação à vivência num contexto de alto risco, quanto em relação à exposição a traumas severos, pois o ambiente em que comumente se desenvolve a sessão de TC é aquele constituído por pessoas de baixa renda. Além disso, é um ambiente que reflete as situações de exclusão decorrentes da reprodução social, enquanto mecanismo, em função da pobreza e falta de instrução, como já foi discutido no início desse texto. Cabe agora discutir algumas questões referentes ao levantamento bibliográfico realizado. A partir da pesquisa feita percebe-se que há pouca literatura publicada acerca da terapia comunitária. Dentre esta, destacam-se os Anais do I Congresso Brasileiro de Terapia Comunitária (2003) realizado em Morro Branco/CE que conta com 23 trabalhos apresentados, o Manual do Terapeuta Comunitário e o livro Terapia Comunitária passo a passo (2005), a partir dos quais se desenvolveu este capítulo. Além destes há uma dissertação de mestrado, Barreto (2001), na qual a autora tem por objetivo conhecer a trajetória vocacional do terapeuta comunitário. Para tal, ela entrevistou 4 terapeutas comunitários, sendo 2 do sexo feminino e 2 do sexo masculino. Considerou como critério que todos possuíssem o certificado de
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Formação em Terapia Comunitária, concedido pela Universidade Federal do Ceará (UFC), além do fato de atuarem em diferentes comunidades da grande Fortaleza. A análise realizada na pesquisa apontou para fatores importantes da trajetória vocacional dos terapeutas, como a identificação do ‘fazer’ com ‘o ser’ do terapeuta; O autoconhecimento a partir do ‘quem sou eu’, interpretado como ‘do que sou capaz’. A pesquisa também revelou a importância do saber acadêmico aliado ao saber popular na trajetória vocacional dos terapeutas, ressaltando a co-responsabilidade como fator de importância na prática destes profissionais. Para
colaborar
com
uma
melhor
compreensão
da
Terapia
Comunitária enquanto teoria e prática, passo a descrever os objetivos almejados e procedimentos realizados durante uma sessão, segundo o manual do terapeuta comunitário, produzido por Adalberto Barreto (2004).
2.3.1 Objetivos e Procedimentos da Terapia Comunitária
2.3.1.1.Objetivos da TC De acordo com Barreto (2005), a Terapia Comunitária tem como objetivos principais: 1- Reforçar a dinâmica interna de cada indivíduo, para que este possa descobrir seus valores, suas potencialidades e tornar-se mais autônomo e menos dependente; 2- Reforçar a auto-estima individual e coletiva;
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3- Redescobrir e reforçar a confiança em cada indivíduo, diante de sua capacidade de evoluir e de se desenvolver como pessoa; 4- Valorizar o papel da família e da rede de relações que ela estabelece com o seu meio; 5- Suscitar, em cada pessoa, família e grupo social, seu sentimento de união e identificação com seus valores culturais; 6-
Favorecer
o
desenvolvimento
comunitário,
prevenindo
e
combatendo as situações de desintegração dos indivíduos e das famílias, através da restauração e fortalecimento de laços sociais; 7- Promover e valorizar as instituições e práticas culturais tradicionais que são detentoras do “saber fazer” e guardiãs da identidade cultural; 8- Tornar possível a comunicação entre as diferentes formas do “saber popular” e “saber científico”; 9- Estimular a participação como requisito fundamental para dinamizar as relações sociais, promovendo a conscientização e estimulando o grupo, através do diálogo e da reflexão, a tomar iniciativas e ser agente de sua própria transformação (p. 37). Assim, através do compartilhar de experiências comuns entre os sujeitos (durante as sessões de TC e após as mesmas) visa à legitimação do sujeito enquanto agente ativo de sua história de vida a partir de sua narrativa pessoal.
2.3.1.2. Procedimentos da TC A terapia comunitária desenvolve-se em 6 etapas: 1a. – Acolhimento;
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2a. – Escolha do tema; 3a. – Contextualização; 4a. – Problematização; 5a. – Rituais de agregação e conotação positiva; 6a. – Avaliação.
1a fase – O Acolhimento No primeiro momento deve-se ambientar o grupo, deixando os participantes à vontade e contribuindo para que os mesmos sintam-se acomodados de maneira confortável. Preferencialmente todos devem estar em um grande círculo para que possam olhar para a pessoa que está falando. É aconselhável que a sessão seja conduzida por um terapeuta e um co-terapeuta. Aquele que fizer o acolhimento inicial (co-terapeuta) deve passar a palavra ao terapeuta que irá dirigir o grupo, sendo que o coterapeuta irá auxiliar o terapeuta ao longo da sessão. As pessoas podem participar a qualquer momento em que uma sessão estiver sendo realizada, não é necessário lista de freqüência e nem exigência de assiduidade. Entende-se ser este um espaço fundamentalmente democrático e aberto. O terapeuta deve iniciar a sessão dando as boas-vindas ao grupo e celebrando os aniversariantes daquele mês. Com isso, valorizam-se as pessoas e suas histórias de vida, no rito, através da celebração de seu nascimento. É comum nas comunidades encontrarmos pessoas que nunca
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tiveram uma comemoração de aniversário. Esta é uma etapa importante, pois favorece o aquecimento do grupo, predispondo-o à participação. Em seguida, o co-terapeuta comunitário apresenta uma síntese do que é a Terapia Comunitária e discorre sobre as regras ou condições para o funcionamento do grupo: 1 – A regra principal é o silêncio enquanto alguém estiver falando, evitando assim intimidar o sujeito que está se expondo; 2 – Deve falar sempre da própria experiência, usando sempre a 1a. pessoa do singular no momento em que se fala; 3 – Não se pode dar conselhos, fazer discursos ou sermões e, tampouco, julgar; 4 – Entre uma fala e outra, qualquer participante do grupo pode interromper a reunião para sugerir uma música, um provérbio, um poema ou uma frase que ilustre a situação que está sendo narrada; 5 – Deve-se respeitar a história de cada pessoa Os grupos são semanais ou de acordo com uma periodicidade préestabelecida, com duração da sessão em torno de duas horas.
2a fase - Escolha do Tema
Em seguida, o terapeuta pergunta ao grupo se alguém gostaria de começar a falar daquilo que o está fazendo sofrer. O terapeuta pode utilizarse de um ditado para estimular a fala no grupo, como: “Quando a boca cala, os órgãos falam. Quando a boca fala, os órgãos saram”. Ou ainda de uma
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fala de acolhimento que explicite para as pessoas a importância do compartilhar de suas experiências no grupo, algo como: “Muitas vezes, precisamos desabafar, dividir uma preocupação e terminamos por escolher a pessoa errada, na hora errada, e aquele desabafo vira fofoca, e ficamos ainda mais sofridos e bloqueados. Portanto, se alguém quiser falar de algo que o atormenta, que tira seu sono. Você pode confiar nesta comunidade que, aqui, você não será julgado, e tenha certeza que irá receber ajuda e apoio de todos”. Quando as pessoas começam a falar de seus problemas, o terapeuta deve anotar o nome das mesmas e fazer uma síntese do que foi dito, sugerindo que sejam breves nesse primeiro momento. Ao final destas falas, o terapeuta deve relembrar o grupo dos problemas apresentados e pedir para que o grupo escolha um daqueles, justificando sua escolha, para ser aprofundado. Feita a escolha do único tema que será abordado naquela sessão, o terapeuta pergunta para as demais pessoas que expuseram suas questões, se está tudo bem para as mesmas não terem sido escolhidas. Caso alguém demonstre insatisfação, o terapeuta propõe-se a falar com a pessoa ao final da sessão. Parte-se então para a fase de contextualização.
3a fase – Contextualização
Durante a contextualização, pede-se a pessoa escolhida pelo grupo que explique um pouco melhor o seu problema (algo em torno de 15 minutos). A partir daí, o grupo só poderá fazer perguntas para a pessoa
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escolhida, norteado sempre pela idéia de que o objetivo não é investigar o problema alheio e sim compreendê-lo melhor. Não se pode julgar, fazer perguntas indutivas e nem dar conselhos. O objetivo dessa fase é conduzir a pessoa escolhida ao desencadeamento da reflexão sobre sua própria vida, enquanto a mesma tenta responder as questões levantadas pelo grupo, valorizando o potencial que a mesma tem para resolver suas questões. A próxima etapa é de problematização.
4a fase - Problematização
Nesta etapa, a pessoa que expôs o seu problema fica em silêncio. O terapeuta deixa de lado a sua história, não faz perguntas à mesma e apresenta, então, um mote que vai permitir a reflexão do grupo. O mote é uma pergunta-chave, durante a terapia. O terapeuta comunitário, ao identificar e definir a situação-problema, cria um ou mais motes para promover a reflexão coletiva sobre o tema apresentado. O mote pode ser do tipo coringa ou simbólico. O mote coringa consiste em lançar um questionamento que possibilite a identificação dos participantes com o problema apresentado, como: “Quem já viveu uma situação parecida e o que fez para superá-la?”. Quanto ao mote simbólico, ele pode ser definido através de uma metáfora, de um sentimento ou de palavras-chave que tenham surgido durante a contextualização. Nesse momento há um compartilhar de
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experiências dolorosas vividas e formas que as pessoas utilizaram-se para superar tais dificuldades. Nesta etapa, os participantes passam a falar de si mesmos e de suas experiências relacionadas ao mote, como uma retribuição da experiência ouvida por eles.
5a fase – Rituais de Agregação e Conotação Positiva
O término da sessão caracteriza-se pela conotação positiva que o terapeuta comunitário deve dar ao fato que foi trabalhado naquele dia. Tratase de valorizar, agradecer o esforço, a coragem, a determinação e a sensibilidade de cada um que, em muitas outras circunstâncias, tenta ofuscar a dor e o sofrimento. Não se trata de valorizar o sofrimento em si, e, sim, de reconhecer o esforço e a vontade de superar as dificuldades. Nesta fase, o terapeuta sugere que o grupo forme dois círculos concêntricos, sendo que as pessoas que expuseram-se ficam no círculo nuclear. Então, enquanto o grupo abraçado realiza movimentos pendulares com o corpo, o terapeuta pergunta: “O que aprendi hoje nesta terapia? O que estou levando de aprendizagem?” Assim, mobiliza o grupo a falar da experiência, retribuindo e valorizando as vivências apresentadas. O encerramento é sempre um momento muito especial, um momento de celebração em que as pessoas se irmanam. Elas sugerem músicas, recitam poesias, falam do que aprenderam. É, comumente, um momento de muita emoção, quando as pessoas referem-se aos seus valores, às suas
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crenças, às suas vivências no grupo. É um momento de reflexão acerca do vivido.
6a fase – Avaliação
Esta etapa é reservada à equipe que conduziu a terapia e ocorre a partir de momentos avaliativos: 1 – Preenchimento da ficha de controle: nesta ficha registram-se os nomes do terapeuta e co-terapeuta, a data e lugar de ocorrência da sessão, o número de pessoas presentes na sessão, os temas levantados e o escolhido, o mote construído e a realização da sessão como um todo. 2 – Avaliação do impacto da Terapia Comunitária: o terapeuta pode igualmente fazer uma avaliação criteriosa sobre o impacto da Terapia Comunitária nas pessoas. Nesse caso sugere-se a aplicação de um questionário específico. Ao término da sessão, o terapeuta faz uma entrevista, seguindo o questionário daquela pessoa cujo tema foi escolhido. Passados trinta dias, o terapeuta aplica o mesmo questionário com as pessoas que apresentaram problemas, e verifica se elas apresentaram uma melhora. O questionário avalia três indicadores de saúde mental comunitária: a) O número de vínculos que as pessoas tinham no dia da crise e os que têm depois de passados os trinta dias; b) O nível da auto-estima;
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c) A referência (para saber se a pessoa que foi encaminhada para algum serviço foi, de fato, atendida). 3 – Avaliação da condução da Terapia: é o momento em que se procura avaliar a condução da terapia e o impacto da sessão sobre cada um dos terapeutas, a fim de se verificar o processo de formação do terapeuta e o reconhecimento do grupo como fonte de conhecimentos. Para tal, há supervisores habilitados que conduzem esse processo. Pode ser conduzido através de perguntas, tais como: a) Como foi conduzida a Terapia? b) Quais as dificuldades que cada um sentiu? c) O mote escolhido foi bom ou haveria outros melhores? d) Como foram recebidas as músicas?
Aproveito para fazer menção a um outro conceito muito comentado e pouco sistematizado pela ciência: comunidade. Considerando que essa pesquisa está sendo realizada nesse referido contexto, discutirei aqui algumas noções de comunidade, enfatizando não haver consenso quanto à sua definição.
2.4. Comunidade
Comunidade! Essa é uma daquelas palavras que assumem diversos significados e sentidos nos mais diversos contextos. Há usos, desusos e até
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maus usos quando se trata de empregar a palavra comunidade. Na atualidade, esta tem sido uma das palavras prediletas a freqüentar o discurso social. Muitas vezes, a presença assegurada dessa palavra na prática discursiva é de qualidade retórica e serve apenas para sugerir, ao imaginário coletivo, algo que se presta a trazer benefícios a um grupo de pessoas, seja qual for este grupo. Porém, o emprego dessa palavra, muitas vezes, pode estar carregado de intenções demagógicas. No
dicionário
Aurélio
a
palavra
‘comunidade’
apresenta
12
significados diferentes, entre os quais: “1. Qualidade ou estado do que é comum;
comunhão:
Há
entre
eles
comunidade
de
interesses.
2.
Concordância, conformidade, identidade: comunidade de sentimentos. 3. Posse, obrigação ou direito em comum” (p. 444). É uma palavra de origem latina, comunitate. Torna-se relevante ressaltar que o conceito de comunidade desdobrase em múltiplos sentidos, atravessando diferentes áreas do conhecimento, com relevância notória junto à sociologia. Naturalmente, diante de tal contexto, existem diversas críticas quanto ao uso do conceito de comunidade em pesquisas. Por tratar-se de ampla e complexa discussão, o tema aqui situado será tratado a partir de tópicos essenciais, como o contraponto entre comunidade e sociedade, correlacionados respectivamente ao campo e a cidade, principalmente, a partir dos referenciais propostos por Florestan Fernandes (1972) na coletânea sobre comunidade e sociedade no Brasil. Considerando, ainda, que essa distinção tem origem no debate realizado
45
pela sociologia alemã de Ferdinand Tonnies (1944, apud FERNANDES, 1972), a partir do qual surgiram os termos Gemeinschaft (comunidade) e Gesellschaft (sociedade), representando uma arquitetura tipológica que tem como critério a oposição entre modernização e tradição. É fato que, dada a natureza desse trabalho, não se há de furtar a presença de elementos resultantes da confluência entre a psicologia, a sociologia e a antropologia que constituem o campo híbrido, marginal e necessariamente
interdisciplinar
denominado
psicologia
social,
como
Fernandes (1972) já nos apontou no passado. Torna-se
importante
destacar
a
escassez
de
referências
bibliográficas atualizadas, sendo que dentre as poucas referências atuais existentes é comum localizar-se informações baseadas principalmente na sociologia, através de autores como Tonnies (1944, apud FERNANDES, 1972), na sua obra clássica Comunidade e Sociedade ou McIver (1944, apud FERNANDES, 1972) em Comunidade. A bibliografia brasileira distingue duas vertentes: uma em que a comunidade é entendida com base na prática política – desenvolvimento de comunidade, comunidades eclesiais de base, comunidade solidária – e outra que entende comunidade como base de produção do conhecimento – a visão crítica e construtiva da prática. No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001), o verbete comunidade tem 15 significados diferentes. Logo, na linguagem empregada pelo senso comum o termo é vago, impreciso e abarca um grande número de significados.
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Sawaia (1996) considera que o conceito comunidade está ausente na história das idéias psicológicas, tendo surgido como referencial analítico apenas a partir da década de 70, através de um segmento da psicologia social que autoqualificou-se comunitária. Aponta ainda para o fato de que discutir a comunidade não foi uma exclusividade da psicologia social, pois fazia parte de um amplo movimento de avaliação crítica do papel das ciências sociais, iniciado nos anos 60 e que teve seu auge nas décadas de 70 e 80. A partir de então, o conceito de comunidade incorporou-se fortemente ao discurso das ciências humanas e sociais, com distinção nas práticas da saúde mental. Sawaia (1996), citando Heller (1984), refere-se à comunidade: Não há dúvidas de que a introdução deste conceito no corpo teórico da psicologia social constituiu um aspecto epistemológico importante, na medida que representou a opção por uma teoria crítica que interpreta o mundo com a intenção de transformá-lo (p. 35). A autora adverte, porém, que, a partir de então, esse conceito passou a designar qualquer prática profissional, desde que essa seja realizada fora de consultórios ou instituições, resultando, muitas vezes, num falso compromisso com o ‘povo’ ou em favor da união do ‘povo’. A este respeito, cita uma entrevista com um chefe do narcotráfico do Rio de Janeiro, na qual o mesmo refere-se aos moradores de uma favela como “a minha comunidade”. Prossegue seu raciocínio apontando para a necessidade de reflexão acerca do conceito de comunidade, visto que atualmente a maioria dos profissionais da saúde e das ciências humanas tendem a alegar estarem trabalhando nas e com as comunidades.
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De acordo com Frúgoli Jr. (2003): Desde ao menos os meados do século XIX, época da emergência da sociedade moderna, urbana e industrial, o tema comunidade constitui uma espécie de contraponto societário à modernização. Já na reflexão sociológica dessa fase, vários autores analisavam a comunidade sob uma tipologia social marcada em geral por grupos de pequena escala, que estabeleceriam relações solidárias, coesas, pessoais, espontâneas, cotidianas e permanentes, em que configurariam certas identidades comuns – com a consciência ou sentimento de “nós”, em oposição aos “outros” – propícias da “vida em comum” e do associativismo (p. 108).
Comentando Fernandes (1973), Frúgoli Jr. pondera que esse panorama histórico-social está baseado numa “narrativa de perda” por parte do sujeito, a partir da qual a noção de comunidade apresenta-se impregnada por aspectos idealizados referenciados em um passado, de certa forma, inexistente, em oposição às estruturas constitutivas do mundo moderno que apresentavam
novas
formas
de
organização
social,
nas
quais
predominavam “as relações formais e de interesse, os acordos contratuais, a lógica do mercado, a competição individual e as multidões urbanas e anômicas” (FRÚGOLI JR., 2003, p. 108). Assim, Frúgoli Jr (2000) parece apontar para uma desarticulação do sujeito que parte de um referencial idealizado que, conforme Sawaia (1996), baseia-se
na
‘comunalização’,
através
do
sentimento
subjetivo
de
pertencimento, e caminha em direção a ‘sociação’, relação fundada sobre um compromisso muito mais racionalmente motivado pelo interesse do que pela identificação afetiva.
48
Segundo Bauman (2003), comunidade é dessas palavras que, além de um significado, guarda também sensações que sugerem uma coisa boa: “o que quer que ‘comunidade’ signifique, é bom ‘ter uma comunidade,’ ‘estar numa comunidade’” (p. 7). Assim, quando queremos justificar uma conduta inadequada ou uma condição de miserabilidade pessoal, poupamos a comunidade e atribuímos tal responsabilidade à sociedade por seus modos de organização e funcionamento. Temos uma crença de que a sociedade pode ser má, porém a comunidade sempre será sentida como uma coisa boa. Naturalmente a palavra comunidade carrega significados que produzem suas boas sensações, todos remetendo ao prazer e, na maioria das vezes, referenciando prazeres que nos são inalcançáveis, mas que gostaríamos de experimentar. Comunidade
é
uma
referência
de
lugar
“confortável”
e
“aconchegante”, no qual podemos relaxar e nos sentir seguros, sabendo que nenhum perigo nos espreita às escuras. Na comunidade, por estarmos seguros a maior parte do tempo, não somos surpreendidos e, assim, nunca nos sentimos estranhos entre nós. Naturalmente, desejamos estar em tal lugar, no qual as pessoas se compreendem e se aceitam como são, perdoam-se suas falhas e apóiam-se umas às outras. Se considerarmos nossa sociedade atual, baseada na competição, desrespeito aos mais fracos e valorização ao individualismo absoluto, poderemos constatar que a palavra comunidade evoca sentimentos que dizem respeito às nossas faltas e aos nossos desejos de confiança e
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proteção. Ou seja, comunidade é uma espécie de mundo que não está posto para nós concretamente, mas no qual gostaríamos de viver e ao qual desejamos possuir. Para Bauman (2003), comunidade é “paraíso perdido ou paraíso ainda esperado; de uma maneira ou de outra, não se trata de um paraíso que habitemos e nem de um paraíso que conheçamos a partir de nossa própria experiência” (p. 9). Assim, alçada à categoria de realidade idealizada, a comunidade comporta variáveis imaginárias que a tornam mais atraente tanto quanto mais hostil se apresenta à realidade vivida. Contudo, há um preço a ser pago na busca pela segurança que a comunidade poderia oferecer e este preço traduz-se sob a forma de liberdade. Esta é representada pela perda da “autonomia”, do “direito à autoafirmação” e “à identidade”. Em contraposição a essa realidade, segundo Bauman (2003), há os cosmopolitas, seres que se consideram extraterritoriais por viverem e trabalharem num mundo feito de constantes viagens entre os principais centros metropolitanos globais, como Tóquio, Nova York, Londres e Los Angeles. Estes tendem a vestir-se de maneira sóbria, comumente usam ternos Armani de cores escuras, os mesmos acessórios, como laptops, palmtops,
notebooks,
celulares,
hospedam-se
nos
mesmos
hotéis,
freqüentam os mesmos restaurantes, academias de ginástica e escritórios, constituindo-se ‘virtualmente idênticos’. Para estes, forma-se uma ‘zona livre de comunidade’, através da criação de uma ‘bolha’ na qual
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a elite cosmopolita global dos negócios e da indústria cultural passa a maior parte de sua vida... É um lugar onde uma reunião, entendida como mesmice (ou mais precisamente, uma insignificância de idiossincrasias) de indivíduos encontrados por acaso e ‘ necessariamente irrelevantes’, e uma individualidade, entendida como a facilidade não-problemática com que as parcerias são celebradas e abandonadas, são exercidas dia a dia em lugar de todas as outras práticas socialmente compartilhadas (p. 55).
Assim, para Baumam (2003), ”A ‘secessão dos bem-sucedidos’ é, antes e acima de tudo, uma fuga da comunidade” (p. 55). A esse respeito, cabe citar o filme Matrix, no qual é feita uma crítica ao mundo globalizado, utilizando-se o elemento tecnológico do mundo moderno, a Internet, através da mistificação. Neste filme percebe-se uma comunidade de soldados matrix, seres com aparência humana, apesar de ‘robotizados’ pelo processo de massificação, virtualmente idênticos, usando os mesmos ternos, sapatos e óculos de sol. A missão desses seres invencíveis é exterminar os humanos sobreviventes à Matrix (uma cidade criada pela ilusão), refugiados na última cidade humana, chamada Sião, onde todos se relacionam a partir do princípio de fraternidade e igualdade. De acordo com um dos personagens do filme, Tank, Sião localiza-se nas entranhas da Terra, próxima ao núcleo incandescente do planeta, o Sol. Desse modo, Sião parece representar a noção de comunidade, um lugar nuclear onde finalmente todos podem sentir-se seguros, pertencentes a um grupo de iguais e salvos das ilusões da Matrix. Enquanto que o significado de Matrix, explicado por um dos personagens chamado Morfeu, equivale a Ma = Maya, ilusão em sânscrito e Trix = Tri ou Três. Assim, Matrix tem o
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mesmo significado das tradicionais Três Mayas, Três Véus, ou Três ilusões: a ilusão física, a ilusão psíquica e a ilusão espiritual, que segundo o hinduismo ocultam a realidade. No contexto que até agora foi apresentado, parece ter equivalência com a porção sociedade da aludida dicotomia: comunidade/sociedade. Ou seja, como apontado por Tonnies (1944, apud FERNANDES, 1972), a comunidade caracteriza-se por sua vida real e orgânica, lembrando a cidade de Sião, enquanto que a sociedade estruturase a partir do seu caráter mecânico, que no filme Matrix é representado pelo avanço tecnológico que gera a realidade virtual. Assim, como já foi dito, existe uma variedade de definições para comunidade, dependendo do ponto de vista que os autores assumem. Muitas dessas definições estão subordinadas a uma limitação geográfica. Assim, pessoas que vivem numa determinada área constituiriam uma comunidade (Ferreira, 1968). Um conjunto de pessoas ligadas por algum objetivo comum relevante também representam um outro critério de interesses vitais dominantes, definindo-se como uma comunidade. Podem ainda ser representada por pessoas que não vivem próximas umas às outras, no mesmo território, como ocorre com os membros de uma organização religiosa, um sindicato, etc. A esse respeito, Newstetter (1941), citado por Ferreira (1968), dispõe: Definirei comunidade como dois ou mais grupos numa relação de interação psíquica, cujas relações com um outro podem ser abstraídas e distinguidas de suas relações com todos os outros (grupos) de sorte que possam ser tidos como uma entidade (p. 2).
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Hillman apud Ferreira (1968) relata que os contornos físicos são os elementos mais evidentes para se definir uma comunidade, mas não são os únicos. Argumenta vir dessa constatação a necessidade de definições bem amplas, a fim de abrangerem as variedades de formas tanto físicas como sociais de que a comunidade poderia se revestir. Uma comunidade, segundo Tonnies, citado por Buber (1996), é um conjunto social orgânico e originário, opondo-se à sociedade, em função de que, nesse tipo de associação, predomina a vontade natural. Enquanto que sociedade é um tipo de comunidade constituída e condicionada pela vontade racional. O autor aponta não se tratar de realidades, porém de ideais. Afinal, todo agrupamento humano implica nas características mencionadas, em diferentes proporções e sujeitas a transformações. Desse modo, enquanto que a comunidade caracteriza-se por sua vida real e orgânica, a sociedade estrutura-se em função do seu caráter mecânico. De acordo com Sawaia (1996), no início do século XX ocorreu na sociologia uma grande quantidade de estudos sobre comunidades, configurando este território como espaço empírico de pesquisa em contraposição aos experimentos laboratoriais, bem como os estudos microssociais em contraponto às análises estruturais. Assim, comunidade passou a ser um referencial de análise que possibilitava compreender a sociedade a partir do vivido, evitando-se o reducionismo psicológico, através de procedimentos antes próprios da antropologia nos estudos sobre “comunidades indígenas”.
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Elias e Scotson (2000 [1965]), na obra Os estabelecidos e os outsiders, realizaram uma pesquisa de campo de aproximadamente três anos em Winston Parva, nome fictício para uma cidade do interior da Inglaterra. Nessa cidade, objeto do estudo, os autores constataram que havia uma comunidade relativamente homogênea, segundo indicadores sociológicos de renda, educação, tipo de ocupação. Mesmo assim, o povoado estava claramente dividido entre um grupo que se percebia e que era reconhecido como establishment local e um outro grupo enquanto outsiders. O grupo do establishment local diferenciava-se pela tradição, autoridade e influência, garantidos por um princípio de antiguidade, pois moravam na cidade há mais tempo. O outro grupo, outsiders, era estigmatizado e associado a atributos como anomia, delinqüência, violência e desintegração. Assim, a partir de relações de poder, “as categorias estabelecidos e outsiders se definem na relação que as nega e que as constitui como identidades sociais” (ELIAS e SCOTSON, 2000 [1965], p. 8). Os autores analisam, num dos capítulos, as fofocas feitas pelos estabelecidos a respeito dos recém-chegados, considerando-as como instrumento para monopolizar as oportunidades de poder, marginalizando, através de estereótipos, os membros do outro grupo, os outsiders. Discutem, ainda, como essas experiências são vivenciadas nas auto-imagens individuais e dos grupos. A experiência relatada nesta pesquisa revela diversos tipos de integração comunitária, perpassada por relações de poder e estigmatização
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do grupo de “menores possibilidades” de autoridade e tradição. Há uma configuração explícita de poder através de estratégias de dominação de um grupo sobre o outro, estabelecendo recursos simbólicos numa relação dominante/dominado, que estabelece a formação da comunidade e os sentimentos de pertencimento dos grupos. Quanto ao momento na história da teoria social do período posterior à Segunda Guerra Mundial, “No quadro da divisão do trabalho sociológico, o livro podia ser identificado com os ‘estudos de comunidade’, um gênero, que, apesar de estar em franca expansão na época, ocupava um lugar claramente subordinado e sobre o qual pesava um estigma equivalente ao atribuído aos subúrbios operários que eram o seu principal referencial empírico” (p. 8). Kant dá o nome de "comunidade de ação recíproca" a uma das categorias da relação. O filósofo considera que comunidade é uma "reciprocidade de ação entre o agente e o paciente, correspondendo ao juízo disjuntivo do tipo ”algo é ou não é". Segundo ele na comunidade a relação se refere à função secundária da cópula, ou seja, à função de enunciação. De forma análoga à experiência, a comunidade se expressa no seguinte princípio: "todas as substâncias, quando podem ser percebidas como simultâneas no espaço, estão em uma ação recíproca geral". Kant emprega este termo no sentido de "uma comunidade dinâmica sem a qual a própria comunidade local não poderia ser reconhecida empiricamente" e, portanto, no sentido de um commer-cium por meio do qual se concebem três relações
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dinâmicas
originais,
denominadas:
"influência",
"conseqüência"
e
"composição geral". O que Kant pretende com esta formulação do imperativo categórico, é apresentar uma idéia daquilo que poderia ser obtido pela lei moral, nomeadamente uma comunidade ideal na qual todos fazem e obedecem à mesma lei, na qual todos os fins estão em harmonia uns com os outros. Num reino dos fins, os fins privados de cada indivíduo são apenas supostos dentro dos limites impostos pela condição de que todos os seres são tratados como fins em si mesmos. Assim, para Baumam (2003), na comunidade da Crítica do juízo: a comunidade estética de Kant: A identidade parece partilhar seu status existencial com a beleza: como a beleza, não tem outro fundamento que não o acordo amplamente compartilhado, explícito ou tácito, expresso numa aprovação consensual do juízo ou em conduta uniforme. Assim como a beleza se resume à experiência artística, a comunidade em questão se apresenta e é consumida no ‘círculo aconchegante’ da experiência. Sua ‘objetividade’ é tecida com os transitórios fios dos juízos subjetivos, embora o fato de que eles sejam tecidos juntos empreste a esses juízos um toque de objetividade (p. 62).
