Revista Encontros | ABUB NE | Nº 10, novembro de 2020

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REVISTA

ABUB NORDESTE NOVEMBRO /Nยบ 10/ 2020


Essa é uma revista experimental da coordenação de Literatura e Artes Regional da ABUB Nordeste. Sem direitos reservados, com contribuições entregues de forma deliberada pelos coordenadores locais, regionais, estudantes e profissionais.

para ter um maior contato com a coordenadora de literatura e artes da região nordeste: fernandacammpos2010@gmail.com

Nº 10, novembro de 2020

A ABU Editora é a editora da Aliança Bíblica Universitária do Brasil. Ela tem como propósito oferecer literatura cristã equilibrada e saudável aos estudantes, líderes cristãos e público em geral, abordando temas relevantes da atualidade sob o ponto de vista bíblico. A Palavra de Deus é imutável e contém princípios e revelações que, junto com a ciência, complementa a compreensão da realidade. Por esse motivo, os livros da ABU Editora procuram apresentar a visão cristã contextualizada sobre assuntos contemporâneos estimular a reflexão fornecendo respostas bíblicas para o mundo hoje.


EDITORIAL É com muito orgulho que escrevo para o editorial da 10ª edição da revista encontros. Participei durante três anos da montagem dessa revista e essa é minha última edição como membro da diretoria regional. Sinto um misto de dever cumprido e saudade. Essa edição é mais que especial, pois reúne textos e relatos que foram produzidos durante esse período difícil que estamos passando desde o início da pandemia. Os materiais que foram selecionados para compor a revista contém a melancolia que se transforma em arte e que nos faz lembrar que ainda há esperança, que Deus é o Senhor da Missão, e que nele somos fortalecidos para superar todas as adversidades. Eva Castro secretária de comunicação da ABU NE

Nesta Edição 03 - Resenha: Nem monge, nem executivo 05 - Verso 07 - Texto: Relatos da pandemia 09 - Reflexão: Pelas dores desse mundo 11 - Reforma do pensamento ou atualização da reforma?

17 - Colagens

expediente Capa: Vinícius Duard de Castro Elaboração: Ayla Campos de Sá Revisão: Mateus Barbosa e Eva Castro Edição de Arte e Diagramação: Mateus Barbosa e Eva Castro Textos: Matheus Pimentel Lucas Barbosa Patrick César Júlia Dias Leon Sousa Jonatas Sousa

Contatos Site: www.abub.org.br/regiao/nordeste Facebook: www.facebook.com/abunordeste Instagram: abubnordeste E-mail: abubnordeste@gmail.com


Nem monge, nem executivo Resenha do livro: Matheus Pimentel - ABU Natal

O livro “Nem monge, nem executivo”, de Paul Freston, traz diversas meditações, nos evangelhos, sobre a vida de Jesus que não era nem monge nem executivo, mas sim um modelo de espiritualidade invertida. No livro, encontramos de forma bem clara o padrão da inversão que Jesus ensina e nos convida a seguir. Um modelo de vida com outros valores: o modelo de vida do Reino de Deus. Durante a leitura, diversos pontos me falaram. Aprendi coisas novas e pude reaprender outras que já sabia mas com outra perspectiva e também fui confrontado com algumas coisas que me fizeram e fazem repensar minha relação com Deus e que tipo de semente eu tenho sido (Marcos 4), e depois de todas elas me encontro mais maravilhado com a pessoa de Jesus. Um dos confrontos começou no capítulo 12 e foi até o 17 do livro. Nesses capítulos Paul fala sobre as tentações de Jesus e mostra como devemos nos portar ante as tentações da vida. Sempre foi difícil combater as tentações. Ler esses capítulos não deixou mais fácil pra mim ou deixou mais difícil, mas sim, me deu esperança de que posso conseguir. Uma das tentações que o autor traz no livro é: “... trocar uma relação de dependência filial por um projeto autônomo.” O autor chama isto de a tentação de Adão. João Cabral de Melo Neto já dizia: “Somos muitos Severinos”, e eu digo “Somos muitos ‘Adões’”. É difícil abrir mão do projeto autônomo. Nos sentimos melhor quando parece que as coisas estão nas nossas mãos e temos o controle, por isso é muito difícil aceitar quando não acontecem do jeito como esperamos e queremos.

