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ÉLIDA MARIA ESPONTÃO CASTANHO

UMA ESCUTA SISTÊMICA NOS RELACIONAMENTOS PESSOAIS E PROFISSIONAIS

Campinas 2005


ÉLIDA MARIA ESPONTÃO CASTANHO

UMA ESCUTA SISTÊMICA NOS RELACIONAMENTOS PESSOAIS E PROFISSIONAIS

Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do título de Terapeuta Sistêmica de Casal e Família, sob a orientação do Professor Dr.Juares Soares Costa

Instituto de Terapia de Família e Comunidade de Campinas - SP 2005


Dedico este trabalho Ao Paulo Henrique, meu marido, grande companheiro de amor e escuta Aos meus pais Nelson e Dulce, Aos meus irmãos, Às minhas cunhadas e cunhados, Às minhas sobrinhas e sobrinho, À minha sogra, Ao meu sogro (in memorian), linhas de afeto e respeito que me ligam à teia da vida À amiga Jô pela experiência da genuína e sensível parceria Aos amigos, colegas e professores por fazerem parte do meu caminho ... e a todas as pessoas que me possibilitaram a experiência do escutar


Sumário Abertura.............................................................................................................. 05 Escolha do Tema................................................................................................08 Capítulo 1 – Contextualização.......................................................................... 11 1.1 – Sociedade contemporânea..........................................................................12 1.2 – Comunicação.............................................................................................. 14 1.3 – Novo paradigma sistêmico.......................................................................... 16 1.3.1 – Pensamento religioso e mitológico................................................. 18 1.3.2 – Período pré-socrático...................................................................... 19 1.3.3 – Período clássico.............................................................................. 19 1.3.4 – Período pós-socrático..................................................................... 21 1.3.5 – Pensamento medieval.....................................................................21 1.3.6 – Pensamento moderno..................................................................... 22 1.3.7 – Pensamento sistêmico.................................................................... 25 1.4 – A dimensão sensível do ser humano.......................................................... 28 1.4.1 – As emoções.................................................................................... 29 1.4.2 – O homem........................................................................................ 30 1.4.3 – O entrelaçamento da razão e da emoção...................................... 31 1.4.4 – A objetividade e as relações humanas........................................... 34 1.4.5 – A linguagem.................................................................................... 36 1.4.6 – Um modo de viver........................................................................... 38 1.4.7 – A conspiração do amor................................................................... 40 1.5 – Processos reflexivos................................................................................... 44 1.5.1 – Incluindo quem fala e quem escuta................................................ 45 1.5.2 – Conotação positiva......................................................................... 47 1.5.3 – Falas internas e externas................................................................ 50 1.5.4 – Escutar também é ver..................................................................... 51 1.5.5 – Conversa e respiração.................................................................... 53 Capítulo 2 – Problematização........................................................................... 57 2.1 – Oficinas da escuta.......................................................................................58 2.2 – Princípios da escuta.................................................................................... 60 2.2.1 – Preparação.................................................................................... 60 2.2.2 – Acolhimento.................................................................................... 62 2.2.3 – Abertura.......................................................................................... 63 2.2.4 – Flexibilidade................................................................................... 64 2.2.5 – Comunicação................................................................................. 65 2.2.6 – Respeito......................................................................................... 66 2.2.7 – Amorosidade...................................................................................68 Capítulo 3 – O que estou levando?.................................................................. 70 3.1 – Partilha dos participantes-sujeitos das oficinas da escuta.......................... 71 3.2 – Partilha da profissional Maria José ............................................................ 73 3.3 – Partilha da profissional Élida....................................................................... 73 Referências Bibliográficas................................................................................ 76


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“Não ande na minha frente. Posso não querer seguir. Não ande atrás de mim. Posso não querer guiar. Ande ao meu lado e seja simplesmente meu amigo “. John Lennon

ABERTURA

Decidi por organizar esta monografia, conforme o processo metodológico desenvolvido nos grupos de Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa, estruturando os capítulos de acordo com as fases do trabalho comunitário. A opção por esta forma de apresentação aconteceu devido à sensação que tenho experimentado ao escrever: de estar num espaço de diálogo que inclui as minhas emoções; as minhas opiniões; os conceitos de autores que tenho lido; como também, as idéias e as falas daqueles que têm estado comigo nos últimos tempos refletindo e vivenciando o tema. Assim, à medida que a organização da monografia foi sendo construída em sintonia com a prática, com as emoções e com a pesquisa bibliográfica, senti um maior conforto, percebendo que poderia incluir todas as “vozes” que (re)encontrei no caminho deste estudo, que colaboraram para o significado que hoje dou para o tema. Para a compreensão da organização metodológica que proponho, haverá uma breve explicação introdutória a cada capítulo, que apresentará uma analogia entre a etapa da Terapia Comunitária e a etapa da monografia.


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Assim, a primeira tarefa a ser realizada na Terapia Comunitária é a abertura do encontro e o acolhimento aos participantes. Penso que nesta abertura da monografia já estamos inseridos em um acolhimento recíproco, à medida que você leitor caminha conjuntamente por estas linhas, como se estivesse me “escutando” e aos poucos vai se ambientando com a idéia deste trabalho. Ainda procurando criar um clima de aproximação, peço licença para me apresentar: estou graduada em Serviço Social desde o ano de 1989; iniciei minha atuação na área da assistência social desde o primeiro ano da Faculdade de Serviço Social em Bauru - SP e, ao longo desse período, entre o estágio profissionalizante e a vida profissional, tenho trabalhado com crianças, adolescentes, famílias, idosos, empresas e saúde. Nos últimos anos me dediquei a duas formações que foram de fundamental importância para a minha mudança no jeito de olhar, de sentir a vida, as pessoas e os relacionamentos. As formações a que me refiro são: Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa, pela Univ. Federal do Ceará, e Terapia Sistêmica de Casal e Família pelo Instituto de Terapia de Família e Comunidade de CampinasSP. Convido-o agora a pensar por que razão escolheu ler este trabalho? Por que desejou estar neste encontro? Saiba que não estaremos sozinhos, outras pessoas estarão conosco. Cada um a seu tempo terá apresentada a sua voz, a sua idéia, a sua contribuição, mesmo que o seu nome não venha a ser mencionado. Algumas vezes a Terapia Comunitária acontece assim, entre uma conversa e outra, o silêncio de cada um acontece, nos lembrando das “vozes” que carregamos, ajudando-nos a perceber que mesmo no silêncio há comunicação, há significados.


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Sejam todos bem-vindos e aqueles que desejarem registrar algo sobre o tema, sintam-se à vontade: Cleusa Stoppiglia, musicista do grupo que acompanha a Terapia Comunitária: “Além da escuta me trazer prazer, pois gosto de tocar e de cantar, ela também me faz vivenciar e questionar os relacionamentos. E neste questionar, eu posso perceber o quão similares são os nossos problemas, por isso que a escuta é muito importante, pois ao ouvir o outro, muitas vezes é possível visualizar que direção tomar, ou seja, a luz aparece no fundo do túnel”. Maria Aparecida Del Fávero, atualmente está como coordenadora da Pastoral da Escuta Cristã em Valinhos: “a escuta é algo muito importante para mim, um dom que floresceu a partir do meu coração. Sinto-me sendo solidária com as pessoas que escuto. Tenho percebido que o acolhimento que faço para quem deseja ser escutado é importante; a pessoa precisa se sentir acolhida para que fique a vontade para falar, sem medo de ser julgada. As pessoas, após serem escutadas, ficam mais tranqüilas por terem conseguido desabafar as suas angustias, respiram mais aliviadas e às vezes do choro passam para um sorriso. Para mim a escuta é um momento de atenção e carinho com o outro”. Maria José Silveira Cintra Rodrigues, assistente social e parceira de trabalho nas Oficinas da Escuta: “a escuta é um processo que vem evoluindo e me permitindo avançar e retroceder na minha caminhada, com mais conforto e segurança, à medida que me escuto e escuto o outro, podendo escolher o que escutar de um jeito mais tranqüilo, favorecendo transformações e conseqüentes atitudes nos diversos âmbitos da minha atuação”.


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ESCOLHA DO TEMA

Nessa etapa da Terapia Comunitária o acolhimento se torna ainda mais genuíno, uma vez que alguns participantes colocam os problemas que lhes afligem e o grupo, após a escuta mútua, constrói a sua primeira parceria através da escolha do tema. A escolha do tema pelo grupo é de real importância, uma vez que tem a ver com a identificação que cada um sente em relação aos assuntos colocados. Essa etapa colabora com a tarefa de tomarmos emprestados os olhos dos outros para melhor compreendermos a sua visão, ou seja, o contexto de sua existência e os efeitos da sua vivência e de seus relacionamentos, levando-nos a uma postura solidária. Nesta etapa da monografia, muitos temas perpassaram pelos meus pensamentos e minhas intenções. Cada tema é único e traz consigo experiências singulares das minhas vivências em diversos contextos de atuação. São tantos assuntos que me interessam... Deixei-me levar pelo inesperado e senti que o tema já havia surgido pelas mãos de outro alguém, apenas relembrei e resignifiquei a sua importância para mim.


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Na prática da Terapia Comunitária não me justificaria estar escolhendo o tema, porém, para este nosso encontro trata-se de uma circunstância na qual os presentes já concordaram com a minha escolha, pois também se interessam por este assunto. Assim, o tema “escuta” se fez presente, ajudando-me a estabelecer conexões com desejos antigos, trouxe-me novidades para a vida pessoal e prática profissional, deixando-me esperançosa quanto às perspectivas futuras. O tema em pauta havia surgido em 2003, quando do convite feito pelo Padre João Luis Fávero, para a preparação de leigos da Igreja Católica para o papel de “escutadores”, a ser desempenhado na Pastoral da Escuta Cristã, implantada no mesmo ano, na Matriz São Sebastião, no município de Valinhos - SP. Assim, formei uma parceria de trabalho com a amiga Maria José Cintra Rodrigues, e juntas percorremos o caminho da elaboração e execução de um programa. Buscamos, especialmente, no pensamento sistêmico, o embasamento teórico para a Formação de Escutadores, objetivando oferecer para o sistema interessado, o que incluía os participantes e as profissionais, a vivência de um novo paradigma. Durante o transcorrer das Oficinas da Escuta, bem como de outras práticas que já vinham sendo desenvolvidas por mim, como: a Terapia Sistêmica de Casal e Família, supervisionada por profissionais do Instituto de Terapia e Comunidade de Campinas, como parte da minha formação, e a Terapia Comunitária Sistêmica Integrativa desenvolvida nos municípios de Valinhos - SP e Campinas - SP, observei, conforme salienta Vasconcellos (2002), que ao substituirmos o uso do substantivo pelo uso do verbo, ocorre uma mudança significativa; assim aconteceu: o tema “escuta” tornou-se “escutar”, implicando em mudanças de significados.


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Escutar passou, então, a sugerir uma ação e para toda ação há um sujeito; sim um sujeito em relação, vivendo em contextos variados. Esta nova percepção levou-me a ampliar o tema para a idéia do ato de escutar enquanto um recurso/possibilidade pessoal e profissional capaz de colaborar com a construção de novos espaços de conforto nos relacionamentos. Nesta caminhada, esta monografia apresenta-se, agora, como uma reflexão teórico-prática que tem como pressupostos científico e filosófico o pensamento sistêmico, a biologia do conhecimento e os processos reflexivos abertos. Sentir, pensar e conhecer a partir destes pressupostos facilitou-me o desenvolvimento de idéias e a interação com conceitos que considerei importantes à contextualização dos “Princípios da Escuta”, construídos especialmente para as Oficinas da Escuta, confirmando a experiência do nosso trabalho, de que vivemos em relação com os outros.


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CAPÍTULO 1 CONTEXTUALIZAÇÃO

Contextualizar é tornar compreensível o problema, não no sentido da exatidão ou da síntese, mas a construção de um sentido, ampliando o campo da conversação, incluindo nele o contexto das vivências e significados daqueles que participam do diálogo, ou seja, a inclusão da ótica de quem fala e de quem escuta. Quando da realização da Terapia Comunitária, já nessa etapa, são pedidas mais informações através de perguntas à pessoa cujo tema tenha sido escolhido, para que ocorra uma reflexão sobre o problema no seu contexto. Nesta etapa da monografia apresentarei a maneira como foi possível criar um sentido para o tema proposto. Penso que este é apenas mais um sentido construído a partir da minha interação com os envolvidos neste assunto, portanto, se refere à minha reflexão e compreensão a partir de um contexto de vivência pessoal, prática profissional e de estudos. Algumas perguntas aparecem neste momento, ajudando-me a sentir estimulada para este “diálogo”. Será que os relacionamentos têm sido simulações de possíveis encontros entre as pessoas? Quais são as relações que queremos para nós? Como poderemos saber o que é certo ou errado? O que é bom ou ruim para cada um de nós?


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Como poderemos estar com o outro e atuar através da nossa fisiologia, das nossas emoções, comportamentos, crenças e julgamentos, sem que nenhum de nós seja eliminado do contexto?

1.1- SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Imagino que apresentar respostas a estas questões será pensar sobre nós mesmos, nossas relações interpessoais, o contexto social em que vivemos e a visão de mundo que temos adotado, uma vez que somos seres que constroem significados, conceitos e carregamos para todos os níveis da nossa vida: doméstico, religioso, profissional, afetivo, etc, os nossos paradigmas. “Do grego parádeigma = “modelo”, “padrão” Vasconcellos (2002, p.30). Vivemos na era pós-industrial, caracterizada pelo aumento da comunicação, pela propagação de novas tecnologias e pela transformação dos alicerces da economia, não mais formadas pela agricultura ou indústria, mas pela produção de informação e serviços. O avanço técnico-científico e informacional confere a esta era algumas contradições: Global X Local Individual X Social Máquina X Homem Virtual / Eletrônico X Pessoal / Sensível Quantidade X Qualidade Especialização X Conhecimento Vivenciado Ter X Ser Competitividade X Cooperação


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Degradação Ambiental X Vida Sustentável Violência X Paz Beleza Física X Equilíbrio Bio-Psico-Social Razão X Emoção A sociedade contemporânea vive um processo frenético, marcado pela profunda crise de valores de percepção, com o sonho insustentável da prosperidade infinita. Este cenário, que se apresenta e que se fundamenta pelo raciocínio da expansão material, esconde as dores e os sofrimentos humanos decorrentes da imersão nessas dimensões do viver. Como neste momento poderemos saber o que é certo ou errado? O que é bom ou ruim para cada um de nós se enxergamos o mundo através de nossos paradigmas e “cada movimento que realizamos no ato de viver afeta o mundo e é por ele afetado”? (Gladis Brun, 1999). Os paradigmas “funcionam como filtros que selecionam o que percebemos e reconhecemos e que nos levam a recusar e distorcer os dados que não combinam com as expectativas por eles criadas” Vasconcellos (2002 p.30). Segundo Vasconcellos, os paradigmas também influenciam nossas ações: fazem-nos acreditar que o jeito como fazemos as coisas é “o certo” ou “a única forma de fazer”, dificultando-nos estar de acordo com idéias novas, “tornando-nos pouco flexíveis e resistentes à mudança” (2002 p.31). Diante destas idéias, pensemos sobre a comunicação e, ainda, sobre o paradigma adotado para os nossos relacionamentos.