Desse modo, a vida da ‘comunidade de juízo’ tende a ser curta, dado que serve a ‘construção/destruição’ da identidade, prestando-se tanto à ‘autoperpetuação’ quanto à ‘autodestruição’. Tal necessidade nunca estará satisfeita e nem deixará de estimular uma busca por satisfação. A indústria de
entretenimento
serve-se
primordialmente
dessa
necessidade
da
comunidade estética, gerada pela ocupação com a identidade. Devido ao avanço da tecnologia eletrônica, atinge-se uma multidão de telespectadores
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fisicamente remotos em torno de uma massiva audiência, a partir da qual o indivíduo sente-se “na presença de uma força que é superior a ele e diante da qual ele se curva”, criando-se as “celebridades à vista” (BAUMAN, 2003, p. 63). A importância da ‘celebridade’ aumenta ou diminui de acordo com a quantidade de “espectadores, ouvintes, compradores de livros e discos” que essa consegue mobilizar. Assim, a indústria do entretenimento, como objeto de experiência estética, atua através da sedução. A punição para àqueles que não se engajarem a essa comunidade estética será a sujeição à perda de uma experiência que tantos outros poderão usufruir. Como dito anteriormente, não há referências explícitas sobre comunidade na psicologia social até os anos 70, quando esta surge na psicologia social comunitária (Sawaia, 1996). Comunidade aparece, raramente, referindo-se “às instâncias intermediárias entre o homem e a sociedade ou como sinônimo de sociedade, e com diferentes conotações valorativas” (p. 43). Nos estudos sobre psicologia dos povos realizados por Wundt em 1904 (apud SAWAIA, 1996), comunidade tem o significado de ‘interação coletiva’. Na mesma coletânea, Campos (1996), citando a pesquisa de Freitas (1994), nos aponta para uma condição divergente daquela enunciada por Sawaia (1996), alegando que a utilização de teorias e métodos da psicologia em comunidades de baixa renda iniciou-se em meados da década de 60, objetivando deselitizar a profissão e trazer melhorias às condições de vida das classes trabalhadoras, constituindo assim o espaço a que se denominou “psicologia comunitária” ou “psicologia na comunidade”. Declara que os
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lugares onde se iniciaram tais experiências de psicologia comunitária foram “bairros populares, favelas, associações de bairro, comunidades eclesiais de base, movimentos populares em geral” (p. 9). Para Freud (1976), citado por Sawaia (1996), a comunidade tem um caráter ‘homogeneizador’ dirigido a uma “dimensão negativa e injusta que considera todos os homens iguais em desejos e necessidades”. O autor considera ainda que é difícil à natureza humana render-se a qualquer ‘comunidade social’ e que, portanto, a vida em comunidade representa “trocar uma parte de felicidade pessoal por uma parte de segurança, através de mecanismos que facilitam essa má troca” (p. 43). Na psicologia social, segmento criado no início do século XX, com o propósito de análise da relação homem/sociedade, o conceito de comunidade não ocupa posição central. Este lugar está reservado para ‘grupo’ e ‘interação social’, presentes nos estudos sobre ‘fenômenos coletivos’. Segundo Adorno e Horkheimer (1973), apud Sawaia (1996): A palavra grupo é uma expressão ocasional, um lugar vazio que, segundo o contexto de cada ocasião, se enche de diferentes significados (...). Serve para definir qualquer tipo de relação recíproca entre multiplicidade de indivíduos, qualquer vínculo entre seres humanos (p. 43). Guareschi (1996), valendo-se de uma definição atribuída a Marx, afirma que comunidade é: Um tipo de vida em sociedade ‘onde todos são chamados pelo nome’. Esse ‘ser chamado pelo nome’ significa uma vivência em sociedade onde a pessoa, além de possuir um nome próprio, isto é, além de manter sua identidade e singularidade, tem possibilidade de participar, de dizer sua
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opinião, de manifestar seu pensamento, de ser alguém (p.95). Assim, grupo e comunidade para esse autor não são coisas distintas, visto que (como se verá no item reservado ao conceito de relação) se definem a partir das relações específicas ali existentes. Percebe-se árdua a tarefa de acompanhar e compreender os diversos empregos do conceito comunidade. Visto que esse conceito comporta inúmeros significados e até sensações. Fica claro que a variação de sentidos, assumida de acordo com o contexto no qual o conceito é empregado, justifica grande parte da complexidade na abordagem de comunidade. Parece, de certa forma, consensual entre os diversos autores de diversas áreas do conhecimento optarem pela dicotomia entre Comunidade e Sociedade, articulando seus correlatos: tradição x modernidade, orgânico x mecânico, segurança x insegurança, coletividade x individualidade, etc. Nesse trabalho, a posição tomada frente à idéia de comunidade será aquela que remete ao sentimento de pertença, ao lugar de reconhecimento do sujeito através de seu nome, partindo de suas singularidades e perpassando os elementos comuns que identificam os sujeitos no coletivo. Assim, esse referencial é aquele que mais se aproxima do pensamento defendido por Guareschi (1996), a partir da possibilidade do sujeito afirmarse positivamente perante um dado grupo, reconhecendo e sendo reconhecido por este, emitindo as suas opiniões e manifestando os seus
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pensamentos, existindo como sujeito crítico com direito à sua palavra e a afirmação de sua identidade pessoal. Considerando o recorte analítico a que se presta esta pesquisa, cabe ressaltar sucintamente o conceito de identidade.
2.5. Identidade O homem em sua trajetória existencial busca instalar-se no mundo de maneira segura. Assim, procura ordenar suas experiências de vida de forma significativa através da construção de um mundo simbólico que lhe permita organizar suas vivências voltadas para representações acerca do real. Tais referências de mundo e de si mesmo dizem respeito a suas crenças, conceitos, atribuições, valores morais, pessoais, etc. Desse modo, o indivíduo
percebe-se
capaz
de
identificar
os
objetos
em
suas
especificidades, construindo recursos de atuação no mundo através da organização de seu contexto de vida (BERGER & LUCKMANN, 1999). “As concepções de realidade, construídas nas relações interpessoais, são mediadas pelas crenças, padrões, práticas e normas veiculadas pela sociedade” (FERREIRA & CAMARGO, 2001, p. 83). As concepções de realidade que constituem o mundo simbólico pessoal são desenvolvidas através de um processo dialético em que o indivíduo figura, enquanto co-produtor da sociedade e de si próprio. A natureza social do discurso implica numa visão do discurso como forma de co-participação social. A construção do significado do discurso se dá a partir
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do envolver e deixar envolver-se dos participantes em circunstâncias culturais, históricas e institucionais (CIAMPA, 1987). Segundo Ciampa (1987), o indivíduo encarna suas relações sociais, construindo a partir destas relações a sua identidade pessoal. Assim, tais identidades pessoais constituem a sociedade, constituindo-se a si próprias num processo dialético, através de um movimento de metamorfose que visa a emancipação. Pelo uso da linguagem as pessoas tornam-se conscientes de quem são, agindo no mundo através do processo de construção de significados, construindo suas identidades sociais (MOITA-LOPES, 2002). As identidades sociais, construídas no discurso, estão submetidas a duas categorias necessárias para a compreensão do significado discursivo, elaborado socialmente, que são alteridade e contexto. A idéia de alteridade implica, necessariamente, na presença de um outro que contém concepções particulares de homem, de mundo e de si mesmo. Assim, o sujeito percebe que há um outro constituído de maneira singular e relacionar-se com este outro significa sair de uma posição, de um lugar central, com todas as peculiaridades deste, para ‘ ingressar’ no universo deste outro. Nesse sentido, a aceitação da alteridade é o reconhecimento deste outro, é o experienciar um lugar desconhecido representado pelo outro. Desta forma, a identidade é construída no contexto do discurso e na relação com o outro (alteridade). O discurso proferido num determinado contexto contém especificidades que fazem o indivíduo ser aceito ou negado pelo grupo. É através da linguagem que as concepções de homem e de
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mundo são instauradas num contexto e passam a ter determinado valor. Por exemplo, num ambiente de militância parece haver um ‘contrato’, representado por meio de códigos específicos, em que o discurso do sujeito atinge o outro. Este se identifica e identifica o outro como ‘semelhante’, legitimando-o pela palavra. Para Ciampa (2002), os contextos grupais de produção de sentido contribuem para a criação de focos de resistência numa complexa rede de intersubjetividades, podendo criar novos significados para as ideologias compartilhadas socialmente.
2.6. O Conceito de Relação Guareschi (2004b) compreende o conceito de relação como sendo dos mais fecundos e caros à psicologia social. Sintetiza seu pensamento dizendo que: “no meu entender, se não for a relação o conceito central da Psicologia Social, é, certamente, um dos mais importantes” (p. 60). Ele aponta que relação sugere comumente às pessoas a idéia de troca, comunicação e necessidade de haver pelo menos duas pessoas para que haja relação, alertando que estes são exemplos de relação, mas que o conceito de relação não para por ai, podendo inclusive referir-se a algo singular. Lembra que na filosofia a definição para relação é “ordo ad aliquid”, ou seja “... poderíamos traduzir assim: relação é o ordenamento, o
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direcionamento intrínseco, isto é, do próprio ser, em direção a outro ser” (p. 61). Prossegue enfatizando: Mas esse ser, essa realidade, continua ‘uma’, com a diferença que há nela algo que, necessariamente, isto é, na sua própria definição, o obriga a se ligar a outro, a incluir em si um outro, ou outros. ...Conclui-se daqui, conseqüentemente, que para haver ‘relação’ não é necessário que haja duas coisas: basta apenas uma que contenha em si, em sua definição, a necessidade, a orientação intrínseca em direção a outro(s) (p. 61). Percebe-se que esse conceito (relação) guarda estreita referência com o conceito de alteridade, implicando numa disposição do sujeito em abrir mão de sua posição para compreender a posição do outro. Para situarse a partir das crenças e valores do outro na compreensão do mundo observado por este, necessariamente o sujeito tem que estar numa relação legitima com o outro. Guareschi (1996) alerta que muitas vezes pensamos relação como algo que “une” ou “liga” duas coisas. Porém, o conflito, a rejeição e a exclusão também são exemplos de relação. E assim relação diz respeito a uma coisa que por si só não pode existir, dependendo de outra. “... A percepção da relação é, pois, uma percepção dialética, percepção de que algumas coisas ‘necessitam’ de outras para serem elas mesmas” (p. 83). Guareschi (2004) faz uma clara distinção entre os significados dos termos indivíduo e pessoa. Esclarecendo que indivíduo pode significar várias coisas. Distingue duas dimensões para o conceito, na primeira o ser humano, entendido como indivíduo, é ‘um’, ‘único’, ‘singular’. Para a filosofia ‘indivisum in se’, ou seja aquele que é indivisível em si mesmo. Na outra dimensão, o ser humano concebido como indivíduo continua sendo ‘um’,
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“mas é também ‘separado de tudo’, isto é, não tem nada a ver com nada e com ninguém; é o ‘divisum a quolibet alio’, isto é, separado de tudo o mais (p.35). Aponta que essa é a
concepção de ser humano assumida pela
filosofia liberal. Assim, o indivíduo é visto enquanto suficiente em si mesmo, não tendo nada a ver com os outros e não necessitando de outros para sua ‘definição’ e ‘compreensão’. O indivíduo nessa concepção é o centro, está no centro e tudo converge para o mesmo. Num outro extremo, dentro de uma visão de ‘comunitarismo Solidário’, como denominado pelo autor, existem aqueles sujeitos que se consideram a si próprios como pessoas em relação, ou seja, “pessoas = relação”. Na definição destes seres já estão incluídas necessariamente outras pessoas. São seres ‘únicos’ e ‘singulares’, enquanto pais, irmãos (sujeitos de responsabilidade), “mas não se ‘explicam’, nem se definem, apenas a partir deles e ‘neles’ próprios. Sua subjetividade é um ancoradouro de milhões de ‘outros’, de relações” (GUARESCHI, 1996, p. 84). Guareschi (1996) aponta que para se saber qual o tipo de grupo está em questão deve-se voltar ao tipo de relações estabelecidas neste grupo. O autor avalia que viver em comunidade possibilita as pessoas estabelecerem relações sociais, mantendo o que lhe é de singular, mas dependendo dos outros para sentir-se com plenas possibilidades de realização. Na comunidade o sujeito teria possibilidades de desenvolver suas potencialidades, através da iniciativa criadora. As relações comunitárias verdadeiras, portanto, seriam aquelas que possibilitem aos sujeitos usufruir das dimensões do espaço solidário e participativo que ainda existe nas
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comunidades. Tais relações também implicam numa dimensão afetiva a partir da qual os sujeitos possam se sentir acolhidos, amados e valorizados. Creio que nesse momento valha uma articulação dos tópicos abordados.
2.7. Síntese das Discussões Realizadas
A partir da breve visão panorâmica até aqui apresentada, cabe fazer algumas articulações para que o percurso da pesquisa vá adquirindo um sentido próprio. Como discutido inicialmente, a realidade social brasileira apresenta inúmeras situações de adversidades complementares aos sujeitos e famílias de baixo poder aquisitivo, frente às questões referentes à alimentação, à habitação, à educação, à cultura, à violência, etc, se comparados a outros sujeitos e famílias que têm seus poderes sociais, econômicos e financeiros garantidos. Para lidar no cotidiano com tal contradição, as sociedades criam mecanismos que legitimam e justificam as distribuições desiguais de renda e suas conseqüentes condições geradoras de acessibilidade ou de exclusão em relação aos meios de habitação, educação, cultura, lazer, consumo e etc.. Neste mesmo contexto brasileiro retratado pela riqueza excessiva de alguns pequenos grupos sociais, encontra-se uma parcela majoritária da sociedade que vive em situação de miséria absoluta, fome e desamparo. Como nos aponta Santos (2000):
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...só a área de produção de soja no Brasil daria para alimentar 40 milhões de pessoas se nela fossem cultivados milho e feijão. Mais pessoas morreram de fome no nosso século que em qualquer dos séculos precedentes. A distância entre países ricos e países pobres e entre ricos e pobres no mesmo país não tem cessado de aumentar (p. 24). Aproveito para lembrar a fala de Pedrinho Guareschi (2004a), durante o II Congresso de Terapia Comunitária, que propõe que a resolução dos problemas surgidos no contexto de comunidade deve ser realizada neste mesmo campo, permitindo aos sujeitos se apropriarem da autoria de suas histórias, tornando-se cidadãos ativos. Ele afirma que somente na impossibilidade de solução dos problemas de forma interna à comunidade é que devem ser acionadas as esferas públicas, como o município, o estado e a união. Frente a essa realidade, surgem algumas práticas interventivas comunitárias,
como
a
Terapia
Comunitária,
que
se
propõem
ao
enfrentamento e reversão dessa situação de inclusão perversa a que os sujeitos economicamente desfavorecidos estão submetidos. Essa prática (TC) tem sido desenvolvida e aplicada nas comunidades, e às vezes em outros tipos de grupos, há 17 anos. A Terapia Comunitária parece guardar em si muitos aspectos comuns às práticas comunitárias realizadas pelo Movimento Eclesial de Base nas décadas de 60 e 70. Seja em relação ao contexto em que ambas as práticas se desenvolveram, seja pelos referenciais pretendidos de resgate da ação cidadã (implicitamente colocado a partir dos objetivos da TC), através da
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‘ação-reflexão’ proposta pelo ilustre pensador Paulo Freire, junto às populações desfavorecidas economicamente (FREIRE, 1987). A Terapia comunitária também parece guardar estreitas relações do seu modelo co-participativo com o chamado modelo colaborativo implantado na regional Cajuru, em Curitiba, 1999. O modelo colaborativo é uma metodologia de trabalho comunitário que visa o desenvolvimento de comunidades a partir de experiências e aprendizados compartilhados, envolvendo a comunidade local, a Prefeitura Municipal de Curitiba, O GETS (Grupo de Estudos do Terceiro Setor) e a UWC-CC (United Way of Canadá Centraide Canadá), com apoio da CIDA (Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional). Seguem abaixo as duas tabelas propostas pelos dois modelos com as suas respectivas nomenclaturas, Prefeitura Municipal de Curitiba (2002, p. 21) e Barreto (2005):
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Mudando o olhar - Modelo Colaborativo
Mudando o olhar - Modelo Co-participativo
Mudança de Paradigma DE Deficiências
→
PARA
DE
→
PARA
Capacidades
Foco sobre problemas e Foco sobre dificuldades habilidades e potencialidades Peritos
as
Salvador da Pátria
Soluções Participativas
Comunidade
Prevalece técnica
a
opinião Prevalece o saber da comunidade
Poder Sobre
Poder Compartilhado
A comunidade
Com a comunidade
Processo Decisório
Processo Decisório
Centralizado
Compartilhado
Recursos Ofertados
Recursos
Vêm de fora
Estão na comunidade
Dependência
Corresponsabilidade
e Clientelismo
E Cidadania
Carências / Deficiências Competências Potenciais
Unitário (Técnico)
Comunitário
Concentração na informação
Circulação da informação
O outro é um objeto passivo
O outro é um parceiro ativo
A solução vem de fora
As soluções vêm das famílias
Gera dependência
Suscita coresponsabilidade
Descrença no outro
Crença na capacidade do outro
Clientelismo
Cidadania
Modelo Colaborativo
Modelo Co-participativo da Terapia Comunitária
Fonte: Prefeitura Municipal de Curitiba; GETS Grupo de Estudos do Terceiro Setor; United Way of Canadá - Centraide Canadá (2002, p. 21)
Fonte: Barreto (2005, P. 58)
/
Além disso, a seqüência de procedimentos propostos para a realização de uma sessão de terapia comunitária parece ter certa proximidade com a proposta do método de Paulo Freire, que propõe como procedimentos: investigação temática, tematização, problematização, leitura do mundo, compartilhando o mundo lido, reconstrução do mundo lido. Enquanto que a terapia comunitária propõe: acolhimento, escolha do tema,
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contextualização, problematização, rituais de agregação e conotação positiva, avaliação. A referência feita a Paulo Freire na terapia comunitária, como um dos eixos fundantes que alicerçam a proposta, não tem um aprofundamento necessário. Diz respeito apenas ao binômio ação-reflexão criado pelo educador e a associação
entre a teoria e a realidade, como forma de
expressão dos problemas vivenciados pelos sujeitos nos diferentes contextos (BARRETO, 2005, p. XXIV). Freire (1998) propõe que somente a partir do exercício do diálogo e da ação-reflexão-ação, o indivíduo pode ser capaz de fazer uma leitura crítica do mundo, constituindo-se enquanto sujeito consciente com possibilidades de transformação de sua própria história. Considerando que essa pesquisa está sendo realizada no campo da psicologia, cabe aqui relembrar (como discutido no item identidade) a crença do autor de que a realidade é construída e compartilhada socialmente, num processo dialético no qual o sujeito é produto e produtor da sociedade, simultaneamente (BERGER & LUCKMANN, 1999). Assim, ao que parece de acordo com os objetivos da TC, a legitimação do sujeito a partir de sua narrativa de vida no grupo, tende a fortalecer, através da reflexão, uma constituição identitária afirmativa, na qual o mesmo poderia tornar-se mais ativo com relação à criação de sentidos para suas experiências diárias. Nessas condições pode-se entender a terapia enquanto espaço para a construção de novos significados que, organizados em narrativa a partir das relações intersubjetivas, poderão conferir sentido à experiência.
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A partir destes pressupostos, pretendi realizar um levantamento das atribuições de sentido à terapia comunitária por alguns de seus participantes. Assim, estou elegendo uma comunidade na zona sul da cidade de São Paulo, na qual a Terapia Comunitária está sendo aplicada há um ano. As sessões de Terapia Comunitária têm ocorrido nessa comunidade quinzenalmente, conduzidas por uma psicoterapeuta, que desempenha a função de terapeuta comunitária.
3. JUSTIFICATIVA
A
relevância
do
tema
apresenta-se
por
abordar
aspectos
socioeconômicos e culturais referentes a um expressivo contingente populacional, permitindo que as questões relacionadas à exclusão social, ou como aponta Sawaia (2001), à inclusão perversa, situação de pobreza e risco frente à violência social, sejam discutidas e pensadas, de modo a se buscar novas possibilidades de enfrentamento de tais situações. A comunidade em questão, da Saúde, abriga um contingente expressivo de pessoas incluídas socialmente de maneira perversa, estando privadas de muitos equipamentos e serviços governamentais e lançadas a uma situação de carência de recursos financeiros e humanos, realidade comum em diversos bairros espalhados pelas grandes cidades. Assim, a aplicação de uma prática interventiva nesse contexto mostra-se como uma possibilidade de enfrentamento de tais situações adversas.
70
Além disso, apóia-se na crença de que a ação social voltada para a atenção primária em saúde pode servir como instrumento que promova a construção de um sentido de autoria, permitindo ao sujeito uma postura socialmente ativa e transformadora da realidade à qual encontra-se submetido. Para Lane (1984): A consciência da reprodução ideológica inerente aos papéis socialmente definidos permite aos indivíduos no grupo superarem suas individualidades e se conscientizarem das condições históricas comuns aos membros, levando-os a um processo de identificação e de atividades conjuntas que caracterizam o grupo como unidade. (p. 17). Desse modo, as intervenções praticadas em contextos comunitários possibilitam um efetivo reconhecimento de si próprio e do outro, por parte dos sujeitos, através do compartilhar das experiências individuais pela narrativa. As famílias de baixa renda têm, principalmente nos movimentos sociais, uma possibilidade de criar novas condições de atuação que permitam
uma
transformação
da
realidade
social
de
exclusão
e
marginalidade à qual estão submetidas. Normalmente desprovidas de recursos para atuar nessa transformação de suas realidades sociais, estas famílias de baixa renda encontram pouca ou, às vezes, nenhuma alternativa para lidar com a realidade de exclusão social que historicamente se lhes apresenta. Por isso, formas de intervenção nestes contextos devem ser propostas e avaliadas, como a Terapia Comunitária, para que possa criar e implementar novas políticas de enfrentamento social das adversidades geradas principalmente pela distribuição surreal de rendas no Brasil.
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4. OBJETIVOS DA PESQUISA
Partindo destas constatações, este trabalho pretendeu realizar um levantamento das atribuições de sentido à terapia comunitária por algumas participantes. Assim, pretendeu-se: •
conhecer e compreender qual o papel da terapia comunitária na vida destes sujeitos;
•
conhecer e analisar o processo de atribuição de sentido por parte de algumas das participantes da terapia comunitária com relação as suas vinculações no grupo;
•
conhecer e compreender a importância pessoal atribuída por algumas das participantes à TC, a partir de sua experiência vivida, nas sessões;
•
compreender o papel da TC no cotidiano dos sujeitos participantes.
5. PROBLEMA DA PESQUISA E QUESTÕES NORTEADORAS
É
questão
fundamentalmente
determinante
do
processo
de
constituição da pesquisa que se tenha clareza com relação ao problema a ser pesquisado (LUNA, 1996).
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O problema de pesquisa consistiu em identificar e compreender atribuições
de
sentido
à
Terapia
Comunitária
feitas
por
algumas
participantes das sessões. Em linhas mais amplas, pode-se dizer que as questões que nortearam esta pesquisa estavam voltadas para compreensão de:
•
Qual
o
significado
e
sentidos
atribuídos
à
terapia
comunitária por algumas de suas participantes?; •
Em que medida a participação nas sessões de terapia comunitária pode transformar os sujeitos participantes?;
•
Como os sujeitos participantes compreendem esse espaço de fala e de escuta em seu cotidiano?;
•
Quais as possibilidades de novos sentidos existenciais a terapia
comunitária
pode
promover
aos
sujeitos
participantes?
Realizando tais procedimentos, o problema de pesquisa tornou-se antes um ponto de partida do que de chegada, possibilitando a sua reformulação a cada nível de análise, determinada pelo confronto das condições de produção do discurso e da ação dos sujeitos.
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6. MÉTODO Por tratar-se de uma pesquisa que fez o levantamento das atribuições de sentido a uma prática realizada no contexto comunitário, Terapia Comunitária, e que é constituída por um método e uma aplicação, convém aqui discutir alguns princípios da metodologia do trabalho comunitário. Assim, segundo Pereira (2001):
Existe uma diferença entre Ciência e Sabedoria. Diferença não é sinônimo de antagonismo. A Ciência, em muitos momentos, esvaziou a criatividade pelo excesso de racionalidade instrumental, enquanto a Sabedoria ficou ao lado do saber-sabor (prazer). Quando ocorre esse desequilíbrio a metodologia do trabalho comunitário e social opta muito mais pela Sabedoria que pela Ciência, pois ela é preferencialmente inclinada para a comunidade, a arte, o estético, o sagrado e o bom-senso. (p. 141). Ressalva seja feita à metodologia do trabalho comunitário e social como um dispositivo alternativo voltado para a produção de conhecimentos e a formação de “intelectuais organicamente comprometidos com os interesses da classe dominada” (PEREIRA, 2001, p. 141). Desse modo, a produção de conhecimentos deve ser compreendida como instrumento de luta, conscientização, socialização e construção dos sujeitos e da sociedade. “Tal produção de conhecimento (contra-ideologia) e formação de líderes (intelectuais orgânicos) pressupõe a troca de saberes e experiências, o compromisso, a ação comum e a relação dialética entre agentes externos e população” (PEREIRA, 2001, p. 142).
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Além disso, parto aqui da crença epistemológica de que o produto alcançado no desenvolvimento de uma pesquisa refere-se sempre a uma aproximação da realidade e nunca ao alcance de verdades absolutas. Assim, vou me valer da origem da palavra método, do grego, meta e odos. Ou seja, meta significa para, referindo-se a preposição que dá a idéia de movimento e odos significa caminho. Portanto, método representa o caminho para se chegar a algo, a partir de uma série de operações, táticas e estratégias elaboradas para que se possa alcançar uma finalidade ou objetivo. Naturalmente, não se pode furtar da consideração de que “todo método está apoiado em pressupostos teóricos de alguma ciência, regido por alguma crença ideológica e destinado a produzir alguma prática. Daí, nenhuma metodologia pode ser vista como neutra, pura ou inocente” (PEREIRA, 2001, p.140). Ao apontar para a importância crucial acerca do estudo dos métodos e suas inter-relações, metodologia, além das múltiplas polêmicas na utilização dos métodos nas pesquisas, Pereira (2001) adverte: “Por isso, não podemos conceber metodologias, métodos e técnicas divorciadas das questões ideológicas, da produção do saber e dos aspectos políticos que atravessam a prática” (p. 140). Tendo em vista tais condições que perpassam a realização de uma pesquisa, o referencial teórico para articulação da pesquisa será buscado junto às produções da psicologia social (particularmente a psicologia social crítica), e sociologia (p. ex., CIAMPA, 1987; BERGER & LUCKMANN, 1999;
75
SPINK, 1999, SANTOS, 2000, GUARESCHI, 2004b), enfatizando-se os processos dialógicos construídos nas relações. A abordagem qualitativa de pesquisa será aqui adotada para análise dos dados. Por não partilhar de crenças científicas racionalistas que objetivam alcançar verdades, nesta pesquisa irei posicionar-me junto ao princípio de que “o que sabemos refere-se em geral aos resultados de nossa indagação da realidade. O senso comum supõe que essa realidade possa ser encontrada”4 (p. 17). Para Gil (1999) há uma relação dinâmica entre a realidade e o sujeito, de tal modo que não há como dissociar o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito, traduzindo-os em números. Assim, a interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são elementos básicos no processo de pesquisa qualitativa. O processo e seus significados são os focos principais nesta abordagem de pesquisa. Alinhado com Santos (2000), partilho de sua tese de que, a partir da noção de comunidade, se possa resgatar a “racionalidade estéticoexpressiva”, não instrumental, rompendo com a cisão determinada pelo projeto da ciência moderna. Passa-se, assim, a valorizar o conhecimento do senso comum e as manifestações populares, para que se possa construir um “conhecimento-emancipatório”. Este não se baseia na oposição “ciênciaexperiência”, mas sim na possibilidade de continuidade das experiências emancipatórias nos
diversas dimensões político-sociais.