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Outra coisa que mais falou comigo foi o fim do livro (capítulos 29-31) quando as meditações começam a ser sobre a “despedida” de Jesus antes da sua morte e ressurreição. Graças ao Experimento Marcos, tenho refletido muito sobre dor, morte e sofrimento na perspectiva cristã. Fugir da dor e da humilhação é um ato de sobrevivência, mas dentro da lógica invertida de Jesus, precisamos entender que estamos passíveis de passar por sofrimentos e rejeições como Cristo passou. É carregando a nossa cruz que seguimos a Cristo, não há outro jeito. Enfim, o que levo deste livro é o convite a viver a vida cristã, ou seja, “ir atrás de Cristo”. E para isso, não posso ficar tentando salvar minha própria vida nem mesmo evitar sofrer por causa do evangelho, pois quem quiser salvar a sua vida, a perderá. Ganhei uma nova visão e um novo propósito - ambos são velhos - que são: negar-me a mim mesmo e tomar a minha cruz. Este é o convite que recebo depois deste livro, convite este que quero receber e buscar de todo meu coração. Toda essa inversão de abrir mão do controle ou não querer salvar a própria vida ou aceitar passar por sofrimentos vemos quando olhamos para Jesus, que mesmo sendo Deus se fez homem, mesmo sendo Senhor se fez servo e não veio para ser servido mas para servir e dar sua vida por mim, por você, por nós. Aproveito e te convido a ler este livro. Já tendo lido, convido a reler. Ele é pequeno, simples, profundo e fluido. Que este livro que tanto me impactou possa te impactar e te animar no serviço e na missão.


Desenho

Ayla Campos de Sรก ABU Joรฃo Pessoa


Verso

Lucas Barbosa - ABU Maceió

Pensar pra quê? Se é vero que verdade não há Me deixem Fazer juntaria De quimeras aqui, devaneios allá... Inverdades coesas ainda estão a par de minha filosofia

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Fotografia

Eva Castro - ABU JoĂŁo Pessoa


Relatos da pandemia experiências junto aos GB’s da ABU João Pessoa Patrick Cézar - Assessor da ABU João Pessoa

Começamos o ano muito bem, com sonhos e projetos inovadores para o GB. Fizemos contatos com igrejas, promovemos treinamentos missionários e sonhamos com a mudança na situação do grupo local que começou 2020 em crise em número de pessoas e na forma de atuação no contexto estudantil. Tudo isso me preocupava, mas estava junto com os membros do GB sonhando que esse ano iria ser bom para reerguermos, com a graça de Deus, o movimento estudantil missionário na cidade de João Pessoa. Estávamos otimistas e esperançosos. Mas aí veio a Pandemia e tudo isso mudou.

Em vários desses encontros fui impactado com a inquestionável ação de Deus que mediante falas firmes e simples dos estudantes me direcionavam para certeza de que “Deus continuava Soberano reinando sobre a tempestade!”. Também tivemos momentos de rirmos juntos e compartilharmos o que Deus tratava com a gente durante o isolamento social do começo do ano. Mas tudo se resumia em provisão divina e graça fortalecedora de Deus que me ajudou a não perder o foco de tudo aquilo que tinha aprendido em todos esses anos de caminhada cristão (já faz 30 anos) e de militância missionária na ABUB (já se passaram 18 anos).

Nesse novo cenário passamos a mudar as nossas estratégias. Foi aí que a diretoria do GB passou a propor encontros virtuais, uns para estudo devocional, outros somente para conversar e diminuir a saudade.

Assim, pude notar que em meio ao caos que a pandemia trouxe para o nosso dia a dia, Deus tem estado conosco demonstrando o quanto ele é gracioso e nosso sustentador. E que mesmo todo o sistema social, político e econômico em nosso país ou no mundo como um todo sejam abalados, sei muito bem que o nosso Deus continua “Soberano reinando sobre a tempestade!”.

