Edição 245

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2 de maio de 2012 • aNo XXi • N.º 245 • QUiNZeNaL GRaTUiTo diReToR camiLo soLdado • ediToRes-eXecUTiVos iNês amado da siLVa e João GaspaR

acabra JoRNaL UNiVeRsiTÁRio de coimBRa

Dia do Trabalhador Em tempos de comemoração do 1º de maio, para muitos, o trabalho ainda é uma obrigação

rafaela carValHo

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fotomontagem por camilo soldado

EnTrEvisTA

Robert Fishman “As agências de rating não pagam pelo que dizem” Pág.12

CMC: COntaS 2011

PrOJEtO BEfrEE

“saúde financeira” Cruzar a tecnologia nas contas camarárias com a inclusão social investir na ação social é a grande vontade da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) no futuro próximo. Depois do lucro de 4,6 milhões de euros, em 2011, as contas camarárias demonstram “saúde financeira” e, segundo Barbosa de Melo, a prioridade é ajudar as pessoas. Esta saúde demonstra, contudo, algumas fragilidades, visto que para tal contribuíram uma forte política de cortes e a prática do elevado imposto Municipal sobre imóveis.

Tornar a tecnologia em algo útil é o objetivo primordial dos BeFree. A ideia destes cinco amigos da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra consiste na criação de uma box dotada de um sensor de movimento, que depois é introduzida num “gadget”. Pode ser um brinquedo, um controlo remoto ou uma alternativa para enviar e receber mensagens para pessoas com mobilidade condicionada. O que os move é a inclusão social.

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guiné-BiSSau

EntrEviSta

ideologias colocadas Ensino superior a em questão nível europeu

TEUC

O “lado B” das carreiras para a Índia Pág.7

Após a recente deposição do governo de Carlos Gomes Júnior, consequência de um golpe de estado que denota mais uma vez a indignação do povo africano, a discussão em torno do poder das guerrilhas volta à ordem do dia. A estrutura “envelhecida” do Estado e as suas relações promíscuas com o poder militar podem estar na causa deste debate. Os interesses da comunidade internacional e os interesses privados de movimentos organizados também devem ser tidos em conta. Pág. 13

Em fevereiro de 2011, a AAC aderiu ao Fórum Académico para a informação e representação Externa (FAire). Pouco mais de um ano depois, o Jornal A CABrA sentou-se à conversa com a presidente da comissão executiva do FAire, Ana Abreu, para conhecer melhor a estrutura, da qual a AAC é sócia efetiva, e as políticas educativas a nível do ensino superior europeu. Pág. 6

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Mais informação em

acabra.net


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DesTAqUe

Há rostos na mã

Realização pessoal, sustento, sobrevivência, gozo, memórias, vocação, dever… O que é o trabalho afin trabalha 14 horas para ganhar o suficiente, um sapateiro imigrante com vontade de voltar ao Brasil, um um trabalho que se vai fazendo, com poucos sorrisos ou satisfações. Por Ana Francisco, João Gaspar e A

“U

ma pessoa luta, estuda e depois vem cá para fora e está numa caixa de supermercado. Se se quer ter algum para se manter na vida tem de se sujeitar”. Com 21 anos, Tatiana Santos, entre dois empregos, sujeita-se, mas ainda sonha um dia ingressar na universidade. No entanto, é uma ambição que ganha reticências quando vê colegas seus licenciados sem emprego. Para além disso, está a pagar o carro e por enquanto o sonho fica adiado. “Não dá para ter tudo”. Já Omar, de 26 anos, estudante do ensino superior, trabalha como técnico de informática das 9h00 às 18h00 para poder pagar as contas. Com bolsa retirada este ano, teve que aumentar a carga horária do trabalho, deixando de poder ir às aulas. Não tem medo de perder o emprego mas vê os preços de tudo a aumentar. “No dia dez já não tenho dinheiro. É cada vez mais complicado esticar o ordenado… não se tem grandes refeições. Tem-se massa com atum”. Trabalha desde os 16 anos. “Se calhar, se tivesse sido só estudante, não daria valor a certas coisas”. Quando acabar o curso, pensa em sair do país à procura de uma vida melhor. Tatiana, depois de concluir o ensino secundário, passou a trabalhar a tempo inteiro no McDonald’s. “Há vezes que trabalhamos por duas ou três pessoas. Pelo trabalho que temos devíamos receber um bocadinho mais”. Já viu colegas serem despedidos e teme perder também o seu emprego. Para além das 40 horas por semana, faz ainda mais duas por dia numa delegação de farmacêuticos. “Trabalhamos para pagar as contas. É um meio de sobrevivência”. A situação dos pais de Ta-

tiana piorou também com a crise. O fim do mês chega e não há dinheiro para pagar a prestação da casa, assegura o pai, Alberto Santos, 48 anos, camionista. Já trabalhou em várias áreas, desde a indústria têxtil à agricultura. Aos fins de semana, ajudava amigos na construção civil e, durante 15 anos, calçava as botas e era árbitro de futebol nos campeonatos regionais. “Dava para comer mais alguma coisa ao fim do mês”. Agora os biscates não aparecem. “Está tudo parado”. Tal como a filha, tem medo de perder o emprego. “Com quase 50 anos o que vou fazer? Aos 45 as pessoas são velhas para arranjar emprego e novas para a reforma e ficam nesse impasse”. Nunca fez greve. “Se hoje fazemos uma greve, amanhã chegamos ao trabalho e, se o

“Tenho de lutar para não perder o meu filho. Vou trabalhar em qualquer lado” patrão quiser, manda-nos embora”. Alberto vê o trabalho como um sustento – “para se ir vivendo, para se ir pagando as dívidas”.

“O trabalho é um gosto e uma necessidade” Alice, de 37 anos, trabalha há 20 numa loja de roupa, na Baixa coimbrã. Não tinha dinheiro para estudar. Completou o décimo ano e deixou o sonho de educadora de infância pelo caminho. “Na altura não tinha hipótese de trabalhar durante o dia e estudar à noite, os patrões não davam essa possibi-

lidade”. Hoje, faz aquilo que gosta, mas a Baixa, segundo Alice, está um deserto, e a loja onde trabalha está em vias de fechar. “Muitos colegas nossos já foram embora. Agora somos só duas aqui”. Divorciada, com um filho de dez anos, garante que não pode baixar os braços. “Tenho de lutar para não perder o meu filho. Vou trabalhar em qualquer lado”. Amável Proença, de 56 anos, com 20 anos à frente do volante de um taxi, não se queixa do salário, mas garante que para não se queixar tem de trabalhar uma média de 14 horas por dia. Alega que, desde que a crise começou, o negócio caiu entre 20 a 30 por cento. Gosta do trabalho, mas não quando chega a altura da Queima das Fitas e da Festa das Latas: “há muitos excessos e às vezes chateiam a gente. Chegam a vomitar no carro”. Antes de ser taxista, era empregado de balcão, na área da hotelaria, mas afirma que agora está melhor embora tenha que trabalhar mais. “O trabalho é um gosto e uma necessidade”. Já perto da casa dos 60 anos, Amável não pensa na reforma, até porque teme não a vir a receber. “Da maneira que isto está não sei se quando lá chegar há alguma coisa ou não”.

Os espartilhos da sociedade Às três da manhã, Pedro Marques senta-se com os colegas de trabalho na entrada do Teatro Académico Gil Vicente. Comem qualquer coisa e bebem uma cerveja. É o intervalo do trabalho. Pedro e os seus colegas varrem as ruas da cidade entre a meia-noite e as 6h30. Aos 13, Pedro Marques já trabalhava para ajudar a família, a cortar e a carregar m a -

deira. Gostava do trabalho, mas a varrer as ruas encontrou melhores condições. Apesar disso é um trabalho que desgasta. “Doem as pernas, doem os braços. Dói tudo. São 15 quilómetros diários a pé”. No entanto, o varredor não quer mudar de trabalho e não teme perdê-lo: “quem começou a trabalhar com 13 anos não vai ter medo de perder o emprego aos 30. As pessoas querem é emprego não é trabalho”. Vanessa Quitério tem trabalho, só não tem o emprego que queria. Com 24 anos, licenciada em Comunicação Social, estagiou no jornal Público, mas não ficou seguiu-se uma mescla de trabalhos. Mas é atrás de um balcão de uma pastelaria em Benedita, que trabalha sete horas por dia, seis dias por semana, naquele que dantes era só um trabalho de fins de semana e férias. Mora com os pais e prevê ficar assim um bom tempo. “Acho que para já não me livrarei de estar por casa, a ganhar o ordenado mínimo e em contratos sucessivos de três meses”. Procura ser independente, mas “os espartilhos injustos da sociedade”, complicam as suas intenções pessoais. “Nós, os jovens, sujeitamo-nos a trabalhar quase num estado de graça permanente, em que um mero estágio parece uma dádiva da entidade empregadora”. Rodrigo Pratas, de 25 anos, está desempregado. Aos 21 conseguiu ficar a tempo inteiro na Porto Editora, o primeiro ano como temporário, e os seguintes três a contrato. Há quatro meses foi despedido. “Eles até gostavam de ficar comigo, mas era política da empresa não passar ninguém aos quadros. Recebi a notícia a 15 dias do término do contrato”. Agora pro-

cura emprego e está disposto a aceitar “qualquer coisa”. O problema é que “não há aí nada para ninguém”.

Realização manchada

pessoal

“Os bolseiros são reconhecidos no estrangeiro mas não aqui”. Alfredo Campos, bolseiro de investigação no Centro de Estudos Sociais, não esconde a sua indignação pela forma como é tratado. As bolsas não são atualizadas há dez anos. Ao bolseiro de investigação é vedada a possibilidade de reivindicar os seus direitos numa sociedade que não lhes oferece mais do que a reforma de quem ganhou o salário mínimo. A realização pessoal que lhe traz a investigação é manchada pela resposta que tem do estado social: “é preciso gostar do que faço. Não me sinto realizado como trabalhador, como cidadão, como português”. Um contrato de trabalho é quase impossível. O


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DesTAqUe

ão do trabalho

final? Fomos ao encontro dos protagonistas do 1º de Maio e às histórias por trás deles. Um taxista que um trabalhador-estudante sem perspetivas de futuro, um porteiro que espera pela reforma. Rostos de e Andreia Gonçalves. Ilustrações por Tiago Dinis número de vagas é muito limitado em relação aos doutorados. Participou em todas as greves gerais, mas as propostas dos grupos parlamentares para regularizar a sua situação, viu-as serem chumbadas sucessivamente. O Dia do Traba-

lhador faz assim mais sentido “agora que estamos num momento de resistência e de defesa de direitos”. Lamenta que segurança, estabilidade e direitos laborais sejam conceitos “praticamente extintos” nos dias de hoje. Na Assembleia da República, Rui Duarte, deputado do PS, debate estas questões. A situação privilegiada fá-lo falar com algum distanciamento das condições laborais do país. Não faz greve. É um dever estar na Assembleia. Critica a visão mercantil e unilateral do mercado de trabalho, o congelamento de pensões e alterações aos sa-

lários. A política que desfavorece sempre a parte mais frágil. O horário flexível e o salário “razoável” não deixam de lhe exigir dedicação física e mental. Encarar os problemas dos portugueses “não se trata de mecanismos burocráticos que tenham uma resposta num ficheiro”. “A ausência de futuro e expetativas acaba por deteriorar tudo aquilo que são os sonhos de uma geração”. Que o diga Maria (nome fictício) aos 29 anos. Chegou há 90 dias a Portugal. Tem o número nos classificados. Prostituir-se foi a forma que arranjou para ter dinheiro. Já recebia muito pouco quando a despediram da clínica em que trabalhava como enfermeira, na Colômbia. Com uma filha, diz que tudo é difícil neste serviço. “Preparo-me até às 12h00, ligo o telefone e trabalho até à meia-noite”. Não sabe ainda o significado da palavra “legal”, mas sabe que é impossível que este seja um emprego como os outros. “É para poder viver. Roubar não podia”.

mesmo quando pensa no primo que hoje é professor na Universidade Católica do Rio de Janeiro. “É assim. Você gosta de fazer isto mas muitas vezes tem de fazer aquilo para ganhar a vida”. Dá o conselho aos que entram na loja: “vocês não fiquem neste país. Isto não vai dar em nada. Nada”. Mas ainda há quem tire prazer do balcão e do contacto com o público. Mais conhecido por Quim dos Ossos, Joaquim Cabral, afirma que ser cozinheiro foi a profissão que mais gostou. Agora, reformado por invalidez e longe dos tempos em que o trabalho era uma obrigação para “arranjar o pé-demeia e educar os filhos”, continua a tratar da administração do res-

“A ausência de futuro acaba por deteriorar tudo aquilo que são os sonhos de uma geração”

Ficar ou não ficar Há 30 anos, vir para Portugal fazia mais sentido. Iludido com a situação do país na altura, Manuel Martins saiu do Rio de Janeiro, onde tinha feito a matrícula em Telecomunicações com o primo, mas não foi à primeira aula. Ganhava mais na loja do pai. Desistiu do curso e veio para Portugal. Hoje, com 67 anos, há 15 a trabalhar como sapateiro, afirma “todos os dias” pensar em voltar. “Se gosto do meu trabalho? Não, nunca gostei. Eu sou daqueles que trabalha por dinheiro e isso é um fracasso na vida de qualquer um”, desabafa. Manuel reformou-se aos 65 anos. No Brasil, diz que teria sido aos 48. O “prejuízo” que teve não o vai recuperar, mas não se arrepende,

taurante. “Antes, tinha o sentimento de levar um bolso cheio de dinheiro. Contava ao deitar e dizia que valia a pena. Agora chego a casa, conto o dinheiro e não vale”. Não tem sido fácil largar o negócio e dar lugar a alguém que sinta como ele a satisfação desse dia-adia familiar. “O melhor momento é quando pergunto: «Gostou?», se o cliente diz que sim é maravilhoso”. “Nesta fase, o trabalho para mim é lazer” – abre a porta às 8h00, vai ao armazém fazer encomendas, lê o jornal. “Já faz parte do meu próprio descanso. Dá-me gozo ir almoçar às 16h00”, garante. Gostava de ter mais reconhecimento. Mas não quer saber d a

chave de ouro da cidade. “Trabalhei sempre para as pessoas”.

“Isto enche uma vida” Realização pessoal aliada à realização comunitária. Não são muitos os casos, mas, ainda assim, o padre João Castelhano, sente-se preenchido com o seu trabalho na paróquia de São José. “Ajudar as pessoas a descobrir sentido para a vida e a encontrar alívio das suas angústias e problemas” é o que o move a “viver desprendido de si”. Encara o seu trabalho como “uma doação. Um ser para os outros”. Sem pressão da família, tomou, aos 18 anos, consciência do que queria ser. Entre trabalhos de secretária, visitas a doentes e atendimento ao público, sente-se bem na sua pele: “isto enche uma vida”, revela orgulhoso. Atualmente a paróquia ocupa-lhe todo o tempo e vigor que ainda conserva aos 78 anos. O contacto direto com a população fá-lo ver em Coimbra “uma cidade madrasta” para os estudantes. “Prepara-os para o mercado de trabalho e depois não tem emprego para lhes dar”.

Crianças a fazerem-se de homens “Antes do 25 de Abril um gajo mandava cagar o trabalho e arranjava-se outro. Agora não. Quem os tem, tem que os segurar”. Mas não se pense que era bom. Aos 13 anos, depois de feita a quarta classe, Luís Ferreira, agora reformado, já trabalhava como canalizador eletricista. Seguiram-se uns quantos trabalhos de farmácia em farmácia - por 20 escudos trocava-se de patrão. Na fábrica onde trabalhou 20 anos até se reformar, doíam os olhos com tanto pó de alumínio que usava para pintar caldeiras. Vivia-se sob ameaças do encarre-

gado e a segurança no trabalho não era preocupação de ninguém. Com o 25 de Abril, Luís Ferreira recebeu condições de trabalho mais dignas e a possibilidade de greve. “Antes não tínhamos nada. E por causa disso de um dos olhos já não vejo, que a tinta das caldeiras queimou-mo”. Contudo, o horário continuou a ser madrasto: “um gajo trabalhava nove horas,

“Se hoje fazemos uma greve, amanhã chegamos, e se o patrão quiser, manda-nos embora” estava vestido para ir embora, e vinha o encarregado a dizer que havia mais uma caldeira para pintar e ficava lá até às 5 da manhã”. Durante o Estado Novo todo o catraio fazia-se de homem cedo. O final dos exames da quarta classe ditavam o começo da vida laboral para muitos. Quim dos Ossos, com apenas dez anos, chegou de Penacova com uma malinha de cartão, com um carrinho de linhas branca e preta, uma agulha para cozer os botões, pouca roupa e um emprego prometido por um amigo na taberna “O Preguinho”. Mesmo criança não se poupava nas horas 12 a 15 por dia. Também Abel Clara chegou a fazer 20 no café Santa Cruz, onde fugia pela cozinha sempre que os fiscais apareciam. “Dormia na Rua das Figueirinhas e, às vezes, estava a deitar-me e batiam à porta para me levantar e voltar a trabalhar. Era uma criança e fazia tudo isso”. “Era o tempo em que éramos super inteligentes. Íamos para a escola aos


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Destaque sete anos e saíamos aos 12 a saber ler e escrever”, conta Miguel Baptista, reformado há cinco anos. Também ele, aos 12, já andava pela Baixa de Coimbra, numa sapataria, a ser pau para toda a obra - vendia sapatos, era moço de recados e ainda ia buscar encomendas à estação. Deolinda Bento, nem dez anos tinha quando começou a trabalhar. “Fiz o exame da quarta classe em junho e em agosto fui logo para o mercado”. As famílias grandes e os ordenados muito baixos eram a justificação para a ordem de marcha da maior parte das crianças na sua iniciação ao trabalho. “Tínhamos que trabalhar para nos defendermos”, conta. Quando a maioridade era atingida, muitos recebiam outra ordem de marcha, ainda mais penosa que a anterior. “Fui para o norte de Moçambique com 20 anos. Estive lá 27 meses, 24 desses na zona da porrada”, lembra Abel Clara. Também Miguel Baptista, pintor de automóveis reformado, recebeu a mesma chamada para a Guiné. “Foi o pior trabalho da minha vida. Lá conduzia, desempenava e pintava os automóveis. Eu, que queria ser médico quando era pequeno, fiz também de enfermeiro na guerra, que às vezes aparecia um gajo com as tripas de fora e não havia lá médico nenhum para as segurar”.