Tais idéias
compõem o chamado pensamento utópico que propõe o surgimento de uma ciência emergente, dotada de uma epistemologia emergente que represente 4
Para maior aprofundamento ler A realidade inventada, Paul Watzlawick (Org), Campinas: Editorial Psy II, 1994.
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a ruptura com a ruptura epistemológica. Ou seja, um rompimento com a separação da ciência e do senso comum, efetuado no advento da ciência moderna, possibilitando um compromisso da ciência em tornar seu conhecimento apropriável ao senso comum. Não a partir de seu rigor e método, mas sob a forma de um conhecimento prático. Nas palavras de Santos, “conhecimento prudente para uma vida decente”. Assim, nesta pesquisa, o contexto da comunidade será valorizado enquanto lugar de manifestações legítimas que devem ser reconhecidas enquanto “conhecimento popular (o comunitário, o estético, o sagrado, o de bom-senso, a desrazão e a arte)” (PEREIRA, 2001, p. 145). O tipo de pesquisa aqui desenvolvido foi a pesquisa exploratória. Segundo Gil (1999) as pesquisas exploratórias são realizadas em função de “proporcionar uma visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato” (p. 43). É o tipo de pesquisa especialmente voltada para temas pouco explorados, sobre os quais percebe-se uma certa complexidade ao formular hipóteses que possam mostrar-se ‘precisas’ e ‘operacionalizáveis’. Dentre os tipos de pesquisa existentes, a exploratória é a que apresenta menor rigidez quanto ao seu planejamento.
6.1. Participantes As participantes da pesquisa foram quatro freqüentadoras das sessões de Terapia Comunitária na cidade de São Paulo (uma comunidade da zona sul) independente da idade que tinham e com freqüência constante nas
77
sessões, a partir das narrativas buscou-se compreender a atribuição de sentido que as mesmos conferem à TC. Foi considerado critério o fato das participantes morarem na mesma comunidade, permitindo assim uma referência de inserção de classe comum às participantes. As participantes foram escolhidas a partir de indicação feita pela terapeuta comunitária que conduz o referido grupo, considerando-se a adequada capacidade de articulação de idéias por parte das mesmas.
6.2. Instrumentos e Procedimentos Entendendo aqui a problematização proposta de compreensão do sentido atribuído à terapia comunitária pelos sujeitos participantes, cabe ressaltar que esse sentido é construído a partir das relações no grupo e, portanto, está impregnado pelas relações intersubjetivas que ali se dão. Assim, como pontua Guareschi (1996): Usam-se, para a tarefa de se detectar as relações, todos os instrumentos de pesquisa que forem necessários: observação, entrevistas, pesquisa participante, questionários, enfim, todo tipo de teste que possa revelar a ‘vida social’, esta vida que constrói nas e pelas relações: e se é ‘vida’, é sempre dinâmica, sempre em transformação (p. 89). Em função da experiência do pesquisador em terapia comunitária (seja enquanto participante de sessões, seja enquanto terapeuta e coterapeuta que conduz tais sessões), a observação simples realizada ao longo de um ano e nove meses de contato com a teoria e a prática da TC. fornece subsídios para que se possa estabelecer a utilização de conceitos a
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priori para articulação teórica do sentido atribuído pelos participantes. Conceitos da psicologia, particularmente social, como identidade, relação, alteridade e subjetividade estão desde já incluídos como categorias para articulação e análise deste trabalho. O delineamento de pesquisa aqui utilizado para estabelecer um sistema conceitual que irá confrontar a visão teórica do problema com os dados da realidade será o estudo de campo. Os estudos de campo estão muito mais voltados para um maior “aprofundamento das questões propostas do que a distribuição das características da população segundo determinadas variáveis” (GIL, 1999, p. 72). Assim, percebe-se maior flexibilidade no planejamento do estudo de campo, possibilitando uma reformulação dos objetivos ao longo da pesquisa. As participantes da pesquisa foram abordadas e apresentadas ao pesquisador ao final de uma sessão de terapia comunitária. Foram esclarecidos os objetivos da pesquisa, as questões referentes ao anonimato da identidade das mesmas, do termo de compromisso, a possibilidade de gravação das entrevistas, bem como explicação da posterior transcrição e análise dos dados.
6.2.1. Entrevistas
A entrevista é das técnicas de coleta mais utilizadas em pesquisas na área de ciências sociais (GIL, 1999). Gil (1999), referindo-se a Selltiz et al, afirma que:
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Enquanto técnica de coleta de dados, a entrevista é bastante adequada para a obtenção de informações acerca do que as pessoas sabem, crêem, esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram, bem como acerca das suas explicações ou razões a respeito das coisas precedentes (p. 117). Foi realizada uma entrevista em grupo com as participantes, a partir de contato telefônico, e utilizou-se um roteiro prévio (focalizado), com tópicos a serem abordados durante a entrevista (conforme Anexo 1). Assim, foi possível ampliar e correlacionar a compreensão dos sentidos atribuídos à participação nas sessões de Terapia Comunitária por parte de cada uma das entrevistadas. A entrevista focalizada busca enfocar um tema bastante específico durante a prática. Cabe ao entrevistador possibilitar que o entrevistado fale livremente sobre o assunto, porém quando este se desvia do tema delineado deve haver um empenho do entrevistador para que tal tema seja retomado (GIL, 1999). Dessa
forma,
pretendi,
enquanto
pesquisador,
ter
a
menor
interferência possível sobre as narrativas das participantes, no momento das respostas, possibilitando, às mesmas, maior liberdade para expressarem suas percepções, representações e sentimentos frente às questões disparadoras do problema de pesquisa. A entrevista foi gravada, encontrando-se no Anexo 2.
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6.2.2. Transcrição das Entrevistas
A posterior transcrição da entrevista gravada foi feita pelo próprio pesquisador, como forma de possibilitar uma maior apropriação dos conteúdos narrados pelos participantes.
6.2.3. Levantamento de Categorias, a partir dos Discursos das Próprias Participantes
Para efeito de análise posterior, foi feito o levantamento de algumas categorias, partindo da fala das participantes. Assim, o que se fez na seqüência foi a montagem de uma tabela com unidades de significação e compreensão das falas das participantes, elencando as categorias surgidas, para a realização de uma análise interpretativa. O Anexo 3 apresenta um recorte deste trabalho de análise de dados. Após a montagem desta tabela, a minha compreensão das falas das participantes foi apresentada no Capítulo 8.
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6.2.4. Articulação das Categorias com as Referências Teóricas Discutidas na Introdução
Houve uma articulação das categorias, levantadas a partir das narrativas das participantes, com referenciais teóricos discutidos, a priori, na introdução do trabalho que, por vezes, foram ampliados. A proposta de SPINK (1999) foi utilizada nessa pesquisa como subsídio teórico e metodológico para a compreensão da produção de sentido no cotidiano através das práticas discursivas das participantes da pesquisa, considerando os seus engajamentos num grupo de terapia comunitária. Porém, essa proposta não será utilizada como método de interpretação na pesquisa, optando-se pelo método fenomenológico na pesquisa empírica.
7. PROPOSTA DE ANÁLISE DOS RESULTADOS
Os dados encontrados foram articulados em torno de conceitos da psicologia social comunitária, da sociologia, da antropologia e áreas correlatas, a partir das análises das entrevistas e de experiências vividas no desenrolar da pesquisa. A análise do instrumento aplicado foi tratada sob a forma de capítulos, dentro dos quais foram criadas categorias que permitiram a construção de unidades de significação, conferindo sentido à experiência vivida entre o pesquisador e as participantes, sustentados pelo aporte referencial teórico.
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Ao final, pretendeu-se identificar e compreender as atribuições de sentido à terapia comunitária feitas pelas participantes da pesquisa, realizando uma análise do lugar ocupado por essa prática no cotidiano desses sujeitos.
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8. COMPREENSÕES DOS DISCURSOS
8.1. Síntese da Compreensão da Fala de Ana
Ana revelou ter chegado ao grupo a partir do convite de Paula, psicóloga e terapeuta comunitária, profissional que conduz as sessões de terapia comunitária que, neste grupo, era denominada de terapia da autoestima. Relatou que estava vivendo um momento difícil de sua vida e que o seu ingresso no grupo a ajudou na superação de seus problemas. Quando
questionada
acerca
de
um
eventual
sentimento
de
conformismo com relação às suas experiências pessoais frente aos problemas alheios, que muitas vezes podem parecer ser muito mais complexos, ela refutou tal condição e disse não se conformar com os seus problemas pessoais e que está sempre lutando para ‘endireitar’ aquilo que não está dando certo, para transformar a sua condição de vida. Em outro momento, ela disse que ouvindo os problemas das outras pessoas era possível perceber o quanto era feliz. Esta situação parece sugerir uma aceitação
de
sua
experiência,
através
da
possibilidade
de
redimensionamento do vivido. Enfatizou o seu sentimento de fortalecimento pessoal após as sessões de terapia, dizendo sentir-se ‘poderosa’ e capaz de resolver todos os problemas das pessoas com as quais convive, no momento em que retorna à sua casa quando terminada a sessão. Disse que com o passar da
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semana vai ‘enfraquecendo’, mas que naquele momento ela sente que poderia resolver qualquer questão.
8.2. Síntese da Compreensão da Fala de Joana
Joana disse que o espaço criado pela terapia comunitária na sua vida lhe é muito importante. Afirmou adquirir força naquele espaço, a partir do compartilhar com as demais pessoas, para resolver as suas questões pessoais cotidianas. Ela também afirmou que conseguiu aprender a ser mais ponderada a partir de sua participação nas sessões, pois antes costumava dizer às pessoas as idéias que lhe ocorriam acerca das mesmas. Joana disse que atualmente tem sido mais cuidadosa ao dizer algo a uma pessoa, pois, segundo ela, dependendo da forma como falamos aquilo que pensamos aos outros, poderemos ou não magoar aquele que nos ouve. Disse ainda que se sente muito feliz pelas oportunidades que tem de aprender algo novo, pois ela está com 78 anos e tem percebido que se pode aprender sempre. Além disso, ela considera que tem resistido ao seu modo de ser falante e tem ouvido mais as pessoas. Disse não ser da ‘época do diálogo’, pois teve uma criação muito rígida em que não havia diálogo e os pais eram sempre as pessoas que tudo sabiam, não permitindo aos filhos ter uma opinião a respeito do que quer que seja. Joana disse que desde sua participação na terapia tem procurado ser mais paciente e tentado agir com a filha de maneira diferente daquela que
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seus pais a tratavam. Assim, em alguns momentos, costuma chamar a filha para que possam conversar sobre ocorrências cotidianas. Disse ainda que também se percebe mais paciente com seu marido, portador da doença de Alzheimer, pois já não se sente irritada com suas confusões mentais em decorrência da doença.
8.3. Síntese da Compreensão da Fala de Ivone
Ivone disse sentir-se diferente depois da terapia, pois está mais interessada nos assuntos que as outras pessoas lhe vêm compartilhar. Disse que tem conseguido levar para as suas relações, inclusive com os seus familiares, os aprendizados promovidos pelas sessões de terapia. Afirmou ter feito psicoterapia individual durante algum tempo. Comparando as sessões de psicoterapia individual que vivenciou com as sessões de terapia comunitária, ao se referir a um episódio específico em que a mesma foi escolhida pelo grupo para narrar a sua situação de sofrimento, Ivone declarou que se naquele mesmo dia em que compartilhou a sua experiência de vida com os participantes da sessão ela tivesse ido a psicoterapia individual, tem a percepção de que teria voltado para casa com ‘a sua culpa’. Disse que naquele episódio o que a fez livrar-se da culpa que estava carregando, em função da internação do sogro numa residência para idosos, foi o depoimento dos outros participantes. Para ela, na situação de psicoterapia individual, você fala sozinho e não pode usufruir as histórias de
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vidas semelhantes compartilhadas pelos outros participantes, como nas sessões de terapia comunitária. Desse modo, afirmou que a terapia comunitária a ‘completa mais’, pois permite que se possa ouvir o problema do outro, possibilitando que se tenha mais consciência do fato de que ‘todo mundo’ tem problemas. Esse relato sugere uma ampliação de consciência, a partir da qual o sujeito pode redimensionar o seu problema vivido, ampliando seu campo de atuação sobre o mundo em função da ‘desfamiliarização’ de antigas crenças limitantes. Pode-se inferir que a partir da constatação de que outras pessoas têm conflitos e questões pessoais para resolver e podem falar a esse respeito, o sujeito sente-se ‘autorizado’ e legitimado para expor no grupo suas próprias questões pessoais que lhe infligem sofrimento. A esse respeito, Spink (1999) sugere que o trabalho de reflexão necessário para ‘desfamiliarização’ com construções conceituais que se transformaram em crenças faz-se necessário para a criação de espaços para
novas
construções.
A
autora
enfatiza
optar
pelo
termo
‘desfamiliarização’ em detrimento a ‘desconstrução’, por acreditar que dificilmente ‘des-construímos’ o que foi construído, mas, ao invés disso, criamos espaço para novas construções, visto que “as anteriores ficam impregnadas nos artefatos da cultura, constituindo o acervo de repertórios interpretativos disponíveis para dar sentido ao mundo” (p. 27). Ivone disse que tem percebido mudanças no seu modo de se relacionar com o marido e as filhas. Disse que, comumente, quando o marido lhe pedia para resolver alguma situação que cabia ao mesmo decidir, ela prontamente assumia o controle da situação. Relatou que atualmente
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tem reagido às solicitações do marido, quando este a procura para que solucione suas questões pessoais e profissionais, sugerindo que o mesmo resolva por si só seus problemas. No trato com suas filhas não era diferente, Ivone afirmou que elas sempre a procuravam pedindo conselhos e perguntando o que deveriam fazer para solucionar seus problemas pessoais e ela acabava intercedendo e decidindo pelas filhas. Comentou estar mais atenta quanto à ocorrência dessas situações, pois quando o marido lhe solicita que diga algo a algum cliente, ela tem se negado a fazê-lo, informando ao mesmo que aquela é uma responsabilidade dele e que, portanto, cabe a ele resolvê-la. Na relação com suas filhas, Ivone também afirmou que tem ‘feito perguntas’ às mesmas quando estas querem dela uma resposta pronta para alguma situação específica. Desse modo, considera estar permitindo que as filhas sejam mais autônomas com relação às suas próprias vidas. Disse que atualmente costuma questioná-las, quando as mesmas vêm lhe pedir conselhos para resolver algum impasse pessoal, com relação à forma como elas acham melhor proceder naquela situação específica, o que elas mais gostariam de fazer naquele dado momento, o que as fariam mais felizes, etc.. Assim, Ivone disse crer que dá oportunidade de amadurecimento pessoal para as filhas e para o seu marido, pois tem evitado decidir situações que envolvem os mesmos e que, portanto, cabe aos mesmos decidir. Lembrou que no passado costumava resolver as coisas por si própria quando solicitada a isso e que, por isso, acabava não dando a oportunidade ao marido e as filhas de se responsabilizarem por suas
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próprias questões, além de sentir-se sobrecarregada por ter que tomar as decisões da família. Percebe-se assim que Ivone está atribuindo novos sentidos às suas experiências diárias, a partir de um processo de construção de significados. Tem se posicionado de forma distinta a que costumava tomar nas relações com seus familiares, e isto faz com que os mesmos também tenham que se reposicionar na trama existencial diária que vão tecendo. A reflexão crítica a que Ivone tem-se imposto frente às relações que estabelece tem feito com que a mesma seja mais autora de sua própria história e também permita que o seu marido e filhas possam ser mais autônomos em suas tomadas de decisões. Outro aspecto importante nas relações de Ivone diz respeito a sua relação com a mãe. Afirmou que sua mãe está acometida por uma doença senil e tem tido prejuízos de memória, confusões mentais, repetindo-se com freqüência quando vai relatar algum fato. Disse que há algum tempo atrás ela não tinha muita paciência com a mãe e quando a mesma vinha lhe falar algo repetidas vezes, ela não prestava atenção. Disse que, depois de sua participação no grupo terapêutico, passou a ter mais paciência para ouvir os relatos da mãe e interagir com ela, e tem percebido que essa atenção a tem feito ‘melhorar’. Relatou que atualmente quando a mãe lhe vem repetir uma informação, a própria senhora se dá conta disso, e afirma que aquele assunto já foi dito e reconhece que a filha já tinha lhe respondido. Disse ainda que com as suas filhas não era diferente. Muitas vezes, as meninas vinham lhe relatar algum assunto que não era de seu interesse e ela não prestava atenção, respondendo sempre com ‘sim’ ou ‘não’ e,
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algumas vezes, as filhas a alertavam para o fato de que ela não estava prestando atenção no que estava sendo dito. Ivone disse que tem tentado se interessar pelos assuntos de suas filhas, como os namoros que vão surgindo ou discussões com as amigas de escola, pois antes ela ouvia o relato das filhas, mas não prestava atenção naquilo que estava sendo dito. Afirmou que atualmente tem tentado colocar-se no lugar das meninas, quando estas lhe vêm relatar algo, para sentir como elas estão sentindo e poder ajudá-las. Disse que antes ela simplesmente escolhia desde as roupas até os namorados para as filhas, e que, hoje, quando as filhas vêm buscar alguma resposta concreta em relação a alguma situação vivida, procura questionálas para que descubram quais caminhos as fará mais felizes. Desse modo, Ivone afirmou que tem se relacionado melhor com as pessoas com as quais convive, principalmente com as suas filhas. Esses episódios apontam para uma maior consciência da existência do outro, de suas necessidades e desejos singulares, diferentes daqueles que Ivone tem. Ela parece estar realizando com maior ênfase o exercício de alteridade nas suas relações cotidianas.
8.4. Síntese da Compreensão da Fala de Lídia
Lídia afirmou ter chegado às sessões de terapia comunitária de forma indireta, pois acreditava que não tinha nenhum problema a ser questionado em sua vida. Disse que devido ao fato de realizar um trabalho para a pastoral da igreja, considerando serem as sessões de terapia um projeto realizado pela igreja, e acreditar que não haveria adesão por parte da
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comunidade, decidiu participar para incentivar o grupo que, previra, seria reduzido. Afirmou que, a partir das sessões, foi gradualmente mudando seu ponto de vista quanto às suas questões pessoais. Disse que no início ela somente ouvia os depoimentos das outras pessoas participantes do grupo e que, comumente, identificava-se com o conteúdo narrado e o associava a alguma vivência específica que havia ocorrido em sua vida. A partir de então, Lídia pode compreender como um problema a situação de alcoolismo de seu pai, vivenciada durante a sua trajetória existencial familiar, até a morte do mesmo. Ela disse que ouvindo o relato de outras pessoas que passavam por situações comuns àquelas que havia vivido, envolvendo hábitos de uso excessivo de bebidas, por exemplo, pode perceber como um problema familiar, as ocorrências passadas em suas relações familiares. Como as demais participantes, Lídia também enfatizou que sua participação nas sessões de terapia tem lhe permitido estar mais ponderada em relações aos eventos cotidianos com os quais se envolve. Também disse perceber a importância do ‘ouvir’ mais ao invés de falar em demasia, como antes o fazia. Disse que, em algumas ocasiões, sente-se compelida, após as sessões de terapia, a procurar as pessoas que expuseram seu sofrimento para lhes dar conselhos. Porém, disse estar percebendo que somente aquele sujeito que vive determinada situação de sofrimento pode dimensionar os alcances e limites de sua atuação frente ao problema. A esse respeito, comentou de uma sessão de terapia na qual ela foi a
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escolhida para compartilhar com o grupo as dificuldades que vivia naquele momento. E, a partir das experiências compartilhadas no grupo (além de conselhos) decidiu revelar para sua avó que o filho da mesma, seu tio, havia falecido. Esse episódio teve desdobramentos desagradáveis e conflituosos (sua avó já não queria mais se alimentar e chorava constantemente) e a mesma teve que voltar atrás, desmentindo a afirmação feita a avó e dizendo que seu filho estava no hospital, porém estava vivo. Lídia lembrou ainda a importância da fé religiosa na existência humana para que o sujeito possa resolver suas situações de impasses e dificuldades surgidas no cotidiano.
8.5. Síntese Geral das Falas das Participantes Duas das entrevistadas declararam que o grupo de terapia comunitária foi montado porque elas o solicitaram. Elas trabalhavam na pastoral da igreja atendendo as crianças de um colégio e os pais das mesmas, e sentiram a necessidade de serem ouvidas num dado momento. Uma das entrevistadas disse que naquele momento acreditava não ter problemas e que acabou participando do grupo por receio de que a procura pelo grupo fosse pequena, o que inviabilizaria o grupo, pois ela acreditava particularmente não ter problemas existenciais pessoais. As outras duas entrevistadas relataram que foram participar do grupo através de um convite feito pela terapeuta comunitária que conduzia o grupo e que também fazia aulas de hidroginástica com as mesmas.
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As participantes da pesquisa enfatizam a importância da escuta enquanto forma de melhorar a qualidade das relações cotidianas. Consideram que, ao ser ‘ouvido’, o sujeito passa a sentir-se respeitado e valorizado.
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9. RESULTADOS Para realizar a discussão da análise da entrevista foram utilizados, enquanto parâmetros ou categorias de análise, os objetivos tidos como principais na terapia comunitária, que são: (1) a valorização das relações desenvolvidas pelos participantes, das famílias e das redes de relações que estes estabelecem com o seu meio; (2) o fortalecimento da dinâmica interna de cada sujeito e possibilitando que este possa tornar-se mais autônomo e desenvolva um sentido de autoria de sua própria vida; (3) o fortalecimento de vínculos nas comunidades, através da formação de uma rede social de solidariedade e de participação entre os sujeitos; (4) a produção de sentido a partir das práticas discursivas realizadas no grupo, com ênfase no falar e no escutar; e (5) quanto às percepções das participantes em relação às características da Terapia Comunitária: as várias fases da aplicação e quanto ao papel do terapeuta. Ao iniciar essa discussão dos resultados da pesquisa quero deixar explícito que tentei realizar um exercício cuidadoso no que se refere ao rigor da interpretação aqui realizada. Meu esforço foi no sentido de evitar respostas
concludentes
que
‘fechem’
o
sistema,
impedindo
novas
comunicações. Em concordância com a proposta filosófica da terapia comunitária,
busquei
proceder
de
forma
muito
mais
voltada
à
problematização e ampliação futura do campo de pesquisa do que propriamente a interpretação que encerra em si ‘verdades científicas’, principalmente no que se refere à aplicação prática da terapia comunitária e ao seu alcance junto às pessoas participantes das sessões.
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Como discutido anteriormente, a realidade sócio-econômica-cultural brasileira apresenta alguns dados alarmantes quanto à sua constituição estrutural, como o fato de só ficar para trás de dois países africanos, Costa do Marfim e Suazilândia, no quesito desigualdade de renda, ou seja, há uma assustadora concentração de rendas por parte de uma minoria da população, conforme o Índice de Desenvolvimento Nacional Brasil (O DNA do Brasil, 2004). Creio que esta ênfase seja pertinente para que não se perca de vista o contexto social a partir do qual a presente análise foi realizada. Caso contrário, incorre-se no risco de se subestimar esse dado de realidade concreta e passa-se a crer que todos (população brasileira) têm as mesmas oportunidades e possibilidades estruturais, socioeconômicas e culturais, bastando buscar o seu alcance. Crença essa ideológica que, evidentemente, tem por finalidade primeira justificar os antagonismos sociais e promover o conformismo, junto a uma larga parcela da população brasileira que se encontra submetida ao jugo dos mecanismos sociais de exclusão. Em larga medida, percebe-se que essa crença é inspirada e apropriada no discurso cotidiano, a partir de modelos econômicos e realidades sociais distintas da brasileira, como o já tão discutido, e difundido, American Dream, Sonho Americano, que propõe, resumidamente, que todos têm as mesmas possibilidades de ascensão social. Basta objetivá-la e, como conseqüência, alcançá-la. Desse modo, se tal situação descrita faz algum sentido, como se pode compreender as possibilidades de assistência à saúde, particularmente à saúde mental, para uma população que busca, comumente, no dia a dia tão somente ‘sobreviver do jeito que dá’, estando muitas vezes desassistida
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quanto à moradia, à alimentação e à educação, necessidades básicas a todo e qualquer sujeito? A esse ponto, chega-se finalmente às práticas sociais realizadas em comunidades, como formas de compreensão, intervenção e transformação de realidades muitas vezes adversas, ou, em outras vezes, tão somente como novas formas de ‘colonização’ dos espaços públicos que ainda mantém
as
dimensões
de
participação
e
solidariedade,
e
que,
particularmente por isso, são tão visados por muitos grupos auto-intitulados ‘solidários’, ‘voluntários’. A esse respeito, o momento histórico-cultural brasileiro que se apresenta não poderia ser mais propício a tais ‘iniciativas’ que se vestem com os trajes de ‘transformadores da realidade brasileira’, a exemplo de algumas ONG’s e OSIP’s instaladas no país nos últimos tempos, muitas vezes estratégias tipicamente desenvolvidas nas sociedades contemporâneas pós-modernas que servem para ‘alimentar’ a ‘indústria da miséria’. Haja vista o crescente número de investimentos feitos pelo capital estrangeiro dos países do primeiro mundo em favor das chamadas organizações do terceiro setor. Frente a tal situação, qual tem sido o lugar ocupado pelo psicólogo brasileiro nas suas práticas junto às comunidades? Spink (2003), como já discutido anteriormente, faz uma avaliação a esse respeito e constata que a formação acadêmica do psicólogo ainda está muito mais voltada ao modelo representado pelo binômio consultório/clínica, enquanto hegemônico, e esse fato traduz-se em dificuldades na atuação desse profissional junto às instituições e comunidades. Ressalta ainda a ausência de modelos de atuação profissionais voltados para as instituições públicas ou comunidades,
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como uma carência do profissional em função dos resquícios de sua formação acadêmica. Percebe-se, assim, que a atual prática psicológica no país ainda é extremamente elitista, permitindo apenas o acesso de uma parcela reduzida da população nacional. Some-se a esse fato a questão de que uma das dimensões possíveis de atuação do profissional psicólogo é a de cientista político social e que, portanto, esta representação social do mesmo pode estar sofrendo prejuízos na consolidação sociocultural e política da sociedade brasileira enquanto um sistema macroestrutural. Contudo, cabe abordar a chamada Terapia Comunitária como uma das práticas que tem sido realizada principalmente junto às comunidades com carências de recursos financeiros, dentre outros. A população segmentada por esta pesquisa para fins de estudo tem freqüentado as sessões de Terapia da Comunitária nas instalações físicas de uma igreja, a partir da iniciativa de duas das participantes do grupo de terapia que também são membros da pastoral da referida igreja. Nesse local, a denominada terapia comunitária foi renomeada como terapia da auto-estima pelo padre da igreja, José, em função do mesmo considerar que o novo nome da prática teria mais apelo, e conseqüente adesão, junto à comunidade local. A análise que se segue diz respeito às relações construídas na comunidade a partir da prática da terapia comunitária, que, neste grupo era chamada de terapia da auto-estima.
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9.1. RELAÇÕES De acordo com Guareschi (2004b), o conceito de relação é um dos mais fecundos e caros à psicologia social, se não for o conceito central. O autor aponta para o fato de que comumente relação remete à idéia de troca, comunicação e necessidade de haver pelo menos duas pessoas para que haja relação. Alerta que o conceito de relação não pára por aí e pode, inclusive, referir-se a algo singular. Traduz relação como sendo o ordenamento, o direcionamento intrínseco, do próprio ser em direção a outro ser. Guareschi (1996) enfatiza que o conflito, a rejeição e a exclusão também são exemplos de relação e que, portanto, é equivocado pensar relação como aquilo que une ou que liga duas coisas. Por outro lado, relação diz respeito a uma coisa que por si só não pode existir, dependendo de outra para tal. Pode-se verificar que as relações entre as participantes são um dado muito relevante para a compreensão da produção de sentido no grupo, a partir desta prática. As participantes da pesquisa revelam que as suas vivências relacionais no grupo são muito importantes, pois se sentem fortalecidas, na reciprocidade de afetos que circulam pelo grupo, para que possam buscar soluções para as suas questões existenciais. Uma das participantes, Lídia, afirmou que já não se sente sozinha estando no grupo, pois percebe que ali existem outras pessoas e que estas
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pessoas também têm os seus problemas e também estão em busca de soluções para os mesmos. E prossegue dizendo “tem uma visão que amplia de um mundo, de convivência, de relacionamento”. Este relato da participante sugere uma ampliação de consciência a partir do exercício dialógico promovido no grupo, no qual a mesma enfatiza a importância do outro na relação (convivência), validando as trocas intersubjetivas que ali se desenvolvem, como forma de sentir-se legitimada em suas questões pessoais mobilizadas pelo ‘ouvir’, que as experiências compartilhadas pelo outro lhe suscitam. Assim, tem-se estabelecida uma relação dialógica e dialética, a partir da qual a escuta disponibiliza, e ‘autoriza’, a fala e vice-versa, constituindo um processo ‘educacional’, no qual aquele que ‘ensina’ também ‘aprende’, remetendo assim à epistemologia proposta pelo educador Paulo Freire (1987 [1970]), na sua Pedagogia do Oprimido. A consciência emerge do mundo vivido, objetiva-o, problematiza-o, compreende-o como projeto humano. Em diálogo circular, intersubjetivando-se mais e mais, vai assumindo, criticamente, o dinamismo de sua subjetividade criadora. Todos juntos, em círculo, e em colaboração, reelaboram o mundo e, ao reconstruí-lo, apercebem-se de que, embora construído também por eles, esse mundo não é verdadeiramente para eles (FREIRE, 1987, p. 17). Vale relembrar que a prática da terapia comunitária dá-se em disposição física das cadeiras ocupadas pelos participantes na forma circular, a partir da qual o grupo pode observar-se enquanto as narrativas se desenvolvem. Ou ainda, a partir de círculos concêntricos quando se tem um grupo muito grande.