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1.2 - COMUNICAÇÃO De acordo com os estudos de (W. Barnett Pearce) in Dora Fried Schnitman, a primeira forma de comunicação de nós seres humanos é a oral, “no sentido de falar numa situação cara a cara”. Ele salienta como comunicação oral “sons intercomunicados, produzidos e interpretados por nossos corpos” (1996 p.174). Posteriormente, veio o desenvolvimento da escrita e do alfabeto fonético, que historicamente representou registrar a fala e fazer uso dela por um meio modificado. A seguinte importante ocorrência, foi a criação da imprensa por Johann Gutenberg em 1440, que trouxe mudanças em nossa sociedade conforme escreve (W.Barnett Pearce) in Dora Fried Schnitman (1996,p.175): “Em primeiro lugar, mudou nossa noção de autoridade. Numa sociedade oral, quando alguém deseja aprender algo, deve recorrer a uma pessoa, perguntar-lhe e escutar. Na sociedade do impresso, ao contrário, o mais freqüente é que quem queira aprender algo recorra a um livro e o leia, talvez na privacidade de seu lar. Deste modo deixamos de necessitar de interações sociais cara a cara com a autoridade”.

Ainda, relatando sobre as mudanças, o autor descreve sobre a alteração na noção de espaço, uma vez que não precisamos mais estar presente “cara a cara” num determinado lugar para falarmos com outras pessoas, pois podemos enviar ou transmitir o que desejamos por meio eletrônico, por exemplo, via fax. Assim, podemos também mudar a estrutura física das nossas conversas: objetos intermediários que possibilitam-nos conversar com o outro sem que o veja nem o toque. A vivência de transformações na comunicação humana colabora para a instalação de um desafio aos relacionamentos pessoais cotidianos, que pode ser pensado como um desafio da intimidade a distância.


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No contexto da intimidade a distância, a faculdade de se relacionar, de ir ao encontro do outro através do contato pessoal e emocional manifesta-se de uma forma minimizada, uma vez que os aparelhos eletrônicos se colocam como intermediários da comunicação, trazendo-nos uma nova convenção para os relacionamentos. Mesmo comunicando-se os homens colocam-se distantes, fazendo da possibilidade da convivência uma condição remota. O desafio se faz presente à medida que esse “novo acordo” ou intimidade a distância se apresenta como um hábito que influencia o nosso jeito de estar, pensar e agir, nos levando a uma postura para e não com o outro e, cada vez mais práticos, acabamos por subtrair o valor de uma conversação. Será que os relacionamentos têm sido simulações de possíveis encontros entre as pessoas? Utilizando-me da linguagem da informática, penso se estaremos como computadores ou aparelhagem similar: nos encontramos distantes uns dos outros na privacidade de nossos “lares internos e externos”, mas podemos ser acessados por uma conexão (o encontro, estar cara a cara) e, apesar da conexão, do encontro, o distanciamento se mantém revelando um link impessoal. W.Barnett Pearce in Dora Fried Schnitman (1996, p.175) destaca que Platão fazia advertência com relação à chegada da escrita e a mudança no paradigma do conhecimento “que do relato passou à oração, em especial às orações que utilizam o verbo “ser”. Assim, adquirimos um sentido do conhecimento despersonalizado, fora do contexto, eterno e objetivo”. Essa advertência de Platão ajuda-nos a compreender que muitas vezes o nosso ponto de vista e os seus condicionamentos nos levam a banalizar os relacionamentos como se eles fossem imutávies, passíveis apenas de serem


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capturados pelo nosso intelecto, não sendo necessário as conversas, as reflexões, e as possíveis mudanças de posições. No velho paradigma, há um conceito sobre a comunicação que a caracterizava a partir da idéia de linguagem como representacional, ou seja, como se fosse possível descrever perfeitamente o mundo que esta aí fora; que a função chave da comunicação era conseguir a transmissão de mensagens de um ponto ao outro sem distorcê-la, como um trilho condutor e, a comunicação caracterizava-se como um processo secundário, pois a priori funcionava bem e só se pensava nela quando algo nela funcionava mal. Hoje sabemos, sob a ótica do novo paradigma da comunicação, que a linguagem tem um caráter generativo que constrói o mundo e não puramente o representa; sua função primária não é a transmissão de informação de um ponto ao outro, mas “a construção de mundos humanos” (W. Barnett Pearce) in Dora Fried Schnitman (1996, p.176).

1.3 - NOVO PARADIGMA SISTÊMICO Tomando por exemplo conversações terapêuticas realizadas com famílias na Clínica Social, na Terapia Comunitária e nas Oficinas da Escuta, muitas vezes escutamos que as dificuldades existem em suas vidas porque não há diálogo entre as pessoas envolvidas nos dilemas, pois não conseguem se entender em seus pontos de vistas, e surgem julgamentos como “ela ou ele é uma pessoa “desinteressada”, “impaciente”, “não escuta””, etc, ou seja, cada pessoa com sua explicação diferente limita-se em torno da sua visão e busca provar que sua interpretação é a correta, desacreditando em novas possibilidades e, por conseguinte, fechando-se a elas.


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Esse contexto, escreve Marilene Grandesso (2000, p.248) “ impede qualquer possibilidade de diálogo e compreensão entre as pessoas , ou da própria pessoa com ela mesma, tornando a conversação um monólogo, ou múltiplos monólogos repetitivos”. A idéia de que a comunicação é um processo que garante a transmissão de informações, cujo código ou senha acionada através do que falamos, garantirá a compreensão e construirá o diálogo, nos levará a assumir um padrão de relacionamento sem a perspectiva de trocas, na qual o outro é apenas um recipiente passivo e a subjetividade dos participantes não é considerada. Assim como se apresenta, cada pessoa fala para si mesmo, restringindo a possibilidade da construção de novos significados. “Na repetitividade e no fechamento de tais conversações, ninguém pode sentir-se ouvido, compreendido e respeitado, dadas as desconfirmações e negações recíprocas” Marilene Grandesso (2000 p.249). A elaboração destas implicações pode se tornar um caminho pessoal para a percepção do filtro do qual cada um tem se utilizado como as suas regras de comportamento, e de que maneira tem estado em seus relacionamentos e práticas sociais, uma vez que os paradigmas nos colocam dentro de um limite e nos indicam como obter resultado na solução de situações-problema, dentro desses limites. Desta forma, considero importante destacar os principais aspectos do paradigma sistêmico, levando-se em conta a construção da postura da escuta em nossos relacionamentos pessoais e profissionais, a partir da adoção desse novo paradigma da ciência. Adotar o paradigma sistêmico como um referencial científico para a prática profissional e também para a vida pessoal, uma vez que ambas não se excluem, é o


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mesmo que dizer que se faz necessário realinhar o foco do olhar além do singular, ajustando-o ao feixe de luz que ilumina os processos relacionais que envolvem a vida. Assim, vamos fazer uma pequena incursão pela história do pensamento religioso, filosófico e científico até chegarmos ao paradigma sistêmico. A cada época, o conhecimento constituiu-se numa forma segura de conhecer o mundo, influenciando e formando as nossas vidas, porém, não de uma maneira definitiva, pois sabemos que o conhecimento é um processo gradual, construído a cada geração que se sucede.

1.3.1 PENSAMENTO RELIGIOSO E MITOLÓGICO Segundo a concepção religiosa, o mundo é criado por Deus ou pelos deuses, sendo por eles governado à revelia do homem e de sua vontade. Diante dos deuses ou de Deus, infinitamente poderosos, o homem não passa de um ser indefeso. O mito é uma forma de conhecimento que se dá não a partir da razão, mas a partir de verdades que são reveladas pelos deuses ou forças da natureza, que influenciam e instauram a ordem no mundo. Sendo verdades divinas, poucos têm acesso e, por se tratarem de afirmações que não dão margem à dúvida, não requerem demonstração de prova (Vasconcellos, 2002). A concepção religiosa e mitológica do universo é criticada pela filosofia e pela ciência, que se propõem, desde suas origens, substituí-la por uma concepção racional e lógica.


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1. 3.2 PERÍODO PRÉ - SOCRÁTICO Entre os séculos VIII a.C e VI a.C, os gregos descobriram o logos como um instrumento para conhecer o mundo, representando a passagem do mito para a razão. A descoberta da razão significou para os homens a busca pela compreensão do mundo, “não mais a partir da autoridade como no mito”, mas a compreensão do mundo “buscando o seu princípio explicativo”. Nesse contexto alguns pensadores se destacam, segundo (Vasconcellos, 2002):

Thales (624-562 a.C): a água é o princípio ou causa material de todas as coisas; um princípio elementar empírico e palpável. Anaximandro (611-546 a.C): contrapõe à água o apeíron, explicações abstratas, puramente ideais. Anaxímenes (586-525 a.C): tentativa de harmonização de opostos com a concepção do ar como princípio elementar de tudo: entidade viva e também sensível, indefinido e ilimitado.

1.3.3 PERÍODO CLÁSSICO Foi Sócrates (469-399 a.C) quem inicialmente esforçou-se para esclarecer “que é necessário justificar as proposições, por meio da demonstração, cujo fio condutor é o argumento” Vasconcellos (2002,p.54). Posteriormente, Platão (427-347a.C) e Aristóteles (384-322 a.C)

se

empenharam em ressaltar o valor de estabelecer-se um conhecimento verdadeiro e opuseram-se à idéia do mito e da opinião, sendo esta última considerada pelos gregos, como própria do senso comum. Assim, a opinião, embora não fosse uma forma de conhecimento alcançado por meio de revelação divina, tinha por base “as informações que chegam aos


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sentidos” Vasconcellos (2002, p.54) sendo, portanto, um conhecimento superficial do mundo e das coisas. Platão e Aristóteles, ao sustentarem que esse modo de conhecer não é apropriado, já têm em pauta o propósito de ciência como conhecimento que procede da razão. A razão vai se contrapor às características do mito e da opinião, possibilitando estabelecer-se uma “forma de racionalidade, própria da ciência e da filosofia” nomeada de espisteme, que segundo Vasconcellos (2002,p.55): “Diferentemente do mito e da opinião, a episteme se apresenta com alguns traços característicos.O discurso do logos (do sujeito do conhecimento) é pensado como separado da realidade (o objeto do conhecimento), da qual deverá apropriar-se, por intermédio da mediação do pensamento ou idéia. A verdade é relativa a uma essência do ser, que permanece escondida pela aparência das coisas e que, não se mostrando ao olho sensível, tem que ser desvendada ou demonstrada pelo olho do espírito, que é o pensamento”.

No conhecimento científico, assim como no filosófico a razão se faz presente, podendo ser identificada na unidade originária ciência-filosofia, duas formas de racionalidade: Matemática: “é puramente abstrata, e por isso pode ser usada qualquer que seja o objeto do conhecimento” Vasconcellos (2002, p.56). O conhecimento é tido como contemplativo, não há preocupação com a sua aplicação e uso prático; Lógica: Aristóteles desenvolveu a doutrina do silogismo que quer dizer cálculo, “designando as operações do pensamento; no raciocínio em geral: no raciocínio dedutivo, estando dada alguma coisa, outras delas se derivam necessariamente”. Assim a doutrina “fixa as regras, a consistência lógica, para um discurso ser admitido como racional”. Um exemplo da utilização dessa doutrina pode nos ajudar a compreender como que por meio da demonstração lógica,


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estabelece-se a verdade: “Todos os animais são mortais; todos os homens são animais; logo, todos os homens são mortais “Vasconcellos (2002,p.57).

1.3.4 - PERÍODO PÓS-SOCRÁTICO Época que vai do final do período clássico (320 a.C) até o começo da Era Cristã. De acordo com os pensadores céticos, a dúvida deve estar sempre presente, pois o ser humano não consegue conhecer nada de forma exata e segura. Os pensadores estóicos, como Marco Aurélio e Sêneca, defendiam a razão a qualquer preço. Consideravam que os fenômenos exteriores a vida deviam ser deixados de lado, como a emoção, o prazer e o sofrimento. Segundo

(Domingues,1992)

in

Vasconcellos

(2002,p.58),

os

custos

correspondentes à adoção da racionalidade são: . sacrifício do sujeito: exclui-se o subjetivo e submete-se tudo à razão; . expurgo do sensível: não às sensações e percepções; . eliminação do tempo histórico: busca-se a essência apenas, sem olhar as circunstâncias.

1.3.5 - PENSAMENTO MEDIEVAL O pensamento na Idade Média foi influenciado pela Igreja Católica, ficando imprecisos os limites entre a filosofia e a teologia. Desta forma, o teocentrismo (Deus como o centro de tudo) acabou por definir as formas de sentir, ver e também pensar no período medieval. “Acima das verdades da razão estão as verdades da fé, e as tentativas de racionalização avançam apenas até onde não questionam as verdades reveladas” Vasconcellos (2002, p.58).