“O trabalho é perda de tempo”

uma

Miguel Baptista nunca quis mudar

de trabalho, mas quando saía da oficina esquecia-se de tudo. Ia para a rua conversar com os amigos, lançar-se aos namoriscos e gozar com as trupes de estudantes. “O trabalho é uma perda de tempo. O meu pai dizia: durmam de dia e vivam de noite. E como é que tínhamos dinheiro para viver

“Antes do 25 de Abril um gajo mandava cagar o trabalho e arranjava-se outro. Agora não” de noite? E então a gente trabalhava”. Luís Ferreira, quando se levantava para ir para o trabalho, por volta das 7h00, encarava-o como mais um sacrifício, repetido todos os dias. “Saía saturado do trabalho. Bebíamos um copo de tinto na Miquelina que era ao lado da fábrica e depois parávamos em todas as tascas que apanhávamos até à Baixa”. Agora, tanto Luís Ferreira como Miguel Baptista estão reformados e entretêm-se em conversa com Abel Clara na Praça 8 de Maio. Este, ainda está à espera da sua. “Reformo-me em 2013 se o Passos Coelho me deixar. Mas se fosse por anos de trabalho, que muitos deles não foram descontados, já estaria reformado”. Trabalha há 24 anos no Centro Comercial Golden, como porteiro.

Faz os turnos da tarde e da noite, ocupando-se com os jornais que por lá ficam. “Não gosto do turno da noite. Chego a casa às oito da manhã e ninguém me deixa dormir. Só quero descansar. Tenho diabetes, doem-me os ossos… Trabalho e assim vou passando”. “Mais um dia”, pensa Deolinda Bento, de 54 anos, quando acorda às 5h45 todos os dias, menos ao Domingo, para ir trabalhar na sua frutaria no Mercado Pedro V. “Estou no mercado até às 19h00 e depois tenho de ir, três dias por semana, ao mercado abastecedor, em Taveiro, comprar a fruta para o dia seguinte”. Durante o dia passam tantas caixas de fruta pelas suas mãos, que lhe perde a conta, apenas as sente no corpo. “A semana passada trabalhei todos os dias e não ganhei nada. Não tiramos mais que um ordenado mínimo. Então porque estou aqui a trabalhar tantas horas e a ganhar tão pouco? E para onde é que vou ganhar mais com esta idade e sem ter estudos para mais nada? Eu gosto mais ou menos disto, mas gostava de vender roupinhas de bebé ou lingerie de senhora… mas é preciso dinheiro”. “Quando um dia não corre bem, mandam-se uns berros e a vida tem que continuar”, deixa escapar Deolinda Bento. Quim dos Ossos dá razão aos berros e diz que não são de gente piegas. “Pieguice é aquele que se queixa sem razão. Piegas é o Passos Coelho, ele e os que andam atrás dele”.

Um governo míope e surdo É nos setores terciário e industrial que o coordenador da União dos Sindicatos de Coimbra, António Moreira, aponta para um maior impacto negativo daquele que apelida de “pacto de agressão contra os trabalhadores” por parte do governo quando “teima em fazer pagar uma fatura muito pesada aos mais necessitados”. Segundo o mesmo, grande parte da fatia dos 25 mil desempregados no distrito corresponde a estas áreas, não esquecendo também o pequeno comércio, a saúde e a educação. “Austeridade em cima de austeridade tem vindo a criar mais desemprego e situações insustentáveis”. António Moreira critica os cortes nos salários e nos subsídios. Defende que se exige “uma mudança de políticas, que passa pela renegociação da dívida”. O governo “é míope. Tem uma miopia política muito grave, e é surdo, não ouve - insiste em fazer políticas para os grandes grupos económicos e financeiros”, reitera. Alerta para a necessidade de implementação de medidas que permitam que os ricos contribuam para que os pobres tenham acesso a uma vida mais digna e justa. “Não é percetível que, num Portugal de Abril, num estado democrático, aqueles que trabalharam uma vida de sacrifícios e canseiras, hoje, sejam aqueles que muitas vezes já nem têm dinheiro para ir à farmácia pedir medicamentos”, lamenta. Apela à greve, apesar de admitir que não há mais adesão devido ao medo que as pessoas têm de perder o emprego, ou de ver o seu salário diminuído: “perder um dia já tem um peso significativo naquilo que é o orçamento familiar”. Também a situação do estudante se agrava com um horizonte sem perspetivas - “é confrangedor que os pais invistam nos filhos para poderem ter uma formação académica e, quando têm esse «canudo», não há saída profissional no seu país”.

O que é o trabalho?

É um sustento para se ir vivendo, para se ir pagando as dívidas. Não nos podemos encostar e estar à espera do rendimento mínimo” Alberto Santos, camionista, 48 anos

Trabalho é uma coisa que eu tenho de fazer. Não é um divertimento. Gostava era de me reformar. Estar mais tempo com os amigos” Abel Clara, porteiro, 64 anos

É uma necessidade. Roubar não podia” Maria, prostituta, 29 anos

Deve ser uma fonte de realização humana. Hoje há uma procura de trabalho a qualquer custo” Alfredo Campos, investigador bolseiro, 31 anos

O trabalho é o valor associado ao progresso humano, uma dimensão alienável da vida em sociedade”

Rui Duarte, deputado, 27 anos

É aquilo que gosto de fazer. Não trabalho só para receber o meu vencimento no final do mês” Alice, lojista, 37 anos


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ensinO superiOr arquivo - raFaELa carvaLho

“Não faz sentido estar a obrigar as faculdades a receber alunos acima das suas capacidades quando estes irão emigrar ou para o desemprego”, diz o bastonário da Ordem dos Médicos

Ordem dos Médicos não pretende criar exame de acesso à profissão ao contrário do que tem sido noticiado pela imprensa, em vez de um exame de acesso à profissão, a Ordem dos Médicos pretende criar um exame que garante a autonomia Camilo Soldado No passado dia 21 de abril, o Diário de Notícias fazia manchete com a suposta intenção de criação de um exame de acesso à profissão por parte da Ordem dos Médicos (OM). A proposta, nos moldes em que estava exposta no diário, foi contestada rapidamente pela Associação Nacional de Estudantes LiLiana cunha

de Medicina (ANEM). No entanto, o Bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, esclarece que “o tratamento jornalístico dá isso a entender mas na realidade não foi assim que aconteceu”. O que a OM pondera é um exame para atribuição de autonomia a pós graduados e não para acesso à profissão. Recentemente teve início a revisão do enquadramento jurídico do acesso às profissões reguladas ao nível europeu e, consequentemente, em Portugal. Nesse âmbito, o exame de acesso é apenas “uma hipótese entre muitas” e, apesar de já ter sido um assunto colocado publicamente “nunca foi analisado pelos órgãos internos da ordem porque o enquadramento jurídico não permite fazer um exame de acesso”, explica o bastonário. “A ordem é obrigada a aceitar o registo de todos os médicos licencia-

dos ou mestrados que vejam o seu grau reconhecido por uma universidade portuguesa”, esclarece José Manuel Silva. O presidente da Associação Nacional de Estudantes de Medicina, Manuel Abecassis, acredita que a “ideia de que um exame de acesso” vai qualificar a profissão é “demagógica” porque “não há um exame ou uma forma de avaliação momentânea que consiga valorizar e selecionar aquilo que são os melhores profissionais”.

Exame que garante a autonomia Depois de acabar o curso de medicina, os estudantes têm acesso a uma vaga de especialidade, que terá duração entre quatro a sete anos, dependendo da área. José Manuel Silva garante que há “um número indeterminado de licenciados em medicina que vão deixar

de ter acesso à especialidade”. É a esse número indeterminado para o qual o exame poderá constituir uma alternativa para a obtenção de autonomia profissional, avalia Manuel Abecassis. “Quem acaba de se formar, não tem autonomia para exercer sozinho porque, atualmente, a autonomia é adquirida no âmbito do internato médico após conclusão com aproveitamento “, encara o presidente da ANEM. “Medicina deixou de ser o el dourado que já foi”, avisa o bastonário e, não havendo a possibilidade de todos os candidatos entrarem no internato, a solução passa pela criação do exame. Para que essa autonomia não seja atingida ao final de seis anos de formação, José Manuel Silva não vê isso como uma falha das faculdades mas sim como uma especificidade da profissão: ”o curso de

medicina exige um imenso conhecimento teórico e muita experiência prática pois é uma profissão onde não são admissíveis os erros e exige uma formação mais prolongada”. Formação essa que tende a degradar-se em função do aumento do número de alunos imposto pela tutela, acredita o bastonário, que entende que “não faz sentido estar a obrigar as faculdades a receber alunos acima das suas capacidades quando estes irão emigrar ou para o desemprego”. A presidente do Núcleo de Estudantes de Medicina da Associação Académica de Coimbra, Inês Madanelo, afirma que a posição do núcleo é “em tudo concordante com a posição da ANEM” e que esperam “mais clarificação por parte do bastonário”. Com Inês Balreira

FLUC nega corte na malha curricular subdiretora da FLuC diz que se trata apenas de uma racionalização da oferta curricular devido ao “elevado número de cadeiras opcionais”, mas que os ajustes vão ser mínimos Inês Balreira A Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) nega a intenção de reduzir a malha curricular existente em 20 por cento. “Havia

uma intenção manifestada pelo diretor de, devido ao elevado número de cadeiras existentes, reduzir a malha curricular da faculdade. No entanto, essa meta que se tinha traçado não se concretizou e pelo menos para o ano não há mudanças significativas”, afirma a subdiretora da FLUC, Teresa Tavares. A dúvida é assim esclarecida depois do assunto ter sido abordado na última Assembleia Magna, no passado dia 18 de abril. Contudo, Teresa Tavares assevera que “há uma necessidade de racionalizar a oferta curricular”, uma vez que a Faculdade de Letras tem “um excessivo leque de cadeiras opcionais”. “É esse esforço que se está a procurar fazer”, explica a

subdiretora, garantindo que “a racionalização não vai chegar aos vinte por cento”. “Temos perto de 900 cadeiras e no final do processo de avaliação vamos continuar perto desse número”, declara. Ainda que a direção da FLUC negue cortes substanciais na oferta curricular, o Núcleo de Estudantes da FLUC da Associação Académica de Coimbra (NEFLUC/AAC) afirma que este é um processo de reestruturação para um prazo entre dois a três anos e que a redução pode atingir os 20 por cento, num equivalente a 190 unidades curriculares. “Existe uma comissão que está a fazer a revisão para saber quais são as cadeiras que se vão cortar, existindo já um relató-

rio com algumas conclusões”, esclarece o coordenador do pelouro de Pedagogia e Política Educativa do NEFLUC/AAC, Nuno Esteves, salientando que o núcleo de estudantes ainda não teve acesso ao documento. O dirigente estudantil alerta ainda para o facto de esta racionalização se relacionar com os “cortes no financiamento” e que a “não renovação de contratos e contratação e professores só vai tirar qualidade à faculdade e aos cursos” lecionados, reprovando assim os cortes na oferta formativa. Por sua vez, Teresa Tavares descreve a situação, considerando “uma grande quebra nos recursos humanos que temos, mas essa não é a principal razão para esta reestruturação”.


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ENSINO SUPERIOR AnA Abreu • presidente dA comissão executivA do fAire

“A nível europeu, os rankings não possuem qualquer vantagem” A terminar o mestrado em gestão na Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, Ana Abreu é presidente da Comissão Executiva do Fórum Académico para a Informação e Representação Externa (FAIRe), uma estrutura que permite representação a nível europeu. Antes de ir para o FAIRe, já tinha experiência no associativismo: primeiro na associação de estudantes da sua faculdade depois na federação académica da Universidade Nova. A AAC aderiu, há pouco mais de um ano, ao fórum que, depois de dois anos em comissão de gestão, viu ser eleita nova direção em maio do ano passado. Inês Balreira Camilo Soldado Qual é o principal propósito do FAIRe? O fórum foi fundado com o propósito de dar aos estudantes portugueses a possibilidade de terem uma voz a nível europeu e interferirem nas questões debatidas ao nível do Processo de Bolonha (PB). A única maneira de influenciar esse processo é através da European Students Union (ESU), para isso é necessário que haja uma estrutura a nível nacional criada para o efeito. Assim, o FAIRe tem dois grandes propósitos: fazer a representação externa dos seus membros associados, através da ESU e da Mediterranean Network of Student Representatives e a vertente de auxílio a nível formativo, informativo e técnico aos seus membros associados para que estes se possam tornar cada vez melhores na ação a nível interno. O membro do FAIRe Luís Coelho disse-nos, no ano passado, que o fórum estava em comissão de gestão desde 2009. Até quando é que funcionou essa comissão? A comissão esteve em funções até à data em que tomámos posse, a 20 de maio de 2011. Qual foi a atividade do FAIRe durante esse período de tempo? A nível interno não houve atividade porque os poderes de uma comissão de gestão são limitados. A comissão procurou representar o FAIRe a nível externo para que o fórum não perdesse a qualidade de membro efetivo na ESU. A nível interno facultava-se a informação externa aos associados. Porém, a preocupação da comissão executiva agora é reabilitar a estru-

tura internamente e dá-la a conhecer às associações, mostrar aos membros associados o quão válida é uma estrutura como esta e o quão benéfica pode ser para esses mesmos. Se o FAIRe tomar uma posição em Conselho Geral ou Assembleia Geral (AG), um associado, mesmo votando contra, fica vinculado a essa decisão? Não. Ficam vinculados às decisões para às quais votam a favor. Existe, como em qualquer AG, a possibilidade de fazer uma declaração de voto e explanar esse desacordo. Porém, tem havido um esforço enorme para que as decisões sejam unânimes, porque o ideal é gerar um consenso perante os vários membros. O FAIRe representa várias associações que, por sua vez, representam 146 mil estudantes. Sentem que esses estudantes têm noção da existência do FAIRe? Eu diria que não, até porque somos uma federação académica. Acho que todas as associações têm noção da existência do FAIRe e do seu propósito. Quanto aos estudantes é um trabalho que tem que ser feito pelas associações. Obviamente que a comissão executiva do FAIRe estará sempre disponível para ajudar as associações pois consideramos que é importante que os estudantes tenham a noção que existe uma estrutura como esta e o que é discutido. Tendo-se realizado o Students WelFAIRe recentemente, quais as conclusões desse debate? Um dos assuntos abordados foi o suplemento ao diploma. Muitas vezes, este não é entregue de forma automática com o diploma. Outra coisa que nos preocupa é que devem estar lá comtemplados os aspetos formais da educação, mas também os aspetos informais. Devem estar explanados os learning outcomes de cada uma das cadeiras frequentadas mas também atividades extracurriculares que o estudante desempenhou no decorrer da sua frequência naquela instituição. A mobilidade é outro dos assuntos que abordamos nesse documento. Existe o objetivo de atingir 20 por cento de mobilidade em 2020. Portugal tem quatro a cinco por cento e dificilmente atingirá essa meta. Outro tema que nos preocupa muito são os rankings a nível europeu. Os rankings não possuem qualquer vantagem. Se fossem inócuos, conseguiríamos aceitá-los facilmente. O que o ranking faz é listar, segundo uma determinada ordem e segundo um determinado critério as instituições de ES. Não se pode comparar coisas que são diferentes, ou seja, listar segundo um critério de produção científica, uma

faculdade de letras e uma faculdade de ciências, porque a de ciências tem uma produção científica muito superior à de letras. Paralelamente, temos a dimensão nacional, em que era suposto existir um grupo de peritos de Bolonha, que não existe desde 2009 e, pior do que não existir, os fundos europeus que permitem o financiamento deste grupo a nível nacional entre o ano 2012 e 2013 também não foram solicitados.