Cada encontro que participei foi marcado pela doce presença de Deus que com muita graça e amor nos trouxe o refrigério necessário para podemos ter as forças renovadas e, assim, continuarmos com a Missão.

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A Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB), lançou um material de estudos e devocionais para que tivéssemos uma espécie de formação continuada dentro do movimento, a nível nacional. Com a intenção de trabalhar as temáticas #VisãoVocaçãoVivência .

"A experiência de participar dos estudos de visão que aconteceram durante o mês de outubro foi muito boa! eu confesso que é difícil lidar com o distanciamento que estamos enfrentando, em que os encontros precisam acontecer online, se torna cansativo. Mas quando a gente conversa melhor entre si, pode entender um pouco sobre o que o outro está passando, pode pedir ajuda sobre algo, e saber que o grupo realmente está disposto a ter uma comunhão verdadeira, faz com que tudo fique mais leve. Eu sou grata a Deus pelas amizades que tenho dentro do meu GB!"

Foram desenvolvidos guias para que os grupos locais pudessem aplicar o material de acordo com seus horários e devidas adequações. Estão disponíveis também exposições bíblicas no canal do youtube da ABUB.

Júlia Dias Secretária da ABU João Pessoa

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pelas dores do mundo Leon Souza, assessor da ABS Salvador.

Nem de longe imaginaríamos que este seria o ano, o ano, que ano! Tantas tensões e incongruências nos deparamos, todos nós. A vida se desmoronou e em pedaços estamos ainda. Da falta do paladar passando pela falta de leitos até a morte. Ainda não temos condições de saber o tamanho do estrago que a pandemia do novo COVID-19 nos deixou, afinal ela ainda não terminou apesar do relaxamento de muitos e o descaso de certas autoridades. Antes da morte o distanciamento social nos causou muitas dores, a falta, a mudança, a ausência das pessoas em nosso convívio diário, muitas dores. O amanhã tornou-se mais distante e imprevisível. Encontros, eventos, casamentos, formaturas e viagens ficaram para trás, vale a lembrança do que o apóstolo Tiago disse; Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece. O que dizer de tal verdade? Tão contemporânea, forte, e oportuna para que não nos esqueçamos da nossa falibilidade em meio a essa grosseira ideia de que tudo deve está sob controle. De que nada pode fugir da nossa extrema organização, ninguém pode viver do acaso(?), sabemos, como também é arriscado acreditar que deter a certeza do amanhã resolve tudo.

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“Tomara meu Deus, tomara”, que mesmo com todas essas adversidades e tudo quanto ainda possa acontecer, sigamos com fé. Não só pela espera de uma vacina, nem mesmo por um “novo normal”, mas por uma consciência naquilo que devemos mudar, ser, pelo vida da natureza que está queimando no Brasil, por cooperação e não competitividade, clamemos por um Deus de piedade, ele está conosco.

“Pelas dores deste mundo, Ó Senhor, imploramos piedade a um só tempo geme a criação. Teus ouvidos se inclinem ao clamor, desta gente oprimida(...) A tua paz, bendita e irmanada com a justiça, abraça o mundo inteiro. Tem compaixão! O teu poder sustente, o testemunho do teu povo. Teu Reino venha a nós! Kyrie eleison!”


Desenho

Nรกdia Lauane - ABU Sousa

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Reforma do pensamento ou atualização da leitura? Jonatas Sousa - Consselheiro da ABU NE

Eu pensava, quando convidado para redigir esse texto sobre o impacto da Reforma Protestante, em retratar a sua relação com a vida comum, ou com a lide estudantil na universidade e mesmo com a vida doméstica, com a ética do trabalho ou com as questões estéticas envolvidas na adoração. Contudo, tanto o tempo esvaído na estação de home office, quanto as tarefas domésticas que envolvem esse novo tempo, me fizeram postergar o final desse texto, que ao sabor das últimas notícias, acabou tomando outro rumo.

interpretação teológica tradicional tupiniquim.

evangélica

Não querendo entrar no mérito, demérito ou sequer no método do discurso, minha reflexão deseja, antes, seguir alguns passos à frente, visando entender a seguinte questão: em nossos tempos pós modernos, por quê reafirmar a autoridade e a veracidade da Bíblia contra tentativas de "atualização"? E se de fato vivemos em outros e diferentes tempos daquele longínquo décimo sexto século, qual a necessidade de “revisão” da leitura da Bíblia na nossa época?