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De acordo com Santo Agostinho, importante teólogo romano, no pensamento anterior a Cristo “havia um erro fundamental, o de celebrar o poder da razão como o maior poder do homem” Vasconcellos (2002, p.58), uma vez que esse pensador afirmava que o conhecimento e as idéias eram de origem divina, e as verdades sobre o mundo e sobre todas as coisas deviam ser buscadas nas palavras de Deus. A partir do século V até o século XIII, surge uma nova linha de pensamento, a escolástica, cujo principal representante foi Santo Tomás de Aquino. Um conjunto de idéias que visava unir a fé com o pensamento racional de Platão e Aristóteles.

1.3.6 - PENSAMENTO MODERNO Com o renascimento cultural e científico, o surgimento da burguesia e o fim da Idade Média, as formas de pensar sobre o mundo e o Universo ganham novos rumos. A definição de conhecimento deixa de ser religiosa para entrar num âmbito racional e científico. O teocentrismo é deixado de lado e entra em cena o antropocentrismo (o homem no centro do Universo). De acordo com Vasconcellos (2002, p.59) ”a questão da ciência aparece, de forma forte, no século XVII d.C”, sendo que aquela unidade originária ciênciafilosofia é substituída pela cientificidade, cujo modelo revelado é suficiente sem a filosofia. Se para os antigos a matemática era puramente abstrata e não estava associada à experiência, nesse momento se insere a matematização

da

experiência. De acordo com Capra (1996, p.34): “A noção de universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo como uma máquina, e a máquina do mundo tornouse a metáfora dominante da era moderna.Essa mudança foi realizada pelas novas descobertas em física, astronomia e


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matemática, conhecidas como Revolução Científica e associadas aos nomes de Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton”.

Galileu Galilei (1564 -1642), um físico italiano, ficou conhecido por ter criado uma física não-contemplativa, através do método experimental das ciências da natureza, limitando a ciência ao estudo dos fenômenos que podiam ser medidos e quantificados. O psiquiatra (R.D.Laing) in Capra (1996,p.34), “afirma enfaticamente: O programa de Galileu oferece-nos um mundo morto: extinguem-se a visão, o som, o sabor, o tato e o olfato, e junto com eles vão-se também as sensibilidades estéticas e ética, os valores, a qualidade, a alma, a consciência, o espírito.A experiência como tal é expulsa do domínio do discurso científico. É improvável que algo tenha mudado mais o mundo nos últimos quatrocentos anos do que o audacioso programa de Galileu.Tivemos de destruir o mundo em teoria antes que pudéssemos destruí-lo na prática”.

Nesse contexto, René Descartes (1596-1650), pensador francês, físico e matemático, foi considerado o pai da ciência moderna, com o método do pensamento analítico, conhecido como cartesianismo. Sua visão da natureza entendia uma divisão indispensável, o da mente e o da matéria, como domínios independentes e separados. O domínio material, contendo os organismos vivos, era tido por Descartes como uma máquina, que poderia ser entendido a partir da análise das suas menores partes, quebrando “fenômenos complexos em pedaços a fim de compreender o comportamento do todo a partir das propriedades das suas partes” Capra (1996, p.34). Assim, conforme escreve Vasconcellos (2002, p.74): “a ciência procede à análise dos todos complexos, à separação em partes.Começa por retirar o objeto de estudo dos contextos em que ele se encontra.Por exemplo, o biólogo leva a planta que recolheu numa montanha para ser estudada num laboratório, o psicólogo leva o indivíduo para ser observado, estudado, atendido, fora de seu contexto relacional”.


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Todo delineamento de conceitos criados por Galileu e Descartes, “o mundo como uma máquina perfeita governada por leis matemáticas exatas” Capra (1996,p.34), foi acrescentado de forma vitoriosa pelo físico e matemático inglês Isaac Newton (1642-1727), com a elaboração da primeira grande síntese da física, ”leis da mecânica, teoria da gravitação universal, teoria da luz e da cor, teoria corpuscular da luz. Costuma-se dizer que o nosso paradigma de ciência é o paradigma newtoniano do mundo como uma máquina” Vasconcellos (2002,p.62). Fazendo uma pequena pausa nesta seqüência histórica, vamos refletir um pouco mais sobre o sentido de paradigma como sendo diferente de visão de mundo, conforme Capra comentado por Vasconcellos (2002, p.44): “segundo ele, uma visão de mundo pode ser defendida por um único filósofo, ou uma única pessoa, enquanto um paradigma é compartilhado por uma comunidade. Então, o paradigma forma a base de como essa comunidade se organiza”.

Assim, podemos pensar que o paradigma que a nossa sociedade moderna adotou para fundar seus valores foi o paradigma cartesiano (de Descartes Séc. XVII) ou newtoniano (de Newton Séc. XVIII). Desta forma, torna-se importante ressaltar que cada tempo tem a sua linguagem e “queiramos ou não, cada um de nós está, de alguma forma amarrado e comprometido com a narrativa cultural de nossa época, atrelados às suas vantagens e desvantagens, criador e criatura do seu contexto” (Gladis Brun,1999). Se o nosso paradigma tem sido orientado pela idéia da comunicação instantânea e pela idéia da exclusão dos sentidos, da sensibilidade estética e ética, da eliminação dos valores, da qualidade, da alma, da consciência, então me parece ser comum pensar em nossos relacionamentos - uns para os outros - revelando “links impessoais”, objetivos, competitivos, onde não há espaço para conversar e escutar, estar com o outro.


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Segundo o que escreve Vasconcellos (2002, p.47), “esse paradigma da ciência, newtoniano ou cartesiano, veio mantendo-se através dos séculos e chegou até nós. Agora um novo paradigma de ciência está emergindo e certamente se desenvolverá no próximo período da história”.

1.3.7 - PENSAMENTO SISTÊMICO Após longos estudos e aprimoramento das idéias de Aristóteles e outros, e através da oposição à visão mecânica de mundo, os biólogos se tornaram os pioneiros do pensamento sistêmico, dando destaque à idéia de organismos vivos como totalidades, na primeira metade do século XX, especificamente na década de 20. O bioquímico Lawrence Henderson, conforme escreve Capra (1996), foi o primeiro a usar o termo “sistema”, para indicar organismos vivos como sistemas sociais. Mais adiante esclarece Capra (1996 p.39): “Dessa época em diante, um sistema passou a significar um todo integrado cujas propriedades essenciais surgem das relações entre as suas partes, e “pensamento sistêmico”, a compreensão de um fenômeno dentro de um contexto de um todo maior. Esse é, de fato, o significado raiz da palavra “sistema”, que deriva do grego synhistanai ( “colocar junto”). Entender as coisas sistemicamente significa, literalmente, colocá-las dentro de um contexto, estabelecer a natureza de suas relações”.

O que os primeiros pensadores sistêmicos já abordavam era a complexidade da organização dos sistemas vivos, distinguindo o caráter hierárquico da vida, não como sistemas fechados, dominantes uns sobre os outros, como ressalta Capra (1996, p.40): “de fato, uma propriedade que se destaca em toda vida é a sua tendência para formar estruturas multiniveladas de sistemas dentro de sistemas. Cada um desses sistemas forma um todo com relação às suas partes, enquanto que, ao mesmo tempo, é parte de um todo maior. Desse modo, as células combinam-se para formar tecidos, os


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tecidos para formar órgãos e os órgãos para formar organismos. Estes, por sua vez, existem dentro de sistemas sociais e de ecossistemas. Ao longo de todo o mundo vivo, encontramos sistemas vivos aninhados dentro de outros sistemas vivos”.

O pensamento sistêmico acredita que “embora possamos discernir partes individuais em qualquer sistema, essas partes não são isoladas, e a natureza do todo é sempre diferente da mera soma das suas partes” Capra (1996 p.40). Por exemplo, a qualidade distintiva da água, matar a sede/hidratar organismos vivos, não é encontrada isoladamente como propriedade dos seus componentes formadores: o hidrogênio e o oxigênio, cada um por si só não apresenta a qualidade da água, porém, juntos eles formam água. Assim, a abordagem sistêmica nos mostra que as propriedades das partes só podem ser compreendidas a partir da organização do todo e que para pensar sistemicamente é necessário pensar em termos de conexão, de relações e de contexto. A busca da sociedade ocidental moderna pelo conhecimento pautado na postura da análise, da separação dos objetos de estudo dos contextos onde se encontram, da classificação em uma ou outra categoria, reduzindo a complexidade da vida natural, influenciou o cotidiano das pessoas e o jeito de estar, agir e pensar o mundo. Realizamos, igualmente, a análise em nossos relacionamentos e as circunstâncias passam a ser boas ou más, os outros são amigos ou inimigos, aceitamos esse ou aquele ponto de vista, rejeitando idéias diferentes e, assim, acabamos por apresentar dificuldades de comunicação e de compreensão em nossas conversas e vivências. Este modelo de ciência que simplifica o todo complexo, como por exemplo, retira o peixe do rio para ser observado em um tanque artificial de laboratório, com regras rígidas, idéias fechadas, contextos estáveis e permanentes, diferentemente da imprevisibilidade do meio natural, exclui o que não se ajustar à dinâmica por ela


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criada, demonstrando a lógica aristotélica da causalidade linear unidirecional, conforme Vasconcellos (2002,p.77): “só se pode aceitar como causa de um fenômeno observado algo que tenha acontecido antes desse fenômeno, ou na melhor das hipóteses, algo que lhe seja concomitante. Jamais um evento que ainda não aconteceu poderia ser invocado como causa ou explicação do que está acontecendo agora”.

Através desse pensamento cada fenômeno observado (B) corresponde uma causa (A) e cada fenômeno observado tem um efeito (C). Aquilo que não se encaixar nesse padrão será excluído. Essa abordagem nos revela a postura do ou/ou, afastando a possibilidade do tanto/quanto, deixando de considerar a diversidade, a instabilidade, que são fatos da vida. A influência da ciência moderna para os relacionamentos cotidianos pode ser sentida na forma lógica que apresentamos ao pensar e considerar como resposta aos nossos problemas o que é verdadeiro ou não, com tendência em levar em conta apenas uma face ou um aspecto das coisas, reduzindo questões complexas a partir de uma atitude imediatista. Assim, isolamos os elementos de uma situação-dilemática do seu contexto relacional amplo, considerando-a dentro de uma visão singular, onde os fatos devem ser sempre previsíveis e controlados por nós. Por exemplo, uma pessoa sentindo-se angustiada por estar passando pelo desemprego, culpa a si mesma por não ter realizado curso de nível universitário ou responsabiliza aos seus pais, gerando numa ou outra situação dificuldades de relacionamento intra e inter-pessoal. Essa pessoa deixa de considerar as inter-relações de seu problema com os aspectos constituintes do contexto maior no qual está inserida: políticas públicas, mudanças na economia, cultura de mercado, sistema de ensino, globalização, etc, assumindo a posição ou/ou. Considerar tanto um (aspectos pessoais, familiares) quanto o outro (contexto


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ampliado), fará parte da sua compreensão do fenômeno do desemprego individual e coletivo no país, levando-a a uma postura mais aberta, ampliando as possibilidades da sua comunicação e da sua autonomia de escolhas na situação vivenciada. Compreender, segundo (Serra 1997) in Camarrotti (2005) “não significa levantar dados, mas perceber a ligação existente entre eles, a rede que os sustenta e que não é visível, mas que se revela nos fatos”. De acordo com Camarotti (2005) “compreender e interrelacionar, eis os verbos que norteiam as ações e a pesquisa do sofrimento humano”. O pensamento complexo, visto como um aspecto significativo do pensamento sistêmico, mostra-nos que não existe uma única realidade e muito menos que venha a ser percebida da mesma maneira por todas as pessoas. Segundo Morin (1990, p.100), “a consciência da complexidade faz-nos compreender que não poderemos nunca escapar à incerteza e que não poderemos nunca ter um saber total. “A totalidade é a não verdade””. Assim, o pensamento sistêmico, como uma concepção pós-moderna, nos mostra que o modelo linear cartesiano de conhecer a vida é insuficiente para resolver as questões humanas, pois nelas estão contidas as emoções.

1.4 - DIMENSÃO SENSÍVEL DO SER HUMANO Estamos certos que o ser humano é um ser racional e que esta sua condição o distingue dos outros animais. Esta afirmação é aceita por nós, assim como tantas outras. Não paramos para pensar, aceitamo-la porque já faz parte do senso comum e esta aceitação sem reflexão pode funcionar como um obstáculo para uma visão e conhecimento mais amplos.


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A partir da perspectiva da Biologia do Conhecimento, teoria criada pelo biólogo chileno Humberto Maturana, veremos que “dizer que a razão caracteriza o humano” é um limite em nossa visão, “porque nos deixa cegos frente à emoção, que fica desvalorizada como algo animal ou como algo que nega o racional” (2001,p.15). Maturana diz que “ao nos declararmos seres racionais vivemos uma cultura que desvaloriza as emoções, e não vemos o entrelaçamento cotidiano entre razão e emoção, que constitui nosso viver humano, e não nos damos conta de que todo sistema racional tem um fundamento emocional” (2001, p.15). O que chamamos de racional é o produto das nossas percepções. Inicialmente, elas surgem como emoções; por exemplo, uma pessoa está sob determinada percepção corporal que lhe faz sentir o coração bater acelerado e a respiração ofegante, algo ainda inominável, como se estivesse em um estado de emoção inespecífica. Posteriormente, essas emoções se transformam em pensamentos, que geram discursos, que são formalizados em conceitos, por nós chamados de sentimentos.

1.4.1 - AS EMOÇÕES Importante, portanto, ressaltar que, emoção para Maturana não é o que habitualmente chamamos de sentimento. Emoções do ponto de vista biológico, “são disposições corporais dinâmicas que definem os diferentes domínios de ação em que nos movemos” (Humberto Maturana, 2001,p.15), ou seja, a emoção tem a ver com a condição física em que se sente o indivíduo, que produz ou modifica os seus movimentos, sua corporalidade e que define os seus diferentes comportamentos, em diferentes momentos e contextos. “Quando mudamos de emoção, mudamos de domínio de ação” (Humberto Maturana,2001,p.15).