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Esse paralelo proposto com o trabalho de Paulo Freire deve-se ao fato dessa prática, TC, comumente ser desenvolvida em comunidades nas quais as pessoas não estão acostumadas a ter direito à sua ‘palavra’, ao seu ‘discurso’, ou ao que seja a expressão de suas idéias, pensamentos, conflitos, sofrimentos, necessidades e desejos. Assim, parece-me que acima de tudo as participantes têm aprendido que podem sentir-se tristes, felizes, aflitas, solitárias e podem falar desses sentimentos, pois têm um ‘lugar’ no qual serão ouvidas. As relações que vão se desenvolvendo no grupo parecem possibilitar a ampliação dos ‘repertórios interpretativos’ das participantes, permitindo que se posicionem de forma diferente daquelas a que foram se habituando nas interações cotidianas. Pontuo aqui que Lídia no contato telefônico comigo alertou-me para o fato de que achava que não tinha ‘problemas’ e que psicólogos são para pessoas que tem ‘neuroses’, ‘manias’ ou ‘põem um negócio na cabeça’, ‘pessoas problemáticas’. Ela afirmou que seu ingresso no grupo deu-se em função de solidariedade para com a terapeuta que conduz o grupo, Paula, e a sua amiga da pastoral, Ivone, pois Lídia acreditava que não iriam aparecer participantes para o grupo e as duas amigas ficariam ‘sozinhas’. Grandesso (2000) comenta o mundo da experiência enquanto um mundo significativo, a partir do qual o ser humano está imerso numa teia de significados construídos por si próprio no intercâmbio com o social, como já discutido. A autora enfatiza a estruturação das formas de pensar e agir na organização de vínculos e práticas, através de trocas intersubjetivas mediadas pela linguagem. Ressalta ainda a escuta das palavras e dos significados, como forma de favorecimento do interjogo entre os significados.
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Para Ciampa (2002), a partir dos contextos grupais de produção de sentido pode-se criar novos significados para as ideologias compartilhadas socialmente, que serviram como focos de resistência numa complexa rede de intersubjetividades. Uma outra participante do grupo sugeriu que o seu engajamento no grupo lhe permitiu compreender situações que antes não lhe era possível. Ao relatar sua opinião contrária à internação do sogro e posterior mudança de
opinião
a
favor
da
internação
do
mesmo,
ela
sugere
um
redimensionamento da situação vista como um problema, a partir de uma ressignificação e atribuição de um novo sentido àquela situação vivida. “Meu sogro já tinha tentado se matar e uma hora ele iria conseguir. Então tudo aquilo que eu não estava conseguindo entender sozinha... pronto eu sai daqui outra”. A esse ponto, talvez seja interessante relembrar Spink (1999) quando a autora propõe que para que seja possível a transformação de crenças pessoais ‘estagnadas’ nos sujeitos, necessariamente deverá haver uma reflexão que permita a ‘desfamiliarização’ de tais construções pessoais para que se possa criar espaços para novas construções referenciais. Assim, a participação no grupo parece ter promovido, em alguma medida, compreensões e apropriações a partir da fala do ‘outro’, permitindo que a participante produzisse um novo sentido para uma experiência vivida. Novamente
percebe-se
um
diálogo
que
remete
a
idéia
de
pertencimento ao grupo, de filiação que promove compreensão e apoio, sentimento suportivo que possibilita superar impasses surgidos nas situações vividas diariamente.
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Spink (1999), utilizando-se da filosofia teológica tomasiana, coloca a definição de pessoa como relação social. Aponta que o uso do conceito indivíduo remete a dicotomias como ‘indivíduo-sociedade’, ‘sujeito-objeto’, ‘público-privado’, a partir da pressuposição de ’cisões claras e absolutas’. Para a autora o conceito de sujeito pode levar a dois caminhos ‘distintos’ e ‘problemáticos’, “um que conduz a uma distinção essencial entre sujeito e objeto ou outro que, ainda mais complexo e perigoso, aproxima-nos da postura de sujeitável, tornar-se sujeito a.” (p. 54). Por outro lado, segundo a autora, o conceito de pessoa enfatiza o ‘foco sobre a dialogia’ ao invés de ‘privilegiar a individualidade ou a condição de sujeito’. Diversos pensadores voltaram-se para a questão da pessoa, através da proposição de diversas definições com diferentes referenciais teológicos e epistemológicos, porém “o caráter relacional está na base da maioria destas definições” (p. 55). Cuggenberger (1987) apud Spink (1999) afirma que só se pode pensar em pessoas, a partir da noção de relação, porque a pessoa está no mundo e não tão somente num ambiente, como os animais. Assim, Cuggenberger (1987, p. 244, 229) apud Spink (1999, p.55), conclui que Daqui provém o eu no seu caráter fundamental de pessoa, a relacionalidade com o universo (capacidade de comunicarse), a sua limitação e o seu caráter de não ser um objeto (...) A relação humana apresenta uma amostra do caráter misterioso da pessoa, visto que esta não pode ser apreendida por meio de noções objetivas e objetiváveis. Semelhantemente, a ‘intersubjetividade’ para a qual se costuma apelar como o dado mais originário sobre o qual se deveria fundar a pessoa não oferece uma solução melhor do problema (...) É verdade que a pessoa, quando quer fazer-se conhecer, deve voltar-se ao outro (grifos do autor).
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Desse modo, para Spink (1999): Essa definição nos remete, assim, ao próprio processo de produção de sentidos nas práticas discursivas do cotidiano. A pessoa, no jogo das relações sociais, está inserida num constante processo de negociação, desenvolvendo trocas simbólicas, num espaço de intersubjetividade ou, mais precisamente, de interpessoalidade (p. 55). Spink (1999) afirma que “a produção de sentido não é uma atividade cognitiva intra-individual, nem pura e simples reprodução de modelos predeterminados”, mas sim “uma prática social, dialógica, que implica a linguagem em uso” (p. 42). Segundo a autora, práticas discursivas podem ser definidas como linguagem em ação, ou ainda, como a maneira através da qual as pessoas produzem sentidos e se posicionam nas relações sociais cotidianas. Portanto,
práticas
discursivas
dizem
respeito
aos
‘momentos
de
ressignificações’, de ‘rupturas’, de ‘produção de sentido’, “ou seja, corresponde aos momentos ativos do uso da linguagem, nos quais convivem tanto a ordem como a diversidade” (p. 45). Assim,
as
participantes
parecem
estar
exercitando
as
suas
possibilidades de ‘pessoa’ através das relações dialógicas que estabelecem no grupo, percebendo-se ancoradas pela força que o grupo lhes proporciona através do sentimento de pertença. Elas sugerem ter novas possibilidades de exploração e manipulação junto às situações vividas diariamente, sofrendo transformações nas suas identidades pessoais a partir de ressignificações possibilitadas pelas práticas discursivas veiculadas no grupo.
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Em relação aos vínculos familiares, percebe-se que as entrevistadas estão muito mais críticas e reflexivas a partir de suas participações no grupo de terapia. Uma das participantes, Ivone, relatou perceber mudanças em suas relações com o marido e as filhas. Disse que, antes de sua participação no grupo, ela tendia a responsabilizar-se pelo desfecho das situações diárias que envolviam as filhas e o marido, inclusive no ambiente de trabalho, pois ela e o marido possuem uma micro-empresa. Informou que tanto o seu marido quanto suas filhas sempre lhe traziam ‘problemas’ para que ela lhes desse as ‘soluções’. Assim, disse que se sentia sobrecarregada, com excesso de responsabilidades, pois era ela quem comumente tinha que decidir as situações surgidas no ambiente familiar e de trabalho. Disse que se sentia como quem tem um ‘elefante sobre as costas’, pois não conseguia descansar nunca. Desde a hora em que acordava até a hora em que ia dormir, sentia-se responsável por dar conta de soluções para os episódios que envolviam a família, sendo que muitas vezes lhe ocorriam situações de insônia frente aos problemas surgidos. Ivone disse que atualmente tem tentado ‘colocar-se no lugar do outro’ e procura ‘sentir o que o outro está sentindo’. Essa fala remete ao conceito de empatia sugerido pela psicologia humanista rogeriana. Talvez essa apropriação do conceito deva-se ao fato de Ivone já ter realizado psicoterapia individual no passado ou, ainda, se dê devido ao fato da terapeuta comunitária que conduz o grupo de terapia, do qual a mesma participa,
ser
uma
psicoterapeuta
e,
provavelmente,
expressões psicológicas nas suas interações com o grupo.
utilizar-se
de
104
Conforme já apontado, na abordagem sistêmica o sujeito é percebido em relação às suas interações familiais, sociais e também em relação aos seus valores e crenças, possibilitando uma compreensão maior acerca do mesmo, visando a sua transformação (CAMAROTTI et al, 2003). Cabe discutir uma outra categoria proposta como objetivo a ser alcançado na prática da terapia comunitária, que é autonomia pessoal.
9.2. AUTONOMIA PESSOAL E SENTIDO DE AUTORIA
Esta categoria diz respeito às possibilidades da pessoa de ser mais autora de sua própria história de vida, de ser mais ativa na condução das relações que tece no seu cotidiano. A esse respeito, pode-se constatar que algumas das participantes da pesquisa fazem referência a uma condição pessoal mais ativa nas relações diárias que desenvolvem, sugerindo alguma possibilidade de autonomia pessoal. A possibilidade de reflexão e a posterior crítica em relação às experiências cotidianas, narradas pelas participantes, sugerem que suas possibilidades de atuação no mundo foram ampliadas, de alguma forma, nas relações interpessoais que estabelecem a partir da terapia comunitária. Porém, compreende-se em contrapartida que a figura da terapeuta comunitária registra uma presença constante na narrativa das mesmas. As participantes fazem diversas referências à pessoa da terapeuta que conduz as sessões, como sendo alguém que conduz o grupo de maneira muito inteligente, que é ‘danada’ e que ‘puxa’ o grupo quando algum participante
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está sugerindo alguma direção a ser tomada pelo outro na solução de seus problemas sob a forma de conselho. Além disso, em alguns momentos a fala das participantes revela que, a partir de conselhos dados pela terapeuta, mudaram um dado comportamento que mantinham em suas vidas. Há um relato de uma sugestão que a terapeuta comunitária teria dado a uma participante recém chegada ao grupo e que tem sido aplicado por uma das entrevistadas em sua própria vida. A participante relatou que, como a recém chegada ao grupo, ela também trabalha no mesmo ambiente que o marido e tem os mesmos problemas que a moça, pois os maridos das mesmas não conseguem decidir as situações de trabalho por si mesmos e solicitam às esposas que o façam, de tal forma que elas muitas vezes, quando evocadas pelo maridos, acabam conversando com os clientes para solucionar algum impasse. Nesse sentido, a participante do grupo relatou que a terapeuta comunitária aconselhou a recém chegada no grupo que, quando seu marido viesse lhe solicitar uma intervenção junto aos clientes, ela deveria dizer ao marido que ele deveria resolver aquela situação conversando com o cliente e, logo após, ela deveria ‘virar as costas’ ao marido, saindo da cena. A participante da pesquisa disse que tem se utilizado desta estratégia em sua relação pessoal com o marido e que tem surtido resultado, pois o marido vai conversar com o cliente em questão, mesmo questionando tal situação. Ela ainda relatou saber que o conselho da terapeuta nem foi dado a ela, mas que tem funcionado em função da história de vida das duas mulheres serem tão semelhantes. Assim, o que se pode depreender deste episódio é uma posição de referência que a terapeuta ocupa nas histórias de vida das
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participantes.
Posição esta, a partir da qual a figura da terapeuta é
concebida pelo grupo como alguém que tem um saber diferenciado em relação aos demais componentes do grupo, não diferente da tão discutida posição ocupada pelo psicoterapeuta enquanto ‘sujeito suposto saber’. Talvez caiba aqui relembrar um dos pressupostos filosóficos da terapia comunitária que diz respeito à horizontalidade das relações. Vale também enfatizar que esta é uma condição pretendida pela referida prática e que, eventualmente, pode não ser alcançada, considerando-se que somos sujeitos, dito por alguns historiadores, pós-modernos e temos nossas subjetividades constituídas ao redor de relações hierárquicas, por vezes mantidas pela tradição, outras vezes em função das distinções sociais possibilitadas pela posse de diferetes saberes veiculados através do discurso. Davies & Harré (1990), apud Spink (1999), discutem o ‘jogo de relações sociais’ a partir de um constante processo de negociação que desenvolve ‘trocas simbólicas’ pautadas pela ‘interanimação dialógica’. Tal processo remete ao conceito de ‘posicionamento’. Segundo Spink (1999), “ao
focalizar
as
práticas
discursivas
deparamos
também
com
a
processualidade das construções identitárias. Posicionar-se implica navegar pelas múltiplas narrativas com que entramos em contato e que se articulam nas práticas discursivas” (p. 56). Assim, os autores propõem que a pergunta, quem somos? é sempre uma pergunta aberta com ‘respostas mutáveis’ que dependerão das posições disponíveis nas nossas práticas discursivas. A mesma pessoa quando questionada pode responder a tal pergunta de diversas formas,
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sendo que o conteúdo da narrativa será orientado pelo contexto argumentativo que irá se configurar a partir da dialogia. Pode-se responder a essa pergunta informando a profissão que se tenha e os títulos acadêmicos conquistados ao longo de uma trajetória de vida, ou ainda, tão simplesmente a partir da descrição física de si mesmo, complementada por preferências quanto à alimentação, ao lazer, as leituras, etc. Assim, “a força constitutiva das práticas discursivas está em poder prover
posições
de
pessoa:
uma
posição
incorpora
repertórios
interpretativos, assim como uma localização num jogo de relações inevitavelmente permeado por relações de poder” (grifos meus, p. 56). Portanto, as práticas discursivas têm implicação necessária com a utilização de ‘repertórios’ e ‘posicionamentos identitários’. Spink (1999) esclarece que as três dimensões ao redor das quais as práticas discursivas se desenvolvem na dinâmica da produção de sentido são: linguagem, história e pessoa. De acordo com Bakhtin (1999), a linguagem verbal pode ser vista como um exercício social. Assim, a realidade social pode ser pensada como processo dialético, através da língua dada, em que a palavra vai constituindo um movimento contínuo e existindo como fonte mediadora entre o social e o individual. Desse modo, quando o sujeito aprende a falar, também está aprendendo a pensar, considerando que a palavra é a forma de revelação de suas experiências, bem como dos valores de sua cultura. A partir de então, tem-se que o nosso modo de percepção da realidade é indissociavelmente influenciado pelo nosso ‘agir verbal’ sobre o mundo.
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Portanto, cabe a cada sujeito apropriar-se da palavra com fins dirigidos à manutenção dos valores culturais disseminados socialmente ou, ainda, com propósitos de intervir sobre a realidade dada. Pode-se compreender aqui que muitas vezes as pessoas que participam das sessões de terapia têm poucas possibilidades de ter o seu discurso reconhecido e validado socialmente, pois comumente têm poucas possibilidades de discussão das suas condições existenciais, e acabam construindo idéias em torno das quais essa prática passa a ser vista como algo sem importância, algo que não poderá ser útil como instrumento, pois não há como transformar a realidade dada do mundo. A participação no grupo de terapia parece permitir uma reflexão a partir do contexto de fala e escuta instaurado pelas relações sociais ali desenvolvidas e assim as participantes passam a ter ‘voz’. A possibilidade de narrar suas experiências de vida no grupo, sem que para tal lhes seja necessário ter um ‘saber diferenciado’, e serem reconhecidas por essa ação social, parece promover um sentimento de auto-afirmação e confiança pessoal nas participantes que legitima as suas histórias de vida, conferindo-lhes um sentido de autoria. Assim, pode-se inferir que a partir das narrativas compartilhadas no grupo, mediadas por relações fraternas, as participantes tem a possibilidade de buscar a compreensão do mundo, interpretando-o e dessa forma agindo como pessoas ativas na transformação da realidade dada. A partir de tal consideração, far-se-á análise do conceito de rede social de solidariedade.
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9.3. REDE SOCIAL DE SOLIDARIEDADE A terapia comunitária utiliza-se do símbolo da teia de aranha para fazer menção à importância da cultura para o homem na geração de vínculos solidários com a comunidade. Nessa referência, os índios Tremembé, habitantes do nordeste brasileiro, são lembrados através da dança da aranha que, segundo os mesmos, não é nada sem a sua teia, bem como o índio não é nada sem a sua terra. Estabelecendo uma associação com o homem urbano, o idealizador da terapia comunitária considera que “A aranha sem a teia é como uma comunidade sem vínculos” (BARRETO, 2005, p. 37). O autor prossegue considerando que A cultura é como uma teia invisível que integra e une os indivíduos. Portanto, podemos acreditar que a melhor prevenção é manter o indivíduo ligado a seu universo cultural e relacional, a sua teia, pois é através de sua identificação com os valores culturais de seu grupo que ele se nutre e constrói a sua identidade. A cultura para o indivíduo é como a teia para a aranha (BARRETO, p. 38). A narrativa das participantes da pesquisa aponta para uma maior valorização da comunidade, através das relações estabelecidas, após terem ingressado no grupo de terapia comunitária. Uma das participantes relatou que muitas vezes lhe fica difícil disponibilizar-se do trabalho para participar das sessões que ocorrem às segundas-feiras a noite, pois esse é um dia da semana em que tem muito trabalho a ser realizado na sua empresa. Concluiu, porém, que sempre dá um jeito de estar presente nas sessões e quando retorna a sua casa, ao final
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da sessão, sente-se sempre muito gratificada por ter estado no grupo e ter tido a possibilidade de compartilhar das histórias de vida ali narradas. Uma outra participante, disse utilizar-se das segundas-feiras para fazer a faxina semanal em sua casa e, portanto, revelou que se sente muito cansada nas segundas-feiras à noite, porém revelou ter muita satisfação quando se aproxima o momento de ir as sessões e procura não faltar às mesmas. Outra das participantes disse gostar do momento em que percebe que a semana está terminando, pois com isso aproxima-se a chegada da segunda-feira e a mesma pode estar novamente junto ao grupo de terapia comunitária. O marido de uma das participantes teria comentado com uma de suas filhas que a esposa estaria ‘ficando importante’, pois está, ‘fazendo terapia’. Segundo uma outra participante, a sua mãe sempre a lembra das sessões quando vai se aproximando o momento em que a mesma teria que ir para as reuniões do grupo de terapia comunitária. A outra participante disse que a sua filha tem lhe dito que a considera mais ‘calma’ depois que a mesma começou a freqüentar as sessões de terapia. Estes relatos sugerem uma vinculação entre as pessoas participantes e os seus familiares, apontando para a importância da terapia na vida dos mesmos, inclusive como um indicador da abrangência que a prática tem, mesmo que indiretamente sobre as famílias.
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Para Grandesso (2004), terapeuta familiar e de casal, a terapia comunitária favorece uma organização sistêmica em redes solidárias, a partir de um sistema complexo e autopoiético. Segundo Maturana & Varela (1995), como já apontado, nos sistemas autopoiéticos as relações produzidas pelos seus componentes, através de interações, garantem seu equilíbrio sem desintegrar-se. Desse modo, quando se compreende as sessões de terapia comunitária como sistemas vivos autopoiéticos, elas podem ser percebidas enquanto unidades autônomas, com caráter unitário e mantendo-se em contínua dinâmica de trocas. Como já discutido, segundo Camarotti et al (2003) “a consciência da globalidade, sem perder de vista as várias partes do conjunto a qual pertence, permite compreender os mecanismos de auto-regulação, proteção e crescimento dos sistemas sociais e vivenciar a noção de coresponsabilidade” (p. 57). Uma nota que se faz digna de menção é o fato de todas as participantes incluírem em suas narrativas outras pessoas participantes das sessões, mesmo que essa tenha comparecido a apenas uma sessão, sempre referenciadas pelos seus nomes. Guareschi (1996) diferencia comunidade como sendo um tipo de vida em sociedade, na qual todos são chamados pelo nome. Esse gesto representaria além do fato de cada pessoa possuir um nome próprio, uma manifestação de sua identidade e singularidade, uma possibilidade de participação, uma oportunidade de dar a sua opinião, de manifestar o seu pensamento e de ser alguém.
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De acordo com González-Rey (2003) a subjetividade é um complexo e plurideterminado sistema, perpassado pelo próprio curso da sociedade e das pessoas que a constituem num contínuo movimento de complexas redes de relações que estabelecem o desenvolvimento social. Para o autor, o sentido subjetivo “... representa a forma essencial dos processos de subjetivação” (2003. p. IX). Assim, o mesmo compreende a subjetividade como “... dimensão complexa, sistêmica, dialógica e dialética, definida como espaço ontológico” (p. 75). A esse ponto, vale lembrar as diferenças das minhas experiências pessoais na condução de grupos de terapia, localizados numa dada comunidade com outro grupo realizado numa universidade, a partir da fila de espera dos pacientes inscritos para atendimento clínico no centro de formação em psicologia. O que se pode perceber foi uma vinculação maior entre os sujeitos pertencentes a uma mesma comunidade na qual a prática foi realizada. Os diálogos entre os sujeitos participantes das sessões após as sessões eram uma realidade constante enquanto que no ambiente universitário essa ocorrência raramente se dava. Era muito mais comum no ambiente universitário que as pessoas após as sessões se dirigissem as suas casas, não dando continuidade aos assuntos discutidos na sessão. Como discutido anteriormente, para Spink (1999) o sentido é uma construção social e, portanto, considerado um empreendimento coletivo através das interações promovidas pelas dinâmicas das relações sociais ‘historicamente datadas’ e ‘culturalmente localizadas’ que produzem o contexto para compreensão e realização das situações e fenômenos manifestados no cotidiano.
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No pensamento de Bakhtin (1999), a linguagem tem uma unidade central, cujo método de análise é a dialética. Assim, o princípio constitutivo da linguagem é o dialogismo, a partir do qual a linguagem é compreendida como um emaranhado de relações dialógicas em qualquer campo que se apresente. Tal concepção dialógica relativiza a idéia de autoria individual, destacando o caráter social e coletivo da produção de textos e idéias. Dessa monta, concebe-se o próprio ser humano como um ‘intertexto’, de impossibilidade existencial no isolamento, produzindo sua experiência de vida a partir da tessitura, entrecruzamento e interpenetração com o outro. Nessa trama, a relação dialógica remete ao princípio da ‘não-autonomia do discurso’, em que as palavras do falante são sempre atravessadas pelas palavras do outro e o discurso do falante também se constitui do discurso do outro que o atravessa. Assim, a concepção do eu é sempre social, nunca individual.
9.4. A FALA E A ESCUTA
Para todas as entrevistadas participantes das sessões de terapia comunitária esse espaço é visto como um lugar privilegiado, no qual podem falar de suas preocupações, dúvidas, angústias e sofrimentos existenciais. Elas afirmam, em sua totalidade, que se sentem melhor enquanto pessoas depois que passaram a participar das sessões de terapia no grupo. Além disso, as participantes também apontam o espaço da terapia como um lugar que lhes possibilita aprender novos modos de ser, ouvindo a experiência do
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outro. Elas afirmam que a escuta é um exercício de complexa prática, pois consideram que comumente tendem a falar mais e a ouvir menos. Apontam que as sessões de terapia têm lhes ensinado a serem mais ponderadas, e a partir de então elas têm buscado pensar primeiro naquilo que vão dizer, antes de fazê-lo. Dizem que tem refletido acerca da importância do ouvir o outro, antes de querer dar lhe conselhos, mas enfatizam que essa é uma tarefa ‘árdua’. De acordo com Bakhtin (1999), o falar, aqui, pode ser compreendido através da palavra que é um signo ideológico que ao mesmo tempo em que reflete, também refrata a realidade. Assim, a palavra é a expressão da linguagem interior e da consciência, além de elemento privilegiado da comunicação na vida cotidiana, acompanhando toda criação ideológica e fazendo-se presente em todos os atos de compreensão e interpretação. Por isso, a palavra tem sempre um sentido ideológico ou vivencial que se relaciona totalmente com o contexto, além de ser portadora de um conjunto de significados que lhe foram dados socialmente. Pois, quando o exercício da escuta apreende um dito, já o traz em si um não-dito, visto que produzimos e ampliamos os sentidos das coisas, dando uma ‘versão de sentido’ que nos é própria e alcançando, portanto, uma réplica e não uma repetição. Considerando-se as sessões de terapia como um campo a partir do qual se estabelece uma rede de relações dialógicas mediadas pela linguagem, através da palavra, pode-se compreender que nesse espaço gera-se conhecimento, circula-se a expressão de sentimentos e emoções, estrutura-se o pensamento, transformando-o. Assim, pode-se pensar numa
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construção interpessoal a partir da qual todos participam do mundo ali construído (no grupo), seja enquanto falante ou enquanto ouvinte. E talvez, o grande diferencial da terapia fique por conta da circulação da palavra que permite a manifestação de diversos sentidos construídos pelos participantes do grupo a partir de uma narrativa pessoal do falante, com a qual os ouvintes identificam-se produzindo e expressando as suas réplicas. A situação contrária a essa, e nem tanto incomum na nossa sociedade atual, pode ser representada pelo professor mais ‘ortodoxo’ na realização do seu exercício profissional na sala de aula (aquele que comumente
ministra
seus
conteúdos
de
forma
predominantemente
expositiva), com pouca interlocução entre os seus alunos. Nesse exemplo, a palavra que deveria circular, fica muito mais com um só indivíduo, pautada pela posição de poder que o mesmo ocupa na cena, o que pode muitas vezes representar uma ânsia na transmissão de conhecimentos e informações para os seus alunos por parte do professor. Assim, tal professor perde de vista os sentidos produzidos por sua fala junto aos alunos, a réplica, ficando enclausurado num sentido único. Retomando a situação da terapia, pode-se pensar que cada pessoa no grupo escuta a palavra proferida de uma forma muito singular e que é só na troca coletiva que se torna possível revelar os sentidos produzidos, negociá-los e até revê-los. Porém, dar a ‘voz’ ou ouvir a ‘voz’ não é tarefa simples quando se tem a posse da palavra, a fala. O exercício da escuta também é um desafio, pois para sua realização tem-se que estar num movimento atentivo em relação ao outro, senão o diálogo não ocorre. É
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somente o diálogo que nos permite rever pontos de vista, posicionar-nos e reposicionar-nos frente à situação do compartilhar intersubjetivo. O exercício da escuta parece ser dos mais desafiadores para as participantes, pois as mesmas revelam que comumente ao ouvir as histórias de vida do outro, logo sentem-se tentadas a dar conselhos. Relatam ainda que muitas vezes lhes parece muito simples resolver um determinado problema, narrado como sendo de difícil solução pelo falante que o vivencia. Essa posição tomada parece sugerir uma dificuldade de ‘colocar-se’ no lugar do outro e ‘sentir’ como o outro estaria sentindo, como uma das participantes relatou estar tentando fazer junto às suas filhas e ao seu marido, nas situações cotidianas. Uma das participantes relatou que sua mãe sempre lhe vinha repetir comentários que já haviam sido feitos por diversas vezes a ela, em função de doença senil que lhe atinge as propriedades da memória. A participante disse que comumente permanecia junto à mãe, mas não prestava atenção ao que esta falava, não tendo muito paciência para a repetição praticada pela mãe. Disse perceber que atualmente tem colaborado para a recuperação da memória de sua mãe, pois quando esta lhe vem dizer algo que já lhe foi dito, ela ouve mesmo assim e procura interagir com a mesma. Assim, tem percebido que,atualmente, a mãe lhe repete uma situação já contada e logo após lembra-se de já tê-lo dito em outra ocasião, comentando com a filha: “eu já lhe disse isso, né? Até que você respondeu... (de determinada forma)“. Esta ocorrência sugere um interesse legítimo pela fala do outro, a partir da qual a pessoa ouvinte se disponibiliza para o seu locutor com
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propósito autêntico de compreensão da comunicação que este pretende fazer. De acordo com Bakhtin (1999) pode-se compreender que a palavra nessa situação descrita funciona como um instrumento que une o eu ao outro, pois a mesma procede de uma pessoa e dirige-se para uma outra pessoa. Assim, o que torna possível a compreensão da palavra também é aquilo que é presumido pelo ouvinte em função do fato de que toda palavra possui um acento de valor ou apreciação, transmitidos através da entonação expressiva. Por isso, junto à palavra ocorrem os gestos, as expressões faciais, a tonalidade e as entonações da fala. Portanto, toda compreensão do produto do ato da fala, a enunciação, é sempre ativa, orienta-se pelo contexto e contém o ‘germe’ de uma resposta. O autor diz que para cada palavra que se processa visando à compreensão faz-se corresponder uma série de palavras do ouvinte, formando uma réplica. Assim, a compreensão nada mais é do que uma forma de diálogo. Uma questão intrigante da terapia comunitária diz respeito à interrupção da fala dos participantes, quando os mesmos começam a se aprofundar em questões existenciais vividas. O recurso utilizado para tal muitas vezes é uma intervenção por parte do terapeuta comunitário, através de expressões como: “Deixa-me ver se entendi”. Um outro recurso bastante utilizado para conter tal fala dos sujeitos é a música cantada que pode ser introduzida a qualquer momento na sessão, sempre que aquilo que a pessoa estiver falando remeter os demais participantes à lembrança de alguma música. A justificativa para tal condição é a de que a terapia comunitária não se presta à prática psicoterapêutica e sim à atenção primária à saúde. Fica
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aqui uma incerteza quanto à eficácia desse procedimento. Pois, nessa prática, há todo um procedimento inicial de ‘aquecimento’ dos sujeitos, através de atividades lúdicas, para reduzir as defesas destes, dando ênfase as suas emoções e disponibilizando-os à fala. Afinal, qual é a abrangência e limite de um fluxo de consciência quanto à sua tentativa de contenção? Qual é a garantia de interrupção de um processo psicológico após o mesmo ser deflagrado? E quanto aos desdobramentos psicológicos gerados no sujeito após uma sessão de terapia comunitária, qual é a amplitude de seus efeitos, visto que a proposta não se destina à psicoterapia comunitária e pode ser conduzida por quaisquer profissionais? E ainda com relação à proposta de intervenção nas questões psíquicas do sujeito, evitando o aprofundamento das mesmas, poderia ser esta uma forma de operar a ‘docilização’ dos sujeitos a partir de uma prática de continência, por comparação de histórias de vidas alheias? Isso posto, cabe aqui ressaltar um situação de forma mais concreta. Uma das participantes, Joana, relatou que seu marido é portador da doença de Alzheimer e uma de suas filhas, professora da rede pública que mora com ela, está acometida pela síndrome do pânico, permanecendo afastada do trabalho há alguns meses. Joana, 78 anos, é quem tem cuidado das obrigações gerais da casa, do marido e da filha. Disse que antes da sua participação no grupo de terapia comunitária costumava ‘ficar largada’ no sofá à noite de tanta exaustão em função das atividades domésticas realizadas ao longo do dia. Hoje, ela diz sentir-se bem compartilhando de suas dificuldades com o grupo e declarou:
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Então eu venho aqui, o problema dos outros também é... O meu é um problemão, filha e marido, mas eu falo assim... e eu nunca me revolto contra Deus. Ele me dá mais força, maior é o problema, maior é a minha força. Mas eu falo assim... O problema dos outros também... aqui, né. E com isso eu pego força aqui e vou continuando. Essa fala de Joana sugere que ela tem buscado no grupo motivações para continuar produzindo sentidos para o seu dia-a-dia, a despeito de todas as adversidades que ela parece enfrentar. Sugere ainda uma condição de aceitação frente aos seus problemas quando ela tem a possibilidade de comparar a sua vida com a dos outros participantes do grupo, percebendo que os mesmos também tem problemas, mesmo que o seu seja ‘um problemão’. Essa condição parece lhe trazer algum conforto e possibilidade de identificação com àqueles que tem problemas e por isso sofrem, fazendoa sentir-se forte para prosseguir a sua trajetória existencial. Assim, a partir desse caso específico, quais outras possibilidades Joana teria para dar sentido ao seu mundo? Se ela não estivesse no grupo, quais outras estratégias a mesma poderia desenvolver para lidar com as suas adversidades existenciais cotidianas? O diálogo com o seu marido e com a sua filha poderia lhe promover uma reflexão crítica acerca de sua existência, fazendo-a produzir novos sentidos para as suas experiências cotidianas? A permanência em suas relações domésticas, estando fora do grupo, lhe traria as mesmas possibilidades de reflexão e enfrentamento das dificuldades, como as que tem encontrado estando no grupo? E se assim o fosse, o quanto dessa autonomia poderia ser utilizada para ‘encantar’ o seu mundo?
