Edição 289 Jornal Universitário de Coimbra - A Cabra

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acabra

17 DE ABRIL DE 2018 ANO XXVIII Nº289 GRATUITO PERIÓDICO DIRETOR CARLOS ALMEIDA EDITORES EXECUTIVOS LUÍS ALMEIDA E PEDRO DINIS SILVA

JORNAL UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA

Garraiada: os 116 anos da tradição acabada pela voz estudantil Várias entidades refletem sobre o passado e consequências do fim da corrida dos garraios. Possíveis alternativas estão agora em cima da mesa. PÁG. 3

MARTA EMAUZ SILVA

ENSINO

DESPORTO CULTURA

CIÊNCIA

CIDADE

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Comissão Disciplinar vai investigar anomalias nos relatórios das duas últimas edições da Queima das Fitas. Resultados não correspondem a comprovativos bancários desde 2009

Constante mudança de treinador pode ter im­ pacto no desempenho da Académica. Entrada de novo técnico em fim de época torna mais de­­­­­­­­­­­­­­­sa­­­­­­­­­­ fiante subida de divisão

Estruturas teatrais de Coimbra manifestam-se sobre a falta de apoio financeiro por parte da DGArtes. Discussão ­ainda não tem uma solução conclusiva

Perturbações do Espec­ tro do Autismo estuda­ das em mini-cérebros por e­qui­pa do CNC. Sintomas do distúrbio começam a manifestar-se durante ­­a ­infância

Com aumento do turis­ mo, alguns edifícios da Baixa estão a ser recu­ perados para Alojamen­ to Local. Novas regras do arrendamento causam saída de residentes


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CONTAS DA QUEIMA DAS FITAS DE 2017 REPROVADAS PELO CONSELHO FISCAL

Violações estatutárias vão ser investigadas pela Comissão Disciplinar. Desde 2009 que resultados apresentados não correspondem aos comprovativos bancários existentes - POR GABRIELA MOORE -

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Relatório Anual e Contas da Queima das Fitas (QF) 2017 foi chumbado pelo Conselho Fiscal da Associação Académica de Coimbra (CF/ AAC) devido a discrepâncias entre os valores apresentados e os apurados. O parecer final foi assinado no último dia de mandato do antigo Conselho­­­Fiscal e a análise foi remetida para a Comissão Disciplinar, para esta poder investigar os indícios de violações estatutárias encontradas pelo CF/AAC. Ao contrário do ocorrido na edição de 2016, este relatório, a pedido do CF/AAC, foi analisado de maneira mais “profunda e séria” pelo Conselho Geral da QF, segundo o ex-presidente do CF/AAC, Eric Jorge. O órgão tutelar da QF acabou por dar um parecer negativo ao documento antes de o passar para o Conselho Fiscal no dia 1 de março. De acordo com o tesoureiro da Direção-Geral da AAC, José Pedro Barge, também membro do Conselho Geral da QF, o “atraso significativo” na entrega do relatório por parte da Comissão Organizadora da QF e a deteção de algumas “anomalias” motivaram o parecer negativo do Conselho Geral. O secretário-geral das duas últimas edições da QF, Luís Lobo, afirmou que a demora na entrega do último relatório foi culpa da comissária da Tesouraria, Mónica Coelho. Esta assumiu que a respon­­ sabilidade da escrita do relatório era sua, mas esclareceu que “certas despesas e decisões” feitas sem o seu consentimento a impediram de elaborar o documento de forma correta. Deste modo, a ­tesoureira não entregou o relatório e este passou a ­estar ao encargo do secretário-geral. Luís Lobo desconhece as “decisões e despesas” a que a tesoureira se refere. O antigo secretário-geral conta que sempre esteve disponível para se reunir com ela e respondeu a todas as dúvidas que esta lhe enviou. Mónica Coelho não quis prestar mais declarações sobre o assunto. Luís Lobo confessa ter ficado “um pouco incrédulo” com o chumbo do documento. Depois do mesmo ter acontecido com o relatório da QF’16, sabia que “a responsabilidade era ainda maior” e reforça que

fez “de tudo para que o relatório de 2017 estivesse consoante aquilo que foi pedido pelo CF/AAC”. Eric Jorge admitiu que houve uma pequena melhoria no relatório de contas da QF’17, mas “face ao que se tinha pedido, e não há muito tempo”, esperava-se uma melhoria mais significativa. Porque é que o valor final do relatório é diferente do que o CF/AAC apura? Como foi explicado pelo seu ex-presidente, o Conselho Fiscal só “trabalha com o que pode ver”. Deste modo, para analisar os relatórios, procu­ raram-se documentos existentes junto dos serviços de Contabilidade, Tesouraria e Pessoal da AAC que pudessem comprovar os valores apresentados. Foi verificada a ausência de comprovativos de transferências bancárias, de entrada ou saída, e de contratos assinados. Devido a isto, o valor que o CF/ AAC conseguiu “ver e apurar” foi diferente do apresentado no relatório. Na edição de 2016, por exemplo, o primeiro relatório entregue ao CF/AAC apresentava como valor de saldo 178 mil euros. Porém, o que se conseguiu de facto contabilizar foi cerca de 90 mil euros. Eric Jorge relembra que o facto de o “mandato” do secretário-geral da QF ser de dois anos “não é por acaso”. É do conhecimento de todos que “é difícil para qualquer um assumir funções e conseguir ser bem-sucedido de imediato”. Neste contexto, consi­dera que o maior erro de Luís Lobo foi não ter aprendido com as falhas da primeira edição. O ex-presidente do CF/AAC considera, no entanto, que “se o relatório de 2016 tivesse sido apresentado mais cedo talvez os erros não se repetissem de forma tão assustadora”. Violações estatutárias e Comissão Disciplinar Qualquer ponto do Regulamento Interno da QF que não seja cumprido, “por menor que seja, deve ser levado a sério”, garante Eric Jorge. Os indícios de violações estatutárias encontrados pelo CF/AAC foram, em especial, em relação ao próprio Regula-

HUGO GUÍMARO

mento Interno da QF. O ex-presidente do Conselho Fiscal destacou que “custa perceber como não conseguem cumprir aquilo que eles próprios se comprometeram a fazer”, uma referência ao facto de o regulamento ser elaborado pela própria QF. Devido aos pareceres finais do CF/AAC em relação aos relatórios das QF’16 e QF’17 fazerem menção a tais indícios, a Comissão Disciplinar da AAC vai investigar as discrepâncias verificadas em ambos os documentos. O presidente da comissão, João Leão, afirmou que vão começar por conversar com as pessoas envolvidas para “perceber o que se ­­­­passou­­­­­­”. O presidente da Comissão Disciplinar enumerou­­­ os três cenários possíveis. No mais leve, pode perceber-se que “os erros foram apenas lapsos”. Se for entendido, no entanto, que é necessária uma sanção disciplinar, isso vai ser mencionado ao CF/AAC. Num cenário mais grave, o órgão pode entender­ que houve atitude dolosa e que esta foi grave a p ­ onto­­ de ser necessário não só transmitir a informação ao Conselho Fiscal como também a autoridades ­externas. Discrepâncias existem desde 2009 No parecer final sobre o relatório da QF’17, o CF/ AAC deu a conhecer que “os saldos apresentados e distribuídos pela QF, desde 2009, não cor­respondem à realidade dos comprovativos bancários existentes”. João Leão adiantou que vai fazer uma recomendação para que se “desconsidere a menção feita às edições anteriores nesse relatório”, já que “está fora da competência deste caso em concreto”, que é a análise das contas de 2016 e 2017. O presidente da Comissão Disciplinar relembrou também o princípio da segurança jurídica. Afirmou que é preciso mais do que a “mera aparência” para “passar por cima do despacho de um órgão fiscalizador da casa”, porque, dentro das suas competências, este “avaliou e aprovou as contas”. Se denúncias ou indícios mais fortes surgirem, o que não é o caso até agora, a Comissão Disciplinar pode decidir analisar as edições anteriores.


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DAS CORRIDAS DE GARRAIOS À ARENA VAZIA Tradição com 116 anos termina agora por vontade dos veteranos da academia de Coimbra. Novas atividades em vista para substituir o evento

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o passado, a Universidade de Coimbra (UC), como instituição que recebia pessoas de vários pontos do país, tinha estudantes ligados a zonas onde havia criação de raça brava. Isto, em conjunto com a tradição já patente no resto do país, levou a que o interesse pelas atividades tauromáquicas surgisse na academia. O dux veteranorum, João Luís Jesus, revela que “sempre houve ligação à tauromaquia e à criação de gado bravo no Baixo Mondego”. Realça ainda que “tudo o que existe à volta da universidade influencia aquilo que se passa dentro da comunidade académica”. No ano de 1902, um grupo de alunos de Direito decidiu organizar uma corrida de garraios para marcar o seu último ano. A iniciativa chamou a atenção dos restantes quartanistas e, nos anos que se seguiram, foram organizados espetáculos tauromáquicos em arenas que incluíam todos os estudantes. Assim nasceu a Garraiada. Com a forte adesão que houve a estas corridas, a Comissão Organizadora da Queima das Fitas (COQF) oficializou o evento na programação da mesma. Em 1932, aquilo que já era feito de forma autónoma, integrou-se de forma definitiva no programa da Queima das Fitas (QF). Do convívio à contestação João Luís Jesus recorda a Garraiada como um evento “irreverente e repleto de brincadeira”. Explica que esta manteve os mesmos moldes ao longo dos anos. O espetáculo inicia-se com a parada dos fitados pela arena, segue-se a atuação dos forcados e, por fim, a dita garraiada. Os que reúnam a condição de “candieiro fitado”, ou seja, portador de fitas desde o Cortejo da QF, têm acesso gratuito à arena. A novilhada popular, na qual os touros são espetados com bandarilhas e lidados por cavaleiros e forcados amadores, foi retirada em 2016. Nesta mesma altura, surgiram os recortadores, que se caracterizam por tourear somente com o corpo.