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Assim, podemos pensar que existirão diferentes relacionamentos humanos conforme as emoções que os sustentarão. Neste momento podemos nos perguntar sobre quais são as emoções que fundam os domínios de ação numa sociedade frenética, que privilegia a racionalidade técnico-científica, que mercantiliza as relações, cria a cultura do ser de consumo, do homem como o centro de todos os seres, da competitividade como valor central para a sobrevivência e resposta aos objetivos utilitaristas? E por outro lado, podemos também nos perguntar sobre quais são as emoções que sustentam os domínios de ação capazes de incluir os valores ligados à vida, às relações de convivência e cooperatividade, que leva o homem a se responsabilizar pelos seus próprios atos e se solidarizar com os outros? Quais são as relações que queremos para nós? Humberto Maturana sustenta que “não há ação humana sem uma emoção que a estabeleça como tal e a torne possível como ato” (2001, p.22).

1.4.2 - O HOMEM O homem é um ser social por natureza, que nasceu para se relacionar. De acordo com o dicionário eletrônico Houaiss, relacionar-se significa: “fazer, adquirir relações, amizades, conhecimentos; expor por meio de escrita ou oralmente; relatar, referir, narrar”. Compreendo que o homem para viver necessita dos relacionamentos assim como o peixe necessita da água. Trago esta metáfora imaginando as pessoas, os encontros e desencontros que temos uns com os outros, como um meio essencial (os relacionamentos) por onde fazemos circular o nosso agir e estar no mundo; aprendendo mais sobre nós mesmos, sobre os outros, sobre a vida; tendo a oportunidade de construir novos significados e conhecimentos através do que


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falamos, do que tocamos, do que vemos, do que escutamos, das nossas histórias e das nossas emoções. Porém, quando narramos precisamos de alguém que nos escute, que nos olhe nos olhos, que nos dê pistas de como estamos nos saindo naquilo que queremos construir a cada fala, a cada gesto, a cada nova interação. Um olhar sincero ou cheio de indagações, uma mão que se estende ou um corpo que se afasta, um abraço ou um sorriso, pode fazer uma grande diferença para cada um de nós a cada momento das nossas vidas. Importante considerar que através dos relacionamentos o homem se expressa, toma consciência de si mesmo, põe em cheque as suas próprias realizações, procura incansavelmente novas significações e cria vínculos com os outros.

1.4.3 - O ENTRELAÇAMENTO DA RAZÃO E DA EMOÇÃO Ainda que permaneçamos em nossa vida cotidiana insistindo que o que determina nossas ações como humanas é o aspecto racional, podemos, também, perceber que quando estamos sob determinada emoção, há condutas que podemos ter e outras que não podemos ter, e que aceitamos como correto alguns raciocínios que não aceitaríamos sob o domínio de outra emoção. Existem coisas que acreditamos, fazemos e pensamos, que estão organizadas em nós como premissas básicas, aceitas a priori, numa perspectiva de preferências, a partir da emoção da aceitação, porque gostamos delas, as aceitamos como válidas, porque queremos. De acordo com Maturana (2001, p.16) “todo sistema racional se constitui no operar com premissas previamente aceitas, a partir de uma certa emoção”.


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Desta forma, vemos que o sistema racional começa no emocional: o que pensamos vem do que sentimos. Assim, nenhum argumento racional pode convencer as pessoas que estejam sob o domínio de outra emoção. Um conjunto de idéias, razões explícitas, é importante para iniciar uma conversação, porém, se elas insistem em continuarem excludentes, ou seja, ou/ou, geram-se desacordos. Estes desacordos se distinguem pelo grau de emoções que aparecem, mas que freqüentemente não diferenciamos dessa forma, porque temos a impressão de serem diferentes maneiras de reagir frente a um erro lógico. Esses

desacordos

são,

segundo

Humberto

Maturana

(2001,p.51):

“divergências lógicas e divergências ideológicas”, das quais entendo que: A- Divergências Lógicas: acontecem quando uma pessoa numa conversação pratica um erro na aplicação de fundamentos racionais (lógicos), mas o conflito logo passa, por se tratarem de “premissas fundamentais aceitas por todas as pessoas em desacordo” (Maturana). B- Divergências Ideológicas: acontecem quando as pessoas numa conversação argumentam a partir das premissas fundamentais que cada uma possui. Esses conflitos são acompanhados de uma manifestação súbita de emoção, porque as pessoas vivem as suas discordâncias como “ameaças existenciais recíprocas. “Desacordos nas premissas fundamentais são situações que ameaçam a vida, já que um nega ao outro os fundamentos de seu pensar e a coerência racional de sua existência (Maturana). Vivemos o desacordo lógico como algo que não tem valor e não recebe toda a nossa atenção, pois o erro pode ser facilmente reconhecido e o máximo que nos acontece é ficarmos acanhados e pedirmos desculpas. Conforme exemplo dado por Maturana, ao afirmarmos que 2 x 2 = 5, alguém nos mostrará as regras lógicas da


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multiplicação constituída como uma soma : 2 x 2 é o mesmo que (1+1) + (1+1), que portanto, será = 4, o que aceitaremos facilmente como resolução para a discordância. Nas divergências ideológicas atuamos em domínios de ação acusando o outro de não enxergar como nós. Vivemos essa situação sentindo-a como uma ameaça à nossa existência, uma vez que não consideramos que estamos pautados por diferentes pontos de vistas e idéias que têm previamente a nossa preferência, que são significativas para nossas explicações e para o nosso viver, ou seja, esse tipo de desacordo se baseia em conflitos de emoção e não da razão, já que as suas premissas fundamentais não estão apoiadas na razão. Assim, permanecemos na divergência ideológica achando que estamos vivenciando apenas um erro lógico. Por exemplo: 1- as pessoas elegem conceitos para suas vidas que ajudam-nas em seu agir pessoal cotidiano (maneiras de viver) e imaginam que todos os outros também compartilham das suas idéias e gostos 2- durante uma conversação as pessoas apresentam conceitos em objeção umas às outras 3- sentem-se num fluxo de emoções mais intenso, pois a negação de uns aos outros em suas idéias e preferências, gera o indício de uma possível apartação que cada um terá que fazer de seus próprios conceitos e jeitos de viver 4- os envolvidos na conversação, imaginando que estão apenas cometendo um desvio na colocação de idéias que são aceitas a priori por todos, ou permanecem argumentando sob o domínio da emoção da não aceitação, na tentativa de manterem suas idéias e razões lógicas, ou se separam uns dos outros. Podemos assim perceber que o humano se constitui no entrelaçamento do racional com o emocional e que o contrário disto, a dicotomia entre razão e emoção,


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tem sido o fundamento do paradigma cartesiano que alimenta e valoriza a cultura do racional e desqualifica o que provém das nossas emoções. Os nossos argumentos e as nossas ações têm um fundamento emocional, porém, ainda nos aparenta ser difícil pensar assim, uma vez que isso parece nos expor ao caos da irracionalidade, sendo levados pela emoção. Contudo, Maturana (2001, p.52) diz: “que o viver não ocorre no caos, e que há caos somente quando perdemos nossa referência emocional e não sabemos o que queremos fazer, porque nos encontramos recorrentemente em emoções contraditórias”.

O autor, ainda acrescenta que é apenas através do caminho da objetividadeentre-parênteses que poderemos refletir e aceitar o fundamento emocional de todo sistema racional. Isto acontece porque o processo de refletir equivale-se a colocar na dimensão das emoções os fundamentos de nossas convicções, expondo-os aos nossos desejos a fim de que possamos mantê-los ou dispensá-los, sabendo o que estamos realizando.

1.4.4 - A OBJETIVIDADE E AS RELAÇÕES HUMANAS Quando numa conversação propomos um argumento racional para explicar alguma situação e o outro nos diz “você está enganado”, o que ele está nos dizendo é “eu não aceito esta reformulação da experiência como a reformulação da experiência que eu quero ouvir” Maturana (2001,p.41). O que notamos é que a maneira como uma pessoa escuta uma explicação é o que define se ela é ou não aceita como uma explicação, ou seja, é o fundamento de que a pessoa se utiliza para aceitar ou negar uma proposição explicativa que diz se esta proposição é ou não uma explicação.


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O que acontece muitas vezes é que aceitamos ou negamos uma explicação de maneira consciente ou inconsciente e nos movemos na vida cotidiana nos caminhos explicativos da objetividade-entre-parênteses e da objetividade-semparênteses. Quando estamos reunidos com pessoas das quais gostamos, que são de nossa preferência, que pertencem ao nosso domínio de aceitação mútua, agimos na objetividade-entre-parênteses. Neste caminho, não há uma única verdade, mas uma pluralidade de realidades, cada qual legítima, ainda que não possuam o mesmo conteúdo, e que não sejam igualmente desejáveis para serem vividas. No caminho explicativo da objetividade-entre-parênteses, o fato de uma pessoa gostar da vida urbana e o outro gostar da vida no campo ou de um ser cristão e o outro politeísta, não se torna motivo para uma dinâmica de negação na convivência com o outro, uma vez que ser diferente, apresentar preferências que não coincidem, não se tornam causas para a exclusão de um ou outro. Neste caso, há a responsabilidade do agir em um domínio de realidade que conscientemente se fundamenta pela emoção da aceitação de si mesmo e do outro, por ser uma preferência pessoal e um posicionamento em não acusar o outro de estar equivocado em suas escolhas e argumentos. Já no “caminho explicativo da objetividade-sem-parênteses, as relações humanas não ocorrem na aceitação mútua” Maturana (2001, p.49). Disto decorre um mover-se na negação do outro. Existe uma realidade que é dada como objetiva, para a qual nos direcionamos, e que utilizamos como base para validar nossas explicações. Agimos como se o que falamos fosse aceito em decorrência de sua referência a algo que é independente de nós. De acordo com Maturana (2001, p.46):


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“é válido porque é objetivo, não porque seja eu quem o diz; é a realidade, são os dados, são as medições, não eu, os responsáveis pela validade do que eu digo, e se digo que você está equivocado, não sou eu quem determina que você está equivocado, mas a realidade...em última análise, existe uma realidade transcendente que valida o nosso conhecer e o nosso explicar, e que a universalidade do conhecimento se funda em tal objetividade”.

Na vida cotidiana nos movemos num domínio ou noutro, segundo um critério de aceitação que temos em nosso escutar, legitimando ou não o mundo do outro. A Biologia do Conhecimento nos mostra a forma como somos, como estamos formados biologicamente e como somos humanos na linguagem. Coloca em “evidência a impossibilidade da objetividade e nos convida a assumir que construímos a realidade, com todas as implicações que daí advêm” Vasconcellos (2005,p.171).

1.4.5 - A LINGUAGEM É na linguagem que o viver humano se constitui e, ainda de acordo com a concepção de Maturana, é no entrelaçamento da emoção e da linguagem que temos o que se denomina conversar. O que é aceito tradicionalmente como linguagem: um simples processo de transmitir informações de uma pessoa a outra, não é aceito como suficiente na teoria da linguagem elaborada por Maturana, por não conter dados explicativos sobre as condições de constituição da linguagem e somente descrever a ordem de sua operacionalização. Para o autor “linguagem está relacionada com coordenações de ações, mas não com qualquer coordenação de ação, apenas com coordenação de ações consensuais”, e acrescenta: “a linguagem é um operar em coordenações consensuais de coordenações consensuais de ações” (2001, p.19).


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Assim, compreendo que a linguagem ocorre não apenas porque o consenso já é bastante, mas porque há também uma repetição continuada de trocas recíprocas (coordenações) onde os organismos vivos mudam juntos, por meio de um suscitar simultâneo de mudanças estruturais. “Essa coordenação mútua é uma das características fundamentais de toda comunicação entre organismos vivos, dotados ou não de sistema nervoso, e vai se tornando cada vez mais sutil e elaborada à medida que a complexidade do sistema nervoso vai aumentando” (Maturana) in Fritjof Capra (2002,p.67).

A linguagem, conforme especifica (Maturana) in Capra (2002, p.68), ocorre “no fluxo de interações e relações da convivência”. Importante esclarecer que enquanto seres humanos nós não estamos em linguagem, mas existimos dentro do fenômeno da linguagem e construímos a organização lingüística na qual estamos incluídos. Como descrito acima, a linguagem não ocorre no cérebro, mas surge quando há a coordenação de coordenações de comportamento, que também é chamada por Maturana de “linguageamento”. A linguagem é “compreendida como um processo interativo, construído nos espaços compartilhados de pessoas em relação “Grandesso (2000, p.53). Por exemplo: quando você está no restaurante e levanta o braço acenando ao garçom para provocar-lhe a atenção, você está coordenando um comportamento através do gesto. Quando em seguida você articula os dedos solicitando que ele venha até a sua mesa, esse gesto coordena a coordenação de ação, fazendo aparecer o primeiro nível de comunicação pela linguagem. A articulação dos dedos em direção a você mesmo tornou-se a sua imagem mental de aproximação do garçom até sua mesa e essa segunda coordenação de ações coordena a primeira e não apenas se anexa a ela.


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A partir deste exemplo podemos pensar que os símbolos, as palavras, os gestos, etc, são manifestações da coordenação lingüística das ações e que a linguagem inicia-se quando “ há comunicação a respeito de comunicação” Capra (2002, p.225) e, junto com o outro, construímos um mundo e não o mundo ( Maturana). O mundo construído por nós na coordenação comportamental com outras pessoas, “tem por elemento central o nosso mundo interior de pensamentos abstratos, conceitos, crenças, imagens mentais, intenções e autoconsciência” Maturana in Capra (2002, p.68). “ Numa conversa humana, nosso mundo interior de conceitos e de idéias, nossas emoções e nossos movimentos corporais tornam-se estreitamente ligados numa complexa coreografia de coordenação comportamental.Análises de filmes têm mostrado que toda a conversa envolve uma dança sutil e, em grande medida, inconsciente, na qual a seqüência detalhada de padrões da fala é sincronizada com precisão não apenas com movimentos diminutos do corpo de quem fala, mas também com movimentos correspondentes de quem ouve.Ambos os parceiros estão articulados nessa seqüência de movimentos rítmicos sincronizados com precisão, e a coordenação lingüística de seus gestos, mutuamente desencadeados, dura enquanto eles continuam envolvidos numa conversa” Capra (2002, p.227).