“Há entidades que começam a defender o ensino superior enquanto empresas” A nível europeu, quais são os assuntos que estão na agenda para a discussão do ES? O financiamento. Inicialmente, o tema financiamento entrou no PB como devendo ser primariamente público. Na última conferência ministerial já se falou que o financiamento deve ser primariamente público, mas que as instituições devem tentar diversificar as receitas o máximo possível. A empregabilidade também está muito em cima da mesa, nomeadamente até que ponto é que a oferta do ES deve estar ou não de acordo com a empregabilidade dos cursos. Outro assunto é a visão das instituições de ES de um ponto de vista empresarial e economicista. Há entidades que começam a defender o ES enquanto empresas, os estudantes como consumidores, as licenciaturas como produtos e o objetivo das instituições o lucro e esta é uma abordagem que a ESU rejeita por completo. Uma das principais discussões ao nível do ES europeu gira em torno do PB. O FAIRe tem uma posição política relativamente ao PB? Sim. Há documento do Student’s WelFAIRe que relembra os 11 princípios do PB e são esses que nós consideramos mais relevantes. Mas o FAIRe é a favor dos princípios da declaração de Bolonha? Sim. O FAIRe foi criado justamente para isso. Na generalidade concordamos com o PB mas o processo é a qualidade, a mobilid a d e , financiamento, rankings, a empregabili-

dade. Contudo, há princípios com os quais não concordamos, como os rankings. Depois existem os com que concordamos, como a garantia da qualidade. Como é que lidam com o facto de alguns dos associados serem contra esses princípios? Ou isso não se faz notar? Estamos a falar da AAC? Por exemplo… É o único associado que está nessa posição. Inicialmente teve muita dificuldade em adotar o PB, mas entretanto foi adotada uma estratégia muito interessante por parte da AAC, que foi reconhecer que a única maneira de se interferir no PB é através da ESU e através do FAIRe. A AAC também é contra as propinas e em Portugal, talvez não encontremos mais ninguém que diga não às propinas mas, na Europa, a discussão não é como em Portugal. A discussão não é se se vai aumentar 30 euros, a posição é não às propinas. A académica, ao entrar para o FAIRe, vai encontrou pessoas lá fora que defendem exatamente as mesmas posições e pode encontrar argumentos que os ajudarão a potenciar as suas ações em Portugal.

complementar a esse sistema de propinas, que permite fomentar a igualdade de oportunidades. Como é que se pode então implementar um sistema, como o PB, sobre temas tão diversos e ele resultar? O que é definido a nível do PB são indicações de como essas metas devem ser atingidas, que depois devem ser aplicadas mas não existem prescrições muito rígidas. Tem-se criado uma série de mecanismos que permitem essa implementação a nível europeu, como um sistema de garantia de qualidade, o sistema ECTS e outras ferramentas que permitem comparar os vários sistemas. Se essas ferramentas não existissem, a desconfiança era brutal e a implementação do PB não seria possível. A ESU condiciona as políticas europeias para o ES? Sim, sem dúvida. De que forma? A ESU é entendida como um país signatário do PB, portanto, influencia tanto como, por exemplo, Portugal.

Na UE há uma política comum no que toca ao ES? Temos sistemas completamente díspares. Existe o caso dos países nórdicos em que não existem propinas e os estudantes ainda são pagos para estudar. Depois temos países como Portugal, onde existem propinas e um sistema de ação social

Inês BalreIra


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CUlTUrA

Reinventar a carreira da Índia “Escorbuto” é a nova peça do TEUC. Marujos brejeiros, um capitão incompetente e um capelão alcoólico retratam o outro lado dos Descobrimentos Ana Duarte Eles comem e cagam no mar. Eles fazem história a vomitar. Eles divertem-se à custa uns dos outros. Eles vivem na imundice da espera de uma nau. Fodem tudo – o vento, o ar, o rato e o canhão. Só não fodem o capitão. Um capitão iluminado. Um capelão alcoólico, com muita fé, mas também com muito sentido de humor. Um velho lobo do mar, taciturno q.b.. Um bombardeiro engatatão com uma libido sem fim. Um calafate francês, cirurgião quando é preciso. Um jovem e inocente grumete. E um despenseiro limitado. Em 1546, junta-se esta trupe na nau de Santa Cristina, rumo à Índia, numa atribulada e divertida viagem, marcada também por alguns momentos de tensão. “Escorbuto” é o nome da história protagoniza pelo Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), em coprodução com a associação Arte à Parte e com o Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV). Ricardo Vaz Trindade é o encenador desta aventura e Ricardo Pinto compõe a cena musical, pois o que seria de uma viagem sem banda sonora? A ideia de “Escorbuto” nasce do convite da Arte à Parte ao TEUC, no âmbito da XIV Semana Cultural da Universidade de Coimbra e tudo tem a ver com o seu mote “Viver é preciso, navegar não é preciso [?]”. A partir daí, o processo desenrolou-

se naturalmente: a criação do texto, a produção e a sua concretização. O local escolhido para a realização da peça é um tanto incomum: o subpalco do TAGV. “Quis retratar este lado patológico e podre das viagens. É por isso que a peça se passa não num convés, mas na espera, que é o piso abaixo do convés”. Assim, o subpalco revela-se óbvio. Para o texto, Ricardo Vaz Trindade, juntamente com o TEUC, partiu de um escrito de Pedro e Rui Monteiro, pedido pelo encenador, para que se inspirassem e retirassem algumas ideias: “eles acabaram por escrever um texto teatral todo artilhado, com falas, didascálias e personagens. A partir daí, aproveitámos algumas situações e acrescentámos muitas coisas nossas”, explica Ricardo. O resto é feito de improvisos provenientes de ensaios e com o humor como premissa. “ Não há ironia, só há um humor absurdo. Às vezes, em prol de uma boa piada, até mentimos

numa verdade histórica”, conta o encenador, que também não descura o retrato da realidade dos idos tempos dos descobrimentos: perversão, violência, abusos sexuais, corrupção, incompetência naútica, doenças. É possível, no dia da estreia, adquirir o livro que reúne os dois textos - “Escorbuto”, escrito por Ricardo e pelo TEUC, e “Escorbuto – comédia de uma carreira para a Índia”, de Pedro e Rui Monteiro.

Um novo olhar da história de Portugal “Porque este é o 'lado B' das viagens dos descobrimentos, é aquela parte da história de Portugal que não é dada nas salas de aula. Fazemos um novo olhar sobre como as coisas se passaram, sempre com um humor e um lado satírico”, explica um dos protagonistas, Filipe Madeira. Há “jantaradas esplêndidas e opíparas”, regadas a vinho, há obscenidade e até alguma nudez.

Mas que não se pense que é exagero. “Escorbuto” é uma peça exigente. Para além de requerer muito trabalho de caracterização de personagens, pois temos mulheres a representar marujos sujos e brejeiros – Marta Félix, atriz, afirma mesmo: não faço a depilação desde fevereiro para a interpretação da personagem” - requer também muita exigência física. “É uma peça muito ritmada, não há momentos mortos. É tudo non-stop”, explica Marta Félix. A passagem do tempo é marcada pela música de Ricardo Pinto. Uma guitarra elétrica e uma guitarra portuguesa compõe o esquema musical que transmite o passar de dias, semanas, meses. Filipe Madeira afirma mesmo que “é uma componente fundamental”.Ricardo Vaz Trindade vai mais longe: “é uma sonoridade que encaixa bastante bem com este universo”. Em cena de 30 de abril a 5 de maio.

João Valadão Imediatamente antes de entrar na Rua da Sofia, um qualquer utente dos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de Coimbra depara-se com a Casa da Mutualidade. Para muitos, mais não é do que uma simples paragem de autocarro, mas por trás da

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MAIO

“FUTEbOl DE CAUsAs” Cinema CaSa daS CaldeiraS • 18h30 entrada livre

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MAIO

“UMA AvEniDA nO MEU qUinTAl” DE FrEDEriCO TriAni E sAMirA MOTTA

eXpoSição e debate Sala 1 do CeS • 18h entrada livre

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MAIO

“sChwEnkE E nilO” múSiCa taGv • 21h30 5€

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AnA DuArte

"FrOM GEnErATiOn TO GEnErATiOn: MAinTAininG CUlTUrAl iDEnTiTy OvEr TiME" Sala 2

do

Seminário CeS • 14h30 entrada livre

8 MAIO “plAnETA prOibiDO” DE FrED M. wilCOx

Cinema amSCav• 21h entrada livre

11 MAIO

“As virGEns sUiCiDAs” DE sOFiA COppOlA

Cinema e Comentário por antónio olaio CaSa daS arteS • 21h entrada livre

14 a 18 MAIO

EDiçãO DE víDEO

Apesar da brejeirice, ao ouvir-se: “Capitão à espera! Formar!”, todos os marujos se põem em sentido

Arte e mutualismo dinamizam cultura Ainda que um pouco desconhecida, a Casa da Mutualidade assume-se como uma das poucas instituições a prestar apoio solidário à cultura e aos artistas

cultura por

placa que encerra essa simples noção encontra-se um singular espaço cultural. Inaugurado em Março de 2010, a Galeria de Arte da Casa da Mutualidade é um espaço criado e gerido pel’ A Previdência Portuguesa, uma associação de socorros mútuos sediada em Coimbra. Desde a sua fundação, o espaço tem sido continuamente ocupado, “as exposições são vinte e cinco dias, cinco dias para preparar a próxima”, explica o diretor da instituição, Manuel Nunes. Uma das principais razões que tem levado um grande número de artistas a esta casa é a qualidade do espaço. Tendo acabado de realizar uma exposição na galeria, a artista plástica Helena Roso reforça, “o espaço é ótimo, tem uma ilumi-

nação fantástica e as obras ganham lá outra vida”. Mário Nunes destaca a especificidade do espaço: “há aqui todo um equipamento que foi preparado somente para esse efeito”. Já o pavimento tem a curiosa vantagem de composto por cadeiras retráteis, que permite que a sala se transforme num pequeno auditório sem a necessidade de cadeiras. Para o diretor, a localização é outro ponto a favor: “está no centro da baixa de Coimbra, isso dá logo uma série de privilégios que os outros não têm”. Apesar do grande número de pedidos que a galeria recebe, há uma preocupação constante pela qualidade do trabalho mostrado. “Só artistas consagrados ou com qualidade nas artes plásticas é

que têm exposto”, adianta Manuel Nunes. A falta de conhecimento do público conimbricense quanto a este espaço parece ser contrariada pela adesão às cerimónias de abertura, “não há inauguração que se faça que não tenha uma assistência fora do comum”, contrapõe o diretor. Inserida numa instituição de âmbito mutualista, a galeria de arte segue uma vertente sociológica. O diretor d’ A Previdência Portuguesa destaca o papel no “aspeto social” e ainda na “economia social”. Por seu lado Helena Roso salienta que na atual conjuntura económica, a galeria tem “um papel muito importante, porque ajuda de forma solidária a cultura e os artistas de uma forma geral”.

WorkShop Cav • daS 19h àS 22h entre 75€ e 100€

15 MAIO

“ECOnOMiAs iMprOvávEis” ConverSa Com João GonçalveS CaSa da eSquina • 18h entrada livre

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OrqUEsTrA ClássiCA DO CEnTrO/DAviD llOyD muSiCa taGv • 21h30 entre 5€ a 10€

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“pAlAvrAs DE ErOs” debate •Xiv JornadaS de Cultura popular

CaSa

daS

do GefaC

CaldeiraS • 18h entrada livre

Por Ana Duarte


8 | a cabra | 2 de maio de 2012 | Quarta-feira

DeSporto Prolongamento HÓQUEI EM PA TINS

A contar para a fase de apuramento do campeão nacional de sen i o r e s femininos, a Académica recebeu e venceu o Turquel, por 7-3. Ao segundo jogo da segunda etapa do campeonato, os estudantes têm, em dois jogos, três pontos, encontrando-se no sétimo e penúltimo lugar.

Época difícil mas positiva Apesar das dificuldades, a Secção de Halterofilismo da AAC tem campeões nacionais. Avizinham-se estreias internacionais no plano dos veteranos Fernando Sá Pessoa

F U T SA L

A Académica terminou a fase regular com nova derrota, caseira, desta vez contra o Benfica. Os homens de Tó Coelho não foram capazes de se superiorizar frente ao líder do campeonato que, recorde-se, termina a primeira etapa da competição sem derrotas. Depois de concluir a fase regular em décimo primeiro lugar, os estudantes começam agora a disputar o “play out” com Belenenses, Braga e AMSAC, onde se procuram os dois primeiros lugares, que evitam a despromoção.

R U g by

No quarto jogo da equipa dos pretos, e já com a “final four” perdida e o sonho de reconquistar o campeonato adiado, a Académica voltou a ceder pontos, desta vez em casa, no passado dia 28. Frente ao CDUL, que vai na frente com 21 pontos, a Secção de Rugby da AAC não foi além de 22 pontos, contra 44 do adversário. Após este embate, a equipa dos estudantes aparece, ao fim de quatro jornadas, no quarto e último lugar da tabela, com um ponto apenas.

V O LE I bO L

No passado sábado, os seniores masculinos da Académica foram perder à capital portuguesa, frente ao C.V. Lisboa, pelos parciais de 30. Esta é uma derrota que, porém, já não deverá pesar nas contas da manutenção, uma vez que os estudantes beneficiam agora dos 19 pontos que conquistaram na série dos últimos, correspondente à segunda fase da segunda divisão do campeonato nacional. Por Fernando Sá Pessoa

A Académica vai ter estreia absoluta no Mundial de Masters, evento destinado a veteranos que decorre no próximo mês de junho e que merece o destaque de Bruno Almeida, presidente e atleta da Secção de Halterofilismo da Associação Académica de Coimbra (AAC). Essa participação foi garantida na última prova a contar para o campeonato nacional, organizada a 14 de abril pela secção, na qual a AAC alcançou ainda três títulos de campeão nacional e dois segundos lugares. Alexandre Brás, treinador e atleta, refere também hipótese de revalidação da Taça de Portugal no escalão feminino, que assume como “um dos principais objetivos”, para além da “chegada ao pódio na vertente masculina” da mesma competição. No que toca aos resultados globalmente alcançados durante este ano,

Saldo favorável, apesar de quebra nas inscrições e nos lucros d.r.

Bruno Almeida afirma que “a época tem sido muito positiva”. Apesar disso, refere que as condições que a secção possui para praticar a modalidade “podiam ser muito melhores”, mas que, “comparado com o panorama nacional, acabam por ser boas”. E salienta “o trabalho de manutenção que é feito regularmente no pavilhão número um do Estádio Universitário, que demonstra o empenho da direção”.

“Falta motivação e acompanhamento” A nível nacional, Bruno Almeida acredita que a “falta de competitividade do halterofilismo acaba por influenciar as estruturas da modalidade que existem no país”. Nesse contexto, o presidente da secção desportiva afirma que “não existe acompanhamento, não há motivação e os apoios não existem, pelo que não é possível a evolução ao ritmo da competição internacional”. Em relação ao aspeto financeiro, o presidente lamenta que “nem sempre se tem tudo o que quer”, mas garante que “não se gasta aquilo que não se tem”. “É um desporto pouco dispendioso, gasta-se apenas nas botas que temos de fornecer aos atletas para praticarem a modalidade e nas deslocações a Lisboa”, diz. cedida por bruno almeida

Apesar da redução das inscrições nas atividades desportivas da Queima das Fitas, o balanço do pelouro, que reduziu as atividades e perdeu em receitas, é positivo Fernando Sá Pessoa Com a aproximação da Queima das Fitas (QF), a comissária do pelouro de desporto, Rita Teixeira, faz um balanço positivo do trabalho desenvolvido pela sua equipa, muito embora admita um decréscimo da participação dos estudantes e, consequentemente, dos lucros. Para isso, afirma, “a subida de preço nas inscrições das atividades não foi o principal motivo”. A maior razão está antes no facto de “os estudantes se sentarem no seu canto”, lamenta. Como consequência, a comissária admite que “as receitas também diminuíram”. Porém, a mesma justifica que a Queima das Fitas não se centra nas receitas que consegue obter. “Fundamentalmente, queremos proporcionar coisas diferentes

aos estudantes que, em situação normal, não teriam fácil acesso. E isso foi conseguido”, garante. Além do mais, nas palavras da mesma, e embora admita que “o dinheiro é importante para as secções”, o balanço do pelouro é “positivo, independentemente de dar lucro ou não”.

“Menos quantidade, mais qualidade” Rita Teixeira adianta, igualmente, que este ano houve uma redução das atividades desportivas, uma vez que, “fruto do tempo em que vivemos, houve um corte muito grande e o orçamento era curto”. No entanto, o investimento, declara a comissária, “é justo para a qualidade que tem. Menos quantidade, mas mais qualidade”. No que toca às atividades desportivas, Rita Teixeira salienta os jogos sem fronteiras que, tendo sofrido uma remodelação na sua estrutura, “têm grande proximidade ao espírito de companheirismo da Queima das Fitas”. A exploração da dinâmica de grupo foi, de resto, uma das principais intenções do pelouro do desporto para este ano, razão pela qual, afirma a comissária do desporto, se “apostou nos matraquilhos humanos, no torneio de sueca e na descida do rio”.

CNU’s: hegemonia no desporto universitário Depois dos Campeonatos Universitários na Universidade do Minho de 2012, a disputa de dez modalidades em 11 trouxe resultados positivos à AAC Fernando Sá Pessoa “O balanço é extremamente positivo”, afirma Hugo Rodrigues, coordenador geral do desporto universitário pelo desporto da Associação Académica de Coimbra (AAC), relembrando as medalhas de ouro conquistadas pelas modalidades de futsal e râguebi femininos e pelo vólei

masculino. Hugo Rodrigues adianta que, nestas modalidades, “tem-se demonstrado a hegemonia da AAC, porque há atletas muito fortes e é o segundo ano consecutivo em que são alcançados os primeiros lugares”. O saldo do dirigente associativista acerca dos Campeonatos Universitários de 2012 dificilmente poderia ser melhor. Naquela que foi ainda uma fase concentrada, “houve o envolvimento de variadas modalidades coletivas”, tendo a Académica disputado dez das 11 possíveis. Além disso, “conseguiu-se garantir mais duas equipas para participarem nos europeus”. Os principais responsáveis pelo sucesso são, para o coordenador, “os atletas e todos os recursos humanos da universidade, assim como a organização das secções desportivas”. De

d.r.

recordar que a participação nestes campeonatos é feita com utilização maioritária de atletas de competição. Segundo o responsável pelo pelouro do desporto universitário, “cerca de 95% dos atletas são federados”, em estreita sintonia com as secções desportivas da AAC. Neste capítulo, apenas o futsal é uma exceção à regra, uma vez que a constituição da sua equipa foi feita, na totalidade, por estudantes universitários. “Falamos com os treinadores, organizamos os treinos e fazemos uma seleção de atletas aqui do distrito”, explica. Esta foi uma competição em que valeu, para Hugo Rodrigues, o mérito de se ter ganho fora de portas, pois quem joga em casa tem a vantagem de poder contar com os atletas que jogam pelos seus clubes em datas próximas dos jogos universitários.