- POR MARINA FERREIRA, ANA LAGE E ANA SOFIA NETO -

O presidente da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra (AAEC), Américo Baptista dos Santos, conta que a Figueira da Foz, ponto de encontro das várias gerações, era considerada um “prolongamento da cidade dos estudantes” e chegou até a ser apelidada de Coimbra B. O Casino da Figueira acolhia também outros eventos relacionados com a QF. O comissário da Tradição da QF, Ricardo Gonçalves, recorda que o evento era marcado pelo “convívio, união e pela despedida dos finalistas, que abanavam as fitas”. A polícia era presença assídua perto da arena. Segundo o dux veteranorum, “a contestação à tauromaquia não é algo recente” e essa assiduidade garantia o direito às manifestações. O presidente da Direção-Geral da Associação Académica­­­de Coimbra (DG/AAC), Alexandre Amado, afirma que o “sofrimento do touro não é a única razão pela qual se acabou com a Garraiada”. Enumera várias outras razões, tais como a “falta de ligação cultural entre o evento e os membros da academia”, motivos financeiros e o facto de se tratar, na opinião de alguns estudantes, de um “espetáculo degradante e humilhante, ainda que o animal não seja ferido”. O poder da voz estudantil A importância que a posição do corpo estudantil tem nas decisões tomadas dentro da academia é unânime entre os dirigentes dos vários órgãos representativos. Como revela o presidente da DG/AAC, “a tradição só é académica enquanto os estudantes a quiserem e a aceitarem como sua”. Com o aumento da revolta estudantil em torno da Garraiada, a Comissão Central da QF levantou a possibilidade de terminar com o evento. Esta questão, levada ao Conselho Geral da QF, resultou na execução de um referendo consultivo. Surgiram desde logo movimentos a favor e contra a realização do evento, tanto dentro da aca­demia, como a nível nacional. A Garraiada estava na ordem do dia e o impacto mediático ­fez-se­­­­­­­

notar a vários níveis. Mais de cinco mil estudantes deslocaram-se até às urnas das respetivas faculdades da UC para fazerem ouvir a sua voz. Segundo Alexandre Amado, o número de eleitores “ficou um pouco aquém do esperado”. No entanto, considera que “muitas pessoas votaram num só dia e a decisão foi inequívoca e direta”. Após o referendo, a decisão final ficou a cargo do Conselho de Veteranos da UC (MCV). O resultado da reunião, oficializado pelo dux ve­ teranorum, surpreendeu a academia por não r­espeitar o veredito do referendo. João Luís Jesus explica que o MCV é uma assembleia composta por estudantes com estatuto de veteranos, de acordo com o Código da Praxe da UC. Qualquer pessoa detentora deste título pode participar no MCV. “Na primeira reunião, a opinião pessoal de alguns membros sobrepôs-se à de milhares de eleitores”, admite. De forma a respeitar o caráter democrático da academia, foi realizada uma segunda reunião, a 2 de abril, que marcou o término da Garraiada como evento oficial da QF. Terminou a Garraiada. E agora? O presidente da AAEC destaca a importância da conservação da herança que foi deixada à nova geração. Reitera a necessidade de se substituir o evento tauromáquico por uma outra atividade “igual ou melhor”. “A academia arranja sempre mecanismos para evoluir”, confessa o dux ve­ teranorum. Acredita que vai surgir algo capaz de preencher o dia, todavia alerta para o facto de uma tradição não se construir de forma repentina­­­­. “A AAC valoriza, em grande medida, a sua he­ rança e o seu património”, diz Alexandre Amado. No entanto, o presidente da DG/AAC conclui que estes valores só se conseguem manter se a comunidade académica assim o quiser. O comissário da Tradição da QF garante que “não perder a ligação com a Figueira da Foz é uma prioridade” e confidencia que está em vista alguma atividade que “agrade e orgulhe a academia”. JÉSSICA GONÇALVES


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TAGV PALCO DE MEMÓRIAS ACADÉMICAS Dia do Antigo Estudante de Coimbra deixa de ser uma “celebração móvel” para coincidir com a data da segunda Tomada da Bastilha. Sarau de Gala marcou o programa da cerimónia - POR BERNARDO ALMEIDA HENRIQUES E PAULA MARTINS PAULA MARTINS

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Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV) foi, no último sábado, dia 14 de abril, anfitrião das festividades relativas ao Dia do Antigo Estudante de Coimbra. No passado, a data assinalada variava no calendário mas, por decisão da Direção da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra (AAEC), convencionou-se que esta devia coincidir com a data da Tomada da Bastilha II, a 4 de abril de 1954. Todavia, por motivos de ordem logística, a iniciativa que simboliza a primeira edição desta comemoração não se pôde realizar no dia estipulado e teve de ser adiada. O presidente da AAEC, Américo Baptista dos Santos, explica que a instituição tem como objetivo “reunir os estudantes de todo o mundo, que tenham passado pela Escola de Coimbra, para criar laços de fraternidade e convivência”. Acrescenta ainda que “eventos como as Tomadas da Bastilha são fundamentais porque é preciso rememorar e conhecer a história”, acrescenta. O assalto ao Instituto de Coimbra Quer a Tomada da Bastilha I, a 25 de novembro de 1920, quer a Tomada da Bastilha II representam lutas estudantis pautadas pela reivindicação de locais dignos para sediar a Associação Académica de Coimbra (AAC). No que respeita à segunda, o episódio consistiu na ocupação das instalações do Instituto de Coimbra com o objetivo de as integrar na AAC, na altura sediada no Palácio dos Grilos. Embora os participantes tivessem consciência que essa integração era improvável, pretendia-se com a invasão mobilizar a academia para a luta. Os protagonistas do ato foram Afonso Mo­ura Guedes, Polybio Serra e Silva e Joaquim Vilaça ­Delgado, que contaram ainda com o apoio dos antigos presidente e vice-presidente da Direção-Geral da AAC (DG/AAC), Fernando Luís Mendes Silva e Júlio Serra e Silva. A atitude dos estudantes resultou da ausência de resposta por parte do então reitor, Maximino Correia. Perante o sucedido, e após os intervenientes

terem utilizado todos os recursos disponíveis para o contactar, o lente, “muito mal humorado, acabou por vir ao Instituto de Coimbra”, partilha Polybio Serra e Silva. Realizou-se de seguida uma reunião na qual o responsável pela universidade se comprometeu a auxiliar os estudantes e a assegurar novas instalações para a sede da AAC. Porém, e segundo o livro sobre a Tomada da Bastilha II, editado pela AAEC, “o senhor reitor prometeu, mas não cumpriu e, a partir daí, tornou-se o principal opositor da DG/AAC”. No referido livro, é esclarecido que o desinte­ resse de Maximino Correia se comprovou quando este recusou o pedido de audiência ao ministro da Educação Nacional, por parte dos estudantes. Fruto dessa rejeição, os envolvidos resolveram não informar o reitor “do seu anteprojeto e procurar outra pessoa que os pudesse ajudar”. A partir desse momento, sucedeu-se uma amálgama de avanços e recuos na demanda dos invasores da Bastilha. O primeiro apoio recolhido foi o do ministro da Defesa, Santos Costa, “grande entusiasta­da Académica”, segundo a monografia da AAEC. Isto é corroborado pelo facto do membro do governo se ter “prontificado a auxiliar e a fazer a entrega imediata da exposição e anteprojeto dos estudantes ao senhor presidente do Conselho”. A obra literária explana que os académicos obtiveram ainda uma segunda assistência vinda ­ do professor Bissaya Barreto. Esta, que superava os intentos iniciais dos estudantes, previa a utilização “dos terrenos ocupados pelas instalações do Ninho dos Pequenitos” para sediar a associação, ou seja, o local onde se encontra hoje. Os estudantes não tardaram a transmitir esta informação ao ministro da Defesa, para que ele a partilhasse com António de Oliveira Salazar. Após a complexa recolha de apoios, que não deixou de ter alguns sobressaltos, as aspirações estudantis chegaram às mãos do próprio presidente do Conselho. “Não esperaram muito, pois foram convocados para uma audiência, no edifício da

Assembleia Nacional, com o senhor presidente do Conselho de Ministros, no dia 26 de maio de 1954”, é escrito no livro sobre a Tomada da Bastilha II. A reunião teve um desfecho positivo e, pouco tempo depois, a sorte acabaria por sorrir aos estudantes de Coimbra. Depois de aprovados os seus projetos, o atual edifício da AAC viria a ser-lhes entregue em 1963. Passado comemorado no TAGV O espetáculo que assinalou o 48ª dia do Antigo Estudante de Coimbra, bem como o 64º aniversário da Tomada da Bastilha II, foi introduzido pelas palavras de Hélder Rodrigues e Polybio Serra e Silva, que deram lugar a uma panóplia de atuações iniciadas pelo atual Orfeon, seguidas pelo Coro de antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra, que já conta com 137 anos de existência. Terminadas ambas as exibições, os grupos uniram-se numa prestação em conjunto. De entre as restantes presenças que fizeram parte deste espetáculo estiveram ainda a Associação dos Antigos Tunos, a Orquestra de Tangos, o ilusionista Jorge Condorcet e o grupo Raízes de Coimbra. O evento contou ainda com a atribuição do prémio excelência à Associação Cristã da Mocidade (ACM) pelo seu centenário. António Sequeira, antigo estudante de Geologia, aprova esta distinção, pois considera a ACM “uma instituição de honra da cidade”. Para muitos dos ex-estudantes presentes nesta festividade, esta significa “um reencontro de amigos e o rememorar da Canção de Coimbra”, exprime Isabel Ferraz, antiga estudante de Filologia Germânica da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, ao abandonar a sala de espetáculo­­.­ Para encerrar a exibição, Polybio Serra e Silva chamou ao palco o presidente da AAEC e os seus representantes noutros pontos do país, tais como Lisboa, Porto e Algarve. Por fim, apelou à integração de todos os presentes na AAEC, visto que, na esmagadora maioria, eram ex-alunos da academia.


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NO VAI-VÉM DOS TREINADORES, QUAL O FUTURO DA ­ACADÉMICA?