1.4.6 - UM MODO DE VIVER Viver na linguagem significa dizer que nos seres humanos vivemos o nós, o relacional em nossa vida cotidiana. De acordo com o que escreve Maturana (2001), compreendo que a evolução humana se deu no compartilhar da sensualidade e no compartilhar alimentos e vivências ligadas ao crescimento e desenvolvimento, desde o nascer até o morrer, caracterizando um agir em um domínio social de coordenações de trocas recíprocas continuadas (linguagem), de geração em geração; um agir fundado em emoções que elegiam certos gostos, gestos, costumes, etc, a partir de preferências e


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circunstâncias. Essas interações recorrentes de aceitação mútua e não tão somente o consenso por certo modo de viver, provocaram mudanças estruturais nos organismos humanos, formando sucessivamente uma nova série de gerações, ao criar uma maneira de viver em um contexto. Maturana esclarece-nos que “o central no fenômeno evolutivo está na mudança do modo de vida, e em sua conservação na constituição de uma linhagem de organismos congruentes com sua circunstância, e não em desacordo com ela” (2001, p.21). A evolução humana se faz presente pela condição do humano estar inserido em um mundo lingüístico, aonde o seu comportamento vai além do instintivo e pode ser aprendido, gerando a possibilidade de um desenvolvimento contínuo do jeito de viver e, sendo este o aspecto importante que carregamos, damos origem a outros organismos congruentes com seu meio, que carregam, também, a possibilidade da mudança. Quando cito que o comportamento humano é aprendido, não estou me referindo ao modelo de aprendizagem que habitualmente encontramos, no qual uma pessoa se torna receptáculo de conteúdos prontos, acabados e de realidades independentes de quem aprende. Refiro-me ao que diz Maturana, (2001, p.60): “o que está envolvido no aprender é a transformação de nossa corporalidade, que segue um curso ou outro, dependendo de nosso modo de viver. Sabemos que o aprender tem a ver com as mudanças estruturais que ocorrem em nós de maneira contingente com a história de nossas interações”

Neste momento me recordo da história do “menino lobo”, o qual foi criado na selva entre e pelos os animais. Ele cresceu corporalmente diferente das crianças que são expostas a uma história de interações humanas. O “menino lobo”, não tendo sido exposto a uma história humana, não aprendeu seus usos e costumes e não tendo tido a sua transformação nessa história, a partir de seu viver nela, não se tornou humano. Parece ficar claro que o nosso corpo constitui a possibilidade da


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nossa existência, enquanto seres humanos, à medida que a nossa condição de aprender tem a ver com a transformação de nossa corporalidade, que se manifesta de um jeito ou de outro, dependendo das circunstâncias do nosso modo de viver. De acordo com Maturana “toda interação implica num encontro estrutural entre os que interagem, e todo encontro estrutural resulta num desencadeamento de mudanças estruturais entre os participantes do encontro” (2001 ,p.59), ou seja, apesar de possuirmos, cada um de nós, a nossa estrutura (moléculas, células, tecidos, órgãos...) em contínua mudança estrutural espontânea e reativa, o curso desta mudança não se dá de maneira individual, isolada do meio, somente sob a responsabilidade de cada um, pois se faz de maneira relacionada com a história de nossas interações com os outros, com o contexto onde vivemos, numa circularidade de influências mútuas. Podemos citar o exemplo dado pelo autor quando diz do tio que está internado numa CTI. Este seria um ambiente adaptado às suas necessidades. Quando o sobrinho imagina levar o tio à praia, sabe-se que ele não teria condições de sobreviver, porque o ambiente não está adaptado às necessidades do tio e nem o tio estaria adaptado às condições do ambiente na praia. Sendo assim, notamos que o que faz com que o ser vivo se preserve é sua congruência com o meio e não a questão do vencer ou perder.

1.4.7 - A CONSPIRAÇÃO DO AMOR Vimos anteriormente que a linguagem tem um importante papel na evolução humana, que não está relacionada à capacidade de trocar idéias, mas com a possibilidade de aumentar as atividades cooperativas e de desenvolver as famílias e as comunidades, permitindo o avançar da humanidade com enormes vantagens.


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Hoje, a nossa cultura, a nossa arte, o nosso pensamento, encontram-se bastante desenvolvidos e junto com esta evolução tivemos também o progresso da nossa capacidade de pensar de forma abstrata, gerando em nós o saber criar um “mundo de conceitos, de objetos e de imagens de nós mesmos” Capra(2002), de tal modo que perdemos a nossa ligação com a natureza e acabamos por caminhar para uma forma de conhecer que divide e classifica tudo em pares de opostos, repartindo em fragmentos a consciência com a qual estamos no mundo. Esse tipo de pensamento torna muito natural em nós o hábito de interpretarmos todos os acontecimentos, situações e comportamentos em termos de causa e efeito. A interpretação atua como um pressuposto básico na qual vinculamos a nossa capacidade de compreensão, levando-nos a procurar nos lugares, nas pessoas, nas situações os tipos de causa possíveis para os mais variados acontecimentos. Na visão causal da vida encontramos um limite, pois ao tentarmos encontrar a causa da causa, por exemplo: quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? caminhamos para um ponto onde não fazemos mais perguntas ou encontramos como resultado as nossas próprias expectativas, fechando-nos em nosso ponto de vista, onde a única linguagem aceita é “ou-ou”, ou seja, a linguagem da exclusão das coisas ou pessoas que não aceitamos como válidos para nós. A influência do pensamento abstrato, em nossa vida cotidiana, reside em continuarmos experimentando a crença de que somos e vivemos separados dos nossos companheiros humanos e da natureza, fragmentando a nossa rede de relações afetivas e de convivência, em níveis de poder e diferenças sociais, culturais, religiosas, políticas, étnicas, econômicas, etc.


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Segundo Francisco Varela (2002), para recuperarmos a condição de humanidade, precisamos restabelecer nossa experiência de vínculo com todas as formas e expressões de vida. Para que haja um modo de viver, uma história de recorrências, ao invés de encontros casuais ou separações, há que se ter uma emoção que torne essas recorrências possíveis. Segundo Humberto Maturana (2001), existem duas emoções pré-verbais que tornam nossas ações possíveis: a rejeição e o amor. Penso que a emoção da rejeição está baseada, primeiramente, na idéia de que

podemos

fazer

referência

ou

relatar

uma

realidade

que

existe

independentemente da nossa interação com o meio e, também, está pautada na crença de que um pode dominar, competir, estar autoritário com o outro, reclamando para si o privilégio de saber como as coisas são em si. Desta forma, a rejeição constitui o nosso agir em um domínio que nega o outro como legítimo outro na convivência. Para termos sucesso precisamos competir ? Na visão de Maturana a competição é um fenômeno cultural e humano, e não biológico. Sendo um fenômeno humano, a competição tem na sua essência a negação do outro. Porém, se precisamos reconstituir a nossa experiência do vínculo, conforme nos coloca o autor Francisco Varela (2002), precisamos então de uma outra emoção que nos leve a sentir, estar e agir em harmonia com as circunstâncias.Esta emoção é o amor. De acordo com Humberto Maturana (2001), os seres humanos têm duas dimensões de existência: uma é a sua fisiologia, sua anatomia e sua estrutura; a outra são as suas relações, sua existência como totalidade.


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Ainda de acordo com este autor, o que nos cria como seres humanos é o nosso modo particular de ser em relação, cujo domínio da nossa existência, do nosso viver se dá no conversar. No conversar construímos nossa realidade com o outro, não sendo, portanto, a conversa uma coisa abstrata, e sim um modo próprio de vivermos juntos. Quando conversamos mudamos nossa fisiologia, por isso podemos acariciar ou fazer surgir o sofrimento com nossas palavras. A emoção do amor constitui o nosso agir em um domínio de ação que aceita o outro como legítimo outro na convivência, sendo possível acolher e respeitar aquilo ou aqueles que são diferentes. Ainda, penso na emoção do amor como a possibilidade de vivermos um tempo presente, sem a exigência que temos de ver um aspecto depois do outro, criando um tempo onde uma coisa existe depois da outra, analisando e dividindo a totalidade em aspectos cada vez menores ( Dethlefsen ; Dahlke, 1983), uma vez que a vida possui um ritmo, uma sincronicidade, na qual um aspecto está ligado ao outro, sem hierarquia, e juntos formam a harmonia do que é inteiro. Humberto Maturana, em artigo eletrônico (2001) refere-se à convivência harmônica: “Eu creio que Jesus era um grande biólogo. Ele fazia referência a esta harmonia fundamental de viver sem exigências, por exemplo, quando ao falar através das metáforas dizia: “olhe as aves do campo, nem cultivam nem trabalham nem se esforçam e se alimentam melhor que os humanos” e sem angústias sua existência é harmônica na vida e na morte. Ou quando falava das flores. Ou quando dizia que para entrar no reino de Deus tinha que ser como as crianças, e viver sem a exigência da aparência, na inocência do presente, em estar ali em harmonia com as circunstâncias”.

1.5 - PROCESSOS REFLEXIVOS Os processos reflexivos podem ser desenvolvidos de maneiras diferentes e representam uma forma alternativa de se chegar a um conhecimento. Podemos


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dizer que os processos reflexivos são a “compreensão da compreensão” e esse novo jeito de conhecer é mais uma opção de escolha em referência ao período moderno. Os processos reflexivos se baseiam nas idéias do chamado pensamento pósmoderno, que teve início na metade do século XX. Este período surge como um conceito de tempo para alguns, e para outros como uma reação ao período antecessor, o moderno. O período moderno, como já exposto anteriormente, se caracteriza pela visão de mundo como sendo uma máquina e, particularmente, o ser vivo, como um ser imóvel que pode ser submetido à avaliação objetiva, independentemente do seu contexto relacional. Assim, no período moderno surge a necessidade de haver especialistas que dominem os métodos pelos quais se pode chegar ao verdadeiro conhecimento, e também de especialistas que possuam o conhecimento que certifique se o obtido é verdadeiro ou falso. Da mesma forma também é criado o sentido da estruturas hierárquicas, na quais “alguns se tornaram os que ajudam e outros os que são ajudados; alguns governantes, e outros governados; alguns observadores, e outros observados; alguns controladores, e outros, controlados, etc” Tom Andersen (1991, p.167). A objetividade e o controle dos fenômenos, ou seja, o mundo do pensamento moderno corresponde “àquela parte do mundo onde “a vida interior” tem um ritmo muito lento de mudança...Um pedaço de metal, por exemplo, muda muito devagar; pode levar décadas para que a vista humana perceba alguma mudança” Tom Andersen (1991,p.144).


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Já o mundo da compreensão: compreensão aqui proposta como uma perspectiva dos processos reflexivos, relaciona-se a um mundo no qual utilizamos o diálogo como uma prática de mudança, e é formado pelas pessoas e seus significados. Esse mundo abrange a maneira como cada pessoa entende a si própria, o mundo que a rodeia e também os seus significados de como fazer parte desse mundo. As pessoas e especialmente os seus significados mudam constantemente, uma vez que os significados são múltiplos e variam com os contextos que não são fixos. Os significados não podem ser controlados, não são previsíveis, assim não existem leis universais que nos digam como eles podem ser governados. Nossas tentativas e nossos entendimentos são o lugar mais perto a que podemos chegar para compreender a compreensão do outro.

1.5.1 - INCLUINDO QUEM FALA E QUEM ESCUTA Tom Andersen, psiquiatra e professor norueguês, ao falar sobre o trabalho da equipe reflexiva, nos ensina sobre as conversas internas e externas e o quanto a escuta está presente no atualmente, denominado processo reflexivo, na perspectiva do cuidado e do respeito que cada um pode ter consigo mesmo e com o outro. A partir do interesse de Tom Andersen e seus colegas pela aplicação da Abordagem de Milão surgiu, gradativamente, a equipe reflexiva. A Abordagem de Milão se desenvolve a partir do encontro de uma equipe de terapeutas com uma família, sendo que um terapeuta conversa com a família e os demais integrantes da equipe acompanham a entrevista por trás de um espelho unidirecional.


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O terapeuta que conversa com a família possui uma idéia hipotética de como o problema pode ser compreendido e orienta sua entrevista por esse caminho. Em um dado momento, ele se afasta da família para reunir-se com toda a equipe, a fim de discutir outras interpretações que não sejam aquelas já dadas pela família.O entrevistador retorna à família e apresenta os novos entendimentos construídos pela equipe. Esta abordagem, denominada intervenção, quando aplicada por Tom Andersen causou-lhe certo desconforto, parecendo que repassar a intervenção à família era como se naquele momento ele fosse possuidor de um poder que legitimava a sua intromissão, a violação da independência dos outros; em suas palavras: “Sempre é difícil dizer: “Isto é o que vemos”; ou “Isto é o que entendemos”; ou “Isto é o que queremos que vocês façam” McNamee e Kenneth Gergen (1998, p.72). Atento aos seus próprios desconfortos e na busca por caminhos que pudessem incluir as idéias e entendimentos de seus clientes, sobre os problemas, Tom Andersen e sua equipe, a partir de 1984, desenvolveu uma nova postura, passando da linguagem Ou-Ou para a linguagem Tanto-Como, conforme suas descrições sobre esta nova linguagem: “Além do que vocês viram, nós vimos isto”; “Além do que vocês entenderam, nós entendemos isto”; “Além do que vocês tentaram fazer, achamos que vocês poderiam tentar isto” McNamee e Gergen ( 1998, p.72). Acredito que estar em uma postura de não impor medidas necessárias à família, possibilitou à equipe de terapeutas se posicionar de forma não hierárquica, com maior proximidade da família e de seus significados, considerando também as


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suas idéias e pensamentos, tornando, assim, o processo terapêutico mais confortável para todos: famílias e terapeutas.

1.5.2 - CONOTAÇÃO POSITIVA Desde 1981, Tom Andersen e Aina Sporken, enfermeira de saúde mental, discutiam sobre suas observações a respeito do que as pessoas lhes diziam no primeiro contato; “Tipicamente, elas diziam “nós não sabemos o que fazer! o que devemos fazer?” McNamee e Gergen (1998, p.73). Em suas discussões passaram a questionar porque a equipe de terapeutas mantinha-se afastada das famílias nas pausas das sessões para suas conversações? Avançando rumo a uma compreensão, consideraram a idéia dos terapeutas não se afastarem de quem os consultavam, permanecendo dessa maneira junto com as famílias. Pensaram em possibilitar aos seus clientes ver e ouvir como a equipe trabalhava com as questões e as conversas da entrevista, imaginando que o acesso ao processo de trabalho dos terapeutas pudesse ser um facilitador para as famílias, na descoberta de suas próprias respostas. Apesar de alguns zelos por parte de Tom Andersen em tornar públicas as conversações da equipe, uma vez que considerava que o vocabulário da equipe continha muitas palavras desagradáveis, como por exemplo, um membro da equipe poderia dizer: “eu fico feliz de não pertencer a uma família com uma mãe tão faladora!”