É sabido que certo pastor de reconhecida denominação, por equívoco de expressão e/ou de maneira provocativa, afirmou que a Bíblia deve ser atualizada, bem como a nossa leitura da mesma. Assim mesmo, no seco.

Tentarei, rápida e equilibradamente, responder essas questões nos parágrafos a seguir. Portanto, peço ao leitor/leitora, um pouquinho da paciência que fez Moisés aturar os reclames dos israelitas no deserto sem se destemperar mais de uma vez; prometo não lhes ser pesado ou moroso!

Movimento semelhante de “revisão”, não novo e tampouco desconhecido, já inspirou de maneira semelhante o discurso de outro conhecido sacerdote que, de público em uma rede de televisão fechada, em outras palavras disse não crer na ressurreição corpórea de Cristo, e outro que afirmou em uma aula de seminário não crer na volta física dEle.

A busca pelo conhecimento da verdade, a publicização da verdade, o combate às heresias que se impuseram na Igreja, seja pelo cetro de Roma, ou das outras correntes cristãs formam marcas indeléveis da Reforma Protestante. Homens e mulheres que entenderam que a influência da Escritura deveria sair das quatro paredes da igreja e permear a vida e as relações diárias das pessoas. E a reforma é, necessariamente, um movimento que desejou ultrapassar a linha imposta entre sacro e profano, provando que ao povo de

A fala de “atualização” despertou burburinhos, debates, juras de "morte ao herege" e mais algumas pérolas de afeto gospel dignas de uma reflexão, talvez sartreana, acerca do papel do ódio na 11


Uma reflexão sobre o Sola Scriptura na pós-modernidade. Deus, tudo é sagrado, do serviço religioso à cultura, do sexo à política.

seu ensino, não a expressão de opinião ou de ideias da época. Não devemos aceitar menos do que aquilo que Deus nos tem dado.

Entretanto, também é necessário dizer que “no decurso da história, as palavras mudam”, bem como os valores de julgamento e, portanto, os acertos e equívocos devem ser vistos enquanto tal não somente pelo zeitgeist, mas pela Eternidade contemplada a partir da “Palavra que vem da boca de Deus” (Mt 4.4).

A Reforma protestante está fundamentalmente ligada à doutrina da inerrância da Bíblia, sem a qual, todos os outros credos da Reforma não sobrevivem. De modo que, ainda havendo um sem número de pensadores que discutam criticamente a autenticidade dos escritos, ou mesmo proponham-na como uma coleção de peças de quebra-cabeça expostas à ação do tempo e manipulação dos jogadores, eles se tornam insignificantes quando a própria Bíblia é vista em seu todo, e ainda quando se percebe o assunto único sobre o qual seus textos se assentam, não havendo outra explicação mais própria que se aplique, a não ser “obra do Espírito Santo”, inspirando os escritores e preservando através da história suportes e conteúdo que nos trouxeram ao conhecimento de Cristo.

Nesse sentido, “precipuamente”, é necessário aceitarmos a doutrina da inerrância da Bíblia e a sua autoridade final para todas as questões, das “puramente” espirituais às mais ordinárias. A guia da Palavra de Deus para todas as coisas, inclusive para o reconhecimento do trabalho do Espírito Santo na experiência pessoal, precisa não somente ser “levada em conta” ou “considerada de maneira especial”, mas basilar para o entendimento das doutrinas da graça, para a sobrevivência da Igreja, salvação dos perdidos, e para a compreensão das perguntas do nosso tempo e das respostas de Deus para elas, como sintetiza a Declaração de Cambridge¹