Um resto de campeonato “muito competitivo” espera os estudantes. Embora heterogénea, criar um elo de ligação com o técnico pode ser fundamental para a equipa subir de divisão

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- POR MIGUEL MESQUITA MONTES E MARIA FRANCISCA ROMÃO -

passado dia 2 de abril deu lugar a uma nova substituição na equipa da Associação Académica de Coimbra – Organismo Autónomo de Futebol (AAC/OAF). Ricardo Soares despiu a camisola de treinador da Briosa para dar lugar a Quim Machado, ex-treinador do Al-Batin. Desta forma, impõe-se a questão: de que modo pode uma permanente mudança de técnico afetar a performance desportiva? Desde a época de 2007/2008, a equipa dos estudantes já assistiu a 15 substituições no comando técnico. Num panorama geral sobre a prestação do coletivo nos primeiros cinco jogos­com cada treinador, prevalecem os empates e as derrotas. “É mais fácil mudar uma pessoa do que 27 jogadores”, garante Zé Nando, ex-jogador e ex-treinador-adjunto da AAC/OAF. O mesmo vê nestas recorrentes trocas vantagens e desvantagens. “A curto prazo é vantajoso porque traz uma boa fonte de ‘stress’, o que obriga os jogadores desmotivados a mudar para impressionar o novo treinador”, assegura. Porém, ao olhar para o reverso da medalha, Zé Nando reconhece que há um desgaste dentro e fora do campo. “Os jogadores têm que conhecer uma pessoa nova e os funcionários de repetir todo o tipo de processos”, argumenta. Para Pedro Gaspar, professor na Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da Universidade de Coimbra, este também é um ponto assente. “Nunca é bom mudar a liderança, porque isso vai criar instabilidade no grupo, no qual deixa de haver uma base comum de trabalho”, frisa. A necessidade de se conhecer bem os ­­jogadores­­ Quando jogava na Académica, Zé Nando

a­dmite ter gostado de manter “uma relação sincera e profissional” com o seu treinador. Hoje, enquanto diretor desportivo do Penafiel, recorda os técnicos que o marcaram através de discursos “assertivos, genuínos, objetivos e pragmáticos”. Salienta a importância de e­ stas palestras terem um correspondente prático convertido em bons resultados. Já como treinador, prima por “manter uma liderança democrática, mesmo que, por vezes, opte por uma posição mais autoritária”. No entanto, o ex-jogador dos estudantes não deixa de notar que, com o passar dos tempos­­­ , também o futebol se transformou. Entre vídeo-árbitros e treinadores de sofá, os próprios­­­jogadores mudaram. “Nos dias que correm, os atletas são muito mais informados e sabem bem o que querem”, explica Zé Nando. Face a isso, o ex-treinador reitera a necessidade de conhecer os seus futebolistas ao máximo. Cita, até, o técnico do Manchester United, José Mourinho, ao garantir que “o treinador que só sabe de futebol não sabe nada”. Por seu lado, Pedro Gaspar não nega que este vai ser um grande desafio, porque “o início da época serve para preparar todo o campeonato e o técnico caiu a meio do processo”. O professor compara o sucedido com um jogo de xadrez deixado a meio, em que “as peças já lá estão, quem as comanda não as escolheu e é preciso jogar”. Saber lidar com os atletas à disposição é algo que, para Pedro Gaspar, marca a “diferença entre ter um grupo ou uma equipa”. Ainda nesta ótica, Zé Nando reforça a necessidade de o treinador se adaptar e criar um elo de ligação com grupos de jogadores mais ­heterogéneos, como é o caso da Briosa. “Ao olhar para o plantel da Académica, vê-se de

PRESTAÇÃO DA AAC/OAF NOS PRIMEIROS CINCO JOGOS DE CADA TREINADOR DESDE 2007/20008

tudo: jogadores em início ou fim de carreira, de várias nacionalidades ou que já se estrearam na Primeira Liga”, exemplifica. Já na opinião de Tó Luís, ex-guarda-redes da AAC/OAF, a proximidade e amizade são desejáveis, “porque durante a época se lida mais com o técnico do que com a própria família”. Não tivessem sido jogadores do mesmo clube, as opiniões de Zé Nando e Tó Luís convergem. “O treinador tem de conhecer os homens que tem nas suas mãos e ainda ser um líder em todos­­­ os sentidos”, garante. A subida que todos ambicionam Ao passar a bola a Tó Luís para que este ana­ lise a situação atual do clube conimbricense, no qual começou a sua carreira profissional, o ex-guarda-redes considera que este não tem a vida facilitada. “Uma equipa que jogou na Primeira Liga e desceu, como a Briosa, vai encontrar um campeonato muito competitivo”, justifica. Pedro Gaspar não deixa de referir que, com a recente mudança no comando técnico, “ajustar o processo ou até criar um novo” pode ser essencial para a Académica se manter focada na subida de divisão. Sob o comando do atual técnico, os estudantes já se deslocaram à Madeira, mas não foram além de uma derrota por 0-1 contra o Nacional. No passado dia 15, conseguiram a vitória contra o Famalicão e a consequente su­bida na tabela. Espera-os agora a visita do Real Sport Clube, no jogo do próximo domingo­­, dia 21 de abril. A alteração marca a terceira mudança de treinador dentro do clube esta temporada­­­.

JOÃO RUIVO


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MÚSICA TRADICIONAL VIAJA “DE COIMBRA PARA O MUNDO” Espetáculo pretende “tornar a música tradicional mais atual e interessante”. Concerto cantado em português vai para além do interesse histórico e apresenta espetáculo para todos MICAELA SANTOS

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Orfeon Académico de Coimbra (OAC) vai realizar o concerto “De Coimbra para o Mundo”, que tem lugar na Semana Cultural da Universidade de Coimbra. Na noite do dia 20 de abril, o coro ativo mais antigo de Portugal celebra a música num registo incomum, ao abordar o tradicional com um olho mais clássico. Ao compositor Nuno Alexandrino cabe a autoria dos arranjos clássicos da música apresentada no evento. O presidente do OAC, Bernardo Tavares, consi­ dera este concerto uma “ideia inovadora, com uma perspetiva diferente sobre aquilo que é a música tradicional portuguesa”. Segundo o compositor Nuno Alexandrino, o objetivo consiste em “enriquecer a música tradicional, ao acrescentar novas melodias e instrumentos”. Este pretende “torná-la mais atual e interessante”. No entanto, o presidente

- POR SAMUEL SANTOS E PEDRO EMAUZ SILVA -

do OAC assegura que não se vai desvirtuar a música tradicional portuguesa, ao garantir que “apenas se introduz outro conceito, mais clássico, enquanto o núcleo tradicional se mantém”. Para além das melodias nacionais, o concerto vai contar com arranjos de artistas como Mozart, Bach e Pachelbel. “São referências da música clássica com melodias e harmonia que jogam de forma direta com as da música tradicional, o que é algo engraçado”, informa o presidente. Bach serve como exemplo. Uma das suas obras em ré maior coincide “quase na perfeição” com “Castelo de Beja”, um canto alentejano. Nuno Alexandrino elucida que visam “transformar música desse tipo e torná-la num espetáculo que o público goste, pois, se assim não fosse, a música só teria interesse histórico”. O presidente do OAC defende que o património

musical e cultural “está explícito na ligação entre a música e a realidade social e profissional” da época. “É importante valorizar estas áreas do património”, frisa Bernardo Tavares. Por sua vez, o compositor valoriza a tentativa de “enriquecer este registo musical para torna-lo mais apelativo”, e relembra que não estão a fazer um levantamento histórico. O nome do concerto, “De Coimbra para o Mundo­­­”, é explicado pelo presidente do OAC como uma forma de mostrar “que há música na cidade e é de uma qualidade que merece ser demonstrada ao mundo”. Nuno Alexandrino complementa esta ideia ao afirmar que “é uma celebração da diversidade cultural de Coimbra”. Bernardo Tavares identifica o compositor como “um excelente profissional”. Acrescenta que “este projeto junta o grão superior de música que ele tem, nos estudos de música clássica, e também o ‘­bac­­­­­­kground’ tradicional do mesmo”. Nuno ­A­­­le­xandrino trabalha com o OAC há alguns anos e descreve esta colaboração como um “ambiente de camaradagem”. No concerto vão ser realizados arranjos de música tradicional provenientes do país inteiro. De norte a sul continental, incluindo as ilhas, este traço musical vai ser complementado por uma componente visual, com danças tradicionais apresentadas enquanto o coro e a orquestra se fazem ouvir. O rés-do-chão do Departamento de Arquitetura­ da Universidade de Coimbra foi escolhido para ser palco deste evento. “Foi uma ideia que passou para se fazer um concerto mais próximo dos estudantes no seio da universidade”, explica o presidente do Orfeon Académico de Coimbra. Trata-se de um espetáculo “não tão formal para todos, cantado em português”, conclui Nuno Alexandrino. O concerto é de entrada livre, direcionado a todos os ­interes­sados­ pela música.