McNamee

e

Gergen,

(1998,

p.73),

houve

um dia, porém, em março de 1985, quando uma equipe de terapeutas que tinha estado atrás do espelho acompanhando a entrevista, propôs ao terapeuta de campo e a família que escutassem a conversação sobre o que a equipe havia pensado enquanto ouvia a conversa deles (entrevistador e família). Nesse dia, Tom Andersen


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viu-se aliviado, não apareceram as palavras “desagradáveis” e a conversação fluiu de modo a não precisar evitá-las. Desde essa data, esse formato de trabalho passou a ser reconhecido como equipe reflexiva. Do francês réflexion, e do norueguês refleksjo, com significados similares: “algo ouvido é internalizado e pensado antes de uma resposta ser dada” (Tom Andersen, 1991, p.35). Assim, Tom Andersen conclui “nunca mais poderemos usar palavras, conceitos ou expressões que possam ser percebidas como negativas por aqueles que nos consultam. Quando trabalhávamos de “maneira antiga”, podíamos” (1991, p.136). Entre o jeito antigo e o novo jeito, mais aberto de trabalhar, o que se destaca é a mudança de linguagem, com a saída das expressões negativas e a introdução de idéias e expressões de conteúdos positivos por parte dos terapeutas. Embora esta nova forma da equipe de terapeutas trabalhar com as famílias contenha uma importante troca de linguagem, há algo mais: ela apresenta um novo jeito dos terapeutas pensarem o seu modo de estar e agir no mundo e interagirem com as famílias que os consultam. Tom Andersen apresenta esta importante observação, referindo-se ao efeito do uso das conotações negativas sobre nós terapeutas; segundo a ótica construtivista não nos relacionamos com a vida em si, mas com o nosso entendimento dela e participamos ativamente na criação de nosso entendimento da vida. Existem tantas versões de uma situação quantas forem as pessoas que a compreenderem ( Maturana ) in McNamee e Gergen (1998, p.77). Podemos pensar que o terapeuta, ao usar conotações negativas, parte de uma definição das coisas e das pessoas pautado na percepção e no entendimento de que existe algo nas pessoas ou nas coisas ou acerca delas que deveria ser de


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outro modo. Quando suas descrições são pautadas pelo que deveria ser, não alcança uma descrição que seja significativa, e assim terá falas que introduzirá alguma mudança que venha de fora, como por exemplo, dizer à família como deve agir

em

determinados

momentos

da

sua

vida,

prescrevendo

tarefas

e

recomendações. Como sabemos que não é possível uma interação instrutiva, podemos então entender que a perspectiva colocada por Tom Andersen no uso de conotações positivas, está em propiciar um movimento na evolução dos pontos de vistas que são oferecidos nas descrições e explicações do terapeuta, de forma que estas descrições e explicações possam ser úteis para todos e inspirem as pessoas que as recebem. “Como vejo agora, as palavras e significados que uma pessoa ouve e fala tornam-se parte de seu modo de ser” Tom Andersen (1991, p.137). Penso que o uso de conotações positivas dentro do processo reflexivo, oferece aos terapeutas e às famílias a possibilidade da escuta e da escolha de um vocabulário que promova a interação com o outro, abrindo espaços para a emoção da aceitação do outro como legítimo outro na convivência. Assim, se o terapeuta aceita antecipadamente a idéia de que não é possível colocar o outro em estado de ser julgado pelas suas percepções e descrições, a conversa reflexiva possibilita a troca entre escutar e falar sobre os mesmos assuntos e os diferentes pontos de vistas, permitindo uma evolução das descrições e dos significados do terapeuta e dos que lhe consultam. Importante ressaltar, como já mencionado anteriormente, que os processos reflexivos podem ser aplicados de diferentes maneiras, sendo a equipe reflexiva aqui colocada, como mais uma forma de realização. Uma característica de fundamental


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importância nesse processo é a troca de posições entre os que falam e os que escutam. Essa possibilidade de troca com as pessoas do sistema, cria posições reflexivas, sendo essas posições alternadas em dois grupos: deixando que um grupo converse enquanto o outro permanece na posição de escuta (posição reflexiva); após algum tempo, é perguntado àqueles que escutaram a conversa quais foram seus pensamentos enquanto escutavam o primeiro grupo falar. Posteriormente, volta-se ao primeiro grupo para conversar sobre suas reflexões enquanto escutava a conversa sobre os pensamentos reflexivos do segundo grupo.

1.5.3 - FALAS INTERNAS E EXTERNAS Segundo Tom Andersen, o processo reflexivo representa uma mudança de retorno e avanço entre as falas internas e externas. “As falas externas são realizadas com os outros e as internas são aquelas que a pessoa tem consigo mesma” (1991, p.157). O trabalho desenvolvido por Tom Andersen possibilitou-lhe sentir que o cliente deveria ter espaço para falar sobre o que desejasse, da forma como preferisse, usando o tempo necessário para o seu conforto. Com isto, o autor enfatiza que o ouvinte deve agir de forma a prestar atenção e não quebrar a continuidade da fala. Para essa sua experiência, destaca que é possível observar durante o monólogo não interrompido, o oferecimento que é feito para quem fala, para a inclusão das suas conversas internas e externas. A primeira acontece quando a pessoa faz uma pausa na sua fala, representada apenas por um retroceder ou deslocar-se para outro lugar ou encontrar-se com outra pessoa. “Isso pode ser


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observado quando seus olhos se afastam e olham para outro ponto” (1991, p.157). No momento da pausa o autor pensa que a pessoa busca “algo durante toda a pausa, ou pare e descanse em alguma coisa, em algum lugar; são buscas de significado(s)” (1991, p.157). Após a parada, os olhos de quem fala voltam a se fixar em quem escuta e a próxima fala, a externa, pode continuar. Desta forma, Tom Andersen (1991, p.157) nos mostra que a fala compreende “algo que pode ser visto além daquilo que é falado e pode ser ouvido. Essas mudanças entre as falas externas e internas são mais significativas se outra(s) pessoa(s) estiver(em) presente(s) para vê-las e ouvi-las”. Tom Andersen coloca que após terem iniciado o trabalho com a equipe reflexiva, foram ocorrendo mudanças naturais no comportamento da equipe. A equipe que permanecia atrás do espelho, que antes desenvolvia uma conversação entre si enquanto acompanhava a entrevista, passou a ficar em silêncio. Com o tempo, puderam avaliar que a escuta havia se tornado silenciosa e que a nova postura ajudava a produzir mais idéias, quando comparadas ao passado. Desta forma, penso que o ato de escutar pode ser uma atitude de sensibilidade e atenção ao outro e a si mesmo, que envolve uma maneira de se relacionar que cede à vontade de fazer análise e/ou discurso, de dar sermão e/ou entrar em disputa por diferentes pontos de vistas.

1.5.4 - ESCUTAR TAMBÉM É VER Nesse caminho das “pausas” colocado por Tom Andersen, há também o que o autor chama de “aberturas” que igualmente podem ser vistas por nós profissionais, como base para lançarmos nossas perguntas.


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O autor, após ter considerado em seu agir profissional, que as escolhas das perguntas pudessem ser feitas de forma intuitiva, atualmente considera “que a pessoa que escuta, além de escutar a tudo que é dito, também vê como é proferido” Tom Andersen (1991, p.158). O que se vê são as pequenas mudanças na forma de falar que podem nos fazer pensar: “o que ouvi neste momento e que veio somado ao que também vi demonstra ter uma importância para quem está falando. Assim, parece ser significativo falar mais um pouco sobre este tema.” As pequenas mudanças são muitas e diferem de pessoa para pessoa: uma mudança no olhar; um movimentar-se na cadeira; as mãos em diferentes movimentos; um suspirar; a cabeça que se abaixa, etc. Tais movimentos parecem acontecer quando quem fala, diz algo ou usa palavras as quais ouve como particularmente significativas; “as próprias palavras da pessoa a movem. E o verbo mover tem em todas as línguas dois significados: um de aspecto físico e outro de emocional (motivar)” Tom Andersen (1991 p. 158). Tom Andersen ressalta que as conversas por demais lentas constituem muito para ser escutado e visto pelo ouvinte, e têm proporcionado a compreensão de que quem fala busca, através desse falar, o melhor jeito de se expressar: “a procura das melhores palavras para dizer o que deseja; o melhor ritmo; o melhor andamento, etc” (1991, p.158). Em sua experiência, o autor relata que a pessoa a quem foi oportunizado fazer seu proferimento sem ser interrompida quase sempre faz uma “pausa”, para então recomeçar novamente, como se a primeira tentativa de expressão não tivesse sido significativa. Uma importante condição para que o ouvinte fique habilitado a escutar e ver com cuidado e atenção é não pensar que quem fala quer na verdade falar algo mais do que aquilo que está proferindo. “Não existe nada além do proferido do que o


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próprio proferido; não existe nada além do que o falado e nada a mais apresentado do que aquilo que foi apresentado. Nada mais” Tom Andersen (1991, p.161) Assim, as expressões se constituem em “aberturas” para perguntas que ajudam quem escuta a buscar o que está dentro dos sinais; nas palavras; nas emoções; nos movimentos. O ouvinte não pergunta pelo que está escondido, mas o que está no que foi expresso. Importante dizer que as perguntas geram antecipadamente no ouvinte uma primeira pergunta: a pergunta que faço é adequadamente incomum ou é incomum demais? E a resposta para esta pergunta está de novo nas expressões do interlocutor e que permitem a quem pergunta sentir se o outro está desconfortável ou não.

1.5.5 - CONVERSA E RESPIRAÇÃO Tom Andersen considera as conversas como ponto de origem para a troca de descrições e explicações. Essas trocas possibilitam uma nova nuance às descrições, explicações antigas e colaboram para fazer aparecerem outras novas, oferecendo, assim, um alicerce o mais abrangente possível de escolha para que a pessoa possa cuidar, de uma maneira diferente, situações interrompidas, paralisadas, ou responder a novos fatos, sejam eles esperados, conhecidos ou não. Pensando na importância das trocas, Tom Andersen utiliza-se das metáforas da amizade e da respiração, dizendo que entende que os amigos trocam conversas entre si e a amizade necessita dessas trocas para permanecer viva; a respiração acontece em um processo de trocas, inspirar e expirar, e sem essa troca a respiração se paralisa e o indivíduo não sobrevive.


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Ao examinar a troca respiratória, já registrada no papel, Tom Andersen observa que a curva do ciclo respiratório possui o lado ascendente sinalizando a inspiração e o descendente, a expiração. “Entre essas duas partes, existem algumas pequenas pausas, uma antes de começar a inspiração e a outra antes de começar a expiração”(1991,p.56). Através da fala, uma pessoa busca suas idéias, imagens, palavras, etc, que “melhor expressem suas compreensões e opiniões, e isso é feito de uma maneira que contribui para que ela se expresse a si própria” (Tom Andersen,1991, p.152). Os trabalhos com Aadel Bulow-Hansen e Gudrun Ovreberg, oportunizaram a Tom Andersen (1991,p.152): “compreender a participação do corpo quando uma pessoa se expressa a si própria. Tudo que é expresso, tanto palavras quanto emoções, passa pela fase expiratória da respiração. Os movimentos respiratórios são muito sensíveis às mudanças, variando de acordo com o que é expresso e o contexto no qual ocorrem essas manifestações. Portanto, ser um ouvinte envolve não somente prestar atenção às palavras, metáforas e significados expressos, mas também ficar atento e evitar uma ruptura na parte fisiológica do falar – a velocidade, o ritmo,as pausas e a intensidade da voz. Sendo tal ouvinte, oferece-se ao outro uma busca em parceria da constituição e reconstituição que o outro faz de si próprio. Ou dito mais coloquialmente: estar com o outro de uma tal forma que ele se torne a pessoa que mais deseja ser naquela situação, naquele momento”.

Durante o espaço de tempo que dura uma conversa, quem fala sempre precisa de um silêncio breve antes de falar e um silêncio breve antes de ouvir (sentir). “A pausa antes do falar pode ser usada para uma pergunta a si próprio: O que ele realmente falou?” (Tom Andersen, 1991, p.56). O silêncio breve antes de escutar poderia ser empregado como uma auto procura: “O que eu disse foi adequadamente incomum ou demasiadamente incomum? (Tom Andersen, 1991, p.56).


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Ainda de acordo com as idéias de Tom Andersen, as conversas precisam de silêncios breves que sejam suficientes para uma consideração sobre o curso da conversa, e precisam acontecer moderadamente sem pressa, para que a percepção mental possa ocorrer, escolhendo as idéias com as quais se identifica, alcançando as palavras que revelem essa identificação. “Deve haver um esforço durante a conversa para que o falar, refletir e escutar dos dois ou mais participantes mantenham-se em relação a essas fases, na mesma velocidade e ritmo” Tom Andersen (1991, p.57). Quando conversamos com outra pessoa, procuramos acompanhar o seu ritmo sem deixar de ver e ouvir o nosso. Pensando a respiração como um processo vital para as conversas, encontramos em Thorwald Dethlefsen e Rüdiger Dahlke a idéia de que a respiração existe em ritmo. Ritmo é a base de tudo o que vive e no que se refere ao corpo, o aspecto principal da respiração é o processo de troca, conforme os autores colocam: “através da inspiração, o oxigênio contido no ar é levado aos corpúsculos vermelhos de sangue; quando expiramos, expelimos dióxido de carbono. A respiração abrange a polaridade da recepção e da entrega, do dar e do receber” (1983, p.109). Os autores, ainda enfatizam que a respiração nos proíbe de nos tornarmos independente do contexto em que nos encontramos, de nos fecharmos em nós mesmos, e explicam: “embora como seres humanos gostemos de nos encapsularmos em nosso ego, a respiração nos obriga a manter nosso vínculo com o não-eu. Convém tornarmos-nos cientes de que o inimigo respira o mesmo ar que nós inspiramos e expiramos. O animal e a planta também. É a respiração que nos liga continuamente a tudo o que existe. Não importa o quanto o ser humano tente se isolar, a respiração o vinculará a tudo e a todos. O ar que respiramos nos une num todo, quer queiramos quer não. A respiração, portanto, tem algo a ver com “contato” e com “relacionamento” Thorwald Dethlefsen e Rüdiger Dahlke (1983, p.110).