Nas palavras de Bruce Milne², “autoridade é o direito ou poder de requerer obediência, havendo uma crise generalizada de autoridade na sociedade contemporânea, onde a única fonte de autoridade aceita para muitos é a que seja conscientemente autoimposta.” Nesse sentido, ainda segundo o autor, “sob a perspectiva da fé cristã, Deus tem o supremo direito e poder para requerer a

É só à luz da verdade de Deus que nós nos entendemos corretamente e abrimos os olhos para a provisão de Deus para a nossa sociedade. A Bíblia, portanto, precisa ser ensinada e pregada na igreja. Os sermões precisam ser exposições da Bíblia e de 12


obediência porque Ele é o criador e Senhor de todos os homens.”

experiência cristã, a racionalidade cristã, a “voz interior”, entretanto, quando falamos da autoridade das escrituras, especialmente no que diz respeito à teologia da Reforma, precisamos entender que a compreensão dos reformadores era de cunho vívido e experimental, para além da discussão puramente filosófica.

Desejando ou não, reconhecendo ou não, Deus é o Criador de todas e autor da história, ainda que esta esteja marcada pela mancha do pecado e pela rebeldia de Suas criaturas. Nem assim ele “perdeu o controle” da história ou mesmo removeu de Seu Filho a prerrogativa de senhorio em todo o céu e terra para salvação (Fp 2.11; Lc 2.30; Rm 1.16). Desejando, ou não, à gosto ou contragosto, todo o joelho se dobrará e toda a língua confessará no céu, na terra e embaixo da terra que Jesus Cristo é o Senhor!

Nessa vereda, a doutrina da autoridade das escrituras aponta para os seguintes termos: Deus tomou a iniciativa de Se revelar a nós e a Sua vontade, o que de “Processo de Revelação”. Fora de sua própria liberdade divina, não restringido por qualquer necessidade inerente que não seja seu amor, ele escolheu se comunicar conosco e revelar a si mesmo e sua vontade, para nós.

Ele é o tema principal das escrituras (Hb 10.7; Sl 40.7), que somam uma história que nos guia até ao Filho de Deus e nos enxerta nela, fazendo com que nessa grande história de salvação encontremos nosso lugar. Ainda citando o professor Milne (1982, p.15, tradução nossa) , “uma vez que os cristãos entendam este princípio fundamental, a questão da autoridade torna-se a questão prática de encontrar a vontade e a mente de Deus sobre qualquer assunto” e isso nos faz, ou ao menos deveria, cada vez mais cativos à obediência à própria palavra de Deus, não desprovidos da iluminação do Espírito, do ensino apostólico e/ou mesmo do bomsenso.

Deus se encarnou. E o fez com nome, sobrenome, em palavra e poder, carne e osso, sendo, ainda assim homem-Deus, para ser mediador de todo o nosso conhecimento de Deus³. Ainda de acordo com Milne (ibidem. P.19), “O próprio Deus veio a nós, em pessoa, em Jesus Cristo, o Deushomem. Como a eterna Palavra e Sabedoria de Deus, Jesus Cristo é o mediador de todo o nosso conhecimento de Deus”

A questão, ou uma delas é: como posso encontrar e entender a autoridade da vontade e a mente de Deus?

A Bíblia é a fonte de nosso conhecimento de Cristo e da vontade e da mente de Deus. Nesse sentido, a providência nos

Algumas contribuições nesse sentido, o longo da história, foram dadas à Igreja/pela igreja: os credos, as confissões históricas, a tradição da igreja, a 13


legou as escrituras como meio de comunicação de Deus para Seu povo ontem e hoje, de maneira que aquilo que foi escrito antigamente, tido como Antigo e Novo Testamento pudessem falar tanto ao homem antigo quanto ao pós-moderno. Portanto, a Bíblia deve ser recebida e entendida como Palavra de Deus, e como tal, reverenciada e obedecida. “Ao nos submetermos à sua autoridade, colocamo-nos sob a autoridade do Deus vivo, que nos é dado a conhecer supremamente em Jesus Cristo” (Milne, 1982, p.21),