CAFÉS HISTÓRICOS EUROPEUS VIAJAM ATÉ COIMBRA Projeto une riqueza cultural e consciencialização da sociedade para a importância dos estabele­ cimentos. Um dos objetivos é criar um itinerário cultural europeu destes cafés

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Café Santa Cruz vai promover o Encontro Internacional de Cafés Históricos da Europa. Com a presença de vários responsáveis de diversos estabelecimentos europeus, a iniciativa tenciona criar­­­uma rota europeia de cafés com história e fomentar a troca de experiências entre os participantes. O encontro vai decorrer na Casa da Escrita, dia 20, e no Café Santa Cruz, dia 21. “O objetivo é definir pontos de passagem obrigatória para quem tem interesse por cafés históricos­­­ ”, explica Vítor Marques, um dos sócios-gerentes do café Santa Cruz. Para o mesmo, estes cafés são espaços atrativos, ideais para quem quer conhecer estabelecimentos “com 80 ou 90 anos de atividade comercial ininterrupta ou para sair com a família ou em trabalho”. A vida dos cafés também se constrói a partir das vidas daqueles que passam por eles. “Mães a amamentar, estudantes, namorados­­, casados, divorciados, famílias viajam pelo café e permitem que o café viaje por eles”, acrescenta. Este itinerário cultural percorre espaços situa-

- POR MARGARIDA MANETA E FILIPA VIEIRA -

dos em Portugal, Espanha, França, Áustria, Itália, Grécia, República Checa, Hungria, Eslováquia, Roménia, Rússia e Inglaterra. Após a definição da rota, Vítor Marques espera que esta passe a integrar os circuitos promovidos pelos operadores turísticos nacionais e internacionais. “Os guias e operadores devem preocupar-se com a valorização de espaços históricos, como os cafés”, elucida. No entanto, o proprietário do café Santa Cruz reconhece que este passo “está longe de acontecer”. “É um processo para o qual se está a caminhar”, declara. Neste sentido, a programação integra o debate “Os cafés históricos e as redes de património cultural” que pretende reunir perspetivas sobre o que são os cafés na Europa. Todos os responsáveis vão enriquecer a iniciativa com o seu testemunho. “Cada um conta a sua história para que haja uma partilha de experiências e troca de contactos”, esclarece. O encontro não exclui a Canção de Coimbra. Assim, as tunas vão proporcionar aos presentes uma noite de serenatas.

A estadia e alimentação dos proprietários dos cafés vai ser assegurada pela Associação dos Cafés com História (AECH). Esta associação tem como objetivos “ser uma ponte de comunicação entre os cafés históricos e assegurar a sobrevivência e propagação da sua história e herança cultural, em cola­ boração com as autoridades locais e os órgãos de go­ verno”, informa o seu presidente e fundador, Vasilis Stathakis. A AECH “participa em fóruns internacionais e viaja pelos cafés europeus à procura de novos associados”, acrescenta. Para além deste apoio, a iniciativa conta com a parceria da Câmara Municipal de Coimbra, do Turismo Centro de Portugal, Água Castello, Cafés Mambo e Água das Pedras. O encontro está aberto a toda a comunidade. Vítor Marques espera que, em breve, “tal como se procura na internet o hotel mais barato, também se comece a procurar qual o café mais bonito a visitar”. Este projeto une a “riqueza cultural e a necessidade de consciencializar a sociedade para a importância dos cafés na sua região”, conclui.


17 DE ABRIL DE 2018 CULTURA -7-

TEATROS DE COIMBRA DESCONTENTES COM ATRASO DE DISTRIBUIÇÃO ORÇAMENTAL

O Teatrão e A Escola da Noite reclamam que política de descentralização do Estado não é efet­­­­iva­­­. Estruturas teatrais afirmam que vão continuar a manifestar-se caso situação se mantenha - POR VITTORIO ALVES E MICAELA SANTOS -

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diretora artística d’O Teatrão, Isabel Craveiro, declarou que, “sem o apoio financeiro por parte da Direção-Geral das Artes (DGArtes), a estrutura fecha as portas”. De forma semelhante, o produtor d’A Escola da Noite, Pedro Rodrigues, afirma que “qualquer redução ao nível do financiamento público põe em causa a continuidade da instituição”. Estas estruturas teatrais, bem como o Centro de Artes Visuais, estão agora incluídas no Programa de A ­ poio­Sustentado, após três reforços orçamentais sucessivos promovidos pelo Governo. A Orquestra Clássica do Centro ficou fora da lista de apoio. O total estabelecido para o ciclo 2018-2021 é de 81,5 milhões de euros, mas ainda não é conhecido o valor específico para cada entidade selecionada. “Não é sustentável manter O Teatrão em atividade sem o apoio da DGArtes”, atesta Isabel Craveiro. A companhia nasceu em 1994 e recebeu financiamento­­­ do Estado desde então - salvo duas ocasiões - no ­va­lor médio de 140 mil euros. Contudo, no anterior ciclo de financiamento (2014-2017), este apoio não foi assegurado. Nos últimos três anos, a casa manteve o seu funcionamento através de apoios pontuais cedidos pela DGArtes, pela Câmara Municipal de ­Coimbra (CMC), pelos fundos do Portugal2020 e por outras entidades. Dos 26 anos de existência d’A Escola da Noite, verifica-se que os últimos três foram os de menor apoio orçamental, com cerca de 123 mil euros. Pedro Rodrigues destaca três cortes orçamentais sucessivos entre 2010 e 2013. Para o produtor, “a crise foi usada como argumento para justificar esses cortes”. Atenta também para a diminuição da percentagem do orçamento total de Estado destinado ao Ministério da Cultura, de 0,5 por cento para 0,1 por cento. Segundo o mesmo, “não se trata de crise, mas de opções políticas”. Como consequências desta redução financeira, acusa que as companhias afetadas “foram obrigadas a reduzir as equipas, atividades, e

a endividar-se face a compromissos urgentes”. Pedro Rodrigues conclui que “os apoios estruturais para a vida e trabalho da companhia são os da CMC e da DGArtes”, ainda que tenham receitas próprias e apoios específicos para determinados projetos. (Des)centralização? Perante as contestações ao novo modelo de ­apoio às artes, o primeiro-ministro, em reunião com a Comissão Informal de Artistas, garantiu a revisão deste modelo. A audiência com António Costa­ decorreu no passado dia 12 de abril. Segundo a página oficial da DGArtes, a “revisão é orientada por uma política cultural com prioridades de intervenção como a descentralização da produção e do acesso, a qualificação dos portugueses e a coesão social e territorial”. Os representantes das estruturas teatrais de Coimbra­­apontaram para uma contradição no que toca à descentralização da produção e do acesso à arte. Isabel Craveiro considera que, ao mesmo tempo que “o governo defende a descentralização e a coesão territorial”, o modelo denota que há uma política “bastante despreocupada”. O representante d’A Escola da Noite acrescenta ainda que “há uma distribuição centralista dos apoios em Lisboa”, que constitui cerca de 45 por cento do valor total. “Coimbra, Évora e Covilhã são exemplos de cidades fortes em termos de criação artística que, de repente, se vêm desprovidas do apoio de Estado para continuar”, exemplifica. Políticas e protestos A manifestação ocorrida a 5 de abril reuniu contestações ao modelo inicial da candidatura ao programa de apoio às artes. Reivindicações por um por cento do Orçamento de Estado para a Cultura deli­ nearam os protestos, que tiveram lugar de norte a sul do país. O concurso inicial dispunha de uma verba de 64,5

milhões de euros, com abrangência para 140 estruturas artísticas nacionais. Das escolhidas, nenhuma­­­ era sediada em Coimbra. No dia 31 de março, o montante global subiu para os 72,5 milhões. Perante a insistência das manifestações nacionais, o Governo reforçou de novo o valor de financiamento para 81,5 milhões de euros, bem como incluiu 43 institui­ ções antes não contempladas. As entidades artísticas contam com o apoio da autarquia. Na última reunião do executivo camarário, no passado dia 9 de abril, a vereadora da cultura da CMC, Carina Gomes, denunciou que as “avaliações [feitas aos projetos das quatro instituições] são injustas, preconceituosas e não têm fundamento, o que representa uma desconsideração pelo trabalho desenvolvido por estas estruturas mas, também, pelo apoio, investimento e confiança que a CMC tem depositado nestes agentes culturais ao longo dos últimos anos”. O município financia estes grupos segundo dois protocolos: um de apoio à criação artística e outro para a gestão dos edifícios. A Escola da Noite soma um total de 80 mil euros e O Teatrão 90 mil euros. As duas estruturas teatrais de Coimbra têm planos­­­ de atividades definidos para os próximos anos. Contudo, se ambas as companhias não auferirem a tota­ lidade dos seus pedidos de orçamento, os planos de atividades terão de ser ajustados. O Jornal Universitário de Coimbra - A Cabra contactou a DGArtes, a fim de obter novas informações. Nas questões relativas às estruturas teatrais da cidade de Coimbra, a DGArtes respondeu “não ser possível efetuar comentários, uma vez que os resultados finais do concurso na área do teatro (do Programa de Apoio Sustentado) ainda não são co­ nhecidos, e estão em fase de audiência de interessados­­”. Acrescentou com a confirmação de que ainda não é conhecida a data concreta de publicação dos respetivos resultados. VITTORIO ALVES


17 DE ABRIL DE 2018 CIÊNCIA E TECNOLOGIA -8-

EQUIPA DA UC APRESENTA NOVO MÉTODO DE COMO DIMINUIR A DOR PÓS-CESARIANA

Investigação garante um tratamento personalizado consoante a paciente. Estudo foi efetuado em amostras de ADN de 55 mulheres - POR FRANCISCO MADAIL E DANIEL PASCOAL -

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cesariana é uma intervenção cirúrgica para exe­ cutar o parto quando não é possível fazê-lo de maneira natural. Mesmo com os avanços realizados na área da obstetrícia, ainda existem falhas no que diz respeito ao tratamento da dor após o procedimento. Com o objetivo de melhorar esta situação, uma equipa multidisciplinar de médicos e cientistas da Universidade de Coimbra (UC) desenvolveu um estudo pioneiro sobre como reduzir as dores pós-cesariana. A investigação teve como base amostras de ADN de 55 mulheres adultas caucasianas portuguesas submetidas a parto realizado através de meios cirúrgicos. A coordenadora do estudo, Manuela Grazina, explica que a dopamina, um neurotransmissor que desempenha papéis no cérebro e no fígado, é “essencial na resposta à dor”, logo “é necessário produzi-la para o organismo sofrer menos”. Os resultados da investigação mostram que a enzima CYP2D6 participa na produção de 12 por cento da dopamina. Logo, quando a geração da mesma não é suficiente, existe um aumento do mal-estar no pós-parto. O estudo representa um

contributo “para compreender de que modo a variabilidade genética da CYP2D6 influencia o aumento ou diminuição da dor após a cirurgia”, assegura Manuela Grazina. “O perfil genético não é indiferente para o tratamento”, afirma a coordenadora da investigação. A mesma explica que as pessoas podem reagir de inúmeras formas. “De acordo com as características de cada mulher, é possível realizar um tratamento personalizado”, elucida a profissional. Desta forma, a dosagem da enzima pode ser ajustada consoante as particularidades de cada pessoa, o que vai trazer benefícios para cada paciente e para a medicina em geral. Manuela Grazina, docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), revela que o estudo “surgiu através de uma tese de mestrado realizada pela doutora Ana Valentim”, também da FMUC. Acrescenta que o tema deste trabalho académico “estava relacionado com estudos genéticos, em particular a resposta interna

do corpo à dor e a sua resolução”. Desta maneira, o grupo laboratorial da UC “tinha a amostra disponível para começar o seu próprio trabalho”. Caso os resultados da investigação sejam confirmados em amostras maiores, isto é, em outros países, o estudo “vai ganhar mais credibilidade e desenvolver-se”. PEDRO EMAUZ SILVA