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CiênCiA e teCnologiA

BeFree: um robô, tecnologia e ideias de negócio com preocupações sociais Cruzar a tecnologia com a inclusão social é o lema dos BeFree, um grupo de cinco amigos e alunos da FCtUC que não se inibiu de arriscar e aproveitar oportunidades. para desenvolverem a sua ideia contaram com as várias experiências de concursos e até competições internacionais. por Filipe Furtado e Ana Morais

A

vontade de tornar a tecnologia em algo válido e útil para todos é o sentimento que congrega cinco amigos: Ana Figueiredo, Catarina Mendes, Paulo França, Rita Figueiredo e Tiago Caldeira. Cruzando as áreas do saber que estudam na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), como a Antropologia, a Engenharia Eletrotécnica, a Saúde Ambiental ou a Economia e Gestão, este grupo levou as suas aspirações a um patamar mais profissional. “O nosso projeto BeFree tem como objetivo ajudar pessoas com mobilidade condicionada”, explica Catarina Mendes. É aqui que se prova a ligação da tecnologia à utilidade. A ideia consiste em produzir uma “box”, “o cérebro” da aplicação, dotado de um sensor de movimento que se insere num “gadget”. “Pode ser um brinquedo, um comando de televisão” ou pode até permitir receber e enviar mensagens de texto, enumera Rita Figueiredo. As funcionalidades permitidas são ajustadas à utilização pretendida e ao respetivo público-alvo. O estudo da equipa incide em três segmentos: crianças, jovens e adultos. Escolhendo as crianças com paralisia cerebral como ponto de partida, a equipa começa a desenhar um produto final capaz de integrar o mercado. Um brinquedo com a aplicação permite a estas crianças brincar, como de outra forma não conseguiriam - mesmo com as limitações físicas, a aplicação ajusta-se aos movimentos da criança. A maior preocupação é fornecer “estímulo”

aos movimentos de pessoas com mobilidade reduzida. Neste sentido, o grupo estabeleceu uma parceria com a Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, pois “este era o público com maior necessidade e onde podíamos ter melhores resultados”, assegura Rita Figueiredo. Neste momento, o grupo está a ter acompanhamento pela incubação virtual do Instituto Pedro Nunes. Do ponto de vista técnico, como é que isso se consegue? Na primeira vez em que é utilizado o “gadget” há “uma calibração do movimento que a criança faz e a box grava esse movimento”, que depois reproduz, como descreve Rita Figueiredo. O processo de adaptação do produto ao utilizador decorre de forma bastante delicada, como conta a estudante, pois “há um contacto com a criança, para ela nos receber bem, porque é sensível”. Posteriormente, a equipa observa qual a melhor parte do corpo para aplicar o “gadget”, em conjunto com o terapeuta, procedendo a uma análise ergonómica que possibilita escolher um de três suportes: pulseira, luva ou boné. O processo de adaptação é feito de forma automática e a ambição futura desta equipa é que a aplicação possa ser auto personalizada, de modo a que diferentes movimentos possam “gerar a mesma reação no brinquedo”, explica Tiago Caldeira. Mas esta vontade vai mais longe e espelha o espírito empreendedor que motiva estes amigos. A ideia do grupo passa por possibilitar aos próprios terapeutas e pais uma monitorização do gadget, com o intuito de cedida pela equipa befree

cedida pela equipa befree

a equipa befree é um grupo de amigos que trabalha pela inclusão social. registar os tempos, velocidade e amplitude dos movimentos da criança.

Metas ganhas A meta alcançada decorre de um caminho preenchido de etapas que surgiram no momento certo para os jovens. A equipa BeFree juntou-se, pela primeira vez, em novembro de 2011, para o Exception Handled, uma maratona de programação organizada pelo Departamento de Engenharia Informática da FCTUC. A primeira vitória é conseguida quando o grupo conquista a primeira posição com um projeto de “grande potencial de negócio”, como referiu Miguel Goyanes, um dos organizadores do evento. Poucos dias depois, surge um novo ânimo: a conquista do Arrisca C, um concurso de ideias e planos de negócio, que permitiu que crescesse “a motivação de continuar a trabalhar e desenvolver ainda mais”, partilha Tiago Caldeira. Em fevereiro de 2012, o grupo participa no 3 Days Startup (3DS), um evento de cariz internacional que possibilitou algumas respostas à equipa. Ana Figueiredo ilustra este contributo: “como é que conseguimos ajudar pessoas? Como é que conseguimos receitas para produzir e vender? Como vamos conseguir distribuir o produto?”. A estudante responde que foi com a ajuda dos mentores do evento que conseguiram estruturar

o projeto. Também a passagem pelo Ineo Weekend, um evento semelhante ao 3DS, reforçou linhas estratégicas a seguir no futuro. Mas a medalha de ouro aparece nos Estados Unidos da América, no concurso Expert Division, de uma forma caricata. O primeiro objetivo do grupo era participar no Robot Waiter com um robô preparado para percorrer um labirinto, de modo a encontrar um prato e levá-lo a uma pessoa com mobilidade reduzida. No entanto, nem tudo corre como planeado. As equipas concorrentes já conheciam o formato deste tipo de prova e concentravam-se na resolução de problemas de engenharia. Os BeFree prepararam-se apenas um dia antes da prova e, apesar de, nos ensaios, o robô ter correspondido ao teste, na prova final ficou aquém. Todavia, a vitória emerge com um segundo robô, desta vez “bombeiro”. O desafio passava por percorrer um labirinto e detetar pontos de incêndio, simulado através de pequenas velas. É aqui que a equipa portuguesa ganha visibilidade entre mais de 100 grupos de vários pontos do mundo. O triunfo não se esgota no ouro, visto que esta viagem proporcionou à equipa possíveis novos contactos comerciais. “A grande vantagem desta participação foi habituar-nos à versatilidade”, explica Tiago Caldeira – “o facto de sermos uma

equipa multidisciplinar permitiu encontrar as forças e os recursos para resolver problemas”. O estudante comenta que ao contrário das outras equipas, com preocupações competitivas, o BeFree “é apenas um conjunto de amigos que tem um projeto e uma ideologia”.

Ambições futuras “Somos cinco e, às vezes, uma das dificuldades é arranjar tempo para estarmos todos reunidos”, desabafa Catarina Mendes. Porém, o ideal de tornar a tecnologia uma forma de inclusão social permanece e é o que alimenta a vontade de trabalhar mais. A equipa é unânime quando fala de momentos de desmotivação após a entrada no 3DS, considerando as ideias “máquinas de fazer dinheiro” e apenas isso - uma forma de pensar que destoava das ambições do grupo. A equipa defende que os preços dos produtos para pessoas com necessidades especiais não devem ser elevados, apenas “porque não há concorrência”, como aponta Tiago Caldeira. Parafraseando António Gedeão, Tiago Caldeira deseja que o sonho comande a vida. “Quem sabe se daqui a dez anos será uma multinacional grande com muitos mais funcionários” ou, como o estudante ambiciona, até com uma norma europeia que obrigue estes equipamentos a possuírem uma ficha


10 | a cabra | 2 de maio de 2012 | Quarta-feira

CiênCiA e teCnOlOGiA

ICNAS quer produzir medicamentos para a doença de Alzheimer D.R.

A molécula PiB funciona como um GPS que pode ser seguido e observado. Ao obter as imagens de como o organismo está a funcionar, é possível detetar a doença Filipe Furtado Uma equipa de investigadores da Universidade de Coimbra (UC) está a estudar novos medicamentos para tratar a doença de Alzheimer. O ponto de partida para a investigação é a molécula PiB ou composto de Pittsburgh, produzida pelo Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde (ICNAS), que permite detetar a doença antes de os sintomas clínicos se manifestarem. A molécula PiB assume relevância não só no despiste da doença, mas também como “ferramenta no desenvolvimento de

novos medicamentos”, sublinha o responsável pelo Laboratório de Radioquímica do ICNAS, Antero Abrunhosa. Isto não significa “que não seja importante no diagnóstico clínico”, mas visto que “as opções terapêuticas são quase inexistentes”, faz mais sentido “lutar para encontrar medicamentos”, acrescenta o investigador. A PiB é um radiofármaco, isto é, um medicamento com um pequeno núcleo radioativo que, ao ser injetado no corpo humano, funciona como um GPS. É possível segui-lo e construir um mapa a três dimensões do interior do organismo a funcionar, observável através de uma PET (tomografia por emissão de positrões), uma vez que a molécula irá ligarse a uma proteína no cérebro. Quando um doente tem Alzheimer, ocorre uma deposição anormal da proteína beta- amilóide e a molécula PiB liga-se a essa proteína. A utilização do composto de Pittsburgh requer uma logística

Doença De alzheimer a doença de alzheimer provoca morte das células cerebrais e uma consequente atrofia do cérebro. afeta, em primeiro lugar, a memória e, de forma progressiva, outras funções mentais, até o doente perder qualquer autonomia. De acordo com o sítio do Portal da Saúde, “a causa de doença ainda não está determinada”, mas está muito associada à idade, em indivíduos com mais de 50 anos. Com o evoluir da demência, os doentes tornamse confusos, agressivos, sofrem alterações de personalidade, deixam de reconhecer os familiares e amigos e até a sua imagem em frente a um espelho. o tratamento desta demência passa pelo uso de medicação que ajuda a corrigir desequilíbrios químicos no cérebro, mas os seus resultados são temporários e são apenas “mais eficazes na fase inicial da doença”. estima-se que um doente de alzheimer possa viver entre dois a 15 anos. em Portugal, existem cerca de 153 mil pessoas com demência, das quais 90 mil sofrem de alzheimer, segundo os dados do projecto european Collaboration on Dementia.

complexa, dado que a sua radioatividade diminui a cada 20 minutos. “Se não se for muito rápido a fazer a síntese, a preparação e a injeção no doente, a atividade radioativa vai-se embora”, enfatiza o responsável pela produção da molécula, que só a autoriza quando o doente chega ao ICNAS. “Se o doente chegasse atrasado meia hora era desastroso. Não haveria radioatividade suficiente para fazer o exame”, explica Antero Abrunhosa. Construir a molécula é um procedimento semelhante a criar um medicamento “de raiz”. Antero Abrunhosa refere que o ICNAS produz uma molécula complexa em pouco mais de 20 minutos, começando pelo átomo de carbono 11, que emite o sinal. Depois de testada a sua qualidade, a molécula é usada no estudo de um doente. A técnica utilizada pelo centro pode assustar os doentes pelo uso de radioatividade. Mas o investigador desmistifica possíveis riscos, assegurando que a quantidade utilizada é muito reduzida, não diferindo muito de um TAC ou outro exame radiológico. Neste momento, apenas o ICNAS tem capacidade de produção da molécula PiB em território nacional. Além de fazer exames PET, o centro possui um acelerador de partículas e uma unidade radioquímica avançada. “Só a universidade consegue fazer um exame deste género. Se fosse numa clínica privada, teriam de contratar uma quantidade tão grande de especialidades científicas que seria impossível”, enfatiza Antero Abrunhosa, que refere o centro de investigação como um exemplo da “aplicação de quase todas as áreas científicas” da UC.

A doença de Alzheimer está associada à idade

Segunda edição do Brevemente recebe trabalhos até 28 de maio O Brevemente pretende divulgar o que se faz no design e em contexto de sala de aula. Os premiados serão anunciados no dia 9 de junho no Museu da Ciência Filipe Furtado Inserido na XIV Semana Cultural da Universidade de Coimbra (UC) organizado em conjunto pelo Centro de Estudos Cinematográficos da Associação Académica de Coimbra

(CEC/AAC) e a Televisão da AAC, o Brevemente é um concurso aberto a todos os estudantes de qualquer grau ou instituição de ensino, que visa estimular a criação audiovisual. Na mesma linha da edição anterior, o principal objetivo do concurso é “continuar a divulgar o trabalho dos estudantes que é feito dentro das academias portuguesas e dos restantes países lusófonos”, afirma um dos coordenadores do concurso, Tiago Santos. O Brevemente encontra-se dividido em quatro categorias. Na categoria livre entra todo o tipo de obras - desde documentários, peças jornalísticas, animações ou curtas-metragens - com o único requisito de ser

“realizado no âmbito académico e que não ter um fim comercial”, aponta ainda. Na categoria social, serão avaliados trabalhos que alertem para problemáticas sociais, afirma Tiago Santos que exemplifica com a “sinalética de espaços, porque nos ajuda a encontrar caminhos”. A segunda edição traz redefinições de algumas categorias e um públicoalvo mais centrado no design. “Se fôssemos puristas, podíamos ter um concurso com 15 categorias, mas é necessário simplificarmos ao máximo”, explica o membro do CEC/AAC As categorias de estacionário e movimento complementam-se. Na primeira, é possível encontrar todo o

tipo de trabalhos impressos, como livros, folhetos, faixas ou murais. Na segunda, concorrem todas as peças multimédia, incluindo spots de eventos, aplicações interativas, visualização de informação ou “apenas simples infografias”, elucida Tiago Santos. Além destas categorias, o prémio que melhor representar a temática “Navegar é preciso, viver não é preciso?” será distinguido com o prémio da XIV Semana Cultural da Universidade de Coimbra. O designer de comunicação e docente da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC, Nuno Coelho, membro do júri, espera ver trabalhos académicos que “se aproximem

de um nível de qualidade que se exige de profissionais com alguma experiência”, ultrapassando, assim, as quatro paredes da sala de aula. “Valorizo o caráter exploratório e experimental dos trabalhos”, sublinha o designer, que também destaca as obras pelo desprendimento de problemáticas impostas por um cliente, dando azo a projetos “mais concetuais”. Clara Almeida Santos, Arthur Rebelo, Eduardo Morais e Rita Alcaire completam a lista de jurados. Os trabalhos podem ser enviados até dia 28 de Maio para o sítio do Brevemente, e a cerimónia de entrega de prémios terá lugar dia 9 de junho, pelas 16 horas, no Museu da Ciência.


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Queima das Fitas 2012

“Marcar a d continu

I

magine-se um cenário em que os habituais festejos da Queima das Fitas (QF) se realizassem apenas com algumas centenas de alunos, num ambiente menos efusivo e sem um cartaz recheado dos nomes pop do momento. Aos olhos de quem a conhece hoje, festejar a QF nestes moldes pode parecer quase ilusório. No entanto, para quem acompanha os festejos há algumas décadas, aquele é um modelo que, a alguns, deixa nostalgia. O historiador Miguel Cardina explica que, “até aos anos 60, a QF era reflexo de um ensino que era elitista”, e que, nos anos 40, 50 e 60, foi um festejo de carácter “completamente distinto”, associado “a uma cultura académica própria, jocosa, às pra-

xes”. Miguel Cardina destaca ainda que, sobretudo nos anos 60, os festejos “foram usados como forma de protesto”. Para o historiador Rui Bebiano, foram “o crescimento exponencial do número de estudantes e a democratização do acesso à universidade”, depois de 1974, que vieram alterar a caracterização sociológica do meio estudantil, dando-se uma “mudança qualitativa” das festas académicas. Com o Luto Académico, iniciado em 1969, os festejos da QF estiveram suspensos até 1980. Analisa Rui Bebiano que, nos primeiros anos de regresso, a festa foi “de uma minoria” e, por isso, “sem grande aproveitamento comercial”, que começa no final dos anos 80, despertando o interesse de algumas empresas locais e nacionais. Nestes anos, Rui Bebiano

“A Queima podia aspirar a ser uma festa de sentido internacional”

acusa iniciarem-se “concessões a uma cultura ‘popularucha’”, apontando o dedo à entrada, a partir dos anos 80, “da chamada ‘música pimba’”, dentro daquilo a que chama uma “lógica comercial consumista”. Onde fica, então, a tradição?

O rumo da tradição A Queima das Fitas, atividade praxística em que os grelados passam a ser fitados, é um dos momentos mais marcantes da praxe coimbrã, visto assinalar a conclusão dos estudos. “É importante que não nos esqueçamos da raiz, de onde surgiu, e que defendamos as tradições”, assegura a comissária da tradição da Comissão Organizadora da Queima da Fitas (COQF), Ana Pinho. A comissária salienta que “é muito importante não deixar morrer” as atividades tradicionais, como são exemplo o Cortejo, a Serenata Monumental, a Venda da Pasta, a Verbena, a Récita das Faculdade, o Chá das Cinco, o Baile de Gala ou a Garraiada. O secretáriogeral da COQF, André Gomes, ratifica: “temos que ter em conta que é isto que nos distingue das outras semanas académicas - a cultura, o desporto e a tradição”. Ana Pinho considera que a função que desem-

penha como comissária da Tradição continua a ser importante, para que estas atividades “não caiam em esquecimento e sejam sempre valorizadas”. É preciso “marcar a diferença para continuar a tradição”, considera. Para o historiador Amadeu Carvalho Homem, os festejos da QF mantêm-se “no conjunto dos aspetos exteriores”, que se mantêm e reproduzem “o que vem desde os primórdios da festa”. “O que talvez esteja um pouco mais viciado”, lamenta, “é o sentido mais íntimo e autêntico da praxe académica, que foi, no passado, um importante e valioso veículo de sociabilidade”. Para o historiador, o modelo de antigamente realizava-se “em todos os aspetos relacionados com a praxe, num registo irónico, divertido, mas nunca afetando a dignidade da pessoa humana”, como considera acontecer atualmente. Sublinhando que “nenhuma tradição é imóvel”, Rui Bebiano considera que, nos últimos 20 anos, o rumo da tradição foi “muito alterado pelas festas académicas”. “À exceção do cortejo e de um ou outro momento, pode dizer-se que pouco distingue a QF de certos festivais de verão”, aponta o historiador, concretizando uma crítica que vem sendo feita por muitos. “É preciso perceber se é isto que de facto se quer”, remata.