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Enfim,
lançadas
tais
questões,
serão
características peculiares a terapia comunitária.
discutidas
algumas
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9.5. CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRÁTICA Com relação ao aquecimento proposto na terapia, as participantes dizem gostar muito, pois se sentem mais ‘leves’ com as músicas e com as brincadeiras, mesmo quando nas sessões são discutidos assuntos que as mobilizam bastante. Esses exercícios e dinâmicas têm a função de promover um ‘quebra gelo’, disponibilizando os participantes das sessões para a fala. Cabe ressaltar que a aplicação desta prática neste grupo específico apresenta algumas diferenças em relação à proposta original da terapia comunitária. Devido ao fato da terapeuta comunitária também ser uma psicoterapeuta e, ainda, devido aparentemente à sua vinculação com as participantes, neste grupo, têm sido propostas algumas técnicas de relaxamento que encontram muita receptividade por parte das entrevistadas. Prática essa que particularmente aprecio e acredito ser mais um instrumento que aproxima os componentes do grupo. O mote, recurso utilizado para sintetizar as situações vividas no grupo em uma frase, tende a ser de grande importância para as problematizações que serão realizadas na sessão, pois possibilita que as pessoas possam identificar-se com o tema discutido, compartilhando as suas experiências semelhantes
àquela
narrada.
O
chamado
mote
simbólico,
frase
metaforizada, costuma promover um resultado mais amplo quanto aos depoimentos dos participantes, pois ‘abre’ o sistema de uma forma mais abrangente possibilitando que um maior número de pessoas tornem-se depoentes naquela sessão.
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O momento em que os participantes narram suas histórias de vida para que possam ser votadas pelo grupo comumente costuma ser bastante intenso, pois alguns participantes ficam muito mobilizados e tendem a intensificar suas falas, aprofundando suas narrativas, contrariando o princípio de objetividade na fala proposto para esse momento, quando são normalmente interrompidos pela terapeuta comunitária que relembra as regras da sessão. A votação justificada do participante escolhido na sessão de terapia pode ser vista como uma forma de promoção da tomada de consciência do grupo, pois a mesma promove uma reflexão pessoal por parte do sujeito que escolhe uma questão levantada a ser discutida, a partir de critérios pessoais que o remetem às suas experiências pessoais. Esse também é um momento privilegiado à fala nas sessões, pois disponibiliza a fala àquele que se identificou com a questão expressa por um outro participante do grupo para que seja votada. Quanto à participação predominantemente feminina nas sessões, as participantes dizem que o fato deve-se à dificuldade de expressão dos homens com relação aos seus sentimentos. Elas alegam que alguns homens da comunidade participam de algumas sessões e depois não mais retornam por considerarem que naquele espaço só se falam coisas ‘tristes’. Uma das participantes relatou que houve um dia em que foi escolhida para falar de seu sofrimento e, após o final da sessão, um senhor participante disse: “Eu pensei que aqui eu fosse me desestressar, relaxar. Eu saí arrasado”. Afirmou ainda que esse senhor nunca mais voltou às sessões posteriores.
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As participantes também consideram o momento da escolha do tema discutido em cada sessão como um momento de muita dificuldade, pois dizem que muitas vezes gostariam de oportunizar a fala para mais do que uma
pessoa,
compreendendo
diversos
sofrimentos
relatados
como
legítimos. Pode-se inferir numa manifestação de solidariedade, por parte das participantes, para com àqueles que sofrem e têm a iniciativa para expor o seu sofrimento no grupo e acabam não sendo escolhidos, pois a cada sessão apenas uma pessoa é escolhida para narrar seu sofrimento vivido. A formulação de questões por parte dos participantes das sessões de terapia, durante as sessões, também parece ser um mecanismo que possibilita a reflexão crítica dos sujeitos frente às experiências de vida compartilhadas. Porém, como já discutido, algumas vezes ocorre a formulação de perguntas indutivas e/ou dedutivas que contêm em si um conselho ou, ainda, julgamento de valores pessoais daquele que, aparentemente, está problematizando um evento existencial do outro. Nessas situações, cabe à pessoa que ocupa a posição de terapeuta comunitário intervir, solicitando aos sujeitos que reformulem suas questões de modo a destituir das mesmas suas crenças pessoais. Assim, enfatiza-se no grupo que o objetivo do questionamento é compreender o sofrimento vivido por aquele participante escolhido na sessão para narrar a sua vivência e não a mera ‘investigação’ ou especulação da vida do sujeito que está relatando sua experiência pessoal para os participantes da sessão. Percebe-se em algumas sessões que esse é um episódio bastante comum e que dificilmente consegue-se dar a devida continência às
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tentativas dos demais participantes de opinarem nas questões vividas pelo sujeito escolhido para falar de seu sofrimento. As participantes apontam para a dificuldade de respeitar algumas regras previstas para o funcionamento do grupo, como a impossibilidade de dar conselhos. Todas elas dizem ter muita dificuldade em conter-se e não dar conselhos à pessoa eleita pelo grupo para falar dos seus sofrimentos pessoais. O que as participantes percebem é que, muitas vezes, já há um conselho ou opinião pessoal ‘embutidos’ na pergunta formulada ao escolhido daquela sessão. Algumas disseram ter vontade de procurar a pessoa que relatou suas dificuldades e sofrimentos, após a sessão, para dizer a ela o que pensaram a respeito do depoimento pessoal compartilhado. Percebe-se que as participantes apropriam-se de modo pessoal das regras e provérbios sugeridos no grupo, como um provérbio comumente utilizado pelos terapeutas comunitários nas sessões que diz: “Quando a boca cala, os órgãos falam e quando a boca fala, os órgãos saram”. Na fala de uma das participantes da pesquisa esse provérbio foi pronunciado como: “Quando a boca fala, o corpo cala”. Tal provérbio, transformado pela participante em questão, sugere que a mesma apropriou-se de maneira singular da narrativa proposta originalmente, compreendendo que quando o sujeito tem a possibilidade de verbalizar seus sofrimentos, o seu ‘corpo cala’, não necessitando expressar-se através de doenças. Uma questão de importância fundamental na terapia comunitária diz respeito à busca por relações horizontais entre todos os participantes, incluam-se aqui as figuras do terapeuta e co-terapeuta comunitários.
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Na prática, o que se percebe é que esse não é um objetivo facilmente alcançável, visto que, de acordo com os pressupostos discutidos anteriormente, somos sujeitos construídos no/pelo social e, portanto, somos produto e produtores deste mesmo social. Assim, a linguagem, enquanto sistema
de
comunicação,
torna-se
a
mediadora
desta
construção
intersubjetiva. E se assim o crermos, podemos inferir que o diálogo num sistema ‘fechado’, comportado por regras de funcionamento determinadas (o grupo), ‘aloca’ os sujeitos em posições, a partir das quais o discurso proferido passa a ter dimensões e valores distintos. Se assim o compreendo, cabe-me retomar ao lugar tão discutido em psicoterapia do ‘sujeito suposto saber’, relacionando-o a práxis do terapeuta comunitário. A despeito da filosofia proposta na terapia comunitária, o sujeito que ocupa a posição de terapeuta comunitário já comparece frente ao grupo como portador de um saber que o restante do grupo não possui, a propósito, situação bastante similar à posição ocupada pelo psicoterapeuta na relação especialista-cliente, posição esta tão criticada pelos praticantes da terapia. Portanto, a partir desta concepção, nos parece que a busca por relações horizontalizadas pode prestar-se a um exercício ideológico, tanto quanto àquele que visa ao alcance da produção de uma ciência neutra. Talvez se possa pensar numa ideologia que faz a crítica a uma outra ideologia (relações verticalizadas), mas que não soluciona o impasse das relações desiguais geradas a partir das situações vividas cotidianamente e, ‘alimentadas’ pelo antagonismo de classes, ao que Foucault (1999) denomina ‘dispositivo de poder’.
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A palavra terapia, segundo o Dicionário Aurélio, remete a idéia de tratamento e, inclusive, psicoterapia (p. 1665). Terapêutico, por sua vez, refere-se à parte da Medicina que estuda e põe em prática os meios adequados para aliviar ou curar os doentes. Enquanto que terapeuta é aquele que exerce alguma forma de terapêutica e/ou conhece bem as indicações dela. A partir destes precários argumentos postos, questiono-me acerca das representações sociais que os participantes da terapia comunitária constróem acerca do sujeito que conduz a sessão, ou seja, o terapeuta comunitário. Se assim for considerado, pode-se questionar acerca dos desdobramentos pessoais e grupais, intrapsíquicos e interpsíquicos, ‘deflagrados’ durante e após uma sessão de terapia comunitária. Assim, me pergunto, qual seria a formação necessária ao terapeuta comunitário para a condução de grupos de terapia?
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10. CONSIDERAÇÕES FINAIS Trilhar
caminhos,
construir
trajetórias,
explorar
possibilidades,
vislumbrar instantâneos de realidade vivida. Eis a seara que a mim se apresentou a partir do momento que me dispus a entrar em contato com uma realidade que, àquele momento, julgara ser diferente da minha. Por vezes tateando superficialmente, outras atravessando barreiras e chegando próximo, bem próximo de emoções que dispensavam palavras. Afinal, não é para isso que as palavras foram feitas, para deixar vazar as emoções? Assim, fui me familiarizando com alguns quadros e tendo o privilégio de me desfamiliarizar com outros tantos, apagando verdades e escrevendo dúvidas, montando novas cenas, compondo novos cenários. Creio que nesse caminho tive a oportunidade de conhecer outros em mim, deixando esquecer um tanto daquele antídoto humano que também em mim se guardava. Das velhas receitas aprendidas na sala de aula que indicavam o “não pode chorar na frente do paciente” ou ainda “pense sempre: não é comigo, é apenas resultado de transferência. Se necessário for, anote no pulso essa ‘máxima’ e leia durante o atendimento”. Quanta coisa a esquecer e quantas outras por lembrar e permitir aflorar. Creio que me vi desesperar. Creio que me quis alegrar. Creio que me fiz continuar. Desde o contato com as primeiras e calorosas emoções após as sessões de terapia comunitária, até o encontro com estas vivas mulheres que irradiavam histórias de vida embebidas em sofrimentos e superações, a minha alma não se fez descansar.
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Percebi então a importância desse lugar na vida destas mulheres que antes não tinham voz, não tinham direito à sua palavra, seus cantos eram mudos. E agora contam, cantam e compartilham, sofrendo as dores contidas de um conselho, um palpite que tanto queriam lançar ao ar. Se hoje louvam umas às outras e sofrem, e choram, e descobriram que, para além de sofrer e chorar, também podem expressar esse sofrimento, é sinal de que a necessidade de questionar já lhes habita, construindo morada. A despeito de todas as contradições e ambigüidades humanas, elas estão em um sistema que antes não lhes comportava por não existir. Encontraram pessoas e, como outras pessoas, estão aprendendo a produzir, a partir da dialogia, novos sentidos que lhes possam encantar o mundo, encantando a si próprias. Assim, cabe-me tão somente, num gesto de reverência às suas histórias de vida comigo compartilhadas, responder-lhes: “Tocar as mãos, abrir os corações, para ‘estar’ na comunidade. Tocar as mãos, abrir os corações, para viver em felicidade”.
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11. ANEXOS ANEXO 1 - Questionário 1 - O que você acha da Terapia Comunitária? 2 - Você percebe alguma mudança em si próprio depois que começou a freqüentar a Terapia Comunitária? 3 - As pessoas que convivem com você comentam alguma diferença no seu modo de ser depois que você passou a freqüentar a Terapia Comunitária? 4 - O que você mais gosta na Terapia Comunitária?
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ANEXO 2 - ENTREVISTA
Data: 30/04/05 - Ivone - Estou me sentindo muito importante em dar uma entrevista. - Entrev. - Pode ser o seu momento pop (risos). - Ana - Os quinze minutos dela de fama (risos). - Entrev. - É isso ai. Então uma primeira questão que eu tenho para vocês é Como vocês chegaram até a Terapia Comunitária, Como é que a Terapia Comunitária chegou até vocês, Como vocês chegaram até ela, Como foi esse movimento? Eu gostaria de ouvir um pouco a esse respeito. - Ana - Posso falar? - Entrev. - Você quer falar? - Ana - Falo. - Entrev. - Fala o seu nome antes para a gente identificar. - Ana - Ana. Através da Paula, Eu e a Joana fizemos Terapia e Ginástica. Então dentro da aula de ginástica ela dava umas coisas de terapeuta, né? - Entrev. - Sei, algumas atividades que eram terapêuticas? - Ana - Não, mais ela era aluna também - Entrev. - Ah, tá. - Ana - Então, mas a gente lá era um grupinho muito bom. Se ela tem alguma coisa, ela fala lá no meio. Todo mundo procura socorrer, procura acudir e a Paula, como sendo psicóloga, então teve um momento em que eu tava em crise com alguma coisa assim e ela que levantou a minha moral. Então depois disso ela me convidou para vir aqui, era até no colégio as primeiras (sessões de Terapia Comunitária). Ai eu comecei a freqüentar. - Entrev. - Que colégio que era esse? - Ana – (Do bairro). - Entrev. - Vocês também participaram das sessões no colégio? - Ivone - É. Na verdade começou assim, nós duas (Lídia e Ivone) trabalhávamos na pastoral da criança que funciona aqui nessa igreja (do bairro) e a Paula veio pelo Centro de voluntariado para trabalhar com as
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crianças e ela achou melhor trabalhar com as mães. Ela começou a fazer a terapia de grupo com as mães. Então tem um sábado do mês que estas crianças da pastoral fazem uma atividade nessa escola, (no bairro), que é aqui no bairro também. Então lá tem um bosque e nesse bosque a Paula selecionou as mães que queriam participar e fazia terapia lá nesse bosque uma vez por mês. - Entrev. - O bosque é uma praça? - Ivone - É, dentro da escola tem esse bosque. E a gente tinha vontade de participar, mas como nós éramos voluntárias, tínhamos que trabalhar com as crianças, não tínhamos tempo. Um dia, eu sugeri que ela fizesse um grupo para a gente, à noite, para os voluntários poderem participar. Então surgiu a Terapia aqui, à noite, mas da pastoral mesmo só nós duas permanecemos (Ivone e Lídia). Ela (Lídia) participa da missa das 10h e começou a fazer convites para o pessoal participar da Terapia e elas (Joana e Ana) já vieram através da natação, da ginástica. O grupo já está crescendo porque um vai convidando o outro. - Entrev. - Quantas pessoas têm mais ou menos no grupo, hoje? - Ivone - Perseverante mesmo acho que umas 15. - Ana - Tem bastante, é que não vêm todos. Geralmente a gente falta. Somos quinze que vocês conhecem mais. - Lídia - Então, essa terapia começou pela pastoral da criança que seria para os voluntários. Eu até falei, eu vou porque eu tenho certeza que não vai quase ninguém e eu vim com essa certeza, simplesmente para não deixar a Ivone e a Paula sozinhas. Essa foi a minha primeira intenção. Eu pensava, graças a Deus problema eu não tenho. A gente tem a impressão de que terapia é para quando você está com muitos problemas, você tem muita incucação e você vai. Ai ela veio (Paula) e no fim nos abrimos para a comunidade. Hoje na verdade ela é mais uma atividade da comunidade. Entendeu? Então ela abrange a comunidade todinha. Então a gente anuncia nas missas e quem conhece fala para os amigos. A procura é boa. - Entrev. - V. como vocês tem chamado a atividade aqui? - Lídia - Terapia da Auto-estima. - Entrev. - Terapia da Auto-estima, interessante.
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- Lídia - É para chamar o povo. Porque se você falar Terapia de Grupo, Terapia familiar, Terapia... As pessoas ficam sem saber. - Ivone - Auto-estima já abrange todo mundo. - Lídia - Foi até o padre Zé Maria que usou esse termo ai. Ele que sugeriu. Ele falou da auto-ajuda, da auto-estima. E ficou da auto-estima. Então, ela (Paula) vem a cada quinze dias e o pessoal formou um grupo, agora vem toda segunda-feira, às 20h. - Entrev. - E você Joana, como veio parar na Terapia da Auto-estima? - Joana - Eu também vim através da hidroginástica, foi a Ana que me incentivou e ela não ia. A casa dela é uma pensão, sábado todo mundo tá lá não dá para ela ir. - Entrev. - É a Big família? - Ana - Põe big nisso, põe big. Deixei todo mundo comendo lá e vim embora sem almoçar. - Joana - Ai eu fui lá no colégio, dois dos meus netos estudam lá, e foi no bosque. Eu me senti tão bem nesse bosque. Sabe é como está aqui em cima (na igreja), eu me sinto bem. Eu me senti bem. Essa hora é a hora em que eu descanso, mas eu fui, no sábado, uma vez por mês e continuei. De lá ela (Paula) passou para cá e eu moro aqui, também sou da comunidade, ficou muito mais fácil. - Entrev. - Então o grupo lá não está funcionando, agora é aqui? - Joana - Não. Ivone - Não, as mães das crianças mesmo não se interessaram muito. - Entrev. - Agora vamos então para o assunto propriamente dito, acho que de alguma forma já entendi como é que vocês chegaram a Terapia. O que vocês acham da Terapia da Auto-estima, qual é a importância dela na vida de vocês hoje? Eu gostaria de ouvir um pouco a esse respeito agora. - Ana - Eu acho que é assim, a gente se compreende um pouco com os outros, né. Ouvindo. Porque graças a Deus a gente não tem problemas, tem problemas cotidianos que toda família tem, mas você ouvindo o problema de um e o problema do outro e tal, você acaba falando, ai como eu sou feliz (sorri). Então você sempre tira, mesmo das coisas ruins, você sempre tira um proveito. Você aprende alguma coisa e com isso você melhora o seu
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modo de ser. Eu melhorei assim... em comparação a cuidar de outras pessoas, essas coisas. Eu acho que eu melhorei bastante. Não tenho “Azinho” ainda mais eu já mudei bastante, mas para mim foi ótimo. - Entrev. - E você (Ivone)? - Ivone - Olha, eu já cheguei a fazer terapia individual por pouco tempo, mas eu achei que terapia em grupo, assim... completa mais a gente. Porque na terapia individual eu só vou ouvir a mim mesma, quando você chega num grupo e ouve um problema do outro, ai a gente começa a ter mais consciência de que todo mundo tem problema. Que a gente não é a única (enfatizada) que sofre e que tem medo, tudo isso. Isso me ajudou tanto. Aconteceu que quando começou essa terapia foi quando realmente começou uma fase difícil na minha vida. Muitos problemas, um atrás do outro. Eu chegava aqui, eu ouvia os problemas dos outros. Eu aprendia, tirava muita coisa para ajudar a resolver os meus. Saia conformada de saber que outras pessoas também sofriam a mesma coisa. E até a gente aprende a valorizar o que a gente tem, porque quando você ouve o outro falando de algum problema tão sério, tão sofrido, a gente aprende a valorizar as coisas boas da vida da gente. Então eu não abro mão da terapia de jeito nenhum. Estou assim enrolada, trabalhando, com mãe doente e tudo, mas chegou a segunda-feira às 20h eu largo tudo e corro para cá. - Entrev. - Então Ivone, a grande diferença, se estou entendendo o que você colocou, é que numa psicoterapia individual acaba só você falando e o psicoterapeuta, e você não tem um compartilhar de experiências? - Ivone - Isso, exatamente. Exatamente. - Entrev. - Essa seria a grande vantagem para você da Terapia da autoestima? Você pode ouvir as questões do outro também e ajuda a pensar nas suas questões a partir das questões do outro? - Ivone - Muito, muito. A gente aprende muito. Olha, principalmente no valorizar o que a gente tem. Eu não sei se todo mundo é assim ou se eu, né? Aquela coisa de você achar que o seu problema é o maior que o de todo mundo, que você é única ou então que a alegria do outro é muito maior e eu não tenho aquilo. Só o outro é feliz, sendo que normalmente quando você
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não convive muito com a pessoa, a tendência é só você enxergar coisa boa da vida daquela pessoa. Fala, puxa ela é tão feliz e eu sou tão ferrada, né? - Entrev. - Tem uma expressão, não tem, que diz que o gramado do vizinho é sempre mais verde? Porque a gente não está lá no próprio jardim, está olhando a distância. Ivone - Isso, é isso mesmo. É verdade. Ai então dentro do grupo você vê que pessoas que estão sempre alegres, sorrindo, tudo, de repente ela tem um problema até mais sério do que o meu. E a gente vai comparando, vai tirando alguma coisa ai. Acho que a gente cresce muito. Isso abre muito a visão da gente para esse aspecto. - Entrev. - E vocês? - Joana - É como a Ivone - disse, todo mundo tem problemas. Agora eu nunca fiz terapia individual e nem gostaria porque eu sou muito faladeira, ai eu ia falar, falar. Mas, como disse a Ana também a gente aprende. Eu estou com 78 anos e aprendo todos os dias, aqui principalmente nessa igreja. Eu aprendi a ser ponderada. Não falar o que vê, sabe? Desculpe a expressão, vomitar o que você pensa. Eu peço para o espírito santo, saber o que você fala para não ofender as pessoas. - Entrev. - Saber o que você fala para não ofender as pessoas? - Joana - É o que eu falo, não tem que falar com a cabeça tem que falar com o coração. Pensar, raciocinar, ponderar. Aprendi muita coisa aqui na terapia e eu gosto. Segunda-feira, esta última não deu para eu vir, e me faz bem. A Paula ensinou a gente fazer relaxamento. Então, eu ando tendo uns probleminhas com a minha filha, para não falar uns problemões, e quando eu não consigo dormir eu faço aquilo que a Paula ensinou e eu desmaio. E eu rezo também porque tenho muita fé em Deus. - Entrev. - E o que foi que ela te ensinou, você pode falar? - Joana - A minha filha? Então ela está... - Entrev. - Não, o que foi que a Paula te ensinou? O relaxamento. - Joana - E a questão de respirar. Respira, aspira e solta. Eu faço duas, três vezes. Eu quero fazer mais, mas ai vai me dando... Eu nem sei como é que eu durmo, só sei que eu deito. Ai eu pego o evangelho para ler também, ao
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invés de ficar assistindo aquelas novelas porcarias da vida e está me fazendo bem. Tem dia que eu nem percebo e já estou dormindo. - Entrev. - E você Lídia? - Lídia - Bom eu, na verdade foi como eu disse. Eu vim mais assim como... não sei.. Isso ai não tem nada a ver comigo. - Ivone - Para fazer número. - Lídia - Vim aqui só para dar um apoio, para mostrar boa vontade. E ai eu fui percebendo... porque eu... eu também sou... como ela fala sempre em todas as terapias... “quando a boca fala, o corpo cala”. E é o meu caso, eu também, não sei se é um defeito, às vezes eu acho um grande defeito, às vezes eu acho que é qualidade, não sei... Eu falo, mas eu não tenho tanto problema assim, graças a Deus eu vivo harmoniosamente bem. Não tenho esses grandes problemas que todo mundo tem. Ai uma falava e eu falava já passei por isso. Ai o outro falava não sei o que de bebida, já passei por aquilo. Então ai eu fui vendo que tudo que o povo fala é comum, de uma forma ou de outra, cada um tem uma forma de conduzir, mas, no decorrer da vida, a gente passa por aquilo e você nem percebe. E uma coisa que eu gosto muito é que a Paula, eu gosto demais da postura dela. Porque às vezes, o psicólogo, se você não tiver empatia... A mesma coisa, se você vai ao médico e não for com a cara do médico, ele pode ser o melhor que for, mas você vai preferir ir num que ninguém conhece, mas que te deu aquela empatia. E a Paula, ela é uma pessoa muito forte na condução e ela ensinou umas regrinhas que não pode julgar, que não pode sair dali, não sei o que. E é muito difícil para a gente. É um exercício que a gente também aprende. A outra lá fala e dá uma vontade de dar uns conselhos. - Ana - Você não pode dar conselhos, tem que falar por você. - Lídia - Nesse sentido a gente também vai crescendo, vai amadurecendo, entendeu? E eu gosto bastante. Teve uns dias que eu não pude vir, mas sempre que posso venho e eu estou gostando bastante. Acho que foi muito importante. Eu achava que era coisa só para quem era muito problemático, muito... era isso que eu achava. Gente que vai ao psicólogo é porque tem uma mania, uma neurose, põe um negócio na cabeça. Então, a gente tem essa impressão em geral, mas no fundo ali é o cotidiano da gente. É o dia-a-
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dia da gente que é levado ali naquela... que nem sempre você tira a solução. Porque a gente vai com a idéia de que eu vou sair dali com a solução para o meu problema, mas na verdade o problema ta em quem? Na gente. - Ivone - É. - Lídia - Ela pode ter passado uma experiência (apontando para Ivone), ela (apontando para Ana), ela (apontando para Joana). Só que o meu, pode ser que o que elas passaram não caiba na minha situação. Eu acho que cada pessoa tem uma forma de conduzir a sua vida. Eu vivo com a minha mãe, sou eu e a minha mãe. Então a minha mãe sempre foi o meu porto seguro, o meu termômetro é ela. Assim, “você tá falando demais”, “você tá fazendo isso de menos”. Então a gente vive... Você sabe mãe e filha que se dá super bem? Então quando eu escuto uma filha falar que se dá mal com a mãe ou mãe que não gosta de filha, isso para mim é um escândalo. Eu acho que é porque eu não vivo isso. Então eu sempre achei que a minha vidinha até que foi boa, né? Ai você escuta tanta coisa, mas eu já vivi... quando meu pai era vivo, ele bebia. O que é essa vida ai fora, depois ele melhorou. Então a gente vê que a gente já viveu, mas no grupo é mais assim, vamos dizer, você se conforma mais com a sua situação porque dá a impressão de que você não está sozinha. Agora, é como você falou, o gramado do outro é mais verde que o meu. Porque a gente acha que o nosso é o pior. Tem uma visão que amplia de um mundo, de convivência, de relacionamento. - Entrev. - A Lídia tocou num aspecto de que você ouvir o problema do outro e verificar o tamanho do problema que você tem, comparando com o do outro, e que isso dá alguma possibilidade para a gente se conformar com aquelas situações que a gente tá vivendo. Como é que é isso para vocês? - Ana - Eu não diria me conformar. Eu diria lutar para melhorar o meu problema (risos). Então você ouve a gente, tem tantas coisas... Graças a Deus eu já passei fases ruins. Seu eu for contar a minha vida é uma tragicomédia, mas graças a Deus eu tenho o temperamento bom. Eu levo sempre as coisas para o lado melhor, não fico pensando no pior. Procuro dar esse exemplo lá em casa e é bem difícil, você consegue para os outros, dentro da sua casa você não tem o valor que te dão fora. Mas, se ela tem um problema que eu acho que é parecido com o meu e tal, ai eu procuro...