O CONFLITO INTERNO DEPOIS DA GUERRA E O STRESS PÓS TRAUMÁTICO Fatores como tempo de exposição e intensidade das situações são parâmetros de agravamento da patologia. Em dois anos, foram realizadas 18 mil consultas e existem cerca de 600 combatentes em acompanhamento - POR JOSÉ GOMES DUARTE E ANA SANTOS -

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os últimos cem anos, os combatentes portugueses participaram em dois conflitos importantes na história do país: a Primeira Guerra Mundial e a Guerra do Ultramar. Cerca de 20 mil pessoas perderam a sua vida e só na última foram mobilizados cerca de um milhão e meio de soldados. Alguns dos sobreviventes voltaram com mazelas físicas e psicológicas. Segundo o presidente do Núcleo de Coimbra da Liga dos Combatentes (NCLC), tenente-coronel João Paulino, quem vai à guerra “não volta o mesmo”. A perturbação de stress pós-traumático (PSPT) é uma doença psicológica identificada e “está relacionada com um trauma”, explica a psicóloga do Centro de Apoio Médico, Psicológico e Social (CAMPS) do NCLC, Catarina Gonçalves. De acordo com a especialista, a probabilidade de desenvolver PSPT aumenta conforme “o tempo de exposição e a intensidade da situação traumática”. A mesma esclarece que fatores como a infância ou o histórico psicopatológico do paciente também podem influenciar seu surgimento. Em termos de quadro clínico, a psicóloga clarifica que distinguem-se cinco critérios para o diagnóstico

da PSPT. O primeiro implica a “exposição a um evento traumático”. De seguida, é necessário “identificar sintomas intrusivos, como sonhos e lembranças angustiantes”. Um doente com PSPT também “evita estímulos associados ao trauma em concreto” e manifesta ainda um “estado emocional negativo persistente”, que se traduz na “incapacidade de recordar algum aspeto importante do evento”. Por último, alterações comportamentais, como “explosividade e reati­ vidade”, são associadas à ansiedade constante sentida pelo paciente em questão. No CAMPS/NCLC, o processo começa pela triagem, na qual estão presentes a psicóloga e a assistente social da instituição. “Encaminha-se os doentes para consultas de psicologia individuais ou em grupo, apoio social ou consultas de psiquiatria”, elucida Catarina Gonçalves. O NCLC também promove atividades ocupacionais, “pois entende-se que o convívio entre combatentes pode ser uma estratégia terapêutica eficaz”­­­, clarifica a psicóloga.

“Quando se chegou à década de 1960, muitos especulavam que a Liga ia terminar porque já não tinha razão de existir”, mas a instituição perdurou, como conta o presidente do NCLC. A assistente social do CAMPS conimbricense, Ana Melo, defende que “é importante trabalhar com os antigos combatentes, mas também prevenir a PSPT com novos militares”, daí a necessidade de trabalho con­ tínuo­­dos núcleos. Existem cerca de 600 pessoas em acompanhamento e nos últimos dois anos foram realizadas 18 mil consultas no CAMPS de Coimbra. Ana Melo confessa que aquilo que “enriquece o trabalho dos profissionais é o voto de confiança dado pelos nossos combatentes”. No dia 21 de março decorreu o colóquio “Impactos do Pós-Guerra na Família”, que teve lugar no NCLC. O objetivo foi alertar o público para a problemática do PSPT. Nas conferências, existiu preocupação em discutir a perturbação secundária de stress traumático, outra patologia, que diz res­ peito à manifestação da doença nas famílias dos combatentes de guerra. ANA FRANCISCA NUNES


17 DE ABRIL DE 2018 CIÊNCIA E TECNOLOGIA -9-

MINI-CÉREBROS PODEM SER CHAVE PARA COMPREENDER O AUTISMO

Investigação pretende estudar os pacientes com a patologia de forma individual. Causas do distúrbio são ainda pouco conhecidas

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egundo a Associação Americana de Psiquiatria, as Perturbações do Espectro do Autismo (PEA) “são uma síndrome neuro-comportamental com origem em desordens do sistema nervoso central que afeta o normal desenvolvimento da criança”. Os sintomas ocorrem nos primeiros anos de vida e incluem três grandes domínios de perturbação: social, comportamental e comunicacional. As PEA são um distúrbio do foro do desenvolvimento e ainda não tem cura. Os indivíduos que vivem dentro do espetro da doença podem ser caracterizados por comportamentos repetitivos, interesses restritos e défices a nível de comunicação e interação social. A doença costuma ser diagnosticada no início da infância, quando pessoas próximas do indivíduo se dão conta de que há algo diferente no seu comportamento, em relação a outras crianças. A falta de contacto visual, ausência de resposta quando são chamadas, apesar de não haver problemas de audição, e atraso no desenvolvimento da comunicação e linguagem são os principais motivos que levam os pais a procurarem ajuda médica. Diferentes causas, diferentes variantes Embora se saiba que a genética é um parâmetro relevante, as causas das PEA são pouco conhecidas. Também se investiga se fatores ambientais, na inte­ ração com os genes, podem determinar o aparecimento ou não da doença. Enquanto já foram detetados cem genes de suscetibilidade para o autismo, a hipótese da interação destes com o ambiente, por outro lado, ainda não tem base científica que a sustente­­­. O investigador principal do Centro de Neurociência e Biologia Celular (CNC) da Universidade de Coimbra (UC), João Peça, exemplifica com os gémeos idênticos para se compreender melhor a relação de genética e ambiente na evolução do distúrbio. “Se

- POR INÊS GAMA, RAQUEL MEDEIROS E GABRIELA MOORE -

um deles for diagnosticado com autismo, existe uma forte probabilidade de o outro também ser”, o que demonstra a forte componente genética envolvida. O investigador ressalva ainda que “a probabilidade não é de cem por cento, o que mostra que existem outros fatores” que podem influenciar o aparecimento das PEA. O investigador considera importante des­tacar que quando se fala de fatores ambientais não significa sempre que se está a falar de algo negativo, pois “podem existir alguns que sejam protetivos à evolução de determinado tipo de patologia neuronal­­­”. Como não existe uma causa única para o desenvolvimento deste espetro, os motivos que levam cada indivíduo a ser classificado dentro deste são variados. Isto implica formas de funcionamento diferentes, mas que comprometem de maneira similar o progresso da comunicação e interação social. Deste modo, dois indivíduos que tenham mutações nos genes de suscetibilidade para o surgimento de PEA vão ser pacientes diferentes se o gene mutado não for o mesmo. Do ponto de vista neurobiológico, não se pode analisar esses dois casos como um só, já que a exata dinâmica de funcionamento se distingue de acordo com o que originou as PEA. Estudar as PEA a partir dos ‘mini cérebros’ No CNC, a investigadora Catarina Seabra está a desenvolver um estudo que se baseia no uso de células dentárias para o desenvolvimento de ‘mini-cérebros’ tridimensionais, de quatro milímetros, que permitem examinar as PEA. No laboratório, vão ser trabalhadas as causas que já são conhecidas. Uma das mesmas implica os genes de suscetibilidade para o autismo já identificados. Cada uma das culturas de neurónios vai ser analisada para se perceber como a mutação num determinado gene interfere no desen-

volvimento neuronal. De acordo com o investigador principal do CNC, as tentativas de estudar o autismo de forma geral não produziram resultados relevantes. É neste ponto que a pesquisa que está a decorrer se destaca, já que pretende analisar de forma separada cada PEA. Há várias vantagens a levar a cabo um estudo deste tipo e ao utilizar células estaminais. Ana Luísa Cardoso, investigadora do CNC, realça o facto de se­ rem utilizadas células que provêm da mesma origem embrionária dos neurónios. É de realçar o potencial destas, uma vez que “podem ser induzidas a diferenciarem-se em neurónios”, explica. O seu crescimento em cultura tridimensional vai ser estimulado para que se possa observar a capacidade dos neurónios interagirem e comunicarem uns com os outros. “O autismo pode ser mais do que uma disfunção apenas dos neurónios, pode ser uma disfunção da própria capacidade destes de interagirem e comunicarem entre si”, explicou João Peça. Desta forma, o investigador adianta que “vai deixar-se o organoide ganhar algumas características em certa medida parecidas com o próprio desenvolvimento do cérebro humano”. “A expectativa é de se conseguir a vir estudar as propriedades dos circuitos neuronais”, explicita João Peça. O mesmo indica que, a partir da utilização de ‘mini-cérebros’, pode-se analisar os impulsos elétricos que circulam de uns neurónios para os outros e avaliar esta circulação de forma a verificar-se se estão a comunicar da forma ideal. O estudo pretende criar ferramentas para que se possam testar novas terapias “de uma forma não generalizada, mas sim direcionada para cada caso em particular”, realça Ana Luísa Cardoso. Segundo a investigadora, é crucial que exista um mecanismo que permita o avanço da medicina personalizada. HUGO GUÍMARO