Nessa perspectiva, entendemos que nem tudo o que a Bíblia relata é vontade expressa de Deus, mas está registrado nas suas páginas para que o homem conheça, inclusive, sua própria malignidade e vileza em relação ao “modelo” original de humanidade representado sumamente emJesus (I Co 15.22, 45, 47; Rm 5.14,15). Provamos isso, por exemplo, na leitura completa do livro de Juízes, no qual vemos a ação de Deus no meio de um povo chamado de Seu, mas que se comporta iniquamente como se fora um povo pagão e do qual se encerram as seguintes palavras: “cada um fazia o que parecia certo a seus próprios olhos” (Juízes 21:25, NVT).

Se de alguma maneira a autoridade das escrituras foi subestimada no século XVI, sob pretexto da tríade “tradiçãomagistério-escritura” pela Igreja romana, a contribuição da Reforma, nesse sentido, veio em inverter os papéis, delegando às Escrituras a autoridade primordial, da qual se origina a própria Igreja. E é sob esse legado de resgate que deveríamos perguntar se há necessidade de revisão da leitura da Bíblia em nossos tempos pósmodernos.

Poderíamos dizer o mesmo das relações escravagistas, do repúdio e divórcio etc., não porque “no mundo moderno em que vivemos faz-se assim”, mas porque o próprio Jesus responde, em situação semelhante, “não foi assim no princípio” (Mt 19.8). Não porque “a compreensão pós-moderna das coisas faz com que pensemos de maneira diferente de três ou quatro mil anos atrás”, mas porque o projeto de Deus é perfeito e Deus é Eterno. É como se pudéssemos ouvir as escrituras contra nós mesmos dizendo, “Deus estabeleceu perfeitamente, no princípio de todas as coisas, mas o pecado que em vocês reside transforma em ídolos mesmo as boas coisas, porque vocês querem fazer o que parece certo aos seus próprios olhos”.

Fugindo das questões puramente passionais atuais e mesmo das interrelações políticas que declarações como essas envolvem ou originam, das quais se aproveitam fundamentalistas e liberais para reafirmação de seus pontos de vista, creio que devemos entender que a história da revelação, no sentido mais amplo, foi contada e vivida por homens e mulheres manchados pelo pecado. Pecado esse que transcendeu de várias maneiras as suas relações com o mundo em que viviam.

E acerca do pecado e da definição do mesmo, da justiça de Deus e do juízo vindouro, a Bíblia é completamente clara. Não há subterfúgios! E isso não se dá porque a régua dos reformadores 14


determinou essa relação, mas porque a Palavra de Deus é a Palavra de um Deus Eterno e imutável, que não tem começo nem fim, misericordioso e compassivo, lento, mas justíssimo, na Sua ira, e cheio de amor e fidelidade, que cobre mil gerações com Seu amor e perdoa o mal, a rebeldia e o pecado (Ex. 34.6,7).

Independente do tempo em que estivermos, as Escrituras serão sim nossa regra de fé e de prática. Entretanto, os credos, as confissões e a própria história da igreja podem nos ensinar secundariamente sobre os princípios de interpretação da Escritura. Ainda de acordo com Kruger (2013)

Baseados na autoridade dessas palavras é que deveríamos regrar nossos comportamentos, nossos desejos, nossos empreendimentos, o que, muitas vezes, não ocorre, fruto da nossa natureza pecaminosa. Ainda argumentando nessa perspectiva, ao ressaltar a necessidade do livre exame da Bíblia por parte dos crentes, e da autoridade fora do papado para a interpretação correta das escrituras, os reformadores estavam completamente dispostos a confiar na interpretação da Bíblia pela própria Bíblia e estavam certos 4 quanto à função do dom apostólico de estabelecer as bases da Igreja, incluindo o ensino e a interpretação das escrituras (Ef 2:20). Michael Kruger (2013, não paginado) afirma

A atividade de estabelecimento da fundação realizada pelos Apóstolos consistia principalmente em dar à igreja um depósito de ensino autorizado que testemunhasse a grande obra redentora de Cristo. Assim, os escritos do Novo Testamento, que são a personificação permanente do ensino apostólico, devem ser vistos como a última parcela da revelação de Deus para o seu povo.