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eu quero lutar para melhorar, não vou me conformar porque ela tem o mesmo problema que eu, então tá tudo bem, tá certo, isso é normal. Eu procuro, eu quero endireitar o que está de errado. - Entrev. - Como é que é essa sua luta Ana? Vamos pensar assim, depois que você sai de uma sessão de terapia da auto-estima e que você viveu uma porção de histórias de vida ali, as pessoas compartilharam aquelas experiências, você assimilou algumas coisas, outras imagino que não te disseram tanto, outras falaram mais alto. Como é que você lida com estas idéias todas que ficam no teu corpo, na tua cabeça depois que você sai da terapia? - Ana - Eu quero endireitar todo mundo (risos). Eu quero dar conselho, eu quero falar, eu quero levar a minha alegria, a minha confraternização. Então eu acho que eu posso, eu acho que eu tenho (enfatizado) esse... esse poder. Muita modesta eu (risos), mas não é a terapia da auto-estima? Eu me valorizo, não sou boba. Então eu acho assim que eu posso. Ai eu chego na minha casa, na minha família, feliz da vida e procuro praticar isso com os meus filhos. Sempre tem aquelas encrenquinhas, tenho 4 filhos, 10 netos, bisnetos, pá,pá,pá, marido (risos). - Entrev. - E como é que é esse praticar com filhos, marido, neto? - Ana - Bom, eles nem percebem. Eu acho, não sei. - Entrev. - E você enquanto agente desse processo? - Ana - Ah, eu me acho ótima (risos). Porque eu sou assim, se a minha filha tem problemas e tal, eu procuro animar. Problemas de desemprego em família, tem um monte de desempregado lá em casa. Então eles vão sempre assim, vó... Ai eu, isso ai não é nada, tem tanta gente assim. Nós vamos melhorar, o dia de amanhã é outro, vamos lutar, não pode desanimar e estou sempre sorrindo, mesmo quando elas estão chorando. Eu choro atrás (risos), mas na frente delas eu procuro transmitir confiança. - Lídia - Posso fazer uma observação? Todo fim de terapia nossa, a Paula faz essa pergunta. - Entrev. - Qual pergunta? - Lídia - Quando ela termina, quando está terminando, ela pergunta o que cada um leva de bom ou de ruim que aprendeu. E é muito interessante,
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porque o grupo é mais ou menos o mesmo, e cada vez eles tiram uma coisa diferente. Você entendeu? É uma lição diferente. A cada terapia é uma lição que a gente leva. É isso que eu já acho interessante. Então ai quando você vê, é aquela história que já foi dita aqui, ai como eu sou feliz e não sabia. Assim, a gente passa a também dar mais valor as coisas bobinhas da vida da gente, que a gente é muito chatinha e muito cheia de coisinha, para que isso? - Entrev. - Lídia, você se lembra de algum final de terapia que tenha te tocado mais, algum tema que as pessoas tenham trazido e que foi muito forte para você? - Lídia - Com certeza, agora de imediato eu não saberia te dizer, mas quase toda terapia mexe com a gente. A gente sai daqui questionando. A gente sai assim querendo se melhorar. Querendo dali, como elas falaram, a gente tentar melhorar não só a gente. - Ana - Transmitir para os outros, né? - Entrev. - Lídia, você se sente mais possibilitada para isso, como a Ana disse que sai daqui acreditando, “eu posso fazer”, você também se sente assim? - Lídia - Com certeza. - Entrev. - E vocês, como é para vocês, Ivone e Joana? - Ivone - Eu também. Cada dia é uma lição diferente. Às vezes, o problema levantado é um problema que não tem muito a ver comigo. Então, nesse dia passa mais suave. Não saio assim tão, “Nossa, foi maravilhoso”. Mas tem dias que levantam um problema que geralmente tem mais a ver com a gente ou com alguém das nossas relações e que você sai dali pensando: “não vim trazer esse problema e no fim eu estou levando a solução para ele ou já saio com alguma coisa para dizer para o outro”. Então tem dias que você sai levando algo muito maior. Outros dias nem tanto, mas a gente sai tranqüila daqui. É sempre tranqüilo pela abertura que tem, uma coisa muito alegre. Depois no final, a gente canta uma musiquinha, dá uma relaxada. Isso numa segunda-feira, depois de um dia de trabalho. É muito bom. - Ana - Depois de uma faxina.
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- Ivone - A gente sempre leva alguma... a gente sempre sai daqui bem, mesmo que tenha sido levantado um problema triste. - Entrev. - E eles são levantados? - Ivone - São. Uma vez aconteceu... Eu trouxe um problema sério e um senhor aqui da comunidade que veio, nunca mais voltou. - Ana - O Sr. Ivo - Ivone - Ele falou, “Não eu pensei que aqui eu fosse me ‘desestressar’, relaxar. Eu saí arrasado”. E nunca mais voltou. - Ana - Relaxar. - Lídia - Não, era terapia da auto-estima e ele achou que era uma coisa leve que ia levantar a auto-estima dele. - Entrev. - E você, Ivone, como se sentiu com um episódio desse? - Ivone - Com relação ao meu problema? Eu fiquei até decepcionada. Eu falei, “Puxa vida, acho que ele veio num mau dia”. Se ele tivesse vindo num dia que fosse uma coisa mais suave, talvez ele fosse entendendo bem o que era. Porque ele chegou sem nem entender como funcionava a terapia. - Ana e Lídia - Mas, são todos os dias. - Lídia - Não entendia nada, só falava, ele queria falar. - Ivone - Ele chegou com vontade de falar e no fim eu acabei levantando um problema e ele só ouviu coisas ruins, então ficou muito mal. - Entrev. - Essas coisas ruins seriam as coisas que a gente vive no dia-adia? - Ivone - É. Quer que eu te conte o problema? - Entrev. - Se você quiser. - Ivone - Foi assim, eu tenho... eu tinha um sogro que estava com Alzheimer. Eu era muito apegada a ele e, na época que eu me casei, eu tinha perdido o meu pai e comecei a trabalhar. Ele e meu marido trabalhavam juntos, numa empresa pequena, e eu comecei a trabalhar com eles e fiquei muito presa a ele como um pai mesmo. E ele também... acho que me tinha como filha. Nossa relação era muito forte. Ele, com Alzheimer, começou com todos aqueles problemas de esquecer das pessoas e arrumar muitos problemas que não existiam, mas ele nunca esqueceu de mim, nem do meu telefone, vivia me procurando. Chegou num ponto em que ele já estava piorando
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bastante e ingeriu vários comprimidos para morrer e me telefonou para que eu fosse até lá que ele queria se despedir de mim, nós morávamos pertinho. Conseguimos salvá-lo daquilo, mas ele piorou e foi para o hospital e isso não o matou. Porém, ele ficou muito pior, muito mais agressivo, não teve mais condições de vir para casa, foi para uma clínica geriátrica. Então aquilo para mim foi o fim. Ele só tem dois filhos, o meu marido, mais um. Os dois filhos resolveram colocá-lo nessa clínica, para mim foi o fim. Eu cheguei aqui arrasada. Eu não concordava com aquilo. Eu não aceitava. Para mim era uma maldade que eles estavam fazendo com ele. Fiquei me sentindo muito mal e impotente porque eu não podia mudar essa situação. - Entrev. - Você não teve uma outra idéia? - Ivone - Não, eles tiraram ele do hospital. - Lídia - Idéia teve. - Ivone - Tivemos algumas assim no sentido de contratar enfermagem para cuidar, mas pelo tamanho dele, era uma pessoa muito grande e forte, precisariam ser enfermeiros homens, três para ficar vinte e quatro horas, ia ficar um custo muito grande. Pensaram em tudo e chegaram a conclusão de que a clínica era o mais viável. Mas eu não aceitei aquilo, para mim era o meu pai que estavam fazendo uma maldade muito grande com ele. Eu cheguei aqui arrasada, a sorte que foi no dia da terapia. - Entrev. - Você foi a escolhida nessa sessão? Ivone - Eu cheguei e pedi, coloquei o meu problema, mas já pensando que se não me escolherem eu vou pedir por favor (risos). - Entrev. - E precisou? - Ivone - Nem precisou. E no fim eu saí daqui aliviadíssima (enfática) porque eu vi que quase todos já tinham passado por um problema parecido. Um teve que internar a mãe, o outro o pai, o outro, sogro, sogra, tia, quase todos. Eu acho que bem poucos não tinham vivido a mesma situação. E todo mundo colocou a mesma dificuldade que os filhos tinham visto. Todo mundo colocou que também tiveram esse tipo de dificuldade. E depois a Paula também levantou que também teve a mãe internada e ela ainda colocou que internar um portador de Alzheimer é uma proteção. Meu sogro já tinha
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tentado se matar e uma hora ele iria conseguir. Então tudo aquilo que eu não estava conseguindo entender sozinha... pronto eu sai daqui outra. - Entrev. - É a questão que você tinha colocado um pouco antes, no começo da nossa conversa, que a gente pensa que porque as pessoas aparentemente estão em harmonia, elas não sofrem, só tem alegria? Nesse dia, você pode dizer que viu isso no relato das pessoas compartilhando com você? - Ivone - Com certeza, com certeza e foi a maioria. A maioria tinha vivido a mesma situação e achou a mesma solução também. Era a solução. Se naquele dia eu tivesse ido numa terapia individual, eu acho que eu não teria resolvido nada, porque o que resolveu foi o que eu ouvi dos outros. - Entrev. - Vamos tentar então fantasiar um pouco, brincar com as idéias, se você tivesse ido para a terapia individual naquele dia, o que você acha que você teria levado para casa, usando a terapia comunitária com refrão? - Ivone - Se eu tivesse ido na terapia individual? - Entrev. - Ao invés de vir na sessão de terapia da auto-estima, se você tivesse ido naquela noite, segunda-feira, numa terapia individual, tenta imaginar o que você teria levado para casa no final da sessão individual. - Ivone - Eu acho que eu teria levado a minha culpa de volta (risos), porque o que me ajudou a me livrar daquela culpa foi o depoimento dos outros. Ai eu vi que a maioria, que naquele grupo pequeno, tantas pessoas já tinham vivido coisa semelhante. Imagina em outro contexto maior. Então, com certeza (com ênfase), a terapia individual, aquele dia (com ênfase), não teria me ajudado. Pena o Sr. Ivo ter ido embora. - Joana - Porque ele não entendeu o problema da Ivone. Ela estava toda precisando de apoio e ele, acho que pensou que fosse uma festa, sei lá... Ele é muito festeiro, que ele também tá cheio de problemas (risos). E a Ivone não sentiu o apoio nele, mas sentiu nas outras pessoas. - Entrev. - Sei. E o que isso significou para você? Você está se lembrando desse episódio nessa sessão em que a Ivone foi a protagonista, o que isso trouxe para você naquele dia, o que você levou para casa naquela sessão, você se lembra?
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- Joana - Levei. Porque eu estava, aliás estou no mesmo problema, meu marido está com mal de Alzheimer. Não sei exatamente se há três anos, a gente não sabe, mais ou menos por ai, mas aquilo vem aumentando. É um problema que não tem solução, uma doença que vai gradativamente. Então aquele dia eu levei assim... que meu marido as meninas quiseram internar em dezembro. porque meu marido começou assim... porque mora em frente a minha filha e meu genro foi lá na sacada e viu tanta roupa, falou “sua mãe virou lavadeira, tem lavanderia?”. Ela respondeu “Não, meu pai faz muito xixi e minha mãe fica lavando”. Ele disse: “Ah, mas ela vai ficar doente, já tem idade”. Porque eu me dou muito bem com o meu genro, é o filho que a gente não teve. E ele falou: “Então eu vou fazer um negócio”. Comunicou-se com a minha outra filha e eles já arrumaram para internar. E ai eles vieram falar comigo, não vieram de sola, vieram assim... Eu falei olha... Ai nesse meio de tempo ele começou a tomar um medicamento novo, até difícil de encontrar. É fórmula alemã, caríssima, mas está valendo a pena para o meu marido. Ai nesse meio de tempo meu marido melhorou, ele está raciocinando, sabe? E eu vi, eu sei que eles tinham razão. Eles queriam me poupar, mas ai eu falei para eles... no natal fui ajudar minha filha, meu genro estava falando assim: “O que você vai fazer? O que vocês resolveram?” Eu respondi, “Eu resolvi que eu não quero que interne porque ele está melhorando, eu tenho saúde e eu posso cuidar”. Ai eu pus um enfermeiro que dá banho nele todos os dias e faz a barba,então já diminuiu para mim esse serviço. A roupa não tem problema porque põe na máquina e põe desinfetante, certo? E Deus me ajudou e meu marido está melhorando, você acredita? Ele está raciocinando, ele não sabia mais assinar o nome. Ele é contador, não sabia mais assinar o nome dele. Umas coisas que se você pensar é pachorra. Já está escrevendo, está pintando, está desenhando (chorando), está atendendo o telefone. - Nesse momento o grupo começou a cantar, a exemplo do que ocorre nas sessões: “Encosta tua cabecinha no meu ombro e chora. E conta logo tuas mágoas todas para mim. Quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora. Que não vai embora porque gosta de mim”.
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- Joana - Então e a terapia tem segunda-feira que eu estou cansada, venho arrasada aqui. Assim... Eu venho... Eu não sou triste. Eu sou... Às vezes, eu falo será... Eu fui num casamento em dezembro e dancei com todos os meus parentes, tudo. Eu falo será que eu fiz bem? Meu marido está aqui, ficou com o enfermeiro, está doente e eu estou nessa alegria. Depois eu falo não, é bom que eu sou assim porque senão sou eu quem vou ficar doente, certo? Então eu venho aqui, o problema dos outros também é... O meu é um problemão, filha e marido, mas eu falo assim... e eu nunca me revolto contra Deus. Ele me dá mais força, maior é o problema, maior é a minha força. Mas eu falo assim... O problema dos outros também... aqui, né. E com isso eu pego força aqui e vou continuando. - Entrev. - Então Joana, quando você sai daqui você se sente mais forte para enfrentar a sua própria realidade, os episódios que a vida te coloca? - Joana - Sim, sim, muito bem (bradando). - Lídia - Tem um detalhe na terapia que eu observo, que às vezes vem uma pessoa pela primeira vez. Ela vem angustiada, querendo falar, mas por algum motivo o assunto dela não foi o eleito. A pessoa não vem mais. Então eu percebo muito isso. Tem pessoas que vem assim, assim... trazer o meu... - Ana - Tem que resolver. - Entrev. - E elas não são escolhidas naquele dia e não retornam? - Lídia - Eu tenho percebido isso. Eu tenho percebido isso. - Ana - É porque tem uma votação. Você escolhe o tema e quem é mais votado. Outro dia eu não recebi nem um voto, né Ivone? (risos) - Ivone - Éé. - Ana - Eu não recebi nenhum voto. (risos) Falei, não sirvo para a política. - Lídia - Então, assim... Outro dia veio uma moça que disse que tossia muito e não sei o que e no fim a As. ganhou. Porque ela sempre falou do marido dela, esse marido dela ela fala desde o primeiro dia e nunca teve oportunidade. - Entrev. - Ela não tinha sido escolhida ainda? - Lídia - Não. E ela estava tão feliz que ele tinha melhorado, entendeu, e ai todo mundo votou nela.
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- Joana - Eu até escrevi sabe, eu gosto de escrever, dia 14 de março. Eu me senti bem de contar toda a minha vida na história. Como além de tudo meu marido é deficiente. Era um touro e ficou doente, com medo de médico. Eu me sinto assim protegida com elas... por elas. A única coisa que eu não gosto na terapia é que você não pode dar palpite. - Ivone - Às vezes, a língua fica coçando, assim... - Joana - A gente só pode perguntar, não pode dar palpite. É isso que eu não gosto. - Entrev. - As. que importância que tem esse grupo da terapia na sua vida? - Joana - Uma importância muito, muito boa. Você vê, apesar de eu morar perto, a essa hora eu já deito cedo. A gente vem, mas eu fico torcendo para chegar o dia de vir na terapia, me faz bem (emocionada). Não é que eu quero que os outros tenham problema. Eu sei. Eu sou vivida. Eu sei que todo mundo tem. Então, quando a pessoa tem, sempre que você fala alguma coisa, como aquele dia a Ivone, ela pegou força aqui. É como eu também. - Entrev. - Agora então eu tenho uma outra questão para vocês. Você percebe alguma mudança em si própria depois que começou a participar da terapia? - Joana - A Ana já respondeu essa. - Ana - Não precisa nem me perguntar. - Ivone - Eu percebi uma mudança muito grande em mim, até dentro destas regras que tem. Eu tenho duas filhas e um marido que não gosta muito de falar, e a gente ainda trabalha juntos, e eu é que tenho que estar sempre falando. Na hora de reclamar de alguma coisa ele sempre joga na minha mão e essa regrinha de não dar conselho, não julgar. Eu acabei levando isso no meu relacionamento com eles, principalmente com as minhas filhas. O meu marido eu ficava querendo obrigar ele a falar. Tinha mania de ficar querendo obrigar. E as minhas filhas eu já dava tudo pronto. Chegou com problema, eu falava faz assim, faz assado e pronto. Então eu queria que eles vivessem da maneira que eu queria. Então eu aprendi nisso, principalmente na minha relação com elas, a fazer com que elas pensem no problema e procurem a solução. Então ao invés de chegar e falar, oh filha faz assim. Agora eu chego e pergunto. O que você gostaria mais, como você
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gostaria que esse problema fosse resolvido. O que você acha melhor fazer. Na verdade, no lugar de dar conselho eu aprendi a fazer perguntas e parei também de querer obrigar o meu marido a falar (risos). Quando tem alguma coisa na empresa que ele joga para mim, eu não obrigo nada. Eu só falo, olha esse problema é seu, é você que vai ter que resolver e saio de perto. - Entrev. - E o que tem acontecido? - Ivone - Ai, ele vai até o cliente e fala. Já está até começando. Até na... A senhora (Ana) veio na segunda-feira, né? Na segunda-feira teve até um casal que o problema era assim. O marido muito quieto e também trabalha com a esposa numa malharia, né? E na hora de resolver um problema, ele jogava para a mulher porque ele não gosta de falar. E foi exatamente esse conselho que a Paula deu: “Você cala e sai de perto. Deixa ele falar”. - Lídia - Não é que eu queira me intrometer, mas não é só esse caso. Todos os homens, a maioria, tão querendo... tudo deixar... - Ivone - Eles jogam tudo... - Lídia - Eles jogam tudo para as mulheres, isso. Eu sempre vivi isso. Meu pai fazia isso. A minha cunhada é quem tem que dar a cara a tapa. Eles fazem as burradas lá e põem a mulher para ir lá resolver. Mais isso ai não é... - Ivone - É. A mulher já tem a fama de falar mais, né? (risos) - Lídia - É, a mulher resolve. (risos). - Ivone - É. (risos) - Entrev. - E se você pudesse sintetizar isso, esse procedimento que você está tomando numa frase, numa palavra, qual seria? Essa coisa de ao invés de você ir lá e dizer para as suas filhas o que eles tem que fazer. Ao invés de dizer para o seu marido o que você quer que ele fale. O que é isso, essa nova conduta que você tomou? - Ivone - Agora você me pegou. - Entrev. - Quando o seu marido vem e diz: “Olha, vai lá e fala aquilo para o cliente por mim” e você responde: “Não, você é que tem que ir e falar com o cliente”. O que é isso? O que você está fazendo nessa hora? - Ivone - O que eu estou fazendo? Eu acho que eu estou dando a oportunidade para ele crescer, amadurecer, né? Com as minhas filhas eu
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tenho certeza que é isso. Estou deixando elas comandarem a vida delas. Apenas... né... - Lídia - De prontidão. - Ivone - Ajuda, de prontidão e ligada para... Mas, vou jogando... agora que nome? Que nome eu dou para isso. - Entrev. - Com as suas filhas você tem certeza e a falta de certeza com o seu marido, o que poderia ser? - Ivone - Porque eu acho assim... que ele já está educado, já está pronto, né? Não sei se ele vai mudar muito. Se vai melhorar alguma coisa. Com ele, eu não tenho essa certeza. Com elas, eu tenho mais porque elas estão começando agora. Estão aprendendo. - Entrev. - E o que tem acontecido normalmente, hoje, quando você diz para ele ir falar porque você não vai? - Ivone - Ele vai (risos). Vai com um bico desse tamanho (gesticulando), mas vai. E isso está me descarregando bastante, isso também... Porque eu acabava ficando... né? Atribulada. Porque as filhas vinham tudo para mim. Ele, né? Da empresa... é pequenininha, mas tem bastante problema. No fim, todo mundo buscando a solução aqui, né? Não só buscando, como jogando para eu resolver e devolver pronto. - Entrev. - E você alimentava eles em dada medida, pode-se pensar assim? - Ivone - Ah, eu alimentava muito. Antes da terapia era assim que funcionava. Eu ficava esgotada. Às vezes, chegava a ponto de não dormir. Sabe quando você deita na cama, o problema de um, o problema de outro. Tentando resolver tudo ali. E agora, eu me sinto bem mais aliviada de estar jogando assim... e estou sentindo um amadurecimento das minhas filhas bem maior, principalmente a mais velha. A mais velha sempre foi mais madura, mais senhora de si. Agora a mais nova sempre... tudo... vai vivendo a vida e deixa a mãe resolver. - Lídia - Mais é que a mãe superprotege, né? Porque é menorzinha, toma mais cuidado. - Ivone - É. Pode até ser, mas eu sei que ela está crescendo mais. - Entrev. - Eu poderia dizer que você está se desresponsabilizando por coisas, questões que não são tuas? Você está explicando para as pessoas:
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“Olha, essa não é a minha responsabilidade aqui, ali, acolá. A minha responsabilidade é uma outra. Essa é sua” ? - Ivone - Isso, exatamente. E tem dado um bom resultado. Está me aliviando bastante. - Entrev. - Muito bom. E você V., você sente alguma mudança em si própria depois da participação na terapia? - Lídia - Ah, com certeza. Assim, às vezes eu me choco bastante com alguns depoimentos. Coisa que eu nem imaginava que uma pessoa pudesse passar. Então, ai eu... Depois eu fico pensando naquela... Posso falar né? (pedindo anuência do grupo). - Ana - (Sorri). - Lídia - A gente realmente procura... A gente... porque mulher tem a fama de fofoqueira, de falar para um, falar para o outro. Mas... a gente... eu estou podendo falar... Então, às vezes, eu fico muito... Eu rezo muito por aquela pessoa. Eu vejo que às vezes tem pessoas que não vêem solução. Tem pessoas que vêm aqui e sai... Não é que não vê. Por mais depoimento que tenha, a realidade dela para resolver é complicada, você entendeu? Então, assim... Eu, particularmente, sou uma pessoa muito determinada (alongando a fala), bem assim. Então eu me choco com essas coisas. Eu acho que eu amadureço com isso. Começo a ver o ser humano de uma outra forma. - Entrev.- Que outra forma seria essa, a partir da terapia da auto-estima? - Lídia - Assim, é... de ver que as pessoas, é... às vezes precisavam de um pouco mais da minha atenção. Eu saio... (risos) toda terapia, dependendo, eu tenho vontade de ir lá, conversar, falar, mas falei bom... não dá para falar. - Ana - Dá vontade de ser psicóloga (risos). - Lídia - É, não dá para falar, então eu falei... eu presto atenção para aonde querer... outro dia veio uma moça aqui que se separou do marido. Mocinha, até bem mais nova do que eu, já tem dois adolescentes, aquilo me chocou tanto que eu, jamais, olhando para aquela moça, eu jamais poderia imaginar que ela fosse sofrer tanto, quanto aquela moça sofre. Então, eu tenho vontade de sair, conversar com ela, de resolver... ajudar, né? Mas, depois eu falo, eu não tenho amizade. Então, ela segue a vida dela. Então, o pouco que eu tenho de contato com ela, eu tento me aproximar. Eu tento trazer ela
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para a comunidade, para ela ter um... um objetivo, não tão triste, como... o que ela está vivendo agora, você entendeu? Mas, eu enquanto pessoa... amadureço. A gente pensa que sabe... Eu quando tinha 13 anos, eu achava que era o máximo. Eu achava que eu sabia tudo. Eu era uma convencida daquelas. - Ana - Vira e mexe a gente aprende (risos). - Lídia - Gente, eu não sei nada. A gente não sabe nada na vida. A cada dia a gente vai... que até você fala, aquela lá podia fazer assim. Não é tão simples assim, entendeu? Às vezes, a gente quer dar solução, né? Mas... para mim é fácil que não estou vivendo a situação, né? Como eu, trouxe um problema aqui que era da minha avó. Minha avó vai fazer 98 anos e está lá em casa. A gente é quem cuida, eu e a minha mãe. Morre o filho dela e não contamos porque ele morreu meio que de repente. Ele ficou doente e eu não achei que ele ia morrer. Era uma doença meio séria, mas eu não achava que ele ia morrer. De repente morreu e para contar para ela? Eu trouxe a questão, mas foi um rebuliço aquele dia, que a maioria disse que eu tinha que contar, que a verdade (ênfase), a verdade acima de tudo. - Entrev. - Então te deram conselho? - Lídia - Indiretamente, no depoimento, a Paula é danada, ela não deixa, ela conduz muito bem. Quando ela vê que a coisa vai tendenciando para um lado, ela puxa. - Ivone - Ela breca. - Lídia - Mas, as pessoas no depoimento delas acabavam... começavam a colocar conselhos. E eu cheguei em casa e falei: “Mãe, vamos contar. É melhor contar”. A minha mãe respondeu: “Pelo amor de Deus, agora caiu na minha mão”. Sabe, já faz 7 meses que ele morreu e nós não contamos e todo dia ela pergunta: “O Nelson está melhor”. E a gente fica naquela mentira. No começo foi difícil, entendeu? Nossa, era tão doloroso. Agora... Agora... “Ah, tá melhorando. Ta ai”. E ela já tá meio idosa. Às vezes, tá meio esquecida lá. Então, assim... por mais que pareça simples o problema, por mais que pareça, depende de cada ser humano. A minha avó perdeu dois (filhos). Um com um ano e meio e outro com cinco anos, de sarampo, quando ela... Ela tem 98 anos, imagina, ela era muito mocinha e ela ficou tão
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traumatizada que ela ficou muito nervosa e ela chorava, chorava. Ela se entregou durante anos da vida dela por causa dos dois. Então, foi uma perda muito grande. Se ela perde... e ela não sabe que o filho morreu. Agora, estou eu e minha mãe com esse... Uns vêm e falam conta, outros vêm e falam não conta. Então, quer dizer, por mais que eu escutasse ali, por mais que todo mundo falou. Por mais que eu quisesse tentar. Mandaram eu contar a história do gato, lá... Que o gato cai do telhado. - Ana - O gato caiu do telhado (risos). - Lídia - Não sei o que do gato. Ai, a minha mãe começou: “Ai, ele está muito ruim”. Para que, ai ela não comia e chorava o dia inteiro. Chamava ele o dia inteiro. A minha mãe: “Não, ele melhorou. Já está bom”. - Entrev. - O gato desceu do telhado e está bem? - Ana - Não funcionou o gato. (risos) - Lídia - Não funcionou. Então, às vezes, é aquela coisa. Às vezes, uma coisa que para a gente está tão evidente. É uma solução tão simples. A hora que você está vivendo aquele problema, ela não é... Ela é difícil. - Entrev. - Então Lídia, você poderia dizer que essa é uma grande mudança que você percebe em você? Que as coisas não são tão simples. Faça isso ou deixe de fazer aquilo que estará tudo resolvido. Que não basta dar um conselho? - Lídia - Exatamente. E tem um tempo também. A gente tem mania de querer tudo para ontem. A gente quer que tudo resolva rápido, mas não é assim. O tempo é o senhor da razão e, às vezes, vai passando o tempo, um ano, sei lá... É difícil para a gente esperar. Tem decisões que não é um problema seu, pessoal. Às vezes, você tem que decidir pelo outro. Ai,... Ai, a coisa complica, né? - Entrev. - E para vocês, vocês sentem alguma mudança pessoal? - Ana - Eu já falei. - Entrev. - (Para Ana) Você quer explorar um pouco a idéia? - Ana - Eu já falei. Me sinto ótima (risos). Me sinto querer... assim... Gostaria de mudar todo mundo. Como ela falou, é difícil. Você acha que a solução é fácil, mas para a pessoa que está vivendo é mais difícil.