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Neste momento, sinto que adentro a resposta de um questionamento que muitas vezes me faço: como podemos estar com o outro e atuar através da nossa fisiologia, das nossas emoções, comportamentos e crenças, sem que nenhum de nós seja eliminado do contexto? Penso no ato de escutar para responder a esta questão, considerando-o como um recurso pessoal e profissional que compreende a dimensão sensível do ser humano, do corpo e da sua fisiologia, e a capacidade de interagir com o meio, com as pessoas, de adentrar novos mundos e criar novas distinções, além das crenças e julgamentos pré-estabelecidos. Estabelecer a escuta como um recurso da prática sistêmica é reconhecer que não podemos ter um conhecimento objetivo das coisas e pessoas; sempre existirá mais a ser visto, a ser falado, a ser escutado, tantos quanto forem os envolvidos, sugerindo-nos, portanto, o sentido do respeito e do cuidado, da postura acolhedora, da postura reflexiva e não instrutiva, criando espaços internos e externos para a expressão de competências, entendimentos, a construção de vínculos e a elaboração de possíveis novos significados para a vida. A busca por esta postura leva-me a refletir sobre o cuidado nas nossas relações e segundo Leonardo Boff (2003, p.49) ao citar a Fábula do Cuidado, nos diz: “originário é o cuidado que foi o primeiro a moldar o ser humano... o cuidado, portanto, entra na constituição do ser humano. Sem ele não é humano”.


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CAPÍTULO 2

PROBLEMATIZAÇÃO

Iniciando este capítulo, penso na etapa da problematização como uma fogueira, mas não como aquela que queima, sufoca e nos afasta do seu calor, mas como aquela que brilha e nos chama a participar dos andaimes da sua construção, para que o seu fogo, que traz a luz, nunca se apague. A metáfora da fogueira é explicada por Monk (1997) in Grandesso (2000, p.253): “Para manter a primeira chama vacilante acesa, necessita-se colocar pequenos gravetos mais finos, vários deles no tempo adequado. Se for colocado apenas um, ele rapidamente será consumido e o fogo apagar-se-á; se forem muitos de uma só vez, ou lenha muito pesada, a chama será sufocada. Assim, gentil e habilmente cuidada, a chama pode ser alimentada pelo oxigênio, até que, estabelecida, a fogueira possa receber a lenha mais pesada e seguir por si mesma sua vida”.

Na Terapia Comunitária, a fase da problematização é desenvolvida quando o terapeuta apresenta ao grupo um mote, com a idéia de que este constitui a escolha de mais um recurso (mais um graveto), particularmente adequado ao momento do grupo, para que o interesse e o envolvimento dos participantes na co-construção de um contexto de novas narrativas não se apaguem; para que tenha em cada participante um parceiro de diálogo, na crença de que esta abordagem gera aberturas compartilhadas, onde mesmo o relato de histórias sofridas guardam o brilho de experiências que podem ser narradas em torno de habilidades, competências e talentos.


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Analogamente, nesta fase da monografia, a problematização é o momento em que já tendo sido acesa a “fogueira” nos capítulos anteriores, é preciso agora mantêla com algumas outras “lenhas”, que aqui penso em apresentá-las (as lenhas) destacando os “Princípios da Escuta” que dão sustentação às Oficinas da Escuta, como um recurso sistêmico já desenvolvido na prática e que se relaciona ao tema da monografia e a pesquisa bibliográfica.

2.1 - OFICINAS DA ESCUTA A partir do paradigma sistêmico, as Oficinas da Escuta são compostas por um conjunto de oito encontros, contextualizado pelo diálogo entre os participantes e o compartilhar das experiências. O que temos são participantes-autores de um processo de conhecimento, implicados numa metodologia sensível que contém a conjugação do verbo emocionar (-se). Esta metodologia, longe de ser um fazer profissional carregado de ingenuidade, sem maior amadurecimento, se aproxima das afirmações de Humberto Maturana (2001), em sua teoria da Biologia do Conhecimento, que permitiu transpor o dualismo do pensamento ocidental: razão x emoção, ao mostrar que o peculiar do humano está na linguagem e no entrelaçamento com o emocionar. Vivemos muito tempo produzindo saberes com a emoção escondida. Assim, pensando num processo fluido e espontâneo, as Oficinas da Escuta apresentam Princípios facilitadores para cada encontro, que propiciam aos participantes, ancorados em suas emoções e histórias de vida, o desenvolvimento natural de novos significados. Com a intenção de sustentar a idéia do ato de escutar como um recurso pessoal, terapêutico e uma postura a ser desenvolvida em nossos relacionamentos


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pessoais e profissionais, os Princípios trabalhados são: preparação; acolhimento; abertura; flexibilidade; comunicação; respeito; amorosidade. Estes Princípios, quando trabalhados nas Oficinas da Escuta, propiciam, também, a contextualização da afirmação sistêmica, de que na vida tudo está em constante ligação e troca e que não há hierarquia, pois nada é superior a nada, havendo sempre uma relação organizadora entre as partes e “o todo é mais do que a soma de suas partes” Capra (1996, p.38) uma vez que não resulta em uma quantidade, mas numa qualidade – a natureza das relações. Assim, um sentido construído para os Princípios da Escuta a cada encontro, enquanto partes interdependentes de um conjunto, é de possibilitar a formação de um “corpo orgânico” que dá vida e ativa a postura da escuta, a qual passa a ser qualificada através da vivência diária dos participantes, além dos espaços das Oficinas. As Oficinas da Escuta são realizadas seguindo as etapas abaixo descritas: Aquecimento Corporal Respiração Princípios da Escuta Dinâmica Temática Processos Reflexivos Partilha das Emoções Danças Circulares Sagradas Harmonização de Despedida Envio à Escuta


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Na 1ª fase da Formação para Escutadores, os participantes entram em contato com os Princípios pertinentes à escuta, vivenciando-os através de dinâmicas, processos reflexivos, etc, a cada encontro e co-constroem novos significados para os relacionamentos, a partir das novas experiências que passam a desenvolver em seus contextos de atuação pessoal e profissional, encorajados pela prática da escuta sistêmica e da posse das suas competências pessoais. A partir da 2ª fase, com a implantação do serviço da escuta - Pastoral da Escuta Cristã - na Paróquia São Sebastião, os escutadores participam da multivisão com as profissionais responsáveis pelo processo de Formação, cuja abordagem focaliza a ampliação dos conteúdos: relação teoria/prática e o compartilhar das emoções, sob a ótica do cuidado com quem cuida.

2.2 - PRINCÍPIOS DA ESCUTA Semelhante ao pintor que deseja produzir uma bela paisagem e busca nos detalhes do desenho, na escolha da tela, das tintas e pincéis a combinação perfeita para colocar em ação as suas habilidades, o “escutador”, também, buscará nos Princípios, uma maneira de agir que dará movimento e sensibilidade à sua escuta.

2.2.1 - PREPARAÇÃO A forma que temos de ver o mundo e as pessoas traz implicações para os nossos relacionamentos cotidianos. A herança cultural que carregamos da ciência moderna se expressa na maneira como, a partir do nosso pensar, rotulamos as pessoas isolando-as de um contexto relacional, depositamos nelas a culpa por problemas individuais que carregam e as responsabilizamos pela mudança que devem ter; por exemplo, “ela é


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agressiva”, “ela é medrosa”. Assim, nos relacionamos dizendo o que elas precisam e devem fazer para alcançar a mudança: “Você tem que...”, “você precisa deixar de...” O princípio da preparação sugere uma postura filosófica, ou seja, “uma maneira de relacionar-se com as pessoas, incluindo uma maneira de pensar sobre, falar com, agir com, e de ser compreensivo com elas” (Harlene Anderson, 1996), o que requer uma mudança de paradigma. Segundo o que escreve Esteves de Vasconcelos (2005, p.80) “uma das regras fundamentais para pensarmos a partir do paradigma sistêmico é não usar o verbo ser”. Assim falaríamos, “ela está agressiva”, “ela está medrosa”, ao invés de “ela é...”. Quando mudamos a nossa maneira de falar, muda a realidade que fazemos emergir. Se ela está agressiva, pode vir a não estar em outro momento. Quando alguém se encontra na condição do estar..., pressupõe-se que deve estar com outro alguém, ou seja, na relação com outra pessoa que ela está agressiva e, ambos, passam a fazer parte do problema e também da solução, assim podemos perguntar: O que fazem para que isso aconteça? Podem colaborar de alguma forma para que isso não aconteça? Quando isso teve início? Assim, o princípio da preparação, enquanto um germe para a construção da postura da escuta está pautado no paradigma sistêmico, o qual desencadeia a importância da compreensão de um fenômeno colocando-o dentro de um contexto maior, “colocar junto”- estabelecer a natureza das relações, uma vez que as partes não são isoladas e para pensar sistemicamente é necessário pensar em termos de conexão, relações e contexto.


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2.2.2 - ACOLHIMENTO O princípio do acolhimento, antes de qualquer coisa, trata de um jeito de estar, sentir e agir em relação, desde o primeiro momento, de forma que o relacionamento seja natural e cuidadoso em cada situação. Esse relacionamento tem a ver com o encontro pessoa-pessoa e não com a relação de quem observa com quem é observado, ou de quem ajuda com quem é ajudado. Este princípio sugere-nos uma postura que tem a ver com a ética do escutador pós-moderno, no que diz respeito ao seu posicionamento não como um especialista, que busca a objetividade dos fatos de forma imediatista e prática, mas que desenvolve o valor de uma abordagem colaborativa com seus interlocutores “a partir da sua colocação como uma audiência qualificada para acolher e reconhecer a legitimidade da voz dos clientes por meio das suas histórias” Marilene Grandesso (2000 p.278). Assim, o escutador se faz presente como uma escuta que busca facilitar o desenvolvimento inicial das narrativas, à medida que contribui com suas reflexões e emoções, partindo da sua experiência de estar com e não para o outro. Desta forma, o princípio do acolhimento sugere ao escutador “estar ali” física e emocionalmente presente, formando um sentido de parceria com quem fala, através da sua audiência. “Sem dúvida, de início, o terapeuta é o anfitrião que tem por bom-tom deixar as pessoas suficientemente à vontade e acolhidas para que conversações sobre suas intimidades possam ocorrer. Quando procuram uma terapia, as pessoas estão se dispondo, em maior ou menor grau, a expor suas experiências privadas. Muitas delas entram para a sala de terapia com seus relatos “na ponta da língua”; outras, levam tempo para conseguir compartilhar seus dramas e suas angústias. O papel do terapeuta, enquanto facilitador do diálogo, começa, portanto, desde o primeiro contato” Marilene Grandesso (2000, p.285).


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2.2.3 - ABERTURA O princípio da abertura está baseado “na idéia de que os sistemas vivos são caracterizados por formações circulares em vez de seqüências lineares de causas e efeitos” Boscolo, Cecchin, Hoffman & Penn (1993, p.25) e, sendo assim, o escutador, quando escuta um tema, busca pelo caminho não-linear, colaborando para que sejam exploradas as conexões da questão. A postura que emerge a partir do princípio da abertura é definida pela atitude de neutralidade do escutador, que tem em mente a idéia de não se deixar levar por suas hipóteses objetivas que encerram o diálogo; em não se deixar influenciar pela(s) pessoa(s) que conjuntamente forma(m) o sistema e, também, de afastar um posicionamento moral, uma vez que esta posição, normalmente, pode ser traduzida como a preferência por uma pessoa em oposição à outra, ou por um ponto de vista contra o outro, o que pode ser negativo, por supor uma posição autoritária ou hierárquica. O princípio da abertura pode ser entendido como sinônimo de uma escuta em movimento, a partir do qual o escutador alcança um agir com elegância, deslocandose entre as questões dilemáticas, circulando através de perguntas e da construção de conexões, abrindo espaços para a sua curiosidade em escutar a compreensão do(s) outro(s) incluindo todas as pessoas do sistema, suas crenças, seus significados, oferecendo o sentido das narrativas compartilhadas. Assim, a postura da abertura torna-se útil no sentido de permitir que o escutador evite qualquer resultado de uma conversação como o mais correto ou o melhor, apresentando ao sistema a busca de novos pontos de vistas alternativos.


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2.2.4 - FLEXIBILIDADE O princípio da flexibilidade relaciona-se à idéia do encontro escutador-cliente no qual “ambos trazem consigo seu conhecimento socialmente construído” (Harlene Anderson, 1996), e a base dessa interação é o diálogo, que envolve uma genuína troca de pontos de vista. De acordo com o filósofo Hans-George Gadamer (1975) in (Harlene Anderson,1996) , o diálogo é um “processo de duas pessoas entendendo (tentando entender) um ao outro. É característico de toda conversação verdadeira que cada um tenha uma atitude aberta perante o outro, que realmente aceite que o ponto de vista do outro deva ser considerado”.

Assim, o princípio da flexibilidade sugere uma postura através da qual o escutador participa criando um espaço para que os conteúdos conhecidos, a multiplicidade de sentidos e os aspectos inesperados possam coexistir e, juntos, escutador e cliente passam a percorrer e negociar seus significados. O princípio da flexibilidade envolve o desejo do escutador de se manter na troca de conversações, demonstrando interesse pelas narrativas do cliente e o relacionamento se torna mais recíproco e menos controlador. Este princípio pressupõe a possibilidade de uma escuta exploratória, que gera o sentido de um processo corrente que abrange aspectos do “dar e receber, de ir e vir e entrecruzar-se. É similar à noção do “estado de conversa” de Goffman (1981): ou seja, é um processo no qual os tópicos e o fluxo da entrevista são escolhidos de comum acordo” (Harlene Anderson,1996).