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diferença para uar a tradição” Se é a tradição que distingue a Queima das Fitas em Coimbra, para muitos ela é desvirtuada em Noites do Parque que seguem um modelo festivaleiro. Outros esclarecem que o modelo festivaleiro nasceu, em Portugal, com os festejos da Queima, e outros explicam porque é necessário manter estes dias rentáveis. Muitas perspetivas em torno de uma festa que, de algum modo, vai preservando a tradição académica e sustentando o trabalho da AAC. Por Inês Amado da Silva

QF, embrião de festivais de verão

“Era possível o bilhete ser até quase gratuito, temos esta noção”, declara João Alexandre. “Mas também há a outra parte que as pessoas não percebem, que está entre agradar aos estudantes e criar lucro”

“As iniciativas [da QF] poderiam todas elas ser gratuitas; era possível o bilhete ser até quase gratuito, temos esta noção”, declara João Alexandre, secretário-geral da COQF em 2010 e 2011. “Mas também há a outra parte que as pessoas não percebem”, assegura: “com tantas modalidades a disputar desportos federados em primeiras divisões, com tanta estrutura pesada a ser sustentada pela QF, há um limbo muito complicado”. Entre “agradar aos estudantes” e acarretar a “obrigação, em termos financeiros, de criar lucro ou saldo positivo”, a estrutura da QF tem sido comparada à de um festival de verão. João Alexandre não esconde que essa é a sua estrutura, sem esquecer aquela que considera ser “a grande diferença”: o espírito. “As pessoas vão ali pelo espírito, e a capa e batina difere muito. Não é por estilos musicais”, assegura o antigo secretário-geral. O Dux Veteranorum, João Luís Jesus, vai mesmo mais longe na explicação, afirmando que as pessoas estão “equivocadas”: “não são as Noites do Parque que têm uma dinâmica igual à de um festival de verão;

os festivais de verão é que têm uma dinâmica igual à das Noites do Parque da QF”. O Dux evoca os tempos em que surgiram alguns dos primeiros festivais de verão em Portugal, “criados e desenvolvidos por pessoas com anos de trabalho nas Noites do Parque”. João Luís Jesus refere até que as infraestruturas para dois dos primeiros grandes festivais nacionais foram alugadas à QF, nos finais da década de 90. Apesar de admitir este modelo, o Dux recusa-se a aceitar que as Noites do Parque sejam “um mero negócio”, alegando que “a sociedade evoluiu” e quer “outro tipo de espetáculos, e a Queima fornece o que os estudantes querem”. Além disso, “os lucros que a QF dá são depois aplicados na AAC e quem paga isso são as receitas que se obtêm com a catalisação das Noites do Parque”, sublinha o Dux. João Alexandre acrescenta que, “em anos próximos, os lucros da QF deveriam reverter para um pavilhão ou para termos um centro cultural [da AAC]”, incentivando ao investimento “em coisas palpáveis” e criticando “um encostar às estruturas” da QF, não só das secções como da direção-geral da AAC. Já o atual secretário-geral da COQF garante que as Noites do Parque “não podem sequer ser comparáveis a um festival” pela atenção dada aos grupos académicos, “por-

que realmente nos distinguem”. Para André Gomes, as críticas fazem com que os membros da COQF estejam “atentos para, de facto, não tornar a QF num festival”. O secretário-geral lembra ainda que, este ano, pela primeira vez, a utilização do Parque da Canção começará a ser paga, e que a AAC suportará o custo do aumento do IVA nos bilhetes gerais, que manterão o preço de 47 euros, com vantagens em 45 euros numa operadora móvel que, recentemente, assinou protocolo com a AAC.

A QF, a cidade e o futuro Ainda a definir contrapartidas com a Turismo de Coimbra (TC) e com a Câmara Municipal de Coimbra (CMC) para a utilização do Parque da Canção, André Gomes explica que “o valor será atempadamente divulgado”, mas espera a assinatura de um protocolo a cinco anos para a utilização. “Para mostrar à cidade que a QF não está alheia às queixas que são feitas todos os anos”, André Gomes revela também que, este ano, a CMC impôs como condição de utilização do parque a colocação de limitadores de som nas tendas.

João Alexandre vê a QF como “algo incontornável, que poderia ser um ponto turístico grande e que Coimbra não tem sabido aproveitar”, exemplificando com o facto de a semana dos festejos fazer com que “muitos comerciantes em Coimbra tenham um lucro fantástico, porque são milhares de pessoas que estão na cidade naquela altura”. Por outro lado, o ex secretário-geral da COQF entende que “há coisas em que a tradição vai mudando um pouco: o Cortejo, por ser ao domingo, tornou-se menos da cidade; na Serenata, as pessoas não fazem silêncio, há muitos turistas e pais – vê-se muita gente que não está de capa e batina”, o que significa, aos olhos de João Alexandre, “uma grande perda para a serenata”. Ainda que tão antiga, a QF e o seu futuro continuarão a despertar as mais diversas opiniões. Amadeu Carvalho Homem faz notar que “a Queima podia aspirar a ser uma festa de sentido internacional”, porque “a UC é uma marca que vende internacionalmente, e daí resultariam muitas vantagens”. Por sua vez, Rui Bebiano - sendo, como o próprio afirma, “um pouco duro” - declara que “transformar as festas estudantis em marca é prostituí-las”. Já João Luís Jesus não hesita em afirmar que “a QF de Coimbra é a única que realmente existe. O resto são cópias”.


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CidAde

“Saúde financeira” nas contas do município faz da ação social prioridade Concordando que o lucro obtido nas contas em 2011 é um mero número, o executivo camarário mostra que a principal preocupação é o serviço social Ana Duarte Ana Morais As questões de ordem social são a prioridade da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) para 2012. De acordo estão o presidente da CMC, João Paulo Barbosa de Melo, o vereador da habitação, Francisco Queirós e os administradores das Águas de Coimbra (AC) e dos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de Coimbra (SMTUC), Marcelo Nuno e Manuel Correia de Oliveira, respetivamente. Para concretizar a ajuda às dificuldades emergentes da população, o universo municipal terá que, segundo o presidente da CMC, “ter mais despesa”. O relatório de contas de 2011, discutido na reunião do executivo no passado dia 16, apresentou um número que contraria o estado atual da situação económico-financeira nacional: 4,6 milhões de euros de lucro. Porém, este saldo contabilístico “não é o dinheiro que está na gaveta”, alerta o administrador dos SMTUC. Barbosa de Melo afirma que “a leitura fundamental é comparar os resultados deste ano com os resultados do ano anterior” e é aí que “se nota o dito lucro”, que o presidente da CMC classifica como “um indicador da saúde financeira do município”. O mesmo expressa

Inês AmAdo dA sIlvA

que “não são as melhores contas do mundo”, ressalva a ideia de que são apenas números: “se são quatro ou cinco milhões, isso não quer dizer nada. São valores qua a contabilidade apura e não o que sobra nos cofres”. Para a obtenção deste lucro, foi fundamental a prática de uma política de cortes. Contudo, o executivo camarário é unânime quando afirma que “para o ano vai ser pior”. Manuel Correia de Oliveira avança com uma das medidas que foi tomada na empresa municipal que dirige: “vamos ser obrigados a reduzir pessoal”. Ainda assim, o administrador dos SMTUC expressa o desejo de que o pessoal dispensado “seja o que vai pedir aposentação, para que não nos seja imposto despedir ninguém”. Na CMC, o mesmo se sucedeu, com a dispensa de 50 funcionários, como ilustra Barbosa de Melo. Política de contenção Para além da política de cortes, também a taxa de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) contribuiu para o lucro das contas camarárias de 2011. Para Francisco Queirós,

O lucro obtido “não é o dinheiro que está na gaveta”, adverte o administrador dos SMTUC “neste momento o IMI é um valor significativo das receitas das autarquias, não há dúvida”. O presidente da CMC corrobora o vereador da habitação: “nos últimos anos é uma receita que tem vindo a aumentar”. Apesar desta situação, o executivo

concordou em repensar os valores do IMI, visto que, “de um dia para o outro, tudo leva a crer que as pessoas tenham que pagar valores de IMI pesadíssimos”, afirma Francisco Queirós. Barbosa de Melo anui mesmo que, “em períodos de grande dificuldade, é mais importante baixar os impostos, deixar mais algum dinheiro no bolso das pessoas”. Contributo das empresas municipais Águas de Coimbra, Turismo de Coimbra (TC) e SMTUC compõe o conjunto das empresas municipais e que veem os seus próprios resultados espelhados no orçamento da CMC. Todavia, o administrador da AC, empresa municipal que obteve

o lucro de cerca de 534 mil euros, combate esta ideia: “é olhar para o orçamento da CMC e ver quanto é que eles nos transferem. Não trans-

Uma política de contenção revelou-se essencial para o lucro do ano de 2011 ferem nada”. Manuel Correia de Oliveira contraria esta afirmação, ao referir que a CMC transfere uma quantia considerável com o intuito de praticar a “filosofia de ser um serviço social”. O administrador dos SMTUC explica mesmo que, ao

contrário do que acontece no Porto e Lisboa, em que os serviços de transporte são comportados em parte pelo Estado português, nos SMTUC “o único chapéu que temos é o da câmara”. A par da AC, a TC obteve um lucro nas suas contas. Até ao final da edição, o Jornal A CABRA tentou contactar o presidente da TC, Luís Providência, mas sem sucesso. Já os SMTUC obtiveram prejuízo, ainda que inferior aos anos transatos, devido à prática de preços inferiores aos valores reais. Para Francisco Queirós, o desafio é trabalhar “com uma manta mais curta”, ou seja, apostar na continuidade de um serviço social mas “com metade do dinheiro”. “Tudo depende de como as coisas são geridas”, desabafa o vereador.

Historicidade: “Coimbra tem que perceber que a colher de pau está do seu lado” “Revolução: como se cozinha?”, perguntam os jovens historiadores em mais uma jornada de Historicidade. A receita da revolução parece estar à vista Ana Morais Aproveitando “o espírito de Abril”, o grupo Clioculta decidiu dinamizar mais uma etapa de “Historicidade” na passada semana de 23 a 27 de abril. Não se restringindo à discussão da revolução de

74, a procura de uma receita para a revolução atual foi o mote. “Coimbra tem que perceber que a colher de pau está do seu lado”, ironiza uma das responsáveis da atividade, Lia Nunes. Segundo a historiadora, Coimbra tem as condições “para ser uma alta cozinha”, contudo “ainda não se apercebeu do seu potencial”, patente sobretudo na sua Universidade. Também o professor universitário Abílio Hernandez, participante numa das sessões, metaforiza: a cidade “tem os cozinheiros que querem mudar e tem os cozinheiros que aplicam sempre a mesma receita”. Quer Lia Nunes, quer Abílio Hernandez evidenciam que Coimbra deve perceber e dinamizar o

seu potencial social e cultural e não ficar presa ao seu passado histórico. A comparação da história à cozinha reside na tentativa de “desmistificar esta área do conhecimento e torná-la mais acessível a todos”, reforça Lia Nunes. Ingredientes, cozinheiros, confeção, degustação e digestão – foram estes os pontos escolhidos para cruzar a história à gastronomia. Como explica a jovem historiadora, qualquer revolução tem um momento de degustação e digestão na sociedade, “devido à mudança que provoca”. Qual é a receita para a Revolução? Então, qual é a receita para a Re-

volução? Para Abílio Hernandez não há qualquer receita, uma vez que “as receitas para a revolução falharam todas”. Para o professor, o desafio é pensar em que moldes se deve cozinhar essa revolução - “o que ninguém sabe”, confessa. Já Lia Nunes mostra uma visão mais otimista, ao evocar que esta revolução passa por uma reflexão interior: “chegámos a uma receita que implica que toda a gente esteja a convergir numa tentativa de mudança interior”, para combater a “apatia”. Para a historiadora, “pensar já é uma revolução”. Percorrendo vários espaços da cidade, Lia Nunes ressalva que um dos objetivos era “levar a academia a sítios onde se discutam e parti-

lhem ideias”, com destaque para as repúblicas. Nos mesmos moldes do ano passado, com as atividades “Cafés com História”, “Pôr os pontos na História” e os “Ensaios da Arte” puderam cruzar-se as novas perspetivas e ideias de jovens investigadores e os testemunhos vivos e orais de quem já cozinhou a sua história. À semelhança das atividades passadas, a participação do público não foi a desejável. Ainda assim, Lia Nunes adverte que é preferível ter poucas pessoas “cheias de vontade de partilhar ao invés de uma massa acéfala”. Dada a receita, fica a sugestão – tirar a apatia da lista de ingredientes.


12 | a cabra | 2 de maio de 2012 | Quarta-feira

país RobeRt Fishman • sociólogo e pRoFessoR na univeRsidade de notRe dame (indiana, eua)

“Os julgamentos feitos a Portugal são despidos de sentido e errados” Robert Fishman tem longos laços com Espanha e o caso ibérico tornou-se alvo do seu estudo. O seu nome tornou-se mais sonante em Portugal quando, pela altura do pedido de resgate português, publicou no The New York Times um artigo de opinião intitulado “O Resgate Desnecessário de Portugal”. Nele, pune as agências de rating, a falta de intervenção por parte das instituições europeias e a lógica de mercado obrigacionista. São essas convicções que reafirma nesta entrevista, a propósito da sua passagem pela Universidade de Coimbra Liliana Cunha Inês Amado da Silva Conhece a situação de Portugal desde 1974 e a transição para a democracia. O que pensa ter mudado a partir daí? Se fizermos uma retrospetiva desde há 38 anos, as principais mudanças incluem uma vasta evolução na obtenção de conhecimentos para a população portuguesa, um grande avanço em termos culturais e um desenvolvimento significativo nos padrões de vida. Desde a Revolução dos Cravos até ao fim do século XX, atravessando a entrada de Portugal em cena na União Europeia, a perda de soberania monetária deu-

se com a adesão ao euro. Neste ciclo de 25 anos, Portugal experienciou um aumento exponencial na forma de viver, nas preocupações do Estado com a economia. O avanço foi considerável, e em certos aspetos chegou mesmo a romper com o modelo europeu que caracterizava a Espanha, Grécia e Itália. Deu-se uma aproximação às sociedades mais bem-sucedidas no espaço europeu – as do norte do continente. No entanto, Portugal não deixou de ser um país relativamente pobre quando comparado com a média europeia. Em 1999, com o fim do escudo, o país começou a decair e a enfrentar mais problemas. O neoliberalismo está a assolar as políticas do governo português. Poderá o modelo de Estado-providência estar a mudar a sua matriz? A política da ‘troika’ para Portugal está a desempenhar um papel de destaque no rumo do estado social, mas também noutros sentidos que dizem respeito ao estado da economia, à insistência na desregulação do mercado de trabalho e na privatização das empresas públicas. Todas essas medidas são um erro. Não servem para encorajar e promover o crescimento económico do país. Tenho sido um crítico do que se tem assistido no país com a entrada do memorando. Propôs um maior controlo das agências de ‘rating’ e da avaliação do risco do crédito. O

que quer dizer quando afirma que estas “não gostam de Portugal”? As agências de ‘rating’ têm um tremendo poder na destruição da imagem dos estados soberanos. Pronunciam-se acerca da fiabilidade do crédito nos países e nas suas empresas e, com isso, afetam a capacidade dos países de susterem e negociarem a sua dívida. O poder delas é enorme e os julgamentos que fizeram sobre Portugal, em muitas ocasiões, são despidos de sentido e errados. Estas intervêm na aptidão da tutela executiva para prosseguir as políticas que desejavam efetuar. É negativo e, principalmente injusto o impacto que estas avaliações de risco de investimento no país têm. Como olha o futuro das próximas gerações, já que está comprometido por todas estas razões económicas? Os portugueses olham para si e tendem a ser olhados pelos outros como o país mais pobre no sul da Europa. Em algumas questões existe verdade, mas Portugal também partilha fatores em comum com os melhores. Portugal pode ter um futuro brilhante, mas para tal tem de olhar para países como a Dinamarca, Suécia e outros. Não estou a dizer que Portugal pode ser exatamente como estes exemplos, não pode nem vai. Todavia, tem pontos fortes que são comparáveis – o sistema educacional, o conhecimento de outras línguas e culturas,

e uma grande vitalidade cultural. Disse que Espanha é demasiado grande para falhar. Sendo Portugal um país de dimensões pequenas, o que há a fazer? É mais difícil para Portugal resistir às pressões externas do que para o Estado com que faz fronteira. Todo este problema é composto pelo facto de Portugal estar na Zona Euro e estar mais sujeito a uma influência de quem faz política e daquilo que pretendem realizar. Não diria que Portugal é grande para falhar como disse para Espanha. Se

“As agências de ‘rating’ podem dizer o que lhes apetece, as consequências são muito maiores e não pagam pelo que dizem.”