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- Entrev. - O Ana pode-se dizer que você se sente mais empoderada, com poder para resolver as coisas? - Ana - Ah, totalmente. Mulher maravilha (risos). Eu tenho a impressão que assim... vem uma força, assim... que se eu conseguir conversar, ela vai mudar esse pensamento. Então, às vezes é um defeito também, eu quero moldar as pessoas do jeito que eu quero que elas sejam. Então isso pode ser um defeito. Eu gosto de perguntar: “Porque você se deixa cair desse jeito. Levanta. A vida é boa. Você tem que lutar. Você tem que... Ninguém ganha nada caindo do céu, assim” Você tem que batalhar para ganhar”. Então se eu vejo a pessoa muito arrasada ali, eu quero que..., sabe? Então, às vezes é um defeito, né? Porque eu sinto assim, mas aquela pessoa está arrasada. Ela não vai aceitar o meu ponto de vista. Então, eu acho que isso é uma qualidade para mim, mas os outros me vêem... vêem isso como defeito, entende? Eu me sinto muito bem (melancólica). - Entrev. - Sei. Você se sente com mais poder para resolver as suas questões? - Ana - Uhum, muito, muito mais. Me sinto numa boa, né? (risos). - Entrev. - E você Joana, que mudanças você vê em você? - Joana - A essa altura do campeonato, para eu mudar foi difícil. Porque acho que a mulher... sei lá... A gente quer mandar. A gente quer sempre mandar. E eu em casa não... Era o meu marido que controlava dinheiro, tudo. Depois, acho que uns cinco, seis anos, antes, mais... acho que vai fazer... Até o meu genro no dia das secretárias me mandou flores e disse que eu era... eu devia ser a secretária do governo, porque o dinheiro começou a sobrar, sabe? Eu pus na poupança porque eu precisaria ter uma posse, eu não sabia que o estado dava, tal. Comecei a economizar, fui me precavendo. Mas, eu mudei. Porque você ouvir os outros é duro. Você só quer falar, falar. Escutar é duro, né? Mas faz bem para a gente e eu aprendi aqui, na terapia. Porque eu mudei, você vê em relação ao meu marido. Eu estou tratando ele como se ele fosse o meu filho e está surtindo efeito. A minha filha também. Eu sei porque eu não sou do tempo do diálogo. No meu tempo, imagina se você ia conversar com a mãe, com o pai. Eu não sabia nada com nada. Aprendi foi assim... a pelejar.
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- Ivone - O espelho é seu, né? - Joana - Foi duro para mim. Ainda bem que o meu marido era uma pessoa muito boa. Foi me ensinando a viver e tal, desde a lua de mel. Com a minha filha também. Agora eu chego e falo para ela: “Vamos conversar filha”. Coisa que eu não fazia. Já ia: “pupururmrumm”, já ia fazendo, né? Eu aprendi aqui na terapia. (Nesse momento o padre da igreja, José, na qual estávamos realizando o encontro, chegou e me foi apresentado. Ele fez uma brincadeira enquanto estendia a mão para cumprimentar a todos do grupo, dizendo: “Não sou candidato, mas em todos os casos”. Ivone explicou para o padre que eu estava ali realizando uma entrevista com elas a respeito da terapia da autoestima para fins da minha dissertação de mestrado. Logo após o padre se despediu nos desejando um bom encontro). - Entrev. - Então Joana, pelo que eu entendi do que você estava falando, você pode adquirir uma posição na vida que é a de ouvinte e não só a de falante. O que houve, o que é isso que você está vivendo agora depois da terapia? - Joana - Eu estou aprendendo. É como a Ivone falou que não sabia assim... é ensinamento da terapia que ela teve, como eu acho que eu tive. Para mim foi muito proveitoso. Porque ninguém é dono da verdade. E também eu aprendi, vamos dizer, a me controlar, porque tem hora que dá uma vontade falar. Não dá, eu fico doente. (risos) Não que eu queira ensinar ninguém não. Eu aprendo, eu adoro aprender. Eu gosto de aprender, sabe? E eu tenho o espírito jovem, não quero nem saber. Sou a maior palpiteira do pedaço, mas até isso eu aprendi. Eu fico quietinha. Também o modo como você fala com a pessoa, às vezes você fala e você machuca. O modo de você falar, se eu falar meigo, com jeitinho, aquilo lá soa diferente. - Entrev. - Bacana isso. Você já tinha levantado isso anteriormente. As palavras podem ferir o outro, dependendo da maneira como elas vêm? - Joana - É, com certeza.
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- Lídia - Depende do emocional da pessoa, né? Porque se a gente tá no calor da discussão e o outro: “Ah, mais viu, você falando meiguinho lá e ela...”. É uma coisa inerente do... - Joana - Quer ver, eu vou contar para vocês. A dona Josefa, ela vem na terapia e ela é vizinha da minha filha. A gente sobe junta. Ai, ela falou da filha, tal. Não é para contar, mais isso daí (risos). Aqui não tem... é o intruso aqui no nosso grupo. Intruso no bom sentido (risos). Ai, ela falou da filha, falou, falou. E eu estou... eu não posso tomar sorvete de chocolate, então eu tomei açúcar. Bom, eu ouvi que a filha dela está cheia de qualidades. Eu ia falar para ela e ai eu lembrei que a Paula ia me pegar. Depois, quando nós subimos, eu falei: “Dona Josefa, olha, eu vou falar para a senhora uma coisa. Lá eu não podia falar, mas aqui eu posso. ”Eu admiro a sua filha porque ela tem ‘n’ qualidades”. E ela falou: “É verdade dona Joana. A senhora me deixou... a senhora me abriu os olhos”. Porque eu só ouvi coisa ruim dos filhos, do marido. Acho que ela não vê as qualidades que eles têm. Mas, aquele dia eu me vinguei da Paula lá fora, eu falei. - Entrev. - Vocês tocaram num ponto que eu achei interessante. Me parece que o grupo de vocês está constituído de uma forma em que ele prega o sigilo, porque na terapia convencional comunitária não tem a questão do sigilo. O sigilo existe na psicoterapia individual. Na terapia comunitária, o que a gente aprende é que devemos ter o bom senso. O grupo deve preservar uma informação que ele perceba que a pessoa que colocou não gostaria que outras soubessem. É um compartilhar de experiências e até pode-se colocar que não se deve colocar um segredo que não poderia ser comentado aqui ou ali - Ivone - Mas sempre vaza alguma coisa. Na nossa última reunião foi levantado isso. Veio uma participante, uma moça bem dependente, Maria, ela tem problemas de saúde e tudo. Ela já é madurinha, mas ela é muito dependente dos pais devido aos problemas de saúde que ela tem. Aconteceu de alguém ter ouvido um depoimento dela aqui e contou para a mãe. Ela chegou aqui muito brava. - Lídia - Para a mãe dela?
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- Ivone - É. Porque ela falou aqui e alguém contou para a mãe e a mãe veio dar bronca. A Paula foi reforçar isso. Ela falou: “Gente, aqui a gente não pode contar segredo. Porque se é segredo, mais de um está sabendo, não é mais. Segredo não é para se colocar, mas a gente pede sigilo com o que é dito aqui. Se quiser comentar o problema, comenta o problema sem dar nomes.” Se de repente é levantado um problema e você chega no seu trabalho e uma pessoa tem um problema parecido, você pode falar: “Olha, uma pessoa no meu grupo tem um problema, assim, assim, assado. Ela resolveu ou não resolveu”. Pode comentar o problema, mas não dê nomes. Manter isso daí. Então as regrinhas são sempre iguais em todo grupo de terapia? - Entrev. - São. Os procedimentos do início ao final de uma sessão já são definidos pelo idealizador da terapia, Adalberto Barreto, um cearense, médico psiquiatra, teólogo, antropólogo. Ele criou esses procedimentos para a prática da terapia comunitária, estabelecendo como ela deve começar e como ela deve terminar. Uma das questões é essa de que não há necessariamente o sigilo, mas deve prevalecer o bom senso. - Ivone - O respeito. - Lídia - Tem um detalhe que a dona Joana falou que eu acho muito interessante. A gente só quer falar, entendeu? O ser humano tem essa mania. Ele só quer... Então para a gente ouvir também é um exercício que a gente faz de saber ouvir. Porque quando começa a terapia ninguém quer pôr tema nenhum, fica aquele silêncio mórbido. Até começar, a terapia demora. - Ana - A Paula olha de olho em olho. Vai olhando, vai olhando. - Lídia - Aí, de repente uma fala, a outra fala. Ai, de repente não tinha assunto nenhum, quando você vai ver tem meia dúzia. E tudo que a gente gostaria que fosse colocado. É difícil da gente opinar, da gente escolher. - Entrev. - Então o momento da escolha é difícil Lídia? Você está trazendo uma coisa importante. - Ivone - É difícil. - Lídia - Às vezes, eu acho que tal pessoa tem mais necessidade, entendeu? Mas, o assunto dela não é tão assim... Às vezes, eu me identifico mais com o dela (apontando para Ivone), mas eu vejo que ela está mais agoniada
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(apontando para Ana). A gente tem essa... É difícil de votar. Então, a hora que a pessoa fala, elas despencam a falar e não param... quando a pessoa coloca. Ela vem tímida, vem um pouco assustada. - Ana - Começa a falar. - Lídia - Aí, quando começa a falar, ela não pára. Ela desembesta lá e é duro para controlar. Ai, a Paula... Eu gosto muito... A Paula tem muito carisma. Então o que a gente precisa saber é ouvir. A gente não para pra... A gente quer a gente desabafar. Se eu encontro ela (Ana): “Olha, eu nem me preocupo..., está acontecendo isso, mais não sei o que e ela está lá quieta me olhando”. - Ana - Vai ver que está até pior. - Lídia - Vai ver ela quer me contar alguma coisa e eu não dou chance. Eu vou falando. - Ana - O meu problema é sempre o maior. - Lídia - Então, a gente tem essa tendência de achar que é só a gente que quer falar e, às vezes, o outro... Então, a terapia ela nos ajuda a saber ouvir, porque você é obrigado a ouvir, né? - Entrev. - Isso já marca uma mudança para você então? - Lídia - Ah, com certeza. - Entrev. - Teve consonância aqui com o que a Joana falou, que ela aprendeu a ouvir mais. E para vocês, para a Ivone e para a Ana, como é essa questão do ouvir? - Ana - Eu prefiro ouvir do que falar. Só que de repente eu começo a falar e não paro mais (risos). Mas eu prefiro ouvir. Mas ai eu olho para a Paula e ela começa assim: “E ai quem vai falar?”. Ela passa de olho em olho assim, todas, e ninguém abre a boca. Ai, então eu começo e começa todo mundo. A primeira assim... que ela pede para falar. A primeira a falar é difícil, né? - Lídia - É. - Entrev. - Você tende a tomar a iniciativa? - Ana - Geralmente. Eu não... mas eu prefiro ouvir. - Entrev. - E você Ivone, o que você acha dessa questão da fala e da escuta?
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- Ivone - Olha, é... eu... eu... eu também tenho assim um pouco de dificuldade de... de ficar falando dos meus problemas. Aprendi mais a falar aqui. Aprendi a falar mais. Aprendi a ouvir porque muitas vezes eu ouvia, mas eu não me colocava muito no lugar da pessoa. Às vezes, eu ouvia, sabe? mas não dava muita importância e eu aprendi a me colocar mais no lugar dela. Tentar sentir o que ela está sentindo. E com isso melhorou bastante o meu relacionamento também, com as outras pessoas. Tentar sentir o problema dela, como ela está sentindo. Ai, a gente entende melhor a pessoa e isso tem me ajudado. - Entrev. - Estar mais disponível para o outro? - Ivone - Exatamente. - Entrev. - Em que medida você sente que melhorou os seus relacionamentos? - Ivone - Olha, melhorou com a minha mãe. Minha mãe está doente na minha casa. Eu achava... Eu não tinha muita paciência. Minha mãe está assim meio demente já também, né? Eu não tinha muita paciência de ficar ouvindo as histórias repetitivas (risos). Eu estava ficando muito sem paciência com isso e comecei... Quando ela começa a falar, eu mesma já penso assim: “Escuta com paciência, responde”. Porque, às vezes, eu já não respondia mais. Ela falava e eu ficava muda, era uma coisa que eu já estava cansada. Então eu comecei a responder, a comentar (ênfase) o que ela está contando e tem ajudado até (ênfase) a cabeça dela a melhorar. Porque agora quando ela vem me contar uma história que ela já repetiu, ela fala: “Ah, eu já te falei, né, que você me falou isso assim, assado”. Então tem ajudado nisso e principalmente com as minhas filhas, né? Também está... eu consigo me colocar. A adolescente que é a mais difícil... que às vezes vem falando tanta bobagem, para a gente é bobagem, né? Mas que para elas tem uma importância extrema. Um namorinho, uma paixãozinha ali ou uma briga com uma colega de escola, às vezes se sente rejeitada na escola por isso ou aquilo. Então eu aprendi a dar mais importância nisso e ai eu paro, escuto, tento me colocar no lugar dela, sentir o que ela está sentindo. E, às vezes, muitas vezes eu consigo até dar um conselho assim... que eu percebo que ela acata mais, que ela também sente que eu prestei atenção,
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né? Porque muitas vezes aconteceu, com essa minha filha mais nova estava acontecendo direto, eu estava muito sem paciência e ela fala, fala, fala, fala, fica falando as coisas dela e de repente eu falo sim, não sem nem estar sabendo o que ela estava falando e ela percebia e falava: “Mãe não era isso que eu estava dizendo, não foi isso que eu perguntei”. Então, mesmo não tendo muito tempo para conversar com elas, mas o pouco que a gente conversa está tendo um valor maior. - Entrev. - Faz diferença o interesse pela fala do outro então? - Ivone - Faz muita diferença. Para a gente e para a pessoa que está falando. Quando ela sente que a gente está realmente interessada no problema dela, ela sai da conversa muito mais satisfeita e valorizada. - Entrev. - Essa questão já dá um gancho bom para a próxima questão que eu tenho para vocês, que é: As pessoas que convivem com você comentam alguma diferença no seu modo de ser depois que você passou a freqüentar a terapia? - Ivone - Olha, comentar diretamente ninguém comentou, mas eu sinto essa diferença. - Entrev. - E vocês? - Lídia - Ah, também não. Também... Sou eu e a minha mãe, ela nunca falou nada. Mas ela me conhece bem, assim... Ela me conhece, como diz, como a palma da mão, mas se a gente for ver nem a gente sabe que linha que a gente tem, né? Mas ela me conhece bem. Ela fica: “Você não vai na terapia?”. Então teve uns dias que eu não pude vir, até fiquei doente, depois eu tive um compromisso. Então, ela fica me lembrando, né? “Você não vai, tal”. Mas, assim, mudança... Porque a nossa relação sempre foi muito linear, sempre foi de muita cumplicidade, sempre foi de muita... Então, aquilo... Não teve assim... Assim que tivesse uma mudança muito grande. - Entrev. - Então V., o simples fato dela te lembrar da tua vinda à terapia para você quer dizer alguma coisa? Ou ela te lembra de outros compromissos também? - Lídia - Não, não. Não, porque eu comento né? Falo: “Segunda-feira é dia da terapia”, às vezes eu comento, né? Ai, ela fala. Eu acho que ela gosta que eu venha, nesse sentido percebo.
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- Entrev. - De alguma forma ela vê como algo positivo para você? - Lídia - Eu acho que sim, mas de comentar assim... não. - Entrev. - E aqui no grupo, as pessoas comentam umas das outras, o que estão vendo umas nas outras? - Ivone - Não, né? Não teve nenhum momento em que a gente tenha colocado isso. - Ana - Precisamos falar para a Paula. Se bem que outro dia ela fez. A gente tinha que achar os defeitos na outra. - Ivone - Achar os defeitos e as qualidades. - Ana - Eu não acho defeito em ninguém. É difícil. - Joana - Mas além de achar o defeito e a qualidade você não pode falar. Não tá certo. É a minha opinião. - Lídia - Não. Só que ele quis na verdade. Eu já até conhecia essa técnica, que uma vez me perguntaram e eu fiquei até bastante chateada com ela. Então nesse dia, ela queria que a gente fosse de duas em duas e conseguisse ver os defeitos, mas a gente só vai ver o defeito se a gente conviver com a pessoa. Um dos defeitos, você só vê que ela está meio gordinha, mais coradinha. Assim, que defeito... é complicado você... - Ana - É horrível. - Lídia - Você não convive com a pessoa, mas o recado que ela quis dar é que foi... no fundo, no fundo... - Ana - Que você não conseguia falar. - Lídia - A mensagem era para a gente tirar uma lição dali, mas que foi difícil para a gente ver defeito. - Ivone - E antes, no começo ela não falou que não ia precisar falar. Então todo mundo já ficou com medo de ter que achar os defeitos e depois ter que falar para a pessoa (risos). - Joana - Os defeitos que eu achei, que eu tinha que achar, viraram qualidades porque são pessoas que se dedicam a família com todo amor, outra se dedica a mãe que está doente. Então, isso daí para mim que é um defeito, dedicação demais. - Entrev. - É esquecer de si para cuidar de alguém?
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- Joana - É. Eu achei que isso daí era uma qualidade que pode ser um defeito. É como disse a Lídia (no diminutivo) apontar o defeito. - Lídia - Porque na verdade, a mensagem... a mensagem da técnica era a seguinte: “O que eu mais acho em você, é o que eu sou”. - Ana - O que você é. - Lídia - Que é o que incomoda. - Ana - Os defeitos que você acha nos outros é o que você tem. - Lídia - É o que a gente tem. Então, vamos supor, eu tenho um defeito, mas eu não percebo, eu não sinto assim que ele seja tão forte, mas o que está do meu lado percebe ele lá. - Entrev. - Uma das idéias do idealizador da terapia comunitária é de que eu só reconheço aquilo que eu conheço. Isso quer dizer que eu só posso apontar no outro aquilo que eu já tenho em mim. - Lídia - É exatamente a escolha do tema. - Joana - Você vai apontar um defeito de uma pessoa. Vamos supor, um defeito que vai magoar a pessoa, você vai ficar mal, né? - Entrev. - E vocês, Ana e Joana, alguém do convívio de vocês comentou que percebeu alguma mudança em vocês? - Ana - Não. Tanto assim, lá em casa meu marido é muito fechado também. Aqui eu posso falar dele. Mas, quando eu comecei, ainda lá no colégio, com a dona Maria Helena que vinha me buscar em casa. Ai, eu comentei com ele: “Eu vou para a terapia, amiga nossa, lá é gostoso, eu não vou perder nada, só vou ganhar com isso”. Ai, ele comentou com a outra minha filha: “Nossa, a tua mãe agora está ficando importante, está fazendo terapia”. Eu senti um certo orgulho do jeito que ele falou. Então, é uma filha que dá muito valor para essas coisas. Então ela acha assim excelente e gosta. Eu sempre chego e bato papo: “Olha, o tema foi esse e tal. Fizeram isso e aquilo”. Tanto hoje para vir para cá, quando a Joana me ligou eu falei: “Ai, no sábado é tão difícil para eu sair” e ela estava do lado e falou: “Mãe, a senhora vai, a senhora não falou que ia?”. Então ela dá muita importância. - Entrev. - Então a sua filha e o seu marido incentivam e valorizam como algo positivo na sua vida a sua participação na terapia?
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- Ana - Ah, sim. Tudo o que eu faço, eu estou sempre com a apoio deles. Eu sou meio louquinha. Eu faço tudo que eu tenho vontade, mas eu sempre encontro apoio neles. E nesse tema terapia... Ele não falou diretamente para mim, né? Eu notei que ele falou com certo orgulho, sabe? “Olha, ela está se desenvolvendo”. - Joana - Então, essa minha filha que tem síndrome do pânico, ela fala a senhora não vai na terapia. E eu sempre chamo porque, por exemplo, eu não posso deixar uma pessoa com mal de Alzheimer sozinha. Mas eu já estou bem escaldada, sabe o que eu faço? Eu falei... porque ele já não dá mais para dormir em cima, dorme em baixo. Não podia subir, tal. Começou a dar problemas. Conclusão, está resolvido isso. Se a gente tem que sair é muito raro. Ai, eu já ponho ele na cama, televisão e ele não sai. Tranco a porta, dá para ela vim, mas ela não vem e quer que eu venha, sabe? Ela falou, “mãe, a senhora mudou muito depois da terapia”. Eu falo, “É verdade, eu estou com mais paciência, com mais jeito. Porque eu dava curso de batismo durante 18 anos. Falava, ‘Paciência’. Falar é uma coisa meu filho. Você fazer... eu vou te falar. O meu marido assobia o dia inteirinho, primeiro ele gemia. Eu falei... Meu Deus eu não vou... Parece que ele saia um gemido de dentro assim do peito, uma dor. Eu falava, “Ai Jesus me ajuda”, isso no começo. Agora, faz uns tempos, ele assobia, assobia. Então, eu não ouço nem mais o assobio porque eu estou gostando que ele assobie, entendeu? Meu neto fez aniversário e nós fomos em uma pizzaria. Lá foi ele, né? Poe duas fraldas para não vazar... E das coisas... O enfermeiro falou: “A senhora é uma velhinha esperta”. Porque eu não vou passar vergonha, certo? Então eu vou... Meu genro falou: “Hoje o Mário é por minha conta”, esse que eu falo que é o meu filho. Ele fatiou a pizza para o meu marido, deu cerveja. Minha filha falou: “De vez em quando pode dar cerveja para ele. Ele tem 81 anos, pode tomar cerveja”. Ai, meu genro dava bala para ele não assobiar. Eu falei: “Deixa ele assobiar. Eu prefiro que ele assobie do que gema”. Eu não estou escutando mais ele assobiar, você acredita nisso? Meu ouvido já calejou. E quando ele está assobiando, porque ele quase já não falava, agora ele não fala muito. Então, ele está fazendo exercício, certo? Então, eu estou levando. Estou deixando a vida me levar. É a terapia.
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- Entrev. - A sua filha reconhece isso em você? - Joana - Ah, porque ela fazia, né? . Ela precisa fazer, ela fazia. Agora, ela só vai ao médico. Então, ela falou: “Mãe a senhora está bem”. Estou mesmo. - Ana - É porque vocês estão vivendo... você ajuda os outros, mesmo que ela não queira vir. Mas, é um problema que você compartilha. Então, vocês estão vivendo, não é? - Joana - Ele pegava, por exemplo, se eu ponho uma bandejinha com fruta, alguma coisa. Porque eu procuro não deixar faca. Porque eu ganhei um manual do mal de Alzheimer. Então, eu sei todas as dicas que não pode, né? Então, eu... ele pega, pega, pega, pega... Aquilo não me irrita mais porque eu tiro do lugar. Entendeu, eu já? Ao invés dele ficar, tira e põe, tira e põe, também já não me faz mal. Agora, eu até já... Eu peguei a coisinha de remédio e falei: “Quer brincar, tó. Brinca com isso ai”. Eu acho que eu virei outra pessoa. - Ana - Eu tenho a impressão que a gente que está sobrecarregada, que está tensa, né? Então, você vê em qualquer movimento dos outros... você se irrita. - Joana - Agora eu falei: “Se ele quer fazer a risca lá com garfo, deixa ele fazer. Não me irrita mais”. - Entrev. - Eu tenho uma última questão para vocês. O que cada uma de vocês mais gosta na terapia. O que é muito bom. Qual é a hora em que é muito bom? Qual é o aspecto que é muito bom da terapia? - Joana - Só o que gosta? Não pode falar o que não gosta? - Entrev. - Pode falar o que não gosta também. Então que seja assim, o que gosta e o que desgosta. O que acha que é muito bom e o que é mais difícil de fazer? Pode ser aquilo que desgosta. O que é muito prazeroso? O que vocês acham que é mais consistente, que ali tem uma coisa muito boa? E a sugestão da As., qual é o contraponto para isso? - Joana - Oh, o que eu não gosto é que não pode dar palpite. Eu fico doente (risos). - Entrev. - Ela já pode aqui dar um palpite, está vendo? Já palpitou.
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- Joana - Sou uma velhinha palpiteira (risos). E o que eu gosto assim é do apoio que eu sinto, sabe? Eu me sinto assim, querida, estimada, apoiada, é isso ai. - Entrev. - É esse sentimento de que o grupo está ali com você? - Joana - É. Está me dando força. Eu venho aqui, eu fico... Eu tenho outra semana, tá? - Entrev. - Diferente das suas semanas antes de você participar do grupo? - Joana - Isso, isso mesmo. - Entrev. - E você Ana? - Ana - Eu gosto porque aqui a gente encontra assim... amizade, né? Eu tenho muitas amigas e tal. Então, aqui já criei uma nova turma. Então, sei lá... na hora da terapia somos tudo amigo, a gente brinca, a gente conversa, a gente dança, a gente canta. Então, fica uma coisa mais gostosa, mais leve, né? Isso participa a gente juntos. Eu sempre saio bem. - Entrev. - Esse convívio te faz bem? - Ana - Muito bem. - Entrev. - E o que é difícil para você na terapia? - Ana - Falar. Você notou? (risos) - Entrev. - Isso é o que eu estou vendo. (risos) - Ana - Não, é o início, né? Se todo mundo fica calado eu fico parada. - Entrev. - Mas não é você quem toma a iniciativa? - Ana - Sou eu (risos), mas eu tomo a iniciativa porque a Paula fica assim que nem você e me olha assim no fundo dos olhos. - Joana - A gente é obrigada a falar. - Ana - “Fala você”. - Entrev. - (Para Ana) E ai normalmente você fala? - Ana - Falo. - Entrev. - E para você Ivone, Qual é o melhor momento da terapia e o que ela tem de difícil, digamos assim, se não é de pior? - Ivone - Olha, para mim o melhor momento é do começo ao fim. O processo todo eu gosto de todos os momentos. A abertura com a brincadeira, né? Que a gente canta, dança, tudo. Mas, é assim... o momento mais... é menos gostoso é esse ai onde as pessoas têm que se colocar e fica todo mundo se
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segurando ali, né? Todo mundo com medo de falar. Mas não que não seja bom. É um momento menos... mais incômodo. - Ana - Difícil. - Ivone - Ah não, não tem nada de ruim não. É sempre bom. - Entrev. - E para você Lídia? - Lídia - É assim, eu também acho que é um pouco angustiante porque às vezes a gente tem vontade de falar alguma coisa que... você tem vontade. Sabe quando você quer falar e seria tão bom se você pudesse falar. Porque é um momento, tudo tem um momento certo, né? Mas... você tem a regra é porque ela é boa para isso. Já foi testado e não somos nós quem vamos mudar essa regra. - Entrev. - Você está se referindo a falar de alguma coisa sua ou falar alguma coisa para o outro? - Lídia - Para o outro. E também eu acho que tem um diferencial aqui nesse grupo, especificamente, porque por ser um grupo que freqüenta uma comunidade, ele tem uma diferença de uma terapia que se fosse fazer em qualquer outro lugar, entendeu? Porque aqui a gente tem muita fé. Então, isso tem muito. A dona As. fala isso toda hora. As pessoas têm muita necessidade de... “Ah, mais você arruma força onde?”, “A em Deus, na minha fé”. Então, isso eu acho que é um diferencial desse grupo. Que é um tipo de apoio onde as pessoas sabem que tem aquele apoio. De como ir atrás. Você vai sempre encontrar. Por menos que a gente não veja, às vezes não sinta, mas de uma forma ou de outra ele está muito presente. E assim, eu gosto bastante porque tem muitas brincadeiras, descontrai. Então o pessoal descontrai mesmo. E dança e abraça. Então aquele momento é muito prazeroso, vamos dizer assim, entendeu? - Entrev. - Esse encontro é muito prazeroso? - Lídia - É muito prazeroso, tem um momento de oração no final e ela chama a pessoa no meio e a gente faz uma oração. - Entrev. - A pessoa que foi escolhida? - Lídia - E ou as que tentaram levantar o problema e não pode ser contemplada naquele dia. A gente faz uma oração. A gente canta aquela musiquinha lá, né?