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2.2.5 - COMUNICAÇÃO O princípio da comunicação pressupõe uma ruptura com a tradição filosófica ocidental na qual a linguagem é concebida como a “representação da verdade objetiva e da realidade... a resposta está disponível e aguardando ser descoberta... existem verdades universais (Harlene Anderson,1996). Essa teoria reflete um processo de conhecimento fechado e sem movimento, que define, nas práticas tradicionais, o papel de quem escuta como o da pessoa que possui conhecimentos e certezas e, o processo da entrevista, centrado nas verdades do profissional, caracterizando uma postura de não escuta. O princípio da comunicação, pautado na perspectiva pós-moderna, sugere uma postura da escuta aberta e criativa ligada às práticas relacionais, que enfatizam o relacionamento colaborativo escutador-cliente para a construção de caminhos e conhecimentos. Cada um de nós não vê a realidade, mas uma realidade que fazemos emergir com o outro, no encontro (Humberto Matura; Francisco Varela, 1987), no entendimento social. Sempre que escutamos, vemos e conhecemos, estamos participando da criação de um mundo em que vivemos e as diversas possibilidades se ampliam, através de nossas interações comunicativas. De acordo com Marilene Grandesso (2000, p. 29), “todo ato comunicativo caracteriza-se como uma infinita fonte de novas expressões e significados, daí também nunca se poder dizer que a compreensão foi finalizada, como um processo acabado”. O princípio da comunicação enfatiza, também, a idéia de que não é possível uma interação instrutiva, uma vez que numa conversação cada participante vê e


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escuta a partir de si mesmo (seu próprio organismo, de seus receptores, de seus centros nervosos, movimentos dos órgãos, emoções, etc), escolhendo no mundo físico os estímulos aos quais será sensível. Assim, o escutador, a partir das suas emoções, faz perguntas que ajudam o outro a falar sobre seus sentimentos, seus dilemas, sua visão de mundo e suas perspectivas, como também fala sobre suas sensações, seus sentimentos e suas idéias, fazendo um convite comum para a construção de um campo de congruência, no sentido da comunicação ser definida como uma ação conjunta.

2.2.6 – RESPEITO O princípio do respeito relaciona-se ao desejo do escutador em desafiar-se a si mesmo, afastando de sua mente proposições que supõe verdadeiras ou válidas para uma conclusão. O escutador, quando fala ou age de forma antecipada, pode inferir sobre a narrativa do outro, correndo o risco de desqualificá-la e, numa impostura propositada ou involuntária, faz vir à tona a história que deseja escutar, muito mais do que aquela que o outro quer contar. O desafio do escutador, em pautar-se por uma postura que pretende ser respeitosa, pode ser compartido à medida em ele coloca para quem fala: •

A oportunidade de verificar se falou tudo que desejava.

Se o que foi escutado condiz com o que foi falado.

A possibilidade de realizar esclarecimento em alguma incompreensão que possa

ter se desenvolvido. •

A possibilidade de expandir sua narrativa a partir da sua compreensão e

significado, considerados no tempo em que são construídos.


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Assim, o princípio do respeito colabora para que o escutador tenha uma postura orientada para aceitar o estilo do outro e para compartilhar com ele, através da escuta, a escolha dos temas e a forma de conversação. Quando o escutador opta por essa postura ele naturalmente inclui o respeito pela história do seu interlocutor e concorda ser conduzido por ela, sustentado pela ética de se colocar como uma testemunha que passa a fazer parte das histórias que são contadas. Desta maneira, não há como o escutador colocar-se como um especialista em solução de problemas, ou em oferecer aconselhamentos ou em determinar antecipadamente qual a narrativa ou as perguntas a serem desenvolvidas. O que permite a postura do respeito, que também pode ser entendida como a da aceitação, é o desejo do escutador de aprender com o cliente como ele próprio constrói os significados para a sua vida. A postura da escuta a partir deste princípio reflete o contestar do dualismo conhecedor-conhecido, superando o nosso apego à ilusão de que conhecemos a realidade ou a segurança que nos proporciona o nosso jeito de fazer profissional. De fato, só podemos assumir esta postura, conforme descreve (Anderson & Goolishian, 1988a, Anderson 1997) in Marilene Grandesso (2000, p.280): “Deixando em suspenso nosso conhecimento profissional acumulado, o qual nos coloca em risco de igualarmos um caso com outro caso, uma historia com outra história, seja ela a de outro cliente ou a nossa. Isso implica que, embora buscando a compreensão, evitemos compreender muito rápido e que coloquemos em dúvida o que já parecemos saber, as generalidades, e evitemos os julgamentos. Por outro lado, a ilusão do saber e a segurança das metodologias impedem o terapeuta de abrir-se para o inesperado, o ainda não-dito, à medida que o saber torna a escuta seletiva para aquilo que se quer ouvir”


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2.2.7- AMOROSIDADE O princípio da amorosidade relaciona-se à idéia de que as interações humanas são cooperativas e solidárias. Cada encontro é único, cada conversa tem seu tempo, seu ritmo, sua emoção, seu movimento, sua respiração própria, portanto, requer uma sensibilidade própria, que orientada pelo desejo de conexidade com o outro, pode atuar como um caminho para a interação social. Assim, o escutador que permite ser levado pelo desejo de estar com o outro, sente-se mobilizado a criar uma escuta afetiva, na qual o direito à emoção não é negado. Segundo o que coloca Humberto Maturana, as emoções estão na origem de cada ato da humanidade, e só são relações de interação social aquelas fundadas na emoção do amor. A emoção do amor é a emoção que nos possibilita agir, estar em relações de cooperação, na qual “o outro é aceito como legítimo outro na convivência” ( Humberto Maturana, 2001, p.26). Pautado pelo princípio da amorosidade, o escutar configura-se não como uma técnica, mas como um compartilhar de “pensares”, de afetos, entre sujeitos implicados emocionalmente pela aceitação mútua. A emoção do amor constitui a história do desenvolvimento humano, e conforme o que nos coloca Humberto Maturana (2001, p.25): “desde o início, e toda ela se dá como uma história em que a conservação de um modo de vida no qual o amor, aceitação do outro como um legítimo outro na convivência, é uma condição necessária para o desenvolvimento físico, comportamental, psíquico, social e espiritual normal da criança, assim como para a conservação da saúde física, comportamental, psíquica, social e espiritual do adulto”.


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A postura do escutador, pautada pela amorosidade, está orientada para um agir que inclui o seu olhar, o seu escutar sem medo de deixar o outro ser quem ele deseja ser a cada momento, sem envolvê-lo em submissão ou em indiferença. Este princípio reforça ao escutador o sentido da responsabilidade sistêmica pelo “genuíno respeito pela verdade do outro” Esteves Vasconcelos (2005, p.80), sinalizando que a postura da amorosidade é uma maneira de ser tanto interna como externamente na relação com os outros, expressando uma “posição autêntica, espontânea e duradoura que é única para cada relacionamento e discurso. Esta não é uma posição técnica nem teórica” (Harlene Anderson, 1996). Parece-me um novo lugar a ser ocupado nos relacionamentos, construído a partir de uma preferência pela emoção da aceitação, uma escolha consciente, mas nem por isso se torna controladora, deliberada ou planejada.


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CAPÍTULO 3

O QUE ESTOU LEVANDO?

O término da Terapia Comunitária caracteriza-se pela conotação positiva que o terapeuta comunitário propõe ao grupo, utilizando-se de uma linguagem que contém idéias e expressões de conteúdos que valorizam a participação e a sensibilidade de cada um. Essa postura do terapeuta comunitário permite, igualmente, aos participantes utilizarem a mesma linguagem, co-construindo um clima afetivo, onde cada um narra o seu depoimento e atribui significado à experiência compartilhada no grupo. Da mesma maneira, chegando ao término desta monografia, apresentarei os depoimentos dos participantes das Oficinas da Escuta, incluindo as profissionais, como o resultado de uma ação conjunta que se iniciou na prática e veio se desenvolvendo continuamente, através do meu processo de formação em terapia de casal e família, minha atuação como assistente social terapeuta de comunidade e encontros conversacionais com pessoas interessadas por este tema.


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3.1 - PARTILHA DOS PARTICIPANTES-SUJEITOS DAS OFICINAS DA ESCUTA: “Para mim foi um crescimento muito grande, tanto para participar da Pastoral quanto para o meu crescimento pessoal, pois pude aprender que tenho que ser paciente, saber escutar em silêncio e falar somente aquilo que as pessoas necessitam a cada momento”. “Acrescentou conhecimento e como acolher e respeitar quem me procura”. “Eu pensava que já sabia escutar a todos, mas no decorrer das Oficinas da Escuta eu fui vendo que eu não sabia escutar, até mesmo meus filhos adolescentes. Fui percebendo que não sou a dona da verdade. Percebi que tenho que primeiro me conhecer bem, rever os meus conceitos, as minhas limitações e as minhas qualidades, porque pequenas atitudes fazem a diferença na família e na comunidade. Entendi que o outro é diferente porque carrega também a sua história. Com certeza tudo isto passou a fazer uma grande diferença em minha vida”. “Pude perceber que os princípios trabalhados são básicos para qualquer relacionamento de respeito, mas que muitas vezes deixamos de observá-los e praticá-los, o que tornaria muito melhor a vida daqueles com os quais convivemos. Para mim, esta formação abriu horizontes, me fez perceber e observar coisas que, até então, eu deixava passarem despercebidas. Me fez olhar, falar e agir com o outro de forma diferente, da maneira como posso contribuir, fazendo de mim pessoa cidadã e cristã muito melhor”. “Aprendi a ouvir o outro sem dar opinião, para que ele mesmo possa procurar a resposta depois do seu desabafo, assim a solução será mais sólida”. “Aprendi que o abraço é como um laço que envolve as pessoas”.


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“Pude sentir o quanto eu mudei, para melhor, com minha família e especialmente com meu marido. A mudança foi tão forte que chegou a despertar o interesse dele em trabalhar na escuta”. “Para mim foi uma descoberta, passei a me conhecer melhor e a ver os meus limites. Compreendi como é bom ouvir o outro, compreendi que nem sempre aquilo que é bom para mim é para o outro”. “Tive um crescimento pessoal muito grande, posso dizer que hoje estou mais humana”. “Aprendi o quanto é difícil escutar quando se está “louca” para falar, foi um belo aprendizado”. “Aprendi o valor de escutar a si mesma”. “Sinto que estou mais preparada para escutar sem fazer discurso e como voluntária, continuarei o trabalho na comunidade, mais reflexiva”. “Senti que precisamos vencer a nossa timidez, saber ouvir e também colocar para os outros as nossas idéias”. “Percebi o quanto é difícil usar o “eu” para falar de mim, das minhas emoções, quando estamos acostumados a usar “nós”. “Achava que escutar era uma coisa muito simples, mas graças às vivências é que estou percebendo o quanto é difícil escutar”.


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3.2 - PARTILHA DA PROFISSIONAL MARIA JOSÉ: “Escutar é perceber, é sentir, é um importante recurso pessoal que contribui com um movimento de cooperação na medida em que eu escuto, escuto o outro e sou escutada. Em tal movimento eu me re-conheço e re-conheço os meus familiares e demais pessoas da minha rede de relações, assim como na minha relação com os eventos da vida. Tal experienciação resultou na minha necessidade de partilhar esse aprendizado, assim, como também, em atender uma demanda reprimida, carente de escutatória, que somou à parceria de trabalho com a Élida. Juntas elaboramos e executamos a Formação para Escutadores e participamos da implantação da Pastoral da Escuta Cristã em Valinhos”.

3.3 - PARTILHA DA PROFISSIONAL ÉLIDA: A realização desta monografia proporcionou-me a fundamentação teórica dos Princípios da Escuta ampliando a minha reflexão sobre a postura do escutador; percebendo o seu agir como de um artesão, que permanece atento a cada pequeno detalhe da sua arte; o seu escutar de forma sensível que considera cada aspecto diferenciado em sua interação com o outro; e o seu sentir de forma paciente, se colocando ao lado do(s) outro(s), permitindo que o(s) outro(s) também se coloque(m) ao seu lado. A metáfora da fogueira seguirá comigo, lembrando-me a necessidade do ritmo conjunto, de forma que o escutador esteja cuidadoso em não seguir tão rapidamente que siga sozinho excluindo o outro do movimento de construir sua


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própria mudança; ou tão vagarosamente que o outro deixe escapar o seu estado de atenção e participação na co-construção de histórias, e o fogo se apague. O contexto da escuta, dado a partir do paradigma sistêmico, deixa claro que a relação do profissional com sua técnica não está a serviço da busca de situações escondidas na mente mais profunda do cliente ou de realizar diagnóstico e tratamento de sintomas de mau funcionamento, como se o indivíduo fosse uma máquina que pode ser consertada. Ao invés disso, a escuta sistêmica é pensada como uma possibilidade para a criação de diálogos de mudanças que incluem os relacionamentos, as falas internas e externas, as histórias e as emoções dos envolvidos na conversação. Assim, estou levando comigo o “fogo da escuta sistêmica”, como um recurso que me entusiasma, tanto na vida profissional como na pessoal, atribuindo a este “fogo” o significado da transformação de um jeito de estar, sentir e agir, antes pautado pelo paradigma cartesiano, de objetividade e interpretação dos fatos e pessoas, agora para um jeito de estar em relação com os outros e com a vida. Isto implica dizer que ao adotar o paradigma sistêmico como uma nova visão de mundo, estarei como uma co-construtora de contextos que tornam possível usufruir a minha experiência e a do outro, através do diálogo e dos vínculos cooperativos. Desta forma, escutar é estar em uma postura pautada pela emoção da aceitação das várias verdades e expressões, acreditando que as experiências que temos na vida são sempre subjetivas e não existem critérios objetivos que as legitimem, ao não ser a emoção da aceitação da história de cada um, como uma história legítima, que faz existir a si próprio e o outro. Terminando, imagino que o “fogo da escuta sistêmica” poderá produzir “fumaças” que os ventos dos relacionamentos se encarregarão de espalhar, pois


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sendo um “fogo sistêmico”, a sua fumaça não polui e nem sufoca, ao contrário, ela perfuma e nos envolve em novas aberturas para novos conceitos e idéias e essas fumaças carregarão consigo os sinais para que estejamos sempre conectados à teia da vida.


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