17 DE ABRIL DE 2018 CIDADE - 10 -

ANA RITA TELES

HISTÓRIAS E ESTÓRIAS DAS LIVRARIAS E ALFARRABISTAS DE COIMBRA

Digitalização ameaça setor livreiro. Público procura livros mais baratos

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TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA CELEBRA CEM ANOS DE HISTÓRIA Única galeria dedicada aos secretários superi­ ores é inaugurada durante as comemorações do centenário. Tribunal da Relação pretende “olhar para o passado, mas sempre com vista no futuro

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- POR EDUARDA MENDES E ANA RITA TELES -

dia 8 de maio de 2018 marca o centenário do Tribunal da Relação de Coimbra. Com sede inicial nas atuais instalações do Estabelecimento Prisional de Coimbra, em 1928 foi transferido para as instalações do Colégio de São Tomás. “A sua criação foi um momento marcante para a política da região”, defende o presidente­do Tribunal da Relação de Coimbra, Luís Azevedo Mendes. Com o seu surgimento, a cidade ganhou visibilidade em relação ao panorama do Direito. No início, o tribunal funcionava sem especialização. Nos dias de hoje, funciona em secções. “A especialização deve-se ao aumento do número de casos e a preocupação em oferecer uma resposta especializada”, explica o presidente do Tribunal da Relação de Coimbra. Em 2013, com a reforma do sistema judiciário, o Tribunal da Relação viu o número­ de recursos diminuir em virtude da redução do número de processos que chegam aos tribunais da cidade. “Embora Coimbra tenha passado a ter jurisdição nas Caldas da Rainha, perdeu-a em Aveiro e na Mealhada”, menciona Luís Azevedo Mendes. As comemorações do centenário da Relação dividem-se em duas partes, com a primeira a ter início numa cerimónia a 20 de março e com fim previsto para o mês de agosto. A segunda termina na data em que o tribunal completa 101 anos, 8 de maio de 2019. O início das comemorações partiu da inauguração de uma exposição alusiva aos cem anos, aberta ao público até novembro. Nesta foi lançado o primeiro de três livros em homenagem ao centenário, “com um estudo dos desembargadores, procuradores e funcionários da casa”, descreve o presidente. No dia 12 de abril realizou-se “um importante colóquio para recordar várias ­­figuras ligadas ao território da Relação de Coimbra, membros importantes do judiciário”, afirma Luís Azevedo Mendes. Nesse mesmo dia foi inaugurada a galeria dos secretários superiores que se juntou às já existentes dos presidentes e procuradores gerais distritais. Esta é a única galeria dos tribunais do país dedicada “a uma classe importante na sua organização que é a dos funcionários judiciais”. Com ela, o presidente afirma a intenção de homenagear a classe. A juntar-se às comemorações, a 16 de junho, o tribunal vai realizar um encontro de Tribunais Superiores. Mais tarde, a 1 de julho, o tribunal vai receber um concerto­­­ realizado pela Orquestra Clássica do Centro. Ainda na linha cultural, pretende ­organizar um passeio todo-o-terreno da cidade de Coimbra à Figueira da Foz e um torneio jurídico de futebol de salão. Luís Azevedo Mendes defende que é “necessário olhar para o passado, mas sempre com vista no futuro”. De tal forma, as comemorações visam alcançar a adesão jovem, “em especial os estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de ­Coimbra”. Para o presidente, é aqui que se encontra o futuro dos juristas do país.

- POR MARIA FERNANDES -

ela calada de velhos edifícios, Coimbra, que em tempos deu à luz a sabedoria em Portugal, espera agora que leitores e leitoras preencham livrarias. Alfarrabistas, lojas de antiguidades, editoras e livrarias acumulam-se pela cidade em busca de famintos bibliófilos. A era da tecnologia não poupa, no entanto, esses negócios que tendem a escassear. ‘E-books’, ‘audiobooks’ e vendas ‘online’ substituem, para muitos, o formato físico. ­Todavia, para os amantes do papel, o virtual não preenche a sensação de tocar nas palavras impressas. No ano de 1955, uma nova livraria surge no Arco de Almedina, a entrada principal das muralhas da cidade. Joaquim Machado cria um estabelecimento que marca pela proximidade à academia ao editar manuais das várias áreas de conhecimento. Em 2005, estende-se além mar e em São Paulo ergue-se a Almedina Brasil. Hoje, a Almedina é uma “livraria gene­ralista”, com 11 polos em território nacional e uma loja online, onde se procura “promover a cultura e o conhecimento”, alega o diretor de retalho, Pedro Franco. O Grupo Almedina possui ainda editoras como a Almedina, Edições 70, ­Actual e Minotauro. Há 32 anos sediada na Rua dos Gatos, a livraria Minerva surge pela mão do casal José Alberto Garcia e Isabel Garcia. Esta compromete-se na edição e venda de alfarrábios. “Havia uma loja dísponível na Baixa de Coimbra que coincidiu com uma altura em que se começa a importar livros”, explica o livreiro. Ainda nas ruas labirínticas da Baixa de Coimbra encontra-se uma loja de duas fachadas que o proprietário, Luís Quintans, identifica como “generalista”. O Encanto da Freiria, desde 1994, não se dedica apenas à venda de livros como também de outras antiguidades. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades Como reconhece o dono da Minerva, “a digitalização passou a suplantar o livro”. Isto levou a uma “depreciação” do papel, afirma Luís Quintans. O proprietário d’O Encanto da Freiria declara ser “um insulto vender um livro a menos de um euro”, embora seja recorrente. Contudo, os livros “mais raros” continuam com valores elevados. “Já vendi um livro por mais de mil euros”, garante. Luís Quintans considera, no entanto, “natural” o desaparecimento dos alfarrabistas. “O livro sofreu uma desvalorização por causa da tecnologia e a sua venda tem diminuido”. Em 2012 fecha a livraria 115, situada na praça 8 de Maio, após 35 anos de atividade. Em 2013, a Leya, localizada no antigo prédio da Coimbra Editora, encerra. Em 2017, a Casa do Castelo - Editora fecha as portas. Por fim, o alfarrabista Miguel de Carvalho despede-se em 2018 da sua loja que ocupava três pisos de um edifício oitocentista. José Alberto Garcia afirma que “embora as pessoas gostem de ler, em Portugal não há poder de compra”. Luís Quintans reitera que “não há procura, a oferta aumenta e o preço diminui” e que “o livro deixou de ser um pedaço de sabedoria para ser mercadoria”. As exigências dos atuais públicos são também diferentes. Estão mais “sensíveis ao preço e procuram campanhas de descontos de forma mais agressiva”, assegura o diretor de retalho da Almedina. Para além disso, o impacto do turismo na região é notório, visto que “tem feito aumentar a procura de livros em língua estrangeira”, atesta . Pedro Franco distingue a leitura de livros em formato físico da leitura em geral e do digital. “Sabe-se que as pessoas até despendem mais tempo a ler pelos meios digitais, mas menos tempo a ler livros físicos, razão pela qual se vende menos nas livrarias”. Como Luís Quintans assevera, “o livro vai passar a ser uma mostra de um tempo que já passou”.


17 DE ABRIL DE 2018 CIDADE - 11 -

TURISTAS E RESIDENTES CONCORREM POR ESPAÇOS NA BAIXA DE COIMBRA

Falta de procura pelos habitantes locais leva a que lojas na Baixa sejam sustentadas pelos turis­ tas. CMC admite a importância de “dar condições às poucas pessoas e aos idosos que lá habitam” - POR JÉSSICA GONÇALVES E ANA LAURA SIMON -

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oimbra é uma das áreas portuguesas mais procuradas pelos turistas. Desde a universidade à Baixa, pessoas fora do local vêm à procura de artesanato, pontos de interesse culturais, religiosos e gastronómicos. O turismo é visto como uma forma de chamar mais pessoas e de criar lucros que excedem os parâmetros locais. O turista é cada vez mais o sustento das lojas na Baixa de Coimbra. Desapareceram “as lojas âncora que estavam cá antes”, afirma Raquel Pinto, comerciante no local. “A maior parte de estabelecimentos estão fechados e os que abrem são virados para o artesanato ou turismo”, acrescenta. “Para captar o cliente de Coimbra era preciso haver uma FNAC, uma Sport Zone, lojas âncora que chamem o cliente à Baixa”, conclui a lojista. “Tudo aquilo que não afeta de forma direta o tu­ rismo está a definhar, esta é a realidade” elucida Rui Andrade, proprietário de loja direcionada aos turistas na Baixa de Coimbra. Quando questionado acerca do papel dos centros comerciais de maior volume na falta de clientes locais, o proprietário não culpabiliza nenhum destes novos estabelecimentos. “As outras cidades também têm ‘shoppings’ na periferia e, no entanto, mantêm a sua energia a funcionar”, explica. Conclui que “as coisas mudam e há lojas aqui que são as mesmas há 20 anos. Queixam-se da vida, que é algo muito português, mas não fazem nada para mudar”. Do ponto de vista turístico, a estadia dos estrangeiros não excede os dois dias. Ana Coutinho, lojista na Baixa, admite que tem “saudades de quando­­as ruas eram cheias de gente”. Aponta que o tu­ rismo é uma forma de revitalizar e dar vida à cidade e que “é preciso inovar, oferecer coisas mais em conta e chamativas”. Segundo o coordenador do Projeto Há Baixa, João Peralta, os costumes locais que os turistas procuram já não estão muito presentes nos pontos de interesse. Nos lugares mais procurados, os produtos comercializados são direcionados a eles, tal como acontece noutras cidades com procura turística “como Lisboa e Roma”, afirma. Em contrapartida ao aumento do fluxo turístico, os moradores locais estão a sair da Baixa. “As poucas­­­

pessoas que restam não percebem o que está a acontecer”, o que torna mais fácil de lidar com a situação por parte de quem investe, esclarece João Peralta. Embora haja compradores locais, a maior parte dos investidores são estrangeiros, tal como de países asiáticos e leste da Europa, explica o coordenador do Projeto Há Baixa. Quanto às leis reguladoras do processo de arrendamento, “o objetivo dos senhorios não é expulsar as pessoas”, mas dado que “o alojamento local está forte devido à elevada procura turística, investir nesta área faz todo o sentido”, elucida o coordenador. Acrescenta­­­que há uma dificuldade acrescida em encontrar sítios para construir e para novos negócios na Baixa de Coimbra devido aos preços praticados pelo mercado. O dinheiro que os turistas investem faz com que surjam dificuldades nos negócios não direcionados aos mesmos. “Ninguém é contra o tu­ rismo, a questão é que está a gerar coisas mais negativas do que positivas”, esclarece João Peralta. Sobre a incidência de pedidos de abrigo devido a despejo na Baixa, o vereador da área de Habitação