InÊs AmAdo dA sIlvA

equipararmos os dois países numa questão de escala, que não é de longe o único ponto em que se distinguem, observamos que há vantagens, em certo tempo, em ser-se pequeno e há-as em ser-se grande. O foco de cada país deve sempre centrar-se nas suas potencialidades e vantagens. Rumando ao centro da Europa, estará o laço “Merkozy” ameaçado pelas ideias socialistas de François Hollande? Ele defende as renegadas ‘eurobonds’, mais financiamento por parte do Banco Central Europeu (BCE) e tem grandes reservas quanto ao pacto orçamental europeu. Se François Hollande for eleito, o que penso ser o mais provável, o futuro da Europa desenhada por Angela Merkel e Nicolas Sarkozy estará aberto a uma renegociação. Não tenho receio em dizer – aliás, tenho vontade de dizer - que será muito bom se isso acontecer. A imagem e estratégia europeia suportada por esse eixo levou países como Portugal a dificuldades desnecessárias. Esta situação não é inevitável: a Zona Euro pode adotar outro tipo de reformas e apontar para outro plano. Se o fizer, as consequências serão certamente favoráveis. Na passada semana, o ‘rating’ espanhol foi cortado para BBB+, a três níveis do “lixo”. Como olha a criação de uma agência de ‘rating’ alemã? Estará novamente a política de ingerência de Merkel em questão? Sinceramente, não sei. Penso que, se se criarem agências de ‘rating’ europeias, será algo bom. Mas o que é ainda mais importante é que o trabalho destas deve ser regulado no que concerne ao habitual tipo de consequências. A forma como olho as agências é um pouco como no campo da medicina. Imaginemos que um médico faz uma declaração pública dizendo que o consumo de um produto de uma empresa pode causar morte e isso não é verdade. O médico irá sujeitar-se a sérias consequências, não pode simplesmente alarmar a população. Já as agências de ‘rating’ podem dizer o que lhes apetece, as consequências são muito maiores e não pagam pelo que dizem. O que elas fazem é como o julgamento não ético do médico. É um problema que lhes deve ser atribuído.

@

Entrevista na íntegra em

cabra net


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MunDO

Em África, da guerrilha ao poder O governo de Carlos Gomes Júnior foi deposto por um golpe de Estado na Guiné-Bissau. Durante os processos de libertação em África, várias guerrilhas tornaram-se partidos e alcançaram o poder. Manter-se-ão as ideologias credíveis? Por Maria Garrido, Mariana Morais e Mariana Santos Mendes

A

descoberta da existência de um acordo militar secreto entre o primeiroministro, Carlos Gomes Júnior, e o presidente interino do governo da Guiné-Bissau, Raimundo Pereira, com Angola, terá sido o motivo que levou as forças armadas guineenses a perpetuar um novo golpe de Estado no país. A indignação dos militares face à legitimação da presença de tropas estrangeiras, em concreto a missão angolana, levou à dissolução do governo do também presidente do Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau (PAIGC), Gomes Júnior. “Este golpe de Estado é mais um dos muitos que já aconteceram na Guiné e tem que ver com o problema da relação entre o poder político e os militares”, confirma o professor de Antropologia da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra, Fernando Florêncio. Na mesma linha, o investigador do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (CEAUP), Adriano Vasco Rodrigues, olha para o atual governo da Guiné como uma estrutura com uma “rotina e organização envelhecidas, desadaptadas da realidade atual do Estado da Guiné”.

Interesses privados nos golpes de Estado Verificam-se, nos golpes de Estado em África, possíveis benefícios próprios e interesses da comunidade internacional em potenciá-los. “Por norma, um golpe de Estado nunca foi para benefício das populações”, traduz o também investigador do CEUAP, Adriano Parreira. O professor ressalta que o mecanismo de um golpe de Estado é a defesa do interesse de grupos: “é muito simples,

D.R.

“Democracia é uma palavra que se parece com um fato bonito, pois todos querem ficar bem elegantes e respeitáveis com ele” envolvidas nessas situações de golpes de Estado e de defesa de interesses muitas vezes camuflados atrás de um determinado e pretenso general”. O investigador estabelece desta forma o que acredita ser o paradigma de todos os golpes de Estado em África: a cumplicidade entre “todos estes senhores”. “A comunidade internacional tem todo o interesse em que o Movimento Pela Libertação de Angola (MPLA) se mantenha no poder. Presumo que essa análise possa ter alguma validade para outras situações em África”, remata.

guerrilhas, o de não estabelecer qualquer rotatividade no poder. “Quando o braço armado é tão grande e tão amplo no seu raio de ação, a rotatividade não é a desejada”, assevera, considerando este ato como um “mascarar da democracia”. Encarando este processo como “pouco democrático e desfavorável”, o doutorando em Estudos Africanos, André Carvalho Oliveira, sustenta que a guerrilha chega ao poder “porque tem força, representatividade social e politica”, o que lhes possibilita que lá se mantenham “mesmo por trás de uma máscara democrática, através de

Ideologias e ações de quem as perpetua serão “lixo da História”

não há segredo nenhum. Os golpes de Estado são dados pela defesa de interesses privados”. Ponderando uma possível relação entre os interesses da comunidade internacional num golpe de Estado e os interesses privados desses movimentos organizados, Parreira conclui: “não sabemos até que ponto as grandes potências estão

Preparar a independência “Quem preparou a independência acabou por sair beneficiado e constitui-se em vários casos em regime de partido único”, atesta Fernando Florêncio. A também investigadora do CEAUP, Carla Prado, define ser este precisamente o objetivo das

mecanismos, conhecimentos e influências que lhes permitem manipular o sistema a seu favor”. Adriano Vasco Rodrigues recorda que a “única escola” que as guerrilhas de libertação tiveram foi a da luta armada e que, alcançada a vitória, estas “conservam o poder como donos do Estado incapazes de o ceder, pois não estão preparados para a democracia”. Para melhor retratar este facto,

Adriano Parreira aconselha a leitura de Agostinho Neto, antigo líder do MPLA, atual partido no poder: “está lá claro que “só o MPLA é que pode, só nós é que fazemos”. Está a refletir em si próprio a intemporalidade do poder do MPLA que é como deus para eles”.

Real democracia? “Democracia é uma palavra que se parece com um fato bonito, pois todos querem ficar bem elegantes e respeitáveis com ela”, ironiza o professor do Centro de Estudos Africanos do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa do Instituto Universitário de Lisboa, Albert Farré Ventura. Contrapondo à situação vigente em África, o professor aponta aqui uma “arquitetura institucional e um simulacro: está vazia de conteúdo democrático”. “A maior parte da população tem uma noção muito pragmática da democracia apenas como sinal de uma certa liberdade”, destaca Fernando Florêncio. O professor vai mais longe, afirmando mesmo que, “para as elites, a democracia é um discurso e não uma prática”.

Ideologias e evolução Alcançada a independência nos processos de descolonização, a dúvida é sobre se a ideologia se manteve ou se é uma mera ferramenta para chegar ao poder. Posto isto, Adriano Vasco compreende que “as ideologias das guerrilhas se esfumaram”.

“Por norma, um golpe de Estado nunca foi para benefício das populações”, traduz o investigador do CEUAP, Adriano Parreira

“A ideologia e sobretudo o antecedente colonial português foi usado para se legitimarem”, defende Carla Prado. A investigadora vê “a ideologia como uma desculpa, uma máscara para chegar ao poder, pois, depois disso, a ideologia é o que menos interessa”. Parreira conclui que as ideologias e as ações de quem as perpetua serão “o lixo da História”, na qual chegará o momento de o julgar: “como os alemães, hoje em dia se sentem envergonhados por Hitler, ou a vergonha que é falar de Estaline na Rússia e de Mao Tsé-Tung na China”.


14 | a cabra | 2 de maio 2012 | terça-feira

Cinema

aRtes

“Os Vingadores” De JOss WhedOn Com RObeRt dOWney JR. scaRlett JOahnsOn samuel l. JackcsOn 2012

ainda acredito em heróis

ver

CRítiCa De josé santiago

P

olanski já fez muita coisa. em cinema, estritamente falando. segunda Guerra mundial, filhos do demo, biógrafos amaldiçoados, vampiros com piada, este homem mostrou-nos coisas muito estranhas, vindas de universos que pecavam, por vezes, por um excesso de originalidade, se é que isso existe. Como não lembrar a rocambolesca história de amor e ódio de “lua-de-mel, lua de Fel”? em “o Deus da Carnificina”, o realizador de origem polaca abandona as suas deambulações e opta por galgar terrenos mais concretos. tudo começa quando um miúdo de onze anos bate num colega com um ramo de uma árvores, depois de aquele lhe ter chamado “queixinhas”.

É

um sonho de criança ter todos os grandes superheróis da marvel reunidos num só filme, mas não é só isso. toda a construção em crescendo, pensada literalmente ao ‘frame’ na construção d’”os vingadores”, é um ponto de viragem no que toca aos franchises cinematográficos. onde antes eram os trailers que nos aguçavam o apetite, agora temos vários filmes que servem de contexto para o grande clímax. Depois de dois “Homem de Ferro”, um “Hulk”, “thor” e “Capitão américa”, assistimos agora à junção dos “herois mais destemidos da terra”, mas será que compensa? a pergunta impõe-se pelo elenco, que conta com a participação Robert Downey Jr., scarlett Joahnson, Gweneth Paltrow, samuel l. Jackson, Chris Hemsworth, Chris evans, mark Ruffalo, Jeremy Renner e tom Hiddleston. esta informação é pertinente, não só pela curiosidade de ser um dos filmes com maior número de osca-

rizados no elenco, mas também porque esta gente se faz pagar bem e o filme sofre por isso. sem querer revelar muito e não o vou fazer, o filme está basicamente confinado a dois cenários e só vejo explicação para isso numa má distribuição de orçamento, sendo notória a utilização do ecrã verde para compensar a falta de localizações reais assim como a utilização de estúdios fechados. mas a verdade é que, para o filme funcionar, precisamos mesmo do carisma e da entrega de cada um dos atores escolhidos. É, aliás, disso mesmo que vivem “os vingadores”. Joss Whedon, o realizador encarregue da tarefa dantesca de trazer a história ao grande ecrã, tem uma grande noção do ridículo em que algumas destas personagens podem cair e brinca com isso mesmo. o discurso shakespeariano do “thor”, a atitude antiquada e nacionalista do “Capitão américa”, o “Hulk” que felizmente nunca perde as calças, tudo isso é assu-

mido e consegue-nos envolver ainda mais naquele universo. todas as personagens brilham de igual maneira e “Hulk”, aquele que mais tinha a provar depois de dois filmes fracassados (apesar de achar que a versão de 2003 foi injustamente criticada), tem aqui um ponto de viragem no que toca à maneira como é retratado, muito graças à interpretação de mark Ruffalo. no que toca às cenas de ação, que é o que a malta espera de um filme destes, é impossível sair insatisfeito. Desde lutas corpo-a-corpo até batalhas de proporções épicas, encontramos de tudo e fazem sentirmo-nos putos outra vez. mas não é mesmo isso que interessa? Às vezes falta coração a este género de super-produções, mas aqui vemos que todos têm um carinho especial por estas personagens e um conhecimento de como elas são na BD. não estava à espera de menos, mas mais quero sempre.

o Deus da Carnificina Como bons membros da moderna e urbana classe média norte-americana, os pais das crianças encontram-se para discutir o que fazer quanto ao sucedido. em causa está um dente partido e a possibilidade de perder outro. Dos definitivos. De um lado estão Penelope (Jodie Foster), a passivo-agressiva de serviço, e michael (John C. Reilly), que tenta ser conciliador e ao mesmo tempo autoritário com a mulher. Do outro, temos nancy (kate Winslet), aparentemente sensível e constantemente esmagada pela enorme presença de espírito do marido, o rude e direto alan (Christoph Waltz). o filme começa precisamente com os dois casais, muito cordialmente, a despedirem-se,

uma vez que toda a situação ficou esclarecida. Daí para a frente vemos como os dois casais tão politicamente corretos, à medida que se vão conhecendo e deixando de lado as convenções sociais, se aproximam mais do comportamento dos filhos que ali estão a condenar do que dos adultos responsáveis que julgavam ser. Baseado numa peça de teatro escrita por Yasmina Reza, “o Deus da Carnificina” mantém-se fiel a essa mesma origem. a ação desenrola-se inteiramente durante uma grande cena ininterrupta, no mesmo cenário, e conta tão-só com quatro personagens que, no entanto, nos brindam com interpretações riquíssimas que as fazem valer por cem. joão RibeiRo

filme

De Roman Polanski eDitora DvD inDePenDente 2011

Os quatro atores que afinal eram cem

artigo disponível na:


2 de maio de 2012 | terça-feira | a

cabra | 15

feitas oUvir

ler

in Decay

Podia ser, mas não foi uma tragédia

De PhèdRe eDitoRa daPs RecORds

R

eceita para a criação de um álbum minimamente interessante na amálgama exorbitante de álbuns ‘pop’ editados mensalmente: juntar psicadelismo narcótico fortemente influenciado pelos ariel Pink, glamour decadente dos of montreal, fantasias um tanto ou quanto bizarras em lo-fi, de preferência, motivos florais, sintetizadores com fartura e, por fim ruído, de vHs do casamento dos pais ou do batizado do irmão mais velho. temperar com pitadas de rockabilly, hip-hop, eletrónica e um pop meio psicadélico. a sensação esperada deve ser qualquer coisa como mergulhar a mão num líquido viscoso de vulgaridade mas ao mesmo tempo refrescante.

É mais ou menos assim que se pode definir o álbum de estreia dos Phèdre, um trio formado em monte Carlo, numa espécie de “caverna dourada”, como a própria banda descreve. são eles Daneil lee, april aliermo (Hooded Fang) e airick Woodhead (ex-spiral Beach, actual Doldrums) e apresentam-nos “in Decay”. Quanto ao nome escolhido para denominar este trio monegasco, ninguém sabe muito bem de onde surgiu, sendo que Phèdre (no original Phèdre et Hippolyte) é uma tragédia dramática de Jean Racine, sendo que a própria tragédia é inspirada na história de Phaedra, personagem mitológica grega. 2012

o trabalho em si, nada tem de novo, excluindo a maneira como as várias camadas sonoras foram misturadas e as vozes, que não sendo nada de extraordinário, encaixam de uma maneira contrastante criando uma sonoridade agradável logo à primeira audição. Dos dez actos que compõem a peça (subentenda-se os dez temas que compõem o álbum), sobressaem primeiramente “aphordite” e logo de seguida “in decay”. a vantagem harmoniosa conferida pelo primeiro facilmente é suplantada pelo brinde que o segundo trás – não fosse ele o primeiro single do álbum – um vídeo nsFW, com a assinatura de Jesse ewels.

orgulho e Preconceito

aparências que iludem

De Jane austen eDitoRa Publicações euROPa-améRica 2010

C

om quase duzentos anos, “orgulho e Preconceito” é considerado um dos maiores romances da literatura universal. nas suas obras, Jane austen reflete o ambiente social em que vivia na altura, no condado de Hampshire, onde cresceu no seio de uma burguesia empobrecida, dependente dos frutos do campo. a luta pelos direitos das mulheres dava os seus primeiros sinais de vida, mas ainda estava longe de rebentar. a ideia de feminino foi criada para agradar ao homem e o destino da mulher era inevitavelmente o casamento ou o “infortúnio” da vida de solteira. escrevendo para as suas jovens leitoras, austen, influenciada pelo feminismo, tenta denunciar a forma como era negada a liberdade à mulher de tomar as suas próprias escolhas. lizzy Bennet, a segunda filha de cinco irmãs, protagoniza toda a história. a chegada de um abastado cavalheiro, mr. Bingley, atrai as atenções das famílias desejosas de ver as suas filhas casadas. mr. Darcy, possuidor de uma grande riqueza, acompanha o seu amigo. enquanto Bingley é apreciado pela sua simpatia, Darcy é imediatamente julgado como uma pessoa arrogante e desagradável. lizzy detesta-o desde o princípio, ao vê-lo recusar-se a dançar num baile, e ao ouvi-lo comentar com mr. Bingley que a sua aparência era apenas tolerável.