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- Entrev. - Qual? - Lídia - Abençoa... - Ana - Fulana vai ser abençoada porque o Senhor vai derramar o seu amor... - Lídia - Ah, e a pessoa se sente... é uma coisa tão forte que a pessoa se sente livre. A pessoa se sente e a gente também se sente como se a gente fosse um doador. Antes de terminar, você está terminando, eu só queria te dizer uma coisa. Por exemplo, foi muito falado aqui que as pessoas não... tem muita dificuldade de mudança, mas muda sim. Eu acho que a mudança, aquele que é ‘turrão’ que fala que não muda, ele está se auto-enganando porque é a vida que faz. Ela já falou a idade dela ai (Joana), ela fala que está aprendendo a cada dia e eu acho que cada um de nós. E a gente se torna um ser humano melhor, você entendeu? A Ivone também já deu o depoimento dela aqui hoje, que você às vezes é um pouco radical em certas... mas você vai mudando. Você vai mudando porque a nossa finalidade é crescer. É mudar também porque a gente sabe, faça o bem terá o bem, faça o mal... A gente sabe disso, nem precisava ser cristã, nem precisava acreditar em Deus. Tudo o que me leva a bem, bem mesmo... Quando a gente vai com o pensamento ruim, com uma energia ruim a gente também volta com a energia ruim. Então eu acho que tudo isso contempla na terapia. - Entrev. - É isso? - Lídia - É isso. - Entrev. - Vocês querem colocar mais alguma coisa? - Joana - Ah, eu lembrei. Eu gosto quando a Paula dá relaxamento. Ah, como eu gosto. - Entrev. - Na terapia? - Joana - Na terapia, né. A gente aprende a se controlar, a se acalmar. Gosto muito. - Entrev. - Ela dá alguns exercícios de relaxamento para vocês durante a terapia?
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- Lídia - Como o grupo está muito homogêneo, são sempre os mesmos. Quando ela vê que não vem pessoa de fora, que são os mesmos. Então, ai ela faz uma dinâmica diferente. Que é gostoso. Ensina, né? - Ana - Outro dia teve uma boa. Para a gente fechar os olhos e escolher um lugar para você ir. Ah, ai eu vou tão longe. Meu Deus que gostoso. Eu já fiquei debaixo de uma cachoeira sentindo aquela água rolar. Ai quando a gente volta, ela comenta: “Você foi para onde? Você viu o que?” Essa aqui (apontando para Joana) viu um pé de mamão. - Joana - É porque eu plantei mamão em Itú e nasceu, tá cheio, tá sempre dando mamão. Então é uma alegria. - Ana - Engraçado porque cada uma vai para um lugar, né? - Entrev. - E você Ivone, quer falar mais alguma coisa? - Ivone - Acho que eu já falei bastante, né? - Joana - Hoje nós falamos, hein? - Ana - Hoje estava liberado. Falamos e demos palpite, né? - Entrev. - Então, eu quero agradecer muito a presença de vocês, a disponibilidade de vocês. Eu sei o quanto é difícil, principalmente no final de semana, vocês já devem ter as suas programações em casa e foram extremamente generosas comigo, atendendo a minha solicitação. - Joana - Deu certo, você vê? Quando tem que ser. - Entrev. - Eu queria inclusive já verificar previamente, já faço o agradecimento e um novo pedido. Se for possível para vocês eu gostaria de ter mais um encontro com vocês daqui a algum tempo, que seja de sábado novamente nesse horário. Vocês acham que é possível? - Ana - Se a gente estiver disponível com certeza, porque às vezes eu vou para Vinhedo para a casa da minha filha. - Entrev. - Eu gostaria de voltar a combinar um segundo encontro para a gente aproveitar as idéias que surgiram nesse encontro e fazer um encerramento. - Ana - Também é sinal que você gostou também. - Entrev. - Eu gostei. - Joana - Então nós estamos felizes, né? Já que ele gostou.
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- Lídia - Tomara que tenha te ajudado no seu preparo, na sua finalidade. Porque eu acho que essa é uma profissão muito nobre, entendeu? Eu acho que tudo que você tem para ajudar os outros eu acho que é muito nobre. O mundo está precisando muito disso e são poucas pessoas que tem acesso. Você vê, a Paula vem gratuitamente aqui. Ela faz um serviço voluntário. Ela abriu, ela deu essa perspectiva e tantos que gostariam de ter e às vezes não podem, não tem essa oportunidade. - Ivone - É que a terapia individual é sempre cara. As pessoas que tem um baixo poder aquisitivo não tem como fazer mesmo. - Entrev. - Fica restrita a uma pequena parcela da população. - Ivone - Com certeza e isso é tão importante. Nossa, para mim ajudou tanto, tanto que eu falei, olha se eu pudesse eu ia de lugar em lugar, de paróquia, em paróquia tentando montar um grupo para levar essa ajuda para o maior número de pessoas possível. Olha, para a minha vida foi uma mudança muito grande.
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ANEXO 3 - RECORTE DE PROCEDIMENTO PARA ANÁLISE DOS DADOS
Data da entrevista: 30/04/05 UNIDADES DE SIGNIFICADOS COMPREENSÃO PSICOLÓGICA (Como chegaram a Terapia) Através da Paula, Eu e a As. fizemos Terapia e Ginástica. Então dentro da aula de ginástica ela dava umas coisas de terapeuta, né? Então, mas a gente lá era um grupinho muito bom. Se ela tem alguma coisa, ela fala lá no meio. Todo mundo procura socorrer, procura acudir e a Paula, como sendo psicóloga, então teve um momento em que eu tava em crise com alguma coisa assim e ela que levantou a minha moral. Então depois disso ela me convidou para vir aqui, era até no colégio as primeiras (sessões de Terapia da Autoestima). Ai eu comecei a freqüentar.
Ana inicia sua fala dizendo que chegou a terapia através de Paula, psicóloga, que conheceu nas aulas de hidroginástica. Afirma que em função de Paula ser psicóloga, apesar dela estar naquele contexto como mais uma aluna, ela introduzia algumas técnicas terapêuticas de relaxamento nas atividades de hidroginástica, além de criar um espaço de fala. Assim, Ana disse que estava ‘em crise’ e foi convidada por Paula a participar do Grupo de Terapia da Autoestima na Igreja Católica do Bairro.
Eu também vim através da hidroginástica, foi a Ana que me incentivou e ela não ia. A casa dela é uma pensão, sábado todo mundo tá lá não dá para ela ir. Ai eu fui lá no colégio, dois dos meus netos estudam lá, e foi no bosque. Eu me senti tão bem nesse bosque. Sabe é como está aqui em cima (na Igreja), eu me sinto bem. Eu me senti bem. Essa hora é a hora em que eu descanso, mas eu fui, no sábado, uma vez por mês e continuei. De lá ela (Paula –
Joana declara ter sido convencida a participar da terapia da auto-estima por Ana que aparentemente era a pessoa mais motivada a participar e que acabou decidindo que não poderia. Percebe-se que Ana foi apoiada por Joana para que pudesse participar das sessões. Afirmou que no início do grupo as sessões eram realizadas num bosque que fica dentro de uma escola do bairro (1 encontro mensal), depois as sessões passaram a ocorrer quinzenalmente, na Igreja do bairro.
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Terapeuta) passou para cá e eu moro aqui, também sou da comunidade, ficou muito mais fácil. Na verdade começou assim, nós duas (Lídia e Ivone) trabalhávamos na pastoral da criança que funciona aqui nessa igreja e a Paula veio pelo Centro de voluntariado para trabalhar com as crianças e ela achou melhor trabalhar com as mães. Ela começou a fazer a terapia de grupo com as mães. Então tem um sábado do mês que estas crianças da pastoral fazem uma atividade nessa escola, que é aqui no bairro também. Então lá tem um bosque e nesse bosque a Paula selecionou as mães que queriam participar e fazia terapia lá nesse bosque, uma vez por mês. Dentro da escola tem esse bosque. E a gente tinha vontade de participar, mas como nós éramos voluntárias, tínhamos que trabalhar com as crianças, não tínhamos tempo. Um dia, eu sugeri que ela fizesse um grupo para a gente, à noite, para os voluntários poderem participar. Então surgiu a Terapia aqui, à noite, mas da pastoral mesmo só nós duas permanecemos (Ivone e Lídia). Ela (Lídia) participa da missa das 10h e começou a fazer convites para o pessoal participar da Terapia e elas (Ana e Joana) já vieram através da natação, da ginástica. O grupo já está crescendo porque um vai convidando o outro. Então, essa terapia começou pela pastoral da criança que seria para os voluntários. Eu até falei, eu vou porque eu tenho
Ivone revela que o grupo de terapia da auto-estima começou por sua sugestão. Ela e outras pessoas que trabalhavam na pastoral da criança tinham vontade de participar dos grupos de terapia que Paula havia montado para as mães, porém não podiam em função de seu trabalho com as crianças naquele mesmo momento. Assim, sugeriu a Paula que montasse um grupo de terapia específico para os voluntários da pastoral, no período noturno. Ivone disse que por fim, da pastoral, permaneceram no grupo apenas ela e Lídia. Revela ainda a importância do convite feito de pessoa a pessoa para o crescimento do grupo.
Lídia declara que a sua participação, no início, deu-se em função da crença de que quase ninguém iria participar e ela resolveu apoiar a iniciativa de Paula e
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certeza que não vai quase ninguém e eu vim com essa certeza, simplesmente para não deixar a Ivone e a Paula sozinhas. Essa foi a minha primeira intenção. Eu pensava, graças a Deus problema eu não tenho. A gente tem a impressão de que terapia é para quando você está com muitos problemas, você tem muita incucação e você vai. Ai ela veio (Paula) e no fim nos abrimos para a comunidade. Hoje na verdade ela é mais uma atividade da comunidade. Entendeu? Então ela abrange a comunidade todinha. Então a gente anuncia nas missas e quem conhece fala para os amigos. A procura é boa. (Qual é Terapia)
a
importância
Ivone. Declara ainda que o grupo de terapia da auto-estima, que começou na Igreja com o propósito de atender os voluntários da pastoral da criança, acabou se tornando um espaço para a comunidade local como um todo.
da
Eu acho que é assim, a gente se compreende um pouco com os outros, né. Ouvindo. Porque graças a Deus a gente não tem problemas, tem problemas cotidianos que toda família tem, mas você ouvindo o problema de um e o problema do outro e tal, você acaba falando, ai como eu sou feliz (sorri). Então você sempre tira, mesmo das coisas ruins, você sempre tira um proveito. Você aprende alguma coisa e com isso você melhora o seu modo de ser. Eu melhorei assim... em comparação a cuidar de outras pessoas, essas coisas. Eu acho que eu melhorei bastante. Não tenho “Azinho” ainda mais eu já mudei bastante, mas para mim foi ótimo.
Para Ana a sua participação na terapia lhe permite uma melhor compreensão do outro através da escuta. Ela enfatiza também a importância de ouvir os problemas das outras pessoas, possibilitando relativizar a dimensão de seus próprios problemas.
Olha, eu já cheguei a fazer Ivone compara a terapia de grupo com a terapia individual por pouco terapia individual, ressaltando o diferencial
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tempo, mas eu achei que terapia em grupo, assim... completa mais a gente. Porque na terapia individual eu só vou ouvir a mim mesma, quando você chega num grupo e ouve um problema do outro, ai a gente começa a ter mais consciência de que todo mundo tem problema. Que a gente não é a única (enfatizada) que sofre e que tem medo, tudo isso. Isso me ajudou tanto. Aconteceu que quando começou essa terapia foi quando realmente começou uma fase difícil na minha vida. Muitos problemas, um atrás do outro. Eu chegava aqui, eu ouvia os problemas dos outros. Eu aprendia, tirava muita coisa para ajudar a resolver os meus. Saia conformada de saber que outras pessoas também sofriam a mesma coisa. E até a gente aprende a valorizar o que a gente tem, porque quando você ouve o outro falando de algum problema tão sério, tão sofrido, a gente aprende a valorizar as coisas boas da vida da gente. Então eu não abro mão da terapia de jeito nenhum. Estou assim enrolada, trabalhando, com mãe doente e tudo, mas chegou a segunda-feira às 20h eu largo tudo e corro para cá. A gente aprende muito. Olha, principalmente no valorizar o que a gente tem. Eu não sei se todo mundo é assim ou se eu, né? Aquela coisa de você achar que o seu problema é o maior que o de todo mundo, que você é única ou então que a alegria do outro é muito maior e eu não tenho aquilo. Só o outro é feliz, sendo que normalmente quando você não convive muito com a pessoa, a tendência é só você
do grupo enquanto espaço que permite ouvir outras histórias de vida que não só a da própria pessoa. Ela declara que a partir dos problemas alheios conseguia pensar formas de resolução de seus próprios problemas. Ivone menciona a questão da aceitação dos seus problemas quando ouve o sofrimento do outro, até como forma de valorização do que se tem. Ela menciona a valorização de potencial próprio a partir da escuta do sofrimento alheio. Ivone menciona a falta de convivência com o outro como sendo o atributo que não nos permite perceber que aquele também sofre como nós e que não é só feliz.
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enxergar coisa boa da vida daquela pessoa. Fala, puxa ela é tão feliz e eu sou tão ferrada, né? É como a Ivone disse, todo mundo tem problemas. Agora eu nunca fiz terapia individual e nem gostaria porque eu sou muito faladeira, ai eu ia falar, falar. Mas, como disse a Ana também, a gente aprende. Eu estou com 78 anos e aprendo todos os dias, aqui principalmente nessa igreja. Eu aprendi a ser ponderada. Não falar o que vê, sabe? Desculpe a expressão, vomitar o que você pensa. Eu peço para o espírito santo, saber o que você fala para não ofender as pessoas. É o que eu falo, não tem que falar com a cabeça tem que falar com o coração. Pensar, raciocinar, ponderar. Aprendi muita coisa aqui na terapia e eu gosto. Segunda-feira, esta última não deu para eu vir, e me faz bem. A Paula ensinou a gente fazer relaxamento. Então, eu ando tendo uns probleminhas com a minha filha, para não falar uns problemões, e quando eu não consigo dormir eu faço aquilo que a Paula ensinou e eu desmaio. E eu rezo também porque tenho muita fé em Deus. Uma importância muito, muito boa. Você vê, apesar de eu morar perto, a essa hora eu já deito cedo. A gente vem, mas eu fico torcendo para chegar o dia de vir na terapia, me faz bem (emocionada). Não é que eu quero que os outros tenham problema. Eu sei. Eu sou vivida. Eu sei que todo mundo tem. Então, quando a pessoa tem, sempre que você fala alguma
Para Joana a participação na terapia lhe possibilita novas aprendizagens. Ela ressalta que aprendeu a ser ponderada, raciocinando antes de falar o que pensa e evitando assim ofender as pessoas. Joana relata também que aprendeu algumas técnicas de relaxamento no grupo que a tem ajudado a dormir. Enfatiza a sua fé em Deus e nas orações que faz. Joana relata que a sua participação no grupo lhe concede força para resolver as suas questões cotidianas.
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coisa, como aquele dia a Ivone, ela pegou força aqui. É como eu também. Bom eu, na verdade foi como eu disse. Eu vim mais assim como... não sei.. Isso ai não tem nada a ver comigo. Vim aqui só para dar um apoio, para mostrar boa vontade. E ai eu fui percebendo... porque eu... eu também sou... como ela fala sempre em todas as terapias... “quando a boca fala, o corpo cala”. E é o meu caso, eu também, não sei se é um defeito, às vezes eu acho um grande defeito, às vezes eu acho que é qualidade, não sei... Eu falo, mas eu não tenho tanto problema assim, graças a Deus eu vivo harmoniosamente bem. Não tenho esses grandes problemas que todo mundo tem. Ai uma falava e eu falava já passei por isso. Ai o outro falava não sei o que de bebida, já passei por aquilo. Então ai eu fui vendo que tudo que o povo fala é comum, de uma forma ou de outra, cada um tem uma forma de conduzir, mas, no decorrer da vida, a gente passa por aquilo e você nem percebe. E uma coisa que eu gosto muito é que a Paula eu gosto demais da postura dela. Porque às vezes, o psicólogo, se você não tiver empatia... A mesma coisa, se você vai ao médico e não for com a cara do médico, ele pode ser o melhor que for, mas você vai preferir ir num que ninguém conhece, mas que te deu aquela empatia. E a Paula, ela é uma pessoa muito forte na condução e ela ensinou umas regrinhas que não pode julgar, que não
Lídia relembra que não tinha um propósito de busca pessoal quando aderiu ao grupo. Ao longo de seu relato, vai demonstrando reconhecer muitos dos problemas discutidos no grupo como problemas semelhantes aos seus, salientando a diferenciação na condução que cada pessoa dá as suas questões. Sua fala sugere alguma alienação diária que não nos permite discriminar as situações desconfortáveis em que vivemos como problemas. Ao se referir a um dos refrões usados na terapia para disponibilizar as pessoas à fala, Lídia realiza um trocadilho, demonstrando uma apropriação pessoal do dito: “Quando a boca cala, o corpo fala”, que em sua fala torna-se: “Quando a boca fala, o corpo cala”. Ela ressalta a sua apreciação pela figura da terapeuta que conduz os encontros do grupo, atribuindo-lhe uma característica de empatia. Lídia enfatiza a importância das regras enquanto uma aprendizagem pessoal que garante o funcionamento do grupo, apontando para a dificuldade trazida pela vontade de dar conselhos aos participantes do grupo. Ela relata que a participação no grupo lhe possibilita crescimento pessoal e amadurecimento, desmistificando a idéia de que atendimento psicológico é somente para quem tem uma neurose ou é muito problemático. Enfatiza ainda que o produto encontrado nos grupos diz respeito ao cotidiano dos participantes e assim os problemas e as soluções estão no próprio sujeito.
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pode sair dali, não sei o que. E é muito difícil para a gente. É um exercício que a gente também aprende. A outra lá fala e dá uma vontade de dar uns conselhos. Nesse sentido a gente também vai crescendo, vai amadurecendo, entendeu? E eu gosto bastante. Teve uns dias que eu não pude vir, mas sempre que posso venho e eu estou gostando bastante. Acho que foi muito importante. Eu achava que era coisa só para quem era muito problemático, muito... era isso que eu achava. Gente que vai ao psicólogo é porque tem uma mania, uma neurose, põe um negócio na cabeça. Então, a gente tem essa impressão em geral, mas no fundo ali é o cotidiano da gente. É o dia-a-dia da gente que é levado ali naquela... que nem sempre você tira a solução. Porque a gente vai com a idéia de que eu vou sair dali com a solução para o meu problema, mas na verdade o problema ta em quem? Na gente. (Aceitação) Então eu sempre achei que a minha vidinha até que foi boa, né? Ai você escuta tanta coisa, mas eu já vivi... quando meu pai era vivo, ele bebia. O que é essa vida ai fora, depois ele melhorou. Então a gente vê que a gente já viveu, mas no grupo é mais assim, vamos dizer, você se conforma mais com a sua situação porque dá a impressão de que você não está sozinha. Agora, é como você falou, o gramado do outro é mais verde que o meu. Porque a gente acha
Lídia demonstra certa satisfação e acomodação com a sua história de vida. Ela diz sentir-se conformada com a sua situação quando está no grupo, em função de não se sentir sozinha. Também relata uma ampliação na sua visão de mundo, de convivência e relacionamento a partir das experiências proporcionadas pelo grupo, sugerindo uma ampliação de consciência, realidade essa um tanto ambígua.
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que o nosso é o pior. Tem uma visão que amplia de um mundo, de convivência, de relacionamento. Eu não diria me conformar. Eu diria lutar para melhorar o meu problema (risos). Então você ouve a gente, tem tantas coisas... Graças a Deus eu já passei fases ruins. Seu eu for contar a minha vida é uma tragicomédia, mas graças a Deus eu tenho o temperamento bom. Eu levo sempre as coisas para o lado melhor, não fico pensando no pior. Procuro dar esse exemplo lá em casa e é bem difícil, você consegue para os outros, dentro da sua casa você não tem o valor que te dão fora. Mas, se ela tem um problema que eu acho que é parecido com o meu e tal, ai eu procuro... eu quero lutar para melhorar, não vou me conformar porque ela tem o mesmo problema que eu, então tá tudo bem, tá certo, isso é normal. Eu procuro, eu quero endireitar o que está de errado. Eu quero endireitar todo mundo (risos). Eu quero dar conselho, eu quero falar, eu quero levar a minha alegria, a minha confraternização. Então eu acho que eu posso, eu acho que eu tenho (enfatizado) esse... esse poder. Muita modesta eu (risos), mas não é a terapia da autoestima? Eu me valorizo, não sou boba. Então eu acho assim que eu posso. Ai eu chego na minha casa, na minha família, feliz da vida e procuro praticar isso com os meus filhos. Sempre tem aquelas encrenquinhas, tenho 4 filhos, 10 netos, bisnetos, pá,pá,pá, marido (risos).
Ana não concorda com a expressão de Lídia que remete ao conformismo a partir do sofrimento compartilhado no grupo. Ela faz referência a luta, como possibilidade de transformação de sua realidade, dizendo que não se deve conformar em função do outro ter o mesmo problema que a gente. Afirma que procura endireitar o que está errado. Em fala anterior, Ana havia dito que era importante ouvir o outro para compreender a si própria, pois ouvindo o problema de um, ouvindo o problema de outro, ela podia se dar conta do quanto é feliz. Ela relatou que até mesmo das coisas ruins daria para tirar proveito. Esta fala sugere uma ampliação da sua percepção a partir de um redimensionamento da experiência.
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Olha, eu já cheguei a fazer terapia individual por pouco tempo, mas eu achei que terapia em grupo, assim... completa mais a gente. Porque na terapia individual eu só vou ouvir a mim mesma, quando você chega num grupo e ouve um problema do outro, ai a gente começa a ter mais consciência de que todo mundo tem problema. Que a gente não é a única (enfatizada) que sofre e que tem medo, tudo isso. Isso me ajudou tanto. Aconteceu que quando começou essa terapia foi quando realmente começou uma fase difícil na minha vida. Muitos problemas, um atrás do outro. Eu chegava aqui, eu ouvia os problemas dos outros. Eu aprendia, tirava muita coisa para ajudar a resolver os meus. Saia conformada de saber que outras pessoas também sofriam a mesma coisa. E até a gente aprende a valorizar o que a gente tem, porque quando você ouve o outro falando de algum problema tão sério, tão sofrido, a gente aprende a valorizar as coisas boas da vida da gente. Então eu não abro mão da terapia de jeito nenhum. Estou assim enrolada, trabalhando, com mãe doente e tudo, mas chegou a segunda-feira às 20h eu largo tudo e corro para cá. (Percepção de mudança em si depois da Terapia?)
Ivone também aponta para a importância de ouvir o outro compartilhamento dos seus sofrimentos, como uma forma para que tenhamos consciência de que todas as pessoas têm problemas. Ela complementa o seu raciocínio dizendo que ao ouvir os problemas dos outros consegue vislumbrar possibilidades para resolver os seus próprios problemas. Relata ainda que no grupo aprende a sentir-se conformada por saber que outras pessoas também sofrem do mesmo problema que ela e assim acaba por valorizar o que tem. Ivone compara a psicoterapia individual à terapia de grupo e diz que o grande diferencial em favor do grupo é a possibilidade de ouvir os problemas dos outros e perceber-se não sendo a única pessoa que tem problemas.
Eu percebi uma mudança muito grande em mim, até dentro destas regras que tem. Eu tenho duas filhas e um marido que não gosta muito de falar, e a gente ainda trabalha juntos, e eu é que tenho que estar sempre falando. Na hora de reclamar de alguma
Ivone percebe que está diferente nas suas relações depois da terapia. Disse que está utilizando algumas regras da terapia com o marido e as filhas. Já não obriga o marido a falar, como antes, visto que esse é muito inseguro e também já não decidi tudo pelas filhas. Ela disse que hoje procura fazer perguntas ao invés de dar
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coisa ele sempre joga na minha mão e essa regrinha de não dar conselho, não julgar. Eu acabei levando isso no meu relacionamento com eles, principalmente com as minhas filhas. O meu marido eu ficava querendo obrigar ele a falar. Tinha mania de ficar querendo obrigar. E as minhas filhas eu já dava tudo pronto. Chegou com problema eu falava faz assim, faz assado e pronto. Então eu queria que eles vivessem da maneira que eu queria. Então eu aprendi nisso, principalmente na minha relação com elas, a fazer com que elas pensem no problema e procurem a solução. Então ao invés de chegar e falar, oh filha faz assim. Agora eu chego e pergunto. O que você gostaria mais, como você gostaria que esse problema fosse resolvido. O que você acha melhor fazer. Na verdade, no lugar de dar conselho eu aprendi a fazer perguntas e parei também de querer obrigar o meu marido a falar (risos). Quando tem alguma coisa na empresa que ele joga para mim, eu não obrigo nada. Eu só falo, olha esse problema é seu, é você que vai ter que resolver e saio de perto.
conselhos e já não responde o que as filhas e o marido têm que fazer. Com relação ao marido, Ivone acredita que está lhe concedendo a oportunidade de amadurecer quando sugere que é responsabilidade dele falar com algum cliente e diz que não vai fazê-lo em seu lugar. Esse procedimento relatado sugere que Ivone o tenha aprendido a partir da vivência de um casal que apareceu no grupo e tinha uma história de vida parecida com a dela e do seu marido. Ivone parece estar desresponsabilizandose por decisões que as filhas e o marido têm que tomar, ao invés de decidir pelos mesmos, como fazia habitualmente.
Ah, com certeza. Assim, às vezes eu me choco bastante com alguns depoimentos. Coisa que eu nem imaginava que uma pessoa pudesse passar. Então, ai eu... Depois eu fico pensando naquela... Posso falar né? (pedindo anuência do grupo). Eu, particularmente, sou uma pessoa muito determinada (alongando a fala), bem assim. Então eu me choco com essas
Lídia consegue ampliar a sua visão acerca do outro e de seus sofrimentos a partir do relatos compartilhados na terapia. Ela afirma ter começado a ver o ser humano de uma outra forma, diferente das possibilidades que tinha antes. Lídia diz ainda que a sua participação na terapia a fez perceber o quanto ela achava que sabia das coisas, que era o ‘máximo’ e que por fim descobriu que não sabia nada na vida. Ela também consegue perceber que a pessoa que está
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coisas. Eu acho que eu vivenciando um problema sofre muito amadureço com isso. Começo a mais do que aquele que, estando ‘estando ver o ser humano de uma outra de fora’, quer dar soluções ao problema. forma. Assim, é... de ver que as pessoas, é... às vezes precisavam de um pouco mais da minha atenção. Eu saio... (risos) toda terapia, dependendo, eu tenho vontade de ir lá, conversar, falar, mas falei bom... não dá para falar. Mas, eu enquanto pessoa... amadureço. A gente pensa que sabe... Eu quando tinha 13 anos, eu achava que era o máximo. Eu achava que eu sabia tudo. Eu era uma convencida daquelas. Gente, eu não sei nada. A gente não sabe nada na vida. A cada dia a gente vai... que até você fala, aquela lá podia fazer assim. Não é tão simples assim, entendeu? Às vezes, a gente quer dar solução, né? Mas... para mim é fácil que não estou vivendo a situação, né? Me sinto ótima (risos). Me sinto querer... assim... Gostaria de mudar todo mundo. Como ela falou, é difícil. Você acha que a solução é fácil, mas para a pessoa que está vivendo é mais difícil. Ah, totalmente. Mulher maravilha (risos). Eu tenho a impressão que assim... vem uma força, assim... que se eu conseguir conversar, ela vai mudar esse pensamento. Então, às vezes é um defeito também, eu quero moldar as pessoas do jeito que eu quero que elas sejam. Então isso pode ser um defeito. Eu gosto de perguntar: “Porque você se deixa cair desse jeito. Levanta. A vida é boa. Você tem que lutar. Você tem que...
Ana disse ter a impressão de que lhe vem uma força com a qual conseguiria mudar as pessoas através do diálogo. Disse que isso pode ser uma qualidade, mas também um defeito por querer ‘moldar as pessoas’ do jeito que ela quer que elas sejam. Ela disse que quando sai de uma sessão de terapia sente-se com poder para ajudar o mundo.
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Ninguém ganha nada caindo do céu, assim” Você tem que batalhar para ganhar”. Entrev. - Sei. Você se sente com mais poder para resolver as suas questões? Ana - Uhum, muito, muito mais. Me sinto numa boa, né? (risos). A essa altura do campeonato, para eu mudar foi difícil. Mas, eu mudei. Porque você ouvir os outros é duro. Você só quer falar, falar. Escutar é duro, né? Mas faz bem para a gente e eu aprendi aqui, na terapia. Porque eu mudei, você vê em relação ao meu marido. Eu estou tratando ele como se ele fosse o meu filho e está surtindo efeito. A minha filha também. Eu sei porque eu não sou do tempo do diálogo. No meu tempo, imagina se você ia conversar com a mãe, com o pai. Com a minha filha também. Agora eu chego e falo para ela: “Vamos conversar filha”. Coisa que eu não fazia. Já ia: “pupururmrumm”, já ia fazendo, né? Eu aprendi aqui na terapia. E também eu aprendi, vamos dizer, a me controlar, porque tem hora que dá uma vontade falar. Não dá, eu fico doente. (risos) Eu aprendo, eu adoro aprender. Eu gosto de aprender, sabe? E eu tenho o espírito jovem, não quero nem saber. Sou a maior palpiteira do pedaço, mas até isso eu aprendi. Eu fico quietinha. Também o modo como você fala com a pessoa, às vezes você fala e você machuca. O modo de você falar, se eu falar meigo, com jeitinho, aquilo lá soa diferente.
Joana afirma que mudou após a terapia, pois aprendeu a ouvir. Disse que ouvir é muito difícil, pois queremos sempre falar. Ela afirma que a educação que recebeu não era pautada pelo diálogo. Ela disse que ouvir é muito ‘duro’, mas faz bem para a pessoa e isso ela aprendeu na terapia. Joana também lembra que o modo como você fala com as pessoas pode magoá-las.
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12. REFERÊNCIAS
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aplicação.
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