Tal embasamento histórico foi encarado não apenas como um meio para manter a ortodoxia, mas também como um meio para manter a humildade. Ao contrário da percepção popular, os Reformadores não se viam como se estivessem trazendo algo novo. Em vez disso, eles entendiam que estavam recuperando algo muito antigo – algo que a igreja tinha acreditado inicialmente, mas que depois havia se torcido e distorcido. Os Reformadores não eram inovadores, mas escavadores. Depois dessa brevíssima argumentação, passemos, pois, às considerações acerca das questões iniciais: discordamos da proposição de “atualização” das Escrituras. O termo, que mais remete à experiência do usuário em algum aplicativo, não parece ter muito em comum com a experiência da Reforma ou com a proposição de “Igreja reformada sempre em reforma”, porque as bases para essa reforma não estão no tempo, nas concepções sociais ou culturais, mas nas próprias Escrituras sagradas. Entretanto, é necessário que admitamos que muitas vezes, mesmo entendendo corretamente a estrutura revelacional que as escritura nos apresenta, o nosso

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entendimento é turvado e turbado pelas intempéries do nosso próprio tempo. A solução para esse problema, felizmente, está situada tanto fora do tempo, no que tange à ação do Espírito Santo enquanto iluminador e preceptor da Revelação (Jo 14.26), quanto dentro do tempo, no que tange ao testemunho apostólico e dos pais da Igreja.

referências ¹BOICE, J.; VEITH, G.E.; HORTON, M.; FERGUSON, S. et al. Declaração de Cambridge. In. ________ Reforma hoje: Uma convocação feita pelos evangélicos confessionais. São Paulo: Editora Cultura Cristã, [s.d].

Para fugirmos dessas contradições e das falsas oposições, mais do que nunca é necessário que não só reconheçamos a autoridade e a infalibilidade das Escrituras, como preguemos a elas inteiramente, sem escolher entre os textos que mais me agradam, ou privilegiam os atuais estamentos, ou fazem barulho revolucionário.

²MILNE, Bruce. Know the truth: a handbook of christian belief. Leicester: Inter-Vasity Press, 1982. Esse volume foi publicado pela ABU Editora sob o título “Conheça a verdade: estudando as doutrinas da Bíblia”. Recomendação pessoal: por um semnúmero de motivos, todos os estudantes e profissionais deveriam fazer, ao menos, uma leitura completa desse livro enquanto estão desempenhando seus ministérios na ABUB.

A Palavra de Deus é maior do que tudo o que possamos pensar ou reivindicar e é plenamente iluminada aos nossos olhos pela ação única do Espírito Santo, nos levando ao conhecimento de Deus em Cristo Jesus, no qual estão escondidos todos os tesouros do conhecimento de Deus (Cl 2.3), e que é plenamente poderoso para nos fazer viver de modo “a sempre honrar e agradar ao Senhor, dando todo tipo de bom fruto e aprendendo a conhecer a Deus cada vez mais” (Cl 1.9,10).

³ Jo 1; 14: 6-9; 1 Cor. 1:30; Colossenses 2: 3, Ap. 19:13 4

KRUGER, M. Sola Scriptura. Disponível em: <https://ministeriofiel.com.br/artigos/s ola-scriptura/>. Acesso em 13 nov. 2020. Dr. Michael J. Kruger é professor de Novo Testamento e Reitor no Reformed Theological Seminary em Charlotte, N.C. Ele é autor do livro Canon Revisited: Establishing the Origins and Authority of the New Testament Books.

Glórias sejam dadas a Deus pela inspiração e preservação das Escrituras! Que Ele reforme nossos corações para que alcancemos a plena formação de Cristo em nós (Gl 4.19)!

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Colagem

Eva Castro - ABU JoĂŁo Pessoa

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Colagem digital

Ayla Campos de Sรก - ABU Joรฃo Pessoa

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