Social da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), Francisco Queirós, explica que “não podemos afirmar tal coisa”, e que “o número de pedidos de habitação social tem baixado”. Sobre as estratégias por parte da CMC para atrair mais habitantes à Baixa, alega que “é preciso não só requalificá-la e torná-la mais atrativa, como também tomar medidas para a sua segurança”. No que diz respeito aos habitantes que ainda permanecem na Baixa, o vereador assegura que “é importante dar condições às poucas pessoas e aos idosos que ainda lá habitam”. Complementa que a CMC possui prédios que vão permitir que alguns deles “vivam em melhores condições”. O vereador comenta ainda que, antes de atender a pedidos de habitação social, é necessário “alterar a própria le­ gislação”, além de apelar ao Parlamento que “mude o novo Novo Regime do Arrendamento Urbano, que permite o despejo”. De acordo com dados do Registo Nacional de Tu­ rismo, o número total de alojamento local, destinado­ a turistas, registados no concelho de Coimbra até ao fecho da edição deste jornal é de 229. Francisco Queirós salienta que “houve um enorme crescimento de alojamentos locais em comparação com há quase cinco anos”. Entretanto, mesmo com o aumento de opções de alojamentos, os valores relacionados aos mesmos estão “sobrevalorizados para aquilo que Coimbra tem a oferecer”, reflete o lojista Rui Andrade. O comércio destinado apenas para turistas levou à descaracterização dos “costumes locais”, além da perda de “laços entre pessoas”, de acordo com João Peralta. A recuperação desse espaço como marca de Coimbra pode ser uma saída para atrair não apenas estrangeiros e nacionais, mas também para reconci­ liar os próprios conimbricenses com a Baixa e o Centro Histórico da cidade.

HUGO GUÍMARO


17 DE ABRIL DE 2018

SOLTAS - 12 -

MARIELLE FRANCO - POR SECÇÃO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DA ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DE COIMBRA -

fotografia por paulo abrantes - secção de fotografia da associação académica de coimbra

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arielle Franco é mulher, política brasileira, bissexual, negra, feminista. E tantas outras coisas mais. É também ativista pelos di­ reitos humanos. Uma voz ativa em defesa das mu­ lhe­­res negras, transsexuais, pelo fim da violência e desigualdade. É também mãe, socióloga e, como conta, “cria da favela”, num mundo onde queria que a violência acabasse e a igualdade de direitos imperasse. A mulher vereadora, a quinta mais votada no Rio de Janeiro, nas eleições de 2016: “O lugar da mulher é onde ela quiser!”, “Mudar é possível” eram alguns dos emblemas, feministas, pelo fim da desigualdade e violências das favelas, que foram aceites por mais de 46 mil brasileiros que, ao votarem nela, votavam também pela mudança que ela levava. Movia-se em memória de uma amiga que morreu durante um tiroteio entre polícia militar e tra­ ficantes de drogas, na favela onde nasceu e viveu.

A 14 de março deste ano calaram-na. Atiraram fatalmente sobre ela e sobre Anderson Pedro Gomes, o motorista que a acompanhava. E há que tomar atenção à forma como a sua morte é tratada. Num Brasil atualmente dominado por uma elite, pela corrupção, que singra nas desigualdades e não há justiça que os faça pagar pelos crimes cometidos. Mas Marielle não morreu. Fala através de todos os que, tocados pelas suas palavras, energia e missão, continuam a sua luta. É impossível esquecer Marielle. Este nome vai sempre despertar atenção. E correr as bocas do mundo: do Brasil para Portugal, Itália, Espanha, Estados Unidos da América, … (até na Polónia já foi mencionada!). O poder dos media é deveras assustador: como se impõe pelo mundo. E não deixa morrer esta mulher e o que representa. Para o bem e para o mal. Por cá, não mais a esquecemos. E reconhe­­­­c­­e­

mos o nosso privilégio: falar de direitos humanos em Portugal, na Europa… não há comparação. E por isso mesmo, a nossa responsabilidade deve ser dobrada, devemos também ser “palco” para as vozes do mundo. Não a queremos esquecer. Não podemos. E enquanto ativistas de direitos humanos, é ­impensável. E impera a pergunta: quem vai seguir o trabalho de Marielle? O que vai acontecer ao trabalho e à sua marca? Preferimos reformular: Como vais (tu) seguir o seu trabalho? Está em cada um de nós não deixarmos a esperança que ela fez nascer no Brasil morrer (para o resto do mundo). A sua pessoa física não nos acompanha, mas o seu trabalho não foi apagado, e há ainda muita coisa a continuar!


17 DE ABRIL DE 2018 SOLTAS - 13 -

CANTIGAS DE MÉ-MÉ - POR CABRA TROVADORA -

Atirei o ultimatum-tum Em plena Magna-na, Mas não deu-deu-deu. Queima das Fitas, assustou-se Com o berro, com o berro, Que o Fado deu. Que maaaaaaaaau! Desta vez não estou à rasca, Tirei a tanga de mansinho. Afinal, na serenata Até toco mais um fadinho...

Garraiada é tradição Que acabou com votação O referendo, um piadão E o dux passou da idade! A democracia é uma mulher Só passa quem souber E aprende-se a não dizer Promiscuidade!

OBITUÁRIO - POR CABRA COVEIRA -

PANCADINHAS DE MOLIÈRE

T

um... Tum... Tum... Sobe o pano e a plateia está vazia. Ninguém quer bilhetes e o cofre está vazio. E agora? O que se faz? Fala-se em lendas de financiamento e um por cento para a cultura. O cavaleiro reluzente que é a DGArtes caiu do cavalo a caminho de Coimbra. E a princesa? Ficou sem vestido e maquilhagem, não tem dinheiro nem para pagar 50 cêntimos para urinar num WC público. Finda o ato e cai o pano. Este foi o espetáculo. O barulho é muito, mas os aplausos são poucos ou nenhuns.

2 + 2 = CHUMBO

A

s três melhores coisas da Queima das Fitas são duas: tacho. As contas não batem certo? Se calhar é preciso começar a contar pelos dedos. Não falta muito para o lucro ser assim tão pouco. Já dizia a Orxestra Pitagórica: a Latada é que é! Mas pronto, a reciclar artistas ninguém vai longe e para reciclar copos está o Grupo Ecológico. Recicle-se o relatório de contas então. Nem o Conselho Geral nem o Fiscal o querem. Estará assim tão mau? Dois mais dois quanto dá? Chumbo.


17 DE ABRIL DE 2018 ARTES FEITAS - 14 -

CINEMA Ceci n’est pas un film - POR VASCO SAMPAIO -

Manifesto De Julian Rosefeldt Com Cate Blanchett 2015

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arl Marx, Lucio Fontana, Guillaume Apollinaire, Bruno Taut, Alexander Rodchenko, Tristan Tzara, André Breton, Claes Oldenburg, John Cage, Adrian Piper e Jim Jarmusch. Estes são apenas alguns dos nomes em cujas obras Julian Rosefeldt se baseia para criar Manifesto: um filme que não é um filme, antes uma colagem de diferentes escritos de reconhecidos pensadores e intérpretes de correntes artísticas distintas. Rosefeldt atira-se de cabeça à tarefa hercúlea de dar voz a 12 movimentos bem distintos em apenas 95 minutos de película. Para o fazer, chama Cate Blanchett, cuja mestria não pode ser menosprezada no desempenho desta coleção de meticulosamente desenhadas personagens, ainda que auxiliada pela impecável caraterização, pela cuidada cenarização e pela sempre intensa música de Nils Frahm e Ben Lukas Boysen.

Dentre os pontos positivos, há ainda que destacar a fotografia de Christoph Krauss, que faz quase tanto pela descrição de cada uma das correntes artísticas representadas como o guião e a representação da atriz principal. Pese embora todos estes pontos positivos, o realizador falha no momento de os unir. Rosefeldt acaba por apresentar o que aqui se afigura como uma aula sobre arte e a sua história, deixando de lado a preocupação em dar ao espetador uma experiência escorreita, coerente e cativante do início ao fim. A densidade do texto, sobreposto à multiplicidade de cenários, de figurantes e das perucas de Cate Blanchett, faz com que o mesmo nem sempre capte a atenção do espectador, sendo deixado para segundo plano quando todos os restantes artefactos do realizador saltam mais à vista. No fim, os 95 minutos parecem mais uma amostra

das capacidades que Rosefeldt e companhia aprenderam na escola de cinema, sem qualquer fio condutor que faça desta uma peça una e interessante como um todo. Não deixa de ser de louvar esta vontade de inventar e levar às salas de cinema algo bem diferente daquilo a que o seu espetador habitual está acostumado. Mas quando é maior a vontade de inovar do que a de garantir ao público uma boa experiência artística, não há manifesto que salve a obra.

Podia ser melhor

JOGO

Hearthstone: Heroes of Warcraft - POR ALEXANDRE SILVA -

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ançado em março de 2014 pela Blizzard Entertainement, como Hearthstone: Heroes of Warcraft e agora conhecido apenas como Hearthstone, este é um jogo de cartas colecionáveis multijogador ‘online’. Utilizando o mundo de Warcraft, o jogo de RTS que se tornou o MMORPG de maior sucesso de sempre lançado pela mesma companhia, a Blizzard decidiu apostar num produto que apelasse tanto aos ‘hardcore gamers’, como aos jogadores mais casuais, podendo ser jogado tanto no PC, como no ‘smartphone’ ou ‘tablet’. Hearthstone é um jogo que envolve muita estratégia, tanto na construção de baralhos, como nos duelos entre os jogadores. Sendo um jogo ‘free to play’, existem micro transações para poder ter acesso mais rápido a mais cartas e a mais modos de jogo. No entanto, a mecânica de ‘quests’ diárias, que recompensam o jogador com ‘in-game currency’, bem como modos de jogo alternativos, como a “Tavern Brawl” ou as “Solo Adventures”, permitem adquirir as cartas necessárias para jogar competitivamente sem gastar um cêntimo.