Com o desenrolar dos acontecimentos, o desprezo da jovem por Darcy aumenta enquanto este se apaixona por ela, acabando por a pedir em casamento. lizzy surpreende-o com um categórico não, explicando-lhe todos os motivos pelo qual estava convencida de que ele seria o último homem com quem ela alguma vez casaria. É mais tarde que a jovem descobre que havia sido injusta. tendo-se como alguém sensata e considerando-se avaliadora de caráteres, lizzy fica frustrada quando descobre que todos os juízos que formara sobre Darcy estavam assentes em bases tão frágeis como as aparências e os comentários de outros. tal não impedirá um enlace feliz, apesar da inicial relação ter sido conspurcada pelo orgulho e preconceito de ambos. a inocência da escrita de austen é uma mera ilusão criada pelo estoicismo que tanto caracteriza os clássicos e pela aparente simplicidade dos enredos. Porém, “orgulho e Preconceito” é o retrato crítico de uma época. a ironia transparece na caracterização das personagens que, caricaturadas como representantes de uma classe, nos oferecem um semblante de um século que bem poderia ser o nosso.

niCole ináCio

JoGar

Child of eden banida do Paraíso

inês balReiRa

GUerra DaS CaBraS a evitar Fraco Podia ser pior vale a pena a Cabra aconselha a Cabra d’ouro PlatafoRma Ps3, XbOX artigos disponíveis na: eDitoRa Q entRetainment 2011

a

quando da sua revisitação em alta-definição, e após quase uma década de desprezo e desconsideração, “Rez” foi finalmente visto pela imprensa ocidental pela obra-prima que sempre foi. só que uma década num meio infantil como o dos videojogos é uma eternidade, e onde outrora o Japão era rei e senhor, hoje é mero pedinte de mão estendida para o mercado global. “Child of eden” surge assim como sequela em tudo menos nome de “Rez”, mas uma sequela definida pelo diktat de um meio que não entende, verdadeiramente, o que tornou “Rez” a referência máxima do seu género. Pode-se agora perceber tudo o que falha neste “eden”, desde a conservadora manutenção do sistema de jogo de “Rez” à renovada estética karaoke, de uma ingenuidade e infantilidade ofensivas, toda cores néon vibrantes, borboletas, florzinhas e meninas bonitas a cantar j-pop delicodoce (descortesia da banda de tetsuya mizuguchi, Genki Rockets). É certo que há laivos da sobriedade críptica e alucinatória do seu antecessor, mas são raros, inconsequentes e não encaixam no tom geral da obra, muito mais próximo da inconsequência de um “lumines”, que da dimensão espiritual a que almeja. e ainda

que se mantenha o vanguardismo formal no design audiovisual, este está de tal forma contaminado pela fetichização sacarina que se quebra qualquer ilusão de expressão artística. no fundo, falta sofisticação: “eden” é superficial e roça a vulgaridade, incorporando na sua concepção as baixas expectativas de um público que vai nas modas dos kinects e moves. Chega-se ao cúmulo de tornar claro o contexto ficcional que dá sentido à paisagística expressionista abstracta, numa sequência introdutória que não passa de uma barragem de texto seco e descarnado (não fosse a pequenada ter dúvidas sobre o significado das corzinhas bonitas). “eden” é uma trip new-age cor-derosa simpática para um público juvenil, e nada mais. Concedemos que esta degradação do imaginário nipónico, agora tornado caricatura grotesca de si mesmo, não é singular. Um vislumbre pelas mais recentes obras de mikami, suda ou kojima, faz-nos pensar que, mesmo com todos os seus defeitos, “Child of eden” consegue ser uma referência, senão do bom gosto, pelo menos de elegância e excelência no artifício. não é nenhum paraíso, mas está bem longe do inferno dos blockbusters ocidentais. Rui CRaveiRinha


16 | a cabra | 2 de maio de 2012 | Terça-feira

solTas

ana moRais

Uma ideia para o ensino sUperior João Carlos marqUes • presidenTe da Comissão de reesTrUTUração dos saberes do CG da UC

Tomai e Comei

Otimizar e rentabilizar a utilizaçãO dOs meiOs analíticOs das universidades

ViaGem à Índia por 2,40 eUros

Para quem, como eu, não tem à sua frente tempos fáceis, a alternativa mais barata passa mesmo por fazer uma refeição nas cantinas, com o prato social das Amarelas a ser a melhor sugestão. Contudo, para quem, como eu, não tem as favas com chouriço como “prato favorito”, as vegetarianas são, assim, a melhor opção. Dirijo-me então para a fila escondida dos que se regozijam apenas com as proteínas vegetais (que em situações de pressa acaba por ser mesmo das melhores opções, visto que são menos os que por aqui almoçam). Com a aproximação, o cheiro já deixa adivinhar o prato que me espera. Neste momento viajo para a multicultural Índia. As conquistas portuguesas do século XVI perpetuam-se ainda hoje. As especiarias típicas do médio oriente dão um toque internacional à cantina. O aroma a caril que se sente no ar é comprovado pela cor amarela que pinta os pratos dos que já se deliciam. Na fila peço “Soja de Caril, por favor”, e sou correspondida com um sorriso maternal. “Salada?”, pergunta o mesmo sorriso. “Sim, um pouco de tudo.” Mas reparo que esse tudo se reduz a alface e cenoura. A oferta colorida e anteriormente preenchida por tomate, couve roxa, ou até nabo, já não se nota mais. Serão os cortes tecnocratas da nova administração? Voltando à soja de caril. Acompanhada por um arroz branco que não perdia se tivesse cozido mais três minutinhos, o molho de especiarias apresenta-se bem equilibrado, com um travo final adocicado e, ao mesmo tempo, picante. A textura da soja permite absorver o caril, prolongando o sabor da especiaria no paladar. Ah, e não esquecer a sopa e a fruta. Que para os que não vão a casa da mamã há algum tempo, se revelam fundamentais para a manutenção de uma alimentação saudável. Convencidos? Uma viagem à Índia por 2,40 euros… Nada mau.

Por Ana Morais

As universidades portuguesas tiveram razoáveis oportunidades de reequipar-se cientificamente, nomeadamente no que respeita à sua capacidade analítica. No entanto, apesar de alguns dos equipamentos mais pesados adquiridos terem sido integrados em redes nacionais, pode dizer-se, em termos gerais, que a utilização dos instrumentos científicos a nível nacional não é optimizada nem bem rentabilizada. Pode até ocorrer, como já ocorreu, que equipamentos científicos caros se tornem obsoletos antes de terem sido utilizados de forma efetiva. Críticas recaíram sobre desorganização das instituições e as “quintas”, que sem dúvida terão contribuído para tal. Encerremos no entanto esse parágrafo e olhemos para o futuro. Tomemos como exemplo a Universidade de Coimbra. Existem na nossa universidade bastantes equipamentos analíticos pesados, cujo funcionamento é assegurado pelos grupos de investigação que os adquiriram. Seja qual for o modelo o modelo de gestão, operação e manutenção destes equipamentos, torna-se óbvio que, na maioria dos casos, não é o ideal para otimizar a sua utilização por todos os potenciais interessados nos resultados que com eles podem ser obtidos. Sem pretender por em causa os direitos dos grupos de investigadores que se esforçaram por adquirir e trazer estes equipamentos para a

Uma separação • TaGV • 9 de abril

Q

ção de “Plataformas Tecnológicas Comuns”, onde são instalados equipamentos adquiridos por diferentes grupos de investigação. Estes são geridos de forma comum, envolvendo a participação de quem os adquiriu, com optimização de utilização e custos e vantagens inegáveis para toda a comunidade científica, além de uma maior oferta da universidade para o exterior. A Universidade de Coimbra, para melhor se afirmar e projetar o futuro, não poderá deixar de refletir sobre a melhor forma de organizar a utilização e oferta da sua capacidade analítica em moldes mais institucionais, podendo eventualmente o Instituto de Investigação Interdisciplinar (III) jogar aí um papel relevante.

arTe.ponTo

a nãO música dO médiO Oriente uem nunca ouviu falar de separações de pais? É o bife da casa mais contemporâneo que há e, verdade seja dita, chega a enjoar, com os molhos dos traumas dos miúdos. Mas nos filmes, como em tudo o que existe, há que saber pegar pela ponta certa e dar à luz o banal com a naturalidade do artista que sente. Câmara em riste, as cenas fluem por diálogos pouco presos, pausados, falados, pausados, abertos, pausados, certeiros e livres, entre o início e o fim e a paisagem citadina, nervosa, do Irão. Não se pretende contar o fim, mas conte-se, pelo menos, o início. Do fim. A primeira aparição de música acontece no ultimíssimo segundo, quando uma das personagens centrais, criança de doze anos, está sentada, sozinha, numa cadeira, à espera dos pais. Até lá, senta-se o espectador, que dificilmente se levantará à procura dela. Não se dá pela falta.

Universidade, acho que não será controverso concluir o seguinte: a) os detentores dos equipamentos, nomeadamente na actual situação do país, enfrentam dificuldades para garantir a manutenção destes e o pagamento a técnicos qualificados que os operem; b) o acesso aos equipamentos por parte da comunidade científica da Universidade de Coimbra, nomeadamente para desenvolvimento de projetos de investigação financiados, é pouco organizado, por vezes muito confuso, o que resulta numa evidente perda para os detentores dos equipamentos e para os que da existência destes poderiam beneficiar; c) a oferta de serviços para o exterior resulta frequentemente dificultada e pouco rotinada; d) por estas razões, os equipamentos, em muitos casos, não chegam a funcionar em pleno durante o seu período de vida útil. Este problema foi já razoavelmente resolvido em diversas universidades estrangeiras, de dimensão até inferior à nossa, através da cria-

D.R.

Porém, com ou sem música, a gente senta-se no TAGV, e vê. Há a história da mãe, que quer sair do Irão e levar a filha; há a história do pai, exemplo dos valores morais (que sofrem hecatombes e cambalhotas que os retorna ao posto do certo), que quer ficar para poder tratar do seu progenitor, doente de Alzheimer; e há a filha, que não sabe nada e é quem mais sabe. Pelo meio, uma empregada doméstica aparece em pezinhos de lã e burca preta para se transformar no centro da trama. Discreta e matreira, parte o canastro das expectativas, enquanto o seu esposo prefere partilo às outras personagens. No fundo, é isto: a mãe, num Irão cumpridor dos bons preconceitos do ocidente, sai de casa para viver com os pais, e o marido resolve contratar uma mulher para tratar do seu ente mais velho. No meio, a filha aconselha. E espera. Espera-se, logo de início, que o filme seja bom, quando olhamos para a

mediação feita pelo juiz do conservatório matrimonial, entre marido e mulher. - Porque querem o divórcio? – pergunta. E aí começa. Espera-se que o filme seja bom e diz-se que os filmes bons não precisam de música. (Nem de aplausos, como os poucos que se fizeram ouvir ao realizador iraniano Asghar Farhadi, aquando da atribuição do Oscar para melhor filme estrangeiro da academia.). Perdem-se filhos e perdem-se pais, num filme em que se perde também a música. Mas não se perde o leitor, que fica sentado a ver. Bifinho para o jantar das 21h30 de 9 de Abril, segunda-feira. E não era enjoativo. Além do Oscar para Melhor Filme de Língua Estrangeira, em 2012, o filme venceu também o Urso de Ouro e os prémios de melhor ator e melhor atriz, no Festival de Berlim de 2011. Por Amélia Ramalho


2 de maio de 2012 | Terça-feira | a

cabra | 17

solTas redação

miCro-ConTo

por luís mourão

P

ara o Mário Henrique Leiria que fazia este ano 89 anos, como prova de que às vezes vale mais bem morto que mal vivo. Imaginem dois pequenos jardins frente a duas casas que há muito tempo foram iguais ou quase iguais. Tinham portas e janelas iguais e o mesmo espaço, cá fora. Mas, tudo isso foi há muito tempo. Agora a casa do senhor Óscar é o espelho do senhor Óscar, na sua arrumação, nos cuidados que dispensa às suas coisas e às suas flores. Agora a casa do senhor Roberto é o espelho do senhor Roberto, na sua desarrumação, na inquietação permanente que o anima, nas pilhas de ferro velho que acumula e mais dia, menos dia vai arranjar. A banca de trabalho do senhor Roberto é o seu mundo. O senhor Roberto espera o senhor Óscar no portão do seu jardim. Esteve a chover torrencialmente e talvez volte a chover daqui a um bocadinho mas no preciso instante em que o senhor Óscar se aproxima nem uma pinga cai do céu. “Boa tarde, senhor Óscar. Estava à sua espera para lhe dizer que mudei de profissão. Por enquanto sou canalizador. Se precisar de arranjar algum cano, já sabe.” “Empregou-se, senhor Roberto? Isso é uma novidade fantástica.” “Pois é. Mas, não me empreguei. Mudei de profissão. Ontem era eletricista desempregado e hoje sou canalizador desempregado. É

muito diferente.” “Não vejo grande diferença, senhor Roberto.” “Não vê? Ontem era eletricista, hoje sou canalizador e você não vê a diferença? Tem canos para arranjar?” “Acho que não. Tenho um rádio.” Roberto encostou-se melhor ao portão e procurou qualquer coisa no bolso antes de responder: “Um rádio? Os canalizadores não arranjam rádios, sen h o r Óscar.” Óscar, n ã o conse-

guiu evitar um ténue tremor de admiração. Cambaleou até, ligeiramente, enquanto procurava uma resposta que o satisfizesse mas desistiu antes mesmo de Roberto levantar os olhos. Mesmo após tantos anos juntos, Roberto, mantinha intacta a sua capacidade de o surpreender. “Ainda ontem respondi por si a um anúncio em que pediam eletricistas”, murmurou. Roberto sacudiu a cabeça. Aproximou-se de uma pilha de canos de todos os tamanhos e feitios e, sem critério aparente, escolheu dois que tentou ligar sem habilidade nem grande esforço. Desistiu com alívio. “Obrigado, ainda assim. Julga que lhe vão responder? Sabe quantas cartas já escrevi sem receber nenhuma resposta?” Roberto tira do bolso um papel sebento, muitas vezes dobrado e desdobrado. “Trezentas e vinte e quatro mil e setecentas e trinta e oito. Você escreveu uma e pensa que lhe vão responder? Aposto que não lhe respondem. Além disso eu sou canalizador.” “Ontem era eletricista.” “Pois era. Eles não precisam de canalizadores? E mergulhadores?” “Não sei. Pediam eletricistas.” “É pena. Para a semana vou ser mergulhador.”

monUmenTais panados soCiais

“O que é que lhe deu, senhor Roberto? Durante quinze anos foi eletricista desempregado e de repente, quê?” Roberto olha fixamente Óscar. Está claramente impressionado com o rosto congestionado do outro e a forma, sempre deliciosa, como abana desordenadamente os dedos sem mexer os braços ou as mãos. Para Roberto, Óscar, será sempre uma inesgotável fonte de fascínio. “Quando for mergulhador levo-o a ver o fundo do mar, quer?” “Do que é que está a falar?” “Do fundo do mar. Dizem que o fundo do mar é a coisa mais linda do mundo. Ouvi no rádio.” “Não me parece. Eu sou um gestor hospitalar desempregado que faz biscates de contabilidade e não consigo pensar em ninguém mais distante do fundo do mar do que nós, senhor Roberto.” Roberto olhou de novo os dedos impacientes de Óscar e perguntouse pela milionésima vez se aquele fenómeno de inquietação teria efeitos secundários para quem olha. “Ah! Mesmo assim se quiser levo-o, senhor Óscar. Ao fundo do mar.” Óscar fechou o portão. Ignorou os canteiros carinhosamente tratados e mesmo as frísias que tinham nascido nessa manhã. Traçou uma linha reta imaginária até à porta da casa e deu um passo, “Quando for mergulhador?”, atirou sorrindo. “Claro. Para ir ao fundo do mar o mais seguro é ir com um mergulhador.”

Luís Mourão “A vida é generosa porque nos permite também amar sem conhecer, ou pelo menos sem a consciência e o esforço realmente teórico de conhecer”. Luís Mourão escrevera assim sobre a pureza das árvores. Doutorado em Literatura Portuguesa do século XX, é coordenador da Escola superior de Educação de Viana do Castelo. Ama a natureza, e por isso veleja pelas suas profundezas. A teoria das salas de aula é relegada quando inicia o exercício narrativo. Experimenta a dramaturgia com a peça “Namanha Makbunhe”, onde o MacBeth de shakespeare é transposto para uma lógica africana sem olhar a restrições da época vitoriana. A vida continua a ser generosa para Luís. um dos seus livros está inserido no Plano Nacional de Leitura por correlacionar o universo, a física e a ciência - transformando-o num bom suporte de apoio aos temas científicos. Atende às singularidades do quotidiano em forma de um blogue malhado onde disserta sobre um tudo ou um quase nada que lhe assome à mente. Lá junta adendas sobre coisas que o instiguem como a Literatura que lhe preenche os dias.

Liliana Cunha

Corações d’aTUm

por doutorando paulo Fernando • facebook.com/paulofernandophd

U

ma Associação Académica de Coimbra (AAC) que pulsa, na voz do nosso reitor João Gabriel Silva! Se ainda não é um fenómeno do youtube, certamente o será depois desta crónica! Uma agradável surpresa, depois do secretário poeta, o reitor poeta. Poesia partilhada no youtube no canal da AAC, no fim de contas, na voz de quem manda nisto. Bela maneira de comemorar os 125 azul da AAC (lá iremos na devida crónica). Em quatro versos apenas o nosso reitor explica-nos que a razão dos nossos problemas deriva do nosso carácter piegas, e que a solução está nas nossas mãos, colocando mais pressão do nosso lado que sente o Organismo Autónomo de Futebol quase a tombar de divisão. Sejamos então o esteio, o pilar desta sociedade, a semente desse Portugal porvir. E em breve vamos regar abundantemente a semente com cerveja e outras bebidas

espirituosas durante uma semana, dando sustento a uma tradição de redes de clientelismo, disseminando a alienação e o consumismo, pelo culto do excesso e da relativização moral. A grande dúvida que permanece é se a semente já medrou e se é também daqui que saiu esta erva daninha que conduziu o país a este destino. Sobre as responsabilidades da AAC não se faz poesia. Mas deixemo-nos de falsas superioridades morais – brace yourselves Queima das Fitas is coming. O bom velho doutorando está deveras entusiasmado por poder rever velhos amigos, também conhecidos pelas suas capacidades métricas, como o Quim Barreiros, os Hi-Fi, o Sistema Sonoro daqueles indivíduos de uma freguesia da Amadora, ou os dj’s mega coiso e tal. Em equipa que ganha não se mexe! O resto dos nomes podem ser encontrados em apenas mais sete ou oito festas académicas de norte a sul do país, regiões autó-

D.R.

nomas e territórios ultramarinos, sendo por isso de aproveitar esta oportunidade fantástica de assistir a estes concertos despendendo apenas quantias modicamente inflacionadas – tipo o passe do Cardozo quando esteve para ir para o Shaktar, ou meio plantel do Sporting este ano. Novidade é o facto de o Palco RUC já não ser super-interes-

sante - pode ser resultado das contingências orçamentais. Parece que tem lá alguns dj’s que têm quase tantas queimas como os Xutos. Já o Manuel João Vieira, depois de aparecer nos anúncios da caridadezinha, vai animar o Chá D’ançãnte – ou seja, não se dá ao lixo, mas dá-se ao luxo – um dadaísmo catita. Diz-se também que ao palco

principal vem um daqueles dj’s internacionais famosos, com lasers e tudo, mas pode ser que seja só dj-set ou que à última decida não pôr cá os pés – na dúvida oiçam os últimos álbuns do David Fonseca (se conseguirem)! Dos trâmites legais já sabem que não podem levar bebidas para dentro do recinto, e objectos cortantes com dimensão inferior a 15 centímetros de lâmina. Ainda a respeito da Queima, só mais um reparo. O cortejo dos pequenitos parte-me o coração… sinceramente, estão a criar expectativas naquelas crianças que tenho as minhas dúvidas que possam ser concretizadas no futuro. Sair à rua de capa de zorro e a cartola like a sir só faz sentido se na altura ainda existir ensino superior, e a esta distância quem é que o pode garantir? Bem haja e divirtam-se.