Este equilíbrio entre modos de jogo e necessidade de conhecimento estratégico, bem como a ausência de mecânicas ‘pay to win’, fez com que desde cedo a comunidade de Hearthstone crescesse rapidamente, sendo hoje um dos jogos com maior projeção nos esports. Contando já com várias expansões desde o seu lançamento, o número de cartas disponíveis foi aumentando consideravelmente. Para colmatar a barreira que isto colocaria a novos jogadores, existem dois modos competitivos: “Standard” e “Wild”. No modo “Standard”, os baralhos devem ser construídos usando apenas as cartas base e as últimas duas expansões, enquanto que no modo “Wild”, todas as cartas são permitidas. No passado dia 12, com o lançamento da nova expansão “The Witchwood”, inicia-se também o terceiro ano desde que este sistema de rotatividade de coleções foi instituído, acabando o ano do Mamute e começando o ano do Corvo. Um jogo em ter em consideração, especialmente para quem acompanha o crescimento dos esports.

Hearthstone: Heroes of Warcraft De esports Para Android, Mac OS Classic, ­Microsoft Windows, iOS 2018 A Cabra aconselha


17 DE ABRIL DE 2018 ARTES FEITAS - 15 -

MÚSICA

GUERRA DAS CABRAS A evitar Fraco Podia ser melhor

Disco-geografia

Razoável A Cabra aconselha

- POR FILIPE FURTADO -

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a longa tradição musical partilhada no Sound­cloud e depois de vários Ep’s bastante sugestivos, Tom Misch apresenta-nos o seu primeiro LP: “Geography”. O álbum assume-se como portefólio seguro da trajectória do músico londrino e, talvez por isso, soe a algo menos supreendente, mais previsível. Todavia, os temas de Misch ganham relevância ao afirmar sua identidade musical num jeito quase inequívoco, entre os ‘grooves’ e timbre da guitarra, às várias camadas de ornamentação das faixas. Pelo meio de muito ‘R&B’, ‘soul’ e algumas doses saudáveis de ‘hip-hop’, iniciamos o trajecto pela geografia de Misch com “Lost in Paris”. A faixa em colaboração com o rapper GoldLink é um bom presságio. O tema abre o espectro da pista de dança e caminha para sublimes apontamentos jazzísticos de trompete. “South of the River” continua nessa permissa do ‘dancefloor’ e pelas linhas do baixo lembra (ao de leve) “Around the World” dos Daft Punk. Em “It Runs Through Me” sentimos o ritmo a abrasileirar na companhia de De La Soul.

Geography De Tom Misch Editora Beyond The Groove Género R&B, Soul, Disco, Hip-Hop Ano 2018

A Cabra d’Ouro

Destas colaborações nascem algumas das faixas mais ‘upbeat’: “Disco Yes”, como o título sugere, é uma verdadeira homenagem às esferas espelhadas, um dueto entre Tom e o contraponto feminino de Poppy Ajudha que termina na melancolia da secção de cordas. Se saltarmos até “Cos I Love You”, entramos num ‘revival’ da velha guarda, sem falhas­­­. Neste primeiro LP o multi-instrumentista permite-se a nuances mais melosas. “Movie” é quase um cliché romântico do ‘R&B’ para dançar a dois e “Isn’t She Lovely” é um pequeno instrumental muito ‘bluesy’. Tom Misch é de tenra idade e terá muito para produzir. “Geography” é uma boa montra musical, com o selo da sua editora Beyond The Groove, resultará bem nos estéreos caseiros, nas pistas ou em concerto com banda completa.

Razoável

LIVRO Agir sobre o inevitável

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- POR RITA FLORES -

ibertação era o seu novo nome. O seu amor, Akbar, cidade e companheira, tornou-se num lugar de perda, de reconstrução e de passagem. Elias, profeta apresentado como perso­ nagem principal desta história, encontra-se numa revolta interior de conhecer aquela que é a sua Missão. Aceitar o inevitável ou desafiar o que pode ser evitável? Quinta era a posição que o monte ocupava no horizonte. Nada a população de Akbar queria ­fazer contra a vontade dos seus Deuses. O sol, a tempestade, o vento… todo o movimento da natureza tinha em si a força de um sinal divino. Porém, para que nenhum deles fosse visto como superior em relação aos restantes decidiram dar ao monte mais perto da sua cidade o número que a contagem no horizonte lhes indicava, o número cinco. Conflitos religiosos e bélicos, superstições e tradições imutáveis escreviam o dia-a-dia dos habitantes desta cidade situada no Líbano. Paulo Coelho, escritor brasileiro reconhecido por escrever livros que conduzem o leitor a uma reflexão mais profunda sobre o que as suas palavras ex-

pressam, relata neste caderno a jornada de um homem sábio que procurava resolver os seus e os conflitos dos outros. Entre um governador e um sacerdote, entre a guerra e a paz, entre a sua missão e o amor que havia encontrado, nada mais o inquietava do que a incerteza de permanecer no mesmo lugar. Por um lado, o coração de Israel tinha sido conquistado por uma mulher que perseguia os profetas de um Deus que não o dela e, por outro, a conquista bélica da terra onde era agora acolhido. “Imagine uma história para a sua vida, e acre­ dite nela”. Esta foi a mensagem que o escritor brasileiro nos quis deixar ao longo de “O Monte Cinco”. Tal como na viagem que Elias confiou fazer, também na nossa vida de estudante o curso ao qual entregamos as nossas horas de estudo e foco não têm de implicar ser a inevitável escolha do nosso caminho. Afinal, não é universidade um sinónimo aproximado da palavra universo? Escrevamos a nossa história, acreditemos nela!

A Cabra aconselha

O Monte Cinco De Paulo Coelho Editora Pergaminho 1996


Mais informação disponível em

cabra.pt JORNAL UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA

EDITORIAL - POR CARLOS ALMEIDA -

Uma arena mal-amanhada

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ão é novidade que no seio da academia se vive um certo conflito sobre o que no passado deve estar e o que no presente deve continuar. Depois de uma quase interrupção de tradição, a ameaça de boicote da Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra (AAC) à Queima das Fitas, que afinal não se vai concretizar, surge, pois, uma quebra efetiva de tradição: o fim da Garraiada. Andou-se para a frente e para trás, a brincar aos referendos e às votações e, no fim, 76 veteranos decidiram pela abolição oficial. Ficam então perguntas no ar: será que agora, depois da decisão de acabar com a tradição, fica um espaço por preencher? E se sim, com o quê? O dux veteranorum acre­dita que a “academia arranja sempre mecanismos para evoluir”, opinião também partilhada pelo presidente da Direção-Geral da AAC, Alexandre Amado. Esperemos então para ver. De qualquer das formas, o debate sobre a continuação da Garraiada não foi dos melhores e parece ter sido feito, como diz a expressão popular, às três pancadas. Foram tomadas decisões que tenderam a extremar-se e tentou tornar-se o debate (que foi até mal promovido) bipartido, quando, na verdade, existem partes cinzentas. As perspetivas histórica, científica e social foram precariamente discutidas e de forma acelerada, o que não permitiu uma maturação de uma decisão mais assertiva. Foi, portanto, uma arena de debate mal-amanhada. A academia de Coimbra, como microcosmo da sociedade portuguesa, tomou uma resolução histórica no seu seio, mas tinha a obrigação de elevar o processo decisivo e torná-lo realmente bem estruturado. Faltou algo aqui. Sal, talvez?

Andou-se para a frente e para trás, a brincar aos referendos e às votações e, no fim, 76 veteranos decidiram pela abolição oficial”.

Ficha Técnica

Diretor Carlos Almeida

Paginação Luís Almeida, Ana Francisca Nunes, Pedro Dinis Silva

Jornal Universitário de Coimbra – A CABRA Depósito Legal nº183245702 Registo ICS nº116759 Propriedade Associação Académica de Coimbra

Editores Executivos Luís Almeida e Pedro Dinis Silva

Fotografia Vittorio Alves, Jéssica Gonçalves, Hugo Guímaro, Paula Martins, João Ruivo, Micaela Santos, Pedro Emauz Silva, Ana Rita Teles

Equipa Editorial Luís Almeida e Pedro Dinis Silva (Ensino Superior), Daniela Pinto (Cultura), Margarida Mota (Desporto), Ana Francisca Nunes (Ciência & Tecnologia), Isabel Simões (Cidade), Hugo Guímaro (Fotografia) Colaboraram nesta edição Vittorio Alves, José Gomes Duarte, Maria Fernandes, Marina Ferreira, Inês Gama, Jéssica Gon­çalves­­, Bernardo Almeida Henriques, Ana Lage, Francisco Madaíl, Margarida Maneta, Paula Martins Raquel Medeiros, Eduarda Mendes, Miguel Mesquita Montes, Gabriela Moore, Ana Sofia Neto, Daniel Pascoal­­, Maria Francisca Romão, Ana Santos, Micaela Santos, Samuel Santos, Alexandre Silva, Pedro Emauz Silva, Ana Laura Simon, Ana Rita Teles, Filipa Vieira

JORNAL UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA

Colaboradores Permanentes Inês Duarte, Rita Flores, Filipe ­Furtado, João Pimentel, Vasco Sampaio, Paulo Sérgio Santos

Ilustração Ana Francisca Nunes, Marta Emauz Silva Infografia Hugo Guímaro

Impressão FIG – Indústrias Gráficas, S.A. Telf. 239499922, Fax: 239499981, e-mail: fig@fig.pt Produção Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra Agradecimentos Reitoria da Universidade de Coimbra Tiragem 2000 exemplares


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