18 | a cabra | 2 de maio de 2012 | Terça-feira

opinião Cartas ao Diretor toDos juntos: uma alternativa para a aCção Fae - Frente De aCção estuDantil

É essencial trabalharmos num projecto para a aaC que una aaCção, alternativa És tu! e Fae numa lista forte de mudança. juntos, podemos ser alternativa real e atrair sobretudo estudantes independentes.”

Cortes, propinas, abandono: o ensino superior está à beira do precipício. Por isso, dirigimo-nos a todos os que dão voz à indignação estudantil, especialmente àqueles com quem mais temos convergido: os coletivos A Alternativa És Tu! e AACção. As notícias não são boas: a recusa de 40% das bolsas; cortes que levam à falta de professores, turmas demasiado grandes, fim da avaliação contínua; caos nas secretarias; encerramento de cantinas; aumento das propinas; a incerteza que cada um de nós tem sobre se continua no ensino. Mais de 8 mil alunos já abandonaram o ensino superior este ano. E o desemprego jovem é de 35 por cento. Destroem-nos o futuro e dãonos como única solução a emigração. A AAC não pode ficar parada. Não queremos lutar por lutar, mas para obter resultados: impedir que fechem mais cantinas ou que cortem mais bolsas, por exemplo. E porque é que até agora ainda não vimos resultados? O que tem feito a DG? Para nós, a DG faz parte do problema e não da solução. Exemplo disso é a aceitação serena (que a DG

mostrou na última Assembleia Magna ou na entrevista do Ricardo Morgado ao Jornal A Cabra) do fecho de uma ou mais cantinas. Outra visão têm colectivos como a Alternativa És Tu!, o AACção e a FAE: repúdio pelo fecho das cantinas e pela aceitação da DG, e a vontade de que os estudantes a respondam à altura. Quem fala de cantinas fala de um maior número de bolsas disponíveis ou que nenhum estudante tenha de abandonar o ensino. Não deixaremos que o Luto Académico de 69 ou a luta contra as propinas tenham sido em vão. Quem partilha desta visão tem de ser unir, para mudarmos de rumo. Que queremos dizer com unidade? Achamos que é preciso unir núcleos, coletivos, secções e qualquer estudante disposto a lutar pelo seu futuro. Por isso, dirigimo-nos a quem o tem feito: A Alternativa És Tu! e o AACção. Estando o Governo unido para cortar na educação, urge união para o impedir. Mas impedi-lo sem mudar a AAC é impossível, é preciso resgatá-la das mãos de DG’s que ligam mais ao Bar dos Jardins que à defesa dos estu-

dantes. Só sendo uma alternativa coerente podemos ser uma ferramenta de luta. Como ser uma alternativa à DG? É nesta altura que os projectos sólidos para as DG’s começam a ser preparados. Nos últimos anos, a FAE, o AACção e a Alternativa És Tu! apresentam-se divididos em eleições. E esse é o maior favor que podemos fazer às DG’s de sempre e a quem destrói o ensino, e o maior desfavor que podemos fazer à AAC. É essencial trabalharmos num projecto para a AAC que una AACção, Alternativa És Tu! e FAE numa lista forte de mudança. Juntos, podemos ser alternativa real e atrair sobretudo estudantes independentes. Admiramos o esforço unitário que o AACção fez para as eleições do NED, é um exemplo para levar mais longe. Unidos podemos dar uma pedrada no charco e chegar a uma segunda volta nas eleições para a DG. Os colegas da Alternativa És Tu! dizem, com razão, que “a unidade constrói-se consciencializando e apoiando as lutas concretas”. Por isso, propomos também que realizemos juntos uma campanha contra o encerramento de cantinas,

a capacidade de sonhar, de criticar, de argumentar. As escolas são autênticos mecanismos de controlo social igual a qualquer outra instituição ou serviço pertencente ao estado. Demasiado enfase é dado ao aspeto da avaliação, passar ou chumbar são parâmetros definidos, em que errar é visto como uma falha e não como uma forma de melhorar. A chave para a transformação da educação não consiste em padronizala, mas personalizá-la, no descobrir de talentos individuais de cada criança, colocando os alunos num ambiente onde eles querem aprender e onde podem naturalmente descobrir as suas verdadeiras paixões. O ensino deve deixar de ser sobre questões para um ensino com base em respostas. O envolvimento externo de cada aluno deve ser tido em conta, devemos centrar-nos nas dificuldades individuais dos alunos, nas suas características peculiares e acrescentar aquilo que lhe falta para

se tornar completo. A capacidade profissional deve ser tida em conta, a exigência em cada grau académico deve ser aumentada, os professores devem ser convidados a inovar, investigar, experimentar, procurar adquirir um maior conhecimento, não em termos informacional, mas comportamental, tornando-os mais capazes de modificar o sistema de ensino atual. Os professores devem ser o princípio desta transformação. *Licenciado em Ciências do Desporto, Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física de Coimbra

mobilizando e consciencializando os estudantes. Será uma oportunidade para aprender a agir unidos e mostrar que é possível quebrar esse tabu. Esta unidade não implica a perda de identidade de cada colectivo, é uma união onde as actividades e ideias são discutidas em conjunto para que as acções tenham impacto e o nosso esforço tenha resultados que qualquer colega sinta. Mobilizar a AAC e impedir o fecho de mais cantinas está ao nosso alcance! A unidade não pode ser vista como uma ameaça, antes pelo contrário. Unirmo-nos pelo nosso futuro é um rasgo de esperança no meio de tanta austeridade. É tempo de altruísmo e de mudança. Consegui-lo-emos se trabalharmos abertamente em prol de um ensino de qualidade, gratuito e para todos. Nesse sentido, durante este mês iremos entrar em contacto com a Alternativa És Tu! e com o AACção, pois não há tempo a perder! Contamos com abertura e diálogo!

Cartas ao Diretor Carlos Carvalhinho* A sociedade atual caracteriza-se pelo individualismo, a competitividade, o materialismo, o consumismo, a degradação do meio ambiente, a ignorância, a superficialidade e a passividade política das pessoas. A educação deve procurar a modificação desta sociedade, convertendo-a em algo menos individualista e competitiva, dando mais ênfase à cooperação entre as pessoas, envolvendo-as na melhoria da qualidade de vida de todos. Cada vez existe uma maior busca pela educação, pelo ensino, incutida pelos nossos governos. Este fenómeno é visível no aumento ao longo dos últimos anos da escolaridade obrigatória. Mas será esta educação a correta? Será que as medidas políticas exigidas pelo estado são as adequadas para a construção de um cidadão ativo, produtivo e critico na sua sociedade. A imagem de um país espelha-se na sua educação, sendo esta utilizada

pelos governos na negociação de orçamentos com mercados externos, nas suas conferências internacionais, na criação e implementação de novas leis. Cada vez mais o Estado procura apresentar resultados, que estes sejam satisfatórios para confirmar que o seu país é melhor que os outros, que vale a pena confiar nele. Mas é essa palavra “resultados” que influência tudo. A escola procura resultados, levando a criação de uma educação padronizada, em que o sucesso coletivo é o dominante. A educação de hoje prepara os jovens, não para o futuro, mas para o passado. A ideia de conclusão de estudos é sinonimo de emprego garantido, como acontecia há 20 anos. O aluno limita-se a ser uma máquina que decora, fixa, grava na sua memória todo este conhecimento e debitao quando lhe é pedido. É um sistema de ensino que mata a criatividade, a imaginação ou mesmo

A Cabra errou: Na edição 244, no artigo “Contimuidade das repúblicas em causa”, onde se lê “República Prá-Kis-Tão” deve ler-se “República Prá-Kys-Tão”. Aos lesados, as nossas sinceras desculpas.

Cartas ao diretor podem ser enviadas para

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2 de maio de 2012 | Terça-feira | a

cabra | 19

opinião 1.º De maio, FeriaDo

(inter)naCional joão leal amaDo**

Feriados são dias em que, pelo seu especial significado simbólico, se comemoram determinados acontecimentos com projecção nacional (ou até, em certos casos, internacional). É o que sucede com o dia 1 de Maio, que assinala o Dia do Trabalhador, evocando uma célebre manifestação ocorrida em Chicago, onde, no dia 1.º de Maio de 1886, cerca de 500 mil trabalhadores saíram à rua, exigindo a redução da jornada para 8 horas de trabalho. A polícia reprimiu a manifestação e dispersou a concentração, depois de ferir e matar dezenas de operários. Pergunta-se: fará sentido, em pleno séc. XXI, comemorar o 1.º de Maio, recordando lutas travadas no séc. XIX? A resposta não pode deixar de ser afirmativa. Com efeito, vivemos, ainda hoje, numa sociedade fundada no trabalho. O trabalho surge, diz-se, como a própria essência do homem, como um meio de realização pessoal e de expressão de si, como um indispensável meio de aumentar a riqueza geral e de obter rendimentos para o indivíduo que o presta. O trabalho consome grande parte da nossa existência, é um factor de consideração social e confere-nos um determinado estatuto económico. Dizem alguns, com razão, que nós somos muito mais do que o nosso trabalho, mas também não falta quem sustente que, em boa medida, nós somos o emprego que temos. O que vem de ser dito constitui uma verdade insofismável. Mas também não deixa de ser verdade

que o trabalho perdeu, nos últimos anos, alguma da centralidade social que antes detinha. Ora, Portugal, segundo se lê no art. 1.º da Constituição, “é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Todavia, quase quatro décadas volvidas sobre a Revolução de Abril, duas palavras fortes pautam o nosso quotidiano laboral, com particular incidência nos jovens: Desemprego e Precariedade. Hoje, em tempos de crise e de “modernidade líquida”, o trabalho escasseia e aquele que existe é marcadamente precário

o trabalho perdeu, nos últimos anos, alguma da centralidade social que antes detinha”

(contratos a prazo, trabalho temporário, “falsos recibos verdes”, etc.). Algo está mal, algo tem de mudar. Valter Hugo Mãe escreveu, coberto de razão: “a decência laboral é uma pedra de toque para a sociedade. Nenhuma estruturação pode ser conseguida se não se dignificar o trabalho e os trabalhadores”. 1.º de Maio, uma comemoração datada, antiquada, ultrapassada? Há, decerto, quem defenda esta tese. Talvez aqueles que, em pleno séc. XXI, sonham com um regresso aos “bons tempos” do séc. XIX…

**Docente de Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

eDitorial temos que DesenColher os ombros

C

omemora-se o Dia do Trabalhador, mas muitos dos que o personificam estão longe de o poder celebrar na sua plenitude. Não podem. Têm que trabalhar. Nesse dia ou noutro qualquer. Têm que trabalhar. Têm. Uma obrigação. Não há cá devoção, realização ou gozo. Há um ter profundo. Um ter que acordar cedo para trabalhar e um ter que se deitar quando já parece demasiado tarde para o fazer. Respirase quando dá jeito, numa conversa fugidia com um colega, num almoço que enche o estômago mas que não esvazia cansaço algum ou num final de trabalho que é mais alívio de bexiga que outra coisa qualquer. Nesta edição fomos à procura dos rostos e das suas histórias. E, apesar de alguns escapulirem sorrisos nas suas narrativas, a súmula é de homens e mulheres que se lamentam de sonhos de pequenos que por lá ficaram, de trabalhos que têm porque têm que os ter. Sobrevive-se porque se tem que sobreviver e a única forma é a trabalhar, goste-se do trabalho ou não. E o que é o trabalho, perguntámos nós. Para grande parte da gente mais velha que depois da 4ª classe já fingia ser homem é uma obrigação - o sustento. Não houve alternativa, que as esperanças tinham pernas cortadas. Os novos, apesar de assentes na expectativa de um trabalho que gostavam de ter, já aceitam qualquer coisa para aguentar com uma vida que tem preços e empréstimos.

homens e mulheres que se lamentam de sonhos de pequenos que por lá ficaram, de trabalhos que têm, porque têm que os ter. sobrevive-se porque se tem que sobreviver e a única forma é a trabalhar, goste-se do trabalho ou não” A situação agora é diferente do trabalho de ontem, mas parece que os sonhos vendidos em forma de curso rotulado e agraciado já não vêm em encomenda para Portugal. Há que ir buscá-los lá fora, e mesmo lá fora há quem não os encontre. Trabalha-se, pois então. No que aparecer. E quem por cá fica, se puder, pede um trabalho perto de casa dos pais, que são obrigados a serem amas até mais tarde, ainda a embalar quimeras que já tremem por todos os lados. Encontramos em Portugal o trabalho como um ter. Não se é empregado de mesa. Tem que se ser empregado de mesa, que não se pode tentar outro trabalho. E depois há uma família, ou um carro ou uma casa para pagar, ou filhos ou um subsídio que não veio. Vai-se habituando ao trabalho, ao ordenado e fica o medo (e com razão) de procurar outro. Nas conversas à volta do trabalho a obrigação surge entrecortada com o “gosto mais ou menos”, no meio de tantos vai-se trabalhando, como se vai andando, como se vai vivendo. Naquele jeito de ombros encolhidos que têm medo de desencolher. A vida é assim. E por cá andamos, nem felizes nem tristes. O 1º de maio ainda não chegou. Está lá para outra estação do ano, uma que ainda se há de inventar, com um outro Abril, daquele não vem nas comemorações. Mas para quando dizer o adeus a esse ter profundo e triste de gente agrilhoada a uma coisa que não é trabalho, é método de sobrevivência? Temos que desencolher os ombros. Temos.

João Gaspar

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Projeto BeFree

A equipa BeFree destoa pela firmeza como tem agarrado as oportunidades. Ao desenvolver um produto destinado a pessoas com mobilidade reduzida, seja um brinquedo, um controlo remoto ou uma alternativa para enviar e receber mensagens, os cinco estudantes apresentam uma preocupação pela inclusão social, recusando o pressuposto de que ter necessidades especiais seja sinónimo de poder pagar mais por simples adaptações. Estes alunos querem um negócio sustentável sem nunca excluir o objetivo principal: proporcionar melhores condições de vida à sociedade. F.F.

Desporto Universitário

O desporto universitário de Coimbra voltou a mostrar o seu potencial, desta feita nos CNU’s do Minho, ao conquistar medalhas de ouro no futsal e râguebi femininos e no voleibol masculino. E é desta forma que Hugo Rodrigues, coordenador geral do desporto universitário da AAC, salienta a hegemonia que tem sido demonstrada pelos atletas que representam a UC nos últimos anos. A Académica disputou dez das onze modalidades que a Universidade do Minho levou a competição. De sublinhar é ainda a preponderância das secções desportivas da AAC, uma vez que a grande maioria dos atletas provêm delas. F.S.P.

Câmara Municipal de Coimbra

2011 foi um dos anos em que o estado financeiro do país se revelou mais lamentável. A CMC conseguiu fechar as suas contas com um lucro que ronda os quatro mil euros; no entanto este número pode enganar, visto que se mostra apenas como um indicador financeiro e não como um número real. Todavia, para este lucro ser obtido foi necessária uma política de cortes, sobretudo humanos, que é de lamentar. No fim de contas, regista-se que o executivo camarário mostra a preocupação de aplicar este lucro na ação social. É bom que assim seja, uma vez que tais políticas se pretendem cada vez mais numa ação municipal – a aposta no apoio de proximidade aos locais. A.M.

O OpiáriO dO pOvO por Inês AmAdo dA sIlvA

200 x 100 Em qualquer lugar, um canto de café aconchegante. “Era um café, por favor” - o pretexto de sociabilidade mais barato. As frases dos pacotes de açúcar, vazias, de quem não sabe que “um dia” não trará nada. Espero o café. “Deixe-me estar aqui nesta cadeira/ Até virem meter-me no caixão”. Um luxo - que hoje ao pobre não é dada autorização para os pequenos luxos: os cigarros. Os pensamentos esfumam-se de vazios, morremos tristes como cinza. Conto os trocos, mas preciso do café. “Sou um convalescente do Momento”. “E caí no ópio como numa vala”. Faz-se contas à vida e dão-se pequenas e muitas voltas, redondas como os trocos, que acabam em nada. O café e os cigarros ajudam a passar pelos dias. Porque o café tem pessoas, e o isqueiro aquece. Seca-me a boca. Secam-me os bolsos e o ar é seco como fumo. Afinal, “Nunca fiz mais do que fumar a vida”.


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